MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS -...

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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÁO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS: avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo. l 1 I' Jacques.Demajorovic Banca Examinadora: 1199500263 _1111 I li I 1111 I 1111 li 11 I 11 II 1111 I 11 I 111 111 v _/ Profa: Orientadora: Regina Silvia Viotto Pacheco Prof: Prof: -----··----·--..., Fundiição Getulio Vargas Esc;ola de Administração , FGV de Empmsas de sao Paulo · Biblioteca LD m ' C") (D N i ''-- _ ___;___1_:__1:__:.9__:_9.::--,-5....:.-.0 0__;2;:__6_3 _____ _)

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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÁO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS:

avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo. l

1

I'

Jacques.Demajorovic

Banca Examinadora:

1199500263

_1111 I li I 1111 I 1111 li 11 I 11 I I 1111 I 11 I 111 111 v _/

Profa: Orientadora: Regina Silvia Viotto Pacheco

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-~ Fundiição Getulio Vargas Esc;ola de Administração ,

FGV de Empmsas de sao Paulo · Biblioteca

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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÁO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

JACQUES DEMAJOROVIC

MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS:

avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo.

Dissertação apresentada ao Curso de Pos­Graduação da EAESP/FGV - Área de Concentração: Adiministração e Planejamento Urbano, como requisito para obtenção de título de mestre em Adiministração Pública

Orientadora: Profa. Dra. Regina Silvia Viotto Pacheco

São Paulo

1994

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DEMAJOROVIC, Jacques. Meio Ambiente e Resíduos Sólidos avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo. São Paulo, EAESP/FGV, 1994. 137 p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação da EAESP/FGV, Area de Concentração: Administração e Planejamento Urbano.

Resumo: Este trabalho discute o desenvolvimento da política ambiental e seus reflexos sobre a reestruturação das políticas de gestão de resíduos sólidos. No início do trabalho, identifíca-se a importância do meio ambiente dentro da análise econômica e o estabelecimento das novas prioridades da atual política ambiental. Em seguida, mostra-se as mudanças nos sistemas de gestão de resíduos sólidos, principalmente na cidade de Viena, adaptadas'às prioridades da atual política ambiental. A análise mais detalhadá do sistema que opera na cidade de Viena tem dois objetivos principais: evidenciar os avanços dos atuai~ modelos de gestão' de resíduos sólidos e discutir algumas contradições observadas entre discurso e prática existentes· nesses _ modelos nos 'países desenvolvidos. Por fim, utliza-se aquilo que foi observado na cidade de Viena, para fazer algumas considerações sobre ~ política de gestão de resíduos sólidos da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: meio ambienté, desenvolvimento sustentável, externalidades, resíduos sólidos, reutilização, reciclagem, coleta seletiva, incineradores, aterros sanitários.

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DEDICATÕRIA

Aos meus pais pelo apoio e carinho sempre. A Monika pela paciência e bom humor com meu alemão.

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AGRADECIMENTOS

Durante o processo em que escrevi esta dissertação, a mão de vários amigos, "do lado de cá e do lado de lá"~ contribuíram de formas diferentes. Palpites, criticas, incentivos e brincadeiras foram profundamente vivenciados nesse trabalho.

Em primeiro lugar, gostaria de fazer um agradecimento especial a minha orientadora Regina Silvia Pacheco. Várias vezes tive que ouvir de muitos amigos e amigas do mestrado a sorte que eu tive de ter como orientadora a Regina. E põe sorte nisso! Com talento, habilidade e sensibilidade aprofundava minhas grandes idéias, que não foram tantas, e consertava meus deslizes intelectuais, que não foram tão poucos, incentivando-me em todas as horas. Levo comigo essa experiência de trabalho em conjunto como um dos pontos mais ricos e positivos do mestrado.

 Mariane pelas idéias trocadas desde o exame para ingresso na G.V., passando pelos chorinhos, baiões e maxixes, até a redação final da minha dissertação, contribuindo sempre com idéias interessantes.

Ao Otacilio e a Cris que foram aos poucos transformando o meu português para inglês ver em português para brasileiro ler.

Ao Fábio e a Monica, pela amizade, Juquehy e pelo apoio financeiro não institucional. A dupla mais do que dinâmica Ani e Célia por estarem sempre por perto.

 Léa pela ajuda na última e derradeira leitura e ao Sabetai pelos almoços de sábado.

 Capes pelo auxilio financeiro.

Ao centro de Intercâmbio Internacional possibilitou a minha viajem para Viena.

da EAESP /FGV que

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À Monika pelo incentivo constante e participação entrevistas realizadas em Viena e o apoio total tentativas frustradas de me tornar um ás do esqui.

ativa nas nas minhas

Ao Andreas que me ajudou levando-me para o Instituto de Planejamento Urbano da Universidade de Viena, onde tive todas as condições para realizar a minha pesquisa, além de fornecer o meu primeiro emprego em Viena, ao confiar corajosamente seus filhos à minha guarda por diversas noites.

Ao Pulle e ao Thomas, inseparáveis companheiros de moradia, viajens, cervejas, risadas e incontáveis partidas de gamão, pelo apoio constante em Viena.

Ao 6sterreichicher Akademischer Austauschdienst-OAD pelo apoio ao meu trabalho de pesquisa.

Por fim, faço um agradecimento aos amigos Beth, Pia, Mariane, Kaiser e Adolfo com os quais dividi as angústias e os bons momentos na G.V e deixo uma luz no fim do túnel: moçada, se eu terminei ...

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SUMÁRIO

INTRODUÇAO • .•...........•... • .........•••.••....••................ 1

CAP. 1. RESÍDUOS SÓLIDOS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL .................. 10

1.1 - A incorporação dos resíduos na análise econômica

através do modelo da balança de materiais ..........• 12

1.2 -A hegemonia do conceito de desenvolvimento sutentável

e os desdobramentos sobre a política ambiental ..•••. 20

CAP. 2. GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS FACE AOS NOVOS OBJETIVOS DA

POLÍTICA AMBIENTAL . .............•..•...•................. 3 6

2.1- Os modelos de gestão de resíduos •.....•.•........•.. 37

CAP. 3. O SISTEMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA CIDADE DE

VIENA . .....••.•.••......••...•••..•.•.....•..•.•........• 4 7

3.1- Os objetivos do plano de gestão de resíduos ...•..•.. 48

3. 2 - A composição do lixo e os instrumentos da política .. 52

3 . 3 - o decreto sobre embalagens .•••••...••...•........... 61

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CAP. 4. DISCURSO E PRÁTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA .••............... 71

4.1 - A apropriação do discurso do desenvolvimento

sustentável e os desdobramentos sobre a política

ambiental ........................................... 72

4.2 - Uma análise crítica dos atuais sistemas de

gestão de resíduos sólidos .......................... 82

CAP. 5. AlGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA A CIDADE DE SÃO PAULO ........ 104

5.1 - Breve histórico dos resíduos sólidos em São Paulo e

situação atual . ................................... . 107

5.2 - Plano de emergência de destino final de resíduos

sólidos de São Paulo .....................•.•...•... 114

5.3 -Uma análise crítica da política de gestão de resíduos

sólidos na cidade de São Paulo ...........•....... ~ .117

5.4-Consideraçõesfinais .........•.•••.............•... 127

REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......... '• .•...•..••......•••.......•• 13 2

ANEXO I.

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1

INTRODUÇÃO

O Brasil produz cerca de 90 mil toneladas de resíduos sólidos todos

os dias. Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saneamento

Básico publicada pelo IBGE, do total de resíduos coletados nas

cidades brasileiras, cerca de 88% são despejados em áreas alagadas

ou a céu aberto. Nesses locais, denominados de lixões ou

vazadouros, o lixo não recebe qualquer tipo de tratamento com o

objetivo de minimizar os impactos ambientais. Do restante, 10% do

lixo coletado têm como destino aterros, que na maior parte também

não estão adequados às normas de proteção ambiental, e 2% são

tratados em usinas.

Nos últimos anos várias reportagens publicadas em diversos jornais

têm desvendado uma das facetas mais perversas do modelo de

desenvolvimento brasileiro, onde é possível observar o crescimento

de uma legião de adultos e crianças que, perambulando entre os

lixões a céu aberto dos centros urbanos, buscam seus meios de

sobrevivência.

Este quadro mostra o descaso do setor público, na maior parte das

cidades brasileiras, quanto à política de resíduos sólidos. Ainda

que seja possível identificar em algumas cidades brasileiras o

desenvolvimento de modelos de gestão de lixo que procurem contornar

estes problemas, e mesmo um avanço da legislação em relação à

política de saneamento ambiental, a realidade dos dados demonstra

a gravidade da situação atual.

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A ausência no país de uma política adequada para o gerenciamento de

resíduos sólidos tem contribuído para o agravamento dos impactos

ambientais, como no caso da contaminação de lençóis d'água

subterrâneos devido aos lixões e aterros sanitários não

controlados, e dos impactos à saúde devido à exposição direta que

sofrem os catadores ou moradores que residem próximos dessas áreas.

Durante muito tempo, contudo, a existência de problemas básicos

ainda não resolvidos, como educação, saúde, alimentação e moradia,

contribuiu para que o debate sobre a gestão de resíduos sólidos

ficasse relegado a um segundo plano. Hoje, no entanto, parece

crescer o consenso de que os problemas relacionados à gestão dos

resíduos não podem mais ser encarado$ como um dado secundário. A

política de gestão de resíduos, assim como a política de saúde,

habitação, renda e educação, deve ser priorizada, pois está

diretamente ligada à problemática da qualidade de vida e, demanda

portanto, das autoridades públicas, bem como do setor privado e do

restante da sociedade 1 uma ação imediata com o

reverter esse quadro.

objetivo de

No inicio do trabalho de pesquisa, pretendia-se concentrar esta ~ dissertação na alternativa da reciclagem que 1 naquele momento,

parecia ser a melhor opção para solucionar as distorções dos

sistemas de gestão de resíduos sólidos nas cidades brasileiras.

Assim, acreditava-se que, ao invés de dispor os resíduos em lixões

a céu aberto ou em aterros sanitários mal controlados, seria muito

mais eficiente reaproveitar o potencial presente nesses resíduos.

A reciclagem, entre outras vantagens, significaria a diminuição do

consumo de matérias-primas e uma grande redução do volume total de

resíduos a serem dispostos.

com o desenvolvimento do trabalho, foi se tornando claro que o

processo de reciclagem apresentava uma série de limites e, dessa

forma 1 não poderia ser entendido como solução única para um

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--------~~~·----------

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problema tão complexo como o do gerenciamento de residuos sólidos.

Nessa fase, algumas outras dúvidas começaram a surgir:

- todos os produtos poderiam ser reciclados?

- que produtos apresentariam viabilidade econômica para serem

reciclados?

- quais poderiam ser os efeitos negativos relacionados à expansão

do processo de reciclagem?

A constatação dos limites da reciclagem resultou numa ampliação do

objeto da pesquisa. A reciclagem passou a ser entendida como uma

das variáveis de um sistema maior, denominado aqui de sistema

integrado de gestão de residuos sólidos. Em outras palavras, seria

necessário identificar quais resíduos poderiam ser reciclados,

quais poderiam ser incinerados e quais poderiam ser dispostos em

aterros sanitários. Além disso, os atuais modelos de gestão de

resíduos em países desenvolvidos procuram atuar de forma não apenas

a garantir a disposição adequada, mas também a priorizar a redução

do volume dos resíduos já nas próprias fontes geradoras.

Através de um programa de intercâmbio entre a Fundação Getúlio

Vargas e a Universidade de Viena, Instituto de Economia, tive a

oportunidade de morar na cidade de Viena onde pude conhecer seu

sistema integrado de gerenciamento de resíduos sólidos. Esse

sistema é composto por um gigantesco esquema para coleta de

recicláveis, coleta de lixo orgânico para produção de composto,

incineradores para queima de parte do lixo doméstico e

incineradores especiais para resíduos tóxicos, além da utilização

de aterros sanitários para produtos que não possam ser reciclados

ou incinerados. Soma-se a isto a participação bastante elevada da

comunidade no projeto de separação do lixo domiciliar e a

realização freqüente de conferências e debates sobre a problemática

do lixo.

Essas características pareciam confirmar as enormes vantagens da

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implementação de um sistema integrado de gestão de resíduos em

relação a um sistema tradicional.

Entre essas vantagens é possível destacar três aspectos

importantes:

- a totalidade dos habitantes de Viena tem acesso aos serviços de

coleta de resíduos;

- a cada ano vem sendo coletado um volume crescente de recicláveis

através do processo de coleta seletiva;

- a partir do ano de 1993 foi decretada uma lei sobre embalagens,

cujo objetivo é tentar reduzir o consumo de material de embalagem

já no processo de produção.

Apesar dos aspectos positivos inegáveis do sistema de gestão de

resíduos da cidade de Viena, foi ficando cada vez mais claro,

durante a pesquisa, que existe também uma grande distância entre

parte dos objetivos propostos pela atual política de gestão de

resíduos nos países desenvolvidos e sua condução prática.

O processo de pesquisa realizado em Viena foi conduzido através do

contato com especialistas na área de resíduos e do levantamento de

bibliografia em quatro instituições principais-: Universidade de

Viena, Instituto de Ecologia de Viena, United Nations Industrial

Development Organization (UNIDO) e Magistratabteilung 48

(departamento responsável pela gestão de resíduos sólidos em

Viena).

o contato com representantes da Universidade, ONGs, órgãos públicos

internacionais e órgãos públicos de Viena contribuiu não apenas

para acrescentar novas informações a esta dissertação, mas, acima

de tudo, para trazer novas questões para a pesquisa em curso.

A partir do caso de Viena, a percepção das contradições entre

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objetivos propostos e condução prática da política de gestão de

resíduos levou ao surgimento de novas questões tais como:

- se os objetivos propostos elegem como prioridade a redução de

resíduos, por que continua a aumentar o conjunto de resíduos na

cidade de Viena?

- por que os habitantes de Viena devem arcar com a maior parte dos

custos de separação do lixo?

- qual está sendo o destino real dos resíduos separados na cidade

de Viena?

por que diversos países, inclusive a Áustria, continuam a

exportar resíduos para outros países?

- como tem sido o desenvolvimento da relação entre os setores

público e privado no campo da administração de resíduos e, mais

especificamente, na área de reaproveitamento dos resíduos?

As respostas para estas perguntas não poderiam ser encontradas

através de uma simples análise do sistema de gestão de resíduos

sólidos da cidade de Viena, uma vez que um dos objetivos desta

dissertação é o de entender de maneira crítica esses sistemas de

gestão pública nos países desenvolvidos, apontando pontos positivos

e negativos, e não se limitar a descrever esse sistema.

Tendo como pressuposto que o estabelecimento de uma relação entre

o processo de degradação ambiental e a produção de resíduos

produzidos no sistema produtivo, somado à mobilização crescente em

torno da preservação ambiental, acabou por lançar a problemática

dos resíduos no centro do debate da política ambiental, foram

elaboradas quatro hipóteses que contribuem para entender a forma

como se deu o desenvolvimento da política ambiental nos anos

recentes e como esta se reflete sobre a gestão de resíduos sólidos

nos países desenvolvidos:

1. A criação do conceito de desenvolvimento sustentável marca o

estabelecimento de novas prioridades dentro da política ambiental,

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constituindo-se, desta forma, em elemento essencial para o

estabelecimento da variável ambiental como hegemônica dentro das

sociedades capitalistas desenvolvidas.

2. A multiplicação de interesses do setor industrial em relação à

problemática ambiental tem influenciado de maneira crescente a

condução da política ambiental institucional, de forma a garantir

proteção ambiental adaptada às necessidades de desenvolvimento

econômico das economias de mercado.

3. A necessidade de garantir proteção ambiental e promover

crescimento econômico acentuará as contradições entre discurso e

prática relacionados à condução da política ambiental

institucional, sendo que será possível observar, por um lado, o

desenvolvimento crescente de mecanismos e instrumentos relacionados

à proteção ambiental e, por outro, as demandas de mercado

representando os limites de ação desses próprios mecanismos.

4. A condução da política de gestão de resíduos sólidos refletirá

essas duas caraceterísticas, pois esta constitui elemento

prioritário dentro da política ambiental atual.

Portanto, entender algumas características da política ambiental, )

bem como analisar especificamente os sistemas de gestão constituem

a ti v idades essenciais para a compreensão dos desdobramentos da

política atual de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.

Cabe ainda ressaltar que o conhecimento adquirido em Viena permitiu

elaborar alguns comentários para o caso de gestão de lixo na cidade

de São Paulo, valorizando aquilo que foi entendido como acertos e

avanços do modelo vienense e apontando alguns problemas que devem

ser evitados aqui.

Assim, esta dissertação foi dividida em cinco capítulos.

o capítulo 1 demonstra em sua primeira parte a relação entre

produção de resíduos e meio ambiente, com base no desenvolvimento

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do modelo da balança de materiais. Através desta análise procura-se

evidenciar as implicações ambientais negativas ao se relegar a

problemática dos resíduos a um segundo plano. A segunda parte

procura explicar o desenvolvimento de novas prioridades da política

ambiental a partir da incorporação do discurso do desenvolvimento

sustentável. Também foram incluídas algumas características da

degradação ambiental e da mobilização de organizações

governamentais, não governamentais e empresariais, que contribuíram

para lançar o problema dos resíduos no centro da política

ambiental.

o capítulo 2 mostra como as mudanças em relação às prioridades da

política ambiental influenciaram a modificação dos principais

objetivos da política de gestão dos resíduos sólidos nos países

desenvolvidos. O estabelecimento de um modelo tradicional, um

modelo intermediário e um modelo atual de gestão de resíduos

sólidos permitiu explicitar as mudanças ocorridas quanto aos

objetivos da política de resíduos sólidos do final da década de 60

até início da década de 90, quando o objetivo de reparação dos

danos ao meio ambiente foi substituído pelo objetivo da prevenção.

o capítulo 3 descreve o sistema de gestão dos resíduos sólidos da

cidade de Viena, como exemplo de modelo adaptado às novas

prioridades estabelecidas pela atual política de resíduos sólidos

apresentadas no capítulo 2. Na primeira parte do capítulo, são

descritos os objetivos do plano de gestão na cidade de Viena e, na

segunda parte, são focalizados os instrumentos utilizados para

alcançar os objetivos propostos. Na terceira parte, é apresentado

o decreto de embalagem que é considerado o que há de mais atual

dentro dos modernos sistemas de gestão de resíduos.

o capítulo 4 tem o objetivo de fazer uma análise crítica dos

sistemas atuais de gestão de resíduos sólidos com base

principalmente no sistema de Viena. Na primeira parte, é mostrado

de que forma o setor empresarial se apropria do conceito de

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desenvolvimento sustentável, adaptando-o às necessidades dos

sistemas de economia de mercado e, dessa forma, estabelecendo os

limites de atuação da política ambiental nas sociedades

capi taiistas. Na segunda parte, é feita uma análise crítica do

atuais sistemas de gestão de resíduos sólidos nos países

desenvolvidos, mostrando como as características apontadas na

primeira parte do capítulo acabam por se repetir na condução da

política de resíduos, implicando em avanços e contradições entre

discurso e prática.

A disponibilidade de material para análise crítica dos atuais

modelos de gestão de resíduos ainda é bastante escassa. Desta

forma, optou-se, nesse capítulo, por não ficar restrito apenas aos

exemplos da cidade de Viena, mas também agregar exemplos de

sistemas de gestão desenvolvidos em outras cidades européias,

semelhantes ao sistema em operação na cidade de Viena, para melhor

fundamentar a análise. Esta opção se justifica, uma vez que o

processo de unificação européia está contribuindo não apenas para

a formação de uma política ambiental comum, mas também para uma

política compartilhada de resíduos sólidos.

o capítulo 5 procura apontar algumas características do problema

relativo aos resíduos sólidos na cidade de São Paulo. À luz da

experiência observada nos países desenvolvidos, e mais

especificamente no caso de Viena, busca-se tecer algumas

considerações para o caso de São Paulo.

Esta dissertação visa, portanto, alcançar os seguintes objetivos:

- identificar a relação entre os resíduos sólidos produzidos dentro Y do sistema econômico e o agravamento dos problemas ambientais;

- identificar as mudanças nas prioridades da política ambiental e

seus reflexos sobre a política de gestão de resíduos sólidos nos

países da Comunidade Européia;

- entender as principais características dos atuais sistemas de

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gestão de resíduos sólidos nesses países com base no sistema que

opera em Viena;

- entender criticamente os desdobramentos da política dos resíduos

sólidos, quanto aos objetivos propostos e sua condução prática nos

países desenvolvidos, e utilizar essa experiência para fazer alguns

comentários aplicáveis à cidade de São Paulo.

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Cap. 1. RESÍDUOS SÓLIDOS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

o controle da geração de resíduos líquidos, sólidos e gasosos ocupa

hoje uma posição central dentro do discurso da política ambiental.

A diminuição da geração dos efluentes líquidos e gasosos e de

resíduos sólidos de forma a causar menores impactos negativos no

meio ambiente constitui prioridade da nova política ambiental.

Esta posição ocupada pelos resíduos dentro da política ambiental só

foi possível através de um longo processo, que inclui a

identificação do aumento dos problemas ambientais devido à geração

crescente de resíduos, a adequação do setor público para um

controle maior dos resíduos produzidos no sistema produtivo, a

mobilização crescente dos grupos ambientalistas, o estabelecimento

de novas prioridades na atual política ambiental e o envolvimento

maior de parcela significativa da população em torno desta questão.

Durante as décadas de 1970 e 80, vários estudos procuraram mostrar

como os resíduos produzidos no sistema produtivo vinham afetando de

diferentes maneiras o meio ambiente. A destruição da camada de

ozônio devido à emissão cada vez maior de gás carbônico e gases

CFCs, os impactos sobre a vida marinha e aquática devido à

disposição de resíduos líquidos e sólidos nos mares e rios e a

contaminação de lençóis de água subterrâneos devido à disposição

em aterros sanitários não controlados constituem apenas alguns

exemplos, entre muitos outros, que surgiram nesse período. Além dos

estudos específicos acima, é possível também des'tacar o

desenvolvimento de um modelo dentro da análise econômica, que

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conseguiu sintetizar as implicações dos residuos, de qualquer

natureza, sobre o meio ambiente.

o modelo da balança de materiais, partindo da lei da conservação da

matéria, permitiu incorporar novas variáveis dentro do conceito de

externalidades, através de uma compreensão mais efetiva do papel

dos residuos no sistema econômico. Este modelo colocou dentro da

análise econômica a variável ambiental no mesmo patamar de

importância de variáveis ·tradicionais como investimento, renda,

salário e lucro.

Por mui to tempo, contudo, mui tos economistas ignoraram os novos

conhecimentos levantados pelo modelo da balança de materiais. Foi

apenas com a mobilização em torno da problemática ambiental,

representada por um crescimento no número de entidades

governamentais e não governamentais ligadas ao meio ambiente, que

um número maior de economistas incorporou os conhecimentos

desenvolvidos no inicio da década 70.

Ainda que hoje seja possível questionar algumas das conclusões do

modelo da balança de materiais, principalmente no que se refere a

uma previsão de consumo crescente dos recursos naturais, este

modelo, somado a outras descobertas e à maior mobilização do setor

público e da sociedade civil, contribuiu para a necessidade de

responsabilizar todos os setores da sociedade em relação às

di versas formas de residuos gerados no sistema econômico, ao

substituir o modelo econômico fechado tradicional por um modelo de

economia termodinamicamente aberto, onde o meio ambiente passa a

desempenhar um papel fundamental. Nesse modelo é possivel superar

o debate tradicional em torno de valores antropocêntricos e

biocêntricos, ao se colocar a humanidade nem acima nem abaixo do

meio ambiente. 1

1 COLBY, Michael E. 1La adlinistación en el desarrollo: evolución de los paradi91l?S1, EL Trimestre Econômico, vol. LVIII

(3) n1 231, junjset/91

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Neste capítulo pretende-se apontar a contribuição do

desenvolvimento do modelo de balança de materiais para um novo

entendimento do papel dos resíduos dentro do sistema econômico, bem

como identificar alguns pontos importantes da crescente mobilização

em torno desta problemática e o estabeleciemento de novas

prioridades na atual política ambiental.

1.1 - A incorporação dos resfduos na análise econômica através do modelo da

balança de materiais

os economistas já perceberam há mui to tempo que o sistema de

mercado provoca efeitos externos indesejáveis (spillover effects)

sobre o meio ambiente. Já no ano de 1960, na obra clássica de A. c. Pigou, Economics of Welfare, o termo spillover indicava que os

efeitos totais da produção e consumo não permanecem restritos às

firmas e consumidores envolvidos mas, sim, extravasam para

terceiros. 2 Exemplos clássicos desses efeitos externos

indesejáveis seriam a emissão de poluentes nos rios e na atmosfera

decorrente de plantas industriais. Neste caso, a produção total da

firma corresponde às mercadorias produzidas e vendidas no mercado,

somadas aos efeitos indesejáveis provocados sobre o meio ambiente,

que não são, e nem poderiam ser, vendidos pela firma. Esta parcela

indesejável da produção, que se encontra fora do sistema de mercado.

e que não aparece nos preços relativos das mercadorias, é

denominada de custo externo. Estes custos são considerados

externos, pois alguns custos não são computados pela firma que

produz a mercadoria e, sim, são impostos a toda a sociedade ou

parcela da sociedade. Assim, no exemplo clássico da instalação de

2 apud SENECA, Joseph and TAUSSING, Michael K. Environment Economics, p.J0-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.

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13

uma indústria de papel junto a um rio, os custos externos podem ser

associados à poluição que pode levar a uma redução do número de

peixes e, dessa forma, afetar a vida dos pescadores da região, ou

ainda impossibilitar que os habitantes continuem a nadar no rio, comprometendo seu lazer. 3

Embora hoje esteja cada vez mais evidente a relação entre

crescimento econômico e degradação ambiental, durante algum tempo

os economistas consideravam externalidades como sendo um conceito

interessante, porém não fundamental para o desenvolvimento da

análise econômica e para a determinação da politica econômica. •

Dessa forma 1 a função do meio ambiente nunca foi perfeitamente entendida e sua relação com o processo produtivo acabou sendo

sempre relegada a um segundo plano.

Foi apenas no inicio da década de 70 que o grande aumento dos

impactos ambientais acabou por estimular o reexame mais preciso dos

problemas relacionados ao fenômeno das externalidades. O

desenvolvimento do modelo da balança de materiais representou uma

importante contribuição para a reformulação da análise econômica

tradicional.

A análise econônomica tradicional está baseada em um fluxo circular

de moeda, acompanhado por um fluxo oposto de mercadorias, serviços e fatores produtivos entre o setor de produção e o de consumo. o

setor de consumo supre o setor de produção com fatores de produção ( input) , que são capital e trabalho, recebendo em contrapartida

pagamentos monetários ou salários. Por outro lado 1 o setor de produção supre com mercadorias e serviços o setor de consumo,

recebendo em troca pagamentos em moeda. 5

3 SEIIECA, Joseph and TAUSSIHG, Kichael K. EnvirolJBle!lt Economics, p. 30-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.

' SENECA, Joseph and TAUSSSIHG, Hichael K. Environment EConolics, p. 30-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.

5 FREEMAN III, A. Kyrick and HAVE!ISAN, Robert H. Tbe Economics of Enviroruaent Policy, New York, 1973.

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14

o desenvolvimento da balança de materiais mostra que essa

interpretação do processo produtivo acabou por ignorar outros

importantes fluxos de materiais e as leis básicas da fisica que

determinam esses fluxos, possibitando assim apenas uma análise

parcial do processo econômico. 6

o modelo da balança de materiais desenvolvido por Allen v. Kneese

tem como principal contribuição o fato de enfatizar que o meio

ambiente representa uma parte fundamental do processo produtivo e,

portanto, os custos externos relacionados à disposição de residuos,

mais do que uma mera curiosidade teórica, representam um fator

essencial dentro do processo econômico. 7 Assim, um diagrama mais

realista dos fluxos econômicos pode ser representado da seguinte

forma:

6 FREOON, III, A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. The Economics ot EnviroilJIIent Policy, New York, 1973.

