Memória e História Oral: a devoção a Maria das Quengas · ... entre o ontem e o ... E era duas...
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Memória e História Oral: a devoção a Maria das Quengas1
Ruan Carlos Mendes2 (MIHL- FECLESC/UECE )
RESUMO
Segundo aparece na tradição oral, Maria Agostinho dos Santos, também conhecida como
Maria das Quengas, foi assassinada brutalmente, durante uma tentativa de estupro, na zona
rural do município de Russas-CE, em 1893. Ao morrer defendendo sua honra virginal, Maria
transformou-se numa espécie de Mártir. Esse e outros elementos, especialmente as graças
alcançadas pelos devotos, que acreditam na intercessão de Maria das Quengas, colaboraram
para o surgimento e permanência de um culto à sua memória. Esse artigo discute a devoção
que se construiu e continua sendo alimentada ao longo do tempo e de várias gerações sobre a
figura daquela que é considerada uma “santa”, através de depoimentos de devotos de Maria
das Quengas. Entendemos nesse trabalho a devoção a Maria das Quengas como um
patrimônio cultural da localidade de Pitombeira, sendo assim, um elemento na construção da
identidade dos que ali vivem. Constatamos até agora na pesquisa que a morte trágica, a cruz
erguida homenagem em homenagem a Maria das Quengas e os “milagres” ocorridos, são os
principais alimentos do culto a memória da mendicante de Russas.
Palavras-chave: Memória. Devoção. Santos populares.
Introdução
Em vez de um depósito de dados, de fato, a memória é
um continuo trabalho de pesquisa de senso, que filtra os
traços da experiência confiando ao esquecimento aquilo
1 Artigo apresentado como requisito de aprovação na disciplina de Tópicos Especiais I, ministrada pela
professora Dra. Berenice Abreu no Mestrado Interdisciplinar em História e Letras (MIHL) da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC), campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
2 Graduado em História pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE) e atualmente
mestrando no Mestrado Interdisciplinar em Historia e Letras (MIHL). Bolsista CAPES.
que não tem mais significado atual- ou aquilo que há
demasiado.3
Ao longo do século XX, por diversas gerações e através, principalmente, da tradição
oral, foi sendo construída e alimentada uma santidade popular em torno da memória de Maria
das Quengas. Cada geração incorporou ao seu culto os anseios e angústias de seu tempo e
espaço, buscando nessa relação com a martirizada Maria das Quengas um contato mais direto
com o sagrado, esperando receber através dela o socorro para os problemas encontrados na
busca pela sobrevivência no sertão nordestino.
A alcunha atribuída à Maria Agostinho dos Santos, segundo informa ainda a tradição
oral, está relacionada ao fato de que ela costumava carregar, amarradas à cintura, quengas de
coco, artefatos utilizados para esmolar, tomar café e fazer suas refeições. Esses utensílios,
aliados ao fato de viver esmolando, indicam a condição de extrema pobreza de Maria das
Quengas.
Nesse artigo, discutiremos alguns aspectos dessa memória devocional, a partir dos
relatos dos fiéis: Rosa Pascal da Silva (69 anos); Valdir Araújo de Lima (58 anos) e Francisca
Feliciana do Carmo (60 anos), ambos devotos de Maria das Quengas. Buscaremos perceber
como essa memória devocional atribuída a santa popular está presente e reorganiza a vida
social desses sujeitos.
Maria das Quengas: memória e tradição oral
Segundo o imaginário popular, Maria das Quengas era uma moça velha, que foi
violentamente assassinada por um homem rico. O crime aconteceu em 1893, na cidade de
Russas, segundo os devotos, na localidade que hoje é conhecida como Pitombeira II, onde se
encontra uma cruz na beira da estrada para lembrar essa morte trágica. Já se passaram mais de
cento e vinte anos desde a morte de Maria Agostinho, e durante esse tempo a memória em
torno dessa personagem foi sendo reelaborada ao longo das gerações.
Um culto religioso se formou a partir dessas representações do crime, culto este
que transformou Maria das Quengas em uma santa do povo, na qual várias pessoas buscam o
conforto para suas vivências sofridas. O culto a um santo popular é formado por um processo
3 Alessandro Portelli (2014, p.15)
histórico, que revela aspectos de uma sociedade em um determinado tempo e lugar, podendo
ser tomado como objeto de estudo.
Para analisarmos o processo da construção da santidade de Maria das Quengas
utilizaremos como fontes as narrativas dos devotos dessa santa popular. Pois compreendemos
a tradição oral como um documento, mas temos clareza que a memória, assim como qualquer
outro documento, não possibilita a reconstrução do passado em sua totalidade. Gisafran
Nazareno Mota Jucá nos fala que:
A memória não propicia uma ressureição do passado, mas a sua reconstrução. Nesse
elo indelével, entre o ontem e o hoje, na busca da compreensão do amanhã,
denominada memória coletiva amplia o campo das reminiscências, afinal, se várias
são as informações coletadas, diversas são as versões apresentadas, pois cada ser
humano não é apenas um espelho da realidade referenciada, mas uma possibilidade
de uma configuração especial do que é lembrado, através da narrativa. É como se
fosse uma pintura de uma ou mais paisagens, pacientemente elaboradas, com a
marca indelével da individualidade de observar e expressar o que é apresentado. Se a
fotografia constitui uma fonte valiosa, porque apresenta o observado com a
peculiaridade de quem a obtém, mais revelador é o potencial expresso através da
memória dos narradores consultados (JUCÁ, 2014, p. 36).
Estes devotos são sujeitos sociais diversos, com posições sociais variadas, idades
diferentes e morando de forma espalhada pela cidade de Russas-CE. No entanto, o que une
esses devotos é a fé nos milagres de Maria das Quengas. Entendemos como devotos de Maria
das Quengas as pessoas que, em algum momento da vida, já estabeleceram ou estabelecem
algum contato com a santa popular. Aqui tomamos emprestado o conceito de devoto do
Antropólogo Clifford Geertz, para quem “ser devoto não é estar praticando algum ato de
devoção, mas ser capaz de praticá-lo” (1989, p.110). Não necessariamente o devoto de Maria
das Quengas precisa ser aquele sujeito que visita diariamente a cruz que representa o martírio,
mas sim ser capaz de estabelecer trocas simbólicas com a santa.
Já tínhamos conhecimento da existência da cruz à beira do caminho que liga
algumas comunidades do interior de Russas ao centro, pois sempre passávamos na frente,
porém não sabíamos do seu significado e do seu simbolismo. Sobre o costume de colocar
cruzes na beira do caminha Cícero Joaquim dos Santos nos explica que:
De acordo com Luis Câmara Cascudo (2002), outrora, as cruzes de madeira que
marcavam sepulturas cristãs e que também identificavam os locais onde alguém
faleceu violentamente, por assassinato ou acidente, eram marcadas pela piedade dos
vivos, que rezavam pela alma de alguém que morreu sem cumprir com as obrigações
consideradas necessárias para a passagem do espírito para o Paraíso. Nesses casos,
quando os indivíduos eram tomados de surpresa, de forma repentina e violenta, a
morte era caracterizada pelo temor que provocava. Isso decorria da falta de
preparação simbólica e espiritual para aquele momento (SANTOS, 2014, p. 65).
