Mestrado em Direito São Paulo 2017 - PUC-SP · 2018. 2. 9. · Mestrado em Direito Dissertação...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-graduados em Direito
Pedro Eugenio Pereira Bargiona
A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas
Mestrado em Direito
São Paulo
2017
Pedro Eugenio Pereira Bargiona
A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas
Mestrado em Direito
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Direito, na área de concentração Efetividade do Direito,
sob a orientação do(a) Prof.(a), Dr.(a) Fábio Ulhoa
Coelho.
São Paulo
2017
ii
PEDRO EUGENIO PEREIRA BARGIONA
A DISSOLUÇÃO JUDICIAL DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS HETEROTÍPICAS
Dissertação elaborada e defendida buscando a obtenção
do grau de Mestre em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Orientado pelo Professor Doutor Fábio Ulhoa Coelho.
Defendido em São Paulo, ao dia 29 de janeiro de 2018 e avaliado como
( ) aprovado ( ) reprovado com a média: ____________ .
Banca Examinadora
Nota: ______ ________________________________________
Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho (Orientador)
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Nota: ______ ________________________________________
Prof. Dr. Marcus Elidius Michelli de Almeida.
(Suplente: Prof. Dr. Marcelo Guedes Nunes)
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Nota: ______ ________________________________________
Profª. Drª. Helga Araruna Ferraz de Alvarenga.
UNIVERSIDADE PAULISTA (UNIP)
(Suplente: Prof. Dr. Francisco Satiro de Souza Junior;
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP))
iii
DECLARAÇÃO
Este trabalho foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) através de bolsa do Programa de Suporte à Pós-
Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior (PROSUC), sucessor do Programa
de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP), na modalidade
Taxa, sendo registrado sob o nº de processo 88887.148553/2017-00. Também se menciona o
apoio parcial da FUNDASP.
v
AGRADECIMENTOS
O Mestrado é o momento em que se comprova o domínio de uma técnica apropriada
para conhecer e refletir sobre a realidade. No campo do Direito, em que milhares de novos
bacharéis são formados todos os anos, ainda são poucos a buscar o caminho acadêmico e ainda
menos os que conseguem uma vaga para aprender e empregar essas técnicas. Se como bacharéis
somos habilitados a buscar caminhos profissionais de grande relevância social, como a
advocacia, o Mestrado também nos habilita a buscar algo da maior relevância: a expansão dos
conhecimentos científicos sobre nossa sociedade e nossas normas, através do Doutorado.
Agradeço a Deus pela presença e suporte constante, fundamental em qualquer
empreitada.
Agradeço à minha família por todo o amor, carinho e suporte através desse sempre
tortuoso caminho. Agradeço ao Silvério Junior pelo apoio em São Paulo.
Agradeço ao meu professor orientador, Fábio Ulhoa Coelho, por ser uma inspiração
desde o início de minha graduação e por acreditar em meu potencial, me acolhendo
incondicionalmente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a quem também
agradeço.
Agradeço à CAPES e a FUNDASP pelo financiamento parcial através de bolsa taxa.
Agradeço ao Desembargador José Lisboa da Gama Malcher e a todo o escritório
Advogacia Gama Malcher Consultores Associados pela oportunidade de meu aperfeiçoamento.
Agradeço a todos os meus amigos, dos mais antigos aos mais novos. Graças a Deus
me faltariam páginas para enumerá-los todos. Destaco em especial Eduardo Manuel Val, pela
iluminação geral, do espírito aos negócios; os meus revisores Luiz Carvalho e Paulo José
Pereira Carneiro Torres; e meus colegas Victor Mendes e Ramon Santos. Agradeço, ainda, à
Suely de Moura Pinto, que me cedeu sua generosa biblioteca, fonte de inúmeras pesquisas
empregadas nestas páginas.
Durante todo o percurso, sempre busquei nortear meu trabalho para que o privilégio
de estar em uma renomada Instituição de Ensino Superior se convertesse em algo útil à
sociedade, que ajudasse a melhorar as relações sociais e a fomentar empresas saudáveis. Sinto
que se antes de entrar essas eram meras aspirações, hoje são concretas páginas, nas quais
depositei todo o meu esforço, pelo que sou, enfim, muito grato.
vi
“Is your company so small you have to do everything for yourself? Wait until you’re so big
that you can’t. That’s worse.”
Michael Blomberg (1997)
vii
RESUMO
Título: A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas.
O objeto de pesquisa da presente Dissertação é a dissolução parcial de sociedades anônimas
que se enquadrem em heterotipia, situação em que as características esperadas de intuito
capitalista e estabilidade não se verificam de fato. O objetivo da pesquisa é identificar a forma
pela qual se deve processar a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica na atual
normativa processual civil, incluindo, para tanto, sua identificação objetiva. Para tanto,
primeiramente se volta o foco do estudo para os tipos societários e suas características
esperadas, desenvolvendo um teste objetivo para identificar situações de heterotipia em
qualquer sociedade. Em seguida, no segundo capítulo, se estuda o desenvolvimento pretoriano
do instituto da dissolução parcial de sociedades e suas bases teóricas, identificando que a
demanda pela dissolução parcial não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Em
seguida, no terceiro capítulo, faz-se análise das hipóteses atuais em que se admite o exercício
do direito de retirada para, então, estudar os fundamentos empregados pelos Tribunais
Superiores para reconhecer a heterotipia e permitir o recesso por quebra da affectio societatis e
até a exclusão de acionista por falta grave. Em sequência, no quarto e último capítulo, se estuda
o Código de Processo Civil de 2015, que instituiu pela primeira vez um rito para a dissolução
parcial de sociedades, incluindo até mesmo uma tentativa de ampliar sua incidência para as
sociedades anônimas heterotípicas, sendo necessária sua apropriada interpretação. Ainda neste
último capítulo, se analisa o procedimento da penhora de quota de sociedade e da dissolução
total de sociedade. As conclusões do trabalho são a possibilidade de empregar um teste objetivo
e que precisamente identifique situações de heterotipia; a necessidade da autorização da
dissolução parcial como forma de harmonização dos princípios constitucionais da livre-
iniciativa e da preservação da empresa com as normas que objetivamente são aplicáveis a cada
caso de dissolução; e a aplicabilidade sem ressalvas do disposto no Código de Processo Civil
de 2015 às sociedades anônimas heterotípicas, sendo necessário, contudo, harmonizar o
conteúdo do §2º do art. 599 do CPC/2015 com as interpretações dadas pelos tribunais superiores
nos primeiros julgados que autorizaram essa modalidade, que reconheceram na heterotipia, e
não da incapacidade de cumprimento do fim, a razão que permite a limitação da dissolução à
figura do sócio retirante.
Palavras-chave:
Direito Comercial. Direito Processual Civil. Dissolução Parcial de Sociedade. Sociedade
Anônima. Sociedade Anônima Heterotípica.
viii
ABSTRACT
Title: Judicial dissolution of heterotypical corporations.
The research object of this dissertation is the partial dissolution of heterotypical corporations,
in which the expected characteristics of corporations, such as stability do not really occur. The
goal of the research is to identify the way in which the partial dissolution of a heterotypical
corporation should be processed in the current civil procedural law, including its objective
identification. To do so, the first focus of the study to the company types and their expected
characteristics, developing an objective test to identify situations of heterotypical forms in any
kind of company. Then, in the second chapter, it proceeds to the study the case law that lead to
the development of the institute of partial dissolution of societies and their theoretical bases in
Brazil. In the third chapter, an analysis is made of the current hypotheses in which the exercise
of the right of withdrawal is admitted, studying the grounds employed by the Superior Courts
to recognize the heterotypical nature and allow the recess of the company by the rupture of the
affectio societatis personalistic bound, and even the exclusion of shareholders for serious
misconduct. Subsequently, in the fourth and last chapter, the Civil Procedure Code of 2015 is
studied, as for the first time a rite for the partial dissolution of companies is established,
including an attempt to expand its incidence for heterotypical corporations. This chapter tries
to provide a proper interpretation for the technical vocabulary misused at the law. Also in this
last chapter, the procedure for the seizure of company shares and the total dissolution of the
company are analyzed. The conclusions of the study are the possibility of using an objective
test that accurately identifies situations of heterotypical companies; the need for the
authorization of partial dissolution as a form of harmonization for the constitutional principles
of freedom of association and the preservation of the company with the rules that objectively
apply to each case of dissolution; and the unrestricted applicability of the provisions of the
Civil Procedure Code of 2015 to heterotypical corporations, but the necessary harmonization
of the content of §2 of art. 599 from the Civil Procedure Code of 2015 with the interpretations
given by the superior courts in the first case law that authorized the partial dissolution,
recognizing the heterotypical characteristics and not of the inability to fulfill the corporate end,
reason to limit the dissolution to the retiring partner.
Keywords:
Commercial law. Civil Procedure Law. Partial Dissolution of Companies. Corporations.
Heterotypical Corporations.
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ag – Agravo nos próprios autos
AREsp – Agravo em Recurso Especial
ARE – Agravo em Recurso Extraordinário
CC/2002 – Código Civil de 2002, Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
CCom/1850 – Código Comercial de 1850, Lei Imperial nº 556, de 25 de junho de 1850
CPC/1939 – Código de Processo Civil de 1939, Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de
1939
CPC/1973 – Código de Processo Civil de 1973, Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973
CPC/2015 – Código de Processo Civil de 2015, Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015
D3708/1919 – Decreto das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Decreto nº
3.708, de 10 de janeiro de 1919
EREsp – Embargos de Divergência em Recurso Especial
IMAG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais
Lei de Recuperação e Falências/2005 – Lei Federal nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005
LSA/1940 – Lei das Sociedades por Ações de 1940, Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de
1940
LSA/1976 – Lei das Sociedades por Ações de 1976, Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976
PL – Projeto de Lei da Câmara dos Deputados
PLS – Projeto de Lei do Senado Federal
RE – Recurso Extraordinário
REsp – Recurso Especial
S/A – Sociedade Anônima
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 - TIPOS SOCIETÁRIOS, SUAS CARACTERÍSTICAS E A
HETEROTIPIA ........................................................................................................................ 9
1 - CARACTERÍSTICAS ESPERADAS DAS SOCIEDADES DE PESSOAS E DE
CAPITAIS ....................................................................................................................... 9
1.1 - Distinções entre Sociedades Institucionais e Contratuais ............................. 11
1.2 - O Regime Contencioso e a Estabilidade das Sociedades .............................. 13
1.3 - A Constitucionalidade do Vínculo Estável ................................................... 16
2 - TIPOS SOCIETÁRIOS E A HETEROTIPIA......................................................... 19
2.1 - A Caracterização da Heterotipia.................................................................... 21
2.2 - A Heterotipia das Sociedades Anônimas ...................................................... 28
CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADES ........................................................................................................................ 33
1 - A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ....... 33
2 - A IMPOSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES
ANÔNIMAS ..................................................................................................................... 43
3 - O NASCIMENTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ............... 46
4 - O NASCIMENTO DO DIREITO DE RETIRADA NAS SOCIEDADES
ANÔNIMAS ..................................................................................................................... 58
CAPÍTULO 3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL COMO REGRA GERAL ......................... 66
1 - O DIREITO DE RECESSO NA LEI Nº 6.404/1976 .............................................. 66
2 - AS CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL NAS SOCIEDADES
CONTRATUAIS .............................................................................................................. 74
2.1 - A Exclusão de Sócios em Sociedades Limitadas .......................................... 76
xi
2.2 - A Operacionalização Extrajudicial da Dissolução Parcial ............................ 80
2.3 - A Operacionalização da Dissolução Parcial Judicial .................................... 82
3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS
HETEROTÍPICAS ............................................................................................................ 83
3.1 - A Utilização do art. 5º, XX da Constituição Federal de 1988 na Dissolução
Parcial de Sociedades Anônimas ........................................................................... 87
3.2 - A Possibilidade de Exclusão de Acionista da Sociedade Anônima .............. 89
CAPÍTULO 4 - A COMINAÇÃO JUDICIAL DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADES ........................................................................................................................ 92
1 - O CAMINHO LEGISLATIVO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL ........................... 92
1.1 - A Legitimidade Ativa da Ação de Dissolução Parcial ................................ 101
1.2 - A Perícia para a Apuração dos Haveres ...................................................... 102
1.3 - A Dissolução Parcial de Sociedades Anônimas no Art. 599, §2º do
CPC/2015 ............................................................................................................. 104
2 - A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES NO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 2015 ........................................................................................... 107
2.1 - Jurisdição, Objeto da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade; Interesse e
Legitimidade Processual ...................................................................................... 107
2.2 - O Processamento da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade ................. 113
2.3 - O Critério e a Data para a Apuração dos Haveres ....................................... 117
2.4 - Os Recursos e Meios de Impugnação na Ação de Dissolução Parcial de
Sociedade ............................................................................................................. 122
2.5 - A Execução dos Haveres e a Controvérsia sobre o Desinvestimento ......... 123
3 - PROPOSTA DE CONSOLIDAÇÃO PARA A QUESTÃO DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA NO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015 ................................................................................................................ 125
4 - AS OUTRAS FORMAS DE DISSOLUÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
DE 2015 ............................................................................................................................ 127
4.1 – A Dissolução Parcial da Sociedade por Liquidação das Quotas ou Ações por
Credores Particulares do Sócio ............................................................................ 127
4.2 - A Dissolução Total de Sociedades no Código de Processo Civil de 2015.. 133
xii
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 136
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 139
Apêndice 1 -Quadro-teste para a definição das características da sociedade e da
heterotipia ............................................................................................................................. 139
Apêndice 2 – Quadro comparativo entre a sugestão original e o texto final do rito da
ação de dissolução parcial de sociedade no CPC/2015 ...................................................... 153
Apêndice 3 – Proposta de redação substitutiva ao artigo 861 do CPC/2015: “Da Penhora
de Quotas ou das Ações de Sociedades Personificadas” ................................................... 159
Anexo 1 – Emenda ao Anteprojeto do Código de Processo Civil de Fábio Ulhoa
Coelho .................................................................................................................................... 161
Anexo 2 – Proposta nº 25 do Institutos dos Advogados de Minas Gerais para a previsão
de procedimento para dissolução de sociedade e exclusão de sócio ................................. 166
1
INTRODUÇÃO
Associar-se é parte indelével e inafastável da natureza humana, ocorrendo em
múltiplos níveis desde os primórdios, como aponta ESRELLA (2010, PP. 09-10). Grupos
maiores ou menores de pessoas se formam, adotando regras e características únicas, tendo
por objetivo a proteção e a viabilização de projetos das mais diversas ordens. Toda vez
que esse processo de conjugação de esforços e confiança se dá de maneira consciente e
organizada, com a adoção de regras específicas – escritas ou não – está se constituindo
uma sociedade de alguma forma, que pode variar enormemente com base nas suas regras
e objetivos.
A variação acentuada, ao longo do tempo e com a especialização progressiva do
Direito, deu luz a institutos muito diversos, como os modelos de sociedade Familiar1 –
que também variaram grandemente de propósito e natureza desde os tempos romanos –
as sociedades civis e comerciais e até mesmo as Sociedades nacionais2 e a Sociedade
internacional3.
Comparar institutos tão distintos só poderia ser feito sob uma perspectiva muito
abstrata e filosófica, visto que pouco têm em comum, para além da naturalidade de sua
formação e da presença de pessoas, de modo que o presente trabalho foca apenas nas
sociedades comerciais, pessoas jurídicas de direito privado constituídas com objetivo de
exploração de empresa.
1 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “família”, “familiar” e derivações dessas palavras forem
utilizadas, o significado será o do Direito Comercial, ou seja, a sociedade celebrada entre membros de uma
mesma família ficando o intuito familiar como componente da affectio societaris. Sempre que, porventura,
for ser feita referência ao objeto de estudo do Direito das Famílias, será utilizado o termo “Família” e
“Familiar”, com capitalização.
2 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “social”, “sociedade” e derivações dessas palavras forem
utilizadas, o significado será o do Direito Comercial, ou seja, a sociedade celebrada com o propósito do
exercício de empresa. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao objeto de estudo da Sociologia,
será utilizado o termo “Sociedade nacional”, com capitalização.
3 Parte da Doutrina na área de Relações Internacionais e Ciências Políticas utilizam também o termo
Comunidade Internacional para referir-se ao conceito do conjunto e convivência das pessoas jurídicas de
Direito Internacional na esfera pública.
2
Da mesma forma que essas associações4 de indivíduos ocorrem5, assim também
se dão naturalmente os conflitos entre as pessoas que se associaram. As diferentes visões
de mundo e interesses de cada um dos indivíduos formadores da sociedade, quando não
comparadas, debatidas e conciliadas para uma convergência dos interesses, geram
controvérsias que, se não forem sanadas, podem representar um progressivo desgaste e
enfraquecimento dos vínculos entre os componentes da sociedade.
Dependendo da gravidade e quantidade das questões que surgirem do convívio
social, o próprio vínculo de confiança e colaboração para a consecução do objetivo
comum através da exploração do objeto social acordado entre os sócios pode desaparecer.
A quebra dessa confiança e vontade de permanecer associado apresenta um desafio ao
Direito, enquanto fonte dos parâmetros de solução de controvérsias: como decidir quais
argumentos são legítimos para seus fins e resguardar equitativamente tanto a sociedade
quanto seus sócios em conflito?
Traçando um paralelo com as pessoas naturais, que nascem, crescem e morrem;
as sociedades se constituem, desempenham seu objeto social e, eventualmente, podem ser
natural ou judicialmente dissolvidas ou entrar em crise6. O cerne e objeto das discussões
abordadas na presente Dissertação encontra-se justamente na dissolução das sociedades,
adotando como lentes o Direito Comercial e o Direito Processual Civil, tendo em vista a
inclusão do rito da ação de dissolução parcial de sociedade no Código de Processo Civil
de 2015 (CPC/2015).
4 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “associar-se”, “associação” e derivações dessas palavras
forem utilizadas, o significado será o de constituir sociedade ou do processo de constituição de uma
sociedade. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao tipo de pessoa jurídica, será utilizado o termo
“Associação”, com capitalização.
5 Ainda que seja natural que indivíduos com objetivos semelhantes busquem sua associação para aumentar
seu potencial na exploração do objeto social, a formação de sociedades foi incentivada pela possibilidade
de limitação da responsabilidade, historicamente franqueada apenas às sociedades e não a indivíduos,
empresários ou não, na exploração de seus objetos sociais. Esse fato, como apontam RIBEIRO e BARROS
(2008, p. 1066), tem razão na história das próprias sociedades limitadas, que decorreram de uma facilitação
para a constituição de modelos de agrupamento que permitissem, ao mesmo tempo, a acumulação de capital
suficiente para a exploração de atividades industriais, e segurança ao restante do patrimônio dos
investidores, sem que fosse necessária toda a formalidade que exigiam as Companhias. Para mais acerca
da história das sociedades limitadas, recomenda-se a leitura de ABATINO, DARI-MATTIACCI e
PEROTTI (2011), BLÁZQUEZ (2010) BAGLEY [198-?] E HARRIS (2007)
6 A crise da empresa não necessariamente é sua falência. Existem quatro tipos teóricos de crise que podem
ocorrer individualmente ou em conjunto, conforme aponta GUEDES NUNES (2015b, PP, 220-221). São
(1) a crise econômica, por redução no volume de negócios ou produtividade; (2) a crise financeira, por falta
de caixa para honrar os compromissos; (3) a crise patrimonial, por falta de patrimônio parar honrar com
todas as dívidas; e (4) crise política, por grave desinteligência entre sócios.
3
O quão mais ligada à individualidade dos sócios, mais propensa à dissolução –
parcial ou total – fica a sociedade. Os fatos jurídicos que acometem os sócios, bem como
os atos jurídicos que praticam, tanto dentro do seio social quanto em suas vidas privadas,
podem refletir diretamente nas sociedades que se constituem em torno das qualidades dos
sócios. Exemplos disso são o falecimento de um dos sócios de sociedade limitada (fato
jurídico) que, via de regra, leva à dissolução parcial da sociedade; e a assunção de dívidas
pessoais (ato jurídico) que pode levar à penhora de quotas da sociedade, o que interfere
na administração da sociedade.
Por outro lado, quanto mais abstrato for o vínculo dos sócios para com a
sociedade, independendo de suas particularidades, menor será o impacto dos fatos
pessoais dos sócios, que podem até mesmo não interferir em nada no funcionamento
social. Assim, caso faleça o acionista de sociedade anônima (S/A), via de regra, não há
qualquer efeito sobre a sociedade, bastando a divisão das ações entre os herdeiros,
conforme as regras que regerem a sucessão.
Dessa forma, a tradicional classificação doutrinária das sociedades como “de
pessoas” ou “de capitais” representa não somente uma taxonomia da sociedade, mas sim
uma importante distinção quanto aos limites de influência da subjetividade dos sócios no
vínculo societário. As sociedades de capitais mantêm apenas o vínculo objetivo, a
dedicação de capital à consecução dos fins almejados pela sociedade através da
exploração do objeto social.
Há, ainda, uma correlação entre as sociedades de pessoas e de capitais com o
grau de estabilidade do vínculo societário, teorizados por COELHO (2016, PP. 45-47).
As sociedades de pessoas contratadas por tempo indeterminado, caso não afastem as
normas previstas pelo CC/2002, são de vínculo instável, já que ficam legadas à vontade
do sócio de permanecer associado. Por outro lado, as sociedades de capitais e as de
pessoas que estejam regidas pela LSA, bem como aquelas contratadas por tempo
determinado, são de vínculo estável, já que o sócio não possui a faculdade de retirar-se
da sociedade a qualquer tempo.
Caso, por razões de foro íntimo, o sócio de sociedade estável, geralmente de
capital, decida não mais permanecer associado, terá permanentemente à sua disposição a
opção de vender sua participação na sociedade, conforme as regras que vigerem para seu
tipo societário e no documento constitutivo e regente da sociedade de que participa. Além
4
dessa opção, a lei reserva certas hipóteses, objetivas e restritas, que autorizam os sócios
a se desassociarem por ato voluntário e oponível à sociedade: o exercício do direito de
recesso ou de retirada.
Já nas sociedades instáveis, geralmente de pessoas, o sócio que desejar deixar a
sociedade com duração indeterminada não precisará buscar seu enquadramento em
situações objetivas para que possa exercer seu direito de retirada: basta a mera
manifestação da vontade de não permanecer associado, nos termos da lei, para que lhe
seja devida sua parcela no patrimônio da sociedade. Nesses casos, o exercício do direito
de retirada se assemelha à garantia fundamental prevista pelo Art. 5º, XX da Constituição
Federal de 1988 (CF/1988), que prescreve que ninguém será compelido a associar-se ou
permanecer associado7.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
As normas legais, contudo, preveem modelos ideais e abstratos que, mesmo
sendo suficientes para a maioria dos casos, inevitavelmente esbarrarão em situações
fáticas complexas e de antinomias. A própria natureza negocial do Direito Comercial,
com o privilégio da autonomia dos sócios para decidirem as regras que vigem entre si,
pode levar a situações sui generis e de hibridismo.
Entre outras características próprias das sociedades personalistas, as funções
sociais atribuídas aos sócios de sociedades contratuais são, via de regra, individual e
exclusivamente exercidas pelos próprios sócios, titulares das quotas sociais, em razão da
regra geral do art. 1.002 do Código Civil de 2002 (CC/2002). Por outro lado, a regra para
as sociedades institucionais, regidas pela lei das sociedades por ações, de 1976
(LSA/1976), é a oposta, podendo os sócios se fazerem representar por procuradores, nos
termos do Art. 126, LSA/1976, o que fortalece sua tendência de serem sociedades
capitalistas8.
7 A controvertida incidência deste artigo às sociedades será enfrentada na seção 1.3 do Capítulo 1, ao
abordar a constitucionalidade do vínculo estável.
8 Nota de desambiguação: sempre que a palavra “capitalista” e derivações forem utilizadas, o significado
será sinônimo ao termo “de capital”. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao modelo de
organização social e econômica, será utilizado o termo “Capitalismo”, com capitalização.
5
.
No entanto, nada impede que os sócios, no próprio contrato ou estatuto social –
bem como em acordos de quotistas e acionistas – convencionem diferentemente, como
ocorre quando um contrato social permite que os sócios se façam representar por
procuradores, alienem suas quotas sem a prévia autorização dos demais sócios e que os
herdeiros dos sócios acedam à sociedade como sócios através da herança sem prévia
aprovação. Da mesma forma, nada impede que em uma sociedade anônima fechada os
acionistas formulem regras, ainda que nem sempre no estatuto, em razão das
características pessoais que possuem, como a preservação do controle na mesma família.
Assim sendo, não é possível generalizar a natureza das sociedades através da
mera observação de seu tipo societário ou de sua característica contratual ou institucional.
A estas sociedades que fogem das regras gerais de seu tipo societário, Marcelo GUEDES
NUNES (2011) denominou sociedades heterotípicas, pois possuem características
concretas e únicas que as distanciam de seu tipo societário legalmente idealizado.
O objeto de pesquisa da presente Dissertação é o estudo específico da dissolução
parcial9 de sociedades anônimas que se enquadrem em heterotipia. Se por um lado há o
limitado exercício do direito de recesso, nas situações objetivamente previstas na LSA;
por outro, há o direito de retirada amplo e imotivado do CC/2002. Numa sociedade
anônima que possua efetivamente normas, características e regência por normas do
CC/2002, há que se compatibilizar os dois ordenamentos e a forma de exercício dos
direitos que forem cabíveis.
No oferecimento de resistência à retirada ou na ausência dos sócios faz-se
necessário o ajuizamento da competente ação para o resguardo do direito dos sócios e da
sociedade, com a consequente apuração dos haveres porventura devidos. Surge assim
mais um ponto de análise objetiva da presente Dissertação: a ação de dissolução parcial,
9 Nota de desambiguação: sempre que a palavra “dissolução” e derivações forem utilizadas, o significado
será o de resolver o vínculo societário e buscar a liquidação dos haveres dos sócios que estão se retirando
ou sendo excluídos. Sabe-se que a primeira parte pode ser classificada como uma “resolução da sociedade
em relação a um sócio”, dividindo-se em (1) exercício do direito de recesso imotivado; (2) exercício de
direito de retirada; e (3) exclusão do sócio falido, falecido ou que cometa falta grave; enquanto a segunda
parte diz respeito à apuração dos haveres desses sócios. Há críticas (FRANÇA e ADAMEK, 2016, PP. 17,
23,30, etc.) sobre o emprego da palavra dissolução como sinônima desses procedimentos, entendendo não
ser possível uma dissolução apenas parcial, já que o Código Civil de 2002 emprega a terminologia
“Dissolução” apenas para os casos de dissolução total da sociedade. Sempre que, porventura, for ser feita
referência à dissolução total da sociedade, será utilizado o termo dissolução total.
6
prevista pelo Código de Processo Civil de 2015, aplicada à situação da heterotipia e outras
formas processuais de efetivação desses direitos.
O estudo dessas questões objetivas demonstra-se social, econômica e
cientificamente relevante. A necessidade premente e constante de geração de receitas que
custeiem os programas e benefícios sociais do Estado Social-democrata está diretamente
ligada à capacidade e liberdade de que os cidadãos empreendam e desenvolvam
atividades empresárias. A organização e operação de sociedades empresárias viabiliza o
Estado Social, dando à livre-iniciativa um papel importante não apenas sob um viés
filosófico.
Assim, se a origem da exceção à regra que conferia proteção à existência da
sociedade se deu em razão da individualidade dos sócios remanescentes, hoje, com o
reconhecimento da importância da empresa não apenas para os sócios, mas também
indiretamente para a Sociedade, através da função social da empresa10, a dissolução
parcial tornou-se a regra, como aponta LANA (2016, PP. 135-136). Dessa forma, não
apenas os interesses do sócio retirante são contemplados, mas também os interesses dos
demais sócios e, assim, os interesses subjacentes da Sociedade de que não se interrompa
a atividade empresarial.
No cerne da exploração empresária encontra-se a sociedade. Instituída desde a
primeira revolução industrial, as Companhias são uma forma de dividir os riscos e
viabilizar as grandes empreitadas industriais (ASCARELLI, 1969, p. 150). Ainda hoje a
abertura do capital social e as outras formas de captação de recursos junto ao mercado
possibilitadas às sociedades anônimas se mostram como relevante forma de viabilização
de empreitadas.
Por esta razão, a adoção do tipo anônimo nem sempre representa uma adoção
plena pelos sócios das regras e dos caracteres capitalistas desse tipo societário.
10 O presente trabalho não se filia à corrente doutrinária que reconhece na função social da empresa um
requisito a se preencher ou um dever de que a empresa contribua diretamente para a Sociedade. O objetivo
primário da empresa é a consecução do objeto social através da organização de esforços e dos meios
produtivos com a geração de lucro que mantenha a atividade e remunere os sócios. A função social da
empresa, que é inegável, advém dos benefícios sociais criados pela geração, direta e indireta, de empregos,
impostos, tecnologia, soluções, competição, aquecimento da economia em escala micro e macroeconômica,
revitalização e retomada de áreas da cidade entre outros efeitos positivos que vêm da exploração da empresa
e do cumprimento da lei. Assim, a função social da empresa é um fundamento da livre-iniciativa, não
atribuindo requisitos, direitos ou deveres individualmente oponíveis a qualquer empresa, mas sendo
importante justificativa para o sistema da livre-iniciativa como um todo.
7
Inviabilizar um hibridismo que proteja os interesses desse setor de sociedades em
crescimento é econômica e socialmente relevante, pois atende e facilita os investimentos,
que geram empregos e movimentam riquezas, auxiliando o Estado Social como um todo.
A recém adoção de rito próprio para a dissolução parcial de sociedades através
do CPC/2015 enseja a necessidade de discussões e reflexões acerca de seus institutos e
disposições, de modo que sua aplicação, quando feita, seja o mais precisa o possível.
Promove-se, assim, diálogos entre os trabalhos publicados sob a vigência dos
entendimentos aplicados ao revogado Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) –
que não dispunha de regramento próprio para este tipo de ação – e os dispositivos da atual
legislação, buscando a harmonização do saber já produzido com a realidade legislativa
hodierna.
Busca-se, assim, como objetivo geral do trabalho, o fomento da segurança
jurídica como forma de encorajamento dos investimentos e da associação com finalidade
empresarial. Ao contribuir nessa seara, a presente Dissertação estaria também auxiliando
na redução dos custos contingenciais próprios da incerteza jurídica.
Os objetivos específicos do trabalho são a análise do exercício do recesso e da
retirada nas sociedades estudadas, o cabimento da ação de dissolução parcial, seu
processamento e o cálculo dos haveres. Para tanto, faz-se necessária a análise
pormenorizada do Código Civil, da lei das sociedades anônimas, do Código de Processo
Civil, da jurisprudência e da própria lex mercatória como forma de integrar os sentidos
possíveis das normas.
Assim sendo, a presente Dissertação está dividida em quatro capítulos. O
primeiro tratará dos tipos de sociedade, suas origens e características tipicamente
esperadas. Assim, buscará compreender o fenômeno da heterotipia e defini-lo
objetivamente, buscando um método objetivo e reprodutível de verificação da heterotipia.
No segundo capítulo será estudada a evolução jurisprudencial que inaugurou o
tema da dissolução parcial de sociedades nos tribunais, utilizando do método da revisão
bibliográfica, consistindo de visitar a bibliografia selecionada acerca da temática,
buscando identificar e reproduzir a lógica empregada com fito de validar, refutar ou
ampliar as conclusões tecidas (GUSTIN, 2006).
8
O terceiro capítulo repousará sobre a dissolução parcial no ordenamento jurídico
atual, abordando apenas a parte material da dissolução, ou seja, o recesso e a retirada e
sua aplicabilidade às sociedades de pessoas e de capitais, bem como às sociedades
heterotípicas.
O quarto e último capítulo terá foco no rito da ação de dissolução parcial de
sociedade instituído pelo Código de Processo Civil de 2015, buscando identificar seu
cabimento, limites materiais, pressupostos processuais, funcionamento, recursos e outras
questões que apresentem pertinência. Sendo essa uma ação voltada à efetivação do
previsto no Direito Societário, a interpretação da lei processual se beneficia não apenas
dos postulados do Direito Processual Civil, mas também do Direito Comercial em vigor.
Também será realizada a análise do procedimento da penhora de quotas ou das ações de
sociedades personificadas e da dissolução total de sociedades no CPC/2015.
9
CAPÍTULO 1 - TIPOS SOCIETÁRIOS, SUAS CARACTERÍSTICAS
E A HETEROTIPIA
O primeiro passo na abordagem do objeto dessa dissertação é o estudo
aprofundado do direito materialmente aplicável. Toda controvérsia que envolver
dissolução de sociedades, seja pela via judicial ou não, terá por fundo a incidência de
normas societárias que autorizem o desfazimento do vínculo societário.
Assim, serão analisados, nos devidos subcapítulos, (1) os tipos societários e suas
características esperadas, e (2) a heterotipia e sua identificação e repercussões nas
sociedades anônimas. No primeiro subcapítulo, serão analisados mais
pormenorizadamente as distinções entre as sociedades de pessoas e de capitais, os
possíveis regimes contenciosos das sociedades e a constitucionalidade do vínculo estável.
No segundo subcapítulo, se proporá um teste para a identificação da heterotipia e se
discutirá as causas circunstanciais e repercussões da heterotipia nas sociedades anônimas.
1 - CARACTERÍSTICAS ESPERADAS DAS SOCIEDADES DE PESSOAS E
DE CAPITAIS
Faz-se necessário assentar, inicialmente, alguns conceitos preliminares para
clarificar os pressupostos adotados ao longo do trabalho. Assim, serão abordadas as
características, classificações e diferenciações das sociedades empresárias que serão
empregadas.
As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, conforme ditado no Art.
44, II, CC/2002 possuindo, portanto, autonomia patrimonial e volitiva em relação a seus
sócios. Sua formação se dá através da conjugação da vontade dos sócios através da
pactuação em contrato ou estatuto social11.
A forma mais comum de constituição de sociedades é através do contrato social,
espécie contratual negociada em que os sócios acordam entre si a exploração do objeto
11 Há ainda a possibilidade da sociedade em comum e da em conta de participação, que são
despersonalizadas. De qualquer sorte, mesmo que não seja por escrito, sempre há alguma forma de
pactuação entre os sócios.
10
social. É no contrato social que se define as proporções de propriedade, a administração
da sociedade, a forma de integralização do capital social, e as condições e mecanismos
pelos quais a sociedade será regida.
As sociedades contratuais, usualmente, são sociedades de pessoas, haja vista a
direta correlação entre a existência da sociedade, compreendida aqui como sua criação e
continuidade, e as características pessoais e manifestações volitivas dos sócios. Há, assim,
um sinalagma especial entre os sócios, visto que ficam vinculados não apenas pelas
obrigações objetivas, como a integralização do capital social, mas também por um vínculo
afetivo próprio dessa modalidade, a affectio societatis. Desse vínculo, extraem-se
obrigações da bona fides societatis, tais como a fidelidade, a confiança, o zelo na
condução dos negócios e na administração dos bens sociais.
Há também outra possibilidade de pactuação, o estatuto social, espécie de
negócio jurídico multilateral, em que se adere às condições pré-estabelecidas pelo
estatuto. No caso de subscrição de ações em oferta pública inicial as condições ainda não
estão estabelecidas, mas sim projetadas na proposta de estatuto social, que, uma vez
aprovado na assembleia geral para constituição, passa a vincular todos os acionistas,
mesmo que porventura tenham divergido.
Ocorre, nas sociedades institucionais, espécie de adesão; senão aos termos do
estatuto pré-estabelecido, às regras pendentes de estabelecimento sobre as quais terá
direito de manifestação, mas não de arrependimento. Tal situação não ocorre nas
sociedades contratuais, visto que a admissão de novo sócio depende de sua concordância
expressa, com a assinatura do contrato social, ato que é em si tão negociado quanto a
própria constituição da sociedade12.
O estatuto social, tal qual o contrato social, também dispõe sobre o capital social
e sua forma de integralização, bem como os mecanismos pelos quais a sociedade será
regida. Contudo, em razão da natureza geralmente capitalista dessas sociedades, o
estatuto não dispõe sobre a titularidade e a proporção do capital entre os acionistas.
Afinal, as ações podem ser livremente negociadas, seja entre os sócios, modificando suas
12 Na hipótese de que um ou mais herdeiros substituam o sócio falecido, ainda assim trata-se de uma
substituição negociada, nos termos do art. 1.028, III, CC/2002, dependendo de acordo da sociedade com os
herdeiros. Ao fim, ao cabo, ninguém jamais pode ser compelido a associar-se ou permanecer associado em
sociedade alguma, independentemente do que disponha o contrato social sobre os sócios vivos, em razão
de texto expresso da CF/1988. Esse tema é especificamente abordado na seção 1.3 do Capítulo 1.
11
proporções de titularidade; seja com o mercado, introduzindo novos sócios, de forma que
o estatuto não deve dispor sobre os sócios e suas qualidades pessoais.
Nesse modelo tende a ocorrer, portanto, uma abstração entre a sociedade e os
sócios, podendo a sociedade prosseguir mesmo que, por fatalidade, todos os sócios
falecessem simultaneamente. Nessa hipótese, as regras sucessórias definiriam os novos
titulares das ações e a sociedade continuaria sendo gerida pelos seus administradores, em
tese, sem prejuízos.
Outra distinção entre as sociedades de pessoas e de capitais diz respeito à
prescindibilidade dos sócios na administração da sociedade. Nas sociedades de pessoas,
ainda que não sejam administradores, compete aos sócios decidir sobre alguns negócios
da sociedade13, e sua participação direta na fiscalização e deliberação é esperada. Já nas
sociedades de capitais, os sócios podem eximir-se da prática de atos de administração da
sociedade através da criação de cargos e órgãos que dirijam os negócios, sendo certo que
não há na LSA/1976 qualquer ato de administração que necessariamente dependa da
deliberação dos acionistas.
Apesar desses dois tipos de ato constitutivo de sociedade serem teoricamente
parecidos e cumprirem funções similares, há que se destacar que suas diferenças são
juridicamente relevantes e levam a duas situações cuja distinção não é meramente
taxonômica.
Segundo LORENZETTI14 (1998), todo contrato pressupõe a formação de uma
parceria de mútuo interesse benéfico. Isso não significa dizer que ambas as partes
necessariamente se beneficiarão numa contratação nem tampouco que ambas obterão
vantagem econômica, mas sim que entre elas exige-se o respeito objetivo à boa-fé no
13 O art. 1.010, caput, do CC/2002 prevê que tanto a lei como o contrato social podem estabelecer
deliberações dos sócios sobre a gestão dos negócios; o art. 1.013, §1º do CC/2002 prevê que cabe aos sócios
decidir os conflitos entre atos dos administradores; também o art. 1.015, caput, prevê que, quando não
constituir objeto social, a alienação ou oneração de bens imóveis também depende de decisão dos sócios.
14 Ricardo Lorenzetti é juiz da Corte Suprema de Justiça argentina, tendo publicações acadêmicas
especificamente destinadas ao estudo do Direito Civil, inclusive do brasileiro. Compôs a comissão de
elaboração de projeto de reforma do Código Civil e Comercial da Argentina.
12
cumprimento de suas obrigações contratuais. Essa confiança, a affectio contractus15,
depende do tipo de relação jurídica que se estabelece entre as partes contratantes. No
contrato social, em que os contratantes decidem se unir para explorar determinado objeto
social, o grau de afeição entre as partes é ainda mais acentuado, sendo denominado
affectio societatis.
Esse dever de boa-fé e confiança compreende não apenas o momento da
formação do contrato social, mas também sua manutenção ao longo da duração da
sociedade, com a adoção de condutas compatíveis com a sociedade. Além da imperiosa
urbanidade típica do convívio em Sociedade, exige-se um distinto respeito e uma
cooperação sincera para que a sociedade atinja sempre o melhor resultado.
Assim sendo, para além do sinalagma claro do pagamento da prestação a que se
obrigou em razão da integralização do capital social, os sócios de sociedades contratuais
possuem entre si o dever mútuo e continuado de probidade e cooperação enquanto
permanecerem associados. A quebra dessa confiança e seus deveres conexos pode, como
será tratado no terceiro subcapítulo, representar efetivamente a quebra do vínculo
societário e a necessidade de exclusões do quadro social.
Já nas sociedades institucionais, justamente por não serem contratuais, a affectio
societatis não se faz presente nos mesmos moldes. Os acionistas, vinculados
objetivamente pela sociedade, têm também deveres de boa-fé para com a sociedade e os
demais acionistas, mas esse vínculo não se revela como um dos requisitos para a
sociedade. Quebrada a affectio, as consequências não levam a qualquer exclusão do
quadro social e caso um acionista decida que não pode permanecer associado diante de
determinado ato, terá apenas as opções que a lei ou o estatuto lhe deferir ou a de vender
suas ações.
Sociedades institucionais, portanto, são tradicionalmente sociedades de
capitais16, posto que independem e abstraem das características pessoais dos sócios e até
15 Essa terminologia, que se popularizou nos últimos anos, é frequentemente atribuída a Lorenzetti.
Contudo, vasculhando sua obra, não foi possível confirmar-se a atribuição de tal termo, ainda que toda a
sua fundamentação teórica esteja de fato presente em sua obra.
16 A única sociedade institucional personalista é a sociedade cooperativa, que não pode ser empresária.
13
mesmo de suas vontades, no que toca à aquisição das ações por herança17. Esta marca é a
principal distinção entre duas grandes categorias das sociedades: as de capital e as de
pessoas, como aponta ASCARELLI (1969, p. 334):
O princípio de não importar a mudança dos sócios uma modificação do
contrato social apresentou-se, talvez, na origem das sociedades anônimas, com
um cunho ainda mais excepcional, do que o próprio princípio da
responsabilidade limitada, cujos precedentes históricos eram mais freqüentes
e numerosos. Constituiu, no início, um “privilégio” das companhias,
decorrente da “carta” em eu se baseava sua constituição; reconheceu-se,
depois, nêle, um característico das sociedades anônimas, relacionado,
justamente, com o princípio da responsabilidade limitada.
As sociedades de capital, portanto desconsideram qualquer tipo de qualidade
subjetiva dos sócios, privilegiando apenas o critério objetivo da integralização da
participação social, na forma das ações subscritas ou adquiridas. Já o segundo tipo nasce
direta e especificamente da vontade manifesta de associar-se e permanecer associado com
pessoas determinadas e infungíveis, por suas qualidades e não apenas por sua participação
social através da integralização das cotas. É o caso das sociedades familiares, por
exemplo.
Esta categorização clássica do Direito Comercial é tradicionalmente atrelada aos
tipos societários adotados. Apenas a sociedade anônima é apontada como sociedade de
capitais e institucional, havendo a comandita por ações, em desuso, que também tem esta
inerência capitalista; enquanto as sociedades contratuais, como as simples, são
tradicionalmente vistas como de pessoas, havendo a possibilidade da limitada ter viés
capitalista, conforme aponta COELHO (2016, PP. 41-42).
Diante de conflitos entre sócios, as sociedades tendem a certa forma de solução
de acordo com suas características. Para além da tentativa de composição voluntária do
conflito, através de negociações, conciliação e mediação, as sociedades preveem formas
distintas para a resolução de seus conflitos.
As sociedades regidas pelo Código Civil e a cooperativa permitem ao sócio a
retirada imotivada a qualquer momento. As sociedades regidas pela lei das sociedades
anônimas, por outro lado, não admitem a retirada imotivada, mas apenas em situações
17 Aqui, caso o herdeiro não deseje ser sócio de uma sociedade por ações, deve ou adquirir e vender a
participação ou não adquirir as ações através de compensações na partilha. Não sendo possível, deverá
renunciar à herança. Não lhe é facultada a apuração dos haveres.
14
pré-estabelecidas e, por essa razão, dependem de soluções alternativas para os
desentendimentos graves entre os sócios.
Se o exercício livre do direito de retirada é a ultima ratio nas sociedades regidas
pelo Código Civil, cria-se nestas uma instabilidade do vínculo societário, já que o sócio
insatisfeito pode quebrar o pacto social e ver seu investimento restituído através da
apuração de seus haveres, o que pode até mesmo inviabilizar a empresa. Não lhes é
possível, a não ser que isso tenha sido especificamente pactuado, alienar suas quotas a
qualquer terceiro, já que o vínculo entre os sócios depende de suas características
pessoais18.
Por outro lado, não dispondo dessa opção, as sociedades regidas pela LSA/1976
adquirem uma característica de estabilidade, devendo os sócios insatisfeitos alienar suas
participações societárias a terceiros ou buscarem outras formas de fazer prevalecer sua
visão.
É por esta razão que as sociedades por ações, via de regra, são sociedades de
vínculo estável, ficando o capital social protegido da vontade do sócio de não permanecer
associado, a não ser em poucas situações, que serão pormenorizadas posteriormente.
Diante dessa inviabilidade, a tendência no conflito entre acionistas é a judicialização das
questões controvertidas.
Nada impede, contudo, que os sócios de sociedade instável busquem o Poder
Judiciário para discutir a validade de atos da gestão, a interpretação e aplicação do ato
societário ou a nulidade de deliberações e votos. Tanto o artigo 1.010, §2º do CC/2002
quanto o artigo 129, §2º da LSA/1976 preveem, inclusive, que incumbe ao Poder
Judiciário o desempate de deliberações em que ocorra um empate persistente.
A tendência pela solução através da retirada ou da judicialização dos atos de
gestão não advém de um impedimento jurídico, mas de uma opção cultural. Os mesmos
atos que seriam impugnáveis na sociedade estável também podem ser impugnados na
instável, resultando numa mesma situação prática de relativa insegurança jurídica até a
solução do processo. Por outro lado, buscar diretamente a dissolução parcial também
18 É nesse sentido que o Art. 1.057, caput do CC/2002 estabelece o direito de oposição dos demais sócios
à cessão de quotas na sociedade limitada, por exemplo.
15
possivelmente levará à pendência de apreciação judicial, haja vista divergências para o
cálculo e execução dos haveres.
Em ambos os casos, a atividade empresarial acaba submetida às análises do
Poder Judiciário e fica em risco diante das diferentes decisões que podem ser tomadas.
Esse risco pode, em ambos os casos, ser relevante ou não para a subsistência da sociedade,
a depender dos volumes de capital envolvidos.
Enquanto a anulação de certos atos pode ser excessivamente custosa à sociedade,
a apuração dos haveres de um sócio gera a controvérsia sobre o desinvestimento. Uma
vez integralizado o capital social, passa a impulsionar todas as atividades econômicas
empresárias, incluindo um conjunto de obrigações de prestações continuadas e com
consequências jurídicas para sua interrupção, como as relacionadas aos contratos de
trabalho e de fornecimento.
