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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Carolina Galvão de Oliveira Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas Mestrado em Psicologia Social São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Carolina Galvão de Oliveira

Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção

Psicossocial álcool e outras drogas

Mestrado em Psicologia Social

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Carolina Galvão de Oliveira

Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção

Psicossocial álcool e outras drogas

Mestrado em Psicologia Social

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para o título de Mestre em Psicologia Social,

sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cristina

Gonçalves Vicentin.

São Paulo

2016

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ERRATA

1. Na página 22 onde se lê “Lei 2.216”, o correto é Lei 10.216.

2. Na página 47, onde se lê “acordo”, o correto é o termo lei, pois se trata

da Lei Municipal nº 6.215 de 09 de maio de 1990. Disponível em:

http://candido.org.br/dmdocuments/2013/texto_proposta_decreto_regula

mentacao_lei6215_90.pdf

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Oliveira, Carolina Galvão de. Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Meus mais sinceros agradecimentos àqueles que me acompanharam,

participaram e contribuíram de alguma forma neste percurso:

À Profa. Cristina Vicentin, obrigada por acolher ideias, palavras, gestos,

intenções, por suas aulas envolventes e suas precisas orientações.

Aos colegas do Núcleo de Lógicas Institucionais e Coletivas, agradeço

imensamente pela leitura dos textos que pouco a pouco se transformaram em

uma dissertação e pelas potentes considerações que me conduziram por novos

caminhos na pesquisa.

À Profa. Mary Jane, por suas valiosas contribuições desde o início deste

percurso e por me lembrar que a escrita é uma atividade prazerosa.

Ao Prof. Ricardo Pena, com quem compartilho de experiências

campineiras no campo da saúde mental, álcool e outras drogas, obrigada pela

disponibilidade em acompanhar este estudo e por me suscitar irreversíveis

inquietações.

À toda a equipe do CAPS ad Antônio Orlando, obrigada por abrir suas

portas me recebendo como pesquisadora e pelo modo leve, receptivo e

interessado com que participaram de todos os momentos desse percurso.

Ao Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, por onde passei, fiquei,

deixei e voltei. Onde aprendi e desaprendi, para então aprender de novo.

Agradeço à instituição que me recebeu em todas as vezes que bati em suas

portas.

Ao Clayton, Sander e Andrea, amigos e primeiros colegas de trabalho

com quem pude experimentar os sabores e os dissabores das indisciplinas

institucionais.

Ao Bruno, pelo auxílio com a leitura e revisão da dissertação e por

caminhar ao meu lado em todos os momentos, até mesmo quando estive na

mais plena solidão.

Finalmente, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico – CNPq, pela concessão da bolsa de mestrado que

tornou possível financeiramente a realização deste projeto.

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Oliveira, Carolina Galvão de. Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

RESUMO

Nesta pesquisa buscamos acompanhar as práticas de acolhimento realizadas

no cotidiano de um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas

(CAPS ad) no município de Campinas (SP), e analisar a produção do cuidado

nos encontros entre trabalhadores e usuários. Para isso foram realizadas

observações, conversas, entrevistas e uma oficina com os trabalhadores, ao

longo de nove meses de pesquisa empírica. Nos valemos dos referenciais da

Análise Institucional Francesa ao utilizarmos os diários de campo para a

produção dos dados da pesquisa e para analisar as implicações do

pesquisador, numa perspectiva desnaturalizadora. Nosso campo de análise

percorreu a polissemia das noções de cuidado e de acolhimento em saúde e

seus desdobramentos na articulação com as políticas públicas voltadas para

usuários de álcool e outras drogas. Também nos apoiamos em referenciais do

campo da Saúde Coletiva, que entendem o acolhimento como metodologia de

trabalho e como arranjo organizacional dos serviços, operando as tecnologias

leves de relação. Através das conversas que se dão no cotidiano, pudemos

caracterizar diferentes modos de se acolher os usuários, destacando situações

que põem em análise o potencial dos trabalhadores para criar novas respostas

aos problemas enfrentados no dia a dia do serviço, bem como resquícios do

modelo psiquiátrico tradicional que insistem em se reproduzir. Pudemos

identificar que as práticas de acolhimento, quando acionadas com o foco nas

expressões de vida mais singulares dos usuários, têm o potencial de ampliar o

acesso ao cuidado em saúde na perspectiva da redução de danos, produzindo

mais substâncias para o cuidado e impulsionando processos de

desinstitucionalização no campo da saúde mental, álcool e outras drogas.

Palavras-chave: acolhimento; cuidado; CAPS ad; saúde mental;

desinstitucionalização; Análise Institucional.

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Oliveira, Carolina Galvão de. Práticas de acolhimento e produção do cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

ABSTRACT

In this study we intended to follow user embracement practices in the everyday

life of an Alcohol and Drugs Psychosocial Attention Center (CAPS ad) located

in the city of Campinas (SP), and analyze the care assistance produced in

relations between workers and users of the service. To achieve these intentions

in nine months of empirical research, we used observations, everyday

conversations, interviews and one workshop with the CAPS workers. We used

the French Institutional Analysis references and field diaries as a tool for the

production of research data and to analyze the implications of the researcher, in

a denaturalized perspective. To help our analysis, we searched for the

polysemy notions of care and user embracement in the health field and its links

to the drugs public politics. We also used ideas of the Collective Health field,

which refer user embracement as a work methodology and a reorganization

strategy for health services as well, operating soft technologies of relations.

Through everyday conversations we were able to describe different practices of

user embracement and distinguish situations that interrogates the workers

potencial to create new responses to the problems faced, just as traditional

psychiatric vestiges as well. We were able to identify that when user

embracement practices are dedicated to the users most distinctive expressions,

they show potential to increase the access to health care in a Risk and Harm

Reduction perspective, stimulating deinstitutionalization processes at mental

health, alcohol and drugs field.

Keywords: user embracement; care; CAPS ad; mental health;

deinstitutionalization; Institutional Analysis.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ASPA Ambulatório de Substâncias Psicoativas

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPS ad Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas

CAPS i Centro de Atenção Psicossocial infantil

CRIAD Centro de Referência e Informação em álcool e outras drogas

CEASA Centrais de abastecimento de Campinas S.A.

CONFEN Conselho Federal de Entorpecentes

FÓRUM ad Fórum da rede álcool e outras drogas

NADeQ Núcleo de Atenção à Dependência Química

PEAD Plano Emergencial de Ampliação e Acesso ao tratamento e Prevenção em álcool e outras drogas

PMC Prefeitura Municipal de Campinas

PNH Política Nacional de Humanização

PRD Programa de Redução de Danos

PTS Projeto Terapêutico Singular

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

RD Redução de Danos

SANASA Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A.

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SSCF Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira

SUS Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 – PERCURSO DA PESQUISA ........................................................... 4

CAPÍTULO 2 – REPERTÓRIOS DO CUIDADO .................................................... 11

2.1 Cuidado em Saúde ........................................................................................................... 13

2.2 Cuidado e Políticas de álcool e outras drogas ................................................................. 19

CAPÍTULO 3 – ACOLHIMENTO: EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS .................. 28

3.1 Acolhimento em um ambulatório de saúde mental (RJ) .................................................. 30

3.2 Acolhimento em Betim (MG) ............................................................................................ 32

3.3 Acolhimento em um programa de saúde mental (SP) ..................................................... 35

CAPÍTULO 4 – CAMINHOS DA SAÚDE EM CAMPINAS .................................... 41

4.1 O Projeto Paideia ............................................................................................................. 44

4.2 Reforma Psiquiátrica campineira ..................................................................................... 53

4.3 Rede álcool e drogas em Campinas ................................................................................ 57

CAPÍTULO 5 – ACOLHIMENTO NO CAPS AD ANTÔNIO ORLANDO ............. 66

5.1 Ambiência no CAPS adAO ............................................................................................... 73

5.2 Organização do cotidiano e plantão de acolhimento ....................................................... 75

5.3 Os grupos de acolhimento ............................................................................................... 86

5.4 Acolhimento na rua........................................................................................................... 91

5.5 “Amigão da ambiência” .................................................................................................... 98

5.6 Acolhimento-conversa .................................................................................................... 103

5.7 Acolhimento e indisciplinas ............................................................................................ 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 126

ANEXOS ..................................................................................................................... 136

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APRESENTAÇÃO

Passada mais de uma década desde suas primeiras experiências, os

Centros de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS ad) têm

avançado na consolidação de uma rede de atenção voltada a usuários de

álcool e outras drogas no Brasil, constituindo-se como um modelo de cuidado

em consonância com a Reforma Psiquiátrica e os princípios do Sistema Único

de Saúde (SUS)1.

Inserido no âmbito do SUS, os CAPS ad têm o papel de ampliar o

acesso das pessoas que vivem algum tipo de sofrimento relacionado ao uso de

drogas a um modelo de atenção de base comunitária e territorial. Trata-se de

uma perspectiva focada nas necessidades dos usuários, ofertando projetos

terapêuticos indivualizados e compartilhados com outros setores da sociedade.

Como serviço substitutivo de saúde mental baseado nos princípios da Reforma

Psiquiátrica, deve também atuar na criação de possibilidades “para que os

modos existenciais dos usuários possam comparecer como matéria para o

exercício da clínica e da gestão” (SOUZA, 2013, p. 246).

No entanto, devido à complexidade dos problemas que abrangem, os

CAPS ad encontram uma série de obstáculos para cumprir com seus

compromissos. Envolto por camadas de preconceitos, tabus e interpretações

de senso-comum, o consumo de drogas nas sociedades ocidentais está

atravessado historicamente por um viés moral que impacta os avanços e os

retrocessos na efetivação das políticas públicas.

Atuar em um CAPS ad significa experimentar tensões geradas nos

processos de desinstitucionalização das lógicas de saúde dominantes, por ser

um trabalho orientado por um modelo de cuidado que considera a clínica e a

gestão como lógicas indissociáveis. Nessa perspectiva, equipe, usuários e

comunidade são convocados a se responsabilizar na construção de projetos

em comum. Os CAPS ad propõem uma reorganização da lógica de cuidado

1 O advento do SUS após a Constituição de 1988 concretizou um sistema de saúde público no

Brasil apontando para a democratização nas ações e nos serviços de saúde. Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br>. Acessado em: 12.01.2013.

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tradicional centrado no poder do especialista que opera com a fórmula de

queixa-conduta, buscando qualificar as práticas de atenção sem os imperativos

da abstinência do uso de drogas e da internação psiquiátrica como centro das

ações de cuidado. Em alguns municípios brasileiros este modelo de atenção já

está mais consolidado, entretanto as estratégias de saúde que visam o trabalho

no território e que não têm a abstinência como meta principal ou única, têm

alimentado debates num país que atualmente discute o tema da

descriminalização das drogas.

Com responsabilidades complexas e desafiadoras, os CAPS ad têm

atuado em diferentes territórios junto a singulares populações. Nesta pesquisa,

pretendemos nos aproximar das dimensões mais capilares do cotidiano em um

CAPS ad no município de Campinas (SP), para acompanhar de perto as

práticas de acolhimento dos usuários no cotidiano do serviço e analisar os

múltiplos modos de produzir cuidado nos encontros entre trabalhadores e

usuários. Propomo-nos ainda a adentrar na polissemia das noções de cuidado

e de acolhimento no campo da saúde e seus desdobramentos na articulação

com as políticas públicas voltadas para usuários de álcool e outras drogas.

Tradicionalmente o acolhimento pode estar associado a um tipo de

procedimento burocrático, que se traduz em recepção administrativa e

ambiente confortável, ou como uma ação de triagem visando

encaminhamentos. No campo da Saúde Coletiva, o acolhimento tem sido

discutido como estratégia para a organização assistencial nos serviços públicos

de saúde mental com potencial para operar processos de

desinstitucionalização ao propor uma lógica usuário-centrada, baseada

principalmente nas atitudes de escuta e convivência, buscando transformar as

relações entre trabalhadores, usuários e comunidade. Por abarcar um campo

de múltiplos significados, as práticas de acolhimento que se dão em um CAPS

ad podem colocar em análise os modos de se produzir cuidado e os processos

de desinstitucionalização em curso.

Atualmente Campinas possui uma rede de saúde mental consolidada,

porém dinâmica, que tem se ampliado para atender as pessoas que enfrentam

algum tipo de sofrimento relacionado ao uso de drogas, tendo os CAPS ad

como principais portas de entrada. Em 2015, enquanto realizávamos a

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pesquisa foram fechados dez leitos de internação psiquiátrica e um novo CAPS

ad estava por ser inaugurado.

Entretanto essa rede vive hoje um contexto político desfavorável em

relação à gestão de seus recursos, o que ameaça a continuidade de seus

projetos e consequentemente os processos de desinstitucionalização em curso.

Diante desse singular cenário, há relevância em acompanhar de perto o

cotidiano de trabalho em um CAPS ad da cidade, no intuito de dar visibilidade

às ações de cuidado que ali se dão, seus múltiplos efeitos e à potência criativa

de uma equipe que aposta em novos avanços ao mesmo tempo em que se vê

atribulada com as disputas institucionais.

Este trabalho foi estruturado da seguinte maneira: no Capítulo 1,

apresentaremos os caminhos percorridos na construção de um método para

este estudo, apoiado por referenciais da Análise Institucional francesa e

algumas pistas do método da cartografia em pesquisa social. No Capítulo 2,

adentraremos em uma discussão conceitual acerca do cuidado em saúde em

articulação com as políticas de álcool e outras drogas. No Capítulo 3,

visitaremos algumas experiências em que a estratégia do acolhimento foi

implementada de modo potente, alinhavando-as com alguns de seus principais

conceitos. No Capítulo 4, iremos percorrer algumas trajetórias no campo da

saúde em Campinas, narradas aqui a partir do final do século XIX, e

destacamos aqueles acontecimentos que consideramos pertinentes aos

propósitos deste estudo. Finalmente, no Capítulo 5 apresentaremos o CAPS ad

Antônio Orlando, onde a pesquisa empírica foi acolhida, e analisaremos alguns

aspectos relacionados às práticas de acolhimento que se dão ali. Por fim, sem

a pretensão de esgotar nossas análises e buscando destacar questões que

não puderam ser mais bem exploradas, traçaremos algumas considerações

finais.

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CAPÍTULO 1 – PERCURSO DA PESQUISA

Partimos dos pressupostos de que nas práticas de pesquisa social não

há neutralidade do pesquisador no ato de pesquisar e admitimos a não

separação entre sujeito e objeto na produção de conhecimento. Consideramos

que os processos sociais não estão prontos de antemão, mas sempre em

construção e com a interferência de múltiplos fatores. Entretanto,

reconhecemos também a importância de nos dedicarmos a métodos de

pesquisa que articulem o rigor científico às perspectivas ético-políticas que

nossos pressupostos afirmam. A partir de referências da Análise Institucional

francesa nas práticas de pesquisa e com a noção de implicação proposta por

René Lourau (1993) buscamos superar os paradigmas de neutralidade e

objetividade positivistas, colocando em análise também o próprio ato de

pesquisar. Essa perspectiva propõe reconhecermos nossas implicações,

nossas adesões, investimentos, motivações, sendo a análise desses aspectos

considerada uma atitude ética na pesquisa, pondo em jogo todo o conjunto de

condições que circunscrevem o ato de pesquisar. Nesse sentido o diário de

campo foi um instrumento valioso para os questionamentos da posição do

pesquisador diante do campo estudado, ao expor como a pesquisa é feita não

apenas em seus modos oficiais, mas em meio a impasses e controvérsias.

Para o autor, os diários de campo quando utilizados desse modo, podem

reconstituir uma história subjetiva do pesquisador, revelando modos singulares

de pesquisar.

Segundo Medrado, Mello e M. J. Spink (2014), as práticas diarísticas

consistem em registrar com certa frequência informações consideradas

relevantes e que não devem ser facilmente esquecidas. Seu instrumento, o

diário, possui variadas formas e finalidades, desde registrar conteúdos íntimos

para guardá-los como memórias pessoais, até mesmo como modo de anotar

informações que poderão ser publicadas num futuro. Muito comumente

utilizados na pesquisa científica, os diários de campo passaram a ser

discutidos com maior cuidado no campo da antropologia, no que se refere ao

posicionamento do pesquisador diante das relações que estabelece com seu

objeto de estudo, relações tradicionalmente marcadas pela perspectiva de

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neutralidade e separação entre sujeito e objeto. Tal discussão também se faz

presente nas pesquisas em Psicologia Social, onde é muito comum o

pesquisador estudar temas referentes à sua profissão, ou ainda empreender

pesquisas empíricas no próprio local onde trabalha quando se vê investido de

desejo e num campo de afetações.

Inicialmente, os registros em diário começaram a ser feitos em torno de

questões ou informações consideradas relevantes para o estudo, mesmo antes

da chegada do pesquisador no campo empírico. Tal proposta se apoia na ideia

de campo-tema (P. SPINK, 2003) em que não se considera haver um único

tema a ser pesquisado isoladamente de outros e que o campo não se refere

apenas ao lócus da pesquisa empírica e sim às processualidades que se dão

na construção de um tema, considerando as discussões cotidianas, detalhes

ou desvios que surgem durante um estudo. Tais registros passaram a ser

compartilhados e discutidos junto aos colegas do Núcleo de Lógicas

Institucionais e Coletivas, num processo de coconstrução da pesquisa. Nesse

estudo a prática diarística se deu com maior intensidade durante o período de

outubro de 2014 a junho de 2015 em que estivemos no CAPS ad Antônio

Orlando, na região sudoeste de Campinas (SP), realizando reuniões,

observações, conversas com trabalhadores e usuários, além de entrevistas

com membros da equipe. Entre o período de novembro de 2014 e março de

2015 estivemos no CAPS ad semanalmente às sextas-feiras pela manhã,

acompanhando atividades variadas relacionadas ao acolhimento dos usuários

no serviço.

O compartilhamento dos diários junto aos colegas do Núcleo de

pesquisa possibilitaram importantes análises das implicações no estudo, além

de produzir algumas desnaturalizações, já que se trata de um serviço inserido

em uma rede de saúde onde a pesquisadora autora do projeto trabalhou por

alguns anos. Temos discutido a importância dos registros e do

compartilhamento dos diários de campo como estratégia que possibilita a

abertura ao diálogo com outros pesquisadores ao expor como se deram as

etapas seguidas durante o estudo, seus desvios, as impressões e

argumentações do pesquisador imerso no cotidiano do serviço, possibilitando

discussões no coletivo que produzem desdobramentos e auxiliam a nortear as

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análises, assim como os próximos passos a serem construídos. Deste modo,

os efeitos da presença do pesquisador eram permanentemente restituídos ao

processo da pesquisa, produzindo inflexões durante todas as etapas deste

estudo.

Nesse período de nove meses, foram realizadas observações no

cotidiano do CAPS ad Antônio Orlando. Para Cardona et al. (2014) as

observações no cotidiano no contexto da pesquisa são um modo de

acompanhar os acontecimentos à nossa volta, a riqueza das manifestações

sociais. Além disso, trata-se de um exercício de participação nas práticas de

pesquisa social, considerando a interferência do pesquisador no campo

observado ao mesmo tempo em que este também será afetado. A ideia de

observar participando (ou vice-versa) vem numa tentativa de superar

concepções puramente positivistas em que o pesquisador sente-se

posicionado fora da experiência observada, não interferindo ou fazendo parte

dos processos que estão acontecendo. Em nossa perspectiva o pesquisador

não apenas interfere em tais processos, é também afetado e apenas dessa

forma pode coproduzir conhecimento.

A observação, embora seja entendida pelo senso-comum como

atividade contemplativa, devido ao seu caráter de movimento assumirá vários

modos de fazer diferentes. Dentre as variações possíveis na atividade de

observação estão em jogo: os registros (muito ou pouco detalhados, frequentes

ou pontuais); observação focada ou desfocada (considerando uma ampla gama

de interações); o reconhecimento pelos outros de que há a presença de um

sujeito na função de observador; quantidade de tempo disponível para

observar, e; utilização de recursos como roteiros, diários ou vídeos (CARDONA

ET AL., 2014).

Neste estudo a atitude de observar se deu em todos os momentos,

sendo pensada e proposta à equipe desde os primeiros dias de visita ao

serviço. Foram feitos registros em diários de campo sempre após as visitas,

nem sempre no mesmo dia e nunca no momento da atividade de observação.

Durante a atividade de observação o foco de atenção variou muito, às vezes

voltado para alguma conversa ou interação, às vezes desfocado sem atentar

durante muito tempo para nada e ninguém em específico. Nesses momentos

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um aporte conceitual utilizado foi a pista da atenção do cartógrafo articulada à

noção de atenção flutuante utilizada por Freud (1912/2010). Essa pista trata de

pensar o funcionamento da atenção do pesquisador nas práticas de pesquisa

cartográficas que se propõem a acompanhar processos, não representar um

objeto, numa compreensão de que não há coleta de dados e sim produção dos

dados da pesquisa. Nesse sentido, a atenção do cartógrafo diante da tarefa de

se lidar com muitas informações ao mesmo tempo, rejeita até mesmo tomar

notas ou o emprego de outro recurso no momento da experiência. Seria um

exercício que visa a manutenção de uma atenção suspensa (FREUD,

1912/2010), ou atenção à espreita (KASTRUP, 2009), concentrada, porém sem

focar em algo específico, o que incorreria em negligenciar outros conteúdos.

Kastrup (2009) sugere quatro variedades no funcionamento da atenção

do cartógrafo: o rastreio, o toque, o pouso e o reconhecimento atento. O

rastreio seria uma exploração assistemática do terreno para onde a atenção

está voltada, visando a produção de um alvo, mesmo que este esteja em

constante variação. A atenção é aberta e sem um foco, mas está concentrada

em um objeto-processo devido à sintonia com o problema de pesquisa. O

toque diz respeito a notar aquilo que se destaca no conjunto dos elementos

observados e que aciona o nível das sensações e não da percepção ou da

representação. O gesto indica a formação de um novo contorno em torno do

qual o campo de atenção se reconfigura, como uma espécie de zoom. Por fim,

o reconhecimento atento seria uma atitude de reorganizar a atenção em torno

do alvo e dos contornos que se fizeram, pois o que está em jogo é a atitude de

acompanhar processos e não representar objetos. Para isso, a autora nos

adverte a não reproduzir perguntas como “o que é isto?”, que reduzem os

processos que estão sendo acompanhados.

Outro conceito utilizado para auxiliar nas atividades de observação foi a

noção de corpo vibrátil elaborada por Rolnik (1989), para dizer de um corpo

que observa não apenas elementos visíveis, mas também os processos

invisíveis que se dão nos encontros, a passagem dos afetos e intuições. Desse

modo foi possível atentar para microdetalhes muitas vezes despercebidos, e

registrar não somente o que era olhado, mas as sensações que algumas vezes

foram provocadas durante o ato de observar. Tais registros foram relevantes

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para analisar coletivamente momentos de sobreimplicação (LOURAU, 1993)

que colocavam impasses na continuidade do estudo.

Para compor com as outras fontes de informações, foram realizadas

cinco entrevistas durante os nove meses da pesquisa empírica, cinco delas

feitas com trabalhadores da equipe do CAPS ad Antônio Orlando. Seguiu-se

um modelo de entrevista que iniciava com uma frase disparadora: “Conte como

foi o último acolhimento que você realizou”. Foram convidados a participar

qualquer membro da equipe que tivesse interesse e disponibilidade em discutir

individualmente o tema do acolhimento, tendo seus direitos explicitados e

assegurados2 com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. A sexta entrevista foi realizada com Gastão Wagner S. Campos,

médico sanitarista e docente do Departamento de Medicina Preventiva e Social

da UNICAMP, com o intuito de mapear as primeiras experiências com a

estratégia do acolhimento em Campinas na época em que atuou como

Secretário Municipal de Saúde.3

Batista et al. (2014) reconhecem que nos estudos que não pretendem

reificar verdades o uso de conversas é válido, pois elas estão presentes na

produção de conhecimento, uma vez que este não se produz somente no

horário marcado das entrevistas com os sujeitos e nem somente na

universidade. Ao discutirem o uso de conversas nas práticas de pesquisa,

reconhecem não se tratar de um meio ortodoxo na busca por informações,

dentro de uma tradição racionalista. No entanto, está em sintonia com nossos

propósitos de acompanhar processos que se dão no cotidiano, sendo

consideradas em nosso caso um meio de interação predominante, uma vez

que “conversa-se sem cessar nos serviços” (TEIXEIRA, 2008, p. 6).

Foram registradas em diários de campo muitas conversas durante esse

percurso, desde o primeiro encontro com a coordenadora do CAPS ad Antônio

2 Antes de iniciar cada entrevista o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era

apresentado ao entrevistado. Nesse momento, surgiam dúvidas quanto ao sigilo das

informações, que puderam ser conversadas e melhor elucidadas.

3 O papel de Gastão W. S. Campos durante o período de implantação do acolhimento como

diretriz na cidade de Campinas será discutido mais detalhadamente no decorrer do estudo.

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Orlando para negociar propostas e cronogramas, conversas com os colegas do

Núcleo, conversas com trabalhadores que não dispunham de tempo (ou

interesse) para participar de entrevistas, conversas com usuários durante um

jogo de truco, conversas durante caronas, entre tantas outras.

O registro de conversas possibilitou que aqueles trabalhadores que não

foram entrevistados pudessem participar ativamente da pesquisa, uma vez que

foram informados que conversas corriqueiras também seriam uma fonte de

informações. Entretanto, o fato de os encontros com os trabalhadores

acontecerem uma vez por semana, acabou excluindo profissionais que nunca

se encontravam neste período. Desse modo a estratégia criada para incluir a

voz de todos os trabalhadores foi realizar uma oficina durante o horário da

reunião de equipe, chamada Modos de acolher Antônio Orlando. Nessa oficina,

parte da pesquisa foi restituída aos trabalhadores em forma de fragmentos (em

anexo) retirados dos registros dos diários de campo. Os trechos eram lidos em

voz alta e em seguida abria-se espaço para a equipe desdobrar os assuntos

abordados.

Todas as entrevistas foram transcritas integralmente, assim como a

oficina. Tais transcrições, junto com os registros dos diários de campo, foram o

material utilizado para a análise das práticas de acolhimento e seus efeitos na

produção do cuidado no CAPS ad Antônio Orlando. Diante de um material

extenso, foram eleitos aqueles trechos considerados analisadores (LOURAU,

1993) seja pela sua potência, seja por evidenciar situações naturalizadas no

cotidiano de trabalho em relação ao acolhimento nas ações voltadas ao

acolhimento dos usuários. Desse modo, as análises realizadas buscaram

narrar as experiências observadas ou transmitidas ao pesquisador e interrogar

as práticas acompanhadas a partir dos seus efeitos, numa perspectiva

desnaturalizadora.

Mas o que queremos dizer quando nos propomos a pesquisar no

cotidiano de um CAPS ad? Para P. Spink (2008) o cotidiano é um fluxo de

fragmentos corriqueiros que se dão em microlugares, uma ideia que nos

convoca a reconhecer a importância do que se passa em meio aos acasos e

encontros no dia a dia em todos os lugares por onde passamos, em cada

encontro ou desencontro, em cada conversa. Esses lugares não têm um ponto

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de origem e nem estão dados de antemão, são construídos no acaso dos

encontros e também participam na construção de processos sociais, assim

como as materialidades e objetos do mundo. Um pesquisador imerso no

cotidiano deve estar posicionado enquanto participante na construção dos

processos sociais, tanto quanto todas as outras pessoas e objetos do mundo.

Foram muitos os que participaram nos encontros cotidianos durante os

nove meses de visitas no campo empírico do CAPS ad Antônio Orlando e que

coproduziram de alguma maneira essa pesquisa, na Universidade ou no

Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira: professores e pesquisadores, gestores,

usuários do serviço, trabalhadores da assistência. Consideramos alguns

elementos materiais como participantes da pesquisa, como os diários de

campo, o carro, que conduzia todas as sextas-feiras de manhã à Campinas, o

aparelho celular que reconstituía nos caminhos de volta para São Paulo cada

encontro gravado, as paredes e muros do CAPS ad Antônio Orlando cujos

desenhos comunicaram mensagens de que o cuidado estava ali presente, os

murais e lousas na sala de equipe que forneceram muitas das informações

institucionais que não puderam obtidas com a equipe, entre outros, que serão

mais bem exploradas nesse estudo.

Para realizar uma pesquisa que envolve a participação de seres

humanos, alguns cuidados éticos devem ser tomados. O projeto deste estudo

foi submetido a dois comitês de ética: o da instituição Serviço de Saúde Dr.

Cândido Ferreira, que responde pela autorização da pesquisa no CAPS ad

Antônio Orlando e o da PUC-SP, através da submissão do projeto à Plataforma

Brasil. Ao apresentar pessoalmente o projeto à coordenadora do CAPS ad

Antônio Orlando, foram esclarecidas as ferramentas metodológicas e

procedimentos que compõem a pesquisa e garantida a devolutiva das análises

ao final do processo em forma de apresentação em uma reunião da Educação

Permanente que a equipe realiza uma vez ao mês.

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11

CAPÍTULO 2 – REPERTÓRIOS DO CUIDADO

O tema do cuidado no campo da saúde pode nos sinalizar uma série de

versões distintas para a utilização desta noção, muitas vezes de modos

naturalizados. Tais naturalizações podem ser encontradas também no uso de

outros termos no campo da saúde, como é o caso da integralidade e da própria

noção de Saúde. Tais palavras carregam em si mais de um significado, são

polissêmicas, não compreendidas e utilizadas por todos da mesma maneira.

Nesse estudo não há a pretensão de revelar ou esgotar as diversas

utilizações para a noção de cuidado, pois considerando ser impossível a

apreensão total de seu sentido será mais interessante percorrer alguns

caminhos, para compreendê-la como um conjunto de repertórios linguísticos

que traduzem ações e práticas que se dão durante o ato de cuidar. Propomos

então adentrarmos na polissemia do termo cuidado no campo da saúde e na

articulação com as políticas públicas voltadas para usuários de álcool e outras

drogas no Brasil.

Para M.J. Spink (2010), repertórios linguísticos são os termos, os

conceitos, os lugares-comuns e figuras de linguagem que aprendemos ao

longo da vida em diferentes contextos (livros, filmes, conversas, escola, família,

tradições) e que circulam entre nós das mais variadas maneiras, com os mais

diversos sentidos e que por seu caráter dinâmico estão sempre sujeitos a

transformações.

Em latim, de onde se deriva a língua portuguesa, cuidado significa cura,

utilizada no contexto das relações humanas como o amor e a amizade com um

sentido de preocupação por outra pessoa ou objeto, ou como atitude de

inquietação com relação ao outro. Boff (2005) trabalha com a ideia de cuidado

essencial, de um cuidado como essência e experiência natural a todos os seres

humanos. Já na etimologia anglo-saxã, cuidado também traz em seu

significado a preocupação com o outro, porém no sentido de se tomar uma

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providência ou responsabilizar-se (care, segundo a Cambridge Dictionaries

Online4).

Ayres (2004) discute a noção de cuidado apoiado na ontologia

existencial de Heidegger com a Fábula de Higino em Ser e Tempo5, que nos

convida a pensar nos modos de ser como contínuas concepções e realizações

de projetos, trazendo a ideia do cuidado como um projeto existencial; tal projeto

é influenciado pelo contexto e está aberto a reconstruções, por nunca ser

inteiramente consciente, controlável ou previsível, tratando-se de um exercício

sobre a própria existência e a de seu mundo. Na compreensão do autor, o

cuidado apresenta algumas características ou princípios: o movimento, já que o

ser humano não se constitui de modo inexorável, definitivo; interação, pois

colocar-se em movimento implica em construir uma série de relações;

plasticidade como capacidade para transformar-se e manifestar-se em

múltiplas formas e encontros; desejo, entendido como expressões da vontade

de existência e que nos dota de possibilidades de escolha.

Outra discussão acerca do tema do cuidado foi trabalhada por Foucault

(2006) acerca do cuidado de si praticado pelos antigos gregos. As práticas de

si foram um fenômeno importante na era greco-romana, eram práticas de auto

formação dos sujeitos, um tipo de exercício de si sobre si mesmo através do

qual procura se elaborar, se transformar e atingir certo modo de ser.

O cuidado de si constituiu no mundo greco-romano o modo pelo qual a

liberdade individual foi pensada como uma prática. Trata-se de um ocupar-se

de si, no sentido de se conhecer para assim praticar adequadamente a

liberdade. O cuidado de si seria, portanto, o conhecimento de si e também o

4 Disponível em: <http://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues>. Acessado em: 07.04.2014.

5 Ayres (2004) narra a antiga fábula de Higino a partir de alguns trechos em Heidegger. No

mito, o personagem Cuidado ao atravessar um rio depara-se com um pedaço de argila e

começa a lhe dar forma, quando Júpiter intervém pedindo que lhe dê também um espírito,

culminando em uma disputa de ambos para nomear o tal projeto uma vez que ambos haviam

participado de sua construção. Saturno, ao arbitrar na decisão, designa que Cuidado se torne

responsável pelo projeto até sua morte, por ter sido o primeiro a lhe dar uma forma.

