Meu querido Papa do Coração€¦ · Meu querido Papa do Coração Aqui cheguei hontem e dizer-lhe...

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António de Saldanha, carta n.º 138 Pág. 1/1 Coimbra 9 de Janeiro 57 Meu querido Papa do Coração Aqui cheguei hontem e dizer-lhe as saüdádes que tenho de todos é quasi inutil, porque são as maiores e todos os annos crescem em lugar de diminuirem; para além de tudo a cidade de Coimbra cada vêz lhe acho mais falta de vida e muito triste. Hontem quando cheguei encontrei logo o Capitãosinho do Maldonado que estava á minha espera com ordem de mandar noticias pelo telegrapho de como nós tinhamos chegado; de sorte que as estas horas já o Papa e o Tio Ponte sabem que o Manoel e eu viemos bem. A respiração tive-a um pouco presa a noite passada, mas hoje está de todo bôa. O Jozé está optimo e consta-me que dêo hontem uma lição tão bôa, que merecêo queo Lente de Physica Goulão lhe dissesse que tinha dito Excellentemente, hoje tambem foi chamado pelo Raymundo e este ficou contente. Muita pena tive de não vêr o Jozé Alva antes da minha partida; ainda mais que talvez o podesse ter visto senão tivesse partido tão cedo de casa; pois que esperei muito tempo em Santa Apolónia. Peço-lhe que não se esqueça do negocio do bedel; mas olhe que tenho n’isto todo o empenho e, como sei que se trabalha muito pelo outro lado, desde já digo que se o Papa se não interessar nada se consegue; mas tambem lhe asseguro, que, se o Papa quizer, está no caso de conseguir alguma cousa. Peço uma resposta a este respeito. Ainda bem que a Maman mandou hoje a chave da mala ao Ferrão que a trouxe; pois que o Caetano dava-lhe isto bastante que fazer. Como está o Abel, já mandou saber d’elle? Recados muitos e muitos á Maman Mana Tixi e a todos os de casa. Filho muito e muito amigo e obediente do Coração Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 138 Pág. 1/1

Coimbra 9 de Janeiro – 57

Meu querido Papa do Coração

Aqui cheguei hontem e dizer-lhe as saüdádes que tenho de todos é quasi inutil,

porque são as maiores e todos os annos crescem em lugar de diminuirem; para além de

tudo a cidade de Coimbra cada vêz lhe acho mais falta de vida e muito triste. Hontem

quando cheguei encontrei logo o Capitãosinho do Maldonado que estava á minha espera

com ordem de mandar noticias pelo telegrapho de como nós tinhamos chegado; de sorte

que as estas horas já o Papa e o Tio Ponte sabem que o Manoel e eu viemos bem. A

respiração tive-a um pouco presa a noite passada, mas hoje está de todo bôa. O Jozé está

optimo e consta-me que dêo hontem uma lição tão bôa, que merecêo queo Lente de

Physica Goulão lhe dissesse que tinha dito Excellentemente, hoje tambem foi chamado

pelo Raymundo e este ficou contente. Muita pena tive de não vêr o Jozé Alva antes da

minha partida; ainda mais que talvez o podesse ter visto senão tivesse partido tão cedo

de casa; pois que esperei muito tempo em Santa Apolónia. Peço-lhe que não se esqueça

do negocio do bedel; mas olhe que tenho n’isto todo o empenho e, como sei que se

trabalha muito pelo outro lado, desde já digo que se o Papa se não interessar nada se

consegue; mas tambem lhe asseguro, que, se o Papa quizer, está no caso de conseguir

alguma cousa. Peço uma resposta a este respeito. Ainda bem que a Maman mandou hoje

a chave da mala ao Ferrão que a trouxe; pois que o Caetano dava-lhe isto bastante que

fazer. Como está o Abel, já mandou saber d’elle? Recados muitos e muitos á Maman

Mana Tixi e a todos os de casa.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 139 Pág. 1/1

Coimbra 11 de Janeiro 57

Minha querida Maman do Coração

Recebi hoje de tarde a sua carta e a do Papa, as primeiras depois da minha

partida de Lisbôa; digo-lhe na verdade que tive um verdadeiro prazer ao lê-las; pois que

me fizerão lembrar muito todos e n’estes primeiros dias, depois da minha chegada aqui,

as saudádes que sempre se sentem parecem augmentar. Pela sua carta e a do Papa

conheço que estão com cuidado em mim e que receião que não tenha eu continuado a

soffrer do estomago; na verdade quando sahi d’ahi sentia-me um pouco incommodado

d’isso e até a prisão na respiração não a posso attribuir a outra causa; mas com uma

pouca de linhaça que tomei e mesmo continuo a tomar tudo passou; d’onde me

persuádo que só tive uma pequena irritação e mais nada. O Jozé está bem e tornou

hontem a dár lição ao Raymundo; desde que se abrirão as aulas todos os dias tem sido

chamado e não creio que isto lhe faça mál á saúde; pois que dizem-me que elle

trabalhou muito nas ferias e eu, quando cheguei aqui o outro dia, parecêo-me que o

achava mais gordo. Agradeço ao Papa o que elle me mandou dizer hoje pelo Costa e

diga-lhe que sei bem quanto elle é meu amigo. O que eu peço muito ao Papa é que inste

pelo bom resultado do negocio do bedel; pois para mim, por certos motivos, é agora

negocio de capricho e tenho todo o empenho no bom exito; soube hoje que alguem, por

cujas mãos os papeis aqui passarão, abafou a certidão de formatura em Direito, que o

meu protegido tinha juntádo, indique o Papa isto e sobre tudo peço-lhe que falle

novamente n’este negocio; pois que repito agora mais do que nunca me empenho em

favôr do bacharel formado.

Leio na sua carta a noticia da morte do Arcebispo de Paris. É horrivel! Se tiver

algum jornal com os detalhes peço que m’o mande. Adeos. Recádos á Mana, Papa, Tixi,

etc., etc. Recádos do Jozé e Caetano. Agora que escrevo, está-se cantando de certo em

São Carlos a Norma.

Filho muito e muito amigo e obediente do coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 140 Pág. 1/1

Coimbra. 17 de Janeiro. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta com data de 16, e de por ella

sabermos que vai melhor do seu incommodo da cara. Vejo que as Associações

continuão segundo o costume a dar-lhe muito que fazer. Chego a admirar como tem

paciencia para soffrer as massadas que ellas lhe causão; mas tambem nada menos é de

esperar, porque com o seu genio por muito que tenha que fazer ha de fazer tudo sem se

queixar. O que receio é que isso lhe faça mal á saúde.

Recebemos tambem uma carta do Papa, com noticias da soirée do thio

Redinha, e do Theatro.

Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano, João e Manoel que aqui jantou hoje.

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António de Saldanha, carta n.º 141 Pág. 1/1

Coimbra 18 de Janeiro de 57.

Minha querida Maman do Coração

Recebi a sua carta que nos dá a noticia de estár com uma mazelasinha no

beiço, que a tem incommodado bastante; muito sinto esta noticia e espero que a estas

horas esteja de todo boa; pois eu sei ja pela experiencia quanto fazem soffrer estas

cousas que de nada valem; porque o tál dente do siso, que me nasceu nas ferias grandes,

bem se deve lembrar que muito custou a romper. Nós todos aqui estamos bons e o Jozé

continua com os seus trabalhos. Dizem que vamos têr aqui uma representação muito

bôa no theatro Académico, fala-se que representará o Emilio das Neves e o Taborda do

Ginasio que veem de Lisboa expressamente para isso. Eu confesso que os divertimentos

aqui pouco me importão; mas apesar d’isso bom será que tenhamos uma noute de bom

theatro; mas a Maman e a Mana não forão, creio que pouco perderão; pois a verdade é

que são festas pouco divertidas; comtudo como creio que ainda lá não forão e como o

motivo foi a sua mazelasinha no beiço, sinto que perdessem a soirée. A Mana como vai

com os desenhos? Acabou-se o retrato da Substituta da Henriqueta? No dia 20 segundo

me consta á baile no club, imagino que vão e no dia 25 em casa da M. De Vianna, nós

cá estamos perdendo tudo isso, e na verdade não é com pouca pena; mas que remedio

ha. A Norma é que me consta foi mál. Adeos minha querida Maman do Coração.

