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  • Medicoes e erros

    Jose AmoreiraDepartamento de Fsica, UBI

    Revision: 1.16Date: 2005/03/07 14:52:47

    Indice

    1 Medicoes. Exactidao e precisao de uma medicao 1

    2 Erros sistematicos e erros aleatorios 5

    3 Precisao de uma medicao isolada 63.1 Leituras em escalas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63.2 Leituras em mostradores digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73.3 Condicoes nao ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    4 Apresentacao do resultado de uma medicao 74.1 Resultado erro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84.2 Algarismos significativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    5 Repeticao de medicoes 10

    6 Propagacao de erros 146.1 Algarismos significativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146.2 Precisao do resultado de um calculo . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    6.2.1 Incerteza do produto com uma constante bem definida . . . 186.2.2 Incerteza da soma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196.2.3 Exemplo: incerteza do valor medio de uma amostra . . . . 196.2.4 Incerteza de produtos e divisoes . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    7 Metodo dos mnimos quadrados 217.1 Regressao linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    7.1.1 Ajuste de rectas do tipo y = ax + b . . . . . . . . . . . . . . 227.1.2 Ajuste de rectas do tipo y = ax . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    7.2 Incertezas nos parametros do ajuste . . . . . . . . . . . . . . . . . 247.2.1 Rectas do tipo y = ax + b . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247.2.2 Rectas do tipo y = ax . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257.2.3 Incerteza das ordenadas (y) . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    7.3 Exemplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

    8 Representacao grafica de dados experimentais 27

    9 Dois instrumentos para a medicao de distancias 299.1 A craveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 299.2 O palmer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

  • CopyleftO autor deste texto e Lus Jose Maia Amoreira ([email protected]), doDepartamento de Fsica da Universidade da Beira Interior.Este texto pode ser obtido gratuitamente no URL

    http://www.dfisica.ubi.pt/~amoreira/lectnotes/flnts.pdf

    Este texto pode ser copiado, alugado, vendido, emprestado ou oferecido, desde queeste Copyleft permaneca inalterado. O texto pode ser adaptado, acrescentado oudiminudo, desde que sejam satisfeitas as seguintes condicoes:

    no produto final, deve ser includa uma indicacao bem visvel de que se tratade uma adaptacao deste documento

    devem ser referidos os nomes dos autores deste documento deve ser apresentado o URL deste documento (ver acima)

    Os autores agradecem ser informados da redaccao de trabalhos baseados neste texto.

    Composto em LATEX.

  • Imaginemos que pretendamos determinar o tempo gasto por um objecto (porexemplo uma bola de tenis) a atingir o solo, quando e largado, em repouso, deuma altura de um metro. Para levar a cabo esta determinacao dispomos de umafita metrica graduada em milmetros e de um cronometro digital vulgar (dos quefrequentemente sao includos nos relogios de pulso digitais), com indicacao ate ascentesimas de segundo. Comecamos por determinar a posicao a partir da qualdevemos deixar cair a bola. Tomamos a fita metrica e fazemos na parede umamarca situada a 1000 milmetros do solo. De seguida, preparamo-nos para largar abola a partir da altura escolhida e cronometrar o tempo de queda. Antes, porem,resolvemos confirmar a medicao da altura da marca. Repetimos a medicao coma fita metrica, mas obtemos agora o resultado de 1001 milmetros! Com algumaimpaciencia, corrigimos a posicao da marca, e ficamos finalmente em condicoes deiniciar a cronometragem do tempo queda da bola. Repetimos esta medicao tresvezes e obtemos os seguintes resultados: 0,43 s, 0,36 s e 0,38 s!

    Detalhes a parte, a situacao descrita e com certeza familiar a todos. E um factoque a repeticao da medicao de uma dada grandeza nao produz, em geral, resultadosexactamente iguais. A existencia destas discrepancias nao indica necessariamentenem falta de cuidado na realizacao da medicao, nem deficiencias dos instrumentosusados (mas e claro que estes dois factores influenciam dramaticamente a sua im-portancia); e antes uma caracterstica essencial dos processos de medida que, decerta maneira, esconde de nos, observadores, o verdadeiro valor da quantidade adeterminar. Com efeito, dados os tres resultados apresentados para o tempo dequeda da bola, qual o valor que devemos atribuir a essa quantidade?

    1 Medicoes. Exactidao e precisao de uma medicao

    Nestes apontamentos, designamos por medicao ou operacao de medida qualquerdeterminacao do valor de uma quantidade caracterstica de um sistema ou do estadode um sistema. As medicoes podem ser directas (como a simples medicao de umadistancia usando uma regua), podem ser indirectas (como a determinacao da massavolumica de uma substancia homogenea a partir das medicoes directas da massa e dovolume de uma amostra dessa substancia), ou podem resultar de uma repeticao devarias medicoes; pouco importa: referimo-nos a todos estes tipos de determinacoescomo medicoes.

    Em geral, a medicao de uma dada quantidade apenas produz, como resultado,uma estimativa, isto e, um valor mais ou menos aproximado do valor verdadeirodessa quantidade. Com a repeticao da operacao de medida nao se consegue mais doque novas estimativas, nao necessariamente melhores do que a primeira. Chama--se erro de uma medicao a diferenca entre o valor obtido nessa medicao e o valorverdadeiro da quantidade que se pretende determinar. Uma medicao diz-se tantomais exacta quando menor for o seu erro. Por exemplo, imagine-se que se queriadeterminar o comprimento, exprimindo-o em unidades para nos familiares, de umparafuso com um comprimento tabelado de tres polegadas. A polegada e umaunidade de comprimento usada no Reino Unido e nos EUA cujo valor e cerca de2,54 cm. Podemos estimar o comprimento do parafuso a olho e sugerir um valorde cerca de 10 cm; podemos tambem usar uma regua graduada em milmetros efazer uma medicao, obtendo-se um valor compreendido entre 76 e 77 milmetrosque, por estimativa, e avaliado como 76,5mm. Sabendo-se que o valor verdadeiro,ate as decimas de milmetro, e 76,2 mm, o erro da primeira determinacao e 23,8 mmao passo que o da segunda e apenas 0,3mm. Podemos pois dizer que a segundadeterminacao e muito mais exacta do que a primeira.

    A magnitude do erro, por si so, nao e uma quantidade muito informativa. Aimportancia do erro de uma medicao revela-se em comparacao com o valor medido.

    1

  • Para ilustrar esta afirmacao consideremos a medicao de duas distancias, a largura deuma pagina A4 e o raio equatorial da Terra. Uma medicao da largura de uma paginaA4 produziu o resultado de 209 mm; sabendo-se que o valor verdadeiro e 210 mm,o erro cometido foi, em modulo, 1 mm. Numa determinacao do raio equatorialda Terra, obteve-se o valor de 6375 km; sendo o valor verdadeiro desta quantidade6371 km, concluimos que o erro cometido e agora de 4 km, ou seja 4106 mm. O erroda primeira medicao e muito menor que o da segunda, mas a verdade e que quatroquilometros de erro na medicao do raio da Terra tem uma importancia relativa muitomenor que um erro de um milmetro na medicao da largura da pagina A4. Outroexemplo: se afirmar que ontem tive dois convidados para jantar em casa, quando,de facto, foram tres, cometo um erro grosseiro; mas se se disser que cinquenta milespectadores assistiram a um jogo de futebol quando, na verdade, apenas quarenta enove mil o presenciaram, ja ningem dira que se cometeu um grande erro, apesar serbastante superior, em termos absolutos, ao cometido na contagem dos convidados...

    Para melhor avaliar o valor relativo do erro, introduz-se uma quantidade cha-mada erro relativo, que e a razao entre o erro e o valor verdadeiro da quantidademedida. Para distinguir bem o erro relativo, chama-se por vezes erro absoluto adiferenca entre o valor medido e o valor verdadeiro. Se xV for o valor verdadeiroda quantidade a medir e o resultado da medicao for x, entao

    E = x xV (Erro ou erro absoluto)

    =x xV

    xV(Erro relativo).

    Vejamos, de novo, o exemplo anterior. Os erros absoluto e relativo das estimativasda medicao da largura da pagina A4 e do raio equatorial da Terra sao

    EA4 = |209 210|mm = 1 mm A4 = 1210 = 4, 76 103 0, 5%

    ERT = |6375 6371| km = 4km RT = 46371 = 6, 28 104 0, 06%;podemos concluir que, apesar do erro absoluto da estimativa da largura da paginaser muito menor do que o erro absoluto da estimativa do raio da Terra, esta ultimaestimativa e, em termos relativos, bastante mais exacta do que a primeira.

    De acordo com a definicao apresentada, para se determinar o erro (absoluto ourelativo) de uma medicao e necessario conhecer o valor verdadeiro da quantidademedida. Na esmagadora maioria das situacoes, esse valor nao e conhecido (ou entaopara que fazer a medicao?), logo, nao se pode determinar o erro. Ainda assim,consegue-se em geral fazer estimativas do modulo do erro cometido. Por exemplo,quando se mede a largura de uma folha de papel A4 com uma regua graduadaem milmetros, e possvel, com cuidado, evitar erros superiores a meio milmetro.Neste caso, e possvel indicar o valor maximo do modulo do erro; se o resultadoda medicao foi de 210,0 mm, pode dizer-se que a largura da folha de papel A4 temum valor compreendido entre 210,0 mm - 0,5 mm e 210,0 mm + 0,5mm. Noutrassituacoes, os erros que afectam as medicoes podem ter valores muito grandes, masnormalmente nao ultrapassam um dado limite; aqui, e mais informativa a grandezatpica dos erros do que o seu valor maximo, que corresponde a erros muito raros.

    Pelo que ja ficou dito, deve ser ponto assente que os resultados de uma serie derepeticoes da medicao de uma dada quantidade nao sao, em geral, todos iguais, masantes se distribuem num intervalo mais ou menos amplo. Quanto mais amplo e esteintervalo, maior e a incerteza sobre o resultado de uma nova repeticao da medicao,feita nas mesmas condicoes. Uma medicao diz-se precisa quando os resultados desucessivas repeticoes estao muito proximos uns dos outros. Por exemplo, a medicaode comprimentos usando fitas metricas graduadas em centmetros e menos precisado que usando reguas graduadas em milmetros, porque os erros de estimativa sao

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  • O artista em voo! Sobre o ponto seguromais elevado (marcado com uma seta)sao exercidas forcas que podem atingir14 000 N; 7000N no ramo da corda quesuspende o alpinista e outros 7000N noramo que o une ao colega de cordada. Ofabricante indica que o material que une acorda a rocha pode suportar forcas de ate15 000 N, mas nao refere a precisao comque as medicoes sao feitas. Qual sera asorte do alpinista? Nao perca as proximasdecimas de segundo...

    maiores quando se usam escalas com divisoes mais largas (ver mais adiante). Aexpressao erro e mais frequentemente usada para designar esta incerteza no re-sultado de uma medicao do que com o significado que lhe e atribudo pela definicaoatras apresentada.

