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De amar e sofrer, a gente não se desfaz! Guimarães Rosa MEMORIAL: Dr. Juracy Marques Figura 1: Juracy Marques (ADRIANA, 2009). ORIGENS: Nasci na cidade de Jaguarary-BA, traduzida pela polissemia de significados em tupi-guarani como: “rio das onças”, “aquele que domina a onça”, “onça pequena”. Historicamente, os indígenas que habitavam essa região foram indicados como os Pataxó. Um erro. Depois, classificaram os Tuxaua. Outro equívoco. Recentemente, escrevi com meu irmão Robson o texto: Jaguarary – a Lenda dos Índios de Cobre, que desconstrói quase todos os pilares discursivos sobre a história de minha Cidade. Trata-se de um texto polêmico, mas necessário, sobretudo aos educadores e educadoras. Nele, ainda por um processo de aproximação, tomando como referência as Missões de Juazeiro, Bonfim e Jacobina, indico os Paiaiá, os Tamaqui, os Kiriri, todos do grande tronco Kariri, como nossos possíveis ancestrais. 1 1

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De amar e sofrer, a gente não se desfaz!

Guimarães Rosa

MEMORIAL:

Dr. Juracy Marques

Figura 1: Juracy Marques (ADRIANA, 2009).

ORIGENS:

Nasci na cidade de Jaguarary-BA, traduzida pela polissemia de significados em tupi-guarani como:

“rio das onças”, “aquele que domina a onça”, “onça pequena”. Historicamente, os indígenas que

habitavam essa região foram indicados como os Pataxó. Um erro. Depois, classificaram os Tuxaua.

Outro equívoco. Recentemente, escrevi com meu irmão Robson o texto: Jaguarary – a Lenda dos

Índios de Cobre, que desconstrói quase todos os pilares discursivos sobre a história de minha

Cidade. Trata-se de um texto polêmico, mas necessário, sobretudo aos educadores e educadoras.

Nele, ainda por um processo de aproximação, tomando como referência as Missões de Juazeiro,

Bonfim e Jacobina, indico os Paiaiá, os Tamaqui, os Kiriri, todos do grande tronco Kariri, como

nossos possíveis ancestrais.

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Jaguarary, encontra-se localizado na Bacia do São Francisco, área de atuação da Universidade do

Estado da Bahia (UNEB). Estive ausente da minha região em virtude dos meus processos de

formação, geralmente em grandes centros como Salvador, onde cursei meu doutorado em Cultura

e Sociedade e meu pós-doutorado em Antropologia, ambos na UFBA, ou mesmo fora do Brasil, em

países como Cuba, onde estive para iniciar um doutorado em 2013; Espanha onde lecionei num

mestrado em Biodiversidade e Sociedade da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), na

França visitando universidades e eventos relacionados à minha área de conhecimento (educação,

antropologia e psicanálise), Itália, Grécia, Alemanha, e, particularmente, Portugal, onde atuei junto

a uma ONG que trabalha com a preservação da biodiversidade planetária (QUERCUS) e onde cursei

um pós-doutorado em Ecologia Humana (Universidade Nova de Lisboa). Esse momento da minha

vida é muito singular, haja vista, estar voltando para minhas raízes, onde quero contribuir, a partir

das minhas experiências na área do ensino, pesquisa e extensão universitárias.

Sou filho de João Ribeiro dos Santos e Maria Marques dos Santos (in memoriam), agricultores e

feirantes, duas joias ternas, graciosas e amáveis, poucas vezes abatidos pelas dificuldades da vida,

sendo, nessas características, que me vejo eticamente embebecido. Amo-os!

Aliás, a Feira é um lugar sagrado da cultura popular de um povo e foi determinante na minha

formação. Tem sua origem a partir das trocas estabelecidas com o excedente da produção,

caracterizada, essencialmente, pelo intercâmbio de mercadorias, inclusive simbólicas. Elas foram

oficializadas na Idade Média, na fase do feudalismo e com enraizamentos no regime escravagista.

Os escravos plantavam e colhiam para alimentar seus senhores. Além das trocas do excedente, as

influências que as atividades comerciais estabeleciam, sobretudo a partir do contato com o

Oriente, fizeram surgir diversas cidades em todo o mundo. A origem das cidades deve-se, em

parte, à organização das feiras que não se diferenciavam dos mercados. Estes, consequência das

complexificações dos sistemas de trocas de mercadorias e bens simbólicos. Quer conhecer um

povo, conheça sua feira! Minha alma é da feira, da rua, do mato!

Laços fortes ligavam meus pais ao Candomblé e a Umbanda e, foi nessa religião, que vi aguçar

minhas primeiras inquietações voltadas para a mística e religiosidade, para o sagrado, o divino, o

sobrenatural, o fantasmático, o eterno. Como no Candomblé, comungo da ideia do Cacique Cícero

Tumbalalá, de que “a natureza é o livro sagrado de Deus”. Para mim a ecologia são os ecos da voz

da natureza. Pensando a dinâmica cultural dos grupos humanos tradicionais, como pescadores,

indígenas, quilombolas, povos de terreiros, fundo de pasto, ciganos, entre outros, desenvolvi um

fascínio pela antropologia. Além das minhas formações no doutorado, onde desenvolvi tese sobre

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os processos indenitários e territoriais dos povos indígenas da Bacia do São Francisco, e no pós-

doutorado, cujo relatório está publicado em forma de livro (Ecologia da Alma, 2012), passei a

integrar grupos de pesquisas que trabalham com investigações nessa área de conhecimento,

particularmente o Projeto Nova Cartografia Social do Brasil, com sede na Amazônia, e os Núcleos

de Estudos em Povos e Comunidades Tradicionais e em Ecologia Humana, grupos de pesquisa

vinculado ao CNPQ que coordeno e a partir do qual fizemos diversas publicações, todas

disponibilizadas gratuitamente (mais de 10 livros, diversos artigos científicos, relatórios etc).

Interessa-me na dinâmica cultural desses grupos, suas manifestações associadas a ritualidades que

envolvem a dança, a magia, o corpo e a música. Estas inquietações estão presentes no meu livro

Ecologia do Espírito (2016).

Quando criança, estive em várias festas de terreiros e fui a diversos carurus em homenagens aos

deuses cultuados nesses rituais. Além das presenças das imagens em “altares de santos”,

“assentos”, como são chamados, tocava-me a força das oferendas (despachos e feitiços, fetiche,

colocados embaixo das árvores e encruzilhadas), dos processos de transes1 vivenciados pelos

“filhos e filhas de santo”, induzidos por cantos de inspirações africanas (oh tumba eh cabôco,

tumba lá e cá, tumba eh Guerreiro, tumba lá e cá, tumba eh meu Pai, tumba lá e cá, não me deixe

só, tumba lá e cá) e indígenas (Mocinha do Mato2, olha a onça que a onça te pega, a onça é

pintada de maia amarela). Músicas que escutei na infância ainda inscritas na minha alma.

Igualmente, também, encantava-me pela força dos tambores feitos com grandes troncos de

árvores e peles de animais, amarrados com cipós. Mais encantado ficava com a beleza e força dos

corpos em transe dançando. Vi, pelos pés dos caboclos que o samba teve origem nos terreiros de

candomblé e umbanda.

A estética dos tambores era, para mim, a coisa mais fascinante. Meu Pai confeccionava estes

instrumentos numa alquimia física e espiritual, sempre com o cordão, no seu pescoço, de seu

santo guia: Oxossi. Minha Mãe sambava como uma deusa nos terreiros, no terreiro da minha casa,

tomada por Iansã e tantas outras negras e belas forças, ela era um baluarte de beleza, alegria e

leveza, de saias de epidermes brancas e colares matizados com as cores dos seus orixás e caboclos.

Ela é a mulher mais linda do Planeta!

1 Apesar da Antropologia, da Sociologia, da Filosofia, da História e tantas outras ciências humanas, interpretarem esses fenômenoscomo pertencentes aos sistemas culturais de diferentes povos, parte das ciências psi (Psiquiatria, Psicanálise e Psicologia), ainda osassociam à “grave” doença da alma, popularmente conhecida como psicose, esquizofrenia. Orientei, no mestrado em Ecologia Humanae Gestão Socioambiental da UNEB, uma dissertação que toca no cerne dessa problemática.

2 Também conhecida como Caipora em algumas culturas.

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Retomei essas memórias quase 20 anos depois no doutorado em Cultura e Sociedade na UFBA. Na

disciplina Contextos da Cultura, ministrada pelo “avatar” Renato da Silveira, fui novamente

umedecido pelos sentidos do Candomblé e da Umbanda, a partir dos seus escritos que, se

tornaria, em pouco tempo, o precioso livro O Candomblé da Barroquinha: Processo de Constituição

do Primeiro Terreiro Baiano de Keto (MAIANGA:2006).

Ao retornar para o Sertão e, inquieto com as interpretações das diásporas negras na Bahia, em que

parte da produção sobre o assunto, morre no Litoral e Recôncavo, tema que discuti na II

Conferência Internacional de Intelectuais da África e da Diáspora, em Salvador (2006), junto com a

equipe do Projeto Nova Cartografia Social do Brasil e a AKBANTU, organizei e coordenei o Projeto

de Mapeamento dos Quilombos e Terreiros de Candomblé e Umbanda do Sertão, cujo objetivo é

analisar a diáspora das diásporas negras na Bahia. Desse trabalho foram produzidas 2 (duas)

Cartografias Sociais dos Quilombos de Casinhas e Quelé, em Jeremoabo, a Cartografia dos

Terreiros de Candomblé e Umbanda de Paulo Afonso, publicada em 2010, e a Cartografia dos

Terreiros de Candomblé e Umbanda dos Terreiros de Jaguarary, publicada em 2011.