O desinvestimento ancorado à restituição dos haveres tem o potencial de
inviabilizar a atividade da empresa. Contudo, a depender do tamanho das repercussões
do ato impugnado, também pode ser necessário o desinvestimento para fazer frente aos
custos, sendo apenas diferente o destinatário final do desinvestimento. Para ambos os
casos, a situação é mais de uma crise econômica do que propriamente uma decorrência
da forma preferida para o regime contencioso das controvérsias políticas da sociedade e
pode até mesmo ensejar a necessidade de recuperação judicial
Dessa forma, questiona-se a correlação entre o regime contencioso e a
estabilidade da sociedade. A opção pela impugnação de atos societários favorece a
manutenção do vínculo societário, mas não protege a sociedade de perdas em razão da
crise política. Pode também, ao fim, gerar situações extremas, sendo certo que ela não é
vetada nas sociedades de vínculo instável. Ocorre apenas que nas de vínculo instável o
sócio tem uma opção para preceder à sociedade no recebimento do desinvestimento,
quando exerce seu direito de retirada, o que economicamente pode ser mais vantajoso,
dada a importância de sua participação dentro da sociedade.
16
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, bem como todas as antecessoras
desde 1891, o direito fundamental de associação. A extensão da interpretação do teor
normativo desse direito, contudo, variou ao longo do tempo, de acordo com o momento
político do país.
A atual constituição, ao estabelecer essa regulação, foi a primeira a destrinchar
o direito de associação em mais de um inciso, fazendo-o entre os incisos XVII e XXI do
artigo 5º, que garantiu: o (XVII) direito de livre associação para fins não militares;
(XVIII) a vedação ao Poder Público de exigir autorizações para a criação de associações
e cooperativas; (XIX) a impossibilidade de dissolução de associação por decisão
administrativa ou judicial não transitada em julgado; (XX) a vedação à associação
compulsória ou à manutenção compulsória como associado; e (XXI) a possibilidade de
que as entidades associativas representem seus filiados judicial ou extrajudicialmente.
O emprego dos termos “associações”, “cooperativas” e “entidades associativas”
aponta a intenção da utilização do termo “associar-se” em seu sentido estrito, de formar
uma associação. Se não fosse assim, não haveria a necessidade da especificação das
cooperativas e das entidades associativas, que abarcam também as entidades sindicais,
abrangidas também pelo Art. 8º, III da Carta Magna. Caso o constituinte desejasse a
incidência plena destes artigos às sociedades, ou teria utilizado o termo sociedade, ou
então mantido a vagueza da palavra “associar-se” em todos os incisos, ou as citaria
diretamente.
A jurisprudência, contudo, ao interpretar o inciso XX enxergou correlação entre
o exercício do direito de retirada próprio das sociedades de pessoas de vínculo instável e
o direito fundamental de não ser obrigado a associar-se ou permanecer associado. É o
caso do Recurso Especial nº 78.460 (Rel. Min. Djaci Falcão, Primeira Turma do STF,
julgamento em 14 de maio de 1974), em que pretensa associação de proprietários de
loteamento, cuja real natureza era de sociedade civil, buscava cobrar taxa condominial,
alegando que os proprietários eram seus associados. Para resolver a questão o Acórdão
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro invocou o artigo 5º, XX para repelir as pretensões
da autora, o que acabou confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Posteriormente, no julgamento dos Recursos Especiais nº 507.490/RJ (Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma do STF, julgamento em 23 de maio de 2005), que
17
será pormenorizadamente analisado à frente, o mesmo inciso foi invocado para sustentar
a viabilidade de dissolução parcial de sociedade anônima com característica familiar. O
REsp nº 867.101/DF (Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma do STJ, julgamento em
20 de maio de 2010) também utilizou o mesmo fundamento, mas em conversão de
dissolução total em parcial por exercício de direito de retirada de sociedade limitada.
Se assim fosse, poderia haver um problema de harmonização entre o comando
constitucional e as sociedades estáveis, nas quais a desassociação é limitada a casos
objetivos. A compatibilidade, contudo, não é impossível, visto que os direitos
constitucionais devem ser interpretados sistemicamente.
Os casos de estabilidade do vínculo societário são dois: o de qualquer sociedade
contratada por tempo determinado ou o da existência de cláusulas, sejam elas legais ou
estabelecidas no contrato ou estatuto, que limitem o exercício da retirada ou recesso a
hipóteses determinadas.
No primeiro caso, a desassociação ocorrerá naturalmente com o decurso do
tempo, sendo que a estabilidade impede unicamente a antecipação desse momento – senão
em função de justa causa, que será pormenorizada posteriormente – o que por si só não
viola o comando constitucional, já que o sócio insatisfeito não está sendo compelido a
permanecer associado, mas apenas a aguardar o decurso do prazo em razão da segurança
jurídica e da preservação da empresa e sua função. Cabe destacar que caso a sociedade
tenha sido contratada por tempo determinado excessivamente longo, superior à vida
humana ou ao tempo de duração esperado para a empreitada contratada, deve-se verificar
se a cláusula, em verdade, não é uma simulação de sociedade contratada por tempo
indeterminado.
O que visa proteger a norma constitucional não é o patrimônio, mas sim a
vontade do sócio. Associar-se e desassociar-se, além de um ato patrimonial, é um ato
volitivo e ser compelido a associar-se ignoraria a vontade do indivíduo de vincular-se a
ideia, ou, no caso das sociedades, a um investimento com a qual não concorde. Essa
proteção deve estar coadunada à proteção da livre-iniciativa, da segurança jurídica e da
preservação da empresa, valores também constitucionalmente protegidos.
Assim sendo, no segundo caso, a estabilidade do vínculo societário protegida
pela constituição e pela lei comercial é a outra parte do vínculo: a patrimonial. Caso não
possua justa causa que lhe autorize retirar-se junto de seus haveres, a preservação da
18
empresa não poderia impedir-lhe de se retirar abrindo mão deles. Todo fato que seja
imputável aos sócios até a efetivação de sua retirada judicial, a ele também se imputaria
este fato.
Cabe ainda ressaltar que nas sociedades de capital, o vínculo societário é entre
os investimentos dos sócios, não entre suas vontades pessoais. O elo comum da sociedade
é a pecúnia, não a afinidade pessoal ou a vontade de permanecer associado, de modo que
não haveria por que incidir a proteção constitucional.
Caso tenha se obrigado junto à sociedade a alguma prestação determinada, seja
no contrato social ou em outros negócios jurídicos ou condenações judiciais, sua retirada
não lhe isenta de cumpri-la, a não ser das que tenham como contrapartida a exata condição
de sócio, tal como a administração da sociedade ou a prestação de seu trabalho. Dessa
forma, viabiliza-se a plena continuidade da sociedade, sem que a saída do sócio represente
uma crise da empresa. A mesma solução poderia também ser aplicada nas sociedades do
primeiro caso, o que também ajuda a confirmar a validade da interpretação.
Outro fator a confirmar a validade dessa interpretação é o comando do inciso
XX: ninguém pode ser compelido a associar-se.
Caso numa sociedade contratada por tempo limitado falecesse um sócio, o artigo
1.028 do CC/2002 determina que a quota do falecido deve ser liquidada, sem abordar a
questão da estabilidade do vínculo das sociedades contratadas por tempo certo, reservada
ao artigo 1.029. Se o contrato social dispusesse, sem a intervenção anuente dos herdeiros,
que a quota do falecido é herdada pelos herdeiros, que serão sócios regulares até o término
do prazo da sociedade, essa cláusula evidentemente violaria o comando constitucional, a
autonomia privada e até mesmo o CC/2002, tanto nas normas societárias do art. 1.028,
III como do direito das sucessões, que faculta ao herdeiro aceitar ou não a herança.
Contudo, se o contrato social tiver sido anuído pelos herdeiros, concordando
com a cláusula sucessória, ao falecer um dos sócios seus herdeiros devem ser integrados
à sociedade. Se não houver mais vontade de associar-se e não for possível a este herdeiro
realizar uma compensação de seu quinhão no inventário ou essa possibilidade não for
facultada pelo contrato social, ainda poderá desistir de sua herança, abrindo mão tanto do
aspecto político na sociedade quanto de seus haveres, mas não sendo obrigado a se
associar.
19
Assim sendo, tanto pelo viés negativo, de não ser obrigado a associar-se à
sociedade de vínculo estável; quanto pelo viés positivo, de não ser obrigado a permanecer
associado a este tipo de sociedade; o que busca proteger o comando constitucional é a
vontade do indivíduo, não seu patrimônio. Harmonizando esta proteção com o tratamento
dado à livre-iniciativa e a preservação da empresa, o ordenamento infraconstitucional
apresenta opções viáveis para que sejam privilegiados os interesses legítimos do
indivíduo de não participar de uma sociedade e os da sociedade, de manter a segurança
jurídica que lhe é característica.
2 - TIPOS SOCIETÁRIOS E A HETEROTIPIA
A história da criação de tipos societários se confunde com os objetivos e
necessidades do comércio, conforme aponta BULGARELLI (1979). Ao final da Idade
Média o comércio era exercido individualmente, sendo possível se organizar em
sociedades para a divisão dos lucros entre os sócios, mas sem que isso importasse na
aquisição de uma personalidade distinta da dos sócios (DEWEY, 1926, PP.663-669). Essa
sociedade poderia ocorrer entre sócios que exerçam a exploração da empresa, ficando
próximo ao que conhecemos hoje como sociedade simples; ou em comenda, havendo
sócios que exercem e outros que apenas investem o capital, o que originou tanto as atuais
sociedades em nome coletivo quanto as em comandita simples.
As grandes navegações modificaram as perspectivas de negócios grandemente,
impactando também na forma da exploração da empresa, conforme aponta CAVALLI
(2012, PP. 33-50). Nas empreitadas ultramarinas e na formação de rotas comerciais com
o oriente eram necessários grandes investimentos para a composição de frotas, criação de
entrepostos e da própria organização do comércio. Buscando sua viabilidade, foram
autorizadas pelos monarcas as primeiras Companhias, que recebiam investimentos de
diversos sócios, ficando a exploração a cargo apenas dos administradores e todos os
demais com suas perdas limitadas ao capital investido (LAMY JUNIOR, BULHÕES
PEDREIRA, 2017, PP. 30-37).
Com a revolução industrial e nova necessidade de captação de investimentos
vultuosos, esse modelo foi expandido com a possibilidade de que qualquer pessoa,
mediante pedido e autorização pública, pudesse abrir sua própria companhia ou sociedade
20
anônima (LAMY JUNIOR, BULHÕES PEDREIRA, 2017, p. 38 e RIBEIRO e
BARROS, 2008, pág. 1066).
A transformação da Companhia em uma forma societária que todos poderiam
constituir – A Sociedade Anônima –, ocorrida no Século XIX com a adoção da teoria da
personalidade jurídica pela Alemanha (HARRIS, 2007, pp. 3-5), possibilitou a expansão
da responsabilidade limitada a todos que pudessem pagar e passar pelos trâmites
burocráticos estabelecidos pelas legislações da época, como o Registration,
Incorporation and Regulation Act inglês de 1844.
De fato, os custos eram – e são até hoje – tão elevados e a burocracia é tão
demorada que este tipo societário acaba sendo inviável para a maior parte das pessoas
que pretende fundar uma sociedade. Para vencer esta barreira criou-se na Alemanha em
1892, através do Gesellschaft mit beschrnkter Haftung (GmbH), uma versão simplificada
das Corporações inspirada nas Private Limited Companies (PLC) da Inglaterra
(BAGLEY, 198-?, § 1º). O modelo posteriormente passou por aperfeiçoamentos, de modo
a atender necessidades específicas.
Verifica-se, contudo, que a existência de múltiplos tipos societários hoje em dia
representa um legado histórico do desenvolvimento do próprio Direito Societário, que
partiu de uma perspectiva individualista para uma subjetivista e altamente controlada pelo
Poder Público, com a criação das Companhias, e, posteriormente, para uma realidade
liberal que incentivava a organização do capital em prol das empreitadas comerciais e
industriais que impulsionaram as economias a partir do século XVIII. Não se verifica um
esforço de revisar a real utilidade sistêmica de cada tipo societário ou de criar um modelo
de tipos societários racionalizado e desenhado para as demandas atuais.
Hoje em dia parte destes tipos societários, as sociedades em comandita,
perderam sua utilidade e são praticamente letra morta; apenas as sociedades simples e as
sociedades limitadas veem ampla utilização, seguidas por Sociedades Anônimas e
Cooperativas19.
19 Segundo as estatísticas divulgadas pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP, 2013), o tipo
societário mais empregado nas constituições é o da sociedade limitada. O tipo das sociedades simples, por
outro lado, são utilizadas principalmente entre não-empresários. Apenas poucas centenas de sociedades não
limitadas ou Sociedades Anônimas são registradas anualmente. Há divergências doutrinárias sobre se a
EIRELI representa ou não uma sociedade unipessoal – sendo que este trabalho se vincula à corrente que
reconhece na EIRELI um tipo societário. De qualquer forma, a constituição de EIRELIs ainda é modesto,
21
Apesar das eventualmente reformas e modernizações, não se verifica um esforço
sistêmico para criar uma verdadeira teoria moderna para os tipos societários, que adeque
os modelos aos fundamentos aos quais se destina, não apenas buscando os resultados,
como a limitação de responsabilidade ou a maior acessibilidade ao mercado de capitais
internacional. Apesar de ser impossível verificar, talvez seja justamente esse desarranjo
entre os fundamentos históricos das normas de cada tipo societário e a realidade moderna
que leve os empresários a buscar modelos híbridos, utilizando normas destinadas a outros
tipos societários, o que criou a heterotipia.
Se parte dos tipos societários perdeu sua função, percebe-se que entre os
sobreviventes ocorre o emprego de regras que, a priori, seriam destinadas a outro tipo
societário, de modo que as características inicialmente esperadas para o tipo podem não
corresponder à realidade da sociedade, na prática.
Em razão disso, a realidade do vínculo entre os sócios só pode ser compreendida
a partir do estudo casuístico da relação jurídica que os vincula. Da análise dos documentos
que regem a sociedade, tais como o contrato social e as atas das assembleias e reuniões
entre os sócios, é que se pode ditar sua natureza, suas regras e a intensidade de
subjetividade que vincula verdadeiramente as partes.
Nada impede que uma sociedade simples contenha regras e características que a
aproximem grandemente da natureza capitalista, típica das sociedades anônimas20; da
mesma forma, nada impede que sociedades anônimas não sejam tão independentes das
qualidades pessoais dos sócios quanto se esperaria.
Esta situação foi descrita por Marcelo GUEDES NUNES (2014, p. 327) como
heterotipia, ou seja, um enquadramento fora das características do tipo societário adotado.
Tal tema provoca discussões fundamentais para o presente trabalho, em especial acerca
graças ao alto capital social necessário à sua constituição, ainda sendo mais comum a inscrição como
empresário individual ou Micro-empresário individual (MEI).
20 Cabe aqui destacar que o CC/2002 permite o emprego subsidiário de normas das associações para a
regência das sociedades simples, nos termos do art. 44, §2º. Isso possibilita que em sociedades simples
sejam contratadas cláusulas que permitam a transmissibilidade da qualidade de sócio, nos termos do art.
56; vantagens especiais para classes de sócios, nos termos do art. 55; e o impedimento casuístico do
exercício de direitos, nos termos do art. 58. Admite-se, assim, que podem haver sociedades simples com
características distintas das naturais e, portanto, heterotípicas
22
da incidência das normas destinadas ao tipo societário com o qual a sociedade guarda
semelhanças de tipo.
Esse, inclusive, não é um quadro novo. ASCARELLI (1969, p. 150), já
destacava:
As observações desenvolvidas nestas páginas talvez possam tornar-se úteis,
igualmente, no estudo de alguns fenômenos que se verificam no vasto campo
das sociedades anônimas anômalas.
É o que ocorre nas pequenas sociedades anônimas, já lembradas anteriormente.
Econômicamente, as sociedades anônimas são destinadas às grandes emprêsas;
constituem o instrumento jurídico para transformar em capital industrial as
economias de vastas camadas da população; a direção efetiva da emprêsa se
distingue, portanto, da simples participação nesta; há uma distinção jurídica
constante entre acionistas, diretores e conselho fiscal, ou seja, entre a
orientação geral da sociedade, sua administração e a fiscalização desta. Nas
demais sociedades, ao contrário, cada sócio tem, pelo fato de ser sócio, salvo
cláusula em contrário, o poder de participar na administração da sociedade ou,
de qualquer forma, pelo menos (como acontece quanto aos comanditários) ao
seu contrôle21.
Na prática, a distinção entre acionistas e diretores e se foi acentuando no
recente desenvolvimento das sociedades anônimas, dominado pela moderna
tendência à concentração das emprêsas. É justamente dessa acentuação que, a
cada passo, surgem graves problemas na disciplina dessas sociedades22.
Mas não é raro, tampouco, encontrar sociedades anônimas familiares.
Compostas de pouquíssimos sócios, com ações freqüentemente nominativas e
sujeitas, às vezes, quanto à sua transferência, a limitações especiais, com
acionistas que são todos concomitantemente diretores ou membros do conselho
fiscal – muitas vêzes, transformações de emprêsas individuais que procuram,
assim, solidificar-se e perpetuar-se além da vida do fundador –, essas
sociedades apresentam cláusulas particulares sôbre cuja validade
freqüentemente se discute nas salas dos nossos tribunais, apresentando
problemas peculiares seja no direito fiscal23, seja no que respeita a uma
perigosa concentração de riqueza.
21 [N. do O.] A importância jurídica dêsse conceito foi posta em destaque oi WIELAND; é, aliás, evidente
no que diz respeito às sociedades em nome coletivo, em que cada sócio goza, em princípio, de um poder de
administração, que só desaparece por fôrça do pacto social (art. 107 do Cód. Comercial; art. 1.723 do Cód.
Civil) e, mesmo nesse caso, de maneira não absoluta, como resulta da hipótese considerada pela Cassação
italiana em 31-3-1925, e da solução ali adotada (Rivista di Diritto Commerciale, 1925, II, 509) Por sua vez,
o comanditário é excluído da participação na administração da sociedade, não podendo (ao contrário do
acionista na sociedade anônima), ser administrador desta, mas, por outro lado, tem direitos mais amplos
que os do acionista no que diz respeito à possibilidade de fiscalizar a gestão da sociedade (por ex., no que
respeita ao exame dos livros sociais).
22 [N. do O.] O desenvolvimento recente da sociedade anônima, quando o mercado dos capitais é muito
desenvolvido, centraliza a direção, não raro, nas mãos de uma minoria, enquanto a massa dos acionistas
não pode e; muitas vezes, não quer acompanhar verdadeiramente as vicissitudes da emprêsa; emprega o
próprio dinheiro em ações, ou com intenções especulativas ou para simples aplicação de capital. Cf. a
respeito, BERLE & MEANS, The Modern Corporation and Private Property, Nova Iorque, 1932.
23 [N. do O.] Às vêzes, na legislação comparada, estão as sociedades anônimas familiares, sujeitas a uma
regulamentação especial quanto ao imposto de renda. Por exemplo, na legislação canadense autorizam-se,
nesta hipótese, os acionistas a pedir ser tributados direta e pessoalmente, cada um em proporção da própria
participação, em relação ao rendimento percebido pela sociedade. Cf. PLAXTON, The Law Relating the
Income-Tax of the Dominion of Canada, Toronto, 1939, págs. 8 e 186.
23
Nas sociedades anônimas, em específico, alguns sinais são característicos da
heterotipia. Enquanto a adoção da regência supletiva pelo Código Civil certamente
significa uma característica heterotípica, outras particularidades não significam
imediatamente a heterotipia. É o caso da natureza familiar da sociedade que, ainda que
por diversas vezes signifique uma gestão personalista da sociedade, não implica
diretamente no abandono das características esperadas de uma sociedade anônima.
Outros sinais, contudo, são menos claros. Os acionistas exercerem diretamente
ou por meio de parentes cargos de gestão ou do conselho fiscal, ainda que indique um
viés personalista, não necessariamente constituirá uma heterotipia, mas sim uma possível
má gestão. Nesse caso deve-se avaliar outros pontos relevantes, como se o quadro
societário possuir apenas pessoas de uma mesma família ou de famílias com relações
próximas; a forma como os acionistas e diretores se relacionam e se apresentam para o
mercado; a existência de acordos de acionistas que tragam à rotina da companhia normas
e procedimentos comuns a sociedades personalistas, entre outros.
Não havendo outros elementos que levem à conclusão do mal enquadramento
nas regras básicas do tipo societário, às inconsistências podem-se dar três respostas: ou
(1) devem ser consideradas válidas, pois, apesar de estranhas ao tipo, não são vedadas
nem causam prejuízos; ou (2) devem ser consideradas nulas, por serem vedadas e irem de
encontro com as normas e princípios fundamentais para a existência da sociedade; ou (3)
devem ser consideradas atos de má gestão, com a tomada de atos contrários à higidez e
boa governança das sociedade, que, caso gere prejuízos, levam à responsabilidade dos
acionistas.
O primeiro caso seria o de um acionista majoritário compor ele mesmo o
conselho de administração ou o conselho fiscal. Apesar de não ser uma boa prática de
governança, não há vedação legal expressa, de modo que o ato é válido. O segundo caso
seria o de o Estatuto Social prever, nominalmente, que determinados acionistas farão
parte do conselho de administração ou conselho fiscal – o que fere as normas sobre eleição
para esses órgãos. Esse texto deve ser considerado não escrito. O terceiro caso seria de,
na mesma hipótese do primeiro cargo, o acionista membro do conselho de administração
causar prejuízo à companhia ao buscar o privilégio do próprio interesse.
Como forma de auxiliar na identificação da heterotipia, propõe-se a utilização
do quadro-teste abaixo apresentado. Nele, partindo do tipo societário escolhido e
24
verificando as normas regentes da sociedade dispostas no Contrato ou Estatuto social o
quadro-teste leva às conclusões acerca da heterotipia.
TABELA 1 – QUADRO-TESTE PARA DEFINIÇÃO DAS
CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DA HETEROTIPIA
Pergunta inicial: Qual é o tipo societário adotado?
# Hipótese Consequência
1 A sociedade é Simples, em nome
coletivo ou comandita simples
A sociedade é contratual e personalista.
Ir para a Pergunta 1
2 A sociedade é Anônima fechada ou em
comandita por ações
A sociedade é institucional, de capitais.
Ir para a Pergunta 2
3 A sociedade é Limitada A sociedade é contratual.
Ir para a Pergunta 3
4 A sociedade é Anônima aberta A sociedade é institucional, de capitais e de
vínculo estável. Não se admite qualquer
cláusula que modifique essas características,
devendo ser considerada não escrita. O
Estatuto pode estabelecer outras hipóteses
ou remédios para que minoritários sejam
protegidos, mas não facultar-lhes retirada
imotivada a qualquer tempo.
Pergunta 1: A sociedade da hipótese 1 foi contratada por tempo determinado ou
indeterminado?
1.1 A sociedade da hipótese 1 foi contratada
por tempo determinado
A sociedade, além de contratual e
personalista, é de vínculo estável.
Ir para a pergunta 6.
1.2 A sociedade da hipótese 1 foi contratada
por tempo indeterminado
A sociedade, além de contratual e
personalista, é de vínculo instável.
Ir para a pergunta 6.
Pergunta 2: A sociedade da hipótese 2 possui regência supletiva pelo Código Civil?
2.1 A sociedade da hipótese 2 possui
regência supletiva pelo Código Civil
A sociedade, apesar de institucional e de
capitais, possui vínculo excepcionalmente
instável, sendo heterotípica.
Ir para a pergunta 7.
2.2 A sociedade da hipótese 2 não possui
regência supletiva pelo Código Civil
A sociedade é institucional, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 7.
Pergunta 3: A sociedade da hipótese 3 permite a alienação da participação societária
sem anuência prévia?
3.1 A sociedade da hipótese 3 permite a
alienação
A sociedade é contratual e de capitais.
Ir para a pergunta 4.
3.2 A sociedade da hipótese 3 não permite a
alienação
A sociedade é contratual e personalista.
Ir para a pergunta 4.
25
Pergunta 4: A sociedade da pergunta 3 possui regência pela LSA?
4.1 A sociedade da hipótese 3.1 possui
regência pela LSA.
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
4.2 A sociedade da hipótese 3.1 não possui
regência pela LSA.
A sociedade é contratual e de capitais.
Ir para a pergunta 5.
4.3 A sociedade da hipótese 3.2 possui
regência pela LSA
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
4.4 A sociedade da hipótese 3.2 não possui
regência pela LSA
A sociedade é contratual, personalista.
Ir para a pergunta 5.
Pergunta 5: A sociedade da pergunta 4 foi contratada por tempo determinado ou
indeterminado?
5.1 A sociedade da hipótese 4.2 foi
contratada por tempo determinado
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
5.2 A sociedade da hipótese 4.2 foi
contratada por tempo indeterminado
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo instável.
Ir para a pergunta 8.
5.3 A sociedade da hipótese 4.4 foi
contratada por tempo determinado
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
5.4 A sociedade da hipótese 4.4 foi
contratada por tempo indeterminado
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo instável.
Ir para a pergunta 8.
Pergunta 6: A sociedade da pergunta 1 possui alguma das seguintes características?
(não excludentes)
6.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
6.2 A sociedade da pergunta 1, nos termos
do art. 44, §2° c/c 58 do CC/2002,
apresenta algum impedimento ao
exercício do direito de retirada previsto
pelo art. 1.029.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
de estabilidade.
6.3 A sociedade da pergunta 1, nos termos
do art. 44, §2° c/c 56, caput e parágrafo
único do CC/2002, apresenta alguma
permissão para a alienação da
participação societária ou seu exercício
por terceiros sem a necessidade de
aprovação prévia e casuística.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
capitalista.
Pergunta 7: A sociedade da pergunta 2 possui alguma das seguintes características?
(não excludentes)
7.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
26
7.2 A sociedade possui acionistas que não
partilham da lógica personalista, tais
como sociedades de investimento ou
acionistas desconhecidos.
Deve-se considerar não escrita qualquer
cláusula estatutária que dê viés personalista
à sociedade. A sociedade pode ser
heterotípica quanto à instabilidade, caso
haja razão para tanto.
7.3 A sociedade da hipótese 2.1, em seu
estatuto, dispõe sobre o nome ou
características pessoais de todos os
sócios.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista e de instabilidade.
7.4 A sociedade da hipótese 2.2, em seu
estatuto, dispõe sobre nome ou
características pessoais dos sócios.
Consideram-se não escritos os nomes,
diante do viés capitalista, sendo válidos os
registros de titularidade cabíveis (livro de
“Registro de Ações Nominativas” ou da
instituição depositária das ações escriturais)
7.5 A sociedade da pergunta 2, no estatuto
ou em acordo de acionistas, impõe
limites à circulação de ações para
preservar o controle ou características
pessoais dos acionistas da sociedade.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista e de instabilidade.
7.6 A sociedade da hipótese 2.2, no estatuto
ou em acordo de acionistas, impõe
limitações à circulação de ações, nos
termos do art. 36 da LSA/1976, tais
como o direito de preferência de outros
acionistas.
A sociedade não é heterotípica.
7.7 A sociedade da hipótese 2.2, em seu
estatuto, permite retirada imotivada de
acionista oponível à sociedade para a
apuração de seus haveres.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
de instabilidade.
7.8 A sociedade da pergunta 2 é operada de
forma a valorizar a atuação pessoal de
todos os acionistas em detrimento dos
órgãos sociais institucionais.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista.
7.9 A sociedade da pergunta 2 é
administrada por todos os seus
acionistas, seja através da participação
no conselho de administração, ou em
diretorias, ou em ambos.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista.
Pergunta 8: A sociedade das perguntas 4 ou 5 possui alguma das seguintes
características? (não excludentes)
8.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
8.2 A sociedade das hipóteses 4.1, 5.1 ou
5.2 apresenta alguma limitação à
alienação da participação societária.
A sociedade não é heterotípica, apenas
possui restrições em seu viés capitalista.
27
8.3 A sociedade das hipóteses 4.1, 4.3, 5.1
ou 5.3 permite a retirada imotivada de
sócio, oponível à sociedade para a
apuração de seus haveres.
A sociedade não é heterotípica, mas deve
ser classificada como instável.
8.4 A sociedade das hipóteses 4.3, 5.3 ou
5.4 permite, em algum caso
determinado, a supressão da autorização
para a alienação da participação
societária.
A sociedade não é heterotípica, visto que os
sócios concordaram com essa possibilidade
de substituição, o que se incorporou à
característica personalista da sociedade.
8.5 A sociedade das hipóteses 5.2 ou 5.4
apresentar alguma restrição ao exercício
do direito de retirada
A sociedade não é heterotípica, mas deve
ser classificada como estável
O quadro-teste foi desenvolvido buscando compreender o máximo de situações
jurídicas possíveis e a consequência jurídica dessas disposições. Evidente que a
criatividade humana pode sempre ser surpreendente, de modo que a utilização do quadro-
teste pode ser insuficiente, no caso concreto, para determinar toda e qualquer hipótese de
heterotipia. A regra geral, contudo, não se deixa de aplicar: se a sociedade, por suas
conformações práticas, passa assumir características que não seriam próprias do tipo
societário adotado e se isso não importa em uma ilegalidade diretamente prevista – ou
seja, vai explicitamente contra o texto de lei – então há heterotipia.
A consequência dessa situação fática é a aplicabilidade – ainda que não
inicialmente prevista pelos sócios – do regramento previsto para outro tipo societário.
Como bem destaca ASCARELLI (1969, p. 154)
Dever-se-ão, nestas hipóteses, aplicar as normas da sociedade, e não seria
exato falar em simulação, mas, no entanto, dever-se-á levar em conta o fim
último visado, para apreciar a licitude do negócio ou sujeitá-lo a uma disciplina
particular, além da que decorre do regime das sociedades.
Alcança-se, assim, uma tutela dos terceiros mais eficaz do que a decorrente
apenas da teoria da simulação: é justamente a tutela dos terceiros que deve
constituir o critério fundamental quanto à disciplina dêstes fenômenos.
Note-se, ainda, que a sociedade limitada não apresenta, a priori, hipóteses de
heterotipia. Isso se dá em razão da característica maleável do tipo, que pode, a depender
das normas escolhidas pelos sócios, ser de pessoas ou de capitais, estável ou instável.
Assim, não haveria uma hipótese de heterotipia, mas apenas da adoção de características
normais e previstas.
28
As sociedades anônimas são tipicamente sociedades institucionais, de capitais,
estáveis, com o capital dividido em ações. Elas podem ser classificadas como abertas,
com seus valores mobiliários admitidos à negociação no mercado, ou fechadas, quando
não contam com essa admissão.
Os critérios para a admissão dos valores mobiliários ao mercado são
estabelecidos pela Instrução Normativa nº 480 e exigem o respeito à lógica projetada para
as sociedades anônimas. Não há como compatibilizar o regime da sociedade anônima
aberta com uma instabilidade ou característica personalista, haja vista o alto grau de
profissionalização desses mercados. Isso exclui a possibilidade de que sociedades
anônimas abertas sejam, per se, heterotípicas.
Nessas sociedades, qualquer cláusula que vise modificar o caráter institucional
e capitalista da sociedade deve ser considerada nula; assim como cláusulas que tornem o
recesso um ato imotivado não podem subsistir. É possível, contudo, estabelecer outras
causas para o recesso dos acionistas, desde que respeitados os critérios de divulgação e
informação aos investidores.
Já com relação às sociedades anônimas fechadas há maior margem negocial
entre os acionistas para estabelecerem regras próprias, ainda que sejam contrárias ao
esperado para sociedades anônimas, desde que não seja vedado pela lei. Isso se dá em
razão de não haver negociação de papeis no mercado de valores mobiliários que atraiam
investidores externos à sociedade e por todas os sócios ou terem participado de subscrição
privada ou negociado a aquisição de ações de algum acionista.
LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA (1992, p. 92), sobre as razões pelas
quais se preferiria a constituição de uma sociedade anônima, comentou:
Em que pesem tais fatos, as vantagens que apresenta em relação a outros tipos
societários – limitação da responsabilidade dos sócios, livre circulabilidade das
participações incorporadas em ações, perenidade da vida social liberta das
contingências pessoais dos sócios, facilidade da mobilização de
administradores profissionais estranhos à sociedade, entre outras – levaram os
agentes econômicos a optarem pela adoção desse tipo societário mesmo
quando não se pretendia levar a oferta dos títulos ao público investidor. E essas
companhias fechadas, com número de sócios restrito, multiplicaram-se em
número, que supera, de longe, o das companhias abertas (embora não em
dimensão e importância)
29
A heterotipia é uma condição da sociedade anônima, não sua natureza. Toda
sociedade anônima deveria prezar pela efetividade plena da LSA/1976 e qualquer
contrariedade às normas lá previstas pode ser impugnada judicialmente por quem se
considerar prejudicado. Se, contudo, em uma sociedade verificar-se que os acionistas
toleram ou endossam a aplicação de normas e lógicas próprias de outros tipos societários,
caracteriza-se a heterotipia.
A heterotipia pode manifestar-se nas sociedades anônimas sob três formas: (1) a
adoção de posturas que valorizem a atuação dos acionistas de forma a torna-lo,
temporariamente, essencial à companhia, caracterizando um intuito personalista na
sociedade; (2) a existência de instabilidade no vínculo societário pela adoção de regras
ou atitudes específicas que prevejam um recesso imotivado; (3) a operação da sociedade
de forma a valorizar o vínculo pessoal dos acionistas, e não a gestão despersonalizada dos
bens, causando a cumulação das duas outras condições, existindo tanto uma instabilidade
quanto um viés personalista.
A situação mais comum de heterotipia, se dá em sociedades anônimas fechadas
familiares, constituídas com o propósito de organizar negócios que prosperaram com a
administração e titularidade de grupos familiares. Essas sociedades anônimas podem ser
holdings de sociedades que prestam efetivamente os serviços; as sociedades que
propriamente prestam os serviços; ou apenas forma de planejamento sucessório,
patrimonial e do controle das sociedades que constituíram o patrimônio familiar. Nessas
sociedades, há tanto um viés personalista quanto uma instabilidade que decorre desse
viés, se enquadrando no caso 3.
Isso não significa dizer que toda sociedade anônima familiar é heterotípica. O
que define a heterotipia não é a composição do quadro social, mas sim a forma como a
sociedade é regida. Caso a sociedade, ainda que todos os seus acionistas sejam membros
de uma mesma família, não apresente qualquer indício de limitação à circulação das ações
ou permissivo para retirada imotivada, não há porque considerá-la heterotípica.
De mesma sorte, uma sociedade não familiar também pode apresentar as
características da heterotipia caso, por exemplo, todos os acionistas ocupem cargos no
30
conselho de administração e em diretorias24. Contudo, sem a razão familiar de regular a
sucessão, haveria pouca vantagem em adotar o modelo das sociedades anônimas, senão
o possível prestígio ou a captação de investimentos.
Nesses casos, seja familiar ou não25, será necessário um esforço maior do que a
mera impugnação judicial isolada para restaurar a sociedade às características esperadas
de seu tipo, passando pela defesa da profissionalização da gestão e a impugnação
intransigente de atos que não sejam tomados com base no que se espera das sociedades
anônimas. Assim, ao que algum acionista tente buscar a aplicação do CC/2002 em razão
de heterotipia, a sociedade e os demais acionistas poderão demonstrar que não há, ou que
deixou de haver, o intuito personalista que caracteriza essas sociedades heterotípicas.
O fator determinante é verificar a forma como as decisões passam a ser tomadas
e as normas estatutárias serem interpretadas, bem como a atitude dos acionistas para com
as deliberações e interpretações. Pode, dessa forma, ocorrer da sociedade estar
transitoriamente com viés personalista, com a participação mais direta de parte dos
acionistas na administração até que se restitua a sociedade à normalidade, sem que isso
signifique que a sociedade possui característica heterotípica que minem a estabilidade do
vínculo societário.
É o caso de uma sociedade em que, seja em razão de circunstâncias externas, ou
de acontecimentos que afetem o quadro social, ou até por uma praxe continuada da
sociedade, os acionistas assumam funções de administração na sociedade.
Temporariamente, até que se afastem dessas funções, não poderão alienar suas
participações societárias, até que possam se desvincular de suas funções de
administração. Há, para esses acionistas, um vínculo personalista transitório, sem que isso
signifique a atração da instabilidade própria desse vínculo, o que a caracteriza no caso 1.
24 Nesse caso, nem mesmo haveria acionista apto a votar pela aprovação das contas, pelas regras da
LSA/1976, de modo que a aplicação das regras do CC/2002 seria decorrência natural e um desentendimento
grave entre os sócios significaria a inviabilização da administração da sociedade.
25 Destaque-se, aqui, que no caso de não ser familiar ou de, em sendo, haver sócios que fogem à natureza
familiar, como bancos de investimento ou terceiros desconhecidos, que não participem da inversão da
lógica esperada, não há que se falar em heterotipia. Nesse sentido, ver 0024279-63.2017.8.14.0301, 10ª
Vara Cível e Empresarial de Belém/PA, Juíza de Direito Marielma Ferreira Bonfim Tavares, julgamento
em 31de maio de 2017, publicado no DJeTJPA de 6 de junho de 2017, PP. 358-389. Não há heterotipia
parcial e, portanto, se dos atos de gestão praticados pelos acionistas familiares ocorrer algum prejuízo
atribuível à falta de profissionalização da gestão, há componente de culpa suficiente para ensejar a
responsabilização do acionista gestor.
31
Há, aqui, que se fazer uma distinção. Os administradores das companhias devem
empregar a mesma prudência e probidade na administração da sociedade que os que
empregaria em seus negócios próprios. Ainda que não caiba aos acionistas a
administração da sociedade, faz parte do dever de informação, lealdade e diligência do
administrador, que negócios de alta relevância para a vida social sejam apreciados pelo
Conselho de Administração ou pelos acionistas, se não houver Conselho.
No AREsp 763.149/PE, julgado em 09/11/2017, publicado no DJe de
21/11/2017, PP 6096-6099, o STJ manteve Acórdão do TJPE que entendeu não haver
heterotipia em Sociedade Anônima que decidiu arrendar o estabelecimento a outra
sociedade com o mesmo objeto social e realizou assembleia geral para deliberar sobre o
negócio, seguindo as normas da LSA/1976. O acionista insurgente, detentor de ações sem
direito de voto, buscava resolver a sociedade quanto a si e apurar seus haveres alegando
desvio de poder de administrador e quebra da affectio societatis. Acertado, portanto, o
Acórdão, visto que mesmo que fosse limitada a sociedade, sendo o objeto social o mesmo,
não há necessidade de deliberação dos sócios para o arrendamento do estabelecimento;
sendo anônima, era dispensável a deliberação. Contudo, ao identificar a relevância do
contrato para a administração, foram consultados os acionistas, tendo em conta a
inexistência de conselho de administração. Não se deve enxergar heterotipia em
prudência da administração.
Outro importante indicativo de heterotipia é a previsão da aplicação subsidiária
das normas do código civil, o que automaticamente torna a sociedade instável, haja vista
a previsão de retirada imotivada para as sociedades de pessoas regidas pelo Código Civil.
Ainda que não se estabeleça limitação à circulação, mantendo o viés capitalista, a
instabilidade decorrente da adoção da regência supletiva pelo CC/2002 é uma fonte de
heterotipia para sociedades anônimas que a caracteriza no caso 2. No mesmo caso
enquadra-se sociedade que estabelece cláusula de recesso imotivado.
Conclui-se, assim, que a heterotipia não é uma característica única e nem
tampouco permanente. Ela decorre da adoção de normas ou posturas que impliquem na
incidência das normas do Código Civil, seja pela adoção textual de suas normas através
de regência supletiva, o que por si só instabiliza a sociedade; seja pela adoção de posturas
que valorizem a atuação pessoal dos acionistas, que pode ser transitoriamente, o que não
32
instabiliza a sociedade, ou com objetivo de permanência do status quo do controle da
sociedade, o que instabiliza o vínculo entre os acionistas, que passam a poder se retirar.
33
CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISSOLUÇÃO
PARCIAL DE SOCIEDADES
O segundo passo da investigação proposta nessa Dissertação é a identificação
das origens e razões pelas quais estabeleceu-se a dissolução parcial no ordenamento
jurídico brasileiro, que até o CC/2002, reputava totalmente dissolvidas todas as
sociedades em que um sócio rompesse o vínculo, seja por ato ou por fato jurídico. Esse
capítulo, para tanto, parte dos antecedentes mais distantes no direito brasileiro, com (1) a
impossibilidade de dissolução parcial no Código Comercial de 1850 e nas regras
processuais vigentes; (2) a impossibilidade da dissolução parcial das sociedades anônimas
em seus primeiros regramentos; (3) o nascimento jurisprudencial da dissolução parcial
das sociedades de pessoas; e (4) as primeiras previsões do direito de retirada nas
sociedades anônimas.
1 - A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES
O contrato de sociedade foi inicialmente regido pelo Código Comercial imperial,
de 185026, trazendo normas sobre duas categorias de sociedade: a Companhia ou
Sociedade Anônima, de fundação não contratual, formal e dependente de autorização; e
as sociedades contratuais, cujo contrato deveria seguir normas dispostas nos artigos 300
até 310, além daquelas próprias do tipo societário.
As regras do Código Comercial inspiravam-se, segundo LANA (2016, p. 133) e
CAPANEMA (2004, p.38), no individualismo liberal iluminista, valor amplamente aceito
na época de sua feitura e que também inspirou a legislação napoleônica (ALVARES,
26 Segundo CABRAL (2016), apesar da prévia incumbência de José Maria da Silva Lisboa, (visconde de
Cairu, 1756-1835), em 1826, o Código Comercial foi fruto do trabalho de uma comissão formada em 1832
presidida por José Clemente Pereira (José Pequeno, 1787-1854), que substituiu Antônio Paulino Limpo de
Abreu (visconde de Abaeté, 1798-1883) e composta por Ignácio Ratton (importante comerciante, de origem
francesa, nascimento e óbitos desconhecidos), Guilherme Midosi (cafeicultor e comerciante, de origem
francesa, nascimento e óbito desconhecidos), Lars Westin (outras grafias: Lourenço, Laurance; comerciante
e cônsul da Suécia o Brasil; 1787-1846) e o próprio José Maria da Silva Lisboa. O anteprojeto foi entregue
em 6 de agosto de 1834, mas, em razão do período conturbado da Regência entre os dois reinados, não foi
discutido até 1843.
34
2008, PP. 15-28), da qual foi extraída parte de seu teor27. Assim sendo, vigorava o
princípio magno da autonomia da vontade, que direcionou a liberdade de contratar de
maneira absoluta. A pactuação livre das vontades gera um acordo tido como lei entre as
partes contratantes; não sendo diferente no pacto societário. Nesse sentido, veja-se o art.
291:
A compreensão de que o vínculo entre os sócios é imutável e dependente da
vontade gerou, conforme apontam LANA (2016, p. 133) e CAPANEMA DE SOUZA
(2004, p. 38) a interpretação contida no Código Comercial acerca de sua modificação e
dissolubilidade: toda modificação deve ser pactuada diretamente pela vontade de todos
os envolvidos, como se novo pacto fosse (e passando pelos mesmos registros do pacto
original). Qualquer alteração nas condições de eficácia do pacto original termina por
importar no seu término e dissolução28.
Ao tratar da dissolução das sociedades, o Art. 335 do CCom/1850 determina a
dissolução da sociedade em hipóteses diversas, sem distinção. A leitura do parágrafo
único posterior aos números deixa claro que a dissolução que se reputa no caput é a total,
posto que deve ser continuada a sociedade apenas para que sejam “ultimadas” as
negociações.
Art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas:
1 - Expirando o prazo ajustado da sua duração.
2 - Por quebra da sociedade, ou de qualquer dos sócios.
3 - Por mútuo consenso de todos os sócios.
4 - Pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos
que sobreviverem.
5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo
indeterminado.
Em todos os casos deve continuar a sociedade, somente para se ultimarem as
negociações pendentes, procedendo-se à liquidação das ultimadas.
27 Sobre a influência francesa sobre nosso código, para além da naturalidade francesa de dois dos membros
da comissão redatora, ver também AGUILAR VIEIRA e VIEIRA DA COSTA CERQUEIRA (2007).
28 Cabe aqui menção específica à possibilidade abarcada pelo art. 289 do CCom/1850, da “rescisão [d]a
sociedade a respeito do sócio remisso”. Não há, em doutrina ou jurisprudência, qualquer menção que veja
essa possibilidade como uma dissolução parcial ou que a utilize como base analógica para a dissolução
parcial de sociedade. ALBUQUERQUE (1999) aponta que, a seu ver, esta também é uma hipótese de
dissolução parcial. COELHO (2016, 389-390) entende que “quando se cuida, porém, de expulsão do sócio
remisso, a repercussão econômica da desvinculação da sociedade é diversa, e não se fala em reembolso,
mas, sim, em restituição das entradas realizadas, com o desconto do crédito da sociedade, originado da
mora na integralização de seu capital [...] Em outros termos, a expulsão pode gerar para o sócio remisso,
perante a sociedade, um crédito (se as entradas que realizou superam o montante devido a título de juros
moratórios ou indenização pelas perdas e danos) ou um débito (na situação inversa)”. Assim sendo, a
expulsão do sócio remisso não é uma dissolução parcial da sociedade, mas sim a retificação do pacto social
para excluir o remisso, que nem mesmo adimpliu com todas as condições essenciais para se tornar sócio.
35
Na hipótese do número 1, é de se destacar que a expiração do prazo de duração
significa o vencimento do contrato social, o que afeta sua eficácia, agindo como condição
suspensiva da fase final do negócio jurídico, a dissolução da sociedade. Nessa hipótese,
a dissolução por expiração não significa um fracasso ou um impedimento inesperado ao
prosseguimento da sociedade, mas apenas a consecução de seu objetivo pelo tempo
determinado.
No número 2, ao passo de que a quebra (hoje falência) da sociedade acarreta
necessariamente em sua liquidação, a falência (ou insolvência) de um dos sócios não se
entende mais como razão para a dissolução total da sociedade, mas sim de sua exclusão,
nos termos do art. 1.030, parágrafo único, do CC/2002, exceto para o sócio ostensivo de
sociedade em conta de participação.
Contudo, o processo de falência ou insolvência do sócio pode provocar reflexos
societários importantes na sociedade, visto a possiblidade de penhora das cotas e
eventuais relações de confusão patrimonial, bem como no controle da sociedade. Há ainda
a possível incidência de dissolução forçada das cotas do devedor e de sua exclusão da
sociedade, pelo disposto no art. 1.030, parágrafo único, do CC/200229 c/c art. 123 da Lei
nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação e Falências/2005)
O número 3 do art. 335 trata do mútuo consenso de todos os sócios, sendo
hipótese clara de distrato do contrato de sociedade, de modo que a liquidação total da
sociedade se faz realmente necessária.
O número 4 do CCom/1850, por sua vez, trata da morte de um dos sócios. O
próprio código legou aos sócios a possibilidade de disporem contrariamente à dissolução
total, podendo seguir com os sobreviventes e os herdeiros do falecido, nos termos do art.