    A precisao de uma medicao da uma indicacao da incerteza do seu resultadoe pode ser tao relevante como o valor obtido para a quantidade que se mediu.Vejamos um exemplo. A meio de uma longa escalada, um alpinista prende a suacorda a parede e, seguro numa das extremidades desta mesma corda, prepara-separa continuar a ascensao. O material que usou para prender a corda a paredeesta preparado para resistir a cargas de 15 kN (quinze mil newtons), de acordo comtestes laboratoriais realizados pelo fabricante. Nas quedas mais perigosas, a forcade tensao que se desenvolve na corda, necessaria para travar o alpinista, tem umvalor maximo dado por

    FM = 2g

    M

    p,

    onde g e a aceleracao da gravidade, M e a massa do alpinista, e p e um factorque depende das caractersticas de elasticidade da corda que, de acordo com da-dos fornecidos pelo fabricante, tem o valor de 6, 25 104 kg1. Sabendo que oalpinista tem uma massa de 80 kg, numa queda perigosa desenvolve-se na cordauma forca com cerca de 7000 N; sobre o ponto seguro mais elevado, que e aqueleque suportara maior carga, sera pois exercida uma forca aproximadamente igual a14 000 N (7000N em cada segmento de corda). Aparentemente, o nosso alpinistapode estar descansado, uma vez que a forca sobre o sistema de seguranca em casode queda e inferior ao valor maximo que, de acordo com os testes laboratoriais, elee capaz de suportar. No entanto, isto nao e necessariamente assim. Uma vez quenao e indicada qual a precisao com que os testes laboratoriais foram levados a cabo,nao conhecemos o limite superior do erro que afecta a medicao da carga maxima.Se este limite for de 1000 N, apenas se pode afirmar, com base nos referidos tes-tes laboratoriais, que o valor verdadeiro da resistencia maxima da proteccao estaprovavelmente compreendido entre 14 000 N (ja no limite mnimo do que se pode,neste caso, considerar seguro) e 16 000N. Mais ainda, tambem nao nos e indicadoqual o erro que afecta a determinacao do factor p. Se este factor tiver um valorligeiramente inferior ao apresentado, a forca de travagem pode ser substancialmente

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  • maior do que 7000 N... Vemos assim que, apesar das caractersticas anunciadas pe-los fabricantes serem aparentemente adequadas a pratica de escalada, o facto de naoserem tambem disponibilizados dados respeitantes a precisao com que esses valoresforam medidos nao nos permite decidir se a seguranca sera, neste caso, eficaz(a). Amoral deste exemplo e que nao basta conhecer o resultado obtido por medicao deuma dada quantidade; e necessario tambem indicar a precisao com que a medicaofoi feita.

    A precisao e a exactidao de uma medicao sao duas caractersticas independen-tes uma da outra. Uma experiencia pode ser muito precisa mas pouco exactaou, pelo contrario, muito exacta mas pouco precisa (b). Um exemplo famoso demedicao muito exacta mas pouco precisa e a determinacao do permetro da Terrapor Erastotenes de Cirena(c), cerca de 200 aC. Erastotenes sabia que ao meio-diado dia mais longo do ano (solstcio de verao, dia de S. Joao), na cidade egpciade Siena, os raios solares iluminavam o fundo dos pocos de agua, isto e, tinham adireccao vertical. Em Alexandria, a cerca de 790 km a norte de Siena, Erastotenesmediu, ao meio-dia do dia do solstcio de verao, a inclinacao dos raios solares, e apartir destes dados (distancia Siena Alexandria e inclinacao dos raios solares emAlexandria), determinou, fazendo um calculo de geometria elementar, o permetroda Terra, tendo obtido um valor muito proximo do actualmente aceite, de 40 000 km.Mas Erastotenes nao dispunha de meios para avaliar com precisao a distancia entreSiena e Alexandria. Tera, talvez, contratado alguem para fazer a pe a viagem entreas duas cidades contando os passos dados, ou entao usou dados administrativos,necessarios ao governo do reino do Egipto. Seja como for, o valor que atribuia adistancia entre as duas cidades estava afectado de uma grande incerteza. O valorobtido para o permetro terrestre, mesmo que proximo (sabemo-lo agora) do valorverdadeiro, era muito incerto, e so o tempo o validou. Refira-se, ja agora, que oscontemporaneos e sucessores de Erastotenes acharam que o seu resultado era im-possivelmente grande, e novas estimativas foram feitas que reduziam a Terra a umtamanho mais razoavel. O permetro da Terra foi de tal forma diminudo que,1600 anos depois de Erastotenes, Cristovao Colombo, baseando-se nestas novas emelhoradas estimativas, julgou ter encontrado a India no final de uma viagemtres a quatro vezes menor do que a que, de facto, seria necessaria para a atingir...

    Exactidao de uma medicao: Medida da proximidade do valor medidoao valor verdadeiro da grandeza medida.

    Precisao de uma medicao: Medida da dispersao dos resultados obtidosem repeticoes independentes dessa medicao.

    (a)Este exemplo foi propositadamente exagerado, a fim de melhor se ilustrar a importancia doconhecimento da precisao com que uma medicao e feita. Na realidade, os materiais usados emescalada devem ser capazes de suportar cargas bastante superiores, e as cordas sao mais elasticas(isto e, os valores de p sao mais elevados), por forma a que as forcas de choque resultantes de umaqueda sejam pequenas. Por outro lado, a rocha em que se escala nao e sujeita a normas e naoraras vezes e o elemento mais fragil de toda a montagem... Em resumo, escalar e mais perigoso doque jogar ao king.(b)E, claro, pode ainda ser muito exacta e muito precisa, ou pouco exacta e pouco precisa... Por

    exemplo, Galileu tentou medir a velocidade da luz; com os meios de que dispunha, essa medicaoso podia ser pouco precisa. Do resultado dessas experiencias ficou convencido que a velocidade daluz tinha um valor infinito, que e um resultado muito afastado do valor verdadeiro, ou seja, muitoinexacto.

    (c)Viveu durante os anos de 275 a 195 antes de Cristo, aproximadamente. Foi o sucessor deEuclides no cargo de director da conhecida biblioteca de Alexandria.

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  • A

    B

    Figura 1: Para medir o volume de um lquido usando uma proveta, deve tomar-se como ponto de referencia o fundo do menisco (A) e nao o nvel docontacto da superfcie do lquido com o vidro (B).

    2 Erros sistematicos e erros aleatorios

    Relativamente a forma como afectam o resultado das medicoes, os erros podemclassificar-se em duas famlias principais: a dos erros sistematicos e a dos errosaleatorios ou fortuitos. Os erros sistematicos sao aqueles que afectam sempre nomesmo sentido e com a mesma magnitude o resultado de uma medicao. Por exem-plo, as medicoes de comprimentos feitas com uma fita metrica mal graduada estaoafectadas de erro sistematico resultante da ma graduacao da fita. Na medicao do vo-lume de lquidos usando provetas, deve tomar-se como referencia o fundo do meniscodefinido pela superfcie do lquido (ver a Fig. 1); um estudante que erradamente useo nvel em que a superfcie livre do lquido contacta com as paredes esta a incorrernum erro sistematico, avaliando o volume sempre por excesso. Verificando e cali-brando cuidadosamente os instrumentos de medida e o procedimento da medicaoe possvel eliminar, ou, pelo menos, diminuir, a importancia de algumas das fontesde erros sistematicos.

    Os erros aleatorios sao, como o nome indica, imprevisveis, tanto em grandezacomo em sentido. Um exemplo de erro aleatorio e o erro cometido nas cronometra-gens, quando nao se usam mecanismos automaticos de arranque e de paragem docronometro. Na medicao de comprimentos com fitas metricas e usual fazerem-se es-timativas, que sao afectadas por erros aleatorios que dependem de factores pessoaisdo observador.

    Os erros sistematicos afastam de forma consistente o resultado das medicoes dovalor verdadeiro da quantidade que se mede. Assim, afectam apenas a exactidao damedicao. Em contrapartida, os erros fortuitos apenas dispersam os resultados dasmedicoes; afectam pois, principalmente, a precisao das medicoes.

    Fazendo uma analogia entre as operacoes de medida com o exerccio do tiro aoarco(d), ilustra-se na Fig. 2 o efeito dos erros sistematicos e aleatorios.

    Erros sistematicos: Sao os que afastam de forma consistente o resul-tado obtido numa medicao do valor verdadeiro da grandeza medida. Sopodem ser corrigidos melhorando o procedimento de medida, calibrandodos instrumentos, etc.

    Erros aleatorios: Sao os que nao apresentam qualquer regularidade. Naoe possvel elimina-los, mas pode diminuir-se a sua importancia usandometodos estatsticos.

    (d)Em ambas as actividades pretende-se atingir um objectivo de certa forma inacessvel: naprimeira, esse objectivo e o valor verdadeiro da quantidade que se pretende determinar; na segunda,e a mouche do alvo.

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  • Figura 2: Resultados obtidos por dois arqueiros numa serie de lancamentos. Osresultados da esquerda revelam um atirador com um grande erro sis-tematico, mas com erros fortuitos pequenos, ou seja, muito preciso maspouco exacto; os da esquerda foram obtidos por um arqueiro cujo errosistematico e pequeno, mas com grandes erros aleatorios.

    0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    Figura 3: Medicao do comprimento de um lapis.

    3 Precisao de uma medicao isolada

    As medicoes sao quase todas feitas por leitura em escalas (medicoes com reguas,transferidores, relogios de ponteiros, voltmetros analogicos, etc.) ou em mostra-dores digitais (conta-quilometros dos automoveis, relogios digitais, etc.). Vamostentar determinar estimativas razoaveis da grandeza dos erros tipicamente cometi-dos quando se efectuam medicoes destes dois tipos. A estas estimativas costumadar-se o nome de erro de leitura.

    3.1 Leituras em escalas

    Consideremos um exemplo, ilustrado na Fig. 3, da medicao do comprimento de umlapis. Como se pode verificar, o comprimento do lapis esta compreendido entre osvalores de 6,5 e 6,6 centmetros. Todos concordarao, alem disso, que o comprimentodo lapis esta mais proximo do segundo valor indicado do que do primeiro, ou seja, ovalor verdadeiro deve ser superior a 6,55 cm. Para se aproveitar esta informacao, oresultado da medicao deve ser avaliado, por estimativa, ate as decimas de milmetro.Neste exemplo, indicaramos um valor de 6,56 cm. Note-se que esta estimativa naoe rigorosa e diferentes observadores fazem, normalmente, estimativas diferentes.Assim, estariam igualmente correctos resultados de 6,57 cm ou maiores ainda. Comeste procedimento de estimativa ate as decimas de milmetro, o erro cometido e comcerteza inferior a 0,5 mm, ja que estimativas cuidadosas tem como resultado valorescompreendidos entre 6,55 cm e 6,60 cm, intervalo cuja largura e de 0,5 mm.

