Metodologia Do Ensino de Literatura Online

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  • LiteraturaMetodologia do Ensino de

    Ana Lucia de Souza Henriques2009

  • IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

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    2009 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    H519 Henriques, Ana Lucia de Souza. / Metodologia do Ensino de Literatura. / Ana Lucia de Souza Henriques. Curitiba :

    IESDE Brasil S.A. , 2009.240 p.

    ISBN: 978-85-387-0800-1

    1. Literatura Estudo e Ensino I.Ttulo.

    CDD 807

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images

  • Ps-Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Flumi-nense (UFF). Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada em Portugus, Ingls e respectivas Literaturas pelo Instituto de Letras da UERJ.

    Ana Lucia de Souza Henriques

  • Sumrio

    Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura............................................... 11

    Breve panorama da histria do ensino de literatura no Brasil .................................. 11

    Motivao para a leitura e para o conhecimento literrio ......................................... 12

    Adequao do estudo de literatura aos nveis de ensino ........................................... 19

    A avaliao ................................................................................................................................... 21

    A contextualizao como mtodo de abordagem ...... 29

    A obra literria como produto do momento em que se insere ................................ 29

    Contextualizao da obra literria ...................................................................................... 31

    Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao ...................................................... 43

    Breve conceituao de intertextualidade ........................................................................ 43

    Parfrase e estilizao .............................................................................................................. 46

    Estudos de casos de parfrase e de estilizao .............................................................. 49

    Intertextualidade no texto literrio: a pardia, a apropriao e o pastiche ............................... 59

    Breve conceituao de intertextualidade ........................................................................ 59

    Pardia, apropriao e pastiche ........................................................................................... 60

    Estudos de casos de pardia, de apropriao e de pastiche ..................................... 69

  • Obras cinematogrficas e sua relao com a literatura ... 77

    Breves consideraes sobre a relao entre obras cinematogrficas e obras literrias ............................................................. 77

    A obra cinematogrfica como (re)leitura da literatura ................................................ 79

    Estudos de casos de obras cinematogrficas como (re)leituras de obras literrias ................................................................................... 83

    A dramaturgia televisiva e sua relao com a literatura .............................................. 95

    Breves consideraes sobre a relao entre dramaturgia televisiva e obras literrias................................................................ 95

    A dramaturgia televisiva como (re)leitura da literatura ............................................... 98

    Estudo de caso de obra da dramaturgia televisiva como (re)leitura de obra literria ...................................102

    Canes e sua relao com a literatura ..........................113

    Breves consideraes sobre canes e sua relao com a literatura ....................113

    Letras de canes populares e o dilogo com poetas e poemas ..........................114

    Estudos de casos de canes e a relao estabelecida com obras literrias .....119

    Dilogos entre a literatura e a Histria ...........................129

    Breves consideraes sobre o discurso literrio e o discurso histrico ...............129

    A Histria no romance histrico ........................................................................................131

    Estudo da relao entre discurso ficcional e discurso histrico em obras literrias ...........................................................................134

    A periodizao: o Barroco e o Neoclassicismo.............145

    Breve conceituao de literatura e de histria da literatura ....................................145

    O ensino do Barroco e do Neoclassicismo .....................................................................147

    Estudos de casos de obras barrocas e neoclssicas ....................................................155

  • A periodizao: o Romantismo, o Realismo-Naturalismo e o Parnasianismo ...................165

    Romantismo, Realismo-Naturalismo e Parnasianismo ..............................................165

    O ensino da literatura a partir de obras romnticas, realistas-naturalistas e parnasianas .............................................................166

    Estudos de casos de obras romnticas, realistas-naturalistas e parnasianas ....174

    A periodizao: o Simbolismo e o Modernismo .........185

    Simbolismo e Modernismo ..................................................................................................185

    O ensino da literatura a partir de obras simbolistas e modernistas......................186

    Estudos de casos de obras simbolistas e modernistas ..............................................195

    Metodologia de pesquisa: o projeto acadmico ........203

    O projeto acadmico: conceituao, etapas e escolha do tema ............................203

    A definio dos objetivos a serem alcanados .............................................................206

    A apresentao e justificativa do trabalho a ser desenvolvido ..............................208

    A elaborao da metodologia adequada ao tema selecionado ............................209

    A insero de citaes e referncias bibliogrficas .....................................................212

    Gabarito .....................................................................................221

    Referncias ................................................................................229

    Anotaes .................................................................................239

  • Apresentao

    Este livro pretende apresentar, de maneira clara e objetiva, metodologias para o ensino de literatura. Diferentes abordagens do texto literrio so discutidas e exemplificadas. Contexto histrico, estilos literrios, canes, filmes, document-rios, novelas e minissries so alguns dos pontos de que partem as abordagens metodolgicas propostas.A obra se divide em doze captulos, sendo onze deles dedicados ao trabalho com a literatura em sala de aula. O ltimo captulo voltado para uma detalhada ex-plicao sobre a elaborao de um projeto acadmico e visa auxiliar o professor que planeja ingressar em um Programa de Ps-Graduao. Da podermos enfati-zar que nossa principal inteno foi apresentar um trabalho inteiramente voltado para o professor.O foco maior do estudo da obra literria o de estabelecer relaes com o mo-mento em que ela se insere e com os dilogos intertextuais que ela estabelece. Essa maneira de trabalhar o texto literrio em sala de aula est de acordo com os Parmetros Curriculares Nacionais (2006) que orientam o ensino de lngua e litera-tura de nvel mdio. Fazer conexes entre a literatura e outras artes ou disciplinas tem inmeras vantagens, e essa maneira de trabalhar o texto literrio, alm de ampliar a viso de mundo do aluno, contribui para tornar ainda mais enriquece-dor e prazeroso o estudo da literatura.O trabalho docente com a literatura , na verdade, uma fonte de descobertas e de rica troca de experincias entre professor e aluno. Contribuir para esse objetivo foi o que nos moveu na produo dos captulos deste volume.

    Ana Lucia de Souza Henriques

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

    O objetivo deste captulo apresentar a relevncia da escolha de me-todologia adequada no ensino e na aprendizagem de literatura.

    Breve panorama da histria do ensino de literatura no Brasil

    No Brasil ainda colnia, o ensino esteve sob a responsabilidade da Igreja Catlica, mais precisamente sob os cuidados da Ordem Jesutica. Os padres jesutas se orientavam por um conjunto de regras bastante rgido, a Ratio Studiorum, para que houvesse uniformizao na educao recebi-da em seus colgios tanto na Europa quanto no Novo Mundo.

    Tratava-se de um ensino que oferecia uma formao humanstica aos alunos, visando formao integral do homem cristo.

    Vejamos a definio do termo humanismo, de acordo com a Enciclop-dia de Literatura Brasileira, de Afrnio Coutinho e J. Galante de Sousa:

    Movimento intelectual que se espalhou pela Europa no final do sculo XVI, reunindo aspectos filosficos e artsticos e pondo nfase no desenvolvimento das qualidades do homem, que seria o centro da civilizao (antropocentrismo). O mtodo particular empregado pelos chamados humanistas, que deram a fisionomia especial ao Renascimento, foi a valorizao dos estudos dos textos antigos, gregos e romanos, sobretudo estes ltimos. (HUMANISMO, 2001, p. 840)

    Gramtica, Humanidades e Retrica eram as disciplinas que figuravam no currculo dos colgios da Companhia de Jesus. E, em nvel universitrio, eram ministradas as disciplinas Filosofia, Matemtica e Cincias Naturais.

    Ao discutir o papel do ensino da rea de Letras no Brasil, Roberto Aczelo de Souza, em o Imprio da Eloquncia (1999), ressalta que durante o perodo colonial e o sculo XIX as Letras ocuparam um lugar de destaque no ensino bsico. Souza (1999, p. 21-30) lembra ainda que a inexistncia de um curso superior nessa rea fizera com que o ensino de Letras no antigo curso se-cundrio atingisse um perfil universitrio, tendo sido esse o caso do ensino de Letras no Colgio Pedro II, onde predominavam as disciplinas humans-

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    ticas nas sries mais elevadas. Essa instituio de ensino tornou-se a principal re-ferncia na rea de Letras. Aos alunos formados por ela, era concedido o ttulo de bacharel em Letras. A implantao das Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras s viria acontecer na dcada de 1930, marcando o incio da profissionalizao de nvel universitrio nessa rea.

    O relevante papel para o ensino de Letras no Brasil desempenhado pelo Co-lgio Pedro II e a questo relativa ao fato de que as aulas tinham de ser ministra-das por um profissional de uma outra rea, devido inexistncia de curso supe-rior que formasse professores em Letras, podem ser observados no que afirma Haroldo Lisboa da Cunha (1981, p. 63-65), no ensaio intitulado Ramiz Galvo, de Aluno a Mestre do Colgio Pedro II:

    Ramiz Galvo (Benjamin Franklin, Baro de Ramiz Galvo), gacho de Rio Pardo, ainda mal sado da primeira infncia, ingressou no Colgio Pedro II, isto nos idos de 1855. E, de uma turma com cerca de trinta alunos, foi dos trs que conseguiram, ao cabo de sete anos de curso, o almejado ttulo de Bacharel em Cincias e Letras. [...]

    Foi, em 1861, um dos sete fundadores do Instituto de Bacharis em Letras, depois, Instituto Brasileiro de Cincias e Letras, centro cultural estudantil que, por longo tempo, despertou vocaes entre alunos do Colgio Pedro II. E, como acadmico de Medicina, escreveu para o primeiro nmero da revista da entidade que ajudara a fundar um pequeno ensaio [...].Regeu com brilho e projeo a ctedra de Literatura Nacional e a de Grego, no Colgio onde fizera seu curso mdio; e a de Botnica, na Faculdade que lhe dera o diploma de mdico.

    O exemplo apresentado ilustra o fato de que o ensino de literatura, por no haver cursos de habilitao nessa rea especfica, esteve nas mos de profissio-nais de outras reas, cuja excelente formao humanstica recebida no ensino secundrio lhes permitia assumir o papel de professores de letras.

    Motivao para a leitura e para o conhecimento literrio

    Muitos so os caminhos que podem ser trilhados pelo professor de literatura com vistas a obter xito na motivao de seus alunos para a leitura prazerosa do texto literrio. Sabemos que esses caminhos so vias de mo dupla, que o sucesso depender do empenho e da dedicao de professores e alunos. Nessa jornada, o desempenho do professor em sala de aula ser fundamental para des-pertar ou aumentar a motivao para o conhecimento literrio.