Recádos á Mana Papa etc. etc. Tia Ponte e Tio Ponte em os vendo dê-lhes recádos

meus.

Filho muito e muito amigo e obediente do coração

Antonio

Recados do José e Caetano e Manoel.

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António de Saldanha, carta n.º 142 Pág. 1/1

Coimbra 21 de Janeiro 57.

Meu querido Papa do Coração

Hoje recebi a sua carta e tive tambem noticias suas pelo filho do V. de

Balsemão, que me disse têr a May escrito que vira a V. Ex.as todos no Domingo no

Paço; de sorte que vejo por todas estas noticias que a Mana Thereza tambem foi ao

Paço, o que me prova que está inteiramente lancée este anno; muito o estimo. Hontem

foi o baile do Club, aqui me lembrei bastante pela volta das 11 horas, de que a esse

tempo estava começando e que o papa naturalmente tambem lá havia de estar. A

Maman não foi; mas creio que não foi por causa do bouton que tinha no beiço; pois

julgo que deve estar bôa; porque na sua ultima carta quasi que o dava a entender já;

comtudo conffesso que não gostei saber que estava assim; pois estas couzinhas em geral

são perigosas quando se apanha ár e a Maman que tem muito cuidado com os outros,

comsigo tem muito pouco. Saberá que o Jozé dêo hoje lição em Mathematica e foi

muito bem e a este respeito lembrou-me fallar-lhe no negocio do Bedel, pelo que ouvi

dizer a alguem o concurso vai de novo ser anulado e o Pay não me dirá alguma couza a

este respeito? Tambem lhe peço que veja se o Rodrigo d’Almeida me manda dizer

alguma couza do negocio que eu lhe recomendei; pois eu tenho de dár uma resposta.

Dizem aqui que vai mudar o Ministerio, será verdade? Adeos recádos á Maman Mana

Tixi e a todos

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Caetano, Jozé e Costa.

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António de Saldanha, carta n.º 143 Pág. 1/1

Coimbra 24 de Janeiro 57.

Minha querida Maman do Coração

Hoje não tivemos carta sua, mas o Dr. Raymundo recebeo uma da Maman

perguntando-lhe noticias minhas; na verdade não sei porquê estes cuidados, posto que

não os possa deixar de agradecer. Para confessar toda a verdade eu estive um pouco

constipado e degenerou esta constipação n’um pequeno ataque de ictericia; mas tão

pouco foi este incommodo que eu julguei não valer a pena fallar de todo n’elle e apenas

me privou dum muito pequeno numero de dias d’aula, em todo caso hoje estou bom de

todo. Recebi hontem uma carta e sua e, além do gosto que tive em a receber, achei-lhe

immensa graça, pela animosidade, e que cada vêz mais parece augmentar, contra as

Marguerites Gautier, e que sempre mostra nas cartas que me escreve em todas as

occasiões que se dão. Acho muito justas as suas observações; mas sempre lhe direi que

a Dame aux Camélias é cobre estanhádo, em quanto a Lucrecia tem muito e muito

azebre. N’uma ignora-se de quem é filha e na outra a historia nos diz que nascêo no

meio das orgias d’Alexandre 6, o amante de Marguerite é o Armand Duval e o Conde

G, como muitos outros, a filha dos Borgias teve outros tantos talvez e n’esse numero

seus doüs irmãos e seu pay; porem uma era princeza e a outra uma pobre rapariga sem

nome; assim é tudo n’este mundo, desculpa-se aquella que pelo seu nome tem menos

direitos a ser perdoada. Ora veja a que dissertação a sua carta me levou, e nem por isso

julgue que não respeito a sua Norma; mas o máo é que a Rossi a canta tão mál. Agora

reparo que escrevi uma carta que a Mana não póde lêr; porem disse cousas tão bonitas

que não as quero perder. Hoje fico por aqui e peço muitos recádos para o Papa, Mana

etc.

Filho muito e muito amigo e obediente do coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 144 Pág. 1/1

Coimbra 25 de Janeiro 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Fiquei admirado ao lêr ha pouco a sua carta de 24, por n’ella me dizer que

esteve desd’o dia 18 até 24 sem receber carta alguma nossa. Não sei como isso fosse,

porque eu escrevi nos dias 17 e 22, e o Antonio tambem o fez no dia 20 ou 21. Na

minha carta de 22 lhe dizia que estavamos bem, e hoje digo o mesmo. Tem estado com

cuidado no Antonio, mas espero que fiquem sem cuidado n’elle com a carta do Dr.

Raymundo. O que o Antonio teve foi ictericia benigna. Espero, como disse já, que

fiquem socegados. Está muito frio, custa a soffrel-o. Tem sido o mesmo todos estes

dias, e de mais tem tambem chovido muito.

O Antonio tambem recebeo hoje 2 cartas do Papa uma de 21, outra de 23. Eu

não posso escrever hoje ao Papa, mas esta tambem é para elle.

Morreo o sogro do Dr. Bernardino. Já hoje o fui visitar, mas não o encontrei

porque tinha ido para casa do cunhado.

Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, do Caetano, e do Manoel.

Desculpe a insipidez da carta, mas é effeito da terra!...

Peço-lhe que me mande pelo Correio umas calças pretas muito fortes que ahi

tenho, para aqui as trazer por caza. O Antonio sabe quaes são.

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António de Saldanha, carta n.º 139 Pág. 1/1

Coimbra 27 de Janeiro 57.

Meu querido Papa do Coração

Hoje tive carta da Maman e vejo que todos estão bem e continuão a gosar dos

bailes e dos theatros, outro tanto não nos acontece; pois além do frio, que é fortissimo,

estamos cada vêz gostando menos d’esta terra, que a todos nos parece secantissima.

Hontem devia ser o beneficio do Nery Bavaldi e bastante se fallou pela voltas das 8

horas, que se tomou chá, quanto perdiamos de não estarmos em Lisbôa ouvindo este

tenôr; naturalmente amanhã tenho carta sua e saber-se-ha então que tál corrêo o

espectaculo d’hontem. Pela carta da Maman que recebi hoje, sei que o baile do Marquez

de Vianna esteve bom e que o Papa voltou ás 6 horas, tambem me diz a Maman que a

enteáda do Tio Saldanha fêz o seu débute e que é bonita sem ser uma bellêza, como se

dizia ao principio, boa pois, aqui em Coimbra posto que não ha bailes e novidades como

em Lisbôa, ha outras noticias, que de certo apezar da pouca importancia que teem para o

publico, não interessam por isso menos ao Papa e a Maman; o Jozé dêo hontem lição

em Mathematica e disse-me Dr. Raymundo que se tinha sahido muito bem, eu que por

agora não fui de novo chamado; mas espero que não tardará muito e o Dr. Neiva

continua a mostrar-se satisfeito comigo. O Dr. Bernardino, coitado, é que perdêo o

sogro e seria bom que o Papa lhe escrevesse. Agora por escrever, lembra-me pedir ao

Papa, que em encontrando o Rodrigo d’Almeida lhe pergunte, o que sabe do negocio

que eu lhe entreguei e o Papa manda-me dizer alguma couza; pois eu tenho por força de

dár uma resposta, peço-lhe muito isto. Diga-me dançou muito em caza do M. de

Vianna, no Club vejo que dançou bastante e creio bem a atrapalhação que teve, quando

lhe vierão tirar a Sr.ª D. Maria Eugenia. Adeos. Recádos á Maman, Mana, Tixi e a todos

que perguntão por mim. Recádos do Caetano, Jozé, Costa, Manoel e João Ferrão.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

António

Eu estou de todo bom, do pequeno incommodo que tive.

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Coimbra 31 de Janeiro 57.

