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Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
• reconhecer os conceitos de signo à luz das teorias
estudadas;
• classificar os signos de acordo com as abordagens
peirceana e bakhtiniana;
• utilizar seus conhecimentos e experiências
anteriores para a identificação de signos
ideológicos.
Apresentar as definições e características do signo à
luz das concepções de Charles Sanders Peirce e Mikhail
Bakhtin.Meta
Objetivos4 au
la
O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA
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AULA IVO SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA
1 INTRODUÇÃO
Você viu na aula passada os principais conceitos de signo,
desde a Antiguidade Clássica (com importantes filósofos, como:
Platão, Aristóteles, Crátilo, os estoicos, dentre outros) até o
século XX com Ferdinand Saussure. Agora vamos complementar
as reflexões sobre o signo no século XX, trazendo para as
discussões dois teóricos imprescindíveis para a compreensão
plena do assunto em questão: Charles Sanders Peirce e Mikhail
Bakthin. Antes, porém, vamos ver um pouquinho sobre a
origem do termo Semiótica.
60 Módulo 1 I Volume 3 EAD
O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
2 ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA
Embora o estudo sobre o signo não seja tão recente, o
projeto para a criação de uma “ciência dos signos” data do início
do século XX com Saussure, como você viu na aula anterior, e
com Peirce.
Apesar de a inspiração filosófica dos estudos sobre os
signos estar bem patente nas definições que surgem desde
o século XVIII com John Locke, é a partir do século XX que
os estudos nessa área tornam-se mais demarcados. A “nova
ciência” origina-se em duas diferentes tradições: uma de
tradição europeia, iniciada por Saussure (a Semiologia), e
a outra, de tradição anglo-saxônica, iniciada por Peirce (a
Semiótica). Conquanto tenham o mesmo radical (semeion,
que se pode traduzir por “signo” ou “sinal”), as duas palavras
traduzem, no entanto, modos diferentes de entender a “ciência
dos signos”.
A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de
Linguística Geral, como uma ciência que estuda a vida dos
signos no seio da vida social; ela faria parte da Psicologia Social
e, por conseguinte, da Psicologia Geral; para o linguista, esta
ciência “chamar-se-ia ‘semiologia’ (do grego semeion, signo).
Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os
regem [...]” (p. 89). Assim, para Saussure a linguística não é
senão uma parte desta ciência geral, a Semiologia.
Serra (2009), em seu texto eletrônico, informa que a
Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce num texto de 1897,
nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como
acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica,
a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.
Vários autores de diferentes correntes teóricas têm
assinalado distinções entre estas duas tradições. Jürgen
Trabant (1980, p. 13) coloca que a diferença fundamental entre
Semiologia e Semiótica está nas diferentes tradições de que
são originárias: a Linguística e a Filosofia. A tradição linguística
enfatiza, como o próprio nome reflete, os signos linguísticos e
tende a projetar a Semiologia como uma extensão analógica
da Linguística; ocupar-se-ia dos vários aspectos da cultura,
preocupando-se sobretudo com o papel da linguagem no
conhecimento.
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Roland Barthes (1977, p. 144), refletindo sobre a relação
entre Semiologia e Linguística, proposta por Saussure, sugere:
“Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade
de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é
uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a
semiologia que é uma parte da linguística [...]”. A este respeito,
observe-se que esta ideia de Barthes já, de certa maneira, é
prevista no próprio Curso de Linguística Geral (p. 47), quando
Saussure afirma que “a língua, o mais complexo e difundido
dos sistemas de expressão, é também o mais característico de
todos; neste sentido a lingüística pode tornar-se o padrão geral
de toda a semiologia, ainda que a língua não seja senão um
sistema particular”.
A despeito dessas diferenças, as duas tradições vão
confluir na formação de uma mesma “ciência dos signos”.
Assim, Pierre Guiraud (1978, p. 98) reconhecia, na década de
70, que: “[...] as palavras semiologia e semiótica recobrem
hoje a mesma disciplina, sendo o primeiro termo utilizado pelos
europeus e o segundo pelos anglo-saxões”.