7 apud SENECA, Joseph. EnvirolJJJent Economics, p. 48, op. cit.

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Fluxos Econômicos

O insumos

< $ trabalho Setor

Produtivo

Setor de

Consumo $ c:::====~>

~--------=-~ bens ~--~------~

reslduos ~ ~ reslduoa

~---------------Meio Ambiente

Fonte: Freeman, A. The Economics of Environment Policy, 1973.

15

Através do desenvolvimento da balança de materiais, o meio ambiente

pode ser visto como uma concha que cerca o sistema econômico. É

possível, portanto, identificar duas funções principais do meio

ambiente: fornecer insumos e receber os resíduos. As matérias­

primas fluem do meio ambiente para o setor produtivo onde são

convertidas em mercadorias e repassadas ao setor de consumo.

Durante o processo produtivo, além de mercadorias, resíduos são

gerados e devolvidos ao meio ambiente. Da mesma forma, o setor de

consumo também transforma as mercadorias através de processos

mecânicos, químicos ou biológicos, porém nunca as consome em um

sentido físico, devolvendo resíduos para o meio ambiente. 8 Assim,

podemos estabelecer dois novos fluxos no diagrama tradicional da

8 SENECA, Joseph. Environment Economics, p. 53, op. cit.

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economia que constituem os fluxos de resíduos dos setores produtivo

e de consumo para o meio ambiente.

Esse fluxo de matéria (na forma de insumos e resíduos) deverá

necessariamente obedecer à lei de conservação da matéria. O

estabelecimento dessa relação entre lei da conservação da matéria e processo produtivo constitui o ponto inicial do modelo da balança

de materiais. 9

A lei da conservação da matéria diz: todas as mudanças físicas e

químicas não podem criar ou destruir matéria, esta pode ser apenas

rearranjada em diferentes modelos espaciais (mudanças físicas), ou

em diferentes combinações (mudanças químicas). 10 Em outras

palavras, podemos estabelecer que, como a matéria física não pode ser destruída, qualquer economia acabará produzindo, durante um

certo período de tempo, uma quantidade de resíduos, na mesma proporção que a matéria-prima utilizada como insumo.

o modelo da balança de materiais deixa claro que o meio ambiente tem duas funções básicas para o processo econômico: uma fonte de

matéria-prima para o processo produtivo e um receptor dos resíduos produzidos correspondentes ao material utilizado como insumo.

Assim, o desenvolvimento do aparato produtivo significa, de um lado, um crescimento do consumo dos recursos disponíveis no meio

ambiente, de outro lado, uma geração crescente de resíduos. Além disso, podemos também constatar· através desse modelo que o uso de

expressões como "jogar o lixo fora" constitui apenas uma falta de conhecimento do destino real dos resíduos, uma vez que toda matéria

permanece no meio ambiente de uma forma ou de outra. Uma substância pode ser queimada (causando talvez poluição do ar), disposta em

9 SENECA, Joseph. Enviromnt Economics, p. 51, op. cit.

10 MILLER, Tyler G. Resource Conservation and Hanagement, p. 78-115, Wadsworth Publishing Company Belmont, california, 1989.

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rios, lagos e oceanos (causando talvez poluição da água) ou ainda

depositada na terra (causando talvez poluição da água e do solo),

porém continuará sempre no meio ambiente. Ê possivel afirmar então

que todo material utilizado como input no processo produtivo será

devolvido ao ambiente na forma de gases, liquidos ou sólidos. 11

Alguns residuos, contudo, podem ser reciclados e dessa maneira

permitem seu reaproveitamento como insumos novamente dentro do

processo produtivo. Alguns outros processos biológicos naturais

podem também transformar parte dos residuos em insumos, em periodos

de tempo variáveis. A quantidade de residuos dependerá diretamente

da tecnologia disponivel para realização dessa tarefa e dos

estimules econômicos existentes~ Contudo, todo o material que não

for reciclado voltará ao meio ambiente de alguma forma (gás,

líquido, sólido)~"

o meio ambiente possui uma grande , porém finita, capacidade de

assimilação desses residuos •13 Através do modelo da balança de

materiais é possível deduzir que o aumento da produção decorrente

do desenvolvimento industrial implica um aumento de residuos a

serem dispostos no meio ambiente. Esse aumento, por sua vez,

implica em uma utilização crescente da capacidade de assimilação do

meio ambiente. Quanto maior o volume de residuos, maior também é o

aumento da poluição e, consequentemente, o agravamento dos custos

externos.

A poluição ocorrerá toda vez que a disposição desses residuos

implicar dano à vida, à propriedade ou à quantidade e qualidade dos

serviços prestados pelo meio ambiente. Ao nos defrontarmos com

poluição, estamos diante de um caso evidente em que a quantidade de

11 SENECA, Josepb and TAUSSING, Michael. Bnvirol!IE!nt Econolics, p. 55, op. cit.

12 Idem ibidem.

13 FREEMAN III, A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. Tbe Econoli.cs .. , op. cit.

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resíduos dispostos superou a capacidade de assimilação do meio

ambiente. l. 4

O resultado do aumento da poluição é um aumento dos custos sociais

ou custos externos. Esses custos são considerados externos, como

explicado anteriormente, porque os indivíduos ou firmas que se

utilizam da capacidade de assimilação do meio ambiente, durante o

processo de produção e de consumo, não incorporam/pagam tais

·custos .l.s

o fenômeno das externalidades ocorrerá sempre que o direi to de

propriedade não estiver claramente definido. No caso da disposição

de residuos que podem afetar diretamente outros serviços do meio

ambiente, como _recreação, ou causar danos, como impactos à saúde,

isto fica evidente. Como o direito de propriedade em relação ao

meio ambiente não está claramente definido, pessoas que

eventualmente forem prejudicadas em relação à utilização dos

serviços do meio ambiente não serão necessariamente indenizadas

pelo danos. Além disso, como não há compensação para aqueles que

foram prejudicados pela disposição de residuos, o serviço

desempenhado pelo meio ambiente como receptor de resíduos não

representa custo para o poluidor .l.6

Quando serviços como recursos públicos estão disponiveis sem

qualquer custo e·não há restrições de qualquer espécie sobre seu

uso, os resultados são facilmente previsiveis: superutilização,

abuso e degradação da qualidade. Foi exatamente esse modelo de

pensamento que permitiu a Hardinl.7 desenvolver a tese sobre a

tragédia da massa ("tragedy of the commons 11 ), na qual consumidores

l. 4 SEHECA, Joseph and TAUSSING, Michael k. EnvirolJJ!ent Economics, p. 55, op. cit.

l.s SENECA, Joseph and TAUSSING, Jtichael K. EnvirolJ!ellt Bconomics, p. 55 op. cit.

l.6 Idem ibidell.

l.? HARDIN, G. nThe Traqedy of the Commons•, Science, 162, 1243-48, 1968.

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individuais de determinados recursos, movidos pela necessidade de

maximizar sua utilidade individual, acabam por destruir os recursos

devido a uma superutilização. 18

Em suma, ao deixar de lado os fluxos entre os setores de produção

e de consumo e o meio ambiente, a análise econômica tradicional

falha ao ignorar os efeitos do sistema produtivo sobre o meio

ambiente e vice-versa. Em contrapartida, ao incluirmos o conceito

da balança de materiais, é possivel observar duas importantes

caracteristicas quanto às implicações relacionadas aos residuos

produzidos no processo econômico:

- o aumento da produção industrial significa também o aumento da

produção de residuos q~e voltam ao meio ambiente, aumentando os

problemas de poluição;

- a ausência de politicas de estimulo à reciclagem e recuperação de

residuos acaba por agravar ainda mais o processo de poluição. 19

As conclusões

representam

problemática

oferecidas pelo modelo da balança de materiais

contribuição importante ao estabelecimento da

ambiental e, mais especificamente, da geração de

residuos, dentro da ciência econômica.

A forma, contudo, como incorporar essas novas variáveis dentro da

análise econômica representa ainda um enorme desafio. Segundo José

Eli Veiga, é possivel observar duas tendências principais.

"Entre os economistas que se dedicam ao tema observam-se duas

tendências básicas: os que acreditam, como David Pearce, que o

arsenal econômico pode ser aperfeiçoado para responder ao novo

desafio e os que consideram que a problemática ambiental coloca em

18 HARVEY 1 David. The Nature o f EnviroJllBent: tbe dialectics of social and environment change. SChool of Geography 1

University of Oxford 1 1992.

19 FREEMA11 III 1 A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. The Econolfics of ... 1 op. cit.

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xeque os próprios fundamentos da ciência econômica."w

Para o primeiro grupo, a maneira mais eficiente de solucionar essa

problemática ambiental seria garantir que os preços de todos os

recursos naturais incorporassem completamente sua escassez de longo

prazo, além de efeitos imediatos provocados pelo seu uso. Para o

segundo grupo, essa incorporação dos impactos na formação do valor

dos bens obtidos é impossibilitada pelas limitações da ciência

econômica, tanto no que se refere à conceituação do valor, quanto

à perspectiva de horizonte no tempo. "Todas as escolas econômicas

resistem a reconhecer o valor na natureza em si, e têm sido

impotentes para administrar o longo prazo no qual os resultados do

impacto ecológico se manifestam com clareza."n

Apesar dessas divergências, o fato mais importante é a constatação

de que, para um número crescente de economistas, as variáveis

ambientais não podem mais ser ignoradas. A ciência econômica

precisa se desenvolver de modo que os problemas como o da geração

crescente de resíduos sejam contemplados na elaboração da política

econômica.

1.2 - A hegemonia do conceito de desenvolvimento sustentdvel e os desdobramentos

sobre a poUtica ambiental.

A contribuição do modelo da balança de materiais ou ainda novas

descobertas feitas sobre os efeitos negativos de determinados

resíduos sobre o meio ambiente não podem, obviamente, ser

20 VEIGA, Jose Eli. A insustentável utopia do desenvolvimento. CEDEPLAR/AKPUR, OUro Preto, 1991.

21 VEIGA, José Eli. A insustentável utopia do desenvolvi11e11to. op. cit.

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consideradas isoladamente de outros fatores que, igualmente,

contribuíram para uma nova postura em relação aos resíduos

produzidos no processo econômico nos países desenvolvidos.

Entre esses fatores é possível destacar:

- a multiplicação de entidades governamentais e não governamentais

que lidam com a problemática ambiéntal;

a participação mais ativa e o maior interesse do setor

empresarial e dos habitantes dos centros urbanos pelos problemas

ambientais;

- novos dados referentes à degradação ambiental;

- a reformulação das prioridades dentro da política ambiental.

A política de resíduos sólidos não caminha independentemente da

política ambiental. Sendo uma peça central da política ambiental,

o fortalecimento desta implica também um fortalecimento da política

de resíduos. Da mesma forma, o estabelecimento de novas prioridades

dentro da política ambiental reflete-se em novos objetivos para a

política de resíduos.

o conceito de desenvolvimento sustentável constitui a base teórica

da reformulação da política ambiental institucional ao incluir um

novo paradigma. À necessidade original de conservar o meio ambiente

soma-se a necessidade de garantir o desenvolvimento econômico. O

desenvolvimento econômico, ao invés de constituir elemento de

oposição à luta. de preservação ambiental, passa a ser elemento

complementar e essencial para alcançar esses objetivos. 22

Eliminação da pobreza, difusão de tecnologias limpas que possam

aumentar a produtividade sem impactar negativamente o meio ambiente

e preservação dos povos e culturas diferentes em todo o mundo

22 WILLUNS, Jan-Olaf and GOLÜKE, Ulrich. From Ideas to Action, Business and Sustainable Developmnet, The Greening of Enterprise, The International Chamber of Commerce, 1992.

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constituem a base para garantia de um novo padrão de

desenvolvimento de longo prazo.

Os objetivos originais da politica institucional do meio ambiente

podem ser representados por dois episódios importantes ocorridos

nas décadas de 60 e 70.

Em 1961 foi criado o Fundo Internacional para a Vida Selvagem

Mundial (World Wildlife Fund International- WWF), cujo principal

objetivo é o desenvolvimento de projetos relacionados a garantir a

sobrevivência de várias espécies ameaçadas. 23

Em 1972, seguindo recomendações da Conferência Mundial para o Meio

Ambiente realizada em Estocolmo, foi criado o Programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (United Nation Environment Programm -

UNEP). o objetivo do UNEP foi montar um sistema de dados que possibilita um monitoramento global das condições e mudanças do

meio ambiente. 24

A conferência realizada em Estocolmo representou também o inicio de

um processo de reformulação das prioridades em relação à politica

ambiental. A declaração da então primeira~ministra da índia, Indira

Ghandi, a qual afirmava que a pobreza constituia a pior das

poluições, lançou novas variáveis dentro do debate sobre politica ambiental relacionado aos paises industrializados e aos paises em

desenvolvimento. 25

Enquanto os problemas ambientais dos paises do Primeiro Mundo se relacionavam à grande expansão econômica, nos paises do Terceiro

23 BI.ACKBURN, Anne M. Prices ot tbe Global Puzzle, International Approacbes to Enviromrental Concerns, p.l37, Fulcnmgolden, Colorado 1986.

24 BI.ACKBURH, Anne. Prices of the global puzzle ... ,p. 138, op. cit.

25 Souza, Karia T. s. •Rumo à Prática Empresarial Sutentável1 , Revista de Administração de Elpresas, São Paulo, 33(4):40-52, JulfAgo. 1993.

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Mundo esses problemas teriam sua origem justamente na falta de

crescimento econômico e tecnológico, forçando a população a buscar

alternativas para superar os problemas relacionados às péssimas

condições de vida. A utilização da técnica de queimadas na

agricultura ou o crescente desmatamento relacionado à necessidade

de suprimento de energia constituem exemplos tfpicos do aumento dos

problemas de degradação ambiental ligados à pobreza. 26

A partir das idéias apresentadas durante a conferência de

Estocolmo, passa a crescer dentro do movimento ambienta lista a

consciência de que a variável relacionada à proteção ambiental não

poderia ser considerada isoladamente.

o final da década de 70 e começo da década de 80 representa a

consolidação dos temas relacionados ao meio ambiente como um dos

aspectos centrais debatidos nos pafses industrializados. Alguns dos

fatores que contribuíram significativamente para essa crescente

mobilização em relação às questões ambientais foram:

- a crise energética em meados dos anos 70, combinada com algumas

publicações importantes como o relatório "Os Limites do

Crescimento" (Limits of Growth) produzido pelo clube de Roma; 27

- o medo da eclosão de uma guerra nuclear e a crescente mobilização

contra a utilização de energia nuclear;

- o aumento de informações sobre os impactos negativos no meio

ambiente de forma geral e particularmente sobre o problema da fome

enfrentado pelos pafses africanos. 28

26 VIOIA, Eduardo J./ VIEIRA, Paulo F., ll])a Preservação da Natureza e do Controle da Poluição ao Desenvolvimento Sustentável: um desafio ideolóqico e organizacional ao aovimento ambientalista no Brasil.• Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 26 (4): 81-104, outjdez. 1992.

27 Em uma das conclusões publicadas no relatório Limites do Crescimento foi afirmado: •se se mantiverem as tendências atuais de crescimento da população mundial, da industrialização, da poluição, da produção de alimentos e do esgotamento dos recursos, os

·limites do crescimento em nosso planeta serão atingidos nos próxilos cem anos. O resultado aais provável será um declínio súbito e incontrolável da população e da capacidade produtiva. (BENJAMIN, Cesar. nRossos Verdes Amigos. • Teoria e Debate, 12 novellbro 1990. )

28 BIACKBURN, Anne M. Prices ot the Global Puzzle ••• , p. 140, op. cit.

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Esses dados apóntavam para o rápido processo de degradação dos

recursos naturais e uma interdependência crescente dos paises em

nivel mundial. Além disso, indicavam que os problemas ambientais

não ficariam restritos às fronteiras, mas a longo prazo afetariam

todo o globo, exigindo, dessa forma, uma politica global e mais

efetiva para a conservação do meio ambiente. A resposta aos

assustadores prognósticos relacionados ao esgotamento dos recursos

não renováveis, aumento da degradação ambiental e da fome não

demorou a aparecer. Em poucos anos multiplicaram-se fundações,

organizações governamentais e não governamentais e, mais

recentemente, organizações empresariais relacionadas à problemática

ambiental.

Essa multiplicação de atores, inicialmente concentrados em

organizações não governamentais e entidades públicas, representou,

indubitavelmente, um grande fortalecimento do desenvolvimento da

politica ambiental.

As ONGs surgem como movimento social no inicio da década àe 70. Em

1972, ano da Primeira Conferência Mundial para o Meio Ambiente, as

ONGs ainda tiveram uma participação reduzida, apesar de terem seu

papel emergente reconhecido. 29 Em vinte anos, contudo, a

reestruturação na sua forma de organização e de atuação, e a

ampliação de seu número de militantes deram uma nova dimensão ao

papel representado pelas ONGs.

Durante os anos 70, algumas ONGs passam a se autofinanciar através

da contribuição de sócios e venda de material. o processo de

poli tizaÇão crescente dentro · dessas organizações se traduz em

pressões crescentes e mais diretas sobre o setor governamental,

culminando com a criação de partidos verdes em diversos paises,

29 MAC DOWELL, Silvia Ferreira. A ecologia organizacional das organizações ecológicas. são Paulo, EAESP/FGV, 1994. 179 p.

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principalmente na Europa.m

Ainda que durante a década de 90 vários partidos verdes tenham se

distanciado de seus objetivos originais e perdido o espaço

conquistado durante a década de 80, as ONGs continuaram a

proliferar em di versos paises. Alguns exemplos deste fato são

bastante significativos. Uma estimativa feita pelo Clube de Roma em

1985 indicou que as ONGs deveriam envolver cerca de 60 milhões de

pessoas na Ásia, 25 milhões na América Latina e 12 milhões na

África. Em outro trabalho realizado em 1988, estima-se que apenas

nos Estados Unidos haveria cerca de 3.400 ONGs com projetos na

África, sendo que um número ainda maior poderia ser encontrado na

Europa. 31 A importância das ONGs dentro do movimento ambientalista

pôde ser ainda confirmada durante a EC0-92 onde, além da intensa

participação no evento oficial, organizaram seu .próprio evento

paralelo (Forum das ONGs), reunindo não apenas ecologistas, mas

também, representantes de diversos grupos, como feministas,

sindicatos, empresários, politicos e artistas. 32

Durante esse mesmo periodo, o setor público não permaneceu

insensível à maior mobililização da sociedade civil em torno da

questão ambiental. Se em 1972, periodo da conferência de Estocolmo,

havia apenas 12 paises com agências ambientais ou ministérios do

meio ambiente, em 1988 esse número já tinha ultrapassado a marca de

120. 33 Como resultado, há um grande avanço da legislação voltada

30 MAC DOWELL, Silvia Ferreira. A ecologia organizacional das organizações ecológicas. São Paulo, EAESP/FGV, 1994.

31 TANUM, Anne carine. 1The Role of Non-goverllllental Organizations(NGOS)in Achievinq Sustainable Develop11ent, One Eartb -One lforld, p. 93-97, Norway, 1988.

32 CAPOBIANCO, João P. •o que podemos esperar -da Rio 92?1• São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.6, n.l e 2, p. 13-17,

janjjun, 1992.

33 BLACKBURN, Anne M. Prices of the Global Puzzle, International Approaches to Ennvironmental Concerns, Fulcrum Golden, Celerado, 1986.

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para garantir a proteção ambiental, além da intensificação da

fiscalização por parte dos órgãos públicos de controle ambiental.

Este crescimento significativo de entidades e pessoas trabalhando

com a questão ambiental representou um grande avanço neste campo.

Como conseqüência, é possível observar não apenas o crescimento da

conscientização em nível mundial em relação aos problemas

ambientais, mas também importantes mudanças relacionadas às

prioridades da política ambiental institucional a partir da década

de 80.

Em 1980 o termo desenvolvimento sustentável surge pela primeira vez

através do documento Estratégia de Conservação Mundial: conservação

dos recursos vivos para o desenvolvimento sustentável. Nesse

documento é apontado que uma política, para ser sustentável,

deveria considerar ao mesmo tempo fatores ecológicos, econômicos e

sociais. 34

As idéias apresentadas por Maurice F. Strong durante o Seminário

para Conservação no Terceiro Mundo em 1983 sintetizam as novas

prioridades relacionadas à política ambiental. 35

"Primeiro devemos notar que o próprio conceito de conservação mudou

significativamente no presente. No passado a ênfase residia na

preservação, na resistência ao desenvolvimento e em outras formas

de intervenção humana. Agora a ênfase mudou adequadamente, em meu

ponto de vista, para um conceito mais positivo e dinâmico de

preservação, gestão e melhor uso dos recursos, para um uso que

reconhece que os próprios recursos naturais estão em um constante

estado de transformação, que a intervenção humana é uma parte

34 SOUZA, Maria tereza Saraiva de. Gestão Ambiental: a prática empresarial sustentável via reciclagem, Tese de Mestrado apresentada na EAESP-FGV, 1993.

35 apud BLACKBURN, Anne M. Prices of the Global Puzzle ••. , p. 5 op. cit.

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essencial desse processo e que o papel primordial do

conservacionista é o de garantir que o processo seja manejado de

maneira a prevenir a destruição dos recursos e manter a integridade

e beleza do ecossistema, do qual os recursos naturais constituem

uma parte. Existe assim uma direta e inevitável ligação entre

conservação e intervenção humana, particularmente aquela em que

tanto crescimento econômico quanto social são os objetivos, aos

quais nos referimos normalmente como desenvolvimento."

Em 1987, com a publicação do relatório Nosso Futuro Comum (Our

Common Future) elaborado pela Comissão Mundial para o

Desenvolvimento e Meio Ambiente, o conceito de desenvolvimento

sustentável ganha novas dimensões e importância dentro do debate

ligado à problemática ambiental.

A Comissão Mundial para o Desenvolvimento e Meio Ambiente listou

uma série de definições para o desenvolvimento sustentável;

contudo, aquela que vem sendo mais repetida pode ser descrita da

seguinte forma:

"desenvolvimento sustentável significa que as ações presentes não

devem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer

suas necessidades, com base em que o valor total dos bens

disponiveis, tanto os produzidos pelo homem como aqueles

encontrados na natureza, deve permanecer constante de uma geração

para outra" • 36

Dessa forma, como pontos centrais no conceito de sustentabilidade

temos:

- o meio ambiente desempenha um papel fundamental para a qualidade

da vida;

36 HARVEY 1 David. The Nature of Environment: The Dialectics o f Social and Environmental Chanqe 1 school o f Geoqraphy 1 Uni versi ty of Oxford 1 1992.

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garantia para as gerações futuras de uma base de recursos igual

à que está disponível para a geração atual;

- essa base de recursos é constituída por uma combinação entre

produtos feitos pelo homem e recursos naturais. 37

Dentro do debate sobre sustentabilidade existem controvérsias,

principalmente no que se refere à manutenção da base dos recursos.

De um lado, há os denominados economistas tradicionais que tratam

o desenvolvimento sustentável apenas em termos de crescimento

econômico, permitindo dessa forma a substituição entre produtos

feitos pelo homem e recursos naturais. O ponto central dessa

análise é que a oferta total de produtos manufaturados e recursos

naturais não deve decrescer de uma geração para a outra. De outro

lado, existe uma análise cujo ponto central é a afirmação de que

a disponibilidade de recursos naturais não pode diminuir e, dessa

forma, refuta a idéia de substituição entre produtos manufaturados

e recursos naturais. Portanto, desenvolvimento sustentável só pode

ser alcançado na medida em que seja possível conservar a oferta de

recursos naturais de uma geração para a outra. As principais

críticas ao argumento da substituibilidade partem da constatação de

que é, por exemplo, impossível recriar a camada de ozônio na

estratosfera ou remover os gases que causam o efeito estufa. Além

disso, não existe técnica plausível para resolver o problema da

crescente acidificação do meio ambiente. E, por fim, há o fato de

que é impossível substt tuir informações genéticas de espécies

extintas. 38

Apesar dessas controvérsias, a necessidade de sustentabilidade

passou definitivamente a predominar não apenas dentro do discurso

37 UNITED NATIONS Industrial Development Organization - UNIDO, Proceedings of the Conference on Ecologically Sustainable . Industrial Development, Compenhagen, Denmark, 14-18 october, p. 36, 1991.

38 UNITED NATIONS Industrial Development Organization, UNIDO, Procedure ••• , p. 36, op. cit.

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29

da polftica ambiental institucional, mas também passou a ser cada

vez mais repetida no discurso de entidades não governamentais e organizações empresariais.

A adoção por parcela crescente do setor empresarial da expressão

"desenvolvimento sustentável" constitui fator bastante importante

merecendo uma reflexão especial, o que será feito no capitulo 4

desta dissertação. Aqui é importante destacar o grande crescimento

do setor empresarial dentro do discurso da polftica ambiental, seja

no exemplo da ação de pessoas individualmente, seja na ação

coordenada do setor empresarial.

Um exemplo interessante é dado pela trajetória de Maurice F.

Strong. Além de ter sido secretário geral das Nações Unidas em

Estocolmo (1972) e no Rio (1992) e de ter participado ativamente da

elaboração do Relatório Brundtland, a carreira profissional de

Strong está diretamente ligada ao setor industrial. Ele foi

presidente da Petro-can, Companhia_Nacional de Petróleo no Canadá,

e fundador do Setor Privado Internacional para Desenvolvimento de

Energia, organização voltada para o desenvolvimento do setor de

petróleo e energia nos paises em desenvolvimento. Em 1983, foi

empossado como presidente da Companhia Canadense de

Desenvolvimento, que coordena as indústrias nacionalizadas

canadenses, ao mesmo tempo em que continuava como diretor do enorme

conglomerado privado americano Tosco. 39 Maurfce Strong, com seu

perfil industrial e discurso voltado à necessidade de promover

crescimento econômico e preservação ambiental, além de sua

importância no desenvolvimento da polftica ambiental institucional

nas últimas duas décadas, constitui um exemplo claro do elo

crescente entre o setor industrial e o movimento ambientalista

39 BLACKBurut, Anne M. Prices ot tbe Global Puzzle, p. 4 op. cit.

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30

institucional. 40

É interessante notar também o crescimento do número de eventos

realizados diretamente pelo setor industrial ligados ao setor

ambiental nos anos recentes. Entre os anos de 1990 e 1992, nada

menos que quatro eventos internacionais foram promovidos por órgãos

ligados diretamente ao setor industrial. o Fórum Industrial para o

Meio Ambiente em 1990, a Segunda Conferência da Indústria para

Administração Ambiental em 1991, a Conferência da Indústria para

Desenvolvimento Sustentado e o Segundo Fórum Industrial para o Meio Ambiente em 199241 representaram não apenas o comprometimento do

setor industrial, pelo menos no nível do discurso, em alcançar o desenvolvimento sustentável, mas também centros de propagação dos

objetivos desse setor em relação à política ambiental.

Deve ficar claro que a incorporação do discurso do desenvolvimento sustentável pelas organizações governamentais, não governamentais

e empresariais não significa a eliminação de divergências entre estas organizações, principalmente no que tange à forma de alcançar

os objetivos propostos pela nova política ambiental. Contudo, é possível observar, no nível do discurso, a formação de um consenso

em torno de um dos objetivos centrais da nova política ambiental baseado no conceito de desenvolvimento sustentável: a nova política

ambiental deve ter como objetivo não o de reparar os danos ao meio ambiente, mas sim o de atuar sobre o processo de produção e consumo

40 Durante a preparação da conferência do Rio em 1992, os grande setores empresarias, representados pelo Conselho Ellpresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD • Business Council for sustainable Oevelopment) e Câmera Inernacional de Comércio (ICC), tiveram, segundo representantes do GREEHPEACE 1 uma influência se11 paralelo nos negócios da ONU. no BCSD foi fornada em 1990 a pedido específico do secretário geral da EC0-92 1 Haurice Strong, que desde então vem sempre prestando um tributo público à contribuição bastante importante que o conselho dará no Rio. o próprio Strang vem prestando assistência ao BCSD na apresentação de suas propostas 1

e ajudou o conselho a editar o documento WMUdança de Rumo"· a peça central das propostas que as indústrias encaminharão no Rio. (BRUI0 1 Kenny. o relatório Greenpeace sobre a maquiagem verde: o disfarce ecológico das empresas trasnacionais (Tradução de Sergio Flaksaan para a Greenpeace Brasil).