    Comecemos pela ideia de que nossos objetivos sero alcanados com xito se nos lembrarmos de que nossos cursos so formados por uma sucesso de unidades a que chamamos de aula, e que cada uma delas cumpre um papel nico. Da que cada uma dessas unidades deve ser tomada como a aula, pois

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    toda aula deve ser bem preparada. Estarmos conscientes dessa nossa responsa-bilidade constitui o primeiro, e talvez o mais importante, passo para que tenha-mos resultados positivos no que diz respeito motivao de nossos alunos.

    Mas como fazer para que os alunos sintam prazer em ler obras literrias? A res-posta apresentada a seguir mostra alguns dos passos que consideramos funda-mentais para que nossos alunos possam se conscientizar de que a literatura nos oferece universos a serem explorados, verdadeiras redes que se entrelaam, am-pliando nossos horizontes e nos oferecendo novas vises de mundo. Do presente em que se inserem, obras literrias (re)escrevem o passado e profetizam o futuro.

    Nesse sentido, leituras literrias devem ser encaradas como descobertas a serem feitas nas malhas do texto, seja ele em prosa ou verso. Por isso, o estudo de textos literrios pode e deve seguir caminhos variados.

    As obras que selecionarmos para leitura nos indicam quais as nossas possibi-lidades de escolha. O esquema abaixo apresenta duas dessas possibilidades:

    Descobrindo relaes, entrelaando mundos:

    DA obra literria PARA o contexto

    DO contexto PARA a obra literria

    Selecionamos uma passagem do roman-ce O Cortio (publicado em 1890), de Alusio Azevedo, para exemplificar a preparao de uma aula segundo as abordagens sugeridas acima.

    Eram cinco horas da manh e o cortio acordava, abrindo, no os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

    Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada de sete horas de chumbo. Como que se sentia ainda na indolncia da neblina as derradeiras notas da ltima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se luz loira e tenra da Aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. [...]

    Entretanto, das portas surgiam cabeas congestio-nadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; comeavam as xcaras a tilintar; o cheiro quente de caf aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras pala-vras, os bons-dias; [...]

    O Cortio um dos romances mais im-portantes do estilo realista-naturalista.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Da a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomerao tumultuosa de machos e fmeas. Uns, aps outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio dgua que escorria da altura de uns cinco palmos. [...]

    O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; j se no destacavam vozes dispersas, mas um s rudo compacto que enchia todo o cortio. Comeavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discusses e rezingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; j no se falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentao sangunea, naquela gula viosa de plantas rasteiras que mergulham os ps vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfao de respirar sobre a terra. [...]

    E, durante muito tempo, fez-se um vaivm de mercadores. Apareceram os tabuleiros de carne fresca e outros de tripas e fatos de boi [...]. Vieram os ruidosos mascates, com suas latas de quinquilharia, com as suas caixas de candeeiros e objetos de vidro e com o seu fornecimento de caarolas e chocolateiras de folha-de-flandres. [...] (AZEVEDO, 1997, p. 30-31)

    Vejamos a seguir os passos sugeridos para a abordagem:

    Texto ContextoLeitura do texto: os alunos leem em silncio o texto selecionado sem que nenhuma informao sobre ele seja fornecida; a seguir, pelo me-nos, duas leituras em voz alta devem ser realizadas, de preferncia, por voluntrios. importante que a leitura em voz alta seja incentivada. A leitura no deve ser interrompida, nem para a explicao de vocabu-lrio. O objetivo, nesse momento, no consiste em compreender cada palavra, mas a formao de uma ideia geral do texto.

    Conversando sobre o texto lido: cada aluno escreve at cinco palavras que expressem o assunto de que trata o texto; a seguir, de prefern-cia em pares, comparam as palavras que escreveram justificando suas escolhas para o(s) colega(s); depois disso, o professor pede a cada um dos grupos que leia e justifique as palavras por eles selecionadas, en-quanto o professor as anota no quadro.

    A partir da listagem elaborada pela turma, o professor ir trabalhar, por meio de perguntas, o assunto de que trata o texto selecionado. Se ne-cessrio, incentivando o acrscimo de novas palavras listagem inicial.

    Uma outra leitura feita pelo professor: ritmo, sons e imagens presen- tes na narrativa devem ser motivo de perguntas que agucem a ateno dos alunos para a riqueza de detalhes na descrio da vida no cortio, procurando mostrar os recursos lingusticos utilizados pelo escritor para compor a descrio tanto do ambiente quanto dos personagens.

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    A seguir, o professor situa o perodo da histria brasileira a que a nar- rativa se reporta.

    A partir da, a feio realista-naturalista do romance em questo deve ser focalizada pelo professor, que auxilia os alunos para que eles tam-bm possam fazer suas prprias descobertas nas malhas do texto.

    Sugerir aos alunos que tracem um paralelo entre o comportamento dos moradores do cortio e o ambiente em que vivem os persona-gens. A seguir, partindo da relao estabelecida pelos alunos, o profes-sor chamar a ateno para caractersticas desse tipo de obra literria, ressaltando, dentre outros aspectos, que:

    o autor observa a vida social no momento histrico em que ele se insere, reproduzindo o mais fielmente possvel a sociedade;

    o meio em que vivem os personagens determina seu comporta- mento;

    os personagens muitas vezes agem de forma quase animalesca, sendo movidos mais por instinto do que pela razo.

    Para finalizar, aps revelar o ttulo da obra, seu ano de publicao, o nome do autor e o estilo de poca, o professor deve incentivar seus alunos a estabelecer relaes com a histria do perodo em questo, lembrando e discutindo com eles principalmente a relevncia das cor-rentes filosficas do evolucionismo, do determinismo e do positivismo no contexto da segunda metade do sculo XIX.

    A partir da, j com o embasamento adquirido sobre a obra e o contex- to em que ela se insere, os alunos iniciam a leitura do romance.

    Como atividades complementares, podem ser desenvolvidas pesqui- sas dentro de recortes variados sobre temas motivadores, tais como:

    a vida e a obra do escritor;

    o estilo realista-naturalista e o contexto scio-histrico-cultural;

    a obra literria e suas possveis verses para o cinema e/ou para a televiso.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Vejamos os passos sugeridos para a segunda abordagem:

    Contexto TextoA partir de imagens e frases ou textos curtos, introduzir a discusso,

    sempre por meio de perguntas, sobre aspectos marcantes do contexto hist-rico em que o escritor e a obra se inserem. Como nosso exemplo o romance O Cortio, o perodo a ser focalizado o da segunda metade do sculo XIX.

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    A Evoluo Humana, teoria proposta por Charles Darwin.

    Apresentar a imagem da evolu- o humana, guiando a discus-so para o nome do naturalista Charles Darwin.

    Ilustrar a discusso com a foto do naturalista e do navio em que ele viajou durante suas pesquisas.

    Charles Darwin (1809-1882), naturalista ingls, autor do livro Origem das Espcies.

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    lico.

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    Dom

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    O Beagle, navio em que Charles Darwin viajou de 1831 a 1836 coletando dados para sua pesquisa.

    Escrever ou projetar texto curto com informao bsica sobre o natu- ralista, comentar de forma breve o impacto causado pela publicao do livro A Origem das Espcies.

    Charles Darwin naturalista ingls que formulou a teoria da evoluo pela seleo natural. O livro, A Origem das Espcies, que apresenta o re-sultado de sua pesquisa, foi publicado em 1859.

    O professor deve ressaltar que pesquisas cientficas realizadas nessa poca partiam da observao para a teoria.

    Apresentar a influncia da teoria da evoluo pela seleo natural nos estudos dos fenmenos humanos e sociais, conduzindo a discusso para o conceito de darwinismo social.

    Escrever ou projetar texto curto com informao bsica sobre darwi-nismo social.

    Darwinismo social Herbert Spencer foi o principal terico dessa escola de pensamento, tendo aplicado o modelo biolgico da evoluo das espcies s sociedades humanas, defendendo a ideia de que s os mais fortes sobrevivem.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Ressaltar a relevncia da corrente filosfica conhecida como Positivis- mo dentro do contexto scio-histrico-cultural dos oitocentos.

    Escrever ou projetar texto curto com informao bsica sobre o Positi- vismo.

    Positivismo corrente filosfica surgida no sculo XIX, que se caracte-riza por considerar como nico tipo de conhecimento legtimo o que se encontra nas cincias naturais, baseado na observao, experimen-tao e matematizao. Os positivistas criticam como falso e enganoso o pensamento religioso e metafsico [...]. Com relao s cincias hu-manas, advogam a tese de que elas somente podem se desenvolver como verdadeiras disciplinas cientficas na medida em que adotem a metodologia das cincias naturais. (CIVITA, 1977, p. 1.031)

    A seguir, o professor relaciona o contexto literatura do perodo rea- lista-naturalista. Para tal, chama a ateno dos alunos para o fato de que, por influncia do contexto em que se insere, a literatura do pe-rodo focaliza a realidade social ou biolgica do homem, sendo que este apresentado como produto do meio em que vive. Isso se deve influncia das cincias naturais (Fsica, Qumica e Biologia). O homem visto como um ser sujeito s leis da natureza, e por elas condiciona-do. Da mesma forma que a pesquisa cientfica parte da observao dos fenmenos para chegar teoria, a literatura do perodo, que se pretende fiel aos fatos, procura, atravs da observao, apresentar, da forma mais detalhada possvel, o homem no ambiente em que vive (JOBIM; SOUZA, 1987, p. 174).

    Aps mostrar a influncia do contexto na literatura, o professor pede aos alunos que leiam silenciosamente a passagem selecionada do ro-mance O Cortio.

    A seguir, so feitas, pelo menos, duas leituras em voz alta. Como afir- mamos anteriormente, essas leituras devem ser realizadas, de prefe-rncia, por alunos voluntrios.

    O prximo passo consiste em pedir aos alunos que trabalhem em gru- pos pequenos, de dois ou trs membros, para realizarem a tarefa de

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

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    traar paralelos entre o contexto estudado e o texto literrio, procu-rando destacar passagens do romance que justifiquem suas afirma-tivas. Para isso, devem seguir os tpicos determinados pelo professor (por exemplo, o comportamento animalesco do homem, a descrio minuciosa etc.).

