Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: literatura, as narrações da história e o “pobre leitor” Conceição do Coité 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS

DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA

METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA:

literatura, as narrações da história e o “pobre leitor”

Conceição do Coité

2010

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DEISIANE DE OLIVEIRA SILVA

METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA:

literatura, as narrações da história e o “pobre leitor”

Monografia apresentada ao Departamento de Educação, campus XIV, Curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como instrumento da avaliação final da disciplina TCC para obtenção do grau de licenciada.

Orientadora: Profª Mª de Fátima S. Barros das Chagas.

Conceição do Coité

2010

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AGRADECIMENTOS

A DEUS pelo acolhimento nas horas de alegria e tristeza, por ter guiado meu caninho, unido

minha vida a de pessoas tão deferentes e especiais, pelo privilégio de compartilhar

experiências e crescer ao lado de todos.

À MINHA FAMÍLIA pela paciência em tolerar as minhas falhas e sempre ajudar nas

dificuldades.

À Orientadora Prof.ª FÁTIMA BARROS pelo incentivo e persistência.

Especialmente aos Professores EUGÊNIA MATEUS, HENRIQUE VALENÇA,

JUSSIMARA LOPES E JURÉIA MARIA F. DA SILVA, pelo pronto atendimento de todas

as horas.

Aos colegas de classe pela pronta colaboração na coleta de dados.

Aos muito mais que colegas, aos amigos.

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DEDICATÓRIA

Aos meus amigos:

PATRIANA CHAUÍ pela paciência e os ensinamentos nas horas de desespero;

HAROLD BRUNA pelos bons conselhos de todas as horas e ajuda nas horas de desespero;

EDLANA pela força e confiança na longa caminhada juntas e pela alegria nas horas de

desespero;

GEOMEL pelo carinho e meiguice no trato com todos e pela tranquilidade nas horas de

desespero;

TIA NENÊ pelos puxões de orelha que muito mereci e acima de tudo pela determinação nas

horas de desespero;

E como não poderia esquecer a TIO RAI pela proteção e cuidado de sempre e,

principalmente, pelas caronas nas horas de desespero.

Vivemos no limite por um bom tempo, mas nunca nos faltou espontaneidade, alegria,

demonstrações de amizade e solidariedade, amo cada um de vocês.

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“Pensar e sentir adotando o ponto de vista de outros,

pessoas reais ou personagens literários, é o único meio

de tender à universalidade e nos permite cumprir nossa

vocação” (TODOROV, 2009, p. 82).

“E repare o leitor como a língua portuguesa é

engenhosa. Um contador de histórias é justamente o

contrário do historiador, não sendo um historiador,

afinal de contas, mais do que contador de histórias. Por

que essa diferença? Simples leitor, nada mais simples.

O historiador foi inventado por ti, homem culto, letrado

humanista, o contador de histórias foi inventado pelo

povo, que nunca leu Tito Lívio, e entende que contar o

que se passou é só fantasiar” (ASSIS, 1959, p.395).

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RESUMO

O presente trabalho analisou a relação entre ficção e história abordada pela metodologia de análise literária denominada Metaficção Historiográfica, cujo objetivo é investigar as características da Metaficção Historiográfica e sua interferência na concepção de História Oficial dos estudantes do Curso de Letras Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação, Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. Para isso, foi preciso realizar uma observação participante, através de entrevista com treze estudantes. Além desse método, utilizou-se pesquisa bibliográfica com autores como: Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone-Moisés, Stuart Hall, Afrânio Coutinho e outros que, em suas obras retratam o pós-modernismo, história, ficção e o leitor, além da análise de romance. Com a pesquisa bibliográfica, nota-se que são muitos os debates sobre a relação ficção e história, porém não foi detectada uma abordagem específica sobre o papel do leitor na formação do conceito de história e as estratégias da Metaficção Historiográfica para unir ficção e história de maneira crítica. Na análise de dados, verificou-se que a leitura de obras literárias com a perspectiva da Metaficção Historiográfica levou os estudantes a perceber a verdade histórica sob outros olhares.

Descritores: Metaficção Historiográfica. Pós-modernismo. Leitor.

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ABSTRACT

This study examined the relationship between fiction and history addressed by the methodology of literary analysis called meta-fictional historiography, whose aims to investigate the characteristics of meta-fictional historiography and its interference in the design of the Official History of the students of the Course of Letras Vernáculas 2006.1, Department of Education, Campus XIV-UNEB, Conceição do Coité, BA. For this, we need to perform an observation, through interviews with thirteen students. Besides this method, we used literature with authors such as Linda Hutcheon, Terry Eagleton, Leyla Perrone-Moisés, Stuart Hall, Afrânio Coutinho and others who, in his works portray postmodernism, history, fiction and the reader, beyond analysis of romance. With literature, it is noted that there are many debates about the relationship drama and history, but was not detected a specific approach on the role of the reader in forming the concept of history and strategies of meta-fictional historiography to link fiction and history critically. In data analysis, it was found that the reading of literary works by the prospect of Metafiction historiographical led students to realize the truth in other historical sights. Key words: Meta-fictional, Historiography, Postmodernism, Reader.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................10

CAPÍTULO I - FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins na construção

literária................................................................................................................................12

1.1 Pós-modernismo: as contradições dos princípios e dos fins do fazer literário..............14 1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as margens..............................................................................................................................20 1.3 O pós-modernismo e a problematização da história.....................................................24 1.4 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias...............................27

CAPÍTULO II - METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA: o lugar do passado histórico e

literário................................................................................................................................31

2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica em “Terra Papagalli” .............................33 2.2 A forma narrativa: narrar... contar... é escolher um ou outro........................................36 2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil................39 2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades......................42

CAPÍTULO III - A PROBLEMÁTICA DA METODOLOGIA........................................48

3.1 A abordagem e o enfoque.............................................................................................48 3.2 O método, não os métodos............................................................................................49 3.3 A técnica: os instrumentos de coleta de dados..............................................................50 3.3 O lócus da pesquisa.......................................................................................................52

CAPÍTULO IV - E O LEITOR: produtor e/ou consumidor? Não, colaborador.................54

4.1 O leitor e a realização dos fins do fazer literário............................................................56

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS- O que restou de nossas histórias?..................... .61

REFERÊNCAS...................................................................................................................63

ANEXO...............................................................................................................................68

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INTRODUÇÃO A literatura fascina e encanta muitas pessoas com seus múltiplos aspectos literários, o

poder de concretizar em palavras a beleza da arte de viver expressa pela humanidade. Com

essa perspectiva surgiu a necessidade de pesquisar sobre literatura e a área escolhida foi à

relação entre ficção e história. E mais, especificamente, o método de análise literária

Metaficção Hstiriográfica, com o pós-modernismo e suas implicações na literatura de revisão

histórico-literária, além de seus reflexos nos leitores contemporâneos.

Tendo o objetivo geral de investigar as características da Metaficção Historiográfica e

se ela interfere na concepção de História Oficial dos estudantes do Curso de Letras

Vernáculas 2006.1, Departamento de Educação Campus XIV-UNEB. E como objerivos

específicos: conceituar as características que contribuíram para a Metaficção Historiográfica e

suas especificidades; reconhecer as marcas da Metaficção Historiográfica no romance “Terra

Papagalli” dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta e constatar o

posicionamento dos estudantes do curso de Letras Vernáculas acerca do Discurso Oficial,

diante da leitura de obras com características da Metaficção Historiográfica.

A Metaficção Historiográfica intriga os leitores de diferentes maneiras,

principalmente, com esses movimentos que recontam o processo histórico dando ênfase aos

sujeitos excluídos da construção nacional e os colocando no centro das narrativas, como

personagens que têm voz e vez na participação e elaboração da nossa identidade. Por isso, a

escolha da Metaficção Historiográfica como norteadora deste trabalho não foi aleatória.

Surgiu da observação das discussões sobre literatura em sala de aula, quando percebi que os

leitores têm diferentes opiniões sobre o que é literatura, sua função, sua importância e também

as diversas reações diante de textos literários.

Graças a essas características a hipótese primeira deste trabalho é de que tais estudos

literários pós-modernos influenciam os estudantes, levando-os a refletir sobre a fragilidade

dos conceitos da História Oficial. A Metaficção Historiográfica é uma forma de análise

literária que une em seus debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e

política, abordadas por Linda Hutcheon (1991), observa-e a quebra de todas as formas

tradicionais, reinventa-se a estrutura textual, dissonância do enredo e, principalmente, no uso

e abuso da linguagem.

Para isso, serão discutidos o pós-modernismo, a história, os Estudos Culturais, a ficção

e o leitor nas perspectivas de Linda Hutcheon, Zygmunt Bauman, Afrânio Coutinho, Jonathan

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Culler, Terry Eagleton, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Nízia Villaça, Michel de Certeau,

Leyla Perrone-Moisés, Tzvetan Todorov entre outros com o fim de explorar ao máximo as

tórias que fundamentam os estudos literários contemporâneos.

Para atingir os objetivos propostos a metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa

com uma abordagem fenomenológica, incluindo pesquisa bibliográfica, análise literária,

observação e entrevista como fonte de coleta de dados, para fundamentar os objetivos dessa

pesquisa. A monografia está estruturada em quatro capítulos: o primeiro trata das teorias que

influenciaram o nascimento da Metaficção Historiográfica; o segundo é composto por uma

análise do romance “Terra Papagalli”, à luz da Metaficção Historiográfica; o terceiro

corresponde à metodologia e o último a análise de dados da entrevista.

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CAPÍTULO I

1 FICÇÃO E HISTÓRIA: um princípio, um meio e dois fins

É claro que somos as mesmas pessoas Mas pare e perceba como o seu dia-a-dia mudou

Mudaram os horários, hábitos, lugares Inclusive as pessoas ao redor

São outros rostos, outras vozes Interagindo e modificando você

E aí surgem novos valores, Vindos de outras vontades, Alguns caindo por terra,

Pra outros poderem crescer Caem 1, 2, 3, caem 4,

A terra girando não se pode parar1 (...)

Metamorfose seria o termo mais indicado para tratar sobre o conceito de literatura ao

longo dos tempos. Suas definições são compostas de vários significados, dependendo da

relação com a sociedade que perpassa as épocas e em cada uma delas assume um sentido

diferente sem abandonar os antigos. Ao longo do tempo, a relação da literatura com o mundo

foi afirmada e negada, teve de refletir os valores do “belo”, se separar da ciência, ser usada

como meio de transmissão de ideologias etc. Principalmente, no final do século XX e início

do século XXI, com as convergências das diferentes teorias e concepções de literatura, novas,

antigas e outras re-visitadas, afinal, “A terra girando não se pode parar”.

Modificar, integrar, surgir, cair, crescer, a música cantada por Pitty, pode servir para

traduzir muito bem o contexto da literatura hoje, seu campo de atuação é tão extenso que não

podemos distinguir o real do imaginado, o científico do censo comum, o hoje do ontem, aliás,

estão em constante processo de mudança. “A literatura não nasce no vazio, mas no centro de

um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas características; não é

por acaso que, ao longo da história, suas fronteiras foram inconstantes”, como afirma Todorov

(2009, p. 22).

1 Anacrônico. Composição de Pitty e Graco. Ano de Lançamento: 2005, Gravadora: Deck Disc.

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O conceito de literatura, sua relação com o mundo, com as ciências sofreu e sofre

mudanças, exemplo disso é sua atual relação com a história. Antes, com o humanismo (século

XVI), tínhamos a junção de todos os discursos: história, literatura, ciências etc. Entre os

séculos XVII e XVIII, essa união se esvai, como água por entre os dedos, separa-se a ciência

da humanidade e consequentemente da literatura.

Como nos lembra Souza (2006, p.16): “Mas a oposição humanidades/ciências é

apenas um primeiro esboço ainda muito geral de especialização dos campos discursivos ou da

atividade cultural, que será objeto de novos arranjos até que se delineie a oposição

ciência/literatura”. O primeiro esboço se intensificou e a literatura passou a indicar ficção,

logo fantasia, e história, a ciência de narrar os fatos “importantes” da humanidade.

Mas “e ai surgem novos valores, vindos de outras vontades”, atualmente as linhas

divisórias entre literatura e história, com o desenrolar do pós-modernismo, se tornaram muito

frágeis e foram contadas as versões verossímeis na literatura. Verdades omitidas pela História

Oficial, linhas que narram apenas os fatos, foram reveladas na escrita ficcional. Devido à

expansão do interesse por estudos sobre esse tema, fica evidente a fragilidade do poder

argumentativo da história e a evolução dos artifícios adotados pela literatura pós-modernista

para tornar cada vez mais convincente e intrigante as histórias ficcionais.

Essa é uma das vertentes dos estudos literários e aqui será o foco desse estudo. O jogo

entre ficção e história é muito antigo e até hoje não existe um vencedor. Os escritores têm

consciência das potencialidades da literatura, das possibilidades de seu poder discursivo e usa

seus mecanismos estruturais e estéticos: os simulacros, a paródia, a pastiche, a autobiografia,

a fantasia, a verossimilhança para criar novas narrativas que se aproximam e criticam o fazer

histórico. Essa brincadeira leva não só a refletir sobre os temas tipicamente literários, mas

também, a duvidar das condições de escrita da própria História Oficial.

As críticas tanto sobre o posicionamento autoritário e unilateral da história quanto

sobre a literatura, por se aproximar da narração oficial da história de forma tão inovadora, tem

contado com a participação assídua do leitor para construir e destruir as oposições, os debates,

os estudos e, principalmente, as leituras da história e da literatura. As convergências entre

ficção e história são acentuadas graças quase que por completo ao contexto sócio/histórico

pós-moderno que mistura as “histórias possíveis” com as “narrativas dos acontecimentos”2.

O discernimento necessário para não ultrapassar essa linha tênue – ficção e história −

está em saber que ficção é um emaranhado de realidades possíveis. Porém o pós-modernismo

2 Termo usado por Peter Burk (1992), para caracterizar História tradicional que vai de encontro à Nova História.

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deixa essa decisão a cargo de cada leitor, já que este tem o papel fundamental na construção

do sentido do texto, pois as obras de arte sejam elas arquitetura, pintura, escrita, dança,

escultura entre outras, só ganham sentido no contato com o exterior (expectador/leitor), e suas

incursões pelos contextos sócio-históricos.

[...] Essa coerência – imaginada, fictícia – depende, claro, parcialmente, dos próprios dados, mas também da plausibilidade de sua significação possível, imaginada pelo escritor/historiador de tal maneira que o leitor possa reconstruí-la. Sendo assim, a construção de “mundos reais”, de realidades possíveis, a sua plausibilidade, dependem, também, do contexto histórico real no qual eles são produzidos e reproduzidos pelos leitores. (LEMAIRE, 2008, p.10-11, grifos do autor).

Nesse capítulo pretendo discutir as características contraditórias do fazer literário pós-

modernista, e para isso abordarei primeiro a problemática que envolve a literatura e as marcas

do pós-modernismo com sua carga crítica, seu relacionamento com a história, suas influências

culturais e, principalmente, as abordagens teóricas da Metaficção Historiográfica e seu

relacionamento com o leitor. Tendo em vista que a literatura pós-modernista tem o mesmo

princípio de criação da História Oficial, as histórias passadas da humanidade, um mesmo

método de criação, o discurso narrativo; fins diferentes, pois as duas, tanto a literatura quanto

a História tem objetivos divergentes: a primeira se firma como ficção e a segunda como

verdade.

1.1 Pós-modernismo: as contradições, princípios e fins do fazer literário.

[...] Na verdade, não há apenas um pós-modernismo, mas vários, e cada uma dessas construções foi cunhada num contexto distinto para servir a fins diferentes [...] (COUTINHO, 2004, p. 236).