308, CCom/1850. A regra, contudo, na ausência desta prévia disposição entre os sócios,
era a da dissolução total da sociedade, não havendo na legislação da época, procedimento
para a dissolução apenas dos haveres do falecido.
Há de se destacar que a tradição portuguesa dispunha no mesmo sentido de
impossibilidade da continuação da sociedade, no caso de morte, salvo na constância de
disposição contrária expressa do contrato e verificada a habilidade e idoneidade do
29 Esse artigo será melhor trabalhado no segundo subcapítulo deste Capítulo 2, por merecer análise
aprofundada.
36
herdeiro. As Ordenações Filipinas (PORTUGAL. ESPANHA. 1595, p. 827), em seu
Livro Quarto, Título XLIV (Do contracto da Sociedade e Companhia) eram claras:
“[...]; mas ainda que se faça sem limitação de tempo, morrendo qualquer dos
companheiros, logo acabará o contracto de companhia30, e não passará a seus
herdeiros (4), posto que no contracto se declare, que passe a eles; salvo se a
Companhia fosse de alguma renda nossa ou da República31 (5), que algumas
pessôas houvessem tomado juntamente; porque nestes casos, ainda que algum
dos companheiros na renda falleça, passará o tal arrendamento a seus herdeiros
pelo tempo , que ele durar, se assi foi dito no contracto declarado (6), e o
herdeiro he pessoa diligente e idonea para perseverar na dita Companhia (7)”32
Ainda nesse tema, adicionam as Ordenações (Ibid. p. 829), com notas de rodapé
igualmente enriquecedoras:
O contracto de Companhia se desfaz por morte natural de qualquer dos
companheiros(6)33. E ainda que fiquem outros alguns vivos, tambem quanto á
elles acabará o dito contracto (1)34, salvo e a princípio se acordasse entre os
que vivos ficassem (2)35
30 À época, as palavras “sociedade” e “companhia” eram empregadas como sinônimos. Veja-se a nota de
rodapé nº 2, lado esquerdo, da página 827 de PORTUGAL. ESPANHA. (1595).
31 [N. do A.] O emprego das expressões “nossa ou da República” dizem respeito à sociedade possuir
participação da família real ou do próprio Estado-Nação, sendo, portanto coisa pública (res publica).
32 Os números entre parênteses representam notas do original que, contudo, não fazem adições ao texto.
Copia-se, por ser útil à melhor compreensão da raiz do instituto, apenas a nota (5): “Esta excepção do
Direito Romano foi a unica adoptada pelo Legislador Portuguez ; obrigação imposta pelo Fisco da
Republica e depois do Imperio ás sociedade. ou associações dos Publicanos (arrematado. res de impostos)”.
33 [N. do O.] “(6) T. de Freitas na Consol. Art. 758 §1 nota (2) diz o seguinte: << A sociedade não se
dissolve pelo falecimento da mulher de qualquer dos sócios, ainda que os herdeiros sejão menores; continúa
como o viúvo, ficando reservado para sobre partilha do casal o que ele vier á recever da partilha social em
tempo próprio. A incapacidade civil que sobrevem á qualquer dos socios por alienação mental, e declaração
judicial de fallencia (Cod. Crim. Art 335, n.2), está no mesmo caso do falecimento, e dissolve a sociedade.
Não está, porém, no mesmo caso, a incapacidade civil superveniente pelo facto de casamento da mulher
sócia, e esta passa a ser representada por seu marido. Posto que a sociedade se dissolva por morte de
qualquer dos socios falecido, são válidas e obrigatórias para os outros socios os actos e contractos sociaes
que se tenhão feito antes da notícia da morte, ainda que o resultado deles não seja vantajoso>>. Consulte-
se também a nota ao art. 653 da mesma obra”.
34 [N. do O.] “(1) A doutrina deste § está de accordo com a pr. da Ord., que desposou o rigor do Direito
Romano, que a Jurisprudência moderna tem repelido, de que he testemunho o nosso Cod. Com no art. 308,
o qual permite a continuação da sociedade com os herdeiros do sócio finado. Há mesmo sociedades, diz T.
de Freitas na Consol. Art 764 nota (4), em que a estipulação a tal respeito (a permissão do art. 308) seria
inútil, pois que se a suventende pela natureza das cousas. Assim acontece: 1.º na Colonia parciaria dado o
caso do art. 634, i.e, que o arrendamento não passa aos herdeiros, quando fôr de parceria; 2.º nas sociedades
anonymas, ou companhias (art. 295 do Cod. Com.), que antes unem capitaes que individuis, e onde por
tanto a consideração das pessôas nada influe. O mesmo aconteceria nas sociedades em comandita cujo
capital fosse dividido em acções; o que pelo nosso Direito não he permitido, segundo declarou o D. n. 1487
– de 13 de Dezembro de 1854”.
35 [N. do O.] Esta doutrina está de accordo com a do Cod. Com. art. 335 § 4. Entretanto se entre os herdeiros
do socio fallecido houver algum maior ou emancipado, pode continuar na sociedade, se os socios vivos o
quiserem admittir, mas como bem diz T. de Freitas (art. 764 nota 4), faz-se uma nova sociedade, e não he
continuação da precedente. Consulte0se também Rebouças – Obs. Ao mesmo art. 764 da Consol. Vide
Barbosa, e Lima nos respectivos com., Silva Pereira- Rep das Ords. To 1 nota (6) a pag. 583 e to. 4 nota
37
Por fim, o número 5 deste artigo trata da vontade de um dos sócios de dissolver
a sociedade, o que acarretaria a dissolução plena da sociedade, mesmo que os demais
sócios desejassem mantê-la. Não se faz qualquer distinção acerca da intensidade da
participação do sócio para que lhe seja conferida tal prerrogativa, podendo ser exercida
tanto pelo sócio majoritaríssimo e administrador da sociedade como pelo minoritaríssimo
que nunca a administrou.
A razão fundamental desta norma pretérita, bem como da norma da segunda
parte do número 2 e a do número 4, é a modificação no quadro societário que tais
mudanças ocasionam. A vontade manifestada pelos sócios é modificada pela saída de um
deles, de modo que o status quo ante é modificado, o que foi visto pelo legislador como
uma ruptura da affectio societatis. Conforme destaca ALBUQUERQUE (1999, PP. 168-
169): “havia uma preocupação de que o sócio não renunciasse à companhia simplesmente
para lhe causar prejuízo”.
A solução encontrada foi a dissolução total por padrão, nos termos do caput e do
parágrafo único. Assim, calculados os haveres dos sócios, ficaria ao critério dos sócios
“remanescentes” decidir como destinariam esses bens, sendo que nada lhes impedia de
pactuarem, entre si, uma nova sociedade.
A mesma solução fora alçada pelas Ordenações Filipinas (PORTUGAL.
ESPANHA. 1595, p. 829): “E assi mais se desfaz a Companhia, quando algum dos
companheiros a renunciar, dizendo aos potros per si, ou per seu Procurador, que não quer
mais ser seu companheiro, e isso quando no contracto da Companhia não declarou o
tempo que havia de durar (3)”36.
Ainda no tratamento dado pelo CCom/1850 às sociedades de pessoas, encontra-
se o art. 336:
Art. 336 - As mesmas sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes
do período marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios:
(c) a pag 678, Almeida e Sousa-Obrig. pag 469, Corréa Telles – Interp. §2º, Coelho da Rocha – Dir. Civ.
§864, e F. Borges – Jurisp. §167.
36 [N. do O.] “(3) A doutrina deste § está de harmonia com a do art. 335, §5 do Cod. Com. Ferreira Borges
na – Jurisp. §158 e 161 notas diz que he esta a legislação da França Cod Civ. Art. 1869, da Inglaterra
Wollrich pag. 310, Cary pag. 159, e emfim a legislação geral. Consulte-se também a mesma obra nos §§
56 e 159. Vide Barbosa, e Lima nos respecitovs com., Silva Pereira-Rep das Ords. To 1 nota (c) a pag.
533, e to 4 nota (a) a pag. 679, Mello Freire-Inst liv 4 t 3 20, Corrêa Telles-Interp. § 115, e Almeida e
Sousa-Obrig pag 496”.
38
1 - mostrando-se que é impossível a continuação da sociedade por não poder
preencher o intuito e fim social, como nos casos de perda inteira do capital
social, ou deste não ser suficiente;
2 - por inabilidade de alguns dos sócios, ou incapacidade moral ou civil,
julgada por sentença;
3 - por abuso, prevaricação, violação ou falta de cumprimento das obrigações
sociais, ou fuga de algum dos sócios.
A diferença destas hipóteses de dissolução em relação às hipóteses do art. 335 é
a natureza das situações. As do art. 335 abordam questões atinentes à vida social, ou seja,
que decorrem da própria exploração da sociedade ou de fatos naturais à vida, como é o
caso da expiração, quebra, distrato, morte e vontade de um dos sócios, considerada a
interpretação da imutabilidade do vínculo societário que vigia à época. Já as do art. 336
tratam de hipóteses estranhas à vida social que, diante de sua gravidade, impedem que o
vínculo societário produza seus efeitos, sendo ou externalidades ou ilegalidades
atribuíveis ou não aos sócios.
A hipótese do número 1 trata da impossibilidade de exploração do objeto social,
exemplificando situações de perda inteira do capital social ou da sua insuficiência,
encontrando respaldo no art. 1.034, II do CC/2002. Ao empregar o termo “intuito” o
CCom/1850 abre espaço para interpretações: está o artigo se referindo ao intuito
personalista, com a quebra da affectio societatis ou ao objetivo das sociedades comerciais,
o lucro através da exploração do objeto social? A jurisprudência, ainda que raramente
tenha se manifestado exclusivamente com relação a apenas o intuito, entende que a
utilização da palavra “e” faz com que ambos os elementos tenham que estar presentes e
coligados para a incidência da norma. Veja-se o seguinte julgado (grifei):
A ação merece ser julgada parcialmente procedente. As alegações das partes
nos presentes autos bem refletem a impossibilidade de continuação da
sociedade, por não preencher o intuito e o fim social (art. 336, alínea “1”, do
Código Comercial). As sociedades de pessoas são criadas para
desenvolvimento de uma atividade lucrativa e exigem, para regular
funcionamento, harmonia quase que absoluta entre os sócios, embora não
se possa exigir convergência em todos os assuntos, porque isso é impossível
para no convívio entre pessoas e sócios. As divergências são essenciais
apenas quando permitem discussões construtivas, verdadeiros debates
democráticos que apuram as idéias e fundamentam as decisões administrativas
sábias e proveitosas para o objetivo social. Todavia, resta claro nos autos
que as divergências enfrentadas pelas partes ultrapassam o campo da
racionalidade e causam desagregação do ambiente da empresa, com a
conseqüente ruptura da affectio societatis. Das alegações trazidas pelas
partes na inicial e na contestação, extraem-se, pelo menos, dois fatores
determinantes para conclusão aventada: a perda de confiança e a falta de mútua
colaboração. Tanto não bastasse, cuidando-se de sociedade de pessoas, a
litigiosidade surgida fere mortalmente a imprescindível affectio societatis,
impedindo a regular continuação da sociedade, sem tumultos e
incompreensões. A divergência assim existente entre os sócios entende-se
39
grave, constituindo motivo para a dissolução. Mesmo porque, o autor deixou
claro que não pretende continuar na empresa
(Processo 0037304-06.2012.8.26.0554 (554.01.2012.037304), Juiz de Direito
Alexandre Zanetti STAUBER, 4ª Vara Cível de Santo André.. Diário da
Justiça Eletrônico – Caderno Judicial, 1ª instância, Interior, Parte III. São
Paulo, 30 de julho de 2013. PP. 610-611)
O número 2 prevê a dissolução pela inabilidade de algum dos sócios ou
incapacidade subjacente julgada por sentença, o que encontra guarida no art. 1.030, caput
do CC/2002.
O conceito aberto de “inabilidade” não foi enfrentado pela jurisprudência, não
sendo possível colacionar decisões acerca de seu sentido. Contudo, o Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do Agravo em Recurso Especial n° 350.478/CE, de relatoria do
Min. Raul Araújo, publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 6 de dezembro de 2016,
o tribunal superior manteve decisão que, ad argumentando tantum, apontou que a
aplicação desse artigo exigiria sentença tanto para a inabilidade quanto para a
incapacidade. Há em curso ação de nº 0179867-37.2001.8.26.0577 (577.01.179867-9),
não sentenciada até hoje, em que, segundo o despacho saneador publicado no Diário
Oficial do Estado de São Paulo, Poder Judiciário, de 4 de dezembro de 2002 (p. 505)
discute-se a constituição da inabilidade de sócios em razão de má gestão.
A leitura desse número, em contraste com os demais, também traz dúvidas sobre
o trecho “alguns dos sócios”, único número no plural, enquanto todos os demais números
mencionam “algum” dos sócios. Um dos axiomas da hermenêutica jurídica é que o
legislador não emprega distinções inúteis, de modo que se dificulta ainda mais a
compreensão desse número que, ao fim, acabou menos empregado na prática jurídica.
A interpretação que se propõe é de que a má gestão não é necessariamente
praticada ativamente por mais de um sócio, mas que todos possuem, em razão de seu
dever de fiscalizar e zelar pela sociedade, algum nível de má gestão, da qual o arguente
busca se afastar, atribuindo-a unicamente a algum ou alguns dos sócios. Contudo, a
inabilidade não é apenas qualquer ato de má gestão, mas a contínua demonstração de
inaptidão para a gestão, ou seja, uma inabilidade. Em casos isolados de danos relevantes
à sociedade e unicamente atribuíveis a atos culposamente errados37, bastaria ressarcir a
37 Ou seja, atendidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva; a não ser que alguma norma incida
diretamente sobre o ramo de atividade para afastar o elemento da culpa.
40
sociedade pelas perdas, ainda que judicialmente. BENTO DE FARIA in SANTOS (1955,
p. 264) opina no mesmo sentido:
[r]esulta da má administração dos negócios sociais, da enfermidade habitual
ou prolongada, obstando que o sócio possa ocupar-se das transações da
sociedade; a incapacidade notória para dirigir regularmente o estabelecimento
comercial; a inépcia habitualmente revelada em transações da sociedade em
detrimento dos interêsses comuns; discórdia ou trato rude e grosseiro, tornando
impossível a convivência dos sócios ou prejudicando a boa fama do nome
social, pelo afastamento ou diminuição sensível da clientela, e tantos outros
motivos análogos, cuja apreciação criteriosa só pode ser feita em cada espécie,
de acôrdo com as provas produzidas.
O número 3, por fim, trata dos casos em que um dos sócios extrapola suas
obrigações sociais típicas da sociedade de pessoas, da confiança e boa-fé na condução
dos negócios. A quebra do affectio societatis é a consequência das atitudes dos sócios,
não devendo ser confundida com a causa da ruptura da sociedade, que pode ser estranha
ao próprio objeto social, como é o caso do número em análise.
O conceito de abuso tratado neste número não foi desenvolvido na jurisprudência
pátria. A leitura contextualizada do CCom/1850 aponta que a palavra abuso sempre foi
empregada em um sentido de ação concreta e intencional para lesar alguém por meio do
exercício de um direito ou prerrogativa legítimo, indo no mesmo sentido da definição
dada pelo artigo 2º, §3º do Código Penal Imperial de 1830:
Art. 2º Julgar-se-ha crime, ou delicto: [...]
3º O abuso de poder, que consiste no uso do poder (conferido por Lei) contra
os interesses publicos, ou em prejuizo de particulares, sem que a utilidade
publica o exija.
Veja-se o art. 84, nº 3, que trata do abuso de confiança praticado pelo preposto
o art. 316, §2º, que, ao regular as sociedades em nome coletivo ou com firma, confere o
direito de exigir as perdas e danos causados por sócio que abusasse da firma social o art.
347, que regula a responsabilidade dos liquidantes pelo abuso dos efeitos da sociedade; e
o art. 569, §1º, ainda em vigor, com o direito dos donos de navios fretados à reparação
por perdas e danos causados por abusos cometidos pelos capitães
Não há razões, portanto, para crer que o conceito empregado nesse número seja
diferente. O abuso a que faz menção o CCom/1850 é um ato ilícito do sócio que viola a
confiança depositada pelos sócios e excede as prerrogativas, objetivos e normas sociais,
estando, portanto, fora dos limites estabelecidos entre os sócios e sendo estranho à
sociedade.
41
A prevaricação é definida pelo artigo 129 do Código Penal Imperial de 1830
apenas para os empregados públicos. Apesar de mais detalhado que o Código Penal atual
acerca das condutas que compõem o tipo penal, os elementos do crime seguem os
mesmos: dolo como elemento subjetivo e a prática errada, o retardo ou a negativa de
algum ato que deveria ser praticado conforme o estabelecido na lei, buscando, com isso,
vantagem pessoal de alguma espécie. Analogamente, o sócio incorre em prevaricação ao
praticar algum ato em afronta à lei, ao contrato social, ou à prática comercial, com a
intenção de favorecer-se, e não à sociedade. No mesmo esteio vai a disposição de violação
ou falta de cumprimento das obrigações sociais.
A fuga, por fim, trata do abandono das funções sociais. Não sendo realmente
possível compelir alguém a praticar algum ato, basta que o sócio se negue a cumprir suas
funções sociais para a caracterização da fuga. Não é necessário seu desaparecimento ou
a decretação de sua ausência, visto que os ausentes se presumem mortos, nos termos dos
artigos 10, 481 e 482 do CC/191638.
Da análise das normas acima elencadas, verifica-se, como aponta LANA (2016,
PP.132-133), que o Código Comercial de 1850 dava um tratamento dicotômico entre a
formação da pessoa jurídica e o da sua dissolução. Enquanto a constituição era o
nascimento, qualquer dissolução seria, necessariamente, a morte da sociedade.
Com relação às companhias, o Código Comercial de 1850 dispunha que apenas
poderiam ser dissolvidas em hipóteses restritas.
Art. 295 - As companhias ou sociedades anônimas, designadas pelo objeto ou
empresa a que se destinam, sem firma social, e administradas por mandatários
revogáveis, sócios ou não sócios, só podem estabelecer-se por tempo
determinado, e com autorização do Governo, dependente da aprovação do
Corpo Legislativo quando hajam de gozar de algum privilégio: e devem
provar-se por escritura pública, ou pelos seus estatutos, e pelo ato do Poder que
as houver autorizado.
As companhias só podem ser dissolvidas:
1. Expirando o prazo da sua duração;
2. Por quebra; e
3. Mostrando-se que a companhia não pode preencher o intuito e fim social.
Enquanto o primeiro número é idêntico entre as sociedades de pessoas e as
companhias, os demais apresentam relevante distinção.
38 Também por numerosas vezes se apontam os efeitos equivalentes entre a ausência e a morte nas
Ordenações Filipinas, como no Decreto 160, de 9 de maio de 1842.
42
Na hipótese de quebra, desconsidera-se a quebra do sócio, considerando-se causa
para dissolução apenas a quebra da companhia em si. Isso tem razão na estabilidade do
vínculo típico das companhias, que hoje encontra-se igualmente representado na
Sociedade Anônima. Ao afastar a repercussão de problemas pessoais do sócio na
existência da sociedade, se consagra a natureza capitalista do vínculo e, por consequência,
fortalece a finalidade de exploração do objeto social.
Por sua vez, o número 3, que não se apresenta para as sociedades de pessoas, é
uma imposição objetiva que poderia ser estendida a qualquer pessoa jurídica. A
impossibilidade de preencher seu intuito e finalidade social é, afinal, uma imposição
lógica da dissolução total, já que a sociedade não teria função nem tampouco poderia
operar.
Nota-se a ausência de previsões de dissolução em razão da condição ou da
vontade do sócio, o que revela a natureza estável do vínculo na sociedade de capitais. Os
fatos pessoais dos sócios são irrelevantes para a sociedade, o que favorece sua
continuidade.
Ainda no ano de 1850, em 25 de novembro, foi outorgado o Decreto nº 73739,
que determinou “a ordem do Juízo no Processo Commercial”. Tratava-se de inovação em
relação às Ordenações Filipinas, que vigiam à época, no Brasil. Seu teor, contudo,
destinava-se principalmente a questões da organização judiciária, das petições, decisões
e seus recursos40, não havendo qualquer disposição material com relação à dissolução das
39 O texto desse decreto foi composto inicialmente pela própria comissão redatora do Código Comercial,
sendo promulgado apenas 4 meses depois do Código em si. Da exposição de motivos do Código Comercial,
extrai-se o seguinte trecho, em que se fundamenta sua necessidade e o ideal dos autores: “Na falta do Codigo
do Processo que por escassez de tempo não lhe foi possivel ultimar, offerece a Commissão huma Diposição
Provisoria sobre a administraçao de Justiça Commercial, que, sendo acompanhada de Regulamento
adequado do Poder Executivo, tornará o Codigo Commercial exequivel, em quanto o do Processo se não
poder publicar” (CLEMENTE PEREIRA, LISBOA, RATTON et al. 1834 apud RAÍZES DO BRAZIL,
29/02/2012). O Código de Processo só seria uma realidade em 1939, em razão de várias conjunturas
políticas que o prejudicaram, o que será tema de outra nota de rodapé, quando da abordagem dessa temática.
40 Ainda da Exposição de Motivos do Código Comercial, extrai-se também o seguinte texto:” O Codigo
Commercial he inexequivel sem hum Codigo de Processo appropriado : a cada passo se refere a este, e está
concebido de forma que exige o Juizo por Jurados em muitos casos importantes. A Commissão tinha já
concebido o seu plano; por escacez de tempo não pôde ultimar a redacção com a brevidade que della se
exigia. Para supprir esta falta redigio as bases sobre que pretendia organisar o Projecto do Codigo de
Processo; e entende que, sendo estas desenvolvidas por hum Regulamento do Poder Executivo appropriado,
poderá o Codigo do Commercio ser exequivel, sem inconveniente, em quanto aquelle se não publica. Até
talvez este ensaio seja de utilidade ; porque a instituição do Juizo por Jurados, onde o pessoal do Commercio
he escasso em numero, e ainda mais em sufficiencia , precisa ser ensaiada, para poder fixar-se
definitivamente com acerto, sobre o modo, forma, e garantias contra os abusos. Nas bases propostas, as
causas Commerciaes são commettidas a Juizes de Direito nos casos em que a questão de facto he liquida,
43
sociedades, que se processava nos termos da Seção VIII (Da Liquidação da Sociedade,
artigos 344 a 353), do Capítulo III (Das Sociedades Comerciais) do Título XV (Das
Companhias e Sociedades Comerciais) do Código Comercial.
2 - A IMPOSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES
ANÔNIMAS
Em 1860, como forma de complementação da regulamentação das Companhias,
foi promulgada a Lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860, a Lei das Sociedades Anonymas.
O teor dessa lei, pouco citada pela doutrina, conforme aponta IUDÍCIBUS (2002), era
eminentemente contábil e dispunha laconicamente sobre a dissolução das companhias,
dizendo apenas que a Regulamentação da lei poderia abordar tal assunto:
Art. 7º O Governo nos Regulamentos que expedir para a boa execução desta
Lei poderá impôr multas de 100$ até 1:000$000, e de accordo com as presentes
disposições determinará as condições necessarias para a organisação e
incorporação das Companhias e Sociedades Anonymas e dos estabelecimentos
de que tratão o art. 1º e os §§ 1º, 14, 18, 19, e 20 do art. 2º desta Lei, sua
inspecção e exames, os casos e a fórma da suspensão ou dissolução dellas, e o
que fôr necessario para exercicio das funcções de corretor e regularidade de
seus actos.
Foram editados 4 decretos para a regulamentação dessa lei. O primeiro, Decreto
nº 2.679, de 3 de novembro de 1860, não abordou o tema. O segundo, Decreto nº 2.686,
de 10 de novembro de 1860, previu apenas que as sociedades que passaram a ser
dependentes de autorização, que o fizessem em prazo ou decidissem pela sua dissolução
ou caso fosse negada ou não requerida a autorização, na forma do CCom 1850. Destaca-
se que esses casos não se distinguem do previsto no artigo 295, número 3 do CCom/1850,
pois a falta de autorização é uma causa pela qual a companhia não pode preencher o
intuito e fim social.
e nos de modica quantia. Sempre que a questão de facto he controvertida, pertence o conhecimento para a
decisão do mesmo facto aos Conselhos de Jurados. [...] Na organisação do processo quizera a Commissão
que se omittisse todo o apparato protector da chicana: segundo ella propõe, todas as formulas e termos se
limitão ao essencialmente indispensavel para que se chegue ao conhecimento da verdade, sem estrondo
nem apparato. A Commissão deu alçadas grandes a todas as instancias, porque está intimamente convencida
de que interessa mais ao Commerciante pagar pequenas quantias, ainda que indevidamente, do que eximir-
se deste pagamento perdendo o equivalente em despezas de demandas. Em Commercio, tudo está
subordinado ao calculo do maior lucro; porque seráõ pequenas demandas excluidas deste calculo?”
(CLEMENTE PEREIRA, LISBOA, RATTON et al. 1834 apud RAÍZES DO BRAZIL, 29/02/2012)
44
O terceiro, Decreto nº 2.711, de 19 de dezembro de 1860, por outro lado, criou
algumas normas a esse respeito.
Inicialmente, ao regulamentar diversas matérias obrigatórias à escritura de
Associação ou ao Estatuto da Companhia, determinou a obrigação de se dispor sobre a
porção de perda de capital que importa na dissolução da Companhia Esse trecho faz
menção expressa ao ponto principal de disposições acerca da dissolução, o Capítulo X
“Da dissolução dos bancos e outras companhias e sociedades anonymas”. Os dois artigos
que tratam das hipóteses de dissolução são o Art. 35 e 36, ficando o restante do Capítulo
destinado à forma da dissolução.
Art. 35. A dissolução dos Bancos e outras Companhias o Sociedades
anonymas, suas Caixas filiaes, Agencias autorisadas e com Estatutos
approvados pelo Governo terá lugar:
1º Expirando o prazo de sua duração, se não fôr renovado ou prorogado, ou o
de sua prorogação ou renovação.
2º Por fallencia ou quebra.
3º Mostrando-se que a Companhia não póde preencher o seu fim (art. 295 do
Codigo do Commercio) ou por perda inteira, ou de dous terços do seu capital
se menor limite não tiver sido marcado pelos respectivos Estatutos, e o seu
fundo de reserva não cobrir ou indemnisar a mesma perda.
4º Provada a impossibilidade do ser preenchido, ou por insufficiencia do
capital, ou por qualquer outra causa, o intento e fim social.
5º No caso de ultrapassar o circulo de suas operações, traçado pelos seus
Estatutos, ou de serem dirigidos de hum modo contrario ás condições e regras
por elle estabelecidas ou pela Lei nº 1.083 de 22 de Agosto de 1860.
Os parágrafos 1º e 2º ecoam inteiramente o texto dos números 1 e 2 do Art. 295,
não havendo nenhuma inovação. Contudo, com relação ao §3º, o texto amplia o conceito
contido no número 3 ao adicionar a hipótese da perda inteira ou de dois terços do capital,
ou do limite menor estabelecido pelo Estatuto, sem que o fundo de reserva cubra as
perdas.
Essa disposição, que complementa o comando do Art. 5º, 13, anteriormente
mencionado, cria uma hipótese rígida para a avaliação da viabilidade econômica da
Companhia e sua capacidade de preencher seu fim social, de modo que se trata de hipótese
de dissolução total da sociedade.
O parágrafo 4º, apesar de não encontrar correspondente no artigo 295 do
CCom/1850, é uma pequena modificação do número 1 do Art. 336, com texto mais
conciso. Destaca-se a omissão do termo “intuito”, substituído pela palavra “intento”, que
não deixa margem a interpretações acerca da natureza incidentalmente pessoal para a
Companhia, que, a essa época, seria impossível. A impossibilidade de que trata o
45
parágrafo abrange tanto a impossibilidade econômica da exploração como também
“qualquer outra causa” que torne impossível a prospecção de lucro através da exploração
do objeto social, ou, respectivamente, o intento e o fim social.
A hipótese do §5º, apesar de não encontrar equivalente, exato ou adaptado, em
nenhum artigo do CCom/1850, guarda relações com o conteúdo da norma do número 2
do artigo 336. Enquanto a norma do Código era destinada à dissolução de sociedade de
pessoas em que os sócios se mostrassem inaptos à gestão ou incapazes, o que, tendo em
conta a falta de previsão para a dissolução parcial, ensejava a dissolução total, a norma
do §5º do Decreto em comento busca impedir que a administração da Companhia
ultrapasse seus limites estatutários e legais. Destina-se o dispositivo, portanto, à
administração da Companhia.
Em ambos os casos se busca preservar a higidez da empresa. No caso das
sociedades de pessoas, impede que uma sociedade continue empreendendo com um sócio
inapto para a gestão. No caso da sociedade de capitais, impede que a sociedade ultrapasse
seus limites (que à época eram autorizados pelo Governo) ou que sejam violadas a
condições da exploração do fim social.
Contudo, no caso da norma do Decreto de 1860, a sanção drástica para os atos
ultra vires ou para violações das disposições estatutárias tem sua razão não na higidez da
companhia ou na proteção do mercado e dos sócios, mas sim na autoridade do governo
imperial. Desrespeitar o estatuto e os limites autorizados para a atuação da companhia era
desrespeitar o decreto régio que autorizou sua constituição41.
Em relação ao aspecto societário, a dissolução total em razão de atos do
administrador, ainda que fosse o caso de uma sociedade de pessoas, é excessiva, atingindo
e prejudicando todos os sócios e a Sociedade nacional sem punir o ato exorbitante do
41 Situação semelhante pode-se encontrar na proteção aos direitos autorais, inicialmente conferidos por
privilégio real e, posteriormente, por licença do Rei. Quando impressas sem essa licença, passavam a ser
possivelmente punidas, conforme as Ordenações Filipinas. Posteriormente, tipo criminal próprio foi
inserido no Código Penal Imperial, sob a rubrica de furto. Sobre esse tema, sugere-se a leitura de
MAYRINK DA COSTA, Álvaro, A tutela penal dos Direitos Autorais. Revista da EMERJ, v. 11, nº. 42,
2008, PP. 45-69. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista42/Revista42_45.pdf>. Acesso em
06/09/2017; e SMITH, Virgínia Luna, Plágio, Pirataria, Fair Use e a (Des)criminalização da Violação
de Direito Autoral. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.
Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6074/1/Virginia%20Luna%20Smith.pdf.>.
Acesso em: 06/09/2017.
46
gestor. Para tanto, bastaria o afastamento da administração – ainda que exercida por
acionista majoritário – e sua responsabilização pessoal pelos prejuízos causados à
companhia, a terceiros e à Sociedade nacional. Dissolver a sociedade não resolverá os
danos nem sanará a inabilidade do gestor. Para impedir que esses atos voltem a ocorrer,
basta empregar mecanismos para impedir que o mesmo sócio ocupe cargos
administrativos, temporária ou permanentemente.
O quarto e último ato regulador, Decreto nº 2.733, de 23 de janeiro de 1861,
regulava a forma de transmissão de ações e títulos da dívida pública ou outros títulos. O
decreto não continha normas societárias acerca da dissolução.
O Código Civil de 1916, que não regulava as sociedades comerciais42, não
inovou no aspecto da dissolução da sociedade, contendo, do artigo 1.399 ao 1.409,
disposições bastante semelhantes às do CCom/1850. Nele, de mesma sorte, permitiu-se a
continuidade da sociedade em caso de falecimento apenas quando a sociedade assim o
estipulasse. Nos demais casos, impunha-se a dissolução total da sociedade.
Em conclusão, nem o Código Comercial nem a Lei das Sociedades Anonymas
que o sucedeu, ainda nos tempos do império, admitiam sob qualquer hipótese a dissolução
parcial das sociedades. O que lá se encontrava, como conclui LANA (2016, p.141), são
uma série de disposições acerca de hipóteses em que as sociedades estariam totalmente
dissolvidas. Isso se fundava numa noção de privilégio da autonomia das vontades
privadas que entendia não ser possível a manutenção do vínculo entre os sócios sem a
integralidade dos sócios a todos os instantes.
3 - O NASCIMENTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES
Os problemas causados pelo entendimento clássico foram enfrentados pela
primeira vez em 1919, pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919 (D3708/1919),
que regulava a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Este
decreto, em seu artigo 15, previu as seguintes normas sobre a dissolução:
Art. 15. Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contracto social a
faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia
42 Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: I. As sociedades civis, religiosas, pias, morais,
científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações. II. As sociedades mercantis. [...]
§ 2º As sociedades mercantis continuarão a reger-se pelo estatuto nas leis comerciais.
47
correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço approvado.
Ficam, porém, obrigados ás prestações correspondentes ás quotas respectivas,
na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das
obrigações contrahídas, até à data do registro definitivo da modificação do
estatuto social.
Essa foi a primeira menção legal expressa a uma possibilidade de dissolução
apenas parcial da sociedade, na hipótese restrita da discordância sobre alteração do
contrato social. Começava-se a perceber que a dissolução absoluta não era a resposta ideal
a todas as situações de conflito entre os sócios, o que se escancarava na hipótese do artigo
supracitado. Era justamente a alteração do pactuado que ensejava o conflito, e, portanto,
devia ser dada proteção ao sócio discordante, com o exercício de retirada, em exceção à
regra da dissolução total da sociedade.
Durante o governo provisório de Getúlio Vargas, antes da promulgação de uma
Constituição, foi editado o Decreto nº 21.536, de 15 de julho de 1932, que dispunha
“sobre o modo de constituição do capital das sociedades anônimas, permitindo que ele se
constitua, em parte, por ações preferenciais de uma ou mais classes”. Junto dessa
inovação, foi incluída a garantia do direito de retirada dos acionistas, nos termos abaixo:
Art. 8º Sempre que modificação de estatutos vise alterar as preferências e
vantagens conferidas a uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criar
nova classe de ações com preferência mais favoravel do que a das existentes,
ou alterar o seu valor nominal, essa modificação somente poderá realizar-se
mediante a aprovação de possuidores de dois terços, pelo menos, do capital
constituido pelas classes prejudicadas, após a aprovação da proposta por
acionistas representando a maioria do capital com direito a voto, conforme a
legislação vigente.
§ 1º A aprovação pelas referidas classes se verificará na mesma assembléia
geral convocada para a reforma de estatutos podendo tomar parte na
deliberação das classes prejudicadas todos os acionistas que as compuserem,
quer tenham, quer não, direito a voto pelos estatutos.
§ 2º Se nessa reunião a proposta não for aprovada, por dois terços, pelo menos,
do capital representado pelas classes prejudicadas, ou não for rejeitada por
mais de um terço do capital representado por essas mesmas classes, será
convocada uma assembléia especial composta exclusivamente desses
acionistas.
§ 3º Se, ainda nessa reunião, não se verificarem os requisitos do parágrafo
anterior, far-se-á uma segunda convocação em que a assembléia especial
deliberará com qualquer número, só se considerando, porem, aprovada a
proposta se esta obtiver a seu favor os votos de acionistas representando dois
terços, pelo menos, do capital presente.
Art. 9º Aprovada a proposta a que se refere o artigo anterior, os acionistas
preferenciais dissidentes, que fizerem parte de qualquer das classes
prejudicadas, terão direito ao reembolso do valor das suas ações, se o
reclamarem à diretoria dentro de trinta dias, contados da publicação da ata da
assembléia geral.
§ 1º Na ausência de disposição em contrário, nos estatutos, o valor do
reembolso será o resultado da divisão do ativo líquido da sociedade, constante
de último balanço aprovado pela assembléia geral, pelo número de ações em
circulação na data da assembléia de que trata o art. 8º salvo para os dissidentes
48
que preferirem o valor determinado por avaliação, se por ela protestarem com
a reclamação a que se refere o art. 9º.
§ 2º Se, no prazo de sessenta dias a contar da publicação da ata da assembléia,
não forem substituídos os acionista cujas ações houverem sido reembolsadas,
considerar-se-á reduzido o capital social por importância correspondente ao
valor nominal das ações reembolsadas; cumprindo à diretoria convocar uma
assembléia geral, dentro de cinco dias, para tomar conhecimento da redução
do capital, devendo a respectiva ata ser submetida às formalidades legais de
publicidade e arquivamento.
§ 3º Os acionistas que substituirem aqueles cujas ações forem reembolsadas,
ficarão subrogados nos direitos e obrigações, destes últimos para com a
sociedade, e deverão pagar, pelas ações, uma importância correspondente ao
valor do reembolso, cumprindo a um dos diretores assinar o termo de
transferência das ações.
Nota-se claramente no texto a intenção de conferir o máximo de proteção às
recém-criadas classes de ações preferenciais, dando-lhes a oportunidade até então única
para as sociedades anônimas de opor à sociedade um pedido para o ressarcimento de sua
fração ideal da companhia. Uma pequena variação desse texto acabaria sendo incluída na
Lei das Sociedades por Ações de 1940, poucos anos depois.
O primeiro código de processo civil com abrangência nacional a vigorar no
Brasil43, através do Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 (CPC/1939), trouxe
normas acerca da dissolução das sociedades, inclusive de cunho material. Veja-se o artigo
43 Apesar das discussões realizadas desde os tempos do império, o processo civil pouco avançou, vigorando
plenamente no país O Livro III das Ordenações Filipinas até a promulgação, em 29 de novembro de 1832,
do Código de Processo Criminal, que dispunha sobre algumas poucas simplificações do processo civil.
Posteriormente, algumas dessas mudanças foram desfeitas pelo Decreto de 15 de março de 1842. Apenas
com o Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850, que regulava “a ordem do Juízo no Processo
Commercial” o Brasil passou a regular alguma parte dos processos cíveis por ato legislativo próprio; os
processos cíveis comuns, contudo, permaneceram sob a égide das Ordenações Filipinas ligeiramente
modificadas. Apenas com a proclamação da república, através do Decreto nº 763, de 19 de setembro de
1890, é que todas as causas cíveis passaram a ser regidas pelo Decreto nº 737, mantendo-se, ainda os
processos especiais e de jurisdição voluntária tal qual previstos nas Ordenações. Durante a primeira
república, o artigo 34, nº 26 da Constituição de 1891, permitiu a criação de códigos de processo civil
estaduais e outro para a União, o que foi feito por alguns estados, geralmente com adaptações toscas da
legislação que vigera até ali, feita ressalva em especial à legislação da Bahia, de Minas Gerais e do Distrito
Federal. A Constituição da república de 1934, contudo, suprimiu essa competência, centralizando o
processo sob a égide da União, determinando, no artigo 11 das Disposições Transitórias, a instalação, em
1934, da primeira comissão oficial para a confecção de um Código de Processo Civil, sendo composta por
Arthur Ribeiro de Oliveira (ministro do Supremo Tribunal Federal, 1866-1936), João Martins de Carvalho
Mourão (ministro do Supremo Tribunal Federal, 1872-1951) e Levi Fernandes Carneiro (outra grafia: Levy;
jurista e advogado,1882-1971). Essa comissão não teve a oportunidade de concluir seus trabalhos em razão
do golpe do Estado Novo, em 1937. O ministro de estado Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968)
estabeleceu uma nova comissão, formada por Edgard Costa (então desembargador do Distrito Federal,
posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal, 1887-1970), Alvaro Goulart de Oliveira (então
desembargador do Rio de Janeiro, posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal, 1882-1950),
Álvaro Mendes Pimentel (jurista, advogado, jornalista; nascimento e óbito desconhecidos), Pedro Batista
Martins (advogado, nascimento e óbito desconhecidos) e Múcio Continentino (advogado, nascimento e
óbito desconhecidos). Finalmente, após nova revisão por Francisco Campos, foi decretado no Código de
Processo Civil, em 1940. Para mais sobre essa questão, recomenda-se a leitura de SOUZA JÚNIOR (1996),
VIANA (2001), ALMEIDA (2016), BELINATI MARTINS e MARQUES MOREIRA (2015)
49
363: “Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, proceder-se-á à
liquidação para apurar os haveres do morto, ficando o sócio sobrevivente subrogado, de
pleno direito, nos benefícios da lei, desde que continue a explorar o mesmo ramo de
negócio”.
À época, a despeito do pleno vigor das normas do Código Comercial de 1850,
tanto a prática comercial como a doutrina especializada já apontava largamente a
necessidade da preservação da empresa, que não poderia ficar refém de fatos naturais que
atingissem os sócios. Ao comentar a personalização das sociedades, VALVERDE (1942,
p. 637) resume:
“Essa orientação do direito comercial brasileiro veio robustecer a prática
mercantil, a qual, com o objetivo de proteger a emprêsa, a continuidade da
sociedade contra certos eventos que, segundo o Código Comercial,
determinam a sua dissolução de pleno direito, inclue nos contratos ou atos
constitutivos das sociedades cláusulas destinadas a afastar os efeitos
dissolventes do fato ou acontecimento. A falência ou a morte de um dos sócios,
a vontade unilateral de qualquer deles, quando constituída a sociedade por
tempo indeterminado não operam, por força da convenção escrita, a dissolução
da sociedade, mas determinam, exclusivamente a apuração dos haveres do
sócio falido, morto ou que se retira e o consequente pagamento a quem de
direito. Do mesmo modo, quanto à incapacidade superveniente do sócio e aos
demais atos que, por lei, podem motivar o pedido de dissolução da sociedade.
Para os casos de violação ou não cumprimento das obrigações, de abusos de
prevaricação, etc., que tornam o sócio indesejável dentro da organização, a
prática mercantil consigna no contrato a cláusula de exclusão dêsse sócio por
deliberação da maioria e até pelo voto preponderante do sócio de maior
graduação.
Tôdas essas cláusulas mereceram a sanção da jurisprudência esclarecida dos
nossos tribunais, tendo em vista a regra do art. 291 do Código Comercial, e
constituem aquisição definitiva do direito comercial brasileiro neste ponto, a
meu ver, muito mais adiantado que o de outros países, dos quais importamos
ensinamentos e nos quais juristas ainda discutem a validade jurídica de
algumas dessas cláusulas.
Temos, pois, que o futuro Código Comercial ou o Código das Sociedades
Mercantis há de inserir a regra de que a ‘falência, o falecimento, a incapacidade
superveniente, ou qualquer outro evento que impossibilite o sócio de
permanecer na sociedade não acarretará a liquidação desta, salvo se dois forem
os sócios’. E seguir-se-ão as regras complementares. Tudo, pois, em contrário
ao que atualmente prescreve o Código Comercial.
Essa evolução do direito comercial brasileiro reflete a necessidade de proteger
a sociedade, a continuidade da emprêsa, contra os próprios sócios ou os
eventos que o Código Comercial, de feição nitidamente individualista,
acarretam a dissolução do organismo jurídico, com prejuízo para a economia
de seus componentes e, indiretamente, da economia nacional”.
A despeito de estabelecer rito para a dissolução total das sociedades, o CPC/1939
não conteve nenhuma inovação, material ou processual, destinada à sua dissolução
parcial. O artigo 363, localizado no Título XI (Da ação renovatória de contrato de locação
50
de imóveis destinados a fins comerciais), no Livro IV (Dos processos especiais) assim
dispunha:
“Art. 363. Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios,
proceder-se-á à liquidação para apurar os haveres do morto, ficando o sócio
sobrevivente subrogado, de pleno direito, nos benefícios da lei, desde que
continue a explorar o mesmo ramo de negocio”.
Apesar de apontar que “proceder-se-á à liquidação para apurar os haveres do
morto” o foco principal da norma é permitir que os sócios sobreviventes, decidindo pela
manutenção da sociedade, tenham meios para manter o ponto comercial e as atividades
da sociedade, conforme aponta SANTOS (1954, p. 56). MIRANDA (1959a, p. 418)
aponta que esse artigo é fruto de uma construção pretória, sendo incorporada pela lei e
estendendo os efeitos previstos pelo Art. 8º, e do Decreto 24.150, de 20 de abril de 193444.
Cabe relembrar que até esse momento, a continuidade da sociedade era vista
como repactuação do contrato social, operando-se a sub-rogação da nova sociedade nos
direitos e privilégios legalmente previstos45 a que faria jus a antiga sociedade, integrada
também pelo falecido. Assim sendo, a norma realmente auxilia na manutenção da
empresa, não em razão da previsão da dissolução parcial, mas, como aponta MIRANDA
(1959a, p. 418), permitindo que os sócios e herdeiros do falecido possam seguir as
atividades da empresa.
Ainda no CPC/1939, entre os artigos 655 e 674, componentes do Título
XXXVIII (Da dissolução e liquidação de sociedades) do mesmo livro do CPC/1939,
foram previstas normas de procedimento úteis unicamente à dissolução integral da
sociedade, seja ela civil ou comercial, de pessoas ou de capitais, regular ou de fato, como
apontam MIRANDA (1959b, p. 149) e AMERICANO (1959, p. 459). Veja-se que, nos
temos do artigo 65746, ao declarar ou decretar a dissolução, no mesmo ato, deverá o juiz
44 Art. 8º A contestação do locador, além da defesa de direito que lhe possa caber, ou que se regulará pelos
principios gerais, ficará adstrita, quanto à matéria do fato, ao seguinte: [...] e) que o prédio vai ser usado
por ele próprio locador, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Parágrafo único. Nessa hipótese,
todavia, o prédio não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo de comércio ou indústria do inquilino
do contracto em trânsito.
45 MIRANDA (1959, P. 396-399) declina detalhadamente os pressupostos de direito material para a
incidência da lei, no caso o Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934, permitindo aos comerciantes obrigar à
renovação do contrato. Em síntese, sendo o imóvel destinado pelo locatário a finalidade comercial ou
industrial, com contrato de locação de ao menos cinco anos, havendo pelo menos 3 anos ininterruptos de
exploração da atividade.
46 Art. 657. Se o juiz declarar, ou decretar, a dissolução, na mesma sentença nomeará liquidante a pessoa a
quem, pelo contrato, pelos estatutos, ou pela lei, competir tal função. § 1º Se a lei, o contrato e os estatutos
nada dispuserem a respeito, o liquidante será escolhido pelos interessados, por meio de votos entregues em
51
nomear o liquidante designado pelo contrato, estatuto ou pela lei; não havendo, escolhe-
se o liquidante por eleição.
Os deveres desse liquidante, que caso inadimplidos levam a sua destituição ex
officio ou a pedido, nos termos do artigo 661, são definidos como segue:
Art. 660. O liquidante deverá:
I – levantar o inventário dos bens e fazer o balanço da sociedade, nos quinze
(15) dias seguintes à nomeação, prazo que o juiz poderá prorrogar por motivo
justo;
II – promover a cobrança das dívidas ativas e pagar as passivas, certas e
exigíveis, reclamando dos sócios, na proporção de suas quotas na sociedade,
os fundos necessários, quando insuficientes os da caixa;
III – vender, com autorização do juiz, os bens de fácil deterioração, ou de
guarda dispendiosa, e os indispensáveis para os encargos da liquidação,
quando as recusarem os sócios a suprir os fundos necessários;
IV – praticar os atos necessários para assegurar os direitos da sociedade, e
representá-la ativa e passivamente nas ações que interessarem a liquidação,
podendo contratar advogado e empregados com autorização do juiz e ouvidos
os sócios;
V – apresentar, mensalmente, ou sempre que o juiz o determinar, balancete da
liquidação;
VI – propor a forma da divisão, ou partilha, ou do pagamento dos sócios,
quando ultimada a liquidação, apresentando relatório dos atos e operações que
houver praticado;
VII – prestar contas de sua gestão, quando terminados os trabalhos, ou
destituido das funções.