    A etapa seguinte diz respeito ao debate sobre o texto, com base nas observaes anotadas por cada grupo de alunos.

    Com o embasamento adquirido, os alunos iniciam a leitura do roman- ce na ntegra.

    Em relao a algumas das atividades complementares que motivem o aluno a aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto estudado, sugerimos, por exemplo, que sejam desenvolvidas pesquisas sobre temas motivadores relacionados ao contexto, tais como: a Revoluo Industrial, o cientificismo, o determinismo. Alm dessa, tambm so possveis as atividades j sugeridas para o primeiro tipo de aborda-gem apresentada.

    Adequao do estudo de literatura aos nveis de ensino

    Acreditamos que a sensata adequao do estudo de literatura em qualquer que seja o nvel de ensino depender principalmente da escolha feita pelo professor quanto s obras a serem lidas, ao volume de leitura e, obviamente, s abordagens a serem adotadas em sala de aula para cada autor/obra a trabalhar. Lembramos que defendemos o estudo prazeroso da literatura, pois gostar do que estudamos fundamental. Geralmente, gostamos do que entendemos, do que faz sentido para ns, e, quando isso acontece, nosso estudo passa a ser um grande compa-nheiro, aquele que vai apontando caminhos e iluminando a nossa jornada.

    Mas que aspectos considerar para que, ao prepararmos nossas aulas, possa-mos fazer escolhas mais acertadas? As reflexes aqui sugeridas devem ser nor-teadas pelo programa da disciplina ministrada.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Como decidir quais e quantas obras literrias devem ser estudadas?

    A escolha das obras literrias uma etapa muito importante na preparao de uma aula de literatura.

    As obras escolhidas devem ser bastante representativas para o estudo de cada perodo literrio, pois isso permitir ao professor traar relaes que contribuam para que seus alunos possam formar uma viso mais slida e profunda do assunto estudado, estreitando e fortalecendo a rede de seu conhecimento literrio. Ler obras em sua ntegra o ideal. Contudo, a so-lidez do estudo literrio desenvolvido em sala de aula no est necessa-riamente ligada a um elevado nmero de obras lidas, mas sim a estudos conduzidos com critrio e bom senso.

    Ressaltamos que, em alguns casos, s possvel a escolha de uma obra, principalmente quando se trata de romances. Isso pode ser causado muitas vezes pelo tempo escasso, quer seja devido a um programa apertado, quer seja pelo fato de a maioria dos alunos em sala ser forma-da por estudantes que trabalham.

    Professores e alunos devem caminhar sempre juntos. Da que essa escolha precisa ser a mais cuidadosa possvel, pois muitas vezes mais produtivo selecionar para anlise no obras em sua ntegra, mas captulos represen-tativos dessas obras, que nos permitam discutir aspectos fundamentais do assunto tratado. Da que um estudo literrio de qualidade no depende necessariamente de uma longa lista de obras como leitura obrigatria.

    Captulo de romances, contos, poemas ou atos de uma pea de teatro bem analisados (lidos, declamados, encenados) valem muito mais do que leituras de obras inteiras que no sero discutidas devidamente.

    O acervo precrio de muitas das bibliotecas das escolas de nosso pas pode dificultar a escolha de obras. certo que a compra de livros por parte dos alunos deve ser incentivada, mas no se pode esquecer que eles nem sempre tm condies financeiras para faz-lo.

    Decises sensatas, que partam de um planejamento organizado, certamen- te contribuiro para o sucesso do estudo do texto literrio, de acordo com

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

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    o que estabelecem os programas das disciplinas, e em consonncia com as condies de trabalho nas escolas onde a disciplina ser ministrada.

    A avaliaoA avaliao de literatura deve estar voltada para o que efetivamente foi discu-

    tido em relao s obras trabalhadas e tambm, sempre que possvel, funcionar como um elemento motivador de pesquisa, de estudo, de novas descobertas. O objetivo fazer com que exista uma expectativa positiva em relao a provas e trabalhos realizados em sala ou em casa, individualmente ou em grupo.

    Provas escritas devem incluir questes com suportes elaborados com clareza sobre obras estudadas e/ou leituras extras recomendadas pelo professor. Devem ser evitadas questes cujas respostas dependam apenas de memorizao, pois no revelam a compreenso do texto estudado. As perguntas elaboradas devem dar aos alunos a oportunidade de mostrar que esto aptos a discutir aspectos relativos s obras estudadas com argumentos bem fundamentados, baseados no conhecimento por eles construdo durante todo um processo de trabalho com a literatura, no qual cada uma das etapas apresentao, leitura, debate e pesquisa exerce papel de destaque.

    A atividade de pesquisa deve ser tomada como uma ferramenta a mais a ser utilizada pelo professor para motivar seus alunos a fazerem suas descobertas. Para isso, fundamental que seja bem orientada e que os objetivos estejam bem definidos. preciso deixar claro qual recorte do assunto estudado o aluno deve pesquisar. necessrio tambm auxiliar o aluno informando-o a respeito de obras crticas ou tericas que ele poder utilizar para iniciar a sua pesqui-sa. Convm alertar o aluno para a pesquisa feita na internet. Ela vlida desde que as pginas consultadas sejam escolhidas com cuidado. Em caso de dvida, convm recorrer a endereos de instituies srias, como, por exemplo, a Aca-demia Brasileira de Letras (ABL), que disponibilizam textos informativos confi-veis, escritos por especialistas nos assuntos consultados. Alm disso, os alunos devem ser informados da importncia de indicarem corretamente as fontes pes-quisadas em seus trabalhos. H excelentes manuais de redao acadmica que podem ser recomendados para orient-los nesse sentido.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Texto complementar

    O Cortio: um romance-clmax(PROENA FILHO, 1999, p. 259-262)

    A plenitude da realizao do ficcionista vem com O Cortio.

    So vinte e trs captulos que colocam em confronto dois conjuntos anta-gnicos: o cortio, uma habitao coletiva povoada de uma populao pro-letria, e o espao menor do sobrado, habitado por uma famlia burguesa bem-sucedida. Esses conglomerados culminam por funcionar como blocos- -sntese, aglutinadores.

    Nessa aglutinao, entretanto, os indivduos no aparecem confundidos. Seguem presos ao seu grupo social, mas so nomeados e vivem seus dramas particulares na promiscuidade e na identificao dos problemas que lhes marcam a vida em comum. So esses liames comuns que os impessoalizam.

    No cortio, move-se uma populao numerosa e ativa que, com poucas excees, permanece em ao naquela coletividade. Nela predominam pretos e mestios, empregados, e assalariados, imigrantes de vrias origens, com destaque para os portugueses. Com regras de convvio prprias, luz da pobreza e da misria como elementos niveladores. Nele, um personagem sobreposto aos demais: o portugus Joo Romo.

    No sobrado, o grupo familiar chefiado por Miranda, negociante portu-gus de fazendas por atacado: sua mulher, Dona Estela, senhora pretensio-sa e com fumaas de nobreza, a filha Zulmirinha, dolorosa interrogao em termos de paternidade, Henrique, filho de um fazendeiro mineiro, fregus do Miranda, a criadagem: o protegido moleque Valentim, a mulata Isaura, a Leonor, virgem e obscena, e um parasita, o Botelho. Normas de convivncias ditadas pelos costumes portugueses da poca.

    Entre os dois espaos, o muro, concreto e simblico.

    No curso da trama, o jogo de aes num e noutro conglomerado, o fio condutor central identificado no percurso social do cortio e, em paralelo, do personagem Joo Romo. Na linha do progresso. A qualquer custo tico.

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

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    Simultaneamente, o percurso do Miranda. No desfecho, a ultrapassagem do muro por Joo Romo, a leve ascenso de Miranda, o fim do cortio.

    O texto evidencia equilbrio entre retrato de coletividade e estudo de tem-peramentos. O primeiro centrado no personagem coletivo dominante, o se-gundo centralizado na figura de Joo Romo. So instncias rigorosamente integradas na estrutura romanesca: o cortio ganha destaque como titular da narrativa. Joo Romo emerge do cortio e ganha relevo como titular na ao. O romance constitui um vasto painel em que predomina a bipolaridade.

    A dimenso duplicada paraleliza-se e multiplica-se nos conflitos que emergem das reentrncias dos blocos-sntese.

    Confrontos e interaes se do no mbito de cada um e se fazem tambm entre eles.

    No cortio, ressaltam as duplas Joo Romo e a negra Bertoleza; um casal de portugueses, Jernimo e Piedade, tem sua contrapartida no casal mestio brasileiro, Firmo e Rita; juntos caminham Alexandre, o guarda, mulato e a branca Augusta Carne-Mole; Bruno, o ferreiro, se liga a Leocdia, portuguesa. Esse jogo vai alm da singularidade dos personagens e se configura ainda em nvel de grupos dentro do grupo, com o confronto entre os Carapicus e os Cabeas de Gato.

    A numerosa galeria abriga ainda a prostituta Leonie, Leandra, a macho-na feroz, e suas duas filhas, Ana das Dores, casada e separada do marido, Nenm, a donzela, e mais Agostinho, o filho; Paula, cabocla velha, meio idiota, rezadeira e bruxa; Marciana, mulata asseada e sensual, e filha Flo-rinda, virgem resistente, de olhos luxuriosos de macaca; dona Isabel, velha senhora comida de desgostosos, me de Pombinha, Albino, o lavadeiro efeminado, os mascates italianos, sempre marginalizados da ao central: Delporto, Pompeo, Francesco, Andrea; os gares da venda de Joo Romo, Domingos e Manuel.

    Nos rumos da interao destacam-se movimentos dentro do cortio, como, por exemplo, o envolvimento do portugus Jernimo com Rita Baiana e a relao homossexual entre Leonie e Pombinha, e nuclear, a ascenso de Joo Romo. Nos rumos da interao, o sobrado figura como contraponto do cortio, o Miranda como contraponto de Joo Romo.

    Por outro lado, as dissenses polarizadoras terminam por substituir-se

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    por congraamentos integradores, sobretudo diante da ameaa comum, ex-terna, caso da unio dos dois cortios, inicialmente antagnicos.