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conhecimento de certo número de regras de conduta, de princípios de verdade

com os quais se tem afinidade para assim produzir modos próprios de se

conduzir (FOUCAULT, 2006).

Nessa concepção, o cuidado de si seria também o cuidado dos outros

uma vez que implica relações complexas, seja para aprender novas lições, seja

para compartilhá-las. Trata-se de uma prática salutar, pois mesmo quando não

é cuidado dos outros é no mínimo benéfico a todos, fazendo com que o sujeito

possa controlar seu poder, que do contrário poderá arrebatá-lo ou se impor aos

outros abusivamente. Cuidar de si então é também controlar, limitar, se impor o

devido poder, além de se conhecer, saber o que se é e do que se é capaz, seu

lugar em relação aos outros e à vida em comum (FOUCAULT, 2006).

Neste estudo, encontraremos ressonâncias desses diversos sentidos do

cuidado, e para adentrarmos mais um pouco em nosso tema de pesquisa,

focaremos o cuidado em saúde.

2.1 Cuidado em Saúde

O conceito de saúde também varia em diferentes culturas e contextos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde significa um estado

de completo bem-estar físico e não apenas a ausência de sintomas e

enfermidades. Tal definição é um tanto simplificada ao supor a possibilidade de

um bem-estar completo ou total, se mostrando bastante idealizada.

No Brasil, os movimentos sociais que alimentaram a Reforma Sanitária e

a Reforma Psiquiátrica propuseram redefinições para o conceito de saúde,

caracterizando-a não como um estado, mas como um processo dinâmico

atrelado a modos de existência, com dimensões intrapsíquicas, sócio-

históricas, políticas e econômicas. Para Onocko Campos e Campos (2006),

essa definição de saúde está intimamente vinculada à ideia de autonomia,

entendida aqui como um coeficiente dinâmico (às vezes maior, às vezes

menor) a depender da capacidade do sujeito em agir sobre o mundo,

interferindo em sua rede de dependências.

A saúde nessa concepção não se reduz a uma experiência individual,

particular ou humana, mas implica uma rede que se tece entre sujeitos, suas

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histórias de vida, suas relações e suas condições sociais, podendo se

configurar algumas vezes como uma rede adoecida, outras vezes mais ligada à

potência de vida. Tais mudanças na concepção de saúde produziram variações

também na noção de cuidado, ao por em questão modelos tradicionais de

tratamento e intervenções terapêuticas reducionistas, como a medicina

clássica.

Herdeira do Iluminismo, a medicina que se estruturou na idade moderna

buscou a racionalidade e a objetividade. Os pacientes acometidos por um

sintoma ou enfermidade eram apartados de suas experiências subjetivas e

sociais de adoecimento, sendo considerados apenas como corpos carregando

órgãos, viscosidades, manchas e outras marcas de um mau funcionamento.

Com seu olhar positivista, essa clínica cindiu o sujeito de modo que para se

melhor entender e classificar um conjunto de sintomas era necessário afastar-

se ao máximo do paciente em sua dimensão psicológica e social. Este

paciente, apassivado, não estava autorizado a dizer de seu próprio mal-estar,

lhe cabendo apenas apontar ao médico onde doía. Essa clínica que nasce a

partir do século XIX constituiu-se como um discurso ancorado na anatomia

patológica e na análise objetiva das informações (FOUCAULT, 1977; ONOCKO

CAMPOS, 2001).

A Psicanálise concebida por Freud no início do século XX propôs outro

modo de relação entre o médico e seu paciente, ao privilegiar uma escuta

atenta e flutuante que focava para além das queixas corporais, contemplando

outras vivências que seus pacientes tinham para contar.

O olhar objetivo e a escuta são dimensões da clínica que, quando

exercidas de maneira cindida, reduzem as experiências de saúde ou de

adoecimento. Por isso a ampliação de um exercício clínico depende de

reposicionamentos dessas duas posições a entrarem em contato. (ONOCKO

CAMPOS, 2001).

Para Mehry (1999), o cuidado seria uma dimensão na relação entre o

trabalhador da saúde e o paciente. O cuidado se põe em ato nessa relação

produzindo saúde, aqui entendida também como produção de autonomia.

Nessa lógica, quanto mais distanciada a relação entre o trabalhador e o usuário

de um serviço, acontecerão menos atos cuidadores e consequentemente

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menos produção de saúde. Nessa perspectiva, o cuidado não se apoia apenas

na utilização de procedimentos médicos ou protocolos burocráticos, devendo

privilegiar um posicionamento do trabalhador na relação com o paciente,

traduzido em atitudes de escuta e acolhimento.

Arendt e Moraes (2013) ao discutirem as contribuições da médica e

filósofa holandesa Ane Marie Mol quanto ao tema do cuidado remetem às

pesquisas da autora sobre as práticas de saúde. Nesse estudo, as autoras

narram algumas experiências da pesquisadora acompanhando pacientes em

tratamento da arteriosclerose e da diabetes, quando formulou suas ideias em

torno da lógica do cuidado e a lógica da escolha. Nessa perspectiva, considera-

se que processos de adoecimento e de saúde têm múltiplas determinações e

são produzidos não apenas na relação entre as pessoas, mas também entre

outras coisas e objetos do mundo que fazem parte da vida do sujeito. Na lógica

do cuidado, o trabalhador de saúde entende que alguém em sofrimento pode

não estar em condições de fazer certas escolhas, necessitando de uma rede

que o ampare em decisões e na transmissão de informações. Já pela lógica da

escolha compreende-se que o paciente é um consumidor e deve

responsabilizar-se inteiramente sozinho, já que pode escolher o que consumir

(ARENDT E MORAES, 2013).

No campo da Saúde Coletiva, o termo cuidado tem uma relevância

particular, pois carrega na produção de seus sentidos as críticas aos modelos

de saúde hegemônicos pautados na tradição biomédica que produz discursos

sobre as doenças, reduzindo as experiências de saúde e adoecimento de

sujeitos e coletivos a fenômenos observáveis e propondo soluções numa lógica

de causa e efeito. As práticas biomédicas põem em ação o saber do

especialista, que se debruça e intervém mecanicamente sobre um corpo, sem

considerar as próprias implicações nos modos de se relacionar com os

pacientes.

A noção de cuidado que gostaríamos de discutir está vinculada ao

conceito de integralidade. Ações integrais são consideradas aquelas que

produzem cuidado e conhecimento entre-relações (PINHEIRO e GUIZARDI,

2013) de usuários, profissionais e instituições, com efeitos de respeito, vínculo,

acolhimento:

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16

(...) é possível qualificarmos a integralidade como um

dispositivo político, de crítica de saberes e poderes instituídos,

por práticas cotidianas que habilitam os sujeitos nos espaços

públicos a engendrar novos arranjos sociais e institucionais em

saúde (PINHEIRO e GUIZARDI, 2013, p. 23).

A noção de integralidade, desse ponto de vista, não se trata da soma de

saberes e práticas de cunho terapêutico ou curativo, mas da criação de novos

arranjos, pois é um resultado da participação de outros conhecimentos que não

são somente técnicos ou científicos.

Fazem parte das mudanças na concepção de saúde e de doença que

alimentam as teorias do cuidado as distinções entre conhecimento científico –

que supõe verdades absolutas, leis universais – e conhecimento válido, aquele

que se constrói em meio a práticas cotidianas que nem sempre atualizam os

discursos prescritivos da ciência moderna. Essa perspectiva recusa os

universais acerca dos problemas de saúde da população e tem constituído um

suporte para as teorias do cuidado que buscam ampliar as formas de cuidar em

saúde (CAMARGO JR., 2013). Nesse sentido não recusa os aparatos

reconhecidos pela ciência moderna, mas os utiliza em composição com outros

saberes quando estes se mostram eficazes na produção de saúde, como no

caso da saúde mental:

Não se trata de negar a contribuição possível e real da

farmacologia, da fisiologia cerebral e toda a tecnologia da

pesquisa moderna, mas evitar o reducionismo derivado de suas

aplicações práticas, que procuram comprovar que as emoções

humanas são apenas trocas de neurotransmissores, são

“apenas” reações bioquímicas (AMARANTE, 1999, p. 51).

Mais especificamente, as práticas da psiquiatria positivista foram

contundentemente criticadas nos processos de construção de novos sentidos

para o cuidado em saúde. Criou-se então um tipo de aliança entre os

movimentos da saúde coletiva e da reforma psiquiátrica, que se integraram a

partir dos anos 80 para produzir transformações de caráter teórico-conceitual,

técnico-assistencial, jurídico e sociocultural (AMARANTE, 1999), num esforço

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contínuo para abalar as rígidas estruturas dos campos dominantes de saber

sobre saúde e loucura, num período favorável de criação do Sistema Único de

Saúde (SUS).

No campo da saúde mental no Brasil o uso do termo cuidado se deu a

partir de questionamentos e críticas quanto às modelagens psiquiátricas

tradicionais, ou o modo asilar de tratamento e suas práticas manicomiais. Mas,

o que são essas práticas e o que o uso do termo cuidado pretende

transformar?

Costa-Rosa (2000) propõe elucidar as duas modelagens: um modo

asilar em contraposição a um modo psicossocial, já que num momento

instituinte das leis e da criação dos novos serviços substitutivos em saúde

mental6, fez-se necessário e estratégico distingui-los em oposições radicais.

Para o autor, o modo asilar se caracteriza pelo aparato tecnológico

biomédico tradicional, com ênfase nas determinações biológicas dos problemas

que almeja tratar, da psicose à drogadicção (entendendo tratamento como

intervenção para remissão de sintomas ou cura definitiva), sempre de maneira

terapêutica medicamentosa; o destinatário das ações é um organismo doente e

não se considera a existência de um sujeito, muito menos há implicação

subjetiva nas relações médico-paciente e produção de vínculos. O especialista

médico, que intervém mecanicamente em “pedaços” doentes (lobo frontal,

neurônios, nervos) tem poder soberano não só em relação ao chamado doente,

mas em relação a toda a equipe do hospital, que seguem de maneira

inquestionável suas prescrições. Seu estabelecimento geralmente é o hospital

fechado, mas não somente: é possível reproduzir a lógica asilar mesmo em

ambientes abertos, fora do regime de internação e até mesmo sob a tutela de

outras disciplinas, como a psicologia e a psicanálise, a depender de como são

operadas nessas situações (COSTA-ROSA, 2000).

6 Conhecida como Lei Paulo Delgado, carregando o nome de seu autor, a lei que dispõe sobre

a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais foi sancionada

somente em 2001. Disponível em: <http://www.paulodelgado.com.br/lei-n%C2%BA-10-216-de-

6-de-abril-de-2001/>. Acessado em: 18.10.2013.

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18

No modo psicossocial os determinantes para os problemas de saúde

mental são múltiplos e dinâmicos, são fatores psíquicos, biológicos, políticos,

sociais, históricos e outros tantos a serem considerados por um chamado

sujeito que experimenta um sofrimento intenso e sem possibilidade de

encontrar soluções sem ajuda de uma rede de apoio, não apenas de uma

droga-remédio. Esse sujeito, que pertence a um grupo social, não será isolado

ou responsabilizado individualmente por sua condição. Aqui o trabalho não

será somente da medicação e nem só do indivíduo, mas de um grupo social,

equipe cuidadora, família, escola, comunidade. A equipe é multiprofissional,

reconhece-se que o sujeito em sofrimento psíquico pode falar de si próprio e as

hierarquias de saber são abaladas o tempo todo. A loucura, o sofrimento, as

diferenças, não têm que ser removidas a qualquer custo, pois fazem parte dos

modos de existência; os conflitos são considerados constitutivos, podem ser

acompanhados e até mesmo transformados em potência de vida, em saúde. A

relação com a equipe cuidadora é próxima, há produção de vínculos,

expressão de afetos, respeito às diferenças, acolhimento e não subtrações das

trocas sociais como no modo asilar. O modo psicossocial desdobra-se em um

exercício ético-estético “em que o que é visado é a experimentação de novas

possibilidades de ser...” (COSTA-ROSA, 2000, p. ).

Para Alves e Guljor (2013), o cuidado no campo da saúde mental é um

rompimento com um tipo de tratamento praticado no modo asilar. Por isso a

ruptura com esse modelo propõe um deslocamento do objeto de cuidado da

doença para um sujeito em sofrimento, que está vivenciando um processo

dinâmico e não um estado imutável e impotente. Cuidar nesse sentido pode

assumir várias formas no sentido de ser capaz de acolher as demandas do

sujeito e colocar-se na posição de mediador de sua resolução, propondo

mudanças na relação tradicional médico-paciente, que supõe um especialista

soberano, autoridade inquestionável do saber e do poder, para colocar-se ao

lado, junto, numa proposta de acompanhamento e convivência. Os autores

trabalham com alguns pressupostos do cuidado em saúde mental:

- reconhece-se os diferentes modos de se viver a vida, diferentes modos

de existência que supõe diferentes desejos e diferentes possibilidades de

escolhas.

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- o cuidado não é somente um ato, mas uma atitude responsável e

acolhedora diante das condições de sofrimento, investindo no potencial dos

sujeitos e dos coletivos em operarem suas próprias singularidades.

- a perspectiva da integralidade, já que considera as necessidades de

saúde compostas por diversos campos que trabalharão na construção de

projetos de vida e não com foco exclusivo na remissão de sintomas.

- trabalha-se com a ideia de risco social, diferente da classificação

diagnóstica tradicional dos manuais de psiquiatria. Trata-se de considerar toda

uma rede de relações que se articulam para produzir processos de

adoecimento.

Para que essas transformações se efetivem, são necessárias outras

formas de organização da assistência, como os CAPS, Residências

Terapêuticas, Programas de trabalho, capacitação profissional e educação,

lazer e cultura, entre outros. Há que cuidar, no entanto, para não se criar um

universo substitutivo que em suas práticas reduzem o acesso de seus usuários

somente aos serviços destinados às suas demandas de saúde não ampliando

a tantos outros espaços da cidade e outras instituições (ALVES e GULJOR,

2013).

2.2 Cuidado e Políticas de álcool e outras drogas

Durante a maior parte do século XX a questão das drogas foi tomada

como responsabilidade pelos campos médico e jurídico (SOUZA, 2012),

produzindo modos de lidar com o uso de drogas numa perspectiva que transita

entre o diagnóstico psiquiátrico e um encaminhamento judicial. O campo

médico-jurídico produziu um saber sobre um sujeito usuário de drogas

esquadrinhando desde o seu mais remoto inconsciente até o seus mais banais

hábitos, costumes, comportamentos e construindo aparatos e conjuntos de

práticas com a promessa de curá-lo ou corrigi-lo.

Para Souza (2012) tais regimes de governamentalidade produzem

polarizações entre a norma da abstinência do uso de drogas como um ideal de

saúde e moralidade, em oposição a uma condição de doença ou de

comportamento criminoso. A binariedade do bem ou mal, do certo e errado,

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20

produzem composições em torno do diagnóstico “dependente químico”: doente,

impotente, irresponsável, fora-da-lei. Tais composições seriam também

herdeiras do chamado poder pastoral cristão, que o autor discute a partir de

Michel Foucault, já que antes de se tornar uma norma médica ou jurídica a

abstinência foi uma norma religiosa na qual a relação com a lei implicava além

da obediência, a renúncia das próprias vontades incluindo os prazeres do

corpo (SOUZA, 2012).

Esse modelo que se tornou hegemônico e que pactua com o ideal de um

mundo sem drogas tem sustentado nas sociedades ocidentais capitalistas

políticas de drogas de cunho bélico e proibicionistas, chamadas de Guerra às

Drogas. Tais políticas prometem a erradicação de toda a demanda por

substâncias psicoativas e produzem um tipo de sujeito chamado dependente

químico, híbrido do pecado, da doença e da delinquência. Ao mesmo tempo,

distinguem substâncias entre lícitas ou ilícitas, produzindo aparatos

mercadológicos para regular o consumo de drogas e os tipos de tratamento.

A partir da década de 1970, na esteira dos movimentos institucionais,

esse modelo começou a ser interrogado de maneira mais pública em alguns

países na Europa. Os usuários de drogas que até então foram tomados,

investigados, representados e segregados, começaram a falar por si próprios o

que sentiam e o que queriam: melhores condições de saúde para conviver com

o uso de drogas, investindo todo um campo de lutas para aqueles sobre quem

o poder se exercia com monopólio e como abuso. A experiência holandesa

entre os anos 1970 e 1980 ficou conhecida como uma das primeiras em que

usuários e familiares se organizaram em um movimento social: o

Junkiebonden, com reinvindicações que culminaram num programa de troca de

seringas, protótipo para uma política de redução de danos que serviria

posteriormente como modelo para outros países (SOUZA, 2012).

No Brasil, as primeiras intervenções do poder público com relação ao

consumo de drogas se deram no início do século XX no âmbito da justiça, sob

a justificativa principal de reforçar a segurança pública, pois nessa época o uso

abusivo de drogas era incipiente, não considerado ainda como um problema de

saúde pública. Até a década de 1970 o governo brasileiro estava mais

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interessado em controlar o comércio de drogas ilícitas do que na criação de

centros de tratamento, por isso nesse período entidades independentes se

organizaram nesse trabalho, como a Liga Brasileira de Higiene Mental e a Liga

Antialcoólica de São Paulo e do Rio Grande do Sul, ambas com concepções

moralistas e higienistas na abordagem da questão do uso de drogas

(MACHADO e MIRANDA, 2007).

A partir da década de 1970, houve um processo de incorporação da

medicina e mais especificamente da psiquiatria nesse campo que era

predominantemente da justiça. A Lei de Entorpecentes de 1976 marcou essa

transição e situou o usuário de drogas numa esfera entre a justiça e a saúde,

sendo reconhecidas as necessidades de assistência para essa população ao

mesmo tempo em que estava criminalizada pelas políticas proibicionistas nas

sociedades ocidentais. Diante dessa configuração, o usuário de drogas era

considerado um indivíduo doente, perigoso e uma ameaça à sociedade,

cabendo à justiça e à psiquiatria julgar sobre seus destinos em prisões ou no

sanatório para toxicômanos (MACHADO E MIRANDA, 2007). A influência da

medicina, no entanto, também abriu caminhos para se começar a pensar

outras abordagens para lidar com o consumo de drogas que não fosse pela via

da punição estrita.

Para Machado e Miranda (2007), a criação do Conselho Federal de

Entorpecentes (CONFEN) em 1980 teve um desdobramento importante para o

avanço das políticas de drogas no país pela via do cuidado e dos debates em

torno das políticas de redução de danos. A princípio, o órgão era destinado às

ações de repressão ao uso e ao tráfico, mas com a redemocratização passou a

tratar das práticas de prevenção, de tratamento e de pesquisa, não orientadas

exclusivamente por uma perspectiva repressiva e seus membros passaram a

se preocupar com os modos de acolhimento dessa clientela nos serviços de

saúde.

Em nossas terras as primeiras experiências de redução de danos

começaram somente no final dos anos oitenta e não se deram sem conflitos.

Em Santos, onde começou o primeiro programa de troca de seringas do Brasil,

embora situado junto aos movimentos da Reforma Psiquiátrica e dos processos

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de desinstitucionalização, o programa foi impedido pelo Ministério Público de

continuar devido à baixa aceitação popular, mesmo em um contexto de

altíssimos índices de contaminação do HIV por drogas injetáveis na cidade

portuária. Frente a uma explícita recusa política em viabilizar outras formas de

lidar com a questão das drogas, muitos pesquisadores e redutores atuantes

precisaram se lançar em territórios internacionais para estudar e trabalhar em

práticas de redução de danos para retornar com aportes e fundamentações

que sustentassem experiências brasileiras (RUI, 2012).

A Lei 2.216 (BRASIL, 2001) regulamentou o funcionamento dos serviços

substitutivos aos hospitais psiquiátricos e determinou sua articulação em rede

intra e intersetorial, assim como a efetivação dos espaços de controle social7.

Também sinalizou a importância de uma rede específica para o cuidado de

usuários de drogas que desejassem se tratar no âmbito do SUS, sem a

necessidade de permanecerem internados ou necessariamente abstinentes do

uso.

Somente em 2003, com reconhecido atraso, o Ministério da Saúde

lançou um novo documento que dispõe de diretrizes e fundamentações quanto

a uma política pública voltada aos usuários de drogas, orientado pela lógica da

redução de danos numa perspectiva integral e psicossocial, além de distinguir

o consumo de substâncias de casos em que se enfrenta uma experiência de

sofrimento relacionada ao uso de qualquer tipo de droga, lícita ou ilícita

(BRASIL, 2003). Em 2005, o Ministério da Saúde regularizou as ações de

redução de danos, destinando incentivos financeiros para a atuação de

redutores em composição com as equipes dos CAPS ad (ALBUQUERQUE,

2014).

Em 2006 o financiamento público da saúde mental, que vinha sendo

centralizado nos hospitais psiquiátricos, passou a ser destinado para a rede de

atenção extrahospitalar e de bases comunitárias. Este fato foi fundamental para

a consolidação dos CAPS na construção de uma rede de atenção psicossocial

7 Controle Social se refere a uma estratégia de descentralização das ações de gestão, promovendo a autonomia e o protagonismo de usuários e familiares através de espaços como o Conselho Local de Saúde (BRASIL, 2004).

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e aos poucos, como destaca Ramminger (2015), vai se tornando um consenso

o entendimento de que o sofrimento relacionado ao uso de drogas deveria ser

abordado numa esfera sanitária e não jurídica. Ainda em 2006, a chamada

nova lei de tóxicos pretendeu distinguir usuários e traficantes extinguindo as

penas privativas de liberdade para os primeiros casos. A autora discute como a

lei possui critérios pouco objetivos e, mesmo caminhando para amenizar a

repressão, deixa brechas para que indivíduos de camadas socioeconômicas

menos favorecidas sejam prejudicados, não retirando efetivamente a questão

do consumo de drogas do campo penal.

A partir de 2009, em meio à emergência de um discurso de pânico em

torno da problemática do crack no país, o Ministério da Saúde criou o Plano

Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e

outras Drogas (PEAD). Voltado aos cem maiores municípios brasileiros com

mais de 250 mil habitantes, o plano prevê a viabilização de consultórios na rua,

equipes de redução de danos, leitos de hospitalidade noturna em CAPS ad e

unidades de acolhimento, considerando a lacuna assistencial voltada às

demandas no campo de álcool e drogas no âmbito do SUS e de acordo com

uma Política Nacional de Humanização (ALBUQUERQUE, 2014; BRASIL,

2009).

Nos anos seguintes foram instituídos o Plano Integrado de

Enfrentamento ao Crack e outras Drogas pelo Ministério da Justiça e o

Programa “Crack, é possível vencer”, claramente para responder à

problemática do crack, divulgada como uma epidemia pelos meios de

comunicação e alguns profissionais da área, mesmo sem nenhuma

fundamentação epidemiológica que sustente tal classificação. Tais programas

em alguns de seus aspectos podem ser considerados retrocessos diante dos

avanços conquistados no âmbito da redução de danos e da reforma

psiquiátrica no país, por reforçarem a centralidade do problema no objeto droga

(no caso, o crack), a sensibilização da população pela via do medo e por trazer

à tona os debates em torno das internações compulsórias8 de usuários de

drogas (RAMMINGER, 2015). 8 De acordo com a Lei 10.216, a internação compulsória é uma modalidade de internação

psiquiátrica que se dá sem o consentimento do indivíduo e com a determinação de um juiz,

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24

Em 2010, o Ministério da Saúde divulgou a portaria 3.088 que institui a

Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou

transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e

outras drogas, no âmbito do SUS, como parte da Política Nacional de Saúde

Mental. Com a finalidade de integrar os pontos de atenção voltados a essas

demandas, a RAPS está em processo de construção no país e deve ser

composta pela atenção básica, pelos Centros de Atenção Psicossocial,

unidades de urgência e emergência, atenção residencial de caráter transitório e

outras estratégias de atenção psicossocial e desinstitucionalização (BRASIL,

2011)9.

No entanto, mais recentemente vem sendo discutido pelo Governo

Federal o financiamento público para Comunidades Terapêuticas10, instituições

privadas que recebem usuários de drogas para internações de longa

permanência. No Estado de São Paulo, a prática da internação compulsória

tornou-se diretriz em 2013, privilegiando as internações como porta de entrada

das ações de cuidado, mesmo sob protestos dos trabalhadores e usuários da

rede de saúde mental. Através do Programa Recomeço11, o Governo do estado

de São Paulo passou a disponibilizar uma bolsa em dinheiro para o

acompanhada de uma avaliação médica (BRASIL, 2001). No Brasil a prática das internações

compulsórias como medida de tratamento para usuários de drogas tem apresentado

sobremaneira caráter punitivo, tendo como efeitos a afirmação da abstinência como meta e

individualizando uma problemática, além de reforçar associações entre consumo de drogas e

criminalidade (SOUZA, 2012).

9 Trata-se da Portaria 3.088 de dezembro de 2011. Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html>.

Acessado em: 16.12.2015.

10 Referente ao PLC/2013, que dispõe sobre o financiamento das Políticas sobre Drogas.

Disponível em: <www.senado.gov>. Acessado em: 18.10.2013.

11 Referente às novas atribuições do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas

(CRATOD) e ao “Cartão Recomeço”. Disponível em: <ftp://ftp.saude.gov.br>. Acessado em:

18.10.2013.

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25

financiamento de internações de usuários de crack em clínicas privadas e

comunidades terapêuticas mediante um cadastro feito por aqueles serviços que

escolhem pactuar com esse projeto e encaminhar usuários.

Podemos acompanhar nesse breve histórico que, mesmo com avanços

de novas perspectivas, existem lógicas institucionais bem consolidadas que em

suas capilaridades continuam operando com aparatos médicos-jurídicos que

classificam, confinam e condenam um sujeito reduzido ao diagnóstico de

dependente químico a uma vigilância constante de sua condição. Se a

legitimação oficial da redução de danos como diretriz política não se fez

suficiente para transformar regimes de verdade, será no campo das práticas

que isso irá acontecer, num plano onde operam os saberes locais, as teorias

dos usuários, de seus familiares e dos trabalhadores acerca das experiências

com o uso de drogas, da vida nas ruas, das instituições de tratamento e de

suas próprias necessidades.

Para Foucault (2009), o poder se exerce onde estão os saberes locais,

deslegitimados, construídos e específicos dentro dos grupos e relativos a

pequenos domínios e não a partir das superestruturas institucionais supostas

detentoras do saber universal e original, como o Estado ou a Ciência, pois

mesmo as superestruturas se decompõem em múltiplas regiões onde as ações

e os conhecimentos se descentram e se produzem descontínuos e sem pontos

fixos de origem. O poder, nesse sentido, não é entendido como a força

repressiva e com conotação negativa exercida por estruturas dominantes sobre

dominados, com um começo e um fim, mas uma força que permeia todo um

corpo social e circula entre todos, que “produz coisas, forma saber, induz ao

prazer” (FOUCAULT, 2009, p. 8).

Se a Redução de Danos hoje é um discurso possível é porque ele

funciona ao lado de outros e porque houve condições para que entrasse em

um campo de disputas e não porque se descobriu uma verdade definitiva e

universal que automaticamente substituiria outro regime. Não se trata

simplesmente de postular conceitos, conteúdos imbuídos de verdade, e sim de

nomear as condições de possibilidades para que fossem incluídos os saberes

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26

locais e sujeitados de quem usa drogas, ampliando as discussões nesse

campo.

Os discursos produzidos no campo da saúde coletiva também fazem

parte do conjunto de saberes que possibilitam a emergência da redução de

danos, sendo que as políticas de drogas vigentes que orientam o cuidado

integral para usuários de drogas foram elaboradas a partir das políticas de

saúde mental. As implicações do tema das drogas com a questão das

internações e das práticas manicomiais têm sido expostas publicamente após a

pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, que fiscalizou mais de

sessenta Comunidades Terapêuticas pelo Brasil afora. Foram denunciadas

práticas de tortura, maus tratos, isolamentos, trabalho forçado e outras tantas

com efeitos de violência física e subjetiva, revelando reedições e inovações dos

regimes asilares praticados nos manicômios (CFP, 2011).

Recentes experiências no cenário brasileiro servem de exemplos para

ilustrar um campo de embates entre posicionamentos distintos no nível dos

saberes locais na abordagem a usuários de drogas, como o Programa De

Braços Abertos da Prefeitura Municipal de São Paulo12, que desde 2013 atua

na região central da Luz. O Programa surgiu como novidade após longa

história de repressão policial no local em forma de agressões físicas e

remoções para outros locais da cidade, prisões ou internações. O acesso dos

usuários ao cuidado dependia de ações isoladas de redutores de danos, ONGs

e filantropia. No entanto, quase três anos após sua implementação, mesmo

com reconhecimento internacional e dados concretos que dão visibilidade aos

seus efeitos, ainda são frequentes episódios que ameaçam sua continuidade,

como ações policiais repressivas no local, desarticulação do programa com

outros segmentos sociais impregnados com o imaginário da periculosidade do

12 De acordo com o site da Prefeitura Municipal de São Paulo, o programa oferece trabalhos

remunerados como varrição e zeladoria às pessoas que circulam nos fluxos de uso e comércio

de drogas na região, encaminhamentos para hotéis próximos como oferta de moradia

provisória e atendimento à saúde no próprio local com equipes vinculadas ao programa.

Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br>. Acessado em: 24.06.2015.

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usuário de drogas e com os programas do Governo do Estado que atuam na

lógica das internações compulsórias e da abstinência do uso.

Com tantas mudanças nas políticas públicas, os modos de atenção

prestados aos usuários de drogas no Brasil são bastante variados quanto a

suas lógicas institucionais, com pressupostos que variam entre salvar,

recuperar, punir ou cuidar. A abstinência do uso e o isolamento do usuário

permanecem como imperativos dominantes, numa abordagem do problema

que recorta o sujeito em suas dimensões desejantes e históricas, tratando-o

como depositário de uma doença e único responsável por sua condição, sem

considerar os processos múltiplos de adoecimento que se produzem em uma

sociedade de consumo.

Os CAPS álcool e outras drogas (CAPS ad) – campo empírico deste

estudo – começaram a existir desde 2002, articulados às políticas públicas de

redução de danos, têm como função serem substitutivos ao modelo

hospitalocêntrico, sendo responsáveis pelos processos de

desinstitucionalização13 das práticas dominantes centradas no discurso da

abstinência e do isolamento. São considerados como porta de entrada para o

atendimento de pessoas em sofrimento relacionado ao uso de drogas,

reguladores do fluxo destes usuários pelos serviços e estratégicos na

construção de uma rede de cuidados numa perspectiva psicossocial no âmbito

do Sistema Único de Saúde.

13 Desinstitucionalização neste estudo é entendida a partir de Rotelli et al.(2001), como a

transformação de um paradigma baseado na racionalidade psiquiátrica, através do desmonte

de aparatos científicos, administrativos e legislativos e de mudanças radicais nos modos nos

quais as pessoas são tratadas em seu sofrimento. Abordaremos mais detalhadamente acerca

da desinstitucionalização no capítulo referente à caracterização do campo deste estudo no

município de Campinas.

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28

CAPÍTULO 3 – ACOLHIMENTO: EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS

Assim como ocorre com o termo cuidado a noção de acolhimento produz

múltiplas interpretações de acordo com o conjunto de repertórios linguísticos

que constroem determinados campos de práticas e seus discursos. No

Dicionário Aurélio (2004), o verbo acolher indica os sentidos de receber e de se

levar algo ou alguém em consideração. No Dicionário Houaiss14, acolhimento

está relacionado a uma ação ou efeito de acolher, a um modo de receber ou

ser recebido e um lugar onde há segurança.

Matumoto (1998) encontrou algumas abordagens em torno da noção de

acolhimento, uma delas a religiosa. Nesse ponto de vista o acolhimento tem

origem nas palavras de Jesus e aparece como sinônimo de acolher os

excluídos, amor ao próximo e solidariedade. Também segundo a autora, na

perspectiva da organização e planejamento de serviços, o acolhimento tem

sido discutido como parte dos processos de trabalho em saúde e resultado das

práticas de saúde. Tais noções são encontradas nas mais variadas situações

da vida cotidiana e nos ajudam a acompanhar a construção do conceito de

acolhimento no campo da Saúde Coletiva.

A partir da década de 1980, várias experiências em unidades de saúde

para atenção primária serviram de base para o Movimento da Reforma

Sanitária e para a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, ocasião

marcada pela elaboração de diretrizes para um novo sistema público de saúde

que foram legitimadas pela Constituição de 1988 e pela nova Lei Orgânica de

Saúde15, que respaldou a organização de um Sistema Único de Saúde - o SUS

(SILVA JR. E ALVES, 2007). Tendo como principais diretrizes o acesso

universal, a integralidade das ações, a democratização da gestão em saúde e a

humanização das relações entre trabalhadores, usuários e comunidades, o

novo modelo encontrou muitos entraves em sua implantação devido às

tradições de um paradigma hegemônico de saúde baseado no modelo

14 Disponível em:< http://houaiss.uol.com.br/> . Acessado em 13/03/2015.

15 Lei 8.080/90. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm>. Acessado em 19/01/2016.

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29

biomédico “anátomo-clínico”16 voltado à produção e reprodução de

procedimentos, centrado nas práticas curativas e na concepção de saúde como

ausência de doença ou sintomas.

