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MEMÓRIA DO GARIMPO DE DIAMANTES DO TEPEQUÉM: UMA NOVA PAISAGEM NASCIMENTO, CLAUDIA HELENA CAMPOS (1); LIMA, EDNA TALLITTA DE MACKDEY DINIZ (2); SILVA, ERICK LIMA (3) 1. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 Departamento de Arquitetura e Urbanismo Bairro Aeroporto Boa Vista/RR CEP 69310-000 E-mail [email protected] 2. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 Departamento de Arquitetura e Urbanismo Bairro Aeroporto Boa Vista/RR CEP 69310-000 E-mail [email protected] 3. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 Departamento de Arquitetura e Urbanismo Bairro Aeroporto Boa Vista/RR CEP 69310-000 E-mail [email protected] RESUMO A história do garimpo na região amazônica foi edificada sobre o princípio de que a atividade possui cunho extremamente degradante para o ecossistema, incluindo-se as relações sociais que se estabelecem em torno das áreas de garimpo. Normalmente os registros, históricos e jornalísticos, se estabelecem a partir de dados quantitativos do quadro da exploração e suas consequências, sem se dar atenção para a dimensão social, que envolve pessoas de várias origens e que, por sua vez, passam a contribuir com o cenário cultural local. O Tepequém foi cenário principal do período econômico mais importante para o Estado de Roraima, caracterizado pela exploração de ouro e diamantes. O lugar ficou marcado pelos vários cursos de rios alterados pela lavra, mas também pela presença de uma população que mantém as referências dessa história social: os restos de maquinário, automóveis e outros equipamentos, alçados da antiga delegacia que se recompõem no olhar da memória daqueles que viveram ou frequentaram a Vila do Cabo Sobral, principal centro das relações sociais nos tempos onde os diamantes do Tepequém eram moeda corrente. O presente artigo constitui parte das discussões do grupo de estudo sobre o Tepequém, que resultará em Trabalhos de Conclusão de Curso em Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima, em andamento, que visa propor a elaboração de projetos para a estruturação do Museu do Garimpo no Tepequém/RR. Palavras-chave: Paisagem Cultural; Tepequém/RR; garimpo de diamantes.

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MEMÓRIA DO GARIMPO DE DIAMANTES DO TEPEQUÉM: UMA NOVA PAISAGEM

NASCIMENTO, CLAUDIA HELENA CAMPOS (1); LIMA, EDNA TALLITTA DE MACKDEY DINIZ (2); SILVA, ERICK LIMA (3)

1. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 – Departamento de Arquitetura e Urbanismo Bairro Aeroporto – Boa Vista/RR – CEP 69310-000

E-mail [email protected]

2. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 – Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Bairro Aeroporto – Boa Vista/RR – CEP 69310-000 E-mail [email protected]

3. Universidade Federal de Roraima. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal: Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Bloco 5 – Departamento de Arquitetura e Urbanismo Bairro Aeroporto – Boa Vista/RR – CEP 69310-000

E-mail [email protected]

RESUMO

A história do garimpo na região amazônica foi edificada sobre o princípio de que a atividade possui cunho extremamente degradante para o ecossistema, incluindo-se as relações sociais que se estabelecem em torno das áreas de garimpo. Normalmente os registros, históricos e jornalísticos, se estabelecem a partir de dados quantitativos do quadro da exploração e suas consequências, sem se dar atenção para a dimensão social, que envolve pessoas de várias origens e que, por sua vez, passam a contribuir com o cenário cultural local. O Tepequém foi cenário principal do período econômico mais importante para o Estado de Roraima, caracterizado pela exploração de ouro e diamantes. O lugar ficou marcado pelos vários cursos de rios alterados pela lavra, mas também pela presença de uma população que mantém as referências dessa história social: os restos de maquinário, automóveis e outros equipamentos, alçados da antiga delegacia que se recompõem no olhar da memória daqueles que viveram ou frequentaram a Vila do Cabo Sobral, principal centro das relações sociais nos tempos onde os diamantes do Tepequém eram moeda corrente. O presente artigo constitui parte das discussões do grupo de estudo sobre o Tepequém, que resultará em Trabalhos de Conclusão de Curso em Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima, em andamento, que visa propor a elaboração de projetos para a estruturação do Museu do Garimpo no Tepequém/RR.

Palavras-chave: Paisagem Cultural; Tepequém/RR; garimpo de diamantes.

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Descrevendo uma paisagem

Espaço físico e mítico

Estas histórias acontecem em um lugar de muitas estórias. A serra do Tepequém situada aos

limites da Venezuela e o Estado de Roraima, em uma zona que, bióticamente, varia entre

campos e floresta virgens, tem aos 1200 m de altitude o seu ponto mais alto e localiza-se a

aproximadamente 200 km a noroeste da capital, a cidade de Boa Vista/RR. Geograficamente

encontra-se entre o rio Amajarí, ao norte, e a ilha de Maracá, a sul.