41 WILLUNS, Jan-olaf/GOLÜKE, Ulrich, Fro1 Ideas to Action: business and sustainable developJent 1 The Greening Enterprise1

International Chalber of Commerce1 1992.

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31

para que os danos ao meio ambiente sejam evitados em suas

raízes. 42

Neste quadro, a produção e a destinação de resíduos passaram a

ocupar posição central dentro da política ambienta~, uma vez que a

maior parte dos problemas ambientais se intensificou devido a uma

geração também crescente de resíduos líquidos, gasosos e sólidos.

Além disso, é importante salientar outro

recentes, indiretamente acabou desviando

fator que, nos anos

o foco principal do

movimento ambiental, antes centrado na problemática do esgotamento

dos recursos naturais, para a produção de resíduos no processo

produtivo.

Segundo Cesar Benjamin, há uma tendência contemporãnea de aumento

de produtos, acompanhada de diminuição de insumos. Isto equivale a

dizer que a taxa de crescimento dos produtos é maior do que a taxa

de crescimento dos insumos. Dessa forma, mui tas das previsões

feitas no início da década de 70 publicadas no relatório "Os

limites do crescimento" parecem hoje exageradas. 43

No caso do petróleo, por exemplo, previa-se em 1973 que suas

reservas caminhavam para o rápido esgotamento; hoje, a queda de

consumo mundial, associada ao desenvolvimento tecnológico na área

de prospecção e à descoberta de reservas gigantescas, inclusive no

Brasil, além da recuperação de antigos poços, afastaram o fantasma

do esgotamento desse insumo. 44 Vários outros recursos naturais têm

apresentado também decréscimo no consumo, como afirma Bejamin:

42 0ABFALLWIRTSCHAT in Wien°. Perspektiven, Magazin für Stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989

43 É importante ressaltar que essas constatações são válidas para o atual estágio tecnológico e de consumo mundial. Vários estudos têm procurado demonstrar que se o padrão de vida norte-americano fosse o mesmo para o mundo inteiro, os recursos naturais do planeta não durariam até o final do século (VEIGA, Jose Eli. A Insustentável ... , op. cit.).

44 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos, op. cit.

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32

"Medida em toneladas utilizadas por bilhões de dólares do PNB, em

apenas uma década a intensidade de uso nos Estados Unidos diminuiu 13% para o aço, 25% para o minério de ferro, 15% para o cobre, 17%

para o zinco, 2% para o enxofre, 4% para a energia (medida em equivalentes de carvão). Só o alumfnio contrariou essa tendência,

tendo aumentado sua intensidade em 66%, por causa dos novos usos desse material. " 45

Em contrapartida, ainda que a produtividade esteja aumentando com

uma utilização cada vez menor de recursos naturais, o aumento desta

tem levado ao aumento crescente de residuos. Esta tendência ainda

hoje não apresentou reversão significativa. 46

No segundo Seminário de Gestão de Resfduos Sólidos realizado na cidade de Viena, o diretor da Agência Federal do Meio Ambiente da

Alemanha, Werner Schenkel, destacou que:

"O desenvolvimento das economias de mercado tem apresentado uma tendência inalterada de aumento do volume total de residuos. A

necessidade de expansão das economias de mercado significa uma elevação crescente das mercadorias e commodities. Ainda que seja

possfvel, devido ao desenvolvimento tecnológico, diminuir a quantidade de insumos por unidade produzida, tem-se como

contrapartida um aumento das unidades produzidas e vendidas". 47

Esse crescimento dos resfduos está diretamente ligado não apenas ao crescimento do volume total de produção, mas também à forma como

muitos dos novos produtos têm se desenvolvido.

Na fabricação de bens no mercado mundial é possfvel identificar as

45 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos, op. cit. 46 SCHENKEL, Werner. International Perspectivas of waste ltinillization. Waste Minimization International Experiences, May 13-17,

1991 •

47 SCHENKEL, Werner. International Perspectives os Waste Minimization, op. cit.

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33

seguintes tendências:

- os produtos estão se tornando menores;

- aumento do uso de materiais compostos;

- aumento de substâncias químicas para refinamento;

- aumento do uso de materiais novos e frequentemente raros.

Essas quatro características dificultam extremamente a recuperação

e reciclagem dos produtos. Assim tem-se, de um lado, a propagação

do discurso, tanto por parte do. setor público como do setor

privado, referente à necessidade da utilização de produtos que

possam ser reaproveitados e reciclados para garantir a menor

produção possível de resíduos, e, de outro lado, a necessidade do

desenvolvimento de produtos que, muitas vezes, não estão

absolutamente ligados a essa demanda política. 48

Assim, a política ambiental deve atuar de forma que o

desenvolvimento tecnológico não contemple apenas a procura do

aumento de produtividade (maior produção com menor utilização de

recursos), mas também a redução dos volumes de resíduos no próprio

processo produtivo, e uma melhor adequação da sua disposição à

necessidade de proteger o meio ambiente.

A contribuição de modelos como o da balança de materiais tornou

evidente que os resíduos constituem parte essencial do sistema

econômico. A mobilização crescente em torno dos problemas

ambientais e o estabelecimento de novas prioridades dentro da

política institucional ambiental vêm contribuindo para que a

problemática ligada aos resíduos, de qualquer natureza, ocupe uma

posição cada vez mais importante na agenda de organizações

governamentais, não governamentais, industriais e dos habitantes de

vários centros urbanos.

48 SCHENKEL, werner. International Perspectivas of Waste lfiniiiÍzation ... , op. cit.

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34

Na Agenda 21, por exemplo, adotada durante a Segunda Conferência

Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, o capítulo 21,

seção II, é dedicado exclusivamente à questão da gestão dos

resíduos sólidos. Neste capítulo estima-se que até o final deste

século, dois bilhões de pessoas não terão acesso a atendimento

sanitário e que cerca de cinco milhões de pessoas, entre as quais

4 milhões de crianças, morrerão devido a doenças relacionadas ao

lixo. Além disso, espera-se que a quantidade total de resíduos

urbanos deverá dobrar até o ano 2000 e dobrar novamente até o ano

2025. Com base nesse diagnóstico foram propostos os seguintes

investimentos:

- 10 bilhões de dólares em investimento anual para que até 2025

todas as áreas urbanas e rurais sejam atendidas com serviços de

limpeza urbana:

- 18 bilhões de dólares em investimento anual para se garantir a

disposição de resíduos sólidos nos países em desenvolvimento de

forma a proteger o meio ambiente;

-- 850 milhões de dólares anuais (1993/2000) para financiar

programas de reutilização e reciclagem de materiais nos países em

desenvolvimento

- 6,5 milhões de dólares anuais para redução per capita do volume

de resíduos sólidos. 49

Além do valor significativo dos recursos demandados para serem

investidos em projetos no setor de resíduos sólidos, é importante

ressaltar que nenhum outro projeto, que integra a Agenda 21, deverá

receber um volume tão elevado de recursos como os projetos

relacionados à gestão de resíduos sólidos. 50

os dados apresentados acima incluem um grande volume de recursos

49 UKITED NATIONS. 1Earth summit: press sumary of aqenda 21. Rio de Janeiro, 1992.

5t) UNITED NATIONS. Earth Sllllllit: press smary of agenda 21. Rio de Janeiro, 1992.

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35

destinados à garantia de serviços essenciais de limpeza püblica.

Além disso, há previsão de recursos também para redução,

reaproveitamento e reciclagem de produtos que refletem os novos

objetivos da política de gestão de resíduos sólidos nos países

desenvolvidos, adaptados às prioridades da atual política

ambiental, como será demonstrado no próximo capitulo.

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36

Cap. 2. GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS FACE AOS NOVOS OBJETIVOS DA

POLÍTICA AMBIENTAL

A relação entre resíduos e problemas ambientais é mais evidente no

campo dos resíduos sólidos, uma vez que seu grau de dispersão é bem

menor do que o dos resíduos líquidos e gasosos. É fácil ter uma

idéia da dimensão do problema apenas imaginando as quantidades de

lixo produzidas em cada casa ou em cada unidade industrial e que,

de alguma forma, devem ser dispostas.

Os resíduos sólidos apresentam outra característica muito

importante. Diferentemente dos resíduos líquidos e gasosos, uma

parcela significativa do volume total dos resíduos sólidos

encontra-se diretamente nas próprias residências nos centros

urbanos, permitindo, teoricamente, uma contribuição imediata por

parte dos habitantes para minimizar seus efeitos negativos sobre

o meio ambiente, ao se separar, por exemplo, os resíduos nas

residências para sua recuperação e reciclagem. Assim, numa época de

aumento da consciência ambiental, é possível entender o apoio

crescente das comunidades nos países desenvolvidos aos programas de

gestão dos resíduos que estimulem sua recuperação ao invés da mera

disposição.

o crescente conhecimento das implicações sobre o meio ambiente

relacionadas ao aumento de volume de resíduos a serem dispostos e

o aumento da consciência ambiental determinaram uma nova

qualificação para o problema.

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37

o termo lixo foi substituido por residuos sólidos e estes, que

anteriormente eram entendidos como meros subprodutos do sistema

produtivo, passaram a ser encarados como responsáveis por graves

problemas de degradação ambiental. Além disso, os residuos sólidos

se diferenciam do termo lixo, pois enquanto este último não possui

qualquer tipo de valor, já que é aquilo que deve apenas ser

descartado, o primeiro possui valor econômico agregado

possibilitando e estimulando que parte deste seja reaproveitada

novamente no próprio processo produtivo. Estas novas

caracteristicas contribuiram para tornar a politica de gestão de

residuos sólidos prioritária dentro do setor público nos paises

desenvolvidos, demandando um comportamento diferente dos setores

público, produtivo e de consumo.

Ê importante notar que esta nova qualificação dos residuos sólidos

no sistema econômico e a consequente mudança dos objetivos da

politica de gestão de residuos se iniciou nos paises da OCDE já em

meados da década de 70; contudo, é só a partir da década de 80 que

mudanças importantes na condução prática desta politica afetaram

mais diretamente os diversos setores do sistema econômico.

2.1 - Os modelos de gestilo de residuos s6lidos

A politica de gestão de resfduos sólidos inclui a coleta, o

tratamento e a disposição adequada de todos os subprodutos e

produtos finais do sistema econômico, tanto no que se refere ao

lixo convencional como ao lixo tóxico. Além disso, hoje há consenso

de que esta polftica deve também atuar de forma a garantir que os

residuos sejam produzidos em menor quantidade já nas fontes

geradoras.

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38

Os novos objetivos da politica ambiental e, consequentemente, o

estabelecimento de novas prioridades da gestão de residuos sólidos

em nivel internacional implicam uma mudança radical nos processos

de coleta e disposição de residuos. Enquanto os antigos sistemas de

gestão tinham como prioridade a disposição dos residuos, os atuais

sistemas devem ter como prioridade um "ecological cycle

management", o que significa a montagem de sistema circular onde a

quantidade de residuos a serem reaproveitados dentro do sistema

produtivo seja cada vez maior e a quantidade a ser disposta,

menor. 51

o desenvolvimento da politica de gestão de residuos sólidos nos

últimos vinte ~nos, nos pafses desenvolvidos, permite identificar

três fases distintas de prioridades.

A primeira fase, que prevaleceu até o inicio da década de 70, é

caracterizada por uma prioridade em garantir apenas a disposição

dos residuos. Este modelo pode ser representado pelo diagrama a

seguir:

51 1ABFALLiiiRTSCIIAFT in liien•. Perspektiven, llagazin für Stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989.

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Modelo tradicional de tratamento de resíduos sólidos

Natura la Dlapoaloao Final

[[J [0--c:J--D---EJ--B~-[[J

Reouraoa

PP Produceo Pri•Arla P Produoao D Dlatrlbuloao

C Conaumo Dl8 Dlapoatoao

Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umweltproblematik aus

technoõkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.

39

Como pode ser observado no gráfico acima, o crescimento rápido da

exploração dos recursos naturais e do consumo nos paises

desenvolvidos apresentava como contrapartida um crescimento igualmente rápido do volume dos residuos a serem dispostos devido

à ausência de politicas para reduzir a quantidade de residuos em qualquer das etapas do sistema produtivo.

Durante a década de 60 e inicio da década de 70, na maioria dos

paises da OCDE, são erradicados os últimos lixões a céu aberto, sendo a maior parte dos residuos encaminhada para aterros

sanitários e incineradores.

A partir de meados da década de 70, a mobilização do movimento ambientalista passa a concentrar suas criticas cada vez mais

sobre as formas de destinação dos residuos sólidos.

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40

Os aterros sanitários, que constituem até hoje o meio mais

utilizado para a disposição de resíduos com algum tratamento em

todo o mundo, apresentavam problemas. A redução de espaço

disponível para construção de novos aterros nos países

desenvolvidos e o aumento de problemas relacionados à poluição

ambiental (poluição dos lençóis de água subterrâneos), tornaram

claro que esta opção deixou de constituir a melhor alternativa.

As vantagens do processo de incineração relacionadas à redução do

peso e do volume em 75% e 90% respectivamente -- devido ao fato de

que a quantidade crescente de papel e plástico nos resíduos aumenta

seu valor calorífico tornando o processo de incineração mais

eficiente -- apresentavam como contrapartida uma emissão maior de

poeira, ácido clorídrico, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio,

metais pesados e dioxinas na atmosfera. 52

Além desses dois exemplos citados, as críticas a esse tipo de

tratamento de resíduos se relacionavam também ao fato de que esses

métodos em nada contribuíam para que houvesse uma redução efetiva

dos resíduos sólidos antes da disposição destes.

o aumento dos problemas ambientais relacionados à disposição de

resíduos e o crescimento dos grupos ambientalistas e sua

mobilização resultaram em mudanças importantes nas principais

prioridades do tratamento de resíduos. Em 1975 os países da OCDE

· publicaram pela primeira vez as prioridades em relação à gestão de

resíduos sólidos, nesta ordem:

1. Redução da produção de resíduos;

2. Reciclagem do material;

3. Incineração com reaproveitamento da energia;

52 KAHRBANDA, O.P/STALLWORTHHY E. A. Waste Management ••• ,op. cit.

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41

4. Disposição em aterros sanitários controlados. 53

Os efeitos na prática, contudo, sobre a gestão de residuos sólidos

se acentuaram de maneira mais significativa apenas a partir da

década de 80, ainda assim de forma parcial. Se'· de um lado, a

redução da produção de residuos continuava como retórica, de outro

lado a promoção da recuperação e reciclagem dos materiais passou a

ser prioridade dentro da segundà fase da politica de gestão de

residuos.

Através do desenvolvimento de uma legislação estimulando o uso de

produtos reciclados e de um apoio cada vez maior da população,

desenvolve-se um mercado rentável para os produtos reciclados

durante a década de 80. Esse sistema pode ser representado no

diagrama a seguir:

53 EG-Uiweltpolitik, õsterreich und Europãischen Gemeischaft, Februar, 1993.

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Modelo de gestão de resíduos sólidos incluindo a reciclagem

Reoureoa Naturala

[QJ Dlapoaloao Final

I Ü,/ G-D---8---8---B-[QJ ~L~J

..... --------0--------"

PP Produoao Prlmirla P Produoao D Dlatrlbulcao R Reololagem RE Reutlllzaoao

c Conaumo Dl8 Dlapoalcao

42

Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umwelproblematik aus techno­

õkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.

A reciclagem realizada em etapas diferentes do processo produtivo

significa o crescimento mais lento do consumo de recursos naturais

e do volume de resíduos a serem dispostos, devido ao

reaproveitamento de uma parcela de resíduos que, na fase anterior,

teria como destino aterros sanitários e incineradores.

No final da década de 80, começaram a se desenvolver as primeiras

críticas ao estímulo apenas à recuperação e reciclagem dos

resíduos. As vantagens atribuídas à reciclagem de materiais, tais

como menor consumo de energia e redução do volume de resíduos,

deveriam ser relativizadas, uma vez que o processo de reciclagem

necessita de matérias-primas e energia consideráveis, além de

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43

também produzir resíduos. Dessa forma, o objetivo de reduzir a

quantidade total de resíduos a serem dispostos não estava sendo

cumprido. Além disso, também aumentaram as críticas à falta de uma

política específica para tratamento de resíduos tóxicos e ao

aumento das exportações desses resíduos para disposição final em

países em desenvolvimento.

o final da década de 80 marca o estabelecimento de novas

prioridades em relação à gestão de resíduos sólidos nos países

desenvolvidos. Antes de diminuir a produção de determinados

produtos, é prioritário que eles não sejam sequer produzidos. Ao

invés de se reciclar determinados produtos, é prioritário que esses

produtos sejam reutilizados. Antes de depositar os produtos em

aterros sanitários, é prioritário reutilizar a energia presente nos

resíduos através de incineradores. 54

Assim, a prioridade pas~a a ser a redução do volume de resíduos já

no início do processo produtivo e continuando nas demais etapas do

processo produtivo. Além disso, produtos que apresentem dificuldade

de reciclagem devem ser devolvidos aos fabricantes, que devem ser

responsáveis por seu tratamento e disposição. Esse sistema, que

caracteriza a terceira fase, é representado no diagrama a seguir:

54 "ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien". Perspektiven op. cit.

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Modelo de gestão de resíduos sólidos adaptados às novas prioridades da política

ambiental

Recuraoa I == J Dlapoalcao

c::.~~-:6-ó:â=till J~.l ~L~

EJ J

L---------0---------· PP Produoao PrimAria C Conaumo P Produoao D Dlatrlbuloao R Reciclagem RE Rautlllzaoao

018 Dlapoaloao

DEV Davolucao

Pluo lle 11aterlel

44

Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umweltproblematik aus techno­

õkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.

Esse modelo implica uma série de mudanças no comportamento dos

diversos atores envolvidos em todas as etapas do processo, muitas

ainda bastante difíceis de serem alcançadas, pois prioridades como

evitar e reduzir a produção de resíduos na própria fonte geradora

exigem mudanças significativas já no processo produtivo.

Portanto, temos que o êxito desse processo depende de medidas que

atuem desde a fase do design do produto. os novos produtos devem

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45

priorizar a utilização de material que possa ser reaproveitado em

primeiro lugar ou quando isto não for possível, reciclado. Além

disso, os produtos devem ter uma vida longa e apresentar facilidade

para serviços de reparação. 55

Uma segunda mudança se refere às alterações no modelo de produção.

o processo de produção deve ser realizado de tal forma que se

utilize menor quantidade de energia e matérias-primas, além de

produzir menos resíduos. São necessárias políticas que estimulem o

emprego de non-waste, low-waste e clean technologies. 56

Quanto ao sistema de distribuição, deve-se também priorizar a

utilização de embalagens de transporte e dos produtos que possam

ser reutilizadas ou recicladas, tais como:

- containers;

- pallets;

embalagens retornáveis ao invés das embalagens "one way".

O setor de consumo também representa parte importante deste

processo. Modificações dos hábitos de consumo, como priorizar a

compra de produtos que utilizem menos embalagens ou produtos que

possam ser reciclados, constituem exemplos da contribuição deste

setor.

Através da adoção dessas medidas e da montagem desse sistema

complexo, espera-se alcançar os seguintes objetivos:

- redução do consumo de recursos naturais, de material e energia;

- redução da poluição decorrente do processo de produção;

55 Vogel, G- Die Abfall und die Ullllfeltproblelllàtik aus techno-ókonomischer und ókolCXJischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt,1993.

56 Idem, ibidem

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46

- redução do volume de resíduos. 57

Assim, é possível resumir as diretrizes da atual política de gestão

de resíduos através das seguintes prioridades:

1. Evitar ou, quando não for possível, diminuir a produção de

resíduos;

2. Reutilizar ou reciclar resíduos;

3. Utilizar a energia presente nos resíduos;

4. Inertizar e dispor os resíduos. 58

As principais mudanças em relação às prioridades estabelecidas pela

OCDE para gestão de resíduos sólidos em 1975 são:

a prioridade do conceito "evitar" em relação ao conceito

"diminuir";

- a prioridade do conceito "reutilizar" em relação ao conceito

"reciclar";

- o estabelecimento de incineradores separadamente para resíduos

tóxicos e não tóxicos;

- a necessidade de inertização de produtos tóxicos para disposição

em aterros controlados.

Essas características mencionadas condizem com as novas prioridades

da política ambiental, na medida em que, ao se evitar a produção de

determinados resíduos, reaproveitar parcela destes e inertizar o

restante, é possível minimizar o processo de degradação ambiental

antes que este ocorra.

57 VOGEL, G. Die Abfall und die Ulll'ileltproblematik aus teckno-ókonomischer und ókologischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt, 1993.

58 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Persprktiven, op. cit.

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Cap. 3. O SISTEMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA CIDADE DE

VIENA

47

Os atuais sistemas de gestão de resíduos sólidos, apesar de

apresentarem particularidades, utilizam instrumentos semelhantes

para alcançar os novos objetivos dos modelos integrados de

gestão de resíduos. Projetos desenvolvidos nos Estados Unidos,

Dinamarca, Alemanha e Áustria constituem bons exemplos da nova

tendência mundial em relação a esta problemática.

Particularmente na Áustria, onde as leis relacionadas ao meio

ambiente encontram-se em um estágio bastante adiantado, é

possível observar o desenvolvimento de uma política visando

um maior controle sobre as atividades do setor produtivo e de

consumo em relação à produção, tratamento e destinação final dos

resíduos sólidos. A legislação sobre gestão de resíduos sólidos

austríaca prevê entre outras coisas:

- o Estado austríaco se obriga a comprar apenas mercadorias que,

após consumidas, produzam resíduos com mínimo impacto ambiental;

- decreto fixando os objetivos para redução de produção de

resíduos sólidos;

- decreto regulamentando a gestão de resíduos sólidos tóxicos;

decreto estabelecendo a coleta seletiva de resíduos

domésticos;

- decreto estabelecendo a obrigação, de firmas com mais de 250

empregados e que produzam resíduos tóxicos, da contratação de um

especialista na área de resíduos;

- decreto sobre redução do uso de embalagens. 59

59 LIST, Wolfang. The Austrian Waste Management Act. op cit. p.

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48

Não apenas o governo federal, mas também os municípios, corno no

caso de Viena, têm competência para elaborar as leis

relacionadas à gestão de resíduos sólidos, desde que estas não

se confrontem com os objetivos decretados em nível federal e

excluam o lixo tóxico e radioativo, que constituem competência

exclusiva do poder federal.

Nesse quadro é possível observar na cidade de Viena a

· existência de um sistema bastante sofisticado de gestão dos

resíduos sólidos, adaptado a muitas das prioridades

estabelecidas dentro do discurso relacionado à nova política de

gestão de resíduos.

3.1 - Os objetivos do plano de gestão de resíduos

o desenvolvimento do tratamento de resíduos na cidade de Viena

tem urna longa história. Corno em diversas cidades européias, a

destinação dos resíduos tornou-se um ponto importante para

governantes e habitantes quando as epidemias passaram a ser

relacionadas aos problemas do lixo dentro da cidade. Dessa

forma, os governos locais, através de taxas e contribuições dos

habitantes, passaram a garantir a remoção desses resíduos para

fora dos muros da cidade. 60 Em 1656, foi estabelecido na cidade

de Viena o primeiro sistema organizado de coleta de lixo. O

lixo, deixado pelos habitantes de Viena em lugares públicos e

nas ruas, era esporadicamente recolhido pelas autoridades locais

e retirado da cidade.u

Apenas em 1839 foi estabelecido o primeiro sistema de coleta

60 nABFALLWIRTSCHAFT in Wienn. Perspektiven, Magazin für stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989.

61 Idem, ibiden.

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49

periódica dos resíduos. Através do sistema "Mistbauer", os

habitantes de Viena passaram a juntar o lixo dentro das próprias

casas e levá-lo para o veículo responsável pela coleta. 62

Entre 1923 e 1928 foi desenvolvido o sistema "Colonia", que

consistia na colocação de containers nos prédios de Viena para

serem recolhidos regularmente pelas autoridades. Em 1928, a

cidade de Viena contava com 901 desses containers. 63

Em 1947, foi construído o primeiro centro para tratamento de

esgoto da cidade. E nos anos de 1956 e 1963 foram construídos,

respectivamente, a primeira planta de compostagem para resíduos

orgânicos e o incinerador de Flõtzersteig. 64

Em 1981 entrou em operação o incinerador de resíduos tóxicos

EBS, além de ter sido construído o centro de separação de lixo

de Rinterzel t. 65

O início da década de 80 foi marcado por um aumento das

críticas ao sistema de gestão de resíduos desenvolvido na cidade

de Viena, principalmente no que diz respeito ao uso cada vez

maior de incineradores e ao volume muito pequeno de materiais

reciclados.

Como resposta a essas críticas, foi desenvolvido no ano de 1985,

pela Secretaria do Meio Ambiente e pelo Departamento de Limpeza

Pública (MA 48), o plano de gestão de resíduos sólidos da cidade

de Viena.

Este plano foi apresentado ao conselho municipal de Viena

contendo os seguintes objetivos:

62 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien." Perspektiven, op. cit. 63 "ABFALLWIRTSCHAFT in wien". Perspektiven, op. cit. 64 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien. Perspektiven, op. cit. 65 Idem, ibidem.

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50

evitar e, quando não for possível, reduzir o v6lume de

resíduos decorrente do processo de produção, serviços e

mercadorias, com respeito à quantidade e qualidade dos resíduos

produzidos;

- fazer coleta seletiva de lixo para recuperação e tratamento em

usinas de reciclagem (produção de matéria-prima secundária e

utilização direta da energia presente no lixo);

dispor os resíduos que não podem ser reaproveitados de maneira

a causar o menor impacto possível ao meio ambiente. 66

Para alcançar esses objetivos foram feitas as seguintes

propostas:

- Coletar o lixo doméstico tóxico;

- Aumentar a coleta de recicláveis;

- Reconstruir e modernizar o aterro sanitário de Rautenweg;

- Equipar os incineradores de Viena com modernos e eficientes

sistemas de combate à poluição;

- Modernizar as instalações do incinerador de resíduos tóxicos

(Simmering - EBS) para tratamento adequado destes resíduos. 67

A partir de 1988, foi incluída nas propostas de gestão de

resíduos a coleta de material orgânico, como restos de alimento

e plantas para compostagem, como parte da política de redução e

reaproveitamento do lixo. 68

A necessidade de reduzir , a quantidade de resíduos a serem

dispostos na cidade de Viena se relaciona ao fato de que se

tornou extremamente difícil ach~r novos espaços para a

construção de aterros sanitários. Além disso, devido às

condições sociais e políticas existentes hoje em Viena, onde

66 EG-UMWELTPOLITIK, Õsterreich und Europãischen Gemeinschaft, Februar, 1993. 67 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien". Perspektiven, op. cit. 68 Idem, ibidem.

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51

cresce o debate e a resistência em torno da construção de

unidades tradicionais de tratamento de resíduos sólidos, foi

proibida por tempo indeterminado a construção de novos aterros

sanitários e incineradores. 69

A utilização, até o final do século, do único aterro sanitário

da cidade de Viena só será possível na medida em que a

quantidade de lixo a ser disposta apresente uma redução

significativa. 70

Com base nesse diagnóstico, nos objetivos traçados em 1985 e nos

novos objetivos da política ambiental, o novo sistema de gestão

de resíduos da lixo da cidade de Viena estabeleceu as seguintes

prioridades:

1 - Redução do volume de lixo produzido;

2 - Recuperação e tratamento do lixo (matéria-prima secundária,

material orgânico e energia presente nos resíduos);

3 - Tratamento e disposição final de resíduos. 71

As prioridades estabelecidas na cidade de Viena, no final da

década de 80, refletem os principais objetivos da política de

resíduos sólidos na década de 90 na Europa, representada pelas

diretrizes publicadas pela Comunidade Européia. 72

69 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Management Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993. 70 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien. Perspektiven, op.cit. 71 "ABFALWIRTSCHAFT in Wien. Perpektiven, op. cit. 72 EG-UMWELTPOLITIK, õsterreich und Europãischen Gemeinschaft, Februar, 1993.