Logo nas primeiras experiências nos anos 1990, trabalhadores nos

serviços de saúde sinalizavam uma crescente demanda da população por

atendimentos, longas filas de espera e uma agenda médica sobrecarregada,

impedindo o acesso da população às unidades. Havia também o diagnóstico da

precariedade do trabalho na recepção das unidades de saúde, onde logo na

chegada o acesso dos usuários era barrado causando situações de

desassistência e a degradação na relação entre as equipes e a comunidade

local (FRANCO, BUENO E MEHRY, 1999).

Nesse cenário, o tema da recepção começou ser vislumbrado como

possibilidade para uma reorganização tecnoassistencial necessária na

implantação das diretrizes que dariam materialidade ao SUS. A noção de

acolhimento surgiu nesse contexto, para ampliar as ações no trabalho de

recepção em equipes multiprofissionais, de forma a desburocratizar o

atendimento e garantir o acesso das pessoas aos serviços para oferecer

atendimento humanizado respeitando as necessidades e os direitos de todos

que procuravam as unidades de saúde.

Ao lado do Movimento Sanitário, o movimento da Reforma Psiquiátrica

no Brasil caminhou para reivindicação, planejamento e operacionalização de

novos modos de cuidado em saúde mental que garantissem o resgate de

direitos e transformações na concepção de loucura. Junto com as novas

equipes atuantes na rede de atenção básica à saúde, foram criados

equipamentos substitutivos de saúde mental para possibilitar a

desospitalização, o cuidado integral no território e o acompanhamento

16 Referente ao modelo flexneriano. Abraham Flexner foi um pesquisador social e educador

norte americano que elaborou em 1911 o chamado Relatório Flexner que fundamentou a

reforma das faculdades de medicina no Canadá e EUA, orientando um modelo de hegemonia

biomédica que inspirou a formação médica no Brasil (SILVA JR. E ALVES, 2007).

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psicossocial de pessoas com diagnóstico de transtornos mentais com

experiências de sofrimento. Até hoje os conhecidos lemas “Saúde não se

vende” e “Loucura não se prende” carregam histórias, interesses e lutas que se

entrecruzam e cujos avanços têm sido conquistados em um plano comum.

Foram várias as experiências que propuseram arranjos em torno do

acolhimento em unidades de saúde de diferentes regiões do país e tomadas

como referências pelo Ministério da Saúde para respaldar o acolhimento como

diretriz operacional do SUS, reforçando uma construção de conhecimento no

campo da Saúde Coletiva que se dá sempre a partir das práticas. Visitaremos

algumas dessas experiências e discutiremos alguns conceitos em torno do

acolhimento em saúde.

3.1 Acolhimento em um ambulatório de saúde mental (RJ)

Tenório (2000) relatou a experiência de um Ambulatório de Psiquiatria

no Rio de Janeiro, onde foram realizadas mudanças nos procedimentos de

recepção e consequentemente no funcionamento do ambulatório como um

todo. Ao discutir o ato de recepção como decisivo para o futuro do tratamento,

o autor destaca sua importância para a transformação geral da assistência em

saúde mental, uma vez que nesse momento são colocadas muitas questões

que servirão para o processo como um todo.

As mudanças no modelo de recepção do ambulatório se deram a partir

do reconhecimento dos seus procedimentos de triagem como insatisfatórios:

longas esperas para atendimento e descaso com a dimensão subjetiva dos

processos de adoecimento. Operava na unidade certo modo de fazer e pensar

a psiquiatria reduzida ao manejo farmacológico dos sintomas, revelando uma

face do modelo de exclusão que a reforma psiquiátrica pretende superar.

Sendo assim, para esse ambulatório foi necessária uma transformação geral

da assistência em seus pressupostos (TENÓRIO, 2000).

Foram então criados grupos de recepção, para enfatizar a ideia de que a

recepção era terapêutica pelo seu caráter de acolhimento e a expressão

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triagem caiu em desuso, pois dava a conotação de seleção de pessoas. Os

usuários passaram a falar mais de si, para além dos sintomas que sentiam e a

serem incluídos na construção de seus projetos terapêuticos. Alguns efeitos

dessas mudanças repercutiram em menos filas de espera, agenda mais eficaz

e qualificação da escuta dos trabalhadores, para produzir respostas mais

criativas e menos estereotipadas. Posteriormente, com o aumento da

demanda, diversificaram-se as ofertas no ambulatório, que criou novos grupos

terapêuticos e o plantão passou a ser composto por uma equipe

multiprofissional. Quando surgiam conflitos decorrentes dos desafios para a

nova organização, estes eram coletivizados de forma a analisar e rever os

processos de trabalho (TENÓRIO, 2000).

Nesta experiência não bastou mudar apenas o funcionamento

administrativo do serviço, foram necessárias mudanças de pressupostos com

relação ao cuidado, na perspectiva da escuta e da corresponsabilização dos

trabalhadores na construção de projetos com os usuários. Pouco a pouco a

recepção foi deixando de ser uma etapa de um sistema burocrático a ser

vencida pelos usuários e se tornou parte de um processo de acolhimento que

abarca desde sua chegada ao serviço, os encontros que se darão ali, as

negociações, os vínculos que se produzem, até a sua saída.

Parada (2003) reconhece o uso da palavra acolhimento sendo utilizada

há muito tempo no campo da psiquiatria, tendo surgido inicialmente como

instrumento de trabalho elaborado pelo movimento da Psicoterapia

Institucional17 para atualmente servir a uma diferenciação em relação à

Psiquiatria Asilar clássica. A noção do acolhimento como função é discutida

pelo autor a partir do pensamento lógico-matemático, em que as mudanças de

resultado em um processo dependem necessariamente de pelo menos dois

17 A Psicoterapia Institucional pode ser entendida como um movimento que toma a própria

instituição de saúde mental como objeto de tratamento, partindo da constatação de que o meio

no qual se praticam os cuidados pode ser ele próprio responsável pelo adoecimento ou

reabilitação dos pacientes. Sua origem remonta a meados do século XX, no contexto dos

hospitais psiquiátricos da França, e o psiquiatra catalão François Tosquelles é frequentemente

apontado como o principal precursor do movimento (MOURA, 2003).

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elementos diferentes e variáveis. Assim, o acolhimento seria uma função

operante de modo permanente em uma instituição, não um lugar, tarefa ou

etapa do tratamento.

O autor identifica outras condições que podem estar presentes para se

garantir o acolhimento num serviço de saúde mental, como a gratuidade do

atendimento e a ética do anonimato, normas instituídas pelo Estado ou

organizações profissionais. Existem, no entanto, outras condições mais sutis e

não decretadas, como a disponibilidade dos trabalhadores em lidar com as

situações de angústia e sofrimento que lhe são trazidas. Tal condição

dependerá de cada encontro entre usuário e trabalhador, podendo a

indisponibilidade ser compreendida como uma dentre tantas outras formas de

proteger-se desse encontro. Outros aspectos importantes e que se manifestam

de modo sutil são a escuta, que se qualifica a partir de um interesse qualquer

no outro e também o ambiente, que não se restringe apenas aos elementos

arquitetônicos, mas compreende elementos psíquicos seja de harmonia, seja

de caos e provoca sensações interferindo em como nos comportamos

(PARADA, 2003).

Podemos observar a partir desta experiência, que o acolhimento como

estratégia de transformações nas relações entre trabalhadores e usuários

configura-se como um modo diferenciado de se receber, que desburocratiza o

acesso ao cuidado em saúde e coloca processos de trabalho instituídos em

análise. Dessa maneira poderão repercutir efeitos de desinstitucionalização de

práticas tradicionais com perspectivas curativas que fragmentam processos

complexos de saúde e de adoecimento.

3.2 Acolhimento em Betim (MG)

Entre 1993 e 1996 uma unidade de saúde em Betim (MG) viveu um

processo de implantação do acolhimento como diretriz operacional para

reorganização do serviço, especialmente quanto ao acesso universal, à

resolubilidade e o atendimento humanizado, buscando oferecer sempre uma

resposta positiva quanto ao problema de saúde trazido pelo usuário. Essa

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unidade trabalhava com um modelo burocratizado de recepção que barrava

muitas pessoas na porta de chegada, excluindo-as do acesso ao cuidado em

saúde e produzindo peregrinações por outros serviços; além disso, os

processos de trabalhos eram todos centrados na figura do médico. Para Franco

et al. (1999) o acolhimento enquanto diretriz operacional consiste em: atender

(entendido como acolher, escutar e dar alguma resposta) a todas as pessoas

que chegam à unidade garantindo acesso; deslocar o eixo central do trabalho

do médico para uma equipe multiprofissional, ampliando o campo de

resolubilidade no cuidado em saúde e; qualificar as relações entre

trabalhadores e usuários com base em parâmetros de solidariedade e

cidadania.

Nessa experiência (que desde o início contou com o suporte e a

participação direta da gerente da unidade) a primeira ação tomada foi definir

uma equipe de acolhimento, encarregada da escuta dos usuários que

chegavam. Com essa mudança já se eliminaram as fichas de recepção e as

filas na porta da unidade, que estava finalmente aberta a todos que ali

procurassem ajuda. Após algum tempo de experiência, essa mesma equipe de

acolhimento passou a ser a principal responsável pelas atividades no

ambulatório, não mais o profissional médico. Todos os protocolos e fluxos

foram reorganizados de forma a potencializar ao máximo a capacidade técnica

de todos os trabalhadores da unidade, aumentando a resolubilidade no

atendimento dos casos. Ao utilizar todo o seu arsenal técnico, os trabalhadores

se viram dotados de maior autonomia, podendo exercer plenamente o saber-

fazer dos procedimentos e atendimentos (FRANCO et al., 1999).

A experiência de Betim produziu indicadores importantes como

ampliação da acessibilidade em comparação a outros períodos, aumento do

rendimento profissional pela utilização de cada trabalhador de seu máximo

potencial para a assistência e qualificação das soluções encontradas pela

equipe para responder aos problemas de saúde na unidade, sem necessidade

de encaminhamentos. Corroboraram para essas transformações discussões de

casos e dos processos de trabalho no coletivo, maior capacitação da equipe,

elaborações de novos protocolos, sempre tendo como base as experiências e

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situações concretas do cotidiano nas práticas do acolhimento (FRANCO et al.,

1999).

O papel da gestão merece destaque, já que tal reorganização do

trabalho na unidade exigiu também uma participação democrática na

construção e avaliação das práticas de cuidado, havendo necessidade de

adesão dos trabalhadores à nova diretriz. Na experiência de Betim a gestão

participativa produziu um processo no qual os trabalhadores puderam conhecer

melhor os usuários e suas próprias ferramentas de trabalho. O vínculo

apareceu como uma diretriz acoplada ao acolhimento para garantir maior

responsabilização e comprometimento com os problemas de saúde dos

usuários e da comunidade (FRANCO et al., 1999). Mas a principal proposta da

experiência foi a de se aproximar das relações que se davam no serviço para

avaliar o funcionamento do mesmo, com destaque para as relações entre

trabalhadores e usuários, orientadas por certas tecnologias de cuidado.

Mehry (s/d) discutiu a respeito da existência de uma crise tecnológica

em saúde na qual os próprios usuários diagnosticam posturas de descaso,

desinteresse e desamparo frente à assistência em saúde. Trata-se de uma

crise tecnológica assistencial, produzida no âmbito de um modelo de cuidado

centrado em procedimentos ou tecnologias duras e não usuário-centrado. O

autor compreende as tecnologias de cuidado para além das condições

materiais de um serviço de saúde, como máquinas, aparelhos, instrumentos e

fichas, pois no conjunto das intervenções em assistência o trabalhador também

lança mão de seu repertório de conhecimentos e saberes advindos de sua

formação específica, as chamadas tecnologias leve-duras: leve, pois cada um

adquire e opera os conhecimentos à sua maneira e duras, pois são saberes

estruturados, instituídos e padronizados.

Ao nos aproximarmos da dimensão mais capilar do trabalho em saúde,

em qualquer encontro que acontece num serviço, observamos um tipo de

tecnologia leve (MEHRY, s/d), produzida durante o trabalho vivo em ato. Esses

encontros produzem relações que atualizam um jogo intersubjetivo de desejos,

interesses, escutas e interpretações produzindo efeitos de acolhida quando há

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momentos de cumplicidade e produção de responsabilização em torno do

problema que vai ser enfrentado além de momentos de confiabilidade nos

quais se produzem vínculos e aceitações. Para o autor as tecnologias leves

seriam as tecnologias das relações, produzidas no trabalho vivo em ato e que

podem ser observadas em alguns momentos. A composição técnica do

trabalho em saúde deve, portanto buscar uma conformação entre os três tipos

de tecnologias sendo que o acolhimento acontece preponderantemente no

plano das tecnologias leves de relação (MEHRY, 1997).

A experiência do acolhimento em Betim interrogou ações clínicas e

encontros que se davam a todo o momento no serviço de saúde, afirmando

que sem acolher e se vincular, não há responsabilização e nem produção de

respostas que possam impactar os processos sociais de saúde e doença, que

são objetivos das práticas de saúde individual e coletiva (FRANCO et al.,

1999).

Para Schmidt e Lima (2004), as noções de campo e núcleo conforme

elaboradas por Campos (2000) ajudam a discutir os papéis dos profissionais

envolvidos no acolhimento e na construção do que é comum a todos em

termos de cuidado em saúde. No campo, estão presentes os saberes e as

responsabilidades comuns a todos os trabalhadores, enquanto nos núcleos

existem as aglutinações, a concentração de saberes e práticas particulares a

cada profissão ou especialidade. Nessa lógica, o acolhimento pensado como

tecnologia leve, está na dimensão do campo de cuidado e todos têm

responsabilidades em seu saber-fazer.

3.3 Acolhimento em um programa de saúde mental (SP )

Schmidt (2013) observou as práticas de acolhimento que acontecem em

torno da recepção e das salas de atendimento em um centro de saúde escola

localizado na zona oeste do município de São Paulo, acompanhando os

itinerários de procura por atendimento por parte dos usuários.

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A partir de 2001, com a redução das equipes de saúde mental na

atenção básica em São Paulo, houve consequente centralização do cuidado a

essas demandas nos CAPS. Por isso, atualmente, o programa de saúde

mental nesse centro de saúde escola é considerado uma exceção, tendo em

vista a hegemonia da estratégia de saúde da família na atenção primária e a

superação conceitual da organização dos serviços por programas. O

experimento de manutenção da saúde mental como porta de entrada do

sistema ou como atenção primária pode ser visto, nesse contexto, como uma

espécie de resistência em manter o que há de valioso nas experiências de

organização dos serviços (SCHMIDT, 2013).

Nesse estudo, a pesquisadora acompanhou os itinerários de procura por

atendimento por parte da clientela, ouvindo os modos como os usuários se

posicionam ativamente na organização do serviço e observando

afrontamentos aos limites das políticas instituídas. Desse modo, propôs discutir

certas produções dos usuários que normalmente permanecem invisíveis e

silenciosas, mas que afetam a produção do cuidado que se requer. A autora

chamou algumas dessas produções de indisciplinas ou anti-disciplinas, que

aparecem na forma de desobediência às normas ou exigências da instituição

em favor de seus próprios interesses e criando suas próprias exigências a

partir de um conjunto de repertórios particulares.

(...) são formas de tomar posse, temporariamente, de lugares

instituídos sem, contudo, jamais se estabelecerem ou fixarem

legitimamente como partes da instituição: invasões instáveis e

precárias da ordem institucional. Como elas, o texto em que se

abrigam aspira atrair para si a vocação para exibir as franjas do

instituído, na esperança de oferecer instáveis e precárias pistas

de sua existência. (SCHMIDT, 2013, p. 1087)

Trata-se de rasurar ou falsificar receitas para se conseguir uma consulta

médica com maior rapidez, telefonar repetidamente apostando na variação de

posições entre diferentes profissionais até receber uma resposta desejada,

omitir mudanças de endereço para permanecer no serviço ou esconder o

cartão de retorno para omitir a ausência em uma consulta anterior, comparecer

fora do horário agendado. A autora reconhece tais atitudes desobedientes

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como ações criativas da população diante das limitações do serviço de saúde

(falta de vagas, longas filas, demora no agendamento). Reduzir tais

indisciplinas a meros problemas administrativos, passíveis de punição, teria

provavelmente um significado diverso, servindo ao controle e depreciando o

cuidado.

A flexibilidade dos trabalhadores para lidar com as indisciplinas e

responder às situações que se apresentam pode ser lida como uma autonomia

para a invenção de formas de cuidar para além da rigidez burocrática de regras

que, em geral, excluem usuários que nelas não se encaixam. Essa flexibilidade

pode ser interpretada também como indisciplina: uma indisciplina institucional

decisiva para o acolhimento que a singularidade e a pluralidade dos usuários

requerem (SCHMIDT, 2013). Logo, nessa experiência, o acesso ao cuidado

aparece como resultado da dinâmica micropolítica presente nas negociações

cotidianas, entre o que está institucionalmente organizado e os modos como os

usuários se apropriam das ofertas de cuidado.

Para Souza (2012), é preciso considerar as implicações que atravessam

o fazer cotidiano dos trabalhadores, pois nas ações de acolhimento que

acontecem em um serviço estão presentes disputas de diferentes interesses e

projetos: dos usuários, dos trabalhadores, da instituição entre outros. O autor

desdobra a noção de acolhimento articulada à questão do acesso ao cuidado

narrando um exemplo em que uma equipe de saúde ou um profissional ao

atender uma pessoa usuária de drogas, coloca para si a tensão “sou a favor”

ou “contra as drogas”. Essa situação dentro do serviço será conduzida a partir

de um problema formulado pelo trabalhador de acordo com suas implicações

com relação à questão da experiência com o uso de drogas e não com as

experiências singulares que estão sendo trazidas e narradas pelo usuário,

barrando de algum modo que este acesse o cuidado de acordo com suas

necessidades e escolhas.

As experiências de acolhimento que acabamos de narrar, somadas a

muitas outras no país, vinham se destacando como estratégicas para

mudanças nos modos de cuidar em saúde no campo da saúde coletiva e da

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saúde mental, no entanto os documentos oficiais de políticas públicas ainda

não apresentavam uma elaboração técnica mais detalhada a seu respeito. Em

2004, a partir do reconhecimento de que o padrão de acolhida dos usuários e

dos trabalhadores assim como outros pontos das transformações

tecnoassistenciais vinham sendo experimentados, o Ministério da Saúde

lançou uma série de materiais e ações para auxiliar as equipes no trabalho de

implantação das diretrizes contidas no SUS, entre elas a cartilha do

Acolhimento com Classificação de Risco, elaborada pelo Núcleo Técnico da

Política Nacional de Humanização18. Nessa edição, o acolhimento é proposto

como uma ação tecnoassistencial que pressupõe mudanças na relação

profissional-usuário a partir do acesso universal e da responsabilização de

todos os envolvidos pelas questões de saúde, tanto através da construção de

vínculos como pela democratização da gestão.

O acolhimento como diretriz implica em mudanças nos modos de fazer

em saúde que envolvem o protagonismo dos sujeitos envolvidos e uma

reorganização dos serviços a partir da problematização dos seus processos de

trabalho. As ações de acolhimento devem buscar respostas aos problemas de

saúde incluindo o saber e a cultura local ou do usuário e avaliar não apenas

sintomas físicos, mas também de ordem psíquica e social. A cartilha traz um

exemplo que ocorreu em uma comunidade indígena quando uma cirurgia em

uma mulher só pôde ser realizada quando a equipe de saúde considerou e

incluiu os saberes locais e seus rituais durante e após o procedimento

(BRASIL, 2004). A cartilha ainda destaca outro caso, desta vez de uma garota

que se queixou várias vezes de dores na barriga em uma sala de espera,

sendo sempre orientada a retornar para a fila e aguardar a sua vez. A garota

18 Lançada em 2003, a Política Nacional de Humanização busca pôr em prática os princípios

do SUS no cotidiano dos serviços de saúde, produzindo mudanças nos modos de gerir e

cuidar. Existe uma série de cartilhas elaboradas para auxiliar as equipes a atuarem em

diversas frentes, entre elas, o acolhimento. Para maiores informações, acessar:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_humanizacao_pnh_folheto.pdf>.

Acessado em: 27.03.2015.

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veio a falecer, pois havia ingerido veneno para interromper uma gravidez

indesejada. Por isso há urgência em desburocratizar e humanizar as relações

através da escuta, da mudança do foco da doença para o sujeito em uma

abordagem integral e do aperfeiçoamento do trabalho em equipe para que

exista maior responsabilização dos profissionais e construção de vínculos

(BRASIL, 2004).

Embora a cartilha oriente modos de operar o acolhimento a partir de

pressupostos e diretrizes, deixa claro que se trata de uma série de mudanças

difíceis de realizar, sendo que a sua concretização se dará no cotidiano a partir

das práticas e mesmo quando não se pode resolver algo de imediato pode

haver algum encaminhamento de maneira ética e resolutiva.

Em 2010 o Ministério da Saúde lançou a segunda edição do material

técnico da PNH, desta vez intitulado Acolhimento nas Práticas de Produção de

Saúde, reafirmando o acolhimento como postura e prática que contribuem para

a construção de relações de confiança e compromisso, para a efetivação da

descentralização do cuidado e da gestão e finalmente para efetivar a

implantação do SUS como política pública fundamental da e para a população

brasileira. Reconhece o acolhimento como uma das diretrizes de maior

relevância ético-estética e política da PNH: ética no sentido de acolher e

reconhecer o outro em suas diferenças; estética porque cria estratégias no

cotidiano a partir das relações; política porque implica um compromisso coletivo

para sua implantação e avaliação (BRASIL, 2010).

As experiências que acabamos de visitar trazem questões que

relacionam o acolhimento a noções como acesso, escuta e vínculo, tomando

como ponto de partida os encontros que se dão entre trabalhadores e usuários

num serviço de saúde. Teixeira (2008) destaca que, embora tenha-se um

entendimento de que os processos sociais não possuem um ponto de origem

ou causas naturais, esse binômio trabalhador-usuário se tornou naturalizado no

campo sanitário e por isso é importante de ser analisado.

Na segunda metade do século XX, as ciências sociais assumiram uma

postura critica dos discursos médicos-sanitários vigentes que não perderam,

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entretanto, sua participação na construção do campo de forma hegemônica. O

Movimento Sanitário trouxe então a preocupação em falar menos do outro e

criar condições para que ele fale diretamente, num movimento que se traduziu

numa série de políticas públicas. A partir de então o campo da saúde se tornou

mais sensível para a questão das alteridades (TEIXEIRA, 2008).

A possibilidade de discutirmos as relações que se dão nos serviços de

saúde no âmbito do SUS implicam a todos na construção de um espírito

democrático onde todos podem ter voz, dizer de si e ser escutados, afirmando

as técnicas de conversa como exercício democrático. As conversas estão

presentes nas relações entre trabalhadores e usuários, assumem várias formas

e funcionam para o bom desempenho tecnoassistencial numa perspectiva

comunicacional. A função do acolhimento nessa lógica comunicacional é tudo

receber e conectar as conversas que se dão, convidando os usuários a

frequentarem outras conversas. Desse modo, ampliam-se as possibilidades de

trânsito pela rede e constitui-se uma rede de conversações interligadas por um

acolhimento-diálogo (TEIXEIRA, 2008).

Por não se restringir à atividade de recepção, o acolhimento-diálogo é

um momento de negociação das necessidades que estão por vir e também de

conectar os pontos de uma rede. Nos encontros entre trabalhadores e usuários

são pautadas o tempo todo negociações das necessidades a serem satisfeitas

e a possibilidade de os usuários realizarem diferentes combinatórias de

atenção, implicando uma plasticidade que favorece as singularizações

possíveis (TEIXEIRA, 2008).

No entanto, tais lógicas não estão dadas e para que tudo isso possa se

efetivar é necessário um conjunto de condições que favoreçam esses

processos. Nas próximas páginas adentraremos no contexto da saúde em

Campinas, os percursos para sua consolidação e cenários favoráveis à

construção de uma rede de saúde mental, álcool e outras drogas.

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CAPÍTULO 4 – CAMINHOS DA SAÚDE EM CAMPINAS

Localizada a menos de 100 quilômetros da capital, o município de

Campinas em São Paulo possui aproximadamente 1.144.862 habitantes e

como pólo regional da região metropolitana ultrapassa a marca de três milhões,

sendo considerada a terceira cidade mais populosa do estado (JANUZZI et al.,

2014). Encontra-se na região oeste do estado, em uma das rotas de ligação

entre a capital, o interior e outros estados brasileiros.

Vinculada a um passado de produção cafeeira que alavancou o

crescimento econômico da região, Campinas e suas heranças culturais do

tempo da aristocracia rural estão espalhadas em sobrenomes estrangeiros,

grandes fazendas e suntuosas construções. No entanto o rápido

desenvolvimento urbano e o crescimento econômico incessante atraíram

muitas pessoas de outras cidades e estados que pouco ou nada se

reconhecem nas histórias dos barões do café. São pessoas que chegaram em

busca de melhores oportunidades de trabalho, ou para estudar em alguma de

suas universidades.

Atualmente Campinas apresenta uma expansão demográfica

característica das grandes metrópoles, cujas periferias se encontram às

margens geográficas e econômicas para o acesso aos principais recursos da

cidade. Com histórias de efervescentes militâncias em diversos cenários

políticos desde a década de 1960, a cidade também foi palco recente de

acontecimentos dramáticos, como o misterioso assassinato do prefeito em

exercício Antônio da Costa Santos no ano de 2001 e o escândalo de corrupção

na maior empresa de abastecimento de água da cidade, a SANASA, em

201119.

No âmbito da saúde, teve suas primeiras e incipientes politicas sanitárias

no final do século XIX, quando houve um grande surto de febre amarela que se

19Mais informações podem ser encontradas em notícias e reportagens divulgadas pela mídia

na época. Segue um link para acesso ao principal jornal da cidade, o Correio Popular:

<http://correio.rac.com.br/>. Acessado em: 04.06.2015.

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alastrou rapidamente e dizimou quase um quarto da população. Nesse período

pós-abolição da escravidão e proclamação da República, a região também

recebeu imigrantes europeus e norteamericanos em busca de prosperidade na

produção de café ou nas grandes fábricas que ali se instalaram no início do

século XX. Devido à precariedade no planejamento e implantação de ações

sanitárias, a epidemia ainda se manifestou mais algumas vezes até sua

erradicação sete anos depois (MORAES, 2014). Se a epidemia evidenciou as

precárias condições sanitárias na época, também atraiu a instalação de

diversas instituições ligadas à prática médica e ao conhecimento científico

nesse campo, como o Serviço Sanitário de São Paulo, considerado um dos

marcos da saúde pública para o país; ao mesmo tempo foram criados serviços

privados para atender colônias de imigrantes portugueses e italianos

(CORREA, NASCIMENTO e NOZAWA, 2007).

No início do século XX outras mazelas, como a lepra, afetaram a

população campineira, no período conhecido como “auge da política de

construção de colônias” (AMARAL, 1995, p. 19) para receber as pessoas que

estavam doentes. Estas viriam a ser também os loucos, os bêbados, os

indigentes e todos aqueles que eram julgados uma ameaça para a

prosperidade nesta nova sociedade que se tornava cada vez mais polarizada,

definida pela burguesia de um lado e a população em condições miseráveis de

outro. (CORREA, NASCIMENTO e NOZAWA, 2007; BRAGA CAMPOS, 2000).

Em 1925, foi implantada uma nova abordagem em saúde com base no

modelo norteamericano, enfatizando ações preventivas ou profiláticas voltadas

para a educação e fiscalização sanitária. Na década de 1960 o exercício da

medicina privada e de caráter individual já era predominante, enquanto os

serviços de saúde pública limitavam-se à vacinação e controle de moléstias

infecciosas e contagiosas voltados à população pobre e excluída dos sistemas

previdenciários. A partir da década de 1970, com o aumento da migração,

crescimento das periferias, da desigualdade econômica e impulsionado pelos

movimentos sociais da época que criticavam os modelos de saúde vigentes, o

município criou mais serviços públicos e começou a construir novas políticas

públicas de saúde (CORREA, NASCIMENTO e NOZAWA, 2007).

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Campinas apresenta um modelo assistencial fundado na Atenção

Primária à Saúde20 desde 1976, que ampliou não só a cobertura, mas criou

novos programas de atendimento que incluíam a saúde mental. Os primeiros

Centros de Saúde e as novas políticas de Atenção Primária desenvolvidas com

participação popular e em parceria com as universidades contribuíram para a

construção coletiva de um sistema de saúde baseado num modelo de Medicina

Comunitária (CORREA, NASCIMENTO E NOZAWA, 2007; BRAGA CAMPOS,

2000). Mas se esses serviços tinham engajamento para a vigilância em saúde

e para programas específicos, não funcionavam efetivamente como porta de

entrada para as demandas de saúde mental, que desde o final do século XX

estavam enclausuradas nos grandes hospitais (BRAGA CAMPOS, 2000;

AMARAL, 1995).

Na década de 1980, com a municipalização da saúde, intensificaram-se

os debates para uma reestruturação do modelo vigente. As mudanças puderam

ser legitimadas após a Constituição de 1988, tendo impulsionado uma grande

reforma entre 1989 e 1993, quando foram criadas novas unidades de saúde e

equipes de saúde mental para atuar na atenção primária. Houve uma

reestruturação organizacional e política para transformar as portas de entrada

das demandas em saúde mental, que eram os grandes asilos, rumo ao

território numa perspectiva psicossocial (MORAES, 2014; BRAGA CAMPOS,

2000).

A complexidade do Sistema de Saúde em Campinas levou à

distritalização, que foi o processo progressivo de descentralização do

planejamento e gestão da Saúde para áreas com cerca de 200.000 habitantes,

que nesse município iniciou-se com a atenção básica, sendo seguido pelos

serviços secundários próprios e posteriormente pelos serviços conveniados ou

contratados. Esse processo exigiu envolvimento e qualificação progressivos

20 De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), a Atenção Primária em

Saúde é concebida tanto como estratégia de cuidado à saúde como um modo específico para

organizar os sistemas públicos de saúde, sendo que no Brasil o termo Atenção Básica também

é utilizado (CAMPOS, 2014).

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das equipes distritais e representou grande passo na consolidação da gestão

plena do sistema no Município, que hoje está dividido em cinco Distritos de

Saúde: Norte, Sul, Leste, Noroeste e Sudoeste21.

4.1 O projeto Paideia

O Movimento Em Defesa da Vida, que em Campinas mobilizou

trabalhadores da saúde mental, pesquisadores e usuários, constituiu as bases

para estruturar novas formas de fazer clínica e gestão. Entre 2001 e 2004 a

Secretaria Municipal de Saúde assumiu a experimentação e implantação do

Programa de Saúde da Família – PAIDEIA22 para toda a rede básica municipal

e introduziu dois integrantes estratégicos visando maior eficácia em seu caráter

comunitário: o médico generalista e o agente comunitário de saúde. O

programa alinhado às produções e experiências no campo da Saúde Coletiva

também propôs novos debates acerca dos pressupostos das políticas públicas

de saúde, preocupando-se para além da ampliação de serviços e equipes, com

a humanização do atendimento e democratização da gestão a partir de

diretrizes como clínica ampliada, equipe local de referência, cogestão,

acolhimento e capacitação das equipes (CAMPOS, 2007). Tais diretrizes foram

posteriormente incorporadas pela Política Nacional de Humanização (PNH) do

Ministério da Saúde e lançadas em forma de cartilhas como forma de auxiliar

as equipes e gestores a implantarem mudanças em seus serviços na direção

dos princípios do SUS.

21 Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/>. Acessado em: 04.06.2015.

22 A ideia de nomear o projeto como Paideia foi de Gastão Wagner de Souza Campos, que

assumiu a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas entre os anos de 2001 e 2002. Trata-se

de uma proposta para o exercício coletivo e democrático da gestão a partir do método da roda,

operando de maneira diferente do modelo de administração taylorista hegemônico; foi inspirado

na experiência grega da Paideia, quando os gregos sonhavam com as cidades democráticas e

criavam novos métodos de governar, através de práticas para a formação integral do ser

humano, uma educação para a vida que ampliasse sua capacidade de análise e intervenções

dos coletivos (CAMPOS, 2007).

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Essas diretrizes se articulam entre si e desdobram outros conceitos

como vínculo, acesso, autonomia, entre outros que serão aqui abordados

separadamente apenas para fins didáticos, pois estão interconectados na

produção de cuidado em saúde na perspectiva da integralidade.