Toda a proposta de definição está sujeita a contestações, e em se tratando da

problemática do pós-modernismo esse perigo é muito maior, pois esta é muito mais que uma

palavra usada de várias maneiras e por vários seguimentos teóricos. A reflexão de Coutinho

(2004) é a proposta acertada para abrir a discussão do paradoxo contemporâneo.

Entre os vários pós-modernismos, um é apontado por alguns autores como movimento

literário que nomeia as mudanças ocorridas a partir da década de 60 do século XX, mudanças

tão complexas e com tantos defensores quanto opositores. Em decorrência disso, como afirma

Coutinho (2004), existem vários pós-modernismos, dai a dificuldade em definir esse termo,

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tendo de aceitar suas indefinição. Não é permitido nomear de forma simples e objetiva suas

indefinições, por ele ser plural, recente e ainda não ter um o afastamento temporal suficiente

para caracterizá-lo (discernimento que só o tempo é capaz de proporcionar).

Devido as suas especificidades não poderá ser reduzido a um punhado de traços

distintivos e restritos. Refletindo a pluralidade e os paradoxos, não existe uma forma

consensual de referí-lo, porém, existe um termo que parece ser unânime entre os teóricos

atuais, tanto os defensores, quanto àqueles que condenam desde Hutcheon (1991) a Eagleton

(2005); de Nizia Villaça (1996) a Perrone-Moisés (1998); de Bauman (1998) a Coutinho

(2004). Essa parece ser mais que uma palavra, é um termo que abarca de forma muito

genérica as posições teóricas usadas pelos estudiosos citados, mas é o primeiro passo para

entender o pós-modernismo, esse termo é: contradição.

Em face do emaranhado de definições contraditórias apontadas pelos autores antes

mencionados, faz-se necessário um esclarecimento deste trabalho acerca dos termos pós-

moderno, pós-modernismo e pós-modernidade – lembrando que não existe consenso entre os

teóricos. A preferência pelas definições que seguem parece ser as mais acertadas para o bom

andamento deste trabalho. Como se fez entender Perrone-Moisés (1998 p. 181), pós-moderno

é “considerado como um feixe de posturas filosóficas e traços estilísticos”, esses traços

aparecem em diferentes autores e em períodos também diferentes. Seriam:

[...] heterogeneidade, diferença, fragmentação, indeterminação, relativismo, desconfiança dos discursos universais, dos metarrelatos totalizantes (identificados como ‘totalitários’), abandono das utopias artísticas e políticas [...] (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 183, grifos do autor).

Como também explica Rogério Forasteeri da Silva 2001, o pós-moderno é um tempo,

uma era de incredulidade, em relação às metanarrativas totalitárias como o cristianismo,

marxismo, o iluminismo, pressupostos que tentam unificar todos os campos do conhecimento

em torno de uma doutrina única. O pós-moderno aborda a individualidade e o local, tentando

desvendar as estruturas de poder que existem no comando das metanarrativas, os jogos

ideológicos e de poder.

O pós-modernismo é o movimento que surge depois das vanguardas artísticas do

início do século XX, um conjunto de ideias. Também a pós-modernidade nasce em

conseqüência do rompimento das múltiplas teorias sociais, históricas e filosóficas fixas do

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século XIX, um período histórico. Sendo assim, fenômenos que abordam tanto os

mecanismos sociais quanto artísticos, estudar o pós-modernismo implica diretamente escrever

sobre as ebulições sócio-históricas da época expressa pela arte contemporânea3.

A arte pós-moderna é extremamente inovadora, no sentido de abordar temas

experimentais, e sua principal característica é o poder autoquestionador, com uma carga de

criticidade, muito além das formas apresentadas pelos movimentos artísticos precedentes.

Essa marca delineia os princípios da construção literária com objetivo de situar o pós-

modernismo como cicatriz da escrita das décadas pós 60.

Na tentativa de uma linha divisória entre o modernismo e o pós-modernismo, os

teóricos, tentam traçar características opositoras, o que os diferencia e o que marca a ruptura

entre um e outro. Mas o primeiro presenciou as rupturas, as quebras de paradigmas que

aprisionavam o homem e a sociedade positivista, o segundo viu essas características se

ampliando, evoluindo e principalmente sendo reelaboradas, logo não existiria o pós-

modernismo sem o modernismo.

O modernismo alimentou o pós-modernismo [...] o pós-modernismo se desenvolveu nitidamente a partir de outras estratégias modernistas: sua experimentação, auto-reflexiva, suas ambiguidades irônicas e suas contestações à representação realista clássica (HUTCHEON, 1991, p. 67).

Uma das contradições do pós-modernismo é a comunhão de traços que caracterizam os

movimentos modernista e pós, com o acréscimo dos efeitos das mudanças sociais do século

XX. Stuat Hall (2006) analisa essas mudanças político-sociais como grandes descentramentos

que fizeram surgir o sujeito moderno e aqui podem ser usados para caracterizar o contexto

pós-moderno.

A reinterpretação do marxismo, a descoberta do inconsciente, por Freud, a linguagem

(um conjunto de sistemas que ganha sentido nas relações culturais), por Ferdinand Saussure, o

regime de poder moldando o sujeito conforme denunciou Michel Foucaut, e por último,

porém não menos importante, os impactos dos movimentos em defesa do: feminismo,

homossexualismo na sociedade, mudanças sócio-ideológicas do início do século XX que

antecederam e influenciaram as teorias pós-modernistas que, segundo Terry Eagleton (2005,

p. 84) são principalmente: 3 A palavra “contemporânea” será usada como sinônimo de pós-modernista, não existe consenso entre os teóricos citados em relação ao fim ou não desse movimento.

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A hermenêutica, como arte de decifrar, ensinou-nos a suspeitar do que é flagrante auto-evidente. O estruturalismo nos ofereceu um itálico sobre os códigos e convenções ocultas [...]. A fenomenologia entregou alta teoria e experiência cotidiana. A teoria de recepção examinou o papel do leitor na literatura [...].

Teorias que se completam – as do início do século XX e as da segunda metade do

mesmo século, são responsáveis pela mudança no comportamento social de toda uma época e

que, consequentemente, transformou a escrita literária desta época. Conforme os diferentes

posicionamentos sobre o pós-modernismo, irei apresentar as concepções de vários autores

sobre o mesmo objeto (arte e teoria) e como esses apontamentos desenham os princípios e os

fins da literatura nesse contexto.

Terry Eagleton é um dos críticos opositores do pós-modernismo, mas não é capaz de

negá-lo e afirma que: “Esse é o reino pós-trágico do pós-modernismo. Ele é muito jovem para

se lembrar de uma época na qual existiam [...] verdade, identidade e realidade [...]” (2005, p.

89). Para ele o pós-modernismo prega um mundo livre dos paradoxos, sem diferenças, sem

afirmações unânimes, uma manifestação da liberdade, em toda sua plenitude, ao lado da

ascensão da cultura popular, sendo o preço dessa liberdade e dessa pluralidade a

transformação de todos em mercadorias. Tudo e todos são compráveis. “[...] o pós-

modernismo que aqui marcou a quebra, à medida que tanto teoria quanto arte tornaram-se

patentemente não-elitistas e consumistas”. A nova ordem social “[...] era conhecida como o

shopping center”. (2005, p.103, grifos do autor) .

Perrone-Moisés (1998) também critica o posicionamento dos pós-modernistas, não

como aponta Eagleton, mas negando a existência desses pressupostos e afirmando que: “Os

traços apontados como pós-modernos são, assim, ora modernos, ora mais antigos”

(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 184). Defende que os argumentos dos defensores do pós-

modernismo não são convincentes devido à constatação de que muitos dos escritores tidos

como pós-modernos o são apenas devido a posicionamentos ideológicos, distintos dos

vigentes em sua época.

Já Linda Hutcheon (1991) defende o pós-modernismo como um movimento

riquíssimo em seus posicionamentos teóricos, democrático por ser extremamente livre para

discutir todos os temas possíveis e despir-se de todas as amarras formais e tradicionais,

descentralizando os discursos dominantes, além de afirmar que:

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[...] Não seria difícil imaginar que o pós-modernismo contesta e que tentativas de mudança ele oferece: a democratização cultural das distinções entre arte elevada e inferior, e um novo didatismo; um questionamento político potencialmente radical, contextualizando teorias sobre a complexidade discursiva da arte; e uma contestação de todas as visões anistóricas e totalizantes (HUTCHEON, 1991, p. 76).

A escritora identifica esses traços em todas as formas artísticas, analisando suas

características discursivas. Porém foca seus estudos, principalmente, no romance que ela julga

ser a forma literária que melhor une as características pós-modernas.

Outra escritora que comunga da opinião acima citada, em defesa do pós-modernismo,

é Nízia Villaça (1996, p.27), principalmente, no que diz respeito à fragmentação e à

descentralização da criação, acrescentando o alto nível de “subjetividades” desse recente

posicionamento sobre a arte contemporânea: “A questão dos sujeitos é esclarecedora, pois é

no surgimento da pluralidade, das subjetividades, que se pode compreender as décadas

posmodernas” 4, a multiplicação dos sujeitos em suas formas mais fragmentadas, presentes

nos romances e sua adequação aos diferentes contextos.

Os posicionamentos sobre o pós-modernismo aqui apresentados são apenas um

pequeno esboço do emaranhado de contradições que vigora na elaboração da arte,

resumidamente definidos como: quebra de paradigmas, contestação das verdades universais,

pluralidade, contradição, democratização das artes, fragmentação, descentralização, ascensão

das subjetividades, intimismo, foco no leitor. Com base nos autores citados, no geral de seus

posicionamentos, esse é o rascunho do desenho a ser delineado pela arte e escrita desse

momento da história da humanidade.

Dos muitos posicionamentos abordados nas poucas linhas desse trabalho o que me

parece mais coerente é o de Linda Hutcheon (1991, p. 61). Para ela: “O moderno está

embutido no pós-moderno, mas o relacionamento complexo entre eles é de consequência,

diferença e dependência [...]”. Não se pode negar sua existência, já que se fala, teoriza-se,

contextualiza-se o pós-modernismo e não se pode ser radical, o ideal é estudar as marcas de

sua contradição sem esquecer da própria provisoriedade de nosso tempo.

A arte pós-modernista compara-se à função primordial da filosofia que é de fazer

perguntas e refutar as respostas, já que as perguntas filosóficas são impossíveis de serem

respondidas humana e universalmente. Assim, o mais importante não são as respostas, e sim

4 Segundo a autora Nizia Villaça (1996), o uso do termo posmoderno sem hífen visa a acentuar a paradoxo contido na terminologia escolhida para denominar inúmeros campos do saber contemporâneo.

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as perguntas e as reflexões que brotam da criação (arte). Na contemporaneidade é difícil

separar arte e teoria, aliás, esse parece ser apenas mais um dos paradoxos do pós-modernismo,

elas estão ligadas por posicionamentos ideológicos e por semelhanças estéticas devido ao alto

teor de liberdade artística.

A literatura faz suas próprias escolhas e tem que assumir os riscos de sua ousadia, ela

ousa caminhar por diferentes campos do saber para atrair e inquietar o leitor, mas por ser uma

via de mão única com dois sentidos e seu ponto alto está no encontro entre a obra, que vem do

lado esquerdo e o espectador do lado direito. Um depende mutuamente do outro, sem esse

contrato não existiria a arte, nem espectador e sem espectador não existe arte.

Isso fica evidente em todas as formas de arte, mas tratarei em especial da escrita

literária, que na opinião de Eagleton (2005), traz consigo toda uma aba de especificidades e de

escritores que revolucionaram o pensamento ocidental. Especialmente, o poder destrutivo da

linguagem, ao defender que todas nossas pré-supostas certezas eram discursos construídos

pela linguagem, que podem ser facilmente manipulados para se adequar às necessidades das

sociedades, com o intuito de manter as posições das hierarquias e moldar o pensamento

humano.

Ao perceber essa trama, explodem os movimentos que reivindicam a atenção para

aqueles sujeitos que foram durante séculos manipulados e excluídos da escrita e da sociedade

como se não existissem ou existissem apenas para servir. O pós-modernismo literário abarca

essa nova concepção de descentralizar as grandes narrativas, por ser um movimento em que

todos os segmentos humanos: político, histórico, social, artes, cultura e religião, ora são

apontados como a intensificação do modernismo, ora como completamente distintos.

Refletir sobre a escrita pós-moderna é pensar em arte como a possibilidade de várias

realidades alternativas que se imbricam e todas são tanto possíveis quanto à realidade. Uma

das muitas características da pós-modernidade é o “autoquestionamento” que também foi

transposto para a arte, a qual surge no ambiente contemporâneo com o objetivo de questionar

todos os parâmetros positivistas, as narrativas de fundação, as questões ideológicas e de

poder.

Segundo Barthes (2004, p.05), “[...] já não se vê a literatura como um modo de

circulação social privilegiado, mas como uma linguagem consistente, profunda cheia de

segredos, dado ao mesmo tempo como sonho e como ameaça [...]”. Falar da escrita

contemporânea envolve não apenas relatar os apontamentos do pós-modernismo enquanto

movimento literário, mas e, principalmente, relatar as influências culturais que perpassam

toda a literatura. Estudo que será feito de forma mais profunda na próxima seção deste

Page 19: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

19

trabalho, ao abordar principalmente a influência dos Estudos Culturais na literatura, que é o

resultado das descentralizações e das novas abordagens temáticas sobre a cultura e seu papel

na sociedade.

1.2 Estudos culturais: as possibilidades dos princípios e dos fins no olhar sobre as

margens

O posicionamento dos Estudos Culturais5 lembra o mito Iorubá contado por Eliana

Lourenço de Lima Reis (1999), quando ela analisa a obra literária de Wole Soyinca:

Dizem os mitos iorubas que, a principio, os deuses viviam na Terra com os homens, porém uma falta humana fez com que voltassem a seu mundo. O longo isolamento entre deuses e homens deu origem a uma barreira intransponível entre eles, uma espécie de intricada floresta feita de matéria e não-matéria. Angustiados com a sensação de incompletude devido à separação, os deuses sentiram a necessidade de se ligarem novamente aos homens. O único que conseguiu a fachada de destruir a barreira entre os mundos foi Ogum, que, usando o primeiro instrumento feito de ferro, abriu caminho para si e para os outros deuses, restabelecendo o contato entre deuses e homens. Devido a uma falta trágica, contada em outro mito, Ogum é obrigado a repetir essa viagem anualmente em favor dos homens, mantendo sempre aberto um canal de comunicação entre os mundos (REIS, 1999, p. 85-6).

A simbologia desse mito encontra-se na sua relação de circularidade como escreve

Reis (1999), a noção de tempo cíclico, Todo ano “Ogum” faz o mesmo percurso e a imagem

que representa essa ideia é o emblema da “serpente que morde a própria cauda”. A eterna

descrição de criação e destruição, o ciclo termina e logo outro começa. Por essa noção estar

ligada à fatalidade do circulo vicioso, segundo Reis (1999), Soyinka escolhe a “Faixa de

Möbius” para uma interpretação pessoal do mito de “Ogum”.

[...] sinal grego de infinito (∞), a Faixa de Möbius indicam uma sequência sem principio nem fim [...], por tanto sem um centro fixo, constituindo uma perfeita imagem de descentramento e das relações não-hierarquizadas. Sendo uma imagem da unidade na diferença [...] (REIS, 1999, p.86).

5 Segundo Hall (2003, p. 188), “Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos como numerosas histórias distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as diferentes conjunturas e momentos do passado”.