Todos estes deveres, que se somam aos estabelecidos pelos atos societários e
pela lei material (MIRANDA, 1959b, p. 163) são diretamente focados no fechamento de
uma sociedade, guardando relação com os do síndico na falência, conforme aponta
AMÉRICO (1959, p. 461). A partir do momento em que o liquidante é nomeado, passa a
praticar todos os atos de gestão da sociedade, devendo encerrar seus negócios, liquidar
seus bens e propor a partilha final. Para uma dissolução apenas parcial, com a necessária
apuração dos haveres dos ex-sócios, não é desejável a substituição dos sócios
remanescentes na gestão nem tampouco a liquidação forçada de seus bens, o que poderia
levar à inviabilidade da continuação do negócio.
Assim sendo, o artigo 668 previu que “Si a morte de qualquer dos sócios não
causar a dissolução da sociedade, serão apurados exclusivamente os haveres do falecido,
cartório. A decisão tomar-se-á por maioria, computada pelo capital dos sócios que votarem e, nas
sociedades de capital variável, naquelas em que houver divergência sobre o capital de cada sócio e nas de
fins não econômicos, pelo número de sócios votantes, tendo os sucessores apenas um voto. § 2º Se forem
somente dois (2) os sócios e divergirem, a escolha do liquidante será feita pelo juiz entre pessoas estranhas
à sociedade. § 3º Em qualquer caso, porém, poderão os interessados, si concordes, indicar, em petição, o
liquidante.
52
e seus herdeiros ou sucessores serão pagos pelo modo estabelecido no contrato social, ou
pelo proposto e aceito”. A norma, assim, corrobora a falta de utilidade do disposto no
Título para a questão, deixando a critério das partes contratantes a definição do
procedimento a ser adotado para a dissolução parcial. MIRANDA (1959b, p. 170, grifos
do original) comenta:
1) RETIRADA DO SÓCIO SEM DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. – A
retirada de sócio, que não produz dissolução da sociedade, segundo os
princípios de direito material (e. g., cláusula do contrato que preveja a
substituição do sócio por outrem – sócio, herdeiro ou estranho), só
acidentalmente pode ser assunto do Título XXXVIII, que trata da “dissolução
e liquidação de sociedades”. Já o antigo Código de Processo Civil do Distrito
Federal, art. 950, previa os dois casos de pagamento, na hipótese de haver
retirada de sócio sem se dar a dissolução da sociedade: a) conforme o
estabelecido no contrato, ou b) conforme o convencionado posteriormente. O
Código de Processo Civil adicionou terceiro (c): “pelo determinado na
sentença”. Já o art. 471, §4º, previra o caso da morte do sócio de sociedade
comercial, mandando proceder ao balanço do estabelecimento com o pai ou o
tutor do herdeiro menor e com o curador especial, a fim de se apurar o que há
de entrar no acervo hereditário. Aqui, a regra é geral a quaisquer sociedades.
MIRANDA (1959b, PP. 154-155) inclusive é da opinião de que a ação para a
dissolução parcial da sociedade é prescindível:
6) QUANDO É QUE SE PODE PRESCINDIR DA AÇÃO DE
LIQUIDAÇÃO. – [...]
e) Se cabe a retirada de algum sócio, sem dissolução da sociedade (denúncia),
e a sociedade, por outro motivo, se dissolve, a retirada do sócio trata-se em
primeiro lugar, ainda que no mesmo processo. Os negócios pendentes não se
calculam para o caso da retirada, mas, concluídos e apurados lucros ou perdas,
assume-os o denunciante. Essa regra também se aplica ao caso da morte do
sócio sem dissolução da sociedade.
Assim sendo, o CPC/1939 não estatuiu procedimento para a dissolução parcial
e liquidação dos haveres do sócio falecido ou retirante, mas já previu essa situação, dando
às partes a liberdade contratantes para definirem as regras para seu processamento e, caso
não o façam, ao Juiz para que lhe defina. SANTOS (1955, p. 306) opina que o rito
apropriado seria:
Para isso deve proceder-se, por meio de perito meneado pelo juiz, ao balanço
social até a data do falecimento, ou como estiver estipulado no contrato.
Êsse balanço é que esclarecerá a parte que cabe ao sócio falecido, sendo lícito
aos herdeiros fiscalizarem a organização dêsse balanço, podendo mesmo
reclamar contra lançamentos feitos e impugnar o resultado oferecido, nas
mesmas condições estatuídas para a liquidação comum.
A dissolução, contudo, nem sempre se dá de pleno acordo entre os sócios, o que
fez com que críticas fossem realizadas à redação, que não previa que o Juiz pudesse
determinar o modo pelo qual se realizaria a dissolução. Essas críticas foram incorporadas
53
pelo Decreto-Lei nº 4.565, de 11 de agosto de 1942, que, entre diversas outras
providências na modificação do CPC/1939, alterou a redação do artigo:
Art. 668. Se a morte ou a retirada de qualquer dos sócios não causar a
dissolução da sociedade, serão apurados exclusivamente os seus haveres,
fazendo-se o pagamento pelo modo estabelecido no contrato social, ou pelo
convencionado, ou, ainda, pelo determinado na sentença.
Comentando este artigo AMÉRICO (1959, p. 466) aponta que “[n]o caso de
divergência sôbre a liquidação, ou nos de intervenção judicial necessária, segue-se a ação
de que trata o art. 656, §2º”. Nos demais casos não-litigiosos, bastaria escritura na forma
estabelecida na legislação ou um acordo em juízo.
O supramencionado artigo 656, §2º dispõe um procedimento simplificado para
a decretação da dissolução, que, conforme aponta MIRANDA (1959b, PP. 156-157),
prescinde de despacho saneador e das medidas de sanação. Nesse caso, deve-se também
comprovar na petição inicial a incidência das hipóteses autorizadoras da dissolução
parcial e apuração dos haveres.:
Art. 656. A petição inicial será instruida com o contrato social ou com os
estatutos. [...]
§ 2º Nos casos de dissolução contenciosa, apresentada a petição e ouvidos os
interessados no prazo de cinco (5) dias, o juiz proferirá imediatamente a
sentença, se julgar provadas as alegações do requerente.
Se a prova não fôr suficiente, o juiz designará audiência para instrução e
julgamento, e procederá de conformidade com o disposto nos arts. 267 a 272.
Sendo necessária a comprovação mais aprofundada de qualquer questão,
designa-se audiência de instrução e julgamento e o processo segue as regras do rito
comum. Sendo necessária a comprovação de algum documento societário, como os atos
constitutivos, segue-se o estabelecido no artigo 67347.
Com relação à dissolução da Sociedades Anônimas, o CPC/1939 dispôs apenas
o artigo 674, legando essa dissolução ao procedimento ordinário: "Art. 674. A dissolução
das sociedades anônimas far-se-á na forma do processo ordinário”. À época da
promulgação, as normas materiais sobre dissolução da sociedade anônima que vigiam
eram as dos tempos do império, já previamente tratadas. A opção pelo rito ordinário tem
razão na natureza contenciosa das hipóteses de dissolução judicial da sociedade anônima,
47 Art. 673. Não havendo contrato ou instrumento de constituição de sociedade, que regule os direitos e
obrigações dos sócios, a dissolução judicial será requerida pela forma do processo ordinário e a liquidação
far-se-á pelo modo estabelecido para a liquidação das sentenças.
54
que são decididas por Sentença com natureza condenatória, como aponta MIRANDA
(1959b, PP.179-180). SANTOS (1955, p. 316) complementa:
Sòmente é obrigatória a dissolução por meio de ação ordinária no caso de não
poder a sociedade anônima preencher o seu fim por insuficiência do capital ou
por outro qualquer motivo [...].
Em tais casos, a qualquer acionista é lícito propor a ação para obter a
decretação judicial da dissolução da sociedade.
Nos demais casos, a dissolução da sociedade anônima poderá verificar-se
amigàvelmente, ou seja pela deliberação da assembléia geral.
Mesmo quando a causa da dissolução é a redução do número de acionistas a
menos de sete, em regra, ela é resolvida pela assembléia geral, ou pela
diretoria, a qual deve, depois de vencido o prazo de seis meses sem que se
verifiq [sic] o aumento do número de acionistas, isso mesmo declarar e
convocar a assembléia geral para resolver sôbre o modo da liquidação e
nomear liquidantes, se os estatutos são omissos.
Sòmente se os administradores não cumprirem êsse dever ou a assembléia
geral não resolve a dissolução, poderá justificar-se a ação promovida por
qualquer dos acionistas para obter a dissolução por tal motivo.
Pouco depois o Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, conhecido
como Lei das Sociedades por Ações (LSA/1940), determinou a dissolução das
companhias por Sentença, quando o objeto social for ilícito48, e sua liquidação nas
hipóteses dos artigos 137 e 138:
Art. 137. A sociedade anônima ou companhia entra em liquidação:
a) pelo término do prazo de duração;
b) nos casos previstos nos estatutos;
c) por deliberação da assembléia geral, convocada e instalada na forma prevista
para a destinada à reforma dos estatutos, ou pelo consentimento unânime dos
acionistas, manifestado em instrumento público;
d) pela redução do número de acionistas a menos de sete, verificada em
assembléia geral ordinária, e caso esse mínimo não seja preenchido até a
seguinte assembléia geral ordinária;
e) pela cassação, na forma da lei, da autorização para funcionar.
Art. 138. A sociedade entrará em liquidação judicial:
a) quando, por decisão definitiva e irrecorrivel, for anulada a sua constituição;
b) por decisão definitiva e irrecorrivel, proferida em ação proposta por
acionistas que representem mais de um quinto do capital social e provem não
poder ela preencher o seu fim;
c) em caso de falência, na forma prescrita na respectiva lei.
As hipóteses do artigo 137, exceto a da alínea e, partem todas dos sócios, sendo
denominadas por MIRANDA VALVERDE (1959b, p. 16) como causas internas. Essas
causas não necessitam de qualquer intervenção judicial para que se considere dissolvida
48 Art. 167. Será judicialmente dissolvida, a requerimento do orgão do Ministério Público, a sociedade
anônima ou companhia, ou a sociedade em comandita por ações, que tiver objeto ou fim ilícito, ou
desenvolver atividade ilícita ou proibida por lei. [...]
55
a sociedade, mas no caso da alínea e, se não partir dos sócios a liquidação, será processada
judicialmente, nos termos do artigo 167 (Ibid. PP. 20-21).
As hipóteses do artigo 138, por sua vez, podem partir dos sócios ou não e são
obrigatoriamente judicializadas, sendo declaradas por Sentença. A liquidação em si,
contudo, se processa fora do juízo, nos termos da própria lei.
Destaca-se que foi da exegese do artigo 138 supracitado que se desenvolveu o
conceito da finalidade essencialmente lucrativa da sociedade anônima, bem como as
discussões acerca da existência ou não de affectio societatis nessa modalidade societária.
O Acórdão que inaugurou a discussão foi o do julgamento do Recurso Extraordinário nº
20.023/DF, que, por unanimidade, reformou o Acórdão Cível nº 8.632 (Rel. Des. Antônio
Vieira Braga, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro),
julgado em 26 de janeiro de 1951 in MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 530-531), que
entendera não ser suficiente a demonstração da não distribuição de lucros para a
dissolução da sociedade:
Ementa – O fim lucrativo é essencial à sociedade anônimas. Ausencia de lucros
durante 25 anos; causa de dissolução. Aplicação do art. 138, b, da lei das
sociedades por ações. [...].
Relatório [...] “No mérito, tudo se reduz à verificação da existência do
fundamento invocado para a dissolução, previsto na letra b do art. 138 das
sociedades por ações. Só em 5 anos a sociedade deu lucros (1927, 1931, 1942,
1946 e 1948) [...]. Na emprêsa destinada a fins lucrativos, não se pode deixar
de considerar como elemento relevante, ao indagar se ela pode ou não
preencher o seu fim, o fato de se passarem anos seguidos sem a distribuição de
lucros. Carvalho de Mendonça cita opinião de Baudry e Wahl e estes apontam
decisão da Justiça francêsa decretando a dissolução de sociedades, por falta de
distribuição de lucros. Isso, porém, é uma questão de fato e, portanto, o
problema tem que ser resolvido em cada caso, em face das circunstâncias e
dados que servem para a interpretação exata da não distribuição de lucros. [...].
VOTO. O objeto da sociedade anônima ou companhia somente pode ser
emprêsa de fim lucrativo. Não é senão lucri faciendi causa que se forma e opera
a sociedade anônima se não pode preencher tal fim precípuo, se vem a fracassar
no seu objetivo de grangeio de lucros, é uma tentativa malograda e perde sua
própria razão de ser. É o que dispõem, expressis verbis, os arts. 2º e 138, letra
b, combinados, do Decreto-lei nº 2.627, de 26-9-1940. [...] Ora, dizer-se que
uma sociedade que revelou, através de 25 anos, seu completo insucesso na
obtenção de lucros, apresentando, ao invés disso, um vultoso passivo, e que,
para livrar-se da ação judicial de credores, teve de pedir socorro à lei de
moratória pecuarista, não deixou de preencher o seu fim ou não merece ser
dissolvida, é positivamente uma conclusão em colisão com as premissas. Diz
o acórdão que “na hipótese dos autos fica a impressão de que a apelada bem
administrada passará agora a dar lucros, isto é, a distribuir lucros”. É uma
conjetura gratuita subordinada a uma condição cuja possibilidade vem sendo
desmentida há 25 anos, isto é, a “boa administração da fazenda”.
Tenho para mim que o acórdão, não obstante a reconhecida maestria de seus
ilustres prolatores, deixou de cumprir, por inadequada interpretação o art. 138,
b, da lei das sociedades por ações.
56
Assim, conheço do recurso, pelo seu fundamento, e lhe dou provimento.
(Recurso Extraordinário nº 20.023/DF, Re. Min. Nelson Hungria, julgado pela
Primeira Turma do STF, em 22 de abril de 1952. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=2002
3&classe=RE>. Acesso em 26/09/2017).
Após esse precedente da corte suprema, a jurisprudência passou a contemplar a
capacidade de distribuição de rendimentos ao averiguar o cumprimento do fim. Essa
questão por vezes se somou a discussões acerca da existência e influência da affectio
societatis nas sociedades anônimas, quando não for possível alegação sobre a
impossibilidade de reverter lucros. Veja-se o julgado abaixo:
Trata-se de dissolução de sociedade anônima pretendida por parte dos
apelantes, os quais constituem minoria entre acionistas, com mais de um quinto
do capital. Arguem a prática de atos prejudiciais à sociedade e a seus interêsses,
[...], sustentando não poder a sociedade preencher seus fins, desaparecida a
affectio societatis.
Em sua defesa a ré impunga [...], não ocorrem circunstâncias para dissolução,
visto como há distribuição de lucros, sendo estranho às sociedades anônimas o
conceito de affectio societatis, por isso que fogem elas aos moldes das
sociedades intuitu personae. [...]
Os autos evidenciam a atitude e os atos tendentes a sacrificar os interesses do
A. e outros acionistas contra os apelantes, sendo numerosos os atos, a pretexto
de represálias e visando o rebaixamento de dividendos, melhor aquinhoamento
aos componentes da maioria e outros destinados ao total afastamento dos
apelantes da sociedade. [...]
Entre os comercialistas se distingue os casos de impossibilidade originária
quanto ao objeto da impossibilidade superveniente, na especial hipótese, da
discórdia entre os sócios, admitindo-se esta, como razão de relevância quando
se torna impossível pela disciplina das deliberações dos sócios fazer prevalecer
a vontade social [...].
A cessação ou inexistência da affectio societatis, mesmo para aqueles como
Valverde, que a reputam existente nas sociedades de capital, não seria razão
expressiva para a dissolução, atenta a harmonia ocorrente, em relação à
minoria. E a lei deixa claro que êsse elemento subjetivo é mínimo nas
sociedades de capital armando a minoria de meios de defesa outros, contra os
abusos da maioria.
Demais, a existência da sociedade sobreleva e se superpõe aos interêsses
pessoais dos sócios, mòrmente nas sociedades anônimas, cuja denominação
bem esclarece o sentido e o tipo de tais sociedades. [...] (Apelação Cível nº
8.571, Rel. Des. Sady de Gusmão, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (Rio de Janeiro), julgamento em 27 de novembro de 1951 in
MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 531-534)
A leitura desse acórdão aclara que a visão da época se amolda à atual, da
irrelevância apriorística da affectio societatis nas sociedades de capitais. Outro julgado
(Apelação Cível n.º 29.165, da Capital/SP, Rel. Des. Leme da Silva, 2ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em, 21 de maio de 1946 in
MIRANDA JÚNIOR, 1960, PP. 534-544) aponta também no mesmo sentido: “[...] Um
acionista não adere senão por uma coisa: inverter os capitais que subscreveu. [...]. Eis aí
57
como se há de entender a affectio societatis, em relação as sociedades anônimas”.
Contudo, tece considerações outras, por faticamente ter sido apurada a característica
familiar da sociedade:
Trata-se, por conseguinte, de uma sociedade anônima em que o elemento
personalista é relevante, ao contrário do que ocorre com as sociedades
puramente capitalísticas, como as grandes sociedades por ações
contemporâneas.
E sendo assim, deve-se concluir que estas sociedades anônimas familiares
podem ser liquidadas, judicialmente sob o fundamento de grave e inrremovível
dissentimento entre dois grupos de acionistas, uma vez que a doutrina e a
jurisprudência tem se orientado nesse sentido, quando a sociedade de pessoas,
com base no art. 336, nº I, do Cód. Comercial, que também cogita da
impossibilidade de preenchimento do fim social. [...]
É precisamente nesse sentido que têm se firmado a doutrina e a jurisprudência,
que haverá de ser aplicada com maior rigorismo ao caso de uma sociedade
anônima familiar, dada a sua natureza mista de sociedade de capitais e de
pessoas, conforme esclarecimentos anteriores. E a razão está não sòmente no
fato de serem transferíveis as ações, embora sempre haja uma certa limitação
a tal respeito nas sociedades anônimas familiares, como ainda na circunstância
apontada de que a sociedade é dirigida por uma diretoria escolhida em votações
periódicas, cabendo aos demais acionistas fiscalizar-lhe os atos. [...]
Procuram êles reforçar o seu ponto de vista com as eventuais consequências
decorrente da cláusula estatutária que restringe de algum modo a livre
negociabilidade das suas ações, o que importaria, afinal, em submetê-los a um
domínio permanente do grupo majoritário, quantitativamente insignificante e
inamistoso. [...]
Não há no processo a menor referência a qualquer tentativa ou iniciativa
porventura feita pelos autores, a fim de conseguirem a venda ou transferência
das suas ações aos réus, ou a pessoas estranhas a sociedade, quando é bem
certo que nada os impedia de assim proceder, retirando-se do quadro social.
Ao revés, tudo indica que jamais pretenderam dispôr dos seus títulos sociais,
porquanto o seu desejo indisfarçável não é outro senão transformar em
realidade aquele plano de divisão do patrimônio da companhia, de há muito
projetado, e, afinal consubstanciado na ata da assembléia de janeiro de 1936,
cujas deliberações foram declaradas sem efeito pela de fevereiro de 1942. [...]
Se os autores acaso tiverem direitos seus postergados pela deliberação da
assembleia de 1942, isso não poderia ser aqui objeto de cogitação útil ou eficaz,
nem tão pouco justificaria o recurso a solução extrema da liquidação judicial
da sociedade [...].
Como se vê, a admissão da natureza familiar para a sociedade importou na
aplicação das regras do Código Comercial, só que com majorado rigor em razão da
interpretação de natureza mista da sociedade. Assim, entendeu o Juiz por recusar o pedido
de dissolução em razão de não ter sido tentada a alienação das ações e pelo conflito ter
fundo não em dissidência insolúvel entre os sócios, mas sim em deliberações acerca dos
bens da sociedade. Não foi afastada a incidência da affectio societatis, mas sua avaliação
ficou vinculada explicitamente à capacidade de gerar lucros. Não se cogitou a
possibilidade de dissolução parcial através apenas da retirada do dissidente, de modo que
o caráter familiar não implicou na heterotipia.
58
Por fim, ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca da
dissolução parcial de sociedade apenas no RE 91.044, Rel. Min. Décio Miranda, Segunda
Turma do STF, publicado no DJ de 31/08/1979, que entendeu que a dissolução total de
sociedade é incabível, quando proposta por sócio minoritário de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, o que acabou ratificado no julgamento do RE 92.773/PR, Re.
Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma do STF, julgamento em 25 de agosto de 1981,
publicado no DJ de 23/10/1981.
4 - O NASCIMENTO DO DIREITO DE RETIRADA NAS SOCIEDADES
ANÔNIMAS
Sobre o exercício do direito de retirada, o DEL2627/1940 previa
Art. 107. A aprovação das matérias previstas nas letras a, d, e e g do art. 10549
dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da sociedade mediante o
reembolso do valor de suas ações, se o reclamar à diretoria dentro de trinta
dias, contados da publicação da ata da assembléia geral. (Revogado
pela Lei nº 6.404, de 1976)
§ 1º Salvo disposição dos estatutos em contrário, o valor do reembolso será o
resultado da divisão do ativo líquido da sociedade, constante do último balanço
aprovado pela assembléia geral, pelo número de ações em circulação. [...]
Art. 150. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou
acionistas, salvo si prevista no ato constitutivo ou nos estatutos. Mas, o sócio,
que com ela não concordar, poderá retirar-se da sociedade, recebendo os seus
haveres de acôrdo com o último balanço ou na forma estabelecida no ato
constitutivo ou nos estatutos
Note-se que o exercício da retirada, nos termos postos, prescindia do
ajuizamento de qualquer demanda. Exercido o direito, através da reclamação à diretoria,
nascia imediatamente o crédito para o sócio retirante. Caso a companhia descumprisse
seu dever de indenizar suas ações, cabia apenas a ação de cobrança, sendo os haveres
apurados conforme o último balanço, de maneira bastante direta.
As hipóteses em que era previsto o exercício do direito de retirada dependiam,
todas, da aprovação em assembleia geral. São hipóteses de grande modificação do status
quo da sociedade, como a criação de ações preferenciais, de classes de ações preferenciais
49 [N. do A.] Note-se a breve existência de um parágrafo único nesse artigo, entre 13 de março de 1945,
quando para “cercar-se de condições que impossibilitem prejuízos à boa administração social a través da
manifestação de uma restrita minoria” o Presidente Getúlio Vargas outorgou o Decreto-Lei nº 7.375; apenas
para revoga-lo, repristinando o texto original, sem o parágrafo único que estabelecia quórum qualificado
de dois terços do capital com direito a voto para a destituição de membros da Diretoria, do Conselho Fiscal
ou de qualquer outro órgão criado nos estatutos, através do Decreto-Lei nº 8.163, de 7 de novembro do
mesmo ano.
59
ou da modificação das vantagens dessas classes; a mudança do objeto social; a
incorporação ou fusão da sociedade; e a cessação do estado de liquidação, com o
reestabelecimento de uma sociedade cuja liquidação já tenha sido aprovada ou decretada.
MIRANDA VALVERDE (1959a, p. 241) afirma:
[...] Todos êles positivam deliberações da assembléia geral, que alteram
substancialmente as condições de existência da sociedade ou as relações entre
esta e seus acionistas. No conflito de interêsses respeitáveis entre acionistas
que representam, no mínimo, metade do capital com direito de voto (art. 105),
e acionistas dissidentes da deliberação tomada por essa maioria qualificada,
nos casos expressos no preceito, o legislador encontrou uma fórmula de
solução justa, originária do direito italiano. Pois que garante a subsistência da
pessoa jurídica, dando à maioria mão forte, e assegura aos membros
dissidentes, à minoria portanto, o direito de se retirar da sociedade mediante o
reembolso do valor de suas ações.
Não há possibilidade de abusos.
Não sendo objetivamente apreciável da própria leitura da ata da assembleia, a
possibilidade de uma classe ser mais favorecida, pode ensejar dúvida, caso as vantagens
distintas conferidas às classes possam ser classificadas como “mais vantajosas”. A
solução para esse dilema, contudo, dar-se-ia facilmente: se não fosse uma questão
objetivamente apreciável, por números, então o próprio acionista é que deve dizer se a
classe é ou não mais favorável, já que esse conceito é subjetivo e a avaliação não pode
prescindir das intenções pessoais de cada acionista. Outra saída, pelo próprio texto da
alínea, seria requerer sua retirada pela simples criação de ações preferenciais, como
permitido na primeira parte. A discussão, portanto, tornou-se de pouca utilidade e não foi
enfrentada pela jurisprudência.
Não se instituiu, nesse momento, uma forma de dissolução parcial da sociedade
anônima. Sendo bastante objetivos os parâmetros em que se permite o exercício desse
direito, torna-se desnecessária uma ação para declarar a ocorrência da hipótese de
retirada. Não sendo necessário apurar os haveres, bastando regra de três simples entre o
ativo líquido da sociedade e o percentual de participação societária do acionista retirante.
Divergências eventuais acerca do valor seriam, em realidade, impugnações ao último
balanço.
A Lei de Falências de 1945, Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, em
seu artigo 48, também ampliou as previsões legais para a preservação da empresa:
Art. 48. Se o falido fizer parte de alguma sociedade, como sócio solidário,
comanditário ou cotista, para a massa falida entrarão sòmente os haveres que
na sociedade êle possuir e forem apurados na forma estabelecida no contrato.
Se êste nada dispuser a respeito, a apuração far-se-á judicialmente, salvo se,
60
por lei ou pelo contrato, a sociedade tiver de liquidar-se, caso em que os
haveres do falido, sòmente após o pagamento de todo o passivo da sociedade,
entrarão para a massa.
Na hipótese desse artigo, o falido é sócio de sociedade com higidez e
solubilidade positiva. Até esse ponto, a quebra de um sócio, por força da norma contida
no art. 335, 2 do CCom/1850, já tratada anteriormente, significaria a dissolução integral
da sociedade. O que a lei de falências passou a permitir é que as próprias sociedades
dispusessem acerca de sua continuidade e a apuração dos haveres do sócio falido,
preservando a empresa, conforme comenta ÁLVARES (1968, PP. 373-375). BEDAN
(1962, p. 473):
Como conciliar o texto do artigo 335, nº 2, do Código Comercial, quando este
é peremptório em prescrever que reputam-se dissolvidas as sociedades mesmo
que ocorra a quebra apenas de um dos sócios?
Embora o citado Diploma, nesse inciso, seja genérico, abrangendo assim todas
as sociedades (excedo as de ações), a Lei de Falências, sendo posterior, veio
no âmbito restringir aqueles efeitos para quando se referir a sócio solidário,
comanditário o u cotista. Mesmo assim, para que se opere a liquidação da
sociedade, faz-se mister que exista e resulte de imposição legal ou contratual.
Evidentemente, quer nos parecer que, nesse aspecto, os autores insignes da Lei
Falimentar deixaram margem a contradições. E isso emerge quando vamos
buscar o texto do Código Comercial, enquistado em o nº 2 do já referido artigo
335, ao considerar dissolvida a sociedade por quebra de qualquer dos sócios.
Está certo que tal ocorra quando a sociedade fôr composta ùnicamente de dois
titulares, e um deles venha a falir. A hipótese poderá ser equiparada àquela em
que impõe a dissolução na contingência de ocorrer a morte de um deles.
Certamente que, sendo a característica da sociedade a existência de mais de
uma pessoa, não poderá ser outra a solução. Aliás, não é outro o entendimento
que se deve dar ao n.º 4 do mencionado artigo 335.
BULGARELLI (1999, p. 409) destacou que conforme sócios e a doutrina foram
valorizando os diversos interesses envolvidos na sociedade, fortaleceu-se a necessidade
de permitir a continuação da sociedade através da dissolução parcial. Conforme
ALBERGARIA NETO (2007, p. 241) comentou, a ausência de disposições específicas
acerca da dissolução de sociedades limitadas na legislação de 1919 impôs ao Judiciário o
enfrentamento dos conflitos entre os sócios e a decisão sobre quais importariam na
dissolução das sociedades limitadas.
O primeiro julgado em que se autorizou a apuração dos haveres de um sócio
falecido, sem a consequente dissolução da sociedade, foi assim ementado (Acórdão da 2ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) de Apelação
Cível sem número, julgada em 14 de junho de 1921, sob a relatoria do Desembargador
Elviro Carrilho. Publicada no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1921. in MIRANDA
JUNIOR, 1960, p. 860):
61
A hipótese dos autos é justamente prevista na concepção contida no art. 335,
nº IV do Código Comercial que estabelece: as sociedades reputam-se
dissolvidas: IV – pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário
a respeito dos que sobreviverem. Esta cláusula de uso frequente, como diz
Carvalho de Mendonça, é uma garantia aos sócios, especialmente nas
sociedades industriais que exigem custosa instalação. Nestes casos, verifica-se
e apura-se a parte que cabe ao sócio falecido para ser entregue aos seus
herdeiros. A sociedade não entra em liquidação, por isso que nem dissolvida é
pela morte do sócio. O direito desses herdeiros limita-se ao de reclamar da
sociedade a parte que tinha direito o seu antecessor.
Tratando-se da hipótese legal, o Acórdão inovou apenas ao garantir a
continuidade da sociedade, ainda que mediante requisição dos herdeiros de que a
liquidação dos haveres do falecido fosse feita mediante liquidação da sociedade como um
todo. Deu, portanto, inteligência ao artigo 335, nº 4 do CCom/1850 para estender-lhe ao
máximo a eficácia, permitindo que o contrato social regesse não apenas os sócios
sobreviventes, mas também a parte do sócio falecido.
O ápice dessa extensão legal viria por outro acórdão do Tribunal de Justiça do
DISTRITO FEDERAL (1950 in MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 862-863), em que, em
situação única, permitiu-se a continuidade de sociedade com um único sócio, diante do
falecimento de um dos dois únicos:
Acordam os Juízes da 5ª Câmara Cível, por unanimidade, em dar provimento
à apelação para que o processo seja o de apuração de haveres ex vi da cláusula
10.ª do contrato social. Trata-se do problema inerente a sociedades comerciais
compostas por dois sócios. Por essa razão, e dada a morte de um dêles, a
sentença concluiu por determinar a liquidação, ao passo que o apelante insiste
em que, no caso, a solução é a apuração de haveres. E, na verdade, a razão está
com o recorrente, e tal tem sido a orientação seguida por esta Câmara, no
acórdão proferido na apelação cível nº 5772 (ac. De 27-9-1949, in “Arq. Jud”,
vol. 93, págs. 153 a 155), com voto vencido do eminente Des. Frederico
Sussekind. O critério tendente a assegurar a continuidade do estabelecimento
mercantil é o que está prevalecendo no direito moderno. A questão da morte
de um dos dois sócios e seus efeitos em relação à sociedade pode ser parificada
ao caso da exclusão de um dos sócios, nas mesmas condições. [...] Igualmente,
De Gergori (“Societé”, ns. 491 e 492, págs. 662 e 663) estuda o problema, sob
o ponto de vista da confusão numa só pessoa de tôdas as ações, nas sociedades
anônimas, protraindo o problema de todas as ações, nas sociedades em nome
coletivo, asseverando que, se a solução é certa para a primeira sociedade
anônima, não o é menos para as segundas, pois, o fundamento essencial assenta
na criação de um ente jurídico que possa viver, enquanto pessoal dos sócios.
Advoga a persistência da autonomia jurídica do estabelecimento mercantil,
mesmo quando as cotas representativas do capital se insulam numa só pessoa.
Mossa (in “Ver. Di Diritto Comm”, 1915, vol. II, pág. 367) ressalta que o que
se preserva não é a sociedade senão a emprêsa. [...] Como se depreende, o
problema não é tanto do desfazimento da sociedade, já que é evidente a sua
não sobrevivência, sem o elemento comunhão, impossível de dar sem a
presença de mais de um sócio, mas a desvinculação do sócio, o modo de
composição dos seus direitos sociais, de modo a não perturbar a continuidade
do estabelecimento mercantil autônomo. [...] Destarte, não há como cogitar-se
de liquidação pela forma processual comum, que cede o seu império em
62
proveito do que as próprias partes pactuam, visando precisamente a
continuidade do estabelecimento mercantil.
Posteriormente, já com a consolidação legal de possibilidades de apuração dos
haveres de sócios sem a dissolução total da sociedade, as hipóteses de manutenção da
empresa foram expandidas no seguinte julgamento. (Apelação Cível n.º 46.509, de
Botucatu/SP, Rel. Des. Fernandes Martins, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, julgado em 21 de novembro de 1950 in MIRANDA JUNIOR, 1960,
PP. 839-840):
Por divergências com um dos sócios, o autor denunciou o contrato, por meio
de notificação judicial e no prazo de antecedência marcado no contrato,
protestando pelo recebimento na oportunidade devida da importância do seu
capital correspondente às 370 cotas, a importância do seu saldo credor da conta
de lucros sociais atualmente existente, acrescida do que lhe couber no balanço
de 31 de dezembro de 1946, além do que lhe fôr devido em balanço final de
11 de fevereiro de 1947, por ocasião de sua retirada e mais a importância
líquida, em proporção do seu capital, em consequência da valorização dos bens
sociais que fôr verificada desde a sua constituição até o dia de sua retirada. [...]
Não estando de acordo com os balancetes mensais da sociedade, ingressou com
a presente ação pedindo a decretação da dissolução da sociedade e como
corolário, a condenação da mesma ao pagamento das verbas referidas na
notificação. [...] Uma sociedade civil ou comercial se dissolve a requerimento
de qualquer interessado. O Cód. Comercial, em seu art. 335 taxa os casos em
que se autoriza a dissolução das sociedades comerciais. [...] Todavia, sentencia
Odilon de Andrade, não será o caso de dissolução de sociedade, a renúncia do
sócio, se o contrato social, justamente para impedir essa dissolução, regulou o
caso de retirada de associados e a forma de se apurarem e serem pagos os seus
haveres (“Código de Proc. Civil”, vol. 7, pág. 403). O contrato social prevê a
hipótese. A sociedade não padece de dissolução com a retirada do autor, pois
que está consignada a cláusula de sua continuação, bem como a forma de
liquidação dos haveres do sócio retirante. [...]
O supramencionado julgado inovou, especialmente, ao consagrar o direito dos
sócios remanescentes a prosseguir com a sociedade, mesmo mediante a ruptura do quadro
social pela saída de um dos sócios, indo diretamente contra o texto do artigo 335, nº 5. A
inovação desse julgado viria a se popularizar ao ser confirmada pelo Supremo Tribunal
Federal, em julgamento que se celebrizou:
Dissolução da sociedade por cotas de responsabilidade limitada. - Não se dá
ad nutum de sócio * dissidente, mesmo que seja constituída por tempo
indeterminado, senão nos têrmos do contrato, cujas cláusulas devem ser
rigorosamente observadas, principalmente se a exclusão da emprêsa pode
atingir interêsses de obreiros a quem a lei * outorga, proteção excepcional.-
Constituição jurisprudencial que, sem quebra do princípio de liberdade,
permite a retirada do sócio, que haja perdido a affectio societatis, com pleno
ressarcimento e quitação, para que a sociedade continue.- Recurso conhecido
e provido em têrmos. [...]
O acórdão recorrido contém resposta afirmativa à questão posta nestes termos:
“A sociedade apelante, da qual como quotista, fazem parte, além do autor, mais
os sócios Antonio Tedesco e Luiz Tedesco, foi contratada por tempo
indeterminado, e toda a controvérsia girou em torno da aplicabilidade ou não,
63
à espécie da norma do inciso 5º do art. 335, do Código Comercial, que dispõe
que as Sociedades reputam-se dissolvidas pela vontade de um dos sócios
quando contratados por tempo indeterminado”. [...]
O alegado desaparecimento da affectio societatis, forma por que o recorrido
exprimiu o irredutível propósito de acabar com uma emprêsa que susenta mais
de trinta famílias (item 1 da Constituição, a que não se opôe desmentido), não
é razão suficiente para que isso aconteça.
Dou provimento ao recurso, em termos, a sociedade não se dissolverá, mas é
garantida a retirada do elemento dissidente com pleno ressarcimento
pecuniário e quitação realizando-se, para isso, balanço perfeito, servatis
servantis os princípios que regem a apuração e distribuição de haveres, e isso
se fará obviamente em execução.
(Recurso Extraordinário nº 50.659/RJ, Rel. Antônio Villas Boas, Segunda
Turma do STF, julgado em em 11 de setembro de 1962. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=149640>.
Acesso em 20/09/2017.)
Visto esse conjunto de situações, confirma-se que há tempos já se verifica na
doutrina comercialista o anseio pela proteção jurídica à empresa e sua continuidade.
Trajano de MIRANDA VALVERDE (1942, p. 637), por exemplo, já ponderava pela
necessidade de proteger-se a sociedade dos próprios sócios. PENALVA SANTOS (2010,
p. 9) aponta que a utilização da dissolução parcial tomou, por base, inicialmente, uma
interpretação do Art. 335, n° 5 do CCom/1850, segundo a qual a manifestação da vontade
do sócio nas sociedades por tempo indeterminado geraria apenas quanto a ele os efeitos
da dissolução total, com a apuração dos seus haveres, mas sem que liquide a sociedade
por inteiro. A jurisprudência empreendeu grandes esforços interpretativos para adequar a
legislação imperial, cunhada sob a égide de pensamentos diversos, à realidade brasileira
da década de 50 e 60, com a industrialização.
A despeito disso, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, o Código de Processo
Civil de 197350 (CPC/1973), não estatuiu um regramento para a dissolução parcial das
sociedades. Mais que isso, o CPC/1973 determinou expressamente que continuariam a
viger as provisões do CPC/1939 com relação à dissolução e liquidação de sociedades51.
50 Este código teve origem num anteprojeto apresentado em 1964 por Alfredo Buzaid (jurista, advogado,
professor; 1914-1991), após 4 anos de trabalho em sua elaboração, a convite do então Ministro da Justiça,
Oscar Pedroso Horta (1908-1975). O anteprojeto foi revisto por José Frederico Marques (magistrado, 1912-
1993), Luís Machado Guimarães (professor, nascimento desconhecido e óbito em 1971, sendo substituído
pelo professor José Carlos Barbosa Moreira, 1931-2017) e Luís Antônio de Andrade (substituiu Guilherme
Estelita, que faleceu; desembargador; nascimento e óbito desconhecidos), em trabalhos que só terminaram
em 1972, tendo rápida tramitação legislativa. Para mais sobre a história desse Código, ver TEIXEIRA
(1976)
51 Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados
pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: [...] Vll - à dissolução e liquidação das
sociedades (arts. 655 a 674);
64
Segundo a exposição de motivos, a razão para esta omissão é a possibilidade de melhor
tratamento na legislação especial (BRASIL. SENADO FEDERAL. 1974, PP. 25-26):
Notar-se-á, por outro lado, que o projeto não incluiu alguns procedimentos
especiais que constam do Código de Processo Civil vigente, como, por
exemplo, [...], Dissolução e Liquidação de Sociedades e outros. A exclusão foi
intencional. No regime jurídico atual figuram tais institutos, ao mesmo tempo,
em vários diplomas legais, onde têm regulamentação paralela. Esta
fragmentação não se coaduna com a boa técnica legislativa que recomenda,
tanto quanto possível, tratamento unitário. O Código Civil e algumas leis
extravagantes os disciplinam, estabelecendo regras de direito material. Por que
então dividi-los, regulamentando-os parte no Código de Processo Civil e parte
em leis especiais? Parece mais lógico incluir os procedimentos desses
institutos em suas respectivas leis especiais, onde serão exauridos completa e
satisfatoriamente.
Dessa forma, todas as questões que fugiam à aplicação rasa do procedimento
para liquidação de sociedades deveriam ser submetidas – tal qual durante a vigência do
CPC/1939 – ao rito ordinário. É farta a quantidade de casos nesse sentido, sendo trazidos
dois à colação, um de 1950 e outro de 2014: “Pedido de dissolução de sociedade, não
havendo contrato da constituição de sociedade, deve ser requerido pela forma do processo
ordinário” (Apelação Cível nº 9.241, Rel. Des. Serpa Lopes, 5ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro), julgado em 25 de julho de 1950 in
MIRANDA JUNIOR, 1960, p. 819).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
ORDINÁRIA DE REVISÃO CONTÁBIL, APURAÇÃO DE HAVERES,
C/C DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. AGRAVO DE
INSTRUMENTO CONTRA DESPACHO SANEADOR. ILEGITIMIDADE
ATIVA. ART. 335, 5, DO CÓD. COMERCIAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ALTERAÇÃO
CONTRATUAL. REVISÃO DA CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE
ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO
INICIAL, POR INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS. ART. 295,
PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DO CPC. POSSIBILIDADE, EM SE
TRATANDO DE CUMULAÇÃO IMPRÓPRIA ALTERNATIVA.
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RITO ORDINÁRIO.
CABIMENTO.
1. O comando inserto no art. 335, 5, do Código Comercial, vigente à época dos
fatos, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido e o recorrente, nos
embargos de declaração opostos, não levantou esse tema a fim de suprir
eventual omissão. [...] Ademais, concluindo a instância ordinária que o
documento apresentado - alteração contratual - não revela a existência de
distrato entre os sócios, concluir de modo diverso demandaria o revolvimento
do conjunto fático-probatório dos autos, providência que encontra óbice na
Súmula 7/STJ. [...]
4. O rito ordinário é compatível na ação de dissolução parcial, mercê da
ausência de regramento processual específico e da garantia constitucional do
amplo acesso à justiça e ao contraditório que esse rito assegura às partes.
Precedente.
5. Agravo regimental não provido.
65
(Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.149.871, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma do STJ, julgamento em 26 de agosto de 2014.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumero
Registro&termo=200901891244&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=pr
ocessos.ea>. Acesso em 20/09/2017.)
Dessa forma, todas as dissoluções parciais deveriam tramitar pelo rito ordinário
previsto pelo CPC/1973, ficando a apuração dos haveres dos sócios para a fase de
liquidação de sentença, inicialmente regida pelos artigos 603 a 609, cujas regras foram
substituídas pela Lei nº 11.232, de 11 de janeiro de 1973, que a integrou ao processo de
conhecimento, instalando os artigos 475-A a 475-R.
66
CAPÍTULO 3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL COMO REGRA
GERAL
O terceiro passo na investigação proposta nessa Dissertação é o estudo específico
da dissolução parcial nos dias de hoje, observando o que estabelecem as leis em vigor e
o que diz a jurisprudência acerca desse instituto. Aqui será abordado apenas a parte
material da dissolução, ou seja, o recesso e a retirada e sua aplicabilidade às sociedades
de pessoas e de capitais, bem como às sociedades heterotípicas.
Para tanto, o capítulo se divide em 3 subcapítulos: (1) o estudo do direito de
recesso motivado na LSA/1976; (2) o estudo do direito de retirada nas sociedades de
pessoas, conforme o CC/2002, incluindo sua operacionalização extrajudicial ou
preparatória para o processo; e (3) a dissolução parcial das sociedades anônimas
heterotípicas na jurisprudência, estudando seus fundamentos principais nos precedentes
autorizadores.
1 - O DIREITO DE RECESSO NA LEI Nº 6.404/1976
A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações de
1976 (LSA/1976) trouxe grandes aperfeiçoamentos ao regramento jurídico. Ao longo do
presente capítulo, buscou-se demonstrar pela exposição de doutrina e julgados relevantes
que o nascimento da dissolução parcial das sociedades é decorrência do crescente
prestígio do princípio da preservação da empresa.
Com relação à retirada dos acionistas52, a LSA/1976 trouxe diversas hipóteses e
regras, todas vinculadas à alteração das bases essenciais da sociedade. A primeira, no
artigo 10953, estabelece tal direito dos acionistas como fundamental, proibindo o Estatuto
e a Assembleia-Geral de limitá-lo. Tal status configura-se uma importante garantia para
52 Diferentemente de RIBEIRO (2005, PP. 2015-2016), não se considera aqui a nulidade de subscrição
como uma forma de dissolução parcial ou causa de exclusão de sócios, visto que atos nulos não geram
repercussões jurídicas e, dessa forma, nem mesmo se conforma a sociedade para que seja possível excluir
sócios.
53 Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: [...] V
- retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.
67
o direito dos acionistas minoritários, que, diante de possíveis atos prejudiciais, têm na lei
uma salvaguarda de seus interesses, ainda que o Estatuto não preveja medidas de
governança corporativa com tal finalidade.
No artigo 137 previu-se, originalmente54, que a aprovação das matérias previstas
nos números I, II e IV a VIII do artigo 136 davam aos dissidentes o direito de retirar-se
da companhia mediante reembolso, dado que efetuasse reclamação no prazo de 30 dias a
contar da publicação da ata da Assembleia Geral. Os supramencionados incisos tratavam,
à época:
Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no
mínimo, das ações com direito de voto, se maior quorum não for exigido pelo
estatuto da companhia fechada, para deliberação sobre:
I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem guardar
proporção com as demais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;
II - alterações nas preferências, vantagens e condições de resgate ou
amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova
classe mais favorecida;
IV - alteração do dividendo obrigatório;
V - mudança do objeto da companhia;
VI - incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão;
VII - dissolução da companhia ou cessação do estado de liquidação;
VIII - participação em grupo de sociedades (artigo 265).
Enquanto os incisos I, II, do artigo 136 da LSA/1976 correspondem à alínea a
da LSA/1940 e os incisos V, VI, e parte do VII correspondem, respectivamente, às alíneas
d, e, e g do artigo 105 da LSA/1940, já previamente analisados no subcapítulo 3 deste
Capítulo 3, os incisos IV, VIII e a primeira parte do inciso VII são hipóteses novas de
autorização da retirada dos acionistas.
Posteriormente a Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997, promoveu alterações no
caput, de modo a expandir a incidência do artigo às sociedades anônimas abertas que não
estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão; e nos incisos,
promovendo modificação na numeração dos incisos para incluir outras hipóteses. Ainda
houve a Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, que deu nova redação ao inciso I e ao
caput do artigo 137, expandindo sua incidência para os incisos I a VI e IX do artigo 136.
A redação final, atualmente em vigor, será a trabalhada.
O inciso I, ao tratar da criação de novas ações preferenciais, afeta os acionistas
pelo seu preterimento no recebimento de dividendos ou reembolso, em especial os
54 A Lei nº 7.958, de 20 de dezembro de 1989, promoveu alterações meramente formais no texto do caput,
trocando a palavra “número” por “incisos” e capitalizando alguns termos.