A serra do Tepequém deve seu nome a uma origem incerta. Tradicionalmente registra-se que

o seu nome é originado das palavras indígenas "Tupã queem" que quer dizer "Deus do fogo"

por assim se localizar sobre um vulcão extinto há alguns milhares de anos. Esse vulcão mítico

e zangado, que queimava as roças das malocas próximas, só foi aplacado com a oferenda de

três belas índias virgens, cujas lágrimas se tornaram diamantes. Outras fontes apontam para

a figura de Robert Hermmam Schomburgk (1804-1865) que, patrocinado pela Royal

Geographical Society em 1830, visava estabelecer os limites do território da colônia inglesa na

América do Sul. Schomburgk usou a palavra “top” para descrever as serras e, para a maior

delas ele denominou “serra-rei”, isto é, “Top-king”, que passou a ser, na boca dos caboclos da

terra, “Tepe-quém”. É um gigantesco bloco rochoso de forma tabular e litologia predominante

arenítica, o que na região denomina-se de tepui (tepuyes), termo indígena do grupo Pemon,

usado para denominar as montanhas encontradas na Gran Sabana venezuelana e

proximidades, que apresentam forma semelhante a uma mesa. Também ao termo tepui se

considera com uma variação do top/tepe. A serra localiza-se em uma formação geológica

muito antiga que remonta ao pré-cambriano, e que dadas as suas características apresenta

uma rica formação mineral, por isso vem desde o século XIX, provocando a curiosidade e a

cobiça de muitas expedições.

O tepui da serra do Tepequém tem seu topo cortado por um vale que abriga duas lindas

cachoeiras – Paiva e Funil – e é fronteado por três pequenas serras. A mesma cosmogonia

macuxi 1 que, explica a existência dos diamantes, traduz que as três pequenas serras

simbolizam as três virgens, e que as duas lindas cachoeiras mostram o caminho por onde

percorreram suas lágrimas, motivo da alegria dos futuros garimpeiros e da atual degradada

situação do local.

1 Macuxi: povo de filiação lingüística Karíb, que habita a região das Guianas, especialmente entre as cabeceiras

dos rios Branco e Rupununi, território atualmente partilhado entre o Brasil e a República Cooperativista da Guiana.

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Figura 1:Potencial turístico da serra. As belezas naturais: paisagens e cachoeiras; a pedra do índio; a

visita aos garimpeiros ainda na ativa na extração manual; a flora; o artesanato e os esportes de

aventura (FOTOS: Edna Tallitta Diniz, 2014).

Quando a história começa

Os registros a respeito da origem do garimpo e povoamento do Tepequém são cercados de

incertezas e desencontros históricos. Alguns dos fatos relevantes para a forte migração e

consequentemente a criação da comunidade, encontram-se documentados nas Crônicas do

Rio Branco, documento escrito pelos monges beneditinos residentes na região de Boa Vista

em meados de 1936. Dom Alcuino Meyer relata a respeito de um experiente garimpeiro

paraibano Severino Pereira da Silva, que vivia na região do Cotingo: “Severino foi ao Rio de

Janeiro de avião levando muitos quilos de ouro e uma grande quantidade de diamantes no

ano de 1936” (Rodrigues, 2009; Vieira, 2009, p.86 e 87), fazendo assim a propaganda do

potencial mineral da serra, incentivando que pessoas de várias regiões do Brasil,

principalmente do Norte e Nordeste viessem a tentar fazer fortuna nos garimpos de Roraima.

No mesmo documento encontra-se também o relato de uma das primeiras expedições para

exploração do minério, datada de 1930, quando chegou ao Tepequém o geólogo guianense

Mezach Breunstz, conhecido como Bruston, natural da, na época, Guiana Holandesa, hoje

Suriname, acompanhado de dois homens. Estes chamados a serra por uns dos fazendeiros

da região, Antônio Piauí, financiador da expedição e que buscava afirmações a respeito da

existência de diamantes na região.

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O mesmo fato também é atestado em relatos distintos (Fiorotti, s/d; Batista Neto, 2013, p.31)

dados pelos garimpeiros conhecidos como Sr. Antônio Bezerra Nunes (Seu Bezerra) e Sr.

João Araújo de Sousa, esse último conhecido no garimpo por “Cuia”. Os garimpeiros contam:

O Bruston era o explorador daqui, né. Trabalhei com ele muito, bem ali nós

morava. Quem mandou ele vim foi Antônio Piauí. Antônio Piauí era um

fazendeiro daí, morava na beira do Cararual2, pai do Alberto Piauí. Aí o Piauí,

o Antônio Piauí, convenceu ele, o Bruston pra vim explorar o Tepequém.