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Por ser essa faixa um símbolo que representa a ideia de não existência de centro se

assemelha aos Estudos Culturais, rompendo com as dicotomias: branco/preto, bem/mal,

centro/periferia, verdade/ficção. Como foi mostrado, o pós-modernismo estruturou-se ao lado

da escrita literária e as características outrora apontadas, apresentam-se, principalmente, em

relação à interface ficção e história, pois essas abarcam de forma significativa suas marcas.

O fazer literário pós-moderno apresenta as mesmas características do movimento em

si, além de seu poder “auto-questionador”, desconstrói as narrativas de fundação, abordando

as realidades possíveis graças a seus mecanismos artísticos. A desconstrução das narrativas

perpassa pela exposição dos novos valores. Primordialmente rompe os limites entre ficção e

História, elabora novas realidades, busca o passado para parodiá-lo, substituindo as

construções linguísticas tradicionais, rompendo os paradigmas humanistas, etc.

Os novos debates teóricos sobre o conceito de cultura são muito divergentes, Hall

(2003) fala de duas concepções de cultura de forma muito simples: “para chegar às

indefinições”. Esse pensador vê a cultura como um conjunto de especificidades que

caracterizam um povo, as práticas sociais, o modo de vida. E vê também a cultura como

domínio de ideias, narrações, histórias pelas quais um povo atribui sentido e refletem sobre as

necessidades, as experiências em comunidade. Assim, define a cultura para os Estudos

Culturais:

“[...] o esboço de uma linha significativa de pensamento dos Estudos Culturais: dir-se-ia, o paradigma dominante. Ele se opõe ao papel residual de mero reflexo atribuído ao ‘cultural’. Em suas várias formas, ele conceitua a cultura como algo que se entrelaça a todas as praticas sociais: como práxis sensual humana, como atividade da qual homens e mulheres fazem a história” (HALL, 2003, p. 133, grifos do autor).

O contexto de desconfiança prepara o surgimento dos Estudos Culturais, nascido no

momento de ruptura entre velhos e novos paradigmas, em que entra em questão a dialética

entre poder e conhecimento, disposto a analisar a produção e apropriação da cultura de massa

e suas estruturas discursivas. Segundo Culler (1999), há duas matrizes básicas: o

estruturalismo francês, que trata a cultura como um conjunto de práticas sociais possíveis de

serem descritas; e a teoria literária, de origem marxista, que analisa a cultura como uma forma

ideológica opressora. Apesar de ter nascido da análise literária, a aplicação de teorias

socioculturais a formas literárias e seus discursos, hoje os Estudos Culturais é um campo de

Page 21: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

21

atuação que engloba e amplia o discurso literário, perpassando para os mecanismos de

produção cultural.

[...] o projeto dos estudos culturais é compreender o funcionamento da cultura, particularmente no mundo moderno: como as produções culturais operam e como as identidades culturais são construídas e organizadas, para indivíduos e grupos, num mundo de comunidades diversas e misturadas, de poder do Estado, indústria da mídia e corporações multinacionais. Em princípio, então, os estudos culturais incluem e abrangem os estudos literários, examinando a literatura como prática cultural específica (CULLER, 1999, p.49).

Nessa perspectiva de estudar a cultura em seus múltiplos aspectos como forma de

expressão e de opressão, os Estudos Culturais tangenciam os Estudos Literários. Preocupam-

se tanto com o estabelecimento dos cânones, quanto aos possíveis ângulos de interpretação

desde histórico, psicológico, sociológico, questões de raça, gênero, posições de centro e

margem6. As múltiplas formas de análise literária expressam a contraditoriedade dos estudos

literários tradicionais, observando e estudando as diferenças, como nasceram e porque se

mantêm as oposições que excluem ora um ora outro da colcha de retalhos que forma a

sociedade.

Aos Estudos Culturais justamente aliam-se “quer por vocação interdisciplinar quer por

interesse em agentes marginalizados ou tipos subalternos” (SOUZA, 2006, p. 145). Por

estudar os grupos minoritários, sua produção cultural7 e as forças ideológicas que as

constroem e controlam, incluindo as produções escritas (literárias), os Estudos Culturais

entram em oposição com a literatura canônica e a forma de estabelecimento dos cânones.

Outro apontamento é o debate entre ficção e História, ao discutir o lugar dos discursos não

oficiais e o papel da literatura como disseminadora de ideologias.

A literatura é uma forma de expressão que tanto cria, quanto destrói valores sociais,

segundo essa opinião, e por trazer essa qualidade, ela é tão amada e odiada. Assim, a

preocupação com os efeitos (reações) do texto artístico, a ideia de produção artística supõem

um circuito entre o autor e o receptor, isto é, a obra artística só se realiza pelo efeito que ela

causa no receptor.

6 Essas noções são basicamente definidas por Hutcheon (1991, p. 85): “[...] repensar as margens e as fronteiras e nitidamente um afastamento em relação a centralização juntamente com seus conceitos associados a de origem e unidade[...]eterna e universal”. E as margens “[...] local, regional e não totalizante [...]”. 7 Nesse contexto Hall (2003, p. 128) define cultura como: “[...] todas as práticas sócias e constitui a soma do inter-relacionamento das mesmas”.

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Entendendo essas oposições, principalmente, da relação entre História e ficção, e

como a literatura se comporta diante das evidências de subjetividade da ciência histórica. A

arte é usada para expor os contrastes e quebrá-los, preocupação que existe desde a

antiguidade. Souza (2006) fala da posição de Plantão e sua preocupação com a reação do

espectador, leitor e ouvinte de textos literários. Ele não se preocupa apenas com o artista, mas

com a qualidade da produção, com seu efeito, achava que a poesia poderia fazer danos,

despertar sentimentos prejudiciais não só aos cidadãos, mas também ao estado.Tudo isso por

considerar o poeta um mentiroso, a arte um engano, a poesia uma mimese que levaria o

espectador (leitor) a um “desencaminhamento moral”. Preocupação esta que foi descartada

pela crítica literária tradicional ao afirmar que a obra de arte não tem função social, como cita

Culler (1999, p.118) ao abordar a posição dos críticos:

[...] os críticos deveriam se preocupar com a literariedade da literatura: as estratégias verbais que a torna literária, a colocação em primeiro plano da própria linguagem, e o estranhamento da experiência que elas conseguem [...] ‘ o mecanismo é o único herói da literatura’(grifo do autor).

Essa é a principal oposição entre os Estudos Culturais e os estudos da literatura

tradicional. Sobre essa oposição Culler (1999), no mesmo livro ao expor sua opinião sobre

esse embate, diz que os estudos literários têm que aproveitar cada uma das boas qualidades

das duas posições, pois não se pode abandonar as tradições nem tão pouco recusar as

abordagens dos Estudos Culturais, as histórias das margens.

1.3 O pós-modernismo e a problematização da história

Parafraseando Gaarder (1995), o homem só é verdadeiro quando se expressa através da

literatura, pois, despe-se de todo e qualquer preconceito, normas sociais e imposições

culturais, ele é livre para ser ele mesmo, camuflado pela linguagem e pela leve teia da ficção.

Fora do mundo literário o ser humano é hipócrita e dissimulado, está sempre mentindo sobre

seus desejos e vontades, por ter de ser “educado” e seguir padrões sociais culturalmente

impostos, se pretende ser aceito na sociedade.

O pós-modernismo ensina que não existe verdade e sim “verdades”, seja elas na

literatura ou na história, os Estudos Culturais afirmam que a verdade depende de quem conta

e seu significado depende do contexto cultural. A História, assim como a literatura tradicional

chamam de minimista e ressentida as abordagens desse novo foco teórico e literário, porém,

Page 23: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

23

como afirma Reis (1998 p. 246): “[...] se a história nos ajuda a ler a ficção, a ficção também

nos ajuda a pensar a história [...]”.

Não existe a necessidade de oposição e reducionismo entre ambas as partes, é

importante atentar para o fato de atualmente todas as abordagens se complementarem: os

Estudos Culturais, os discursos pós-modernistas, ambos não querem reverter os valores,

transformar as margens em centro, como afirma Hutcheon (1991). O pós-modernismo quer

apenas expor suas diferenças e discutir seus mecanismos de construção literária, pois: “[...] A

ficção não quer ser história, mas desconfia que o eu social do homem que a produz passa,

direta e indiretamente ao eu do narrador (o que está dentro da obra) toda uma experiência de

vida e de linguagem”. (TELES 1996, p.376, grifos do autor). O narrador na ficção e na

história é carregado de preconceito e isso se reflete em sua escrita.

Sinônimo de liberdade a ficção (literatura) propõe o rompimento de padrões sociais

culturalmente impostos pelas ideologias dominantes, usando a narrativa como ferramenta de

ação. A ficção não é apenas uma forma de descontração e de liberdade de expressão é também

palco de jogos ideológicos, por isso a discussão sobre o papel da ficção na atualidade é tão

importante.

Bauman (1998) explora o lugar da ficção no mundo pós-moderno cheio de incertezas e

de descrença nas ciências, perpassando pelo conceito moderno, ele concebe a ficção como

uma forma de crítica e de fuga da instabilidade das noções de verdade do mundo

contemporâneo. A arte é o lugar das certezas que o mundo real não pode mais afirmar:

No mundo moderno, a ficção dos romances desnudava a absurda contingência oculta sob a aparência realidade ordenada. No mundo pós-moderno, ela enfileira unidas cadeias coesas e coerentes, “sensatas”, a partir do informe acúmulo de acontecimentos dispersos. Os status da ficção e do “mundo real” foram, no universo pós-moderno, invertidos. Quanto mais o “mundo real” adquire os atributos relegados pela modernidade ao âmbito da arte, mais a ficção artística se converte no refúgio – ou será, antes, na fábrica? – da verdade (BAUMAN, 1998, p.157, grifos do autor).

As noções de “verdade e ficção” hoje são concebidas como as formas pelas quais

conhecemos o mundo e a História, pois a preocupação não é mais em validar a verdade ou a

mentira e sim em fazer coexistir os diferentes posicionamentos entre os povos e as diferentes

culturas. Consequentemente as verdades foram levadas para o campo da História e hoje ela

não é mais um campo coeso, e sim composto de multiplicidade de posicionamentos.

Santos (2000), fala de duas primordiais noções da palavra história, a primeira seria

uma continuidade de tempo ao qual estamos sujeitos, o “fluxo dos acontecimentos” e a

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24

segunda a escrita dessa história dos acontecimentos, “o relato” ou historiografia. Dessas duas

tradicionais concepções de história ele oferece uma terceira contemporânea, afirmando que a

distinção entre uma e outra não existe mais, devido às mudanças socioculturais. Já que, para a

primeira acontecer é necessário experiência, vivencia e a segunda é o ato de escrever essa

experiência.

Continuando, Santos afirma que a perda da distinção entre as duas é um fenômeno

social, pois perdemos a capacidade de viver, experimentar, devido à expansão do

individualismo, do isolamento nos grandes centros, as cidades. O movimento de prisão é

semelhante ao que Bauman (1998), chama de mal-estar pós-moderno, o sacrifício de

liberdade em prol da segurança, que levou a uma busca de prazer individual: “[...] Os

esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada

no altar da segurança” (BAUMAN, 1998, p. 10).

O sacrifício da liberdade na sociedade contemporânea é uma forma de manter-se em

segurança, sem liberdade é necessário buscar formas de prazer com cautela então se tem o

afastamento do convívio em sociedade, o que Santos (2000), chama de “encarceramento” esse

movimento leva a o homem a perceber o mundo através de relatos, observamos a união da

experiência com o relato, porém os relatos são construções discursivas e não importa o quanto

tentemos ser imparciais é impossível uma total correspondência ao fato ocorrido, a

experiência, ao verificável, mesmo assim, passamos a conhecer o mundo pelos relatos

ficcionalizados graças à falta de experiência. Resultado disso é a concepção contemporânea

de história que une ficção e relato (historiografia):

[...] os relatos históricos são ficcionais – pensando que a condição da ficcionalidade é suspender a relação de exclusão entre verdade e falsidade, entre acerto e erro, certeza e dúvida. Isso ocorre porque a história tem por objetivo documentos-monumentos: todo documento é verdadeiro – incluindo os deliberadamente falsos – e falso, é, simultaneamente, referencia e construção. O material da história são experiências-relatos, corpos-imagens, realidade-virtualidade, vigílias-sonhos (SANTOS, 2000, p. 51).

Novas formas de conceber o conceito de história aparecem no cenário social

contemporâneo por diferentes motivos, pode ser que o apontado por Santos (2000) não seja o

mais convincente, mas é uma opção no mínimo intrigante. O pós-modernismo traz a

incredulidade nas narrativas totalitárias e as reflete.

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Peter Burk (1992) fala de dois conceitos de história um tradicional e outro

contemporâneo: o primeiro que ele chama de história tradicional é voltado para a política,

para narrativa de acontecimentos, a visão do centro, baseia-se em documentos oficiais e é

objetiva, já o conceito contemporâneo, a nova historia, é voltada para o relativismo cultural,

analisa as estruturas de produção da narrativa, visão das minorias, baseia-se em evidências

visuais, orais etc., refletindo as convenções (subjetividade). Essa nova concepção pode ser

chamada de “História Global”, trazendo para o centro dos debates a versão marginal da

História Oficial e a concepção de que não existe verdade histórica e sim a versão de quem

conta.

[...] A compreensão brota da diferença: é preciso, para tanto, que se cruzem múltiplos pontos de vista que revelam do objeto - considerado, dessa vez, a parte de suas margens ou do exterior - múltiplas faces diferentes, reciprocamente ocultas. (SCHMITT, 2005, p.352).

Segundo Peter Burke (1992, p.10), “A filosofia da nova história é a ideia de que a

realidade é social ou culturalmente construída”. Desse posicionamento e o de Schmitt (2005),

percebemos que ficção e História perderam suas linhas divisórias, os historiadores deveriam

respeitar as posições dos ficcionistas que usam e abusam das Histórias e os escritores de

ficção a dos historiadores que também usam romances históricos como fonte de pesquisa

como afirma Souza (2006).

A História deixou de ser uma verdade absoluta com os posicionamentos da nova

história, questionando as afirmações imparciais dos relatos dos acontecimentos. Essa

percepção forçou os historiadores a buscar outras formas de narrar, pois, “[...] Em outras

palavras a narrativa não é mais inocente na historiografia do que na ficção [...]” (BURKE,

1992, p. 330). Passaram a usar mecanismos de criação literária para construir personagens

históricos, principalmente, quando os documentos oficiais têm dados insatisfatórios.

O romance pós-moderno apresenta as características principais da época estudada,

normalmente a narrativa acontece como uma releitura de obras e temas passados recorrendo à

memória ou não. Esse jogo tem o intuito de usar o passado para quebrar as verdades absolutas

e afirmar que a história, assim como a ficção, é uma construção discursiva, além da

fragilidade do sujeito. A quebra é feita ao dar voz e vez aos excluídos da construção

histórica: homossexuais, mulheres, negros, índios etc, ou seja os marginais das relações

étnicas, gênero e raça.

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26

1.5 Usos e abusos da criação literária: um meio de contar as histórias

“Uma coisa é o fato acontecido. Outra coisa é o fato escrito. O acontecido deve ser melhorado no escrito – de forma melhor – para que o povo creia no acontecido”.8

O contexto pós-modernista e suas contraditórias relações com a ficção e a história,

perpassando pelos Estudos Culturais e pela Nova História, influenciando a escrita literária

contemporânea de forma inovadora e livre de amarras formais e estéticas, uma literatura de

autoconsciência, que não quer resolver os paradoxos pós-modernos, ao contrário, quer

problematizá-los, e levá-los aos diferentes campos do conhecimento, arte, teoria, política. Seu

propósito é fazer conhecer os diferentes posicionamentos sobre temas imutáveis, o ponto de

defesa de cada grupo, etnia, raça, cor, sexualidade, nacionalidade etc.