Só tomamos maior conhecimento da história de Maria das Quengas, de sua
santidade e do que a cruz significa para seus devotos, ao lermos a crônica escrita por Airton
Maranhão4, na qual é relatado por esse memorialista russano o crime de Maria das Quengas.
A crônica é intitulada: Crime e Milagres de Maria das Quengas e foi divulgada em meio
virtual pela TV Russas5.
Após lermos a crônica fomos até a cruz para tentar um contato com alguns dos
devotos de Maria das Quengas, quando chegamos ao local, a primeira pessoa que
encontramos foi uma senhora que estava na porta de uma casa que fica próxima a cruz.
Perguntamos se ela conhecia a história de Marias das Quengas e se sabia de alguém que era
devoto, para nossa surpresa ela falou que era a zeladora da cruz e que ela mesma era devota
de Maria Agostinho dos Santos. Marcamos de ter uma conversa com essa senhora, chamada
Francisca Rosa de Lima, 64 anos, conhecida na comunidade como Tica.
Desse modo, a primeira entrevista realizada foi com a zeladora e vizinha da cruz,
dona Tica. Sendo muito acolhedora, a mesma falou de outros devotos que poderiam conversar
conosco e também contarem seus relatos sobre a “santa” da localidade. A partir daí um devoto
indica o outro e as narrativas de graças e milagres se sucedem.
Todos os devotos que foram entrevistados até o momento mostraram interesse em
relatar suas vivências com o sagrado, mostrando em suas narrativas que não se tem como
separar o sagrado do profano, deixando claro que não existe uma barreira entre a religiosidade
popular e religiosidade católica oficial, pois uma se insere na outra.
Procuraremos perceber nas narrativas os elementos colocados pelos devotos, os
silêncios, as ênfases, a riqueza das múltiplas versões apresentadas para como aconteceu o
crime e os múltiplos milagres que são narrados.
No trabalho com a memória não podemos fechar uma temporalidade
milimetricamente recortada, já que temos convicção de que a memória não pode ser
enquadrada dentro de limites temporais fixos. Santos afirma que:
4 Originário de Russas – CE. Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, foi advogado
militante da Comarca de Fortaleza, e romancista. Livros publicados: Deusurubu, Admirável Povo de São
Bernardo das Éguas Ruças. Romances: A Dança da Caipora, Os Mortos Não Querem Volta e O Hóspede das
Eras. Membro da ARCA – Academia Russana de Cultura e Arte. 5 Crime e milagres de Maria das Quengas. Disponível em: http://tvrussas.com.br/artigo/205/crime-e-milagres-de-maria-
das-quengas/ Acessado em 28/07/2014 15h12mim.
Em um trabalho sobre a tradição oral, é relevante compreender as diversas
(re)construções da memória sem o estabelecimento de uma restrição temporal, uma
vez que há um dinâmico processo de (re)elaboração e (re)significação simbólica da
morte e também uma permanente interação entre o vivido, o aprendido e o
transmitido (SANTOS, 2014, p. 2).
Desse modo, o marco temporal fixo que temos é o ano da morte de Maria das
Quengas (1893). E a partir desse crime temos as reelaboções e regnificações feitas nas
memórias dos entrevistados para esse crime. A memória é dinâmica e cada sujeito tem seu
ritmo próprio. Além é claro do fato de que o culto prestado a Maria das Quengas e sua cruz é
uma manifestação viva, ativa, que se reinventa e se elabora todos os dias através da tradição
oral e nesse momento é possível que alguém esteja pedindo a intercessão de Maria das
Quengas para alguma dificuldade cotidiana.
Como exemplo desses pedidos de intercessão dona Rosa Pascal da Silva, devota
de Maria das Quengas nos relata sobre as promessas que já fez para a santa. É possível
perceber presente na narrativa de dona Rosa o sofrimento no momento de pagar a promessa,
como necessário nessa relação entre o homem e o divino.
Eu alcancei, assim, num foi pra mim, mas foi eu quem fiz, né? Pra uma irmã e um
irmão meu, aí eu fiz pra eles, pra gente ir a pé. Essa promessa que eu fiz, foi pro meu
irmão passar no... no coisa ali do... aquela... oficial de justiça! Que só tinha duas
vagas, só tinha uma vaga, primeiro lugar, num era? E era duas pessoas que ia fazer,
e uma pessoa era até que morava com o juiz, certo? Que trabalhava com o juiz, ele
foi e disse que ia fazer essa concurso mas num passava não, eu digo: passa! Tenha fé
em Deus e na Maria das Quengas que você passa, aí eu fiz a promessa pra Maria das
Quengas, se ele passasse... que ele tirou primeiro lugar. Pra gente rezar um terço lá
na cova dela, acender uma vela e levar uma oferta pra ela, pra gente ir a pé.
Promessa pra mim tem que ser com sacrifico, certo? Pra ir de moto ou de carro, num
é promessa, né? é mordomia, a gente foi a pé pagar a promessa.6
A devota deixa claro que na sua concepção o pagamento da promessa tem que
envolver sacrifício. Desse modo, dona Rosa foi a pé pagar sua promessa, já que indo de carro
seria “uma mordomia”. O sacrifício no momento de pagar a promessa eleva a alma.
Pode-se perceber que os devotos colocam o sofrimento em suas promessas, mas
com a consciência que esse sofrimento não pode ser comparado com o de Maria das Quengas.
Esses sujeitos estão sempre buscando através da intercessão dos Santos, amenizar esse
sofrimento terreno.
Os devotos (...) não aceitam a realidade inóspita e recorrem a quem tem o poder
transformá-la ou de lhes dar forças para fazê-lo. E crendo que os santos ‘podem’,
constroem argumentos para convencê-los. Sim, porque o pedido não se resume a um
6 Rosa Pascal da Silva, 69 anos, entrevista realizada no dia 03/08/2013.
pedido somente. É um dialogo. Um devoto tem seus meios, deve ter seus
merecimentos. Pleitear um milagre torna-se quase uma prestação de contas de suas
vidas (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 80).
Assim, não podemos compreender esses devotos como sujeitos que são
conformados com a realidade de suas vidas, pois os mesmos buscam através da devoção
mudar essa vida cotidiana. Sendo assim, são nas narrativas dos milagres alcançados que os
devotos divulgam suas vitórias. Sobre esse aspecto Certeau nos fala que:
Uma formalidade das práticas cotidianas vem à tona nessas histórias, que invertem
frequentemente as relações de forças e, como as histórias de milagres, garantem ao
oprimido a vitória num espaço maravilhoso, utópico. Este espaço protege as armas
do fraco contra a realidade da ordem estabelecida (CERTEAU, 1994, p. 85).