Veio, fez o primeiro rancho. O rancho acabou aí no meio da mata, aí ele

voltou, foi buscar outro rancho, né. Nesse tempo ainda tinha maloca3, logo na

entrada da boca da mata, onde hoje é no final da vila. Ainda tinha uns

caboclos lá quando ele veio, tinha quatro malocas lá. Pois é, eles vieram a

primeira vez, o rancho acabou, eles voltaram, né, aí pegaram outro rancho e

vieram aí chegaram aqui dentro. Tocaram fogo aí na serra, já chegando na

beira do Paiva. Quase esse fogo queima eles. Era muito serrado. Era juquira,

juquira4 mesmo, só ía no terçado e passava o dia todinho e só arrancava um

pedacinho, aí eles tocaram fogo lá na serra.

Tocaram fogo, não podiam volta por causa do fogo e correr não podiam, o

fogo chegando... até que alcançaram o Paiva, que foi o que salvou eles, o

Igarapé do Paiva. Isso tudo ele me contou, né. Eram quatro inglês, eu me

lembro do nome de três. Só tem um que eu não me lembro. Era o Bruston, era

chefe; o Riba, era o companheiro dele, e Johnson. Agora o outro eu não

lembro não, tinha o apelido de Jacamim, chamavam ele de Jacamim. Era um

inglês alto, fino assim como o senhor, fosse até mais alto que o senhor.

Pois é, foi os quatro, o explorador. Foi em 1936. Aí voltaram, rapaz, pra você

ver só, o Tepequém, desde o começo, que ele é assim meio atrapalhado, né.

Chegou lá e ele entregou o produto, o minério, produto que ele tinha do

garimpo, da pesquisa, ouro e diamante. (relato do Sr. Antônio Bezerra Nunes,

dito Seu Bezerra, em Batista Neto, 2013)

Aí esse nego velho Bruston, explorador do garimpo, velho bom, medonho,

estrangeiro, era da Guiana Holandesa e a mulher dele da Guiana Francesa.

Aí Antônio Piauí aliou ele (isso aqui era do Antônio Piauí) pra ver o que tinha

aqui dentro, explorar garimpo. Ele passou três meses rodiando a serra,

explorando essas grotas todas, o Bruston, tá escutando? Aí achou a subida,

2 Cararual: Maloca do Cararual, área ocupada por índios da etnia Yanomami, no município de Normandia/RR.

3 Maloca: termo local para denominar pequena aldeia indígena, em torno de uma única construção.

4 Juquira: vegetação herbácea, difícil de ser retirada; expressão popular que indica “estar em situação difícil”.

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ali o pau liso5. Eu sei tudo porque ele me mostrou. Aí naquela grotinha ali,

onde eu morava primeiro. Ali perto onde o Pedro mora tinha uma pedreira lá e

eles pegaram logo uma pedra de diamante de 5 quilates. Aí o nego velho, o

Bruston, subiu a serra e desceu pro Cabo Sobral, sozinho. Aí chegou no

Cabo Sobral, aí aquelas cachoeiras, tudo limpinha, tava assim: só diamante.

Aí chegou com meio litro cheio. “Achamos o minério, é rico, olha aqui”. Aí

levou lá pro Antônio Piauí. “É minério, diamante, ouro tem é pouco, e agora,

Bruston, como é que faz pra registrar esse garimpo, esse local pra nós?”

(relato do Cuia, em Batista Neto, 2013)

Após esses fatos iniciou-se, efetivamente, entre os anos de 1936 e 1937 o “boom” do garimpo

de diamantes da serra do Tepequém, povoando o lugar com a esperança do “bamburro”6,

vindo de toda parte do país.

Memória orgulhosa

Territórios e fronteiras

A memória dos grandes ganhos do período, também está naqueles que promoveram o

garimpo na região. A estes, associa-se o feito heroico de desbravamento e promoção do

crescimento econômico de Boa Vista, além do termo “garimpeiro”, como alcunha honorífica. A

memória do garimpo do Tepequém se materializa nos monumentos que lhe representam.

Cabe aqui uma separação, o estabelecimento de uma fronteira clara, porém invisível – aquela

que separa o cenário do garimpo daquele construído pelo crescimento econômico que este

gerou – entre Tepequém e Boa Vista.

Uma visita ao Tepequém, quer na Vila, seu centro, quer nos espaços das antigas corruptelas

do Paiva ou Cabo Sobral, é suficiente para identificarmos lugares de memória (Nora, 1993)

caracterizados por ruínas, antigos equipamentos, velhas carcaças de aviões, Willys e Jeeps.

Estes marcos são pontos de referência que interligam com a grande árvore onde, contam,

eram cravados a tiros de espingarda os diamantes de pequenos quilates sob o grito de “vai

crescer!”7, desprezados ante à oportunidade diária de mais e maiores pedras.

5 Pau liso: um acesso sobre o rio na base da serra, onde uma tora de madeira fazia a função de ponte.

6 Bamburro: de “bamburrar”, enriquecer rapidamente, especialmente por encontrar grande quantidade de ouro ou

pedras preciosas no garimpo.