Meu querido Papa do Coração

Hoje chegou a nomeação de Bedel para o empregado da Universidade que

estava servindo este lugar e o meu protegido ficou de fóra. Pondo de parte a justiça da

causa, o que sempre lhe digo é que o Papa tem verdadeiros motivos para ser grato ao

Julio e que o tál seu amigo politico tem no servido em tudo que lhe tem pedido. Eu pela

minha parte declaro que tantos obsequios deve o Papa ao Rodrigo, que lhe fêz tudo

quanto lhe pedio; quantos motivos de queixa tem do Julio, que nada lhe fêz das poucas

cousas em que lhe fallou e so soube dizer que se tivesse estado no lugar do Rodrigo não

tinha dado a commenda ao Dr. Bernardino. Elle creio que vai sahir do Ministerio, pelo

menos é o que se diz por aqui; mas tambem creio que o Papa ha de ter tanta bondade

que ha de continuar a soffrel-o e visital-o depois de isto tudo. Creia o Papa uma vêz por

todas, o palavriado só não basta, as acções é que são tudo. Hoje recebi a carta da

Maman de 30 e leio n’ella que o Jozé Alva tem deixado de todo de hir á Annunciada,

comigo tambem tem feito o mesmo e começo a estár um pouco escandalizado. Já lhe

escrevi duas vêzes, e cartas muito amáveis, ainda não dêo signal de si; realmente não sei

como explicar isto. Tambem não recebi resposta do Rodrigo d’Almeida e o Papa fazia-

me um grande obsequio se tratasse, mas seriamente, de saber d’elle alguma cousa a

respeito do negocio que eu lhe entreguei; pois estou compromettido a dár uma resposta

e declaro que dou um grande cavaco com isto; pois não sei que hei de dizer ao homem

aqui, lembra-me que se perdesse o memorial e n’esse caso desejava saber para mandar

outro, eu já não me importa com o bom exito do negocio, o que quero é não fazer figura

triste e dár conta de mim; mas torno a pedir ao Papa que trate d’isto e que não faça

como com o negocio do Bedel, que talvez se perdesse por sua causa; pois diga-se a

verdade, que foi cousa que nada lhe importou. Agradeço á Maman muito e muito tudo

que me diz na sua carta e deve ella estar certa que eu reconheço bem a sua amizade, e

interesse. Segunda-feira é dia santo de sorte que só temos aula na Terça-feira e agora

dous feriados seguidos, Domingo e Segunda-feira; depois toda a semana d’aulas, o que

não é má massada. Eu já estou bom. Li a carta do Tio Saldanha ao Conde de Farrobo e,

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posto achar razão ao Tio Saldanha, acho-a impropria e a publicação do Conde ainda

mais, tenho muito dó da prima Eugenia.

Muita pena tenho do Cypriano, tive realmente pena quando li hoje a carta da

Maman de o saber tão mál, peço que a Maman continue a dár-me noticias d’elle.

Agradeço á Tixi a sua obrigante carta, conto responder-lhe e hei de escrever tambem á

Mana, para ambas peço recádos bem como para a Maman. Adeos. Recados do Jozé e

Caetano para todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

António

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José de Saldanha, carta n.º 148 Pág. 1/1

Coimbra. 29 de Janeiro 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Pela sua carta de 28, que acabo de receber fico descansado, por vêr que tinhão

já recebido a carta do Dr. Raymundo, e que estavão certos de que o Antonio já está

bom.

Segundo eu disse já na minha ultima carta, elle não teve mais do que uma

benigna ictericia. Em quanto ao meu estado de saúde pode estar socegada porque estou

bom e até mais gordo pelo que aqui dizem. Tomo muito leite, e tem-me isso feito muito

bem. Pode ter a certeza que o Antonio não perde a preferencia, porque além de não

serem tantas as faltas que tem, quando mesmo o fossem, acresce serem dadas com um

motivo justo. Não imagina o frio que aqui tem feito. É de custar a soffrer! As frieiras

tem-me apouquentado de grande. Até tenho uma mão muito inchada, mas no fim de

tudo não quer isto dizer nada.

Não imagino com que cara ficaria o Fernando Redondo com o que lhe

succedeo no baile do Marquez de Vianna, e parece-me que não tem sangue algum nas

veias, pois, apezar de ter sido muito grosseiro em fazer o que fez, uma vez que o tinha

feito era soffrer-lhe as consequencias.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Está um frio horrivel. Não se sente a

pena com que esta escrevo, e que, como pode notar, faz pessimas letras já por ser de si

má, já por ser muito mal dirigida.

Dei hontem lição em Philosophia, e na 2.ª feira em Mathematica.

Agradeço o mandar-me as calças.

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António de Saldanha, carta n.º 149 Pág. 1/1

Coimbra 27 de Janeiro 57.

Minha querida Mamã do Coração

O Jozé recebêo hoje a sua carta e vejo o cuidado com que estão em mim; na

verdade não tem razão, eu tive uma ictericia muito benigna e não foi cousa de certo que

se podesse pegar, de mais eu hoje estou bom de todo e o Jozé até agora não mostrou

signaes de a têr apanhado; por isso está de certo escápo. Quanto a perder a preferencia,

nem pensar n’isso é bom. Como havia de perdel-a se estava ausente das aulas por

molestia e se faltei apenas muito poucos dias? Bem vê que não era possivel. Mas o que

não deve é ter mais cuidado, porque estou já bom. Li hoje a sua carta e as novidades que

conta do baile, não as sabia porque o Papa não tem escrito, sabia só que a Sr.ª Marqueza

de Vianna tinha dado um foguete n’um rapaz elegante, o Alexandre de Souza, por elle

não ter dançado uma contradança e ter ficado tambem sem dançar uma filha da Sr.ª

Marqueza, disse ella ao Alexandre que devia ter dançado com a sua filha, que não era

peior que todas as meninas bonitas que ali estavão, isto foi dito ao pé d’alguns que

estavão presentes e estando tambem o Infante D. Luiz. Sabia esta historia? Quanto á

historia do Fernando Redondo, tenho dó; mas elle é que teve a culpa; comtudo deve-se

dizer que o Francez é muito mál criado e foi pena que não encontrasse alguém que lhe

desse uma lição. Adeos minha querida Maman recádos a todos.

Sou

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

António

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José de Saldanha, carta n.º 150 Pág. 1/1

Coimbra. 1 de Fevereiro 1857.

Meu querido Papa do meu Coração

Recebemos hoje cartas suas e por ellas tivemos o gosto de saber que tem

continuado a passar bem de saude assim como todos os mais de caza. Pelas suas cartas

tivemos muitas noticias do Theatro e bailes, o que aqui se aprecia muito saber porque

visto não se poder gozar de tudo isso gosta-se de saber o que se passa ahi.

O Antonio está bom de todo. Tem bôa côr e está comendo muito bem. O Dr.

Bernardino não tem aqui vindo ultimamente por causa da morte do sogro, que teve lugar

ha dias, conforme o Papa deve ter já sabido.

Encontrei hoje o Guerra do Governo Civil, sempre com os seus cumprimentos.

Elle recommenda-se muito ao Papa. Tem aqui vindo o filho do Visconde de Balsemão,

que é um bom rapaz.

Já aqui sabiamos da historia do thio Saldanha com o Conde de Farrabo Pay,

por ter sido publicada nos Jornaes uma carta que o 1.º escreveo ao 2.º. O que succedeo

ao Fernando Redondo tambem não é máo.

Hoje há aqui em Coimbra Theatro Academico. Nenhum dos de caza lá vai.

Tem feito immenso frio. A serra está coberta de neve, e fazia bom effeito vel-a

hoje do Penedo da Saudade.

Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados á Maman, Thereza e

Tixi e acredite que sou do Coração

Seu filho muito amigo e obediente.

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano, Costa, Manoel e João Ferrão.

Recebi hoje as calças que mandei pedir e muito agradeço terem-m’as mandado

já.

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José de Saldanha, carta n.º 151 Pág. 1/2

Coimbra. 2 de Fevereiro 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta de 1 e outra do Papa e por ella

soubemos que todos estavão bem. Agradecemos immenso a sua lembrança de nos

mandar um fogão, mas não aproveitamos o seu offerecimento já por não valer a pena

arranjar isso, já porque um fogão nos poderia causar mais mal do que bem tendo nós,

como temos, de sahir a todas as horas do dia para Aulas e o mais que lhes diz respeito.