O conceito de Clínica Ampliada foi tomado pela primeira vez como

diretriz em Campinas no contexto da atenção básica e foi trabalhada junto aos

conceitos de Equipe de Referência e Projeto Terapêutico Singular. Trata-se de

considerar todos os trabalhadores envolvidos no cotidiano dos serviços sendo

capazes de fazer clínica, seja pela via do diagnóstico e do tratamento, da

prevenção ou do acompanhamento. A clínica que se propõe ampliada visa

superar o modelo médico tradicional, positivista e reducionista que toma

somente a doença como objeto, para descentrar a produção do cuidado em

saúde em um processo de acompanhamento e compartilhamento do trabalho

em equipe multiprofissional. Tais práticas devem ser assumidas por uma

equipe local de referência que acompanhará e se responsabilizará pelo

cuidado em saúde de uma parcela da população do território atendido

(CAMPOS, 2007). Desse modo a avaliação diagnóstica é situacional, deve ser

feita processualmente incluindo o saber do sujeito e o momento específico da

vida de um grupo a partir do pressuposto de que uma vez atuando em um

serviço de saúde é preciso olhar para os processos de adoecimento que se

dão em múltiplos planos: sociais, históricos, biológicos, psicológicos. Para

viabilizar o cuidado no cotidiano, é necessário construir projetos terapêuticos

para cada grupo ou sujeito levando em consideração o máximo de aspectos

que influenciam a vida das pessoas, de modo que todos os profissionais

possam ajudar a responder situações a partir de seu núcleo de formação

(ONOCKO CAMPOS, 2001).

Essa proposta gera tensões nas barreiras disciplinares, estimulando o

trabalho em equipe, pois considera um sujeito que não é ou social, ou

psicológico ou determinado biologicamente, mas atravessado

sociohistoricamente e com múltiplas possibilidades em seus modos de

existência. As equipes nos serviços de saúde também estão atravessadas por

muitas instituições e saberes que mesmo quando potentes devem ser

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analisados, de modo a acompanhar processos de saúde e de adoecimento que

não são estáticos, mas dinâmicos (ONOCKO CAMPOS, 2001).

No caso dos equipamentos substitutivos de saúde mental cuja proposta

é justamente recusar as práticas clínicas tradicionais exercidas numa lógica

manicomial, estão presentes diversos saberes e modelagens clínicas, da

psicologia, da enfermagem, terapia ocupacional, psiquiatria, entre outros.

Nesses equipamentos se lida mais cotidianamente com situações de “crise”,

entendidos como momentos de ruptura vividos com enorme angústia por

aquele que os vivencia (ONOCKO CAMPOS, 2001). Dessa forma a equipe

deverá estar preparada não apenas para intervir em situações de crise, mas

também acolhê-las, já que o encaminhamento para intervenções em forma de

internação em hospital psiquiátrico, quando acontece, se torna um analisador23

do modelo psicossocial e dos processos de desinstitucionalização.

A possibilidade de acolher e acompanhar a crise junto com o usuário

possibilita que não se quebrem vínculos construídos no serviço, mas deve

implicar a responsabilização de uma rede de cuidados, não apenas um

equipamento. A clínica ampliada nesse contexto deve buscar a construção de

novos laços e o reconhecimento dos modos singulares de se caminhar na vida,

sem desrespeitar as experiências de sofrimento que cada usuário vivencia.

O conceito de cogestão aborda um exercício de governo que se dá de

forma participativa como forma de democratizar o poder entre todos os

envolvidos, tanto para gerenciar projetos em comum, como também para

produzir subjetividades e educação para a vida, exercendo uma função Paideia

e que tem o método da roda como um tipo de dispositivo que propicia o

exercício da cogestão (CAMPOS, 2007). Colocar em roda, reunir, fazer circular

a palavra, negociar sentidos e reconhecer as tensões são práticas da cogestão,

presentes nas reuniões de equipe, grupos com usuários, discussões de casos

23 Na Análise Institucional Francesa, os analisadores estão presentes nos grupos ou lugares

onde circula a palavra e têm potência de revelar e ao mesmo tempo analisar conteúdos que

estão ocultos ou naturalizados em uma instituição (LOURAU, 2004).

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clínicos, supervisões clínico-institucionais, assembleias com usuários e

familiares, conselhos locais de saúde, entre outras formas de roda presentes

no cotidiano de muitos serviços de saúde em Campinas.

A cogestão pôde ser experimentada como diretriz e também como

política pública de saúde mental a partir do acordo firmado entre a Secretaria

Municipal de Saúde e o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira em 1990, uma

instituição que funcionava como sanatório em moldes asilares tradicionais, de

caráter filantrópico e que não tinha como se sustentar com recursos próprios.

O acordo que estabeleceu um regime de convênio entre as instituições

permitiu um exercício de cogestão da saúde mental no município em vários

níveis; foram criados colegiados gestores, parcerias com as universidades e o

fortalecimento dos espaços de controle social. No entanto, outras

administrações municipais que vieram posteriormente passaram

gradativamente a se distanciar das políticas de saúde mental e hoje essa rede

vive um período crítico com o desmonte de muitos de seus projetos. Mesmo

em meio a essa conjuntura, um exercício da cogestão opera em muitos

serviços, nas formas de construção de projetos terapêuticos compartilhados, na

inclusão dos saberes dos usuários na organização dos serviços e o

fortalecimento contínuo dos espaços de controle social com participação

popular, produzindo um modelo de clínica-política com experiências inovadoras

e emancipatórias, como a Gestão Autônoma da Medicação (GAM-BR)24.

Embora as experiências de acolhimento a partir de um modelo de

humanização e cuidado integral já estivessem acontecendo em algumas

cidades brasileiras, Campinas foi o primeiro município a transformá-las em

diretriz a partir do Projeto Paideia. Havia um diagnóstico acerca da

precariedade das práticas de recepção nos serviços de saúde que produziam

24 O GAM-BR foi um estudo avaliativo e participativo realizado em Campinas (SP), Rio de

Janeiro (RJ) e Novo Hamburgo (RS) que teve como objetivos adaptar e testar nos CAPS

dessas três regiões um instrumento canadense chamado de Guia Pessoal de Gestão

Autônoma da Medicação e que teve efeitos emancipatórios junto aos usuários participantes

(PRESSOTO et al., 2013).

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longas filas de espera, burocratização das relações e iatrogenia, por isso o

acolhimento foi tomado primeiramente como estratégia para transformação do

protocolo de recepção, como modos de receber bem, ouvir as demandas dos

usuários e se responsabilizar por elas numa postura acolhedora. Em entrevista

concedida para este estudo, Gastão Wagner S. Campos, que assumiu na

época a função de Secretário Municipal de Saúde e protagonizou ao lado de

outros atores o Projeto Paideia e as mudanças no SUS Campinas. Nesta

oportunidade, contou-nos algumas histórias e primeiras experiências com o

acolhimento como diretriz na cidade, que podem elucidar os processos de

mudança na gestão dos processos de trabalho numa dimensão local, dos

saberes construídos no caso a caso das intervenções.

Embora seja uma concepção tomada muito amplamente, na prática foi

pensada e estudada a partir de experiências internacionais, principalmente o

modelo do Sistema Nacional Inglês e seu protocolo de avaliação de risco, no

qual o atendimento é feito conforme as necessidades dos usuários e não por

ordem de chegada:

Aí nós fomos estudar e vimos que no Canadá, em alguns hospitais dos

EUA, São Francisco, na Inglaterra no sistema nacional, faziam uma

avaliação de risco com técnicos de enfermagem, com enfermeiros, às

vezes com médicos, na porta mesmo, classificava em três níveis de

risco, vermelho entrava direto, nível dois amarelo espera de dez a

quinze minutos e três ficava na fila, quatro orientava, enfim e a gente

levou isso como proposta pros hospitais para evitar que alguém

enfartasse e ficasse lá esperando duas três horas, que alguém com dor

ficasse lá esperando. (Entrevista com Gastão W. Campos, realizada

em 05/05/2015).

A lógica do acolhimento no município, assim como as outras diretrizes

do projeto Paideia, foi construída a partir de um grande processo de

intervenção institucional25 junto aos centros de saúde e hospitais, já que

25 Caracterizado também como socioanálise, foi realizada por uma equipe de sanitaristas e

analistas institucionais que, em duplas, trabalharam junto às equipes dos serviços de saúde a

partir das demandas dos trabalhadores nos serviços (CAMPOS, 2007).

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implicavam em mudanças na organização dos processos de trabalho ali

existentes. É importante destacar que o Acolhimento com Avaliação de Risco

em seu modelo protocolar, dividido em categorias de gravidade avaliadas pelo

exame clinico se aplicavam bem no contexto do hospital, diferentemente da

realidade dos centros de saúde, que pedia justamente uma organização menos

burocrática, mais acessível para a comunidade e com caráter multiprofissional.

Por isso a estratégia do acolhimento na esfera da atenção básica foi tomada na

perspectiva da desburocratização do acesso ao cuidado em saúde a partir do

atendimento à demanda espontânea e do vínculo entre usuários e sua

respectiva equipe local de referência:

Então na verdade se criou uma forma muito burocratizada de lidar com

a população com os usuários, que deslegitimava o centro de saúde.

(...) Aí o pessoal aproveitou esse problema pra também reconhecer

que as pessoas eram muito mal recebidas, fazia fila de madrugada,

marcava uma vez por mês pra pegar vaga nova, os critérios de acesso

eram ou esse filtro ou uma fila, uma espera muito desrespeitosa. Então

fazer uma recepção humanizada, personalizada que avaliasse riscos

das pessoas e não apenas a ordem de chegada e ao mesmo tempo o

centro de saúde trabalhar também com o atendimento programado,

que a equipe dizia o que era prioritário, mas quanto ao atendimento

que a população trazia, a demanda da população, aí a gente botou

tudo isso nessa noção de acolhimento, que vem dessas teorias de

cuidado, de humanização, a gente pegou daí. Então acolhimento como

hospitalidade mas também como mudança da relação das equipes de

saúde da atenção básica com os usuários. (Entrevista com Gastão W.

Campos, realizada em 05/05/2015)

Nos serviços de Saúde Mental, as práticas de acolhimento se deram a

partir de referências que partem dos pressupostos de um modo psicossocial de

atenção, que envolve uma escuta atenta e ampliada e processos de vinculação

que possibilitam acompanhar cada usuário no dia-a-dia. O acolhimento nesse

caso não é uma etapa do tratamento, mas uma estratégia para os processos

de desinstitucionalização dos modos manicomiais de tratamento, para produzir

relações mais lateralizadas entre trabalhadores, usuários e comunidade e para

lidar com as situações de crise no cotidiano.

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O acolhimento foi implantado em Campinas de formas distintas no

contexto do Pronto-Socorro, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos

equipamentos substitutivos de saúde mental, tendo efeitos específicos para

cada caso: se no hospital e nos CAPS o acolhimento, mesmo realizado em

realidades tão diferentes (o primeiro rigidamente protocolar e o segundo como

um processo de vinculação e acompanhamento) pôde ser considerada uma

estratégia exitosa, na atenção básica tal mudança nos processos de trabalho

produziu alguns “efeitos colaterais”:

Foi um efeito colateral da nossa estratégia (...). Se formou uma

sobrecarga porque a cobertura de atenção básica no Brasil de

estratégia de saúde da família é baixa.(...) E isso acontecia de fato

porque se tornou uma norma e você tinha que atender todo mundo só

que em vez de ter 4 mil pessoas vinculadas a equipe você tinha 8 mil,

10 mil. Então o programado, o seguimento, a educação em saúde, a

visita domiciliar, tudo isso ficou prejudicado em função (Entrevista com

Gastão W. Campos, realizada em 05/05/2015).

Apesar desses efeitos colaterais, outros aspectos dessas experiências

indicaram mudanças nos modos de produzir cuidado em saúde no contexto da

atenção básica, pois se por um lado as equipes estavam sobrecarregadas, por

outro houve um processo de responsabilização das equipes locais de

referência para com o território atendido, que envolveu a construção de

vínculos e um acompanhamento mais próximo dos usuários.

Devido aos desdobramentos problemáticos do acolhimento na atenção

básica, essa estratégia não é praticada por todas as equipes de maneira

uniforme. Existem diferentes concepções que vão desde o entendimento do

acolhimento como atividade, consulta sem agendamento e pronto-atendimento

produzindo efeitos de medicalização social (com excesso de procedimentos

médicos), até como uma atitude ou postura diante dos usuários e suas

necessidades (CAMPOS, 2010; TAKEMOTO e SILVA, 2007).

No caso do Hospital Dr. Mario Gatti, onde o Acolhimento com

Classificação de Risco foi implantado na mesma época, os impactos foram

mais prósperos, se tornando um modelo para outras experiências brasileiras de

transformação do modelo de recepção hospitalar:

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51

(...) na urgência e emergência foi muito efetivo, as

investigações que a gente tem, avaliação de risco melhora,

diminui a mortalidade, diminui o tempo de espera de que tem

problema de dor, ou tem algum risco ali. (Entrevista com

Gastão W. Campos, realizada em 05/05/2015).

Nos equipamentos de saúde mental, que estavam começando a surgir

em Campinas também nessa época, o acolhimento foi praticado a partir de

outros referenciais, mas que estavam alinhados às propostas do SUS e das

políticas de humanização do atendimento. Os CAPS como porta de entrada

para as demandas de saúde mental também tiveram um papel de organizar o

fluxo dos usuários pela rede de cuidados e garantir que o acesso se desse

numa perspectiva acolhedora e processual, lançando mão de dispositivos de

aproximação entre as equipes dos serviços para compartilhamento dos casos:

Então o CAPS assumiu uma avaliação de risco devagar e não

médica (...) o acolhimento não era um momento de 5 minutos,

15 minutos, meia hora. Era uma entrada no sistema e até uma

avaliação se era ali mesmo. (...) De processo, de

desburocratização na relação com os problemas da população,

de acolher o problema mesmo se não estivesse claro se era lá

ou se não era lá, quando devolvia, devolvia com orientação,

com projeto terapêutico encaminhado (...) os CAPS juntaram o

conceito de acolhimento com o apoio matricial né. Quer dizer

eles faziam uma transferência, uma devolutiva responsável,

compartilhada (Entrevista com Gastão W. Campos, realizada

em 05/05/2015).

O tema do acolhimento em Campinas foi muito presente nesse momento

de intervenção institucional do Projeto Paideia, com experiências muito

diferentes, nas quais o acolhimento não pôde ser tomado como diretriz política

sem se levar em consideração as realidades dos serviços e territórios onde

estava sendo implementado. A reorganização dos modos de atendimento não

se deu de maneira igual nos hospitais, centros de saúde e CAPS, assim como

também não se deu de maneira similar em diferentes bairros e comunidades.

Uma dessas experiências aconteceu em um bairro considerado

vulnerável, por ser um local de consumo e comércio de drogas, muito distante

da região central, com incipiente sistema de saneamento básico, precárias

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escolas e um centro de saúde refém de uma comunidade reconhecida como

hostil:

O São Marcos é uma região de alta vulnerabilidade social,

território do narcotráfico e a violência tem reflexo no centro de

saúde, nas escolas públicas. (...) E a história do Centro de

Saúde São marcos antes de eu entrar era uma história de

guerra civil, conflito entre os profissionais que tinham um

modelo tradicional bem fechado, bem burocratizado e a

comunidade era muito agressiva, lá a dificuldade de pronto-

socorro é muito grande. (...)E a população ficou muito irritada,

agredia, arranhava carro, sujava o centro de saúde, quebrava

coisas e o centro de saúde foi se enchendo de grade. A

recepção tinha grades, você falava com os funcionários com a

grade no meio, só entrava quem ia ser atendido, as janelas

tudo com grade, portas com grades, um negócio assim, parecia

um presídio todo engradeado (Entrevista com Gastão W.

Campos, realizada em 05/05/2015).

Diante de uma situação em que a unidade básica, praticamente único

recurso de saúde disponível para os moradores da região, não conseguia

atender seus usuários e frente a uma onda de revoltas por parte da

comunidade que, diante de um cenário insalubre, adoecia em dimensões

físicas, subjetivas e sociais, o acolhimento foi pensado como estratégia de

reaproximação e trégua, proposta como “moeda de troca” para que as relações

pudessem se dar de maneira respeitosa entre todos:

Então eles (equipe do centro de saúde) iam oferecer o

acolhimento, inclusive esse de atendimento imediato e a gente

se propunha tirar as grades, mas a população, os líderes

comunitários, as líderes, pastores, Ongs, representantes do

conselho local, tinham que fazer com a gente uma campanha

de respeito ao servidor público, que o servidor público era

aliado da população (...) a gente fez uma grande campanha e a

moeda de troca, no bom sentido, foi o acolhimento e arrancar

as grades, as gente arrancou todas as grades. Fizemos uma

campanha lá de cartaz, na escola, nas igrejas (...) fizemos uma

festa de reinauguração, tinha 1000 pessoas, foi num sábado de

manhã, com pipoca, com criança, com palhaço, cachorro

quente. Então foi um conjunto de atividades e de fato até hoje o

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53

pessoal mantém o acolhimento (Entrevista com Gastão W. S.

Campos, realizada em 05/05/2015).

No caso do Hospital Geral, o Acolhimento com Classificação de Risco se

mantém operante, com menos variações em sua compreensão, já que se trata

de um protocolo. Nos CAPS, o acolhimento embora seja entendido como um

processo, na prática corre o risco de se tornar burocratizado e esvaziado de

sentidos, exigindo um constante exercício crítico por parte das equipes através

de supervisões clínico-institucionais e discussões de casos.

4.2 Reforma Psiquiátrica Campineira

Após a Constituição de 1988 e influenciados principalmente pelo

movimento da Psiquiatria Democrática Italiana e os processos de

desinstitucionalização em Gorizia e Trieste, trabalhadores e pesquisadores do

campo da saúde mental em Campinas estavam mobilizados para mudar o

modelo asilar de assistência de modo a transformar as relações de poder entre

os pacientes e as instituições, construir no território uma rede substitutiva ao

hospital psiquiátrico e modificar todo um aparato institucional não apenas em

suas estruturas físicas, mas principalmente quanto aos modos de lidar com a

loucura e as diferenças. Ao lado dos movimentos de São Paulo e Santos, as

experiências em Campinas se tornaram primeiras referências de transformação

desse modelo no país, em sintonia com os avanços da Reforma Sanitária

(BRAGA CAMPOS, 2000; AMARAL, 1995).

Desde a década de 1970 existiam três Centros de Saúde na cidade

compostos com equipes mínimas de saúde mental e a partir de 1989 houve

uma ampliação destas equipes nas unidades básicas de saúde a partir da

redução dos leitos e do tempo de duração das internações psiquiátricas. No

entanto havia um diagnóstico de pouca oferta em outros serviços após a alta

dos pacientes, com escassas possibilidades para um acompanhamento em

saúde numa perspectiva integral que evitasse a criação de um circuito de

reinternações, havendo cada vez mais a necessidade de uma rede de cuidados

que respaldasse as ações de desospitalização (AMARAL, 1995).

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54

Para Rotelli et al. (2000) a desospitalização é somente uma etapa de um

processo mais complexo, sem garantias de que práticas de segregação,

violência e exclusão não se reproduzirão mesmo fora do ambiente do hospital.

Os processos de desinstitucionalização têm facetas sociais, com implicações

referentes não só ao hospital como também para toda a organização sanitária

local e para a comunidade que ali convive. Quando isso não acontece há o

risco de se reproduzir a lógica manicomial de outras formas como nos casos

em que se formam circuitos de reinternações e a rede se torna apenas uma

porta-giratória para o retorno ao hospital (ROTELLI et al., 2001). No caso de

Campinas, a desospitalização das centenas de pacientes moradores de

Hospitais Psiquiátricos foi uma etapa necessária, no entanto insuficiente para

concretizar as transformações vislumbradas.

Campinas contava com dois ambulatórios de saúde mental, 46 leitos de

internação em hospital geral e 1.461 leitos em Hospitais Psiquiátricos privados

quando foi realizado um seminário de planejamento organizado pela Secretaria

Municipal de Saúde. Nesta ocasião, foi constatada a necessidade de

reorganização do modelo de assistência vigente e houve uma intervenção no

município com a criação de 17 unidades básicas de saúde com equipe mínima

de saúde mental para garantir atenção integral (AMARAL, 1995). Até então o

antigo Hospício para Dementes Pobres do Arraial de Sousas, era o principal

equipamento de execução daquela politica de saúde mental e recebia dos

ambulatórios, centros de saúde e hospitais, os encaminhamentos para

internação de pacientes. Em 1990, com a assinatura do convênio de cogestão,

a Prefeitura Municipal de Campinas assumiu o antigo hospício, que passou a

se chamar Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, inaugurando o primeiro

hospital-dia da cidade para atender “psicóticos, alcoolistas e drogaditos

egressos de hospitais psiquiátricos” (AMARAL, 1995, pg.19).

Os profissionais que chegaram para trabalhar nesse novo equipamento

vinham dos ambulatórios de saúde mental, que foram desmontados. Os

trabalhadores do antigo hospício não foram considerados qualificados para

operacionalizar tais processos que envolviam não apenas regular as demandas

de internação psiquiátrica no município, mas também criar novas alternativas,

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55

pautadas nas perspectivas de atenção integral de caráter comunitário e

atendimento à demanda espontânea, de forma a acompanhar as diretrizes do

SUS e abolir o modelo de enclausuramento (AMARAL, 1995).

O número de leitos psiquiátricos foi reduzido para 46 com o fechamento

de dois grandes manicômios e nessa época foram criados outros

equipamentos para dar sustentabilidade ao novo projeto de Saúde Mental,

como o Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT), com a proposta de uma

associação para geração de renda composto por oficinas de artesanato,

culinária e jardim; também foi criada a Unidade de Reabilitação de Moradores,

um projeto inicial para as futuras Residências Terapêuticas, um Centro de

Atenção ao Alcoolista e o Drogadicto e o Centro de Referência e Informação

sobre Alcoolismo e Drogadição, conhecido como CRIAD (BRAGA CAMPOS,

2000).

Em estudo desse período, Amaral (1995) buscou avaliar a continuidade

do tratamento no pós-internação desses pacientes em alguns desses

equipamentos recém-inaugurados e principalmente junto às equipes de saúde

mental na atenção básica. Além dos usuários diagnosticados como psicóticos,

os pacientes diagnosticados como alcoolistas foram considerados grupos

estratégicos para a consecução das politicas de desinstitucionalização, devido

ao alto grau de reincidência à internação, sendo considerados pelos

trabalhadores como “casos de maior gravidade psíquica e social” (p. 40).

Um dos eixos analisados para avaliação dos processos de

desinstitucionalização em Campinas foi a estrutura de recepção, e o

acolhimento para esses usuários passou a ser entendido como o “grau de

respeito aos direitos do cidadão doente mental e a preocupação em mantê-lo

vinculado ao serviço” (AMARAL, 1995, p.42). No entanto, mesmo com a

contínua ampliação da rede substitutiva, não foi possível modificar

efetivamente a lógica da internação psiquiátrica como porta de entrada para o

tratamento em saúde mental naquele momento.

Para Braga Campos (2000) o projeto de saúde mental no município se

conformou em meio a dois movimentos: a rigidez e a forte resistência das

equipes na rede básica em efetuar as mudanças e as novas práticas e as

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56

demandas geradas pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira que

tensionavam para que o tratamento e cuidado desses usuários pudessem

acontecer no território. A autora considerou o novo projeto de saúde mental

como um modelo híbrido, pois embora influenciado pelos processos italianos

no que tange ao trabalho junto à comunidade, não começou a reformar a partir

do hospital e sim do território, com as equipes de saúde mental na atenção

primária. Esse processo, no entanto não foi totalmente acordado e os centros

de saúde tinham muita resistência para se responsabilizar pelo cuidado das

demandas de saúde mental. Desse modo, projeto apresentou baixa

resolutividade com alto índice de recidivas, transformando-se em um modelo

de porta giratória para reinternações (AMARAL, 1995).

Nessa época ainda não havia diretrizes operacionais claras e

específicas para a área de saúde mental pela Secretaria Municipal de Saúde,

que apenas reconhecia o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira como a

referência para a rede básica e os ambulatórios especializados (AMARAL,

1995). Para Braga Campos (2000), a reforma da saúde mental campineira teve

dois propósitos: a desinstitucionalização pela via da reabilitação psicossocial e

a implantação de um modelo de cogestão. Entretanto, no nível das práticas no

cotidiano dos serviços, a operacionalização dessas transformações

encontraram maiores entraves entre algumas equipes na atenção básica e os

vários outros equipamentos substitutivos criados posteriormente, no que se

refere ao compartilhamento dos casos de saúde mental, álcool e outras drogas.

Atualmente essas demandas não têm mais o Hospital Psiquiátrico como

principal porta de entrada e o município de Campinas já possui uma rede de

saúde mental ampla e consolidada. No entanto ainda são muito frequentes os

encaminhamentos para internações e cotidianamente é realizado um trabalho

complexo envolvendo os CAPS como organizadores do fluxo dos usuários, em

articulação constante com a atenção básica, os hospitais e uma Central de

Regulação de Vagas com a qual as equipes podem discutir caso a caso com

um médico plantonista os encaminhamentos de usuários para internação ou

hospitalidade noturna – os leitos noite.

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57

4.3 Rede álcool e outras drogas em Campinas

Tradicionalmente, assim como em outros lugares no Brasil, os recursos

disponíveis no município de Campinas para atender aos usuários de drogas

quando necessitavam de ajuda para enfrentar seus problemas em relação ao

uso, eram principalmente as internações em Comunidades Terapêuticas (que

existem em grande número até os dias de hoje) e os Hospitais Psiquiátricos,

além dos conhecidos grupos de ajuda mútua como os Alcoólicos Anônimos

(AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) com seu Manual dos Doze Passos. Tais

abordagens geralmente pretendem em seus pressupostos conduzir o usuário

de drogas a uma vida abstêmia do uso e para um estado de eterna vigilância

de sua condição.

Esse cenário começou a mudar junto com as mudanças oriundas da

Reforma Psiquiátrica, pois havia um grande contingente de pessoas confinadas

nos asilos psiquiátricos devido ao diagnóstico de Dependência Química,

principalmente em relação ao álcool (AMARAL, 1995). A partir dos anos 1990

houve uma discreta ampliação de ofertas voltadas para essas demandas, com

a criação do CRIAD em 1993 e o início das ações do Programa de Redução de

Danos para fins de prevenção das DST-AIDS em 1998. Em 2001, o SSCF

inaugurou o Núcleo de Atenção à Dependência Química (NADeQ), ambulatório

que funcionava dentro da unidade de internação psiquiátrica com o mesmo

nome e em 2002 surgiu o Ambulatório de Substâncias Psicoativas (ASPA), na

UNICAMP. Até esse momento não existia efetivamente um trabalho em rede,

os serviços funcionavam cada um de acordo com uma lógica de cuidado e com

articulação incipiente ou inexistente entre eles. Não se deu uma reorientação

de modelo ao mesmo tempo em que aconteceu para os casos de transtornos

mentais, principalmente após a criação dos CAPS, com a aprovação da lei

10.216 (BRASIL, 2001). A internação ainda permaneceu como porta de entrada

para o tratamento e havia um diagnóstico de baixa adesão e pouca

acessibilidade nos ambulatórios e no CRIAD:

Quando começou (o CRIAD) ele era uma casa parecida com

um CAPS, aí as pessoas chegavam, um usuário novo (...) aí no

CRIAD eu notei que o pessoal reclamava muito assim, poxa

não tem adesão, eles não ficam aqui.(...) Esse período eu

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58

discutia os casos, discutia modelo e a conclusão que a gente

chegava era que tinha que ser um acolhimento ampliado, sem

ter muita regra, muito horário e a equipe tem que ser plástica, o

modelo também. E a gente improvisava ao longo do dia, se

ficasse marcando hora pra tudo... a grade (de atividades) como

o povo chama, a grade é uma grade. Expulsava o usuário.

(entrevista com Gastão W. Campos, realizada em 05/05/2015)

Uma nova politica pública do Ministério da Saúde voltada para usuários

de álcool e outras drogas foi lançada apenas em 2003, trazendo o

reconhecimento da Redução de Danos como estratégia ético-política para o

cuidado das pessoas em sofrimento com relação ao uso de drogas. O

documento enfatiza também a abordagem psicossocial de caráter territorial e

em rede, com o cuidado centrado no usuário e não na droga (objeto inerte) e

nem tendo como foco principal a abstinência do uso (BRASIL, 2003). A partir

desse marco institucional, a questão das drogas passou a não ser mais um

problema exclusivo da justiça ou restrito ao poder médico, mas

responsabilidade do Sistema Único de Saúde. Embora seja um documento de

inegável relevância por impulsionar uma corrente de ampliações políticas e

institucionais, precisa revezar-se com outros modos de discurso (práticas,

experiências, pesquisas) para dar materialidade às suas propostas. Desse

modo tem sido possível sustentar a criação de novas políticas capazes de

produzir embates frente a um modelo hegemônico criminalizante e

patologizante na forma de lidar com a questão das drogas no Brasil, que se

refletem até mesmo em lugares que se propõem a produzir cuidado por outras

vias:

Quando começou (o CRIAD) ele era uma casa parecida com

um CAPS (...) a pessoa chegava e tinha uma sala logo na

entrada assim à esquerda com uma máquina de escrever

ainda, não era computador e tactactac, sentava o paciente

ficava o administrativo lá: “nome, endereço, qual a sua queixa,

usa droga proibida, já foi preso?” tactactac. Aí quando eu dei

esse retorno o pessoal começou a discutir, nossa é mesmo,

mas como é que a gente faz, tem que ter essas coisas no

prontuário, eu falei, faz uma semana depois. Quinze dias

depois, sai dessa agonia, tá parecendo escrivão de polícia, a

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59

gente tá aqui reproduzindo o clima como o Brasil lida com

drogas né. Inconscientemente, inconsciente institucional, mas

tá reproduzindo um ambiente de delegacia, até a maquininha

velha tactactactac. (Entrevista com G.W S Campos, realizada

em 05/05/2015).

Nessa época o CRIAD estava cadastrado como um CAPS, mas na

prática funcionava como um ambulatório que privilegiava consultas individuais

num modelo de queixa-conduta, mesmo já tendo sido efetuadas algumas

mudanças no seu modo de funcionamento (ALBUQUERQUE, 2014). Em 2007

a equipe do ambulatório do NADeQ após grande mobilização junto aos

usuários e enfrentando resistências de alguns trabalhadores da instituição, saiu

do ambiente do hospital rumo ao território, inaugurando o CAPS ad

Independência na região sul da cidade. Pouco tempo depois, o CRIAD passou

por uma reestruturação e passou a funcionar também com um modelo de

atenção psicossocial e mudou seu nome para CAPS ad Reviver, funcionando

na região leste.

Nesta época, frente às novas perspectivas de cuidado e buscando

sustentar a construção de uma rede álcool e drogas no município, os CAPS ad

passaram a realizar Apoio Matricial26 nas unidades básicas de saúde e criaram

o Fórum da Rede Álcool e Drogas, junto à equipe do Programa de Redução de

Danos. O objetivo desse fórum durante sua criação foi buscar a consolidação

de uma rede de cuidados para a população usuária de drogas da cidade e

discutir de maneira crítica os pressupostos hegemônicos existentes e os novos

modelos de atenção para o tratamento dessas demandas. Para oxigenar os

debates, elaborar propostas concretas e fazer o papel de controle social, pouco

a pouco houve a participação de outros atores, como trabalhadores e gestores

da atenção básica, dos hospitais, dos CAPS III, CAPS i, Centros de

Convivência e universidades.

26 De acordo com a Política Nacional de Humanização, o Apoio Matricial é caracterizado como

um rearranjo na organização dos serviços, no qual os serviços de referência ou especialidades

oferecem apoio a outras equipes do mesmo território, através de reuniões, discussões,

compartilhamento dos casos e seminários (BRASIL, 2004).

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60

As ações de Redução de Danos começaram a acontecer em Campinas

a partir de 1998, no contexto de altos índices de contaminação pelo vírus HIV

sendo que os usuários de drogas injetáveis estavam entre os grupos mais

expostos á contaminação nessa época. As ações começaram discretamente no

Ambulatório Municipal de DST-AIDS, primeiro através de programas de troca

de seringas e em seguida com as abordagens nas ruas, quando começaram a

chegar para compor com esse trabalho os próprios usuários do ambulatório.

Em 2001 a Redução de Danos foi oficializada como diretriz política no

município durante implantação do Projeto PAIDEIA e em 2002 foi criado o

Programa Redução de Danos (PRD). Com respaldo da gestão municipal, as

ações se ampliaram nos territórios e o programa recebeu novos redutores para

compor os trabalhos, em sua maioria, pessoas da própria comunidade onde as

abordagens eram realizadas, muitos usuários e ex-usuários de drogas. Além

do trabalho de distribuição de insumos, a construção de vínculos passou a ser

um objetivo a ser alcançado (ALBUQUERQUE, 2014; JANUZZI, et al., 2014).