7 Segundo Izabel S. Brasil, essa era a prática de Bento Brasil no período mais opulento do garimpo, nas décadas

de 1940-1950.

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Remanescente desta época encontra-se, em local de destaque na Praça do Centro Cívico da

capital de Roraima, “O Monumento aos Garimpeiros”, construído na década de 1960, na

administração do governador Hélio Campos. O Monumento mostra um homem garimpando

com sua bateia. A escultura foi projetada pelo topógrafo e auxiliar de engenheiro Walter de

Mello Bastos e pelo desenhista e artesão Francisco da Luz Moraes, mais conhecido como

Japurá.

Recém chegado em Boa Vista e eleito o primeiro governador do antigo Território Federal de

Roraima, Hélio Campos8 procurava vertentes promissoras ao desenvolvimento econômico do

seu pleito. Na época as opções eram as grandes fazendas de gado de leite e corte

espalhadas por todo o território, e a exploração do garimpo de ouro e diamantes, feito

manualmente. Após estudar as opções, Hélio Campos resolveu que o caminho que lhe traria

mais frutos seria o da extração mineral. Unindo então à responsabilidade de construir a

cidade, encomendou a construção de um marco do desenvolvimento, nascendo assim em

frente ao atual Palácio do Governo “Senador Hélio Campos”, o monumento que homenageia –

como dito em muitos documentos – “os responsáveis pelo desenvolvimento do estado”.

(Espiridião, 2011.)

Cravados na placa de inauguração, aos pés do monumento, encontram-se os nomes de

poucos dos garimpeiros de quem se conta história, como: Mochão, Levino de Oliveira, Nego

Pina, Velho Barrudada, Luiz Oliveira, Zé Ferreira, João de M. Rodrigues, Wando Preto, Zelio

Mota, Lídio Sousa, Jonas Dias, Waldemar Pisa Miúdo, Mariano Vieira, Rubens Lima (pai), Zé

da Russa, Honorato Lima, Vicente Araújo, Zé Queiroz, Paraíba Pilão, Zé Francisco, Crisnel

Ramalho e Onésimo Cruz. Estes poucos nomes estão distantes de representar ou de valorizar

verdadeiramente a importância que o garimpeiro e sua cultura tiveram para o Estado de

Roraima, e representa menos ainda as aspirações e visões dos garimpeiros que buscam seu

lugar de memória junto à história do desenvolvimento do estado.

8 Hélio da Costa Campos (Rio de Janeiro, 1921-Brasília, 1991) foi governador em dois períodos o Estado de

Roraima: 1967 a 1969, indicado pelo presidente Costa e Silva para governar o antigo Território Federal, e de 1970 a 1974, reconduzido ao cargo pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici.

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Figura 2: Na imagem as heranças deixadas pelo garimpo. Carcaças de carro antigo e o avião caído da

família Brasil; o “Tilim do Gringo- caminho entre a rocha cortado pelos garimpeiros, para fazer o desvio

do curso do rio e a cabana típica da morada dos garimpeiros, com objetos e costumes do cotidiano(

Fotos: Edna Tallitta Diniz, 2014).

“O que sei, eu conto; o que não sei, eu invento9”

A preocupação com a construção da identidade garimpeira, conforme vivência e descrição

que os próprios colocam e, não de acordo com as versões oficiais de pontos de vista

distorcidos, não é uma preocupação exclusiva dos velhos garimpeiros nem deste grupo de

pesquisa. Outros, como o projeto de pesquisa “Do diamante ao Carvão” da Universidade

Federal de Roraima e coordenado pelo professor da Universidade Estadual de Roraima Dr.

Devair Antônio Fiorotti, que visa estudar “a narrativa de garimpeiros da região do Tepequém.

Identifica e analisa essas narrativas, do ponto de vista da identidade e da criação mitológica

em torno do diamante, preocupa-se ainda com questões de memória e narrativa oral”. O

9 Frase do garimpeiro Passarão dos Cachorros, ao convite de uma entrevista ao professor Dr. Devair A. Fiorotti.

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estudo dessas narrativas da Serra do Tepequém/RR demonstra claramente esse

posicionamento e preocupação com a formação identitária daqueles que lá vivem e que

mantém a história viva em suas referências cotidianas.