A metodologia da Cartografia Social é uma poderosa ferramenta das “novas antropologias” e

teorias culturais na contemporaneidade. No ano de 2006, fui convidado pelo Antropólogo Alfredo

Wagner, da Universidade Federal da Amazônia (UFAM), para integrar um grupo de Pesquisadores

coordenados por ele e com abrangência em todo o País, para analisar dinâmicas das culturas dos

povos e comunidades tradicionais do Brasil. Fiquei responsável pelos povos da Caatinga e Bacia do

São Francisco. Meu primeiro trabalho nesse grupo foi um mapeamento dos Pescadores Artesanais

da Bacia do São Francisco (Submédio e Baixo), publicado em 2007. Esse trabalho foi escolhido,

juntamente com outros 3 (três) no Brasil, para um série de quatro Programas do Globo Ecologia,

exibidos em diversos canais de TV nacionais e Internacionais, em 2008 e 2009. Também ajudamos

na construção do Decreto Presidencial que criou a Comissão Nacional de Povos e Comunidades

Tradicionais do Brasil.

Pelo Projeto da Cartografia Social, outros importantes trabalhos foram publicados: Comunidades

de Pescadores de Caravelas (2009), Pescadores e Pescadoras Artesanais de Resina - Foz do São

Francisco (2009), Pescadores e Pescadoras Artesanais de Saramém – Foz do São Francisco (2010) e

o Relatório Internacional de Denúncia dos Povos Indígenas do Nordeste Impactados com a

Transposição do São Francisco (2010). Este relatório foi publicado em três línguas (Português,

Espanhol e Inglês) e integrou uma Campanha Internacional veiculada na Itália, França, Espanha e

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Portugal, com ressonâncias em organismos internacionais como a ONU. Um ano anterior, em

2009, com a Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

(APOINME), havia feito visitas preparatórias da Campanha, a diversos organismos internacionais na

França, Portugal e Espanha.

Durante minha estada na Espanha, fui convidado pelo Prof. Martí Boada Jucá3, coordenador e

responsável pelas relações institucionais com a América Latina do Instituto de Ciências Ambientais

para ministrar com ele a disciplina Espaços Naturais, Território, Biodiversidade e Etnoecologia no

Mestrado em Ciências Ambientais do Instituto de Ciências e Tecnologias Ambientais da

Universidade Autônoma de Barcelona – UAB. Ministrei a disciplina em abril de 2010, para um

turma heterogênea de alunos dos EUA, Alemanha, Catalunha e México. Foi uma das mais ricas e

complexas experiências da minha vida acadêmica.

Parte de toda minha produção sobre a Ecologia e Cultura de alguns Povos e Comunidades

Tradicionais do Brasil, a exemplo dos Indígenas, dos Povos de Terreiros, Quilombolas, Comunidades

de Fundo de Pasto, Ciganos, Pescadores Artesanais, entre outros, foram desenvolvidos no Núcleo

de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais e Ações Socioambientais – NECTAS, que fundei

em 2005, na UNEB. Nesse Centro, também organizei importantes documentários, entre os quais:

Quebradores de Pedras do Complexo Arqueológico de Paulo Afonso, No meio do Caminho Tinha

uma Pedra (2006), Cerrado Baiano (2008), As Caatingas: Debates sobre a Ecorregião do Raso da

Catarina (2007), Manguezais da Bahia (2008), Frei Luiz: Um Dom da Natureza (2008), Candomblé e

Umbanda no Sertão – Paulo Afonso (2009), O Povo Indígena Pankararé (2008). Este último, ao ser

visto por produtores da Anakna Zodiak Productions, da TV Belga, conseguiu fazer com que os

Pankararé fossem escolhidos, entre todos o povos indígenas do Brasil, para integrar um projeto de

10 documentários da série "O Brasil Para Iniciantes", comissionado pelo Canal Cultural Nacional

CANVAS que apresentará em parte da Europa o Brasil no Século 21. A religiosidade dos Pankararé

foi analisada pelo Antropólogo estudioso das religiões, Prof. Belga Rick Torfs e por mim. Meu

documentário registra um complexo ritual de culto aos encantados feito pelos Pankararé, gravado

nas matas, local secreto dos rituais. Minhas inquietações sobre a beleza do corpo, dança e música,

começaram a se materializer em minhas investigações científicas.

Ainda sobre documentários, também produzimos um CD, com Músicas Tradicionais de Pífano de

Jaguaray (2007). Essas tradições guardam a singularidade da música étnica brasileira e estão em

3 Consultor da ONU e Escritor com mais de 150 livros publicados.

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rápido processo de desaparecimento. Outros documentários que ajudei a produzir foi: I Festival

de Arte-Educação de Paulo Afonso (2004), Reunião com a Tribo Indígena de Rodelas (Tuxá) e

Grande Caminhada Pela Paz de Paulo Afonso (2006). É a partir dessa última experiência que falarei

da minha imersão no campo da produção cultural, juntamente com a organização do show de

Geraldo Azevedo na Convenção Internacional de Gaia, em Portugal. A partir dessa experiência com

cantor e compositor Geraldo Azevedo, reforçamos nossos laços de amizade e, hoje, estou

finalizando uma biografia do petrolinense que marcou sobremaneira a música popular brasileira.

Sempre vivi em meio aos diferentes sistemas culturais. Fui ator do grupo de Teatro da Escola

Cenecista em Jaguarary, onde, após minha formação, fui, durante mais de 4 (quatro anos),

Professor de Filosofia Geral e da Educação, Sociologia Geral e da Educação, História, Geografia e

Artes, depois Coordenador Pedagógico da Escola. Por alguns anos, vivi vendendo telas em óleo,

algumas peças para outros países (Canadá) e ministrando oficinas de artes plásticas. Também

escrevia contos e poesias. Em Festivais, recebi alguns prêmios: 1o. Lugar em Artes Plásticas (pintura

em tela), 2o. Lugar em Conto e 3o. Lugar na categoria Poesia, ambos no Festival de Artes da UNEB –

Campus III, nos anos de 1998 e 1999.

Tornei-me, ao longo de anos, um apreciador das artes, um estudioso dessa área. Minha primeira

monografia de especialização foi sobre a função da arte-terapia para crianças e adolescentes do

Instituto Psicopedagógico de Senhor do Bonfim. A Psicopedagogia, ao contrário do que parece, a

junção da Pedagogia com a Psicologia, trata-se de uma área onde se problematiza o fenômeno da

aprendizagem humana, seus padrões normais e patológicos, de amplas relações com a Escola

Argentina, que por sua vez, possui fortes laços com a literatura francesa de Lacan, Mannoni, Dolto,

Ajkuriageurra, Mey, Lobrot, Vayer, Debesse, Mauco, Revièrre, entre outros.

Nesse período, despertei forte interesse pela Psicanálise e passei a integrar um grupo de estudos

com outros Psicólogos, Clínicos geral, Pediatras, Oncologistas, Psiquiatras, Terapeutas Holísticos,

Agrônomos, Artistas, entre outros, em que estudávamos, quinzenalmente, na cidade de

Petrolina/PE, Os Fundamentos da Teoria Psicanalítica. Mais tarde, este grupo foi sistematizado e

fundamos um núcleo de estudos da Escola Brasileira de Psicanálise, Sessão Bahia/Pernambuco

(Petrolina-Pe e Juazeiro-BA), onde, por quase três anos, discutimos as doutrinas e os fundamentos

da experiência analítica, pautados nas teorias de Freud e Lacan.

Neste período, comecei a fazer minha análise com o Psicanalista Reinaldo Pamponet, pessoa com

quem divido uma ética humana muito preciosa para minha alma e com quem permaneço, depois

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de quase 7 (sete) anos. Meu processo de análise me faz pensar em minhas barbáries e ecologias,

em minha ética própria. Dois escritores me marcaram muito nesse processo, Pablo Neruda que em

O Carteiro e o Poeta escreve: “às vezes Isso me cansa de ser homem”; e Guimarães Rosa, que em

Grandes Sertões Veredas me emudece: “Medo? Não! Mas uma falta de vontade de ter coragem”.

Continuei meus estudos na Psicanálise. Fiz uma formação em Jung, depois, fiz uma especialização

em Psicanálise de Orientação Lacaniana que concluí em 2011. Minha monografia (Amor e Paixão

no Divã4, publicada em forma de livro este ano) toca o extremo da subjetividade humana pela

linha das paixões humanas, tema amplamente estudado por grandes intelectuais em todo o

mundo, dos quais destaco Platão em O Banquete, Aristóteles com sua Retórica das Paixões,

Descartes em Paixões da Alma, Stendhal, Sobre o Amor, Marcuse, Eros e Civilização, Balman,

Amores Líquidos, Sartre, Foucault, Guatarri, entre outros. Destaco que os estudos culturais, os

teóricos da escola de Frankfurt (Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, etc), da

Teoria Crítica, bases de muitas Escolas de Comunicação e muitas outras áreas do conhecimento,

mergulharam nos complexos discursos da relação entre Psicanálise e Marxismo, bem como

intelectuais como Sartre, Foucault, Guatarri, Picasso, Dali, foram amigos e assíduos alunos dos

Seminários de Lacan, na França. A obra de Lacan é referência para intelectuais de várias áreas do

conhecimento, como também toda a produção de Freud, responsável por uma das feridas

narcísicas da humanidade: o inconsciente. Pretendo, desenvolver pesquisa sobre “O CORPO

COMO A GRANDE PAIXAO HUMANA”, unindo saberes da Antropologia e Psicanálise.

De 1996 a 1999, fui Assistente Administrativo da Câmara Municipal de Senhor do Bonfim, quando

ingressei na Universidade do Estado da Bahia (UNEB – Campus VIII), como Professor Substituto.