    Este modo de proceder e utilizado em todas as medicoes envolvendo leituras emescalas, incluindo leituras em instrumentos com ponteiros (galvanometros, relogiosde ponteiros, etc.): o resultado deve ser apresentado incluindo uma estimativa ate asdecimas da menor divisao da escala e o limite do erro (em condicoes ideais) e de me-tade do valor correspondente a essa menor divisao da escala. Podem considerar-seexcepcoes a esta regra quando a escala for muito apertada, dificultando as estima-tivas. A, usa-se como erro de leitura o valor correspondente a menor divisao daescala.

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  • 3.2 Leituras em mostradores digitais

    Quando se usam instrumentos com mostradores numericos, como cronometros di-gitais, etc., o valor medido regista-se tal e qual e apresentado pelo aparelho. Aconvencao usual, e que sera seguida nesta disciplina, e tomar como erro de leiturauma unidade do algarismo menos significativo do mostrador(e). Por exemplo, umampermetro digital apresenta um valor da corrente que o atravessa de 1,350A. Estevalor e o resultado de uma medicao da corrente; o limite do erro desse resultado ede 1mA.

    3.3 Condicoes nao ideais

    Em algumas, muito raras, situacoes, o erro cometido numa medicao reduz-se ape-nas ao erro de leitura. Sao muito mais frequentes as situacoes em que ha outrasfontes para a incerteza do resultado. Por exemplo, consideremos a determinacaodo diametro de uma bola de futebol com uma regua(f) graduada em milmetros.E muito difcil fazer a leitura por causa dos erros de paralaxe, ou de perspectiva.Apesar de difcil, consegue fazer-se uma estimativa, mas so com muito optimismose pode afirmar que o limite superior do erro cometido e de meio milmetro... Con-sideremos um outro exemplo. Os relogios de pulso digitais vulgares costumam estarequipados com uma funcao de cronometro, cujos mostradores tem capacidade paraapresentarem fraccoes do segundo, tipicamente ate as centesimas do segundo. Noentanto, a medicao de um intervalo de tempo usando estes dispositivos esta afectadade erros muito superiores a 0,01 s, porque o arranque e a paragem do cronometroe feita manualmente, e nos, humanos, nao somos, fisiologicamente, capazes de ta-manha precisao. Na pratica, nao se consegue uma precisao melhor do que algumasdecimas de segundo.

    A grandeza aproximada do erro de uma medicao deve pois ser estimada paracada situacao. Os valores apresentados nas Seccoes 3.1 e 3.2 sao apenas orientacoes,e so nalguns casos especiais podem ser utilizados sem modificacoes.

    Erro de leitura de medicoes usando escalas: metade do valor corres-pondente a menor divisao

    Erro de leitura de medicoes com instrumentos digitais: uma uni-dade do algarismo menos significativo usado

    Mas atencao: o erro da medicao e quase sempre superior ao erro deleitura!

    4 Apresentacao do resultado de uma medicao

    Como ja se disse, a grandeza do erro cometido numa medicao (isto e, a estimativada incerteza que afecta o seu resultado) pode ser tao relevante como o seu resultadopropriamente dito. Por isso, e necessario, quando se apresenta o resultado de umamedicao, apresentar tambem uma estimativa do erro que a afecta. Ha duas con-vencoes normalmente usadas para o efeito: a apresentacao explcita da incerteza,a frente do resultado da medicao, e a apresentacao implcita, subentendida pelonumero de algarismos apresentado.

    (e)No entanto, os aparelhos com mostradores numericos sao frequentemente concebidos por formaa nao cometerem um erro superior a metade dessa quantidade.

    (f)Ha instrumentos mais adequados para o efeito, mas imaginemos que nao estavam disponveis.

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  • 4.1 Resultado erroA apresentacao explcita do erro de uma medicao (isto e, de uma estimativa razoaveldo erro da medicao) e usualmente feita colocando-o imediatamente a frente doresultado, separado por um sinal . Para facilitar a comparacao com o resultadoda medicao, devem ser usadas as mesmas unidades e os mesmos expoentes daspotencias de 10 em notacao cientfica. Por exemplo, o resultado da medicao dolapis da Fig. 3 pode ser apresentado em qualquer das seguintes formas

    l = (6, 55 0, 05) cml = (65, 5 0, 5)mml = (6, 55 0, 05) 102 m,

    mas nao comol = 6, 55 cm 0, 5mm

    nem comol = (6, 55 5 102) cm.

    Note-se bem que quando dizemos que o resultado de uma medicao e D , nao sepretende significar que o valor verdadeiro da quantidade medida esta com toda acerteza no intervalo [D ; D + ], mas apenas que temos um grau de confiancarazoavel(g) de que isso se verifique.

    Um erro frequente, principalmente quando a medicao envolve calculos, consistena apresentacao de algarismos a mais, sem significado. Para ilustrar este erro, ima-ginemos que pretendamos determinar o diametro de uma bola, dispondo para oefeito de um fita metrica graduada em centmetros. Em vez de medirmos directa-mente o diametro da bola, medicao muito imprecisa devido ao erro de paralaxe,optamos por medir o permetro da bola e obter indirectamente o diametro divi-dindo o resultado por . Feita a medicao, obtemos, para o permetro, um valor dep = (25, 6 0, 5) cm (a incerteza de 0,5 cm reflecte o facto de a fita metrica estargraduada em centmetros). Os valores obtidos para o diametro e para o erro queo afecta sao entao(h), mantendo todos os algarismos apresentados no mostrador dacalculadora,

    d = p/ = 8, 148733086 cm

    =0, 5 cm

    = 0, 159154943 cm.

    O valor de e uma estimativa da incerteza da determinacao do diametro e, comotal, nao faz sentido apresenta-lo com tantos algarismos como os presentes acima.Entao reduz-se normalmente o numero de algarismos significativos (ver adiante)presentes na estimativa do erro a apenas um ou, quando muito, dois. Tomemosentao, como estimativa da grandeza do erro que efecta a nossa determinacao dodiametro da bola, o valor = 0, 16 cm. Se estamos incertos quanto as centesimasde centmetro, que significado tem apresentarmos, no valor do diametro, algarismoscorrespondentes as milesimas de centmetro e a fraccoes ainda menores? Nenhum,claro! Nesse caso, nao os apresentemos. A forma correcta de apresentar o resultadoda medicao do diametro da bola e, entao,

    d = (8, 15 0, 16) cm.(g)Mais adiante estudaremos a forma de dar a esta expressao um caracter mais objectivo.(h)Na Seccao 6 veremos como calcular a incerteza do resultado de um calculo a partir das incer-

    tezas dos parametros de que depende. Neste caso, a incerteza no diametro e igual a incerteza nopermetro, a dividir por .

    8

  • 4.2 Algarismos significativos

    A forma que acabamos de apresentar para exprimir o valor numerico de uma gran-deza (bem como da incerteza que o afecta) e normalmente considerada a maiscorrecta. No entanto, em situacoes de menor exigencia cientfica, e vulgar indicaruma estimativa da incerteza do valor de uma grandeza de forma implcita, atravesda chamada convencao dos algarismos significativos. Os algarismos significativosde um valor numerico sao aqueles que traduzem um conhecimento real da grandezarepresentada. Num valor numerico, os algarismos significativos sao aqueles que saoconhecidos exactamente, mais o primeiro que esta afectado de incerteza. Por exem-plo, a medicao do comprimento da unha do meu dedo indicador esquerdo com umaregua graduada em milmetros produz o resultado

    l = 1, 18 cm.

    Como se disse atras, o erro cometido nesta medicao e de metade da menor divisao daescala, ou seja 0,05 cm. Assim, os tres algarismos apresentados sao todos algarismossignificativos. Expresso em milesimas de milmetro (mcrons) este valor e

    l = 11800 m

    Apresentamos agora a mesma quantidade com 5 algarismos, mas apenas os tresprimeiros sao significativos, ja que os dois zeros no final nao foram determinadospela medicao. De facto, uma vez que o ultimo algarismo significativo (8) e jaincerto, dos dois algarismos finais sao totalmente desconhecidos. Apresentamo--los como sendo zero mas a verdade e que nao fazemos a mais pequena ideia doseu verdadeiro valor. Os dois ultimos algarismos foram includos na expressao docomprimento apenas para indicar a sua ordem de grandeza, significando que oresultado da medicao foi cento e dezoito centenas de mcrons.

    Podemos evitar a presenca de algarismos nao significativos num valor numericousando a notacao cientfica. Voltando ao exemplo anterior, podemos representar ocomprimento da unha expresso em milesimas de milmetro como

    l = 1, 18 104 m.

    Os algarismos usados para representar a potencia de dez (104, no nosso exemplo)apenas indicam a ordem de grandeza do valor apresentado e como tal nao sao nuncaconsiderados algarismos significativos.

    Sao entao algarismos significativos os que satisfazem o seguinte criterio:

    todos os algarismos diferentes de zero sao significativos, excepto os que surgemnos expoentes de dez em notacao cientfica;

    o algarismo zero e significativo desde que nao seja usado apenas para indicara ordem de grandeza do valor respresentado.

    A convencao dos algarismos significativos consiste em apresentar, na expressaonumerica de uma dada grandeza, os algarismos significativos apenas; subentende--se entao que a incerteza no valor dessa grandeza e de algumas (nao especificadas)unidades da ordem de grandeza correspondente ao algarismo menos significativoapresentado.

    9

  • Regras para a apresentacao do resultado de uma medicao

    1. Valor e erro devem ser expressos nas mesmas unidades

    2. Valor e erro devem ser multiplicados pela mesma potencia de 10 em notacaocientfica

    3. Nao apresentar mais do que dois algarismos significativos no erro

    4. Nao apresentar, no valor, algarismos menos significativos do que o commenor significado do erro

    Algarismos significativos

    Num valor numerico correctamente apresentado, sao algarismos significativos to-

    dos os algarismos diferentes de zero. O zero e significativo se nao for usado apenas

    para indicar a ordem de grandeza do valor.

    5 Repeticao de medicoes

    Apresentaram-se na Seccao 3 estimativas para os erros de leitura cometidos emmedicoes feitas atraves de leituras em escalas e em mostradores digitais. Comose disse, o erro de medicao so em condicoes ideais e igual ao erro de leitura. Emgeral, e necessario estimar em cada situacao concreta a grandeza do erro cometidona medicao. Como se faz essa estimativa(i)? A forma mais simples consiste emrepetir varias vezes a medicao. A largura do intervalo de dispersao dos valores su-cessivamente obtidos e uma medida da incerteza que afecta o resultado da medicao,ou seja, e uma medida da sua precisao. Ao repetir varias vezes a medicao de umagrandeza, obtem-se alguns resultados inferiores, e outros superiores, ao verdadeirovalor dessa grandeza. Analisando o conjunto dos valores obtidos ficamos com umaideia melhor desse valor.