A essa disciplina, dá-se, hoje, habitualmente, o nome de
Semiótica - o que denota a absorção da semiologia linguística
pela semiótica filosófica.
3 A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO
PARA
CO
NH
ECER
Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839, em Cambridge, Massachussets, nos EUA, no dia 10 de setembro e, sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard em física e matemática, conquistando também o diploma de químico na Lawrence Scientific School. Paralelamente ao seu trabalho no observatório astronômico de Harvard, Charles Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à leitura de “A crítica da razão pura”, de Kant. Entre 1879 e 1884 lecionou na Universidade John Hopkins. Considerado uma pessoa de hábitos excêntricos, além de descuidado e solitário, Peirce não evoluiu na carreira universitária. Em 1887, mudou-se com sua segunda esposa para a cidade de Milford, na Pensilvânia, isolando-se ainda mais. Entre 1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, vendidos por sua esposa à Universidade de Harvard, e que vem sendo publicados há várias décadas.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/charles-sanders-peirce.jhtm.
Figura 1 - Charles Sanders Peirce, uma das principais referências nos estudos sobre o signo.
Fonte: http://media-2.web.britannica.com/eb-media/04/127704-004-3163A0E3.jpg.
62 Módulo 1 I Volume 3 EAD
O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
São várias as definições de Signos apresentadas por
Peirce. Vejamos quatro das mais importantes apresentadas por
Serra, em seu texto digital de 2009:
1- Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob
certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.
Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa
pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo
mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino
interpretante do primeiro signo. O signo representa
alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não
em todos os seus aspectos, mas com referência a um
tipo de ideia que eu, por vezes, chamei fundamento do
representamen. “Ideia” deve ser aqui entendida num
certo sentido platônico [...].
2- Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com
uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma
Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu
Interpretante, para uma relação com o mesmo objeto,
e de modo tal a trazer uma Quarta para uma relação
com aquele objeto na mesma forma, ad infinitum. Se
a série é interrompida, o Signo, por enquanto, não
corresponde ao caráter significante perfeito.
3- Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que
se coloca numa relação triádica genuína tal com um
Segundo, denominado seu objeto, que é capaz de
determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante,
que assume a mesma relação triádica com seu objeto
na qual ele próprio está em relação com o mesmo
objeto.
4- Signo: qualquer coisa que conduz alguma outra coisa
(seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual
ela mesma se refere (seu objeto) de modo idêntico,
transformando-se o interpretante, por sua vez, em
signo, e assim sucessivamente, ad infinitum. [...] Se
a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim,
em virtude desse fato o signo torna-se, pelo menos,
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imperfeito.
Estas definições permitem identificar, na tríplice relação
que possui o Signo, três elementos, como ilustra o triângulo
abaixo:
a) o Signo propriamente dito ou representamen: aqui
podemos estabelecer uma breve relação com o conceito de
significado saussureano;
b) o Interpretante ou “imagem mental”: é o signo criado
na mente de alguém (o “intérprete”) pelo representamen; o
conceito de significante saussureano cabe como paralelo neste
ponto;
c) o Objeto: é aquilo (algo) que é representado (porque
este objeto é representado, pelo signo, não na sua totalidade,
mas de certo ponto de vista, em relação apenas a determinados
aspectos).
Em outras palavras, Signo, para Peirce, é algo que
está no lugar de (representa) outra coisa para alguém; este
pensamento converge para o conceito tradicional de signo
proposto por Santo Agostinho: aliquid stat pro aliquo, ou seja,
uma coisa que está por outra. Desta forma, o signo designa
o próprio signo, o objeto e o interpretante, ou seja, a “coisa
significada” e a “cognição produzida na mente”. A partir da
relação do signo com o objeto é que se determina ou se produz
um interpretante.
SIGNIFICANTEOBJETO
REPRESENTAMEN
64 Módulo 1 I Volume 3 EAD
O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
O interpretante é um representante, pois constitui o
nome do objeto perceptível e, como nome, servirá como novo
signo ao receptor. Esse processo é infinito e é denominado
“semiose”. Infinito porque a produção de um “interpretante” é
uma representação e, por isto, um novo signo, que produzirá
um novo interpretante... e, assim, sucessivamente.