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.52

3. 2 - A composição do lixo e os instrumentos da política.

A cidade de Viena ocupa uma área total de 41.495 hectares,

possui uma população de aproximadamente 1.564.051 habitantes

e uma densidade demográfica de cerca de quatro habitantes por

A produção anual total de resíduos na cidade de Viena desde 1910

até 1950 apresentou-se relativamente constante, flutuando entre

25.000 te 35.000 t. 74

A partir da década de 50, contudó, a produção anual de resíduos

passou a crescer rapidamente.

Durante o período de 1960 até 1992 o volume total de resíduos

aumentou de pouco menos de 1.000.000 m3 para 7.395.492 m3• Nesse

mesmo período o peso total dos resíduos elevou-se de cerca de

250.000 t para 713 .136 t. 75

Esta diferença observada nas taxas de crescimento entre volume

e peso, crescimento de 639% e 185% respectivamente, pode ser

explicada devido ao fato de que uma porcentagem substancial do

lixo é composta por embalagens de papel e plástico, que a partir

da década de 60 passaram a ser usadas em maior escala

substituindo outro tipo de embalagens mais pesadas como, por

73 "LEISTUNGSBERICHT 1992". Der MA 48 - MÜLLBESEITIGUNG, Wien, Mãrz, 1993.

74 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993.

75 "LEISTUNGSBERICHT 1992. Der MA 48, op. cit.

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53

exemplo, garrafas de vidro.

Um estudo, conduzido pelo Departamento de Tecnologia da

Universidade de Economia de Viena, determinou através de uma

pesquisa realizada no 19 º e 20 º bairros de Viena a seguinte

composição do lixo:

Lixo Doméstico Coletado em Viena

Peso(%)

Papel, cartao 26.69

175.045

Material Composto 8.97

58.807

Vidro 8.46

4 7.596

8.129

7"7'-'~~ Material Tóxico 1.24

Mad. Couro, Borracha 2.6

Metal 4.51

29.567

Meter ia I 1 ner te 5. 83

Pléstlco 7. 26

4 7.595

38.221

17.046

.Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1991 der MA 48 -

Müllbeseitigung, Viena, março 1992.

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Pléstico 22.94

Lixo Doméstico Coletado em Viena

Volume (%)

Orgênlco 13.74

54

Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1992 der MA 48 -

Müllbeseitigung, Viena, março 1992.

Como pode ser visto nos gráficos apresentados, o papel e o

plástico presentes no lixo em Viena representam cerca de 42% do

peso e mais de 60% do volume total do lixo coletado.

A maior parte da coleta do lixo doméstico em Viena é realizada

pelo próprio Departamento de Limpeza Pública MA 48. Quanto ao

lixo industrial, este é recolhido por empresas privadas, sendo

seu trabalho supervisionado pelo departamento MA 48.

o primeiro modelo de coleta seletiva de residuos domésticos da

cidade de Viena foi iniciado no ano de 1979. Nesse modelo foram

instalados os containers para coleta de papel e de vidros

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55

transparentes e coloridos. 76

Paralelamente a esse sistema entrou em operação no ano de 1981

um centro de separação de resíduos para o lixo doméstico de

Viena. Em 1983, o centro de separação foi fechado devido aos

poucos resultados positivos alcançados. Hoje em Viena, predomina

a idéia de que a separação dos resíduos através dos centros de

triagem de resíduos impossibilita um reaproveitamento desses

mesmos resíduos de maneira eficiente. 77 Dessa forma, atualmente

os resíduos domésticos a serem reciclados são apenas aqueles

provenientes de containers de coleta seletiva separados por

grupos. Em 1986 foram acoplados ao sistema de coleta seletiva

containers para disposição de metal, lixo orgânico, garrafas e

folhas plásticas, além de papel e vidro já citados.

Hoje, Viena conta com 76.000 pontos diferentes espalhados pela

cidade para entrega voluntária de recicláveis.

Dentro desse sistema existem 1200 centros de coleta de

recicláveis. Estes centros são compostos por grupos de

containers de 770 1 espalhados em vários pontos da cidade onde

podem ser depositados pela população papel, vidro transparente,

vidro colorido, metal, latas, plástico, remédios e lixo

orgânico.

Além disso, existem 36 centros de entrega voluntária de material

tóxico e mais 18 centros de entrega dos mais diversos materiais

como televisores e geladeiras. Os pontos restantes são

constituídos de containers na sua maioria usados para coleta de

papel, vidro e material orgânico espalhados em diversas esquinas

da cidade. Além disso, um número cada vez maior de edifícios

contam com containers para separação e disposição do papel

diretamente nas residências.

76 ROGALSKI, Wojciech. ISWA- Modern Waste Tagung ••• , op. cit.

77 Idem, ibidem.

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Hoje o sistema de gestão de resíduos da cidade de Viena conta

com cerca de 140.000 containers p~ra os resíduos recicláveis e

com cerca de 200.000 para para os resíduos restantes. Esses

containers variam de 120 l até 4.400 1. 78

o número total de veículos usados pelo departamento MA 48 na

coleta de resíduos é de 228, enquanto os funcionários que

trabalham nesses veículos atingem o número de 600. 79 Desse

total, 46 caminhões e 98 funcionários trabalham na coleta dos

containers dispostos nos pontos de entrega voluntária, enquanto

182 caminhões e 502 funcionários trabalham na coleta dos demais

containers. Devido à multiplicação dos postos de entrega

voluntária na cidade é possível obervar que, entre o ano de 1988

e 1992, houve um aumento de 36 caminhões e de 75 funcionários

para a realização deste tipo de coleta.

A coleta dos containers dos recicláveis é feita uma vez por

semana, excluindo a coleta de material orgânico que é feita

diariamente. o restante dos resíduos não separados também é

coletado diariamente.

Através desse sistema sofisticado foi coletado em 1992 um total

de 713.136 t, sendo 521.585 t referentes à coleta direta em

residências, escritórios e hospitais, além de 191.551 t

referentes aos resíduos depositados nos di versos centros de

coleta seletiva.w

Em comparação ao ano de 1990 verifica-se, que o total do lixo

coletado em Viena aumentou 5% em 1992: 713.136 t contra 662.291

t. Em contrapartida, o total resultante da coleta seletiva

apresentou uma variação positiva de 31,4%, elevando-se das

78 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993.

79 Estes números de funcionários e caminhões correspondem apenas aos materiais usados diretamente pelo departamento 48. Cerca de 87% da coleta do papel proveniente da coleta seletiva é feita por empresas privadas.

80 nLEISTUNGSBERICHT 1992. Der MA 48, op. cit.

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57

115.047t coletadas em 1990 para 191.551 t em 1991. 81

A composição dos resíduos obtidos através da coleta seletiva nos

anos de 1990 a 1992 pode ser observada na tabela a seguir:

Resíduos Coletados Separadamente ( 1990-92)

Material 1990 1991 1992

Containers para

recicláveis 78.689 98.816 124.181

Entulho 23.763 30.885 22.634

Containers para 11.157 19.537 43.419

composto

Lixo Tóxico 1. 438 1.985 1. 317

TOTAL 115.047 151.163 191.551

Fonte: Mag1stratsabte1lung 48, Le1stungsber1cht 1990/92 der MA

48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992.

o montante de 191.551 toneladas de resíduos coletado em 1992

significa que do total do lixo doméstico coletado em Viena,

aproximadamente 26% está sendo recuperado através do depósito

voluntário da população.

o restante do lixo doméstico da cidade é tratado nas seguintes

unidades de tratamento de resíduos:

- incineradores de Flõtzersteig (MVA I) e Spittelau (MVA II)

que, além de reduzir o volume do lixo a ser disposto, fornecem

81 LEISTUNGSBEREICHT 1992. Der MA 48 ••• , op .cit.

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energia para a rede de aquecimento de Viena;

- ABA (Abfallhandlungsanlage ou planta de tratamento de lixo de

Viena) onde tanto o lixo doméstico. como, pricipalmente, o

industrial são processados e separados;

- EBS (Entsorgungsbetriebe Simmering Ges.m.b.h) onde tanto o

lixo industrial como o lixo tóxico são incinerados;

- aterro sanitário de Rautenweg, onde são dispostos parte dos

resíduos e também os restos do lixo queimado nos

incineradores. 82

A disposição dos resíduos nestas unidades pode ser observada na.

tabela abaixo:

Unidades de Tratamento de Resíduos Sólidos, Viena (1990-92)

Unidades 1990 1991 1992

(t) (t) (t)

(%) (%) (%)

MVA I 80.341 82.135 130.252

(Incinerador) 14,66 15,06 24,97

MVA II 216.056 256.353 263.194

(Incinerador) 39,43 47,02 ·so,46

EBS 147 o o

(Incinerador) 0.0002 o,oo 0,00

ABA 1.639 872 258

(Centro Sep.) 0,003 0,002 0,0005

Rautenweg I 249.744 205.768 127.881

(At. Sanit.) 45,56 37,75 24,52

TOTAL 547.927 545.128 521.585

Fonte: Mag1stratsabte1lung 48, Le1stungsber1cht 1990/92 der MA

48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992

82 "LEISTUNGSBERICHT 1992". Der MA 48, op. cit.

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59

Como se pode observar na tabela acima, há um aumento de 1990

para 1992 do total de resíduos a serem incinerados, ao mesmo

tempo em que diminui a participação do lixo a ser disposto no

aterro sanitário de Rautenweg. Apesar do aumento das

controvérsias sobre o uso de incineração no tratamento de

resíduos, devido aos seus efeitos poluentes e seu alto custo

de operação, há uma tendência em Viena a que parcelas maiores

do lixo sejam incineradas, ao mesmo tempo em que cresce a

participação dos resíduos a serem recuperados e, por outro

lado, busca-se diminuir o volume de lixo a ser disposto no

aterro sanitário como pode ser observado na tabela abaixo:

De~tinação dos Resíduos Sólidos, Viena (1988/92)

Mii/T

1988 1989

- Aterro Sanltérlo

EHEI MA 48 ABA

1990 1991

Ez::::l lnclnerador

~ Coleta Seletiva

1992

Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1988/92 der MA

48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992.

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60

Enquant~ o volume de resíduos a serem incinerados entre 1988 e 1992

aumentou de 113.205 toneladas para 393.446 toneladas, o volume de

resíduos a serem depositados em aterros sanitários decresceu de

422.185 para 127.881. 83 É interessante notar que do total de

resíduos dispostos na cidade de Viena, pouco mais de 75% têm corno

destino incineradores e apenas 25% aterros sanitários.

Um outro ponto importante da política de gestão de resíduos sólidos

na cidade de Viena se refere à divulgação de informação.

A redução da produção de lixo consiste essencialmente numa tarefa

política e social. Para alcançar esse objetivo é fundamental urna

mudança nos valores atuais presentes dentro dos setores público,

produtivo e de consumo. 84 Dessa forma, a informação ocupa urna

posição central no desenvolvimento do atual sistema de gestão de

resíduos sólidos. Viena conta hoje com três alternativas principais

para divulgação de informações ligados aos resíduos sólidos:

- Misttelefon, que constitui urna linha telefônica referente aos

resíduos sólidos, onde a população pode obter diversas informações

referentes ao tratamento de resíduos em Viena;

- treinamento de especialistas na área de tratamento de resíduos e

inclusão do curso de administração de resíduos sólidos na

Universidade para Cultivo do Solo de Viena (Universitãt für

Bodenkultur);

- distribuição para a população e empresas de brochuras contendo

informações sobre coleta seletiva, lixo tóxico e cornpostagern,

eventos relacionados à administração do lixo e atividades em

escolas. 85

83 LEISTUNGBERICHT. Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1993.

84 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Persperktiven, op. cit.

85 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Perspektiven.op. cit.

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61

Dessa forma, através dos instrumentos mencionados acima, a cidade

de Viena estabeleceu um sistema de gestão de resíduos que opera de

maneira bastante eficiente, principalmente no que diz respeito à

coleta, tanto no que se refere ao lixo comum e recicláveis como na

disposição dos resíduos. Todos os resíduos sólidos gerados na

cidade, incluindo resíduos domésticos e industriais são recolhidos

pelo departamento de limpeza pública ou por empresas privadas.

3. 3 - O decreto sobre embalagens

A enorme estrutura montada na cidade de Viena para gerenciamento

dos resíduos sólidos tem possibilitado a coleta de um volume

crescente de recicláveis. Ainda assim, o volume de resíduos sólidos

destinados a aterros sanitários e incineradores não tem diminuído

na mesma proporção, ao mesmo tempo que o volume total de resíduos

produzidos na cidade continua a aumentar.

o volume maior de resíduos produzidos na cidade não está

relacionado ao crescimento da população. No período de 1986 a 1992

a população cresceu de 1.517.000 habitantes para 1.591.398

habitantes, representando uma variação de 4,9%, enquanto no mesmo

período o volume total de resíduos coletados pelo departamento MA

48 se elevou de 517.938 t para 713.136 t, representando uma

variação de 37,7%. Esta discrepância entre crescimento populacional

e geração de resíduos sólidos indica que o aumento do volume de

resíduos em Viena está diretamente ligado a uma crescente produção

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62

de resíduos no próprio processo produtivo. 86

Uma análise mais detalhada desse problema será feita no capítulo 4

dessa dissertação. Aqui, é importante constar que os resultados

ainda pequenos em relação à redução efetiva dos resíduos sólidos

gerados no processo produtivo são explicados, segundo

representantes do Ministério do Meio Ambiente austríaco, pelo uso

ainda bastante grande de embalagens no setor produtivo e comercial.

Como já foi comentado, a embalagem constitui o principal componente

do lixo doméstico de Viena. Sem a redução efetiva da quantidade de

embalagens, é bastante difícil alcançar uma redução significativa

do volume de resíduos. Entre os anos de 1990 e 1992 o total de

papel, vidro, plásticos e metal, no total do lixo doméstico

coletado em Viena, apresentou um crescimento médio de pouco mais de

9 ~ 87 o.

Atualmente estima-se que do volume total de resíduos produzidos por

ano na Áustria, cerca de 1, 5 milhão toneladas corresponde a

material de embalagem. Desse total, cerca de 680.000 t vêm sendo

coletadas e recuperadas. o restante continua tendo como destino

final incineradores e aterros sanitários. 88

Com o objetivo de reduzir o volume total de embalagens não

necessárias e ampliar a reciclagem das embalagens necessárias

presentes nos resíduos, o Ministério do Meio Ambiente austríaco

lançou um decreto relacionado à disposição dos diversos tipos de

embalagens, tanto no que se refere às obrigações do setor

86 LEISTUNGSBERICHT, Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1986/93.

87 nLEISTUNGSBERICHT 1992n. Der MA 48, op. cit.

88 TOTALE MÜLLKONTROLLE, Wirtschafts Woche, Nr 37, 09/09/1993, Wien.

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63

produtivo, como também do setor intermediário e do setor de

consumo.

Essa nova política, que passou a vigorar na Áustria a partir de 12

de outubro de 1993, afetará particularmente a cidade de Viena, que

constitui o maior centro produtor de resíduos, e consequentemente

de embalagens, rto país. Do total dos resíduos coletados em Viena,

25% do. peso total e 54% do volume total correspondem à

embalagem. 89

o decreto sobre embalagens está baseado, de um lado, na obrigação

para que todos os setores da economia coletem separadamente uma

porcentagem das embalagens produzidas no sistema econômico e as

encaminhem para serem recuperadas e, por outro lado, na força do

sistema de mercado .através do mecanismo de preços em determinar o

comportamento e as ações do setor produtivo e de consumo. Quanto a

esse aspecto, é importante ressaltar que o governo austríaco está

hoje composto por uma coalizão entre o Partido Social Democrata

(SPÕ), que tem sua história ligada ao desenvolvimento do movimento

trabalhista, e o Partido Democrata Cristão (ÕVP), que tem sua

história ligada ao setor agrícola e industrial. A atual ministra do

Ministério do Meio Ambiente e responsável pelo decreto sobre

embalagens pertence ao Partido Democrata Cristão.

O mecanismo do decreto sobre embalagens pode ser resumido no

seguinte comentário feito por um representante do Ministério do

Meio Ambiente:

"O consumidor tem o poder. Ele decide qual produto quer comprar e

dessa maneira influencia a estratégia do produtor. Do total de 2,0

milhões toneladas de lixo doméstico produzido anualmente na

Áústria, cerca de um terço corresponde a embalagens. o consumidor

89 VOGEL, G- Die Abfall und die U1/l'ieltproblematik aus techno-õkonomischer und õkologischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt, 1993.

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tem a possibilidade de reduzir esse volume. Caso compre

preferencialmente garrafas de vidro, então desaparecerão do mercado

Tetrapack ou garrafas 'one way'. o objetivo do decreto sobre

embalagens é o de facilitar para o comprador a escolha sobre

produtos mais adequados à conservação do meio ambiente e instalar

um sistema circular através da coleta e reaproveitamento dos

resíduos. A maior utilização de embalagens, por parte do setor

produtivo, significará um aumento dos preços decorrentes dos

serviços realizados e taxas cobradas pelas tarefas desempenhadas

pela empresa privada Reciclagem de Matéria-prima Reaproveitável da

Áustria (ARA). o fator preço deverá influenciar a decisão do

consumidor no sentido de comprar produtos com menos embalagens.

Produtores, comerciantes, consumidores, coletadores, recicladores:

essa circulação terá como objetivo garantir que um menor volume de

resíduos tenha como destino final os aterros sanitários e

incineradores".~

Toda a coordenação desse processo será feita pelo ARA. Produtores

e vendedores que não puderem realizar por si próprios a coleta e

reciclagem das embalagens utilizadas poderão trabalhar

conjuntamente com a ARA; isto significa o pagamento de uma taxa

para a ARA pela realização dos serviços de coleta e

reaproveitamento dessas embalagens. Essa taxa será calculada em

função do tipo de embalagem usada pelas empresas e pelo volume

total de cada tipo de embalagem.

Para a realização desse cálculo foram estabelecidos os seguintes

valores relacionados a cada embalagem específica e que deverão ser

pagos pelas empresas para o ARA.

90 nVERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht'sn!, Unser Wien Spezial, 1993.

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• Custo Para Coleta e Reaproveitamento das Embalagens

TAXA ESPECÍFICA POR EMBALAGEM 0$/Kg

Vidro 0,78

Madeira 0,86

Papel, cartão, papelão 1,68

Cerâmica 3,15

Metalferroso: mais que 101 3,64

Metalferroso: menos que 101 4,48

Alumínio 6,81

Material plástico grande 11,91

Material plástico pequeno 15,90

Têxtil 15,90

Material plástico com conteúdo tóxico G/P 17,68

Material Composto (ex. Tetrapack) 18,36

Fonte: Unser W1en Spez1al, Heft 14/1993

o cálculo para pagamento da taxa deve ser feito pela própria

empresa, através da multiplicação do peso total de cada embalagem

pelo valor estipulado pelo Ministério do Meio Ambiente. Essa taxa

será tanto maior quanto maior for o volume total de embalagem e

quanto maior for a utilização de embalagens que apresentem um maior

custo para o seu reaproveitamento. Dessa forma, produtos embalados

com papel ou vidro representarão um custo menor para a empresa em

comparação à utilização de material plástico ou material composto

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66

como por exemplo Tetrapack. 9~

As empresas devem também enviar para a ARA todo ano uma lista

contendo todos os produtos por elas produzidos, assim como as

embalagens usadas para transporte e acondicionamento dos produtos

e o peso de cada material utilizado. Após o recebimento dessa

lista, a ARA emitirá uma licença e o respectivo número como

comprovante da parceria estabelecida com a empresa. Toda empresa

que estabelecer a parceria com a ARA receberá em seu produto uma

.marca (ponto preto) indicando a existência de uma forma de

tratamento dos resíduos para esses produtos. 92

Além disso, as empresas precisam enviar para a ARA relatórios

periódicos do volume total de material de embalagem consumido.

No caso das empresas que pagarem mais que O$ 500.000 por ano, esse

relatório deve ser enviado mensalmente, enquanto para as demais

empresas isto deve ser feito a cada quadrimestre.

A ARA tem o direito de fiscalizar a veracidade das informações

recebidas junto às empresas sempre que julgar necessário.

Para as embalagens que ficarem nas próprias empresas (embalagens de

transporte de produtos comprados de outras empresas) e que

excederem 1m3, serão coletadas pela ARA sem qualquer custo

adicional para as empresas que já tenham firmado o contrato e desde

que o material seja separado já dentro da própria empresa. Apenas

as embalagens que não estão previstas no decreto, ou que devem ser

transportadas para outras regiões dentro da Aústria, representarão

um custo adicional para as empresas.

o sistema de parceria com a ARA não é obrigatório, as empresas e o

9~ "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's". op. cit.

92 "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's", op. cit.

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setor comercial podem optar por sistemas alterna ti vos para a

remoção e tratamento de resíduos; no entanto, as empresas que não

realizarem o contrato com o ARA terão a obrigação de garantir a

coleta e reutilização do produto obedecendo às seguintes normas:

- garantia de que seus clientes tragam de volta as

utilizadas na seguinte proporção: 40% e 80% das

utilizadas até os anos de 1995 e 2000, respectivamente;

embalagens

embalagens

- essas embalagem devem ser reutilizadas pelas próprias empresas ou

por terceiros;

- essas duas tarefas devem ser obrigatoriamente comprovadas. 93

Para o setor doméstico a única grande alteração, resultante do

decreto sobre embalagens, foi o estabelecimento de uma multa de O$

40.000 (U$ 3.300,00) para pessoas que depositarem resíduos em

containers errados. 94 Outra alteração prevista no decreto se

refere ao fato de que determinadas embalagens poderão ser deixadas

pelo consumidor diretamente no local em que foram adquiridas. Por

exemplo, no caso de tubos de pasta de dente embalados com uma

segunda embalagem, esta segunda embalagem poderá ser deixada

diretamente nos supermercados ou drogarias. Todas as embalagens

levadas pelos consumidores deverão ser retornadas ao respectivos

containers da coleta seletiva.

Na prática isso significa que os habitantes de Viena poderão

continuar a dispor seus resíduos através do sistema descrito na

primeira parte deste capítulo, que deverá ser ampliado através da

instalação, por parte do MA 48, de mais postos de entrega

voluntária de recicláveis. 95 Além disso, como já comentado, o

93 "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's", op. cit.

94 Apesar de a multa constar do decreto de embalagens, o Ministério do Meio Ambiente determinou que até o presente momento essa multa não seja aplicada.

95 ROGALSKY, Wojciech. ISWA- Modern Waste Management ••• , op. cit.

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Ministério do Meio Ambiente espera que o aumento dos custos de

determinadas embalagens 1 levará à procura de produtos embalados com

material mais adaptado aos objetivos do decreto sobre embalagens.

Cabe ainda ressaltar que o decreto não prevé qualquer redução da

taxa cobrada para coleta de lixo 1 sendo que o Departamento de

Limpeza Pública da cidade de Viena continuará a fazer a coleta dos

resíduos domésticos que não forem separados.

A organização do sistema montado para alcançar os objetivos do

decreto de embalagens pode ser resumida através do seguinte

esquema:

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O sistema ARA para Coleta e Reaproveitamento de Emblagens

Taxa de dlsposlçao lnclu

no prece do produto

Ida

j Consumidor Final

Produtor Vendedor

Pagamento de llcenca pa ra o ARA I ARA I

Reciclagem de Materiais de Viena ARW

Parceiro Regional

Tranaporte e Coleta

Plástico, Têxtil, Metal, Material Composto Papel, Papelao, Vidro; Madeira

I l::mpresas de Hec1c1agem I Reouperaoao de Materlala e de Energia Térmloa

Fonte: Unser Wien Spezial 14/1993

69

o objetivo desse sistema é reduzir o volume de determinadas

embalagens até o ano 2000 nas seguintes proporções: redução de

40%, 60% e 80% do volume de embalagens a serem dispostas em aterros

sanitários até os anos de 1994, 1997 e 2000 respectivamente. 96

Com a incorporação do decreto de embalagens, a política de gestão

de resíduos sólidos da cidade de Viena objetiva, além de garantir

96 UNSER WIEN, op.cit. p.

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tratamento adequado dos resíduos e ampliar o volume de coleta de

recicláveis, estimular a redução de embalagens desnecessárias já no

processo produtivo.

Os instrumentos da política de gestão de resíduos sólidos da cidade

de Viena para garantir os objetivos mencionados neste capítulo

podem ser resumidos no seguinte quadro:

Gerenciamento de Lixo Doméstico em Viena

I Matéria-prima I . _l

L I ner ti zaçâo J-t Aterro

I Cinza, Poeira I Sanltér Produçâo 1+- 1

~~Separação J l

~~Utilizaçao de Energia Térmic~

I E vi ta r /reduzir I 1

I Produto I I Lixo Restante I ~ Reclclévels I I Composto I

1 l I E vi ta r /reduzir I I Coleta de Resíduos I

Resíduos

Fonte: Abfallwirtschafts in Wien. Perspektiven, Magazin für

Stadtgestaltung und Lebensqualitãt, Wien, 1988

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Cap. 4. DISCURSO E PRÁTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Em um trabalho recentemente publicado pela Câmara de Economia

Austríaca é feita a seguinte observação: "As leis referentes à

gestão de resíduos sólidos são, dentro da Comunidade Européia,

as mais discutidas entre todas as leis relacionadas ao meio

ambiente". 97

Isto não constitui exclusividade dos 12 países que formam a

comunidade. Os dados apresentados no capítulo 1 desta

dissertação demonstraram a importância da gestão de resíduos

sólidos na Agenda 21 e o volume de recursos destinados a

projetos nessa área.

Apesar da unanimidade em torno da relevância dos assuntos

relacionados à gestão de resíduos sólidos, problemas e

contradições marcam também o desenvolvimento e implementação

desta política.

Se há consenso de que os graves problemas relacionados à gestão

de resíduos sólidos em países em desenvolvimento devem ser

resolvidos em curto e médio prazo, não há o mesmo consenso para

se definir de onde devem vir os recursos. Se há consenso de que

a quantidade de resíduos deve ser reduzida já no processo

produtivo, nem sempre os objetivos dentro do sistema de mercado

são compatíveis com as prioridades dos sistemas atuais de gestão

de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.

O sistema de gestão de resíduos acaba por repetir as mesmas

97 MAYER, Johannes. EG - U/JMelpolitik. EG-Õffentlichkeitsarbeit. 2. Auflage, Februar 1993.

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contradições entre os objetivos propostos pela política

ambiental institucional e a condução prática dessa política.

Essas contradições tendem a aumentar, na medida em que o

envol virnento do setor empresarial no debate sobre política

ambiental ocupa um papel cada vez mais importante, corno se

pretende demonstrar neste capítulo.

4.1 - A apropriação do discurso do desenvolvimento sustentável e os desdobramentos

sobre a polltica ambiental

Em um artigo de 1991, José Eli da Veiga ironiza a unanimidade

alcançada pela idéia do desenvolvimento sustentável:

"Será que alguém poderia ser contra o desenvolvimento

sustentável? Basta fazer esta pergunta para que se perceba que

a noção já desfruta de urna unanimidade só comparável, talvez, à

felicidade, ao amor, ou ao mineiro pão de queijo".~

Representantes de oranizações governamentais, não governamentais

e empresariais são unânimes em reafirmar a necessidade de

repensar o atual rnodel,o de desenvolvimento e substituí-lo por um

modelo que permita o desenvol virnento global, preservando ao

mesmo tempo o meio ambiente.

o setor empresarial, que por muito tempo via com grande

desconfiança o crescimento do movimento arnbientalista, hoje não

apenas repete a necessidade de preservar o meio ambiente,

concomitante ao crescimento econômico, corno também se coloca

corno principal instrumento para superação do modelo de

desenvolvimento tradicional. Durante o Fórum realizado pela

Câmara de Comércio Internacional (ICC) em Bergen em 1991 Maurice

98 VEIGA, José Eli "A insustentável utopia do desenvolvimento". CEDEPLAR/ANPUR, 1991

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F. Strong fez o seguinte comentário:

"A indústria é o principal instrumento de crescimento econômico,

é também o instrumento principal para alcançar mudanças

ambientais e sociais.""