    Por exemplo, imaginemos que queremos determinar o tempo que um carrinhodemora a percorrer uma dada distancia num plano inclinado. Para fazer esta de-terminacao dispomos de um cronometro digital com indicacao ate as centesimas dosegundo, accionado manualmente. Uma vez marcada no plano inclinado a distanciaque queremos considerar, fazemos uma primeira cronometragem do percurso docarrinho, obtendo o valor 2,39 s. Em princpio, o valor obtido nao correspondeexactamente ao tempo de descida, porque nao conseguimos iniciar e parar a crono-metragem nos instantes exactos em que se inicia e se termina o movimento. Alemdisso, o movimento do carrinho pode ser alterado por factores erraticos que naonos interessa considerar, como correntes de ar, etc. Assim, resolvemos fazer umanova medicao, obtendo agora o valor de 1,99 s. Qual dos resultados escolher? Paraajudar a decidir, facamos mais medicoes. A paginas tantas, dispomos de uma longalista de resultados. E mais facil, entao, construir o que se chama um histograma.Comecamos por dividir o intervalo em que se distribuem os varios resultados numnumero relativamente pequeno (por exemplo, 20) de subintervalos, a que chamare-mos classes. Podemos agora falar da classe dos valores compreendidos entre 2,10e 2,12 s, etc. Fazemos entao a contagem do numero de resultados que pertencem acada classe, a chamada frequencia absoluta de cada classe. Representando grafica-mente estes numeros ficamos com uma ideia de quais os resultados mais frequentes.Para normalizar o grafico, e mais usual representar-se antes as frequencias relati-vas de cada classe, que sao as frequencias absolutas divididas pelo numero total derepeticoes da operacao de medida(j). Na Figura 4 representamos os histogramas

    (i)Antes de mais, note-se que falamos aqui dos erros fortuitos apenas. Os erros sistematicos saodetectaveis somente atraves da analise crtica dos resultados da medicao e por verificacao cuidadados instrumentos e do procedimento de medida.

    (j)Ja agora, diga-se de passagem que a probabilidade de uma classe e igual ao limite para quetende a sua frequencia relativa, quando o numero de repeticoes da medicao tende para infinito.

    10

  • 1 1.5 2 2.5 30

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1

    1 1.5 2 2.5 30

    0.1

    0.2

    0.3

    0.4

    0.5

    N=10S=2,11

    1 1.5 2 2.5 30

    0.05

    0.1

    0.15

    0.2

    N=500S=2,01

    1 1.5 2 2.5 30

    0.05

    0.1

    0.15

    0.2

    N=10000S=2,00

    N=1S=2,39

    Figura 4: A repeticao da medicao de um intervalo de tempo produz diferentesvalores de cada vez. Em abcissas encontram-se as classes temporaiscom que se dividiu o intervalo de resultados, em ordenadas as suasfrequencias relativas. Quando se aumenta muito o numero de repeticoescomecam a evidenciar-se regularidades que nos permitem determinarmelhor o verdadeiro valor da grandeza medida.

    obtidos a partir de diferentes repeticoes da operacao de medida, sendo o total demedicoes, N , indicado em cada grafico. Como se pode constatar, quando aumen-tamos o numero de medicoes comecam a notar-se certas regularidades estatsticas.Indicado tambem em cada grafico esta o valor da media aritmetica, S, das diferentesobservacoes.

    Voltemos agora ao problema com que comecamos estes apontamentos: quandose repete muitas vezes (digamos, N vezes) a medicao de uma quantidade X, uma vezque os sucessivos resultados (x1, x2, . . . , xN ) nao sao, em geral, coincidentes, qual ovalor x que deve ser apresentado como resultado global do conjunto das medicoes,como estimativa do verdadeiro valor da quantidade medida X? Em geral, a respostaa esta pergunta e que a melhor estimativa do valor de uma quantidade cuja medicaose repetiu N vezes e a media aritmetica dos resultados obtidos, dada pela operacao

    x x = x1 + x2 + . . . + xNN

    =1N

    N

    i=1

    xi,

    onde se usou a conhecida notacao para o somatorio de uma sucessao de valores.Note-se que esta nao e a unica possibilidade; podem apresentar-se argumentos afavor do valor que mais frequentemente se obtem ou a favor da mediana da amos-tra(k) mas por razoes que nao serao, pelo menos por enquanto, apresentadas, e quasesempre escolhida a media aritmetica da amostra como resultado global do conjuntodas observacoes. De resto, e bastante mais facil calcular a media aritmetica do quequalquer das quantidades alternativas referidas.

    Um argumento qualitativo a favor da media aritmetica como melhor estimativado verdadeiro valor de uma quantidade repetidas vezes medida consiste em notarque o erro que afecta cada um dos resultados da operacao de medida tem sinais

    (k)A mediana M de uma amostra de valores numericos e um valor tal que ha tantos elementosda amostra que lhe sao superiores como os que lhe sao inferiores.

    11

  • arbitrarios; quando se somam esses resultados e natural que se verifique um cance-lamento parcial desses erros, ficando a media aritmetica bastante proxima do valorverdadeiro.

    Voltemos agora ao problema da avaliacao da incerteza nos resultados das medi-coes, ou, como e costume dizer-se, do erro das medicoes. De acordo com o quese disse atras, a largura do intervalo que contem todos os valores obtidos numaserie de repeticoes de uma operacao de medida da uma ideia do erro que afectacada uma das medicoes dessa serie. De facto da, mas nao e uma boa estimativada incerteza da medicao porque, mesmo que a esmagadora maioria dos resultadosesteja concentrada num intervalo muito apertado, basta apenas um dos valoresobtidos estar muito afastado dos restantes para que a largura do intervalo quecontem todos os resultados ser grande, apesar da experiencia em questao poder sermuito precisa.

    Uma outra possibilidade consiste em calcular a media dos valores obtidos e, emseguida, os seus desvios, isto e, a diferenca entre cada um dos resultados e o valormedio,

    di = xi x, i = 1, 2, . . . , N.Quanto maior a incerteza que afecta a operacao de medida, maiores serao, em geral,os desvios. Isto sugere que se estime o erro da medicao pela media dos desvios. Noentanto, a media dos desvios de uma dada amostra e sempre nula, como se mostraa seguir:

    d =1N

    N

    i=1

    di

    =1N

    N

    i=1

    (xi x)

    =1N

    N

    i=1

    xi 1N

    N

    i=1

    x

    = x x = 0.

    O problema e que alguns desvios sao positivos, outros negativos e a sua soma e glo-balmente nula. Podemos entao tomar a media de quantidades positivas relacionadascom os desvios; duas possibilidades vem a mente: a media dos modulos dos desviose a media dos quadrados dos desvios. Por razoes que nao serao agora discutidas, ea segunda destas quantidades, chamada variancia, a escolhida.

    Sendo, como se disse, a media dos quadrados dos desvios, poderamos pensarque a variancia de uma amostra de valores (x1, x2, . . . , xN ) com valor medio x seriadada por

    2 =1N

    N

    i=1

    (xi x)2 , (1)

    mas tal nao e verdade. Por razoes demasiado tecnicas, e que nao tem aqui muitointeresse, a formula correcta para calcular a variancia de uma amostra, que repre-sentamos por s2N , e

    s2N =1

    N 1N

    i=1

    (xi x)2 . (2)

    Designa-se por vezes a quantidade 2 dada pela Eq. (1), no limite em que N , adimensao da amostra, tende para infinito, por variancia da populacao ou varianciada distribuicao; a quantidade s2N da-se o nome de variancia da amostra (x1, . . . , xN ).

    12

  • Para, de certa forma, justificar a utilizacao da Eq. (2), em vez da mais imedia-tamente intuitiva Eq. (1), imaginemos um caso limite, em que fazemos apenas umamedicao isolada, com resultado x. Temos entao N = 1 e o valor medio desta amos-tra singular e evidentemente x; se calcularmos a variancia usando a Eq. (1) obtemoso valor zero. Isso significa que a medicao apresenta uma incerteza nula? Eviden-temente que nao, devemos antes concluir correctamente que nao tem significado ocalculo da variancia de uma amostra singular. Justamente, a Eq. (2) impede-nos deo fazer por nao podermos levar a cabo uma divisao por zero, no factor 1/(N 1).

    A quantidade que mais frequentemente se identifica com a dispersao de umaamostra de valores (ou seja, com o erro ou incerteza de cada um dos valores) ea raiz quadrada da variancia, chamada desvio padrao. O desvio padrao de umaamostra de N valores x1, . . . , xN e pois

    sN =

    s2N =

    1N 1

    N

    i=1

    (xi x)2,

    e usa-se em vez da variancia por ser uma quantidade dimensionalmente semelhanteaos elementos da amostra.

    Pode acontecer (e acontece frequentemente, sobretudo quando se repete umamedicao um numero insuficiente de vezes) que os sucessivos resultados que se obtemna repeticao de uma medicao sejam muito proximos uns dos outros ou mesmo iguais.Isto pode dever-se a nao independencia das medicoes ou a uma flutuacao do acaso etraduz-se num valor muito pequeno do desvio padrao, inferior ate ao erro de leituracom que cada medicao e feita. Nestes casos, deve antes usar-se, para estimativa doerro que afecta cada medicao, o seu erro de leitura.

    Note-se tambem que, quando o numero de repeticoes de uma medicao e pequeno,a amostra de valores recolhida tem pouca significancia estatstica. Nestes casos,pode ocorrer que o desvio padrao da amostra (mesmo sendo maior do que o errode leitura) seja muito pequeno, sendo, pois, uma estimativa por defeito do erro decada medicao da amostra. Nao podemos saber se assim e sem aumentar o numerode medicoes da amostra. Para fazer face a esta duvida, e costume estimar o erro decada valor obtido num pequeno numero de repeticoes de uma medicao nao atravesdo desvio padrao da amostra, mas sim atraves do maior dos modulos dos desviosrelativamente ao valor medio, max(|xi x|). Para concretizar esta regra, digamosque se o numero de repeticoes for cerca de dez ou menor, se deve aplica-la; casocontrario, deve seguir-se a regra do desvio padrao.

    Temos falados ate aqui do erro (ou incerteza) de cada elemento de uma amostrade resultados de medicoes. Este valor e importante mas nao e, na maioria dassituacoes, o que mais nos interessa. Em geral, queremos e conhecer a incertezada melhor estimativa do valor verdadeiro da quantidade que medimos varias vezes.Provaremos na proxima Seccao destes apontamentos que esta incerteza e a chamadaincerteza da media, dada por

    x =xN

    ,

    onde x representa o erro de cada valor do conjunto, avaliado com o seu desviopadrao, com o desvio maximo ou com o erro de leitura, de acordo com a discussaodos paragrafos precedentes.

    13

  • Melhor estimativa de um conjunto de medidas: a media aritmetica,

    x =1

    N

    xi

    Medida da incerteza de cada medicao do conjunto (x): se o erro de leiturafor superior ao erro estatstico, esta incerteza e estimada pelo erro de leitura; casocontrario usa-se o erro estatstico, que e o desvio padrao do conjunto,

    x = sN =

    (xi x)2N 1 ,

    se N 10 ou o maior dos desvios absolutos,

    x = s = max (|xi x|) ,

    quando se dispoe de uma amostra de reduzida dimensao.Incerteza da media:

    x = x/

    N

    6 Propagacao de erros

    Pretende-se frequentemente determinar o valor de uma quantidade a qual nao setem directamente acesso atraves de uma operacao de medida, seja por razoes quese prendem com a natureza dessa quantidade, seja por condicionalismos praticosparticulares. Para proceder a essa determinacao somos obrigados a medir o valorde outras quantidades mais acessveis e a calcular o valor da quantidade requerida apartir do resultado destas medicoes. Nestas situacoes, dizemos que realizamos umamedicao indirecta. Por exemplo, podemos medir o valor de atraves do calculodo quociente entre o permetro e o diametro de um dado crculo que pode ser, porexemplo, a base de um copo.