Alinhando nosso pensamento ao do Certeau, podemos entender a devoção popular
como uma forma de resistência e a narrativa do milagre como uma divulgação da vitória do
oprimido. Com relação a forma de pagar a promessa, dona Rosa fala que: “Aí levamo uma
oferta em dinheiro e acender uma vela e rezar um terço, nós tudo de joelho. Aí rezamo o
terço, graças a Deus alcançou e pra minha irmã também fiz pra ela, pra do mesmo jeito, pra
ela passar num concurso e aí ela passou”.7
A forma de pagamento da promessa de dona Rosa se assemelha ao de outros
devotos: caminhar a pé até a cruz de Maria das Quengas, mas não podemos pensar que exista
uma normatização do culto. O historiador Regis Lopes nos alerta que “não há uma regra para
definir as devoções de modo completo ou definitivo, pois a vida de cada fiel sempre guarda
alguma peculiaridade e um determinado ritmo de mudanças e permanências” (RAMOS, 1998,
p. 30).
Nas narrativas de milagres apresentadas, podemos perceber que a ida a cruz de
Maria das Quengas faz parte do pagamento da promessa. A historiadora Lucília Maria
Oliveira Silva, ao analisar o culto a São Francisco das Chagas em Canindé-CE, nos fala que
“a ida ao santuário é parte fundante da devoção dos romeiros e pode prejudicar a posição do
devoto em relação ao santo” (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 80). No caso especifico de Maria
das Quengas a cruz é colocada como santuário e os devotos se sentem nessa “obrigação” de
irem pagar suas promessas na cruz, que em certa medida, é um marco espacial para os
devotos e materializa essa devoção popular.
A cruz é o que representa materialmente a devoção a Maria das Quengas. A cruz
materializa sua memória e as velas simbolizam seu poder milagroso. No entanto, o sagrado
7 Rosa Pascal da Silva, 69 anos, entrevista realizada no dia 03/08/2013.
está na relação entre fiel e santa popular, a cruz isolada não é por si só sagrada, mas passa a
ser dentro dessa relação estabelecida pelo devoto com Maria das Quengas. A cruz de Maria
das Quengas e a memória coletiva em torno da devoção popular são colocadas como um ele
de identidade para esses sujeitos que moram no entorno desses símbolos religiosos.
“Valdir e Nilda”: uma união e uma devoção
A memória e a oralidade em torno de Maria das Quengas não são algo estático,
mas sim dinâmico. Pois estão em constante construção, as promessas são feitas
cotidianamente pelos devotos que em momentos de aflições, recorrem a Maria das Quengas.
O senhor Valdir Araújo de Lima, 58 anos, e sua esposa, dona Francisca Feliciano do Carmo,
60 anos, conhecida por todos na comunidade de Pitombeira II em Russas-CE por Nilda,
moram em frente à cruz de Maria das Quengas e estão constantemente renovando o pacto de
fé e devoção com a santa popular, fazendo promessas sempre que necessário. O casal de
devotos está sempre fazendo novas promessas e sempre atribuindo novos elementos ao culto.
As entrevistas com o casal de devotos foram realizadas no alpendre de sua casa que fica
mesmo de frente para a cruz de Maria das Quengas. No dia que entrevistamos seu Valdir, o
mesmo nos narrou uma promessa que dona Nilda, sua esposa, tinha feito na semana anterior a
entrevista.
Sábado de noite, viu? Esse meu menino, pegou uma moto que num é dele, tá até de
confusão essa moto ainda, uma ex-mulher que ele era junto (...) ele pega desaba pra
banda de Jaguaruana, teve lá com essa criatura, viu? Quando veio de lá pra cá, já
tarde da noite, negócio de 12:00 hora, de 11:00 pra 12:00 hora, se é de ele vim pra
cá, ele seguiu no caminho errado, diga ai meu amigo que ele se perdeu no meio do
mato, entrou num canto, numa vereda errada, num canto errado que aí caiu dentro
dum cercado que eu acredito que fosse tipo assim meu Deus, um plantio de arroz,
que era tudo mole, tudo lama, que ai a moto atolou, que ele num tinha mais condição
de sair, e escuro de meter dedo no olho sem saber que mundo anda, aí virou a bola.
Ói, tudo mandado por Deus, que daqui pra banda de Itaiçaba, aquela região ele ligou
pra cá e num deu área rapaz! A meia noite, ai a minha mulher atendeu o telefone:
Mamãe pelo amor de Deus, mamãe, eu tô aqui perdido, eu tô aqui com a moto
atolada aqui, eu tô em ais de morrer sem saber pra onde ir. Ai a Nilda: Você calme,
calme que Deus vai enviar uma pessoa (...) que vai encontrar... Ai nessa conversa a
minha mulher vai se pega com a alma dela (Maria das Quengas), imediatamente
pediu, pediu a ela, pra ela, a alma da finada Maria Agostinho amostrar um vivente,
um filho de Deus pra socorrer ele, por que andando perdido nos escuros, 12:00 hora
da noite, um cara sem saber nem em que mundo anda. Ai a Nilda fez esse pedido,
né? que quando ele parou o telefone, que a Nilda fez esse pedido, ela demorou um
pedacinho e quando deu fé ele ligou de novo, o telefone: Mamãe, eu já encontrei
aqui um trator, óia! já encontrei aqui um trator. Ai ela disse: Meu filho calme, calme
e se confie em Deus, que Deus vai enviar, ela já tinha feito o pedido, que Deus vai
enviar uma pessoa que você vai encontrar, vá andando devagarinho e deixe essa
moto ai, esquece essa moto, vai nessa vereda que você encontrou. Diga ai meu irmão
que num tinha uma pessoa, um senhor de idade debaixo de um alpendre dormindo,
óia mah!, tamanha 12:00 hora da noite pro 1:00 hora, na casa, quem foi que mandou
esse homem, rapaz, dormir de noite, que o homem deixou de dormir dentro de casa
pra dormir debaixo do alpendre, ai ele foi: mamãe, eu encontrei aqui uma casa e tem
um senhor aqui debaixo do alpendre e quando ele falou o homem se acordou, né?