O relato oral dos garimpeiros do Tepequém como Antônio Bezerra Nunes, Aracati, João

Araújo de Souza (Cuia), Zé Maria, Neuza, Passarão, Pedro (Pedro do Ônibus) e Porvina que

foram colhidos pelo professor Devair Antônio Fiorotti em seu projeto de pesquisa, bem como

dos garimpeiros e filhos de garimpeiros residentes no Tepequém ainda nos dias de hoje,

como Sidney, Dona Helena, aos quais este grupo teve como informantes alinham seu

discurso cada um dentro do tempo que chegou. Os mais antigos falam de tudo o que viram,

inclusive de como era o Tepequém original, isto é, antes do início do garimpo, o qual, segundo

eles, não podemos imaginar a beleza. Os mais novos falam do que viram a partir do momento

de sua chegada e dos nomes e histórias dos antigos, que se espalharam por gerações. Como

testemunho, as ruínas, sucatas de automóveis e maquinários, atestando o fato matérico, ou

as fotos montadas em um painel no pátio da casa de Dona Helena, como memorial, ou na

simplicidade saudosa, como narrado nas palavras de um dos filhos do garimpo, o professor

Sidney, a este grupo de pesquisa:

A gente tem uma história bem antiga né, ligada a essa comunidade. Meu pai

veio pra cá em cinquenta e quatro, e ai durante esse tempo minha família

sempre teve ligada a parte de garimpo né, a mineração. Durante a algum bom

período a gente viveu exclusivamente do garimpo. Até o fechamento dele,

quando veio em 2000 totalmente a paralisação. Na verdade era pra ter

parado desde 88, é, mas só em dois mil que caiu a ficha mesmo da

comunidade que tinha que parar. Que a gente tinha até então desde 37 que

foi a primeira expedição que subiu a serra, a década de 40 e década de 50

que chegou a minha família aqui. Década de 60, 70, 80 que ninguém

conhecia outra atividade a não ser era garimpo. Era o garimpo era, na

verdade isso aqui era a primeira reserva garimpeira da região norte,

legalizada. De todos os garimpos, assim como foi serra pelada, aqui em

Roraima o tepequém era uma reserva garimpeira, totalmente legalizada.

Com incentivo do próprio governo. Então a agente na década de 50/60

aquela primeira vila que é a cabo Sobral tinha uma estrutura que nem Boa

Vista tinha. E é interessante assim que essa história do garimpo e da

mineração, muitas vezes a gente que veio dessa origem, dessa cultura

garimpeira, a gente se sente assim injustiçado, se sente que a nossa história

hoje, pela educação ambiental que nós temos, a consciência ecológica, pra

gente ver assim o garimpeiro como marginal, um bandido. Já se construiu

uma consciência, é, da preservação, e toda essa atividade quando as

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pessoas chegam aqui, essa agressão, tudo isso ai dá um impacto né? Então

uma impressão assim de selvageria, de desrespeito à natureza. Ai não se

leva em consideração o contexto histórico desses camaradas que viveram

nesse período, não tiveram educação, não tiveram formação, era o contexto

deles, era a vida deles, eles faziam aquilo! E, quando foi nessa fase ai da

transição, da proibição, que veio em 2000.

Quanto à paisagem original da Serra, na área onde hoje há os alçados da antiga delegacia se

estendendo até a atual Vila do Paiva e redondezas, onde o garimpo se desenvolveu seu Zé

Maria que chegou a essa região em 1942, ainda jovem, relata:

Esse pessoal que vê o Tepequém hoje acha que é uma beleza, acha que tá

bonito! Acabaram, não deixaram um pé de árvore no Tepequém! Arara,

quando era mais ou menos dez horas, vinha das matas gerais aquele monte

de araras pra comer fruta dentro do Tepequém, tanto daquela azul como

daquela vermelha, a coisa mais linda do mundo, chega fazia nuvem! Hoje não

tem uma arara no Tepequém! (Zé Maria em entrevista dada ao projeto do

Diamante ao Carvão)

Sobre o mesmo assunto Dona Neuza, ex–garimpeira e remanescente moradora do

Tepequém afirma:

Quando eu cheguei, professor, aqui onde eu tô, aqui era mata, professor. A

gente vinha tirar bacaba aqui. Quando eu cheguei aqui (retornou), me deu

muita tristeza de ver tudo acabado! Triste, né? Aí eu to replantando. Por ali eu

tô replantando buriti. Tudo tô replantando. Eu quero ver verde como era

antes. Isso tudo era mata, uma maravilha!

Ambos apontam a mutação que sofreu a Serra ao longo do período de exploração, outros

falam do desaparecimento total dos peixes, o que nos leva a crer também na extinção de

espécimes próprias do habitat do tepuí, mostra também que ambos apreciaram a paisagem

da serra no seu estado original, mantida na memória e, ao relatar suas lembranças, parecem

se omitir como participantes do cenário que causou a modificação da mesma, talvez por sua

sensibilidade as belezas naturais terem sido ofuscadas pela dos diamantes ou pela

incompreensão da degradação que estavam causando na juventude.

Contudo, existem estudos que indicam espécies endêmicas do Tepequém, tanto de flora

quanto de fauna, além da valorização como atrativo turístico as cachoeiras, rios e igarapés

que foram transformados pela atividade de exploração, como o guia do Tepequém criado pelo

agrônomo Dr. Francisco Joaci de Freitas Luz, onde até o areal remanescente dos diversos

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desvios do Igarapé do Paiva é tratado como “praias do Paiva” ou o “Tilim do Gringo”, uma

grande fenda na rocha, feita à dinamite pelos garimpeiros para garantir novo curso de água,

passa a ser ponto turístico.