Entre as disciplinas que trabalhei, lecionei Metodologia da Pesquisa, Metodologia do Ensino da

Geografia, Literatura Infantil, entre outras. Esta última, um deleite, uma descoberta fantástica da

minha infância e suas negações. Jung brincava sempre que “se queremos envelhecer com saúde

tempos que, recorrentemente, recuperar nossa infância”. Isso me inspirava. Foi ensinando esta

disciplina que li, como quem chupa manga até melar os beiços, os contos dos Irmãos Grimm, as

histórias de Monteiro Lobato, as obras de Ziraldo, das quais adoro O Menino Maluquinho, mais

especificamente, a panela na cabeça da criança como um chapéu, as lendas de Câmara Cascudo,

os contos de Andersen e a redescoberta do Pequeno Príncipe de Exupéry. Desta disciplina, trago,

até hoje, uma provocação de Cecília Meireles, quando pergunta a respeito da existência de uma

4 As artes serviram à Psicanálise na formulação das teorias analíticas sobre o amor. Obras como o Édipo de Sófocles, O Banquete dePlatão, Narciso de Caravagio, as Esculturas de Camille Claudel e Rodin, entre outras, são alguns exemplos dessa relação.

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literatura verdadeiramente infantil: “que criança há no adulto para escrever histórias para crianças,

e que adulto há na criança para compreender histórias escritas por adultos?”

No ano seguinte, ingressei no Programa de Mestrado em Ciências da Educação da UNEB em

parceria com a Universidade de Quebec à Chicoutimi/Canadá, que conclui em 2003, onde realizei

um estudo teórico sobre a Psicologia Vygotskyana e a Psicanálise Freudiana da Arte. Parte desse

material serviu de base para o livro Contribuições da Psicanálise e Psicologia da Arte para o Campo

Educacional: Freud e Vygostsky em Discussão (EDUNEB, 2003), que publiquei no II Encontro

Mundial de Psicanálise, realizado no Rio de Janeiro, onde apresentei artigo em francês sobre parte

dessa pesquisa.

Não é novidade afirmar que a Arte e a Cultura não possuem o mesmo status dos outros objetos

das pesquisas científicas. Acrescentaria a estas, a Educação Física. Huizinga (2000), no seu célebre

livro Homo Ludens nos diz que “a antropologia e as ciências ligadas a ela têm prestado pouca

atenção ao conceito de jogo e à importância do fator lúdico para a civilização”. A academia tem

muitas dificuldades em reconhecer o valor científico das diferentes linguagens artísticas, culturais e

esportivas. A Psicanálise, ao contrário, tem nas artes, um forte aliado para elaboração de suas

teses. Destaco, por exemplo, os estudos de Freud intitulados Três Ensaios sobre as Teorias da

Sexualidade (1905), Delírios Sonhos na Gradiva de Jensen (1907), Leonardo Da Vinci e uma

Lembrança de sua Infância (1910), O Moisés de Michelangelo (1914), Doistoiéviski e o Parricídio

(1928), entre outros. O principal capítulo da minha pesquisa de mestrado analisa a obra de

Brennand, um dos maiores escultores brasileiros de todos o tempos, cuja originalidade da obra nos

transporta para as cavernas das sexualidades humanas. Outro capítulo especial é sobre a análise

de Hamlet, do poeta inglês Shakespeare (1601), cuja análise foi tese de doutoramento de Vygostky

e é uma importante obra publicada por Lacan. O que vemos expulsos das discussões das ciências é

o corpo e alma como mecanismos culturais, simbólicos.

NOVAS IMERSÕES NO CAMPO DA GESTÃO CULTURAL

Para mim a ciência é o cárcere dos conceitos, das de-finições, dos discursos, das análises, das

interpretações, das classificações, do saber e das verdades. Os intelectuais, os cientistas, falam

como Gramsci, em “cadernos de cárceres”. De suas celas soltam bilhetes para ligarem-se ao outro,

à sociedade, ao interpretarem o mundo. Estamos, como intelectuais, presos nas masmorras das

palavras, das ideias, dos espíritos. Pensamos o mundo desse lugar, e não há nada mais sintomático

na contemporaneidade, do que os palácios dos obsessivos e os reinados das histéricas: a

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academia, que se retroalimenta de um esquisociência: produção, produção, produção! Depois,

enlata-se no Lattes. Somos uma geração de intelectuais enllatados.

Mas, como diz, Maffesoli, o trágico tem que ser pensado. Assim, a política cultural pode ser

caracterizada como ciência? Linda Rubim (2005:35) define política cultural como “conjunto de

intervenções práticas e discursivas no campo da cultura”, ratificando: “essas intervenções não são

científicas e nem se confundem com ciência”. Minha experiência é um prato cheio para esta

análise. Experimentei o processo de criação artística como ator e pintor. Na Academia, tornei-me

um intelectual do campo da cultura e das artes e, na qualidade de Diretor de Cultura de Bonfim e

de Secretário Municipal de Educação e Cultura de Paulo Afonso, tornei-me um gestor cultural. Era

um sistema cultural em pessoa. No campo teórico, são fecundos os debates sobre o crescimento

dos processos de gestão cultural no Brasil. Na prática, ainda há questões abismais a serem

superadas. É lamentável o Estado da Arte da Arte no Brasil, apesar do visível crescimento da

Indústria Cultural5 brasileira, nessas últimas décadas, em que a terminologia “economia da cultura”

tornou-se açucarada no cenário político-cultural. Nesse campo, observamos um certo

esvaziamento sobre o sentido da educação física como prática cultural. Só recentemente temos

observado pequenas mudanças.

Conhecemos, dos círculos acadêmicos, a complexa noção de intelectual orgânico de Gramsci que,

em A Formação dos Intelectuais e a Organização da Cultura, diferencia-os dos intelectuais

tradicionais. Indica a existência de três tipos de intelectuais: os que criam, os que difundem e os

que organizam a cultura. Linda (2005), afirma que a análise de Gramsci é indispensável para

entendermos a complexidade dos sistemas culturais na contemporaneidade. Gosto,

particularmente, da noção de sistemas simbólicos, aos culturais. Diz Bourdieu (2005:09) a respeito

desses sistemas:

Os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e de comunicação,só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O podersimbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer umaordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundosocial) supõe aquilo que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, umaconcepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que tornapossível a concordância entre as inteligências.

A convivência das inteligências estruturam as sociedades. Nelas formam-se os intelectuais.

Segundo Sartre (1994:31) são “produto de sociedades despedaçadas, o intelectual é sua

5 Termo criado por Adorno e Korkheimer em 1947 (in RUBIM, 2005:38).

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testemunha porque interiorizou seu despedaçamento. É, portanto, um produto histórico.” Escrevo

este Memorial, como o olhar de um híbrido das “intelectualidades” que nos reporta Gramsci.

Como Diretor de Cultura, reativei festas populares como o Carnavalito, as festas natalinas,

organizei o Festival de Teatro Estudantil, que mobilizava todas as escolas públicas e privadas de

Bonfim, organizei exposições de fotografias, pinturas e esculturas, formamos o coral da cidade,

reativamos a Filarmônica da Cidade, promovemos concursos culturais, realizamos oficinas

acadêmicas sobre tradições de diferentes grupos étnicos, como o Samba de Lata do Quilombo de

Tijuaçú, produzimos documentários sobre a Cultura Regional para TVs fechadas do Brasil e Canadá,

particularmente sobre a memória Indígena de Missão do Sahy, apoiamos a divulgação de músicos

locais, homenageamos personalidades da cultura bonfinense, apoiamos a Academia de Artes,

Ciências e Letras da Cidade, entre muitas outras ações. Agora, perguntem-me, como? Raspando os

míseros recursos destinados à cultura, quase mendigando apoio para promoção e organização da

Cultura Local. Esta é uma fotografia de parte significativa do Brasil.

Em 2005, assumi a Secretaria de Educação e Cultura de Paulo Afonso. Apesar de ser uma Cidade

com um maior volume de recursos destinados à cultura, na operacionalização das políticas

culturais municipais e até estaduais e federais, deparamo-nos como um efeito perverso: em

alguma medida ainda vivemos a era do “pão e circo”. Nas estruturas da gestão municipal, há uma

banalização das questões relativas aos processos de criação, transmissão, preservação,

administração, organização, crítica e recepção cultural6. Confesso, e a história é testemunha dessa

terrível realidade. Na minha experiência, não foram poucos os esforços. Dela vou destacar dois

exemplos:

1. Maria Bonita, a Rainha do Cangaço, mulher de Lampião, é de Paulo Afonso, da Malhada da

Caiçara. A casa onde ela nasceu fica a cerca de 20 (vinte) km da sede. Em 2006, quando a Cidade

desfrutava da imagem de turística, dos esportes radicais, a casa de Maria Bonita estava aos

pedaços. Como Secretário, ainda pude apoiar a publicação de um biografia feita pelo escritor

pauloafonsino João de Souza Lima, recentemente, comprada pela Globo para produção de uma

Minissérie, na ocasião de seu Centenário (2011). Mesmo ocupando este cargo, foram anos

“implorando” pela recuperação desse patrimônio histórico, que não custou mais que 50.000,00

(cinqüenta mil reais).

6 Classificação de Albino Rubim das ações essenciais para o desenvolvimento do sistema cultural (in LINDA RUBIM, 2005:16).

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2. Uma década atrás, uma equipe de pesquisadores do MAX (Museu Arqueológico de Xingó), sob a

coordenação da arqueóloga, Dra. Cleonice Vergne, anunciava a descoberta de um número

significativo de sítios de arte rupestre na região de Paulo Afonso (BA). Hoje estas pesquisas estão

sendo desenvolvidas pelo Centro de Arqueologia e Antropologia de Paulo Afonso (CAAPA). Para a

tristeza da humanidade, nesta região pouco se conhece sobre o valor deste patrimônio histórico-

cultural, prova da presença humana pré-colonial de aproximadamente 9 mil anos atrás, estima-se.