Um importante efeito de a RD ter estendido seu escopo de atuação se

aproximando do campo da Saúde Mental foi quanto à ampliação do objeto de

intervenção que antes era muito focado na prevenção, passando a ser

considerado um “dispositivo em potencial para trabalhar a dimensão subjetiva

dos usuários de drogas, escutando suas histórias, desejos e necessidades,

pois o núcleo desse trabalho é a abordagem e a conversa” (SOUZA, 2013, p.

254). No entanto há o reconhecimento de que a rede de atenção a usuários de

álcool e outras drogas não se restringe ao campo da saúde mental e deve ser

construída em articulação com outras lógicas de cuidado.

Enquanto os serviços se articulavam coletivamente na construção de

modos de cuidado alternativos à internação a partir da qualificação do acesso,

em 2009 a Prefeitura Municipal de Campinas junto com a Secretaria de

Segurança Pública lançou o Programa Bom Dia Morador de Rua, que consistiu

em ações da Guarda Civil Metropolitana para retirar as pessoas que estavam

morando nas ruas do centro de Campinas e encaminhá-las involuntariamente

para internações nos hospitais da cidade. Durante esse processo conforme

acabavam as vagas de internações, os CAPS eram convocados para emitir

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avaliações diagnósticas e ceder seus leitos de hospitalidade noturna para o

programa. As ações geraram indignação em muitos trabalhadores da rede que

se mobilizaram para responder de outras maneiras, resistindo à arbitrariedade

das intervenções e participando das ações junto com a Guarda Civil. A partir

desse momento, trabalhadores dos CAPS se aproximaram daqueles que

estavam sendo alvos das ações higienistas, para escutá-los e propor outras

respostas. Para Albuquerque (2014), esse evento, embora tenha revelado uma

tendência da gestão municipal para tratar temas relacionados ao campo social

de maneira reducionista, e nesse caso patologizante, foi um catalisador para a

qualificação dos debates no campo das drogas no município, resultando na

ampliação da rede de cuidados que aconteceu nos anos seguintes:

O descontentamento dos profissionais e gestores de saúde fez

transparecer que não se havia, de fato, alternativas, naquele

momento, de políticas de saúde efetivamente focadas nessa

população. Havia apenas o programa “Bom dia Morador de

Rua”, para acessar as populações vulneráveis em uso de

crack. (...) A partir dessa realidade, a Secretaria Municipal de

Saúde, junto à Câmara Técnica de Saúde mental, decidiu pela

ampliação da rede de serviços de álcool e drogas.

(ALBUQUERQUE, 2014, p.106)

Até 2010 o município contava com dois CAPS ad e o NADeQ, com 10

leitos de internação e 10 leitos de hospitalidade noturna (leito-noite), além do

ASPA. Com o acúmulo das experiências, compartilhamentos no Fórum ad e

com o lançamento do PEAD em 2009, houve uma expressiva ampliação dos

dispositivos de cuidado voltados a essa demanda nos anos seguintes. Em

2012 foram inaugurados o CAPS ad Antônio Orlando na região sudoeste, o

Consultório na rua e a escola de Redução de Danos; o CAPS ad Reviver

passou a funcionar 24 horas e houve também a criação de leitos para acolher

usuários de drogas em situação de urgência e emergência em Hospital Geral.

Além disso, cada CAPS ad e o Consultório na Rua passaram a operar também

com um trio de redutores de danos, na perspectiva de ampliação de ofertas de

cuidado dos serviços nos territórios de maior fragilidade quanto ao acesso aos

serviços de saúde (JANUZZI et al., 2014).

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Na cidade de Campinas, as políticas de redução de danos têm dado o

aporte necessário para as transformações no cuidado em saúde à população

usuária de drogas, nas ruas ou nos serviços públicos desde os anos 90 e até

hoje luta para manter-se como diretriz. O primeiro serviço a funcionar como

CAPS ad na cidade em 2007 precisou mobilizar-se em equipe e junto aos

usuários de um ambulatório psiquiátrico que funcionava dentro do hospital em

moldes tradicionais de internação, para desmontá-lo e ir para o território

oferecer apoio psicossocial pela via da redução de danos. O movimento teve

grande resistência por parte da direção do ambulatório e nesse período, em

que também atuei como psicóloga no serviço foram necessárias pequenas

lutas diárias, micro-conversas, assembleias, muitas reuniões e estudos para

que o novo projeto se materializasse: um CAPS ad funcionando com as portas

abertas, próximo às comunidades e com articulação direta com outros serviços

de forma a convocar a construção de uma rede álcool e drogas.

Com a criação do novo serviço, todos os dias novos usuários chegavam

pedindo por internações psiquiátricas ou em comunidades terapêuticas

religiosas, ou encaminhadas por outros serviços de atenção básica que não

aceitavam compartilhar o cuidado dos casos de dependência química. As

novas propostas de cuidado eram desconhecidas para muitos trabalhadores e

também para os usuários que na maioria das vezes nunca haviam sido

escutados para além do uso de drogas. Conversas cotidianas, o acolhimento

como processo e eixo norteador do cuidado, pequenas intervenções diárias e a

prática do Apoio Matricial contribuíram para mudanças nas práticas de cuidado

no território e avanços na construção de uma rede. Batalhas diárias foram

vivenciadas e tomadas como possibilidades para operar transformações nos

modos de se lidar no campo de álcool e drogas: crises de fissura, discursos de

impotência, ameaças e agressões desesperadas pelo confinamento da

internação, foram pouco a pouco se transformando em escuta, acolhimento,

conversas, consultas, assembleias, grupos e passeios pela cidade.

Programas como o Bom Dia Morador de Rua não foram os únicos a

ameaçar as transformações que vinham sendo construídas no sentido da

desinstitucionalização no campo de álcool e drogas. Assim como ocorre em

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63

outros lugares, a construção e a consolidação de uma “rede ad” no município

de Campinas não ocorreram de maneira uniforme e sem conflitos, pois sofreu

interferências de fatores políticos, instituições e outros segmentos sociais.

Existem diferentes modelos e diferentes artes de governo que articulam

discursos sobre o usuário de drogas e disputam pela produção de verdades

(SOUZA, 2013).

Em 2012, sem passar pelas instâncias de controle social como o

Conselho Municipal de Saúde, chegou a Campinas o Programa Recomeço27,

que na cidade de São Paulo já havia enfrentado grande resistência por parte

dos trabalhadores da rede álcool e drogas. O programa que tem como objetivo

o encaminhamento do dependente químico para internações compulsórias (ou

seja, reguladas judicialmente) criou um recurso financeiro chamado de bolsa

crack a ser utilizado para o custeio de intervenções em clínicas e comunidades

terapêuticas, fora do circuito do cuidado na rede psicossocial. Embora em

Campinas o anúncio da chegada do Programa tenha sido recebido com

manifestações de rejeição por parte dos trabalhadores, foi implementado de

maneira desarticulada e conflitando com as equipes que trabalham com a

logica da redução de danos:

Se do ponto de vista de efetivação da cura a internação

compulsória é um fracasso, do ponto de vista do

esquadrinhamento e da normalização do socius esta medida

continua a ser potente, servindo como regime de visibilidade e

dizibilidade sobre as experiências com as drogas. Abstinência

como meta, dependente químico como diagnóstico e

internação compulsória como medida são acionados como um

círculo vicioso que individualiza o fracasso e ao mesmo tempo

27 Referente às novas atribuições do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas

(CRATOD) e ao “Cartão Recomeço”, cujo edital publicado em maio de 2013 pelo Governo do

Estado de São Paulo, propõe entre outras ações, uma bolsa em dinheiro para o financiamento

de internações de usuários de crack em clínicas privadas. Disponível em:

<www.senado.gov.br>. Acessado em 06/06/2015.

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64

possibilita uma intervenção de corte populacional (SOUZA,

2013, pg. 103).

Ao reafirmar a norma da abstinência das drogas como promessa de cura

tais programas contribuem para a manutenção de um circuito de internações

de longa permanência em hospitais psiquiátricos ou Comunidades

Terapêuticas, solicitadas mesmo por aqueles usuários que já passaram

diversas vezes por esses locais sem vivenciar mudanças em seu padrão de

consumo ou em seus processos subjetivos. Tais locais acabam funcionando

apenas como um momento de separação física entre o sujeito e um objeto

droga, simplesmente tamponando provisoriamente o desejo do uso ao

desconsiderar outros discursos que não dizem da abstinência (SANTOS,

2005).

Mais recentemente, a rede de saúde de Campinas enfrentou uma

votação na Câmara dos Vereadores que decidiu pela terceirização de seus

serviços, o que tem provocado novas mobilizações de usuários e trabalhadores

no sentido de acompanhar a garantia da qualidade da assistência que se

reflete no cuidado à população, incluindo os usuários de drogas28.

Estes são alguns dos cenários que ao lado de outros, possibilitaram nas

últimas décadas, a criação de equipes, programas e serviços voltados para o

cuidado e acolhimento das pessoas em sofrimento com relação ao uso de

drogas, a depender das relações singulares que cada um vivencia com o

consumo, com suas dores e com seus prazeres. Abordar essas questões de

maneira humanizada, atentando às singularidades de cada história e situação

têm sido um compromisso e uma responsabilidade tomada pela rede ad na

cidade de Campinas, que mesmo em meio a cortes e crises resiste, mantém-se

potente e terreno fértil de práticas e pesquisas.

Contar estas experiências e situações é um modo de dar visibilidade às

pequenas lutas diárias nos serviços, nas ruas, na comunidade, na

universidade, vivenciadas por aqueles que se interessam em atuar no campo

da saúde mental, álcool e drogas de alguma maneira. São pequenas batalhas 28 Disponível em: < http://www.portalcbncampinas.com.br/?p=48542> . Acessado em 04/04/2015.

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não em seu tamanho, mas em seus detalhes, nas ações que se desdobram em

um mar de possibilidades no campo micropolítico, com potência para

desnaturalizar saberes instituídos, práticas dominantes e produzir outros

modos de cuidado pela via do acolhimento às diferenças.

Mas como nos lembra Teixeira (2008), não basta saber o que faz o

acolhimento e sim como é feito. Os modos de conhecimento como as práticas

de pesquisa auxiliam a desdobrar este debate. Convidamos a visitar nas

próximas páginas as diversas situações em que acompanhamos as práticas de

acolhimento em um CAPS ad de Campinas (SP) e observamos mais de perto

os modos como o cuidado vai se produzindo nas relações que aí se

engendram.

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CAPÍTULO 5 - ACOLHIMENTO NO CAPS AD ANTÔNIO ORLANDO 29

Localizado a aproximadamente vinte quilômetros de distância do centro

da cidade fica a região do Campo Grande, um dos seis distritos de Campinas,

que possui em torno de 190 mil habitantes e noventa bairros. Trata-se de uma

área muito populosa, longe dos principais recursos do município e conhecida

por concentrar os habitantes com menor renda e dependentes de serviços

públicos de Campinas. Seus moradores, em sua maioria, são de famílias que

não conseguiram se instalar ou permanecer na região central, restando como

alternativa seguir para as regiões mais periféricas, onde também há um grande

contingente de ocupações30.

Seguindo de carro pela estrada do Campo Grande, ficam para trás as

universidades, os shoppings, hospitais, a paisagem se enche de verde de

ambos os lados da pista onde carroças andam no meio dos carros. Somente

depois de alguns quilômetros é possível avistar de novo as construções

urbanas, prédios baixos, muros de concreto. Virando à esquerda na placa “Jd.

Lisa”, logo depois da cinzenta Praça da Concórdia, fica o CAPS adAO31, no

meio de uma avenida árida com alguns estabelecimentos comerciais: padaria,

banco, academia de artes marciais, borracharia, oficina mecânica, outra oficina

mecânica.

Mesmo com o muro pintado de verde pode ser difícil localizar a discreta

casa, embaixo de uma árvore que faz sombra para os fumantes. É ali, nessa

calçada e embaixo dessa árvore, onde alguns usuários e trabalhadores do

serviço se encontram entre uma atividade e outra para fumar um cigarro (ou

29 Neste capítulo os destaques com fonte em itálico indicam trechos registrados em diários de

campo.

30 Disponível em <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/10/capa/campinas_e_rmc/212099-

come-a-apura-o-que-define-cria-o-de-distritos.html> Acessado em 02/10/2015.

31 O CAPS ad Antônio Orlando é também chamado de CAPS adAO (diz-se “CAPS adão”) na

rede de saúde em Campinas. Utilizaremos esse apelido como forma de abreviação no texto.

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dois) e jogar conversa fora, já que não se pode fumar dentro das dependências

do CAPS.

Entrando por esse portão sempre aberto, há uma área descoberta do

tamanho de uma garagem para dois carros, com algumas plantas ao redor e

uma porta de vidro à frente que dá acesso ao balcão da recepção de um lado e

a janela da farmácia do outro. No meio, rente à parede nesse corredor estreito

ficam algumas cadeiras, onde alguns aguardam atendimento, outros

descansam, outros param para conversar. Em volta, cartazes informativos com

os temas da redução de danos, prevenção de doenças, notícias recortadas de

jornais tratando de algum tema de saúde, a grade de atividades do CAPS

adAO e um pôster grande com a foto de um homem chamado Antônio Orlando,

um filantropo que foi um dos responsáveis pela cogestão entre Cândido e

Prefeitura, era uma figura bastante querida32. (Oficina “Modos de acolher

Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

Ao final desse corredor, há outro acesso para uma sala de espera maior,

com várias cadeiras, mesinhas com revistas e preservativos espalhados e uma

televisão ligada em algum programa matinal de variedades, além de um

banheiro masculino e outro feminino. É nesse ambiente onde ficam algumas

salas de atendimento mais reservadas e também onde fica o posto de

enfermagem. Este, possui dois leitos de observação, cadeira de aferir pressão

arterial e outros instrumentos utilizados em procedimentos pelo núcleo de

32 O Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira ainda era uma instituição filantrópica quando foi

firmada a lei municipal de cogestão em 1990. A partir desse acontecimento foi formado um

Conselho Diretor composto por representantes da Secretaria Municipal de Saúde,

trabalhadores do SSCF, de universidades, do Governo do Estado, da associação filantrópica

mantenedora e familiares de usuários. Antes de receber a homenagem póstuma da equipe do

CAPS ad, Antônio Orlando também foi lembrado no prefácio de “A reforma psiquiátrica no

cotidiano” que descreve os primórdios do processo de desinstitucionalização no Serviço de

Saúde Dr. Cândido Ferreira: “Antônio Orlando, parceiro de todos esses anos, sempre disposto

a colaborar, anunciando que vai dar tudo certo” (HARARI E VALENTINI, 2001).

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enfermagem, podendo também servir eventualmente para se ter uma simples

conversa quando não há mais salas vazias para atender.

Do ponto de vista arquitetônico, todo esse ambiente interno tem

características comumente presentes em um serviço de saúde tradicional:

cores claras, ar asséptico, filtro de água, piso frio, revistas antigas. Entretanto

uma estreita porta revela a modesta varanda com vista bucólica que

proporciona a sensação de se estar em um lugar entre a cidade e a zona rural.

É aí o caminho que dá acesso à sala da equipe, também sempre de portas

abertas.

A casa ainda tem um segundo piso, entrando pelo portão à direita,

aonde se chega através de uma rampa de acesso ao ar livre que beira um

muro inteiro grafitado com desenhos e mensagens coloridas. No final da

rampa, uma grande sala à esquerda é destinada às atividades em grupo que

acontecem no CAPS e também às reuniões gerais da equipe às terças-feiras

de manhã. Quando ela não está sendo utilizada em nenhuma atividade é um

espaço aberto à circulação e, nos dias de festa, é lá onde todos se reúnem

para comer e cantar ao som de um violão.

Nesse piso ainda, fica outra pequena casa com duas salas, uma maior

com um computador e impressora, utilizada para fins administrativos ou

quando algum usuário solicita usar a internet; a outra, menor, geralmente é

utilizada às sextas-feiras de manhã para a reunião de uma das miniequipes,

momento em que se discutem projetos terapêuticos e situações que ocorreram

durante a semana. Há também aí o refeitório, que comporta de 15 a 18

pessoas durante o almoço, além da cozinha, onde há sempre alguém tomando

um café ou preparando algo para ser servido.

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Rampa de acesso ao o piso inferior da casa

Nos fundos dessa casa há uma área externa como um pequeno quintal,

iluminado e arejado, cujos muros comunicam com grafites e desenhos,

mensagens com as temáticas do cuidado, do acolhimento, liberdade e

criatividade. Diferente do muro ao lado da rampa de acesso, que foi pintada

durante oficina com os usuários, o trabalho feito nessa pequena área dos

fundos foi realizado pela própria equipe, pouco tempo depois que o CAPS foi

inaugurado:

A gente já tinha essa pintura lateral do grupo Geração Futuro

com os usuários, era um grupo que tinha na época que fazia

atividades com o público mais jovem do CAPS. Enquanto eles

estavam fazendo eu percebi que ficaram bastante mobilizados

(...) eu lembro que na ocasião nós estávamos discutindo o

tema do cuidado com os próprios trabalhadores e daí eu falei

pra equipe que tinha essa possibilidade e se topariam fazer

alguma coisa e o pessoal sugeriu de a gente fazer no quintal lá

no fundo. (Oficina “Modos de acolher Antônio Orlando”,

realizada em 09/06/2015).

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O CAPS adAO tem quatro anos de existência e passou por um singular

processo de criação. O município já tinha dois CAPS ad, um na região sul e

outro na região leste, ambos atendendo um contingente enorme de pessoas.

Evidenciou-se então a importância de se criar um novo CAPS ad. O território

do Campo Grande foi escolhido devido à alta incidência de casos de usuários

de álcool e drogas que acionavam unidades de saúde e uma escassez de

recursos públicos e de equipes de saúde na região. Uma trabalhadora da rede

de saúde mental, que atualmente é coordenadora do CAPS adAO, foi

contratada junto com dois profissionais através da cogestão entre SSCF e a

Prefeitura Municipal de Campinas (PMC) para iniciar as atividades do novo

serviço, com a promessa de que logo seriam contratados mais profissionais

para compor uma equipe e que teriam uma própria casa para começar a

receber os usuário das região. Esse processo, no entanto, não foi ágil como os

trabalhadores desejavam e o novo CAPS foi inaugurado somente um ano

depois.

Durante todo esse período essa pequena equipe de três profissionais

realizou um notável trabalho para conhecer o território, as demandas para os

casos de álcool e drogas, as equipes que atuam nos centros de saúde,

conhecer os trabalhos dos outros CAPS ad em pleno funcionamento, além de

uma aproximação junto ao Conselho Local, para abrir diálogo com a população

a respeito do novo serviço. Houve ainda participação ativa em outros espaços

como Fórum da rede ad e Conselho Municipal de Saúde para pressionar a

inauguração. Foi nesse período também que surgiu a ideia para o nome do

CAPS:

O nome do nosso CAPS foi decidido de forma coletiva, mas

infelizmente sem os usuários, porque a gente tinha que

inaugurar e foi complicado pra equipe iniciar. Então levamos

pro distrito de saúde, fizemos rodas nos centros de saúde, e na

semana convidamos usuários, foi uma roda grande e eu fui lá

contar pra os usuários no conselho distrital quem era (Antônio

Orlando) e ter o aval de um coletivo pra batizar. (...) O seu

Antônio Orlando foi um filantropo e um dos responsáveis pela

cogestão entre Cândido e prefeitura, era uma figura bastante

querida, eu tive a oportunidade de conhecê-lo e ele ajudou a

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instituição num momento de crise33 no início da década de 90,

foi presidente do Conselho Diretor até o seu falecimento e ele

sempre era reeleito. (Oficina “Modos de Acolher Antônio

Orlando”, realizada em 09/06/2015)

Em diversos momentos durante a pesquisa empírica as relações entre o

SSCF e a PMC apareceram de modo conflituoso. Alguns trabalhadores

relataram viver uma situação incerta quanto à preservação e continuidade da

cogestão, que mesmo firmada como lei em 1990, há alguns anos tem sido

tratada como um convênio dispensável pela administração municipal. Desse

modo muitos projetos da saúde vêm sofrendo cortes em seus recursos

materiais e humanos, além de vivenciarem constantes ameaças de ruptura

definitiva entre ambas instituições. Para os trabalhadores, tal rompimento pode

significar mais cortes nos projetos de saúde mental, redução de danos e nas

equipes, ocasionando um desmonte gradual da rede hoje consolidada.

Por isso, a oficina realizada pelos trabalhadores na área externa no

CAPS adAO funcionou com um modo de cuidar de um período crítico que os

trabalhadores estavam vivendo no início de suas atividades em meio a

incertezas quanto ao seu futuro. Ao mesmo tempo, novos usuários chegavam

sem parar todos os dias e a oficina também fez com que os trabalhadores

despertassem um olhar para os cuidados com a própria casa e o ambiente do

CAPS que estava nascendo:

Eu acho que foi um momento de cuidado que a gente

conseguiu fazer, eu lembro que todos se envolveram eu fiquei

até olhando algumas pessoas (...) e isso que ela falou da

preocupação com a casa, de ter um olhar pra casa e eu acho

importante ter esse olhar para a estética do lugar. De tanto os

profissionais quanto os usuários se sentirem bem no local (...).

(Oficina “Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em

09/06/2015)

33 A crise referida foi inerente ao próprio processo de rompimento com um modelo asilar de

tratamento para construção de um novo modelo psicossocial de cuidado em saúde mental

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Tanto esse espaço, como a região descoberta da rampa de acesso, a

área do tamanho de uma garagem, a calçada em frente ao portão e os

corredores são consideradas pela equipe como espaço da ambiência, que

definem como aquilo que acontece quando se está fora das salas de

atendimento, ou então o que se passa fora das atividades estruturadas nos

grupos e oficinas. Enquanto as outras instalações da casa têm nomes que

remetem claramente às suas funções (recepção, sala de equipe, posto de

enfermagem, refeitório), a ambiência tem sido pauta frequente para a equipe

por não se tratar apenas de um espaço físico, mas também uma prática que

acontece fora dos espaços instituídos de cuidado.

As pinturas e os grafites nas paredes da casa

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5.1 Ambiência no CAPS adAO

A ideia de ambiência forjada no campo da Psicoterapia Institucional,

propõe a noção de um meio cultural particular constituído por um espaço físico,

mas que possui ao mesmo tempo um tipo de clima, uma atmosfera em uma

relação direta com aquilo que se passa entre as relações que ali se dão, seus

efeitos e com uma aposta de que “é no encontro com o outro que emergem

sentimentos vitais” (MOURA, 2003, p.64).

Para Oury (1991), trata-se de um modo particular de habitar um espaço

e estar com os outros, que visa preservar uma qualidade na percepção de

detalhes e micro eventos que se dão no cotidiano. Não se trata de um

ambiente que propõe a igualdade entre todos, mas uma prática a considerar o

que se produz como processos singulares, acolhendo as diferenças. Por isso a

postura da equipe de um CAPS nesse sentido não será passiva, mas ativa com

escuta e disponibilidade permanentes dos movimentos que se dão. A

ambiência não está diretamente relacionada a espaços físicos específicos, pois

como prática pode estar presente em qualquer ambiente e está relacionada à

função de acolhimento.

No Brasil, a ambiência tem sido tomada como diretriz para o cuidado

realizado nos CAPS (BRASIL, 2013) em conformidade à proposta de cuidado

integral, considerando que há produção do cuidado mesmo fora dos espaços

instituídos para isso. No município de Campinas está presente como prática no

dia a dia dos serviços de saúde mental, sendo também relacionada àquilo que

se passa nos ambientes externos às salas de atendimentos. No CAPS adAO

são também chamados de espaços de convivência, como a sala de espera, a

recepção, a calçada em frente ao portão, ou qualquer outro lugar onde há

circulação livre e onde se encontram usuários e trabalhadores sem orientações

de nenhuma atividade específica.

Nos períodos em que a pesquisa empírica foi realizada, observou-se a

casa sendo habitada da seguinte maneira: atendimentos individuais e

pequenas reuniões aconteciam dentro das salas; grupos e reuniões maiores

aconteciam na sala grande do piso inferior. O refeitório tinha picos de ocupação

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de seu espaço nos horários do café da manhã, do almoço ao meio-dia e à

tarde. O piso superior estava sempre mais movimentado, havia maior

circulação de pessoas principalmente entre a calçada e a recepção e às vezes

havia pessoas jogando truco numa mesinha de plástico ao ar livre. Na sala de

espera cada usuário passivamente aguardava pelo atendimento. Alguns

adormeciam ali, outros assistiam televisão, outros apenas observavam o

movimento. Sempre estava acontecendo algo no posto de enfermagem,

alguma avaliação, alguma intercorrência e a porta da sala de equipe era

mantida sempre aberta, mesmo quando não havia profissionais lá dentro. Era

comum ver usuários batendo papo na recepção com a assistente

administrativa, ou com a assistente de farmácia no parapeito de sua janela.

Aquele espaço nos fundos da casa, arejado, agradável, com pinturas

coloridas nas paredes, raramente era ocupado por alguém: como é uma região

mais isolada da casa, já aconteceu de usuários virem até aqui para usar

(drogas), então a gente tem que ficar mais atento (trecho do diário de campo,

05/11/2014).

No período inicial de suas atividades, a equipe do CAPS adAO optou por

trabalhar com um sistema de revezamento, no qual em todos os períodos

haveria um trabalhador específico responsável pelo cuidado dos usuários na

ambiência. No entanto, como este trabalhador atuava em composição com

uma dupla de profissionais responsáveis pelo plantão do período, acabava

sendo engolido pelas demandas e não conseguia estar disponível para circular

pela casa e conviver com as pessoas que ali estavam. Atualmente, após

conversas em reunião de equipe e planejamentos, não há mais esse rodízio e

é esperada uma postura ativa na ambiência por parte dos trabalhadores

quando estes não estão envolvidos em nenhuma atividade específica.

Entretanto reconhece-se que os técnicos de enfermagem e os redutores

são aqueles que mais conseguem estar nessa função, sendo que outros

profissionais podem sentir maiores dificuldades para habitar esses momentos

de convivência:

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75

Quando eu cheguei no CAPS eu conseguia muito mais estar

próxima dos usuários, jogando truco, conversando e hoje eu

percebo que em alguns momentos eu me preservo na sala de

equipe (...) é um ambiente que a gente fica muito exposto, acho

que o que acontece na ambiência é justamente o inesperado e

acho que a gente fica com um pouco de dificuldade de lidar

com o inesperado e não saber o que fazer, acho que é uma

maneira de se defender e de ficar meio protegido (Oficina

“Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

Parada (2003) e Schimidt (2013) ao falarem do acolhimento como

função e a postura de disponibilidade discutem o quanto a indisponibilidade

pode estar relacionada a um modo de lidar com a angústia mobilizada pelo

trabalho na instituição de saúde mental, seja pelas sensações de impotência

diante de situações em que não se sabe como lidar, imprevistos e até mesmo

pelas próprias condições de miséria social com que se deparam

cotidianamente.

São estes os espaços aonde de segunda a sexta- feira usuários do

serviço, familiares, trabalhadores da equipe ou de outras partes se encontram,

conversam e compõem um cotidiano, que às vezes é mais organizado e

previsível, outras vezes se mostra surpreendente e caótico. Por ora, nos

detivemos nas características espaciais e nos princípios que sustentam a

ambiência no CAPS adAO. Mais adiante desdobraremos a discussão acerca

das práticas de acolhimento que aí se dão. É importante destacar que todos os

recintos da casa, mesmo aqueles espaços com funções pré-definidas são

multiuso. Uma sala de atendimento pode servir a uma atividade em grupo, o

refeitório pode dar lugar a um momento de acolhida individual e assim por

diante. Mas como está organizado o cotidiano no CAPS adAO e até que ponto

ele se torna previsível? Quais as suas formas instituídas?

5.2 Organização do cotidiano e plantão de acolhime nto

O CAPS adAO configura-se como um CAPS II, não funciona 24 horas e

não possui leitos próprios de retaguarda noturna, por isso fecha aos finais de

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semana e possui uma equipe com menor número de profissionais se

comparado a um CAPS III. Atualmente é composto por uma equipe com uma

coordenadora, psicólogos, terapeutas ocupacionais, uma médica psiquiatra,

uma médica clínica, redutores de danos, técnicos de enfermagem, enfermeiras,

assistente social, farmacêutica e assistente de farmácia, auxiliares de higiene,

assistente administrativa, um monitor e seis vigias, sendo um feirista, num total

de 33 trabalhadores34. Esses trabalhadores estão subdivididos de acordo com

suas funções em duas miniequipes, cada uma delas responsável por

referenciar uma parte do território de abrangência do serviço, atendendo

usuários, familiares, realizando apoio matricial em centros de saúde e visitas

domiciliares (com exceção das funções de vigia, auxiliar de higiene, assistente

administrativa e coordenação, que não estão inseridos em nenhuma das

miniequipes). A produção do cuidado tem sido norteada pelo modelo

psicossocial, a clínica ampliada e a redução de danos.

As atividades que estão previstas para acontecer durante a semana

ficam expostas em uma tabela na sala de equipe cuja última atualização foi

feita em fevereiro de 2015 e contemplam: Lian Gong, Grupo de sentimentos,

ateliê, reunião de equipe, assembleia geral, grupo de música, grupo de

esportes, grupo de terapia ocupacional, grupo verbal, grupo de gestão

autônoma da medicação (GAM), grupo de mulheres, oficina de saúde e beleza,

grupo de culinária, grupo de prevenção de recaída, grupo de família, grupo de

alcoolistas, os grupos de acolhimento, uma reunião geral de equipe e uma

assembleia35 às terças-feiras. Existem outras atividades que não estão

expostas, no entanto também acontecem com periodicidade semanal, como as

reuniões de miniequipe. Existem ainda atividades pontuais que foram

mencionadas ou que aconteceram durante o período da pesquisa, como o

Intercaps (campeonato de futebol) uma vez ao ano, acompanhamento de

34 Informações registradas em junho de 2015.

35 Atividade aberta para a participação de trabalhadores, usuários, familiares e comunidade em

geral que visa abrir espaço para circulação democrática da palavra ampliando o protagonismo

dos usuários e o controle social, conforme previsto pelas diretrizes do SUS (BRASIL, 2013).

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usuários em atividades de algum centro de convivência (existem dois na

região) e duas festas (despedida de profissionais e aniversário do CAPS).

Conforme as diretrizes do Ministério da Saúde, os CAPS devem

funcionar num modelo de “portas-abertas” (BRASIL, 2013) e proporcionar

acesso irrestrito ao atendimento a toda e qualquer pessoa que procure o

serviço durante seu período de funcionamento, encaminhada por outro

equipamento ou por procura espontânea.

No caso desta pesquisa, trata-se de um CAPS ad que atende pessoas

com algum tipo de sofrimento relacionado ao uso de drogas, moradoras em um

distrito muito extenso, contando com a cobertura de 13 centros de saúde, um

CAPS III voltado ao atendimento de pessoas com transtornos mentais e uma

unidade de Pronto Atendimento, sendo que recentemente foi criada uma base

móvel para o SAMU na região. Atualmente existem 400 usuários considerados

“ativos”, ou em “processo de acolhimento”, como refere a equipe, e chegam

todos os dias em média três usuários novos por período (manhã e tarde). Para

que as atividades previstas possam acontecer durante a semana e ao mesmo

tempo se garanta o acesso e o modelo de portas abertas, a rotina do CAPS

adAO está estrategicamente organizada em torno do plantão de acolhimento.

O plantão de acolhimento tem sido considerado pela equipe como uma

estratégia na organização do cotidiano de trabalho diante da tarefa de receber

uma grande demanda de usuários novos todos os dias ao mesmo tempo em

que é preciso cuidar dos usuários que já estão frequentando o serviço. Tal

atividade se apresenta como uma prática nos CAPS em Campinas, com

variações de nomeação (como “Acolhimento do dia”) e não há uma

padronização em seus modos de fazer. Antes de o CAPS adAO ser

inaugurado, parte de sua equipe fez visitas e acompanhou o trabalho realizado

nos outros CAPS ad já em funcionamento para auxiliar no planejamento de seu

próprio plantão de acolhimento.

A equipe do CAPS adAO discute o tema do plantão de acolhimento

desde o início de suas atividades e contou que este sempre funcionou em

sistema de rodízio de trabalhadores por período, mas já teve diversas caras.

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Inicialmente os trabalhadores escalados para atuar no plantão eram divididos

em duplas, cada uma responsável por um período fixo na semana. Dessa

forma era sempre a mesma dupla que cobria o plantão na segunda-feira de

manhã, outra na segunda- feira à tarde e assim por diante. Num determinado

momento a equipe planejou outra configuração, desta vez não mais em duplas,

mas trios:

Quando a gente mudou para um trio a gente teve um plano de

que a terceira pessoa pudesse estar no acolhimento, mas na

ambiência, então tinha uma proposta de estar mais na frente,

recebendo os pacientes, podendo estar mais nos espaços de

convivência, só que aí depois de um tempo a gente avaliou que

esse terceiro membro do acolhimento também era engolido

pela demanda e que acabava não conseguindo estar. Que a

gente tinha uma proposta de um rodizio dentro do trio né. Então

por exemplo, segunda de manhã eram três pessoas e a cada

semana uma de nós estaria na ambiência. (Oficina “Modos de

acolher Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

A equipe então voltou a operar o plantão de acolhimento em duplas.