    A trama acompanha a evoluo da habitao coletiva em destaque que segue paralela biografia de Joo Romo. E todos os personagens so envolvidos.

    [...]

    Em termos de linguagem ficcional, O Cortio um romance altamente representativo, sobretudo no mbito da realidade em que produzido.

    O texto traduz equilbrio entre a dimenso documentria, a dimenso imaginria e a inteno naturalista de retrato social e denncia. Configura um microcosmo convincente e personagens-tipo significativos do quadro social que pretende representar: o portugus ambicioso que pretende as-cender na escala social, o seu conterrneo, j absorvido socialmente, mas ainda movido pela ambio, o portugus trabalhador que resiste absoro e acaba absorvido, a escrava falsamente livre, a mulata emergente, os grupos marginais na realidade econmica de ento, levados proletarizao, o es-prito de solidariedade e a estagnao dos grupos menos favorecidos. Vale dizer: instncias de segmentos sociais importantes no processo de constru-o da sociedade brasileira.

    Dicas de estudoA Redao de Trabalhos Acadmicos : teoria e prtica, organizado por Clau-dio Cezar Henriques e Darclia Marindir P. Simes, Editora da UERJ.

    A obra orienta de maneira clara e objetiva a escrita de trabalhos acadmicos.

    Filme: O Cortio, baseado na obra de Alusio Azevedo, roteirizado por Fran-cisco Ramalho Jr., com Betty Faria, Armando Bogus e Beatriz Segall, tendo sido produzido pela Argos Filmes. O filme uma luxuosa adaptao do romance para as telas do cinema.

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

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    Atividades1. Elabore uma atividade de pesquisa cujo objetivo principal o de fazer com

    que os alunos comentem aspectos do Realismo-Naturalismo presentes numa verso cinematogrfica de um romance representativo desse estilo literrio.

    2. Selecione uma passagem de um romance realista-naturalista e prepare uma atividade de leitura anotada que focalize a fidelidade ao real.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    3. Prepare uma questo dissertativa que tenha por objetivo fazer com que o aluno escreva sobre o ensino das Letras no Brasil Colnia.

  • Metodologias no ensino e aprendizagem de literatura

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    Metodologia do Ensino de Literatura

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

    O objetivo deste captulo apresentar a contextualizao como mtodo de abordagem no ensino de literatura.

    A obra literria como produto do momento em que se insere

    O estudo de uma obra literria deve estabelecer relaes com os qua-dros de referncia que contextualizam o momento em que ela se insere. Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) que orientam o ensino de lngua e literatura de nvel mdio reconhecem a relevncia da contextuali-zao como mtodo de abordagem para textos a serem estudados e des-tacam que estes so produtos nicos da histria social e cultural de cada contexto em que se inserem, so construes que dialogam com outros textos que os compem. O estudo do dialogismo entre textos propicia uma abertura para a construo de mltiplas significaes.

    O esquema abaixo destaca competncias e habilidades relativas in-vestigao e compreenso para o estudo de lngua e literatura apresen-tadas nos PCN (BRASIL, 1999, p. 145):

    Investigao e compreenso

    Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionan- do textos/contextos, mediante a natureza, funo, organizao, estrutura, de acordo com as condies de produo, recepo (inteno, poca, local, interlocutores participantes da criao e propagao das ideias e escolhas, tecnologias disponveis).

    Recuperar, pelo estudo do texto literrio, as formas institudas de construo do imaginrio coletivo, o patrimnio represen-tativo da cultura e as classificaes preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial.

    Em um dos itens que apresenta a objetivao das competncias e ha-bilidades relativas ao ensino de lngua e literatura dos PCN, vemos a mul-tiplicidade de enfoques relevantes que a contextualizao como mtodo de abordagem do ensino de literatura pode proporcionar aos estudos de-senvolvidos pelo professor em sala de aula. Tambm podemos observar

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    que a ponderao apresentada a seguir ressalta o papel de uma obra literria como fonte de legitimao de acordos e condutas sociais e como representao simblica de experincias humanas:

    Dar espao para verbalizao da representao social e cultural um grande passo para a sistematizao da identidade de grupos que sofrem processos de deslegitimao social. Aprender a conviver com as diferenas, reconhec-las como legtimas e saber defend-las em espao pblico far com que o aluno reconstrua a autoestima.

    A literatura um bom exemplo do simblico verbalizado. Guimares Rosa procurou no interior de Minas Gerais a matria-prima de sua obra: cenrios, modos de pensar, sentir, agir, de ver o mundo, uma bagagem brasileira que resgata a brasilidade. Indo s razes, devastando imagens pr-conceituosas, legitimou acordos e condutas sociais, por meio da criao esttica. (BRASIL, 1999, p. 142)

    Apresentar Guimares Rosa e sua obra em sala de aula, valorizando os aspec-tos mencionados acima, implica trabalhar com a contextualizao no que ela tem de melhor a nos oferecer, que a possibilidade de estabelecermos relaes entre elementos diversos, com o objetivo de auxiliar o aluno a estreitar os elos de sua rede de leituras, tanto literrias quanto de mundo.

    Dentre as diversas maneiras com as quais o professor pode contar para tra-balhar com a contextualizao como mtodo de abordagem do ensino de lite-ratura, focalizaremos a que privilegia a escolha de temas, que podem ser des-membrados em subtemas, que, por sua vez, servem para mostrar o enfoque do assunto a ser contextualizado a partir da relao estabelecida entre fontes diver-sas, tais como:

    obras literrias;

    obras tericas;

    obras crticas;

    textos relativos a aspectos scio-histrico-culturais;

    outros tipos de produes artsticas do/sobre o perodo em questo.

    O contato com fontes variadas contribui para que o aluno desenvolva seu senso crtico, sua capacidade de tirar concluses prprias tomando como base diferentes pontos de vista.

    A partir do tema selecionado, o professor decide com quais fontes ir tra-balhar, sempre adequando sua escolha ao programa da disciplina. O material utilizado para a contextualizao dever, portanto, ilustrar alguns dos aspectos relevantes do tema a serem abordados em sala de aula. importante frisar que estamos tratando de contextualizao. Da o nosso objetivo ser o de traar um

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    panorama do contexto em que o assunto estudado se insere. Cada uma das peas que compe esse panorama deve ser apresentada numa sequncia lgica que permita que haja um encadeamento entre as partes. Esse encadeamento fun-damental para que o professor desenvolva o assunto e para que os alunos sejam levados, no apenas a estabelecer relaes entre os textos, mas tambm a cons-truir seu conhecimento acerca do tpico a partir de perspectivas diferentes.

    Contextualizao da obra literria

    A independncia do Brasil e o nacionalismo literrio no Romantismo

    O tema A independncia do Brasil e o nacionalismo literrio no Romantismo foi selecionado para ilustrar a organizao de uma aula que siga o tipo de con-textualizao sugerido anteriormente.

    Em primeiro lugar, lembramos que o tema com qual escolhemos trabalhar apenas um dos possveis recortes que o professor pode fazer para focalizar de maneira didtica o Romantismo no Brasil.

    Vejamos os passos a serem seguidos:

    O professor inicia a aula com a apresentao do tpico a ser discutido:

    A independncia do Brasil e o nacionalismo literrio no Romantismo

    Para introduzir o assunto a ser estudado a partir do tema escolhido, o pro- fessor inicia a contextualizao, relacionando o perodo do incio do movi-mento romntico no Brasil independncia do pas.

    preciso lembrar que o professor deve se certificar, por meio de perguntas ou de alguma atividade ldica, de que os alunos se lembram de determina-dos dados histricos aos quais ele venha a se referir, pois a desinformao ou o esquecimento por parte dos alunos funciona como um obstculo, o que faz com que eles no consigam estabelecer relaes, comprometen-do o trabalho do professor. Se necessrio, o professor dever fornecer as devidas informaes.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    A partir da, o professor desenvolve a apresentao do tema, tomando como base fragmentos de textos selecionados ou outras obras, tais como pinturas e esculturas, que possam ilustrar o assunto em questo. Esse ma-terial ilustrativo deve ser apresentado dentro de uma sequncia lgica que permita o desenvolvimento do estudo.

    Aps ter situado os alunos em relao ao tema a ser discutido, o professor apresenta recortes de textos que focalizem a construo da identidade nacional na literatura romntica. Esses textos devem ser agrupados de acordo com o encadeamento lgico de que falamos anteriormente. O professor pode optar por acrescentar subttulos que servem para melhor orientar os alunos em relao ao enfoques dados ao tema por cada frag-mento a ser lido.

    Vejamos exemplos desse procedimento:

    1. Independncia literria e construo da nacionalidade: a viso dos tericos

    Texto 1

    [...] o Romantismo, no Brasil, assumiu um feitio particular, com caracteres especiais e traos prprios, ao lado dos elementos gerais, que o filiam ao mo-vimento europeu. De qualquer modo, tem uma importncia extraordinria, porquanto foi a ele que deveu o pas a sua independncia literria, conquis-tando uma liberdade de pensamento e de expresso sem precedentes [...]. (COUTINHO, 1969, v. 2, p. 11-12)

    Texto 2

    A literatura tomou parte nesse projeto de construo da nacionalida-de e desempenhou, a, uma funo efetiva. Escrever o que quer que fosse poesia ou histria, teatro ou levantamentos topogrficos, romances ou descries geogrficas, crnicas ou dissertaes sobre etnografia podia ser instrumento para se atingir o objetivo visado. Com uma condio: era preci-so que o que se escrevesse fosse considerado til e precisoso para a ptria. (ROUANET, 1999, p. 17)

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    Texto 3

    No momento em que a maioria dos homens das letras do Brasil recm- -independente procurava contribuir para a construo da literatura nacio-nal, a figura de Jos de Alencar merecedora de nossa ateno especial. Em textos afirmativos/doutrinrios, o escritor revela quais as diretrizes que, se-gundo ele, deveriam nortear a literatura que se queria brasileira, enfatizan-do sempre que deveria ser privilegiado em nossa literatura tudo aquilo que fosse caracterstico do pas. [...]