Estes sítios encontravam-se em áreas de intensa destruição dos matacões rochosos de granito do

platô do Cânion do São Francisco, para a confecção de paralelepípedos, usados na pavimentação

de ruas e avenidas, produzir britas para a construção civil ou coisa do gênero. Os sítios do

Complexo Arqueológico de Paulo Afonso (Rio do Sal, Lagoa das Pedras, Mão Direita e Malhada

Grande) apresentam painéis compostos, quase que exclusivamente, por grafismo puros (pinturas

ou gravuras não reconhecíveis). São raros os grafismos com figuras zoomorfas ou “carimbos”.

Encontram-se também poucas evidências de pinturas sobrepostas. Entretanto, nesta região,

também encontramos pinturas com motivos antropomorfos, uma preciosidade! O dilema era que,

nesta região, mais de 60 famílias desses povoados viviam somente da quebra de pedras, a maioria

delas integrantes da Associação de Quebradores de Pedras do Povoado Rio do Sal, fundada em 23

de fevereiro de 1999 com o apoio da Prefeitura Municipal, que instalou um britador no local.

Poderia ilustrar, num recorte específico do nosso País, infinitos exemplos de banalização dos

sistemas culturais. Não deu outra: pedi demissão do cargo. Como militante cultural e, na condição

de intelectual da cultura como docente da Universidade do Estado da Bahia (Campus VIII), pude

influenciar melhor as estruturas de poder local, estadual e nacional, para dar visibilidade a estas

vulnerabilidades da gestão do sistema cultural naquela região. Conseguimos recuperar a Casa de

Maria Bonita, bem como paralisar a destruição dos Sítios Arqueológicos do Complexo de Paulo

Afonso, quando publicamos importante relatório sobre a situação de destruição desses sítios

intitulado Pedras Pintadas: Dilemas Socioambientais do Complexo Arqueológico de Paulo Afonso

(2009). Também montamos um projeto piloto de um Museu à Céu Aberto de Artes Rupestres, a

exemplo do que fez Niède Guidon, na Serra da Capivara-PI.

Niède Guidon, tem sido importante parceria nessa luta. Ajudou-me sobremaneira na finalização da

minha tese de doutorado, recebendo-me em São Raimundo, concedendo-me documentos e

entrevistas. Sou-lhe muito grato por tudo isso, e por sua decisão de largar Paris para entrar na

briga da defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, de coisas triviais, como evitar que um tesouro da

memória dos primeiros habitantes brasileiros virem pó de cal, até os entraves acadêmicos

internacionais, por suas teses polêmicas e radicais sobre a ocupação humana na América.

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Tive muitas outras experiências no campo da gestão e produção cultural. Destacarei algumas que

julgo relevantes:

1. Fui curador de diversas exposições: Exposição de Fotografias de Marcos Cesário (2002),

Exposição de Esculturas em Metal – Do Lixo à Arte - de Renato Felipe (2002), da Exposição de

Esculturas – Madeiras Derretidas – De Nelson Morato (2005), da Exposição de Fotografias –

Imagens da Caatinga – de Cláudio Humberto (2010), Da Exposição de Esculturas – Gritos da

Caatinga – de Paulo Soares (2010);

2. Organizei grandes eventos, dos quais destaco a Caminhada pela Paz de Paulo Afonso, para a qual

foi mobilizado mais de 30.000 (trinta mil pessoas) e envolveu a participação de Artistas como

Santana, Tunai, Belchior, Eliane Chagas, Márcia Porto, diversos grupos culturais como o Grupo de

Teatro de Pernas de Pau de Tuparetama, Capoeiristas, Artistas Plásticos, entre outros.

3. Também estive participando da organização de alguns eventos internacionais, da qual destaco a

Convenção Internacional de Gaia em Portugal em 2009. A Comissão de Organização da Convenção

Internacional de Gaia, com a qual trabalhei, demandou que convidasse Gilberto Gil, na época

Ministro da Cultura do Brasil, Caetano Veloso e Leonardo Boff, com o qual havia tido alguns

contatos (Fórum de Desertificação em Salvador, onde conversarmos sobre seu aluno Frei Luiz, que

fez a greve de fome, também um Grande Amigo, do qual escrevi sua biografia sobre os 24 dias de

seu Jejum Ecológico: Frei Luiz-Um Dom da Natureza) e no Fórum Social Mundial, quando, nós três

(Juracy, F. Luiz e Leonardo Boff), conversamos sobre a problemática ambiental da Bacia do São

Francisco. Outro evento internacional que coordenei foi a Conferência Internacional de Ecologia

Humana, realizada no Brasil em 2012.

Por muitas razões, ocorreu-me de indicar, para a Convenção de Gaia, um Show de Geraldo

Azevedo, amigo que admiro e com quem divido o trabalho no Movimento Internacional pela Paz e

Não Violência (MOVPAZ), do qual também participam Santana, Belchior, Clovis Nunes (escritor do

livro sobre Transcomunicação, hoje traduzido em várias línguas, por um tempo consultor do

Fantástico para assuntos de paranormalidade e criador do MOVPAZ), este último, um amigo antigo,

e que trabalhou comigo as condições para que levássemos, para a Europa, a apresentação de um

valioso trabalho, documentário sobre o Rio São Francisco, que Geraldo Azevedo gravou com

Djavan, Maria Betânia, Ivete Sangalo, Márcia Porto, entre outros, chamado “Salve o São Francisco”.

12 12

Pela primeira vez, estive trabalhando como co-produtor de um show numa escala internacional e

em outro País (Portugal). Foi um sucesso! Depois disso, Geraldo fez uma turnê pela Europa e, na

França, tive o prazer de acompanhá-lo a um show num Cabaré Francês, onde dividiu o palco com

Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha, ainda pouco conhecido no Brasil, mas sua musicalidade é

muito apreciada em boa parte da Europa.

Depois disso, fiz diversas incursões em vários museus pela Europa, destacando-se minhas

pesquisas no Louvre (Paris), onde algumas obras existentes lá, havia analisado na minha

dissertação de Mestrado, das quais destaco Sant’Ana, a Virgem e o Menino (1508/1510), de

Leonardo Da Vinci, amplamente estudada por Freud. Era um sonho ver esta obra de perto, mais

do que a Gioconda.

Figura 2: Sant'Ana, Louvre -1508/1510 (MARQUES, 2009).

No Museu Rodin (Paris), estudei as obras de Camille Claudel, parte constante numa monografia da

especialização em Psicanálise de Orientação Lacaniana, sobre o Amor e Paixão no Divã: a lLetrA do

Amado e do Amante em Lacan (2011). Para fazer este trabalho, analisei, durante dois anos, parte

da complexa obra de Lacan, uma Psicanálise iluminada pelas lanternas da Antropologia,

Lingüística, Sociologia, Filosofia, História, Mitologia, Semiótica, entre outras. A imersão nesse

campo do conhecimento humano, durante anos, motivou importantes epistemólogos, com forte

influência na contemporaneidade, dos quais destaco Foucault, Sartre e Guatarri, bem como vários

artistas, como Dali e Picasso, “amigos” de Lacan e frequentadores dos seus Seminários.

13 13

Na Itália, Milão, pude visitar importantes teatros, dos quais destaco o tradicional La Scala Opera,

onde pude assistir à Opera de Giuseppe Verdi (1813-1901), Simon Bocacanegra, retorno de Plácido

Domingo aos palcos, depois de um processo de recuperação de um tumor de cólon intestinal.

Estava presente no teatro outro grande tenor, do qual também sou admirador, José Carreiras. Não

continha minha emoção de estar nesse momento histórico da opera italiana, uma maravilha de se

vê e ouvi, Albino Rubim, analisa em seu texto Espetáculo (2005:17), as quatro classificações

estabelecidas por Jesus Requena, a saber: o carnavalesco, o circense, o da cena italiana e o da cena

fantasma. Sobre os modelos de espetáculos caracterizados pela cena italiana, diz: “a cena se

dispõe em termos perspectivistas, pois seu espaço especializado, o palco, passa a ser construído

em função de um centro óptico exterior, definido pelo lugar ocupado pelo espectador na platéia.

Assim, o espectador ocupa um lugar privilegiado para olhar o evento-espetáculo. Era o que

catarticamente experimentava!

Certa vez, conversando com Edson Cordeiro, o mais conhecido “soprano” brasileiro, meu cantor

preferido, discutimos os limites da apreciação das artes no Brasil, onde vemos ser formados, não

mais públicos das complexas culturas de massas, mas de multidões. Como diz meu amigo Pinzoh,

estamos diante do Estado da Arte da Fuleragem. Também arte!

Nos meus tempos de exílio em Milão, decorrente das núvens da erupção do vulcão na Islândia, fui

a diversas exposições de Goya, Schiller, visitei obras de Michelangelo (La Pietá inacabada) e, mais

um sonho realizado: visitei a Santa Ceia de Da Vinci. Estremeci de emoção! Benditas nuvens do

Vulcão!!

14 14

Figura 3: Nunca havia atentado-me para existência de uma mão que segura uma faca e não conseguimos

relacionar a ninguém na obra de Da Vinci.

Em Barcelona (2010), nos ciclos de espetáculos que observei, destacaria o novo espetáculo de

Joaquín Cortés, intitulado “CALÉ” (cigano, na sua língua). Nesse trabalho, ele imerge em questões

pessoais e marca uma retrospectiva dos seus 20 anos de carreira, relacionando-se aos seus

espetáculos anteriores (“Cibavi”, “Mi Soledad”, “Pasión Gitana”, “Soul”, “Live” e “Amor y Ódio”).

Um aspecto interessante, para o campo da análise da produção cultural, é que foi o próprio Cortés

que dirigiu e coreografou seu espectáculo, acompanhado por 16 músicos, 10 bailarinas e um total

de 40 pessoas que levam “CALÉ” pelo mundo fora. A música, uma fusão de ritmos e instrumentos,

é criada à base do flamenco. Como gostaria de vê-lo nos palcos brasileiros!