Ai disse, ai ela falou: entregue o telefone pra ele ai. Aí ele foi e entregou o telefone
pro homem, pro senhor, sabe? “Senhor, é que esse rapaz ai é meu filho, ele saiu de
Jaguaruana e ele entrou numa vereda errada, tá perdido, ele num é mau pessoa não,
lhe garanto. Dê uma dormida a ele ai até de manhazinha que ele perdeu a moto”. Ele
disse: Não, num se preocupe não que ele fica aqui. Tu tá vendo má? Ela se pegou
com alma da finada Maria Agostinho dos Santos, na mesma hora que ela se pegou,
com pouco tempo ele já ligava dizendo que tinha encontrado esse homem. 12 horas
da noite.8
Essa narrativa mostra como a fé em Maria das Quengas é viva e se renova a cada
promessa, não sendo algo que fez parte da vida dessas pessoas, mas que faz parte. Essa
promessa estava com poucos dias de realizada, assim, podemos inferir que a prática de fazer
promessas a Maria das Quengas não é algo do passado, mas sim do presente dessas pessoas.
A fé e a memória de Maria das Quengas são despertadas com as aflições cotidianas e essas
também não tem hora nem lugar.
Nessa promessa em questão, seu Valdir aponta dois elementos como sendo
providência de Deus pela intercessão de Maria das Quengas: A ligação que deu certo e o
homem dormindo na área da casa. Sendo que essa intercessão já foi fruto do pedido de uma
devota de Maria das Quengas, pois na relação de devoção o fiel não pode ficar desamparado,
o devoto deve sempre contar com a proteção do santo.
A partir das falas dos entrevistados, vemos que esses devotos não fazem seus
pedidos seguindo regras fechadas ou pré-estabelecidas. Envolvidos no momento de aflição e
extrema fé, o fiéis ressignificam suas práticas religiosas, fazendo seus pedidos e promessas. A
fé do povo não é ortodoxa nem formal. A autora Lucília Silva nos fala que:
Os devotos não seguem regras congeladas de uma religiosidade característica,
pretensamente pura, com determinadas formas e determinados motivos para pedir.
Seguem suas próprias necessidades de acordo com suas vivências e formas de
vivenciar este sagrado. A fé dos romeiros resolve os problemas da vida. E sua
relação com os santos independe dos ensinamentos da Igreja oficial, assim como de
preestabelecidas de culto (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 104).
A relação dos devotos com sagrado vai além das práticas estabelecidas e do
institucionalizado. Essas pessoas constroem um diálogo com seus “santos”. E no que se
8 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
referente a Maria das Quengas essa proximidade é muito forte, pois para os devotos é uma
“santa” que ali viveu, morreu e continua viva na memória de cada um. Renovando-se a fé a
cada nova promessa paga e graça alcançada. Lucília Silva nos fala ainda que esse “diálogo
com o sagrado é flexível. Não poderia ser diferente, pois os devotos, como entendem, são
humanos e passíveis de erros e imperfeições” (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 102). Sendo
humanos, os devotos estão sempre se renovando e também renovam o culto de devoção a
Maria das Quengas.
Dona Nilda, esposa do seu Valdir, por morar em frente da cruz de Maria das
Quengas conhece muitas promessas alcançadas por outras pessoas. Sendo assim uma
anunciadora das graças e milagres atribuídos a santa popular que é sua vizinha. Relatando-nos
uma:
Teve um ano ai que veio uma mulher lá da Timbaúba que tava com problema de
câncer no peito, viu? E ela não sabia, foi através da nora dela que falou da alma da
finada Maria das Quengas, né? E disse pra ela. Ela já tinha feito o exame e tinha
constatado né? Ai finados ela veio aqui, ela teve..., bebeu agua lá em casa, eu
morava na outra casa. E vendo, ai me contou a história, ai foram, pagaram a
promessa. Ela já tinha feito, tinha constatado e ela tinha feito o pedido, vinha pagar
nesse dia, tá entendendo? Ela vinha pagar, dizendo que vinha da Timbaúba, num
sabia nem onde era, vinha perguntando até chegar aqui, ai me contou a história,
tomou agua lá em casa e veio contar a história. Dizendo: que tinha constatado e que
tinha se pegado com a alma dela, e foi voltou pra outros exames e não tinha dado
mais nada. Ela foi curada e vieram pagar a promessa.9
Mesmo não conhecendo a localização da cruz de Maria das Quengas, a mulher
doente de câncer, teve fé na alma milagrosa e buscou sua cura nos poderes dessa “santa” do
povo. A narradora enfatiza que a mulher doente de câncer já tinha exames que constatavam a
doença. A existência de exames médicos que comprovam a existência da enfermidade e
depois sua cura, legitimam os poderes de Maria das Quengas, pois, segundo a narradora,
Maria das Quengas intercedeu a cura de uma doença de difícil tratamento, o câncer. E para
dar mais credibilidade ainda a esse milagre, essa cura, a narradora afirma que a mulher que
alcançou a graça fez novos exames e não estava mais com o câncer. Podemos ver nessa
narrativa uma construção que busca legitimar a santidade de Maria das Quengas, e nesse caso
com uma comprovação da ciência, que é irrefutável.
Dona Nilda também nos relatou a graça que uma mulher que mora em São Paulo
alcançou, ampliando o espaço geográfico dos milagres e graças de Maria das Quengas.
9 Francisca Feliciano do Carmo, 60 anos, entrevista realizada no dia 11/07/2013.
Me contaram, eu sabia dessa história, eu acho que essa mulher ela morava aqui em
Russas, ou num sei se era aqui na Pitombeira, tá com muito tempo, e ela foi embora
pra São Paulo, e lá ela ficou grávida e a gravidez dela era de risco, tá entendendo?
Então, ou morria ela, ou morria a filha, era muito arriscado. Num sabia o problema
que tava correndo. Então ela se pegou, ela conhecia aqui a história, ou já morava
aqui e ela se pegou com a alma dela, e alcançou. Ela veio com a filha dela. Ai ela
teve, foi pro hospital no dia de ela ter a menina, era uma menina. Ela foi pro hospital
e teve a menina sozinha num quarto, que quando chamou o médico, o médico ficou
oh... abismado e disse: se existe milagre foi um milagre, por que uma das duas ia
morrer, tá entendo? E ela teve a menina sozinha e não teve nada. Parece que ela
veio, num sei se foi com sete anos, ela trouxe a menina, a menina tem o mesmo
nome dela aí. Ela trouxe a graça, ela trouxe a filha dela com o nome dela, assim
ouvir, ouvir contar essa história logo que eu cheguei aqui, agora que eu me lembrei,
ela teve em São Paulo e veio pagar aqui trazendo a filha.10
Novamente, nessa graça alcançada, é utilizada a ciência para legitimar os poderes
de Maria das Quengas. Pois mesmo o médico falando que mãe ou filho morreriam no parto,
com intercessão da santa popular o parto ocorre e os dois sobrevivem. Sendo que para a
narradora a mãe teve sua filha sozinha, contando somente com o auxilio de Maria das
Quengas, sendo isso muito importante na devoção popular, pois legitima a fé e fortalece a
devoção desses devotos. A narrativa alcança seu ápice quando o próprio médico reconhece
que o parto foi um milagre, não podendo ser explicado pela ciência.