Margens

É de conhecimento corrente que a atividade garimpeira é grande causadora de danos

ambientais, dado que suas técnicas envolvem o desmatamento das matas ciliares, uso de

máquinas movidas a combustão e produtos químicos, que levam ao assoreamento,

contaminação das águas por mercúrio, no caso do ouro, e de óleo dos motores, no caso do

diamante, acarretando afastamento e extinção de espécies da fauna e da flora. A degradação

do meio ambiente causada pelo garimpeiro rústico é um dos motivos pelos quais essa

categoria e cultura é tão marginalizada pela sociedade nos dias de hoje.

Associa-se ao dado ambiental, um conjunto de práticas e atores sociais que são

característicos de áreas de exploração intensa, como as sociabilidades que se estabelecem

nos bares e prostíbulos. Contudo, essas relações se mantêm como marcos latentes nas

memórias do Tepequém, nos relatos sobre as várias Marias – Maria Bicicleta, Maria Piçarra,

entre outras – e como elas foram importantes para a vida e economia do garimpo. Conta o Sr.

Papooortzi, comerciante de Boa Vista que, nos idos de 1957, vendeu vinte mil sutiãs para uma

população de dezesseis mil habitantes, sob o pretexto de que seria mais fácil chegar às

moças do garimpo pedindo-as para que as vissem vestindo a peça para experimentar. Os

ganhos de muitas dessas mulheres, para além de sutiãs, também é contada pelo mesmo

informante que, nos idos da década de 1980, já na fase do garimpo de ouro, uma mulher,

interessada igualmente em um sutiã, dizendo não ter dinheiro em mãos, tirou do pescoço um

grosso cordão de ouro para pagar pela peça. Outros relatos afirmam que essas mulheres

foram as que mantiveram o bamburro a longo prazo.

De terra do Eldorado mítico, de Manoa e Parima, Roraima viveu na década de 1980, uma

história ímpar, onde os bancos não conseguiam abastecer de cédulas, de tanto pagarem por

diamantes e ouro, e quando o aeroporto de Boa Vista recebeu o título de terminal aéreo mais

movimentado do país (Barazal, 2009).

No entanto, o que muitos esquecem é que o garimpo foi grande impulsionador do

desenvolvimento do Estado de Roraima e que até mesmo o governo da época o incentivava e

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que o fato de sua ocorrência também foi formador das características socioculturais de hoje, o

que pode ser constatado no depoimento de Seu Bezerra:

Estou aqui porque não tenho pra onde ir, estou vivendo à custa do aposento,

né, pois é, mas se eu tivesse cabeça naquele tempo, se eu tivesse guardado

o pouco que eu ganhava, eu estava como os outros companheiro que

trabalharam junto comigo. Todos companheiro que trabalharam comigo, que

tinham juízo, tudo está bem: uns têm fazenda, têm comércio, outros têm casa

boa em Boa Vista, pois é. Tudo que fazia era pra gastar no puteiro, no puteiro,

né. Bom, mas o negócio que a gente pensava era isso, que nunca ia acabar o

Tepequém, né. (Seu Bezerra em Batista Neto, 2013)

Seu Bezerra aponta que os garimpeiros que “tiveram cabeça” empregaram seus ganhos em

atividades e bens na capital Boa Vista e em fazendas no território; e não só Seu Bezerra, mas

praticamente qualquer habitante de Boa Vista que viveu aquela época afirma que o garimpo

de diamantes do Tepequém era grande financiador dos mercados e empreendimentos locais

e falam de uma admirável riqueza jamais vista depois de seu desaparecimento. Além do fator

econômico, o impulso político da nascente capital, foram favorecidos espacialmente pelo

contexto, surgindo bairros na zona oeste do traçado planejado de Boa Vista, feito pelo

engenheiro Darci Aleixo Denerrusson na década de 1940, para abrigar as famílias oriundas do

garimpo e novas levas de migrantes, atraídos pela próspera história do Estado de Roraima.

Não por acaso o ex-território transformou-se no maior produtor de diamantes da Amazônia,

tendo a atividade econômica superado as demais na década de 1940 (Guerra, 1957). A fama

do Tepequém era grande e a do diamante ainda maior, como observamos nos depoimentos

de Tito Pascoal de Oliveira conhecido como Aracatí e José Alves de Araújo, conhecido como

Passarão dos cachorros. “A notícia do Tepequém era tão grande! Foi um cunhado meu que

conseguiu essa notícia e queria que eu viesse pra cá.” (Tito Pascoal de Oliveira, dito Aracatí

em Batista Neto,2013)

E o camarada que me deu a mão pra eu plantar juta ele falava em diamante.