Em meados de 2009, estive em Barcelona, por ocasião da preparação da Campanha Internacional

dos Povos Indígenas contra a Transposição do Rio São Francisco, mas, em 2010, meu retorno se

deu em virtude do convite para trabalhar num Mestrado na Universidade Autônoma de Barcelona.

Aproveitei as horas vagas para conhecer mais as obras monumentais de Gaudí (Sagrada Família, La

Pedreira, Parque Guell, entre outras). Também visitei o Museu das obras de Picasso e Dalí.

Essas imersões mudam substancialmente a forma como comunicamos as questões das artes e das

culturas. Para mim, as viagens à Europa e o acesso aos “originais” das obras de arte tem um efeito

empoderador de descolonização. Não apenas por ver, mas por desconstruir verdades e mitos e

entender que a arte, de fato, torna a existência mais suportável, que é um dos grandes capitais

simbólicos da contemporaneidade. Hoje, sem soma de dúvida, a arte na Europa é um dos grandes

pilares da Economia Cultural do Velho Mundo.

15 15

Do encontro com Chico Anísio, com o qual tive a oportunidade de estar e conversar por longas

horas, concordo com suas insistentes palavras: “educação deve-se fazer com liberdades e

financiamento para viagens”.

Em Cuba, por exemplo, o turismo tornou-se a grande indústria, conhecida como fábrica sem

fumaças. Em toda a Europa, as culturas e as artes, tornaram-se o grande motor da economia,

como é a indústria cinematográfica nos EUA e na Índia, que todos os anos movimentam bilhões de

dólares. O Brasil, entretanto, ainda não descobriu o potencial das indústrias das criatividades, das

culturas e das artes, sua maior riqueza associada a mega-biodiversdiade.

Quando estive em Cuba, em 2004, apresentando trabalho no Congresso Internacional Educación y

Diversidad, observei que os “discursos” de Fidel Castro, a arquitetura da Havana Velha, recuperada

e transformada pela UNESCO em Patrimônio da Humanidade, o Buena Vista Social Clube, o famoso

bar La Bodeguita del Médio e suas famosas assinaturas nas paredes, o Museu da Revolução, a

Escola Internacional de Cinema, o mito de Che Guevara, o espírito da Revolução Socialista,

converteram-se, juntos, num produto consumido por milhares de pessoas de todo o mundo e é,

hoje, a base de sustentação da economia cubana. Tudo isso ancorado por um sólido e

revolucionário projeto educacional e de saúde coletiva.

Lembro-me de quando estava na Praça da Revolução vendo um show de Silvio Rodrigues, cantor

que muito aprecio, e a comoção causada pela entrada do “Grande Líder”, Fidel Castro, bem como

da memória viva de Che Guevara, nos “normatizados” programas televisivos de formação de

consciências coletivas pró-revolução, falando aos cubanos como se estivesse vivo, quando Ministro

da Economia de São Carlos, sorridente e encantador. Era difícil imaginar que “aquele criança”

havia pegado em armas e feito a Revolução, matado.

Um dos maiores produtos da indústria cultural brasileira, as telenovelas, lançadas

experimentalmente, em 1963 (ORTIZ7, 2001:144), enfeitava as tardes de Havana e me faziam matar

as saudades democráticas do Brasil, ainda jovem e frágil, mas esperançosa. Em Cuba, fiquei na

casa de um amigo que terminou sua formação em Fotografia, na Escola Internacional de Cinema.

Com ele pude conhecer mais essa poderosa indústria da contemporaneidade, sobretudo

7 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. São Paulo: Brasiliense, 2001.

16 16

fotografia para cinema, na época um incógnita para mim, pois sempre me perguntava: e isso dá

dinheiro?! Risos.

O DOMÍNIO DESSES DISCURSOS NA ACADEMIA

Em 2005, ingressei no Doutorado em Cultura e Sociedade na UFBA. Foi lá que mergulhei nos

discursos contemporâneos dos Intelectuais da Diáspora e da Descolonização (Hall, Baba, Saíde,

Canclini, Geertz, entre outros), da Teoria Crítica (Habermas, Benjamin, Marcuse, Adorno,

Horkheim), de alguns Teóricos como Foucault, Boudieu, Weber, Lévi-Strauss, Lacan e Freud, entre

outros. Fui o primeiro a defender a tese Cultura Material e Etnicidade dos Povos Indígenas

Atingidos por Barragens, nesse inovador doutorado multidisciplinar em Cultura e Sociedade

Sabemos que a Cultura é uma macro-categoria da Antropologia, e a Sociedade da Sociologia e

demais ciências “ditas” humanas. Existe alguma ciência que não seja social e humana? O que

seria, então, uma formação que unisse esses dois pilares das ciências: Cultura e Sociedade?

Recorto que minha formação sempre foi pela vereda das humanidades. Meu percurso de vida,

incluindo-se a minha vida acadêmica sempre esteve molhada no campo das culturas e das artes.

Antes de imergir na academia, fazia teatro, por um tempo, vendi telas. Fui por um bom tempo

Professor de Artes, ministrei diversas oficinas de pintura, montei atelier de arte-terapia, ou seja,

sempre estive às voltas com esse universo da Cultura.

Essa formação em Cultura e Sociedade que, sei, tem muito das ideologias circulantes no campo da

Comunicação e Cultura, toma a complexa noção de cultura como a ecologia da “ameba”, num

sentido de um eternidade epistemológica. Terry Eagleton (2005), no seu livro “A Idéia de Cultura”,

passa pelos significados antropológicos (mais difundidos), sociológicos, históricos, psicológicos,

entre outras abordagens contemporâneas de cultura e deixa-nos, com a importante categoria de

“cultura em crise”. Toda teoria, para ser sensata, tem que ser crísica!

Minha tese de doutoramento, manteve-se ancorada no campo da cultura, veias inusitadas em

certo sentido. Analisei a cultura material, também simbólica, na Bacia do São Francisco, a partir da

qual produzir um documentário, hoje importante instrumento didático em várias universidades,

usados em Programas de Mestrados e Doutorados da UNEB, UNIVASF, UNICAMP e USP, feito com

importantes pesquisadores no campo da Arqueologia e Antropologia brasileiras, a saber: André

Prous (francês), Carlos Etchevarne (argentino), Gabriela Martin (espanhola), Cleonice Vergne

(brasileira), Celito Kesterin (brasileiro), Alfredo Wagner (brasileiro), e Niède Guidon (franco-

17 17

brasileira), esta última, responsável por polêmicas descobertas sobre a ocupação humana nas

Américas. Ela defende ocupações superiores a mais de 50 mil anos atrás, quando, em convenções

internacionais aceita-se datações de 13 a 14 mil anos AP (Antes do Presente) e via de acesso pelo

Estreito de Bering, quando Niède Guidon, defende que outras rotas foram portas de entrada para

o homem e a mulher pré-históricos, a exemplo do oceano. Estive com Niède algumas vezes, para

fazer minha tese, mas, sobretudo, para conhecer de perto seu modelo de gestão patrimonial

implantado na Serra da Capivara, para a preservação das pinturas e gravuras rupestres daquela

região, uma vez que, também, juntamente com a arqueóloga Cleonice Vergne, coordenávamos

uma frente para proteger pinturas e gravuras rupestres existentes numa área de extração de

granitos na região de Paulo Afonso. Dos mais de 200 sítios que catalogamos, inclusive publicamos

um livro “Pedras Pintadas”, dos quais, cerca de 50%, já foram destruídos e transformados em britas

e paralelepípedos para a usos públicos e privados.

Essa imersão, formação acadêmica, foi base para que escrevesse e implantasse na UNEB, em 2009,

o primeiro mestrado em Ecologia Humana do Brasil, que coordenei por um ano, até meu

afastamento para o pós-doutorado em Antropologia na UFBA. Antes, havíamos formando duas

turmas a nível de especialização gratuita nessa área. No Mestrado em ECoH, ministro a disciplina

Ecologia e Subjetividades Contemporâneas, para qual venho desenvolvendo trabalhos inovadores

do ponto de vista acadêmico: uso minha monografia de Psicanálise, Amor e Paixão no Divã, e um

trabalho que estou acabando de escrever sobre a Ecologia da Alma. Nesse último, tento sustentar

a tese do fenômeno da homogeneização social, substrato para as individualidades e coletividades

contemporâneas.

Quando interpretamos, classificamos um determinado grupo humano ou seus sistemas culturais,

encimentamos totens conceituais, de-finimos estruturas complexas, nomeamos suas coisas, suas

conexões, rupturas vividas, descontinuidades experimentadas, efeitos sofridos, fenômenos

soerguidos, enfim, de tudo isso, abrimos as caixas dos nomes que compõem as palavras que dão

nome à vida, literalmente, a biologia da palavra, onde habita um organismo psíquico, feito de

linguagem, de discurso.

Os nomes desses grupos como grupo, raça, etnia, população, comunidade, povo, são os mitos, as

ficções, que homogeneizam as almas humanas, para que elas caibam nos cárceres das ciências, das

técnicas e dos governos. Se não bastasse esse envelopamento das individualidades, temos uma

poderosa teoria da subjetividade ancorada em modelos colonizadores, brancos, eurocêntricos,

18 18

fálicos. A individualidade é mesmo a morte da coletividade? Quem é mesmo que é tão coletivo

que não é único?

Os Escravos são uma categoria coletiva, mas os Senhores são sempre indivíduos. Localizamos no

Egito Tutancâmon, Nerfetiti. Entre os Alemães, Hitler; nas estruturas comunistas, Fidel, Lênin,

Stalin. Porque esses sujeitos não estão diluídos numa lógica homogeneizante das coletividades?

Numa etnia, num quilombo, numa comunidade de pescadores, qual a função das coletividades e

das individualidades? Que lugar resta nos sistemas interpretativos a respeito dessas culturas para

os processos de homogeneização?