Com o tempo o devoto vai fortalecendo os seus laços com o santo protetor, seus
pedidos vão variando de acordo com a necessidade e a forma de pagamento da promessa
também. Quanto mais promessas o devoto fizer mais forte fica a sua relação de proteção com
o santo, assim como a credibilidade também aumenta. A historiadora Lucília Silva nos explica
que: “não há limitações para um voto ou promessa, apenas a confiança em sua realização.
Assim os devotos vão cumprindo uma promessa e fazendo outras, numa dívida interminável
com seus santos. Quanto mais promessas mais credibilidade” (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 98).
Segundo a autora não existe um limite para os devotos em relação a seus pedidos
feitos aos santos. Dessa forma cada devoto estabelece seu próprio limite com o santo,
dependendo da relação e credibilidade que cada um tem com o santo e que o santo tem com o
devoto. O santo também ganha credibilidade com o devoto.
O senhor Valdir Araújo de Lima, devoto de Maria das Quengas, também nos
narrou as promessas que fez para a “santa” popular de sua comunidade. “Santa” esta que
sempre esteve presente em sua história de vida, pois como já foi dito o devoto mora próximo
a cruz desde criança. O narrador costuma se colocar, em suas falas, como o detentor da
10 Francisca Feliciano do Carmo, 60 anos, entrevista realizada no dia 11/07/2013.
memória em torno de Maria das Quengas, já que sempre morou na localidade de Pitombeira
II, comunidade onde está a cruz, e também porque conheceu dona Quininha, primeira
zeladora da cruz. O entrevistado começa sua narrativa contando uma graça que alcançou
quando era criança:
Ói, era pequeno, nesse tempo tinha muita brincadeira de bila, nós brincava, eu mais
uns amigos meu, eu brincando com umas bilas deste tamanho [faz o gesto com a
mão], mas aquilo era pra mim, era mesmo que ser uma bola de ouro, vamos supor
que ela valesse, pesasse o que? 200 gramas, que era de ferro, nera? Mas pra mim era
de ouro. Aí eu brincando, já o por do sol, já ao escurecer perdi a bila, assim dentro
dos matos, aí imediatamente me lembrei dela, se a alma da Maria Agostinho me
protegesse e fizesse eu achar minha bila, que eu era menino, né má? Mas rapaz você
acredita, que quando eu fechei os olhos, quando eu abrir aqui achei a bila, oie?11
Seu Valdir é nostálgico em lembrar o seu tempo de criança, das brincadeiras e de
como era importante essas brincadeiras na sua infância. Chegando a comparar a bila de ferro
com ouro, mostrando o valor que esse objeto tinha para ele na infância. Mesmo sendo criança,
o entrevistado logo lembrou Maria das Quengas quando se viu em aflição, pois tinha perdido
algo importante.
Desse modo, podemos inferir que fazia parte das práticas dos mais velhos que
cercavam o Valdir criança, recorrer a Maria das Quengas em momentos difíceis. Assim, a
criança quando se viu em aflição também buscou socorro com a “santa” da comunidade. O
narrador continua seu relato, mostrando como a relação com Maria das Quengas sempre
esteve presente em sua vida e nos conta um pedido que fez quando já era casado:
Quando foi um dia, eu morava bem aqui, minha casa era aqui uma de taipa e nesse
tempo aqui a gente num tinha água, a gente num tinha água pra beber, era maior
sacrifício, ia pegar do outro lado do rio e eu tinha a maior vontade de cavar um poço
aqui pra ver se dava água, uma bomba. Quando foi um dia, o dito filho dessa velha
que morava aí [Quininha], falou pra nós cavar um buraco aqui pra ver se dava água,
aí ele veio um dia de tarde, 3 pra 4 horas e começou cavar o buraco. Eu já casado, já
tinha um filho já, ai ele cavou um espaço que eu acredito que dava dois metros de
profundidade esse buraco, já escuro, já ao escurecer, aí ele foi e disse, aí ele olhou
pra mim e disse: currupião, ele me chamava de currupião, currupião vamos deixar
pra amanhã. Tá certo, também num vai mais dá tempo hoje, né? Ai a minha mulher
criava aqui umas galinhas e tinha uma galinha com um bucado de pintinho novo, os
bichim já andando. Rapaz você acredita que quando eu dei fé os pintinhos vem de lá
pra cá e cai um dentro desse buraco rapaz, dentro do buraco do poço que eu tava
cavando mais ele. Rapaz, ai eu me deitei assim no chão, ai vi o bichinho piando lá
embaixo. Rapaz você acredita que eu sentir uma dor tão grande no meu coração,
aquela tristeza de ver aquele pintinho morrer ali e eu não poder socorrer, ai foi na
mesma hora veio na lembrança da finada Maria Agostinho, da alma dela. Se a alma
da finada Maria Agostinho dos Santos, ela fazer eu recolher, salvar esse meu pintim
e não deixar esse bichim morrer, eu na hora que eu tirar ele aqui, eu vou quando
11 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
minha mulher chegar nos vamos tirar, num me lembro se foi um terço, sei que
sempre eu boto pra rezar, né? Rapaz, você me acredita que eu to aqui, quando
terminei essas palavras, isso lá fundo rapaz, quase dois metros, era mais de dois
metros, que quando dá fé rapaz, que eu olhei assim vi o bichim piando, rapaz num
vinha subindo, oia? [fez com as mãos como o pintinho vinha subindo]. Como é que
pode? Só Deus mesmo, né não mah? Um milagre na intenção dela, o pintim com as
duas patinhas, oia? Subindo nas paredes, ai eu me deitei no chão pra ajudar, né? ai
butei a mão assim na parede pra quando ele chegar na palma da minha mão eu
ajudar o bichim a subir, ai foi assim que aconteceu, quando ele vei aqui, eu pá!
Fechei a mão aqui, ai tapei o buraco e levantei, tirei o pinto, viu? E muito mais,
muito mais milagres que essa alma... oia! Vinha gente, teve de vim gente de Recife
pra pagar promessa aqui, viu? Nessa alma aqui e tem... Ói e tem muito mais coisa,
que agora num me lembro.12
Seu Valdir iniciou seu relato mostrando as dificuldades que enfrentava na sua
vivência na época do ocorrido milagre. A falta de água pode ser vista como falta de
assistência do Estado no interior do sertão cearense, onde os moradores andam quilômetros
em busca de água. Seu Valdir, como tantos despossuídos do sertão morava à época em uma
casa de taipa. As casas de taipa são a alternativa para aqueles que não tendo recursos para
construírem suas casas, se utilizam de matéria prima fornecida gratuitamente nas matas para
construírem suas casas. Madeira achada pelas vargens, barro e telha batida artesanalmente são
moldadas como moradias. Ainda hoje, tais construções podem ser encontradas nas
proximidades da cruz de Maria das Quengas, sinalizando a situação de carência na qual ainda
vivem os moradores da região. Em outras partes do país, as casas de taipa também são
conhecidas como casas de pau a pique.