A arte pós-moderna subverte os signos e constroem o sentido ao lado do espectador,

para ela não existirem regras, a regra é não ter regra alguma, pode construir simulações tão

reais quanto à própria fantasia da realidade, tão fantásticas quanto à realidade mais crua.

Segundo Bauman (1998, p. 133) “[...] arte pós-moderna é um esforço histórico de dar voz ao

inefável”.

Linda Hutcheon (1991) defende a existência do pós-modernismo e aponta suas marcas

em seu livro “Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção”, analisando a arquitetura,

o romance, obras fílmicas e teorias. Na primeira parte do livro ela discute os traços que

compõem o pós-moderno, incluindo as influências teóricas e, principalmente, a

“problematização” da relação entre ficção e história, dessa maneira prepara o espírito do leitor

no sentido de apresentar a complexidade das abordagens contemporâneas. Teoriza, molda,

limita, descentra, contextualiza e historiciza o pós-moderno.

Na segunda parte demonstra e específica o que considera ser o traço mais marcante do

pós-modernismo, a Metaficção Historiográfica e seus recursos intertextuais, aparecendo na

literatura especificamente na forma de romance e é definida como uma abordagem que amplia

e subverte as contribuições estético literárias e sua relação com a história. Segundo Hutcheon

(1991, p. 61): “[...] se minha principal ênfase recai sobre o romance pós-moderno é porque ele

parece ser um fórum privilegiado para a discussão do pós-moderno” (grifo do autor). Essa

estrutura textual melhor abarca o processo plural da contemporaneidade e os apontamentos

Históricos.

8 Fala extraída da personagem Antonio Bía, do filme Narradores de Javé.

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E a Metaficção Historiográfica é uma forma de análise literária que une em seus

debates as contradições pós-modernas dos limites da arte, teoria e política, abordadas por

Linda Hutcheon(1991) como a forma do romance contemporâneo. Esse romance pós-

moderno não é o único gênero textual com a densidade necessária para abarcar todas as

formas inovadoras desse momento, porém ele é um dos mais difundidos nos campos

midiáticos, universitários e de crítica, pois quebra todas as formas tradicionais, reinventa-se

na estrutura textual na disposição das páginas, na dissonância do enredo e principalmente no

uso e abuso da linguagem. Linda Hutcheon (1991) é muito mais ousada ao afirmar que além

de sua preferência pelo romance, a ficção pós-moderna é “essencialmente metaficção

historiográfica”, pois ela abarca todas as rupturas e as novas perspectivas literárias nesse

momento contemporâneo.

As características pós-modernas mencionadas no decorrer deste trabalho, voltadas para

a relação ficção e História é o que primordialmente Linda Hutcheon (1991) chama de

metaficção historiográfica, mecanismo que ela criou com o intuito de explorar os artifícios

literários que permitem ao mesmo tempo aproximar e questionar ficção e História, pois “A

ficção é historicamente condicionada e a história é discursivamente estruturada [...]”

(HUTCHEON, 1991, p. 158).

A metaficção historiográfica refuta os métodos naturais, ou de senso comum, para distinguir entre o fato histórico e a ficção. Ela recusa a versão de que apenas a história tem uma pretensão de verdade, por meio de questionamento da base dessa pretensão na historiografia e por meio da afirmação de que tanto a história como a ficção são discursos, construtos humanos, sistemas de significação, e é a partir dessa identidade que as duas obtêm sua principal pretensão a verdade. (HUTCHEON, 1991, p. 127).

Não nega o valor da história, mas afirma ironicamente que seu conhecimento não é

transparente, nem verdadeiro. Ao inserir os ex-cêntricos9 nas paródias intertextuais revela a

relação de interdependência entre a margem e o centro, e uma necessidade de criar uma

identidade fora da eurocêntrica, incorpora todas as práticas textuais: quadrinhos, artes, visuais,

biografia, teoria, filosofia, psicanálise, contos de fadas etc, todos esses elementos compõem o

sistema de significação do pós- modernismo.

9 Segundo Hutcheon (1991), o ex-cêntrico é “o que está fora do centro”, ou seja, os que ficaram fora da construção histórica como sujeitos: negros, mulheres, índios, gays etc. (os marginais).

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Para discutir tais aspectos Linda Hutcheon (1991) aponta alguns aspectos formais;

subvertendo com a ironia, intertextualidade, as estratégias de representação, a função da

linguagem, a relação entre fato histórico, acontecimento e o debate sobre as verdades

instituídas. O lugar dessa união é o romance e o uso da paródia como forma de unir passado

histórico no presente textualizado.

Esses usos mostram como somos construídos e condicionados pela cultura, pela

ideologia e o quanto o poder discursivo pode manipular as lacunas da História. Apresentação

que choca e só terá importância e significado se envolver o leitor, fazendo-o refletir sobre seu

meio de tal maneira que este ganhe significado fora do mundo da ficção, sobre essa dinâmica

Iser, em “Os atos de fingir: ou o que é fictício no texto ficcional”, (1983, p.397) afirma que:

Assim o sinal de ficção não designa nem mais a ficção, mas o “contrato” entre autor e leitor,

cuja regulamentação o texto comprova não como o discurso, mas sim como “discurso

encenado” (grifo do autor).

Para a Metaficção Historiográfica o papel do leitor não é só identificar as marcas

textuais da história no romance. Para Hutcheon (1991, p. 167): “[...] O leitor é obrigado a

reconhecer a inevitável textualidade de nosso conhecimento sobre o passado, mas também o

valor e a imitação da forma inevitavelmente discursiva desse conhecimento”. Assim o leitor

deixa de ser passivo e torna-se atuante no processo de criação de sentido da obra literária.

O romance pós-modernista é o lugar da quebra de paradigmas, da inserção do “outro”

como fonte de conhecimento, da união entre os Estudos Culturais, a Nova História e dos

novos estudos sobre o leitor. Dessa mistura de teorias, de ficção, história e literatura, nasce a

Metaficção Historiográfica que será estudada com maior ênfase no próximo capítulo, tendo

como exemplo o romance “Terra Papagalli”(2000), uma narrativa sobre o descobrimento do

Brasil.

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29

CAPÍTULO II

2 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA o lugar do passado histórico e

literário

Passam os séculos, os homens, as repúblicas, as paixões, a história faz-se dia por dia, folha por folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se. Toda a superfície da terra é um vasto renascer de idéias. (ASSIS, 1959, p. 369).

A constatação das ebulições sócio-históricas pós-modernas levou muitos estudiosos a

procuram caracterizar a arte contemporânea influenciada pelos novos paradigmas históricos,

teóricos, sociais. Linda Hutcheon (1991) planeja traçar uma poética pós-modernista,

discutindo teoria, história e ficção. O pós-modernismo traz consigo uma gama de estudos que

procuram romper com as propostas ideológicas fixas de verdade, centro, imparcialidade,

bem, etc. prioridades do positivismo eurocêntrico, machista, patriarcalista e burguês.

As problemáticas do rompimento de tais pressupostos não são nada simples, pois o

pós-modernismo não pretende evocar novos centros, novas verdades, unicidade, etc. Segundo

Hutcheon (1991), ele quer apenas discutir os discursos ideológicos que regem a sociedade.

Desvelar os binarismos: centro/margem, certo/errado, único/múltiplo, fixo/móvel entre outros,

propondo as quebras de oposições, evocando o descentramento do sujeito, da história, da

ficção e da teoria. Problematizar, nunca propor soluções, é a contradição do pós-modernismo.

O lugar desse debate é:

[...] A metaficção historiográfica sempre afirma que seu mundo é deliberadamente fictício e, apesar disso, ao mesmo tempo inegavelmente histórico, e que aquilo que os dois domínios têm em comum é sua construção no discurso e como discurso (HUTCHEON, 1991, p. 184).

Ao revelar a natureza discursiva da Metaficção Historiográfica, existe a necessidade

de especificar como ela ocorre na narrativa ao reportar-se ao paradoxo da relação entre ficção,

história e o enquadramento do leitor, além de uma rápida abordagem sobre a nomenclatura.

Para começar, o termo metaficção não é muito debatido no decorrer do livro. Por isso,

segue duas definições prévias. Podemos entender a metaficção como sendo uma tentativa de

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superar a construção literária tradicional, com o objetivo de subverter os elementos narrativos,

tendo como estratégia a elaboração de um jogo intelectual entre a linguagem e as formas

literárias, assim desafia o leitor e suas concepções sobre história e ficção.

[...] A menudo se suele entender por «metaficción» los comentários del narrador sobre o proceso de creación. Conviene aclaras qué puede entendrse por metaficción. És uma forma específica de la metatextualidade, es decir, la serie de condiciones que constituyen la lectura y la produccón de um texto em El contexto de uma cultura o período histórico determinado (PASERO, 2000, p. 165, grifos do autor).

Nestas estruturas incluir-se-iam [...] quer intromissões ou manipulações de índole mais sub-reptícia mas que, de qualquer modo, e na medida em que também elas interrompem a linearidade do fluxo narrativo, chamam a atenção para o facto de que, efectivamente, se trata de ficção (ARNAUT, 2002, p. 239-40).

A metaficção abre espaço para a contestação do caráter subjetivo da escrita literária e,

consequentemente, da história como narrativa. Um recurso muito usado na ficção

contemporânea, tendo como objetivo demonstrar e revelar as estratégias narrativas para o

leitor perceber os artifícios tradicionais de estruturação da escrita, de modo a refletir sobre a

natureza discursiva e ficcional dos relatos.E por historiografia, simplesmente tida como a

escrita da história, contemporaneamente não é só isso, inclui também, o confronto de várias

escritas como define Silva (2001, p. 279): “Os estudos historiográficos gerais [...] pela

natureza própria do trabalho estabelecem uma periodização específica e por força dessa

mesma periodização tratam de opor ou contrastar escolas históricas ou autores entre si”.

Se pensarmos no termo Metaficção Historiográfica ele tem um duplo poder de

reflexão: primeiro o papel auto-reflexivo do poder narrativo jogando com a linguagem, a

ficção e a memória; em segundo, com o confronto da escrita da história, com vozes diferentes,

que não se excluem, Hutcheon (1991) une complexamente as problemáticas da

autoconsciência da metaficção e as versões da história.

Como o termo metaficção está associado á criação literária, o termo historiografia,

logicamente, remete a escrita da história. A crise no mundo dos historiadores tradicionais e o

nascimento das incertezas sobre verdade, as diferentes concepções de documento e a falha em

objetivar o discurso da história fizeram nascer o novo conceito de historiografia. Le Goff

(2003, p. 28) escreve que a nova: “[...] historiografia surge como consequência de novas

leituras do passado, plena de perdas e ressurreições, falhas de memória e revisão”. Ganha uma

Page 31: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

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dupla identidade, pois, mesmo as contestações de caráter objetivo não nega seu papel na

sociedade, hoje caminha por estradas que se cruzam simultaneamente.

Inicialmente a historiografia servia para separar na escrita o passado e o presente,

dividir os períodos históricos, na contemporaneidade foi levada a considerar e refletir seu

processo de escrita como determinado por ideologias. Sobre esse movimento Certau (2007, p.

22) comenta: “[...] a historiografia envolve as condições de possibilidades de uma mesma

produção, e o próprio assunto sobre o qual não cessa de discorrer”, já que o historiador está

inserido em um contexto com debates acalorados sobre as condições do real e a construção

das narrativas.

Como o próprio nome deixa evidente a Metaficção Historiográfica evidencia o

processo narrativo e por isso incorpora textos literários e históricos. Embora tenha algumas

características semelhantes não é um romance histórico, não trata a relação entre ficção e

história de forma simples (ficção é mentira e história é verdade). As especificidades entre

literatura e história não é uma característica exclusiva da contemporaneidade, com o decorrer

do tempo, porém, se tornaram problemáticas, ora distanciadas, ora aproximadas.

2.1 O “romance” da Metaficção Historiográfica: em “Terra Papagalli”

“[...]contudo, repito, se a arte padece, a intenção merece respeito” (ASSIS, 1959).

Para exemplificar como as questões da Metaficção Historiográfica são tratadas em um

romance pós-moderno, farei uso de “Terra Papagalli” (2000), dos autores José Roberto Torero

e Marcus Aurelius Pimenta, partindo do princípio de que não é possível apontar em um único

romance todas as características mencionadas por Hutcheon (1991). Aqui será feito um breve

levantamento das marcas do pós-modernismo à luz da Metaficção Historiográfica, com o

intuito de atender ao segundo objetivo deste trabalho.

Devido às especificidades metodológicas do romance pós-moderno faz-se necessário

uma distinção entre romance histórico, romance pós-modernista e Novo Romance. No século

XIX com o nascimento do romantismo histórico, caracterizado por usar um período ou

personagens históricos como pano de fundo para criar, inventar histórias. O enredo do

romance histórico tem caráter educativo como afirma Soares (2000, p. 204):

O romance histórico surge no contexto da série de transformações sociais e econômicas da Europa que repercutem na afirmação e popularização do

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nacionalismo, passando a integrar o “elenco das grandes narrativas de consolidação do sentimento nacional e de legitimação do impulso universalizante do Ocidente” (grifos do autor).

Para Hutcheon (1991), a atual relação entre ficção e história na literatura diferencia-se

do que conhecemos por romance histórico. Pois, a mútua relação de inclusão e negação do

fato histórico na narrativa literária é uma das maneiras pós-modernistas de reelaborar o

passado e atribuir sentido ao real. Ela firma que tradicionalmente “ficção histórica” é uma

forma clássica de interrelacionar história a literatura, definida: “[...] como aquela que segue o

modelo da historiografia até o ponto em que é motivada e posta em funcionamento com uma

noção de história como força modeladora (na narrativa e no destino humano)”

(HUTECHEON, 1991, p. 1551 grifos do autor).

A questão da distinção entre romance histórico e Metaficção Historiográfica não é

esgotada pela autora, ela toma as abordagens de (LUKACS, 1962 apud HUTHCEON 1991, p.

151): “[...] o romance histórico poderia encenar o processo histórico por meio da

apresentação de um microcosmo que generaliza e concentra”. Portanto, a personagem

principal deve representar tanto o todo quanto o particular de uma sociedade, se históricos,

são jogados para o plano secundário na tentativa de “autenticar” o mundo ficcional. Os

detalhes são usados apenas para proporcionar a veracidade (verificabilidade) histórica.

Na Metaficção Historiográfica os personagens principais são sempre ex-cêntricos, até

mesmo quando o protagonista da narração da história assume uma dimensão diferente,

irônica, sem pretensão à universalização. Incorpora os detalhes, não na tentativa de obter

verificabilidade, mas usando os detalhes para contestar as falhas na narração da história,

mostrando o não reconhecimento do: “[...] paradoxo da realidade do passado, mas sua

acessibilidade textualizada para nós atualmente” (HUTCHEON, 1991, p. 152, grifos do autor)

As personagens são usadas como meio para questionar as versões da História com sua

pretensão à verdade universal.

Além das Metaficções Historiográficas existem outros tipos de romances como o

romance “não-ficional” ou “Novo Jornalismo” nascido na década de 60: trata-se de: “[...] uma

forma narrativa documentária que utiliza deliberadamente técnicas de ficção de maneira

declarada e não costuma aspirar à objetividade na apresentação” (HUTCHEON, 1991, p.

153). Esse tipo de romance assemelha-se a Metaficção Historiográfica por sua

provisioriedade, metaficionalidade, forma e, às vezes, conteúdo. Mas, difere por sua volta ao

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passado recente, criticando quem define a verdade, a subjetividade, no sentido de impor a

opinião, o ponto de vista do autor sobre os fatos.