    Do passado pr-colonial, Alencar resgata tradies para apresent-las em uma nova forma de romance, que julga mais apropriada para cantar a raa e as belezas naturais brasileiras. Tomando a questo da busca de uma identida-de nacional, Alencar volta ao passado pr-colonial, dando destaque figura do ndio, que ele acreditava ser um smbolo verdadeiro de liberdade e pureza. Seu romance Iracema , ento, escrito nessa nova forma por ele sugerida, e Alencar, servindo-se da temtica do indianismo, participa conscientemente da fundao de uma literatura nacional que retrata o pas, fazendo-o de uma forma original e valendo-se de uma linguagem que acredita ser bem prxima ao portugus falado no Brasil. (HENRIQUES, 1996, p. 454. Adaptado)

    O professor escreve o subtema no quadro e, em seguida, pede aos alunos que faam a leitura silenciosa dos fragmentos de textos por ele selecionados.

    Em seguida, o professor inicia a discusso, pedindo que os alunos desta- quem as ideias principais de cada um dos textos lidos, enquanto as anota no quadro. Convm lembrar que a participao dos alunos nesse momen-to deve ser motivada por meio de perguntas que orientem o desenvolvi-mento do debate de acordo com o objetivo a ser atingido na aula.

    As informaes fornecidas pelos alunos devem servir como ponto de par- tida para comentrios, cabendo ao professor ressaltar aspectos relevantes que no tenham sido observados pelos alunos.

    A seguir, o professor introduz um novo subtema, que d continuidade ao encadeamento do assunto, pedindo aos alunos que leiam silenciosamen-te os textos correspondentes.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    2. Fundao da literatura nacional e indianismo: a viso de Jos de Alencar

    Texto 1

    [...] se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e as suas be-lezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas ideias de homem civilizado. Filho da natureza embrenhar-me-ia por essas matas seculares; contemplaria as natu-rezas de Deus, veria o sol erguer-se no seu mar de ouro, a lua deslizar-se no azul do cu; ouviria o murmrio das ondas e o eco profundo e solene das florestas. (ALENCAR, 1960, p. 865)

    Texto 2

    As tradies dos indgenas do matria para um grande poema que talvez um dia algum apresente sem rudo nem aparato [...]. (ALENCAR, 1958, p. 129)

    Texto 3

    Alm, muito alm daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Ira-cema. Iracema, a virgem dos lbios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da grana e mais longos que seu talhe de palmeira.

    O favo da jati no era to doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hlito perfumado.

    Mais rpida que a ema selvagem, a morena virgem corria o serto e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nao tabajara. (ALENCAR, 1958, p. 239)

    Aps a leitura silenciosa dos textos, o professor reinicia a discusso, seguin- do o mesmo procedimento adotado para a apresentao do primeiro grupo de fragmentos, pedindo mais uma vez aos alunos que destaquem as ideias principais de cada um dos textos lidos, enquanto as anota no quadro.

    As informaes fornecidas pelos alunos devem servir como ponto de par- tida para comentrios, cabendo ao professor ressaltar aspectos relevantes que no tenham sido observados pelos alunos.

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    A partir desse momento, o estabelecimento de relaes entre todos os textos lidos deve ser motivado e, para que isso acontea, o professor deve orientar o desenvolvimento do debate.

    O debate baseado no encadeamento lgico do assunto apresentado pela sucesso de fragmentos e no dilogo que se estabelece entre eles permite que, juntos, professor e alunos construam oralmente uma narrativa sobre o tema em questo.

    A organizao de recortes de textos ou obras para o desenvolvimento do tema escolhido deve procurar ilustrar a contextualizao partindo do ge-ral para o particular.

    Vejamos as ideias principais de cada um dos fragmentos dos textos apresen-tados que mapeiam o tema estudado:

    Subtema 1

    Texto 1 destaca o importante papel desempenhado pelo Romantis-mo no Brasil em relao independncia literria do pas;

    Texto 2 focaliza a participao efetiva da literatura na construo na-cional;

    Texto 3 fecha o foco da questo em Jos de Alencar, o principal ro-mancista do indianismo, que muito se dedicou questo da fundao de uma literatura nacional que retratasse o Brasil e sua gente. Seu ro-mance Iracema constitui um marco na histria da literatura brasileira.

    Subtema 2

    Texto 1 destaca a importncia da natureza como fonte de inspirao;

    Texto 2 apresenta as tradies indgenas como tema para uma gran-de obra potica;

    Texto 3 descreve a beleza da ndia Iracema atravs de comparaes com outros elementos da natureza brasileira, ressaltando que a jovem da tribo tabajara os supera em todos os aspectos.

    Aps essa contextualizao, o professor deve pedir a seus alunos que leiam Iracema, a obra completa ou captulos selecionados. Essa escolha depender principalmente do programa da disciplina lecionada.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Para estimular a participao dos alunos na discusso do romance de Alencar, o professor deve preparar atividades que os levem a perceber o colorido, a beleza, o ritmo dessa narrativa potica.

    Uma dentre diversas atividades possveis pedir aos alunos que de- senhem uma cena ou simplesmente imaginem um quadro que ilustre uma das paisagens descritas no romance, observando, por exemplo, como atravs de cores e perfumes Alencar pinta a natureza brasileira.

    Uma outra atividade possvel consiste em pedir aos alunos que obser- vem um cartaz ou foto projetada que mostre uma praia do Cear, se-melhante que Alencar descreve na abertura do romance Iracema. Du-rante os comentrios sobre a foto da praia cearense, o professor deve chamar a ateno dos alunos para os contrastes de cores e de lumino-sidade na composio da imagem. A seguir, o professor faz a leitura do trecho selecionado do romance de Alencar: Verdes mares que brilhais como lquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as al-vas praias ensombradas de coqueiros [...] (ALENCAR, 1958, p. 237).

    Aps a leitura, o professor convida os alunos a uma viagem potica ao Cear atravs das pginas de Iracema.

    O imperialismo e a identidade nacional no Modernismo

    O Modernismo pode ser definido como um movimento de grande dinamis-mo, de tendncias e caractersticas diversas, mais simultneas do que sucessivas (cf. JOBIM; SOUZA, 1987, p. 248).

    Por essa razo, escolhemos o tema O imperialismo e a identidade nacional no Modernismo para apresentar uma das possveis maneiras de contextualizar o movimento modernista.

    Dessa maneira, nossa proposta de estudo parte do tema sugerido e consiste em apresentar uma atividade de pesquisa a ser realizada pelos alunos.

    A contextualizao do movimento modernista iniciada pelo professor em sala de aula.

    Ao apresentar o tema da proposta, o professor dirige o foco, por exemplo, para duas das possveis questes a serem discutidas: a crtica hegemonia estrangeira e viso de identidade nacional do Romantismo.

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    A seleo do material a ser trabalhado (obras modernistas ou sobre o Mo- dernismo) deve ser bem planejada para que, ao final do estudo, possam ter sido mapeados os aspectos mais relevantes sobre o recorte do assun-to a ser pesquisado pelos alunos e, posteriormente, discutido em sala de aula. Ou seja, ao lanar a proposta de trabalho, o professor inicia a contex-tualizao do tema escolhido, ilustrando suas explicaes com exemplos de obras modernistas.

    A seguir, apresenta os textos e/ou obras de outras artes por ele seleciona- das para servirem de objeto de pesquisa dos alunos, cujos resultados se-ro levados para a sala de aula em forma de tpicos ou pargrafos curtos para que possam ser lidos, comparados e discutidos.

    O professor deve estimular e orientar o debate em sala de aula a partir dos dados pesquisados, pois essa discusso contribuir para aprofundar a contextualizao do assunto e iniciar o trabalho de leitura e anlise de obras literrias modernistas. Vejamos algumas sugestes de obras que muito contriburam para a popularizao de ideias modernistas. Desta-camos para o tema em questo algumas que partem de contribuies da literatura e da pintura. Dessa maneira, sugerimos:

    Da literatura: Manifesto Antropfago (1928), de Oswald de Andrade; Na Mar das Reformas (1921), artigo de Menotti del Picchia; O Movimen-to Modernista (1942), depoimento de Mrio de Andrade.

    Da pintura: Anita Malfatti; Di Cavalcanti.

    A seguir, o professor apresenta a proposta de pesquisa com base em exemplos um fragmento de texto e um quadro para orientar os alunos acerca do trabalho a ser realizado.

    Os alunos fazem a leitura do texto e observam o quadro, ambos represen- tativos do Modernismo.

    Professor e alunos tecem comentrios sobre o texto e a pintura. Esses co- mentrios so importantes, pois a partir deles o professor contextualiza o tema, apresentando tambm os aspectos que devem ser observados pelos alunos em suas pesquisas. Para exemplificar esse procedimento, su-gerimos um fragmento do Manifesto Antropfago, de Oswald de Andrade, e o quadro Antropofagia, de Tarsila do Amaral.

    O professor escreve no quadro informaes bsicas sobre o texto a ser lido, tais como ttulo, ano de publicao e nome do autor. Em seguida, so feitas duas leituras do texto em voz alta, de preferncia por alunos voluntrios.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Manifesto Antropfago (1928)

    Nunca fomos catequizados. Fizemos o carnaval. O ndio vestido de sena-dor do Imprio. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas peras de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Contra a realidade social, vestida e opres-sora, cadastrada por Freud a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituies e sem penitencirias do matriarcado de Pindorama. (ANDRADE, 1980, p. 82)

    Terminada a leitura, o professor mostra ou projeta uma foto com o quadro Antropofagia (1929), da pintora modernista Tarsila do Amaral, e apresenta informaes bsicas sobre a pintura.

    Os alunos tecem comentrios a respeito de suas impresses sobre o frag- mento e a pintura apresentados, o professor conduz a discusso destacan-do alguns dos pontos fundamentais acerca do tema a ser pesquisado nas obras indicadas.

    A seguir, apresenta o detalhamento da atividade de pesquisa a ser realiza- da, indicando algumas referncias bibliogrficas e pginas da internet que podem servir de fontes de pesquisa.

    Texto complementar

    A hiptese do Brasil: Romantismo e solido(HELENA, 2000, p. 18-19)

    Numa leitura do Brasil, em 1929, Mrio de Andrade escreve: Eu sou tre-zentos, poema que abre o livro Remate de Males. Impossvel no lembrar, na vertente das dificuldades com que o pas se deparava, da muita sava e pouca sade que espantam o heri de nossa gente na pauliceia desvairada.