Na fala de seu Valdir, podemos perceber a comoção que a queda do pintinho
causou nele. Assim, mais uma vez o entrevistado recorreu a Maria das Quengas e foi atendido
pela “santa”. Seu Valdir vê o fato de o pinto ter saído do buraco com algo inexplicável, sendo
efetivamente um milagre. Simples para quem observa, mas um milagre para o devoto. Na
verdade o milagre não precisa ser grandioso, não existe milagre grande ou milagre pequeno,
cada devoto vive de forma única sua relação com o santo. E no final de sua fala ele ainda diz
que muitos outros são os milagres alcançados por essa alma, vindo pessoas de fora pagar
promessas, mostrando assim que os milagres de Maria das Quengas não estão restritos
somente aquele local e pessoas.
Seu Valdir ainda nos fala que:
naquela época eu vivia muito de troca, né? eu comprei, eu apanhei do Cherem, num
me lembro se era cinco, era seis porcos, bacurim novo, óia má? Aí eu trouxe esses
12Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
bacurim de tardezinha, isso alegre, trouxe esses bacurim dentro de saco e butei
dentro do chiqueiro que eu tinha ali, os bicho era tão miúdo, má, que tava no sentido
da porca, da mãe. Aí saiu pelas brechas do chiqueiro, saiu tudim, aí que quando foi
de manhã que eu procurei, o canto mais limpo, digo: Valha meu Deus, perdi meus
bacurim, aí na mesma hora, eu me lembrei da finada Maria Agostinho e me peguei
com a alma dela. Aí rapaz tu me acredita que eu me peguei com a alma dela e dei só
umas voltinhas por aqui, que quando foi de tardezinha, uma hora dessa, quando dou
fé num vinha, má, os sete porquinhos má, feito fila, um atrás do outro lá pra minha
casa, eu trouxe um dia de noite, de noite! E eles tava mamando na porca ainda , má,
os bichim novim, pois quando dá fé lá vem do tabuleiro aculá, os sete porquinhos lá
pra banda do quintal da minha casa. Mais eu tive uma alegria tão grande, viu? Butei
esses bichim pra dentro do chiqueiro. E muito e muitas coisas que eu não me lembro
agora, que quando eu era mais pequeno eu recebia benção dela aí.13
Vemos aqui outro momento da vida do entrevistado a partir da sua relação com
Maria das Quengas. Pois ele deixa claro que nesse período sua fonte de renda eram as trocas
que fazia, e que quando se viu em prejuízo, pois pensava que havia perdido todos os porcos
que tinha comprado, o entrevistado recorre a Maria das Quengas. O relevante para o narrador
foi os porcos voltarem sozinhos, pois eram pequenos e tinham acabado de chagar naquele
local, ou seja, não saberiam realmente voltar sozinhos, somente com a intercessão da “santa”
seu Valdir conseguiria reaver seus porcos, como de fato, segundo o devoto, aconteceu. Desse
modo, vemos Maria das Quengas como uma santa do dia-a-dia desses sujeitos, trazendo o
socorro sempre que necessário, inclusive nas pequenas adversidades do cotidiano.
Analisando as falas de seu Valdir, podemos observar que sempre foi muito forte,
em todos os momentos de sua vida a relação com Maria das Quengas. Desse modo, as
narrativas em torno da “santa” diz muito dos fiéis e dos que vivenciam essa relação com o
sagrado. Lucília Silva fala que:
os devotos não concebem sua vivência sem essa relação com o sagrado. Isto iria de
encontro à forma como constroem sua história, como pensam sua experiência e a
relacionam com uma outra dimensão, a do além-mundo. A história dos devotos não
é ‘feita’ só por eles. Nas suas logicas não fazem suas histórias sozinhos (OLIVEIRA
SILVA, 2007, p. 102).
Assim como a historiadora percebe os romeiros de Canindé, percebemos também
nos devotos de Maria das Quengas, que essa relação com o sagrado compõe a sua própria
história de vida, perpassando por todas as fases de sua vida. Assim como seu Valdir, dona
Nilda, sua esposa, que também contribuiu com sua narrativa para este trabalho, mantem uma
relação próxima com Maria das Quengas. Relação que faz parte de sua própria história de
vida. Dona Nilda nos relata uma graça que alcançou de Maria das Quengas:
13 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
Aah... [muita ênfase] eu tenho uma [promessa] e eu conto, eu vou morrer e num
esqueço, se acredita, alias duas, mas uma foi fora de sério mesmo. Em 94 eu num
morava aqui não, morava ali perto da cerâmica. Em 94 eu tava com um bingo de um
relógio do meu pai, foi em 94? Em 84, 84, foi em 84! Eu vim pra cá em 80, tava
com quatro anos que eu morava aqui. E eu tava com um bingo com 300 nomes das
pessoas, quando era dia de sábado eu ia a rua, que a feira antigamente era dia de
sábado, hoje é todo dia ali, né? No mercado. E antigamente era só dia de sábado, dai
eu ia com uma irmã minha, até essa minha irmã já faleceu em 2003, e eu tava com
ela na rua, oferecendo esse sorteio para quem eu conhecia, quem eu não conhecia,
num sabe? Ai já tinha vários nomes de pessoas que já tinha pago, butado, sabe? E
nesse dia, sabe ali onde é o mercantil, onde era Welington Meireles? Onde é
Queiroz, por ali. A casa da sogra da minha irmã era de frente. Aí a gente dava uma
rodada, rodada ia lá tomava um cafezinho, tomar agua. Eu tinha pego o caderno com
o nome dessas pessoas e tinha encapado com plástico e butei aqui debaixo do braço
e pra lá e pra cá perco o caderno. Isso já meio dia, que quando eu senti falta, ai eu
fiquei doida, digo: Meu Deus, e agora? Como é que eu vou saber quem foi que
pagou e quem num pagou. Aí eu... ai eu fiquei rodando, pra onde... eu me lembrava
que tinha passado eu voltava, perguntava a quem eu conhecia a quem não conhecia,
se tinha visto aquele caderno bolando pelo chão, né? Eu me apavorei logo, quando
eu perdi esse caderno, aí voltava e nada e ninguém dava nem noticia. Aí de repente
eu me lembrei da alma dela, viu? Aqui no pensamento eu fiz o pedido: se eu
encontrasse aquele caderno, na hora que eu encontrasse, eu sei que eu tava cansada,
eu tava com fome, mas na hora que eu encontrasse eu vinha lááá da rua tirar um
terço aqui e acender uma vela pra ela. Tu acredita que eu fiz esse pensamento, a
minha irmã conversando, que eu olhei aqui, eu fiz assim de lado, por exemplo eu tô
aqui, sabe aonde é a casa de alpendre depois da dela? Tinha um carro, o caderno
tava embaixo do carro e eu avistei o caderno como se ele tivesse bem ai perto dessa
moto, acredita? Eu cheguei perto do carro, me abaixei pra pegar o caderno, na hora
que eu fiz o pensamento, eu fiz só assim, ai eu disse: Fátima, eu achei o caderno. Ai
corri, quando eu fui ela foi atrás de mim, né? Ai me abaixei pra apanhar o caderno,
era quase em frente a casa da sogra dela, ai eu chamei meu sobrinho, vai ali compre
uma vela, dona Maria me dê um terço aí, butei ela na garupa de uma bicicleta,
cansada, com fome, ao meio dia e ponto, vim bater aqui, eu prometi que na hora que
eu encontrasse, vinha tirar o terço.14
Os marcos temporais da fala da entrevistada são os fatos marcantes de sua vida. O
ano em que se mudou e a morte de sua irmã. Mostrando que na memória fica o que significa,
o que é importante para o sujeito. A promessa da devota foi em decorrência da perca do
caderno onde estavam anotados todos os nomes das pessoas que tinham comprado o sorteio
do seu pai, sorteio de um relógio. Sem o caderno, seria impossível saber quem já tinha pagado
e quem ainda não, ficando impossível manter o controle do sorteio.