A Metaficção Historiográfica ao enfatizar momentos e personagens históricos

específicos na composição de romances aborda toda uma gama de marcas da escrita

contemporânea como: a crítica a versão oficial da história, questiona as centralizações, as

hierarquias, os sistemas fechados, os limites entre ficção e história. Duvida de toda e qualquer

demonstração única de verdade e sentido universal, afinal, a ficção pós- modernista não tem o

papel de refletir ou copiar a realidade e sim de propor novas leituras do real que não anula ou

exclui as existentes, só acrescenta outras possibilidades ao real.

Em Terra Papagalli (2000), obra em que a problemática entre ficção e história é muito

presente, pois se trata de uma “Narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada,

soberba, invejável, cobiçosa e gulosa história do primeiro rei do Brasil ou Terra Papagalli”

(TORERO & PIMENTA, 2000). Conta a história de Cosme Fernandes, O Bacharel da

Cananéia, com muitas informações sobre a “descoberta” do Brasil aos primeiros contatos com

os gentios e os primeiros colonizadores.

A estrutura do romance Terra Papagalli (2000) conta com a inserção de um dicionário

em que se encontram reunidas algumas das palavras da língua tupiniquim; um bestiário, em

que são relatados alguns animais estranhos encontrados no Brasil; e um diário de bordo,

escrito pelo próprio Cosme, durante a viagem. Embora os capítulos sejam organizados,

mesclando carta e diário, a narrativa é uma carta que Cosme Fernandes escreveu ao Conde de

Ourique sobre quem ficamos sabendo, ao final da narrativa, ser seu filho.

Uma releitura crítica da “descoberta do Brasil”, o protagonista é Cosme Fernandes, um

degredado português, apelidado de Bacharel, que assume, no romance, o papel de descobridor

das terras brasileiras: a “Terra dos Papagaios”. Cosme Fernandes, juntamente com mais seis

degredados, são deixados na nova terra para aprenderem a língua dos gentios, assegurando

assim, os interesses da Coroa Portuguesa. Após alguns dias na ilha, e a superação de muitas

dificuldades os sete são capturados pelos índios e por eles conduzidos à tribo Tupiniquim

onde passam a constituir família com as gentias.

Com o tempo, conquistam a confiança de toda a tribo, inclusive do chefe Piquerobi,

Cosme Fernandes, que por meio de estratégias de guerra leva a tribo dos Tupiniquins a

sucessivas vitórias sobre outras tribos inimigas, começa a construir um porto batizado de

“Paraíso”, no qual ele dá início à prática da comercialização de índios prisioneiros, sendo,

depois de alguns percalços, conhecido como o Bacharel da Cananéia por fundar um porto

ainda maior na vila de Cananéia que ele próprio construiu.

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34

2.2 A forma narrativa: narrar, contar é escolher um ou outro

No romance “Terra Papagalli” (2000) a personagem Cosme Fernandes conta sua

versão para o “achamento” do Brasil, adotando como estrutura uma carta para fazer conhecer

a si e a sua história ao receptor. A narração é feita mesclando as formas de um diário e uma

carta, contada em primeira pessoa, com um narrador autodiegético, ou seja “o personagem-

narrador é o protagonista da história”, segundo D’Onofrio (1999, p. 64). Este acumula o papel

de sujeito da enunciação e do enunciado, narra sob a ótica pessoal os fatos, as personagens, as

brigas e as representações do tempo e do espaço. O tempo da narrativa é diegético,

cronológico, o herói conta sua trajetória de vida desde a infância.

Linda Hutcheon (1991), fala de duas formas narrativas principais na Metaficção

Historiográfica que caracterizam a idéia de subjetividade nos romances: a primeira é a

abordagem dos múltiplos postos de vista, e a segunda a do narrador onipotente. No caso do

texto em estudo não existe a perspectiva dos múltiplos pontos de vista, pois o narrador-

personagem e protagonista exibe sua opinião sobre os acontecimentos, ele escolhe o que deve

ser contado, o que é ou não importante. Afirma sempre a veracidade dos fatos e essa

preocupação é um indicativo de subjetividade e fragilidade da narrativa.

Digníssimo senhor conde, durante a viagem que fiz pelo mar Oceano pude dispor de algum papel de palha e um resto de tinta, com o que escrevi um pequeno diário de bordo. Tomarei a liberdade de acrescentar tais páginas a esta carta, pois acredito serem a mais eficaz e eloqüente descrição daquelas dias. Talvez falte um pouco de estilo na escrita, mas em troca tereis o frescor dos sentimentos in petto e das observações in loco (TORERO & PIMENTA, 2000, p.22, grifos do autor).

A subjetividade é marcada pelo narrador que pode tudo desde a inserção de um diário

para atribuir veracidade a narrativa, deixando o leitor desconfiado de suas intenções, de seu

verdadeiro propósito. Mesmo admitindo conhecer tudo que conta pela experiência, seu tom

irônico prepara o espírito do leitor para as contradições que seguirão, entre o dito no romance

e o conhecimento prévio da História.

Na forma narrativa da Metaficção Historiográfica não se tem um sujeito capaz de

conhecer o passado com certeza. Uma opção para não atribuir verificabilidade é o uso da

memória, que é subjetiva, fragmentária e manipulável ideologicamente, a exemplo da

memória coletiva. Para Marilena Chauí (2003) o processo de memorização é objetivo e

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subjetivo. Objetivas são as atitudes-físico-fisiológicas, e subjetivas a importância do fato para

nós. Essa seleção natural afirma que a memória é uma representação do passado, como pontos

em comum, porém nunca será a mesma para todos, pois cada ser atribui valor a fatos de forma

pessoal. No romance, a memória tem a função de organizar os fatos históricos e pessoais do

narrador:

Continuo então a narrar minha história naquelas distantes terras, mas servindo-me agora apenas da memória. Garanto-vos que tudo será verdade, apesar de muitas páginas parecerem copiadas desses livros de aventuras que se vendem pelas feiras (TORERO & PIMENTA, 2000, p.43).

Cosme Fernandes usa a memória para recriar fatos vividos, logo a rememoração entra

em cena como afirma Gagnneb (2001, p. 91): “[...] pois não se trata somente de não esquecer

do passado, mas também de agir sobre o presente, não sendo um fim em si, visa à

transformação do presente”. A memória é usada para dar sentido ao passado e fazer se

conhecer para a posteridade, dessa forma, fica evidente o caráter subjetivo desse

conhecimento. Ao recriar fatos, inevitavelmente, fazemos uso de nossas funções imaginativas

para preencher os detalhes que não tiveram importância para nós. Quando se trata de literatura

e história o uso imaginativo permeia a preocupação de vários teóricos:

Se retornarmos então ao debate teórico entre história e literatura, é preciso admitir que a produção na linguagem da verossimilhança, a colocação estratégia do ‘efeito de crença’ buscando o apoio sobre a vontade de fazer crê que as coisas ‘se passaram realmente assim’, esta produção deve-se menos a uma suposta exatidão dos fatos que a ‘função imaginária’ que preenche o verossímil na construção da consciência individual e social (LEENHARD, 1998, P.42-3, grifos do autor).

A imaginação adentra a história e a ficção, faz parte do convívio social do ser humano,

com a descrença nas grandes narrativas como forma de explicar o mundo. Fomos levados a

unir os pequenos fragmentos das histórias e ficções dos marginais para atribuir sentido ao que

antes era explicado por uma ideologia centralizadora e binarista. O sujeito que reconstrói sua

história em “Terra Papagalli” (2000) é um degredado, participou do descobrimento por acaso,

um ex-cêntrico. Assim como Hutcheon (1991) afirma acontecer na Metaficção

Historiográfica, o protagonista recria de forma irônica uma história com seu ponto de vista,

usando fatos históricos como fonte. Ao narrar sua vida, narra a si mesmo e a história, fazendo

inferências e preenchendo lacunas.

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Hall (2006) também debate sobre o sujeito e a identidade cultural, ou melhor, sobre

sua fragmentação, descentralização, problematização. Para ele, os processos de mudança na

sociedade provocaram a provisoriedade da identidade cultural, o sujeito não é mais visto

como sendo unificada o e estável: “[...] assume identidades diferentes em diferentes

momentos, identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de tal modo que

nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2006, p. 13).

O sujeito cartesiano (branco, homem e europeu) em “Terra Papagalli” (2000) é

ironizado, o colonizador não tem as características dos heróis românticos: bom, belo,

corajoso. Ora assume posição de líder, por imposição do destino, ora é medroso e se faz de

vítima, segundo a narrativa, quando estabiliza seu poder econômico e social, seu rival (Lopo

de Pina), consegue uma forma de usurpar o “pobre do Cosme”. O “Bacharel” é manipulador:

“Minha história é muito desventurada e dói-me o peito a cada vez que nela penso, mas, como

sei que queres ouvi-la, vou contá-la para ti” (TORERO & PIMENTA, 2000, p. 14), em toda a

narrativa atribui aos seus colegas a má sorte, a culpa de suas desventuras, além de apresentar,

desde o início, aquele que irá se tornar seu carrasco sempre como homem corrupto.

Esse Lopo de Pina, de quem ainda muito falarei, parecia conhecer todas as cantigas desonestas que há no mundo e era dado a zombarias (TORERO & PIMENTA, 2000, p.21).

Sobre este já falei um tanto e acrescento apenas que tinha por defeito nunca conformar-se com seu estado. Se lhe dessem pão, agasalho e vida honesta, não lhe davam nada. Queria ser rico, vestir gibões de Castela, ter mulher fidalga e escravos. Dava ordens com gosto e as ouvia com azedume.Também tinha inveja da sorte alheia, tanto que se visse um outro com roupa melhor ou mulher mais bela, logo as desejava para si. (TORERO & PIMENTA, 2000,p.49).

O narrador-personagem faz-nos sentir com piedade, conversa com seu interlocutor e

deixa sempre claro que se trata de uma narrativa verídica: “[...] essas são, senhor, as palavras

tais como ela disse [...]” (TORERO & PIMENTA, 2000, p.14). Uma voz envolvida no que

narra, usa da estrutura em primeira pessoa para movimentar suas emoções e sentimentos, além

de diminuir a distância entre o fato narrado e o leitor.

2.3 A função da linguagem e as estratégias de representação: narrações do Brasil

“O tempo temperou”. (ROSA, 1988, p. 107).

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37

Segundo Hutcheon (1991) as questões ligadas à identidade e subjetividade entram pela

representação, pela referência e pela linguagem, pois a relação entre literatura, história e

realidade na literatura pós-modernista usa um modelo teórico modernista (auto-

representação), que separa a linguagem literária da referência, – a literatura se refere ao

mundo ficcional. Porém esse modelo é transposto ao incluir textos históricos em romances,

quebra-se a auto-representação, sendo que o texto histórico se refere ao real, instala-se o

paradoxo pós-moderno. Ao incluir a problemática da linguagem na referência:

“[...] a ‘realidade’ a que se refere à linguagem da metaficção historiográfica é sempre, basicamente, a realidade do próprio ato discursivo (daí sua designação como metaficcional), mas também a realidade de outros atos discursivos do passado (historiografia)” (HUTCHEON, 1991, p. 194).

A problematização da referência e da representação ligada à história pelo pressuposto

de que “as palavras se referem a signos pré-fabricados”, por isso a Metaficção Historiográfica

contesta toda a concepção simplista de representação. Já que a história como discurso não

representa o real, no processo de criação usa a natureza imaginativa para atribuir sentido ao

passado e presente.

O historiador também só pode escrever conjugando, nesta prática o ‘outro’ que o faz caminhar é o real que ele não representa senão por ficções. Ele é historiógrafo. Endividado pela experiência que tenho disto gostaria de homenagear está escrita da história (CERTEAU, 2007, p. 26, grifos do autor).

As teorias que estudam a arte pós-moderna e as constatações dos pressupostos do

humanismo têm a preocupação com a representação, a relação de subjetividade e como o

sujeito é representado na cultura e na literatura. O tratamento dado ao indivíduo como um ser

descentrado que constrói a si mesmo e ao mundo, usando referências textuais e contextuais,

tornando-se eminentemente social como representante de minorias diversas. “[...] eles

ensinam, por exemplo, que a representação não pode ser evitada, mas pode ser estudada a fim

de demonstrar como legitimiza certos tipos de conhecimento e, portanto, certos tipos de

poder” (HUTCHEON, 1991, p. 298).

Com o caráter social e político na representação dos sujeitos a problemática é

ampliada, se na literatura modernista existe uma separação: “aquilo a que a história se refere é

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o mundo real; aquilo a que a ficção se refere é um universo fictício” (HUTCHEON, 1991, p.

198). No pós-modernismo a história é vista como um intertexto, compartilhando com alguns

teóricos que a literatura não passa de uma referência do texto para o texto. A Metaficção

Historiográfica como super discursiva problematiza uma relação de referência com o mundo

histórico, ela insere a referência ao abrir as portas para a história e a nega ao atribuir

ficcionalidade aos dois mundos (o real e o fictício).

Na representação feita por Torero e Pimenta (2000), os índios são comumente tratados

como diferentes dos portugueses por terem costumes e uma organização social peculiar, sua

língua é um símbolo da estrutura cultural tupiniquin. Mas nem por isso os autores os tratam

como os livros de História, ou a Carta de Caminha (1999, p. 58-9): “Mas, o melhor fruto que

nela se pode fazer, me parece, que será salvar esta gente, e deva ser principal semente que

Vossa Alteza nela deve lançar”.

Relendo a ultima linha da folha anterior, percebi que aprender alguma coisa desta língua dos tupiniquins pode ser de muita valia caso o senhor cometa um dia o desatino de vir um dia a essas terras da gentilidade. Primeiramente, devo dizer que este idioma não possui os sons de “F”, “L” e “R” forte, pelo que há quem diga que ao tupiniquins não têm nem fé, nem lei, nem rei, o que é grande truanice, pois em Portugal temos o “F” e há mulheres que não são fiéis, temos o “L” e há súditos que não são leais, e temos o “R” forte mas são poucos os que agem pela razão (TORERO & PIMENTA, 2000, p.67, grifos do autor).

Se na Carta de Pero Vaz de Caminha os índios precisam ser salvos, simplesmente por

terem uma crença religiosa diferente, em “Terra Papagalli” existe uma inversão dos valores e

uma crítica à hipocrisia da sociedade portuguesa. Como discurso, a linguagem não pode

escapar a apresentação de uma ideologia tanto na Carta quanto no romance, porém com

perspectivas distintas, diferentes sentimentos em relação ao índio. Na ficção “as

representações não possuem um conteúdo intrisecamente ideológico, mas executam uma

função ideológica na determinação do sentido” (WALLIS apud HUTCHEON, 1991, p. 298).

Sobre o problema da referência pós-moderna e sua atribuição da não referencialidade

entra em contradição, principalmente nas produções metaficcionais, devido a suas estratégias

de escrita englobando os textos históricos.

[...] percorrida por malabarismos sintáticos-formais [...]. Essas práticas redundariam não apenas uma estilização extrema mas, pela aliança com comentários metaficcionais, que de modos diversos chamam a atenção do/e para a sua própria construção, seriam, também, as grandes responsáveis pela

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desestabilização, senão pelo curto curto-circuito da relação texto-mundo (ARNALT, 2002, p. 220).

Para ela a realidade passa, principalmente, pela realidade do processo criativo,

permeado de estratégias que aproximam e ao mesmo tempo afastam a relação mundo texto. A

tentativa ingênua de reflexo, de mimese deve ser entendida como uma “metáfora de fronteiras

fluidas”, já que toda tentativa de reproduzir a realidade passa pela subjetividade do criador.