A adoção por parcela crescente do setor empresarial da expressão

desenvolvimento sustentável constitui fator bastante importante,

merecendo uma reflexão especial. Como foi demonstrado no

capítulo 1 desta dissertação é possível observar um grande

crescimento do setor empresarial dentro do discurso da política

ambiental, seja pela ação de pessoas individualmente, como no

caso citado de Maurice Strong, seja na ação coordenada do setor

empresarial, através da multiplicação de eventos realizados

referentes à política ambiental.

Essa atuação mais significativa do setor industrial nos anos

recentes serviu não apenas para o comprometimento do setor

industrial, pelo menos em nível de discurso, em alcançar o

desenvolvimento sustentável, mas também, para propagar os

objetivos desse setor em relação à política ambiental. É

importante notar que a apropriação do discurso do setor

empresarial em relação ao desenvolvimento sustentável obedece às

conveniências, ideologias e projetos deste setor . 100 Este fato

pode ser observado nos princípios publicados no Business Charter

for Sustainable Development cujos principais pontos são:

"1. o crescimento econômico, mercado livre e proteção ambiental

são objetivos compatíveis. o ICC101 compartilha a visão de que

existe uma complementaridade, e não conflito, entre

desenvolvimento econômico, comércio internacional e proteção

ambiental. A menos que os problemas ambientais sejam levados em

99 Willuns, Jan-Olaf. From Ideas to Action, Business and sustainable Developmnet, The Greening of Enterprise, 1992.

100 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e Deficiências do Conceito. de Desenvolvimento Sustentável." Revista de Admnistração Pública. São Paulo, 32(2):14-24, AbrjJun, 1992.

101 ICC: International Chamber of Commerce.

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conta, o crescimento econômico resultará em deterioração do meio

ambiente e decréscimo de qualidade de vida da ~opulação mundial.

2. Desenvolvimento sustentável é um objetivo essencial

internacional e exige crescimento econômico real, porque apenas

um tal crescimento pode criar a capacidade para resolver os

problemas ambientais. O crescimento econômico também mimimizará

a pobreza e o aumento populacional.

3. o setor privado é a força motora do crescimento econômico e

a fonte de recursos para melhorar a qualidade ambiental. o crescimento econômico cria as condições nas quais a proteção

ambiental pode ser alcançada de maneira mais eficiente.

4. o progresso para o desenvolvimento sustentável pode ser

alcançado trabalhando-se no contexto de uma economia de mercado

e adaptando-a ~ara refletir preocupações ambientais.

5. o livre comércio é um ponto chave para alcançar

desenvolvimento sustentável. A progressiva liberalização do

comércio e o investimento internacional têm estimulado o

crescimento econômico global, incluindo o crescimento em países

em desenvolvimento que passaram a adotar políticas orientadas

pelo mercado 11102•

Esses princípios foram publicados no ano de 1991 e assinados por

230 empresas. Um ano depois, mais de 1000 empresas já os haviam

endossado, entre as quais mais da metade das 500 maiores

empresas publicadas pela revista Fortune. Esse acordo constitui

o maior compromisso firmado até hoje pelo setor industrial em

termos de política ambiental.w3

É importante notar, contudo, que o sistema de mercado e a

garantia do crescimento econômico como variáveis prioritárias

dentro da política de implementação do desenvolvimento

sustentável não podem ser entendidos como suficientes para

alcançar os objetivos apontados pelo relatório Brundtland. Como

afirma Rattner, "a incorporação da dimensão ambiental nas

102 WILLUNS, Jan-Olaf. From Ideas to Action, p. 9, op.cit.

103 Idem, ibidem.

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estratégias e projetos de crescimento econômico não é condição

suficiente nem para o desenvol virnento sustentável nem para a

melhoria de vida de pobres e desprovidos ( ... ) É necessária a

busca de padrões de consumo e de produção determinados

socialmente, que pode nos levar a fazer avançar o debate sobre

o desenvolvimento sustentado, fugindo das visões normativas e

discutindo concretamente suas reais possibilidades e

existência" . 104 A solução de problemas ambientais e a reversão

de urna situação, onde os países desenvolvidos detêm 22% da

população mundial e consomem 80% da totalidade de matérias­

primas e da energia do planeta, apresentam dificuldades muito

maiores que o mero acoplamento do termo sustentável ao termo

desenvol virnento. 105 Veiga sintetiza de forma clara essa

problemática: "A tendência tem sido a de aceitar o complemento

sustentável com a mesma facilidade que se absorve urna nova gíria

ou urna nova marca de sabonete . Mas sabemos que não é por se

chamar Benjor que o Jorge Ben deixou de ser o mesmo. E também é

certo que deve ter tido fortes razões para mudar de nome

artístico depois de tantos anos de carreira ... " . 106

Os exemplos citados acima mostram corno diferentes grupos, corno

no caso do setor industrial, podem se apropriar do termo

desenvol virnento sustentável de acordo com suas ideologias e

projetos . 107 Quanto a esse aspecto é interessante remeter à

Marilena Chaui ao caracterizar ·o ponto central do discurso

ideológico. "A ideologia se constitui corno um discurso que

suprime a diferença em nome da unidade, que fala de harmonia

onde há contradição, que se apresenta corno portadora de solução

para todos. " 108

104 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e deficiências do conceito do desenvolvimento sustentável." Revista de administração de empresas. São Paulo v.32, N.2, p. 14-24, Abrjjun. 1992.

105 MINC, Carlos. "Verdes Revolucionários". Teoria e Debate 13, Fevereiro 1991.

106 VEIGA, José Ele. "A insustentável utopia ••• , op. cit.

107 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e Deficiências ••. , op. cit.

108 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos •.. , op. cit.

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É também importante acrescentar que esse maior envolvimento do

setor empresarial não significa que a indústria passou a

controlar o discurso ambientalista institucional, uma vez que

nenhum grupo individualmente pode definir o campo discursivo.

Isto será feito essencialmente através da sociedade e de suas

estruturas . 109 Porém, é possível afirmar que a mobilização

empresarial em torno dos assuntos ligados ao meio ambiente tem

influenciado de maneira crescente o estabelecimento das

prioridades do discurso ambiental institucional, principalmente

no que se refere a sua condução prática. Por trás desta

mobilização há um objetivo muito claro: justificar o lucro como

a melhor alavanca do bem-estar social, garantindo agora também

ganhos ambientais, e portanto conservar a lógica do mercado sã

e salva.uo

O início da década de 90 representa a consolidação da temática

ambiental como variável hegemônica dentro do cenário mundial,

temática essa abordada de maneira bastante diferente da que

prevaleceu até a década de 80 · e, certamente, muito mais

adapatada e coerente com as necessidades de expansão

capitalista.

A multiplicação e fortalecimento de organizações governamentais

e não governamentais ligadas à problemática ambiental (unidades

de controle de poluição, o fortalecimento das leis relacionadas

ao controle ambiental e ONGs), assim como o desenvolvimento do

setor empresarial (produção limpa, controle de poluição e

produtos "verdes") deverão garantir a manutenção dos problemas

ligados à política ambiental como prioritários. Segundo Cesar

Benjamim observa-se que:

proteção ambiental está

"Na Europa e nos Estados Unidos a

se tornando a principal área de

investimentos para um sistema ávido por alternativas de

reciclagem e esperto demais para perder oportunidades que

109 NOVY ,Andreas. Estratégias de Contra Poder: fala e prática de Iniciativas de base no Brasil e na Austria, Universidade de Economia de Viena, 1992 .

110 VEIGA, Jose Eli. "A insustentável utopia ... op. cit.

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combinem negócios e ideologia vendáveis no mundo inteiro.

Movimentando 180 bilhões de dólares anuais (cerca de metade do

PIB brasileiro), a indústria ecológica (equipamentos

antipoluição) já ultrapassou a indústria eletroeletrônica e se

afirma como a mais importante frente de expansão ~etorial para

o capitalismo da década de 1990. n~n A necessidade de proteger

o meio ambiente não significa moda passageira, mas sim, parte

integrante do sistema.

As características apontadas acima indicam o desenvolvimento de

forças eventualmente contraditórias. De um lado, como reflexo

positivo, muito das atuais políticas de proteção ambiental devem

ser aprimoradas. De outro lado, a adaptação do discurso às

necessidades da expansão do sistema capitalista, através da

incorporação parcial do conceito de desenvolvimento sustentável,

poderá representar diferenças entre discurso e prática não

apenas na busca de objetivos como equidade social e eliminação

da pobreza, mas também em relação à conservação do meio

ambiente. Isto significa que por vezes as demandas do mercado

representarão forças contrárias às necessidades de proteção

ambiental.

As conquistas relacionadas à proteção do meio ambiente e a

dualidade entre discurso e prática da política ambiental já

podem ser observadas em vários setores da economia.

Dois exemplos importantes, relacionados aos setores industriais

de alumínio e químico, constitutuem bons indicadores dos avanços

alcançados e dos limites do discurso ambiental no campo prático

da economia de mercado.