    O problema que vamos analisar agora e o seguinte: uma vez que o resultado detodas as operacoes de medida esta afectado de erro, isto e, de incerteza, como e queos erros cometidos na medicao das variaveis se reflectem no resultado de um calculoem que intervenham? Por exemplo, determinaram-se o permetro (p) e o diametro(d) de um cinzeiro circular, tendo-se obtido os seguintes valores

    d = 31, 4 0, 1 cmp = 9, 9 0, 1 cm.

    O valor de nesta medicao indirecta e entao, aproximadamente,

    3, 2.

    O que desejamos agora determinar e qual a incerteza que afecta este valor, uma vezque os valores de d e de p estao afectados de erros com grandezas aproximadamenteiguais a 1 mm.

    6.1 Algarismos significativos

    Em primeiro lugar, vejamos quantos algarismos devemos manter no resultado deuma operacao. A razao entre os valores do permetro e do diametro do exemploanterior e, mantendo todos os algarismos apresentados pela calculadora,

    p

    d=

    31, 4 cm9, 9 cm

    = 3, 1717172.

    14

  • Mas se fizermos o valor do diametro variar de uma decima de centmetro (note-seque, como o ultimo algarismo significativo e incerto, esta variacao esta dentro doslimites da incerteza que afecta d) obtemos os valores

    31, 4 cm(9, 9 0, 1) cm = 3, 2040816

    31, 4 cm(9, 9 + 0, 1) cm

    = 3, 14.

    Conclumos, entao, que a incerteza em p/d afecta a primeira casa decimal. Logo,este deve ser o ultimo algarismo significativo(l) e, portanto, o ultimo a apresentar.Ha entao apenas dois algarismos significativos no resultado calculado, numero igualao de algarismos significativos presentes no factor com menos algarismos significa-tivos (d). Este e um exemplo da primeira regra para a contagem de algarismossignificativos no resultado de uma operacao:

    1.a Regra: o numero de algarismos significativos presente no resultadodo produto ou da divisao de dois numeros e igual ao do factor que tivermenos algarismos significativos.

    E em operacoes de adicao ou de subtraccao? Consideremos, mais um vez, umexemplo: pretende-se determinar a soma de dois comprimentos, a = 3, 23 cm eb = 1, 258 cm. O resultado da soma, tal como e apresentado por uma calculadora, e

    a + b = 4, 488 cm.

    No entanto, o ultimo algarismo de cada parcela e incerto, o que significa que oprimeiro 8 (na casa das centesimas de centmetro) esta tambem afectado de in-certeza. Logo este deve ser o ultimo dos algarismos a apresentar, o ultimo dosalgarismos significativos do resultado. Note-se que agora o numero de casas deci-mais do resultado e igual ao da parcela que apresenta menos casas decimais. Estee o enunciado da segunda regra:

    2.a Regra: em operacoes de adicao ou de subtraccao, o numero de casasdecimais do resultado deve ser igual ao da parcela que tiver menos casasdecimais.

    Todas as operacoes nao elementares (envolvendo o calculo de funcoes trigonometri-cas, logaritmos, etc.) podem ser calculadas como sequencias de multiplicacoes e deadicoes, usando desenvolvimentos de Taylor dessas funcoes. Uma analise simplespermite demonstrar que no calculo de funcoes transcendentes se deve tambem apli-car a 1.a Regra, isto e, devem manter-se tantos algarismos significativos no resultadocomo os presentes no argumento com menos algarismos significativos.

    Finalmente, note-se que a regra de apresentar apenas os algarismos significativosde um dado valor (isto e, todos os algarismos certos mais o primeiro incerto) deveser seguida apenas na apresentacao dos valores finais dos calculos. Quantidadesanotadas a fim de serem reutilizadas nos calculos devem manter, pelo menos, umalgarismo (nao significativo) a mais do que os recomendados pela dita regra.

    6.2 Precisao do resultado de um calculo

    Pretendemos agora obter uma expressao que nos permita determinar a incerteza doresultado de um calculo, conhecidas as incertezas das variaveis que nele intervem.Mais uma vez vamos estudar casos particulares que depois generalizamos.

    (l)Recordemos, mais uma vez, que o ultimo algarismo significativo e o primeiro afectado deincerteza.

    15

  • Imaginemos que se queria determinar o permetro de um quadrado a partir damedicao do seu lado. O calculo a efectuar e, obviamente,

    p = 4 l,

    onde p e o permetro do quadrado, l o comprimento do seu lado e o factor 4 eum numero exacto, que resulta da definicao de quadrado, e nao de uma medicaoqualquer. Imaginemos que a medicao do lado do quadrado produz o valor

    l = 13, 2 0, 5mm.

    O valor que aceitamos para l e 13,2 mm mas estamos cientes que o seu verdadeirovalor nao e necessariamente este, antes se podendo dele desviar por cerca de 0,5 mm.Qual e o valor que aceitamos para p? Aplicamos a formula:

    p = 4 (13, 2 0, 5)mm= (52, 8 4 0, 5)mm= 53 2mm

    Como se nota, obtivemos o valor da incerteza de p multiplicando a de l por quatro.Tendo em vista a generalizacao partindo deste exemplo, notamos que a constante 4e a derivada de p em ordem a l:

    dp

    dl=

    d

    dl(4 l) = 4.

    Assim sendo, podemos dizer que calculamos a incerteza no permetro aplicando aformula

    p =(

    dp

    dl

    )l. (3)

    Consideremos agora outro exemplo. Medimos o lado de um quadrado e preten-demos determinar a sua area. A formula que permite realizar o calculo e agora

    a = l2,

    onde a e a area do quadrado e l e ainda o comprimento do seu lado. Usando oresultado da medicao do exemplo anterior, temos

    a = [(13, 2 0, 5)mm]2=

    (13, 22 2 13, 2 0, 5 + 0, 52) mm2.

    Mas note-se que o quadrado da incerteza de l (0, 52 mm2) tem um valor muito menorque as restantes parcelas e pode pois ser desprezado. Temos entao

    a =(13, 22 2 13, 2 0, 5)2 mm2.

    A incerteza na area tem assim o valor

    a = 2 13, 2 0, 5 2 l l,

    e notando qued

    dl

    (l2

    )= 2l,

    podemos ainda escreve-la na forma

    a =(

    da

    dl

    )l,

    16

  • formula identica a da Eq. (3).Estamos ja em condicoes de fazer uma generalizacao parcial a partir destes dois

    exemplos: quando se efectua o calculo de uma grandeza y que depende apenas dovalor de uma quantidade x que e medida com uma incerteza x, a incerteza queafecta o valor calculado de y e dada por

    y =dy

    dx

    x,

    onde se introduziu o modulo da derivada para garantir que a incerteza y resultesempre positiva.

    Quando a quantidade a determinar depende de mais do que uma variavel, aanalise e um pouco mais complicada. Consideremos uma quantidade z que depende,digamos, de duas variaveis x e y, atraves de alguma funcao conhecida

    z z(x, y).

    Por exemplo, x e y podem ser, respectivamente, a largura e o comprimento de umrectangulo e z a sua area; neste caso temos simplesmente z(x, y) = xy. Imaginemosque repetimos N vezes medicoes de x e de y. Com cada par destes resultadospodemos calcular um valor de z:

    x1 y1 z1x2 y2 z2x3 y3 z3

    . . .xN yN zN

    Tomamos como melhores estimativas dos valores das grandezas x e y as mediasaritmeticas das respectivas amostras, isto e

    x =1N

    N

    k=1

    xk y =1N

    N

    k=1

    yk,

    e como melhor estimativa do valor de z o resultado da operacao

    z = z(x, y).

    O desvio padrao, sz, da amostra de valores de z relativamente ao valor z e umamedida da incerteza que afecta o resultado do calculo, e e dado por

    s2z =1

    N 1N

    k=1

    (zk z)2.

    Mas

    zk z = z(xk, yk) z(x, y)

    (z

    x

    )

    (x,y)

    (xk x) +(

    z

    y

    )

    (x,y)

    (yk y),

    onde se usou o desenvolvimento de Taylor de primeira ordem(m) da funcao z. Note-seque as derivadas parciais devem ser calculadas usando os valores x e y das variaveis

    (m)Ver qualquer livro de analise matematica.

    17

  • de que depende a funcao z. Substituindo esta expressao acima, obtemos

    s2z =(

    z

    x

    )2

    (x,y)

    1N 1

    N

    k=1

    (xk x)2 +(

    z

    y

    )2

    (y,y)

    1N 1

    N

    k=1

    (yk y)2

    +(

    z

    x

    )

    (x,y)

    (z

    y

    )

    (x,y)

    2N 1

    N

    k=1

    (xk x)(yk y).

    Nos dois primeiros termos no lado direito desta igualdade, os somatorios em k sao asvariancias das variaveis x e y; o ultimo termo e uma soma de varias quantidades semsinal bem definido, e por isso deve ser bastante inferior aos dois primeiros, desde queas duas variaveis sejam independentes e que N seja suficientemente elevado. Nestascondicoes, este terceiro termo pode mesmo ser desprezado face aos dois primeiros,caso em que obtemos a expressao

    s2z =(

    z

    x

    )2

    (x,y)

    s2x +(

    z

    y

    )2

    (x,y)

    s2y,

    onde sx e sy sao respectivamente os desvios padrao das amostras corresponden-tes. Se a variavel que pretendemos determinar depender de tres ou mais variaveisx1, . . . , xm, a deducao precedente e facilamente adaptavel, obtendo-se entao

    s2z =(

    z

    x1

    )2

    X

    s21 +(

    z

    x2

    )2

    X

    s22 + . . . +(

    z

    xm

    )2

    X

    s2m, (4)

    onde X representa (x1, x2, . . . , xm). Esta formula, que tem o nome de formula dapropagacao dos erros, e extremamente importante, ja que e usada para o calculo daincerteza do resultado de todas as medicoes indirectas.

    Apesar da deducao apresentada se aplicar apenas ao calculo do desvio padrao(ou melhor, da variancia) do resultado do calculo, a Eq. (4) usa-se para calcular aincerteza do resultado de qualquer calculo, mesmo que as incertezas das variaveisnao sejam identificadas pelo desvio padrao de uma serie de medicoes.

    Vamos agora estudar alguns casos particulares muito frequentes.

    6.2.1 Incerteza do produto com uma constante bem definida

    Imaginemos que medimos uma quantidade x, com uma incerteza x, e pretendemosobter o valor do produto da quantidade medida por uma constante c bem definida(isto e, cuja incerteza e nula),

    y = cx.

    A derivada do resultado do calculo, y, em ordem a variavel medida, x, e

    dy

    dx= c.