Diante dessa situação, a devota só tinha a Maria das Quengas para recorrer, visto
que já tinha procurado o caderno e não tinha encontrado. Fazendo a promessa de ir rezar e
acender uma vela na cruz de Maria das Quengas, instantemente a devota encontrou o caderno.
Mostrando a eficiência dos poderes de Maria das Quengas. O pagamento da promessa
14 Francisca Feliciano do Carmo, 60 anos, entrevista realizada no dia 11/07/2013.
também devia ser imediato, sendo assim, no momento que encontrou o caderno ela veio na
cruz pagar o prometido. A historiadora Lucília Silva nos fala que:
Interessante penarmos como o sentimento de “sacrifício” faz parte do bom
relacionamento com o sagrado. Às vezes, o voto exige sacrifício físico e/ou
financeiro. As promessas podem ser feitas de muitas formas. Além da redenção da
própria alma por meio do sacrifico do devoto. Prometem-se, também, ações
caridosas, que redem júbilo e louvor ao santo (OLIVEIRA SILVA, 2007, p. 95).
Dona Nilda enfatiza o sofrimento no momento que foi pagar a promessa, pois teve
que vir ao meio dia do centro da cidade até a cruz de Maria das Quengas, de bicicleta e
trazendo sua irmã na garupa. Além da fome e sede que as duas estavam no momento. O
sofrimento legitima ainda mais o pagamento da promessa, validando o ato de fé. A outra
promessa que dona Nilda nos narra já se passa depois de seu casamento com seu Valdir:
Eu tava apanhando castanha [risos], apanhando castanha, Valdir apanhando castanha
e eu comendo os cajú, e nós chegamo, o mato lá era quase dessa altura né? Nós
entramos quatro horas da tarde, e comecemos a entrar de mato a dentro, apanhando
castanha, sabe? e ele deixou a bicicleta num canto, que quando nos andamos muito,
muito distante de onde tava a bicicleta, só entrando de mato a dentro, né? E quando
nos voltamos já era escuro e quem era sabia mais aonde era que tava. Aqui que
quando nos voltamos já escuro, aí o meu marido disse: Nilda e agora? Cadê a
bicicleta? Eu disse: Ah... como é que vamos encontrar essa bicicleta aqui no escuro?
Mato dessa altura [gesticula com a mão], né? Ai ficou, ele procurando, procurando,
e ai... nada, nada e nada, ai ele disse: Não Nilda, vamos embora, acho que
carregaram a bicicleta. Ai de repente eu me lembrei, ai eu me peguei com a alma
dela, que se encontrasse a bicicleta, acho que eu tirava um... rezava um pai nosso e
uma ave Maria aqui de joelhos, acendia uma vela aqui pra ela, da finada Maria das
Quengas. Ai quando, eu fiz no pensamento, eu fiz aqui, ne? Eu pensei e prometi
isso. Ai eu digo, Valdir dá mais uma voltinha, dá mais uma voltinha, você acredita
que quando eu disse: dá mais uma voltinha, ai ele disse: Nilda tá aqui a bicicleta,
que assim, a gente fica com uma fé tão grande.15
É bastante recorrente que Maria das Quengas seja solicitada pelos seus devotos
quando os mesmos perdem alguma coisa. E dona Nilda sempre afirma que a lembrança da
“santa” vem sempre de forma repentina, já sendo uma demonstração dos poderes da mártir da
comunidade. O atendimento do pedido por parte de Maria das Quengas também é imediato e
a devota fala que isso aumenta sua fé. A devoção e a fé do devoto aumentam a cada promessa
que é atendida. O santo vai ganhando crédito.
Ao longo de todos os relatos de graças colhidos, percebemos que a máxima de
todas as promessas é o pagamento com sacrifício físico, elevando assim a alma de devoto,
15 Francisca Feliciano do Carmo, 60 anos, entrevista realizada no dia 11/07/2013.
certa purificação dentro do entendimento dos fieis. Milagre feito tem que ser pago e
divulgado, não existe graça muda.
Devoção e Santidade: a relação dos Devotos com Maria das Quengas
Em muitos casos encontramos pessoas que mantém uma relação de devoção com
os santos oficiais, tendo uma relação, muitas vezes de intimidade com o santo. Porém, mesmo
com essa relação com os santos oficiais da Igreja Católica, é nos chamados santos populares
que algumas pessoas, especialmente as sertanejas, encontram uma afinidade maior, uma
relação mais estreita com seu protetor.
Em alguns casos os santos populares e seus devotos são da própria comunidade,
existindo uma cumplicidade entre santo protetor e o fiel, muitas vezes as histórias de vida das
pessoas se confundem com a própria história do santo. Não obstante, isso não impede que
pessoas de lugares distantes venham procurar as bênçãos e milagres desses santos ditos
populares. Seu Valdir, um devoto que passou a vida toda nas proximidades e atualmente
mora em frente da cruz de Maria das quengas, nos fala que: “eu nasci e me criei aqui, essa
alma aí, oí, é abençoada por Deus16”.
No tópico anterior relatamos como seu Valdir nos apresentou as narrativas de suas
promessas e graças alcançadas. A relação de devoção a Maria das Quengas permeou toda a
vida do entrevistado, da infância a vida adulta.
Existe um dito popular que fala: “santo de casa não obra milagre”. No entanto, na
religiosidade popular podemos ver que esse dito é colocado por terra, já que os santos
populares são aqueles mais próximos, chegando muitas vezes a ser alguém até mesmo da
família, nos quais os devotos depositam toda a sua fé. Na crença popular, o santo que tinha
muito em comum com eles mesmos, é também um santo mais acessível, um intercessor mais
eficiente. Assim, dirigem a eles suas necessidades, angústias e devoção em busca de alcançar
suas graças: “eu me peguei muitas causas com essa alma aí e toda vez que eu pedia eu
alcançava, num teve um pedido pra num alcançar, graças a Deus”17.