68
ordinários. GUEDES NUNES (2015a, p. 345) relaciona essa situação com a do aumento
desproporcional de classe de preferenciais já existente, de modo que, em razão da
desproporção, fique prejudicada a capacidade de o acionista ordinário perceber os
dividendos almejados.
O inciso II aborda a hipótese de redução das vantagens das ações preferenciais
ou a criação de divisões de classes entre os acionistas preferenciais, com a criação de
nova classe. Todas essas atitudes reduzem a perspectiva de retorno do investimento
realizado, tal qual no inciso I. Aplicam-se, também, as colocações já realizadas acerca da
objetividade das situações, diretamente apreciável pela leitura dos editais de convocação
das assembleias e das atas finais.
No caso de ambos os incisos I e II, apenas as classes efetivamente prejudicadas
terão direito ao recesso, por força do inciso I do art. 137.
Na mesma toada vai a redução do dividendo obrigatório, inciso III55, que simples
e diretamente reduz a quantidade de retorno que o investidor receberá, afetando seu
cálculo de sustentabilidade econômica da empreitada.
O inciso IV56 aborda uma possível fusão ou incorporação da companhia em
outra, o que significa alterações substanciais em sua vida social – inclusive com a extinção
de sua pessoa jurídica autônoma, no caso de incorporação. GUEDES NUNES (2015a, p.
347) argumenta que essa reorganização é tão profunda que afeta as “bases essenciais
genéricas do investimento”, sendo, portanto, impossível “obrigar um acionista a integrar
os quadros de outra companhia [...]”, o que leva todos os dissidentes a terem o direito de
recesso.
O inciso V57 ocupa-se da participação da companhia em grupos societários, tal
qual definido pelo art. 26558 da LSA/1976, em que há sociedades controladoras e
55 O texto em vigor é: “III - redução do dividendo obrigatório”. No original, esse texto estava contido no
inciso IV e utilizava o termo “alteração” ao invés de redução. De fato, não faria sentido permitir a retirada
do acionista diante do aumento de seus dividendos, de modo que a alteração a que se faz menção só poderia
ser uma redução.
56 O texto em vigor é: “IV - fusão da companhia, ou sua incorporação em outra”. No original, esse texto
também incluía a cisão, estando contido no inciso VI.
57 O texto em vigor é “V - participação em grupo de sociedades (art. 265)”. No original o exato mesmo
texto se encontrava no inciso VIII.
58 Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo
de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização
dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade
69
controladas agindo coordenadamente em função de um objetivo do grupo societário.
GUEDES NUNES (2015a, PP. 347-348) destaca que é desimportante se a sociedade
ocupará o papel de controladora ou controlada, pois o que enseja a retirada não é a
subordinação, mas a mudança do interesse individual da sociedade pelo do grupo, de
modo que os acionistas dissidentes de todas as sociedades passam a ter direito de recesso.
Nos casos dos incisos IV e V, conforme a exegese do artigo 137, inciso II, o
direito de retirada não nasce para os dissidentes se houver, simultaneamente, liquidez e
dispersão, nos termos das alíneas. Isso se dá como tentativa de evitar abusos que
prejudiquem a companhia, sendo que o dissidente teria a possibilidade de seguir a lógica
esperada nas sociedades anônimas e vender sua participação.
No mesmo sentido, a mudança de objeto social, tratada no inciso VI59, implica
numa radical alteração do contexto dos investimentos, podendo prejudicar estratégias dos
investidores, como hedges, ou agredir convicções pessoais acerca de investimentos
lucrativos ou eticamente acertados. A pretensão de exercício do direito de retirada nasce
para todos os acionistas dissidentes.
A última hipótese do artigo 136 é a do inciso IX60, a cisão da sociedade anônima.
Apenas nasce o direito de retirada nesse caso, em atendimento ao artigo 137, III, quando
a cisão implicar em mudança efetiva do objeto social, ou redução do dividendo
obrigatório, ou participação em grupo de sociedades. GUEDES NUNES (2015a, p. 349)
aponta que o exercício da retirada se dá sobre todas as ações da sociedade cindida.
controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo
permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante
acordo com outros sócios ou acionistas.§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá
ao disposto no artigo 244.
59 O texto em vigor é: “VI - mudança do objeto da companhia”. No original o exato mesmo texto se
encontrava no inciso V.
60 O texto em vigor é: “IX - cisão da companhia”. No original, o texto fazia parte do inciso VI, juntamente
da fusão ou incorporação.
70
Além desses casos, a LSA/1976 prevê, no artigo 22161, que a transformação do
tipo societário, prevista no artigo 22062, também enseja o direito de retirada. Cabe
ressaltar que a lei exige a unanimidade para que se opere a transformação, de modo que
a única hipótese de dissidência é caso a transformação esteja prevista no estatuto ou
contrato social, como bem destaca o próprio artigo 221.
Diferentemente dos demais casos autorizadores de retirada, esse é amplamente
previsível pelos acionistas, de modo que a própria lei relativiza a essencialidade desse
direito, permitindo que o contrato social exclua o direito de retirada. Perceba-se que a
relativização alcança apenas os contratos sociais, ou seja, incidindo apenas no caso de
transformação de sociedade limitada em anônima., como bem destaca GUEDES NUNES
(2015a, p. 349).
Outra possibilidade de retirada para o acionista é a não abertura do capital,
quando uma incorporação, fusão ou cisão envolver companhia aberta, nos termos dos §§
3º e 4º e art. 22363. Nesse caso, diferentemente dos demais, não há uma deliberação com
dissidência, mas sim o descumprimento de um dever legal, de modo que nasce para todos
os acionistas o direito de recesso.
O termo “incorporação”, aponta GUEDES NUNES (2015a, p. 350) é usado em
sentido amplo, englobando “tanto a incorporação de ações como a incorporação
tradicional ou em sentido estrito”. Justamente a incorporação de ações, prevista pelo
artigo 25264 da LSA/1976 também gera dois distintos direitos de retirada: tanto na
61 Art. 221. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no
estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade.
Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de
transformação em companhia.
62 Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e
liquidação, de um tipo para outro. Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam
a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.
63 Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou
diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos
sociais. [...] § 3º Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a
sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão
de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados
da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela
Comissão de Valores Mobiliários. § 4º O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao
acionista direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos trinta
dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado o disposto nos §§ 1º e 4º do art. 137.
64 Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira,
para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas
companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225. § 1º A assembléia-geral
71
sociedade incorporadora (cf. §1º) quanto na sociedade incorporada (cf. §2º) os acionistas
dissidentes terão o direito à retirada, que, aproveitando os laudos periciais obrigatórios à
incorporação, terão seu reembolso calculado e pago diretamente pela incorporadora (§3º).
GUEDES NUNES (2015a, p.350) aponta que o fundamento para esta retirada é, de
mesma forma que na retirada prevista no artigo 22765, lido conjuntamente com o 23066,
qual seja: a substituição das ações da incorporada e a desistência voluntária do direito de
preferência no aumento de capital, que é subscrito pela diretoria da incorporada em nome
dos acionistas, promovendo grande modificação no equilíbrio do quadro acionário da
incorporadora.
A alienação de controle acionário por desapropriação pelo Poder Público
também dá aos acionistas o direito de pedir seu recesso no prazo de 60 dias, a contar da
publicação da primeira ata de assembleia-geral realizada após a aquisição do controle,
nos termos do art. 236, parágrafo único67 da LSA/1976. Há, no próprio parágrafo, duas
exceções: se a companhia já se encontrar sob domínio do Poder Público ou se for
concessionária de serviço público.
GUEDES NUNES (2015a, p. 351) não vê sentido na primeira exceção,
afirmando que o Poder Público não poderia desapropriar algo que já é seu. Essa visão
ignora, contudo, a possibilidade de que outro ente do Poder Público esteja assumindo o
controle da sociedade por desapropriação de bens, tal como pode ocorrer com a
da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado
com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que as avaliarão; os acionistas não terão direito de
preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia,
observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.
§ 2º A assembléia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar
a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a
diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes
da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o
reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. [...]
65 Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que
lhes sucede em todos os direitos e obrigações. [...]
66 Art. 230. Nos casos de incorporação ou fusão, o prazo para exercício do direito de retirada, previsto no
art. 137, inciso II, será contado a partir da publicação da ata que aprovar o protocolo ou justificação, mas o
pagamento do preço de reembolso somente será devido se a operação vier a efetivar-se.
67 Art. 236. A constituição de companhia de economia mista depende de prévia autorização legislativa.
Parágrafo único. Sempre que pessoa jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de
companhia em funcionamento, os acionistas terão direito de pedir, dentro de 60 (sessenta) dias da
publicação da primeira ata da assembléia-geral realizada após a aquisição do controle, o reembolso das suas
ações; salvo se a companhia já se achava sob o controle, direto ou indireto, de outra pessoa jurídica de
direito público, ou no caso de concessionária de serviço público.
72
Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista
do Rio de Janeiro cujas ações se pretende dar em garantia para o pacote de recuperação
fiscal federal68.
O artigo 25669, que trata da aprovação para a aquisição de controle de sociedade
mercantil por sociedade anônima aberta, também prevê, em seu § 2º, um excepcional
direito de retirada no caso em que o investimento da compra for considerado relevante,
nos termos do parágrafo único do artigo 24770, ou o preço médio da ação ultrapasse os
parâmetros legais estabelecidos no inciso II, que objetivam verificar se a transação está
sendo excessivamente custosa. Sendo o caso, mas sendo ainda assim aprovada, permite-
se a retirada dos dissidentes para que, segundo GUEDES NUNES (2015a, p. 352) não
exponham seu patrimônio a negociações cujo resultado econômico seja duvidoso.
Nas disposições transitórias também foi permitido, pelo §4º do artigo 29671, a
retirada de sociedade anônima que não se adequasse às exigências da lei quanto aos
68 Ainda não há documentos públicos sobre a transação por não estar acabada. Ver EXTRA. NETO (2017)
e CONSULTOR JURÍDICO. RODAS (2017) para notícias jornalísticas que apresentam algumas das
facetas dessa operação.
69 Art. 256. A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de
deliberação da assembléia-geral da compradora, especialmente convocada para conhecer da operação,
sempre que: I - O preço de compra constituir, para a compradora, investimento relevante (artigo 247,
parágrafo único); ou II - o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o maior dos 3
(três) valores a seguir indicados: a) cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organizado,
durante os noventa dias anteriores à data da contratação; b) valor de patrimônio líquido (artigo 248) da ação
ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado (artigo 183, § 1º); c) valor do lucro líquido da ação
ou quota, que não poderá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual por ação (artigo 187 n. VII)
nos 2 (dois) últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente. § 1º A proposta ou o contrato de compra,
acompanhado de laudo de avaliação, observado o disposto no art. 8º, §§ 1º e 6º, será submetido à prévia
autorização da assembléia-geral, ou à sua ratificação, sob pena de responsabilidade dos administradores,
instruído com todos os elementos necessários à deliberação. § 2º Se o preço da aquisição ultrapassar
uma vez e meia o maior dos três valores de que trata o inciso II do caput, o acionista dissidente da
deliberação da assembléia que a aprovar terá o direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do
valor de suas ações, nos termos do art. 137, observado o disposto em seu inciso II.
70 Parágrafo único. Considera-se relevante o investimento: a) em cada sociedade coligada ou controlada, se
o valor contábil é igual ou superior a 10% (dez por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia; b)
no conjunto das sociedades coligadas e controladas, se o valor contábil é igual ou superior a 15% (quinze
por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia.
71 Art. 296. As companhias existentes deverão proceder à adaptação do seu estatuto aos preceitos desta Lei
no prazo de 1 (um) ano a contar da data em que ela entrar em vigor, devendo para esse fim ser convocada
assembléia-geral dos acionistas. [...] § 4º As companhias existentes, cujo estatuto for omisso quanto à
fixação do dividendo, ou que o estabelecer em condições que não satisfaçam aos requisitos do § 1º do artigo
202 poderão, dentro do prazo previsto neste artigo, fixá-lo em porcentagem inferior à prevista no § 2º do
artigo 202, mas os acionistas dissidentes dessa deliberação terão direito de retirar-se da companhia,
mediante reembolso do valor de suas ações, com observância do disposto nos artigos 45 e 137.
73
dividendos no prazo ali previsto. Esse artigo já não é mais aplicável, em razão da idade
que já têm a LSA/1976.
Por fim, a reforma da lei de arbitragem, realizada através da Lei nº 13.129, de
26 de maio de 2015, inseriu o artigo 136-A na LSA/1976, prevendo o direito de recesso
quando da aprovação de convenção de arbitragem para a solução das controvérsias
societárias.
Cabe ressaltar que a adoção de convenção arbitral é medida com graves
repercussões, levando ao afastamento da jurisdição estatal para a resolução da maioria
das controvérsias – apenas as indisponíveis que venham a ocorrer não podem ser levadas
a arbitragem, sendo certo que se não houver concordância das partes acerca da
arbitrabilidade da matéria, é de competência do árbitro a decisão acerca dos limites de
sua competência, em razão do disposto no artigo 20 da Lei nº 9.307, de 23 de setembro
de 1996, a lei de arbitragem. Essa renúncia representa não apenas a escolha do juízo e das
normas de procedimento, mas também um custo elevado para a solução dos litígios, tendo
em vista os honorários dos árbitros e eventuais verbas de administração das Câmaras de
Arbitragem.
Por outro lado, a adoção de convenção arbitral é condição essencial para a
negociação dos valores mobiliários da companhia em determinados segmentos de
listagem, como os segmentos Mais, Mais Nível 2, Novo Mercado e Nível 2 da BM&F
BOVESPA. Nesses segmentos as ações costumam ter melhores níveis de liquidez,
possuindo superioridade no retorno sobre o investimento realizado, como apontam
CRISÓSTOMO e MELO JÚNIOR (2015, PP. 15-34). Justamente por essa razão o
legislador decidiu excetuar do direito de recesso desta hipótese aqueles que participem de
sociedade que incluiu a convenção para participar de segmentos especiais de listagem ou
que já possuam boa liquidez e dispersão no mercado.
Sendo assim, tem-se para as sociedades anônimas, em suma, hipóteses objetivas
em que é permitido ao acionista exigir sua retirada. Ocorrendo os pressupostos legais e
não ocorrendo as excludentes que a lei dispuser, o acionista tem o direito de exercer sua
retirada de maneira potestativa. Eventuais oposições da sociedade anônima e as formas
de comprovação para a garantia da retirada serão objeto do Capítulo II.
74
2 - AS CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL NAS SOCIEDADES
CONTRATUAIS
Para as sociedades de pessoas o direito de retirada, recesso e de exclusão de
sócios foi legalmente reconhecido com o Código Civil de 2002, que, pelo artigo 2.045,
revogou a primeira parte do Código Comercial de 185072, que incluía o direito societário.
Nesse código, pela primeira vez se previu uma seção unificada dispondo as possibilidades
de resolução da sociedade em relação a um sócio (Seção V do Capítulo I – da sociedade
simples – do Subtítulo II – da sociedade personificada – do Título II – da sociedade).
O primeiro artigo trata do falecimento do sócio e dá novo tratamento à matéria:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio
falecido.
Adotou-se, portanto, a dissolução parcial como regra geral. Apenas com
convenção específica em sentido contrário sendo aposta ao contrato social ou decisão dos
sócios, constatada em ata de reunião ou assembleia, é que ocorre a dissolução total em
decorrência do falecimento de um sócio. Há ainda a possibilidade de que as quotas sejam
herdadas por alguém, em substituição ao falecido, desde que em acordo com os herdeiros.
Sobre esses pontos, cabe apontar que o contrato social pode dispor
diferentemente da regra geral da lei não apenas para determinar a dissolução total, mas
também a herança das quotas, no caso exclusivo de todos os herdeiros também fazerem
parte da sociedade. Nesse caso, as condições dos incisos I e III se implementariam
simultaneamente no contrato social, que seria o acordo que regula a substituição.
A previsão ampla de retirada das sociedades contratadas por tempo
indeterminado foi mantida através do Art. 1.02973, tendo efeito, contudo, apenas com
relação ao sócio retirante. Já no caso das sociedades por prazo determinado, é necessária
72 Art. 2.045. Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do
Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850.
73 Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade;
se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta
dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias
subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.
75
a comprovação de justa causa para a retirada, conceito que será pormenorizado mais à
frente.
O artigo 1.03074 determina também a dissolução parcial para o caso de exclusão
judicial de sócio, inclusive majoritário, em função de falta grave no cumprimento de suas
obrigações. Sendo declarado falido, também se opera a dissolução parcial da sociedade,
nos termos do parágrafo único75.
No tocante à dissolução total, o Código Civil previu, no artigo 1.03376, hipóteses
semelhantes à do artigo 335 do CCom/1850, (inciso I) como o vencimento do prazo de
duração e (inciso II) o consenso unânime dos sócios. Previu, ademais, (inciso III) a
deliberação dos sócios, por maioria absoluta, quando a sociedade tiver prazo
indeterminado, (inciso IV) a falta de pluralidade de sócios e (inciso V) a extinção de
autorização para funcionar, que não ocorriam no CCom/1850.
Sobre os incisos III e IV do artigo 1.033 do CC/2002, estas hipóteses guardam
relação com a possibilidade de dissolução parcial. A do inciso III, apesar de estar elencada
para a dissolução total da sociedade, não necessariamente é mandatória. Se os sócios
vencidos na deliberação absoluta quiserem manter a sociedade devem tentar compor seus
interesses com os da maioria para tentar converter a deliberação em uma retirada dos
sócios.
Não sendo possível, será necessária ação para que se atribua os efeitos
pretendidos à dissolução, preservando a empresa e resguardando o direito dos sócios
majoritários aos haveres, como aponta GUEDES NUNES (2015b, p. 228). Não se pode
olvidar que ninguém detém um direito de dissolver a sociedade, mas os sócios que
pretendem continuar a empresa têm direito à preservação.
74 Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído
judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas
obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.
75 Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja
quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.
76 Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se,
vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por
tempo indeterminado; II - o consenso unânime dos sócios; III - a deliberação dos sócios, por maioria
absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no
prazo de cento e oitenta dias; V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.
76
A hipótese do inciso IV do artigo 1.033 do CC/2002, por sua vez, só pode ocorrer
quando for resolvida a sociedade em nome de um ou mais sócios, de modo que apenas
um reste, o que não ocorreria no Código Comercial de 1850, já que a retirada de um sócio
representaria a dissolução total da sociedade. Foi justamente a ascensão da dissolução
parcial que criou essas situações em que a multiplicidade de sócios deixou de existir77.
Especificamente para a sociedade limitada, o artigo 1.08578 do CC/2002 previu
a possibilidade de exclusão administrativa de sócios minoritários que pratiquem “atos de
inegável gravidade”, através de deliberação social desde que exista previsão no contrato
social.
Cabe aqui tratar pormenorizadamente de quatro conceitos, três apresentados pelo
Código Civil de 2002 e um pela doutrina comercialista: (1) a justa causa para a retirada
de sociedade por prazo determinado, prevista pelo artigo 1.029; (2) a falta grave no
cumprimento das obrigações sociais para a exclusão judicial de sócio, inclusive o
majoritário, prevista pelo artigo 1.030; (3) os atos de inegável gravidade para a exclusão
de sócio minoritário de sociedade limitada, previstos pelo artigo 1.085; e (4) a affectio
societatis.
Começando por este último, já previamente tratado, a affectio societatis é um
dos elementos constituintes do vínculo entre os sócios, representando o dever dos sócios
de contribuir para o sucesso da sociedade. Dele nascem os deveres de confiança,
honestidade e cuidado na consecução dos negócios sociais. A quebra da confiança entre
os sócios definitivamente é um empecilho à continuidade da sociedade, mas, por si só,
não compõe o critério de gravidade ou justeza para a dissolução dos demais conceitos.
Para as sociedades contratadas por tempo indeterminado a quebra da affectio societatis
77 A legislação brasileira foi bastante conservadora acerca da possibilidade de sociedades unipessoais.
Apenas com a EIRELI passou a ser admitida uma pessoa jurídica formada por uma só pessoa. Ainda há
discussões acerca da natureza da EIRELI ser uma sociedade unipessoal ou uma nova categoria de pessoas
jurídicas.
78 Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da
metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa,
em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato
social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser
determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo
hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
77
enseja o exercício apenas da retirada dos sócios que não mais entendam estar presente a
afeição.
Há quem argumente que a affectio societatis está superada, como GUIMARÃES
NUNES (2015, PP. 109-118) e FRANÇA (2009, PP. 27-68). Contudo, essa posição não
encontra respaldo na maioria da doutrina societária e das decisões judiciais. O enunciado
nº 67 da I Jornada de Direito Civil, por exemplo, previu que “a quebra do affectio
societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para a dissolução
(parcial) da sociedade”, reconhecendo a importância da afeição na manutenção da
sociedade. GUEDES NUNES (2015b, p. 222) aponta também que a maioria das ações
postulando a dissolução têm, como causa unicamente a ruptura da affectio societatis e,
mesmo as que não a têm unicamente, ainda a citam como uma das discussões relevantes.
Com relação à justa causa prevista pelo artigo 1.029, discute a doutrina acerca
de quais são as hipóteses de justeza para a dissolução de sociedades contratadas por tempo
determinado, que são estáveis. A causas previstas pelo artigo 1.07779, consistentes em
modificação do contrato social, fusão ou incorporação nas sociedades limitadas, são vista
por COELHO (2016, p.447) e GUEDES NUNES (2015b, p. 231) como a enumeração
das causas justas para o exercício da retirada.
Numa correlação com a causa prevista pelo número 1 do artigo 336 do
CCom/1850 e para as Sociedades Anônimas, admite-se aqui que também podem ser
justas as causas fundadas na demonstração da impossibilidade de geração de lucro por
parte dos sócios, sendo que os restantes pretendem continuar a empresa. Nasce, assim,
para o dissidente, o direito de retirar-se, já que a incapacidade de cumprimento do fim
social é uma causa até mesmo para a dissolução total da sociedade.
As demais causas do artigo 336 do Código Comercial de 1850, contudo, não
guardam eficácia na hipótese do artigo 1.029 do Código Civil de 2002, já que nesses casos
seria possível a expulsão do sócio. GUEDES NUNES (2015b, p. 235) aponta que as faltas
graves do sócio também são justas causas para a dissolução, contudo, através da expulsão.
Aponta, ainda que o conceito abarca tanto o previsto pelo artigo 1.030 quanto a expressão
79 Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela
por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à
reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
78
“atos de inegável gravidade” do artigo 1.085, ambos do CC/2002 (GUEDES NUNES,
2015b, PP. 239-240). A este discorre Fábio Konder COMPARATO (1981, PP. 39-40):
A affectio societatis é, portanto, não um elemento exclusivo do contrato de
sociedade, distinguido-o dos demais contratos, mas um critério interpretativo
dos deveres e responsabilidades dos sócios entre si, em vista do interesse
comum. Quer isto significar que a sociedade não é a única relação jurídica
marcada por esse estado de ânimo continuativo, mas que ele comanda, na
sociedade uma exacerbação do cuidado e diligência próprios de um contrato
bona fidei. Em especial, o sócio que descumpre disposição estatutária e,
sobretudo, contratual (pois a relação convencional é mais pessoal e concreta
que a submissão a normas estatutárias), como é o caso de acordos de acionistas
numa sociedade anônima, pratica falta particularmente grave sob o aspecto da
ética societária; ele se põe em contradição com sua anterior estipulação ou
declaração de vontade, revelando-se pessoa pouco confiável enquanto sócio
(venire contra factum proprium).
GUEDES NUNES (2015b, PP. 240-241 e 243-244) aponta que há quatro
hipóteses de justas causas para exclusão que não são faltas graves: (1) a remissão do sócio;
(2) a falência do sócio; (3) a incapacidade superveniente do sócio; e (4) a liquidação de
quota a pedido de credor particular do sócio. Nessas situações, exceto a última, que será
tratada em específico na seção 4.1 do Capítulo 4, a exclusão do sócio depende do interesse
da sociedade de promovê-lo e não guarda relação com a exploração da atividade
empresária.
RIBEIRO (2005, PP. 248-254), ao comentar a falência como forma de
dissolução, argumenta que, independente das causas ou repercussões na sociedade, se
opera de forma automática. Isso não significa dizer que sem intervenção dos sócios,
promovendo a alteração do contrato social, ele deixará de constar do quadro social; mas
sim que caso resolvam excluí-lo ou caso surja qualquer questão que represente a
necessidade de verificar seu status como sócio, como a verificação do quórum em uma
assembleia ou a apuração de haveres, deve-se considerar que foi excluído desde a data de
sua falência, ainda que não providenciada a alteração do contrato. Isso porque o art. 1.030,
parágrafo único do CC/2002 o reputa excluído da sociedade de todo direito a partir da
falência.
Ressalte-se que a exclusão do sócio remisso pode sim ser considerada uma falta
grave, como o próprio GUEDES NUNES (2015, p.240) aponta; contudo, nesses casos há
a necessidade de se seguir o procedimento descrito nos artigos 1.004 e 1.058. RIBEIRO
(2005, PP.216-226) também aponta, especificamente, as diversas possibilidades de
inadimplemento da integralização do capital social e sua repercussão na exclusão do
acionista, diante da gravidade do inadimplemento.
79
A tarefa da enumeração de possíveis faltas graves foi pouco enfrentada pela
doutrina, talvez por ser inglória, diante da criatividade humana para o delito. RIBEIRO
(2005, PP. 215-280), contudo, envidou esforços para listar diversas possíveis faltas graves
em sociedades anônimas. Sendo certo que nas sociedades anônimas o padrão de gravidade
a ensejar a exclusão é mais objetivo e limitado, em razão da natureza capitalista da
sociedade, é possível aplicar as mesmas reflexões a sociedades de pessoas.
Destaca-se, assim, algumas faltas graves que podem ser causa para a exclusão
de um sócio ou acionista: a falta de cumprimento de obrigações acessórias, tais como o
dever de colaboração e de fidelidade (RIBEIRO, 2005, PP. 226-230); a concorrência com
a sociedade no mesmo objeto e mercado (Ibid. PP. 230-237); as vicissitudes pessoais do
sócio, tais como o cancelamento do registro profissional em sociedades em que isso se
faça necessário (Ibid. p. 246), a nacionalidade de nação inimiga em tempos de guerra
(Ibid. PP. 256-257), a prática de crimes (Ibid. p. 257); o abuso de direito ou de poder,
desde que com dolo para prejudicar a sociedade (Ibid. PP. 258-263); falta grave na
administração da sociedade (Ibid. PP. 263-), como o uso do nome social em benefício
próprio (Ibid. p. 265), descumprimento das prestações acessórias (Ibid. PP- 265-266),
concorrência com a sociedade (Ibid. p. 266), ingerência indevida na administração por
sócio não administrador, desde que capaz de prejudicar os negócios sociais (Ibid. PP. 266-
267), desavenças graves entre os sócios, passando pela prática de injúria, calúnia,
difamação, agressão física, adultério, mau tratamento, vigilância excessiva, subterfúgios
para subtrair-se ao controle dos outros, comprometimento da atividade e separação entre
sócios cônjuges (Ibid. PP. 268-269); o descumprimento de acordo de acionistas, desde
que capaz de gerar prejuízo à atividade social (Ibid. PP. 269-270
Quanto às sociedades limitadas80, o CC/2002 ainda previu, no art. 1.077, que a
aprovação de modificação do contrato social, fusão, incorporação ou aquisição da
sociedade, bem como sua transformação, conforme o art. 1.114, dão ao sócio que delas
dissentir o direito de retirar-se da sociedade, aos moldes do que faz a LSA/1976. Segue-
se, para tanto, o disposto no contrato social ou, em sua lacuna, o atinente à resolução da
sociedade em relação a um só sócio.
80 Se a sociedade limitada não houver determinado sua regência supletiva pela LSA/1976, terá vínculo
instável, aplicando-se as causas de dissolução para a sociedade simples. Se, contudo, o Estatuto prever que
não se aplicam as regras sobre a dissolução parcial da sociedade simples, criando restrições à retirada, essas
restrições não podem ser contrárias ao disposto nos artigos 1.077 e 1.114, sob pena de nulidade da cláusula.
80
Tendo visto os fundamentos materiais para que se efetue a retirada de um sócio
do corpo social, cabe analisar sua operacionalização, que pode se dar de duas formas: (1)
administrativamente, quando se operam no seio social, não exigindo a intervenção do
Poder Judiciário; ou (2) judicialmente, quando sua operacionalização é impossível sem
ato decisório de juiz. É importante destacar que, em muitas vezes, é possível que as
hipóteses do primeiro grupo acabem judicializadas, o que não significa que isto fosse
necessário.
No grupo das dissoluções que se operam de maneira extrajudicial, temos todas
as retiradas voluntárias do Código Civil, como a do Art. 1.029; a exclusão de sócio
falecido (art. 1.028) ou do sócio falido (art. 1.030, parágrafo único); as hipóteses de
recesso previstas no Contrato Social; e o exercício do direito de retirada em Sociedade
Anônima e a exclusão do sócio minoritário em Sociedade Limitada, sendo certo que esta
última exige um procedimento contencioso, conforme previsto pelo parágrafo único do
Art. 1.085. São necessariamente judiciais a exclusão de sócio ou acionista majoritário em
sociedade heterotípica ou paritário, nos termos do Art. 1.030.
A operacionalização do primeiro grupo deve iniciar-se extrajudicialmente,
dentro dos muros da sociedade. Para o exercício do recesso voluntários deve-se notificar
a sociedade e demais sócios com 60 dias de antecedência. Neste período, os sócios devem
discutir a continuidade da sociedade, calcular os haveres devidos ao sócio retirante e
providenciar os registros apropriados da situação. Não há qualquer matéria que se possa
opor à saída, visto a denúncia do contrato social ser ato potestativo.
A exceção, no primeiro grupo, é a exclusão de sócio ou acionista minoritário.
Nesse caso, a assembleia geral extraordinária para esse fim deve ser convocada pela
maioria dos sócios, contados pelo capital, nos termos do art. 1.010, excluída a parcela do
capital detida pelo sócio que se busca excluir, que não compõe o quórum, nos termos do
art. 1.030, caput. O sócio que se busca excluir deverá ter a oportunidade de se defender e
só será excluído caso a maioria dos presentes, que necessariamente deverá se dar por
maioria absoluta do capital, salvo o do excluído, conforme a leitura conjunta dos artigos
1.030 e 1.085.
Fora a retirada autônoma do sócio, todas as demais hipóteses a resolução da
sociedade independem do período de aviso prévio, mas possuem motivo vinculado que
81
pode ser objeto de oposição. É o caso da condição de falido, das falhas graves imputadas
ao sócio em exclusão, da incidência das situações que permitem a retirada da LSA/1976
ou do contrato ou estatuto social. É necessária a verificação da incidência por algum órgão
da sociedade que deverá avaliar as condições para o exercício do direito e, reconhecendo-
o, proceder ao imediato registro e cálculo dos haveres devidos. Esse órgão, se não
definido pelo estatuto, é a diretoria, na sociedade anônima, ou a administração, na
sociedade limitada, que, sendo necessário, deve convocar assembleia geral extraordinária.
Caso a execução do direito tal qual previsto pelo CC/2002 não seja possível, seja
por falta de acordo sobre os haveres, seja por obstruções da administração, a questão pode
ser judicializada pelos interessados discriminados no art. 600, CPC/2015.
Independentemente disso, sendo ato potestativo, os efeitos da ação devem retroagir ao dia
em que a notificação passou a fazer efeito ou em que foi deliberada em assembleia a
exclusão do sócio.
Cabe destacar o caso de sociedade paritária, em que cada um dos sócios possui
a exata metade das quotas ou ações. Nesse caso, não há maioria e ambos os sócios são
minoritários, dependendo do outro para a aprovação de seus pleitos. Caso um busque
excluir o outro, o quórum de votação seria composto unicamente pelo acionista que está
buscando a exclusão, o que significaria uma falsa possibilidade de defesa em assembleia,
indo contra a essência do disposto no art. 1.085 do CC/2002. Dessa forma, apesar de não
haver maioria, a dissolução deverá ser sempre judicial, como forma de garantir chance de
defesa ao outro acionista.
O mesmo não ocorre no caso em que quatro acionistas possuam 25% da
sociedade e dois sejam alvo de tentativa de exclusão. Nesse caso é possível que os dois
acionistas votantes não estejam de acordo sobre a expulsão, causando um empate na
deliberação que desta forma deve ser interpretada e, caso o contrato social não disponha
do contrário, ser levada ao juiz pela sociedade ou por qualquer dos sócios, nos termos do
§2º do Art. 1.010 do CC/200281, em ação decisional de empate absoluto, modalidade rara
de ação constitutiva82 do rito comum em que um juiz deve desempatar deliberação
societária. Destaque-se que a sociedade não figura como ativamente legítima para propor
81 No caso de sociedade anônima heterotípica, o artigo 129, §2º também dispõe dessa possibilidade.
82 Classifica-se como constitutiva a tutela pois o juiz supre a ausência de maioria em uma deliberação,
constituindo o direito que ali se pretende e não apenas o declarando.
82
ação de dissolução parcial de sociedade em casos que a lei autorize a dissolução
extrajudicial, nos termos do art. 600, V, CPC/2015, e nem prevê que os sócios pudessem
propô-la ativamente.
O segundo grupo de situações em que se pode resolver a sociedade em relação a
um sócio diz respeito à exclusão de sócios ou acionistas majoritários ou paritários. Esta
situação é necessariamente contenciosa e pode se tornar perniciosa para a sociedade.
Aqui, há a necessidade de comprovação de faltas graves do sócio ou acionista diante do
poder judiciário, que decretará83 a dissolução parcial.
Mesmo nesta hipótese é fundamental a ocorrência de procedimento societário
interno anterior à propositura da ação, já que a legitimidade ativa para a propositura de
ação de dissolução parcial de sociedade é da própria sociedade84, nos termos do Art. 600,
V do CPC/2015. Assim, é certo que a administração não deve tomar voluntariamente atos
contrários aos sócios e que a exclusão de sócio não guarda relação direta com a exploração
do objeto social, não sendo ato incluso nos poderes do administrador.
Dessa forma, é necessária a deliberação societária prévia, em reunião ou
assembleia convocada pelos minoritários em que compareça e se aprove por mais da
metade do capital apto para votação – ou seja, excluindo o do sócio que se pretende
excluir, que não deve ser contabilizado nem para a verificação de quórum – a autorização
para que a sociedade proponha a ação de dissolução parcial com objetivos de exclusão do
sócio majoritário, como aponta PROENÇA in YARSHELL e PEREIRA (2012, PP. 425-
429).
Além disso, a administração da sociedade possivelmente estará atrelada ao sócio
majoritário. Não há como compelir a administração – senão talvez judicialmente, o que
seria contraditório – a ajuizar ação em face do sócio. Por esta razão, na assembleia é
83 Nesse caso, tendo em conta que o sócio que se pretende excluir está se opondo à exclusão, deve-se
considerar este provimento condenatório, em relação a ele, e constitutivo, em relação à sociedade, já que
supre a vontade individual do sócio criando o suporte para que a sociedade efetive o registro das alterações
do contrato social e do pagamento dos haveres.
84 PROENÇA in YARSHELL e PEREIRA (2012, PP. 429-434), ancorado em revisão bibliográfica, conclui
que cabe à sociedade a propositura da ação de exclusão de acionista. Contudo, a jurisprudência vinha
entendendo da necessidade de litisconsórcio ativo entre a sociedade e o sócio que busca a exclusão, como
ocorreu no Agravo de Instrumento nº 0305759-37.2012.8.05.0000 (TJ-BA, data de publicação: 17/11/2012)
e no Agravo Inominado nº 2008.002.007516-3 (TJ-DF, data de publicação: 08/09/2008)
83
prudente designar um dos sócios – possivelmente o que presidiu a assembleia ou o que a
convocou, ainda que não seja administrador – a capacidade especial de presentar a
sociedade na contratação de patronos que lhe representem judicialmente.
3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS
HETEROTÍPICAS
No Capítulo 1, seção 2.2, foram apresentadas a características das sociedades
anônimas heterotípicas. Ainda que as sociedades anônimas tenham, tradicionalmente,
como um de suas marcas a estabilidade do vínculo societário, as sociedades anônimas
heterotípicas podem prejudicar esta estabilidade de duas formas.
A primeira forma, direta e mais simples, de instabilizar o vínculo de uma
sociedade anônima, é a adoção da aplicação subsidiária das normas do CC/2002,
incluindo as normas acerca da resolução da sociedade em relação a um sócio. Uma
variação dessa forma de instabilização é, ainda que não se adote toda a regência supletiva
do CC/2002, que seja estabelecida no estatuto social a possibilidade de recesso imotivado.
Nesse caso, a dissolução parcial dessa sociedade anônima é mais simples: basta
executar as provisões do contrato, sem a necessidade de discussões acerca do direito
aplicável, apenas acerca da incidência da norma, como cumprimento de prazos ou
adequação aos casos de retirada, caso não seja totalmente imotivada, apenas grandemente
ampliada.
Já o caso em que a heterotipia consista na gestão da sociedade de maneira
personalista, tal como se fosse uma sociedade limitada ou simples, privilegiando
características pessoais dos acionistas e preservando o controle de um grupo, como uma
família, então a heterotipia decorre das circunstâncias da sociedade. Para que se possa
dissolver a sociedade em contrariedade ao vínculo estável, deve-se, primeiramente,
reconhecer a natureza heterotípica, ou seja, a existência e relevância do fator da affectio
societatis na gestão da Sociedade Anônima ao ponto em que a sociedade possa ser
classificada como intuito personae.
84
Caso os sócios estejam de acordo, nada impediria que a ação adquirisse suas
ações e realizasse suas amortizações contábeis85 como forma de efetuar a retirada do
sócio. Outra opção, caso se deseje, seria determinar, em assembleia geral, a modificação
do contrato social para incluir outra hipótese de retirada com reembolso, o que resolveria
a questão específica sem necessariamente instabilizar todo o vínculo societário.
Contudo, caso os sócios não estejam de acordo, a questão terá que ser
judicializada pelo sócio que pretende se retirar. A primeira tentativa judicial de dissolução
parcial de sociedade anônima foi através da implementação das condições de retirada
previstas pelo artigo 105, nos termos do previsto pelo artigo 107, ambos da LSA/1940. A
tentativa, contudo, esbarrou no óbice dos fatos:
O direito de desligar-se da sociedade deflui da circunstância do acionista ter
manifestado sua orientação dissidente às deliberações da maioria e do fato de
houver apresentado reclamação escrita, dentro do lapso de trinta dias, que
configurava verdadeiro prazo de decadência em face dos termos claros do art.
162 que dispõe: “os prazos para aquisição de direito, assinados nesta lei, são
contínuos e e [sic] improrrogáveis”.
Como sócio dissidente o autor não pode ser reputado, visto que não se
manifestou a respeito das propostas aprovadas nas assembleias gerais, nem
adereçou reclamação à diretoria dentro do prazo legal. Portou-se como
verdadeiro abstinente, e pois, submisso às deliberações da maioria.
E, quando não se antolhe perempção de direito do autor, fôrça é salientar que
as alíneas do art. 105, a que se reporta o art. 107 cogitam: [...].
Ora, nas atas publicadas e arquivadas não se encontra qualquer deliberação que
possa ser enquadrada nas hipóteses acima delineadas. A ré não criou ações
preferenciais, não mudou o objeto essencial da sociedade, não incorporo esta
a outra, com a qual operasse fusão, nem cogitou cessar a liquidação, de vez
que jamais esteve nessa fase comercial.
Não haveria, portanto, qualquer razão ou fundamento legal para operar a
dissolução parcial de sociedade de capitais, haja vista que a discordância do sócio – que
no caso não se caracterizou – é irrelevante à sociedade, desde que não no enquadramento
autorizador da retirada. Tal postulado é decorrência direta da natureza capitalista de tais
sociedades e o acionista insatisfeito tem apenas a possibilidade de vender sua participação
para outrem.
O primeiro caso no Superior Tribunal de Justiça em que se admitiu a dissolução
parcial de uma sociedade anônima por mera intenção e demonstração de quebra da
affectio societatis foi o REsp 111.294/PR (Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. para o
85 O Art. 30 da LSA/1976 admite que a companhia negocie com as próprias ações para as operações de
resgate, reembolso ou amortização previstas em lei. Para a aquisição das próprias amortizações, a
assembleia deve determinar a autorização para essa operação, nos termos do art. 44 da mesma lei.
85
Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgamento em 19 de setembro de 2000). Nesse
precedente, a COCELPA Companhia de Celulose e Papel do Paraná recorria de Sentença
do TJPR que permitiu que ao Espólio de Aurélio Fontana de Pauli e o de Antônio de Pauli
se retirarem da sociedade com base no artigo 206, II, b da LSA/1976, originalmente
pensado para a dissolução total de sociedades.
"AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. DISSOLUÇÃO PARCIAL -
SOCIEDADE ANÔNIMA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO -
INOCORRÊNCIA. AGRAVO RETIDO - NÃO PROVIMENTO -
INCOMPETÊNCIA - INOCORRÊNCIA - BNDES - SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA - AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA -
AFFECTIO SOCIETATIS - AUSÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS
- RÉU ANUENTE. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA
INSTRUMENTALIDADE. SENTENÇA DECLARATÓRIA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ARTIGO 20, § 4°, CPC.
A dissolução decorre da impossibilidade da sociedade preencher o seu fim,
assegurando, assim, a possibilidade jurídica do pedido. Ademais, o
fundamento está no artigo 206, inciso II, alínea "b", da lei 6.404/76.
- Agravo retido contra decisão que indeferiu a preliminar de incompetência do
juízo - Improvimento. O BNDES é uma sociedade de economia mista, não
sendo de competência, as ações em que figura como parte, da Justiça Federal.
- Não houve cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide. - A
dissolução da sociedade está baseada no artigo 206, II, b, da Lei 6.404/76, ou
seja, pela impossibilidade de consecução dos seus fins, consubstanciado pela
não produção de lucros e pelo desaparecimento da "affectio societatis".
Embora tratar-se de sociedade anônima, esta possui aspectos pessoais, sendo
necessário a "affectio societatis ".
A essência da atividade comercial é o lucro e a não distribuição de lucros
justifica a dissolução parcial. - Não há julgamento Extra Petita. O réu anuente
pode nesta ação ser retirado de sociedade conforme o Princípio da
Instrumentalidade e da Economia Processual.
No entanto, deve arcar com 10% da sucumbência por figurar no pólo passivo.
Apenas neste aspecto é que a sentença deve ser reformada.
- A ação de dissolução de sociedade tem cunho declaratório, não havendo que
se falar em condenação e neste caso os honorários advocatícios devem ser
arbitrados com base no artigo 20, §4° do CPC.
Agravo relido - Improvido.
1ª Apelação - Parcialmente Provida.
2ª Apelação - Improvida" (fls. 397/399).
No julgamento do Recurso Especial, o Min. Relator destaca e acompanha a
jurisprudência da corte que, até aquele momento, vinha decidindo no sentido da
impossibilidade jurídica do pedido de dissolução parcial de sociedade anônima, como
ocorreu no Agravo Regimental no Agravo nos próprios Autos nº 34.120/SP (Rel. Min.
Dias Trindade, Terceira Turma, julgamento em 26 de abril de 1993). O Relator concluiu
seu voto entendendo pela necessidade de reforma do Acórdão, por inaplicabilidade da
dissolução parcial às sociedades anônimas.
O Ministro Cesar Asfor Rocha, contudo, após vista dos autos, iniciou
divergência assim ementada:
86
EMENTA: DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. GRUPO
FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DE DISTRIBUIÇÃO DE
DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIOS
MINORITÁRIOS. POSSIBILIDADE.
Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do
recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo
pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra
da affecttio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de
dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da
dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista
prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de
Rubens Requião.
O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a
dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial.
Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.
Em sua fundamentação vencedora, seguida pelos ministros Ruy Rosado de
Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Sálvio de Figueiredo Teixeira, o ministro destacou que
a sociedade foi fundada por motivos pessoais, sendo intuito personae e que não havia
divisão de dividendos na sociedade há muitos anos. Esse segundo ponto, destacou,
viabilizaria a dissolução total da sociedade anônima, nos termos do Art. 206, II, b da
LSA/1976, porém, em razão da preservação da empresa, poderia ser mitigado para afetar
apenas o sócio descontente.
Os embargos de declaração da sociedade sobre o acórdão foram conhecidos e
providos apenas para corrigir erro material. Em seguida, foram opostos os Embargos de
Divergência em Recurso Especial nº 111.294/PR (Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção
do STJ, julgamento em 28 de junho de 2006), com conteúdo mais processual do que
material. Sobre a questão da dissolução, alegava-se divergência com o antigo paradigma,
Ag 34.120/SP.
Tendo em vista a lapso temporal entre o julgamento do recurso extraordinário e
os embargos de divergência, ao tempo desse julgamento já havia surgido outro importante
precedente que foi determinante nas discussões tecidas, que terminaram por manter o
Acórdão proferido no recurso original. Trata-se do REsp 419.174/SP (Rel. Min. Menezes
Direito, Terceira Turma, julgamento em 15 de agosto de 2002, DJe 28/10/2002),
conhecido como caso Luiz Kirchner S/A Indústria de Borracha (REsp nº 419.174/SP, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgamento em 15 de agosto de 2002), que
envolveu sociedade formada entre o acionista que lhe dava nome e diversos de seus filhos.
Após seu falecimento, um dos filhos, que exercia a administração de fato, obstou a
atuação de dois ingressantes, o que ensejou o ajuizamento de ação de dissolução parcial
da sociedade, julgada procedente.
87
No julgamento da Apelação, a 6ª Câmara do TJSP manteve a Sentença,
privilegiando o entendimento de que o affectio societatis é elemento fundamental das
Sociedades Anônimas em que se reconheça a natureza intuitu personae, de modo que sua
quebra viabiliza o exercício do direito de retirada (à época ainda regido pelo Art. 336 do
Código Comercial). Houve voto dissidente da Desembargadora Luzia Brandão Lopes,
que, analisando a constituição da Sociedade Anônima e seus principais documentos,
entendeu que a adoção da forma tinha como finalidade precípua justamente o afastamento
da possibilidade de dissolução parcial em prejuízo da Sociedade, ainda que os sócios não
mais tivessem relações amistosas. Os Embargos Infringentes nada adicionaram à
discussão, mantendo a decisão.
Em Recurso Especial, o voto do Ministro Relator, Carlos Alberto Menezes
Direito, dava provimento ao mesmo por entender absolutamente inaplicáveis e
incompatíveis as regras de um tipo societário ao seu diverso, sendo acolhido pelos demais
Ministros e mantido no julgamento dos Embargos de Declaração.