“Rapaz, o diamante é um valor danado. Um diamantinho do tamanho dum

caroço de arroz é um valor danado”. E eu já tinha visto lá no Ceará aquele

pessoal mais antigo falar em diamante. Até falaram pra mim: “Menino, tu vai

ser um menino de sorte pra diamante”. Então eu plantei juta três anos, né. Aí

o cabra falando, eu vou ver esse diamante. “Onde tem esse diamante?” “É lá

no Porto Velho e no Rio Branco”. Aqui nesse tempo chamavam [Território

Federal do] Rio Branco, não tinham esses outros apelidos, não. (José Alves

de Araújo, dito Passarão em Batista Neto,2013)

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Figura 3: No sentido horário: a garimpagem da década de 50. A corruptela da vila do cabo sobral em 1970. Um conglomerado de diamantes e Dona Neuza e seu esposo exibindo fruto de seu trabalho, a

peneira com diamantes. Fonte: Projeto "Do diamante ao carvão" e IBGE, 1960.

Na figura 2 a Imagem de Dona Neuza e seu esposo a frente de casa mostrando o resultado de

seu trabalho nos dá a perfeita dimensão da riqueza que os antigos garimpeiros e habitantes

dessa região tanto falam e recordam com saudade dos dias de glória do diamante. O

diamante era o astro, ouro era o menos relevante. Pudemos perceber no relato sobre a

compra do sutiã, mas, de forma mais sensível, no que conta Seu Aracatí, como matéria

vergonhosa para se vender.

[...] Eu não quis a janta de jeito nenhum. Aí quando terminou, limparam a

mesa, aí ficou sozinho na mesa aí eu me sentei. “Olha, Zé, eu tô com

vergonha, porque o negócio que eu vim fazer, eu só não tô com mais

vergonha, porque não é roubo, mas eu nunca vendi isso, mas trouxe pra ver

se tu compra”. Pegou olhou. “Não precisa nem queimar, é ouro do

Tepequém, é ouro de pepita, né? É ouro maciço. “É sim”. “Isso não precisa

queimar, não, isso aqui já tá beleza”. Botou na balança, aí olhou pra mim:

“Aracati, só não vai dar o que você quer, porque ouro deu uma quedinha, não

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vai dar o que tu pensa, o que tu quer”. Aí eu disse; “puta merda”, eu

pensando, “mas ele vai inteirar meus duzentos...” Eu sentado naquelas

cadeironas, escorado na mesa, por isso que eu não caí. “E quanto é?”

“Rapaz, só dá mil e quinhentos”. Tu já pensou, parece que eu não senti terra

nos pés naquela hora, porque tava pensando que não desse os duzentos pra

comprar o remédio do meu filho. Aí ele disse: “Só dá mil e quinhentos!? Tá

bom, me dá”.

“É na curva que se encontra a pedra boa” (ou, “ouvindo o que os

velhos dizem”10)

Os primeiros migrantes chegados do Nordeste, Mato Grosso, Goiás e do Pará, além daqueles

vindos das experiências de exploração garimpeira da Venezuela, especialmente, trouxeram

consigo culturas individuais próprias que se misturaram e aqueceram o modo próprio de ser

garimpeiro. Essa mescla de contribuições, associada ao modo de vida do garimpo e na

locação do Tepequém, compõe um cenário único. A experiência do garimpo possui um

magnetismo pragmático, sedutor, atrai do mais experiente garimpeiro ao jovem sem

experiência alguma de qualquer coisa, até mesmo de vida:

O garimpeiro é aquele homem que pra ser garimpeiro não precisa de estudo,

quanto mais rústico melhor pra enfrentar o serviço rústico e ele tá na intenção

de a todo momento pegar uma pedra. O caso do garimpeiro é pegar uma

pedra, é um sonhador. Ele passa cinco, seis, oito, dez, vinte anos, mas

sempre é pensando pegar uma pedra. Quando ele não pode mais pegar

pedra, porque o filho tá no garimpo, ele já transfere a esperança pro filho.(Seu

Zé Maria em Batista Neto, 2013).

Durante o processo da pesquisa em curso, um equívoco de encaminhamento foi dado:

sempre se questionou àqueles no Tepequém se eram do garimpo. Era constante a resposta

afirmativa, tendo sempre um elemento capaz de comprovar sua história: um anel, uma foto,

um olhar que construía no vazio existências da memória, vivas e dinâmicas. O garimpo

artesanal ocorreu no Tepequém durante as primeiras décadas, atraindo uma população de

cerca de cinco mil habitantes, havia pista de pouso (ainda existente) e cinema, entre outros

elementos de modernidade que sequer eram pensados na capital roraimense. Com o

processo mecanizado, a extração se tornou mais intensa e predatória ao meio ambiente,

10

Seugundo Vaptistis A. Papoortzis esse era dito dos garimpeiros mais experientes, e os mesmos diziam que ouvir o que dizem os mais velhos era melhor maneira de aprender os bons hábitos do garimpeiro de sorte.