    Na verso modernista, Macunama volta ao Uraricoera, perde a consci-ncia na Ilha de Marapat e, qual saci melanclico, alquebrado e num p s, vira constelao. Nosso heri perde a perna, a vida e a voz, pois sua histria contada por um papagaio tagarela. Duplo desse homem coletivo perdido, o indivduo tematizado no poema vive o caos da identidade.

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    Metfora de uma urna hbrida, que s por seus cacos pode ser referida, no remate de nossos males, a soluo encontrada para um rosto que nos inte-grasse, passa pelos trezentos, trezentos-e-cincoenta eus na problematizao maioandradina.

    [...]

    Se o Modernismo contempla a identidade individual e nacional como resduos em permanente hibridismo, ao revisitar a mata virgem das nossas memrias, faz aluso a um outro momento decisivo na postulao da hip-tese Brasil e de sua constituio como entidade e identidade.

    Ao fazer Jos de Alencar, o Pai do mutum na dedicatria-homenagem que afinal no publica na primeira edio de Macunama, Mrio de Andrade assinala com quantos eus se faz o Brasil no Romantismo.

    Trs eus se encontram nesse lugar-cristalizado do imaginrio cultural. Um deles, solitrio, pergunta por si mesmo na angstia de uma individualida-de que desse conta de existir. O outro, social e abstrato, pergunta por seu espao na figurao do Estado que, no modelo-padro internacional (a atin-gir) deveria substituir o absolutismo e o despotismo. Por fim, um terceiro eu, o nacional, a peculiaridade.

    A tarefa que se atribuam os romnticos e, em especial, Jos de Alencar, que entre ns tomou-a por misso, era estabelecer os ns e deslindar os qui-procs dessa trplice aliana de eus desconcertantes e desconcertados.

    [...]

    Suas obras, que surpreendem pela perspiccia disfarada de histrias pala-tveis, do forma e contedo representao do pas nascente, buscando cons-truir a memria do cidado que ocuparia o lugar das mitologias da origem. Preside esta empresa a inteno de dizer o que era ser brasileiro no sculo XIX.

    A colnia em que se era o outro, dera lugar ao pas que no sabia o que era. Entre esses dois momentos, gente nascera, trabalhara e morrera, com um mal-estar semelhante a uma doena crnica. A sensao de solido se avo-luma. E vem tematizada na imagem da ilha deserta em que o homem, por si mesmo, h de reconstruir o mundo. A nao travava luta terrvel, espantosa, louca, desvairada como a que se prope Peri, em busca de Ceci, despren-dendo do seio da terra um tronco de palmeira, que resvalou pela flor dgua

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    como um ninho de garas ou alguma ilha flutuante. Sobreviventes das guas turvas das revolues identitrias, a construo de Peri e sua parceira Ceci, sob o cone das guas do mito de Tamandar e de No, so figuraes romn-ticas do dilvio de incertezas diante do futuro da nova nao. [...]

    Dicas de estudoParmetros Curriculares Nacionais: Ensino Mdio , Ministrio da Educao, 1999.

    Publicao que orienta o ensino de lngua e literatura.

    Iniciao Literatura Brasileira , de Jos Lus Jobim e Roberto Aczelo de Souza, Editora Ao Livro Tcnico.

    A obra discute a literatura brasileira de maneira clara e objetiva, incluindo exerccios.

    Atividades1. O estudo de uma obra literria deve estabelecer relaes com os quadros

    de referncia que contextualizam o momento em que ela se insere. Elabore uma atividade de pesquisa cujo objetivo principal o de fazer com que os alunos discutam a contribuio prestada por um(a) escritor(a) na populariza-o de ideias modernistas.

  • A contextualizao como mtodo de abordagem

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    2. Prepare uma atividade que apresente a contextualizao, partindo de um tema selecionado e que tenha por objetivo fazer com que o aluno comente o papel da literatura romntica na construo da identidade nacional brasileira.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

    O objetivo deste captulo apresentar a intertextualidade como mtodo de abordagem de literatura atravs de estudos de parfrase e de estilizao em textos literrios.

    Breve conceituao de intertextualidadeA escolha da intertextualidade literria como mtodo de abordagem

    no ensino de literatura permite ao professor preparar aulas motivadoras que podero despertar no aluno o interesse em descobrir ou desvendar dilogos existentes entre obras literrias. O debate sobre possveis rela-es intertextuais leva o aluno a entrelaar com mais firmeza os fios de sua rede de leitura, tornando o tecido mais forte porque mais bem trabalhado. O estmulo para esse tipo de leitura deve ser encorajado. Atravs dele, o aluno poder observar que as obras podem e devem ser lidas no como unidades isoladas, mas como partes essenciais de um grande mosaico, para usar uma expresso de Julia Kristeva.

    Ao trabalhar a intertextualidade como mtodo de abordagem do texto literrio, o professor deve estar consciente de que para percebermos a existncia da intertextualidade ser necessrio recorrer nossa rede de leituras, isto , ao conhecimento textual que peculiar a cada um de ns.

    Vejamos a definio de intertextualidade sugerida por Jos Luiz Fiorin (2006, p. 52):

    Intertextualidade deveria ser a denominao de um tipo composicional de dialogismo: aquele em que h no interior do texto o encontro de duas materialidades lingusticas, de dois textos. Para que isso ocorra, preciso que um texto tenha a existncia independente do texto com que dialoga.

    Assim, quando falamos aqui em intertextualidade na literatura, pen-samos em um dilogo que se estabelece entre obras literrias, e pode ser caracterizado como externo ou interno. Isso significa que uma obra pode fazer referncia a outra ou a outras obras, de escritores diferentes, o que configura um caso de intertextualidade externa. Quando um escritor es-

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    tabelece um dilogo intertextual com sua prpria obra, estamos diante do que chamamos de intertextualidade interna ou intratextualidade. Antologia, de Manuel Bandeira, serve como exemplo desse tipo de dilogo intratextual, pois o poeta reescreve seus prprios versos. Vejamos um fragmento do poema:

    Antologia

    Manuel Bandeira

    A vida No vale a pena e a dor de ser vivida. Os corpos se entendem, mas as almas no. A nica coisa a fazer tocar um tango argentino. Vou-me embora pra Pasrgada! Aqui eu no sou feliz. [...]

    Uma obra pode fazer referncia ou estabelecer uma relao, um dilogo, com outra ou outras j existentes de diversas maneiras. Essas maneiras variam, por exemplo, desde dilogos mais fracos como a citao de uma frase ou nome de um personagem, chegando por vezes a dilogos mais fortes, que podem ser exemplificados com reescrituras de obras inteiras.

    Contudo, ns, leitores, s podemos perceber a presena desses dilogos inter-textuais quando conhecemos e, obviamente, nos lembramos da obra ou das obras com que o texto que estamos lendo dialoga. Isto , dependemos de nosso repert-rio textual. Se um romance menciona em sua narrativa o nome de um personagem de uma outra obra, esse dilogo intertextual, mesmo sendo explcito por causa da citao do nome, s produzir efeito se o leitor tiver lido a obra original em que aquele personagem aparece ou se possuir algum conhecimento sobre ele.

    Conclumos ento que quanto mais obras literrias conhecermos, maior e mais espessa ser a nossa rede de leituras, e, consequentemente, maiores sero tambm nossas chances de perceber dilogos literrios, que podem acontecer entre obras de escritores de um mesmo pas e/ou de pases diferentes.

    Vejamos um dos muitos exemplos de intertextualidade presente no romance Memrias Pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis (1971, p. 521-522). No captulo de nmero sete, intitulado O delrio, Brs Cubas relata seu encontro com Pandora.

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

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    Caiu do ar? destacou-se da terra? no sei; sei que um vulto imenso, uma figura de mulher me pareceu ento, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastido das formas selvticas, e tudo escapava compreenso do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez difano. Estupefato, no disse nada, no cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve, perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delrio.

    Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua me e tua inimiga.

    Ao ouvir esta ltima palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou uma gargalhada, que produziu em torno de ns o efeito de um tufo; as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das coisas externas. [...]

    Entendeste-me? disse ela, no fim de algum tempo de mtua contemplao.

    No, respondi; nem quero entender-te; tu s absurda, tu s uma fbula. Estou sonhando, decerto, ou, se verdade que enlouqueci, tu no passas de uma concepo de alienado, isto , uma coisa v, que a razo ausente no pode reger nem palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheo s me e no inimiga; no faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o sepulcro. E por que Pandora?

    Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperana, consolao dos homens. Tremes?

    Sim; o teu olhar fascina-me.

    Creio; eu no sou somente a vida; sou tambm a morte, e tu ests prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada.

    Brs Cubas, ao relatar seu encontro com Pandora, estabelece uma intertex-tualidade explcita entre o romance de Machado e o poema Os Trabalhos e os Dias, de Hesodo, um poeta grego dos fins do sculo VIII a.C. A figura de Pandora e o poeta Hesodo esto assim registrados por Pierre Grimal no Dicionrio de Mitologia Grega e Romana (1993, p. 353-354):

    Pandora , num mito hesidico, a primeira mulher. [...] No poema Os Trabalhos e os Dias, Hesodo conta que Zeus enviou Pandora a Epimeteu. Seduzido pela beleza, este tomou-a por esposa, esquecendo os conselhos de seu irmo Prometeu, que o advertira no sentido de jamais aceitar um presente de Zeus. Ora havia um vaso (Hesodo no nos diz que vaso era esse) que continha todos os males. Estava coberto por uma tampa que impedia o contedo de se extravasar. Mal chegou Terra, Pandora movida por uma imensa curiosidade, levantou a tampa do recipiente, e todos os males se espalharam sobre a humanidade. Apenas a esperana, que estava no fundo, ficou, por no conseguir sair antes de Pandora voltar a colocar a tampa no vaso. Segundo outra verso, este vaso conteria no os males, mas tudo o que de bom existe, e Pandora t-lo-ia levado a Epimeteu como presente de npcias, a mando de Zeus. Abrindo imponderadamente o recipiente, ela deixou escapar os bens, que voltaram para a morada dos deuses em vez de permanecerem entre os mortais. Os homens foram assim condenados a sofrer toda a casta de males; s a esperana, pobre consolao, lhes restava.