Todos os anos têm acontecido uma reunião geral de planejamento das

atividades e nessas ocasiões podem acontecer mudanças nos dias em que

cada trabalhador realiza o plantão. Portanto essa escala possui certa

flexibilidade de acordo com as necessidades do serviço ou até mesmo dos

trabalhadores, havendo um reconhecimento de que as outras atividades do

CAPS são tão importantes quanto o que acontece no plantão, podendo ser

motivo suficiente para alterar uma escala:

Eu faço parte do grupo de esportes e tem um certo período do

ano que tem um campeonato e era no dia do meu acolhimento,

então eu desfalcava muito porque priorizava a atividade com

os pacientes e alguém acabava ficando no meu lugar. Por

conta disso mudaram o dia. (...) Aí tem o lado pessoal dos

profissionais, que ás vezes tem outro emprego ou às vezes

querem fazer algum curso e precisa mudar o horário aqui no

serviço. (trecho de entrevista realizada em 09/02/2015)

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Atualmente o plantão de acolhimento acontece em duplas com exceção

da segunda-feira (considerado um dia mais movimentado) que funciona com

um trio. As responsabilidades e tarefas que envolvem essa atividade são

muitas e diversas: avaliar usuários que estão em processo de acolhimento em

leito-noite36, receber usuários novos, evoluir prontuários, acolher situações de

crise, avaliar quais usuários almoçarão no serviço, articular vagas de

internação e leitos-noite com a central de regulação de vagas, além de estar de

prontidão para lidar com todo tipo de intercorrências e situações imprevistas.

As atribuições dos plantonistas são bastante amplas e pode-se dizer que os

modos de se fazer o plantão de acolhimento darão o tom de como o serviço

funcionará durante todo um período do dia:

(...) você vai resolver as demandas daquele dia, o que

está fora da agenda é o acolhimento que resolve (...)

claro que tem certas decisões que a gente acaba

recorrendo ao resto da equipe, mas cabe ao

acolhimento organizar isso. A gente já teve uma

supervisão que foi discutida a questão da autoridade do

acolhimento, de que o acolhimento é soberano, porque

ele tá organizando e tem inclusive o poder num grupo

de falar assim: olha tá difícil, tem como só um fazer o

grupo hoje? (Oficina “Modos de acolher Antônio

Orlando”, realizada em 09/06/2015).

Devido às numerosas atribuições relativas ao plantão de acolhimento, é

necessário haver certa administração do tempo que se gasta em cada tarefa,

pois ao término de cada período acontece a passagem de plantão, onde a

equipe da manhã discute com a equipe da tarde os acontecimentos que se

desenrolaram durante o período, para que a nova dupla possa dar continuidade

a algumas ações já iniciadas pela manhã e cumprir com outras demandas que 36 Os chamados “leito-noite” são leitos de retaguarda noturna para usuários em crise ou que a

equipe avalia fazer sentido dentro do projeto terapêutico de um usuário. Como se trata de um

CAPS II, tais leitos de retaguarda ficam na sede do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, no

mesmo ambiente da internação psiquiátrica. Atualmente existem 10 leitos-noite para a rede

álcool e drogas do município e os encaminhamentos são feitos após discussão de caso com

um profissional médico da Central Municipal de Regulação de Vagas.

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80

surgirão. Durante o período de observações no CAPS adAO, houveram muitas

demandas relativas aos leitos-noite que eram sempre discutidas durante a

passagem de plantão. Como o CAPS permanece fechado aos finais de

semana, tal recurso de retaguarda noturna tem sido utilizado também para o

acolhimento de alguns usuários nesse intervalo.

Lista elaborada por trabalhador da equipe contendo suas atribuições no plantão de acolhimento

O plantão de acolhimento no CAPS adAO exige uma atitude de

prontidão para se lidar com uma diversidade de tarefas, mas não está

caracterizado por um agir automático ou por um funcionamento burocratizado.

Os modos de fazer ou de se lidar com cada situação devem ser guiados por

uma postura de acolhimento que foi definida da seguinte maneira:

(...) é a postura de acolher e de escutar, de estar junto

com os pacientes e familiares (...) a gente fica

disponível, com uma abertura na escuta pra ouvir

demandas não programadas necessariamente... Acho

que uma disponibilidade para estar no encontro e ver

qual é a questão da pessoa, às vezes nem é algo que

tem que resolver, é mais um estar junto e ter uma

empatia por ela, tentar entender o sofrimento e pensar

numa estratégia de cuidado. (...) a forma como a gente

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81

se aproxima tanto no olhar, no gesto, na fala, faz muita

diferença, se a gente escuta o que a pessoa tem a

dizer ou se escuta já querendo dar uma resposta, se

escuta com empatia... É bem sutil. (trecho de entrevista

realizada em 30/01/2015)

Se quisermos decompor esta definição, teremos que para a equipe do

CAPS adAO, uma postura de acolhimento é se apresentar disponível não

somente para ouvir, mas para estar junto de maneira implicada na experiência

de sofrimento do outro e sentir-se responsável pelo seu cuidado, que não se

traduzirá unicamente em procedimentos ou intervenções técnicas, mas

também na forma de pequenos gestos, como um olhar, um sorriso, uma

palavra. Durante a pesquisa empírica foi possível observar algumas situações

onde uma postura acolhedora por parte da equipe no encontro com os usuários

durante o plantão de acolhimento se apresentou em sutis detalhes:

(...) ela tinha um tom de voz calmo, voz baixa e falava

demonstrando afeto e preocupação (...) as perguntas

foram sobre suas condições físicas, mas também

perguntou sobre o que estava sentindo falta, seus

planos, aspectos mais subjetivos (trecho do diário de

campo, 05/11/2014).

(...) ela deixava as pessoas falarem sem interrompê-

las, dava orientações com calma e linguagem acessível

(trecho do diário de campo, 05/11/2014).

(...) ele ficava mais em silêncio, deixando o usuário

falar e expressar suas emoções que vieram em forma

de choro (trecho do diário de campo, 05/11/2014).

Tais gestos e pequenos detalhes revelaram uma forma de atenção

prestada ao que o usuário tem a dizer sobre si próprio, suas trajetórias, seus

planos, suas redes de relações, não reduzindo a escuta apenas a aspectos

relativos ao uso de drogas e nem impondo um tipo de saber técnico

especializado que anula o conhecimento que usuário traz de si. Implicam em

reconhecer cada sujeito em sua histórica única e particular, seus modos

singulares de lidar com o sofrimento. No entanto há o reconhecimento da

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importância de se também perguntar ao usuário e estar sempre atento às

questões relativas aos seus padrões no consumo de drogas, uma vez que

cuidar de alguns sintomas clínicos também é responsabilidade da equipe

desde a primeira vez que um usuário se apresenta:

(...) ela estava com sinais de abstinência e depois da

conversa acompanhei a aferição de seus sinais vitais

(trecho do diário de campo, 05/11/2014).

(...) o último uso é importante de a gente saber por

causa da abstinência né. Porque senão a gente manda

uma pessoa pra casa porque ela não falou que usa

álcool diariamente e o último uso faz 24 horas, ela vai

ter uma crise de abstinência grave no caminho e isso é

uma responsabilidade nossa (oficina Modos de acolher

Antônio Orlando, realizada em 09/06/2015).

A equipe tem organizado seu cotidiano de maneira que tal postura deve

estar presente desde a chegada de cada usuário no serviço, sendo

responsabilidade da equipe do plantão receber usuários novos, numa ação

chamada pela equipe de primeiro acolhimento. Trata-se do momento em que

uma pessoa chega ao serviço pela primeira vez e é recebida primeiramente

para uma escuta inicial dos motivos que a levaram até ali, seguida de outras

perguntas que a equipe considera importantes de serem feitas: se a pessoa já

realizou tratamentos anteriores, quais as suas expectativas, se tem alguma

rede social de apoio (família, amigos), se possui um trabalho ou outra

atividade, como é sua história com relação ao uso de drogas, entre outras.

Embora as perguntas sejam abertas e exista espaço para o usuário contar sua

história como quiser, a equipe reconhece que existe uma série de perguntas

que sempre são feitas nesse momento. Por isso é um processo em que a

escuta se dá a partir de perguntas feitas pelo profissional e que visam não

somente acolher, mas também colher informações e avaliar uma situação a

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83

partir de um saber técnico, tendo como objetivo ao final desse processo o

planejamento de um projeto de cuidado inicial:

(...) ela disse que se considera mais acolhedora

quando não está na escala do plantão e que acaba

fazendo esse acolhimento inicial segundo um

protocolinho com perguntas básicas e gerais ligadas ao

seu núcleo profissional. (trecho do diário de campo,

05/11/2014)

(...) acho que todo mundo faz quase as mesmas

perguntas de sempre: por que você está aqui, seu

vínculo com a família tem umas quinze perguntinhas

que todo mundo faz (trecho de entrevista realizada em

23/01/2015).

O primeiro acolhimento de um usuário também envolve explicar o que é

um CAPS ad e qual é a proposta de cuidado no CAPS adAO. Segundo a

equipe muitas pessoas ainda não conhecem esse modelo de cuidado e

chegam lá com pedidos de internação. Por isso, essa conversa inicial pode ter

a função de desmistificar alguns aspectos do tratamento, por exemplo, de que

não é necessário abster-se do uso para começar a frequentar o serviço,

informação que surpreende muitos usuários como contaram algumas pessoas

da equipe. No entanto, diante da insistência de uma usuária durante seu

acolhimento inicial, um profissional com postura acolhedora pôde lidar com as

escolhas e os desejos de quem insiste na internação como via para o cuidado:

(...) a usuária começou a insistir para ser internada novamente,

disse que ainda não estava se sentindo totalmente segura.

Diante de sua insistência, a psicóloga problematizou a questão

da internação, dizendo que não avaliava tal necessidade, que

ela havia acabado de ter alta e que agora poderia ser cuidada

no CAPS. Mas a usuária foi irredutível e a psicóloga explicou

que ela tinha o direito de procurar o Padre Haroldo

(Comunidade Terapêutica que a usuária citou na conversa) se

quisesse e as portas do CAPS continuariam abertas para

recebê-la. Então a usuária começou a chorar e disse estar

sentindo raiva, pois perdeu a guarda de ambos os filhos por

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conta do uso de drogas (trecho do diário de campo,

27/02/2015).

Nessa situação, a usuária pedia por um tipo de tratamento que

garantisse sua abstinência do uso de drogas e acreditava que sua internação

anterior havia tido uma duração insuficiente, cerca de um mês. A psicóloga que

conduziu a conversa buscou problematizar que a internação pode fazer parte

de um processo para algumas pessoas, mas que não tem funcionado

isoladamente como garantia para abstinência do uso. A profissional ponderava

a questão da internação, porém sem impor outros métodos, sem invalidar o

desejo da usuária e nem tentar convencê-la a desistir de seu plano para tentar

uma internação mais prolongada em uma comunidade terapêutica. Com

postura acolhedora, respeitou suas escolhas nesse momento e ofertou a

possibilidade de a usuária frequentar o CAPS enquanto procura outras

maneiras de ser cuidada, o que visivelmente tranquilizou a mesma e deu

abertura para que contasse seu sofrimento com relação à retirada de seus

filhos e que na verdade seu tratamento era uma condição do Conselho Tutelar

para que pudesse tê-los de volta.

A proposta de cuidado chamada Projeto Terapêutico Singular37 ou PTS,

além de ser esclarecida logo no primeiro acolhimento, é planejada também já

nesse momento, ainda que de forma incipiente como forma de esboçar os

próximos passos do usuário e da equipe envolvida na produção de seu

cuidado. Tal projeto inicial geralmente envolve um encaminhamento para um

grupo de acolhimento, além de outras ações em paralelo se houver

necessidade, como conversas individuais ou visita domiciliar. Nomear como

singular um projeto de cuidado aponta para uma proposta de olhar o sujeito em

sua história única, participante em uma sociedade e uma cultura, com desejos

37 Conjunto de ações de cuidado voltadas para um sujeito individual ou coletivo (grupos,

famílias e outros) planejadas e discutidas em equipe interdisciplinar a partir dos processos

singulares (diferenças) que se destacam em cada caso, sempre considerando a produção de

saúde como um processo dinâmico. (BRASIL, 2007). Disponível em <

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf>. Acessado em

22/09/2015.

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particulares e possibilidades de produzir mudanças. Também aponta para os

modos como a equipe pretende conduzir e manejar as situações em cada

caso. Todas as semanas as miniequipes se reúnem para discutir mudanças

que alguns usuários têm vivenciado e assim pensar também em novas

formulações para seus projetos terapêuticos.

No caso apresentado acima, após a conversa realizada durante seu

acolhimento inicial, a psicóloga ajudou a usuária a planejar seus próximos dias,

quem poderia lhe ajudar quando estivesse em sua casa, o que ela poderia

fazer caso sentisse muita vontade de usar drogas e quem poderia lhe ajudar a

administrar sua medicação durante o final de semana. Assim, foi possível

pensar em um PTS inicial para essa usuária no CAPS adAO, levando em

consideração para além do uso de drogas, o sofrimento que estava

vivenciando com a retirada de seus filhos e sua sensação de incapacidade

para se cuidar sozinha.

Após alguns períodos de observação e conversas acompanhando

equipe e usuários em situações ocorridas durante o plantão de acolhimento, foi

possível perceber que no CAPS adAO essa prática está marcada por ações

complementares: a palavra “plantão” indica uma disponibilidade para responder

às diversas demandas que estão planejadas e também aquelas que acontecem

de maneira imprevista. A palavra “acolhimento” indica uma postura, ou um tipo

de atitude esperada por parte do trabalhador que realça a importância da

escuta implicada das experiências singulares trazidas por cada usuário,

respeitando suas escolhas e se corresponsabilizando pelo seu cuidado. Pode-

se dizer ainda que as ações de cuidado produzidas durante o plantão de

acolhimento, embora tenham um acento nas tecnologias leves (MEHRY, s/d)

como a escuta, a conversa, o olhar e o tom de voz, lançam mão do saber

técnico especializado e de procedimentos burocráticos quando é preciso

avaliar algum sintoma clínico ou quando é exigido o registro de cada

atendimento para fins de faturamento. No entanto durante a pesquisa empírica,

tais ações sempre apareceram associadas a alguma ação de cuidado que

destacava os aspectos dinâmicos e singulares em cada caso.

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86

A administração do tempo durante um período de plantão também

apareceu como uma responsabilidade para os plantonistas. Nem sempre é

possível passar mais do que quinze ou vinte minutos dentro de uma sala

escutando um usuário recém-chegado, pois existem muitas outras tarefas a

serem transpostas pela equipe do plantão. Foi possível observar em alguns

períodos um acúmulo de pessoas aguardando na sala de espera e uma alta

circulação de profissionais na sala de equipe procurando por algum plantonista

que pudesse lhe auxiliar em alguma situação.

5.3 Os grupos de acolhimento

Atividade realizada também nos outros CAPS ad de Campinas, o grupo

de acolhimento é uma oferta de cuidado voltada aos usuários que chegaram

recentemente, estão começando a frequentar esse serviço e cujo objetivo

principal é dar continuidade ao processo de acolhimento iniciado no plantão,

mas num espaço grupal. No início das atividades do CAPS adAO, os grupos de

acolhimento aconteciam diariamente e já apresentaram diversas configurações

que sempre são discutidas nas reuniões anuais de planejamento para adequar

a atividade às demandas do serviço e dos usuários. Atualmente acontecem em

três períodos na semana, sendo cada um deles coordenados por uma dupla de

profissionais que não se rodiziam.

Geralmente, após o acolhimento inicial de um usuário, este será

encaminhado para um grupo de acolhimento, onde irá encontrar outras

pessoas recém-chegadas e será convidado a falar um pouco mais de si. Para a

equipe do CAPS adAO trata-se de um momento privilegiado onde o usuário

pode conhecer outras pessoas que compõem equipe, compartilhar com outros

usuários um pouco de sua história, bem como escutar ou apenas tirar dúvidas

caso tenha. Também é uma oportunidade para a equipe conhecer um pouco

mais deste usuário, ouvir suas histórias, interrogar seus interesses e

expectativas, de modo que o acolhimento inicial não se perca como apenas

uma etapa do tratamento, mas perdure num processo que passará a envolver

outros trabalhadores e também outros usuários.

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87

A dinâmica de um dos grupos de acolhimento que pôde ser observado

começou já na sala de espera. Alguns usuários começaram a chegar e

apresentar na recepção um cartão de retorno onde estava anotado o dia e

horário do grupo de acolhimento. Chegada a hora, os profissionais

responsáveis pela coordenação neste dia convidaram todos a descer e sentar

em forma de roda. Primeiramente ambos coordenadores se apresentaram e

explicaram que o grupo de acolhimento é um momento para se conhecerem

melhor. Depois, abriram a palavra para que todos pudessem se apresentar e

em seguida começaram a surgir temas variados para serem discutidos:

(...) dependendo dos pacientes que estão, do assunto que

surge, a gente tenta abordar alguns temas, como o que é

projeto terapêutico singular, o que é referência, mas

dependendo do grupo outras coisas são mais importantes do

que isso né, às vezes surge o tema da internação, ou da

medicação. (Oficina “Modos de acolher Antônio Orlando”

realizada em 09/06/2015).

Trata-se de um espaço onde a palavra pode circular livremente e a

equipe também procura escutar e observar cada usuário para assim começar a

ter algumas ideias para seu PTS. Após cada grupo, que dura em média uma

hora, os coordenadores registram nos prontuários de cada usuário as suas

impressões: se estavam falantes ou não, alguns conteúdos que trouxeram,

tudo o que consideram relevante e que possa auxiliar as miniequipes no

planejamento dos PTS. Geralmente, enquanto um usuário frequenta grupos de

acolhimento, ele não frequentará outras atividades e após três ou quatro

grupos, algum trabalhador com quem ele se vinculou ou que foi decidido em

reunião de miniequipe, o convida para uma conversa onde serão discutidos

mais alguns passos de seu projeto terapêutico. A partir desse momento, este

trabalhador será nomeado como a “referência” do usuário e deverá cuidar de

maneira mais próxima da construção de seu PTS.

Os grupos de acolhimento estão instituídos no conjunto das atividades

do CAPS adAO como parte do processo de acolhimento dos usuários recém

chegados, entretanto, existem casos em que a equipe avalia não haver a

necessidade desse encaminhamento, como casos de usuários que apenas

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interromperam o acompanhamento no CAPS por algum tempo e quando

retornam ainda possuem vínculos e solicitam participar das atividades que

participavam anteriormente. Estes, são chamados casos de reacolhimento,

muito frequentes no CAPS adAO como pôde ser observado durante os quatro

meses da pesquisa empírica.

No CAPS adAO quando um usuário deixa de frequentar o serviço por

alguns meses e retorna basta localizar seu prontuário e dar continuidade a um

processo já iniciado ou se for necessário discutir novamente seu PTS. Quando

se trata de um reacolhimento de alguém que frequentou o CAPS por menos

tempo e não chegou a se vincular a alguém da equipe ou a alguma atividade,

ele poderá frequentar os grupos de acolhimento.

Existem ainda outros casos em que os coordenadores avaliam durante o

andamento de um grupo que algum participante seria mais bem acolhido

individualmente, quando então a função do segundo coordenador ganha

destaque:

Então chegou no grupo e ele estava bastante desorganizado,

com um discurso que não condizia com o grupo, eu estava

fazendo o grupo em dupla e ele estava muito

descontextualizado então saí com ele da sala.(...)Eu saí e fiz

uma conversa individual, continuei o que a gente estava

fazendo em grupo mas fiz individualmente numa sala. (trecho

de entrevista realizada em 30/01/2015)

Nesta situação o segundo coordenador surgiu como alguém que pôde

cuidar de alguma situação pontual, sem que o grupo inteiro precisasse acabar

ou ser interrompido. Ao sair da sala com o usuário e acolhê-lo individualmente,

o mesmo não precisou ir embora sem que essa situação fosse mais bem

cuidada. Este usuário, que segundo a equipe estava sob o efeito do uso de

crack, não participou do grupo naquele dia, mas foi cuidado de outro modo.

Outra função observada do segundo coordenador é o de registrar em

forma de anotações alguns conteúdos que apareceram durante o grupo, bem

como outras informações que auxiliem na hora de escrever a respeito da

participação de cada usuário no seu prontuário.

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A equipe percebe que o grupo de acolhimento auxilia na organização do

cotidiano de trabalho quando estrategicamente propõe dar continuidade às

ações de acolhimento inicial, pois devido ao grande número de pessoas

atendidas e a quantidade de tarefas a serem transpostas pelos plantonistas

nem sempre é possível passar muito tempo junto a um usuário dentro de uma

sala. No entanto, também consideram outros aspectos relativos a essa maneira

de realizar um acolhimento inicial mais rápido, que se referem aos modos como

cada usuário se relaciona com a ideia de tratamento, numa dinâmica que a

equipe nomeia como clínica ad:

Acho que isso diz também da clínica que a gente tá falando,

acho que na clinica ad o timing é outro, as coisas são muito

rápidas, a questão da ambivalência está presente nos usuários

constantemente né e às vezes eu sinto que em alguns casos

até com dificuldade de suportar esse atendimento mais longo.

(Oficina dos “Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em

09/06/2015).

O desejo de se tratar também é bem volátil. Ás vezes durante a

mesma conversa você vê que tem movimentos, discursos que

trazem uma motivação, e ao mesmo tempo fala não, tchau, já

vou indo, depois eu volto, não tô querendo permanecer mais.

(Oficina dos “Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em

09/06/2015).

Nesse sentido os grupos de acolhimento aparecem como forma de

oferecer mais oportunidades para o usuário frequentar o CAPS sem um

imperativo de dar o máximo de informações sobre si e decidir a respeito de um

projeto terapêutico logo num primeiro encontro.

A equipe reconhece alguns desafios que o grupo de acolhimento

apresenta. Não são todos os trabalhadores que realizam os grupos de

acolhimento, alguns não se sentem seguros para conduzir um trabalho em

grupo e isso tem sido respeitado. Outros trabalham com uma carga horária

menor e coordenam outras atividades. Por isso um dos efeitos do grupo de

acolhimento incide sobre a distribuição do número de usuários entre alguns

profissionais de referência, pois os usuários que frequentam grupos de

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acolhimento muitas vezes acabam se vinculando mais com os coordenadores

destes do que com alguém de sua miniequipe; deste modo quem coordena o

grupo acaba ganhando uma referência, enquanto aqueles trabalhadores que

não participam dos grupos poderão ter menos oportunidades de construir

relações de vínculo com esses usuários nesses momentos iniciais.

Há também o reconhecimento de que nem sempre é possível discutir

nas reuniões de miniequipe a respeito dos projetos terapêuticos de todos os

usuários que estão frequentando os grupos e definir algum profissional de

referência, o que pode transformar o grupo de acolhimento em uma espécie de

porta-giratória para onde ele deve retornar a cada semana mesmo quando ele

já poderia frequentar outras atividades. Nesse sentido o grupo de acolhimento

corre o risco de deixar de ser parte de um processo e se tornar apenas uma

etapa a ser vencida pelo usuário:

Perguntei se os usuários questionam o motivo de

retornarem três ou até quatro vezes no grupo de acolhimento e

a psicóloga disse que sim, às vezes questionam. Disse que

como nem sempre dá tempo de discutir os casos que estão

passando pelos grupos, acabam marcando um retorno, mesmo

sabendo que é alguém que já poderia ser encaminhado para

outra atividade mais de acordo com seus interesses. (trecho de

diário de campo, 27/02/2015).

Embora essa atividade seja planejada constantemente pela equipe, os

sentidos que ela terá para os usuários serão construídos ao longo do processo.

Muitos usuários nunca participaram de espaços que enfatizam a importância

das relações entre usuários e equipe num contexto de tratamento e é comum

durante um grupo de acolhimento surgirem dúvidas como: que horas vai

começar meu tratamento? Por isso nesses momentos a equipe identifica a

importância de conversar a respeito dessa atividade com os usuários:

(...)eu acho que o grupo causa esse estranhamento, “por que

eu tô aqui, por que eu tenho que estar aqui, que eu tenho que

estar passando por isso, que horas vai começar o tratamento?”,

não entende que já é tratamento. Então quando eu tenho

oportunidade eu falo que o acolhimento inicial já é o início do

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tratamento e que o grupo é a continuidade dessa conversa

inicial num processo de aproximação da pessoa com a equipe

e da equipe com a pessoa. (trecho de entrevista realizada em

30/01/2015).

Estes foram alguns dos desafios observados ou descritos pela equipe

em torno dos grupos de acolhimento no CAPS adAO. Para discutirem esses

efeitos e estudarem outras possibilidades para essa atividade, no ano de 2015

os grupos de acolhimento foram um dos temas trabalhados na reunião anual

de planejamento. Além disso, tem sido um tema presente também em algumas

reuniões semanais da equipe, onde a partir de um exercício de cogestão, todos

podem expor suas ideias, dificuldades e elaborarem juntos novos desenhos

para as práticas que se dão no cotidiano do serviço.

5.4 Acolhimento na rua

Atualmente a equipe do CAPS adAO conta com o trabalho de quatro

redutores de danos, uma dupla em cada miniequipe. São profissionais que

auxiliam na construção dos projetos terapêuticos dos usuários que frequentam

o serviço, coordenam grupos, participam de reuniões de equipe e assembleias,

acompanham usuários em atividades externas e são reconhecidos pela equipe,

ao lado dos técnicos de enfermagem, como aqueles que mais habitam a

ambiência. No entanto, é nas ruas onde esses trabalhadores têm atuado com

maior protagonismo e autonomia, durante as abordagens que realizam nos

arredores do Campo Grande.

Práticas próprias ao campo da redução de danos, as chamadas

“abordagens” consistem em seguir pistas da itnerância dos locais de uso de

drogas para distribuição de insumos e construção de vínculos com os usuários

de maneira respeitosa, sem julgamento de valor acerca dos hábitos de

consumo presentes em um local e sem impor qualquer método de tratamento

(JANUZZI et al., 2014). De acordo com essa proposta, os redutores de danos

que compõem a equipe do CAPS adAO têm realizado de maneira sistemática

ações de cuidado junto a usuários ou grupos de usuários de drogas nos

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próprios locais de uso, de forma a se aproximar das pessoas que ali convivem,

construir vínculos de confiança e se colocar à disposição caso apareça alguma

demanda de cuidado por parte de um usuário.

Para esses trabalhadores, promover ações nos locais de uso junto a

usuários de drogas enquanto estes estão consumindo envolve um tipo de

atuação mais atenta às movimentações da polícia e do tráfico. Eles presenciam

ameaças de brigas e de tiroteios e contaram que faz parte da lógica da redução

de danos nunca fazer uma abordagem sozinho, mas no mínimo em duplas. No

entanto essa atmosfera incerta não tem sido um obstáculo para realizar as

abordagens:

Então são demandas que a gente tá acostumado e a gente tá

lá na rua pra isso. A gente sabe lidar com isso. (...) A gente é

capacitado na rua. (trecho de entrevista realizada em

23/01/2015)

Ser capacitado na rua também envolve estudo, debate e

compartilhamento de experiências em coletivo. Os redutores de danos no

CAPS adAO frequentam o Fórum da rede ad de Campinas e o Fórum Estadual

de Redução de Danos de São Paulo, que recentemente publicou um caderno

produzido coletivamente a partir dos temas debatidos, contendo experiências

de redução de danos em várias cidades38. Além disso, a equipe de redutores

tem seu próprio espaço de supervisão no CAPS adAO, que vem acontecendo

com periodicidade quinzenal e é dedicada às demandas relativas às suas

atividades.

Os redutores de danos no CAPS adAO consideram que as abordagens

nas ruas tem uma função de acolhimento, mas apontaram diferenças quanto

aos modos de acolher que se dão dentro das dependências do serviço e as

que acontecem nos locais de uso de drogas, onde o encontro com usuários

tende a ser menos mediado por instituições e por isso apresentará outras

peculiaridades. Uma das diferenças relatadas apareceu nos modos de se

conversar. Quando um usuário novo chega ao CAPS, entende-se que ele

38 Disponível em: http://edelei.org/pag/ferd. Acessado em 22/09/2015.

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procurou o serviço voluntariamente e deseja se engajar em um projeto de

cuidado em saúde. Na rua isso não é tão claro, já que muitas pessoas não

manifestam imediatamente um desejo de se cuidar. Por isso a abordagem

envolve outros modos de conversar, que não usarão dos repertórios técnicos

especializados das áreas da saúde:

(...) lá na rua a gente fala do nosso jeito, do jeito da rua mesmo,

usando gíria, falando palavrão, aqui dentro se eu falar um

palavrão com o usuário... (...) não é tão aceito quanto na rua.

(trecho de entrevista realizada em 23/01/2015)

Os redutores de danos no CAPS adAO não fazem parte da escala do

plantão de acolhimento e não realizam os acolhimentos de usuários novos.

Algumas vezes são chamados pela equipe, quando o profissional que está

conversando com um usuário avalia que há uma demanda de redução de

danos. Os redutores podem, no entanto realizar um reacolhimento de um

usuário que já conhecem e têm um vínculo, enquanto na rua as abordagens

são feitas independentemente se existe algum tipo de vínculo com um usuário

ou grupo de usuários. A justificativa para isso remete a uma situação ocorrida

em que um trabalhador da equipe de redução de danos realizou o primeiro

acolhimento de um usuário, que em seguida fez algumas reclamações a

respeito de sua atuação. Essa situação nos ajuda a pensar que no CAPS adAO

o primeiro acolhimento de um usuário envolve fazer perguntas a partir de um

núcleo profissional específico, a respeito de sua história, seus interesses e

suas necessidades, sua família, seus vínculos de trabalho, suas condições

socioeconômicas. Trata-se de um momento de escuta e de conversa, mas

apresenta também um caráter de entrevista, pautada num modelo tradicional

de anamnese técnica, na qual é requerido certo saber especializado e

organizado em um conjunto de repertórios linguístico próprios.

Na rua isso não acontece da mesma forma e respeita-se o fato de que

não foram os usuários que procuraram os redutores, que por sua vez se

aproximam de maneira cuidadosa num território onde a princípio não foram

convidados a se apresentar:

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94

(...) a abordagem a gente já não chega perguntando as coisas

que se perguntam no primeiro acolhimento aqui dentro da sala,

porque aqui na salinha um profissional pode falar “por que você

veio, qual a sua demanda, como que tá sua família?”, pega um

histórico completo. (...) Lá na rua não, você tá vendo a pessoa

pela primeira vez, sua primeira abordagem, você não vai

chegar perguntando “por que você saiu da sua casa? Que você

tá fazendo na rua?”. Então é construindo vinculo que a gente

vai fazer isso. Na hora que a pessoa se sentir mais vinculada

com a gente, aí sim ele vai liberando. (trecho de entrevista

realizada em 23/01/2015)

Outra diferença está nos modos de se estar com os usuários, já que na

maioria das vezes durante as abordagens, os redutores se dispõem a

conversar enquanto aqueles fazem uso de drogas, dinâmica menos tolerada

dentro das dependências do CAPS adAO:

(...) já teve usuário que na hora que eu cheguei ele tava com

cachimbo, ele falou, “não não, não quero conversar, agora eu

tô usando”, eu falei “meu, não tem problema nenhum, a gente

pode conversar, você pode tá usando” e ele falou, “ah de boa

pra você?” Eu falei “de boa”, e ele fumando o cachimbo lá e eu

conversando com ele entendeu, super tranquilo, normal, coisa

que aqui dentro nunca que ia acontecer. (trecho de entrevista

realizada em 23/01/2015)

Encontrar-se com um usuário que vive nas ruas também pode dar

visibilidade para as maneiras como alguns estabelecimentos de saúde

recebem pessoas que ali chegam e como o acesso não é apenas uma questão

de recepção ou de se manter as portas de um serviço abertas, conforme um

caso relatado pelo redutor de danos:

Foi assim “e aí beleza”, aí a gente foi se apresentando,

falando um pouco do serviço, falando um pouco do SUS, que a

gente trabalha no SUS e ele falando “ah eu não vou muito pra

hospital que eu to meio encacado, eu to sujo, eu tenho medo

que eles não me recebam direito, então por isso que eu fico

mais aqui na rua”, aí a gente vai conversando, aí ele vai

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sentindo a liberdade de contar pra gente: “olha eu tô ficando

aqui nessa região, eu tomo tantos corotes por dia” e assim a

gente vai estabelecendo vinculo. Aí uma vez por semana eu

vou naquela região e sempre agora a gente tá conversando,

ele tá se interessando pelo serviço e a gente tá construindo

isso com ele, da vinda dele pra cá. (trecho de entrevista

realizada em 23/01/2015)

Nessa situação, o usuário estava sem moradia e vivendo nas ruas do

bairro. Ele contou ao redutor temer que o hospital não o recebesse devido às

suas condições sociais, por ele estar sujo e meio encacado. Conforme narrado

pelo redutor, o usuário pareceu trazer também um saber a respeito do acesso

ao cuidado em saúde: ele sabia que poderia ir ao hospital, mas sabia também

que poderiam não lhe receber “direito”. Ao escutar isso podemos

apressadamente concluir que existe um modo certo de receber, um modelo

exato a ser cumprido e que significaria “receber direito”. Propomos, no entanto,

escutar tais palavras de outra maneira, pensando se existe um modo de se

receber que também é um direito.