    Da aplicacao da formula da propagacao, Eq. (4) resulta, entao,

    2y =(

    y

    x

    )22x

    = c22x,

    ou seja,y = cx. (5)

    18

  • Concluimos, pois, que a incerteza do produto com uma constante e igual ao produtoda constante pela incerteza da variavel independente.

    Por exemplo, medimos o lado, l, de um quadrado com uma incerteza l =0, 5mm. Qual a incerteza que, entao, afecta o valor da diagonal, d, desse quadrado,dada por d =

    2 l? Aplicando a Eq. (5), obtemos

    d =

    2 l 0, 7mm.

    6.2.2 Incerteza da soma

    Pretendemos agora determinar a incerteza da soma, y, de varias quantidades x1,x2, . . . , xN ,

    y = x1 + x2 + + xN .As derivadas parciais da soma relativamente as parcelas sao todas iguais a 1. Assim,a formula da propagacao produz

    2y = 21 +

    22 + + 2N , (6)

    isto e, o quadrado da incerteza da soma de varias parcelas e igual a soma dosquadrados da incerteza de cada pardela.

    6.2.3 Exemplo: incerteza do valor medio de uma amostra

    Um calculo particular a que podemos aplicar as formulas que acabamos de deduzire o do calculo do valor medio de uma amostra. Consideremos que fizemos uma seriede N medicoes de uma dada quantidade, tendo obtido os valores x1, x2, . . . , xN , eseja x a incerteza com que estes valores foram obtidos que, vamos supor, e igualpara todos. Qual e entao a incerteza que afecta o valor medio da amostra? Bom,este valor medio calcula-se atraves da formula

    x =1N

    N

    k=1

    xk,

    e e, portanto, uma quantidade que depende dos N valores medidos x1, x2, . . . , xN .Podemos calcular a incerteza de x aplicando primeiro a Eq. (4) para determinar aincerteza do somatorio

    xk e, em seguida, usar a Eq. (5) para obter o resultado

    pretendido, considerando-se N (ou melhor, 1/N) como uma constante bem definida.Assim, temos

    2(

    xk

    )= 21 +

    22 + + 2N ,

    onde k xk e a incerteza do k-esimo elemento da amostra. Frequentemente, osvarios valores xk foram todos obtidos com o mesmo instrumento, caso em que assuas incertezas sao todas iguais. Neste caso, designando por a incerteza de cadavalor xk, temos

    2(

    xk

    )= N2,

    ou seja,(

    xk

    )=

    N .

    Finalmente, aplicando a Eq. (5), resulta

    x =1N

    N

    =1N

    . (7)

    19

  • De que incerteza se trata aqui? Cada medicao efectuada esta afectada de um certoerro fortuito, de forma que, se em vez de apenas uma amostra, recolhessemos variasamostras, os valores medios de cada uma nao seriam, decerto, iguais. A incertezaque calculamos na Eq. (7) da uma estimativa da dispersao dos diferentes valoresmedios desta serie de amostras. Ao fim ao cabo, da uma ideia do erro cometidoquando se estima o valor verdadeiro da quantidade a medir com o valor medio deuma serie de medicoes dessa quantidade.

    Frequentemente, usa-se como estimativa da incerteza, , de cada elemento daamostra o proprio desvio padrao da amostra. No entanto, pode acontecer, porsimples acaso, que o desvio padrao seja muito pequeno, ou mesmo nulo. Se talfor o caso, deve atribuir-se a outro valor, como o erro de leitura das medicoesefectuadas, por exemplo.

    6.2.4 Incerteza de produtos e divisoes

    Queremos agora calcular a incerteza do resultado do produto, y = x1x2, de doisvalores x1 e x2, com incertezas 1 e 2. As derivadas parciais relevantes sao

    y

    x1= x2;

    y

    x2= x1.

    A formula da propagacao e entao, neste caso,

    2y = (x2)221 + (x1)

    222 .

    Dividindo ambos os membros desta equacao por y2 = (x1x2)2, obtemos

    (yy

    )2=

    (1x1

    )2+

    (2x2

    )2.

    E trivial generalizar esta expressao para o caso em que ha um numero arbitrariode factores no produto. Obtemos o seguinte resultado: se

    y = x1x2 . . . xN ,

    entao, se k for a incerteza do valor de xk,

    (yy

    )2=

    (1x1

    )2+

    (2x2

    )2+ . . .

    (NxN

    )2.

    Vemos assim que o quadrado da incerteza relativa de um produto e igual a soma dosquadrados das incertezas relativas dos factores.

    Consideremos agora o casoy =

    x1x2

    .

    As derivadas parciais de que necessitamos sao

    y

    x1=

    1x2

    y

    x= x1

    x22.

    Aplicando a formula da propagacao obtemos

    2y =(

    1x2

    )221 +

    (x1x22

    )222 .

    20

  • Dividindo ambos os membros desta equacao por y2 = (x1/x2)2, obtemos uma ex-pressao semelhante a que deduzimos ha pouco para a incerteza do produto de duasquantidades: (

    yy

    )2=

    (1x1

    )2+

    (2x2

    )2.

    Apresentamos na Tabela 1 com alguns casos frequentes. Nela, o smbolo y repre-senta a variavel a calcular e y a sua incerteza; x, x1, x2, . . . representa as variaveis(em numero indeterminado) de que y depende e x, 1, 2, . . . as suas respectivasincertezas; A representa uma constante bem definida (isto e, sem incerteza).

    Expressao Formula de erro

    y = Ax y = Ax

    y = x1 x2 xN 2y = 21 + 22 + + 2Ny = A

    x1x2...xqxq+1xq+2...xN

    (yy

    )2=

    (1x1

    )2+

    (2x2

    )2+ +

    (NxN

    )2

    y = Axp11 xp22 . . . x

    pNN

    (yy

    )2=

    (p11x1

    )2+

    (p22x2

    )2+

    (pN N

    xN

    )2

    Tabela 1: Formulas de erro para algumas expressoes simples. O smbolo A re-presenta uma constante bem definida, p1, p2, . . . sao constantes reaisarbitrarias e k representa a incerteza de xk.

    7 Metodo dos mnimos quadrados

    O problema que nos vai agora ocupar e de natureza bem diferente dos que en-frentamos ate agora. Para o ilustrar, consideremos um exemplo. Imaginemos quedeterminavamos, em diferentes instantes t, a posicao x de um corpo que se movecom movimento rectilneo uniforme, e obtnhamos os seguintes valores:

    t/s 1,0 2,0 3,0 4,0x/m 0,9 1,8 3,2 4,1.

    Imagine que se pretendia saber qual a velocidade do corpo e qual o valor de x noinstante t = 0. Uma vez que o corpo se move com velocidade uniforme, a sua lei domovimento e

    x(t) = x0 + vt. (8)

    Pretendemos entao saber quais os valores de x0 e de v que fazem com que x(t),dado por esta expressao, apresente os valores tabelados para os valores de t indica-dos. Em rigor, devemos ser mais modestos: uma vez que os valores apresentadosna tabela sao fruto de medicoes, estao afectados de erros e, assim, talvez nao sejapossvel satisfazer exactamente aquela condicao para todos os valores de t. Ten-temos entao determinar os valores de x0 e de v que fazem com que x(t), dadopela Eq. (8), mais se aproxime dos valores apresentados na tabela, para os valoresindicados de t. Este e um problema tpico de ajuste a resultados experimentais.Nas situacoes mais complicadas, estes problemas sao muito difceis, tanto analticacomo computacionalmente. Nos vamos considerar apenas o ajuste de funcoes li-neares (cujas representacoes graficas sao linhas rectas), considerando que apenasuma das variaveis medidas esta sujeita a erros de medicao e ainda que as incertezasdestas medicoes sao todas iguais.

    21

  • x

    y

    1

    2

    N

    Figura 5: A recta que melhor se ajusta aos pontos apresentados deve minimizaras distancias i.

    7.1 Regressao linear

    7.1.1 Ajuste de rectas do tipo y = ax + b

    Consideremos entao que fizemos um conjunto de medicoes de duas grandezas x e yem diferentes instantes, tendo obtido a serie de valores (representados como paresordenados) (x1, y1), (x2, y2), . . . , (xN , yN ). Imaginemos que os valores da quanti-dade x estao desprovidos de erro e que os valores de y estao todos afectados damesma incerteza y(n). Na Fig. 5 representamos graficamente os valores obtidose uma recta arbitraria y(x) = ax + b. Pretendemos determinar os valores de a eb que permitem o melhor ajuste desta recta aos diferentes pontos experimentaisP1, P2 . . . , PN . Esta recta e aquela que mais se aproxima dos varios pontos, ouseja, e aquela que minimiza a soma das distancias (marcadas a cheio na figura)i = yi y(xi), ou seja ainda, aquela que minimiza a funcao

    2(a, b) =

    (yi y(xi))2 =

    (yi axi b)2 ,

    onde os somatorios se estendem para i = 1, 2, 3, . . . , N . Os mnimos da funcao 2

    sao pontos onde se anulam as suas derivadas parciais. Logo, os valores de a e b quequeremos determinar sao os que satisfazem o sistema de equacoes

    2

    a= 0

    2

    b= 0.

    Calculando explicitamente as derivadas parciais, resulta o sistema de equacoes

    a

    x2i + b

    xi

    xiyi = 0

    a

    xi + Nb

    yi = 0,

    que e satisfeito pela seguinte solucao

    a =1

    (N

    xiyi

    xi

    yi

    )(9)

    b =1

    (x2i

    yi

    xi

    xiyi

    ), (10)

    (n)Isto nao significa que o erro, isto e, a diferenca que os separa dos valores verdadeiros, seja omesmo para todos.

    22

  • 0 1 2 3 4 5t0

    1

    2

    3

    4

    5

    x

    Figura 6: Exemplo de ajuste linear. Os pontos () representam a posicao de umobjecto em diferentes instantes; a recta apresentada e a que melhor seajusta; o seu declive e a velocidade do objecto, e a ordenada na origema posicao inicial.

    com = N

    x2i

    (xi

    )2. (11)

    Estas sao as formulas da aplicacao do metodo dos mnimos quadrados ao ajustelinear de dados experimentais, tambem conhecidas como formulas da regressao li-near. Vamos usa-las para resolver o problema apresentado no incio desta seccao.Supomos as medicoes do tempo feitas exactamente e as da posicao afectadas dealguma incerteza, igual em todas as determinacoes. Os instantes ti jogam o papeldas abcissas (que nas formulas da regressao linear representamos por xi) ao passoque as posicoes xi representam agora as ordenadas (que nas formulas da regressaolinear representamos por yi). Dados os valores

    t/s 1,0 2,0 3,0 4,0x/m 0,9 1,8 3,2 4,1,

    temos:N = 4

    ti = 10, 0s

    (

    ti)2 = 100, 0 s2

    t2i = 30 s

    2xi = 10, 0m

    tixi = 30, 5ms.

    Assim,

    = 20 s2

    a = 1, 1m/sb = 0, 25m.