A fecundidade da noção peirceana nos fornece uma
classificação dos signos que a Semiótica ainda não conseguiu
resolver dada a amplitude de signos existentes. Entretanto, de
acordo com Eco (1981), o único pensador que até hoje tentou
uma classificação global foi Peirce e, apesar de sua classificação
ter ficado incompleta, muitas das suas distinções são referências
na Semiótica até o presente momento.
3.1. A classificação dos signos conforme
Peirce
De acordo com Eco (1994), os signos podem ser
classificados a partir de vários pontos de vista. Agora, veremos
os três tipos mais comuns que têm relação com o objeto: Ícone,
Índice e Símbolo.
- Ícone: “é um signo que se
refere ao objeto que denota
apenas em virtude dos seus
caracteres próprios, caracteres
que ele igualmente possui quer
um tal objeto realmente exista
ou não”; “qualquer coisa, seja
uma qualidade, um existente
individual ou uma lei, é Ícone de
qualquer coisa, na medida em
que for semelhante a essa coisa e
utilizado como um seu signo” (p.
21). São exemplos: fotografias,
esculturas, desenhos, diagramas, fórmulas lógicas e algébricas,
imagens mentais etc.
Nessa concepção, a foto acima não apresenta as flores em
si mesmas, enquanto objetos originais, mas uma representação
destas.
Figura 2: Fotografia de Orquídeas.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Orquidea.jpg
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- Índice: “é um signo que se refere ao objeto que denota
em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (p. 37).
Constitui-se não pela relação de similitude, como o Ícone, mas
pelos indícios que fornece, pela conexão física com o objeto. São
exemplos: fumaça como sintoma do fogo, erupções cutâneas,
pronome /este/, referindo-se a um objeto, enrubescimento da
face etc.
Todas as vezes que vemos o céu azul (cf. a figura 3),
temos indícios de que o dia será ensolarado. De igual modo,
por dedução, se vemos fumaça e corpo de bombeiros (como na
figura 4), sabemos que há incêndio próximo.
- Símbolo: “é um signo que se refere ao objeto que denota
em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias
gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja
interpretado como se referindo àquele objeto” (p.43). São
exemplos: todas as palavras, frases, livros e outros signos
convencionais, como a balança simbolizando justiça, a cor
branca indicando paz etc.
Figura 5 - Rosário católico.http://fmmissionarios.blogspot.com
/2009_05_01_archive.html.
Figura 6 - Símbolo de amorhttp://sol.sapo.pt/blogs/brendamarie/
default.aspx?p=2.
Figura 7 - Símbolo da paz
http://www.sxc.hu/photo/1195513.
Figura 4 - “Onde há fumaça, há fogo!”.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Queimada_ABr_04.jpg.
Figura 3 - Céu azul, um signo indicial.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:C%C3%A9u_Azul.JPG.
66 Módulo 1 I Volume 3 EAD
O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
Para você perceber melhor o funcionamento daquela que
Peirce considera ser a mais importante divisão dos signos, veja
o exemplo, dado por ele mesmo, que ilustra a relação entre os
signos na linguagem do cotidiano:
Neste exemplo, você deve entender que o braço apontado
para o ar funciona como um Índice (denota um individual),
a bolha de sabão funciona como um Ícone, e as palavras
funcionam como Símbolos.
Peirce defende a ideia de que a relação entre Índices,
Ícones e Símbolos pode estar presente em qualquer enunciado,
sendo impossível encontrar uma sentença, por mais simples
que seja que não utilize pelo menos dois desses tipos de signos.
4 A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO
PARA
CO
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Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929). Até hoje, porém, paira a dúvida sobre quem escreveu outras obras assinadas por colegas do Círculo (há traduções que as atribuem também a Bakhtin). Durante o regime stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao Ocidente nos anos 1970 - e, uma década mais tarde, ao Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda nos ossos.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofo-dialogo-487608.shtml.