Linda Hutcheon (1991), aponta diferentes conceitos de referência: primeiro, o que

difere o mundo histórico do mundo fictício é a intencionalidade do historiador e do

romancista, pois na ficção há a sobreposição da verdade e falsidade; segundo, não nega

referencia à ficção, mas atribui a ela um referencial distinto; terceiro, não nega um referente à

linguagem, mas só é acessível pelo texto, questiona a redação da história e separa fato de

acontecimento, para dizer que:

O que a metaficção historiográfica faz é restabelecer o significado por meio de sua auto-reflexividade metaficcional em relação à função e o processo de geração de sentido enquanto, ao mesmo tempo, não deixa desaparecer o referente. No entanto, esse tipo de ficção pós-moderna também se recusa a permitir que o referente assuma qualquer função original, qualquer função de alicerce ou de controle (HUTCHEON, 1991, p. 193).

A auto-refelexividade da ficção pós-moderna não se encaixa nem nega nenhuma

definição de referente, apenas problematiza. Nas Metaficções Historiográficas são múltiplos

os tipos de referências, por isso, Hutcheon (1991), fala de “rotas de referências” que é a união

de diferentes teorias de referência.

Para Linda (1991) a linguagem tem o poder de construir e não só de descrever o que é

representado, tanto na história quanto na literatura. As duas são construções linguísticas, mais

simples em relação à narração e aos mecanismos de composição dos discursos históricos e

literários. Recai sobre a Metaficção Historiográfica o papel de demonstrar através dos jogos

de linguagem que só inseridos em um contexto, perceptível pelo leitor, os sentidos são

construídos e desconstruídos no interior de uma obra.

2.4 A intertextualidade paródica: os usos, abusos do outro e suas verdades

Os romances pós-modernistas ou as Metaficções Historiográficas problematizam em

suas estruturas narrativas questões de identidade, subjetividade, representação,

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intertextualidade, ideologia, passado, presente e, principalmente, o caráter subjetivo da escrita

da história. E para Hutcheon (1991), a melhor maneira de inserir tais temáticas é usando e

abusando da “intertextualidade paródica”, assim pode-se manipular os diferentes tipos de

textos nas construções narrativas, usufruindo de textos literários e não literários, uma das

formas de incorporar literalmente o passado textualizado no texto do presente é:

[...] a paródia é uma forma pós-moderna perfeita, pois, paradoxalmente incorpora e desafia aquilo a que parodia. Ela também obriga a uma reconsideração da idéia de origem ou originalidade, idéia compatível com outros questionamentos pós-modernos sobre os pressupostos do humanismo (HUTCHEON, 1991, p. 28).

A paródia é a forma pós-moderna de confrontar passado e presente em uma relação

de diálogo entre ficção e história, mudando as posições de significação e criação do sentido,

demonstrando sua transitividade e aparente construção ideológica. Assim, usa a ironia para

criticar e incorporar a perspectiva das margens à do centro. Não no sentido de substituição,

mas de dependência e caracterização ideológica, pois os dois discursos (do passado e do

presente) estão inseridos em um contexto sócio-histórico.

Um dos teóricos mais estudados na atualidade sobre o conceito de paródia, é Mikhail

Baktin, resumidamente pode ser definido como o uso da linguagem do outro em diferentes

situações, sem que exista uma perda no sentido do primeiro, dando uma conotação ambígua e

irônica dentro de um contexto particular. Nas palavras de Baktin (2002, p.194): “[...] a paródia

pode ser um fim em si mesma (a paródia literária enquanto gênero, por exemplo) [...]. Mas, a

despeito de todas as possíveis variedades do discurso parodístico, a relação entre o autor e a

intenção do outro permanece a mesma”.

As posições de Baktin (2002) se aproximam da proposta de Hutcheon (1991), no que se

refere à autorreflexividade, o texto parodiado não faz referência ao texto original, mas a

percepção do leitor é acionada ao deparar com representações de forma inusitadas de um texto

canônico, seja literário ou histórico. Pois os dois não são desligados do discurso e para ter

sentido é preciso estabelecer uma relação dialógica entre ambos. Essa responsabilidade é do

leitor, pois sem o seu conhecimento histórico e literário não existiria a paródia.

Assim, a Metaficção Historiográfica, segundo Hutcheon (1991), é duplamente

contraditória com uma “paródia seriamente irônica”, afirma que o passado só pode ser

conhecido por textos históricos e literários, contesta conceitos ingênuos de representação, exige

uma participação ativa do leitor, familiariza o que não é comum a história.

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Para inserir textos parodicamente na literatura é necessário acionar a intertextualidade,

assim, a paródia será eficiente em seu papel de subverter a literatura e a história com os

intertextos:

A intertextualidade pós- moderna é uma manifestação formal de um desejo de reduzir a distancia entre o passado e o presente do leitor e também de um desejo de reescrever o passado dentro de um novo contexto. (HUTCHEON, 1991, p. 157).

O termo intertextualidade é atribuído a Julia Kristeva, segundo Perrone-Moisés

(1993, p. 61):

“Todo texto é absorção de uma multiplicidade de outros textos”, na esteira de Bakhtine10. Entende-se por intertextualidade este trabalho constante de cada texto com relação a outros textos, esse imenso e incessante diálogo entre obras que constitui a literatura (grifos do autor).

Pelo caráter plural, a intertextualidade é a melhor forma de introduzir a paródia na

literatura, por isso, Hutcheon (1991) prefere usar o temo “intertextualidade paródica” como a

característica mais marcante da Metaficção Historiográfica. Para ela esse termo vai além do

conceito simples de paródia e intertextualidade como uma variante textual. É entendido como

um efeito de descentramento no sentido de problematizar as noções de imparcialidade do

texto.

A paródia em “Terra Papagalli” (2000), se constrói a partir de textos históricos e

literários específicos, ou fatos históricos conhecidos popularmente. Aqui, serão analizados os

três principais intertextos: a paródia dos dez mandamentos bíblicos, da “Carta de Caminha”

e, ainda, da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

O que se pode observar na paródia dos mandamentos bíblicos se aproxima da

definição de paródia de Sant’Anna (,1999, p. 29-30, grifo do autor): “[...] a paródia foge ao

jogo de espelhos e colocando as coisas fora de seu lugar ‘certo’. [...] é uma disputa aberta do

sentido, uma luta, um choque de interpretação”. No que se refere à escrita dos dez

mandamentos criados por “Cosme” para bem viver na “Terra dos Papagaios”. Os autores

apropriam-se dos dez mandamentos bíblicos e os subvertem ironicamente, de forma que a

10 Corresponde à grafia do livro “Texto, crítica e escritura” da autora Leyla Perrone-Moisés (1993).

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paródia passasse a servir-lhes como instrumento de denúncia social. Como fica evidente no

primeiro e último desses mandamentos:

Na terra dos papagaios é preciso saber dar presentes com generosidade e sem parcimônia, porque os gentios que lá vivem encantam-se com qualquer coisa, trocando sua amizade por um guizo e sua alma por umas contas (TORERO & PIMENTA, 2000, p. 58). É o resumo de meu entendimento é que naquela terra de fomes tantas e lei tão pouca, quem não come é comido (TORERO & PIMENTA, 2000, p. 189).

Primeiro ao apresentar interesse dos gentios por presentes em troca de amizade, os

autores remetem ao mesmo interesse para um campo mais amplo, para a sociedade brasileira

contemporânea, servindo de crítica ao suposto comportamento semelhante do povo da “terra

dos papagaios”. Uma segunda associação pode ser feita ao último mandamento, lembra as

características do atual sistema neo-capitalista, implantado nas sociedades globalizadas, não só

no Brasil.

A ironia dos mandamentos lembra outra definição de paródia: “Ao discurso parodístico

é análogo o emprego irônico e todo ambíguo do discurso do outro, pois também nesses casos

esse discurso é empregado para transmitir intenções que lhe são hostis” (BAKHTIN, 2002, p.

195). No sentido atribuído por de Linda Hutcheon (2000): “[...] a ironia consegue funcionar e

funciona taticamente a serviço de uma vasta gama de posições políticas, legitimando ou

solapando uma grande variedade de interesses [...] uma estratégia discursiva que opera no nível

da linguagem”.

Podemos observar que a paródia retoma ironicamente textos históricos e literários, fatos

históricos assumem novos sentidos, pois as alterações presentes no discurso literário permitem

duvidar, questionar e até mesmo desacreditar da História Oficial. Segundo Sant’ Anna: “Ora, o

que o texto parodístico faz e exatamente é uma re-apresentação daquilo que havia sido

recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o convencional. É um processo de liberação do

discurso. É uma tomada de consciência crítica” (1999, p. 30).

Com relação à Carta de Pero Vaz de Caminha (1999), foi destinada ao rei de Portugal

D. Manuel e relata, com minúcias, desde a chegada da esquadra de Cabral em terras brasileiras,

até as peculiaridades encontradas. Parodiando essa carta, Cosme Fernandes em “Terra

Papagalli” (2000) escreve ao seu filho, Conde de Ourique, as suas aventuras e infortúnios na

“Terra dos Papagaios”. No entanto, as narrativas de seu diário de bordo não apenas retomam a

Page 43: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

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Carta de Caminha como também alteram muitas das informações contidas na narrativa

histórica.

E na quarta-feira seguinte, pela manhã (22 de abril de 1500) topamos aves a que chamam de fura-bucho e, neste mesmo dia, a horas de véspera houvemos vista de terra. A saber, primeiramente dum grande monte, muito alto e redondo de outras serras mais baixas ao sul dele e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o Capitão pôs nome de Monte Pascoal, e à terra de Terra de Vera Cruz (CAMINHA, 1999, p.38).

Isto era por volta da hora nona e aconteceu que um soldado deu-me um pontapé e mandou-me ir consertar uma vela que tinha-se rasgado. Subi até o cesto de gávea e então aconteceu algo de que muito me orgulho [...] e foi isso que avistei ao longe o cume de um monte e depois dele, logo atrás, umas serras. Com toda força gritei então: ‘Terra à vista!’ [...] que o capitão Cabral deu por bem nomear Vera Cruz (TORERO & PIMENTA, 2000, p.37) (grifo do autor).

O texto parodiado não faz referência à autoria do achado da nova Terra, embora conte a

História oficial que esse feito é atribuído a Cabral. No romance de Torero e Pimenta, um

degredado aparece como descobridor e essa “descoberta” acontece por ocasião de um fato

banal: a ordem que Cosme Fernandes recebera de consertar uma vela que se tinha rasgado. Essa

“informação” literária nos instiga a questionar a confiabilidade de um relato histórico escrito há

mais de meio milênio, mas que só foi publicado mais de três séculos depois de sua criação.

Na concepção de Linda Hutcheon: “[...] A paródia não é a destruição do passado; na

verdade, paródiar é sacralizar o passado e questioná-lo ao mesmo tempo” (HUTCHEON, 1991,

p. 165). Uma forma de enxergar o que passou despercebido aos olhos comuns, por muito tempo

agora é foco de debates acalorados. A História já não é mais vista como uma verdade única e

sim como um conflito de versões múltiplas.

Finalmente, falemos sobre a paródia do poema “Canção do Exílio” (1999) em “Terra

Papagalli” (2000). O poeta Gonçalves Dias é um representante da poesia da primeira geração

do Romantismo ao escrever, em 1843, quando se encontrava exilado em Portugal, um dos

textos mais parodiados da contemporaneidade, “Canção do Exílio”, o consagrou na história da

Literatura como sendo um poeta do nacionalismo romântico. No romance de Torero e Pimenta,

porém, esse poema é parodiado, sendo sua autoria atribuída a Jácome Roiz, um dos seis

degredados que foram deixados na “ilha” juntamente com “Cosme”.

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores

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Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o sabiá (DIAS, 1999, p. 90). Não permita Deus que eu morra Em outra terra que não cá; Sem que desfrute os amores Que não encontro por lá; Sem u’inda aviste as palmeiras E cozinhe um sabiá (TORERO & PIMENTA, 200, p. 108-9).

Jácome Roiz, diferentemente de Gonçalves Dias, escreve não por sentir saudades de

sua pátria, mas por sentir-se satisfeito no seu degredo, uma vez que a terra em que ele se

encontra oferece-lhe desfrutes dos quais não se encontraria em terras portuguesas. Se para

Gonçalves Dias o contentamento estava em desfrutar os “primores” e ouvir “cantar” o sabiá,

para Jácome Roiz o contentamento estava em desfrutar os “amores”, isto é, as gentias, e

“cozinhar” um sabiá.

Os textos parodiados no romance “Terra Papagalli” (2000), abrangem um contexto

histórico em que o fato parodiado se refere aos conhecimentos culturalmente consolidados na

memória dos brasileiros, já que conta a história de formação do povo e do país. Para Sant’Anna

(1999, p.26, grifos do autor), o conceito de paródia depende do leitor para se fazer

significativo: “[...] os conceitos de paródia [...] são relativos ao leitor. Isto é depende do

receptor [...] É preciso um repertório ou memória cultural e literária para decodificar os textos

superpostos”.

Nas paródias mencionadas, além de um desvio do discurso histórico documentado e

uma releitura do conceito ideológico da nação: denúncia do sistema governamental, que se

traduz nas relações de seu funcionamento quando, então, se achava em início de

desenvolvimento político. A Metaficção Historiográfica nos leva sempre a fazer um

questionamento sobre as muitas possibilidades de interpretação dos fatos históricos e literários.

Linda Hutcheon (1991, p. 147) afirma: “A ficção pós-moderna sugere que reescrever ou

reapresentar o passado na ficção e na história é – em ambos os casos – revelá-lo ao presente,

impedi-lo de ser conclusivo e teleológico”.

Para a Metaficção Historiográfica os fatos narrativos e históricos são escolhidos pelos

historiadores e autores dependendo de suas necessidades ideológicas e culturais, pois, todos

estão inseridos em um contexto, e assim, os acontecimentos deixam de ser um fenômeno

independentemente neutro e passa a um fato discursivo construído ao separar o conceito de

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fato e acontecimento. “[...] um ‘fato’ é definido em termos de discurso: um ‘acontecimento’,

não” (HUTCHEON, 1991, p. 298, grifos do autor). Questiona de quem é o discurso e como

ele afeta a sociedade.

Ela não quer validar ou refutar os pressupostos históricos, apenas quer saber como as

verdades universais são construídas, já que os acontecimentos só ganham significado quando

transformados em fatos pelas perguntas que fazemos, se nossas perguntas são cultural e

ideologicamente condicionadas. Na nova concepção de história fica evidente o seguinte:

[...] nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a acontecimentos que podem estar dele separados por milênios. O historiador consciente disso [...]. Ele capta a configuração em que sua própria época entrou em contato com uma época anterior, perfeitamente determinada. Com isso, ele funda um conceito do presente como um “agora” no qual se infiltram estilhaços do messiânico (BENJAMIN, 1994, p.232 grifo do autor).

Por isso, mais importante do que saber qual é a história que está sendo contada é saber

de quem é a história que se conta, se a dos dominados ou a dos dominadores; a dos vencedores

ou a dos vencidos. Quando a História aparece inserida de forma confrontada na ficção, não é

apenas o discurso histórico que vai sofrer “alterações”, mas também o leitor desses discursos

passa a ter uma visão questionadora em relação aos fatos históricos, antes vistos como

inquestionáveis.

Curiosamente, a “era da suspeita” acabou sendo também uma “era de confiança” na capacidade de a ficção desvendar sendas ocultas do real, justamente assumindo essa postura radicalmente crítica em relação ao poder mimético da palavra. Assumir a subjetividade e a precariedade no enfoque do real seria talvez uma forma menos ilusória e, portanto, mais eficaz de conhecer. (LEITE, 2001, p. 75).