Contudo, em Embargos de Divergência (EREsp nº 419.174/SP, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, Segunda Seção do STJ, julgamento em 28 de maio de 2008, publicado
no DJe de 04/08/2008), manejados pela parte vencida, alegando haver instâncias
jurisprudenciais de aplicação das normas de outros tipos societários na hipótese de
distribuição de dividendos, houve, então, a reforma do Acórdão para reconhecer a
existência de affectio societatis em Sociedades Anônimas pequenas e médias de cunho
familiar. Apontou-se ainda a necessidade de preservação da empresa no abrandamento
das regras de dissolução total do Código Comercial.
Desta forma, venceu-se um entendimento jurisprudencial que vinha se
consolidando na corte, por meio dos REsps 111.294/PR, 171.354/SP, 247.002/RJ e
22.814/SP, de que a dissolução parcial seria incabível, visto não estar prevista na LSA.
Outro importante ponto analisado pela jurisprudência foi a incidência do inciso
XX do art. 5º da CF/1988 à dissolução parcial de sociedades anônimas. No REsp nº
507.490/RJ (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma do STJ, julgamento
em 19 de setembro de 2006, publicado no DJe de 13/11/2006), debateu-se sobre a reforma
da Sentença que determinou dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica em que
88
se postulava, por um lado, a dissolução total por discórdia e falta de distribuição de lucros
e, por outro lado, a não dissolução por não deter, o Autor, 5% do capital, conforme
dispunha o Art. 206, II, b da LSA/1976.
Os fundamentos empregados no voto do relator, que negou o recurso, seguiam
na mesma esteira dos julgamentos supramencionados. O primeiro vogal, Min. Ari
Pargendler, após vista dos autos, decidia dar provimento ao recurso, entendendo
impossível a dissolução parcial de sociedades anônimas; foi seguido pelo Min. Carlos
Alberto Menezes Direito. Após nova vista dos autos, pela min. Nancy Andrighi,
prosseguiu o julgamento com seu voto, que continha as seguintes considerações para
embasar o desprovimento do recurso:
Por outro lado, é certo, porém, que a Lei n.° 6.404/76 (Lei das Sociedades
Anônimas) não prevê expressamente a possibilidade de dissolução parcial de
sociedade anônima. Contudo, não menos certo que, diante da Constituição
Federal de 1988, não é razoável, do ponto de vista jurídico, social e econômico,
cogitar-se da dissolução integral de uma sociedade, em razão da insatisfação
de apenas um dos acionistas minoritários; ou mesmo impedir que o acionista
minoritário, insatisfeito com a sociedade, seja obrigado a manter-se sócio
contra a sua vontade.
Assim, não se deve interpretar a Lei das Sociedades Anônimas de forma literal,
mas conforme a Constituição Federal de 1988, buscando uma exegese com ela
compatível e, ao mesmo tempo, construtiva para a razoável solução dos
conflitos societários.
Da mesma forma, não se pode descurar da aplicação do princípio da
continuação do negócio ou da preservação da empresa, em razão da função
social dessa, porque gera emprego, renda e tributos, contribuindo para o
crescimento e o desenvolvimento do país. Aliás, há décadas esse princípio vem
orientando o Direito Comercial, a ponto de tornar-se um dos objetivos
expressos no art. 47 da Lei de Recuperação de Empresas. Portanto, tratando-
se de conflitos entre sócios entre si e ou deles com a sociedade, o referido
princípio também deve ser observado.
Afinal, se, por um lado, não se pode forçar alguém a permanecer como sócio
de outrem quando não mais impera a affectio societatis; por outro, a
continuidade da empresa transcende os meros interesses dos seus sócios,
estendendo-se a todo ambiente social em que ela atua; devendo, por isso
mesmo, ser protegida pelo direito.
[...]
Por todos esses argumentos, na hipótese em julgamento, a dissolução parcial
da sociedade é a melhor solução sob todos os prismas, jurídico, social e
econômico, porquanto possibilita equacionar os princípios constitucionais da
liberdade de associação (art. 5.º, XX) e o da função social da propriedade (art.
5.º, XXIII, e art. 170, III), com o princípio da preservação da empresa.
Observe-se que a Ministra empregou diretamente sua interpretação do artigo
constitucional da liberdade de associação, considerando que sua incidência às sociedades
anônimas heterotípica é adequada e deve ser sopesada à preservação da empresa e função
social da propriedade para consolidar a necessidade de permitir a dissolução parcial das
sociedades anônimas intuito personae.
89
O resultado final do julgamento, com o voto final do Min. Castro Filho, foi a
decisão por maioria mínima de não conhecer do recurso, nos termos do voto do relator,
mantendo a dissolução parcial da sociedade. No mesmo sentido, a mesma Terceira Turma
do STJ julgou o REsp nº 867.101/DF (Rel. Massami Uyeda, julgamento em 20 de maio
de 2010, publicado no DJe em 24/06/2010), dessa vez por unanimidade86.
Se a autorização para a dissolução parcial de uma sociedade anônima é a
aplicação subsidiária das normas do CC/2002, cunhadas para as sociedades de pessoas,
em razão de características próprias da sociedade circunstancialmente analisada que
demonstrem a valorização do intuito pessoal, surge a questão sobre a aplicabilidade das
previsões do CC/2002 para a exclusão de um acionista.
Este foi o cerne da discussão tecida no REsp nº 917.531/RS (Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, julgamento em 17 de novembro de 2011,
disponível no DJe de 01/02/2012), interposto diante de Acórdão que reformou a Sentença
para impedir a exclusão de acionista, que havia sido decretada pela primeira instância. O
julgamento se deu por unanimidade, nos termos do voto do Relator, assim ementado:
DIREITO SOCIETÁRIO E EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA DE
CAPITAL FECHADO EM QUE PREPONDERA A AFFECTIO
SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. EXCLUSÃO DE ACIONISTAS.
CONFIGURAÇÃO DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO
DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 257 DO RISTJ E SÚMULA 456 DO STF.
1. O instituto da dissolução parcial erigiu-se baseado nas sociedades
contratuais e personalistas, como alternativa à dissolução total e, portanto,
como medida mais consentânea ao princípio da preservação da sociedade e sua
função social, contudo a complexa realidade das relações negociais hodiernas
potencializa a extensão do referido instituto às sociedades
"circunstancialmente" anônimas, ou seja, àquelas que, em virtude de cláusulas
estatutárias restritivas à livre circulação das ações, ostentam caráter familiar ou
fechado, onde as qualidades pessoais dos sócios adquirem relevância para o
desenvolvimento das atividades sociais ("affectio societatis"). (Precedente:
EREsp 111.294/PR, Segunda Seção, Rel. Ministro Castro Filho, DJ
10/09/2007)
2. É bem de ver que a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos
diversos, cabendo destacar, no caso vertente, o seguinte aspecto: na primeira,
pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a
comprovação da quebra da "affectio societatis"; na segunda, a pretensão é de
excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres
essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social.
3. Em outras palavras, a exclusão é medida extrema que visa à eficiência da
atividade empresarial, para o que se torna necessário expurgar o sócio que gera
86 Foram convocados os Desembargadores Vasco Della Giustina, e Paulo Furtadopara substituir os
Ministros Sidnei Beneti, e Nancy Andrighi.
90
prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave ao exercício da empresa, sendo
imprescindível a comprovação do justo motivo.
4. No caso em julgamento, a sentença, com ampla cognição fático-probatória,
consignando a quebra da "bona fides societatis", salientou uma série de fatos
tendentes a ensejar a exclusão dos ora recorridos da companhia, porquanto
configuradores da justa causa, tais como: (i) o recorrente Leon, conquanto
reeleito pela Assembleia Geral para o cargo de diretor, não pôde até agora nem
exercê-lo nem conferir os livros e documentos sociais, em virtude de óbice
imposto pelos recorridos; (ii) os recorridos, exercendo a diretoria de forma
ilegítima, são os únicos a perceber rendimentos mensais, não distribuindo
dividendos aos recorrentes.
5. Caracterizada a sociedade anônima como fechada e personalista, o que tem
o condão de propiciar a sua dissolução parcial - fenômeno até recentemente
vinculado às sociedades de pessoas -, é de se entender também pela
possibilidade de aplicação das regras atinentes à exclusão de sócios das
sociedades regidas pelo Código Civil, máxime diante da previsão contida no
art. 1.089 do CC: "A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-
lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código."
6. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito
devolutivo amplo, porquanto cumpre ao Tribunal julgar a causa, aplicando o
direito à espécie (art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF). Precedentes.
7. Recurso especial provido, restaurando-se integralmente a sentença,
inclusive quanto aos ônus sucumbenciais.
Como se verifica, as considerações tecidas no recurso discriminaram
especificamente, no ponto 2, o instituto da dissolução parcial, sobre a qual se filiou à
jurisprudência já consolidada, e o da exclusão de sócio, caracterizada ao ponto 3 como
medida extrema, mesmo para as sociedades de pessoas, para as quais a regra é pensada.
Apenas quando a atuação do sócio que se pretende excluir for contrária à eficiência da
atividade empresarial, gerando prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave à empresa,
é que se pode buscar a exclusão do sócio, demonstrando a justa causa.
Quanto à sua aplicabilidade nas sociedades anônimas, consignou que a lei apenas
previa a possibilidade de exclusão do acionista inadimplente com a integralização das
ações que tenha subscrito. Contudo, entendeu o relator que a possibilidade de aplicação
da retirada do CC/2002 necessariamente atrairia a aplicação da exclusão, que não seria
especificamente vedada pela LSA/1976. No caso concreto, estavam presentes justas-
causas:
(i) o recorrente Leon, conquanto reeleito pela Assembleia Geral para o cargo
de diretor, não pôde até agora nem exercê-lo nem conferir os livros e
documentos sociais em virtude de óbice imposto pelos recorridos; (ii) a não
distribuição de dividendos aos recorrentes; (iii) os recorridos, exercendo a
diretoria de forma ilegítima, são os únicos a perceber rendimentos mensais.
Com este panorama, deu-se provimento ao recurso especial, permitindo a
exclusão do acionista que dava causa aos problemas de gestão e rentabilidade da
91
sociedade anônima, inaugurando precedente. Verifica-se que até hoje a sociedade
permanece ativa, o que parece confirmar o sucesso na manutenção da empresa.
92
CAPÍTULO 4 - A COMINAÇÃO JUDICIAL DA DISSOLUÇÃO
PARCIAL DE SOCIEDADES
O quarto e último passo dessa Dissertação é o estudo da ação judicial para forçar
a dissolução parcial, quando as opções extrajudiciais falharem ou não estiverem
disponíveis. Para tanto, serão estudados, em seus respectivos subcapítulos, (1) o caminho
legislativo que incluiu o capítulo da ação de dissolução parcial de sociedade no
CPC/2015, que não previa o rito originalmente; (2) a análise do código propriamente dito
para verificar como as normas se aplicam às sociedades de pessoas, de capitais e
heterotípicas; (3) uma proposta de consolidação das interpretações dos dois subcapítulos
anteriores; e (4) outros procedimentos dissolutórios no CPC/2015, nomeadamente a
penhora de quota de sociedade e a dissolução total de sociedade.
1 - O CAMINHO LEGISLATIVO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL
Em 30 de setembro de 2009 o Senado Federal, através do Ato nº 379 de seu então
presidente, o Senador José Sarney de Araújo Costa, instituiu uma comissão para elaborar
um anteprojeto de novo Código de Processo Civil, sendo presidida por Luiz Fux87,
relatada por Teresa Arruda Alvim Wambier88 e composta por Adroaldo Furtado
Fabrício89, Benedito Cerezzo Pereira Filho90, Bruno Dantas Nascimento91, Elpídio
87 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Então Ministro
do Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, em 2017, ministro do Supremo Tribunal Federal. Rio de
Janeiro, 1953-presente.
88 Outras grafias: Teresa de Arruda Alvim e a atual Teresa Celina de Arruda Alvim. Professora permanente
de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nascimento desconhecido-
presente.
89 Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado. 1934-
presente.
90 Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Nascimento
desconhecido-presente
91 Então Consultor Legislativo de Direito Processual Civil do Senado Federal e Representante do Senado
Federal no Conselho Nacional do Ministério Público. Desde 2014 é Ministro do Tribunal de Contas da
União, por indicação do Senado Federal. 1978-presente.
93
Donizetti Nunes92, Humberto Theodoro Júnior93, Jansen Fialho de Almeida94, José
Miguel Garcia Medina95, José Roberto dos Santos Bedaque96, Marcus Vinicius Furtado
Coelho97, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro98. O anteprojeto, entregue em 08 de junho de
2010, não conteve qualquer disposição acerca da dissolução parcial de sociedades.
O procedimento para a dissolução parcial de sociedades foi incluído no Código
de Processo Civil na sua primeira fase de tramitação, ainda no Senado Federal sob a
alcunha de Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2010, por determinação do Relator
Geral da matéria, Senador Valter Pereira, quando foram juntadas diversas sugestões
legislativas, dentre as quais as de número 162, de autoria do professor Fabio Ulhoa
COELHO (2010), e 165, de autoria do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IMAG,
2010). Ambas as sugestões incluíram propostas de redação para ações de dissolução de
sociedade.
Sobre esta última proposta, que acabou abandonada, previa 15 artigos para reger
os procedimentos de dissolução parcial e total de sociedades e da exclusão de sócios.
Apesar de não ter sido aprovada, algumas de suas redações foram adotadas em
substituição às da proposta de COELHO (2010), que restou aprovada com poucas
alterações de seu texto original.
As vantagens da proposta da IMAG (2010) são a previsão de um rito para a
dissolução total e para a conversão da dissolução total em parcial, na ocorrência de
discordância de um ou mais sócios no curso de processo de dissolução total. Para o caso
da dissolução parcial, previu rito especial idêntico ao sumaríssimo, dos Juizados
92 Então Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Desde 2013 é Desembargador
aposentado. 1956-presente.
93 Professor Titular aposentado de Processo Civil da Universidade Federal de Minas Gerais. Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Advogado. 1938-presente.
94 Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Nascimento desconhecido-
presente.
95 Professor da Universidade Estadual de Maringá e da Universidade Paranaense (UNIPAR). 1972-presente.
96 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo. Desembargador aposentado
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Advogado. Nascimento desconhecido-presente.
97 Advogado. Então membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Posteriormente foi
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil entre 2013 e 2016. 1972-presente.
98 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.
Nascimento desconhecido-presente.
94
Especiais Cíveis, em que haveria apenas uma audiência de conciliação, instrução e
julgamento, devendo o juiz sentenciar o processo em sequência.
Esse rito, além de ignorar a possibilidade de necessidade de perícias ou
discussões mais completas para a própria decretação da dissolução, também se soma aos
problemas com a determinação da data para a apuração dos haveres, que, segundo a
proposta, seria a do ajuizamento da ação. São muitos os prejuízos dessa abordagem,
criando problemas em ações com dificuldade na citação e ignorando o direito material,
que estabelece a dissolução em datas diversas, a depender da situação fática que ensejou
a dissolução parcial.
Abaixo, a seguinte tabela comparativa entre o texto original e o que restou
aprovado apresenta números de referência, que serão adotados para os comentários da
presente seção.
Tabela 02 – Comparativo entre sugestão original e texto final do
Código de Processo Civil de 2015
# Original Aprovado
1 CAPÍTULO X - DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE
Art. 653. A ação de dissolução parcial
de sociedade pode ter por objeto:
I - a resolução da sociedade empresária
contratual ou simples em relação ao
sócio falecido, excluído ou que exerceu
o direito de retirada ou recesso; e
II - a apuração dos haveres do sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso; ou
III - somente a resolução ou a apuração
de haveres.
CAPÍTULO V - DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE
Art. 599. A ação de dissolução parcial
de sociedade pode ter por objeto:
I - a resolução da sociedade empresária
contratual ou simples em relação ao
sócio falecido, excluído ou que exerceu
o direito de retirada ou recesso; e
II - a apuração dos haveres do sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso; ou
III - somente a resolução ou a apuração
de haveres.
2 § 1º. Aplica-se ao rito previsto neste
Capítulo, no que não o contrariar, o
disposto no Título I do Livro II.
Correspondência com o Art. 603, §2º.
95
3 § 2º O autor exibirá na petição inicial o
contrato social.
§ 1o A petição inicial será
necessariamente instruída com o
contrato social consolidado.
4 § 3º. São contratuais as sociedades
empresárias dos tipos limitada, em
nome coletivo e em comandita simples.
Sem correspondência
5 § 4º. A sociedade poderá, como autora
ou ré, formular pedido de indenização
compensável com o valor dos haveres a
apurar.
Correspondência no Art. 602.
6 § 5º. O objeto da ação também poderá
ser apuração de deveres.
Sem correspondência.
7 Sem correspondência §2o A ação de dissolução parcial de
sociedade pode ter também por objeto a
sociedade anônima de capital fechado
quando demonstrado, por acionista ou
acionistas que representem cinco por
cento ou mais do capital social, que não
pode preencher o seu fim.
8 Art. 654. Quando o objeto da ação for a
resolução da sociedade empresária
contratual ou simples relação ao sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso, a ação
pode ser proposta
Art. 600. A ação pode ser proposta:
9 I - pelo espólio do sócio falecido,
quando a totalidade dos sucessores não
quer ingressar na sociedade;
II - pelos sucessores, após concluída a
partilha do sócio falecido;
III – pelos sócios sobreviventes, se não
querem o ingresso do espólio ou dos
sucessores do falecido na sociedade,
quando esse direito decorrer do
contrato social;
IV - pelo sócio que exerceu o direito de
retirada ou recesso, se não tiver sido
providenciada, pelos demais sócios, a
alteração contratual formalizando o
I - pelo espólio do sócio falecido,
quando a totalidade dos sucessores não
ingressar na sociedade;
II - pelos sucessores, após concluída a
partilha do sócio falecido;
III - pela sociedade, se os sócios
sobreviventes não admitirem o ingresso
do espólio ou dos sucessores do falecido
na sociedade, quando esse direito
decorrer do contrato social;
IV - pelo sócio que exerceu o direito de
retirada ou recesso, se não tiver sido
providenciada, pelos demais sócios, a
alteração contratual consensual
formalizando o desligamento, depois de
96
desligamento, depois de transcorridos
10 (dez) dias do exercício do direito;
V - pela sociedade, nos casos em que a
lei não autoriza a exclusão
extrajudicial; ou
VI - pelo sócio excluído.
transcorridos 10 (dez) dias do exercício
do direito;
V - pela sociedade, nos casos em que a
lei não autoriza a exclusão extrajudicial;
ou
VI - pelo sócio excluído.
10 §1º Somente poderá ser proposta a ação
de dissolução parcial com o objeto
destinado à resolução da sociedade se o
autor demonstrar que esta não pôde se
operar por alteração do contrato social
em razão de divergência entre os sócios
Sem correspondência.
11 § 2º. O cônjuge ou companheiro do
sócio cujo casamento, união estável ou
convivência terminou poderá requerer
a apuração de seus haveres na
sociedade. Os haveres assim apurados
serão pagos à conta da quota social
titulada por este sócio.
Parágrafo único. O cônjuge ou
companheiro do sócio cujo casamento,
união estável ou convivência terminou
poderá requerer a apuração de seus
haveres na sociedade, que serão pagos à
conta da quota social titulada por este
sócio.
12 Sem correspondência. Parcialmente
previsto na proposta do IMAG.
§ 3º. A sociedade não precisa ser parte
na ação quando forem litigantes todos
os sócios, mas ficará, ainda assim,
sujeita aos efeitos da decisão.
Art. 601. Os sócios e a sociedade serão
citados para, no prazo de 15 (quinze)
dias, concordar com o pedido ou
apresentar contestação.
Parágrafo único. A sociedade não será
citada se todos os seus sócios o forem,
mas ficará sujeita aos efeitos da decisão
e à coisa julgada.
13 Correspondência no Art. 653, §2º. Art. 602. A sociedade poderá formular
pedido de indenização compensável
com o valor dos haveres a apurar.
14 Art. 655. Julgada procedente a ação, se
as partes não se compuserem
relativamente ao valor dos haveres ou
o critério de sua apuração, esta será
feita nos mesmos autos segundo o
disposto no artigo seguinte
Art. 603. Havendo manifestação
expressa e unânime pela concordância
da dissolução, o juiz a decretará,
passando-se imediatamente à fase de
liquidação.
15 Sem correspondência
§ 1o Na hipótese prevista no caput, não
haverá condenação em honorários
advocatícios de nenhuma das partes, e
97
Correspondência com o Art. 653, §1º
as custas serão rateadas segundo a
participação das partes no capital
social.
§ 2o Havendo contestação, observar-
se-á o procedimento comum, mas a
liquidação da sentença seguirá o
disposto neste Capítulo.
16 Art. 656. Ao mandar processar a ação
de dissolução cujo objeto é apenas a
apuração de haveres, o juiz proferirá
despacho em que:
I - fixará a data da resolução da
sociedade;
II – definirá, à vista do disposto no
contrato social, o critério de apuração
dos haveres; e
III - nomeará o perito.
Art. 604. Para apuração dos haveres, o
juiz:
I - fixará a data da resolução da
sociedade;
II - definirá o critério de apuração dos
haveres à vista do disposto no contrato
social; e
III - nomeará o perito.
17 Correspondência no Art. 660. § 1o O juiz determinará à sociedade ou
aos sócios que nela permanecerem que
depositem em juízo a parte
incontroversa dos haveres devidos.
§ 2o O depósito poderá ser, desde
logo, levantando pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores.
§ 3o Se o contrato social estabelecer o
pagamento dos haveres, será observado
o que nele se dispôs no depósito
judicial da parte incontroversa.
18 Art. 657. A data da resolução da
sociedade será:
I - no caso de falecimento do sócio, a
do óbito;
II - na retirada imotivada (Código
Civil, art. 1.029, primeira parte), o 60º
(sexagésimo) dia seguinte ao do
recebimento, pela sociedade, da
notificação do sócio retirante;
Art. 605. A data da resolução da
sociedade será:
I - no caso de falecimento do sócio, a
do óbito;
II - na retirada imotivada, o sexagésimo
dia seguinte ao do recebimento, pela
sociedade, da notificação do sócio
retirante;
98
III - no recesso (Código Civil, art.
1.077), o dia do recebimento, pela
sociedade, da notificação do sócio
dissidente;
IV - na retirada por justa causa de
sociedade por prazo determinado
(Código Civil, art. 1.029, in fine) e na
exclusão judicial de sócio (Código
Civil, art. 1.030), a do trânsito em
julgado da decisão.
Sem correspondência.
III - no recesso, o dia do recebimento,
pela sociedade, da notificação do sócio
dissidente;
IV - na retirada por justa causa de
sociedade por prazo determinado e na
exclusão judicial de sócio, a do trânsito
em julgado da decisão que dissolver a
sociedade; e
V - na exclusão extrajudicial, a data da
assembleia ou da reunião de sócios que
a tiver deliberado.
19 Art. 658. Em caso de omissão do
contrato social, o juiz definirá, no
despacho que mandar processar a
ação, como critério de apuração de
haveres, o valor patrimonial apurado
em balanço de determinação (Código
Civil, art. 1.031), a ser levantado por
perito contabilista, pessoa física ou
jurídica, tomando-se por referência a
data da resolução e avaliando-se bens
e direitos do ativo, a preço de saída.
Parágrafo único. Também será
contabilista o perito se o contrato
social estabelecer como critério de
apuração de haveres o valor
patrimonial, contábil ou a data
presente; mas se o contrato social
estabelecer como critério o valor
econômico da sociedade ou outro
fundado em projeção de resultados
futuros, a nomeação recairá sobre
especialista, pessoa física ou jurídica,
em avaliação de sociedades.
Art. 606. Em caso de omissão do
contrato social, o juiz definirá, como
critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de
determinação, tomando-se por
referência a data da resolução e
avaliando-se bens e direitos do ativo,
tangíveis e intangíveis, a preço de
saída, além do passivo também a ser
apurado de igual forma.
Parágrafo único. Em todos os casos em
que seja necessária a realização de
perícia, a nomeação do perito recairá
preferencialmente sobre especialista em
avaliação de sociedades.
20 Art. 659. A data da resolução e o
critério de apuração de haveres podem
ser revistos pelo juiz, a pedido da
parte, a qualquer tempo antes do início
da perícia.
Art. 607. A data da resolução e o
critério de apuração de haveres podem
ser revistos pelo juiz, a pedido da parte,
a qualquer tempo antes do início da
perícia.
21 Art. 660. A sociedade ou aos sócios
que nela permanecerem só podem
propor a ação de dissolução parcial
Correspondência no Art. 604.
99
com objeto de apuração de haveres,
ou, não sendo os autores, responde-la,
depositando em juízo a parte
incontroversa dos haveres devidos.
§ 1º O depósito poderá ser, desde
logo, levantando pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores.
§ 2º Se o contrato social estabelecer o
pagamento dos haveres, será
observado o que nele se dispôs no
depósito judicial da parte
incontroversa.
22 Art. 661. Até a data da resolução,
integra o valor devido ao ex-sócio, ao
espólio ou aos sucessores a
participação nos lucros ou os juros
sobre o capital próprio declarados pela
sociedade e, se for o caso, a
remuneração como administrador (pro
labore).
Parágrafo único. Após a data da
resolução, o ex-sócio, o espólio ou os
sucessores terão direito apenas à
correção monetária dos valores
apurados e aos juros contratuais ou
legais.
Art. 608. Até a data da resolução,
integram o valor devido ao ex-sócio, ao
espólio ou aos sucessores a participação
nos lucros ou os juros sobre o capital
próprio declarados pela sociedade e, se
for o caso, a remuneração como
administrador.
Parágrafo único. Após a data da
resolução, o ex-sócio, o espólio ou os
sucessores terão direito apenas à
correção monetária dos valores
apurados e aos juros contratuais ou
legais.
23 Sem correspondência. Previsto na
proposta do IMAG
Art. 609. Uma vez apurados, os
haveres do sócio retirante serão pagos
conforme disciplinar o contrato social
e, no silêncio deste, nos termos do § 2o
do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil).
Os itens 1, 2, 5, 8, 11, 13, 16, 18, 20, 21, 22 foram aprovados sem modificações,
ou com modificações que não alteram a substância do original. Os itens 3 e 12, 14 foram
aprovados utilizando a redação do artigo correspondente no projeto do IMAG, sem
modificações substantivas. Os itens 4, 6, 10 foram excluídos do texto final, sem adição
de artigo correspondente. Os itens 9, 17 e 19 foram modificados em sua substância. Os
100
itens 7, 15 e 23 foram adicionados ao texto, sendo o 7 em razão de uma emenda e o 15 e
23 em função da sugestão do IMAG.
Todas essas consolidações, exceto as do item 7, 9, 17 e 19, constam do Parecer
nº 1.624 de 2010, do Senador Relator, que apresentou substitutivo ao projeto original,
consolidando os milhares de páginas em sugestões e pareceres que foram oferecidos. Em
seu Parecer (SENADO FEDERAL. PEREIRA. p, 145), o relator geral destacou:
“k) no âmbito dos procedimentos especiais, além de algumas alterações
pontuais, destacamos a introdução da ‘ação de dissolução parcial de
sociedade’, que regulamenta o tema à luz do Código Civil de 2002, de modo a
suprir lacuna que acabou não sendo preenchida durante toda a vigência do atual
Código de Processo Civil, cujo art. 1.218 manteve em vigor os arts. 655 a 674
do Código de Processo Civil de 1939, disciplinadores da ‘liquidação e
dissolução das sociedades’”
A exclusão do item 4 não causa prejuízos à lei final, tendo em vista só servir para
esclarecer um conceito já bem delimitado pela lei e doutrina comercialista.
A exclusão do item 6 causa alguns prejuízos à lei final, haja vista que nas
hipóteses em que couber ao sócio a complementação de valores em razão do patrimônio
líquido negativo em sociedades de responsabilidade ilimitada pode ser discutido se a
execução pode ocorrer nos mesmos autos ou se a determinação do quantum debeatur do
sócio retirante ultrapassaria os limites da tutela pretendida na ação. A questão, contudo,
pode ser resolvida pela leitura do artigo 602. Se é lícito à sociedade formular pedido
indenizatório, também lhe é lícito requerer o pagamento dos deveres.
A exclusão do item 10 retirou a necessidade de comprovar a tentativa de
conciliar os interesses fora do juízo, sendo frustrada por divergência entre os sócios. Data
venia aos autores, a necessidade de demonstrar a divergência entre os sócios seria uma
burocracia desnecessária, visto que seria possível contestar preliminarmente se foi
efetivamente tentada a alteração ou se havia divergência, discussões inúteis ao resultado
útil do processo.
O item 17, além da reordenação, suprimiu o comando de que a ação só poderia
ser proposta mediante o depósito, trocando-o para uma determinação obrigatória para o
magistrado após o ajuizamento. Essa alteração retirou o sentido da disposição: enquanto
condição da ação ou da resposta, o depósito garantiria que a discussão judicial não
prejudicaria ainda mais o retirante; como uma obrigação após o ajuizamento ou resposta,
101
faria mais sentido que o juiz determinasse o pagamento diretamente ao retirante, sem a
necessidade de depósitos e a expedição de mandados de levantamento.
No item 18, acertada a adição do inciso V, que prevê corretamente que na
eventualidade da judicialização de exclusão extrajudicial, a data para a apuração dos
haveres é a da realização da deliberação em assembleia, que é quando se desfaz o vínculo
societário.
A inclusão do item 23, extraído da sugestão do IMAG, faz eco ao próprio artigo
do Código Civil por ele citado, estabelecendo a primazia do contrato social e a aplicação
subsidiária do direito material geral previsto pelo CC/2002.
O item 9 sofreu modificações no inciso III, alterando-se a legitimidade para a
propositura da ação de dissolução parcial no caso em que os sócios sobreviventes não
admitirem o ingresso do espólio ou sucessores do sócio falecido. A sugestão legislativa
previa essa legitimidade para os sócios sobreviventes, enquanto a lei final a prevê para a
sociedade.
Primeiramente, cabe interpretar o texto do inciso para entender a que direito se
refere o termo “esse”: caso se refira ao direito de ingressar na sociedade, então o inciso
estabelece um direito material, seja dos sócios ou da sociedade, de se oporem ao disposto
no contrato social e impedirem que o espólio ou os sucessores se tornem sócios, o que
não parece ser o interesse da lei processual. Além disso, o termo “esse” é um pronome
demonstrativo que, na norma culta, deve referir-se a algo distante do autor da frase e
próximo ao interlocutor ou, numa enumeração, ao segundo elemento mais distante na
frase. Assim, a interpretação ora analisada deveria empregar o termo “este”.
A análise mais apropriada, portanto, é a de que o direito decorrente do contrato
social é o de “não quererem o ingresso” ou, nos termos da redação final “não admitirem
o ingresso”. Assim, se o Contrato social previr a possibilidade de impugnar o ingresso do
espólio ou dos sucessores, a legitimidade ativa seria dos sócios sobreviventes. No mesmo
sentido, FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 35-36).
O termo “sócios sobreviventes” também admite possíveis interpretações: ou
qualquer um dos sócios poderia propor a ação ou o conjunto dos sócios (ou como acabou
se chamando, a sociedade) poderia propor a ação. A diferença entre as duas possibilidades
102
é bastante grande, já que no primeiro caso bastaria o interesse individual de um dos sócios,
enquanto na segunda é necessária deliberação dos sócios sobreviventes em reunião ou
assembleia, sendo aprovada a impugnação do espólio ou sucessores pelo quórum previsto
pelo contrato social, ou, na sua lacuna, pela lei.
A lei final, apesar de ter resolvido essa questão, o fez de forma inadequada.
Exigir deliberação societária para o exercício de oposição pode violar o disposto no
contrato social, que pode estabelecer que é direito do sócio realizar essa impugnação.
Dessa forma, o código invade a liberdade dos sócios e lhes retira uma via impugnativa
para o exercício de direito social.
Fora essa hipótese, se a sucessão do sócio foi regulada pelo contrato, ainda que
não tenha sido estabelecido um mecanismo de impugnação, os sócios sempre poderão se
reunir em assembleia e deliberar pela exclusão de algum ou de todos os sucessores, desde
que haja justa causa. Isto porque a sociedade pode excluir seus sócios que tenham
cometido falta grave no exercício de suas funções. No caso, o sucessor pode ter, antes
mesmo de entrar na sociedade, violado alguma cláusula com relação às suas
características pessoais necessárias para ser sócio, não cumprindo com as condições
necessárias para associar-se ou permanecer associado, de modo que poderia ser excluído
após sua entrada ou, por economia processual, antes mesmo de ingressar.
No item 19, a sugestão original previa a obrigatoriedade da perícia contábil
sempre que o contrato social não previr outra solução, a não ser quando o critério
estabelecido seja o do valor econômico, quando o perito deveria ser especialista em
avaliação de sociedades. Diversas propostas de modificação foram feitas, tanto no Senado
quanto na Câmara. O relatório final da matéria no Senado previa a preferência para perito
contabilista, mantendo a provisão quanto à avaliação do valor econômico
preferencialmente por perito especialista em avaliação de sociedades.
Na Câmara, a matéria foi objeto de duas emendas: a Proposta de Emenda nº 304,
de 2010, de autoria do Deputado Federal Eduardo CUNHA (2010)99, que alterava o caput
para determinar que a os bens e direitos fossem avaliados a preço de mercado; e a Proposta
99 Então Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, filiado ao PMDB. Economista. 29/09/1958-presente.
103
de Emenda nº 524, de autoria do Deputado Federal Roberto POLICARPO (2011)100, que
alterava o §1º para suprimir todas as orientações quanto à especialidade do perito, apenas
determinando a nomeação obrigatória de algum perito.
Enquanto o Deputado Eduardo Cunha, que fez dezenas de propostas de emenda
ao texto, utilizou o exato mesmo texto genérico para justificar todas as suas emendas, o
Deputado Policarpo buscou dar uma justificativa ao seu projeto através da possibilidade
de que economistas e administradores também possam realizar as perícias para a apuração
dos haveres em balanço de determinação.
Sobre a proposta do Deputado Eduardo Cunha, que não restou aprovada, buscava
esclarecer o conceito de “preço de saída”, definido pelo Pronunciamento CPC nº 46/2012,
do Comitê de Pronunciamentos Contábeis como “[p]reço que seria recebido para vender
um ativo ou pago para transferir um passivo” (CPC, 2012, p. 21). Já o conceito de “preço
de mercado”, que é definido por SMITH (2005, p. 52):
The market price of every particular commodity is regulated by the proportion
between the quantity which is actually brought to market, and the demand of
those who are willing to pay the natural price of the commodity, or the whole
value of the rent, labour, and profit, which must be paid in order to bring it
thither101.
Veja-se que o valor de mercado considera fatores de oferta e demanda que não
necessariamente se incorporariam ao patrimônio da sociedade, apesar de comporem o
preço de venda dos bens e direitos ou de quitação do passivo, tais como o frete e outros
custos de transação. Assim, é mais apropriada a versão que prevaleceu, com a utilização
do preço de saída, que efetivamente seria arrecadado, caso a sociedade entrasse em
liquidação.
Com relação à emenda proposta pelo Deputado Policarpo, seu mérito está em
reconhecer que pode ser necessária a atuação de peritos em outras áreas, que não apenas
a contabilidade, para a avaliação de questões específicas na apuração de haveres. Em
especial, destaca-se a dificuldade da avaliação do patrimônio imaterial, como marcas e o
aviamento. Contudo, a redação original do código não proíbe a contratação de outros
profissionais peritos, quando necessária, apenas estabelece a obrigatoriedade de um perito
100 Então Deputado Federal pelo Distrito Federal, filiado ao PT. Agrônomo. 22/02/1967-presente.
101 [Tradução livre do autor] O preço de mercado de cada comodity em particular é regulado pela proporção
entre a quantidade em que é trazido ao mercado e a demanda daqueles dispostos a pagar o preço natural da
comodity, ou o valor total do aluguel, labor e lucro, que devem ser pagos para trazê-lo até si.
104
contábil ou, no caso específico do §2º, especialista em avaliação de sociedades. Havendo
a recomendação desse perito, pedido das partes, ou determinação do juiz, nada obsta a
contratação desses profissionais auxiliares.
O texto final, por outro lado, suprimiu todas as menções à perícia contábil e
estabeleceu que, em todos os casos, o perito deverá ser, preferencialmente, especialista
em avaliação de sociedades.
Há grande diferença entre a sugestão original e o texto final, nesse ponto.
Enquanto a sugestão previa soluções obrigatórias, a lei final apenas sugere uma solução.
Perde-se, assim, as razões constantes do próprio texto original, que guiavam o trabalho
do perito. Caso o legislador apenas desejasse retirar a obrigatoriedade, acolhendo a
sugestão da Emenda do Deputado Policarpo, não era necessária tamanha supressão no
artigo. Ademais, não é necessária avaliação da sociedade quando o critério for o geral, do
patrimônio líquido da sociedade, bastando apuração contábil, mais simples e menos
custosa do que uma avaliação completa da sociedade.
O item 7 foi incluído através a aprovação da Proposta de Emenda nº 507, de
2011, de autoria do Deputado Federal Arthur Oliveira Maia102, quando da apreciação do
projeto de lei na Câmara dos Deputados, sob a alcunha de Projeto de Lei (PL) nº 8.046,
de 2010. O trecho adicionado pela emenda foi extraído do art. 206, II, b da LSA/1976,
que trata da dissolução total da sociedade por ações em razão de não poder preencher o
seu fim, em ação proposta por acionistas que representem ao menos 5% do capital.
A curta justificativa enumera as razões para a inclusão do trecho:
As companhias ou sociedades anônimas de capital fechado podem vir a
ostentar a condição de sociedade de pessoa. É o caso das sociedades anônimas
ditas familiares, inacessíveis a estranhos, cujas ações circulam entre os poucos
acionistas que as adquirem.
Esse fenômeno tem sido anotado tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
concluindo-se que, reunindo a condição de sociedade intuitu personae, pode a
sociedade anônima fechada ser dissolvida judicialmente, e de forma parcial,
quando se verificar a ruptura da affectio societatis, por restar, nesses casos,
evidente a impossibilidade de ser preenchido o seu fim social (Lei 6.404/76,
art. 206, II, b).
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ (REsp 111.294-PR, 4ª Turma, RSTJ
146/323, out./01).
102 Deputado Federal pela Bahia, então filiado ao PMDB. Advogado. 17/08/1964-presente.
105
Assim, a presente emenda propõe a incorporação do seu texto na regulação da
ação de dissolução parcial para traduzir na lei aquilo que já é consagrado pelo
STJ.
Como verificou-se na Seção 3 do Cap. 3, o REsp 111.294/PR não se
fundamentou integralmente no art. 206, b, II para decretar a dissolução parcial da
sociedade anônima, mas sim na aplicação subsidiária do art. 1.028 a 1.032, por
reconhecimento da relevância dos aspectos pessoais na sociedade. As considerações
acerca do art. 206, II, b, reproduzido no texto final da lei processual civil, foram no sentido
de apontar que seria possível até mesmo a dissolução total da sociedade na hipótese
estudada à época, já que não se pagavam dividendos há anos.
Essas primeiras ações apreciadas pelo tribunal superior em que se autorizou a
dissolução parcial de sociedade anônima foram conversões de ações de dissolução total
em parcial para preservar a empresa e viabilizar sua continuidade com os sócios que ainda
buscavam seu sucesso. As ações posteriores não empregaram o artigo pois já buscaram
diretamente a dissolução parcial, aderindo à interpretação tecida nos tribunais.
Dessa forma, o §2º do artigo 599 merece críticas, empregando os termos errados
para as intenções corretas. Melhor seria que o parágrafo mencionasse especificamente a
necessidade de reconhecimento do caráter personalista da sociedade anônima fechada, ao
invés de privilegiar o não preenchimento do fim, que é apenas uma das possibilidades de
justa-causa para demonstração da quebra da affectio societatis e da necessidade de
desfazimento do vínculo.
Em razão disso, o § 2º do artigo 599 vem merecendo críticas por parte da
doutrina, como as tecidas por FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 31-32, grifos do
original):
De que assim é, tanto em companhias fechadas como nas abertas, ninguém
nunca duvidou, até porque legem habemus e, por essa senda, o CPC/2015
concretamente em nada inovou. Ocorre que, para além da dissolução parcial
decretada ou pleiteada como alternativa à dissolução total, diante de uma causa
que justifica esta última solução, a jurisprudência e a doutrina passaram a
também apontar o cabimento da dissolução parcial da sociedade anônima
fechada – em especial naqueles casos em que o tipo ideal adotado não
corresponde à estrutura real, típica de sociedade de pessoas(ditas “sociedades
anônimas de pessoas” ou “sociedades anônimas intuitu personae”) – para
viabilizar a retirada por justa causa do acionista, que não encontra faticamente
um mercado secundário onde possa alienar as suas ações, ou até para permitir
a exclusão de um membro indesejado que comete falta grave e coloca em risco
a continuidade da empresa. Pois bem. A dúvida que a nova regra do CPC/2015
agora traz é se estas outras hipóteses que vinham sendo admitidas pela
jurisprudência continuam a legitimar o pleito de dissolução, como ainda hoje
entendemos viável, ou se, interpretada a contrario sensu, teria restringido a
106
dissolução parcial àquela causa de dissolução total. A nosso ver, aquelas outras
hipóteses continuam sendo admitidas. Ainda assim, fica a indagação: por qual
razão, então, o legislador resolveu se intrometer nesta questão, se não foi para
oferecer respostas definitivas e completas, certo de que a intromissão pela
metade mais sombra do que luz trouxe ao tema? Não deu para compreender.
Apesar de possível tentar dar sentido gramatical ao parágrafo, isso representaria,
como apontado nas críticas acima, uma redução semântica nas possibilidades de
proposição da ação de dissolução parcial. A melhor forma de interpretar o parágrafo,
portanto, é a sistêmica, levando em conta toda a construção jurisprudencial e doutrinária
que se teceu acerca da temática, compatibilizando o enunciado ali disposto com o art.
1.089 do CC/2002 para entender que se trata apenas de permissivo para a convolação da
ação de dissolução total de sociedade em parcial, quando o fundamento for a inviabilidade
do objeto ou do fim social, de geração de lucro.
SETOGUCI (2016, informação em palestra)103(1:09:20 até 1:11:00) argumenta
que esse parágrafo deve ser interpretado no sentido de viabilizar uma transmutação de
pedido de dissolução total realizado por acionistas detentores de pelo menos 5% do capital
em dissolução parcial, de modo a preservar a empresa.
A jurisprudência, desde os primeiros julgados do STJ, como o EREsp
111.294/PR, já entendia que o deferimento de dissolução parcial quando o pedido das
partes é dissolução total é uma possibilidade de decisão dentro da moldura legal,
consistindo em provimento parcial dos pedidos autorais, em privilégio dos interesses de
ambas as partes. Seria interessante também que fosse oportunizado às partes o aditamento
do pedido inicial e de defesa, de forma que a ação seguisse desde suas fases iniciais com
essa possibilidade explícita, não havendo, portanto, transmutação do rito comum em
especial de dissolução parcial de sociedade.
Nos demais casos, em que se busque a aplicação subsidiária do instituto da
resolução da sociedade em relação a um sócio, seja por retirada, recesso imotivado ou
exclusão em uma sociedade anônima, é necessária a decretação pelo juiz ou acordo prévio
entre os acionistas. O caput do art. 599, juntamente de seus incisos, não impede o
ajuizamento de ação no rito especial para a dissolução parcial da sociedade anônima, que
se enquadraria no item III, que não discrimina a necessidade de a sociedade ser contratual
103 Comentário proferido por Guilherme Setoguci em Palestra realizada na Associação dos Advogados de
São Paulo (AASP) por ocasião do 6º Congresso Brasileiro de Direito Comercial, em 07 de abril de 2017.
Disponível em <http://www.congressodireitocomercial.org.br/site/direito-societario-limitada-e-sa-
fechada>. Acesso em 26.09/2017.
107
ou simples, características que mesmo a sociedade anônima heterotípica não pode
possuir.
Sendo necessária decretação pelo juiz, ele deverá analisar se estão presentes os
pressupostos jurisprudenciais autorizadores de que se considere a sociedade em análise
uma sociedade heterotípica personalista e instável, enfrentando essa questão diretamente
na sentença. A partir daí, com o trânsito em julgado, a dissolução segue as mesmas
premissas e regras de uma dissolução de sociedade de pessoas, sempre que a LSA/1976
não tiver regra sobre o tema.
2 - A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES NO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 2015
O rito que restou aprovado para a dissolução parcial de sociedades se caracteriza
pelo foco na presteza da prestação jurisdicional, com ampla margem para que as partes
cheguem a acordos sobre os limites da demanda. Apenas quando houver verdadeiro litígio
entre as partes é que o rito será verdadeiramente contencioso, seguindo as normas do rito
comum.
Conforme destaca o principal autor da proposta, COELHO (2011, PP. 148-149),
a principal vantagem da adoção do rito especial para a dissolução parcial de sociedades é
evitar que processos se desenvolvam com apuração de haveres sem a determinação dos
critérios e da data para a apuração dos haveres, o que levaria a uma inversão da ordem
processual.
Este subcapítulo será dividido em seções que abordarão os aspectos objetivos da
ação de dissolução parcial, em específico: (1) jurisdição e o objeto da ação, interesse e
legitimidade processual; (2) o processamento judicial da ação; (3) os critérios e a data
para a apuração de haveres; (4) a execução dos haveres; e, ainda, (5) a dissolução total
das sociedades no CPC/2015.
Inicialmente, com relação à jurisdição, cabe aplicar que a instituição de rito
especial para a dissolução parcial de sociedade não faz com que a natureza dos direitos
ali discutidos não possa prescindir de ação judicial. A participação em sociedade é uma
108
faculdade voluntária e onerosa na qual se pode negociar livremente, sendo alienável,
ainda que com restrições. Assim, é possível uma solução negociada, seja previamente ou
após o nascimento do problema; uma solução mediada, seguindo os trâmites da Lei
Federal nº 13.140, de 26 de junho de 2015; ou até mesmo arbitrada, afastando a jurisdição
estatal, visto estar em consonância com o disposto no art. 1º da Lei Federal nº 9.307, de
23 de setembro de 1996.
O art. 599 estabelece que a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por
objeto seus incisos I e II ou o inciso III. Nos incisos I e II, inclui-se a resolução da
sociedade empresária contratual ou simples, com a apuração dos haveres. No III,
“somente a resolução ou a apuração dos haveres”.
FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 24) faz crítica de que a dissociação da
dissolução e a apuração de haveres cria embaraços à economia processual em hipóteses
como a ação de exclusão de sócio, que, em sua defesa, teria que realizar reconvenção para
requerer seus haveres. Sem mérito as críticas.
A divisão dos incisos acautela a possibilidade de que uma mesma ação cuide
tanto da dissolução quanto da apuração dos haveres ou apenas de um destes pontos.
Ressalte-se que é possível que a dissolução parcial não resulte em qualquer apuração de
haveres, como no caso em que as partes concordam que a limitação de responsabilidade
impede que o sócio que saiu da sociedade tenha que adimplir deveres em sociedade com
patrimônio líquido negativo. Nesse caso, o que ocorre é uma homologação de ponto
incontroverso entre as partes, tendo sido apurados os haveres.