Mas e o nome próprio, a auto-atribuição dessas identidades coletivas? Num Clã, num reinado, num

enxame de abelhas, quem é igual e quem é diferente? Os diferentes não são iguais porque são

diferentes, como afirma Alain Touraine, em Igualdade e Diversidade. Os diferentes são

homogêneos, para que exista o diferente. A diferença se produz nas teias do poder, mascarada

pelos fenômenos de homogeneização das massas, das multidões.

Individualidade e homogeneidade são coisas diferentes. As massas, as multidões são estruturas

homogêneas, como os blocos de judeus submetidos ao terrível destino de Auschwitzt, ou dos

próprios alemães, mortificados como seres homogêneos na insana individualidade de Hitler.

As individualidades diferem-se das homogeneidades. Lembremos: os ciganos expulsos da França

são coletividades homogêneas (“ciganos”), enquanto o Estado que os expulsou, berço da

“igualdade, liberdade e da fraternidade”, nomeiam-se como individualidades: “os franceses”. Estes

últimos, só o são em relação à primeira coletividade. Diluídos na individualidade da Comunidade

Européia são coletividades. Essa é um pouco da abordagem que estou sustentando nesse novo

trabalho, perfeitamente aplicável ao campo da Cultura.

A ALIEN-AÇÃO E HOMOGENEIZAÇÃO DA CULTURA E DO ESPETÁCULO

Penso que as consciências coletivas, homogeneizadas, organizam os conteúdos comunicacionais,

portanto, as ideologias alienantes nascem das mentes aliendadas, dos cidadãos homogeneizados.

A cultura se estabelece nessa lama simbólica com forte potencial de ruptura ou permanência, esse

é o espírito de sua dialética, da alien-ação. A exemplo do que observamos nas telenovelas,

produtos das sondagens de opiniões, ou da composição das câmaras de vereadores, assembléias

19 19

estaduais, Congresso, Senado, entre outros, diria mesmo até das religiões, retroalimentadas como

uma verdade congelada em estado bruto e absoluto que, por consequência, exclui outras

verdades.

Em seu texto Espetáculo Albino Rubim discute as teses sobre a morte da arte e a desaparição do

instante. Afirma: na sociedade do espetáculo, a banalização da espetacularização produz e destrói,

simultânea e instantaneamente, espetáculos (2005:23). Gullar (1999:41), diz-nos que “o novo é

efêmero, mesmo porque seria uma contradição, em termo, imaginar-se um novo permanente.

Logo, o novo é uma qualidade externa (não essencial) às coisas, e a busca do novo pelo novo, uma

empresa fútil. Não obstante, essa busca determinou em boa parte a atividade artística do que

século que finda.” Podemos pensar que a etnocenologia social contemporânea mata a novidade, o

espetáculo, a espetacularizaçnao. Bauman, em Vidas Despedaçadas8 aponta a nova configuração

do lixo humano produzido pela sociedade de consumo.

Lembremos que, mesmo referindo-se à indústria cultural, à economia da cultura, estamos

pensando num sistema de trocas de mercadorias simbólicas, da comercialização de bens e serviços

da cultura, das artes, numa sociedade de consumo na contemporaneidade. O marketing cultural,

apesar de uma série de discordâncias, pode ser pensado como a ciência da produção de mercados

e consumidores da cultura. Longe do que acontecia na Grécia Antiga, em que a relação com as

artes e as culturas estavam para a dimensão da formação humana, longe das teias do mercado,

hoje, as mercadorias simbólicas são tesouros do mundo capitalista!

Mas ainda há experiências extremamente interessantes e humanitárias. Gostaria de destacar o

trabalho desenvolvido pelo CRIA, Centro de Referência Integral da Criança e do Adolescente, em

Salvador, do qual participei como espectador, observador, depois como oficineiro, tambureteiro,

no projeto SER-TÃO Brasil. Sob a coordenação da querida e admirada amiga Maria Eugência Millet,

que, acredita na Arte e na Cultura como campos de transformação de realidades sociais, de

escavação de humanidades silenciadas, a beleza contra a tirania, o lúdico no lugar da crueldade da

realidade cotidiana de centenas de crianças e jovens. Uma experiência formidável!

Sobre o efêmero e o instante, Maffesoli (2000) analisa esse fenômeno como o “retorno do

destino” que, indica, se exprime sob a forma do imprevisível e do puro presente. Diz: “essa nova

8BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

20 20

intensidade do instante explode em todas as direções: dos víodeoclipes aos jogos informáticos, das

manifestações desportivas às festas techno, passando pela ecologia, senão mesmo pela

astrologia.” Diz: “o trágico é impensável e, no entanto, temos que pensá-lo. Recordemos-nos

também que, como o vento, o espírito sobra onde quer” (2000:07).

A tese levantada por Walter Benjamim da Escola de Frankfurt, publicada sob o título A Obra de

Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, no período em que se encontrava refugiado em

Paris, em virtude da perseguição dos judeus pelos nazistas, discute a função da arte no século XX,

na era digital, na era da cópia. Benjamim discute a “politização da estética” a partir da dialética

entre o original e a cópia. Por este fio, sustenta que a reprodução técnica das obras de artes, a

queda das estruturas que manipulam a “originalidade” das artes, contribuem para a

democratização da estética. Não há morte, mas novas configurações da função da arte na

contemporaneidade. Ferreira Gullar, em sua Argumentação Contra a Morte da Arte (1999:23), diz-

nos que:

A discussão em torno da antiarte e do “fim da arte” diz respeito à eliminaçãoou destruição do quadro como suporte da pintura. Por sua vez, o que seconvencionou chamar de objeto pretendeu ser uma alternativa ao quadro emesmo uma solução adequada à questão que levaria à sua destruição: aeliminação do aspecto fictício – ou virtual ou figurado – da pintura. Saiu-se doterreno da representação para o da presentação.

Vejo-me pensando esses fenômenos. Isso é base da minha produção acadêmica. Recentemente,

orientei um trabalho na Graduação, intitulada: Rio, Pontes e Overdrives: Identidades Urbanas e

Tribos Musicais (2009), de Augusto Flávio, que analisou a dinâmica da juventude na

contemporaneidade.

Depois desse trabalho, comecei a pensar as identidades juvenis como musicais. Há processos de

identificações subjetivas que circulam pelas mídias áudio-visuais, sobretudo na internet, e que

arrebatam uma infinidade de jovens nas suas dramáticas demandas de tamponamento dos furos

de suas almas. Trata-se, como nomeou CANVACCI (2005:47) dos movimentos das culturas juvenis,

nas quais se incluem suas sexualidades, nos seus desordenados espaços comunicacionais e

urbanos, onde inovam códigos de forma conflitiva, removem significados estáticos, livram signos

fluidos de símbolos sólidos. Fazendo uma relação como o que nomeou Culturas eXtremas (aquelas

que ao longo da sua autoprodução, se constróem de acordo com os módulos espaciais do

interminável), essas identidades musicais, são marcadas por Sexualidades eXtremas. Como a

infinitude dos sons, das músicas, essas sexualidades são da ordem do abismo do interminável. A

21 21

grande paixão operante é a paixão do nada, da angústia, que deixa como marca um intenso e novo

modo de gozar, mas mantém a posição clássica do sujeito na solidão, que emudecem nas festas

“rave”, entorpecida por psicoativos, antedepressivos, ansiolíticos, neurolépticos. A juventude está

incorporando a idéia de que pode comprar a alma na farmácia, ou que, tudo no instante, deve ser

vivido no tempo do efêmero.

PARA QUE SERVE A CRIATIVIDADE NA EXISTÊNCIA?

Onde nasce a criatividade, para que serve no nosso instante existencial, definido como vida?

Jacques Chardonne9, afirma que “a vida é trágica, pede-se que não seja entediante”. Ferreira Gullar

diz que a arte existe para tornar a existência suportável. Rubem Alves decreta: a beleza é quem

engravida o desejo. Na minha vida, sempre estive às voltas com as inquietações sobre a função da

arte na vida humana. Da Masi (2000) defende a tese do Ócio Criativo. Diz: “o ócio pode

transformar-se em violência, neurose, vício e preguiça, mas pode também elevar-se para a arte, a

criatividade e a liberdade. É no tempo livre que passamos a maior parte de nossos dias e é nele

que devemos concentrar nossas potencialidades”. Foi, portanto, questionando-me sobre a função

e importância da arte nas nossas vidas que elaborei minha dissertação de mestrado sobre a

Psicologia (Vygostsky) e Psicanálise da Arte (Freud), publicada em forma de livro (2003). A

Psicanálise é encharcada pela arte, em parte, foi dela que Freud escavou a noção de inconsciente,

de sublimação. Vygostky, paradoxalmente à Freud, escavou os sentidos sociais, diria, marxista, da

análise da arte e da cultura.

ECOLOGIA E CULTURA

Minha militância política caminha pelos trilhos da Ecologia: existir sentindo-me parte e responsável

pelos sistemas cósmicos, onde está incluso nosso Planeta, nossa Casa. Durante anos, militei no

Greenpeace e no Partido Verde. Desses trabalhos, minhas elaborações acadêmicas também foram

meladas com a clorofila dessas aventuranças verdes.

Como Assessor Especial da Secretaria Estadual de Meio Ambiente da Bahia, no ano de 2007, fiz

diversos encontros nos biomas baianos, dos quais, produzimos relatório/livros e documentários

(As Caatingas, Cerrado Baiano e Manguezais da Bahia), hoje importantes fontes de pesquisas para

escolas públicas e universidades. Fiz estes trabalhos inspirados nas teorias da Ecologia da Cultura:

9 In Maffesoli (2000).

22 22

conhecer as culturas pelos sistemas de relacionamentos dos grupos humanos com a natureza, os

quais são produzidas, inventadas, as tradições.