Pode ter a certeza, que apezar de estar muito e muito frio, não havemos de ficar mal por

falta de abafos. Hoje tem, além do frio, chovido muito. Hontem e hoje forão dias

feriados, mas o peior é termos agora 5 dias seguidos de Aula. É de morrer! Pergunta-me

o que estudo em Philosophia. Tenho estado dando desde o principio principios de

Mechanica, e em breve começo com a Physica. As materias do 2.º anno Philosophico e

Mathematico são mais bonitas mas dão tambem mais que fazer. Não é uma brincadeira

de crianças. Felizmente ainda nunca fui obrigado a perder a noite e em geral quando são

11 ½ horas da noite estou deitado. Muito dó e pena tenho tido de saber que o Cyprianno

está tão mal. É um tipo que se encontra uma vez na vida, e feliz aquelle que o encontra.

Tenho muita pena d’elle.

A pouco e pouco vai desaparecendo o resto da familia que ainda estava na

Bôa-Morte, e que eu via sempre com alegria por mil recordações n’essas occasiões eu

tinha. Quem lêr isto ha-de julgar que está fallando um velho que conta já muitos annos,

mas seja como fôr, o caso é que sinto o que digo e que não posso occultal-o. Gostava,

quando em Julho fôr para Lisboa, que me fosse possivel ainda vêr o Cyprianno.

Tambem tenho tido pena do pobre Padre Antonio, e o Antonio e o Caetano

tem ambos tambem tido muita pena d’elle, e sobretudo o Caetano, a quem demos esta

noticia precipita de mais.

Está aqui o Manoel que jantou hoje comnosco.

Amanhã recebo o dinheiro do premio. Tendo tirado este mez só metade da

minha mezada peço-lhe que aplique a outra parte do modo seguinte; 2000 rs para a

Associação, e 400 rs. para a Quiteria Velha, ou outra pobre, como melhor lhe parecer.

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José de Saldanha, carta n.º 151 Pág. 2/2

Será melhor que isto fique entre nós quero dizer, Maman, Papa, e Thereza,

pois não ha que ter segredos entre nós. O que dezejo é que não falle para cá n’isso. Não

posso ser mais extenso hoje.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recebi já as calças e tem-me feito muito commodo. Vejo que por fim não se

vendeo o cavallo.

Recados á Thereza, Papa e Tixi e thios e thias. Adeos vou massar-me. Não ha

vida mais contra o meu genio do que esta de estudante.

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José de Saldanha, carta n.º 155 Pág. 1/2

Coimbra. 11 de Fevereiro. /57

Minha querida Maman do meu Coração

Acredite que com a maior pena minha se tem passado tantos dias sem lhe

escrever, mas uma vez que isto não indique falta de amizade e esquecimento dos

seus, que remedio ha senão ter paciencia. A Semana passada, tendo tido 5 dias

seguidos d’Aula quando chegou o Sabbado achei-me tão cansado que me reservei

para escrever no Domingo, mas oh disgraça! succedeo justamente ter eu que estudar

n’esse dia uma lição muito trabalhosa e que me tirou todo o tempo, de sorte que não

escrevi, como tinha tenção, e hoje apresso-me em escrever para que não suceda

outra vez o mesmo. Apezar de não termos escripto pelo espaço de alguns dias espero

que não ficassem com cuidado em nós, pois o Caetano escreveo para caza por essa

occasião. Nós estamos todos bons. Já falta pouco para o Entrudo em que temos 4

dias feriados. Recebemos um convite da M.me O’Sullivan para o seu baile o que nos

penhorou muito e que alguem recebeo com bastante pena de não se aproveitar d’elle.

Hontem recebi a sua carta de 9 e o Antonio recebeo uma da Thereza, para

quem peço muitos recados. Estimei muito saber que o Cypriano estava melhor, e

amanhã espero ter melhores noticias. Coitado, tenho muita pena d’elle. A Sr.ª

Condessa da Ponte vai melhor, pois o João recebeo hoje uma parte telegraphica, que

isto lhe dizia. Não julgue que me esqueci do dia 9, e bastante me lembrei n’esse dia

da Maman.

Imagino o contente que o Barruncho deve estár com as noticias do filho, e

tambem acho que é uma felicidade para este ultimo estár no hospicio pois de certo se

acha sujeito a hum regimen muito melhor, do que se estivesse n’uma casa sobre si.

Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e acredite que

sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

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José de Saldanha, carta n.º 155 Pág. 2/2

Já de certo deve saber que dei lição em Mathematica no dia 5 e no dia 9.

Hontem 10 dei lição em Philosophia. O Antonio fez o outro dia muito bôa Sabbatina

em Direito Commercial. Elle manda-lhe muitos recados assim como o Caetano,

Manoel e João.

Eu peço os meus para o Papa, Thereza, Tixi, thios e thias.

São 9 horas da noite. Está tudo no maior silencio. O Costa foi ouvir um

Concerto de harpa. O Antonio está deitado e eu vou fazer o mesmo. Adeos.

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António de Saldanha, carta n.º 156 Pág. 1/1

Coimbra 14 de Fevereiro 57.

Minha querida Maman do Coração

Ha tanto tempo que quasi não escrevo, que confesso estou envergonhadissimo,

sem saber de todo como hei de começar; mas a desculpa está em eu têr tido bastante que

fazer ultimamente com as lições que tinha em branco pela doença e que foi necessario

vêr todas por causa das Sabbatinas, e a uma dessas, em que entrava parte das lições a

que não tinha assistido, fui eu chamado, foi a de Direito Commercial; agora tenho outra

em Direito Civil um d’estes dias. Esta Carta foi começada hontem; mas quando estava a

escrever veio o Luiz Candido e o Menezes que cá tomarão chá e passarão a noite, de

sorte que não foi possivel acabal-a e só lhe poude tornar a pegar agora que são 11 horas

da noite, depois de têr estudado, pois que esta manhã veio aqui o Manoel Ponte e

estando connosco recebêo a noticia da morte d’Avó; assim foi hoje um tál dia de

transtorno; pois depois veio tambem o Ferrão, que não tive um momento de meu.

Coitada da Sr.ª Condessa da Ponte, tenho pena pois era uma muito bôa pessôa. Este

anno já tem morrido bastante gente conhecida, o Padre Antonio tambem sempre que

penso me fáz pensar; o Cypriano felizmente está melhor, e estimei hoje saber esta

noticia, a pobre D. Joana é que me fêz rir com a maneira como recebêo a Maman.

Passando a cousas mais alegres dir-lhe-hei que recebemos um convite de M.me

O’Sullivan para o baile, já se sabe que me fêz vir agoa á boca; mas que remedio. Adeos

minha querida Maman do Coração. Recádos a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Caetano e Jozé.

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António de Saldanha, carta n.º 157 Pág. 1/1

Coimbra 21 de Fevereiro 57.

Meu querido Papa do Coração

Tenho escrito tão pouco ultimamente que receio seriamente que estejão mál

comigo; mas n’estes ultimos dias antes de ferias tem havido bastante que fazer, hontem

ainda sahi eu a outra Sabbatina em Direito Civil, fui segundo arguente e o meu

defendente era um dos premiados, creio que fui bem e o Neiva ficou contente, era sobre

materias que se tinhão dado quando estava doente. Hoje começarão as ferias e estes dias

hei-de procurar escrever a todas as pessoas com que estou em falta, Mana, Tixi, Tio

Ponte, etc. Amanhã temos uma perúa para o jantar, e creio que teremos alguns rapazes a

jantar, é o unico divertimento que se encontra n’esta triste cidade, só ha a companhia

d’alguns amigos; para vêr até que ponto chega a estopada d’isto aqui (que o Papa gosta

tanto!), é que hoje passámos a noite a fazer de soldados, a marchar no meu quarto,

bandas de musica etc. Nem parecia entrudo; felizmente faltão 56 dias d’aula para este

anno. É verdade dôu-lhe parte que o Dr. Bernardino foi nomeado socio correspondente

d’Academia das Sciencias, elle estava para escrever ao Papa dizendo-lhe isto; mas eu

encarreguei-me de lhe escrever e parecia-me bem que o Papa lhe escrevesse dando os

parabens. Teve uma votação unanime. Pedia ao Papa que perguntasse ao Horta se

recebeu uma carta minha ja ha muito tempo. Adeos. Recados á Maman á Mana Tixi e a

todos. Recados do Jozé, Caetano e Costa.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 158 Pág. 1/2

Coimbra 23 de Fevereiro /57

Minha querida Maman do meu Coração

Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta com data de 22 e de por ella

saber que todos estavão bons. Muita pena tenho do pobre Cyprianno. Era muito bom

homem, e eu era-lhe muito obrigado pois mostrava ser muito meu amigo. Acabou o

que ainda restava n’aquelle canto da caza da Boa-Morte, e o peior é que o que passa

não torna a voltar...