    O leitor que porventura desconhecer o mito de Pandora ir se basear apenas nas informaes presentes na narrativa machadiana, que ressalta o poder dessa mulher que carrega em sua bolsa os bens e os males. Nessa hiptese, no h como aprofundar a leitura estabelecendo novos elos entre as obras. Contudo, para aquele que conhece o mito hesidico, um grande leque se abre para que novos laos sejam estabelecidos, pois seu conhecimento acerca dessa figura

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    mtica permitir o enriquecimento da leitura do romance Brs Cubas. Convm observar tambm que o reconhecimento da intertextualidade multiplica senti-dos nas duas obras em dilogo, na medida em que a leitura de uma provoca a releitura da outra sob novas perspectivas.

    Ao escolher a intertextualidade como mtodo de abordagem do texto liter-rio, o professor dever definir os tipos de dilogos intertextuais com os quais ir trabalhar. Definies devem ser acompanhadas de exemplos e vice-versa, pois formam uma dupla indispensvel para a compreenso das obras estudadas. A ordem em que sero apresentadas uma deciso que cabe ao professor tomar, a partir de suas observaes e objetivos em sala de aula.

    Parfrase e estilizao

    ParfraseAo apresentar a parfrase em sala de aula, o professor deve lembrar aos

    alunos que ela se faz presente em nosso cotidiano e que a ela recorremos com frequncia em situaes variadas. Mas o que significa o termo parfrase?

    Parfrase: em sentido amplo, estamos nos referindo a um texto que retoma um outro, a que chamamos de texto-base ou original, procurando no alte-rar-lhe o sentido. A parfrase deixa clara a sua ligao com o texto original e no quer para si a autoria desse texto.

    Como se trata de um termo de sentido bastante amplo, convm ao professor re-correr tambm a definies oficiais, ou seja, aquelas encontradas em dicionrios, de preferncia, de termos literrios. Vejamos ento duas definies de fontes distintas.

    A primeira obra, de Harry Shaw (1973, p. 341-342), assim define o termo parfrase:

    Reexposio de um texto, mantendo-lhe o significado, mas dando-lhe uma nova forma. O termo deriva de palavras gregas que significam ao lado e discurso, e a parfrase implica, geralmente, um desenvolvimento do texto com o fim de torn-lo claro. Muitos crticos modernos discordam de que se parafraseiem textos, mas o exerccio dessa atividade essencial a todos aqueles que desejem entender bem aquilo que leem.

    Na segunda obra, de Karl Beckson e Arthur Ganz (1965, p. 391), lemos que a pa-rfrase a reafirmao, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

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    escrita. Uma parfrase pode ser uma afirmao geral da ideia de uma obra como explicao de um trecho difcil.

    Tomando como base as duas definies apresentadas, observamos que ambas mencionam que a parfrase tambm pode ser a reescrita de um texto a fim de torn-lo mais compreensvel. interessante acrescentar que nos dois dicionrios citados a definio do termo em questo ilustrada com parfrases de poemas.

    O professor poder sugerir uma atividade desse tipo em sua sala de aula. Aps a leitura de um poema selecionado, alunos e professor constroem uma parfrase do poema lido. Cabe lembrar que esse um exerccio vlido ao qual o professor pode recorrer tambm quando desejar verificar se seus alunos enten-deram um determinado texto, potico ou no, que esteja sendo estudado, pois s conseguimos contar com nossas palavras o que um texto quer dizer quando compreendemos o sentido desse texto.

    A seguir, convm complementar as definies de parfrase apontando para o uso frequente que fazemos dela em nosso cotidiano, dentro e fora de nossa sala de aula de literatura. Como possveis exemplos de atividades a serem apresenta-das pelo professor, sugerimos:

    O resumo de uma histria o professor pede aos alunos que faam o resumo de um livro, de um filme ou at mesmo de uma novela que este-ja em cartaz. Deve ser escolhida, de preferncia, a opo que permita o maior nmero de participantes possvel. Ao construrem o resumo de uma obra, que do conhecimento de todos, os alunos se policiaro e corrigiro uns aos outros caso alguma informao inadequada, que fuja ao texto ori-ginal, seja sugerida. O professor deve retomar as definies apresentadas, ressaltando que a parfrase se aproxima ao mximo do sentido do texto- -base. Ela quer ser fiel a esse texto e no rebelar-se contra ele.

    A explicao de um texto terico o professor pede aos alunos que leiam, individualmente ou em pares, um fragmento de um texto terico relativo literatura. Esse texto deve discutir um assunto j estudado pelos alunos. Aps a leitura, o professor pede aos alunos que expliquem com suas prprias palavras o que est sendo afirmado no texto selecionado. Aps a construo da parfrase pelos alunos, o professor pede que identi-fiquem a atividade que acabaram de realizar dentre as definies de par-frase estudadas. Para finalizar, o professor pede aos alunos que escrevam o texto elaborado, deixando claro que a parfrase no faz deles autores do ensaio crtico que serviu como texto-base. Parafrasear uma histria no

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    nos d o direito de nos julgarmos autores ou coautores dela. Essa obser-vao importantssima para que desde cedo os alunos aprendam a re-conhecer e a respeitar a autoria de textos, inclusive os de cunho crtico e/ou terico. Uma parfrase que esconda a sua ligao com o texto original deixa de ser uma parfrase e passa a ser um plgio.

    EstilizaoO professor deve estabelecer comparaes com a parfrase ao introduzir a

    definio de estilizao, pois ambas trabalham no vis das semelhanas.

    Estilizao: como a parfrase, a estilizao tambm no nega sua ligao com o texto-base ou original. Ela imita o texto-base ou um determinado estilo sem o objetivo de subverter o seu sentido ou de ironiz-lo.

    Aps essa primeira definio, o professor pode recorrer noo de desvio su-gerida por Affonso Romano de SantAnna, pois acreditamos que ela seja bastante esclarecedora, principalmente para aqueles que iniciam seus estudos sobre dilo-gos intertextuais. Em Pardia, Parfrase & Cia., SantAnna (2004, p. 38-42) afirma:

    Trabalhemos com a noo de desvio. Consideremos que os jogos estabelecidos nas relaes intra e intertextuais so desvios maiores ou menores em relao a um original. Desse modo, a parfrase surge como um desvio mnimo, a estilizao como um desvio tolervel [...].

    Vejamos a estilizao como um desvio tolervel. Por um desvio tolervel, estou significando algo quantitativamente verificvel, sem me envolver em problemas qualitativos. Ou seja: esse desvio tolervel seria o mximo de inovao que um texto poderia admitir sem que lhe subverta, perverta ou inverta o sentido. Seria a quantidade de transformaes que o texto pode tolerar mantendo-se fiel ao paradigma inicial.

    Isto me permite dizer que o escritor que produz esse tipo de efeito trabalha numa rea de pouca diferena em relao ao original. E esse tipo de desvio mais do que tolervel tambm um desvio desejvel, sem o que ele pode cair na parfrase pura e simples e perder o sentido da autoria.

    Para auxiliar a visualizao dessa questo de variao de desvio em relao ao texto original, o professor pode represent-la comparando-a com a ideia de apro-ximao e de distanciamento, que pode ser visualizada da seguinte maneira:

    texto original parfrase

    texto original estilizao

    Em seguida, o professor deve explicar que o desvio mnimo a que se refere SantAnna significa que o texto da parfrase est bem prximo, "colado", ao texto-

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

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    base. Da o desvio na parfrase ser considerado mnimo. Quanto estilizao, o pro-fessor deve mostrar aos alunos que a distncia entre o texto original e o estilizado maior. Esse desvio tolervel acontece porque o texto estilizado lembra o texto-base. Nele podemos perceber ecos do texto original. Por essa razo, seu desvio tambm chamado de desejvel porque se ele se aproximar demais do texto-base acabar se tornando uma parfrase e no uma estilizao. A estilizao tambm pode ser verificada quando um escritor imita o estilo de outro.

    Nesse momento, o professor deve conceituar o termo estilo, do qual deriva a palavra estilizao, destacando alguns dos seus significados mais relevantes:

    Estilo: a maneira como pensamentos so traduzidos em palavras; modo ca-racterstico de construo e de expresso na linguagem escrita e oral; ca-ractersticas de uma obra literria, mais no que diz respeito sua forma de expresso do que s suas ideias (cf. SHAW, 1973, p. 187). Essa palavra pode estar acompanhada de diversas referncias: estilo romntico, estilo clssico, estilo pomposo, estilo machadiano etc. Estilo deriva do termo latino stilus, que significa um instrumento pontiagudo de escrita.

    Como se pode observar, as definies do vocbulo estilo complementam a explicao de estilizao e oferecem argumentos para que os alunos possam melhor compreender os casos a serem estudados.

    Estudos de casos de parfrase e de estilizaoA intertextualidade como mtodo de abordagem no ensino de literatura ofe-

    rece ao professor a oportunidade de trabalhar textos literrios a partir de com-paraes que motivam a participao dos alunos para a descoberta de dilogos intertextuais, que fazem com que as obras literrias possam ser entendidas como os fios de uma grande rede formada de textos: textos que constantemente reto-mam uns aos outros; textos que se inserem numa tradio, dialogando entre si e com o mundo que os cerca.

    Estudo de caso de parfraseVejamos ento um estudo de parfrase.

    O primeiro passo a ser dado pelo professor ser o da escolha do texto original, que ser comparado a textos que o tomam como base, que partem dele.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    conveniente que o professor inicie o estudo de casos por um texto ori- ginal que favorea a participao dos alunos. Por esse motivo, a ttulo de ilustrao, selecionamos para nosso estudo de parfrase o poema Ora-o, de Jorge de Lima, que dialoga com a orao Ave Maria.

    importante que mais de uma leitura do poema seja feita em voz alta, de preferncia, por alunos que se ofeream como voluntrios.

    OraoJorge de Lima

    Ave Maria cheia de graas...

    A tarde era to bela, a vida era to pura,

    as mos de minha me eram to doces,

    havia, l no azul, um crepsculo de ouro... l longe...

    Cheia de graa, o Senhor convosco, bendita!

    Bendita!

    Os outros meninos, minha irm, meus irmos menores,

    meus brinquedos, a casaria branca de

    minha terra, a burrinha do vigrio pastando

    junto capela ... l longe...

    Ave cheia de graa

    ... bendita sois entre as mulheres, bendito o

    fruto do vosso ventre...