Nessa lógica de relacionar Ecologia e Cultura, haja vista, serem os criadores, os artistas, os

precursores da Ecologia, cujos sistemas foram descritos em versos, prosas, desenhos, pinturas,

esculturas, vídeos, fotografias, etc. Os cronistas, viajantes, os naturalistas, eram bons artistas,

numa época em que a arte era parte importante da formação no campo da história natural, como

pode ser observado em uma monografia que orientei em 2004, de Merenice de Lima sobre A

Importância das Representações Gráficas nos Estudos Científicos para os campos da Biologia e da

Arqueologia.

Numa semana de meio ambiente, resolvemos realizar um grande seminário, uma aula espetáculo

sobre ecologia e cultura com Ariano Suassuna. Quando ele chegou, chamo-me e disse: “eu não sei

nada de ecologia, vou falar de cultura, aí vocês aplicam na ecologia”. A esta altura já estava em

risos extremos. Ele é engraçadíssimo, ou seja, cheio de graças. Ele não fez nada menos que dizer

que os ecologistas eram desocupados, porque ficavam protegendo ararinha azul, enquanto o povo

passava fome. Relatou o caso de uma senhora que fez uma promessa com um jegue, e foi

impedida por uma ecologista, que a denunciou por maus tratos aos animais. Era um público de

quase mil pessoas que não se cansava de rir, enquanto me perguntava se havia feito a coisa certa.

Numa conversa fechada depois do Seminário, indignado, perguntei-lhe: “Ariano, estou deveras

inconformado com seu pronunciamento que, digo-lhe, achei deseducativo e anti-ecológico”. Rindo,

ele disse-me: “mas o que foi que eu disse mesmo?! As pessoas não podem levar muito a sério o

que eu digo, porque, naquele momento, meu interesse, meu objetivo é provocar o riso e,

aprenda: NÃO TEM TIRANIA QUE SOBREVIVA AO RISO”. Emudeci. Passou-me pela imaginação uma

revolução sem armas, pela alegria. Anos depois, fiquei impressionado com a força do beijo de

casais homossexuais em protesto ao pensamento da igreja católica contra a homossexualidade, em

frente à Igreja da Sagrada Família de Gaudí, na ocasião da visita do Papa Bento XVI, a Barcelona.

Temos que imaginar a revolução do riso, da alegria, do beijo!

Bem, falamos de palavras “irmãs” (Eco-logia e Eco-nomia) a ecologia é o estudo da terra, da nossa

Casa. A economia, refere-se à gestão da casa, de seus complexos sistemas relacionados às trocas

estabelecidas, hoje, em forma de mercadorias, também de bens simbólicos. A Economia da

Cultura e a Ecologia da Cultura, podem ser pensados, nesse sentido, que a economia da cultura

refere-se à gestão dos bens culturais, da arte e da cultura como mercadorias simbólicas e

materiais, enquanto a ecologia da cultura, refere-se a uma ética de como as artes e as culturas se

23 23

estabelecem nos diferentes contextos culturais, sem, necessariamente, serem pensadas como

mercadorias, mas como marcas de um modo de se relacionar nos sistemas ecológicos.

MERCADORIAS SIMBÓLICAS

Na era globalizada, a informação e a comunicação tornaram-se mercadorias privilegiadas. Uma

economia da cultura e do espetáculo, subordinada a uma lógica de produção mercantil-

entreterimental (RUBIM, 2005:22,27). No texto Espetáculo, Rubim destaca a função do olhar que

está na raiz latina da palavra spetaculum (tudo que atrai e prende o olhar e a atenção). Massimo

Canevacci (2001:13), inspirado nas análises do fetichismo, portanto, do exibicionismo, construiu

uma antropologia da comunicação visual, tomando como base a crescente importância dada às

culturas visuais, consequentemente à função do olhar. Diz: “com essa finalidade tentou-se

elaborar um quadro teórico de referência para focalizar a “natureza” particular das mercadorias

contemporâneas – suas características intrínsecas de mercadorias-visuais com um valor acrescido

de caráter comunicativo.” Segundo Lacan (2008), todo fetichista é exibicionista. Mostramo-nos

para nos ver, sendo olhados.

Marcela Antelo, psicanalista argentina que mora na Bahia, certa vez afirmou que o cinema era a

arte da voz e não do olhar. Aquilo me causou um impacto singular, haja vista, que sempre acreditei

na hegemonia do olhar, janela e armadilha da alma, sobre qualquer outro sentido humano.

Observando a tela Narciso de Caravagio, bem como, depois de 7 (sete) anos de análise com

psicanálise lacaniana, na qual também sou formado, entendi que o olhar evoca a devolução de

algo do ser, algo retorna pelo olhar (ver-me). Em Aristóteles, temos o fenômeno da catarse, termo

grego que indica o despertar de eleos (piedade) e phobos (temor) pela ação representativa (a

tragédia), um estado de identificação e purificação da alma. Em Lacan, o que retorna é o olhar do

Outro, um olhar imaginarizado pelo sujeito e que tem sobre ele um certo domínio. Portanto, o que

captura, o que emociona na telerrealidade, na sociedade do espetáculo, é esta força que retorna

que, acredito, é o estatuto da voz: olhamos pela voz e escutamos pelos olhos, é minha tradução

para uma antropologia da comunicação visual na contemporaneidade.

Nas paixões humanas, olhar um objeto qualquer que apaixona (a) e que é do sujeito, mais suposto

ao Outro, antes uma imaginarização, refere-se a um modo de deslocamento de uma energia

psíquica para o próprio corpo. “O objeto a, no campo do visível, é o olhar”, diz Lacan (2008:106).

Apesar dessa relação estabelecer-se por uma janela, o objeto nunca fica cara a cara com o sujeito,

“já que na presença do objeto o sujeito esvaece-se” (CHATELARD, 2005:119), como Narciso que, na

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presença de si o sujeito encanta-se, firmando-se o verdadeiro par amoroso (a-a’). Segundo Miller,

para Freud, a escolha do objeto de amor é i(a), imaginarização de a, é a imagem do outro ser

humano, não o objeto a. Isso é verdadeiro, mas não é a verdade: há um “caráter clássico dessa

concepção do amor, querer seu bem para si” (LACAN:2008:187).

Figura 4: Narciso de Caravagio: algo do olhar sempre retorna.

No início do doutorado, participei de uma Cátedra com Renato Ortiz, onde nos foi apresentado

reflexões sobre diversas questões relativas à cultura brasileira, destacando-se, sua análise da

emergência de uma indústria cultural no Brasil. Nesse momento, já levantava questões sobre

como os diferentes sistemas da nossa cultura e das nossas artes, convergiam-se para a lógica da

economia global, para um “novo” mercado de bens simbólicos e qual a função das ciências nesse

cenário. Milton Santos, no livro Por Uma Outra Globalização (2000:53), põe desafios estruturais a

estas questões:

Como as técnica hegemônicas atuais são, todas elas, filhas da ciência, e comosua utilização se dá ao serviço do mercado, esse amálgama produz um ideárioda técnica e do mercado que é santificado pela ciência, considerada, elaprópria, infalível. Essa, aliás, é uma das fontes do poder do pensamento único.Tudo que é feito pela mão dos vetores fundamentais da globalização parte deidéias científicas, indispensáveis à produção, aliás acelerada, de novasrealidades, de tal modo que as ações assim criadas se impõem como soluçõesúnicas.

Pierre Lévy constrói uma epistemologia da cibercultura, Muniz Sodré (1996) de tecnocultura, Régis

Debray (1994) de videosfera, vemos recorrentemente circular pelos textos acadêmicos, sobretudo

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da comunicação e cultura, a noção de telerrealidade e, conforme formulei em monografia para a

Escola de Psicanálise (2011), vivemos a era da internidade, das núvens virtuais que vendem o

instante como efêmero, onde o vazio permanece sempre cheio de nada. Seria uma boa hipótese

dizer que os espetáculos contemporâneos, no seu instante efêmero, enche-nos de nada, em escala

industrial?!

SOBRE INDÚSTRIA CULTURAL

O conceito de indústria cultural foi criado por Adorno e Horkheimer em 1947 (Dialektik der

Aufklärung), publicado no Brasil em 1985 (Dialética do Esclarecimento). As Dinâmicas das novas

mídias e da complexificação das sociedades e suas culturas, trouxe novas questões para o campos

das artes, das culturas, das ecologias e da economia. O processo da industrialização da cultura, tão

cantado e desejado, é a solidificação de uma indústria da criatividade?

Minha participação no IV Campus Euro-Americano de Cooperação Cultural, em 2005, e no

Seminário Indústrias Criativas (2005), intitulado A Cultura no Século XXI, bem como em algumas

versões do ENECULT, Encontro dos Estudos Multidisciplinares em Cultura, em que apresentei vários

trabalhos: Peles Esquecidas: Reflexões Sobre Identidades Indígenas na Bacia do São Francisco (II

ENECULT, 2006); Desenhos de Identidades Indígenas (III ENECULT, 2007), clarificaram mais esse

meu questionamento.

O conceito de indústria criativa surge no início da década de 90, na Austrália, mas é no final deste

período que obtém maior relevância ao ser inserido nas políticas definidas pelo Department for

Culture, Media and Sport (DCMS) do Reino Unido, com a criação do Creative Industries Unit and

Task Force, em 1997. No Creative Industries Mapping Document, as Indústrias Criativas são

definidas como aquelas que têm a sua origem na criatividade, competência e talento individual,

com potencial para a criação de trabalho e riqueza, através da geração e exploração da

propriedade intelectual10. Linda Rubem (2205:44) descreve o conceito de Insdústrias Culturais

apresentado por Ramón Zallo, como “um conjunto de ramos, segmentos e atividades auxiliares

industriais produtoras e distribuidoras de mercadorias com conteúdos simbólicos, concebidos por

um trabalho criativo, organizadas por um capital que se valoriza e destinadas finalmente, aos

mercados de consumo, com uma função de reprodução ideológica e social”.11

10 Wikpédia 2011 (13/01/2011).

11 (ZALLO, 1998).