A D. Joanna tambem não está melhor, coitada. Não quero deixar de lhe

dizer que adivinhou e que com effeito tivemos hontem um jantarão. Peru, e arroz de

leite; e bem vê que não é pouco. Veio cá jantar o Manoel e o Luiz Candido. O João

Ferrão não veio porque, como cá tinha estado no Sabbado, á noite, não se achava

disposto a fazer a jornada lá de baixo até cá acima.

Hontem de tarde fômos para o Penedo da Saudade e lá andámos a pular e a

saltar. Atacou-se um outeiro (que fingia uma fortaleza) e houve uma pequena

batalha em que só se encontravão 5 pelejantes; nós 2, o Costa e os 2 que já acima

mencionei. Em quanto a jogar o Entrudo nada temos aqui feito, e está tudo em caza

como se tal não fosse. Pelas ruas pouco se joga e em quanto a desordens só houve

huma pequena hontem de tarde mesmo de fronte do Governo Civil, o que trouxe

comsigo a prisão de huns estudante que já hoje forão soltos, o que muito admira,

pelo menos a mim. Ouço dizer que houve hontem 2 bailes sendo hum em caza

d’uma especie de livreiro, e o outro dado em caza d’um estudante onde se reunirão

uma meia duzia de rapazes para conversarem, jogar jogos carteados, xadrez, Assalto,

Conversar sobre politica e futuro do Paiz, e para alguns d’elles mostrarem as cazacas

de botoens dourados. Veja que agradavel passa-tempo para rapazes, que no fim só

erão huns 12 ou 15. Esquecia-me dizer que não se admirem com esta nova especie

de divertimento pois alguns dos que d’elle partilharão já trazem des tabatières, e os

que as não trazem utilizão-se das dos parceiros. Não quero tambem deixar de dizer

que ha um individuo que se acha disposto a velar esta noite e as seguintes porque

quer por força publicar na 5.ª feira um artigo em que compara os divertimentos do

Carnaval em Veneza com os do Carnaval em Coimbra. Esta noite tambem ha um

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José de Saldanha, carta n.º 158 Pág. 2/2

baile em caza d’um habitante da terra. Todas estas noticias nos tem sido dadas aqui

em caza, e nada mais digo porque nada mais sei.

Quero vêr se escrevo amanhã á Mana, que com razão deve estár zangada

comigo.

Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados ao Papa,

Tixi, thios e thias, e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel e João Ferrão. Este ultimo está

desperado por terem nomeado tutor o primo e até escreveo a este ultimo uma carta

que não lhe pode ter sido muito agradavel, e em que lhe dizia por ultimo que

esperava que o thio Ponte fosse nomeado Tutor. Lendo a sua carta de 18, vejo o que

n’ella me diz a respeito da publicação do Museum of Science, do Dr. Lardner, e

confesso que gostava que a Maman, no caso de lhe não causar incommodo, a

assignar n’essa obra, pois é muito bôa obra, e talvez unica no modo como trata e tão

bem as differentes materias. Tambem peço á Maman o favor de vêr se o Silva ou

outro qualquer livreiro tem um livro, antes folheto do Garnier sobre a trisecção do

angulo, e no caso de não haver este folheto, outro qualquer livro de qualquer author

que tracte em especial d’essa materia. Se houver esse livro fazia-me muito favor se

m’o mandasse com brevidade. Se não o houver não vale a pena mandal-o vir de fóra.

Perdoe tanta massada. Adeos.

O Antonio começou a escrever-lhe mas como tem cá estado esta noite o

Balsemão por isso não pode acabar a carta, o que fará amanhã.

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António de Saldanha, carta n.º 160 Pág. 1/1

4 de Março – 57

Minha querida Maman do Coração

Recebi a sua carta que muito estimo, eu vou soffrivelmente da respiração; mas

ainda não bem de todo. Não devem ter cuidado pois o tempo ha de me pôr bom.

Amanhã não sei se teremos chuva pois o dia hoje tem estádo assim, assim. O Jozé está

bom, sempre com muito trabalho, os demais de casa estão optimos, o Manoel aqui vem

todos os dias, parece-me que a Maman devia vêr se indirectamente dizia á Tia Ponte que

lhe escreva, para que elle estude, elle é bom rapaz; mas bastante mandrião, necessita

que o espicassem. Desejo que a Tia não saiba que eu mando dizer isto; porque de facto

quem está encarregado d’elle é o O’Neill; mas eu como primo mais velho, sempre o vou

dizendo: já o outro dia ralhei com elle e fi-lo mesmo chorár, tinha sabido pelo Carlos

que é quem lhe ensina Geometria o mál que elle vai; disse-me elle que ao principio hia

bem; mas que agora era o peior de todos os que elle ensinava sendo o mais esperto.

Disse-lhe que não lhe pregava morál, porque não a sabia pregár e mesmo achava que era

tempo perdido, que só lhe mostrava as vantagens que lhe resultarião de fazer os exames,

o entrár para o anno na Universidade e não ter que passar aqui o verão, em fim elle

prometteo-me estudár e espero que o faça, pois é bom rapaz; mas não seria máo d’ahi

dizerem-lhe alguma couza. Peço segredo, não quero que se saiba que eu é que contei

isto, por causa do O’Neill; mas conto-o, pois he uma pena se elle mandriar, tem já o

exame de Latim e o resto pouco lhe deve custar. Bem differente é o nosso Jozé, que

junta ás suas optimas qualidades um estudo de ferro. Adeos recádos a todos e sou

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

O Manoel vem aqui todos os dias, como rapaz não se pode ser melhor;

necessita estudár mais alguma couza, coitado. Eu espero que lhe fizesse impressão o

que eu lhe disse, pois sobre tudo o que eu lhe provei, por ser mesmo a verdade, e de que

elle ficou convencido, é que o que eu lhe dizia era por amizáde.

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António de Saldanha, carta n.º 161 Pág. 1/2

Coimbra 13 de Março 57.

Minha querida Maman do Coração

Recebi hoje a sua carta que me causou muito prazer, como todas, e ri bastante

pela força e calôr com que a Maman me quer provar que está ao facto dos termos

Academicos e conhece toda esta phraseologia, estou certo d’isto e póde contar que

nunca mais hei de pôr em duvida a sua sciencia. Dôu-lhe parte que hoje dei lição na aula

do Neiva e creio que foi das melhores lições que se tem dado n’esta aula este anno;

assim m’o disserão pessoas que ouvirão. Este anno tenho já uma frequencia grande e

conto dár ainda mais lições, veremos como as cousas regulão, lá o neminesinho julgo,

sem grande injustiça, já está certo. Até Segunda-Feira hei de saber a opinião do mesmo