Um primeiro exemplo se refere ao consumo crescente de alumíno no

setor de · embalagem em nível mundial. Além de constituir um

material leve e de grande durabilidade, essencial para

embalagens, o preço da bauxita e do alumínio diminuiram nos

~~~BENJAMIN, Cesar. "Nossos Verdes ..• , op. cit.

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últimos anos no mercado internacional. n 2 Por outro lado, a

produção de alumínio gera um grande volume de resíduos e consome

uma quantidade de energia elétrica bem maior que a necessária

para produção de outros tipos de embalagem como as de vidro ou

papel.n3

Nos últimos anos vem crescendo a moblização de grupos

ambientalistas contra a grande expansão do uso de alumíno para

fabricação de embalagens. As principais críticas feitas são os

grandes impactos ambientais, observados nos países produtores de

bauxita, alúmina e alumínio decorrentes do processo de

desmatamento e de um volume crescente de resíduos que não podem

ser reaproveitados. Quanto a esse aspecto, é interessante notar

uma tendência de desenvolvimento maior das indústrias de

bauxita, alumina e mesmo de alumínio nos países em

desenvolvimento. Dessa forma, para esses países está sendo

transferido a maior parcela do custo ambiental. Além disso, o

aumento da produção observada nos países em desenvolvimento

deverá contribuir para a manutenção dos preços relativamente

estáveis durante esta década, contribuindo para a expansão do

uso do alumínio como embalagem. 114

Nesse quadro, é possível destacar que a mobilização de grupos

feita no sentido da substituição das embalagens de alumínio por

outros produtos, que demandem menos recursos do meio ambiente,

não é suficiente para competir com as vantagens que o produto

apresenta em termos de preço e lucratividade. o setor

empresarial mostra, claramente, que não está disposto a repensar

o uso do alumínio como embalagem. Nos Estados Unidos,o alumínio

já representa 30% do total de embalagem consumida no processo

produtivo. Somente as latas de alumínio atingem 97 bilhões de

112 ABAl - Associação Brasileira dos Produtores de Alumínio, Relatório, 1992.

113 "A produção de uma tonelada de alumínio consome 15.000 Kilowattjhora de energia (em comparação: o aço consome 5.000 Kilowattjhora), produz aproximadamente três toneladas de resíduos sólidos (Rednud), alem de gerar no seu processo de transformação dióxido de enxofre, monóxido de carbono e poeira." Mucke, Peter. Zum Beispiel Müll. Lmv, 1993.

114 MUCKE, Peter. Zum Biespiel MüLL, op. cit.

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unidades anualmente. ns Em contrapartida, o mesmo não ocorre

quando se trata de repensar as mudanças necessárias relativas ao

processo de produção do alumíno para diminuir os impactos

ambientais. o estabelecimento de níveis máximos de emissão de

poluentes, um controle mais rígido sobre o processo produtivo

das plantas produtoras de alumínio e o aumento da reciclagem das

embalagens de alumínio constituem uma realidade, não apenas nos

países desenvolvidos, mas também em muitos países em

desenvolvimento, como no caso do Brasil. nG Os Estados Unidos,

pioneiros da reciclagem com início da atividade em 1968,

reaproveitou 68% de suas latas em 1993; no mesmo ano o Brasil

reciclou 50% superando países como Japão, Inglaterra e Alemanha.n7 na

o segundo exemplo se refere à indústria química, por mui tos

considerada como o setor industrial que mais vem contribuindo em

t'ermos de degradação ambiental. Fatores como o uso

indiscriminado de agrotóxicos na agricultura e seus efeitos

sobre a saúde humana, o acidente de Bhopaln9 e o fato de essa

indústria ser responsável pela produção de cerca de 40% do

total de resíduos do setor industrial, contribuíram para

construir essa imagem negativa. 1~ Nos últimos anos a indústria

. química vem procurando adaptar seu discurso às demandas do

115 RIBEIRO, Ivo. "Resíduos Sólidos: Latas a pretende reciclar metade das latas de alUDínio consumidas no país". Gazeta Mercantil, 29 de Abril de 1994.

116 Um estudo conduzido pelas Nações Unidas sobre o impacto ambiental de plantas produtoras de alumínio concluiu que a legislação sobre emissão de poluentes no Brasil relacionada à indústria de alumínio e a operação efetiva dessas unidades produtoras se encontram em estágio comparável aos limites estabelecidos nos países desenvolvidos( entrevista com Robert Willians, diretor da Unidade de Coordenação ambiental da UNIDO).

117 Ribeiro, Ivo. "Latasa Planeja reciclar ... op. cit.

118 As vantagens da reciclagem do alumínio são contestadas por ambientalistas pois a energia necessária para esse processo é muito maior que para a reutilização de embalagens como o vidro e a quantidade de escória salgada produzida que deve ser disposta.

ng No ano de 1984 o vazamento de gás químico de uma filial da Union Carbide em Bhopal, Índia, causou a morte de mais de 2000 pessoas e feriu mais de 200.000 de pessoas(Publicado em Our Future Commum, p.J).

120 NOLL, Kenneth E./HAAS, Charles N. Industrial Waste Managment, Recovery, Recycle and Reuse of Industrial Waste. Lewis Publishers, 1985.

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conceito de desenvolvimento sustentável. o presidente da Union

Carbide, por exemplo, fez a seguinte declaração no Segundo Fórum

Industrial para Administração Ambiental:

"falando por experiência própria, a questão ambiental se tornou

uma questão de sobrevivência para as empresas":u1

Isto tem apresentado alguns reflexos na condução prática desse

setor, como o movimento liderado pela Union Carbide no Brasil

denominado Responsible Care, cujo objetivo é promover o uso de

tecnologias limpas e, dessa forma, reduzir o impacto sobre o

meio ambiente. 122

A crescente resistência a produtos como pesticidas levou a que

muitos produtos, comprovadamente tóxicos, tenham tido sua

produção proibida em países desenvolvidos e em muitos países em

desenvolvimento. Por outro lado, uma série de produtos que

tiveram sua comercialização proibida em diversos países

desenvolvidos continuam sendo exportados para países em

desenvolvimento, sendo largamente usados na produção agrícola,

apesar dos efeitos negativos comprovados sobre o meio ambiente

e a saúde . 123 Uma pesquisa publicada em 1985 estima que nos

países em desenvolvimento cerca de 10.000 pessoas morreram no

ano de 1983 e 400.000 pessoas foram intoxicadas em virtude de

manuseio de pesticidas . 124 Segundo Carlos Mine, o Brasil é o

sexto maior importador de agrotóxicos do mundo, tendo milhares

de trabalhadores diariamente intoxicados, porque as

mul tinacionais que dominam este rico filão conseguem colocar

obstáculos à massificação _de tecnologias, como controle

integrado e biológico de pragas, que eliminam ou reduzem

drasticamente o consumo destes produtos.

121 WILLUNS, Jan-Olaf./ GOLÜKE, Ulrich. From Ideas to Action ••• , p.14 op. cit.

122 Espaço e Debate- nFatos e discursos recentes nos setores de petróleo e petroquímica ••• op. cit.

123 KHARBANDA, O.P •. - STALLWORTHY, E. A., Waste Management, Towards a sustainable society, Gower, 1990.

124 OUR COMMUM FUTURE, The World Comission on Environment and Development, Oxford University Press, 1987.

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os dois exemplos citados constituem dois lados de um mesmo

problema. No caso da indústria de alumínio, o fato citado acima

exemplifica os limites do controle de poluição ambiental em face

das vantagens comparativas de um determinado produto dentro de

uma economia de mercado. Assim, tem-se que os protestos contra

o consumo de alumínio têm fortalecido o controle sobre sua

produção no sentido de diminuir os danos relacionados à emissão

de poluentes, porém não têm força suficiente para limitar sua

utilização como material de embalagem.

No segundo exemplo, é possível verificar soluções alternativas

encontradas pelo setor industrial nos países desenvolvidos, em

virtude do fortalecimento de determinadas barreiras nesses

próprios países. Isto significa que muitas vezes a proibição da

comercializacão de determinados produtos tóxicos nos países

desenvolvidos é contrabalançada pela continuidade de exportações

desses mesmos produtos para países em desenvolvimento.

Essa duas características deverão continuar prevalecendo durante

esta década dentro de um contexto onde os interesses ligados às

problemáticas ambientais continuarão se multiplicando através do

fortalecimento e desenvolvimento de entidades governamentais e

não governamentais e do setor industrial, ao mesmo tempo que se

tenha como prioridade garantir o crescimento econômico e de

econo~ias de mercado.

Resolver o desafio de conciliar atividades humanas, meio

ambiente e estratégias de desenvolvimento constituem uma das

tarefas mais importantes que a sociedade deve enfrentar. A busca

do desenvolvimento sustentável, no seu sentido mais amplo,

depende de outras variáveis, além do desenvolvimento tecnológico

e liberdade de mercado preconizados pelas entidades

empresariais. Conflitos de interesse ao invés de harmonia,

diferencas entre discurso e prática serão alguns dos principais

problemas a serem superados nesse processo.

As contradições e dual idades, apontadas acima, já podem ser

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observadas nas políticas de gestão de resíduos sólidos nos

países desenvolvidos, como será discutido na segunda parte deste

capítulo.

4.2- Uma análise critica dos atuais sistemas de gestão de resíduos

sólidos.

o crescimento da importância dos resíduos, como parte integrante

do processo de produção, levou a mudanças bastante

significativas e à consequente modernização dos sistemas de

gestão de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.

É possível identificar também o surgimento de controvérsias

entre diversos grupos no que tange às modificações desses

sistemas.

Para um grupo, composto em sua maior parte por representantes do

setor público nos países desenvolvidos, as mudanças ocorridas

nos sistemas de gestão de resíduos representam o caminho certo

,para o estabelecimento de um sistema econômico circular. Isto

significa dizer que o sistema atual já vem contribuindo e

contribuirá ainda mais para diminuir a degradação ambiental,

pois a reutilização e reciclagem crescente de insumos e resíduos

apresenta como contrapartida m6enor consumo de matérias-primas

e menor necessidade de disposição de resíduos.

Para um segundo grupo, representado em sua maior parte por

ambientalistas, as mudanças nos sistemas de gestão de resíduos

sólidos até o presente momento foram importantes, porém,

mudanças mais profundas são necessárias, para que os sistemas de

gestão de resíduos possam contribuir de maneira significativa

para a diminuição da degradação ambiental. Entre essas mudanças

é possível destacar a prioridade do conceito de reutilização

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sobre o de reciclagem ou a diminuição do uso de incineradores.

Um terceiro grupo, que pode ser representado por indivíduos do

setor privado e de consumo, ainda mantém urna resistência à

implementação desse sistema. As principais críticas feitas se

referem à elevação significativa dos custos da gestão de

resíduos sólidos, tanto para o setor produtivo corno para o setor

de consumo, além do fato de este aumento de custo não significar

necessariamente urna vantagem para os habitantes . dos centros

urbanos, devido à dificuldade de gerenciar um volume maior de

recicláveis de maneira eficiente. É importante ressaltar que no

atual estágio esse grupo tende a ter sua força cada vez mais

reduzida, pois a proteção do meio ambiente tende a se tornar

cada vez mais um consenso e, dessa forma, ocupa urna posição

central na determinação das ações e políticas do setor público

e privado, corno discutido na primeira parte deste capítulo.

Essas críticas apontadas, ainda que sejam feitas por grupos

diferentes e logicamente visando objetivos distintos, não podem

ser consideradas isoladamente. É possível observar, no

desenvolvimento dos objetivos da política de resíduos sólidos e

na condução prática dos atuais sistemas de gestão de resíduos

sólidos nos países desenvolvidos, o aparecimento de todas essas

características.

Em primeiro lugar, em termos de setor público, é possível

observar um aumento das leis sobre a gestão de resíduos

sólidos, assim corno o desenvolvimento de um maior controle sobre

as atividades do setor produtivo e de consumo em relação à

produção, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos,

corno foi discutido no capítulo 3 desta dissertação.

Paralelamente ao desenvolvimento das leis, é possível observar

também, corno no caso de Viena, o crescimento da infra-estrutura

dos serviços públicos de gestão de resíduos, representado pelo

número crescente de funcionários e equipamentos para coleta

seletiva de recicláveis, além da rnodernizacão das instalações

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para disposição de resíduos visando atender às exigências de

proteção ambiental. Dessa forma, está garantida a coleta de

todos os resíduos sólidos produzidos na cidade, o volume de

recicláveis vem aumentando significativamente ano a ano e o

restante do volume não reaproveitado pode ser destinado para

aterros sanitários controlados e incineradores

modernos filtros antipoluentes.

equipados com

Para o setor produtivo, o desenvolvimento dos modelos de gestão

de resíduos sólidos trouxe como principal contribuição a

transformação dos resíduos industriais, de mero subproduto do

processo produtivo, em um importante componente do custo total

das empresas. Independentemente da forma escolhida para a

disposição fin~l dos resíduos sólidos, seja aterros sanitários

ou incineradores, estes apresentaram na década de 80 e

principalmente na década de 90 um significativo aumento dos

custos para o setor privado. Segundo um estudo publicado pelo

Instituto de Finanças Públicas da Universidade de Colônia,

durante 1991 e 1992 os preços para disposição de resíduos em

aterros sanitários e incineradores na ex-Alemanha Ocidental se

elevaram em média 57% e 135% respectivamente. 125 Por outro lado,

segundo dados do Greenpeace, o custo de disposição de resíduos

no Norte da Europa pode variar de US$ 120 a US$ 200 por tonelada

dependendo dó país e da toxicidade do produto. 126

o aumento desses custos tem· res.ul tado para mui tas empresas no

desenvolvimento de novas estratégias, principalmente,

direcionadas para o melhor reaproveitamento da matéria-prima e

dos resíduos produzidos durante o processo de produção.

Em 1991, o Instituto de Contabilidade da Universidade de Ausburg

conduziu um pesquisa entre 1167 empresas sobre o tema "política

empresarial e proteção ambiental". Os dados mostraram que, para

125 WHITE, Mark A. e WI'l'I'!IANN, Robert. "Der Abfall wãchst mit der Tonne". Entsorga Magazin. Heft 7/8 JulijAugust 1993.

126 A GREENPEACE REPORT. Dumping by another Name, The Recycling of Imported Hazardous Wastes in Bilbao, Spain by the Aser Company, 26 de junho, 1991.

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o conjunto do universo da·pesquisa, o custo de disposição de

resíduos representava em média 3% do custo total de produção.

Além disso, a pesquisa mostrou que para as empresas cujo custo

de disposição representava cerca de o, 5% do custo total, os

investimentos em reciclagem representavam 7,3% do investimento

total; em contrapartida, para as empresas cujo custo de

disposição representava 10% do custo total, o investimento em

reciclagem representava 21,43% do investimento total.u7

Rõmerquelle, um grande produtor austríaco de água mineral,

iniciou durante a década de 80 um programa para reciclagem de

plástico, papel e vidro. Hoje a empresa, que produz cerca de 10

milhões de garrafas em sua sede em Edelstal, gera anualmente

apenas 150 metros cúbicos de resíduos que devem ser

transportados para aterros sanitários. 128

Para o setor de consumo, a mudança mais importante foi a

incorporação da separação e entrega voluntária dos resíduos

sólidos domésticos nos postos de coleta, como tarefa rotineira

de uma parcela crescente da população. o significativo volume de

recicláveis coletado em diversas cidades nos países

desenvolvidos e em Viena só pôde ser alcançado devido ao

interesse cada vez maior e apoio pela população aos pogramas de

coleta seletiva implementados nestas cidades. Uma pesquisa

realizada na Áustria, pelo Instituto Gallup, sobre a coleta

seletiva de papel mostra que:

- 64% do austríacos acreditam que a coleta seletiva do papel

representa uma importante contribuição para a proteção ambiental

devido à diminuição do volume total de resíduos a ser disposto;

- 91% acreditam que, ainda que a coleta seletiva não fosse

lucrativa, esta deveria ser mantida;

- 88% são favoráveis a que a comunidade faça uma contribuição

financeira para a continuação do programa de coleta seletiva do

127 WHITE, Mark. A. e WI'l'l'MANN, Robert. Der Abfall wachst ... , op. cit.

128 WILLUNS, Jan Olaf. e GÕLUKE, Ulrich, op. cit.

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papel. 129

Apesar de as características apontadas acima -- modernização e

ampliação da infra-estrutura do setor público, adaptação do

setor privado a algumas exigências da atual política de gestão

de resíduos sólidos e crescente apoio das comunidades dos países

desenvolvidos a esse sistema -- constituírem reflexos positivos

da mobilização crescente em torno da problemática da gestão de

resíduos sólidos, é possível também observar o crescimento de

contradições entre objetivos propostos e ação prática.

A tabela apresentada no capítulo 3 (página 59) demonstra a

evolução do volume total de resíduos sólidos movimentado na

cidade de Viena, assim como o volume reciclado, incinerado e

dispostos em aterros sanitários. Essa tabela possibilita

entender várias características da evolução do sistema de gestão

de resíduos sólidos da cidade de Viena, mas talvez o dado que à

primeira vista chama mais atenção é a evolução dos resíduos

destinados aos incineradores da cidade.

~ interessante notar que, do total de resíduos dispostos na

cidade de Viena, pouco mais de 75% têm como destino

incineradores e apenas 25% aterros sanitários. 130 o volume de

resíduos a serem incinerados entre 1988 e 1992 aumentou de

113.205t para 393.446t e o volume de resíduos a serem

depositados em aterros sanitários decresceu de 422 .185t para

127.881t. 131

Apesar do aumento da resistência por parte de grupos

ambientalistas contra o uso crescente de incineradores devido às

129 GRÕLLER, MICHAEL. Impacts of Avoidance and Reduction of Waste Upon The Market for Secundary Materiais, op. cit.

130 É interessante notar que o aterro sanitário, para a Áustria como um todo, continua a ser a modalidade de destinação mais comum; contudo, o que está acontecendo na cidade de Viena, em relação aos incineradores, reflete a tendência predominante em relação à gestão de resíduos sólidos em di versas grandes cidades européias.

131 LEISTUNGBERICHT. Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1993.

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emissões de poluentes na atmosfera e aos efeitos que estes gases

podem causar à população e ao meio ambiente, 132 a opção pelo

maior uso de incineradores, como forma principal de destinação

final de resíduos sólidos parece se firmar como tendência, não

apenas na cidade de Viena, mas também em várias outras cidades

em países como Alemanha, França e Holanda.

Através de acordos de cooperação entre governo e indústria, está

já nas mesas de projeto a construção de cerca de 40

incineradores nos próximos 5 ou 10 anos na Europa. Assim, por

exemplo, em julho de 1993 foi inaugurado em Amsterdam o maior

incinerador europeu. Ao custo total de um bilhão de florins,

terá uma capacidade total de incinerar 765.000t de resíduos por

ano, sendo 507,000t correspondentes ao lixo doméstico, 195.000t

correspondentes a lixo industrial e 6. ooot correspondentes a

material de construção . 133

Essa tendência deve se acentuar na medida em que empresas de

construção e operação de

crescimento significativo,

incineradores vêm apresentando

ao mesmo tempo que a diferença de

custo de disposição de resíduos em aterros sanitários e

incineradores por tonelada vem diminuindo. 134

Os dados apresentados mostram que apesar da ·incineração ocupar

a quarta posição na lista de prioridades, tanto no caso de.Viena

como nas diretrizes da Comunidade Européia, há uma tendência de

priorizar esta alternativa na Europa.

132 Uma pesquisa desenvolvida pelo professor Peter Kraus da Universidade de Tunbingen, Alemanha, mostra que a dioxina lançada na atmosfera (resultado da queima do plástico dentro de incineradores) é responsável por gerar diversas espécies de câncer, além de lesões no sistema reprodutor humano e em sua descendência. O mesmo autor afirma que hoje na Suécia o governo obrigou as mães residentes nas cidades a encerrar a amamentação aos três meses de lactação, sob pena destes resíduos contaminar seus filhos, em virtude da existência destes no leite. Em cidades alemãs, por ouro lado, co110 no caso da cidade de Rastatt, as crianças não podem colocar a mão no solo, pois este se encontra contaminado por essa substância que é bastante venenosa. O autor conclui ainda, que este é o preço que está pagando a sociedade alemã por ter escolhido há 20 anos a incineração do lixo como solução ecológica para tratamento dos resíduos sólidos.(noioxina, o perigo que vem da queima de lixon. Jornal da Tarde, 18 de novembro de 1991).

133 WABMAN, Bernard. nKosten in Vordergrundn. Entsorga Magazin, Heft 7/8. julijaugust, 12, 1993.

134 Segundo Kharbanda a diferença hoje de custos em torno de OS$ 10 em favor da disposição em aterros sanitários poderá se transformar em vinte anos em OS$ 60 em favor da incineração (Kharbanda, O.P, 1991, op. cit.).

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Entre os principais motivos apontados para explicar esta

tendência tem-se:

- o crescimento da escassez de lugares para construção de novos

aterros sanitários;

- a existência de novas leis proibindo a construção de aterros

sanitários em lugares disponíveis;

- o tratado assinado pelos países banhados pelo mar do Norte

encerrando a incineração marinha de resíduos tóxicos no ano de

1994.1.35

Os incineradores são realmente urna solução bastante prática para

o problema da falta de espaço. Os novos incineradores europeus,

olhados de fora, parecem modernas instalações industriais,

limpas, que não exalam nenhum odor e que, quando comparados com

os aterros sanitários, ocupam urna área bastante reduzida,

permitindo sua instalação nos próprios centros urbanos.·

Os incineradores apresentam ainda urna outra grande vantagem,

quando comparados aos aterros sanitários: a possibilidade de

transformar o enorme volume de resíduos sólidos produzidos nas

grandes cidades européias rapidamente em fumaça e que não

necessita ser disposta em nenhum outro lugar, além da própria

atmosfera. Além disso, a cinza que sobra do processo, em volume

bastante reduzido quando comparado ao volume inicial incinerado,

é encarnihada para os aterros que passam a ter urna vida útil

muito maior.

o processo de incineração é um dos melhores exemplos da

contradição entre objetivos propostos e a condução prática da

política de gestão de resíduos sólidos. Ao mesmo tempo que

crescem as exigências ambientais para o processo de incineração,

elevando inclusive seu preço, a mobilização contra o uso de

1. 35 Os países signatários da convenção .sobre Prevenção da Poluição Marinha através da Disposição.de Resíduos e outros Materiais (London Dumping Convention) se comprometeram a cessar a incineração de resíduos no mar até 1994 f assim como a mera disposição de resíduos até 1995. The Transboundary Movement of Hazardous and Nuclear Wastes in Wider Caribean Regionf UNEP f 1991.

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incineradores por grupos ambientalistas não

expansão desta alternativa na Europa. Deve

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consegue deter a

f i c ar claro que

nenhum outro processo de destinação se adapta ao persistente

crescimento do volume de resíduos gerados nas economias dos

países desenvolvidos. Um processo rápido, que pode absorver

quantidades maiores de resíduos que a alternativa tradicional de

aterros sanitários e totalmente externo ao processo produtivo,

não exigindo mudanças dentro do processo produtivo para a

redução do volume de resíduos gerados.

No caso específico de Viena, uma mudança do conceito de

incineração -- o estabelecimento da incineração como forma de

reaproveitamento de energia previsto no plano de gestão de

resíduos sólidos da cidade -- ajuda não apenas a justificar esse

processo como pode estimular ainda mais o uso desta alternativa.

Ao substituir o conceito de utilização de incineradores de

disposição final por reaproveitamento de energia, o sistema de

gestão cria uma via expressa para que os resíduos sólidos sejam

encaminhados para os incineradores, com a justificativa do

reaproveitamento de energia térmica.

Essa característica do plano é bastante ambígua. Além das

características já comentadas de que a transformação

crescente de parcela de resíduos em fumaça permite a elevação da

vida útil dos diversos aterros sanitários e, dessa forma,

possibilita que uma quantidade maior de resíduos possa ser

movimentada na economia sem que seja necessária, em um curto

período de tempo, a construção de novos aterros santários -- há

outro fator que deve ser considerado.

o uso eficiente das plantas de incineração depende de materiais

com alto poder calorífico, como plástico, para garantir o ganho

de energia do processo. Isto cria uma exigência de que

determinados materiais e determinadas quantidades de resíduos

sejam necessariamente encaminhados para os incineradores, de

forma a garantir uma temperatura ideal para o processo de

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incineração.

A conducão prática da gestão de resíduos sólidos na cidade de

Viena parece inverter a ordem de prioridades estabelecidas, onde

a incineração ocupa uma posição cada vez mais importante. É

importante lembrar que o primeiro objetivo do plano de gestão de

resíduos sólidos da cidade de Viena é a necessidade de evitar

ou, quando não for possível, reduzir o volume de resíduos

gerados no próprio processo produtivo. Dessa forma, pretende-se

que não apenas seja possível reduzir o volume final de resíduos

a serem dispostos, mas também reduzir o volume total gerado no

sistema econômico. Duas observações ainda em relação ao gráfico

apresentado na página 59 mostram a dificuldade de alcançar esse

objetivo. O volume de resíduos total em Viena continua

aumentando consideravelmente. Entre 1988 e 1992 a geração de

resíduos sólidos aumentou em 40% passando de cerca de 500.000t

para mais de 700. ooot. Como conseqüência, este significativo

aumento do volume de resíduos impossibilita, ainda que a taxa de

recicláveis venha crescendo também significativamente ano a ano,

uma redução importante no volume dos resíduos a serem dispostos

em aterros sanitários e incineradores. A quantidade de resíduos

a ser disposta entre 1989 ~ 1991 manteve-se estável em cerca de

545.000. Apenas em 1992, o volume de resíduos a ser disposto

apresentou um ligeira retração, de cerca de 4,3%.

É evidente que evitar a produção de resíduos ou diminuir a

produção destes nas próprias fontes geradoras exige mudanças

dentro do processo produtivo bem mais radicais do que a opção da

incineração ou mesmo da reciclagem, que pode ser realizada sem

que necessariamente haja mudanças fundamentais dentro do

processo produtivo.

Este problema pode ser exemplificado com as dificuldades de se

implementar a reutilização ·prioritariamente em relação à

reciclagem. A condução prática dos sistemas de gestão de

resíduos sólidos tem estimulado o desenvolvimento da reciclagem

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em detrimento do reaproveitamento dos produtos. 136

As vantagens da reutilização em relação à reciclagem são

bastante evidentes. Enquanto uma garrafa reutilizável pode ser

reaproveitada em média 17 vezes e produzindo como resíduos

apenas os líquidos resultantes da lavagem, o processo de

reciclagem, para alcançar esses mesmos números, deve derreter 17

vezes uma garrafa, misturar matérias-primas e, assim, obter uma

nova garrafa. o processo de reutilização, quando comparado com

a reciclagem, significa um menor consumo de matérias-primas e

menor quantidade de resíduos gerados. Além disso, enquanto o

primeiro significa um aumento da vida útil de produtos. como

embalagens, o segundo, nesse caso, favorece a obsolescência

muito mais rápida dos produtos. 137

A resistência das empresas a estimular o emprego da reutilização

é também fácil de compreender. A reutilização impõe uma

responsabilidade maior ao setor produtivo em relação aos

resíduos gerados. Essa política implica que as embalagens, por

exemplo, devam ser retornadas às empresas geradoras para serem

novamente reutilizadas. No caso da reciclagem a vinculação entre

resíduos e produto gerado não existe. Os resíduos são coletados,

reciclados -- muitas vezes por terceiros -- e revendidos. As

empresas geradoras não precisam arcar com os custos externos da

disposição desses resíduos. 138

A política de reutilização é um importante instrumento para

redução do volume de resíduos gerados no setor produtivo. A sua

aplicação em maior escala continua encontrando bastante

resistência em deteminados países e setores. Em 1988, a

Dinamarca teve de se defender na Corte de Justiça Européia de

uma acusação apresentada pela indústria internacional de

136 FAIRLIE, Simon. nLong Distance, Short Life, Why Big Business Favours Recycling. The Ecologist, Vol. 22. No 6, december, 1992.

137 FAIRLIE, Simon. nLong Distance ••• , op, cit.

138 Idem, ibidem.

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bebidas, reclamando que a lei dinamarquesa exigindo que todas as

cervejas e refrigerantes fossem vendidos em embalagens

reutilizáveis constituía barreira comercial. A lei foi mantida,

com a ressalva de que continuaria a ser válida enquanto não

existisse uma lei na Comunidade Européia que gar~nta o mesmo

padrão de proteção ambiental. 139 Por outro lado, a proposição

feita pelo governo da Irlanda, também na década de 80, para o

banimento de latas e PET para bebidas alcoólicas foi rejeitada

pela comissão da Comunidade Européia e esquecida.

A resistência ao emprego maior da reutilização é mais um ponto

contraditório existente entre discurso e prática da gestão de

resíduos sólidos. Definida como segunda prioridade, pouco espaço

encontra ainda no sistema produtivo devido às mudanças

necessárias que devem ser feitas no processo produtivo. Se não

há força para a difusão da reutilização nas economias

desenvolvidas de mercado, há uma espécie de compensação através

da expansão de políticas e programas de reciclagem de materiais,

e que nesse caso conta com bastante apoio também do setor

empresarial.

Nos anos recentes, uma das mais importantes contribuições nesta

linha para contornar o persistente crescimento do volume total

de resíduos a serem manuseados nos centros urbanos dos países

desenvolvi dos se refere ao decreto de embalagem· descri to no

capítulo 3 desta dissertação.

o decreto procura, através da elevação do preço de mercadorias

que utilizem determinadas embalagens, desestimular seu consumo

e assim influenciar na decisão das empresas de adotarem outras

embalagens mais coerentes com a política de redução de resíduos.

Além disso, o decreto procura também assegurar o crescimento da

coleta seletiva de embalagens e sua reciclagem.

139 Simon Fairlie aponta, que em virtude das resistências do setor empresarial em apoiar mais efetivamente a política de reutilizacão, a pressão que este setor exerce sobre governos para que não se adote esta política como prioritária e a multiplicação de estudos e pesquisas, financiados pelo próprio setor empresarial, relacionados à reciclagem de materiais, não seria surpresa caso um país, no futuro próximo, apresentasse um estudo, endossado pela Comunidade Européia, mostrando que a reciclagem de latas de alumínio ou plásticas seria mais benéfica ao meio ambiente do que a reutilização.

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o decreto da forma como foi editado, apesar de representar um

avanço no debate em torno da redução de resíduos sólidos, é

passível de várias críticas.

Em primeiro lugar, ele joga a responsabilidade da redução das

embalagens quase que totalmente sobre o setor de consumo. o maior custo para as empresas, em virtude do uso de determinadas

embalagens, significará uma elevação dos preços finais de

determinadas mercadorias. o consumidor, por sua vez, deverá

então naturalmente optar por produtos que tenham um preço menor.

Assim, o encarecimento dos produtos embalados com Tetrapack,

levará a uma procura por produtos embalados com vidro, pois

estes pagam uma licença para o ARA bem menor, desestimulando

dessa forma o uso pelas empresas do Tetrapack.

o funcionamento das atuais economias capitalistas desenvolvidas

mostra uma realidade bem diferente dessa análise tradicional do

sistema capitalista incluído no decreto sobre embalagem. O

consumo. de determinados produtos ou embalagens nem sempre é

determinado pelos consumidores, mas sim originariamente pelas

próprias empresas, que através de eficientes canais de

distribuição e propaganda acabam por determinar as preferências

dos consumidores. A importância do setor produtor de plásticos,

ou embalagens Tetrapack, levanta dúvidas de que apenas as

diferenças de taxas pagas por determinadas embalagens, como

previsto no decreto sobre embalagens em Viena, conseguirão fazer

diminuir significativamente ou eliminar a distribuição dos

produtos embalados como plásticos ou Tétrapack. Além disso, é

importante lembrar que os ganhos de produtividade podem garantir

a competitividade destes produtos e, dessa forma, compensar a

elevação dos seus custos como está previsto no decreto.

o que . é possível afirmar com certeza é que esse decreto, da

forma que esta previsto, garante para as empresas uma completa

externalização dos custos da coleta e tratamento das embalagens

através da incorporação desses custos no preço final da

mercadoria. Além disso, representa um ótimo négócio para as

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novas firmas especializadas em reciclagem que vêm surgindo e que

receberão os recursos para realizar essas tarefas através dos

repasses feitos pela ARA.

Um outro problema ligado à condução do decreto de embalagem é o

estabelecimento do real destino do volume crescente de

recicláveis. Na Alemanha, por exemplo, um sistema muito

semelhante ao que foi implantado na Áustria resultou em uma

quantidade total de resíduos coletados separadamente

principalmente o plástico -- muito maior do que a capacidade

existente para reciclagem. Isto ocorreu, porque os produtos que

recebem o ponto verde no sistema alemão -- igual ao ponto preto

no modelo Austríaco não significa que o material é

necessariamente reciclável, mas sim que está previsto um sistema

de coleta para reciclá-lo. Contudo, pelo menos 20 % das

embalagens não podem ser recicladas. No caso do plástico, das

9, 5 milhões de toneladas produzidas anualmente na Alemanha,

apenas 400 mil t podem ser recicladas, sendo que a capacidade de

reciclagem do país é de 50 mil t . 140 No ano de 1993, foram

coletadas 414 mil toneladas de embalagens plásticas, uma

quantidade bem superior à capacidade de reciclagem no país.!..!!.

Mesmo com a exportação de resíduos para outros países, restam

ainda milhares de embalagens plásticas que podem _ter como

destino final aterros sanitários e incineradores., na própria

Alemanha ou em outros países, apesar do elevado custo pago pela

sociedade para a coleta desses resíduos . 142

Um problema semelhante já estava ocorrendo na Áustria antes

mesmo de começar a vigorar a lei sobre embalagem, e há uma

perspectiva de que esse problema aumente. Como foi demonstrado

no capítulo 3, a cidàde de Viena opera um sistema bastante