Figura 9 - Mikhail Bakhtin, um dos maiores filósofos da linguagem do século XX.
Fonte: 4.bp.blogspot.com/.../s400/mikhail_bakhtin.jpg.
Figura 8 - Signos, Ilustração: Sheylla Tomás
Fonte: UAB - UESC
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No início do século XX, mais precisamente meados dos
anos 20, foi publicada em Leningrado uma obra que se tornou
bastante polêmica porque aliava ideias que seriam consideradas
inicialmente contraditórias: as ideias marxistas e as ideias
linguísticas. Era o Marxismo e filosofia da linguagem, obra de
importância decisiva para os estudos sobre a linguagem, sendo
referência na área até os dias atuais.
Esta obra foi tão surpreendentemente original que
antecipou muitos estudos contemporâneos, tangendo disciplinas
como a Sociolinguística e a Análise do Discurso. O livro, hoje
considerado um clássico indispensável, é a obra em que Bakhtin
mais assume uma perspectiva marxista.
E é com base nessa perspectiva que Bakhtin desenvolve
a ideia de que a língua é um produto sócio-histórico e o
mundo das ideias não existe fora dos quadros da linguagem.
Para o filósofo, o estudo da ideologia não pode prescindir do
estudo do signo; todo signo é ideológico e sem o signo não
existe ideologia, a ideologia se materializa através do signo.
E a palavra, signo verbal, é a instância privilegiada em que se
podem perceber as tensões da sociedade, figurando como uma
espécie de arena dos conflitos sociais. Em outras palavras, a
palavra é o fenômeno ideológico por excelência e o meio mais
puro e sensível de interação social.
4.1 A palavra: signo ideológico
Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o
principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de
refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico-
culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito
social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo,
mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas
formas, por diferentes prismas. O autor defende que a
palavra constitui a consciência, o pensamento, a ideologia, e,
consequentemente, os sujeitos, pelo fato de ela ser o resultado
das interações socio ideológicas.
Por causa dos vários sentidos atribuídos à palavra
interação, assume-se, neste material, a concepção bakhtiniana
que apresenta os seguintes pressupostos:
Ideologia: De acordo com o Dicionário digital Aulete, o termo pode ter os seguintes significados: s.f. 1. Ciência da formação das ideias e de um sistema de ideias. 2. Fil. Pol. Rel. Soc. Sistema articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., organizado como corrente de pensamento, como instrumento de luta política, como expressão das relações entre classes sociais, como fundamento de seita religiosa etc. 3. Fil. No marxismo, o conjunto das formas de consciência social que tem por finalidade legitimar a classe dominante ou, no lado oposto, os interesses revolucionários da classe proletária. 4. Hist. Conjunto das ideias e convicções próprias de uma época, uma sociedade, uma classe etc., e que caracterizam uma situação histórica.
68 Módulo 1 I Volume 3 EAD
O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
a) a interação acontece entre os sujeitos, no processo
dialógico, no amplo sentido do termo diálogo, ou seja,
na enunciação ou em enunciações reais, na relação
entre o “eu” e o “outro”, através da mediação do signo
verbal ideológico;
b) os indivíduos são constituídos enquanto sujeitos, no
processo de interação verbal social, dentro de níveis
ou graus de sociabilidade; quanto maior for o grau
de suas interações verbais sociais, maior será o
grau de consciência dos indivíduos, o que, por sua
vez, implicará um maior grau de constituição dos
indivíduos em sujeitos sociais; com isso, define-se
que os sujeitos são socialmente orientados;
c) além de se considerar a linguagem como atividade
constitutiva dos sujeitos e de suas consciências, na
relação dialógica, o signo verbal social – a palavra
– é o elemento ideológico puro, pois transita
dialeticamente tanto na infraestrutura econômica
quanto na superestrutura dos sistemas ideológicos
constituídos.