Neiva sobre a lição e mandár-lhe-hei dizer; como sei que gosta d’estas noticias hir-lhas-

hei dando sempre que as houver e creia que faço todas as diligências para as podêr dár;

ao menos n’esta parte não se poderá queixar, como se queixa na sua carta d’hoje de nós

não lhe ensinarmos mais termos Academicos, mas o caso é que a Maman tem muita

razão, nós somos muito preguiçosos em escrever, eu mais que o Jozé, e confesso-lhe a

verdade, ás vêzes quando penso n’isto tenho pena; pois que me lembro o prazer que

devem ter quando ahi recebem cartas nossas e como é desagradavel ver passar os dias

sem receber uma noticia, porque isto mesmo é o que nós sentimos aqui, com a

differença que a nós as suas cartas e as do Papa não nos faltão. Passando a outra cousa,

muita pena tenho tido da doença do Alexandre e muito dó tenho tido dos tios; realmente

hoje quando soube que elle estava melhor, aliviou-me esta noticia; pois que me fazia

muita e muita pena se o soubesse morto, dê a Maman da minha parte os meus parabens

ao Tio e Tia Ponte, eu escrevi ao Tio Ponte quando lhe morrêo a May, sábe se elle

recebêo a minha carta? A este respeito sempre lhe quero dizer que este anno tem-me

faltado algumas correspondencias certas, o Jozé Alva respondêo-me a uma carta e

nunca mais me dêo palavra, que é feito d’elle? O Horta escrevi-lhe, nunca me

respondêo, etc. Quanto á questão do dia, politica, as cartas d’hoje nada dizem de novo,

sabe o que lhe digo, terei muita pena que o Carlos Bento não chegue d’esta vêz ainda ao

Ministério, porque o julgo um dos homens mais habeis do nosso paiz, e creio que é

homem de bem, pelo menos tenho-o como tál, e a sua conducta em todo o sentido como

Deputado sempre tem provado isto, tem recursos e eu entendo ser uma necessidade

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António de Saldanha, carta n.º 161 Pág. 2/2

tentár homens nóvos; porque os velhos estão muito velhos, começando pelo Tio

Saldanha; que já todos sabem o que é. Consta-me aqui que o Papa já fêz o negocio da

máta de Miranda. É verdade? Se assim he, sem lhe querer dár conselhos, sempre lhe vou

dizendo que deve fazer examinar o córte por pessôa competente, o Calheiros por

exemplo, e que o dinheiro deve-o applicar em pagár dividas e aquelle que não applicar

n’isto, que fará muito mál se tál fizer; então ou o empregue na Anunciada ou Ribeira

Nova, ou em prata; mas não em comprar mais pratos com armas; porque embora sejão

bonitos, já tem muitos; mas sempre quero dizer ao Papa, e não se zangue Sua Ex.ª

comigo por causa d’isto que vou dizer, eu não devia tocar em nada d’estas cousas;

porque devia se fosse outro estár um pouco escandalizado com o Papa de ter feito um

contracto d’estes sem me dizer palavra antes, quando naturalmente consultou o Costa e

muito; porque eu não lhe quero de certo governar a sua casa; mas estou no caso de lhe

dár a minha opinião; porque primeiro tenho já idade e mais conhecimentos que o Costa

para isso, e depois de certo que tenho muito mais interesse, mesmo sem comparação,

pela casa e pelo Papa do que o Costa; além de que, se o tivesse feito, isto é se me tivesse

perguntado a minha opinião, como o Papa já por vêzes tem feito em cousas de nenhuma

importancia, dava-me uma certa consideração aos olhos do Costa, com a qual o Papa se

não havia de dár mal e para mim era agradavel. Eu estou quasi no tempo de deixar de

ser menino, pois mesmo já para o anno estou senhor de mim e muito estimava que

quando chegasse esse tempo essa confiança sem limites que o Papa deposita no Costa a

depositasse então em mim, que sou seu filho e tenho portanto muito mais direito a ella.

Desejo muito que torne a voltár o tempo de fazer companhia ao Papa sem ter de o

deixar para vir para Coimbra; mas desejo que a Minha companhia tambem lhe possa ser

util, para satisfazer assim quanto em mim caiba o trabalho que comigo tem tido, e ao

quanto lhe devo. Sei que o Papa é possivel que não goste muito d’isto que tenho estádo

a dizer, mas é o que sinto e por isso digo. Adeos minha querida Maman. Recádos a

todos, ao Papa, á Mana Tixi etc.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Caetano e Jozé.

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José de Saldanha, carta n.º 162 Pág. 1/1

Coimbra. 15 de Março. 1857

Minha querida Maman do meu Coração

Agora que são 11 ½ horas da noite acabo de estudar e escrevo estas duas

linhas á pressa para lhe dizer que estâmos bons. Hoje não recebemos cartas. Estamos

anciósos por as receber amanhã para saber as noticias. Dizem aqui que o Carlos

Bento e o Ferrer estão no Ministerio. O 1.º parece-me que não ha de ser máo; mas

em quanto ao 2.º não podião escolher peior. Alguns Lentes, como o Dr. Bernardino,

estão contentes com a nomeação do Ferrer; outros desesperados e tambem se diz que

estes lhe querem pôr a calva á mostra (como vulgarmente se diz) nos Jornaes. Que

miserias!... Não posso ser mais extenso. Recados dos de cá, e eu peço-os para os de

casa.

Seu filho muito amigo e obediente

Jozé.

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António de Saldanha, carta n.º 163 Pág. 1/2

Coimbra 16 de Março 57.

Meu querido Papa do Coração

Não tenho escrito desde o dia 13, porque como tinha dito á Maman que na

minha primeira carta mandar-lhe-hia dizer a opinião do Neiva sobre a minha lição,

estava á espera que o Dr. Bernardino me informasse do que tinha passado com elle. A

Resposta do Neiva foi muito bôa, disse que tinha ficado muito satisfeito, são as palavras

d’elle; veremos agora quando torno a ser chamado. O Jozé dêo hoje lição ao Goulão e

foi bem, como sempre. Passando á politica, a carta da Maman veio hoje confirmar, o

que já aqui se sabia, a organização de novo Ministerio. Mas o que me admira é a

pergunta da Maman, o que dirá o Antonio ao Ferrer? Parece-me que a Maman julga,

que eu sou do numero d’aquellas pessôas, que quando embirrão com um sujeito,

entendem-no por esse simples fácto incapaz para tudo, eu julgo o Ferrer homem de

talento e como Lente da Universidade optimo, tem meios e querendo póde muito; mas o

que duvido é que queira, não lhe falta a inteligencia, sim a probidade, pois que pelo

menos não é cousissima nenhuma como o Julio, que com a conssissima e supponhemos

mostrou nem saber gramatica. O Ferrer onde tem mais gente contra si é em Coimbra, e

não tardará muito que, segundo ouço, lhe ponhão a calva á mostra, e as maganeiras

d’elle tem o defeito, que não serão inferiores ás do Rodrigo e de recente dáta. É tambem

pouco delicado para vivêr com El Rei; mas isso outros muitos lá tem estado com iguaes

maneiras. O Carlos Bento esse acho optimo em todo o sentido, o Visconde de Sá não se

tinha perdido se sahisse. Fallou-se aqui antes d’esta noticia de golpe d’estado; mas eu

não acreditei; porque a Inglaterra não podia annuir a tál; pois além de tudo o mais,

aumentava a influencia Franceza, que já bastante dá que fazer á Inglaterra depois dos

negocios do Oriênte, e o Conde de Lavradio não dava de certo este conselho e elle tem

toda a preponderancia nas decisões d’El Rei; mas por outro lado confesso que, no meu

entender, o paiz não perdia, pois é necessario para o verdadeiro progresso um governo

energico.

Muita pena tive hoje com as noticias da Tia Pombal, é uma d’aquellas pessôas

que fáz pena vêr acabár. Quanto á Tixi creio que não será cousa de cuidado, e diga-lhe

que estimo as suas melhóras. Conto escrever-lhe para os annos. Voltando á politica,

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António de Saldanha, carta n.º 163 Pág. 2/2

muito me fêz rir a perdição de riso da Maman com o Carlos Bento. Recádos á Maman,

Mana, Tixi.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recádos do Jozé e Caetano. O Barão de San Tiago de Lordello recebêo a sua

carta e agradece. Remetto o retrato do D. Jozé Coutinho, que conheci muito bem e todos

aqui em casa igualmente.

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António de Saldanha, carta n.º 164 Pág. 1/1

Coimbra 23 de Março 57.