eficiente de coleta de recicláveis.

14° CORTES, Celina. "Alemães têm solução para coleta seletiva". Jornal do Brasil. 21 de março de 1994.

141 "Os erros e acertos da Europa". CEMPRE informa. Número 13, Maio 1994.

142 GEYER, HerbertjJUDEX Oliver. "Totale Müllkontrolle" Wirtschattswoche, Nr. 37/9, September 1993.

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95

Entre 1986 a 1992 a coleta seletiva aumentou de 10.406 t para

191.551 t, representando 26% do total do lixo coletado. Essa

parcela de recicláveis tende a aumentar significativamente com

a entrada em vigor do decreto sobre embalagens. Segundo uma

reportagem publicada no jornal austríaco Der Standard intitulada

"Coleta em separado, queima conjunta", a ARA conta com um

orçamento de 750 milhões de schillings para coleta do material

plástico e para reciclagem desse material. No entanto, do total

desse material coletado, apenas 20% podem ser realmente

reaproveitados. O restante desse material, que é separado,

coletado e transportado, a um custo bastante elevado, acaba

sendo misturado e tendo como destino os incineradores das

cidades ou é queimado na indústria de cimento. 143

Esse tipo de problema pode se agravar também para outros

resíduos provenientes da coleta seletiva. No caso do composto

orgânico está assegurado na cidade de Viena um sistema que

possibilita a coleta desse material e sua transformação em

adubo. Apesar da boa qualidade desse composto e de seu baixo

teor de toxicidade, os agricultores recusam-se fequentemente a

utilizar esse insumo em lugar de químicos . 144 A falta de um

mercado implica novo problema para a comunidade que deve dar uma

destinação a esse produto. Caso não haja outra alternativa, essa

destinação poderá ser novamente aterros sanitários ou

incineradores.

Um segundo exemplo interessante representativo dos problemas

referentes ao destino dos resíduos coletados são as flutuações

dos preços dos produtos reciclados na cidade de Viena. Os preços

dos resíduos reciclados variam de acordo com as leis de mercado.

o aumento da coleta seletiva e a consequente elevação do volume

de material reciclado têm levado a uma queda do preço desses

materiais na cidade de Viena, como pode ser observado no gráfico

abaixo.

\ I' }

143 BRANDSTETTER, Ernst. "Getrent sammeln, gemeisan brennen. Der standard Mittwoch, 9, Februar 1994.

144 ROGALSKY, Wojciech. ISWA- Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993

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I Ano

1988

1989

1990

1991

1992

Preços de Venda dos Recicláveis 1988/92

OS/t

I Papel

I Vidro

620 602

520 350

170 370

150 380

130 390

96

I Metal

I 150

160

230

125

60

Fonte: ROGALSKY, WoJClech. Modern Waste Management, Tagung in

Polen November 1993.

o volume crescente de material reciclado tem sido acompanhado

por uma queda significativa do preço dos recicláveis. A queda

dos preços pode estimular o crescimento da demanda, contudo, o

crescimento das vendas não é necessariamente suficiente para

compensar a queda da receita devido à retração dos preços.

Tomando-se como exemplo o caso do papel, essa problemática fica

mais clara.

No ano de 1988 foram coletados na cidade de Viena através dos

containers de coleta seletiva 19.729 t. Supondo que todo esse

volume foi reciclado e vendido, isso resultaria numa receita

bruta de OS 12.131.198. Em contrapartida, em 1992, a coleta de

papel atingiu um total de 82.989 t, resultando numa receita

total de os 10.788.570. Assim, é possível observar que o aumento

significativo do volume coletado não foi suficiente para cobrir

a queda da receita decorrente da queda dos preços. Por outro

lado, o crescimento do volume coletado implica um aumento de

custos devido à necessidade de um número maior de caminhões,

containers e trabalhadores. Essa diminuição da receita e a~mento dos custos acaba recaindo sobre o setor público :a de consumo.

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97

Os objetivos dentro das economias de mercado muitas vezes são

diferentes dos objetivos da política de gestão de resíduos

sólidos. Este dilema não pode ser ignorado dentro dos atuais

modelos de gestão de resíduos sólidos, pois como mostra a tabela

acima, todos os principais produtos coletados . apresentaram

redução significativa do seu preço. Uma melhor avaliação da

destinação dos produtos reciclados e do dimensionamento do

mercado são variáveis fundamentais no planejamento da gestão de

resíduos sólidos.

Um último aspecto a ser enfocado nesta dissertação sobre os

recicláveis são as implicações ambientais desse processo. Por se

tratar de processo industrial, a reciclagem também produz

resíduos, e dessa forma o aumento da utilização dó processo de

reciclagem significa um aumento da quantidade de resíduos

gerados. A resposta quanto aos reais efeitos do aumento do

processo de reciclagem sobre o meio ambiente ainda apresenta

muitas dúvidas. Por exemplo, uma pesquisa realizada pelo Fundo

de Defesa Ambiental (Environment Defense Fund) concluiu que a

utilização de embalagens de papel ou plástico para sanduíches do

Macdonald's seria menos negativa para o meio ambiente do que a

reciclagem de embalagens feitas de poliestireno. 145

As críticas aponta-das acima não pretendem mostrar a

inviabilidade da opção da reciclagem. Esta, seguindo a ordem de

prioridades, constitui um importante instrumento para redução de

custos financeiros e ambientais. Isto pode ser comprovado por

vários exemplos com o reaproveitamento do papel, do vidro e especialmente das latas de alumínio quando comparado à sua

produção com material virgem. No entanto, a ausência de melhor

compreensão das implicações ambientais do aumento dessa

atividade e do real destino dos recicláveis pode levar a graves

distorções, como as apresentadas, penalizando o setor de consumo

com custos elevados e algumas vezes representando ganhos

ambientais discutíveis. A reciclagem exige um planejamento

145 FAILIE, Simon, op. cit.

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cuidadoso e que a elevação de custos, quando necessária para

garantir esse processo, seja rateada efetivamente por toda a

sociedade, para evitar o que acontece hoje nos países

desenvolvidos, onde o setor empresarial se beneficia de ga~hos e da promoção da reciclagem e o custo é jogado de forma quase

exclusiva sobre o setor de consumo.

Os problemas apontados até agora têm relação direta com a forma !1.

como os planos atuais de gestão de resíduos sólidosP se

desenvolveram em diversos países desenvolvidos. Existem ou~ras

características igualmente importantes que se acentuaram domo

decorrência indireta do desenvolvimento desses modelos. Entre

estas, a mais importante é a movimentação crescente de resíduos,

tóxicos ou não, entre os países.

Como já comentado, a gestão dos resíduos .dentro do setor

produtivo constitui um elemento cada vez mais importante do

custo total das empresas. Dentro do sistema de economia de il

mercado di versas alternativas têm sido buscadas, como, por

exemplo, o reaproveitamento dos resíduos. Por outro lado, a I

busca da minimização imediata dos custos, aliada aó aumento I' dos

preços das formas tradicionais tradicionais de resíd~os,

estimulou o transporte de um volume crescente destes para ou~ros

países e regiões.

Seguindo a lógica de minimização dos custos, os resíduos sólfdos

têm sido enviados para os países onde custos com mão-de-obra e

outros fatores de produção sejam menores e onde as leis li

relacionadas à proteção do meio ambiente sejam menos rígidas.

,,

As diferenças para a variável preço são bastante significatiJas.

Segundo um estudo do Greenpeace, os custos de disposição de

resíduos no Norte da Europa e em outros países e regiões,

inclusive na Europa como no caso de Bilbao, podem variar de u$ 90 a U$ 150 dependendo da toxicidade e do país de origem . 146

146 Dumping by Another Name, The Recycling of Imported Hazardous Wastes in Bilbao, 1991.

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Dessa forma, urna grande quantidade de resíduos produzidos nos

países desenvolvidos tem corno destino final determinadas regiões

na África, Caribe e América do Sul, incluindo o Brasil. Além

disso, dentro da Europa é possível constatar urna grande

movimentação em direção aos países do Leste europeu ou mesmo

cidades do lado ocidental corno no caso de Bilbao na Espanha. 147

No caso da Áustria, existem transportes dos resíduos tanto para

a região de Bilbao, corno para a Hungria e a República Tcheca. 148

A negociação do transporte dos resíduos entre os países é feita

através de um ramo da economia que vem apresentando um

crescimento significativo nos últimos anos, denominado de "Wa-ste

Brokers". Esses negociadores cobram urna certa quantia por

tonelada de res~duos das empresas e se encarregam da disposição

desses resíduos.

Os resíduos podem ter corno destino final aterros sanitários e

incineradores em outros países ou ser vendidos corno material

para ser reaproveitado ou reciclado. Esses resíduos são sempre

apresentados pelos negociadores corno matéria-prima útil para

aterros sanitários, corno substituto para combustíveis ou para

construção de estradas.

Os resíduos podem ser dos mais variados tipos, incluindo lixo

urbano, cinzas de incineradores ou resíduos químicos industriais

tóxicos, cujo preço de incineração no país de origem seja

bastante elevado. Os intermediários procuram sempre assegurar

que estes resíduos não constituem realmente produtos tóxicos ou

que é sempre possível manuseá-los de maneira a não causar

degradação ambiental ou danos à saúde pública . 149

..... _..:

147 nThe Transboundary Movement of Hazardous and Nuclear Wastes in the Wider Caribbean Region. CEP Technical Report n2 7. UNEP caribbean Environment Progme, Kingston, 1991.

148 GEYER, Herbert, JUDEX, Oliver. nTotalmüllkontrlle ••• , op. cit.

149 GREENPEACE INERNATIONAL. The transboundary Movement ot Hazardous and Nuclear wastes in the Wider Caribbean Region.United Nations Environment Progrme, 1991. ·

I I

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100

Como forma de contornar os crescentes problemas decorrentes da

exportação de resíduos sólidos dos países industrializados da

OCDE para os países em desenvolvimento, foi organizada pela UNEP

no ano de 1989 a Convenção de Basiléia relacionada à

movimentação de resíduos entre países. 1~

O acordo negociado durante a Convenção de Basiléia entrou em

vigor a partir de maio de 1992, no entanto, até outubro desse

ano apenas 32 países a tinham assinado, ficando de fora países

grandes exportadores de resíduos como Estados Unidos, Alemanha,

Itália e Inglaterra . 151

o principal instrumento para reduzir a movimentação dos resíduos

é a adoção do ~Prior Informed Consent" (PIC). Através do PICa

exportação de resíduos só será permitida uma vez que o país

recebedor desses resíduos seja notificado sobre o real conteúdo

dos resíduos e aprove essa movimentação. 1~ Além disso, só será

permitida a movimentação de resíduos entre países signatários da

Convenção de Basiléia.

Segundo representantes do Greenpeace International, a utilização

de um instrumento como o PIC, da forma como está previsto no

acordo de Basiléia, ao invés da proibição da movimentação total

de resíduos entre países, acaba de certa forma legalizando a

exportação dos resíduos e assim funcionando como um estímulo a

essa prática. 148

Em 1991 foi firmado um contrato entre um waste broker europeu e

o Ministério Federal da Saúde da Somália para o recebimento de

500.000 toneladas de resíduos industriais por ano. Em um segundo

exemplo, o governo da Guiné Bissau aceitou receber 15 milhões de

150 GREENPEACE INTERNATIONAL, Annotations by Greenpeace International on the Agenda of the Meeting, 1992.

151 Idem, ibidem. ,.

152 GREENPEACE international. Annotations by Greepeace International on the Agenda of the Meeting - Prepared for the First Conference o f Parties to the Basel Convention 30 November - 4 December 1992 Piriapolis, Uruguai.

148 GREENPEACE INTERNATIONAL. The Transboundary Movement of Hazardous ••• , op. cit.

BIBLIOTECA KARL A. BOEDECI<ER

I

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101

toneladas de resíduos tóxicos para disposição final em seu

território. O montante recebido pelo governo para aceitar esses

resíduos correspondia a nada menos que quatro vezes o valor do

produto nacional bruto e duas vezes o valor de sua dívida

externa. É importante enfatizar que esses acordos de

movimentação de resíduos não estão sendo feitos apenas com os

países pobres da África, mas também com países como Brasil,

Venezuela, Índia, Polônia, China e Turquia. 149

Um último aspecto que deve ser mencionado em relação aos modelos

de gestão dos resíduos sólidos -- e que de certa forma vem sendo

ignorado quando se pensa nesses modelos nos países desenvolvidos

-- é a carga de tarefas que acaba recaindo sobre o ·setor de

consumo.

Como já foi comentado no capítulo 2, os resíduos sólidos

apresentam uma característica importante que os diferencia de

resíduos líquidos e gasosos. A existência da coleta seletiva

possibilita uma ação concreta e imediata por parte dos

habitantes das cidades em favor do meio ambiente. Em uma época

de aumento da consciência ambiental, os apelos das políticas

públicas em prol da coleta seletiva têm contado com bastante

simpatia dos habitantes das diversas cidades, além de

representar dividendos políticos.

Dessa forma, na condução da política de gestão dos resíduos

exige-se dos habitantes uma maior participação representada por

um nível cada vez mais elevado de separação dos resíduos

domésticos e transporte para os locais apropriados de coleta.

Segundo um estudo do Ministério do Trabalho austríaco, o setor

doméstico gasta cerca de 42 horas por ano por pessoa em média

com atividades de separação de recicláveis e entrega destes nos

postos de coleta de recicláveis e de resíduos tóxicos.

149 GREEIIPEACE. Toxic Trade. mmber 6.1, First Quarter 1993.

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Além disso, os habitantes devem arcar com os custos crescentes

de taxas de coleta de resíduos. Os sistemas atuais de coleta de

resíduos demandam uma quantidade cada vez maior de postos de

entrega de resíduos, assim como um número cada vez maior de

caminhões e funcionários para realizar as tarefas de coleta.

Essa elevação de custos tem significado uma elevação das taxas

cobradas para gestão dos resíduos.

É importante notar que hoje em Viena grande parte da população

concorda em contribuir financeiramente para a manutenção do

sistema de reaproveitamento de resíduos sólidos. Como

apresentado uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup mostra

que 88% dos entrevistados concordam em realizar uma contribuição

financeira para garantir a continuidade do sistema de coleta

seletiva de papel e seu reaproveitamento, enquanto apenas 12% se

dizem contra essa contribuição150•

o elevado nível de conscientização, o apoio e a participação da

comunidade constituem, sem dúvida, em um dos aspectos mais

importantes e positivos do modelo de gestão de resíduos sólidos

desenvolvido na cidade de Viena. É importante lembar, contudo,

que uma política de longo prazo de resíduos sólidos, visando a

alcançar os objetivos propostos, não pode se sustentar apenas

transferir indo a maior parte das tarefas para a população. A

diminuição do uso de embalagens desnecessárias, existentes em

uma infinidade de produtos comercializados, é um outro aspecto

fundamental nesse processo e que depende fundamentalmente de uma

nova postura do setor produtivo. Do setor empresarial, é

necessário uma contribuição compatível ao esforço que vem sendo

realizado por parcela siginificativa da população de Viena.

Aumento dos custos e tarefas são aspectos inevitáveis nos novos

sistemas de gestão de resíduos sólidos que devem ser divididos

entre todos os atores sociais.

concluindo, a análise apresentada visa mostrar que os atuais

150 GRÕLLER, Michael. Içacts Of Avoidance and Reduction of Waste. Upon The Market for Secondary Material, publicado e11

Waste MiniDization - International EXperiences, 1991.

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103

sistemas de gestão de resíduos sólidos apresentam as seguintes

características:

- as mudanças nos anos recentes dessa política refletem uma

preocupação cada vez maior pela questão da degradaç.ão ambiental,

representadas pelo avanço da legislação, desenvolvimento

tecnólogico nas alternativas de aterros sanitário e

incineradores e incentivo às políticas de reciclagem dos

resíduos domiciliares;

- a multiplicação de interesses em torno da questão da gestão

dos resíduos sólidos tem contribuído não apenas para a

modernização desta política, mas também para o desenvolvimento

de contradições entre objetivos propostos e condução prática,

representados pela prioridade da incineração, apoio a políticas

de reciclagem em detrimento da reutilização, aumento da

movimentação de resíduos entre países e grande encargo sobre o

setor de consumo sem uma resposta na mesma magnitude do setor

empresarial.

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Cap. · 5. Algumas considerações para a cidade de São Paulo

À primeira vista, a diferença tão acentuada das realidades dos

sistemas de gestão de resíduos sólidos das cidades de Viena e de

São Paulo torna difícil aproveitar aquilo que foi observado em

Viena para fazer considerações para o caso de São Paulo.

Viena tem uma população de cerca de 1. 6 milhão de habitantes e

produz aproximadamente 1. 800 t de lixo por dia. Uma parcela

significativa desses resíduos é coletada através da coleta

seletiva, sendo o restante enviado para aterros sanitários ou para

os incineradores que devem respeitar rígidas normas de controle

ambiental.

A cidade de São Paulo tem uma população aproximada de 11,5 milhões

de habitantes e produz aproximadamente 13,5 mil toneladas de

resíduos que são diariamente movimentadas nas unidades de

recebimento de resíduos urbanos gerenciadas pela prefeitura . 151

Essa quantidade é composta de lixo domiciliar, resíduos de serviços

de saúde, entulhos, podas de árvores, material de varrição de ruas

e logradouros públicos e parte do resíduo industrial gerado no

município. Esses resíduos são encaminhados para aterros sanitários,

usinas de compostagem, incineradores e estações de transbordo do

lixo; contudo, nenhuma destas unidades foi construída de forma a

evitar danos ao meio ambiente ou incômodos aos moradores vizinhos.

151 FERREIRA, Luis Fernando e FROTA, Ana. Dessa recuperação seus alunos vão gostar. São Paulo. Bioma, Educação Ambiental e Comércio de Materiais Didáticos, 1994.

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105

Além disso, estas unidades se encontram em fase de obsolescência

ou comprometimento da vida útil.

A esta quantidade devem ser acrescidos os resíduos industriais e de

outras fontes particulares, cuja destinação é dada pelo gerador em

unidades privadas, ou que são dispostos clandestinamente em

terrenos vagos, córregos, margens de rodovias e vias expressas ou

ainda que são transferidos para outros municípios. 152 Segundo um

levantamento divulgado pela Companhia de Tecnologia de saneamento

AmbientaljCETESB, a Grande São Paulo abriga hoje aproximadamente

150 grandes lixões e mais de 2 mil pontos clandestinos de despejo

de resíduos sólidos. 153 Assim, tem-se uma situação onde

praticamente a totalidade dos pontos de destinação de resíduos

sólidos da ciqade, incluindo os gerenciados pela prefeitura, é

inadequada pois estes causam poluição do ar e do solo, mau cheiro

e doenças.

Os dados apresentados mostram como a destinação de resíduos sólidos

no município se encontra em uma situação bastante delicada. De um

lado, um sistema que pode entrar em colapso, uma vez que a vida

útil dos aterros pode se esgotar em curto prazo. Hoje o município

conta com 3 aterros sanitários em atividade, que recebem a maior

parcela de resíduos movimentados pela prefeitura, sendo que um

destes deverá ser fechado já em 1997. 154 De outro lado, o

funcionamento do atual sistema de gestão de resíduos sólidos

reflete duas características marcantes que são válidas para a

maior parte dos municípios brasileiros: um descaso em relação aos

danos provocados sobre os habitantes dos centros urbanos

principalmente aqueles que habitam nas regiões periféricas -- e em

152 "DIRETRIZES para destinação final dos resíduos sólidos no município de São Paulo". Diário Oficial do Município de São Paulo, Edição Especial; ano 37, São Paulo, 3 de dezembro de 1992. Número 225.

153 "150 Lixões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo. 15 de novembro de 1993.

154 FERREIRA, Luis Fernando e FROTA, Ana. Dessa recuperação ••• , op. cit.

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106

relação ao meio ambiente. A maior parte das unidades de tratamento

de resíduos se encontra instalada em bairros distantes dos centros,

poupando os moradores dos bairros centrais dos incômodos

ocasionados por unidades não adequadas e transferindo esse

problemas para os moradores dos bairros mais distantes. Assim,

observa-se que.a disposição de resíduos, tanto os gerenciados pela

prefeitura como os feitos pela coleta paralela, é direcionada em

sua maior parte para- os bairros mais distantes. No caso da

prefeitura, os aterros sanitários recebem a maior parcela desses

resíduos, enquanto que no caso da coleta paralela, os lixões ou

terrenos vagos representam o destino final

A cidade de São Paulo, incluíndo os setores público, privado e de

consumo, não pode mais_ ignorar os problemas relacionados à

destinação de resíduos sólidos. Como principal geradora de

resíduos na região metropolitana de São Paulo, numa quantidade que

continua a aumentar, é necessário uma nova postura em relação a

essa problemática . 155 Ainda que a distância entre os sistemas de

gestão de resíduos sólidos de São Paulo e os de outras cidades em

países desenvolvidos, como no caso de Viena, seja muito grande, o

exame desses sistemas de gestão pode indicar não apenas alguns

caminhos que podem ser seguidos na cidade de São Paulo, mas também

problemas que devem ser evitados para que a política de resíduos

sólidos da cidade possa alcançar seus objetivos, de maneira

adequada e eficiente, evitando, dessa forma, repetir alguns

problemas que já podem ser observados nos países desenvolvidos.

155 o município de são Paulo gera cerca de 70% do lixo da metrópole. É importante ressaltar, contudo, que enquanto não existir na região metropolitana um maior númo de soluções consorciadas possibilitando o gerenciamento metropolitano através de planos integrados e de longo prazo, será impossível contornar os problemas dos resíduos sólidos na região metropolitana de São Paulo, já que a proximidade entre os municípios possibilita que os resíduos produzidos em determinados municípios possam ter como destino os lixões ou pontos clandestinos de despejo de lixo em municípios vizinhos. Nesta ótica, o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de São Paulo, que está sendo elaborado atualmente pela CETESB, é fundamental para o equacionamento desta problemática na região.

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107

5.1 - Breve histórico dos resíduos sólidos em São Paulo e situação atual' 56

As primeiras tentativas para se dar uma destinação aos resíduos

sólidos produzidos na cidade de São Paulo datam do século XIX.

Nessa época, foram definidas algumas áreas distantes dos centros

urbanos onde o lixo poderia-ser disposto. A responsabilidade do

transporte cabia ao munícipe interessado.

No início do século XX, a população de São Paulo somava 240 mil

habitantes e o lixo produzido era de 100 tjdia. A destinação desses

resíduos era feita a céu aberto, ine~istindo qualquer forma de

controle ambiental ou sanitário.

Em 1913 foi implantado o primeiro incinerador da cidade no bairro

de Araçá, com uma capacidade de 40 tjdia. Esse incinerador foi

desativado em 1948 e demolido em 1953.

Em 1925 teve início um processo de fermentação em estações

zimotérmicas, que pode ser considerado um sistema precursor da

compostagem.

Em 1949 foi construído na cidade um novo incinerador no bairro de

Pinheiros, com capacidade para 200 tjdia. Nessa época, a cidade de

156 Os dados deste i tem advêm das informações de duas fontes principais: "Diretrizes para destinação final dos resíduos sólidos no Município de São Paulo". Diário Oficial do Município de São Paulo, Edição Especial, ano 37, São Paulo, 3 de dezembro de 1992. NÚJBero 225; Zulauf, Werner. Plano de emergência de destino final de lixo de São Paulo. Departamento de Limpeza Urbana, Secretaria de. Serviços e Obras, Prefeitura de São Paulo, 1989.

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São Paulo já contava com uma população de cerca de 2 milhões de

pessoas e gerava aproximadamente 1000 tjdia de resíduos sólidos.

Em 1959 foi instalado o Incinerador Ponte Pequena no bairro da Sé,

com uma capacidade de 150 tjdia.

Em 1968 foi construído o Incinerador Vergueiro no bairro do

Ipiranga, com capacidade para 150 t/dia.

Esta opção pelo uso do incinerador não representou, durante esse

período, uma modificação significativa na forma de gerenciamento

dos resíduos na cidade de São Paulo. Isto se deve ao fato de que as

outras tecnologias de destinação de resíduos pouco evoluíram; além

disso, a capacidade total de incineração representava uma parcela

pequena do total de resíduos gerados na cidade.

Em 1970, a população de São Paulo já atingia 6 milhões de

habitantes, sendo gerados aproximadamente 7.200 t/dia de resíduos

sólidos. Ao mesmo tempo, a capacidade de incineração dos três

incineradores somava 500 t/dia. Mesmo somando-se a esse número um

total de 600 t/dia, que eram transformadas em composto orgânico nas

Usinas de Compostagem de São Mateus e Vila Leopoldina, construídas

em 1970 e 1974, respectivamente, verifica-se que cerca de 6.100

tjdia de resíduos deveriam ser dispostos de outra forma. Prevaleceu

até o início da década 70 a disposição de resíduos a céu aberto,

sem qualquer controle sanitário, como principal alternativa para

disposição de resíduos. Os lixões foram criados nas regiões

periféricas da cidade e ao longo dos principais rios.

Em 1977 foi elaborado pelá empresa Serete, contratada pela

prefeitura, o Plano Diretor para Disposição Final de Resíduos

Sólidos do Município de São Paulo. O plano representou uma mudança

significativa da política de gestão de resíduos sólidos na cidade,

na medida em que considerava os aterros sanitários como o método

mais econômico e adequado para destinação final do lixo gerado na

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cidade. Com base neste diagnóstico, foi proposta a construção de 16

aterros, em um período do 15 anos, além de 4 novas estações de

transbordo de lixo.

Até o ano de 1979 foram construídos quatro novos aterros

sanitários: Lauzane Paulista, Bandeirantes-Perus, Sapopemba e São

Mateus, e optou-se pela contratação de empresas para a operação e

manutenção de serviços de destinação final de resíduos.

o restante do plano Serete não pôde ser levado adiante, devido aos

erros de avaliação feitas durante o estudo. As di versas áreas

previstas para construção de aterros não foram imediatamente

desapropriadas, por serem mui tas destas ocupadas por populações

devido ao processo de urbanização acelerada, ou por se encontravam

em áreas de mananciais que passaram a ser protegidas por lei. Além

disso, foi ignorado também o desenvolvimento da conscientização da

população nos bairros periféricos, que passou a se mobilizar contra

a construção dos aterros devido aos incômodos causados.

A partir de 1979 as propostas para construção de "Aterros

Sanitários Energéticos" tinham como objetivo conciliar pela

primeira vez uma alternativa ambientalmente branda e economicamente

rentável. Os projetos desenvolvidos, contudo, acabaram se limitando

à construção de aterros sanitários tradicionais, excluindo os

investimentos que dariam aos aterros a condição de energéticos.

De 1979 até hoje poucas alterações foram feitas de forma a

modificar significativamente o modelo de destinação dos resíduos

produzidos no município de São Paulo. Durante o governo Janio

Quadros (1986-89), foram feitas licitações para usinas de

compostagem e incineradores. Estava prevista a construção de duas

usinas de compostagem (1.200 tjdia cada) e dois novos incineradores

(1800 tjdia cada). Essas licitações acabaram sendo embargadas pela

Justiça, devido à ausência de apresentação de estudos de impacto

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ambiental e à falta de definição das áreas onde seriam construídas

estas instalações. Posteriormente, foram realizados os estudos de

impacto ambiental necessários, contudo, os projetos não foram

retomados.

Durante a administração Luiza Erundina (1989-92) foram construídos

o Aterro Sanitário São João para resíduos domiciliares, o Aterro

Sanitário de Itatinga para resíduos inertes e uma máquina

recicladora de entulho com capacidade de 1800 t/d. Ainda nessa

administração foi iniciado o Programa de Coleta Seletiva de Lixo.

Em 1989 foi implantado um Centro de Triagem e Reciclagem no antigo

Incinerador de Pinheiros, onde eram separados plástico, alumínio,

vidro e papel para serem recuperados. A quantidade separada

representava cerca de 1% do total do lixo domiciliar coletado.

Hoje, em São Paulo, prevalecem ainda os aterros sanitários, usinas

de compostagem e incineradores como as três modalidades de

destinação final para os resíduos domiciliares gerenciados pela

prefeitura. Além dessas formas clássicas, o programa de coleta

seletiva de resíduos, feito diretamente nas residências, foi

desativado pela atual administração. A tabela a seguir apresenta a

distribuição dos resíduos coletados segundo as formas de destinação

em 1991.

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Destinação dos Resíduos Sólidos em São Paulo ( 1991)

Tipos de Destino Kilojdia Percentual

Aterros sanitários 12.055.725 91,2

Incineradores 174.858 1,3

Usinas de Compostagem 888.337 7,0

Centro de triagem 6.257 0,5

Total 13.125.177 100,0

Fonte:"Remexendo o l1xo". Modus V~vend~. Gab1nete Vereador Adriano

Diogo, Câmara Municipal de São Paulo, 1992.

Em 1993, São Paulo contava com 5 aterros sanitários, sendo 4

operados para o recebimento dos resíduos produzidos diariamente na

cidade e 1 para recebimento de resíduos inertes. Dois desses

aterros, o de Vila Albertina e o de Santo Amaro, foram desativados

em agosto e setembro de 1993, em virtude ·de se encontrarem

saturados e fora dos padrões vigentes de controle ambiental. 157

Hoje, a cidade conta com 3 aterros sanitários, que também não estão

construídos de forma a garantir que sejam evitados os problemas em

relação ao meio ambiente. Além disso, o aterro Bandeirantes,

construído em 1979, deverá esgotar sua vida útil em 1997, sendo que

os dois restantes deverão estar esgotados em um prazo de 15 a 20

anos . 158

157 "150 li·xões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo. 15 de novembro de 1993.

158 É importante ressaltar que a capacidade de recebimento de lixo dos aterros São João e Itatinga não ultrapassa 4.800 toneladas por dia, o que corresponde a cerca de 40% do lixo total movimentado pela prefeitura. "150 lixões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo, 15 de novembro de 1993.

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Os maiores problemas desses aterros são a ausência de um sistema

adequado para coletar o chorume produzido e a falta de

monitoramento eficiente que possibilite definir com exatidão o grau

de degradação ambiental. o interditado pela CETESB por

aterro de Itatinga1" quase foi

estar despejando chorume na represa

sido depredado pelos moradores da Billings

região . 160

e depois de ter

As demais unidades da prefeitura, ou seja, os incineradores e

usinas de compostagem, não estão em melhores condições.

o Incinerador Ponte Pequena está acoplado a uma estação de

transbordo de lixo e se situa, entre todas as unidades de

destinação final do município, na região mais central. o incinerador tem capacidade para 300 tjdia e recebe lixo comum e

lixo hospitalar, sendo operado pela empresa privada Heleno e

Fonseca. Nesta planta, o ponto mais crítico é a total ausência de

sistemas para prevenir a poluição atmosférica. Como agravante, a

queima de lixo hospitalar possibilita o arraste, através do vento,

de partículas contaminadas de agentes etiológicos de doenças

transmissíveis.

o Incinerador Vergueiro, · localizado na bairro do Ipiranga, é

operado pela mesma empresa privada (Heleno e Fonseca). A quantidade

incinerada anualmente equivale aproximadamente a 20% da quantidade

manuseada no Incinerador Ponte Pequena. Ressalva-se, contudo, que

esta unidade incinera cerca de 5 vezes mais lixo hospitalar que o

Incinerador Ponte Pequena. Quanto aos problemas de poluição e risco

à saúde pública, as observações feitas para a outra unidade também

159 o aterro de Itatinga foi construído originariamente para receber apenas resíduos inertes, contudo, durante a atual administração passou a ser usado para recebimento de lixo domiciliar, o que provocou o protesto dos moradores. Depois desse incidente, a prefeitura passou novamente a encaminhar apenas resíduos inertes para o aterro.

160 "PREFEITURA não sabe se lixão reaberto aguenta mais um mês". Folha de São Paulo. 15 de dezembro de 1993.

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são válidas para este incinerador. Os dois incineradores são

obsoletos, pois ainda trabalham com tecnologia da década de 50.

A Usina de São Mateus de compostagem está localizada na bacia do

córrego Aricanduva, processando aproximadamente 118.000 toneladas

por ano. O processo de produção do composto se inicia com a

separação manual de vidros, plásticos duros, peças volumosas e

metais não ferrosos na correia transportadora. Em seguida um

separador mecânico, localizado no final da correia transportadora,

separa as latas e demais ferrosos. No biodigestor é feita a

trituração branda da matéria orgânica, sendo esta separada do

rejeito através de uma peneira. Por fim, o separador balístico

remove ainda pequenas peças duras que passam pela peneira deixando

o material orgânico pronto para ser fermentado. Durante um período

de 60 a 90 dias, a matéria orgânica fica no pátio, onde sofre um

processo aeróbico de bioestabilização, finalizando o processo de

produção de composto orgânico. Como resultado final deste processo,

observa-se que do total do lixo recebido pela usina de compostagem,

60% são transformados em composto e 40% constituem rejeito que deve

ser enviado para aterros sanitários ou incineradores.~6~

A principal vantagem deste processo é a redução significativa do

volume de resíduos que deve ser encaminhado para aterros

sanitários, apesar do volume grande de rejeites gerados durante o

processo. Isto poderia significar uma redução expressiva do volume

de resíduos gerados que tem como destino final aterros sanitários.

As principais desvantagens do processo são as emissões de gases com

forte odor, que incomodam os moradores vizinhos da usina. Além

disso, metais pesados podem estar presentes no composto, tais como

mercúrio e cádmio, podendo estes ser incorporados na cadeia

alimentar através das raízes das plantas, quando a aplicação do

composto for feita em solo ácido.

~6~ ZULAUF, Werner, op. cit.

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114

A Usina de Compostagem de Vila Leopoldina est~ localizada na Zona

Oeste, próxima da estação de tratamento de esgoto de Vila

Leopoldina, e opera cerca de 159.393 toneladas de resíduos por ano.

o funcionamento desta unidade é basicamente o mesmo do descrito

acima. Por estar localizada em área bastante urbanizada, os

moradores vizinhos têm reclamado constantemente dos incômodos

provocados pela usina. A prefeitura decidiu implantar a venda do

composto cru diretamente da usina, eliminando o processo de

fermentação no pátio e, assim, reduzindo os inconvenientes aos

moradores próximos. Esta idéia foi agora abandonada por dificultar

a comercialização do composto. ~62