A lei não buscou o ajuizamento de duas ações separadas para uma mesma
temática de fato e de direito, visto que não seria racional, razoável nem tampouco
econômico a interpretação a se fazer do artigo para diferenciar-lhe dos demais, provendo-
lhe sentido, em violação a todos os princípios processuais tão celebrados pelo Código.
A ação que busca a exclusão de acionista encontra-se no primeiro inciso, que é
acompanhado naturalmente da apuração dos haveres. Ainda que não se formule
explicitamente o pedido dos haveres, sua apuração é uma obrigação legal.
A palavra “somente”, no inciso III, permite que uma ação apenas complemente
parcela de dissolução que chegue a ter algum sucesso extrajudicial, tendo a apuração dos
haveres, mas não a averbação do contrato social com a exclusão do nome e retificação do
109
capital social; ou a dissolução que concluiu essa etapa, mas não resolveu a apuração dos
haveres. No inciso III é que se encaixam as situações de dissolução parcial e apuração de
haveres de todas as sociedades que não sejam empresarias contratuais ou simples, quando
não forem declaradas heterotípicas.
Ressalte-se, então, que o mesmo rito pode ser empregado em sociedades
anônimas, mesmo as de capital aberto, que desrespeitem a LSA/1976 no tocante ao
exercício da retirada, quando a forma mais apropriada de ajuizamento não for a
impugnação específica de ato da administração, como nos casos em que se negue a
calcular os haveres dos acionistas retirantes.
Cabe ressaltar que é possível cumular pedidos à ação de dissolução parcial de
sociedade, tais como a exibição de documentos, prestação de contas, anulação de
deliberações ou outras declarações, ou condenações que sigam o rito comum, desde que
seguidos os termos do art. 327, caput e parágrafos, CPC/2015, como também destacam
FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 26).
O Artigo 600 trata da legitimidade ativa ad causam. Como é natural para um
grupo de ações diverso, também são vários os legitimados à propositura da ação, de
acordo com as matérias que forem de seu interesse processual.
A hipótese do inciso I destina-se à apuração dos haveres do sócio falecido,
quando pelo menos um de seus herdeiros não ingressar na sociedade. Cabe destacar que
“a totalidade não ingressar” é diferente de “nenhum ingressar”. No primeiro caso,
escolhido pelo CPC/2015, basta que um dos herdeiros decida não ingressar ou seja
rejeitado, conforme aponta COELHO (2011, p. 150) para que o espólio possa propor a
ação; no segundo caso, seria necessário que todos os herdeiros decidissem não ingressar
ou fossem rejeitados para que o espólio pudesse propor a ação.
Cabe ressaltar que COELHO (2011, p. 151) entende que no caso de apenas parte
dos herdeiros quererem ou poderem se associar, o espólio deveria permanecer titular das
quotas até o fim da partilha, quando, ainda que não desejem, os herdeiros se tornarão
titulares da sociedade e poderão propor a ação do inciso II. Entende-se aqui que isso seria
inconstitucional, ao compelir pessoa que não deseja associar-se à associação, bem como
indesejável, visto que a permanência do espólio como sócio pode ser nociva à sociedade,
permitindo que parte do controle seja exercida por ente despersonalizado com quem não
há qualquer affectio societatis. O próprio COELHO (idem) entende que a permanência
110
do espólio enquanto titular deve ser tão breve quanto possível, de modo que sua
interpretação não atingiria os fins desejados.
Entende-se, assim que a apuração só será executada e potencialmente liquidada
e propriamente paga em três hipóteses: (1) de que os herdeiros que não ingressaram na
sociedade não possam compensar o valor de suas quotas com outros bens do monte,
solução mais econômica; (2) do valor das quotas ser controvertido, de modo que seja
necessária sua apuração para fins da realização da partilha, mas não necessariamente sua
execução, se puder ser compensada com outros bens do espólio; (3) ou terem todos os
herdeiros terem sido rejeitados como sócios, de modo que seja necessária a apuração e
liquidação dos haveres.
Nas hipóteses 1 e 2 é que se enquadra a determinação pelo juízo orfanológico,
nos termos do art. 620, §1º, II, CPC/2015, de que se proceda à apuração de haveres. Com
essa interpretação, permite-se que o espólio deixe de ser sócio ainda que não seja
encerrado o inventário e partilha, que podem pender de diversas outras questões jurídicas,
como o reconhecimento de união estável, a impugnação à capacidade hereditária entre
outras, e perdurar por décadas.
Desta forma, o inciso II, a propositura de ação pelos herdeiros, tem objeto
parecido, mas já não mais subsiste a figura do espólio, de modo que os herdeiros podem
buscar substrato para uma sobrepartilha, na descoberta de novo herdeiro, ou outro tipo de
medida que busque corrigir eventuais abusos da inventariança. Entende-se, aqui, que estes
herdeiros podem, inclusive, ser sócios, caso tenha sido seguida a interpretação de
COELHO (2011, p. 150).
No inciso III, a sociedade que rejeitou o ingresso de algum dos sucessores do
sócio falecido busca resguardar-se, propondo ela mesma a apuração dos haveres devidos
a este herdeiro. Este inciso já foi anteriormente discutido na seção 1.1 do Capítulo 4.
Ainda na seara familiar, o Parágrafo Único cria a possibilidade de que o cônjuge ou
companheiro apure e cobre os haveres referentes a sua meação na sociedade, quando do
término da sociedade conjugal ou união estável.
FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 43-45) entendem que esta matéria não é
processual, afirmando que o CPC/2015 supriu lacuna do direito material acerca das
faculdades que cabem ao cônjuge do sócio retirante, porém sem definir se teria apenas a
possibilidade do art. 1.027 do CC/2002 ou se poderia também pedir a liquidação parcial
111
da quota do sócio, na fração que eventualmente lhe caiba algo. A cobrança dos lucros
referida pelo Código Civil pode ser feita tanto na ação de dissolução, cumulando os
pedidos; ou separadamente, na ação de divórcio e partilha.
No Agravo de Instrumento nº 2038570-31.2017.8.26.0000 (Rel. Des. Fortes
Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Pateo do Colégio. Julgamento
em 10 de março de 2017, publicado no DJESP de 14/03/2017, PP. 527-528) foi
liminarmente determinado que o Espólio assume a condição temporária de acionista, e
não apenas de credor, com todos os direitos e deveres, até a apuração dos haveres. Essa
posição restou ratificada, por maioria de votos acompanhando a dissidência, pelo
julgamento definitivo em 03 de maio de 2017, publicado no DJESP de 18/05/2017, PP.
1718-1719:
SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER E DE DISSOLUÇÃO PARCIAL. FALECIMENTO DE
ACIONISTA. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE EXTINÇÃO
DAS AÇÕES DO FALECIDO E APURAÇÃO DE HAVERES. TUTELA
ANTECIPADA DEFERIDA PARA AFASTAMENTO DO ESPÓLIO DA
PRÁTICA DE ATOS TÍPICOS DE SÓCIOS. ESPÓLIO QUE ASSUME A
POSIÇÃO DE ACIONISTA, REPRESENTADO PELO INVENTARIANTE
DATIVO. REPRESENTAÇÃO, NO ENTANTO, RESTRITA, POIS SE
RESSALVA AOS HERDEIROS O DIREITO DE VOTO EM ASSEMBLEIA
GERAL, NA PROPORÇÃO DE SEUS QUINHÕES HEREDITÁRIOS.
INVENTARIANTE DATIVO QUE PODERÁ COMPARECER ÀS
ASSEMBLEIAS E DEFENDER OS INTERESSES DO ESPÓLIO NAS
QUESTÕES MERAMENTE PATRIMONIAIS, INCLUSIVE
FISCALIZANDO A ADMINISTRAÇÃO. PODERÁ, TAMBÉM, EXERCER
O DIREITO DE VOTO, CASO OS HERDEIROS NÃO QUEIRAM FAZÊ-
LO PESSOALMENTE OU POR PROCURADOR. EXEGESE DO ART. 75,
§ 1º, DO CPC/2015, DO ART. 1.791, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC E DOS
ARTS. 28, 120 E 126, § 1º, DA LSA. AGRAVO PARCIALMENTE
PROVIDO. ART. 1007 CPC - EVENTUAL RECURSO - SE AO STJ:
CUSTAS R$ 174,23 - (GUIA GRU NO SITE http://www.stj.jus.br) -
RESOLUÇÃO Nº 2 DE 01/02/2017 DO STJ; SE AO STF: CUSTAS R$
181,34 - GUIA GRU – COBRANÇA - FICHA DE COMPENSAÇÃO -
(EMITIDA ATRAVÉS DO SITE www.stf.jus.br) E PORTE DE REMESSA
E RETORNO R$ 139,80 - GUIA FEDTJ - CÓD 140-6 - BANCO DO BRASIL
OU INTERNET - RESOLUÇÃO Nº 581 DE 08/06/2016 DO STF. Os valores
referente ao PORTE DE REMESSA E RETORNO, não se aplicam aos
PROCESSOS ELETRÔNICOS, de acordo com o art. 4º, inciso III, da
Resolução nº 581/2016 do STF de 08/06/2016. - Advs: Guilherme Chaves
Sant´anna (OAB: 100812/SP) – Felipe Martinelli Lima Verde Guimarães
(OAB: 201796/SP) - Lucas Akel Filgueiras (OAB: 345281/SP) - Walfrido
Jorge Warde Junior (OAB: 139503/SP) - - Pateo do Colégio - sala 704
No inciso IV, a legitimidade é conferida ao sócio que exerceu o direito de
retirada, quando não devidamente registrado esse exercício, conforme destaca COELHO
(2011, p. 151). Esta é uma das hipóteses do Art. 599, III, CPC/2015. Caso já tenha sido
totalmente realizado o procedimento extrajudicial correto para a dissolução parcial, mas
112
ainda não tenha se providenciado a alteração do contrato social, o autor pode requerer
tutela de evidência, juntando como prova escrita do direito evidente a notificação
realizada, o aviso de recebimento com data e o contrato social consolidado e emitido após
o prazo legal ou contratual, demonstrando que não foi alterado o contrato.
FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 36-37) criticam, apontando receio com a má
interpretação da norma processual como a criação de um empecilho à retirada, como uma
necessidade da propositura de ação judicial. Contudo, essa interpretação não decorre de
leitura gramatical e seria contrária à própria lógica de economia processual, além da
necessidade de interpretar uma criação de direito material a partir da norma processual.
Na mesma linha do último inciso segue o caso do inciso VI, já que o sócio
excluído, ao propor a ação deste capítulo, conforma-se com a exclusão e busca a
regularização de sua situação junto aos registros e a percepção dos haveres a que faz jus.
Ao contrário do que entende COELHO (2011, p. 152), entende-se que o objeto da ação
descrito pelo art. 599 não comporta a discussão da própria exclusão, de modo que, caso
esteja inconformando com sua exclusão, deve propor ação de impugnação da deliberação,
ou anulação da assembleia que o eliminou, ou ainda declaratória de nulidade de sua
exclusão, podendo este pedido estar cumulado, alternativamente, com os pedidos de que
tratam o Art. 599, I e II, com base no disposto pelo artigo 327, §2º, todos do CPC/2015.
Por fim, o caso do inciso V diz respeito à sociedade, nas hipóteses em que a
exclusão extrajudicial não é autorizada pela lei ou pelos documentos sociais. Como já
abordado anteriormente, na seção 2.2 do Capítulo 3, o ajuizamento da ação de dissolução
pela sociedade prescinde de deliberação preliminar que estabeleça o interesse processual
da sociedade. Ainda que exista a legitimidade processual prevista pelo art. 600, V,
CPC/2015, para postular em juízo é necessário o binômio legitimidade e interesse, nos
termos do art. 17 da mesma lei. Por esta razão, a praxe era entender como necessário o
litisconsórcio entre os sócios que aprovavam a retirada com a sociedade, por eles
representada. Parece que, para garantir o máximo de segurança no CPC, é recomendável
fazer constar explicitamente da ata que determinado sócio, extraordinariamente,
representará a Sociedade para a contratação necessária à efetivação da ação competente.
113
A petição inicial, tal qual a de qualquer outro processo, deve seguir as
disposições do art. 319, CPC/2015. A competência do juízo é definida pelas leis de
organização judiciária dos estados.
Sobre a competência, é importante destacar que mesmo em localidades onde
existam varas empresariais, nas hipóteses do artigo 620, §1º, CPC/2015, o juízo
competente para o processamento da ação de apuração de haveres é o juízo competente
para o processamento do inventário, em razão do princípio do juízo universal do
inventário, consagrado pelo art. 612, CPC/2015 e já reconhecido pelo Superior Tribunal
de Justiça, através do Recurso Especial 190.436/SP (Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, julgado em 21 de junho de 2001, publicado no DJ em 10/09/2001).
Mesmo que, porventura, não se instaure a ação de dissolução parcial de
sociedade, seja ou não pela via incidental, para o cálculo dos haveres, o juízo sucessório
ainda fica obrigado a seguir o rito previsto pelo CPC/2015 para a avaliação, em razão do
disposto no art. 630, parágrafo único, lido conjuntamente com o §2º do art. 327.
O valor da causa, nos termos do art. 292 do diploma processual, corresponde ao
valor da soma dos pedidos. Nesse tocante, pode haver dúvidas acerca de como arbitrar o
valor, dado que a ação tem por fim justamente apurar os haveres. Em qualquer caso, a
utilização do parâmetro do capital social que se busca reembolsar, tal qual disposto no
contrato social, é o padrão adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o
antigo CPC/1973 no REsp 1.410.686/SP, relatoria Min. Luis Feli. Ainda não há decisão
acerca do novo CPC/2015, mas a lógica lá empregada continua válida, visto que foi
mantida redação compatível com o entendimento acerca do antigo diploma:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. VALOR DA CAUSA.
PEDIDO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE
EMPRESÁRIA. NEGÓCIO JURÍDICO. VALOR CORRESPONDENTE À
PARTE DO NEGÓCIO A QUE SE REFERE O PEDIDO. ALEGAÇÃO DE
OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO AFASTADA.
[...]
3. O valor da causa está intimamente ligado ao pedido do autor e não
exatamente ao objeto do litígio, por isso, a um mesmo objeto é possível atribuir
valores diferentes, a depender sempre do pedido que se apresenta. Delimitado
o pedido, a determinação do valor da causa será obtido de maneira objetiva e
corresponderá ao benefício pretendido pelo autor.
4. Verificando-se que a causa visa discutir a existência, validade,
cumprimento, modificação, rescisão ou formação de um negócio jurídico, seu
valor deve ser extraído deste mesmo negócio jurídico; e se o litígio não
114
envolver o negócio jurídico por inteiro, mas somente parte dele, sobre essa
parte recairá o valor da causa.
5. Em ação de dissolução parcial de sociedade empresária, o valor da causa
será o montante do capital social correspondente ao sócio que se pretende
afastar da sociedade.
6. Recurso especial parcialmente provido
O Art. 601, caput, determina a citação dos sócios e da sociedade para
concordarem com o pedido ou apresentarem contestação. FRANÇA e ADAMEK (2016,
PP. 47-51) criticam que o artigo cria litisconsórcio passivo necessário entre todos os
sócios e a sociedade em todas as ações. A adaptação da redação do IMAG realmente não
é das mais claras, mas não é esse o entendimento que se faz da leitura do artigo, que
apenas determina a citação, sem dizer que todos devam necessariamente ser citados.
Tanto é assim que o parágrafo único, traz determinação de que a sociedade não
será citada se todos os seus sócios o forem, ficando, ainda assim, sujeita aos efeitos do
processo. O objetivo do artigo e seu parágrafo é reduzir a necessidade de citações e
simplificar o procedimento. FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 51-52) fazem crítica
apropriada de que o que se dispensa é um ato citatório, mas que a sociedade participa do
processo, devendo constar do polo passivo.
Não existe qualquer razão para que todos os sócios tenham que ser citados em
todas as dissoluções. Caso um sócio esteja se retirando, buscando seus haveres
judicialmente, apenas há vínculo à lide que justifique a posição de parte necessária para
o próprio sócio e a sociedade. Qualquer questão que tenha que passar pelo crivo dos
sócios remanescentes na sociedade é matéria societária, não processual, independendo de
intervenção nos autos.
Contudo, em algumas circunstâncias é possível que mais sócios tenham que ser
citados ou até mesmo todos os sócios. O parágrafo único tem por objetivo justamente a
economia processual, dispensando a citação da sociedade nos casos em que todos os
sócios sejam citados. A sociedade, ainda que não citada, pode peticionar nos autos,
inclusive apresentando contestação ou reconvenção, se desejar.
A interpretação desse artigo, contudo, até o momento não vem indo neste
sentido. Antes da vigência do CPC/2015 o STJ decidiu, no REsp 1.303.284/PR (Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma do STJ, julgamento em 16 de abril de 2013, publicado
no DJe de 15/05/2013) no sentido da necessidade da citação de todos os acionistas em
ações que discutam a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica:
115
EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. CUNHO
FAMILIAR. DISSOLUÇÃO. FUNDAMENTO NA QUEBRA DA
AFFECTIO SOCIETATIS . POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO
LEGAL. NECESSIDADE DE OPORTUNIZAR A PARTICIPAÇÃO DE
TODOS OS SÓCIOS. CITAÇÃO INEXISTENTE. NULIDADE DA
SENTENÇA RECONHECIDA.
1. Admite-se dissolução de sociedade anônima fechada de cunho familiar
quando houver a quebra da affectio societatis.
2. A dissolução parcial deve prevalecer, sempre que possível, frente à
pretensão de dissolução total, em homenagem à adoção do princípio da
preservação da empresa, corolário do postulado de sua função social.
3. Para formação do livre convencimento motivado acerca da inviabilidade de
manutenção da empresa dissolvenda, em decorrência de quebra da liame
subjetivo dos sócios, é imprescindível a citação de cada um dos acionistas, em
observância ao devido processo legal substancial.
4. Recurso especial não provido.
No caso, o sócio fundador, que cedeu suas ações a seus filhos e a sociedades
empresárias, respondeu a ação de dissolução parcial, ao invés dos sócios ou da própria
sociedade. Nesse caso foi reconhecida a nulidade da Sentença pois nenhum sócio da
sociedade participou da ação.
Na ação de dissolução parcial de sociedade nº 1063569-90.2016.8.26.0100, em
tramitação na 39ª Vara Cível de São Paulo – Forum João Mendes, após a citação de todos
os sócios e requerimento dos patronos da sócia autora, diante da dificuldade em realizar
a citação da sociedade, cujas atividades estavam interrompidas, o Juiz de Direito Eduardo
Palma Pellegrinelli proferiu a seguinte decisão, disponibilizada no DJeSP em 30/01/2017:
Vistos.1) Ao Juízo, o parágrafo único do art. 601 do Código de Processo Civil
pareceria inconstitucional, por lesivo ao devido processo legal: dispensar a
citação de corréu e sujeitá-lo ainda assim aos efeitos da solução de mérito que
se confira à lide é algo que repudia o Direito. Ora, a citação é indispensável à
validade do processo (Código de Processo Civil, art. 239, caput, primeira
parte), e sua concreção à margem das prescrições legais é suficiente para
nulificá-la (art. 280 do diploma adjetivo). Com maior razão até, portanto, sua
pura e simples supressão não se poderia convalidar. A propósito, confira-se a
doutrina: "Se a sociedade estará sujeita aos efeitos da coisa julgada, tal como
previsto pelo parágrafo único do art. 601 do CPC/2015, por certo que deve
figurar como parte. E se é parte, tem o direito de ser comunicada oficialmente
a respeito da existência do processo em seu desfavor, ou seja, tem o direito de
ser citada. Estamos aqui diante de clara hipótese de litisconsórcio necessário"
(Fernando Sacco Neto, em "Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil", coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Júnior,
Eduardo Talamini e Bruno Dantas, Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp.
1506/1507, grifo adicionado). Destarte, providencie a autora o necessário à
citação da empresa-ré, no prazo de quinze dias [...]
A parte autora havia interposto Agravo de Instrumento do indeferimento de
tutela antecipada, sendo autuado sob o nº 2156821-42.2016.8.26.0000, Rel. Des. Caio
Marcelo Mendes de Oliveira, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Nesse agravo,
116
a despeito do caminho que toma a demanda principal, através de decisão de 18 de janeiro
de 2017, publicado no DJeSP de 23 de janeiro de 2017, determinou:
[...] 3) De outro lado, com a intimação do agravado Luiz Antonio, único sócio
remanescente da Projnet, a existência deste recurso será do conhecimento de
todos os interessados, razão pela qual, dispensa-se, exclusivamente para as
finalidades do art.1.019, II, do NCPC, a intimação da pessoa jurídica, cabendo
aos interessados, querendo, a apresentação de resposta no prazo legal.
O Agravo de Instrumento terminou julgado procedente, determinando a
inscrição da retirada do sócio autor. A ação principal, por outro lado, apesar dos esforços
da parte autora, não prosseguiu com a citação da sociedade até que o juiz determinasse
sua citação, na pessoa de um dos sócios, que já estava citado na demanda desde agosto
de 2016. Esta citação ocorreu apenas em outubro de 2017, significando que se
desperdiçou mais de um ano em algo que o Código dispensa e que a própria instância
revisora também dispensou.
Outra particularidade da petição inicial é que, além dos requisitos do art. 319,
CPC/2015, incide também sobre a ação de dissolução parcial de sociedade os documentos
obrigatórios do art. 320, sendo necessário que se junte o contrato social consolidado104,
nos termos do art. 599, §1º.
A contestação, inclusive para o caso da formulação dos pedidos descritos no art.
602, também segue as regras previstas pelo CPC/2015 para as respostas do réu, que terá
todas as possibilidades que prevê o rito comum. A grande particularidade é que a
conciliação prévia não ocorre em audiência no rito da ação de dissolução parcial de
sociedade, de modo que a resposta deve também conter as tratativas de concordância ou
pedido para a realização de mediação ou conciliação. FRANÇA e ADAMEK (2016,
PP.53-54) destacam que também é cabível reconvenção quando os sócios, não a
sociedade, estiverem no polo passivo.
Havendo concordância expressa, total ou parcial, o juiz homologará o acordo e,
havendo contestação, prosseguirá em tomar a réplica e, se necessário, tréplica para então
sanear o processo. No saneamento deverá decidir qualquer questão processual e definir
os pontos de fato e de direito a serem decididos pela sentença. No caso de sociedade
104 FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 28) consagra que caso o contrato social não esteja consolidado, bastaria
juntar o contrato social e suas eventuais alterações, visto que seria absurdo exigir de alguns dos legitimados
à propositura da ação que providenciassem a consolidação.
117
anônima alegadamente heterotípica, deverá identificar a resolução dessa questão no
saneamento e abordá-lo na Sentença.
FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 55-56) argumentam que em caso de revelia,
também deveria se entender por uma concordância tácita aos pedidos autorais,
prosseguindo diretamente para a apuração dos haveres. No caso, pode o magistrado
antecipar a Sentença diante da revelia, nos termos do art. 344, lido conjuntamente com o
355, II, CPC/2015.
O Art. 604, §1º dita que o juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela
permanecerem, que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres. Isto não
significa que exista subsidiariedade ou solidariedade entre as partes, mas é possível que
os sócios também tenham condenações pessoais nas ações mistas que podem advir deste
artigo. De qualquer sorte, este disposto aplica-se apenas ao incontroverso.
Três são os fatores que impactam na apuração dos haveres, que devem ser
definidos pelo juiz, nos termos do art. 604, CPC/2015: (1) a data em que devem ser
calculados os haveres; (2) a os critérios de cálculo adotados, incluindo o valor utilizado
como referência e somas ou subtrações que se façam sobre ele; e (3) quem realizará estes
cálculos.
O terceiro ponto já tendo sido abordado na seção 1.2 deste Capítulo 4, resta
apenas apontar que as normas aplicáveis à perícia no rito comum se aplicam integralmente
à ação de dissolução parcial de sociedade.
A possibilidade de que o juiz, a pedido, revise a data e critério de apuração de
haveres, conforme disposto no Art. 607. É evidente que isso não dá poderes para que o
juiz defina a seu bel-prazer a data ou critério, visto que, caso o fizesse, estaria violando a
lei federal, proferindo Sentença que poderia ser objeto de reforma. Dessa forma, a
extensão da incidência deste artigo é a correção de erros materiais no que seja definido
de maneira societária.
As sociedades possuem diversos possíveis valores para suas avaliações, de modo
que a adoção de um ou outro critério levará a maiores ou menores haveres para o retirante.
O parâmetro soberano de definição do critério é o contrato social, devendo ser respeitado,
nos termos do art. 606 do CPC/2015, contanto que não represente uma subavaliação ou
118
superavaliação excessiva dos haveres, como aponta COELHO (2012, PP. 198-200). O
mesmo artigo unifica também a utilização do patrimônio contábil de saída, apurado em
balanço de determinação, encerrando as discussões acerca da utilização do valor
econômico ou do valor patrimonial contábil, que emprega valores de entrada.
FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 69-72) entendem que essa unificação é uma
imposição autoritária do legislador, que desconsidera particularidades de sociedades, que
não devem ser avaliadas a partir de uma mesma fórmula. Argumenta que o CPC/2015
inova e estabelece critério diferente do estabelecido no art. 1.031 do CC/2002, revogando-
o; e que o valor de patrimônio líquido real a preço de saída seria um conceito
indeterminado. Sobre estas questões, não se verifica qualquer diferença entre o
determinado pelo CC/2002, apenas sua especificação da técnica, de modo que não ocorre
a revogação do disposto na lei civil; bem como já foi esclarecido, na seção 1.2 deste
Capítulo 4 o significado de “preço de saída”.
Argumentam ainda que avaliação do patrimônio intangível é altamente
controvertida, de modo que a técnica do fluxo de caixa descontado (FCD) vinha sendo a
mais empregada, por fazer avaliação indireta de todos os ativos, desde que operacionais.
Esta última questão merece reflexão: de fato, a avaliação de patrimônio intangível,
incluindo aí não apenas a marca, mas outras questões do aviamento da sociedade é
questão complexa. Isto não significa, contudo, que essa avaliação seja impossível ou que
a técnica do fluxo de caixa descontado seja apropriada.
COELHO (2012, PP. 188-189) esclarece que as quotas possuem quatro tipos de
valores: (1) o valor nominal, correspondente à fração do capital social pela qual foi
emitida; (2) o valor de negociação, que corresponde ao valor acordado em uma
negociação de cessão das quotas; (3) o valor econômico, avaliado segundo o fluxo de
caixa descontado e levando em consideração fatores econômicos do negócio, como a
importância da aquisição para o adquirente, a tolerância e capacidade de amortização dos
riscos do mercado envolvido; (4) o valor patrimonial, que pode consistir do valor
patrimonial contábil, apurado no balanço ordinário; o valor patrimonial contábil em data
presente, apurado em balanço especial; e o valor patrimonial real, apurado em balaço de
determinação.
Os balanços ordinário e especial seguem os mesmos critérios de contabilização,
empregando os valores de entrada, exprimidos no custo de aquisição dos bens jurídicos
119
contabilizados. Assim, buscam expressar a situação patrimonial da empresa no
encerramento do exercício social, sem preocupação com fatores de mercado ou do valor
real do patrimônio. A única diferença entre o balanço ordinário e o especial é que o
ordinário deve ser apurado ao final de cada exercício social, geralmente anual, e é
obrigatório pela lei, enquanto o balanço especial pode ser levantado em razão de
obrigações contratuais ou por mera liberalidade, tendo por base a data que for apropriada
para tanto.
A utilização da metodologia do FCD é indicada para o cálculo do valor
econômico da sociedade, e não de seu valor patrimonial, tendo por finalidade avaliar a
perspectiva de lucro futuro de uma empresa e trazê-lo a termo presente, utilizando uma
taxa de desconto e as externalidades relevantes ao negócio para, assim, determinar um
valor econômico da sociedade. Mesmo para os casos de negociação da sociedade, é
comum que o valor econômico não seja empregado pelos negociantes, como adverte
COELHO (2016, p. 188).
E cabe ressaltar: a dissolução parcial não é uma compra pela sociedade da
parcela do sócio retirante, mas sim uma amenização dos efeitos da dissolução total, de
modo que a perspectiva de lucro futuro da sociedade não deve entrar em consideração,
mas apenas o patrimônio líquido tangível e intangível. Assim sendo, o emprego do FCD
é uma extrapolação do determinado na lei, gerando para o sócio retirante haveres que não
correspondem à realidade patrimonial da sociedade, à qual tem direito de parcela.
A avaliação que faz o perito deve simular uma dissolução total da sociedade,
atribuindo os valores reais de saída dos bens, tangíveis e intangíveis, mesmo que não seja
fácil atribuir ao aviamento um valor. Justificar nessa dificuldade o emprego de método
que remunere o sócio retirante por custos de oportunidade e por projeções de lucratividade
seria justificar enriquecimento sem causa.
Assim sendo, é definitivamente necessário o levantamento de balanço de
determinação, que considere o valor de saída, diferentemente do que rotineiramente se
faz com os balanços ordinários e especiais, que consideram o valor de entrada dos bens
(COELHO, 2012, PP. 193-195).
O art. 604, I do CPC/2015 determina que o juiz fixe, para a apuração dos haveres,
a data da resolução da sociedade, que servirá de parâmetro para o cálculo do reembolso.
120
O art. 605 do CPC/2015 regula, à luz do direito material, as datas que devem ser
consideradas a de resolução da sociedade.
Contudo, no caso das sociedades anônimas, há uma particularidade da lei
material que deve ser levada em consideração pelo juiz. A LSA/1940, em seu artigo 107,
determinava que o valor do reembolso das ações quando do exercício do direito de
retirada seria referente ao “último balaço aprovado pela assembléia geral”. A atual
LSA/1976 manteve a terminologia “último balanço aprovado” ao tratar do reembolso no
art. 45, §2º. Há, aqui, uma dúvida sobre se o “último balanço” se refere ao último
exercício ou ao que efetivamente tenha sido o último balanço aprovado, que pode ser de
exercício anterior, seja por ainda não ter ocorrido a AGO para a aprovação do balanço,
seja por a sociedade não ter aprovado o balanço e ainda estar pendente a votação em nova
assembleia.
ASCARELLI (1959, PP. 394-398) entende que o correto é a utilização do último
balanço que tenha sido aprovado após o último exercício findo, mesmo que isso signifique
que o balanço de referência seja posterior à retirada do sócio, de modo que os lucros e
prejuízos apurados no exercício em que ainda era sócio impactem o valor de seu
reembolso, havendo, inclusive, direito de impugnar o balanço.
MIRANDA VALVERDE (1959a, p. 243), por outro lado, entendia que o último
balanço é “o balanço normal ou ordinário, aquêle que, segundo a lei, toda sociedade
anônima há de levantar periodicamente”. Caso os acionistas entendam que o valor de
eventuais variações patrimoniais do exercício deva ser levado em conta, devem ou apurar
balanços ordinários com mais frequência ou estabelecer estatutariamente outra forma para
a apuração dos valores a serem reembolsados. Esta foi a posição que acabou consagrada
nos tribunais (Apelação Cível nº 9.017, Rel. Des. Emanuel Sodré, 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) julgado em 26 de agosto de
1952.in MIRANDA JUNIOR, 1960, p. 635):
[...] Em conclusão: a circunstância de estar escrito, in casu, - clausula 7.ª que
– o pagamento dos haveres do sócio, retirante oi pré-morto seria feito na
proporção do último balanço aprovado, sòmente pode significar que esse
pagamento terá que se fazer proporcionalmente ao que toca ao sócio retirante
ou falecido, de acôrdo com o último balanço aprovado. Isto é, a cláusula em
exame exclui, de modo indiscutível, a participação do sócio falecido, em
qualquer valorização dos bens sociais, porque, para isto se desse era mistér que
constasse do contrato cláusula expressa, de sentido inequívoco, em que
ficassem precisados os limites dessa participação, que na dúvida, ou em face
121
da cláusula de sentido dúbio ou impreciso, terá que ser interpretada a favôr da
sociedade e não constituem um lucro ou vantagem que possa ser distribuído
aos sócios.
O atual art. 45 da LSA/1976, estabelece que só se apura balanço de determinação
na hipótese de reembolso quando houver mais de 60 dias entre deliberação que cria o
direito de retirada e último balanço que houver sido aprovado. Assim, poderia ser
dispensada a apuração dos haveres no caso da dissolução de sociedade anônima
heterotípica.
Recentemente, na ação de obrigação de não fazer cumulada com pedido
declaratório convertida em ação de dissolução parcial de sociedade anônima
heterotípica105 com apuração de haveres106 nº 1126723-82.2016.8.26.0100, tramitando
em segredo de justiça absoluto107 perante a 18ª Vara Cível de São Paulo (Foro Central),
proposta pela M. E. P. S/A108 em face do Espólio de A. B. N. acionista falecido, foi
deferida tutela de urgência, publicada no DJESP em 07/12/2016, PP. 385-386, para
determinar que o espólio requerido se abstenha de tentar praticar qualquer ato típico de
sócio ou de ingerir na administração da sociedade, fundamentado sua posição no parecer
do Prof. Fabio Ulhoa Coelho e em jurisprudência do STJ.
O acionista, que faleceu em 1º de março de 2010, portanto, exatos 60 dias após
a data do balanço anual de 2009, era fundador da sociedade e detinha 17% das ações da
sociedade. Os demais acionistas, todos da mesma família, detinham o restante. Nesta
ação, todos os envolvidos concordavam com a solução de dissolver parcialmente a
105 A própria petição inicial, às fls. 2 e 12-13, afirma que a sociedade é heterotípica. A situação narrada à
inicial demonstra que as diversas alterações do quadro societário foram sempre realizadas dentro do seio
familiar, por vezes até mesmo sem contraprestação pecuniária.
106 A ação fora originalmente proposta buscando o afastamento do espólio réu da gestão da sociedade
anônima, declarando que não detém status de acionista, mas de credor dos haveres decorrentes da liquidação
das ações que pertenciam ao de cujus.
107 [Nota do Autor] Apesar do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo utilizar configurações do PJe que
impedem qualquer usuário sem senha provisória ou habilitação nos autos de ter acesso a qualquer dado dos
processos em segredo de justiça, o nome dos advogados atuantes no caso e as iniciais das partes, bem como
o teor das decisões, é publicado no Diário de Justiça. Através do simples cruzamento destes dados, encontra-
se as partes litigantes de diversos processos em questão de minutos. No caso desta nota de rodapé, nem
todos os processos entre as partes estão em segredo de justiça, como é o caso do Agravo de Instrumento nº
2224033-46.2017.8.26.0000, o que facilitou ainda mais a identificação das partes. Tendo em vista a
existência de autos públicos e a extrema facilidade em identificar os dados, bem como ser mais profícuo à
pesquisa a utilização de dados concretos, estão sendo utilizados os dados reais do litígio, ainda que mantidas
as siglas, o que não gera qualquer prejuízo às partes, que não se opuseram aos autos públicos do processo
supracitado.
108 Trata-se de sociedade anônima fechada do ramo da participação em empreendimentos educacionais,
especialmente em Minas Gerais.
122
sociedade anônima fechada, ainda que sem previsão legal ou estatutária109, restando a
controvérsia acerca dos critérios para a apuração dos haveres devidos ao espólio e da
possibilidade de que esta entidade jurídica pratique atos privativos de sócio.
Entre as partes, há grande controvérsia acerca da utilização do último balanço, o
que foi empregado pela sociedade inicialmente e impugnado pelo espólio e pelos
herdeiros do acionista falecido, que afirmavam que a utilização do balanço ignorava uma
avaliação apropriada do patrimônio imaterial da sociedade, que só seria apurável em
balanço de determinação. Ao determinar a apuração dos haveres, em decisão publicada
no DJe de SP de 20/10/2017, pag. 419, o juiz não se manifestou quanto à utilização do
último balanço, o que ficará para a decisão final da liquidação do valor dos haveres.
Os recursos na ação de dissolução parcial de sociedade seguem as mesmas
lógicas do processo pelo rito comum. Assim, basta identificar a natureza dos provimentos
jurisdicionais previstos para o rito da dissolução parcial para identificar as formas de
impugnação e recurso.
Até a contestação, não há ato especialmente impugnável. Caso o juiz cometa
alguma ilegalidade na fase das citações, como o não reconhecimento da citação da
sociedade na hipótese da citação de todos os sócios, cabe agravo de instrumento, por
interpretação expansiva110 do art. 1.015, VIII, CPC/2015. O caso é muito próximo ao da
rejeição da limitação ao litisconsórcio facultativo, previsto no art. 113, §1º, CPC/2015,
em que o juiz limita o número das partes para não comprometer a rápida solução do litígio.
No caso, a sociedade, litisconsorte necessária para provimento unitário, pode ser
dispensada pelas exatas mesmas razões, havendo permissivo legal expresso para tanto, de
modo que a não aplicação do art. 601, parágrafo único, enseja agravo de instrumento.
109 Foi feito acordo parcial entre os litigantes, sendo homologado à fl. 891, em que também se determinou
o perito para a apuração dos haveres.
110 O Superior Tribunal de Justiça já admitiu a interpretação expansiva do rol numerus clausus do art. 1.015
do CPC/2015 na hipótese, reputada gravosa, do declínio de competência ou processamento por órgão
absolutamente incompetente, o que significaria que a nulidade do processo só seria conhecida em fase e
Apelação. Sobre essa questão, ver o REsp nº 1.679.909?RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma
do STJ, julgamento em 14 de novembro de 2017.
123
O decreto judicial de dissolução parcial da sociedade, seja por manifestação
expressa e unânime de concordância, seja pela decisão do conflito após seguido o rito
comum, é uma Sentença, com efeito declaratório para os casos em que a dissolução ocorre
de pleno direito, ou constitutivo, para os casos em que ocorre após o decreto judicial. Em
ambos os casos, a forma impugnativa é a Apelação.
A partir daí inicia-se a apuração dos haveres e a possível execução dos haveres,
fase em que todos os provimentos jurisdicionais são passíveis de agravo de instrumento,
nos termos do parágrafo único do art. 1.015, CPC/2015, haja vista a natureza de
liquidação de sentença do procedimento de apuração dos haveres e executório da
execução dos haveres. Isso inclui a decisão do art. 604 e a revisão do art. 607, CPC/2015.
Por fim, é necessário destacar que a perícia realizada pelo perito nomeado pelo
juiz, nos termos do art. 604, III, segue as regras previstas pelo CPC/2015 para a prova
pericial, inclusive quanto à impugnação do perito nomeado (art. 465, §1º, I), escolha do
perito (art. 471), apresentação de quesitos (art. 465, §1º, III; art. 469), apresentação de
esclarecimentos (art. 477), e realização de nova perícia (art. 480). A homologação da
perícia é passível de agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, parágrafo único.
GUEDES NUNES (2015b, p. 233) define a preocupação de que a sociedade,
após o reembolso dos haveres do sócio retirante, não disponha de capital para viabilizar
sua continuidade como a “controvérsia sobre o desinvestimento”. Aponta, ainda (Ibid.
PP. 234-235) que os tribunais não são sensíveis a argumentos de inviabilização por si só,
já que a manutenção de sócio contra sua vontade no quadro social causaria apenas mais
perturbação e aprofundaria a crise política da sociedade.
Por essa razão, caso após a decretação da dissolução parcial e da apuração dos
haveres estes não sejam voluntariamente pagos, independentemente de intimação ao
cumprimento ou mandado de pagamento, inicia-se uma fase de execução, tal qual a do
processo civil comum, em que são possíveis todos os métodos de constrição do
patrimônio do devedor.
Sobre juros e correção monetária, o STJ havia decidido no REsp 1.286.708/PR
(Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 05/06/2014), abaixo citado, pela
incidência de juros apenas após o prazo legal para o pagamento dos haveres. Com o
124
parágrafo único do art. 608 do CPC/2015, a questão passa a estar diretamente regulada,
privilegiando o pactuado no contrato social e, na sua ausência, os juros legais nos termos
do julgado.
DIREITO SOCIETÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES. EXCLUSÃO DE SÓCIO.
JUSTA CAUSA. APURAÇÃO DE HAVERES. DATA-BASE. EFETIVO
DESLIGAMENTO. FORMA DE PAGAMENTO. JUROS DE MORA.
TERMO INICIAL. PRAZO NONGESIMAL PARA PAGAMENTO. ARTS.
ANALISADOS: 1.030, 1.031, 1.044 E 1.085 DO CC/02.
1. Ações de ajuizadas em 1997. Recurso especial concluso ao Gabinete em
2011/2012.
2. Demandas em que se discute a caracterização de justa causa para exclusão
de sócio; as datas-base para apuração de haveres, bem como a forma de
pagamento e o termo inicial dos juros de mora eventualmente incidentes.
3. A prática de atos reiterados como padrão de normalidade por ambos os
sócios e nas três sociedades que mantêm há mais de 40 anos, ainda que
irregulares e espúrios, não servem como causa necessária da quebra da affectio
societatis a fim de configurar justa causa para exclusão de sócio em relação à
Concorde Administração de Bens Ltda.
4. A apuração dos haveres tem por objetivo liquidar o valor real e atual do
patrimônio empresarial, a fim de se identificar o valor relativo à quota dos
sócios retirante.
5. Para que não haja enriquecimento indevido de qualquer das partes, a
apuração deve ter por base para avaliação a situação patrimonial da data da
retirada (art. 1.031, CC/02), a qual, na hipótese dos autos, foi objeto de
transação entre as partes ao longo da demanda.
6. A retirada do sócio por dissolução parcial da empresa não se confunde com
o direito de recesso, que possui hipóteses de incidência restrita e forma de
apuração de haveres distinta.
7. A existência de cláusula contratual específica para pagamento de haveres na
hipótese de exercício do direito de recesso não pode ser aplicada por analogia,
para os fins de afastar a incidência do art. 1.031, § 2º, do CC/02 na situação
concreta de retirada do sócio.
8. Os juros de mora eventualmente devidos em razão do pagamento dos
haveres devidos em decorrência da retirada do sócio, no novo contexto legal
do art. 1.031, § 2º, do CC/02, terão por termo inicial o vencimento do prazo
legal nonagesimal, contado desde a liquidação dos haveres.
9. Em face da alteração da proporcionalidade da sucumbência, devem ser
redistribuídos o respectivo ônus.
10. Recursos especiais parcialmente providos.
Há, contudo, uma particularidade na execução dos haveres: caso a sociedade não
tenha viabilidade de pagar os haveres sem prejudicar sua atividade, ela possui três
alternativas: (1) não pagar e ser submetida à execução; (2) requerer recuperação judicial,
sendo certo que o crédito dos haveres é da classe dos quirografários, mas deve ser
considerado subordinado, nos termos do art. 83, VIII111 da Lei de Recuperações e
111 A LSA/1976, em seu art. 45, §7º, determina que o crédito pelo reembolso das ações deva ser classificado
como quirografário. Contudo, esse artigo data de 1997, sendo anterior à atual lei de recuperações judicial e
falências, que criou a classificação de créditos subordinados, na classe cos quirografários. Deve-se destacar
que mesmo à época do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, os créditos dos sócios da sociedade
125
Falências de 2005 (Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005), b; (3) dissolver totalmente
a sociedade nos 30 dias subsequentes à decretação da dissolução parcial, nos termos do
art. 1.029, parágrafo único, CC/2002.
À execução dos haveres, aplicam-se todas as provisões do CPC/2015, inclusive
a possível penhora do faturamento da empresa, nos termos do art. 866, CPC/2015, ou, se
não houver faturamento, a penhora do estabelecimento empresarial, nos termos do art.
862, o que poderia fazer com que o sócio retirante ou até excluído tivesse a preferência
para adquiri-los. Nesse caso, o estabelecimento deveria ser novamente avaliado, a tempo
presente, a não ser que a apuração de haveres tenha usado por data base uma tão próxima
da penhora que se justifique a dispensa.
Assim, caso o pagamento dos haveres prejudique a continuidade da sociedade,
pode ser uma boa opção se valer das disposições da recuperação judicial para buscar
soluções para a crise financeira nascida da crise política. Caso deferida a recuperação,
ganha-se prazo para o pagamento e a negociação com os credores para que a sociedade
possa seguir existindo.
Sendo tratado isonomicamente pelo plano de recuperação, o ex-sócio não pode
impedir sozinho o prosseguimento da recuperação a não ser que seja o único credor de
sua classe, do art. 41, III da Lei de Recuperação e Falências/2005, já que o juiz deve
conceder a recuperação judicial nos casos em que, apesar de reprovado em uma classe, a
recuperação seja aceita nos termos do art. 58, §1º da mesma lei. Ainda, caso consiga
obstar a recuperação, seu crédito merece a classificação de subordinado, já que é crédito
criado em razão direta da sociedade, o que prejudicará suas chances de ver seu crédito
satisfeito em uma falência.
3 - PROPOSTA DE CONSOLIDAÇÃO PARA A QUESTÃO DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA NO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 2015
Tudo que se dispôs até agora acerca da ação de dissolução parcial de sociedade
anônima poderia ser consolidado em um enunciado, seja do ementário de jurisprudência
falida só deveriam integrar a massa falida ou serem pagos após a quitação do crédito dos falidos, como
apontado aos art. 48.
126
dos tribunais, como as Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, seja nas propostas das
Jornadas de processo civil ou comercial. O autor subscritor dessa Dissertação propôs à I
Jornada de Processo Civil um enunciado com o seguinte teor:
A Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, nos termos do Art. 599 do CPC,
pode ter por objeto a resolução de Sociedade Anônima em relação a acionista
que tenha exercido direito de retirada; e a exclusão ou o exercício de retirada
de acionista de Sociedade “circunstancialmente” Anônima Fechada, que tenha
característica heterotípica, tais como o intuito personalista e a regência
supletiva pelo Código Civil, devendo o Juiz pronunciar-se na Sentença acerca
da aplicabilidade extraordinária destes institutos ao caso concreto.
A proposta, apesar de ter sido a única acerca dessa questão, não foi selecionada
para discussão, tendo em conta o recorde de submissões para uma Jornada promovida
pelo Conselho da Justiça Federal. Ainda assim, sustenta-se sua validade, que poderá
posteriormente ser discutida neste ou em outro referendado colegiado, como o das
jornadas do CJF. A justificativa da proposição foi como seguiu abaixo, sendo sustentada
nessa Dissertação:
A hipótese do §2º do Art. 599 do CPC/2015 é a mesma do Art. 206, II, b) da
Lei 6.404/76, que, via de regra, trata de dissolução total, e não parcial. Apesar
disso, a propositura da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Anônima é
possível nos seguintes casos:
1. Quando acionista de qualquer S/A exerça seu direito legal ou estatutário de
retirada e encontre óbices na efetivação de seu exercício ou na apuração de
seus haveres;
2. Quando acionista de S/A Fechada que, pelas suas características de operação
e da natureza da relação entre seus acionistas, tenha caráter heterotípico
contratual e personalista, requeira sua própria retirada ou a exclusão judicial
de acionista que tenha cometido falta grave, com fulcro no Código Civil ou na
Lei 6.404/76.