Minha querida Maman do Coração

Não tivemos hoje carta sua, conforme o costume e só se recebêo aqui uma do

Papa; mas como elle nada diz não temos cuidado. Aqui todos estamos bons e vamos

continuando com as aulas, onde ultimamente não temos sido chamados. Este anno tem

sido o mais regular de todos, depois que ando na Universidade e confesso que pela

minha parte, além de todos os motivos, tomára já vêl-o acabado; e até pelo Jozé,

coitado, que este anno seria necessario vêr, para podêr bem julgár o trabalho immenso

que tem tido. O Jozé hontem recebêo a carta da Mana, que foi segundo o costume muito

festejáda por nós ambos, entre outras cousas em que nos falla, é na chegada das Irmãs

da Caridade a Lisbôa, a Maman na sua ultima já nos dizia alguma cousa a esse respeito,

eu imagino quanto a Maman e a Mana andarão e as voltas que derão n’esse dia. Quantas

vêzes forão á Lúz? Mas a verdade é que poucas instituições ha no mundo que tanto

honrem a religião Cathólica e que bom era que ellas fossem introduzidas entre nós.

Passando a outras cousas, vejo que o Papa tem grandes planos e confesso que muito

approvo a compra do caleche, é bem necessario e agora tenho esperança que a Maman

tenha um trem mais decente que a sua traquitana; apesar que para os pobres e para os

becos pelos quaes anda só a traquitana lá possa hir. A caleche do Costa pequeno é

bonita, só a julgo um pouco pesada. A respeito do negocio da casa, vejo que o Jozé

jardineiro se foi embora; não tem questão, este anno houve algum espirito máo que

passou pelos criádos de casa, quasi todos tem mudado. Queria escrever mais, porem

reparo que é tarde e assim fico aqui. Diga a Maman ao Papa que se receber uma carta do

sobrinho do Sampayo da Revolução pedindo-lhe uma carta de recomendação para o

Bernardino, seja só uma méra formalidade; pois que este sujeito não merece interesse,

junta a ser muito máo estudante a qualidade de ser um tratantesinho, eu escrevo isto,

porque sei que elle disse a alguem que tencionava escrever ao Papa para lhe pedir uma

carta, e como eu entendo que o Papa, por que tem todo o empenho para o Dr.

Bernardino, não deve pedir cousas pouco justas, julgo dever avisar o Papa. Recádos ao

Papa, Mana, Tixi e a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 167 Pág. 1/1

Coimbra 2 d’Abril de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Esta manhã recebemos uma parte telegrafica do Papa em que nos pergunta

noticias nossas; na verdade eu e o Jozé confessamos o nosso pecado, sobre tudo eu que

tenho mais culpa; mas peço-lhe que creia e o Papa tambem que n’isto ha só perguiça

d’escrever e não falta d’amizade. Não sei se estão certos d’isto; mas desejo que o

estejão, e peço resposta para descançar a este respeito; porque me fêz pena a carta da

Maman d’hoje, em que diz que teve uma grande desconsolação de ainda no dia 1 lhe

faltar correio de Coimbra, este dito tem-me feito pensar bastante esta tarde. O Caetano

não tem escrito, não é por causa da Maman não lhe ter ainda respondido; mas sim por

culpa tambem nossa; pois antes de se deitar, todas as noites, vem ter comigo perguntar

se escrevo, eu repondo-lhe sempre, logo escrevo e com o meu eterno logo sou causa

d’elle tambem não o fazer. Elle pedio-me mesmo para lhe mandar dizer isto e já hoje

nos ralhou por causa da perguiça. Li hoje na carta da Maman a quantia em que foi

avaliada Alcobaça e só prova que é uma optima propriedade; mas não sei como se não

fêz valêr na avaliação o render hoje a propriedade territorial quasi sempre 3 0/0; é

verdade que isto só o podião fazer por equidade, pois que pela lei a avaliação foi bem

feita a 5 0/0 e segundo uma porporção que eu estive agora aqui a fazer o termo medio

dos 9 annos é 4$450000 rs.; mas o que eu entendo pouco justo, é ser o termo medio de 9

annos e não de 3 annos que marcão as Intencções para a Decima de 18 de Maio 1832

art. 10 §2. Diga-me se isto não lhe póde servir para a fazer valer mais, calcular a estes 3

ultimos annos em lugar de 9, isto é ideia minha e estimava que me dissesse o que acha.

Adeos minha querida Maman do Coração. Recádos á Mana Papa e a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

PS. É verdade que se a Maman e os Tios contão ficar com ella, quanto mais

barata ella fôr melhor.

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José de Saldanha, carta n.º 168 Pág. 1/2

Coimbra. 2 de Abril. 1857

Minha querida Maman do meu Coração

Espero que ao receber esta estejão mais socegados a nosso respeito.

Recebemos ha pouco uma parte telegraphica perguntando noticias nossas e ja a ella

respondemos. Essa parte telegraphica de certo foi motivada por falta de cartas

nossas, o que eu e o Antonio sentimos muito pois se ha descuido em escrever não é

por vontade nossa. Tambem receiamos que julguem que nós nunca pensâmos em

caza por escrevermos pouco, mas a este respeito posso dizer que não se passa um dia

que não pensemos muito em todos; pois essas recordações e conversas são as que

mais agradão e as unicas que nos distrahem. N’esses momentos até me chego a

convencer que aqui não estou. Felizmente já estamos em Abril, e aproxima-se o

tempo de deixar tudo que cada dia aborreço mais. Ninguem imagina o horror que

tenho a tudo isto.

Amanhã vai para Lisboa o João Ferrão. Elle veio aqui jantar hoje. O

Manoel não o tenho visto.

Estâmos com a Semana Sancta em caza. Faço ideia que a Maman e a

Thereza vão, segundo o costume, ás festas aos Inglezinhos. Eu acho que é onde se

fazem melhor todas as festas de Igreja, pois se fazem com devoção e seriedade.

Infelizmente não succede o mesmo em todas as nossas Igrejas.

Ainda não nos confessamos, porque estamos á espera d’um Padre muito

digno que é aqui do pé de Coimbra. Os Padres que ha por aqui são quasi todos bem

pouco dignos do seu cargo, de sorte que quando se acha um bom e serio é um

verdadeiro achado.

Tem estado um tempo horrivel de Chuva, o que não é muito de esperar

agora. Tem aqui estado estes dias a Sr.ª Viscondessa da Luz, e dizem que Sua Ex.ª

se demora aqui até ao dia 7.

Vejo que a Maman foi eleita de novo Presidente da Direcção, e parece-me

que para a Associação foi isso muito bom, porque não ha nenhuma outra Senhora

que a possa supprir.

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José de Saldanha, carta n.º 168 Pág. 2/2

Tirei este mez a minha mezada toda para comprar alguns livros de que

tinha necessidade. Não julgue que tenho uma grande livraria, tenho poucos livros,

mas bons, e isso é o essencial.

Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio e Caetano.

Dei na 3.ª feira, 31 de Março, lição em Philosophia, e no dia 21 dei lição

em Mathematica. Recebemos esta tarde a sua carta. Adeos.

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António de Saldanha, carta n.º 170 Pág. 1/1

Coimbra 3 d’Abril de 1857.

Minha querida Maman do Coração

A estas horas já deve ter recebido a parte telegrafica, em que lhe digo a grande

semsaboria e desgosto, que temos tido aqui hoje; mas creio que a parte foi mál redigida,

pois que dizia que o Manuel tinha partido contra a minha vontade, quando elle nem se

quer me veio dizer adeos; pois tambem se o tivesse feito eu tinha-o fechado em casa e

não o deixava de certo partir; porem eu só o soube á 1 hora, quando já não era possivel

fazer nada; ainda d’esta sorte eu tive ideia de correr até o apanhar na estrada de Lisbôa.

Foi uma partida mestra, andou hontem de noite bebado pelas ruas da cidade e esta

manhã partio. Entendo que o O’Neill (mas isto aqui para nós) teve culpa, pois não o

devia deixar partir e não lhe dár dinheiro; mas elle responde a isto que esta farto do

Manuel e o Ornellas, mas tambem para nós, teve culpa e muita, porque eu no principio

do anno tinha-lhe pedido que olhasse pelo Manoel e elle em lugar d’isto faltou ás suas

promessas e tomou parte na patuscada d’hontem á noite. O Costa entrou n’isso, mas

creio que não teve culpa e eu já lhe disse que havia d’escrever ao Papa justificando-se,

eu pela minha parte condemno muito todas estas ceias e este genero de vida em

Coimbra e estou farto de o dizer. O Manuel vai assim muito mál e é necessario castigal-

o muito e muito severamente. Nós pela nossa parte não o queremos em casa, pois

queremos estár descansados, e o Caetano hoje é um dos que se oppoem muito a isto.