Podemos nos lembrar do que já discutimos nos capítulos anteriores e a

partir desse caso exemplar, que receber um usuário na perspectiva da redução

de danos e de acordo com diretrizes de uma política de humanização em

saúde é também um direito que deve ser garantido a qualquer cidadão de

acordo com as políticas públicas vigentes. Conversar, vincular-se, construir

juntos, são modos de se receber alguém que tem o direito de ser escutado, de

se sentir mais à vontade, de se sentir acolhido. No mesmo trecho, o redutor

contou como se apresentou àquele usuário com uma linguagem informal e que

a partir dessa conversa este começou a se sentir mais à vontade para falar de

si. Um tipo de vínculo começou a se estabelecer e juntos foi possível começar

a construir um projeto de cuidado, mesmo quando esse usuário ainda não

havia atravessado os portões do CAPS adAO.

Durante os períodos em que acompanhamos as práticas de acolhimento

no CAPS adAO foi possível participar de momentos em que o trabalho dos

redutores de danos se articularam com outros serviços da rede e com outros

trabalhadores da equipe, como no caso de uma usuária que estava

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consumindo crack junto de outras pessoas em uma praça da região. Durante

uma reunião realizada numa das salas do CAPS e na qual estavam presentes

um redutor de danos, uma enfermeira e dois trabalhadores de um serviço de

assistência social, foi discutida e planejada uma intervenção compartilhada:

(...) falaram muito da questão do vínculo, de que essa

abordagem tem que ser feita de forma a respeitar o vínculo que

tem sido construído a duras penas com os agentes e com os

redutores. Todos reconhecem, no entanto que esse é um

momento muito crítico e que talvez ela não tenha condições de

perceber seu estado de saúde, por isso discutem chamar o

SAMU para uma intervenção involuntária. Pensam em fazer

isso sempre a acompanhando, explicando para ela o que está

acontecendo e porque estão fazendo aquilo, etc... Planejaram

conversar com os usuários que estão na rua também no

sentido de se cuidarem, de buscarem ajuda se precisarem, pois

tem outros que também estão muito adoecidos. Os redutores

ficaram preocupados em ficarem associados com a intervenção

involuntária. (trecho de diário de campo, 30/11/2014).

Essa situação pode também ilustrar um desafio enfrentado pelos

redutores de danos ao trabalharem vinculados a uma instituição de tratamento.

A usuária em questão já havia passado pelo CAPS adAO e a equipe já se

sentia responsável pelo seu cuidado. No entanto ela se recusava a ir para o

serviço ou para um hospital, mesmo estando com ferimentos no corpo e

infecções. Por isso a equipe considerou uma abordagem involuntária e os

redutores de danos manifestaram sua preocupação com isso, mesmo que

fosse feito de maneira cuidadosa, estando junto da usuária o tempo todo. A

preocupação dos redutores era com relação ao risco de se ferir o vínculo que

essa usuária e os trabalhadores haviam construído o que poderia inviabilizar

ações futuras dos redutores, já que a redução de danos trabalha a partir do

vínculo que se pode construir e tem como princípio não impor nenhum método

de tratamento ou intervenção.

Outro aspecto observado nessa situação foi o olhar para os outros

usuários que frequentam a mesma cena de uso da usuária em questão. Nas

abordagens em que ela não se encontrava, antes dessa reunião, os redutores

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conversavam com as outras pessoas que frequentam o local para se colocar

de maneira presente e disponível, já que também estavam numa situação

parecida com a de sua colega. Começou a se produzir então um movimento no

qual os próprios usuários começaram a conversar entre eles e a dizer para ela

ir ao CAPS, pois estavam vendo suas feridas e que percebiam que poderia

piorar, que deveria se cuidar e aceitar ajuda dos redutores de danos. Essa

abordagem involuntária nunca aconteceu, pois quando chegaram ao local ela

não se encontrava mais lá. Na semana seguinte, um dos redutores contou

como a própria usuária ligou para o SAMU e pediu ajuda, foi encaminhada para

um hospital onde permaneceu alguns dias internada sendo referenciada após

sua alta para o CAPS.

Para os redutores de danos no CAPS adAO, abordar nas ruas também

é um modo de acolher e podemos pensar a partir do casos apresentados que

trata-se se uma prática realizada mesmo quando não se demanda acolhida,

caracterizada por uma postura de prontidão e disponibilidade mais discreta. A

discrição característica desses modos de acolher está presente, por exemplo,

nos repertórios linguísticos diferentes nas ações de acolhimento realizadas

dentro do CAPS e nas ruas, onde a linguagem é menos técnica e mais

informal, assim como as pessoas conversam corriqueiramente.

Podemos pensar também o que a disponibilidade para estar com

usuários enquanto estes fazem uso pode dizer a respeito das possibilidades de

se conversar com alguém que está sob efeito de alguma substância. Pudemos

observar nos casos apresentados que não era necessário os usuários estarem

abstinentes do uso de drogas para participarem de uma conversa e falarem de

si num encontro com um trabalhador de saúde. Foi possível construir vínculos

de confiança, acolher e cuidar nessas situações, sem o imperativo da

abstinência como condição para que alguma mudança pudesse se produzir.

Observamos como os caminhos de alguém que está num local de uso

para frequentar o CAPS adAO será construído em alguns casos, sendo que em

outros não chegará nunca a acontecer, de modo que muitos usuários

continuarão sendo visitados pelos redutores ainda que nunca cheguem a ir até

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o serviço. É importante destacar que os redutores estão em articulação com

outros serviços e outros redutores de diversas regiões, de modo que se um

usuário não estiver frequentando um CAPS não significa necessariamente que

ele não está sendo cuidado por uma rede.

5.5 “Amigão da ambiência”

Das atividades que acontecem diariamente no CAPS adAO, três

possuem em seu nome uma palavra em comum: plantão de acolhimento,

reacolhimento e grupos de acolhimento. Há um nítido destaque para as

atividades que se dão em torno das ações de acolhimento. No entanto, para a

equipe, essas ações não devem acontecer somente nos espaços instituídos

para esses fins, sendo o acolhimento para além de uma atividade, uma postura

e um modo de estar no encontro com os usuários. Durante os períodos

observados, a partir das entrevistas e conversas realizadas, foi possível

acompanhar ações de acolhimento acontecendo durante festas, jogos de truco

ou em conversas pelos corredores. Encontros que acontecem do lado de fora

das salas de atendimento revelaram preciosos momentos de convivência, em

que trabalhadores do CAPS, usuários e seus familiares conversavam os

assuntos mais variados. A equipe também contou perceber diferenças entre os

modos de se conversar dentro das salas de atendimento e fora destas, nos

espaços que chamam de ambiência:

Aconteciam algumas coisas no final de semana ou na família

que ele contava pra mim e dentro da sala pra outro profissional

acabava não contando. E a equipe vendo essa relação que eu

tinha com ele sugeriu que eu fosse referência dele, junto com

outro profissional. A partir desse momento nem tudo o que ele

solicitava dava pra atender (...) então teve muitas negativas pra

ele então eu senti que a partir desse momento ele recuou um

pouco. Ás vezes ia conversar e ele se calava, falava pra outro

profissional, então acabei perdendo um pouco dessa relação.

(...) tanto que ele me chamava de amigão e daí ele viu que eu

não era mais o amigão da ambiência (trecho de entrevista

realizada em 09/02/2015).

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Para a equipe do CAPS adAO, a ambiência é o espaço onde há

convivência entre todos que circulam pelo serviço, onde acontecem encontros,

conversas informais e onde as situações se tornam mais imprevisíveis. Todos

participam da ambiência em algum momento, sendo que alguns trabalhadores

se sentem mais à vontade para conviver ali do que outros. O trabalhador nessa

função pode habitar esse espaço conversando com alguns usuários sobre

assuntos que vão desde a posição do Corinthians no campeonato brasileiro,

até compartilhar da sombra na calçada na hora de fumar um cigarro. Ás vezes

o profissional apenas circula pela casa, se mostrando disponível, outras vezes

propõe uma partida de truco ou outra atividade que reúna outras pessoas que

estão por perto, como um jogo ou uma roda de violão.

No trecho de entrevista apresentado, foi narrado um caso em que

usuário e trabalhador do CAPS tinham um vínculo mais próximo ao de amizade

quando podiam conversar informalmente. Quando este mesmo trabalhador

assumiu uma função de referência do usuário, percebeu uma significativa

mudança na qualidade desta relação: o trabalhador se viu na função de alguém

que deve dar respostas e muitas vezes de negar algumas solicitações,

enquanto o usuário já não o reconhecia mais como um amigo, alguém com

quem conversar e compartilhar acontecimentos de sua vida. O trabalhador

notou que se encontrava agora numa posição diferente, que implicava em

autorizar ou desautorizar os pedidos que o usuário lhe fazia, enquanto na

ambiência, quando não se via imbuído desse tipo de responsabilidade, era

considerado como alguém em quem se podia confiar assuntos que não eram

conversados num atendimento formal realizado dentro de uma sala. O

trabalhador relatou sentir tal mudança no vínculo de amizade como uma perda

na relação entre ambos, mas também notou como foi possível o mesmo

usuário buscar outra figura da equipe que frequentasse a ambiência e que

pudesse estar na função de amigo. Outros trabalhadores do CAPS também

relataram já ter vivenciado experiência semelhante e reconhecem a função de

amigo presente na ambiência como importante na construção dos projetos

singulares junto com os usuários:

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100

Eu vejo que às vezes eles criam um certo bloqueio de não falar

algumas coisas (para o profissional de referência) e dizem “ah,

não vou falar algumas coisas senão eu não consigo outras” e

às vezes mesmo você não sendo referência e conversando

com ele ali, ele tem confiança de passar algumas informações

que fazem total sentido até para o tratamento dele (Oficina

“Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

Observamos como as atividades de acolhimento como os plantões e

grupos, mesmo sendo abertos para a escuta e para a circulação da palavra,

possuem contornos pré-definidos de horários, escalas, salas, possuindo até

mesmo um repertório particular de perguntas e temas a serem conversados,

como vimos anteriormente. Já as práticas de acolhimento que aconteceram

fora desses limites apresentaram maiores variações, sendo a ambiência,

segundo a equipe, um lugar onde tudo pode acontecer.

A ambiência como prática no CAPS adAO não está dada de antemão e

tem sido frequentemente debatida em espaços coletivos de reuniões e

assembleias, onde planeja-se de que modo esse espaço pode ser habitado.

Por isso a preocupação que já houve um dia em responsabilizar um

trabalhador da escala de plantão pela gestão da ambiência em cada período do

dia. A equipe considera um espaço rico onde há mais oportunidades de se

conhecer os usuários para além de suas histórias com relação ao uso de

drogas, de conhecer os interesses que têm em outros assuntos e de se

produzir experiências de convívio no cotidiano.

Para a equipe as ações de acolhimento que se dão na ambiência são

marcadas pelos encontros informais com os usuários, através de conversas

menos imbuídas de linguagem técnica, além de um exercício de convivência na

qual os trabalhadores buscam se posicionar de modo mais lateralizado junto

aos usuários, podendo produzir vínculos mais próximos aos de amizade.

Reconhecem também que a prática da ambiência tem sido influenciada pelas

condições materiais da casa, sua localização, estrutura física e organização no

cotidiano:

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O Lisa é um bairro que não tem uma praça, tem a Praça da

Concórdia que não tem nem árvores, é um território que

precisa de muito investimento (...) já peguei falas deles

(usuários) dizendo terem que ficar muito na calçada, essa aqui

é a única sala que pode ser usada livremente quando não tem

grupo, se é dia de chuva ou de mais frio eu percebo até mesmo

um esvaziamento porque não é um lugar confortável pra passar

o dia, então esse é um ponto que precisamos nos debruçar pra

ser mais criativos diante de um cenário desfavorável. (Oficina

“Modos de acolher Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

A casa onde está funcionando o CAPS adAO tem atualmente pouco

mais de três anos e durante uma conversa a coordenadora contou como foi

demorado e difícil o processo para encontrar uma casa adequada para o

CAPS, sendo que a mesma precisou ser adaptada em diversos aspectos para

receber melhor os usuários:

Ela me mostrou os banheiros e disse que quando se

mudaram um dos banheiros não tinha janela, o que era

muito desagradável, porque as pessoas ficavam

envergonhadas de usar e o cheiro se espalhar pela

sala de espera, então foi preciso adaptar, fazer uma

janela (trecho do diário de campo, 16/10/2014).

Uma das primeiras impressões ao conhecer as dependências do CAPS

adAO foi a sensação de pouco espaço e de se andar por caminhos labirínticos,

entre corredores estreitos e cômodos pequenos; ao mesmo tempo existe uma

atmosfera bucólica, pouca poluição sonora, muita luz natural. Somando às

portas abertas da entrada do serviço, das salas e do refeitório, o clima é de

receptividade. A equipe relatou que no início de suas atividades, um dos

primeiros grupos que foram realizados foi chamado de oficina de ambiência:

Logo no comecinho (...) não tinha nenhum objeto de

decoração, não tinha planta (...) aí a gente fez essa oficina com

o intuito de que os usuários pudessem dar a cara deles para o

CAPS, aí teve um dia que a gente foi no CEASA e fez a

compra junto com eles, com plantas que eles gostariam que

tivessem aqui (...) eles foram fazendo algumas bandejas que

tem na cozinha, os quadros que tem na recepção, até as

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placas a gente colocou junto com eles. (Oficina “Modos de

acolher Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015)

A equipe relatou outros momentos em que houve a participação dos

usuários nas ações iniciais de cuidado com a casa, como a oficina com os

jovens que grafitaram de cores o muro do piso inferior, além de uma iniciativa

que possibilitou que um usuário realizasse um conserto de uma porta que há

muito tempo estava quebrada e atrapalhando o uso do banheiro. Nesse caso,

foi solicitado o trabalho de reparação para o próprio SSCF e diante da

demasiada demora da instituição em realizar o serviço um usuário ofereceu-se

para ajudar a consertar, processo que segundo a equipe se deu da seguinte

maneira:

Ele falou (o usuário) “se você tiver tais e tais ferramentas eu

consigo consertar” e achamos que fazia muito sentido, ele ficou

muito feliz, a referência dele acompanhou o processo. Tinha

um receio de como isso retornaria, se ele tinha a expectativa de

uma remuneração pelo trabalho, mas eu acho que tudo que

você implementa, quanto mais coletivo é o caminho mesmo, a

clínica mesmo foi dando diretrizes do que era possível.(...) Ele

se dispôs a ajudar e isso fez muito sentido pra ele, de se

apropriar do espaço também. (Oficina “Modos de acolher

Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

A oficina de ambiência não acontece mais e a equipe percebe que as

ações de cuidado com a casa estão cada vez menos frequentes, assim como a

participação dos usuários nesse processo. Alguns projetos que foram iniciados

não chegaram a ser concluídos e há uma compreensão de que o SSCF não

possui as mesmas condições de outrora para cuidar de seus serviços com

recursos próprios, restando ao próprio CAPS empreender de maneira mais

autônoma consertos, pequenas reformas e trabalhos de decoração da casa.

É notável que a participação dos usuários em tais atividades seja

tomada como parte dos projetos terapêuticos singulares, de modos que estes

têm sido construídos não apenas em torno da problemática de cada usuário

com relação ao uso de drogas, mas também em torno da cogestão da

convivência e da construção de propostas coletivas. Atualmente as práticas de

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acolhimento na ambiência do CAPS adAO têm se dado de modo menos

orientado em torno de alguma proposta ou atividade. Por isso o que se destaca

é a postura de acolhimento, os modos como cada trabalhador se posiciona

diante do exercício de convivência ao mesmo tempo em que mantém uma

atitude de disponibilidade e prontidão para acolher situações inesperadas ou

que necessitam de um cuidado imediato.

5.6 Acolhimento-conversa 39

Alguns trabalhadores da equipe do CAPS adAO não estão presentes na

escala do plantão de acolhimento e durante o período pesquisado não

apresentaram responsabilidades pré-definidas quanto ao seu papel no

acolhimento aos usuários. São os casos das funções de recepcionista, auxiliar

de higiene e assistente de farmácia. No entanto, ao perguntarmos você realiza

acolhimento dos usuários?, a resposta unânime foi sim, com a justificativa de

que o ato de conversar é um modo de se acolher em qualquer lugar ou

circunstância e ao mesmo tempo um modo de colher informações que podem

ser relevantes na construção de um projeto terapêutico singular:

(...) “porque numa conversa à toa eles falam muito e a gente

acaba coletando muita coisa”, ela disse. Contou que param

muitas pessoas naquela janela só para conversar. (trecho de

diário de campo, 15/03/2015)

Perguntei por que achava que o seu trabalho tinha a ver com o

acolhimento: “porque a gente conversa muito com eles (os

usuários), muito mesmo... e isso faz bem pra eles.” (trecho de

diário de campo, 10/04/2015).

Nas situações de acolhimento que foram acompanhadas durante os

plantões, em grupos ou na ambiência algum tipo de conversa estava presente

e as ações de conversar têm possibilitado que todos os trabalhadores se

39 Em referência à noção de “acolhimento-diálogo” discutido por Teixeira (2008). Aqui, a

palavra “diálogo” foi substituída pelo termo “conversa”, conforme apareceu nas falas dos

trabalhadores que participaram da pesquisa.

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reconheçam na função de acolher os usuários. Tal noção também apareceu na

fala de uma usuária, quando num encontro na ambiência perguntou a respeito

da pesquisa que estávamos realizando. A pergunta foi respondida e em

seguida lhe foi perguntado se ela sabia o que era acolhimento. A mesma

respondeu: sim, é quando a gente conversa e desabafa né?. Minutos antes

desse pequeno diálogo, a usuária estava debruçada no balcão da recepção

conversando com uma trabalhadora da equipe envolvida em atividades

administrativas:

(...) aquela usuária cujo acolhimento foi acompanhado na

semana passada veio em nossa direção, abriu um sorriso para

ela (trabalhadora na recepção) e logo começaram a conversar.

Ela está no leito-noite há dois dias e começou a contar de sua

vida e dos problemas que vêm enfrentando num tom carinhoso

que teve a reciprocidade da trabalhadora da equipe. (trecho de

diário de campo, 22/02/2015)

Na situação observada, a usuária chamou a trabalhadora pelo diminutivo

“inha” de seu nome, se aproximou sorridente e num tom afetuoso. A

trabalhadora respondeu de imediato com um largo sorriso e passou a escutar

as histórias que lhe eram contadas. Tais histórias envolviam longas internações

em comunidades terapêuticas, processos judiciais envolvendo a guarda de

seus filhos, violência doméstica e dificuldades para lidar com tarefas cotidianas.

Fragmentos de uma história de vida marcada por situações de sofrimento e dor

eram contadas para alguém em quem a usuária claramente tinha um vínculo

de confiança e sentia a reciprocidade de um afeto carinhoso. Ao final, de modo

leve e em meio a risadas, a usuária pediu uns conselhos para lidar melhor com

seus familiares.

Esse diálogo foi rápido, tendo durado em torno de dez minutos, mas

marcante quanto à postura da trabalhadora em acolher as histórias e o pedido

de ajuda que a usuária lhe fizera. Mesmo às voltas com tarefas administrativas,

em meio a papéis, computador, listas e outros instrumentos de trabalho, a

trabalhadora ofereceu escuta atenta durante toda a conversa, devolvendo os

sorrisos que a usuária lhe oferecia e desse modo assuntos complexos puderam

ser tratados de forma bem-humorada. Ao final, quando a usuária lhe pediu

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105

conselhos, a trabalhadora lhe fez algumas perguntas a respeito do que já havia

sido tentado anteriormente, demonstrando interesse em respondê-la de alguma

forma, tendo em seguida orientado a mesma a conversar com sua referência

também.

Para Teixeira (2008), quanto mais se conversa num serviço de saúde,

mais oportunidades terão usuários e trabalhadores de frequentar novos

encontros, ampliar seus vínculos e criar novas respostas para as situações que

enfrentam. Pudemos analisar o caso do usuário que ao ver seu amigão da

ambiência ocupando uma nova posição de referência, passou a lhe solicitar

apenas aquilo que entendia que seria autorizado, mas encontrou em outra

figura da equipe a possibilidade de reconstruir um vínculo mais próximo ao de

amizade. Ou ainda, o caso da usuária que a equipe de redutores de danos não

conseguiu abordar na rua, mas conseguiu conversar com todas as outras

pessoas que frequentavam o local de uso, que por sua vez passaram a

conversar com a colega a respeito de seu cuidado e lhe contar que os

redutores estiveram ali. Em ambos os casos podemos destacar a produção de

novos encontros e ampliação de uma rede de relações, ou ainda, uma rede de

conversações produzida por um modo de se acolher conversando: um

acolhimento-diálogo (Teixeira, 2008).

Conforme discutimos anteriormente as conversas que se dão nas

práticas de acolhimento no CAPS adAO acontecem de modos diferentes a

depender do tipo de relação que se estabelece entre um trabalhador e um

usuário. Dentro das salas de atendimento a conversa tende a ser conduzida

pelo trabalhador através de perguntas e por um olhar técnico especializado; na

ambiência, trata-se de assuntos mais corriqueiros e com linguagem informal;

na rua, usam-se gírias e a conversa geralmente acontece enquanto um usuário

ou grupo de usuários está usando drogas ou sob efeito do uso.

Se os repertórios linguísticos são utilizados de modos diferentes nas

conversas, havendo usos diversos para a noção de acolhimento, observamos

uma prática corporal comum: uma postura acolhedora durante a conversa,

caracterizada por escuta atenta, demonstrações de interesse por aquilo que o

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usuário está contando, o uso do tom de voz baixo e afetuoso, linguagem

acessível e a preocupação com os vínculos que se constroem com os usuários.

Ao discutir o tema do cuidado no campo de álcool e outras drogas,

Ramminger (2015) propõe ampliarmos a noção de substância, usualmente

utilizada como sinônimo de objeto, substância química ou psicoativa. A autora

destaca que existem outros significados dicionarizados para esse termo, como

por exemplo, para significar algo como necessário, ou até mesmo

indispensável, e nos convida a pensar em outros aspectos presentes no

cotidiano dos trabalhadores que atuam nesse campo, para além do objeto

droga:

(...) no âmbito das políticas públicas de saúde mental, também

se torna necessário algum grau de substantivação do trabalho

em saúde com usuários de drogas, ou seja, de descrição e

análise daquilo que os trabalhadores estão fazendo em seu

cotidiano assistencial: eles escutam, observam, telefonam,

conversam, cuidam, acompanham, encaminham, acolhem,

internam, prescrevem medicamentos, registram procedimentos

em documentos, constroem entendimentos e acordos

provisórios coletivamente e o que mais? (RAMMINGER, 2015,

p.14).

A autora destaca a importância de olharmos para uma multiplicidade de

ações que são realizadas quando se pretende atuar no sentido da produção do

cuidado integral e não somente na perspectiva da doença e da abstinência do

uso de drogas como condição para o tratamento. A expressão “e o que mais?”,

nos convida a considerar toda uma infinidade de ações possíveis de serem

criadas, de um potencial criador, inventivo presente nessa lógica do cuidado.

Procurando em outras fontes encontramos mais significados para o

termo substância e gostaríamos de destacar um deles para prosseguir em

nossas análises. Trata-se do uso desta palavra para adjetivar a parte mais

nutritiva dos corpos, aquilo que tem força, robustez e vigor40. A partir das

40 Disponível em http://www.dicio.com.br/. Acessado em 24/11/2015.

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situações que acompanhamos e analisamos neste trabalho, podemos afirmar

que diferentes modos de conversar têm potencial para criar uma diversidade de

modulações nas práticas de acolhimento no CAPS adAO, se configurando

como ações que nutrem e multiplicam as relações que se dão no cotidiano,

fortalecendo projetos, vínculos e produzindo assim mais substâncias para o

trabalho no campo de álcool e outras drogas.

As conversas que se dão no cotidiano também têm sido consideradas

pela equipe do CAPS adAO como estratégias para lidar com a circulação e

consumo de drogas no serviço. Atualmente são aproximadamente 400

usuários em processo de acolhimento41, além de novos usuários e seus

familiares que buscam o CAPS todos os dias. Trata-se de um local com grande

circulação de pessoas que tem algum tipo de relação problemática com drogas

e que chegam até ali buscando alguma resposta. O CAPS adAO tem operado

em seu cotidiano de trabalho com as práticas de acolhimento como

norteadoras do cuidado de forma a promover o acesso dos usuários às práticas

que envolvem escuta, convivência, respeito pelos diferentes modos de vida e

construção de vínculos e projetos.

Ao longo da pesquisa empírica pudemos acompanhar situações que

envolveram uso e porte de drogas por parte dos usuários dentro das

dependências do CAPS e tivemos a oportunidade de discutir esses temas junto

aos trabalhadores em conversas informais, nas entrevistas e durante a oficina

que foi realizada em junho de 2015. As questões que surgiram expressaram

que nesses casos as abordagens têm se dado com o intuito de conversar,

escutar e incluir o usuário nos desdobramentos dessas situações. Atualmente

existem combinados que delimitam algumas atitudes dentro das dependências

do CAPS adAO:

A gente não chama de regra, a gente chama de acordo, porque

a gente ao longo da construção do CAPS procurou fazer a

41 Segundo informações relatadas pela equipe, os usuários em processo de acolhimento são

aqueles que possuem um prontuário aberto na unidade e algum tipo de projeto terapêutico no

CAPS adAO, independente de sua frequência no serviço.

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construção de acordos no espaço da assembleia e aí na

medida do possível quando esses acordos eram feitos, estava

com uma dificuldade a gente retomava, tanto na assembleia

quanto nas rodas. (...) A gente combina essas três situações: o

uso de substâncias, violência e furtos, porque só tá liberado o

uso da medicação e do tabaco. (Oficina “Modos de acolher

Antônio Orlando”, realizada em 09/06/2015).

O espaço da assembleia citado no trecho tem acontecido semanalmente

às terças-feiras no período tarde, na sala grande no piso inferior, com

participação predominante de usuários e trabalhadores, embora seja aberto

para familiares e comunidade. Segundo a equipe, é nesse momento que

podem ser discutidas questões referentes ao cotidiano no CAPS, planejamento

de eventos, reivindicações variadas. É considerado um momento onde todos

podem ter voz ativa, se manifestar democraticamente e há um cuidado por

parte da equipe em se posicionar de modo lateralizado junto aos usuários,

propondo construções coletivas de projetos em comum.

O trecho apresentado refere alguns limites para circulação de drogas no

serviço. Há uma preocupação da equipe em enfatizar que não utilizam em seu

repertório linguístico a palavra “regra” e que os combinados com relação a

essas situações têm sido construídos entre trabalhadores e usuários nas

assembleias. As rodas citadas se referem às rodas de conversa, estratégia

encontrada para lidar com situações geralmente relacionadas a violações em

algum dos acordos e que a equipe avalia a importância de serem conversadas

no momento em que acontecem, sem a necessidade de aguardar a próxima

assembleia para poder dialogar a respeito.

Para os trabalhadores as rodas têm um papel importante na construção

dos combinados acerca da circulação de drogas no CAPS e de outras

situações, no entanto percebem que existe um risco dessa estratégia perder

sua potência nos períodos em que acontece com maior frequência. No início do

funcionamento do CAPS adAO, as rodas aconteciam esporadicamente e tinha

um potencial instituinte de criar novos acordos para a convivência no serviço.

Com o tempo, as rodas passaram a se tornar mais frequentes, devido às

constantes situações consideradas como violações dos acordos coletivos.

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109

Atualmente a equipe acredita que a estratégia das rodas de conversa passa

por um processo de naturalização de seus sentidos, com repetição dos temas

abordados, dos acordos pactuados e há sensação de desgaste por parte dos

trabalhadores. Como efeito, têm acontecido menos rodas de conversas com os

usuários no CAPS adAO:

Minha impressão é que os fatos passaram a ser tão frequentes

que perdeu o sentido de fazer roda toda hora, porque é uso

aqui dentro, as intercorrências, as agressões (...) estava tão

comum que isso foi tendo um esgotamento (...) porque fazer

roda é uma caminho que nós escolhemos, de construir com

eles, mas é bastante trabalhoso né, aquela situação em que o

usuário ta tomando um corote aí senta todo mundo do serviço,

eu também fiquei com essa sensação que isso tava difícil pra

manejar. (Oficina “Modos de acolher Antônio Orlando”,

realizada em 09/06/2015)

A equipe acredita que uma das razões para ter havido um aumento na

frequência das rodas de conversa está no caráter provisório dos acordos

pactuados. Para os trabalhadores, tal provisoriedade expressa os próprios

processos dinâmicos vivenciados no cotidiano do CAPS adAO, o que torna a

proposta das rodas complexa, mas também possibilitou maiores flexibilizações

nos combinados, que não são definitivos e estão abertos para serem revistos

ou modificados a qualquer momento. Esta característica dinâmica na

construção dos combinados, que leva em consideração as singularidades das

situações que se dão num cotidiano sempre em movimento, parece seguir a

mesma lógica que se apresenta na construção dos projetos terapêuticos

singulares. No CAPS adAO, conforme exposto anteriormente, os PTS são

discutidos constantemente entre as mini-equipes e entre os profissionais de

referência e usuários, de modo que estão sempre em negociação, nunca

definitivos ou inalteráveis.

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110

5.7 Acolhimento e indisciplinas

A equipe identificou que no processo de construção de acordos para

lidar com a circulação de drogas no serviço, muitas vezes os próprios usuários

sugerem medidas repressivas e punitivas como respostas para essas

situações, como expulsão do serviço, denúncia à polícia e revista de pertences

pessoais. Tais práticas, comumente acionadas em ambientes de internações

em clínicas psiquiátricas, comunidades terapêuticas e também no sistema

carcerário, às vezes aparecem maciçamente no discurso dos usuários do

CAPS adAO, mesmo em espaços de caráter democrático como assembleias e

rodas de conversa. Tais referências que os usuários fazem de medidas

repressivas denunciam os modos como o tema das drogas ainda é tratado de

forma hegemônica no Brasil, entre instituições psiquiátricas, religiosas e de

justiça, que operam pelo ideal da abstinência do uso de drogas de modo

imperativo, através do controle e supressão das diferenças.

Para Souza (2012) a articulação entre essas três instituições tem

mobilizado historicamente através de seus aparatos disciplinares a produção

da imagem do usuário de drogas imediatamente associada à imagem de um

sujeito doente, imoral e criminoso, condenado perpetuamente a ser vigiado

nesta condição. Outro efeito dessas lógicas pôde se expressar durante uma

conversa com uma das trabalhadoras responsáveis por auxiliar os usuários na

hora do almoço no CAPS adAO:

Ela contou que acompanha o almoço todos os dias e que

geralmente é tranquilo, em torno de 15 pessoas. Disse que às

vezes perguntam a ela: “por que enquanto a gente tá

almoçando você fica aqui?” Ela responde: “porque alguém

pode derrubar alguma coisa e precisar de ajuda, ou alguém

pode até passar mal, engasgar e precisar chamar alguém da

equipe para socorrer”. Acho que às vezes eles pensam que a

gente tá aqui par ficar vigiando eles, já me perguntaram se a

gente fica lá pra ver como é que eles comem como eles se

comportam, mas não é isso. É pra ajudar com alguma coisa se

eles precisarem. (trecho de diário de campo, 19/04/2015).