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reconfigurando a paisagem física. Essa esperança do bamburro, de encontrar um diamante,

mesmo que uma faísca de brilho, existe em todos que passam a pertencer e se apropriar

daquela paisagem cultural. Emblemática a resposta de um rapaz, abordado visitando as

ruínas da antiga delegacia da corruptela do Cabo Sobral ao ser questionado se ele era

garimpeiro: sou, desde 2011, quando venho aqui.

Em 1985, por Decreto de Lei Federal, foi proibido o garimpo de qualquer espécie

em Roraima, em virtude dos danos irreparáveis que a mineração causa na

natureza; entretanto, a lei não estava sendo cumprida pelas grandes empresas

mineradoras. Por essa razão e pelas dificuldades enfrentadas pela população

local de cultura puramente garimpeira, o Congresso Nacional aprovou, no ano de

2001, uma lei complementar que autorizou aos residentes o garimpo manual, que

causa danos mínimos ao meio ambiente (Ghedin, 2011, p. 6).

Figura 4: A figura ao fundo (GOOGLE EARTH, SIGMINE/ DNPM, 2014) mostra o mapa atual do estado de Roraima com a delimitação das áreas solicitadas por empreendedores ao DNPM (Departamento

Nacional De Produção Mineral) para fins de pesquisa e lavra mineral, e as figuras sobrepostas (Fotos: Edna Tallitta Diniz) mostram a paisagem encontrada hoje, modificada pelo garimpo na serra do

Tepequém nas décadas de 30 a 90.

O garimpo atrai o pedreiro, o construtor, o vaqueiro, as mulheres e o plantador, atrai

mostrando que há dureza no seu fazer, mas que, no entanto, com um pouco de sorte e

perspicácia, em tudo há a esperança de mudar. Esse espírito sedutor mantém testemunhas

do tempo de bamburros, com novas esperanças, quer do homem que cana o poço na sala de

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casa, quer de grupos que visam à preservação dessa paisagem, desse complexo de

referências que identificam e não sabem denominar bem.

Alguns grupos vêm fortalecendo práticas econômicas voltadas para o turismo ou para a

produção. Quer no aproveitamento dos lagos para a produção de peixes, quer partindo do

potencial lítico para a produção de artesanato, ou mesmo com a promoção de eventos

musicais ou investimentos em hotéis e pousadas, as dinâmicas econômicas apontam para

uma virada no curso a que se aponta a longo prazo o Tepequém.

Roraima possui grande potencial mineralógico e existe a perspectiva do retorno da

exploração, em grande escala e, nos dias de hoje, vem sendo executadas pesquisas minerais

e de viabilidade econômica, afim de que, em resultado positivo, se instale novamente a

garimpagem de diamantes e ouro em áreas já solicitadas por empreendedores aos órgãos

competentes, o que deixa em xeque a paisagem física e cultural do Tepequém. Esse risco

latente e concreto expõe a possibilidade de ser apenas uma questão de tempo sua nova

descaracterização.

As tensões que se estabelecem, tanto em termos de perspectiva quanto de escala de

interesses, são desiguais. Jamais será possível garantir que um processo de

desenvolvimento de práticas econômicas de gestão local baseadas na potencialidade da

preservação da memória e do contexto sociocultural. Contudo, há a necessidade de

reconhecimento desse território simbólico e das pedras que rolam nesse curso.

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Referências

BATISTA NETO, PAULINO. O que sei, eu conto; o que não sei, invento. Um estudo das

narrativas orais dos garimpeiros da Serra do Tepequém/RR.2013.

Capital de Roraima, Boa Vista é a Amazônia que o Brasil ainda desconhece. Disponível

em <http://viagem.uol.com.br/guia/brasil/boa-vista>. Acesso em agosto de 2014.

ESPIRIDIÃO, Francisco. Histórias de garimpo: extração mineral em terras roraimenses.

Fortaleza: Tipogresso, 2011. 163p.

GHEDIN, Leila Marcia. et al. Sinalização Turística: Uma proposta de uso turístico para a

Serra do Tepequém. Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, II

Semestre, Costa Rica, 2011 p. 1-17.

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História:

Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História

da PUC/SP - n° 10. São Paulo: EDUC, 1993, p.7-28 (tradução Yara Aun Khoury).

RODRIGUES, Emerson da silva; VIEIRA, Jaci Guilherme. Tepequém, do garimpo ao

turismo. Tepoking (Rei dos Tepuis). Revista: Textos & Debates. V.1, n.16(2009). Ed.: UFRR

VERAS, Antônio Tolrino de Resende. Turismo e desenvolvimento sustentável na Serra do

Tepequém. Boa Vista: Universidade Federal de Roraima / Instituto de Geociências, 2011