Assim, é a partir do signo - material, verbal, social
e ideológico - que se constroem sentidos e veiculam-se
ideologias. Ressalte-se que nenhuma outra teoria linguística faz
a abordagem da palavra considerando-a como elemento puro
da ideologia. A natureza da palavra, estando estreitamente
vinculada com a ideologia, produz uma diferença substancial
nas análises decorrentes desse pressuposto fundamental, qual
seja, da materialidade da palavra e de seu caráter específico de
manifestação ideológica, calcada na sua materialidade social.
As ideias de Bakhtin foram de encontro a muitas teorias
que estavam vigentes no início do século passado. As ideias
que predominavam na linguística naquela época tinham como
base as reflexões de Saussure, que privilegiava, na famosa
dicotomia langue/parole (língua-fala), o estudo da língua.
Nessa perspectiva teórica tradicional, não há interação verbal
entre os sujeitos, pois a linguagem não é concebida como uma
via de mão dupla entre os envolvidos no processo. Privilegia-se
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apenas o locutor ou o emissor, a categoria do eu, ao mesmo
tempo em que se exclui a categoria do outro no processo
linguístico ou discursivo.
Opondo-se às ideias saussurianas, Bakhtin defendeu
que a ênfase na análise linguística deveria ser dada à fala,
examinando as condições de interação social. Assim sendo, se
o signo para Bakhtin é o elemento de realização material da
ideologia, evidencia-se o desmascaramento da “neutralidade”
da linguagem; para o filósofo, o signo não tem natureza
neutralizante em razão da sua função social e as escolhas
do sujeito enunciador marcam a sua posição ideológica no
mundo.
Isto significa que só nos comunicamos via signos porque
eles são produtos da sociedade e é somente através deles que
veiculamos nossa maneira de ver o mundo, a nossa ideologia.
Assim, ao longo dos seus escritos, Bakhtin insiste que um signo
não existe apenas como parte de uma realidade; ele também
reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,
ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico
etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica
(isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.). O
domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são
mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,
encontra-se também o ideológico. “Tudo que é ideológico possui
um valor semiótico“ (BAKHTIN, 1992, p. 83).
São exemplos de signos ideológicos:
1. a maneira como você se veste (uma camiseta com
personagens históricos, por exemplo, Che Guevara);
2. a suástica (símbolo do nazismo);
3. a maneira como trata as pessoas;
4. o uso da estrela de Davi;
5. as palavras que usa para manifestar suas opiniões,
valores etc.
Assim, o signo, na concepção teórica bakhtiniana, deverá
ser estudado em dois planos:
no primeiro plano, o descritivo. Compreende-se o
estudo do signo dentro do sistema estrito da língua
aceito como um sistema abstrato; é o que se faz
normalmente com a frase, no nível da norma, da
gramática normativa;
no segundo plano, o discursivo. O signo será
compreendido em sua dinamicidade, por sua relação
dialógica com o outro na situação de interação.
Nesse sentido, o plano discursivo espelha uma das mais
importantes lucubrações sobre a linguagem. Em qualquer
trabalho de interpretação linguística com enfoque sócio-
histórico ou sociocultural, sob a perspectiva bakhtiniana, toda
e qualquer produção linguística ou enunciativa, seja ela oral ou
escrita, pode ser considerada como diálogo ou discurso. Quer
ver um exemplo?
Em setembro último, algumas famílias ligadas ao MST
(Movimento dos Sem-terra) invadiram a fazenda de uma
multinacional e tal fato ecoou na mídia. Aproveitando-se da
repercussão, uma professora do ensino fundamental II distribuiu
o seguinte texto para os seus alunos:
Polícia vai pedir prisão de sete sem-terrasexta-feira, 9 de outubro de 2009 | 5:21
Por Maurício Simionato, na Folha
A Polícia Civil de Borebi (311 km de SP), responsável pelo inquérito que apura crimes relacionados à invasão do MST na fazenda da multinacional Cutrale, disse ontem que vai indiciar e pedir a prisão temporária de integrantes do movimento. Sete deles já foram identificados, sendo três líderes.A fazenda havia sido invadida por 250 famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 28 de setembro e só foi desocupada anteontem, após decisão judicial de reintegração de posse. A saída foi pacífica, mas a fazenda apresentava sinais de destruição e depredação.Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/policia-vai-
pedir-prisao-de-sete-sem-terra/.