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Rubim (2005:19) fala-nos da emergência de uma cultura cada vez mais “industrializada”, em que a

política cultural deve relacionar-se, cada vez mais, com as mídias e as indústrias culturais. A análise

desses novos cenários dos complexos sistemas culturais na contemporaneidade, pressupõe a

urgência de uma epistemologia relativamente nova, mas que não se constitui como numa nova

ciência. Daí a força que as análises multidisciplinares têm no campo da Cultura.

OUTRAS ATIVIDADES:

Uma pesquisa (2005-2010) que foi divisor de águas na minha carreira acadêmica foi o trabalho de

identificação dos impactos ocasionados pela construção de grandes barragens no rio São Francisco

(Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso I, II, III, IV e Xingó). Foram mais de

200.000 (duzentas mil) pessoas atingidas e dezenas de cidades destruídas. Um etnocídio

sociocultural oficializado! Dessa experiência, publiquei vários livros: Ecologias de Homens e

Mulheres do Semiárido (2005), Ecologias do São Francisco (2006), bem como diversos artigos em

congressos nacionais e internacionais, dos quais destaco: 1. Barragens: Destruição da Cultura

Material e Ameaças aos Territórios Indígenas da Bacia do São Francisco (2007), no II Encontro

Latinoamericano de Ciências Sociais e Barragens (Salvador); 2. Impactos de Barragens sobre Povos

Indígenas do São Francisco: Estudo Comparativo entre os Tuxá, Truká e Tumbalalá, no III Encontro

Latinoamericano de Ciências Sociais e Barragens (Belém), parte da pesquisa do Pós-Doutorado em

Antropologia na UFBA. Ainda no campo dessa pesquisa, estou finalizado, para publicação em

fevereiro de 2011, o verbete do Povo Tuxá, para a Enciclopédia dos Povos Indígenas do Brasil, junto

com a Dra. Ely Estrela, do mestrado de história da UNEB.

No II Congresso Latinoamericano de Etnobiologia e Etnoecologia (2010), publiquei os trabalhos: 1.

Conhecimento Tradicional Associado ao Uso da Jurema-Preta na Ciência do Índio e Festa do Amaro

pelos Pankararé, Brejo do Burgo, Glória, Bahia, Brasil; 2. Etnoecologia dos Pescadores Artesanais

no rio São Francisco no Município de Paulo Afonso, Bahia, Brasil.

Destacaria ainda alguns trabalhos que desenvolvi no Acre, na terra de Chico Mendes e Marina

Silva, onde esconde-se uma civilização de nordestinos, transplantados na era da borracha. Lá

ministrei um trabalho muito peculiar que foi analisar a ocupação negra na Amazônia, quando o

imaginário fecha-se com a visão, apenas, dos povos indígenas, também desconhecidos e

ignorados. Escrevi um artigo, a ser publicado, este ano, pela PUC de São Paulo e pela UFAC,

intitulado Crisálidas Negras: Notas Sobre Teias Simbólicas das Identidades Étnicas (anexo). Este

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trabalho foi apresentado como palestra intitulada Movimentos Sociais e Identidades Negras no I

Colóquio Internacional: As Amazônias, As Áfricas e as Áfricas na Pan-Amazônia (2008).

Ainda em 2008, outro importante trabalho que apresentei foi no Seminário Cartografias Sociais e

Territórios no Rio de Janeiro, organizado pela UFRJ, intitulado Cartografias e Tramas Territoriais:

Contextos Jurídico-político-fundiários e Étnicos dos Mapeamentos.

Por fim, destacaria meu último trabalho como gestor, Diretor do Campus VIII, da Universidade do

Estado da Bahia (2008-2010), do qual já tinha sido Coordenador do Colegiado de Pedagogia, das

Especialização e do mestrado em Ecologia Humana (atual), cujo relatório das atividades encontra-

se anexo. Destaco, entretanto, do período da minha Gestão, a consolidação de dois Programas de

Mestrados (Biodiversidade Vegetal e Ecologia Humana), a estruturação de um Centro Internacional

de Estudos em Ecologia e Conservação da Natureza (CASULO), a Implantação de um Curso de

Graduação para Povos Indígenas, a Cartografia dos Terreiros de Candomblé e Umbanda e dos

Pescadores Artesanais, a construção do Museu à Céu Aberto de Pinturas e Gravuras Rupestres do

Complexo Arqueológico de Paulo Afonso e a implantação da Cantina da Universidade, a partir da

qual passamos a ter cafezinho, todos os dias, no Departamento. Esta última, minha obra mais

importante!

Outra experiência muito especial, para mim, foi a participação na banca de defesa de tese

(Ressignificação e Reapropriação Social da Natureza: Práticas e Programas de “Convivência com o

Semiárido no Território de Juazerio-Bahia) de Luzineide Dourado Carvalho, na UFS, e da dissertação

(Desterritorialização sob as Águas de Sobradinho: Ganhos e Desenganos), de Edcarlos Mendes da

Silva, na UFBA. Ambas em 2010.

No campo da comunicação, na cidade de Jaguarary, participei de uma comissão para fundar a

primeira rádio comunitária da região. Nela, por um bom tempo, fui responsável por um programa

sobre a memória da Cidade. Como é comum em trabalhos dessa natureza e, considerando o poder

político nessas cidades, por começar a ter índices de audiência superiores às rádios comerciais e,

tocar em questões sociais polêmicas, depois de poucos anos de funcionamento, nossa rádio foi

violentamente fechada.

Também Participo do Conselho editorial da Revista Ouricuri, do Mestrado em Ecologia Humana e

Gestão Socioambiental da UNEB, da qual fui fundador e organizador do primeiro número. Além

dos já desenvolvidos projetos de pesquisa: 1. Avaliação dos Impactados das Grandes Barragens na

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Região do São Francisco (2005-2010); 2. Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais da

Bacia do São Francisco (2006-2011), 3. Projeto Canudos (2009-2010); 4. Mapeamento dos

Quilombos da APA Serra Branca (2009-2010); Estou estruturando duas novas pesquisas: Culturas

Locais (Tradicionais) e Economias Globais e Ecologia da Alma.

PROJETOS FUTUROS

Pretendo fundar um grupo de estudos tendo como base a Ecologia Cultural, incorporando as já

iniciadas pesquisas sobre a Ecologia da Alma e sobre as Culturas Locais (Tradicionais) e as

Economias Globais.

Como extensão, no campo da Comunicação e da Cultura, pretendo envolver meus alunos na

construção de uma rede que tem como meta, mapear o estado da arte das indústrias criativas na

Bahia e suas relações com o contexto nacional e internacional. Também, objetivo organizar um

ciclo de palestras com teóricos contemporâneos que vêm publicando trabalhos sobre esses temas.

Como consequência, e a partir dos contatos que já estabeleci com pessoas e instituições em

diversas universidades do Brasil e alguns países da Europa e América Latina, pretendo envolver

meus alunos em intercâmbios e programas de mestrados, doutorados e pós-doutorados.

FECHANDO AS CORTINAS

Assim, como agentes, vivemos embebecidos de tantos sonhos, tantas músicas, de filhos, irmãos,

esposas, amantes, de livros, de alunos, de desconhecidos, de flores, de paixões, de perdas, de

casas, de dores, de ódios, de cheiros, de segredos, de destinos, de silêncios, de encontros, de

despedidas, de viradas, de poesias, da poesia de Neruda que diz: “às vezes Isso me cansa de ser

homem”.

O Isso, penso, deve ser nosso jeito de nos desinventar como gentes, de descortinar nossa

escondida ética, de ser pleno e intenso na existência, mais do que um instante efêmero. Ser feliz a

contragosto do mundo, que deseja apenas nossa angústia, com sua voraz violência operada pela

vociferação do supereu, o demônio das nossas sombras. Como gentes, portanto, habitamos,

construímos e desconstruímos pessoas! Precisamos, então, passar pelos mundos subjetivos nossos

e dos outros, mundano, mudando, mudando-se, para permanecer o mesmo, plenos dos próprios

mundos e muros afetivos. Trata-se de um belo exercício de dessecar almas, de lapidar nosso

próprio mistério como alguém que, de repente, existe, nesses novos caminhos de tantos sonhos,

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escolhendo novos pedaços para completar nossa existência, fazendo sempre como as primaveras:

perdendo os pedaços para permanecer inteiro, numa esperança secreta e sagrada de que sempre

secam as flores, mas não dessecam-se as primaveras.

REFERÊNCIAS:

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica. In: ADORNO et al. Teoria daCultura de Massa. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Paz e Terra, 2000. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: BERTRAND BRASIL, 2005.

CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas: Mutações Juvenis nos Corpos das Metrópoles. Rio de Janeiro:DP&A, 2005._______. Antropologia da Comunicação Visual. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

DA MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo:UNESP, 2005.

MAFFESOLI, Michel. O Eterno Instante: O Retorno do Trágico nas Sociedades Pós-Modernas. Lisboa:Instituto Piaget, 2000.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985.

GULLAR, Ferreira. Argumentação Contra a Morte da Arte. Rio de Janeiro: Editora revan, 1999.

LACAN, Jacques. Seminário Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Texto estabelecidopor Jacques Alain-Miller; versão brasileira de Betty Milan – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

RUBIM, Linda (Org.). Organização e Produção da Cultura. Salvador: EDUFBA, 2005.

RUBIM, Albino (Org.). Cultura e Atualidade. Salvador: EDUFBA, 2005.

SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização: do Pensamento Único à Consciência Universal. Rio deJaneiro: RECORD, 2000.

SARTRE, Jean-Paul. Em Defesa dos Intelectuais. São Paulo: Ática, 1994.

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