Já foi previamente decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça em diversas
ocasiões ser possível a propositura desta ação, pela aplicação do Código Civil
(autorizada pelo Art. 1.089) às S/As que tenham caráter personalista (intuito
personae, como as Sociedades Anônimas heterotípicas e familiares). É o caso
do REsp 917.531/RS, EREsp 1.079.763/SP, EResp 419.174/SP, EREsp
111.294/PR.
Precedente recente, no REsp 1.321.263/PR, determinou também a
possibilidade de dissolução parcial de S/A sem intuito pessoal para sua
preservação, diante da impossibilidade de distribuir lucros, afigurando-se
como espécie de retirada.
Assim, seja pelo reconhecimento do caráter contratual, atendendo ao requisito
do Art. 599, I, CPC; seja pela aplicação do inc III, que não faz estes requisitos,
é possível a propositura da ação supramencionada.
127
4 - AS OUTRAS FORMAS DE DISSOLUÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015
Além da ação de dissolução parcial de sociedade, o CPC/2015 previu duas outras
formas.
No que talvez seja um dos pontos mais confusos do CPC/2015, o art. 861
estabelece o procedimento executório, dentro do rito comum, para a realização da penhora
de quotas ou ações de sociedades personificadas, prevendo, entre outras coisas, a
liquidação das quotas em favor do credor particular na fase de execução. Ocorre que o
rito lá estabelecido é conflitante com o da ação de dissolução parcial de sociedade e com
o próprio art. 1.026 do CC/2002.
Ao não prever o credor particular como um dos legitimados à propositura da
ação de dissolução parcial de sociedade, o legislador lega a possibilidade prevista pelo
art. 1.026, parágrafo único, do CC/2002, ao rito comum e às previsões do art. 861. Assim,
caso tenha direito contratual aos lucros ou haveres das quotas, ou sejam insuficientes os
bens pessoais do sócio para fazer frente a dívida sua, o credor particular pode fazer recair
a execução sobre os lucros da sociedade através da fase de execução, no mesmo processo
em que iniciou a cobrança de sua dívida.
Fosse apenas isso, não haveria problema. Bastaria o procedimento executório
prever forma de assegurar a execução da parcela dos lucros do sócio e, no caso de o credor
optar pelo parágrafo único do art. 1.026 do CC/2002, o que leva à liquidação da quota do
sócio devedor, determinar abertura de ação de dissolução parcial de sociedade para a
apuração dos haveres do sócio e depósito do valor devido ao credor.
Contudo, não foi essa a solução adotada. Pelo texto do código, uma vez
decretada a penhora, a sociedade deve ser intimada, nos termos do art. 876, §7º, sendo
dever do exequente requerer e pagar pela intimação, nos termos do art. 799, VII.
O juiz determinará que cumpra o art. 861, que, ao não utilizar conectores entre
os incisos, não estabelece nenhuma ordem cronológica entre as 3 obrigações ali contidas:
(I) apresentar balanço especial, na forma da lei; (II) oferecer as quotas aos demais sócios,
observado o direito de preferência; e (III) a liquidação e depósito dos haveres apurados,
128
quando não houver interesse na aquisição das quotas pelos demais sócios ou pela
sociedade (§1º).
A primeira crítica: o balanço especial, a ser levantado “na forma da lei”, o que,
como já se viu na seção 2.3 deste Capítulo, é inútil tanto para a finalidade da execução
dos lucros que correspondam às quotas quanto para a apuração dos haveres. Serve apenas
para apontar a situação patrimonial e o montante de sobras no resultado do exercício até
o momento da apuração do balanço, que podem se tornar lucros no momento em que
determinar o contrato social para a sua distribuição. O balanço a ser realizado e
apresentado é o de determinação.
A segunda crítica: os §4º e 5º dependem de que o juiz considere a liquidação
“excessivamente onerosa”, estabelecendo o §4º parâmetros objetivos para tanto. A menos
que a sociedade seja extremamente lucrativa, o montante dos haveres geralmente superará
o valor do saldo de lucros ou reservas, já que representa uma parcela de todo o patrimônio
e valor acumulado pela sociedade ao longo da sua existência. Além disso, a não ser que
o sócio possua fração muito pequena do capital, também é corriqueiro que a liquidação
de seus haveres coloque em risco a estabilidade financeira da sociedade.
Assim sendo, o próprio código mina efetividade de suas provisões. A alternativa
que propõe, contudo, parece ser ainda mais gravosa: conforme aponta RIBEIRO (2005,
p. 256) o exequente não pode ser automaticamente admitido em qualquer sociedade
intuito personae, dependendo sempre de deliberação social que admita unanimemente o
seu ingresso, nos termos dos artigos 997, I; 999 e 1.003 CC/2002, ou, ao menos, a não
oposição de titulares de no mínimo um quarto do capital, nos termos do art. 1.057,
CC/2002. A mesma lógica se aplica ao leilão judicial previsto pelo §5º do art. 861,
CPC/2015.
Por essa razão, a própria utilização do termo “penhora” não é apropriada,
segundo o art. 797 do CPC/2015, que esclarece que pela penhora o exequente adquire o
direito de preferência sobre os bens penhorados. É evidente que o exequente não adquire
direito de preferência algum sobre as quotas penhoradas, já que o próprio art. 861, II
dispõe que as quotas devem ser oferecidas aos sócios, observando o direito de preferência
legal ou contratual.
Não se trata, portanto, de uma penhora das quotas, propriamente dita, mas sim
dos haveres correspondentes a elas, seguindo a corrente descrita por RIBEIRO (2005, p.
129
255). Por essa razão, todo o foco do artigo é para a liquidação, não mencionando a
percepção dos lucros, nem mesmo para apontar que deve-se seguir as normas para a
penhora de frutos e rendimentos de bens móveis e imóveis (artigos 867 a 869, CPC/2015),
tal como faz o art. 866, §3º para a penhora de percentual de faturamento de empresa.
Cabe aqui ressaltar que o emprego do art. 866, CPC/2015 não é cabível. A
empresa é da sociedade, não do sócio, de modo que a penhora do percentual do
faturamento dependeria de desconsideração reversa da personalidade jurídica, que, além
de configurar um passo desnecessário, nos termos do art. 1.026, caput, CC/2002,
dificultaria ao credor particular do sócio a satisfação do seu crédito. Ademais, “percentual
de faturamento de empresa”, como previsto no art. 866 não corresponde a lucros, mas ao
faturamento bruto.
Não bastassem essas críticas, o §3º do art. 861 prevê que, a requerimento do
exequente ou da sociedade, poderá ser nomeado administrador, cuja função é submeter à
aprovação judicial a forma de liquidação das quotas ou ações penhoradas. São muitos os
problemas com essa disposição.
Ainda que fizesse sentido afastar o sócio devedor da administração da sociedade,
a administração judicial não tem propósito, visto que o administrador externo
representaria apenas um custo para as partes do processo, que deverão pagar os honorários
do administrador, a não ser no caso em que a sociedade o requeira. O administrador não
deve ter poderes para administrar a sociedade, propriamente, mas apenas para apresentar
um plano de liquidação dos haveres, sob pena de se realizar uma intervenção muito
gravosa na sociedade sem qualquer previsão legal.
A todo momento se fala em liquidação, mas jamais na apuração dos haveres. De
fronte, surgem duas possíveis interpretações: (a) ou o oficial de justiça que intimar a
sociedade é o responsável pela avaliação do valor das quotas, nos termos do art. 870,
CPC/2015, devendo ser nomeado avaliador, caso o oficial não se considere capaz para tal
avaliação sem que, para isso, se considere necessariamente os critérios previstos para a
dissolução parcial de sociedade; (b) ou o código pretende que a sociedade, no prazo
determinado pelo juiz, formule o balanço de determinação e deposite em juízo os haveres,
sem haver qualquer fase em que se possa impugnar a apuração realizada.
Sendo o primeiro caso, então o balanço de determinação a ser realizado pela
sociedade é inútil, mas as partes dispõem da possibilidade do art. 873 para impugnar a
130
avaliação realizada pelo oficial de justiça ou avaliador, conforme os critérios definidos
pelo juiz ou, na ausência de definição, que ele próprio julgar mais convenientes. Não há,
no art. 873, forma para a própria sociedade impugnar a avaliação, já que não é parte na
execução.
Sendo o segundo caso, então não há momento em que o credor ou o devedor
possam impugnar o valor dos haveres, visto que o artigo não estabelece que a sociedade
deva apresentar o balanço antes do pagamento dos valores, o que incentiva o pedido de
administração judicial.
Caso não estejam satisfeitos com estes valores, poderão buscar a modificação
desse valor apenas através de ação própria, já que a sociedade não é parte da execução. O
sócio (ou ex-sócio, nesse momento) poderá propor ação de dissolução parcial da
sociedade para a apuração dos haveres; o credor, por outro lado, não possuindo
legitimidade para a propositura, só poderá promover ação de ressarcimento de
enriquecimento sem causa em face da sociedade.
Tendo em conta que ambas as opções são ruins e não favorecem nem à economia
processual nem à eficácia dos provimentos jurisdicionais, é imprescindível interpretar o
artigo de maneira sistêmica, considerando todo o CPC/2015 e não apenas a fase
executória.
Para corrigir os problemas criados pela má dicção legal, basta que o juiz
determine que a sociedade, inicialmente, apresente balanço de determinação, nos termos
do art. 604, CPC/2015, fixando a data como a data da publicação da decisão de penhora,
o critério do contrato social, que deve também ser juntado, de forma consolidada, pela
sociedade como anexo ao balanço, utilizando-se, na sua ausência, o critério do art. 606 e
nomeando perito-avaliador para a avaliação, nos termos do art. 870, parágrafo único, lido
conjuntamente com o art. 604, III.
Dentro do prazo estabelecido pelo juiz, a sociedade pode apresentar petição
requerendo a dilação do prazo prevista pelo §4º ou informando que não houve o interesse
na aquisição das quotas e que a liquidação seria excessivamente onerosa, nos termos do
§5º; assim como pode pedir a nomeação de administrador judicial. O juiz então deve
decidir se procede com a liquidação ou se determina o leilão.
131
Procedendo com a liquidação ou não havendo essa petição, a sociedade deve
apresentar, antes de efetuar a liquidação dos haveres, o perito deverá apresentar o balanço
de determinação, que poderá ser impugnado pelas partes e pela sociedade, como terceira
interessada. A forma de recurso, como em qualquer execução, é o Agravo de Instrumento.
Por fim, caso não admita o credor ou o arrematante no leilão, não resta opção
senão a liquidação da quota da sociedade, passando o credor a ter a mesma posição que o
sócio teria, caso tivesse se retirado e, a sociedade, o papel de executada.
Ainda sobre o valor das quotas, cabe ressaltar que, com a devida vênia aos
ilustres membros da IV Jornada de Direito Civil, o enunciado de nº 386 é equivocado.
Lê-se:
Na apuração dos haveres do sócio devedor, por conseqüência da liquidação de
suas quotas na sociedade para pagamento ao seu credor (art. 1.026, parágrafo
único), não devem ser consideradas eventuais disposições contratuais
restritivas à determinação de seu valor.
Ora, se o credor está se satisfazendo no que o sócio devedor teria a receber nas
quotas, não faz sentido que se desconsidere qualquer cláusula do contrato social. Se assim
fosse, sócio que pretenda sair da sociedade daria suas quotas em garantia e não adimpliria
com a obrigação, tendo certeza que seus haveres assim seriam maiores do que se
simplesmente se retirasse da sociedade.
Ademais, erra o CPC/2015 ao não prever, no procedimento de penhora de
quotas, a preferência pela satisfação do credor nos lucros, com procedimento prévio em
que a sociedade informe os lucros que vem distribuindo periodicamente e sua previsão de
lucratividade no exercício corrente. Até mesmo a própria IV Jornada de Direito Civil, no
enunciado 387, reconhece a necessidade da menor lesividade à sociedade na execução:
“A opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade
ou sobre a parte que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios da menor
onerosidade e da função social da empresa”.
Contudo, a leitura conjunta de todo o artigo aponta uma ordem entre os incisos,
em que os dois primeiros correspondem a obrigações da companhia que devem ser
executadas em um primeiro momento, sendo seguidas pela possibilidade do parágrafo
primeiro para, então, proceder ao terceiro inciso. A falta de ordem e conectores que
apontem o momento processual de cada um destes atos prejudica a clareza da
compreensão, mas não é o único problema.
132
Por fim, sugere-se que seja feita alteração no texto do art. 861, passando a ter a
seguinte redação sugerida:
Art. 861. Tendo o credor direito sobre as quotas ou ações de sócio em sociedade
simples ou empresária ou não havendo outro meio mais eficaz para a efetivação do
crédito, diante da insuficiência de outros bens do devedor, o juiz deve decretar sua
penhora.
§1º Uma vez penhoradas as quotas ou ações, o sócio devedor fica afastado da
administração da sociedade.
§2º A sociedade será intimada da penhora e afastamento do sócio, sendo
determinado que apresente:
I - seu contrato ou estatuto social consolidado;
II - o último balanço aprovado, seja ordinário ou especial;
III – um resumo dos frutos e rendimentos pagos pela sociedade aos seus sócios
no último exercício e uma perspectiva da existência de novos frutos e rendimentos no
exercício atual.
§3º Ouvidas a sociedade e as partes, o juiz decidirá se converte a penhora das
quotas ou ações em penhora dos frutos e rendimentos de coisa móvel, ou se prossegue
com a decretação da dissolução parcial da sociedade, com a apuração e liquidação dos
haveres seguindo o disposto dos artigos 599 a 609, observando para tanto:
I – o direito do credor de ver seu crédito satisfeito;
II – o direito da sociedade de preservação da empresa.
§4º Tratando-se de sociedade anônima aberta ou de sociedade limitada com
regência supletiva da lei das sociedades por ações (Art. 1.053, parágrafo único da Lei
10.406 de 2002), as quotas ou ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas,
observado o disposto no art. 881, §2º.
§5º No caso do §3º, caso ocorra a recusa do adquirente de quotas de sociedade
limitada, procede-se com a apuração dos haveres e liquidação das quotas.
§6º Prosseguindo com a apuração dos haveres e liquidação das quotas, será
facultado à sociedade oferecer as quotas ou ações penhoradas aos demais sócios ou
adquiri-las ela mesma, caso os sócios não as desejem.
133
§7º Caso a sociedade, ainda que validamente intimada, não apresente a
documentação obrigatória ou, agindo com má-fé, crie obstáculos à penhora, será
determinada sua administração judicial até que finda a liquidação das quotas.
A dissolução total de sociedades não recebeu tratamento especial no CPC/2015.
O artigo 1.046, § 3º112, das Disposições finais e transitórias, determina que os processos
mencionados no artigo 1.218 do CPC/1973, dentre os quais se incluía, no inciso VII113, a
dissolução e liquidação das sociedades, passam a ser regidos pelo procedimento comum
até que lei específica lhes incorpore114.
Dessa forma, todas as ações que busquem a dissolução total de qualquer
sociedade, seja de pessoas ou de capitais, segue-se o rito comum. A petição inicial deverá
declinar as razões que ensejam a dissolução judicial ou pelas quais não foi possível
realizar a dissolução extrajudicial, sendo necessária a intervenção judicial.
A legitimidade ativa para a propositura da ação depende da razão para a
dissolução, mas, em via de regra, será dos sócios ou acionistas que buscam a dissolução.
Há ainda a possibilidade da própria sociedade propor a ação de sua dissolução, quando
for necessária intervenção judicial e os sócios, por maioria, deliberarem por requerê-la; e
do Ministério Público requerer a dissolução, quando a lei lhe conferir essa incumbência.
Nos casos em que a sociedade não seja autora, é necessária sua presença no polo
passivo, em litisconsórcio necessário com os demais sócios da sociedade, em razão da
comunhão de direitos relativos à lide, nos termos do art. 113, I, CPC/2015. Os sócios
podem ser citados pessoalmente ou por qualquer outro meio admitido, tal como o edital.
112 Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos
pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. [...] § 3o Os processos mencionados
no art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado
por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.
113 Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados
pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: [...] Vll - à dissolução e liquidação das
sociedades (arts. 655 a 674); [...]
114 Cabe a menção de que o único procedimento do CPC/1973 mantido pelo CPC/2015 foi o relativo à
insolvência, por força do artigo 1.052: “Até a edição de lei específica, as execuções contra devedor
insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da
Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.
134
Seria útil a essa ação que, por analogia à lei de recuperações e falências e em
razão da dificuldade da citação de interessados incertos, como potenciais credores e
devedores da sociedade, fosse publicado edital, ainda que também fosse expedida citação
pessoal dos sócios ou, pelo menos, de sócios suficientes para a decisão da dissolução115.
A citação também pode, caso frustrada, pelas vias regulares, se dar em assembleia geral
da sociedade convocada com este fim, dando-se por hora certa e atingindo a todos os
sócios, que, pelo disposto no art. 1.072, §6º, CC/2002.
Após toda a fase inicial e de instrução, que decorre normalmente, o Juiz
sentenciará a ação, decretando ou não a dissolução. Caso o faça, a Sentença se reveste de
caráter constitutivo, pondo a sociedade imediatamente em dissolução a partir do trânsito
em julgado. A forma de impugnação desta decisão é a Apelação.
A assembleia ou o órgão ao qual competir tal ato deverá, então, nomear
liquidante, que seguirá as disposições legais e promoverá a liquidação de forma
extrajudicial, tendo em vista que não há necessidade de que tais atos ocorram em juízo, a
priori, como se depreende claramente dos artigos 1.036, parágrafo único do CC/2002 e
209 da LSA/1976, que não incluem a decretação judicial como causa para liquidação
judicial.
Caso a dissolução extrajudicial não seja bem-sucedida ou exista vontade de
qualquer dos sócios, nos termos do art. 1.036, parágrafo único, CC/2002; ou ainda se os
acionistas administradores, ou a maioria dos acionistas assim decidir, deve-se prosseguir
com a liquidação judicial, nos mesmos autos, poupando nova jornada citatória e
aproveitando a fase instrutória. O Juiz então deverá dar cumprimento ao disposto no
Código Civil de 2002 para as sociedades de pessoas e ao incluso na Lei das Sociedades
por Ações de 1976, para as sociedades de capitais. O liquidante prestará suas contas em
juízo e a forma de impugnação nesta fase, que equivale à liquidação de Sentença e
execução, é o Agravo de Instrumento.
Nessa fase ainda é possível que os credores interessados se habilitem no processo
para promoverem a execução do que lhes couber, devendo o liquidante levar tais créditos
115 Nas sociedades anônimas, pelo menos metade do capital com direito de voto ou quórum superior exigido
pelo estatuto, nos termos do art. 136, LSA/1976; nas sociedades de pessoas contratada por tempo
indeterminado, a maioria absoluta dos sócios, nos termos do art. 1.033, III, CC/2002; ou, nas sociedades de
pessoas contratadas por tempo determinado, a unanimidade dos sócios, conforme o art. 1.033, II, CC/2002.
135
em consideração. Caso necessário, o Juiz pode se valer de analogias com a lei de
recuperações e falências, evitando, contudo, os trechos que punem os sócios, já que na
dissolução não-falimentar não há, a priori, razão para qualquer punição do sócio.
Caso antes do trânsito em julgado da ação seja decretada a falência da sociedade
que requereu sua própria liquidação judicial, deve-se sentenciar a ação sem resolução de
mérito por preclusão lógico-consumativa do pedido, possivelmente remetendo os autos
ao juízo falimentar para que se apense e facilite a instrução.
Com relação às sociedades heterotípicas, não há qualquer diferença na
dissolução total de sociedades. O que enseja a possibilidade de aplicar normas de outro
tipo societário a determinadas sociedades é a natureza de sua operação e a ausência de
normas específicas para a proteção dos bens jurídicos que se pretende proteger em
sociedades com uma operação de natureza estável ou instável. Assim, havendo
regramento próprio completo e não prejudicial, não há porque tomar emprestado o
regramento de outro tipo.
136
CONCLUSÃO
Esta dissertação se propôs ao estudo do instituto da dissolução parcial de
sociedades anônimas heterotípicas, buscando identificar o fenômeno da heterotipia, seus
limites e uma forma objetiva para testar sua existência em uma sociedade. Em seguida,
estudou-se o Código de Processo Civil de 2015 para verificar sua incidência à dissolução
parcial das sociedades anônimas.
As sociedades anônimas heterotípicas nasceram pelo aperfeiçoamento da
jurisprudência, apresentada ao Capítulo 2, em que por décadas construiu a dissolução
parcial a partir da vedação à dissolução das sociedades e do princípio da preservação da
empresa. Os primeiros casos de permissão judicial para a dissolução parcial de uma
sociedade anônima foram conversões de ações de dissolução total de sociedades
anônimas fechadas.
Quase simultaneamente, casos que questionavam essa possibilidade de
dissolução diretamente, em razão do intuito personalista e da falta de vontade em
permanecer associado aproveitaram esses primeiros precedentes e consolidaram o
instituto da dissolução parcial de sociedade anônima fechada intuito personae, ou, como
se adotou nesse trabalho, heterotípicas.
Dessa forma, a construção da heterotipia foi um atendimento à necessidade do
mercado. As sociedades não poderiam ser encerradas, dissolvidas e liquidadas apenas
porque um de seus sócios não mais desejavam permanecer na sociedade, ainda mais
quando suas características reais impediam a existência de mercado secundário, tendo
uma situação fática muito próxima das sociedades de pessoas, em que o CC/2002
autorizou a dissolução parcial.
A heterotipia, portanto, reflete um problema dos tipos societários atuais. Até o
presente momento não houve uma reflexão legislativa sobre a real necessidade e as
demandas dos empresários na constituição de suas sociedades. Os tipos societários são o
reflexo do desenvolvimento ao longo do tempo dos tipos que hoje existem e, quando não
atendem os interesses dos empresários, levam a situações em que se busca um hibridismo.
137
É por esta razão que se cunhou um quadro-teste para a definição de quando uma
sociedade se encontra em heterotipia, partindo do tipo societário para as características
do pacto social e, por fim, circunstâncias da operação da sociedade para concluir pela
heterotipia ou não e pelas características modificadas por esses traços. Apresentou-se,
também, uma descrição das características e do funcionamento da sociedade anônima
heterotípica, destacando as três formas de sua manifestação: (1) a adoção de posturas que
valorizem a atuação dos acionistas de forma a torna-lo, temporariamente, essencial à
companhia, caracterizando um intuito personalista na sociedade; (2) a existência de
instabilidade no vínculo societário pela adoção de regras ou atitudes específicas que
prevejam um recesso imotivado; (3) a operação da sociedade de forma a valorizar o
vínculo pessoal dos acionistas, e não a gestão despersonalizada dos bens, causando a
cumulação das duas outras condições, existindo tanto uma instabilidade quanto um viés
personalista.
Para compreender melhor o funcionamento da dissolução parcial, estudou-se a
forma pela qual funcionam o recesso e a retirada nas sociedades de pessoas e de capitais,
bem como a forma e os fundamentos empregados pela jurisprudência de referência que
permitiu a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica. Concluiu-se que a partir
do ponto em que se declare a característica heterotípica da sociedade, passa a incidir uma
série de características que podem variar de limitações transitórias à circulação das ações
até a aplicabilidade extraordinária do direito de recesso imotivado próprio das sociedades
de pessoas, instabilizando o vínculo societário.
O §2º do art. 599 do CPC/2015, ao guardar relação direta com o art. 206, II, b da
LSA/1976, pode levar a interpretações mais restritivas do que o permissivo consolidado
através da jurisprudência dos tribunais superiores. Quando se criou a possibilidade de
dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas em razão de retirada por quebra
da affectio societatis também se estabeleceu a possibilidade de que essas sociedades
sejam diretamente parcialmente dissolvidas, não sendo necessária a conversão de ação de
dissolução total em parcial, como foram os primeiros precedentes. A interpretação do
caput e seus incisos, juntamente da jurisprudência dominante, contudo, leva à
compreensão de que o capítulo se aplica inteiramente à dissolução parcial dessas
sociedades, ainda sendo possível a conversão da dissolução total em parcial, nos termos
do supramencionado parágrafo.
138
Assim sendo, a ação judicial para a dissolução parcial de sociedade anônima
heterotípica segue, em regra, a mesma norma que a destinada às sociedades de pessoas.
A grande diferença se dá na fase de liquidação dos haveres, em que as normas da
LSA/1976 se aplicam, apesar de terem se aplicado as normas do CC/2002 para determinar
a dissolução.
De mesma sorte rege-se a ação de dissolução total de sociedade, que deve seguir
as normas atinentes ao tipo da sociedade que se busca dissolver, não havendo razão na
heterotipia para que se aplique regra cunhada para outra sociedade quando existente regra
própria capaz de resolver a questão.
Ao fim ao cabo, as sociedades anônimas heterotípicas ainda são sociedades
anônimas. A elas se aplica, extraordinariamente, normas previstas para outro tipo
societário como forma de preservação máxima dos bens jurídicos constitucionalmente
protegidos da preservação da empresa e do livre-mercado, viabilizando para essas
sociedades, que não dispõem de mercado secundário, o desinvestimento.
139
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Dissolução (Parcial) de Sociedade no Projeto de CPC. In: YARSHELL, Flávio Luiz;
PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin. 2012
ZANINI, Carlos Klein. A Dissolução Judicial da Sociedade Anônima. 1ª Edição. Rio
de Janeiro: Forense. 2005.
ZILVETI, Ana Marta Cattani de Barros. Dissolução Parcial de Sociedade Anônima – O
caso Luiz Kirchner. In: FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis; PROENÇA, José Marcelo
Martins Proença. Direito Societário: sociedades anônimas (Série GVlaw). 2ª Edição.
São Paulo: Saraiva. 2011.
149
Apêndice 1 -Quadro-teste para a definição das características da
sociedade e da heterotipia
TABELA 1 – QUADRO-TESTE PARA DEFINIÇÃO DAS
CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DA HETEROTIPIA
Pergunta inicial: Qual é o tipo societário adotado?
# Hipótese Consequência
1 A sociedade é Simples, em nome
coletivo ou comandita simples
A sociedade é contratual e personalista.
Ir para a Pergunta 1
2 A sociedade é Anônima fechada ou em
comandita por ações
A sociedade é institucional, de capitais.
Ir para a Pergunta 2
3 A sociedade é Limitada A sociedade é contratual.
Ir para a Pergunta 3
4 A sociedade é Anônima aberta A sociedade é institucional, de capitais e de
vínculo estável. Não se admite qualquer
cláusula que modifique essas características,
devendo ser considerada não escrita. O
Estatuto pode estabelecer outras hipóteses
ou remédios para que minoritários sejam
protegidos, mas não facultar-lhes retirada
imotivada a qualquer tempo.
Pergunta 1: A sociedade da hipótese 1 foi contratada por tempo determinado ou
indeterminado?
1.1 A sociedade da hipótese 1 foi contratada
por tempo determinado
A sociedade, além de contratual e
personalista, é de vínculo estável.
Ir para a pergunta 6.
1.2 A sociedade da hipótese 1 foi contratada
por tempo indeterminado
A sociedade, além de contratual e
personalista, é de vínculo instável.
Ir para a pergunta 6.
Pergunta 2: A sociedade da hipótese 2 possui regência supletiva pelo Código Civil?
2.1 A sociedade da hipótese 2 possui
regência supletiva pelo Código Civil
A sociedade, apesar de institucional e de
capitais, possui vínculo excepcionalmente
instável, sendo heterotípica.
Ir para a pergunta 7.
2.2 A sociedade da hipótese 2 não possui
regência supletiva pelo Código Civil
A sociedade é institucional, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 7.
150
Pergunta 3: A sociedade da hipótese 3 permite a alienação da participação societária
sem anuência prévia?
3.1 A sociedade da hipótese 3 permite a
alienação
A sociedade é contratual e de capitais.
Ir para a pergunta 4.
3.2 A sociedade da hipótese 3 não permite a
alienação
A sociedade é contratual e personalista.
Ir para a pergunta 4.
Pergunta 4: A sociedade da pergunta 3 possui regência pela LSA?
4.1 A sociedade da hipótese 3.1 possui
regência pela LSA.
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
4.2 A sociedade da hipótese 3.1 não possui
regência pela LSA.
A sociedade é contratual e de capitais.
Ir para a pergunta 5.
4.3 A sociedade da hipótese 3.2 possui
regência pela LSA
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
4.4 A sociedade da hipótese 3.2 não possui
regência pela LSA
A sociedade é contratual, personalista.
Ir para a pergunta 5.
Pergunta 5: A sociedade da pergunta 4 foi contratada por tempo determinado ou
indeterminado?
5.1 A sociedade da hipótese 4.2 foi
contratada por tempo determinado
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
5.2 A sociedade da hipótese 4.2 foi
contratada por tempo indeterminado
A sociedade é contratual, de capitais e
possui vínculo instável.
Ir para a pergunta 8.
5.3 A sociedade da hipótese 4.4 foi
contratada por tempo determinado
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo estável.
Ir para a pergunta 8.
5.4 A sociedade da hipótese 4.4 foi
contratada por tempo indeterminado
A sociedade é contratual, personalista e
possui vínculo instável.
Ir para a pergunta 8.
Pergunta 6: A sociedade da pergunta 1 possui alguma das seguintes características?
(não excludentes)
6.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
6.2 A sociedade da pergunta 1, nos termos
do art. 44, §2° c/c 58 do CC/2002,
apresenta algum impedimento ao
exercício do direito de retirada previsto
pelo art. 1.029.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
de estabilidade.
(Continua na próxima página)
151
6.3 A sociedade da pergunta 1, nos termos
do art. 44, §2° c/c 56, caput e parágrafo
único do CC/2002, apresenta alguma
permissão para a alienação da
participação societária ou seu exercício
por terceiros sem a necessidade de
aprovação prévia e casuística.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
capitalista.
Pergunta 7: A sociedade da pergunta 2 possui alguma das seguintes características?
(não excludentes)
7.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
7.2 A sociedade possui acionistas que não
partilham da lógica personalista, tais
como sociedades de investimento ou
acionistas desconhecidos.
Deve-se considerar não escrita qualquer
cláusula estatutária que dê viés personalista
à sociedade. A sociedade pode ser
heterotípica quanto à instabilidade, caso
haja razão para tanto.
7.3 A sociedade da hipótese 2.1, em seu
estatuto, dispõe sobre o nome ou
características pessoais de todos os
sócios.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista e de instabilidade.
7.4 A sociedade da hipótese 2.2, em seu
estatuto, dispõe sobre nome ou
características pessoais dos sócios.
Consideram-se não escritos os nomes,
diante do viés capitalista, sendo válidos os
registros de titularidade cabíveis (livro de
“Registro de Ações Nominativas” ou da
instituição depositária das ações escriturais)
7.5 A sociedade da pergunta 2, no estatuto
ou em acordo de acionistas, impõe
limites à circulação de ações para
preservar o controle ou características
pessoais dos acionistas da sociedade.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista e de instabilidade.
7.6 A sociedade da hipótese 2.2, no estatuto
ou em acordo de acionistas, impõe
limitações à circulação de ações, nos
termos do art. 36 da LSA/1976, tais
como o direito de preferência de outros
acionistas.
A sociedade não é heterotípica.
7.7 A sociedade da hipótese 2.2, em seu
estatuto, permite retirada imotivada de
acionista oponível à sociedade para a
apuração de seus haveres.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
de instabilidade.
7.8 A sociedade da pergunta 2 é operada de
forma a valorizar a atuação pessoal de
todos os acionistas em detrimento dos
órgãos sociais institucionais.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista.
(Continua na próxima página)
152
7.9 A sociedade da pergunta 2 é
administrada por todos os seus
acionistas, seja através da participação
no conselho de administração, ou em
diretorias, ou em ambos.
A sociedade é heterotípica, possuindo viés
personalista.
Pergunta 8: A sociedade das perguntas 4 ou 5 possui alguma das seguintes
características? (não excludentes)
8.1 A sociedade não possui nenhuma das
características.
A sociedade não é heterotípica.
8.2 A sociedade das hipóteses 4.1, 5.1 ou
5.2 apresenta alguma limitação à
alienação da participação societária.
A sociedade não é heterotípica, apenas
possui restrições em seu viés capitalista.
8.3 A sociedade das hipóteses 4.1, 4.3, 5.1
ou 5.3 permite a retirada imotivada de
sócio, oponível à sociedade para a
apuração de seus haveres.
A sociedade não é heterotípica, mas deve
ser classificada como instável.
8.4 A sociedade das hipóteses 4.3, 5.3 ou
5.4 permite, em algum caso
determinado, a supressão da autorização
para a alienação da participação
societária.
A sociedade não é heterotípica, visto que os
sócios concordaram com essa possibilidade
de substituição, o que se incorporou à
característica personalista da sociedade.
8.5 A sociedade das hipóteses 5.2 ou 5.4
apresentar alguma restrição ao exercício
do direito de retirada
A sociedade não é heterotípica, mas deve
ser classificada como estável
153
Apêndice 2 – Quadro comparativo entre a sugestão original e o texto
final do rito da ação de dissolução parcial de sociedade no CPC/2015
Tabela 02 – Comparativo entre sugestão original e texto final do
Código de Processo Civil de 2015
# Original Aprovado
1 CAPÍTULO X - DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE
Art. 653. A ação de dissolução parcial
de sociedade pode ter por objeto:
I - a resolução da sociedade empresária
contratual ou simples em relação ao
sócio falecido, excluído ou que exerceu
o direito de retirada ou recesso; e
II - a apuração dos haveres do sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso; ou
III - somente a resolução ou a apuração
de haveres.
CAPÍTULO V - DA AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE
Art. 599. A ação de dissolução parcial
de sociedade pode ter por objeto:
I - a resolução da sociedade empresária
contratual ou simples em relação ao
sócio falecido, excluído ou que exerceu
o direito de retirada ou recesso; e
II - a apuração dos haveres do sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso; ou
III - somente a resolução ou a apuração
de haveres.
2 § 1º. Aplica-se ao rito previsto neste
Capítulo, no que não o contrariar, o
disposto no Título I do Livro II.
Correspondência com o Art. 603, §2º.
3 § 2º O autor exibirá na petição inicial o
contrato social.
§ 1o A petição inicial será
necessariamente instruída com o
contrato social consolidado.
4 § 3º. São contratuais as sociedades
empresárias dos tipos limitada, em
nome coletivo e em comandita simples.
Sem correspondência
5 § 4º. A sociedade poderá, como autora
ou ré, formular pedido de indenização
compensável com o valor dos haveres a
apurar.
Correspondência no Art. 602.
(Continua na próxima página)
154
6 § 5º. O objeto da ação também poderá
ser apuração de deveres.
Sem correspondência.
7 Sem correspondência §2o A ação de dissolução parcial de
sociedade pode ter também por objeto a
sociedade anônima de capital fechado
quando demonstrado, por acionista ou
acionistas que representem cinco por
cento ou mais do capital social, que não
pode preencher o seu fim.
8 Art. 654. Quando o objeto da ação for a
resolução da sociedade empresária
contratual ou simples relação ao sócio
falecido, excluído ou que exerceu o
direito de retirada ou recesso, a ação
pode ser proposta
Art. 600. A ação pode ser proposta:
9 I - pelo espólio do sócio falecido,
quando a totalidade dos sucessores não
quer ingressar na sociedade;
II - pelos sucessores, após concluída a
partilha do sócio falecido;
III – pelos sócios sobreviventes, se não
querem o ingresso do espólio ou dos
sucessores do falecido na sociedade,
quando esse direito decorrer do
contrato social;
IV - pelo sócio que exerceu o direito de
retirada ou recesso, se não tiver sido
providenciada, pelos demais sócios, a
alteração contratual formalizando o
desligamento, depois de transcorridos
10 (dez) dias do exercício do direito;
V - pela sociedade, nos casos em que a
lei não autoriza a exclusão
extrajudicial; ou
VI - pelo sócio excluído.
I - pelo espólio do sócio falecido,
quando a totalidade dos sucessores não
ingressar na sociedade;
II - pelos sucessores, após concluída a
partilha do sócio falecido;
III - pela sociedade, se os sócios
sobreviventes não admitirem o ingresso
do espólio ou dos sucessores do falecido
na sociedade, quando esse direito
decorrer do contrato social;
IV - pelo sócio que exerceu o direito de
retirada ou recesso, se não tiver sido
providenciada, pelos demais sócios, a
alteração contratual consensual
formalizando o desligamento, depois de
transcorridos 10 (dez) dias do exercício
do direito;
V - pela sociedade, nos casos em que a
lei não autoriza a exclusão extrajudicial;
ou
VI - pelo sócio excluído.
(Continua na próxima página)
155
10 §1º Somente poderá ser proposta a ação
de dissolução parcial com o objeto
destinado à resolução da sociedade se o
autor demonstrar que esta não pôde se
operar por alteração do contrato social
em razão de divergência entre os sócios
Sem correspondência.
11 § 2º. O cônjuge ou companheiro do
sócio cujo casamento, união estável ou
convivência terminou poderá requerer
a apuração de seus haveres na
sociedade. Os haveres assim apurados
serão pagos à conta da quota social
titulada por este sócio.
Parágrafo único. O cônjuge ou
companheiro do sócio cujo casamento,
união estável ou convivência terminou
poderá requerer a apuração de seus
haveres na sociedade, que serão pagos à
conta da quota social titulada por este
sócio.
12 Sem correspondência. Parcialmente
previsto na proposta do IMAG.
§ 3º. A sociedade não precisa ser parte
na ação quando forem litigantes todos
os sócios, mas ficará, ainda assim,
sujeita aos efeitos da decisão.
Art. 601. Os sócios e a sociedade serão
citados para, no prazo de 15 (quinze)
dias, concordar com o pedido ou
apresentar contestação.
Parágrafo único. A sociedade não será
citada se todos os seus sócios o forem,
mas ficará sujeita aos efeitos da decisão
e à coisa julgada.
13 Correspondência no Art. 653, §2º. Art. 602. A sociedade poderá formular
pedido de indenização compensável
com o valor dos haveres a apurar.
14 Art. 655. Julgada procedente a ação, se
as partes não se compuserem
relativamente ao valor dos haveres ou
o critério de sua apuração, esta será
feita nos mesmos autos segundo o
disposto no artigo seguinte
Art. 603. Havendo manifestação
expressa e unânime pela concordância
da dissolução, o juiz a decretará,
passando-se imediatamente à fase de
liquidação.
15 Sem correspondência
Correspondência com o Art. 653, §1º
§ 1o Na hipótese prevista no caput, não
haverá condenação em honorários
advocatícios de nenhuma das partes, e
as custas serão rateadas segundo a
participação das partes no capital
social.
§ 2o Havendo contestação, observar-
se-á o procedimento comum, mas a
liquidação da sentença seguirá o
disposto neste Capítulo.
156
16 Art. 656. Ao mandar processar a ação
de dissolução cujo objeto é apenas a
apuração de haveres, o juiz proferirá
despacho em que:
I - fixará a data da resolução da
sociedade;
II – definirá, à vista do disposto no
contrato social, o critério de apuração
dos haveres; e
III - nomeará o perito.
Art. 604. Para apuração dos haveres, o
juiz:
I - fixará a data da resolução da
sociedade;
II - definirá o critério de apuração dos
haveres à vista do disposto no contrato
social; e
III - nomeará o perito.
17 Correspondência no Art. 660. § 1o O juiz determinará à sociedade ou
aos sócios que nela permanecerem que
depositem em juízo a parte
incontroversa dos haveres devidos.
§ 2o O depósito poderá ser, desde
logo, levantando pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores.
§ 3o Se o contrato social estabelecer o
pagamento dos haveres, será observado
o que nele se dispôs no depósito
judicial da parte incontroversa.
18 Art. 657. A data da resolução da
sociedade será:
I - no caso de falecimento do sócio, a
do óbito;
II - na retirada imotivada (Código
Civil, art. 1.029, primeira parte), o 60º
(sexagésimo) dia seguinte ao do
recebimento, pela sociedade, da
notificação do sócio retirante;
III - no recesso (Código Civil, art.
1.077), o dia do recebimento, pela
sociedade, da notificação do sócio
dissidente;
Art. 605. A data da resolução da
sociedade será:
I - no caso de falecimento do sócio, a
do óbito;
II - na retirada imotivada, o sexagésimo
dia seguinte ao do recebimento, pela
sociedade, da notificação do sócio
retirante;
III - no recesso, o dia do recebimento,
pela sociedade, da notificação do sócio
dissidente;
(Célula continua abaixo)
157
18 IV - na retirada por justa causa de
sociedade por prazo determinado
(Código Civil, art. 1.029, in fine) e na
exclusão judicial de sócio (Código
Civil, art. 1.030), a do trânsito em
julgado da decisão.
Sem correspondência.
IV - na retirada por justa causa de
sociedade por prazo determinado e na
exclusão judicial de sócio, a do trânsito
em julgado da decisão que dissolver a
sociedade; e
V - na exclusão extrajudicial, a data da
assembleia ou da reunião de sócios que
a tiver deliberado.
19 Art. 658. Em caso de omissão do
contrato social, o juiz definirá, no
despacho que mandar processar a
ação, como critério de apuração de
haveres, o valor patrimonial apurado
em balanço de determinação (Código
Civil, art. 1.031), a ser levantado por
perito contabilista, pessoa física ou
jurídica, tomando-se por referência a
data da resolução e avaliando-se bens
e direitos do ativo, a preço de saída.
Parágrafo único. Também será
contabilista o perito se o contrato
social estabelecer como critério de
apuração de haveres o valor
patrimonial, contábil ou a data
presente; mas se o contrato social
estabelecer como critério o valor
econômico da sociedade ou outro
fundado em projeção de resultados
futuros, a nomeação recairá sobre
especialista, pessoa física ou jurídica,
em avaliação de sociedades.
Art. 606. Em caso de omissão do
contrato social, o juiz definirá, como
critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de
determinação, tomando-se por
referência a data da resolução e
avaliando-se bens e direitos do ativo,
tangíveis e intangíveis, a preço de
saída, além do passivo também a ser
apurado de igual forma.
Parágrafo único. Em todos os casos em
que seja necessária a realização de
perícia, a nomeação do perito recairá
preferencialmente sobre especialista em
avaliação de sociedades.
20 Art. 659. A data da resolução e o
critério de apuração de haveres podem
ser revistos pelo juiz, a pedido da
parte, a qualquer tempo antes do início
da perícia.
Art. 607. A data da resolução e o
critério de apuração de haveres podem
ser revistos pelo juiz, a pedido da parte,
a qualquer tempo antes do início da
perícia.
(Continua na página abaixo)
158
21 Art. 660. A sociedade ou aos sócios
que nela permanecerem só podem
propor a ação de dissolução parcial
com objeto de apuração de haveres,
ou, não sendo os autores, responde-la,
depositando em juízo a parte
incontroversa dos haveres devidos.
§ 1º O depósito poderá ser, desde
logo, levantando pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores.
§ 2º Se o contrato social estabelecer o
pagamento dos haveres, será
observado o que nele se dispôs no
depósito judicial da parte
incontroversa.
Correspondência no Art. 604.
22 Art. 661. Até a data da resolução,
integra o valor devido ao ex-sócio, ao
espólio ou aos sucessores a
participação nos lucros ou os juros
sobre o capital próprio declarados pela
sociedade e, se for o caso, a
remuneração como administrador (pro
labore).
Parágrafo único. Após a data da
resolução, o ex-sócio, o espólio ou os
sucessores terão direito apenas à
correção monetária dos valores
apurados e aos juros contratuais ou
legais.
Art. 608. Até a data da resolução,
integram o valor devido ao ex-sócio, ao
espólio ou aos sucessores a participação
nos lucros ou os juros sobre o capital
próprio declarados pela sociedade e, se
for o caso, a remuneração como
administrador.
Parágrafo único. Após a data da
resolução, o ex-sócio, o espólio ou os
sucessores terão direito apenas à
correção monetária dos valores
apurados e aos juros contratuais ou
legais.
23 Sem correspondência. Previsto na
proposta do IMAG
Art. 609. Uma vez apurados, os
haveres do sócio retirante serão pagos
conforme disciplinar o contrato social
e, no silêncio deste, nos termos do § 2o
do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil).
159
Apêndice 3 – Proposta de redação substitutiva ao artigo 861 do
CPC/2015: “Da Penhora de Quotas ou das Ações de Sociedades
Personificadas”
Art. 861. Tendo o credor direito sobre as quotas ou ações de sócio em sociedade simples
ou empresária ou não havendo outro meio mais eficaz para a efetivação do crédito, diante
da insuficiência de outros bens do devedor, o juiz deve decretar sua penhora.
§1º Uma vez penhoradas as quotas ou ações, o sócio devedor fica afastado da
administração da sociedade.
§2º A sociedade será intimada da penhora e afastamento do sócio, sendo
determinado que apresente:
I - seu contrato ou estatuto social consolidado;
II - o último balanço aprovado, seja ordinário ou especial;
III – um resumo dos frutos e rendimentos pagos pela sociedade aos seus
sócios no último exercício e uma perspectiva da existência de novos frutos e
rendimentos no exercício atual.
§3º Ouvidas a sociedade e as partes, o juiz decidirá se converte a penhora das
quotas ou ações em penhora dos frutos e rendimentos de coisa móvel, ou se
prossegue com a decretação da dissolução parcial da sociedade, com a apuração
e liquidação dos haveres seguindo o disposto dos artigos 599 a 609, observando
para tanto:
I – o direito do credor de ver seu crédito satisfeito;
II – o direito da sociedade de preservação da empresa.
§4º Tratando-se de sociedade anônima aberta ou de sociedade limitada com
regência supletiva da lei das sociedades por ações (Art. 1.053, parágrafo único
da Lei 10.406 de 2002), as quotas ou ações serão adjudicadas ao exequente ou
alienadas, observado o disposto no art. 881, §2º.
160
§5º No caso do §3º, caso ocorra a recusa do adquirente de quotas de sociedade
limitada, procede-se com a apuração dos haveres e liquidação das quotas.
§6º Prosseguindo com a apuração dos haveres e liquidação das quotas, será
facultado à sociedade oferecer as quotas ou ações penhoradas aos demais sócios
ou adquiri-las ela mesma, caso os sócios não as desejem.
§7º Caso a sociedade, ainda que validamente intimada, não apresente a
documentação obrigatória ou, agindo com má-fé, crie obstáculos à penhora, será
determinada sua administração judicial até que finda a liquidação das quotas.
161
Anexo 1 – Emenda ao Anteprojeto do Código de Processo Civil de
Fábio Ulhoa Coelho
Página intencionalmente em branco.
166
Anexo 2 – Proposta nº 25 do Institutos dos Advogados de Minas Gerais
para a previsão de procedimento para dissolução de sociedade e
exclusão de sócio
Página intencionalmente em branco