Após leitura silenciosa, a professora colocou no quadro a
seguinte questão:
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ATIVIDADES
Como podemos ver, os sem-terra ficaram sem razão.
Questão: Explique o porquê de usarmos hífen em sem-terra e não usarmos em sem razão.
Percebeu o desperdício? A professora poderia ter
trabalhado interpretação, outra modalidade de leitura, e até
gramática com enfoque sócio-histórico, explorando as várias
possibilidades que o texto traz em termos de temática; poderia,
ainda, promover trabalhos com intertextualidade e proporcionar
aos seus alunos a percepção de que os discursos, naturalmente,
dialogam com outros.
Vamos às atividades!
1- Defina o signo de acordo com a o pensamento de Peirce e Bakhtin.
2- Classifique os signos abaixo de acordo com o que estudamos sobre o signo peirceano: índice, ícone e símbolo.
a. Uma dentadura_______________________________________b. Erupções cutâneas____________________________________c.
_____________________________________
d. O celular vibrando dentro do bolso________________________e.
_________________________________________
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cruz_julian.jpg.
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O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
f. _________________________________________
g.
_________________________________________
h. A Mona Lisa (Da Vinci) ______________________________________i. Nuvens negras no céu ______________________________________j.
___________________________________________________
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1209823
k. Foto sua com o seu ídolo ____________________________________l.
_____________________________________________________________
m. Bandeira do Brasil _________________________________________n. Impressão digital numa arma ________________________________
3- Você viu que Bakhtin considera:
a. que é exatamente no momento da interação social, por meio da linguagem, que os interlocutores terão a possibilidade de se elevar enquanto seres sociais;
b. que a linguagem não é neutra, pois ela é o campo de encontros e desencontros, de choques de interesses opostos, de conflitos diversos, enfim, de lutas, visando à conservação de determinados sentidos, excluindo-se, consequentemente, a veiculação de outros sentidos.
Levando em consideração essas afirmações, responda: em que ponto as teorias bakhtiniana e saussuriana confrontam-se a respeito do signo?
4- Cite dez signos ideológicos recorrentes em seu cotidiano (podem ser linguísticos ou não).
73Letras VernáculasUESC
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Nesta aula, você viu que:
● A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de Linguística Geral,
como a ciência que deve estudar a vida dos signos no seio da vida social; ela faria parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral.
● A Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce, num texto de 1897, nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.
● Os signos são classificados, de acordo com Peirce, em: a) ícone - pela relação de similitude com o objeto; b) índice – pelos indícios que fornece; c) símbolo - normalmente por uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo a algo.
● Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico-culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo, mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas formas, por diferentes prismas.
RESUMINDO
LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura das obras de BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992b e de PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
Na próxima aula... conheceremos as importantes e famosas dicotomias saussurianas. Veremos em que consiste e quais as características de cada uma, além, claro, da importância delas para os estudos linguísticos. Até lá!
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O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos
RE
FE
RÊ
NC
IAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria E. G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Hucitec, 1992b.
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de Izidoro Blikstein. Lisboa: Edições 70, 1977.
CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1976.
CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de Janeiro: Padrão, 1989.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987.
DUCROT, Oswald, Todorov, Tzvetan. Dicionário das Ciências da Linguagem. Trad. de Emygdio José David Leitão. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978.
ECO, Umberto. O Signo. Enciclopédia Einaudi. vol. 31 (O Signo). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
ECO, Umberto. O Signo. Lisboa: Editorial Presença, 1981.
GUIRAUD, Pierre. A Semiologia. Trad. de Maria Elisa Mascarenhas. Lisboa: Editorial Presença, 1978.
MARTINET, Jean. Chaves para a Semiologia. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1983. Col. Universidade Moderna.
PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
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Suas anotações
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