As palavras de Leite (2001), expressão de forma simples e categórica o sentimento do

pós-modernismo, temos a união de duas esferas distintas mais uma contradição que leva ao

conhecimento. Não de forma ilusória como apresentado nas grandes narrativas modernas,

mais sim de maneira consciente, lembrando que estamos na era da transitoriedade, das

verdades e das narrativas ficcionais.

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CAPÍTULO III

3 A PROBLEMÁTICA DA METODOLOGIA DE PESQUISA

“Para descobrir e criar é preciso primeiro questionar” (DEMO, 1970, p. 34).

A curiosidade talvez seja um dos melhores atributos do homem, ela move a mente da

humanidade na busca de entender, resolver os problemas e as inquietações. Essa deve ser a

primeira característica impulsionadora para ser possível o desenvolvimento do ato de

pesquisa. Diretamente ligada à aquisição de conhecimento, segundo Pedro Demo (1970,

p.16), “Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo como princípio

educativo que é, a base de qualquer proposta emancipatória” (grifo do autor). Além de ser a

intermediária entre a instigante curiosidade e a obtenção do conhecimento.

A pesquisa nada mais é que a busca de soluções para um ou mais problemas, mesmo

estas soluções não sendo compatíveis com a proposta do pesquisador. Para Antonio Gil

(1991, p. 19), a pesquisa é considerada “como o procedimento racional e sistemático que tem

como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”. Uma pesquisa

elabora e partilha conhecimentos, através do estudo em profundidade de uma situação.

Para melhor delimitar as propostas e acompanhar as evoluções a pesquisa segue uma

definição, uma metodologia. Partindo do pressuposto de que a metodologia tem por proposta

ser um facilitador para o desenvolvimento da pesquisa e não uma imposição de limites,

porque como diz Oliveira Neto (2006), para fazer pesquisa é necessário capacidade,

competência humana e técnica. Formado o tripé da pesquisa, é preciso organização,

compromisso e seguir uma metodologia que possa orientar a investigação e a obtenção de

resultados.

3.1 A abordagem e o enfoque

O enfoque e a abordagem são as definições preliminares para conduzir e desenvolver

os objetivos propostos, esta pesquisa tem numa abordagem qualitativa, pois buscou como

meio principal de estudo das ciências sociais a compreensão da realidade e dos discursos

sociais. E também, por ser uma pesquisa que terá como base à investigação direta e a

descrição de fenômenos em que serão apresentados as ações e os registros de sujeitos.

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A pesquisa qualitativa tem como a principal característica o fato que segue uma

tradição na busca de interpretação e compreensão de um problema. Porque, de acordo com

Alves Mazzoti (2004, p. 131), “essas pesquisas partem do pressuposto de que as pessoas

agem de acordo com suas crenças, sentimentos, valores e que o comportamento de cada um

tem um significado que precisa ser desvelado”. Dessa forma a pesquisa qualitativa depende

do contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação investigada.

A escolha da abordagem fenomenológica tem por objetivo englobar as especificidades

da pesquisa em sua amplitude, pois procura analisar a realidade integralmente. “A

fenomenologia, [...] é um pensar a realidade [...] a busca do rigor e algumas concepções que

dizem da interpretação do mundo, como: fenômeno, realidade, consciência, essência, verdade,

experiência, a priori, categoria, intersubjetividade” (BICUDO, 1994, p.170). Por apresentar

um amplo campo de perspectivas, ao pensar a realidade e suas interpretações provam ser a

fenomenologia a melhor abordagem para a pesquisa.

3.2 O método, não os métodos de pesquisa

É muito difícil a escolha do método de pesquisa, pois este é necessário para o uso de

diferentes caminhos rumo a uma conclusão, além de ser fundamental para o bom andamento

de um estudo. Dessa forma, Oliveira Netto (2006, p. 17), afirma que o método: “significa o

caminho através do qual é possível encontrar a solução do problema proposto pela pesquisa”,

ou seja, um conjunto de práticas a serem seguidas na investigação para se chegar a seu

propósito.

Assim, o método utilizado é a pesquisa bibliográfica, enriquecida pela observação

participante, trata-se de “[...] uma estratégia de campo que combina simultaneamente a análise

documental, a entrevista de respondentes e informantes, a participação e a observação direta e

a introspecção” (DENZIN, 1978 apud LÜDKE E ANDRÉ, 1986 p.28). Esse método foi

escolhido, uma vez que eu, enquanto pesquisadora, intimamente ligada a situação estudada

quero investigar a influência de um método de análise literária nos estudantes de Letras

vernáculas, 2006.1, do Departamento de Educação - Campus XIV, do qual também sou

estudante e por me possibilitar o uso em conjunto de diferentes meios para coletar dados.

Sobre o uso de múltiplos meios de coleta de dados, Oliveira Netto (2006, p. 67) diz:

“Nas investigações em geral, não se deve utilizar apenas um método ou técnica [...], mas sim

todos os que forem necessários ou apropriados ao caso que se está estudando. Na maioria das

vezes, há a possibilidade de combinação de dois ou mais deles”. E a pesquisa em questão fez

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uso desse procedimento. Pois, por ser uma pesquisa voltada para a área de literatura utiliza-se

da pesquisa bibliográfica, acrescida do uso de outros mecanismos de coleta de dados com o

fim de verificar a hipótese.

Sendo assim, foram tomadas algumas direções para chegar a uma conclusão na análise

da temática, o primeiro passo a ser tomado foi uma pesquisa bibliográfica com o fim de situar

o contexto social dos sujeitos envolvidos e teoria em estudo que como enfatiza Marconi e

Lakatos (2002, p.71) “Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que

foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto” e manter a atualização das

informações da investigação. E também uma análise literária do romance “Terra Papagalli”,

para aplicação da teoria como forma de demonstrar suas características na prática.

Outro passo é a coleta de dados e para seguir os objetivos de forma ampla fez-se

necessário realizar uma pesquisa de campo que segundo Marconi e Lakatos (2002, p.83), “é

aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um

problema para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar,

ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre elas”. Os objetivos correspondem

com o que propõe o estudo descrito neste trabalho. A pesquisa de campo não é o principal

método da pesquisa ela é apenas mais um instrumento que auxilia a coleta de dados.

3.3 A técnica: instrumentos de coleta de dados

Para a definição dos instrumentos a serem usados na coleta de dados, depende do tipo

e da natureza da pesquisa, devido à variedade, a disposição do pesquisador. Por isso, é de

fundamental importância a seleção criteriosa desses instrumentos e não só uma boa proposta

ou a disponibilidade de recursos financeiros se não existe organização na coleta do material a

ser explorado.

Como não existe pesquisa sem instrumentos de coleta de dados, segundo Lakatos e

Marconi (2002, p.62), “Toda a ciência utiliza inúmeras técnicas na obtenção de seus

propósitos”, pois trata-se de um conjunto de procedimentos ou processos que conduzem.

Sendo que, para a realização dessa pesquisa, foram imprescindíveis a observação participante,

por ser realizada por meio de três técnicas: a observação direta intensiva, a análise

bibliográfica e literária e a entrevista, que possibilitaram a sistematização dos dados em

categorias e conduziram a análise do objeto de estudo.

Foram selecionados por meio de reflexão e leitura de teóricos sobre metodologia os

instrumentos utilizados para a coleta de dados, o primeiro foi à observação. Um passo muito

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importante por ser o impulsionador da curiosidade e proporcionar o contato com a situação

em estudo é “uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos

na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas

também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS E MARCONI,

2002, p.88).

A forma de observação realizada nessa pesquisa foi individual e o observador como

participante, consiste em “um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos são

revelados ao grupo pesquisado” (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p.29). Porém, ao mesmo tempo

em que tem acesso a várias informações sobre o grupo o mesmo pode manipular o verdadeiro

sentimento a respeito da situação em questão.

Apesar de ser uma técnica que permite obter informações em situações onde outras

formas de comunicação não são possíveis, também tem suas limitações devido ao intimo

envolvimento entre o observador e o observado. Sendo necessária muita cautela no registro

das informações pelo pesquisador e atenção redobrada na depuração dos dados.

As observações ocorreram durante as aulas sobre literatura, na Universidade do Estado

da Bahia-UNEB, Departamento de Educação-Campus XIV, na turma de 2006.1, durante o

período de agosto de 2008 a dezembro de 2009, no turno noturno.

Outro instrumento utilizado para a realização deste trabalho foi o questionário de

entrevista, por ser um instrumento básico e de registro tanto das inferências dos entrevistados

quanto do entrevistador, para obter informações sobre o assunto, de maneira recíproca, além

de proporcionar uma conservação de natureza profissional e processar verbalmente a

informação necessária.

Segundo Lüdke e André (1986, p. 34), “A grande vantagem da entrevista sobre outras

técnicas é que ela permite a captação da informação desejada, praticamente qualquer tipo de

informante e sobre os mais variados tópicos”. Com precisão, focalização, fidedignidade e

validade, por ser um instrumento que tem por objetivo a averiguação dos fatos, sendo

realizada com pessoas alfabetizadas ou não, também ser flexível e oferecer maior

oportunidade para avaliar as atitudes, a entrevista foi de fundamental importância nessa

pesquisa.

O tipo de entrevista realizada foi à estruturada, pois seguiu-se um roteiro previamente

estabelecido, com um entrevistado por vez e em espaço reservado, com o propósito de evitar a

manipulação e preservar o anonimato dos mesmos. A entrevista contou com um questionário

aberto com seis questões diretas. E o registro dos dados de identificação de cada estudante

Page 50: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

50

que não serão revelados no decorrer da pesquisa para evitar possíveis constrangimentos entre

os envolvidos.

Dessa forma, foram entrevistados no total 13 (treze) alunos, no período de 01 a 10 de

dezembro de 2009, com o tempo de duração de quatro a quatorze minutos, todas as entrevistas

ocorreram no próprio espaço da universidade, no turno da noite.

Para seguir o terceiro objetivo: constatar o posicionamento dos estudantes do curso de

Letras Vernáculas acerca do Discurso Oficial diante da leitura de obras com a abordagem da

Metaficção Historiográfica serão estudadas na análise de dados apenas as duas últimas

questões, pois são o enfoque da pesquisa, já que as quatro perguntas iniciais são de caráter

introdutório e revelam os aspectos que não são relevantes para a proposta deste trabalho,

contudo ficarão a disposição para um próximo estudo com o intuito de aprofundar a análise

que se segue.

Os estudantes entrevistados foram selecionados de acordo com a predisposição em

colaborar com o enfoque da pesquisa. Vale ressaltar que esta análise não procura explicar os

motivos do comportamento dos leitores, nem seus reflexos no âmbito acadêmico e teórico.

Essas especificidades poderão fazer parte de uma futura abordagem sobre o leitor. Aqui

apontarei apenas um levantamento para a confirmação ou não da hipótese de que os leitores

mudam sua opinião sobre a História oficial através da leitura de obras de Metaficção

Historiográfica. Os estudantes selecionados fazem parte da mesma turma, por tanto

participaram dos debates de textos sobre o assunto.

Todos os passos mencionados e os instrumentos de coleta de dados utilizados na

pesquisa, seguiram as concepções abordadas e foram de grande contribuição para a realização

desta, pois propiciaram uma compreensão do objeto de estudo.

3.4 Lócus da pesquisa

O lócus da pesquisa consiste em descrever com detalhes o campo de estudo, por ser

parte importante do processo de pesquisa, é necessário escolher cuidadosamente tal espaço,

pois será a fonte do levantamento dos dados empíricos. Deve ser acessível para todos os

envolvidos nas etapas da pesquisa. A coleta, seleção e análise de dados ocorreu na cidade de

Conceição do Coité, no estado da Bahia. Mais especificamente na Universidade do Estado da

Bahia-UNEB, Departamento de Educação-Campus XIV, localizada na Avenida Luís Eduardo

Magalhães, 988, Jaqueira.

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A Universidade existe há 26 anos, atualmente, comporta os cursos de: Letras

Vernáculas, Letras com Inglês, História e Comunicação Social, funcionado nos turnos

matutino, vespertino e noturno.

O curso de Letras Vernáculas possui no total de 160 estudante e na turma de 2006.1,

objeto de estudo 34 estudantes que se dividem entre as cidades de Conceição do Coité,

Riachão do Jacuípe, Santaluz, Retirolândia, Serrinha e Feira de Santana.

Os sujeitos selecionados para a investigação contribuíram de forma voluntária e

satisfatória para a efetiva construção da pesquisa, uma vez que disponibilizarame dados

fundamentais para a coleta e análise, contribuindo assim para um processo significativo

mediante a pesquisa.

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CAPÍTULO IV

4 E O LEITOR: produtor e/ou consumidor? Não, colaborador

“O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem Histórias” (RIBEIRO,1984).

A preocupação com o leitor na teoria literária passou por uma evolução, pois com o

Romantismo do século XIX, as atenções estavam voltadas para o autor, como ele configura

seu texto, suas intenções; como o New Criticismo, o texto passa a ser a unidade mais

importante da teoria, depois as atenções foram para o leitor e seu papel na construção do

sentido.

Pra nortear a análise que se segue Hutcheon (1991) fala que a arte pós-moderna não

quer usar como foco o leitor, o autor, ou o texto, ela está mais preocupada com a produção do

sentido e, para isso, é necessário incluir nesse relacionamento o contexto.

Nas Metaficções Historiográficas o leitor tem um papel muito importante, pois

descobre que fazer inferências no texto não é suficiente ele tende a tomar uma posição diante

do que lhe é apresentado. Hutcheon (1991, p. 111): “[...] o potencial de ser revolucionado por

uma mudança nas forças de produção que podem transformar o leitor num colaborador, e não

num consumidor”. Por fazer parte desse reconhecimento, ele deixa de ser tratado como

intérprete das histórias dos romancistas e passa a ser participante ativo na construção do

sentido nos romances que tratam da história de forma questionadora e crítica.

A análise de dados é o momento da pesquisa que requer maior atenção do pesquisador

devido à importância dos dados selecionados que comprovarão ou não a hipótese lançada no

início do estudo. Para processar os dados colhidos, faz-se necessário seguir a proposta da

metodologia que guiou a coleta: o uso de técnicas de investigação e o norteamento de passos a

serem seguidos, com o fim de possibilitar uma produção rica de conhecimento.

O diálogo entre os dados e os teóricos apresentados é importante para fundamentar os

resultados e comprovar a hipótese. Porém, como esta análise tem por objetivo apontar os

resultados dos dados com o fim de chegar a uma conclusão sobre o posicionamento dos

leitores. Portanto, não será feita, neste momento, uma análise minuciosa das respostas e suas

conseqüências teóricas no âmbito acadêmico, nem sobre o tratamento dado ao leitor

atualmente. O que será realizado é um levantamento das respostas em tabela e apresentação

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de alguns exemplos das mesmas, comparado-as com as posições de teóricos que discutem o

leitor.

Segue abaixo as perguntas da entrevista e a tabela contendo a síntese das suas

respostas para melhor entendimento do processo de análise:

1. Você gosta de literatura? O curso de Letras Vernáculas contribuiu para seu

posicionamento? Justifique.

2. Qual a sua opinião sobre o debate da relação entre ficção e história na universidade?

Por quê?

3. A metaficção Historiográfica evidencia essa relação de maneira crítica e auto-

questionadora, mostrando que ficção e História são construções discursivas. O que você acha

desse método de análise literária?

4. Cite exemplos de romances estudados pela Metafcção Historiográfica durante seu

período acadêmico.

5. Qual o seu posicionamento diante da crítica ou questionamento da literatura sobre a

História oficial, como faz a Metaficção Historiográfica? Justifique.