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111

Por isso, mesmo considerando os processos de construção de acordos

mais trabalhoso e complexo do que trabalhar com regras rígidas, a equipe

insiste no compromisso com a inclusão dos usuários na criação de arranjos

coletivos e aposta no diálogo para produzir respostas diferentes, não punitivas

e que convidem todos a lidar no caso a caso com as situações que envolvem a

circulação de drogas no CAPS:

A minha impressão é a de que é muito mais fácil ter uma regra,

que a gente tinha menos conflitos entre nós enquanto a gente

conseguia ter uma regra mais rígida e as condutas eram as

mesmas independente da situação ou do usuário.(...) mas a

gente não trabalha dessa forma, trabalhamos com projeto

terapêutico singular e às vezes um sujeito que fez uso aqui

dentro vai ter indicação de ir embora e outro vai ter indicação

de não ir embora e aí que está o desafio e a delicadeza dessa

clínica. Tanto nós profissionais nos debruçarmos nessas

diferenças como nessa construção coletiva, porque isso já

aparece na fala deles. (Oficina “Modos de acolher Antônio

Orlando”, realizada em 09/06/2015)

A equipe reconhece que ter regras rígidas torna o seu trabalho menos

complexo, pois basta aplicar a regra independente das múltiplas variáveis em

jogo em cada situação. A aplicação de regras, portanto obedeceria sempre o

mesmo inflexível e curto caminho. Os trabalhadores afirmaram atuar de outros

modos, a partir das singularidades, das variações ou do que se diferencia em

cada circunstância, considerando atualmente como toleráveis algumas práticas

relativas à circulação de drogas que antes eram respondidas com maior

rigidez. Os efeitos das flexibilizações podem ser percebidos nos modos de se

acolher os usuários:

(...) e eu percebo aqui no nosso CAPS usuários que só vêm

intoxicados, por exemplo, o X. eu nunca vi o X. sem estar sob

efeito de substâncias (...) o dia que ele não estava intoxicado

tinha alguma coisa de errado, ele tava mais angustiado, foi

aquele dia do futebol. Foi quando ele perdeu a referência, ficou

mal, ele chegou sóbrio. (Oficina “Modos de acolher Antônio

Orlando”, realizada em 09/06/2015)

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112

Este caso, tomado pelos trabalhadores durante a oficina para analisar

situações em que ocorrem flexibilizações nos combinados, refere-se a um

usuário que frequenta o CAPS adAO diariamente, que convive na ambiência,

participa de atividades, chama a todos pelo nome e que também é conhecido

pelas pessoas que circulam pelo serviço. Não são raros os dias em que chega

alguém sob efeito do uso de álcool ou que faz uso dentro das dependências do

CAPS de forma discreta, sendo percebido quando já está demasiadamente

ébrio. Foi discutido durante a oficina como anteriormente os trabalhadores se

sentiam incomodados e inclinados a limitar de alguma forma a circulação do

usuário mencionado no serviço dessa maneira. No entanto, a partir de

processos de vinculação que se deram entre trabalhadores e usuário, foi

possível perceber que o mesmo não deixava de ir ao CAPS, mostrava

interesse nas festas, jogos de truco e conversas na ambiência e que chegar

alcoolizado era o modo como ele podia acessar o cuidado no CAPS adAO, já

que nunca se apresentara de outro modo anteriormente. A equipe então

passou a flexibilizar alguns acordos para atender às singularidades expressas

nesse caso, até que um dia esse usuário se apresentou sóbrio.

Num modelo de tratamento tradicional pautado pelo paradigma da

abstinência, este seria um dia para se comemorar o afastamento que se deu

entre o usuário e a droga. Entretanto, a equipe do CAPS adAO ao notar um

movimento diferente produzido pelo mesmo, se interessou, escutou e percebeu

que havia ali algo a ser cuidado, para além do uso abusivo de álcool. Ele

possuía um vínculo muito potente com um trabalhador do CAPS que acabara

de deixar sua função, o que o impactou ao ponto de se produzir um movimento

totalmente inédito aos olhos da equipe, que por sua vez passou a acolhê-lo de

outros modos.

Algumas flexibilizações de combinados puderam ser acompanhadas

durante a pesquisa empírica. Certa vez durante uma conversa na sala de

equipe uma trabalhadora contou que iria conversar com um usuário de sua

referência que estava portando drogas dentro do serviço e deixou a mesma

cair, sendo descoberto. Segundo ela, o objetivo dessa conversa era negociar

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113

com ele o que poderia ser feito a respeito de tal situação, que violava um dos

combinados pactuados coletivamente:

No caso do usuário que portava drogas, conseguiram negociar

que ele poderia esconder ou guardar a droga fora do CAPS

para buscar depois (pois estava indo para o leito noite) e ele

próprio disse que havia parado de fumar crack e estava só

fumando maconha então achava que a equipe estava errada

em repreendê-lo. (trecho de diário de campo, 23/01/2015)

Neste trecho podemos observar duas alternativas propostas para se

lidar com essa situação: esconder ou guardar a droga em algum local fora das

dependências do CAPS adAO. Em nenhum momento lhe foi solicitado

descartar um objeto que lhe pertencia, ou imposta uma punição. O usuário

optou por esconder a droga num local dos portões para fora onde somente ele

saberia, para que pudesse busca-la quando retornasse do leito-noite. É

interessante notar como o mesmo intervém nessa situação, questionando a

equipe ao dizer que o estavam repreendendo numa situação que poderia ser

olhada pelas lentes da redução de danos com a substituição do crack pela

maconha, droga que considera ter efeitos menos prejudiciais para si. Neste

caso, a conversa se deu em tom de negociação para pactuar um novo acordo,

ao mesmo tempo em que se produziu um questionamento, abrindo espaço

para a própria equipe analisar sua posição.

Durante a conversa em que a trabalhadora relatou esse caso, lhe foi

perguntado se eram comuns as situações em que se negociam a circulação de

drogas dentro do CAPS adAO. A mesma respondeu que os combinados

pactuados sempre são retomados, mas seus propósitos são analisados no

caso a caso, pois os acordos feitos não servirão a todos da mesma maneira.

Diferentemente da regra, os combinados não são aplicados uniformemente,

mas são discutidos enquanto contratos acordados em coletivo e estão sujeitos

a serem modificados quando se mostrarem insuficientes. Outra profissional da

equipe ao escutar se aproximou para contar que certa vez um usuário fez uso

de crack na sua presença, enquanto era acolhido individualmente dentro de

uma sala:

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114

No final da manhã a equipe me contou alguns casos

interessantes. Em um deles, o usuário usou crack dentro da

sala de atendimento, deu uma tragada. A trabalhadora que

estava com ele disse que fez sentido no contexto, que foi uma

intervenção dele com a equipe. (Trecho de diário de campo,

23/01/2015).

Mas de que maneiras é possível considerar como uma intervenção o ato

de um usuário fazer uso de crack durante um atendimento? Essa pergunta

pôde ser realizada posteriormente em uma das entrevistas realizadas, na qual

o caso foi narrado com mais detalhes. Trata-se de um rapaz que ia ao CAPS

adAO somente nos dias que ele escolhia, independente do que havia sido

combinado com sua referência. Esta, ao perceber tal dinâmica passou a se

colocar prontamente disponível para acolhê-lo quando o via entrando pelo

portão, independente se estava no plantão de acolhimento ou não. Muitas

vezes ela não compreendia o que ele lhe dizia, seu discurso era confuso e às

vezes falava em outras línguas de modo ininteligível; ele por sua vez,

tampouco solicitava para conversar e nunca mencionava qualquer tipo de

problema ou sofrimento relacionado ao uso de crack que fazia. Geralmente

apresentava-se sujo, com a barba por fazer e sempre pedia para tomar banho,

o que era autorizado. Pouco a pouco foi se dando um processo de vinculação:

(...)a dinâmica que se instaurou foi: ele vem, pede uma

conversa comigo ou eu chamo ele pra uma conversa (...) aí a

gente faz uma conversa que não dura cinco minutos, ele pede

um banho, aí ele toma um banho e pede pra conversar depois

do banho. Então tem sido assim. Não tem dia certo pra ele vir,

não tem hora certa. (trecho de entrevista realizada em

30/11/2015)

A trabalhadora contou como mesmo em meio a imprevisibilidade que

envolvia seu retorno ao CAPS, os encontros que aconteciam seguiam sempre

esse mesmo compasso: chegar, cumprimentar, tomar banho e conversar. A

postura de acolhimento estava sempre ativada, pois não dependia da

organização mais rígida da escala do plantão para a acolhida acontecer. Até

um dia em que ele, respondendo às suas tentativas de conversar acerca do

uso de crack, propôs algo diferente:

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115

(...) ele começou a ter uma postura assim “então vamos falar

de drogas, é de drogas que a gente tem que falar, então eu vou

falar de droga. Isso é o crack, isso é a piteira”, só que ele só

me mostrava (a droga no seu bolso) e enquanto ele me

mostrava eu ia falando “ah você tá usando, tá usando quanto,

você usa como, usa com quem, usa que horas, o que sente

quando usa?”, aí ele começou a dizer que ele gostava de vir

aqui intoxicado porque ele se acha uma pessoa muito séria,

calada, sem graça sem o uso da droga (...) contou inclusive

que usava o crack escondido durante o banho pra conseguir

conversar comigo depois. (trecho de entrevista realizada em

30/11/2015).

É importante destacar que até esse momento o usuário pouco falava de

si mesmo ou de outros assuntos. Por isso sua referência escutou tal atitude

como um movimento diferente produzido pelo usuário e passou a demonstrar

seu interesse por aquilo que estava lhe mostrando, ainda que estivesse sendo

violado o combinado de não portar drogas dentro das dependências do CAPS

adAO. A partir de então, todas as vezes que o usuário ia ao CAPS, a procurava

para contar um pouco mais do que ele sabia sobre drogas e também para

mostrar mais algum item que utilizava durante o consumo. Com isso, outros

assuntos puderam ser conversados, até que um dia enquanto mostrava os

objetos que havia trazido, preparou um cachimbo e acendeu dentro da sala de

atendimento:

(...) eu fui percebendo que ele tava montando ali e eu pedi “não

fuma aqui por favor” e ele tava muito desorganizado naquele

dia e ele acendeu ele deu um trago. E eu repeti, ”assim não vai

dar pra gente continuar conversando”, ele falou, “não, só foi

essa” e guardou. Aí em seguida ele falou “isso é pra você

conseguir continuar conversando comigo porque agora você

sabe o que é o crack e como que fuma” (...) como se naquele

momento eu estivesse partilhando da mesma experiência. (...)

Em seguida eu interrompi a conversa, oferecendo para ele um

café, ele aceitou, a gente desceu e aí eu não tava entendendo

nada direito do que ele tava falando, frases incoerentes,

falando em outra língua... aí eu perguntei se eu podia chamar a

psiquiatra pra conversar junto, ele aceitou, eu chamei ela, a

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gente ali tomando café e conversando, ele aceitou uma

medicação. (trecho de entrevista realizada em 30/11/2015)

No caso apresentado, a profissional de referência acompanhou durante

aproximadamente dois anos um usuário que frequentava o CAPS adAO fora

dos horários combinados, que não participava de grupos e atividades

oferecidas, que pouco mostrava interesse em conversar e que chegava no

serviço sob efeito de ou portando drogas, chegando a revelar que

frequentemente fazia uso dentro das dependências do CAPS enquanto tomava

banho. A trabalhadora relatou que durante todo esse tempo, discutiu o caso em

equipe e que não havia um consenso geral com relação aos modos como vinha

conduzindo a situação, mas que mesmo assim encontrou apoio dos colegas,

que pouco a pouco também apostaram na produção de um vínculo de

confiança a ser construído a partir desse modo de acolher.

Schmidt (2013) ao acompanhar as práticas de acolhimento em um

Centro de Saúde Escola na cidade de São Paulo (SP) analisou os modos como

alguns usuários burlam certas exigências da instituição para conseguir acessar

o cuidado num contexto onde há escassez de recursos. Para terem

respondidas suas necessidades de saúde com maior agilidade, falsificam

receitas, escondem cartões de agendamento, omitem ter faltado em alguma

consulta. A autora percebeu que tais atitudes comumente encaradas pela

equipe como desobediência, quando avaliadas no caso a caso podem

expressar as maneiras como os usuários se apropriam ativamente daquilo que

lhe é ofertado, criando caminhos alternativos para acessar o cuidado. Tais

“anti-disciplinas” ou “indisciplinas” quando analisadas pelos trabalhadores em

suas formas singulares, forçam certos aparatos burocráticos, produzindo

flexibilizações na organização dos serviços. Desse modo, é possível considerar

tais indisciplinas como um modo de os usuários resistirem à burocratização do

acesso ao cuidado no cotidiano interferindo na gestão dos processos de

trabalho e insistindo na criação de novos caminhos para a resolução de suas

necessidades (SCHIMIDT, 2013).

A partir do trecho de entrevista narrado, observamos como durante todo

o tempo foi possível manter um diálogo e continuar negociando os próximos

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117

passos a serem dados: a interrupção do atendimento, o convite para um café e

a introdução de um novo membro da equipe nesta relação, ampliando uma

rede de conversações. A trabalhadora relatou ter percebido um fortalecimento

do vínculo entre ambos após essa situação e uma ampliação no repertório das

conversas que se dão, possibilitando uma continuidade na co-construção de

um projeto terapêutico singular do usuário no CAPS adAO.

Vimos como no CAPS adAO, embora existam combinados que limitam a

circulação de drogas no serviço, estas situações são cotidianas. No entanto,

diferentemente das lógicas da regra e da punição, a equipe têm atuado com

postura acolhedora, apostando nas relações singulares que se dão entre

usuários e trabalhadores e na produção de novas respostas pela via do diálogo

e da construção de vínculos de confiança. Com relação aos casos

apresentados e tomados nesse estudo como analisadores, é importante

destacar que os trabalhadores apostam nas flexibilizações de combinados

quando contribuem para a singularização do cuidado, devendo se construir

junto com cada usuário um caminho diferente a ser trilhado. Assim, mesmo

indisciplinas podem acontecer de modo cuidadoso, produzindo sentidos dentro

de um projeto terapêutico e podendo ser acolhidas imediatamente quando

ocorre algum imprevisto. Outro aspecto que merece destaque é o diálogo

constante que há entre os trabalhadores, de modo que mesmo quando não há

um consenso em relação à condução dos casos, é possível compartilhar as

experiências, os seus efeitos e ter o acolhimento dos próprios colegas em

momentos de maior dificuldade.

Neves e Heckert (2010) nos convidam a pensar o acolhimento em saúde

a partir da questão do acesso, nos provocando com as perguntas: “como e o

que temos acolhido em nossas práticas de cuidado?” e “o que se quer acolher

nos processos de produção de saúde?” (p.154), propondo a superação do

entendimento a respeito do acesso numa dimensão exclusivamente espacial,

administrativa ou relativa a atitudes voluntaristas por parte dos trabalhadores.

As autoras referem que tais aspectos tendem a apresentar um viés moral

diante dos usuários, que por sua vez irão considerar o acolhimento como uma

etapa a ser vencida ou como um favor que está lhe sendo concedido.

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118

O que pudemos observar com relação às práticas de acolhimento que se

dão no CAPS adAO, são processos mais complexos, que vão além de

organizar um fluxo organizacional ou da boa educação, convocando os

trabalhadores a atuarem de maneira implicada, interrogando a si próprios no

encontro com os usuários. Desse modo, o que se acolhe por entre fichas e

prontuários, portas e portarias, almoços e cafés está necessariamente

relacionado aos modos como cada trabalhador lida de modo único e particular

com as situações que lhe são apresentadas, com suas escolhas, suas

experiências e ainda, com os impasses que se produzem no campo das

drogas.

Trabalhar de modo tão próximo à movimentos de vida classificados e

julgados hegemonicamente como imorais, patológicos e criminosos é parte do

que se vivencia no cotidiano do serviço, pois são muitos os usuários que

procuram o CAPS adAO reproduzindo discursos de impotência, doença e culpa

tal como reverberados pela mídia e pelas instituições por onde já passaram.

Nesse sentido, trabalhar a partir de uma lógica curativa ou prescritiva só

permitiria acolher aqueles que se apresentassem de acordo com as normas e

exigências instituídas, muitas das quais o CAPS adAO e seus trabalhadores

também estão sujeitos a responder, numa sociedade onde a circulação de

muitas drogas é ilegal. Nessa lógica, o acesso espacial poderia ser garantido,

assim como a boa educação, porém estariam inviabilizadas expressões mais

singulares de vida, aquilo que diferencia cada sujeito. Aquilo que se mostra em

sua potência transformadora, estaria barrado e excluído educadamente em

nome do que já está estabelecido.

Compartilhar do cigarro após o almoço, usar um palavrão durante uma

conversa, pixar um muro, preocupar-se quando alguém aparece sóbrio, ceder o

microfone numa festa para alguém que está alcoolizado e tem algo a dizer,

testemunhar cenas de uso, ser indisciplinado junto. E por entre tudo isso,

também seguir combinados, planejar processos de trabalho, ter horários, seguir

protocolos. Tais situações observadas no CAPS adAO de perto, ou narradas

pelos trabalhadores, nos mostraram modos diversos de acolher imbuídos de

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responsabilidade, de criatividade, dando mais substâncias para o cuidado

produzido a partir do diálogo e da cogestão no cotidiano.

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120

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acompanhamos a equipe do CAPS ad Antônio Orlando nas ações de

acolhimento realizadas junto aos usuários do serviço. Encontramos as portas

abertas para observar, perguntar e conversar acerca dos diferentes modos

como tais práticas acontecem no dia a dia e seus efeitos na produção do

cuidado dos usuários. Observamos os modos como o acolhimento vai se

desenhando tanto como metodologia de trabalho como para o arranjo

organizacional do serviço, num modelo híbrido entre as tecnologias de cuidado

leve-duras e leves.

O acolhimento se apresentou como eixo norteador do cuidado no CAPS

adAO, em torno do qual se realizam atividades como grupos de acolhimento,

escuta inicial de novos usuários, seus familiares, abordagens de redução de

danos e rodas de conversas para acolher determinadas situações no coletivo.

No entanto a abertura que nos foi dada pela equipe para a realização da

pesquisa nos conduziu por caminhos com múltiplas entradas, possibilitando um

olhar ampliado para as práticas de acolhimento que se dão para além dos

espaços ou funções instituídas para isso. Chamou-nos muito a atenção a

presença de uma postura acolhedora por parte dos trabalhadores em

momentos em que aparentemente nada estava acontecendo, como em

conversas de corredor, bate-papos na janela da farmácia ou um mero jogo de

truco na ambiência.

A postura de acolhimento esteve presente na atuação de todos os

trabalhadores com quem conversamos e cada um deles se reconheceu de

algum modo na função de acolher, independente de seu núcleo profissional ou

cargo. No CAPS adAO o que tem tornado as práticas de acolhimento múltiplas

é o conjunto de diferentes funções sendo acionadas, somadas aos estilos e

experiências de cada trabalhador, além da disponibilidade em acolher aquilo

que difere e se singulariza nos encontros com os usuários.

O fato de os trabalhadores terem responsabilidades distintas com

relação ao acolhimento dos usuários provoca a equipe a discutir as diferenças

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121

entre os núcleos profissionais, abalando certas barreiras disciplinares.

Conforme nos foi contado no decorrer da pesquisa, a participação de alguns

trabalhadores na composição do plantão de acolhimento e a coordenação dos

grupos de acolhimento são temas frequentemente evocados em reuniões de

equipe e de planejamento. Acompanhamos casos em que não foi possível a

inclusão de alguns profissionais nessa função, assim como outros casos em

que isso aconteceu. Tais situações foram debatidas e acordadas entre todos

da equipe, o que nos indica que tais distinções entre funções não produzem

fragmentações nos processos de trabalho. As diferenças nos modos de acolher

não nos indicaram uma hierarquização entre os núcleos profissionais, mas a

valorização das diferentes formas de se acolher os usuários.

A noção de função diacrítica forjada no campo da Psicoterapia

Institucional discute a importância das distintividades em um serviço de saúde

mental (MOURA, 2003). O diacrítico nessa perspectiva refere-se àquilo que

produz distinções que possibilitam um olhar mais atento para os mínimos

acontecimentos, evitando que as situações mais corriqueiras se tornem

indiferentes aos olhos da equipe. Esta, por sua vez, se tornará mais sensível

aos processos de singularização e às expressões das diferenças, evitando sua

diluição e invisibilização em meio ao cotidiano institucional.

A equipe do CAPS adAO tem engendrado condições para que o

acolhimento opere uma função diacrítica na produção do cuidado dos usuários:

as portas abertas, a livre circulação dos usuários, a convivência, os diferentes

modos de conversar, as diferentes possibilidades de vínculos que se

produzem, a multiplicidade de redes de conversas que se conectam, as

flexibilizações de acordos e a constante preocupação em discutir os processos

de trabalho e as situações vivenciadas. Tais condições, somadas a suportes

concretos que se repetem no dia a dia, formam um praticável42, possibilitando

que tais arranjos sejam postos em ação (MOURA, 2003).

42

A noção de praticável é discutida no campo da Psicoterapia Institucional e também aparece no

dicionário como aquilo que pode ser colocado em prática ou em uso. No teatro, praticável se refere à

estrutura cenográfica móvel que facilita a movimentação dos atores sobre o palco. Disponível em:

<http://www.dicio.com.br/praticavel/>. Acessado em: 09.01.2016.

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122

Gostaríamos de destacar a função da gestão no CAPS adAO. Pudemos

observar como não está rigidamente fixada na figura do gestor, é dinâmica e há

espaço para circular por entre todos que desejem ocupá-la, havendo inclusive

espaços instituídos para isso. No entanto não são apenas nestes espaços que

a cogestão no CAPS acontece. Observamos situações em que decisões e

encaminhamentos foram tomados sem uma necessidade imperativa do gestor.

Foram casos em que os trabalhadores organizaram-se entre si para lidar com

determinadas situações, ou reuniram-se junto aos usuários em rodas de

conversa e em alguns casos individualmente. Há um exercício de autonomia

por parte dos trabalhadores que podem lançar mão de seus conhecimentos e

potencialidades, desde que suas intervenções sejam compartilhadas e

discutidas, ampliando os repertórios da equipe na construção dos projetos de

cuidado.

Essa autonomia exercida pelos trabalhadores fortalece sua potência

criativa para acolher determinadas situações e reavaliar respostas que já não

funcionam mais, como nos casos em que há circulação de drogas no serviço.

Vimos que, ao mesmo tempo em que há violação de combinados, são nesses

casos que a equipe se mostrou mais criativa e disposta a escutar os usuários e

produzir novas respostas, na perspectiva do acesso e não da repressão ou

punição.

Observamos atitudes de protagonismo dos usuários diante das relações

de poder que se estabelecem, como no caso da usuária que surpreendeu a

equipe ao acionar o SAMU e pedir ajuda com seus próprios recursos, ou como

o caso do usuário que pouco a pouco foi estabelecendo suas próprias

exigências para conversar com sua referência. Tal protagonismo também se

apresentou nas construções coletivas em torno da gestão da convivência no

cotidiano. Trata-se de uma equipe que dirige o olhar para um sujeito em sua

complexidade e que busca produzir desvios nas formas instituídas das

classificações nosográficas e do entendimento hegemônico naturalizado que

condena o usuário de drogas a uma condição de impotência.

Foram muitas as informações registradas e optamos por focalizar

nossas análises em torno da multiplicidade dos modos de acolher no CAPS ad

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123

Antônio Orlando e seus efeitos potentes. Não pudemos deixar de olhar, no

entanto, certos aspectos que inevitavelmente nos remeteram às práticas

tradicionais pautadas pelas lógicas da tutela e da patologização. No decorrer

de nossas observações, conversas e entrevistas, estranhamos a presença de

elementos característicos do modelo psiquiátrico tradicional, tanto nas relações

entre trabalhadores e usuários, como nas rotinas estabelecidas dentro do

CAPS adAO.

Chamou-nos a atenção a existência de um grupo de alcoolistas. Trata-se

de um espaço instituído para acolher pessoas que frequentam o CAPS adAO e

que apresentam algum tipo de sofrimento relacionado ao uso de álcool. A

nomeação “alcoolista”, no entanto remete a uma classificação diagnóstica

apresentada pelo DSM V43, que enfatiza a droga e seus efeitos patológicos de

acordo com certo padrão de consumo, reduzindo as múltiplas variações

possíveis nas experiências de uso. Por isso, o grupo de alcoolistas

inevitavelmente nos lembrou de práticas que focam a droga e a doença e não

os sujeitos em sua complexidade. Tal reflexão nos produziu interrogações

acerca dos motivos para a equipe utilizar tal nomenclatura, sendo tão

claramente comprometida com os processos de desinstitucionalização do

discurso do dependente químico. Tal interrogação também surgiu com relação

à utilização da palavra tratamento, uma vez que ali não se pretende trabalhar

numa perspectiva curativa ou prescritiva e sim pelas vias do cuidado integral e

da clínica ampliada.

Estão presentes ainda outras práticas que remetem, ainda que com

outras proporções, às tradições asilares. É o caso da contenção física de

usuários em situações que envolvem agressividade. Conforme nos foi contado,

tal prática embora aconteça muito raramente, constrange a equipe, provoca

discussões e reavaliações dos processos de trabalho. Além disso, o

encaminhamento de usuários para internação psiquiátrica é frequente, mesmo

cada caso encaminhado sendo discutido criteriosamente.

43

Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, 5ª Edição.

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124

Tais interrogações não puderam ser desdobradas junto aos

trabalhadores do CAPS adAO e por isso são apresentadas aqui para que não

passem despercebidas, invisíveis aos olhos do pesquisador. No capítulo

anterior narramos situações em que os próprios usuários expressam seu saber

com relação aos modos como a questão do uso de drogas é tratada no Brasil,

entre os campos jurídico e psiquiátrico. Numa das últimas conversas realizadas

no CAPS adAO, uma trabalhadora responsável por ajudar os usuários na hora

do almoço contou já terem lhe perguntado se ela estava ali para vigiá-los, ao

que ela respondeu que sua função era a de ajudar caso alguém passasse mal

ou derrubasse algo.

Tais situações nos indicaram o poder das lógicas psiquiátricas

tradicionais, que também resistem e forçam uma serventia, podendo reforçar

aquilo que se busca superar. Para Souza (2012), “se uma estratégia fracassa

há séculos e ainda mantém um valor de uso para a sociedade é porque esta

estratégia cumpre uma função que se ajusta e se potencializa no próprio

fracasso” (p. 45). Chamou-nos a atenção a insistência de tais práticas em

restarem e continuarem se reproduzindo ainda que raramente ou

discretamente, em forma de resquícios quase imperceptíveis. Em um CAPS ad

claramente comprometido com as atuais políticas públicas no campo da saúde

mental álcool e outras drogas e cujas práticas são postas em análise

cotidianamente, há que se continuar interrogando tais situações, para que

novas respostas possam ser produzidas.

Gostaríamos de mencionar alguns momentos no decorrer da pesquisa

em que fomos atravessados pela conjuntura institucional atual. Vivenciamos

períodos de greve, conflitos entre a equipe do CAPS adAO e instituições que

tensionaram pedidos de internações compulsórias, atrasos de salários. Em

meio a tudo isso, tivemos a oportunidade de presenciar o momento em que os

trabalhadores receberam e acolheram a equipe contratada para atuar no novo

CAPS ad que estava para ser inaugurado, convidando-os a participar de suas

reuniões, do trabalho no cotidiano e assim comporem uma rede de cuidados.

Não pudemos nos dedicar a estudar os modos como a equipe do CAPS adAO

têm construído ações de acolhimento em articulação com outros serviços da

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125

rede, mas acompanhamos algumas discussões de casos compartilhados com

outras equipes, como o S.O.S Morador de Rua, o CAPS Integração (CAPS III)

e a Defensoria Pública de Campinas.

O CAPS adAO, ao operar a partir do modelo psicossocial, pela lógica do

cuidado integral e segundo princípios da redução de danos, se propõe a

manter suas portas abertas para o acesso dos usuários tanto ao seu espaço

físico como para o acolhimento de suas questões e necessidades. Através de

diferentes modos de se conversar, produzem-se variadas conexões e

combinações entre escuta, convivência, construção de vínculos e de projetos

que dão mais substância para o cuidado produzido. Para a equipe, acolher não

é simplesmente ouvir e dar uma resposta já pronta, uma atitude de autorizar ou

desautorizar pedidos e nem uma questão de educação. Trata-se de se

interessar pelo que o outro está dizendo ou expressando de algum modo. Nas

conversas e entrevistas os trabalhadores contaram suas experiências de

acolhimento dos usuários com riqueza de detalhes, sem pressa alguma e num

tom afetivo, incluindo o que sentiram em cada situação narrada.

O cuidado no CAPS adAO tem como um de seus princípios a atitude de

acolher o outro em sua complexidade, mesmo que isso signifique escutar o que

nunca foi ouvido, olhar quando não se quer ver e quebrar regras que nunca

haviam sido quebradas. Cada conflito é provisório e se revezará com outros,

ainda por virem. Desse modo é possível dar acesso em nós àquilo que ainda

não existe, mas está em vias de diferir e de ser único. Àquilo que se

manifestará em toda sua potência.

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136

ANEXOS

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137

OFICINA “MODOS DE ACOLHER ANTÔNIO ORLANDO”

TRECHOS ELABORADOS PARA A ATIVIDADE

1- “Existe um plantão de acolhimento. Na lousa da sala de equipe fica anotada uma

escala com os períodos manhã e tarde e ao lado espaços em branco para que os

próprios profissionais preencham conforme eles possam cobrir um ou outro período.

Durante uma conversa na sala de equipe discutimos que o acolhimento abarca muitas

coisas: avaliar leitos-noite, receber usuários novos, evoluir prontuários, etc. Já o

“reacolhi” é abreviação de recolhimento, em que pacientes que abandonaram o

tratamento retornam depois de algum tempo. A pressão do horário pode interferir nos

modos de realizar o acolhimento e embora cada um faça à sua maneira, existem

algumas perguntas chave”

2- “Os grupos de acolhimento funcionam em três horários na semana e são destinados

aos pacientes novos. Ali eles ficam sabendo o que é CAPS, que grupos existem e

podem decidir sobre seu projeto, ou simplesmente falar de si. Seria um momento

grupal de acolher depois de um acolhimento individual. O grupo de acolhimento ajuda

a ir estreitando os vínculo para começar a desenhar um PTS e estabelecer um

profissional de referência. Para que isso aconteça é esperado que exista uma

comunicação entre quem faz o acolhimento e quem faz o grupo de acolhimento”.

3- ”Na ambiência, às vezes ouve-se mais do que se responde e quando acontecem

situações que fogem do esperado a conduta a ser tomada pode não estar descrita

tendo que ser decidida em questão de minutos ou de segundos.”

4- “São comuns as situações em que há porte e ou uso de drogas no CAPS ad Antônio

Orlando. Em alguns casos é possível negociar com o usuário esse tipo de circulação

pra dentro do serviço.”

5- “Na ambiência tem paredes com escritos pinturas e mensagens positivas de liberdade,

criatividade e alusões ao tema do cuidado, que a própria equipe criou num momento de

crise institucional”.

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138

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Título do Projeto: “Outras drogas, outros vínculos: uma análise sobre a produção do cuidado

no dispositivo CAPS ad”.

Pesquisadora Responsável: Carolina Galvão de Oliveira

Orientadora: Maria Cristina G. Vicentin

Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa que tem como objetivo

conhecer os processos de trabalho em um CAPS ad, identificar e analisar junto à equipe de um

CAPS ad como esta tem realizado o cuidado oferecido aos usuários de álcool e outras drogas

que frequentam o serviço.

Esclareço que você tem a liberdade de se recusar a participar em qualquer momento

ou fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo em seu vínculo empregatício. Além disso, sempre

que quiser poderá nos contatar para pedir mais informações do estudo por telefone ou e-mail.

Para a realização dessa pesquisa, serão realizados procedimentos que incluem:

observação das situações de acolhimento que se apresentam no cotidiano do serviço, registros

em diário de campo; realização de entrevistas com profissionais da equipe a partir da pergunta

norteadora “Conte como foi o último acolhimento que você realizou no CAPS ad?”, além de

rodas de conversas com a equipe com o objetivo de discutir o tema do acolhimento

coletivamente e compartilhar aspectos analisados na pesquisa.

Os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa estão de acordo com a

Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que regula os Critérios da Ética em

Pesquisa com Seres Humanos. A participação nesta pesquisa não infringe as normas legais e

éticas e não há riscos previsíveis à dignidade e/ou integridade física dos participantes.

Você e os demais participantes não terão despesas pessoais em qualquer fase do

estudo e não haverá nenhuma forma de ressarcimento ou pagamento em dinheiro por sua

participação, no entanto, esperamos que este trabalho possa trazer mais informações acerca

da produção do cuidado no cotidiano de um CAPS ad e que esse conhecimento possa

contribuir para a consolidação das práticas de atenção psicossociais voltadas á usuários de

álcool e outras drogas.

Todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais, somente

a pesquisadora responsável e sua orientadora terão conhecimento de sua identidade e nos

comprometemos a mantê-la em sigilo ao publicar a pesquisa. Quando este estudo for

encerrado deverá haver um retorno sobre os resultados do mesmo a todos que participaram e

à Instituição.

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A assinatura deste Termo de Consentimento deverá ser feita em duas vias, uma para a

pesquisadora responsável e outra para você e após estes esclarecimentos, solicitamos seu

consentimento de forma livre para participar da pesquisa e o preenchimento dos itens que se

seguem.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo compreendido os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida

manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Confiro que recebi cópia deste

termo de consentimento e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e divulgação dos

dados obtidos.

--------------------------------------- -----------------------------------------

Nome do participante Data

--------------------------------------

Assinatura do participante

Contatos:

Carolina Galvão de Oliveira

Tel.: 11 – 992691318

E-mail: [email protected]

Maria Cristina G. Vicentin

Tel.: 11 991792922

E-mail: [email protected]

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