    Na Fig. 6 apresentam-se os valores (ti, xi) tabelados e a recta cujos parametrosacabamos de determinar. Como se pode constatar, a recta que determinamos coma aplicacao do metodo dos mnimos quadrados aproxima-se, de facto, dos variospontos determinados experimentalmente.

    7.1.2 Ajuste de rectas do tipo y = ax

    Em certas situacoes, em vez do melhor ajuste linear possvel [que sabemos ja levara cabo usando as eqs. (9) a (11)], pretendemos antes determinar o declive da rectaque melhor se ajusta aos valores determinados experimentalmente e que, simulta-neamente, contem a origem. Este problema e semelhante ao da regressao linear

    23

  • geral, mas o valor da ordenada na origem fica de antemao fixado no valor zero. Oproblema e pois mais simples do que a sua versao mais geral que ja estudamos. Afuncao que devemos agora minimizar e

    2(a) =

    (yi axi)2

    e a condicao de extremo,2

    a= 0,

    conduz a

    a =

    xiyix2i

    . (12)

    7.2 Incertezas nos parametros do ajuste

    Para concluir esta seccao sobre a regressao linear, notemos que os coeficientes a eb da recta que melhor se ajusta a um conjunto de pontos (xi, yi) resultam de umcalculo feito a partir de dados obtidos atraves de operacoes de medida sao asproprias coordenadas xi e yi daqueles pontos. Mas as medicoes destas coordenadasestao sujeitas a erros (no nosso estudo limitamos os erros a ordenada yi dessespontos), isto e, sao incertas. Logo, os valores que obtemos para os parametros ae b sao, tambem, incertos. Vamos agora determinar estas incertezas, usando asformulas da propagacao de erros, ja estudadas.

    7.2.1 Rectas do tipo y = ax + b

    Uma vez que supomos que as abcissas xi dos pontos determinados experimental-mente sao obtidas, supostamente, sem incertezas, somente se devem considerar oserros nas medicoes das ordenadas yi. A derivada parcial do parametro a em ordema uma destas ordenadas em particular yk e(o)

    a

    yk=

    1

    (Nxk

    xi

    ).

    Logo,

    2a =( a

    yk

    )22yk =

    12

    (Nxk

    xi

    )22yk .

    Tomando todas as incertezas yk iguais e desenvolvendo o quadrado do binomio,obtemos

    2a =2y2

    [N2x2k 2Nxk

    xi +

    (xi

    )2]

    =2y2

    [N2

    x2k 2N

    xi

    xk + N

    (xi

    )2],

    onde y yk e a incerteza que afecta as medicoes das ordenadas yk. Note-se agoraque os ndices de soma i e k sao ndices mudos, isto e, que

    xi =

    xk. Assim,

    obtemos

    2a =2y2

    [N2

    x2k N

    (xk

    )2]

    = N2y

    ,

    (o)Note que apenas envolve as abcissas xi e portanto funciona como uma constante no querespeita a derivacao em ordem a yk.

    24

  • tendo-se usado a definicao de da Eq. (11). De maneira semelhante obtem-se

    2b =2y

    x2k.

    7.2.2 Rectas do tipo y = ax

    Neste caso, a incerteza no parametro a e dada por

    2a =2yx2i

    A demonstracao desta expressao fica como exerccio para o leitor.

    7.2.3 Incerteza das ordenadas (y)

    Costuma tomar-se como incerteza das ordenadas yi uma medida do afastamentodos pontos (xi, yi) do alinhamento rectilneo. Concretamente, a prescricao maisfrequente, que seguiremos sempre que possvel, e

    2y =1

    N 2

    (yi axi b)2 , (13)

    para ajustes de rectas do tipo y = ax + b, ou

    2y =1

    N 1

    (yi axi)2 , (14)

    para ajustes de rectas do tipo y = ax.Pode acontecer que os pontos (xi, yi) obtidos experimentalmente estejam muito

    alinhados, sobretudo quando o seu numero e relativamente pequeno. Tal facto naoindica necessariamente uma grande precisao; pode, antes, ser apenas um fruto doacaso. Nestes casos, os valores produzidos pelas formulas acima sao artificialmentebaixos e, como tal, nao constituem uma boa medida da incerteza de cada valor dasordenadas. Nao devemos, pois, aplicar cegamente estas formulas e, nos casos em queo valor por elas obtido for inferior ao erro de leitura das medicoes dos valores dasordenadas, e este que se deve usar como y para o calculo dos erros dos parametrosde ajuste.

    Regressao linearRectas do tipo y = ax:

    a =

    xiyix2i

    2a =2yx2i

    2y =1

    N 1

    (yi axi)2

    Rectas do tipo y = ax + b:

    a =N

    xiyi

    xi

    yi

    b =

    x2i

    yi

    xi

    xiyi

    2a =N2y

    2b =2y

    x2i

    2y =1

    N 2

    (yi axi b)2 = N

    x2i (

    xi)2

    25

  • 7.3 Exemplo

    Vamos agora ilustrar este metodo com um exemplo. Mediram-se os perodos, T , dasoscilacoes de uma barra metalica rectlinea, suspensa de pontos situados a diferentesdistancias do seu centro de massa (ver a figura). A partir dovalor do perodo pode determinar-se o momento de inercia,I, relativamente ao eixo das oscilacoes, usando a seguinteexpressao da fsica basica

    I =Mgd

    42T 2,

    onde M e a massa da barra e g e a aceleracao da gravidade.De acordo com o teorema de Steiner, os diferentes valoresobtidos para o momento de inercia devem relacionar-se deacordo com

    I(d) = ICM + Md2, (15)

    d

    CM

    onde ICM representa o valor do momento de inercia relativamente ao seu centrode massa. Se construirmos uma representacao grafica da funcao I(d2) devemosobter uma linha recta cuja ordenada na origem e o momento de inercia da barrarelativamente a um eixo que lhe e perpendicular e passa no seu centro de massa ecujo declive e igual a massa da barra. Usando uma barra com massa M=0,556 kge comprimento L=0,590m, obtiveram-se os valores apresentados abaixo, onde semostra tambem a sua representacao grafica

    d /m I /kgm2

    0,05 0,0190,10 0,0220,15 0,0300,20 0,0410,25 0,050

    0 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 0.06 0.07

    d2 /m

    2

    0.01

    0.02

    0.03

    0.04

    0.05

    0.06

    I /k

    g m

    2

    De acordo com a discussao precedente, verifica-se facilmente que, de facto, a funcaoI(d2) e uma funcao aproximadamente linear, uma vez que os pontos no graficoaparecem alinhados uns com os outros. Pretendemos agora determinar a recta (istoe, o declive e a ordenada na origem da recta) que melhor se ajusta a estes pontosno grafico, tarefa para a qual vamos aplicar as eqs. (9, 11). A fim de realizarmos asoperacoes envolvidas, e conveniente construir uma tabela, na qual vamos calculando,termo a termo, os diferentes somatorios, como a que apresentamos abaixo

    xi = d2i yi = Ii

    xi

    x2i

    yi

    xiyi

    (yi axi b)2

    0,0025 0,019 0,0025 6,250106 0,019 4,75105 1,8310110,0100 0,022 0,0125 1,063104 0,041 2,67104 1,051060,0225 0,030 0,0350 6,125104 0,071 9,43104 1,121060,0400 0,041 0,0750 2,212103 0,112 2,58103 3,611060,0625 0,050 0,1375 6,119103 0,162 5,71103 4,95106

    E agora trivial o calculo das expressoes (9, 10, 11), obtendo-se

    a = 0, 536 kgb = 0, 0177 kgm2

    = 0, 01169 m4.

    26

  • O quadrado do erro de cada valor do conjunto das ordenadas e, de acordo com aEq. (13),

    2y = 1, 6 106 kg2 m4,de forma que os erros dos parametros a e b sao

    a = 0, 027 kgb = 9 104 kgm2.

    A recta que melhor se ajusta aos valores obtidos tem entao declive e ordenada naorigem dados, respectivamente, por

    a = 0, 536 0, 027 kgb = 0, 0177 0, 0009 kg m2.

    O grafico ao lado apresenta novamente osvalores experimentais, mas inclui tambem,agora, a recta que melhor se lhes ajusta.

    Analisando a Eq. (15), que traduz o te-orema de Steiner, conclumos que o declive

    0 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 0.06 0.07

    d2 /m

    2

    0.01

    0.02

    0.03

    0.04

    0.05

    0.06

    I /k

    g m

    2

    desta recta deve ter o valor da massa da barra, o que verificamos ser verdade,considerando os limites de precisao dos valores obtidos. Por seu turno, o valor domomento de inercia da barra relativamente ao seu centro de massa, que devemosidentificar com o da ordenada na origem que acabamos de determinar, pode sercalculado teoricamente, obtendo-se ICM = ML2/12 0, 0161 kg m2, que tambem ecompatvel com os valores obtidos a partir da analise com o metodo dos mnimosquadrados.

    8 Representacao grafica de dados experimentais

    A relacao funcional entre duas variaveis e mais facilmente evidenciada represen-tando graficamente os dados. No entanto, cometem-se frequentemente erros naconstruccao dos graficos que, no mnimo, dificultam a sua leitura. Os graficos quese apresentam na Figura 7 estao afectados pelos erros mais frequentes.

    Nos graficos A e B, os pontos que traduzem os valores observados experimen-talmente sao representados por smbolos demasiado pequenos (no grafico A) ou,pelo contrario, demasiado grandes (B). Em qualquer dos casos, a leitura do graficofica dificultada. Deve escolher-se convenientemente o tamanho dos smbolos querepresentam os valores que queremos representar graficamente.

    No grafico C, a escolha da escala das abcissas nao foi a mais feliz, uma vez quea pare relevante do grafico apenas ocupa um quarto da sua area total. Os factoresde escala devem ser escolhidos de maneira a que a parte relevante do grafico ocupea area total disponvel.

    Num grafico onde apresentamos valores obtidos experimentalmente, podemoseventualmente apresentar tambem uma curva que representa os valores esperadosteoricamente, facilitando a verificacao da validade das leis da fsica relevantes parao fenomeno em estudo. Mas concerteza que estas leis nao se traduzem graficamentepor uma linha quebrada cujos vertices sao justamente os pontos por nos determi-nados no laboratorio, como se mostra no grafico D. Nao se devem unir os pontosque constituem o grafico com segmentos de rectas.

    Como se pode constatar no grafico E, a indicacao explcita do valor das coorde-nadas de cada ponto nao simplifica a leitura do grafico. Alias, repare-se que essaexplicitacao apenas foi feita, no grafico E, para as abcissas; se se tivesse feito o

    27

  • 0 0.5 1 1.5 20

    0.2

    0.4

    0.6

    0 0.5 1 1.5 20

    0.2

    0.4

    0.6

    0 2 4 6 80

    0.2

    0.4

    0.6

    0 0.5 1 1.5 20

    0.2

    0.4

    0.6

    0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.2 0.5 0.8 1.1 1.4 1.7

    0.130.230.330.430.530.63

    0,10,2

    0,30,4

    0,50,6

    0,70,8

    0,91,0

    1,11,2

    1,31,4

    1,51,6

    1,71,8

    1,9

    A B

    DC

    E F

    Figura 7: Maus graficos.

    mesmo para as ordenadas, seria a confusao total! Num grafico correctamente cons-trudo, o valor das coordenadas de cada ponto e obtido por interpolacao nos eixoscoordenados. Nao se deve marcar no grafico o valor das coordenadas de cada ponto.