6. Depois de estudar a Metaficção Historiográfica você mudou sua forma de perceber a

História Oficial e as verdades por ela instituídas? Explique.

RESPOSTAS

LEITOR R1 R2 R3 R4 R5 R6

L1 Sim Válido Eficaz Sim Fantástico Sim

L2 Não e não Importante Válido Sim Válido Com certeza

L3 Sim e sim Positivo Válido Sim Concordo Sim

L4 Sim e não Válido Válido Sim Concordo Não

L5 Sim e sim Importante Importante Sim Positiva Sim

L6 Sim e não Válido Válido Sim Importante Sim

L7 Sim e sim Importante Válido Sim Concordo Sim

L8 Sim e sim Válido Gostei Sim Pertinente Sim

L9 Sim e sim Proveitoso Gostei Sim Produtiva Sim

L10 Sim e sim Importante Importante Sim Válido Sim

L11 Gosto e

sim

Ajudou Importante Sim Importante Com certeza

L12 Não e sim Gosto Importante Sim Importante Com certeza

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L13 Adoro e

não

Escasso Positiva Sim Concorda

Não

A tabela representa as posições dos entrevistados sobre as perguntas e constata seus

posicionamentos sobre o relacionamento entre ficção e história que compõem a Metaficção

Historiográfica. Serão apresentadas algumas respostas na integra com o intuito de demonstrar

as posições do leitor e o comentário de teóricos a respeito da leitura e do leitor na

contemporaneidade.

4.1 O leitor e a realização dos fins do fazer literário

É na expectativa de a literatura entender as relações entre ideologia e a construção

cultural da identidade que os estudos literários contemporâneos resgatam com o pós-

modernismo, entendido como uma época que reflete o “descentramento das narrativas e dos

sujeitos”, responsável por jogar por terra as noções de centralidade das narrativas e expor a

ficcionalidade da história. A proximidade entre literatura (ficção) e História (realidade) é

restabelecida como aponta Iser (1983): “Isto é altamente significativo para o texto ficcional.

No ato de fingir, o imaginário ganha uma determinação que não lhe é própria e adquire, deste,

modo um predicado de realidade; pois a determinação é uma definição mínima do real”.

A literatura só se realiza no contato com o leitor e, para tal, faz uso de uma linguagem

particular, que não temos como fugir desse encantamento, desse prazer, desse despertar de

questões outras. Dessa desconstrução dos padrões sociais, fazendo os leitores atentarem para

o comportamento dos indivíduos como seres sociais dotados de conhecimento e perceber que

somos construídos culturalmente. Culler (1999, p. 122) define essa desconstrução como “uma

crítica das oposições hierárquicas que estruturam o pensamento ocidental: dentro/fora; [...]

literal/metafórico [...]. Desconstruir uma oposição é mostrar que ela não é natural nem

imutável, mas uma construção [...]”.

A desconstrução descrita por Culler (1999) é perceptível ao examinar as respostas dos

entrevistados sobre a resposta número cinco: Qual o seu posicionamento diante da crítica ou

questionamento da literatura sobre a História oficial, como faz a Metaficção Historiográfica?

Justifique.

L8 para a R5-“Concordo porque como falei antes, a História Oficial deixa, na verdade,

muitas explicações não convincentes, né, deixa muitas lacunas e é dessas lacunas que, muitas

vezes, a literatura se apóia para fazer a gente voltar a História e perceber que a realidade que

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a sociedade, na verdade, atual é, apresenta marcas ou reflete fatos históricos que, muitas

vezes, não fazem parte mais do nosso cotidiano, mas que fizeram e contribuíram para

desenhar a realidade de hoje”.

A perspectiva literária e histórica de L8 para a R5, ao questionar a escrita da História

Oficial, demonstra que a literatura leva a refletir sobre a sociedade e que a história passada

influência de forma significativa nossos posicionamentos de hoje sobre determinado assunto.

Como se faz entender Leenhardt, (1998, p. 41), comentando as posições de Pesavento “[...] a

literatura e a historiografia constroem juntas, ao termo da qual se constituí a idéia que nós

fazemos de nós mesmos e, neste caso particular, a que o Brasil faz de si mesmos”.

A literatura é uma escrita carregada de significados (não só isso), estes têm funções

específicas, não só pelo prazer da leitura com suas possibilidades de interpretação, mas

também por um encantamento especial que faz perceber a sociedade de maneira diferente,

confrontando e desconstruindo padrões impostos historicamente como proposta pela

Metaficção Historiográfica.

Para L5. R5- “Meu posicionamento é que realmente a História Oficial, às vezes, tem

(...) o historiador nem sempre é neutro, através da metaficção mostra novos olhares mesmo

realmente acerca da (...) de algumas histórias que estão aí circulando na sociedade”.

À resposta de L5 para a R5 comprova uma das propostas do pós-modernismo, que é de

levantar questionamentos sobre a as verdades instituídas e uma característica da Metaficção

Historiográfica, como escreve Hutcheon (1991, p. 69): “[...] uma apresentação que perturba os

leitores, forçando-os a examinar seus próprios valores e crenças [...]”. Estes passam a

perceber não só a história de maneira diferente, mas também suas próprias convicções de

verdade, objetividade e, principalmente, o romance pós-modernista com suas leituras do

passado.

Também, L13 para a R5 compartilha da mudança na perspectiva de observar a

história: “Eu fico do lado da Metaficção Historiográfica (...) o meu entendimento da

Metaficção Historiográfica é pouco, como eu disse, eu fiz poucos trabalhos em que tivesse

que pesquisar isso, mas o pouco que fiz me permitiu apurar a visão que a gente tem dos fatos

históricos, a discussão da Metaficção Historiográfica”.

A literatura pós-modernista é vista como um das formas de conhecer o passado

histórico textualizado, e expressar a as vozes silenciadas da construção da história da

humanidade. O L1 para a R5 comenta que as leituras de romances com a abordagem da

Metaficção Historiográfica, mesmo não propondo uma nova verdade é relevante por

apresentar mostrar o ponto de vista dos ex-cêntricos e a relativa construção da História.

Page 56: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

56

O L1. R5- “Eu acho fantástico porque vai nos fazer ver essa idéia de que a

universidade prega de desconstruir aquilo que você tinha edificado: essa História toda

bonitinha, essa história composta de heróis, essa história, digamos que perfeita, até de um

lado de conto de fadas, de início, meio e fim. Vai fazer com que a gente veja as outras

vertentes, as vozes que foram silenciadas, como Jussimara fala, ao longo da história, como a

das mulheres, do índio, do negro. Então, faz com que se tenha um olhar mais amplo sobre a

sociedade e sobre a História, ainda que não se busque a verdade, mas se busque isso de

olhares diferentes sobre o mesmo fato”.

O que os romances pós-modernos demonstram que não é apenas a relevância de

observar as outras histórias, mas necessita do reconhecimento do leitor sobre as

transformações da propriedade da escrita:

Só o leitor está capacitado, na sua atividade leitora, assegurar a transição entre a escrita como produto da sociedade e a escrita produtora da sociedade. Só ele, na sua leitura, faz com que a história e a literatura sejam partes ativas no movimento global da evolução social (LEENHARDT, 1998, p. 44).

Do modo como afirma Leenhardt (1998), a literatura e a história constroem juntas as

sociedades, relação do texto, do leitor e o papal da escrita na contemporaneidade são

contraditórias. É válida a pergunta de número seis: Depois de estudar a Metaficção

Historiográfica você mudou sua forma de perceber a História Oficial e as verdades por ela

instituídas? Explique. As respostas demonstram a percepção do leitor de maneira diferente

depois das leituras de romances com a abordagem da Metaficção Historiográfica.

Das treze respostas observadas na entrevista apenas as duas seguintes não mudaram a

forma de perceber a história, pois já tinham conhecimento do valor ideológico da escrita da

história e não precisaram de romances questionadores para atentar sobre os fatos históricos.

L4 para a R6- “Não, não mudei minha opinião porque já através de pesquisa já

conhecia alguns fatos históricos é, é, além do que vinha nos livros de história, como é o de

Tiradentes, a colonização do Brasil, NE e de outros tantos, então para mim não foi surpresa”.

L13 para a R6- “É (...) eu já não acreditava que a História Oficial fosse essa, a

maravilha ou a grande verdade, mas o que a Metaficção Historiográfica permitiu observar em

relação a História Oficial é como são sutis os mecanismos de poder e como o discurso

influencia isso. Essa contribuição foi pelo estuda da Metaficção”.

Page 57: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

57

As demais respostas seguem a linha de pensamento das transcrições abaixo,

comprovando a hipótese de que os estudos literários pós-modernos influenciam os estudantes,

levando-os a refletir sobre a fragilidade dos conceitos da História Oficial.

L1 para a R6- “Sim, como eu já havia falado antes, desconstruiu tudo o que tinha essa

idéia de verdade única caba caindo por terra e a gente passa a investigar e a conhecer mais

sobre o que o texto está tratando, o recorte histórico e sobre os mecanismos que ele vai

utilizando para que essa história seja nem refutada e nem afirmada, mas que, acima de tudo,

tenha suas diversas perspectivas, seus diversos ângulos”.

L5 para a R6- “Com certeza, a partir da metaficção eu pude verdadeiramente perceber

como nem sempre o que eu conto é a verdade”.

L8 para a R6- “Sim, sem dúvida porque através da Metaficção Historiográfica a gente

pode perceber, como falei antes, também é que a História que a gente tem como oficial nem

sempre é verdadeira, que a gente pode estar sim fazendo questionamentos, se apoiando na

História Oficial, criticando, não explicando, que não é a função da literatura e fazendo com

que a gente pense sobre algumas verdades tidas como absolutas e que elas podem sim ser

criticadas”.

Entendendo que, tanto o texto quanto o leitor têm sua parcela de culpa na construção

do sentido e do prazer de uma obra literária, que a literatura como arte e mimese não é apenas

um emaranhado de letras bem estruturadas, com o poder de entreter e dar prazer. Na verdade,

ela é mais uma armadilha muita bem elaborada de um autor que tem o poder do discurso na

ponta de seu lápis e usa no mundo ficcional a relação entre significante, significado e o

referente, como verdadeira fonte do construir literário, as entrevistas comungam do

pensamento de Calvino:

[...] Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. A definição que dela podemos dar então será: [...] Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se

oculta nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo

ou individual (CALVINO, 1993 p. 10-11 grifos do autor).

É nessa perspectiva de literatura como construtora de conhecimento e fonte de análise

da história e produtora de história, esse trabalho foi desenvolvido não como um único

caminho a ser seguido ou como o único a entender e questionar as relações entre

literatura/história/leitor, mas como uma tentativa de entender esse complexo entrelaçar de

teorias e dificuldades que se tornam belas páginas de estudo e prazer.

Page 58: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

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CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

O que restou de nossas histórias?

[...] O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las (BENJAMIM, 1994, p.226).

Na realização de cada etapa da pesquisa foi possível compreender que: o pós-

modernismo expressa a incredulidade nas narrativas oficiais e de fundação, nas certezas

históricas, dando a impressão de que estamos em um caos. Tudo se funde e se separa ao

mesmo tempo, porém fica a necessidade de criticar e entender tudo a nossa volta para

chegarmos a nós mesmos a nossa identidade. Pois, ficção e história caminham juntas na

construção do conhecimento, a ficção cansou de fingir ser neutra e assumiu a

responsabilidade de contar, retomar, inventar o passado. Agora, mostra os múltipolos pontos

de vista da história e a fragilidade de seu conceito de verdade.

O presente estudo apresentou as contradições do pós-modernismo; a relevância dos

Estudos Culturais para a literatura; a influência da ficção na construção histórica; a

Metaficção Historiográfica como a união da ficção, da história e da teoria na crítica literária;

além, do posicionamento do leitor frente a essas leituras.

Por meio de reflexão constatou-se nessa pesquisa, a contribuição da literatura na

construção do conhecimento sobre a história e o poder da Metaficção historiográfica ao

influenciar os estudantes de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia-UNEB,

Departamento de Educação-Campus XIV, da turma de 2006.1, sobre as verdades instituídas

pela História Oficial. Os objetivos de conceituar as características que contribuíram para a

Metaficção Historiográfica e suas especificidades; reconhecer as marcas da Metaficção

Historiográfica no romance “Terra Papagalli” (2000), e constatar o posicionamento dos

estudantes do curso de Letras Vernáculas acerca do Discurso Oficial diante da leitura de obras

com a abordagem da Metaficção Historiográfica foram alcançados.

Na realização dessa pesquisa foi possível compreender que o movimento pós-

modernista na literatura provocou a incredulidade nas certezas de que nada pode ser

Page 59: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

59

reconstruído tal qual já foi um dia pela História. A confirmação da hipótese que o leitor de

ficção pós-modernista muda seu olhar em relação à História Oficial. O leitor se manifesta na

leitura e admite entrar e sair da leitura de forma diferente, como já disse Linda Hutcheon

(1991) o leitor contemporâneo não é nem produtor, nem consumidor e sim colaborador na

construção do sentido no texto literário.

Dessa forma, verifica-se que a hipótese de que estudos literários pós-modernos

influenciam os estudantes, levando-os a refletir sobre a fragilidade dos conceitos da História

Oficial. Pois Durante a pesquisa ficou evidente que os estudantes do Curso de Letras

vernáculas 2006.1 mudaram a forma de conceber a História Oficial como verdade única e

inquestionável. Entendendo que toda escrita é composta de discursos, logo constituídos de

ideologias, a compreensão do papel da escrita na edificação e destruição de valores culturais

leva a entender que o vínculo entre o leitor e o texto não pode ser eliminado.

Com o fim desse estudo: o que restou de nossas histórias? Foram à compreensão da

transitoriedade da verdade e do saber, as interrogações levantadas pelo pós-modernismo, as

verdades da ficção. O que restou foi o entendimento de que todo conhecimento tem seu ponto

de início, mas nunca de término, restou o sentimento de incompletude, já que “tudo que um

dia foi sólido se desmanchou no ar”.

Page 60: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

60

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Page 65: Metaficção historiográfica literatura, as narrações da história e o pobre leitor.

65

ANEXO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS 2006.1

Entrevista

Local:_____________________________________Data:________________________

Entrevista para pesquisa monográfica realizada entre os dias 01 e 10 de dezembro de 2009,

pela estudante do VIII Semestre do Curso de Letras Vernáculas Deisiane de Oliveira Silva,

com o título: Metaficção Historiográfica: literatura, história e o “pobre leitor”, sob a

orientação da Profª Fátima Barros, tem por objetivo principal comprovar ou não a influencia

do método de analise literária metaficção historiográfica sobre a concepção de História

Oficial dos estudantes do curso de Letras Vernáculas 2006.1.

I. Identificação

1.Nome:____________________________________________________________________

2.Naturalidade:_______________________________________________________________

3.Idade:_____________________________________________________________________

4.Formação Acadêmica: _______________________________________________________

5. Profissão:_________________________________________________________________

II. Perguntas

1.Você gosta de literatura? O curso de Letras Vernáculas contribuiu para seu posicionamento?

Justifique.

2.Qual a sua opinião sobre o debate da relação entre ficção e história na universidade? Por

quê?

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67

3.A metaficção Historiográfica evidencia essa relação de maneira crítica e “auto-

questionadora”, mostrando que ficção e História são construções discursivas. O que você acha

desse método de análise literária?

4.Cite exemplos de romances estudados pela Metafcção Historiográfica durante seu período

acadêmico.

5.Qual o seu posicionamento diante da crítica ou questionamento da literatura sobre a História

oficial, como faz a Metaficção Historiográfica? Justifique.

6. Depois de estudar a Metaficção Historiográfica você mudou sua forma de perceber a

História Oficial e as verdades por ela instituídas? Explique.