Portanto, os devotos buscam ter uma relação muito estreita com os santos, em
especial os populares. Podemos perceber, nitidamente, essa busca pela intimidade com os
16 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013. 17 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
santos na relação dos fieis com o Pe. Cícero, que é um dos santos populares do Nordeste.
Segundo Régis Lopes, os fiéis do “santo” de Juazeiro mantêm, com seu protetor, uma
relação de afilhado e padrinho, ou seja, de confiança e intimidade. No entanto, a relação de
“apadrinhamento” do Padre Cícero é diferente da relação que os fieis estabelecem com
Maria das Quengas, já que ela não foi madrinha de ninguém. A relação estabelecida no culto
da “santa” de Russas é de ligação, proteção e proximidade.
De acordo ainda com Lopes, os fiéis mantém o máximo possível a proximidade
com Pe. Cícero, pois, na cultura nordestina, o padrinho nunca pode desamparar seu afilhado,
consequentemente Pe. Cícero não deixará sem socorro seus afilhados. Segundo Ramos, “um
santo, para essa experiência religiosa, não deve deixar o fiel desamparado. O “padrinho”,
não deve abandonar o bom afilhado” (RAMOS, 1998, p. 24). Mesmo que no culto atribuído
a Maria das Quengas não exista essa relação de apadrinhamento, mas existe a cumplicidade
também presente no culto ao Padre Cícero.
No Nordeste, a convivência com o sofrimento é constante devido ás condições
socioeconômicas e falta de assistência governamental, onde camadas menos abastadas
encontram auxílio nas relações paternalistas. É na falta de auxilio material e de condições
sociais mais favoráveis, que a busca pelo socorro do divino acaba sendo maior; pois, no
imaginário do sertanejo, somente os santos poderão interceder por esse povo sofrido. Segundo
Ramos,
Proteção que se configura como realidade e desejo, para enfrentar as inseguranças
do devir, como as secas, as doenças, a privação de recursos, as desventuras ligadas
ao casamento, a violência dos potentados e despossuídos errantes ou toda sorte de
querelas em nome da honra ou da posse das terras [...] (RAMOS, 1998, p. 39).
Assim, os devotos buscam no transcendente, nos santos populares, socorro para suas
dificuldades e necessidades. Seu Valdir nos afirma:
Olha, eu vou dizer uma coisa pra tú, esse canto é aqui, onde eu tô é o canto mais
abençoado de Deus, isso aqui, é aqui. Você sabe que aqui tem canto que é
maldiçoado, tem... são... tem chão maldiçoado pela própria palavra de Deus tem, que
nem mato cria, num tem prosperidade de nada, tem numa passagem da bíblia que eu
não ne recordo agora, mas tem que eu já li, viu? Tem chão que é tão do ruim, o chão,
que nem se quer, tipo assim um escorvado, que nem planta colhe, num tem
produção, eu digo de certeza que agora num me lembro, mas tem isso aí, acontece.18
18 Valdir Araújo de Lima, 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/2013.
A religiosidade acaba sendo um meio para lidar com esse clima tão imprevisível.
Seu Valdir nos relata que existem lugares que não são abençoadas por Deus, mas afirma que o
chão onde está, ou seja, onde mora é o canto mais abençoado por Deus. O devoto não deixa
claro, mas podemos pensar que essa benção que seu Valdir atribuiu a sua terra é devido a
proximidade com a cruz da santa popular, já que a propriedade fica em frente a cruz. Assim, a
casa e a terra de seu Valdir é abençoada por Deus e por Maria das Quengas, diferentemente de
outros lugares do sertão.
Os sertanejos têm uma leitura mais conservadora do cristianismo, fundamentada
na santidade e na purgação dos pecados com o sofrimento, na renúncia dos prazeres materiais,
na pureza, na morte violenta, na inocência, na vítima de injustiça, entre outros elementos que
são resignificados na religiosidade popular para justificar a santidade em torno de uma pessoa
comum. Assim, mais facilmente evocam “algo que implica uma separação radical da condição
humana, indicando as possibilidades de uma relação com o divino” (GAETA, 1999, p. 59).
Considerações finais
Os devotos dos santos populares utilizam os mesmo rituais e instrumentos do
culto aos santos oficiais durante o culto aos santos populares. Segundo Gaeta (1999, p. 58),
tais santos são “personagens que jamais serão guindados aos altares e que, contudo, são
cultuados popularmente sendo reconhecidos como mediadores junto ao divino, para operar
milagres, tal quais os santos oficiais”.
Dessa maneira, há uma reapropriação/ ressignificação do culto oficial pela
religiosidade popular, sendo que, para os fiéis, um não elimina o outro, pois os devotos dos
santos populares são os mesmos dos santos oficiais. Eles também não conhecem outra forma
de cultuar. No entendimento desses devotos, um santo completa o outro, de maneira que a
chamada religiosidade popular está muito ligada à religião oficial.
Sendo que na mesma medida que os devotos articulam as práticas religiosas da
Igreja Católica com a religiosidade popular, expressam a si mesmo, à sua vivência, à sua
sociedade, no hibridismo religioso do qual participa. Segundo Ramos:
As religiões, assim como as várias correntes científicas, são linguagens, maneiras de
construir sentidos para o ser humano e seu mundo [...] Em suma: é possível inferir
que, antes de ser uma busca por curas ou milagres, a religião se constrói como uma
das formas de dar sentido ao existente e ao poder ou dever existir (RAMOS, 1998, p.
28,29).
Assim, a religiosidade, seja ela oficial ou dita popular, é uma linguagem que
permite sujeitos buscarem sentido e significado para sua vida, cada devoto tem uma relação
de subjetividade com o santo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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MUNIZ, Altemar da Costa (Orgs)- História, memória, oralidade e culturas – Fortaleza:
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RAMOS, Francisco Régis Lopes. O Verbo Encantado: a construção do Pe. Cícero no
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SANTOS, Cicero Joaquim dos. História Tradição Oral: A Teia Mnemônica Como Categoria
Discursiva. In: MELLO, William J.; LIMA, Zilda Maria Menezes; MUNIZ, Altemar da Costa
(Orgs)- História, memória, oralidade e culturas – Fortaleza: EdUECE, 2014.
FONTES EMPÍRICAS
Entrevistados:
Francisca Feliciano do Carmo; 60 anos, entrevista realizada no dia 11/07/2013.
Rosa Pascal da Silva; 69 anos, entrevista realizada no dia 03/08/2013.
Valdir Araújo de Lima; 58 anos, entrevista realizada no dia 17/07/ 2013.