    Finalmente, o grafico F. Aqui, o problema principal tem a ver com a escolhados valores que definem as marcas nos eixos coordenados. No eixo das abcissas,os valores identificados diferem entre si de 0,3 unidades. Uma vez que os valoresdas abcissas dos pontos do grafico sao obtidos por interpolacao, devem escolher-se os valores identificados no eixo de forma a simplificar estas contas, e isso podeconsegue-se escolhendo valores que difiram entre si de 1, 2 ou 5 unidades (multipli-cadas por potencias de 10 convenientes). Por outro lado, no eixo das ordenadas dografico F, a regra anterior foi seguida (os valores marcados no eixo diferem entresi de 1101 mas o valor inicial foi mal escolhido. Assim, este grafico teria ficadomelhor desenhado se os valores marcados no eixo das abcissas fossem (por exemplo)0, 0,5, 1,0, 1,5 e 2,0 e os marcados no das ordenadas fossem 0,1, 0,2, 0,3, etc. Devemescolher-se valores naturais para a escala representada nos eixos coordenados.

    Ha, ainda, um outro aspecto que dificulta a leitura e analise dos graficos daFigura 7. E que nao e dada qualquer indicacao sobre o significado dos graficosapresentados, ou seja, sobre quais as grandezas fsicas cuja relacao neles se apresenta.Tambem nada e dito sobre as unidades em que sao expressos os valores indicados nosgraficos. Tem-se, muitas vezes, a nocao que o contexto torna claro estes detalhes,pelo que nao sao realmente necessarios. No entanto, frequentemente, estes detalhesso sao claros para o autor do grafico(p). Alem disto, quando se utiliza uma linguagemcientfica, e melhor ser redundante e explcito, do que vago e pouco claro. Devesempre incluir-se no grafico um ttulo ou legenda que indique o seu significado e asvariaveis nele representadas e devem explicitar-se nos eixos coordenados as unidadesutilizadas para cada variavel.

    Na Figura 8 apresentam-se dois exemplos de graficos correctamente construidos.

    (p)Permitam-me um a parte de professor: quando assim e (ou seja, quando o aluno sabe o queesta a fazer mesmo que se esqueca de o explicitar aos demais) ja nao e mau de todo!

    28

  • 0 0,5 1,0 1,5 2,0h/m

    0

    0,1

    0,2

    0,3

    0,4

    0,5

    0,6

    t/s

    Valores Medidos

    t= 2h/g

    Tempo de queda (t) em funo da altura (h)

    0 0,5 1,0 1,5 2,0h/m

    0

    0,1

    0,2

    0,3

    0,4

    0,5

    0,6

    t /s

    Tempo de queda (t) em funo da altura (h)

    Figura 8: Bons graficos.

    No grafico da esquerda apresenta-se tambem a curva teorica dos tempos de queda,t =

    2h/g. Note-se a presenca de uma caixa com a legenda, indicando o significado

    dos crculos e da curva. No grafico da direita, indicam-se as incertezas dos valoresmedidos atraves das chamadas barras de erro. Nesta representacao, os erros dasordenadas sao iguais aos comprimentos das barras de erro verticais, e os das abcissasiguais aos das barras de erro horizontais. Os valores efectivamente medidos sao osdas coordenadas do ponto de interseccao das duas barras. Outra forma de indicarnum grafico a precisao das medicoes consiste em usar o numero correspondente dealgarismos significativos, nas escalas representadas nos eixos coordenados.

    9 Dois instrumentos para a medicao de distancias

    9.1 A craveira

    A precisao de medicoes feitas com reguas esta limitada pelo tamanho das menoresdivisoes da escala graduada. Pode melhorar-se a precisao de uma regua subdividindoa sua escala, mas esta subdivisao nao pode ser continuada indefinidamente, ja quese torna difcil a leitura a partir de, digamos, divisoes com menos do que meiomilmetro. Para melhorar a precisao de leituras feitas em escalas sem as subdividir,o matematico e astronomo portugues Pedro Nunes (15021578) inventou o nonio(q),que consiste numa pequena escala auxiliar que pode deslizar sobre a escala principalda regua (ver a Fig. 9). O comprimento das divisoes na escala do nonio e diferentedo das divisoes na escala principal. Seja n o numero de divisoes da escala do nonioe d o comprimento de cada uma destas divisoes. A escala do nonio e escolhidade tal maneira que a n das suas divisoes correspondem kn 1 divisoes da escalaprincipal, onde k e um inteiro que varia de nonio para nonio, mas que em geral tomaos valores 1 ou 2. Representando o comprimento das divisoes da escala principal

    (q)O nonio foi originalmente inventado para melhorar a precisao das medidas de angulos em esca-las circulares e foi aplicado no astrolabio nautico, instrumento muito importante para a navegacaoatlantica, sem o qual nao seriam possveis as viagens de longa duracao em mar alto realizadas nosdescobrimentos. So mais tarde ( 1630) se adaptou o nonio para a medida de comprimentos, pelomatematico frances Pierre Vernier.

    29

  • 1 2 3 4 5 6 7 8 9 100

    0 10

    Figura 9: Escala com nonio. Neste exemplo, a 10 divisoes na escala do noniocorrespondem 9 divisoes da escala principal.

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 100

    0 10

    1 2 3

    0 10

    cm

    Figura 10: Medida do diametro de um crculo com uma craveira.

    por D, temos entaond = (kn 1)D.

    A diferenca

    kD d = 1n

    D

    da-se o nome natureza do nonio.Na tabela abaixo apresentam-se o numero de divisoes do nonio (n), o valor da

    constante k e o da natureza () que caracterizam as craveiras a utilizar nas aulasde Fsica Laboratorial I.

    Marca n k (mm)Somet 20 2 1/20Storm 20 2 1/20CaliRapid 50 1 1/50

    A fim de se compreender a utilizacao de uma craveira, consideremos um exemplo.Suponhamos que pretendamos medir o diametro de uma peca circular usando umacraveira cujo nonio tem 10 divisoes, que correspondem a nove divisoes de 1 mm daescala principal; neste caso, a constante k tem o valor 1 e a natureza do nonio e1/10mm. Para fazermos a medicao, colocamos a peca entre as duas esperas dacraveira (ver a Fig. 10); o seu diametro pode entao ser lido na escala, indicado pelaposicao do zero do nonio. Como se pode constatar pela posicao do zero da escala dononio na escala principal, o diametro desta peca esta compreendido 1,3 e 1,4 cm. Porinterpolacao aproximada faramos talvez a estimativa de 1,47 cm para aquele valor.

    30

  • 0 1 2

    BA

    Figura 11: O palmer.

    Gracas ao nonio, podemos obter a mesma precisao sem necessidade de interpolacoesaproximadas. Note-se que a oitava marca do nonio, assinalada na figura com umaseta, coincide exactamente com uma marca da escala principal; logo a setima marcado nonio esta separada da marca que lhe esta mais proxima na escala principal poruma distancia que e igual a natureza deste nonio(r); a sexta marca do nonio, por suavez, esta separada da marca correspondente da escala principal por uma distanciade 2 vezes a natureza do nonio; podemos continuar este raciocnio ate a marca dozero do nonio, que esta entao a uma distancia da marca correspondente aos 13 mmda escala principal, de 8 vezes a natureza do nonio, ou seja 0,8mm. O diametromedido e pois 1,3 cm+0,8 mm=1,38 cm.

    Mais geralmente, o resultado de uma leitura com a craveira e

    valormedido

    = leiturana regua

    + leiturano nonio

    naturezado nonio

    Quando se utiliza uma craveira, e usual nao se ter uma certeza absoluta sobrequal a marca da escala do nonio que melhor se alinha com uma marca da escalaprincipal. No exemplo acima, pode tambem considerar-se que a marca da escala dononio que coincide com uma marca da escala principal e a setima, e nao a oitava.Neste caso, obtemos como resultado da medicao 1,37 cm, em vez de 1,38 cm. Umavez que e discutvel a escolha de uma ou outra marca, e que essa escolha se refleteem diferencas no resultado final da dimensao da natureza do nonio, concluimos queo erro de leitura numa craveira e igual a natureza do seu nonio.

    O resultado da nossa medicao do diametro desta peca circular e pois

    d = 1, 38 0, 01mm,

    resultado bastante mais preciso do que o que seria possvel obter com uma reguagraduada em milmetros.

    9.2 O palmer

    O palmer e um instrumento que permite fazer medicoes com precisao ainda maior doque a craveira. Consiste basicamente num parafuso micrometrico com duas escalasassociadas (ver a Fig. 11). Uma das escalas (identificada com a letra A na figura),graduada em milmetros ou meios milmetros, esta gravada paralelamente ao eixodo parafuso, e vai sendo descoberta a medida que o parafuso recua; a segundaescala (B), gravada no manpulo do parafuso, permite avaliar fraccoes da volta doparafuso.

    Chama-se passo do parafuso a distancia percorrida pela sua extremidade quandosofre uma rotacao de uma volta completa. Seja n o numero de divisoes na escala

    (r)Recorde que a natureza do nonio e, neste caso em que a constante k tem o valor 1, igual adiferenca entre os comprimentos das divisoes da escala principal e da escala do nonio.

    31

  • B, presente no manpulo do parafuso do palmer. Chama-se natureza do palmer arazao entre o seu passo p e n:

    N = pn

    .

    A natureza do palmer e igual ao avanco do parafuso quando sofre uma rotacao deum angulo correspondente a uma divisao da escala B.

    Qual o procedimento para efectuar uma medicao com um palmer? Comecamospor tomar nota do passo, p, e do numero de divisoes, n, na escala circular. Calcu-lamos em seguida a natureza do palmer. O valor medido e dado pela expressao

    valormedido

    = leitura naescala A

    + leitura naescala B

    naturezado palmer

    Por exemplo, consideremos a determinacao do diametro de uma pequena esferailustrada na Figura 12. Suponhamos que o passo deste palmer e de meio milmetro

    0 1 2

    BA

    20

    25

    30

    30

    25

    20

    1 2

    Figura 12: Exemplo de medicao com um palmer.

    e a escala B apresenta 50 divisoes. A natureza do palmer e entao de 0,01mm. Aleitura na escala A e de 2,5mm, ao passo que a da escala B e cerca de 24,5 (asdecimas de divisao obtidas por interpolacao qualitativa). O valor do diametro daesfera e pois

    d = 2, 5mm + 24, 2 0, 01mm = 2, 742 mm.O erro de leitura das medicoes com o palmer e o que resulta da leitura na

    escala B, e e igual a distancia que corresponde a metade da menor divisao destaescala, isto e, e igual a metade da natureza do palmer. O resultado da medicaoatras ilustrada pode pois ser correctamente apresentado como

    d = 2, 745 0, 005mm.

    32