5. 2 - Plano de emergência de destino final de resíduos sólidos de São Paulo

Em 1989 , Werner Zulauf, o atual secretário da Secretaria do Verde

e do Meio Ambiente do Município de São Paulo, apresentou uma

proposta para ser discutida no âmbito do "staff" do secretário de

Serviços e Obras, tendo em vista o quadro preocupante da destinação

de resíduos sólidos do muni6ípio de São Paulo, principalmente no

que se referia a soluções alternativas aos aterros sanitários

existentes, todos em fase terminal de operação. Essa proposta

reflete, hoje, as prioridades da atual administração quanto à

destinação do lixo produzido na cidade.

A proposta foi formulada a partir de três premissas:

- a capacidade dos aterros sanitários da cidade deverá se esgotar

na primeira metade do atual período administrativo (1993/96);

~62 A proposta da venda do composto cru é criticada também por vários sanitaristas pelo fato de que muitos agricultores, por falta de informação ou pela necessidade imediata de utilizar o composto, acabam por fazer uso deste produto sem esperar pelo tempo necessário para que o processo se complete.

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- a opção pelo uso dos aterros sanitários como principal forma de

destinação de resíduos é extremamente problemática devido à

escassez de áreas disponíveis para construção de novos aterros no

município e na região metropolitana;

- a crescente politização da sociedade paulistana e o aprimoramento

da legislação ambiental dificultarão a incorporação de novas áreas

para tratamento do lixo. Este processo terá que enfrentar uma

longa, delicada e complexa negociação com as comunidades vizinhas.

A partir destas premissas foram elaboradas as seguintes diretrizes:

- evitar o acúmulo de lixo e componentes do lixo;

- promover a máxima reciclagem;

reduzir ao mínimo necessário a incorporação de novas áreas

urbanas para f~nções ligadas ao lixo;

- optar por alternativas ambientalmente brandas;

- reverter a tendência de transferir para a periferia da cidade

funções incômodas e menos nobres.

A proposta final deste plano apresenta como meta principal alcançar

o aterro zero, o que significa que nenhum, ou um volume muito

reduzido de resíduos, terá como destinação os aterros sanitários.

O instrumento para alcançar estes objetivos é a solução integrada

das alternativas de compostagem e incineração, que deverá ser

aplicada em áreas já utilizadas pela prefeitura. É importante

ressaltar que esta proposta de aterro zero será válida apenas para

o lixo domiciliar manuseado pela prefeitura, que corresponde a

cerca de 7,5 mil tjdia. o restante do lixo, composto de material

inerte, devido ao fato de não constituir material perecível, não

foi incluído nessa abordagem. Este continuará a ser encaminhado

para aterros sanitários.

o plano prevê o aumento da atual capacidade real das usinas de

compostagem de pouco mais de 600 tjdia para 6, 3 mil tjdia. A

ampliação da capacidade real de compostagem no município será feita

nas usinas de , compostagem já existentes. caso necessário, será

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incorporado um terreno no bairro de Santo Amaro (preferencialmente

'urna área da Eletropaulo, junto à usina Termoelétrica de

Piratininga). Corno já comentado, o processo de cornpostagern gera

cerca de 40% de rejeito. Assim, do total das 6,3 mil tjdia

toneladas processadas, 2,5 mil tjdia correspondentes ao rejeito

serão encaminhadas para incineração. Sorna-se a esse volume cerca de

1,2 mil tjdia de lixo domiciliar, referente à diferença entre o

lixo coletado ( 7, 5 mil t/dia) e aquele enviado às usinas de

cornpostagern (6.3 mil tjdia), totalizando um volume de

aproximadamente 3. 7 mil tjdia que será enviado para os

incineradores. Dessa forma, será necessário aumentar a atual

capacidade de incineração de 400 t/dia para 3, 7 tjdia. Esses

incineradores deverão também ser instalados em local adjacente às

usinas de cornpostagern de São Mateus e Vila Leopoldina. Além disso,

pretende~se, através das correias transportadoras presentes nas

usinas de cornpostagern, separar os recicláveis para seu

reaproveitamento.

A estimativa do custo dessa proposta é de aproximadamente 525

milhões de dólares.

A solução emergencial, segundo seus idealizadores, apresenta

diversas vantagens, tais corno:

a opção pelo ampliação do processo de cornpostagern pode ser

implementada imediatamente, urna vez que não existem problemas em

relação aos terrenos escolhidos, pois o aumento da capacidade

produtiva será feito nas atuais unidades de cornpostagern da

prefeitura . 163

- a proposta é considerada benéfica em relação à proteção do meio

ambiente, pois, além da produção de composto orgânico, promove a

separação dos recicláveis nas novas usinas de cornpostagern, permite

163 Quando foi realizada esta proposta, pensava-se vender o composto cru diretamente da usina, eliminando-se assim a necessidade de um pátio bastante grande onde o processo de compostagem se completaria. Esta idéia foi abandonada, fazendo-se necessário o estabelecimento de uma área onde o composto possa curado e então ser comercializado.

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a eliminação dos aterros sanitários, elimina os odores e o chorume

das atuais usinas de cornpostagern164 e controla a emissão dos

poluentes nas usinas de incineração;

a solução é socialmente justa, pois ali via a população da

periferia dos atuais incômodos provocados pelos aterros sanitários

localizados nessas áreas.

o autor da proposta conclui ainda que a solução apresentada, ou·

qualquer outra proposta, é fundamental para que antes de 1996 não

se esgote a capacidade dos aterros sanitários em São Paulo, levando

o atual sistema de gestão de resíduos sólidos do município ao

colapso.

5.3 - Uma análise. critica da política de gestão de resíduos sólidos

em São Paulo.

Segundo os idealizadores do plano de emergência de resíduos sólidos

para o município de São Paulo, a proposta apresentada não é

convencional na medida em que altera, a partir da incorporação de

práticas experimentadas com êxito, os modelos tradicionais de destino

final de lixo. 165

É difícil classificar de não convencional urna proposta que estimula

o uso de incineradores, despreza a coleta seletiva de resíduos na

164 Como a venda do composto cru foi eliminada, a prefeitura alega que pretende evitar os incômodos tradicionais a que estão sujeitos os moradores próximos de usinas de compostagem através do uso da melhor tecnologia disponível.

165 ZULAUF, Werner, op. cit.

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origem e não levanta sequer a preocupação com a necessidade da

transformação de hábitos e costumes da sociedade.

A atual gestão da prefeitura em São Paulo suspendeu o projeto de

coleta seletiva diretamente nas residências, iniciado na gestão

anterior, com o único argumento de que se tratava de uma alternativa

muito cara.

Qualquer plano de gestão de resíduos sólidos elaborado para a cidade

de São Paulo não pode realmente ignorar dois pontos bastante

problemáticos que a prefeitura deve enfrentar: a escassez de

recursos com que se depara o setor público para cumprir adequadamente

suas funções, incluindo o gerenciamento do lixo, e a necessidade de

medidas que devem ser tomadas de imediato, -para se rev~rter o quadro

caótico que se desenha para o curto prazo.

A forma como foi desenvolvido o projeto de coleta seletiva na cidade

de São Paulo é passível de uma série de críticas. o custo de

realização era, de fato, muito alto, fator este que certamente

inviabilizaria a montagem de um sistema para uma cidade com as

dimensões. e quantidade de lixo produzida como São Paulo.

A coleta que se iniciou na Vila Madalena em 1989, em 3.500

domicílios, chegou a alcançar 33 circuitos, abrangendo 102.000

domicílios e uma população aproximada de 510.000 habitantes . 166

Nesses circuitos eram recolhidos uma vez por semana basicamente

papel, vidro, plástico e metal, em sacos de lixo da coleta seletiva,

separadamente do lixo orgânico e levados para o Centro de Triagem de

Pinheiros. Além disso, o sistema contava com 37 Postos de Entrega

Voluntária - PEVs localizados em diversos pontos da cidade como

parques, universidades, praças e conjuntos habitacionais. Com.,esse

sistema estava se coletando aproximadamente 230 toneladas de resíduos

166 VALENTE, Alcides Edílio. ncoleta seletiva de lixo na Prefeitura de São Paulon, em Limpeza Pública (Associação Brasileira de Limpeza Pública), edição nº 42, julfdez 1993.

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por dia, sendo 75% provenientes da coleta seletiva, 15% dos PEVs e

10% de doações. Desse volume coletado, 50% representavam papel, 20%

rejeito e o restante composto por plástico, vidro e metais

f erros os . 167

o processo, além de representar um custo elevado, cerca de US$ 417

por tonelada contra US$ 30 da coleta comum, 168 169 segundo o atual

secretário de Serviços e Obras do município, era altamente

deficitário, pois a venda dos materiais resultava em uma renda

suficiente para cobrir apenas o custo da mão-de-obra do centro de

triagem . 170

A atual administração, ignorando outras importantes variáveis tais

como: receita potencial que poderia ser obtida com a venda de um

volume maior de material coletado, economia auferida devido à

disposição de um menor volume de resíduos em aterros sanitários e

economia ambiental e, centralizando sua critica apenas no custo pago

pela coleta por tonelada de recicláveis, foi paulatinamente

desmontando esse sistema. o sistema de coleta seletiva, altamente

deficitário, segundo o atual prefeito de São Paulo, deveria ser

encerrado, ao mesmo tempo que a entrega de material voluntária nos

PEVs deveria ser incentivada.~]. A enorme repercussão negativa do

anúncio do fim da coleta, representada pela mobilização de alguns

167 VALENTE, Alcides Edílio. "Coleta seletiva de lixo ... , op. cit.

168 AMARAL, Luis Henrique. "Prefeitura recua e coleta seletiva é mantida". Folha de São Paulo, 29 de março de 1993.

169 Na última revisão de custos, a prefeitura constatou que gasta US$ 320 para coletar cada tonelada de lixo reciclável. É importante ressaltar, contudo, que a prefeitura está coletando hoje, com a mesma estrutura da administração anterior, pouco mais da metade do que era coletado: a média baixou de 250 toneladas para 170 por mês. Com isso a coleta seletiva se tornou, naturalmente,. mais cara. Além disso, um estudo realizado pelo CEMPRE, entidade empresarial destinada a promover reciclagem de lixo domiciliar, demonstrou que, nos sete maiores programas de coleta seletiva do país em andamento, o custo médio por tonelada é de US$ 262 (Lixo Seletivo: prejuízo em São Paulo. (Jornal da Tarde, 9 de junho de 1994). ·

170 VALENTE, Alcides Edílio. "Coleta seletiva de lixo ... , op. cit.

171 Maluf encerra, ilegalmente, a coleta seletiva. O Estado de São Paulo. 4 de março de 1993.

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120

vereadores e habitantes contra essa decisão, fez com que a prefeitura

recuasse e negasse o fim da coleta seletiva . 172

A realidade, porém, mostra que efeti varnente os caminhões estão

deixando de fazer os roteiros da coleta desde que a atual gestão

entrou na prefeitura. 173 Moradores dos bairros atendidos pela coleta

seletiva afirmam que: "o caminhão, quando vem, passa correndo e nem

recolhe o lixo direi to". 174 Fato ainda mui to mais grave, foi a

denúncia publicada no jornal A Folha de São Paulo de que o lixo dos

PEVs estava sendo encaminhado para aterros sanitários, ao invés de

ser reaproveitado. A reportagem mostrava que do total de 8 toneladas

de lixo reciclável coletado todos os dias nos PEVs espalhados na

cidade, só o papelão era separado, o que correspondia a 10% do total

coletado, sendo o restante enviado para o Aterro Sanitário

Bandeirantes. Apesar de a prefeitura ter alegado que a interrupção do

serviço tenha acontecido apenas em razão das chuvas de fevereiro de

1994, a realidade do abandono do centro de triagem, que se encontrava

com a esteira de separação quebrada, demonstra a suspeita de sua

desativação . 175

. Assim, de maneira totalmente anti-democrática e ilegal, pois o

programa de coleta seletiva foi aprovado na forma de lei na Câmara

dos Vereadores e, além disso, contrariando o próprio programa de

campanha do atual prefeito, que propunha corno diretriz para limpeza

pública o incremento de forma substancial no Programa de Coleta

Seletiva, com objetivo de diminuir o volume do lixo gerado na cidade

~-_,-'" 172 AMARAL, Luis Henrique. Prefeitura recua e coleta seletiva é mantida. Folha de São Paulo. 29 de março de 1993.

173 MALUF tentou barrar coleta. A Folha de São Paulo, 29 de março de 1994.

174 TRANSPORTE inutiliza coleta seletiva. O Estado de São Paulo.07 de julho de 1994.

175 CASTRO, Daniel. "Maluf enterra lixo da coleta seletiva". Folha de São Paulo. 29 de março de 1994.

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121

e gerar receita marginal, os fatos demonstram que a coleta foi

realmente paralisada. 176

E inegável que o processo de coleta seletiva em São Paulo precisa ser

repensado. Além da variável preço, há outras características que

precisam ser melhor analisadas. A opção da coleta conjunta de

recicláveis, por exemplo, para posterior separação em centros de

triagem, também apresenta problemas'para o reaproveitamento eficiente

dos recicláveis. Em algumas cidades dos países desenvolvidos, como no

caso de Viena, esta alternativa foi abandonada desde meados da década

de 80, devido ao consenso de que este modelo de coleta inviabiliza a

recuperação dos resíduos de forma adequada, uma vez que a mistura de

resíduos torna a recuperação de determinados materiais bastante

ineficiente. Uma pesquisa recente feita em Vitória demonstrou que

enquanto o vidro apresenta 84,18% de eficiência na catação em

esteiras, o papel registra apenas 5,28%. 177 Além disso, a coleta

seletiva, dessa forma, pouco contribui para transformação de hábitos

e costumes, elemento essencial no estabelecimento da política de

resíduos sólidos. Como afirma Sonia Lima: "coleta seletiva da forma

como se tenta fazer no Brasil é um equívoco. Pois é trabalhosa, cara

e pouco transformadora de hábitos e costumes. É um serviço paralelo

dentro de uma estrutura tradicional. A coleta deve ser entendida como

uma etapa muito importante dentro do sistema de gerenciamento de

resíduos a ser adotado. 11178

Apesar de todos esses problemas, uma qualidade é inegável do programa

iniciado na gestão anterior. Trouxe para dentro das casas de vários

habitantes da cidade a necessidade de se repensar a forma de dispor

o lixo produzido nos domicílios. A coleta seletiva e reciclagem, como

176 nPREFEITURA diz que serviço já foi reativadon. Folha de São Paulo, 29 de março de 1994.

177 BAPTISTA, Fernando R. da Matta. nEstudo da composição física dos resíduos sólidos urbanos do município de Vitória e eficiência de separação no processo de triagem na usina de lixo de Vitória-Esn, op. cit.

178 nREMEXENDO o lixo. Modus Vivendi. Câmara Municipal de São Paulo. Gabinete do Vereador Adriano Diogo, ,1992

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demonstrado nesse trabalho, estão longe de resolver de forma imediata

os problemas a que se propõe a atual política de resíduos sólidos;

além disso, seu mau gerenciamento pode representar um custo oneroso

e, muitas vezes, desvios dos objetivos propostos, como discutido no

capítulo anterior. A experiência européia, particularmente da cidade

de Viena, mostra a necessidade de se planejar cuidadosamente um

programa de coleta seletiva, onde seja contemplado tanto o incentivo

à coleta e reciclagem dos materiais, assim como o incentivo ao

consumo deste material, a fim de que se possa superar problemas, como

excesso de material coletado em relação à capacidade de reciclagem da

economia e de demanda destes produtos. A existência, contudo, destes

problemas, e os anteriormente mencionados, não pode ser usada como

justificativa para desativar um programa novo no país e que

representa uma importante contribuição pedagógica à população. A

constatação desses problemas deve favorecer o desenvolvimento de

modelos não-convencionais de gestão de resíduos sólidos, que possam

evitar a repetição dos erros observados em países desenvolvidos, que

possam dar conta da escassez de recursos com que se defronta o setor

público e que consigam alterar a relação de descaso do setor

produtivo e de consumo com os resíduos sólidos produzidos na cidade.

Quanto a este último aspecto, dois exemplos mostram quanto é preciso

caminhar em termos de conscientização da sociedade na cidade de São

Paulo. Se, de um lado, parcela significativa dos resíduos industriais

e dos resíduos domiciliares continuam alimentando os 150 grandes

lixões irregulares e cerca de 2000 pontos clandestinos de despejo de

resíduos sólidos na Grande São Paulo, 1H de outro lado, a população

também pouco contribui para diminuição do problema, pois mesmo

hábitos básicos como jogar "o lixo no lixo" não estão incorporados

por uma parcela no seu dia-a-dia. Uma pesquisa publicada na Folha de

São Paulo mostra que 68% da população, enquanto caminham pela~ vias

públicas, têm o hábito de jogar tudo o que é considerado dispensável

diretamente nas ruas e somente 32% têm costume de procurar um cesto

179 RYDLE, Carlos, "150 lixões irregulares poluem a Grande São Paulo", o Estado de São Paulo. 15 de novembro de 1993.

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para se desfazer do lixo . 180 Este hábito custa à prefeitura US$ 3

milhões de dólares por mês para manter o serviço de varr1çao,

praticamente inexistente nos países desenvolvidos, a fim de coletar

as 39 mil toneladas de lixo que são jogadas todo mês diretamente na

rua. 181 A reversão deste quadro de descaso em rela_ção aos resíduos

sólidos, tanto por parte do setor produtivo como de consumo, deveria

figurar em qualquer plano responsável para garantir um gerenciamento

adequado de longo prazo dos resíduos produzidos na cidade.

As prioridades estabelecidas para-a gestão de resíduos em São Paulo

certamente não refletem essas preocupações; além disso, a

substituição do modelo tradicional de disposição em aterros

sanitários pelo modelo baseado no binômio compostagemjincineração

apresenta uma série de problemas e contradições na sua execução.

Em primeiro lugar, a política de desenvolvimento de compostagem pode

apresentar uma série de problemas. Para os defensores da atual

política de estímulo à compostagem, três são os principais problemas

que D composto apresenta: qu~lidade, sazonalidade e incômodos que

provoca às populações. No seminário para discussão do novo Plano

Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas preparado pela

CETESB, 182 o Secretário Municipal do Meio Ambiente afirmou que, em

razão do grande mercado potencial existente para .o composto, o

significativo aumento da oferta do composto previsto no plano não

levaria a problemas de excesso de oferta, desde que se garantisse uma

boa qualidade do produto. A experiência de Viena, contudo, mostra que

efetivamente o problema de disseminação do composto na produção

agrícola não se resume exclusivamente às questões de qualidade do

produto final obtido. A cidade de Viena produz um composto de

excelente qualidade, que encontra dificuldades para expansão da

180 RUBERTI, Irene. nJogar o lixo no chão é rotina do paulistanon. Folha de São Paulo. setembro 1993.

181 ARANTES, Antonio Flávio. ncidade gasta US$ 3 mi por mês com lixo jogado na ruan. Folha da Tarde, 13 de setembro de 1993.

182 Seminário - Plano Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas, CETESB, 19 de abril de 1994.

\.'

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demanda, devido à resistência ainda bastante grande dos agricultores

em aceitar esse tipo de produto.

No caso de São Paulo, como a produção de composto é ainda muito

pequena, os problemas de demanda só aparecem devido à sazonalidade da

produção agrícola em determinados meses. Resta saber se com um

aumento na magnitude que se pretende, elevando-se a quantidade

destinada às usinas de compostagem de pouco mais de 600 t/dia para

6,4 mil tjdia, conseguir-se-á efetivamente escoá-la em sua totalidade

para a produção agrícola.

Outro problema é o fato de que a alta qualidade obtida pelo composto

na cidade de Viena é conseguida através de coleta extremamente

seletiva de material orgânico já na origem. O lixo orgânico utilizado

para produção de adubo é composto apenas por resíduos de jardins,

verduras e frutas. Alimentos como carne, ou provenientes de alimentos

enlatados, não devem ser dispostos nos containers para lixo orgânico.

Esses devem ser dispostos regularmente no lixo convencional para sua

queima nos incineradores. Essa matéria-prima usada para compostagem

em Viena, além de garantir a alta qualidade do composto, praticamente

elimina os problemas relacionados aos odores provocados pelo processo

de fabricação do adubo.

No caso de São Paulo, não apenas todos os tipos de lixo orgânico

estarão misturados, como todos os outros tipos de resíduos

domiciliares serão conjuntamente levados às usinas de compostagem

para então serem separados. Esse tipo de coleta favorece extremamente

a contaminação do resíduo orgânico, como no caso do cádmio, afetando

assim diretamente a qualidade do produto, podendo também

eventualmente contaminar os produtos agrícolas, representando riscos

à população.

Um outro problema é o cheiro provocado pelas usinas de compostagem e

o incômodo às populações vizinhas. Primeiramente planejava-se vender

o composto cru diretamente para os produtores, eliminando-se dessa

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forma o pátio onde o composto necessita ficar por 60 a 90 dias para

terminar o processo. Além disso, seria construído um pátio-pulmão

onde esse produto poderia ser armazenado durante os períodos de queda

de consumo devido à sazonalidade. Essa idéia foi abandonada, pois

constatou-se que essa política dificultaria a comercialização do

composto. Assim, essa alternativa deve lidar com dois problemas: a

proteção dos moradores próximos das usinas e a localização de um

pátio-pulmão para o composto não comercializado. Tendo em vista o

aumento considerável do volume de composto orgânico a ser produzido,

a solução desse problema envolve uma grande dose de responsabilidade.

A tradição mostra que os problemas causados ao ambiente e moradores,

pelas unidades de tratamento de resíduos em São Paulo, acabaram

sempre sendo relegados a um segundo plano. A forma pouco democrática

como vem sendo conduzida a política de gerenciamento de resíduos em

São Paulo, caracterizada pela tomada de decisões feita nos gabinetes

sem qualquer participação das comunidades atingidas no processo,

levanta suspeitas de que esses problemas sejam abordados

prioritariamente. Da mesma forma, em caso de necessidade de um pátio­

pulmão, a área necessária para receber o composto será razoavelmente

grande devido ao aumento do volume de composto. Dificilmente esta

área se localizará na região central, sendo

a tradição paulistana,

provavelmente

direcionada,

periféricas.

pátio-pulmão

como mostra para áreas

Até o momento, a área prevista para a construção do

situa-se na região de Perus.

No caso dos incineradores problemas semelhantes podem ocorrer. As

usinas de incineração podem trazer consequências graves e incômodos

para moradores próximos, através da eliminação de gases tóxicos e mau

cheiro. Para contornar esses problemas são necessários investimentos

bastante elevados a fim de garantir um controle da emissão de

dioxinas. Na Europa, por exemplo, onde o uso de incineradores vem se

expandindo, os custos, como demonstrado nesta dissertação, se situam

entre US$90 a US$200 a tonelada, dependendo da toxicidade do produto.

No seminário promovido pela CETESB para discussão do Plano Diretor de

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Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas de São Paulo183, o atual

·secretário do meio ambiente do município de São Paulo garantiu que os

incineradores deverão ser construídos com a melhor tecnologia

disponível e dotados de filtros e partículas lavadoras de gases.

Nesse mesmo seminário revelou o secretário que o custo por tonelada

de resíduo incinerado deveria ficar em torno de US$ 40. Parece ser

difícil que a esse custo seja possível garantir efetivamente o

controle da emissão de poluentes tóxicos. Além disso, é importante

ressaltar que mesmo nos países desenvolvidos, apesar da evolução das

técnicas de controle de poluição dos incineradores, não existe um

consenso a respeito dos reais problemas provocados pelo uso maior

desta alternativa. Assim, pairam muitas dúvidas sobre os estudos a

respeito dos males provocados pela dioxina em algumas cidades da

Europa, como os mencionados no capítulo anterior, assim como

afirmações dos defensores do processo de incineração, que garantem

que a tecnologia hoje disponível pode garantir o controle efetivo dos

males causados pela incineração. Para conhecer as reais implicações

do maior uso de incineradores é necessário avançar muito mais nos

conhecimentos das tecnologias existentes, até o ponto de se afirmar

com certeza que a incineração 1 sob determinadas condições 1 é uma

alternativa segura. Esse ponto é fundamental em uma cidade como São

Paulo, pois poucas cidades no mundo produzem volume de resíduos

sólidos domiciliares e industriais tão grande. Os três incineradores

que serão construidos terão capacidade aproximada de 3,7 mil

toneladas por dia, o que significam 1,35 milhão de toneladas por ano,

mais do que três vezes a quantidade incinerada hoje na cidade de

Viena (aproximadamente 400.000 toneladas ano).

Finalmente, é importante novamente ressaltar que uma solução que

promova a instalação de incineradores dificilmente reverterá a

tendência de transferir para a periferia da cidade funções incômodas

e menos nobres, como colocado nas diretrizes do plano de gestão de

183 Seminário - Plano Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas de São Paulo, CETESB, 19 de abril de 1994.

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resíduos sólidos da cidade. Ainda que venha crescendo a resistência

das populações também dos bairros periféricos, como no caso do

protesto dos moradores da região de Perus, em São Paulo, contra a

usina de compostagem ou do incinerador a ser instalado no parque

Anhanguera, o binômio usina de compostagem e incineração necessita de

áreas relativamente grandes que dificilmente se encontram disponíveis

nas regiões centrais. Como afirma uma moradora da região, a lógica da

escolha dos locais obedecerá uma regra mui to simples. "Eles vão

trazer todo o lixo para cá porque aqui é o bairro mais pobre de São

Paulo. 11184

5.4- Considerações Finais.

Em declaração publicada no jornal A Folha de São Paulo, o secretário

de Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo, Reinaldo de

Barros, aponta que o problema do lixo na cidade de São Paulo estará

resolvido até o ano de 1996, ano em que as três usinas de incineração

estarão em funcioriamento.

o plano apresentado, contudo, está longe de resolver os problemas da

cidade. Ainda que as novas usinas de compostagem e de incineração

sejam construídas de forma a obedecer rígidos controles ambientais,

a problemática dos resíduos sólidos não pode ser reduzida a uma

questão única referente à disposição tecnológica adequada. Além

disso, a solução proposta se contrapõe a varias diretrizes do plano

original, a saber: promover a máxima reciclagem, optar por

alternativas ambientalmente brandas e reverter a tendência de

transferir para a periferia funções incômodas e menos nobres.

184 "MORADORES protestam contra usina de lixon. Folha de São Paulo. 17 de maio 1993

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Esta alternativa tradicional deixa de lado medidas para reduzir a

produção de residuos, combater a proliferação dos lixões na cidade e

incentivar o aumento do reaproveitamento dos residuos. Além disso, a

alternativa apresentada ignora a necessidade de educação ambiental,

parte essencial da atual politica de residuos só.lidos nos paises

desenvolvidos, assim como relega a um segundo plano a participação da

comunidade para ajudar na solução dos problemas.

Será dificil dar um salto qualitativo no sistema de gestão de

residuos da cidade de São Paulo enquanto a ênfase for reformar uma

estrutura obsoleta que opera no municipio, ao invés de se estabelecer

um cenário inovador de longo prazo com medidas que não apenas

assegurem a coleta, o tratamento adequado e disposição, mas também

que estimulem o reaproveitamento de residuos e diminuição de sua

produção. Deve ficar claro que o estabelecimento desse cenário

inovador não garante por si só que estas metas serão necessariamente

atingidas. o exemplo da cidade de Viena mostra que a busca destas

metas carrega consigo uma série de contradições; contudo, estas metas

estipuladas refletem a vontade de uma sociedade que quer ser mais

responsável pelas implicações do seu modelo atual de produção.

No Brasil e no caso especifico de São Paulo, essa busca depende não

apenas de desenvolvimento tecnológico no setor de residuos sólidos,

mas também de um trabalho intenso de-educação.

o despertar da consciência ambiental faz parte da formação da

cidadania em São Paulo. A politica de residuos sólidos é um

importante instrumento dessa conscientização devido à proximidade dos

residuos aos habitantes. Diminuir a quantidade de residuos gerados

não necessários, diminuir custos com serviços que praticamente já

desapareceram nos paises desenvolvidos, como a varrição, são tão

importantes como garantir o tratamento adequado dos residuos e

assegurar um modelo eficiente de gestão de longo prazo.

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de 1994.

129

Incentivar a ampliação do reaproveitamento de resíduos e reciclagem

de forma planejada a garantir o efetivo reaproveitamento dos resíduos

com custos compatíveis com a realidade brasileira também é

prioritário. Isto pode ser feito através do apoio ao desenvolvimento

de associações de catadores que podem ser uma alternativa para a

viabilização de programas de coleta seletiva. A COOPAMARE, por

exemplo, pequena cooperativa de catadores de lixo na

cidade de São Paulo, demonstra as possibilidades desta alternativa.

Integrada por pouco mais de 50 catadores, a cooperativa está

conseguindo recolher mais material reciclável do que cinco dos sete

principais programas de coleta seletiva criados por prefeituras

municipais. 185 O volume aproximado de 200 toneladas por mês recolhido

pelos catadores, com um custo e estrutura mui to menores dos da

prefeitura, já ultrapassou a marca de 170 toneladas/mês coletadas

pela atual administração e se aproxima do volume mais alto coletado

-- aproximadamente 250 toneladas/mês -- alcançado pela prefeitura

municipal de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina. 186 Além

disso, é importante também incentivar a parceria entre o setor

público e entidades empresariais que apóiam projetos na área de

recuperação de resíduos. A ABIVIDRO, por exemplo, em convênio com

prefeituras, estabeleceu 26 programas de reciclagem de vidro em 24

cidades. Segundo dados da ABIVIDRO, as vidrarias brasileiras utilizam

hoje cerca de 33% de caco de vidro como material reciclado. 187 Por

outro lado, a LATASA espera poder reciclar cerca de 50% das latas de

alumíno -- aproximadamente 1 bilhão -- em 94 e pretende alcançar o

índice de 80% em três anos . 188

185 FAGÁ, Francisca Stella. A Cooperativa do lixo. Gazeta Mercantil, 11 de novembro de 1993.

186 COLETA seletiva: prejuízo em São Paulo. Jornal da Tarde, 09 de junho de 1994.

187 0RECICLAGEM de vidro já dá lucro em São Paulo0 • Jornal do Brasil, 11 de abril de 1993.

188 RIBEIRO, Ivo. 0Latasa planeja reciclar metade das latas de alumínio consumidas no país. Gazeta Mercantil, 21 de abril

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130

A solução do problema do lixo em São Paulo envolve certamente

variáveis complexas. 189 As soluções dependem de alternativas

criativas e que, tendo em vista a grande quantidade de resíduos

sólidos produzidos no município, possam ser operacionalizadas. Porém,

mais importante do que tudo isso, e esse trbalho procurou mostrar, é

que a problemática dos resíduos não pode mais ser ignorada e as

soluções devem ser buscadas através de um processo realmente

democrático, envolvendo a participação do setores público, privado e

os moradores do município, buscando assim evitar as distorções que

acontecem tanto nos países desenvolvidos como no Brasil. Finalmente,

é importante acrescentar que a política de resíduos envolve

variáveis mui to maiores do que aquelas que se referem apenas ao

tratamento e disposição de resíduos. Incineradores não são, nem nunca

serão, soluções. únicas adequadas para políticas de gestão de resíduos

sólidos de longo prazo, principalmente em uma cidade em que parcela

significativa dos resíduos não é sequer encaminhada para as unidades

de tratamento de resíduos. Os incineradores podem, e devem, fazer

parte do processo de gestão de resíduos sólidos para determinados

materiais, principalmente aqueles considerados perigosos.

o apoio da população ao projeto de coleta seletiva realizado em São

Paulo demonstrou que aqui, assim como nos países desenvolvidos,

existe disposição da população para contribuir em projetos que

objetivem a redução do volume de resíduos a serem dispostos. As

iniciativas de diferentes entidades empresariais, em relação a

diverSOS projetOS relacionadOS à reciclagem dO liXO 1 mostram que

mui tas empresas em São Paulo, exatamente como nos países

desenvolvidos, querem associar sua imagem com políticas de reciclagem

de resíduos sólidos. Informação, desenvolvimento de legislação

apropriada para resíduos sólidos, incentivo de reutilização e

189 É importante acrescentar que a solução da problemática de resíduos sólidos na cidade de São Paulo envolve outras variáveis além do problema do volume produzido. Mesmo não sendo foco desta dissertação, um dos problemas que merece bastante atenção ao se repensar o modelo de gestão de resíduos sólidos na cidade é a necessidade de modificar a relação entre o setor público e o setor privado de limpeza urbana, que tem estimulado até hoje uma situação de cartelização, onde apenas 4 empresas são responsáveis pela maior parte dos serviços de coleta e varrição de ruas.

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reciclagem dos resíduos sólidos de forma planejada, envolvendo o

setor público, privado e de consumo, além de garantia de tratamento

e disposição adequada dos resíduos, constituem os instrumentos que,

somados, podem efetivamente contribuir para solucionar os problemas

enfrentados, onde uma das características negativas mais marcante é

a proliferação, ainda hoje, de lixões no município de São Paulo e nos

municípios vizinhos.

É necessário para a solução de problemas como os mencionados acima

não apenas tratamento técnico apropriado, mas também tratamento

cultural adequado. Mudanças de hábito e valores são essenciais em uma

sociedade em que ainda predominam desperdício, descaso em relação ao

espaço público, ao cidadão e ao meio ambiente. Educar para

valorização de conceitos como reduzir, reutilizar e reciclar é um

passo essencial para a construção de uma sociedade responsável pelos

resíduos que são diariamente produzidos e dispostos no meio ambiente.

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ANEXO

Entrevistas

Robert Willinas. United Nations Industrial Development Organization, UNIDO.

Gerahrd Vogel. Instituto de Tecnologia da Universidade de Viena.

Andrea Binder. Instituto de Ecologia de Viena.

Luize Gubitzer. Instituto de Economia da Universidade de Viena.

Wojciech Rogalsky. Magistratsabteilung 48 (Depatamento de Limpeza Urbana da Cidade de Viena).

Sonia Lima. Empresa de Planejamento do Estado de São Paulo -EMPLASA

Werner Zulauf. Secretaria de Verde e do Meio Ambiente do Município São Paulo

Adriano Diogo. Vereador na Câmara Municipal de São Paulo.