    E as mos do sono sobre os meus olhos,

    e as mos de minha me sobre o meu sonho,

    e as estampas de meu catecismo

    para o meu sonho de ave!

    E isso tudo to longe... to longe...

    A seguir o professor apresenta a orao da Ave Maria, pedindo a volunt-rios que faam as leituras.

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

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    Ave Maria

    Ave Maria, cheia de graa, o senhor convosco; bendita sois vs entre as mulheres, bendito o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Me de Deus, rogai por ns, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amm.

    A partir das leituras, o professor pede aos alunos que observem o assunto ou tema de que tratam os textos lidos como tambm a ocorrncia de pa-lavras ou expresses iguais.

    A seguir, o professor deve conduzir a discusso de forma tal que os alunos percebam que a poesia de Jorge de Lima retoma a orao Ave Maria numa parfrase linear, substituindo palavras ou intercalando frases com seus pr-prios versos, sem alterar o sentido da orao que serve como texto-base.

    Esse debate guiado auxilia o professor a mostrar uma das possveis maneiras de se estudar um dilogo intertextual. Aps os alunos terem compreendido as razes pelas quais se trata de uma parfrase, o professor passaria ento a trabalhar a anlise da poesia de Jorge Lima, ressaltando/relembrando o momento de nossa literatura em que esse poeta e suas obras se inserem.

    Estudo de caso de estilizaoVejamos agora um estudo de estilizao:

    A ttulo de ilustrao, selecionamos como texto-base para nosso estudo o poema Cano do exlio, de Gonalves Dias.

    Como na atividade anterior, as leituras so feitas, de preferncia, por alunos que se ofeream como voluntrios. Dessa maneira, diferentes alunos leriam:

    Cano do exlioGonalves Dias

    Minha terra tem palmeiras

    Onde canta o Sabi,

    As aves que aqui gorjeiam

    No gorjeiam como l.

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    Nosso cu tem mais estrelas,

    Nossas vrzeas tm mais flores,

    Nossos bosques tm mais vida,

    Nossa vida mais amores.

    Em cismar, sozinho, noite,

    Mais prazer encontro eu l;

    Minha terra tem palmeiras,

    Onde canta o Sabi.

    Minha terra tem primores,

    Que tais no encontro eu c;

    Em cismar sozinho noite

    Mais prazer encontro eu l;

    Minha terra tem palmeiras,

    Onde canta o Sabi.

    No permita Deus que eu morra,

    Sem que eu volte para l;

    Sem que desfrute os primores

    Que eu no encontro por c;

    Sem quinda aviste palmeiras,

    Onde canta o Sabi.

    Em seguida, para trabalhar a estilizao, o professor apresenta o poema Nova cano do exlio, de Carlos Drummond de Andrade, que dialoga com a Cano do exlio. Nenhuma referncia deve ser dada quanto ao tipo de intertextualidade existente entre os poemas para que os alunos possam se sentir estimulados a fazer essa "descoberta".

    Nova cano do exlioCarlos Drummond de Andrade

    Um sabi

    na palmeira, longe.

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

    53

    Estas aves cantam

    um outro canto.

    O cu cintila

    sobre flores midas.

    Vozes na mata

    e o maior amor.

    S, na noite,

    seria feliz:

    um sabi,

    na palmeira, longe.

    Onde tudo belo

    e fantstico,

    s, na noite,

    seria feliz.

    (Um sabi,

    na palmeira, longe)

    Ainda um grito de vida e

    voltar

    para onde tudo belo

    e fantstico:

    a palmeira, o sabi,

    o longe.

    Aps as leituras, o professor inicia o debate por meio de perguntas que estimulem a participao dos alunos.

    A seguir, o professor retoma, sempre por meio de perguntas, a definio do termo estilizao para relembrar aos alunos que na estilizao podemos perceber ecos do texto-base. O professor deve ento propor aos alunos que trabalhem em pares para que observem de que maneira o poema de Carlos Drummond de Andrade ecoa a Cano do exlio. Se necessrio, o professor orientar os alunos para que comparem os dois poemas observando, por

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    exemplo, os ttulos, a repetio de palavras e/ou expresses e o tratamento dado ao tema do exlio.

    Feitas as observaes, os grupos apresentam seus comentrios sobre os aspectos observados. Partindo desses comentrios, o professor inicia a anlise comparativa com a participao de todos.

    Para complementar o estudo desenvolvido em sala desse caso de estiliza- o, o professor apresenta uma anlise feita por um estudioso do assunto que discuta o dilogo existente entre as obras em questo. Nesse momento, o professor tambm deve chamar ateno para o carter intertextual dos textos crticos que so, na verdade, textos sobre outros textos, e que podem, ainda, fazer referncia a outras obras como suporte para seus argumentos.

    Vejamos, como exemplo, um fragmento da anlise feita por Jos Luiz Fiorin (2006, p. 45), que focaliza o caso de estilizao aqui apresentado.

    Percebe-se a imitao drummondiana pelo fato de o ttulo dos poemas ser basicamente o mesmo, pelo emprego dos termos sabi e palmeira, pela expresso do desejo da volta e pelo uso do vocbulo longe, que guarda si-militude com o l do poema gonalvino.

    Estas indica o que est prximo do enunciador; outro pressupe a exis-tncia de, ao menos, um diferente daquilo que nomeado. Ao dizer, estas aves cantam um outro canto, o poeta est dizendo que as aves que esto prximas dele se opem ao sabi, de que falava Gonalves Dias, que est longe. O poeta quer recuperar a realidade gonalvina, o espao onde tudo belo e fantstico. Os versos S, na noite,/seria feliz recuperam o seguinte passo do poema gonalvino: Em cismar, sozinho, noite/Mais prazer encon-tro eu l. O que o poeta est dizendo que seria prazeroso devanear sozinho dentro da noite estrelada e encantada de que fala Gonalves Dias, em seu poema. A forma verbal seria, porm, sugere que essa noite do presente no a da Cano do Exlio gonalvina.

    Aps a leitura da anlise, o professor deve motivar os alunos a discutir de que maneira o estudo da intertextualidade pode lanar novas possibilida-des de leitura nos dois poemas.

  • Intertextualidade no texto literrio: a parfrase e a estilizao

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    Texto complementar

    Leitura e intertextualidade: o cruzamento de teorias e prticas textuais

    (PEREIRA, 1998, p. 279-291)

    A leitura dos livros de Monteiro Lobato marcou profundamente minha formao pessoal e profissional. Tenho conscincia de que em quaisquer ati-vidades a que me dedicar, o genial criador me servir de inspirao. Essa in-fluncia lobatiana decorrente de, na sua obra, a lngua e a literatura serem contempladas em todos os seus pressupostos dos mais elaborados aos mais simples sob expresso clara e objetiva. No h firulas lingusticas ou literrias e, no entanto, h excelncia lingustica e literria, sem falarmos nas manifes-taes culturais diversas que permeiam seus textos. No ser diferente neste captulo. Para falar de intertextualidade, transporto-me para o livro O Picapau Amarelo. A trama se desenvolve a partir da carta do Pequeno Polegar escrita a Dona Benta, comunicando-lhe que o Mundo da Fbula vai morar no Stio.

    Prezadssima Senhora Dona Benta Encerrabodes de Oliveira:

    Saudaes. Tem esta por fim comunicar a V. Ex. que ns, os habitantes do Mundo da Fbula, no aguentamos mais as saudades do Stio do Picapau Amarelo, e estamos dispostos a mudar-nos para a definitivamente. O resto do mundo anda uma coisa das mais sem graa. A que o bom. Em vista disso, mudar-nos-emos todos para sua casa, se a senhora der licena, est claro...

    Praticamente no livro inteiro Monteiro Lobato faz intertextualidade de forma natural, clara e explcita. No h preocupaes com hermetismos, em lanar pistas falsas ou encobrir evidncias, s para citar alternativas usadas por certos escritores. A intertextualidade aparece na escritura do texto, no como se fosse recurso, algo para intencionalmente enfatizar, ampliar, redimensionar. Apresenta-se como parte da trama, inserindo-se na tessitura da obra. Dentre tantas passagens instigantes, podemos indicar algumas. A par da interveno do vis intertextual, Monteiro Lobato, como do seu feitio, d-se ao luxo de usar metalinguagem baseada no nonsense e/ou na ironia fina e sutil.

    H mar, sim advertiu Emlia. Peter Pan j trouxe o Mar dos Piratas. S quero ver como Netuno vai acomodar-se com o Capito Gancho. Este malvado est convencido de que o rei do mar ele...

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    Metodologia do Ensino de Literatura

    D. Quixote gosta muito de hospedarias lembrou Narizinho. Aposto que est procurando uma.

    [...]

    A intertextualidade pressupe um leitor de todas as linguagens voraz, atualizado, crtico antenado para perceber, cobrir passado e presente, com o olhar do futuro, possuir repertrio amplo, conhecimento literrio suficien-te, assim como estar atento a manifestaes culturais diversas. Dilui-se a importncia da intertextualidade se apenas a assinalarmos: devemos (re)in-terpret-la, constatando possveis implicaes para o sentido do que lemos ou escrevemos. Raramente so gratuitas. A citao, aluso, a referncia em si mesmas no traduzem nada, embora possam at embelezar o texto. H necessidade de ampliar o sentido, apreendendo-o plenamente. Um texto cita outro por vrios motivos: para enfatizar, para contradizer, mutilar ou po-lemizar as ideias do texto citado. Sempre, no entanto, dialogando com ele. O refinamento esttico que a interpretao proporciona pressupe consci-ncia crtica, seno a leitura resulta superficial, sem que se perceba todas as inter-relaes que lhe so imanentes. Vinicius de Moraes, em uma estrofe de Elegia Desesperada, nos faz lembrar a expresso tende piedade de ns de rituais religiosos da Igreja Catlica.

    E no longo captulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres.

    Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres.

    Enlouquecei meu esprito, mas tende piedade das mulheres.

    Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

    [...]

    Parece-nos fundamental tratar do ser humano com luz especial, recor-rendo a Bakhtin quando diz que a propriedade intertextual do discurso no secundria nem derivada, mas primeira e fundante: O prprio ser homem (exterior como interior) uma comunicao profunda. Ser significa comu-nicar [...]. O homem no possui um territrio interior soberano, ele se situa todo e sempre em uma fronteira: olhando para o seu interior, el