Hoje tem sido um dia d’afflição aqui em casa e Deus queira que o Manuel não adoeça

no caminho. Que historia e como estará a Tia Ponte, coitada. Na verdade o Manuel tem

muito má cabeça.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Escrevo hoje ao Tio Ponte

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José de Saldanha, carta n.º 171 Pág. 1/2

Coimbra. 5 de Abril. 1857

Minha querida Maman do meu Coração

Esperavamos hoje receber cartas para ter noticias, mas não as tivemos mas

esperamos não ficar amanhã sem ellas. Temos estado afflictos, zangados e com

cuidado de que o fugido não tenha ficado doente ahi pela estrada. Não imagina a

Maman o que nos tem mortificado e indignado o passo que o Manoel deo, pois é um

passo que, por muitos doidos que aqui ha e tem havido, não ha memoria que nenhum

d’elles o desse. É um caso unico e tanto mais lastimavel por ser o heroe quem é, e

filho de tão dignos Pays. Não posso pensar em tudo isto sem me zangar. Fui amigo

do Manoel, e ainda o sou, apezar de elle me mostrar ultimamente, isto é há couza de

3 ou 4 mezes, a maior indifferença,... e, como sendo amigo d’elle deveria defendel-o

ou procurar pelo menos fazel-o, mas declaro que não acho pé nenhum para isso. O

que confesso é que tenho muito dó d’elle e sobre-tudo dos Pays. Não posso tambem

deixar de dizer que quem tem alguma culpa do Manoel estar tão feito de sua vontade

é a thia Ponte, pois não o querendo de certo fazer por mal, ella sim, deitou o filho

um pouco a perder. Peço á Maman desculpa de dizer isto de uma irmã sua, mas

digo-o porque o sinto, e parece-me que não me engano no meu juizo. O thio Ponte

ha-de certo de ter tido um grande desgosto com tudo isto. Eu o que digo é que nunca

me passou pela cabeça que tal sucedesse. Coitado do Manoel! Veio para aqui com os

olhos ainda um pouco fechados sobre esta vida, e, como elle tinha a cabeça muito

leve, deixou-se arrastar a ponto de ouvir as doutrinas de certos Cavalheiros de

Industria, que dizem guiar-se só pelos pontos de honra, e outras asneiras, e como as

ouvisse amiude foi-se capacitando n’ellas, e seguio-as á risca! Infelizmente nenhum

esforço dos que erão seus amigos verdadeiros o poderão livrar do perigo, pois a nada

attendia; um iman fatal o attrahia para os que o havião de perder tarde ou cedo.

Conseguirão o seu fim, chegou a hora de poderem contemplar a sua obra. Lançarão a

confusão e desordem n’uma familia, e fizerão-me perder a doce illusão de ter um

amigo da minha idade, e mais ainda, pois a não ser com o Antonio, com mais

nenhum rapaz tenho vivido tanto como com elle.

Desculpe a desordem d’esta carta, mas era-me necessario desabafar. Peço

que não mostre esta carta á thia Ponte, porque as verdades nem sempre se gostão de

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José de Saldanha, carta n.º 171 Pág. 2/2

ouvir, o que é uma infelicidade. Adeos minha querida Maman do meu coração

muitos recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio e Caetano.

O Antonio escreve amanhã e eu tambem. Estâmos já em ferias. Recebi

hontem a sua carta do dia 3. Ficamos admirados por não terem recebido no dia 2

pelo telegrapho a nossa resposta, pois mandamol-a logo. Adeos. Amanhã escrevo.

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António de Saldanha, carta n.º 172 Pág. 1/2

Coimbra 6 d’Abril de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Hoje finalmente tivemos noticias do Manuel e eu mesmo recebi uma carta

do Tio Ponte, á qual acabo de responder; realmente estou muito lisonjeado pela

confiança que elle mostra em mim, e estimava que a Maman me dissesse se elle está

contente da maneira porque eu tenho andado em todas estas cousas do Manuel. Eu

entendo que da minha parte fiz quanto me foi possivel para evitar estas zangas e

desgostos e n’este ponto não me accusa a consciencia. O Manuel se não tiverem toda

a severidade com elle, pode ainda fazer asneiras maiores ás que acaba de fazer.

Quando elle disse que tinha jantado aqui na 5.ª feira mentio, pois que, como eu

ralhava com elle, ha muito tempo que não vinha aqui; o elle dizer que o O’Neill

approvou a sua sahida de Coimbra tambem é uma falsidade. Tenho muita pena dos

thios e receio para o futuro, já digo, se o Manuel não fôr tratado agora com todo o

rigôr. Passando a outras cousas, vejo que as obras na Annunciada vão muito

adiantadas e que devem ficar bonitas, uma cousa lembro eu, é que o Papa não tire as

trancas das janelas que dão para o jardim; pois póde pôr parafusos d’um lado e outro

para as tirar de dia, e o tiral-as de todo é uma falta de segurança que se não deve

sacrificar ao luxo e elegancia; sobretudo quando se está em Oeiras e a casa está só.

No jardim é que a estufa deve ficar bonita, já que o Papa tem ahi obras; deve

tambem mandar fazer uns caixotes para as rozeiras do Japão, que estão tão

necessitadas e que é pena se se perderem. E a respeito de rozas do Japão pedia á

Maman que em tendo resposta do Porto me mande dizer. O outro pedido que fiz na

carta em que fallava nas rozas já está satisfeito, hoje recebi a carta do Papa para o

Dr. Frederico e agradeço-a muito. Hoje me pedem aqui outra cousa a Sociedade

Consoladôra dos Afflictos d’aqui deseja saber da Maman como é que se ha de dirigir

á Imperatriz para lhe pedir uma esmóla e no caso de ser um requerimento se a

Maman toma conta d’elle, forão Lentes que me pedirão isto.

Esquecia-me agradecer á Maman a sua lembrança de hirmos ao Bussaco,

ficará para o anno por motivos que são longos para expôr; além de que a estação por

ora está fria. Quanto a hirmos a Lisbôa nunca nos lembramos de tál, o Jozé porque

tinha que fazer, eu porque tinha hido no Natal e não gosto d’abusar. Lembra-me por

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António de Saldanha, carta n.º 172 Pág. 2/2

occasião de fallar no Bussaco perguntar pelo corte d’Azinhaga, em que pé vai isso?

O Calheiros foi lá? Adeos minha querida Maman do Coração. Recádos do Jozé e

Caetano.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recádos ao Papa, Mana, Tixi e a todos.

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António de Saldanha, carta n.º 173 Pág. 1/1

8 d’Abril 57.

Meu querido Papa do Coração

Hoje mandei dizer pelo telegrafo ao Tio Ponte que, uma vêz que o Papa e a

Maman anuissem, eu e o Caetano estavamos promptos a receber o Manuel. Julgo ser

um verdadeiro serviço que faço aos Tios e por isso resolvi-me a tál, sou amigo dos Tios

e apesar da responsabilidade que vou têr não duvidei fazel-o mais tempo. É a unica

maneira do Manuel ainda no futuro podêr hir bem. O que me parecia bem é que a

Maman dissesse ao tio Ponte que seria bom escrever elle ao Caetano entregando-lhe o

Manuel. Quanto á approvação do Papa e da Maman a consciência diz-me que a devo

têr; pois que dando este passo procurei andar bem e segundo o verdadeiro interesse dos

Tios. Respondo á Carta da Maman, que diz têr tido o Costa muita culpa da bebedeira do

Manuel por se achar presente e não têr impedido; não lhe era possivel, porque o Manuel

não costuma ouvir razão de pessoa alguma e o Costa não tinha força para o fazer sahir

da cêa, creio que n’isto não teve o Costa culpa, quem a teve toda foi o Ornellas, com

quem por este motivo cortei relações. Adeos meu querido Papa do Coração. Recádos á

Maman, Mana, Tixi e a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 174 Pág. 1/2

Coimbra. 8 de Abril. 1857

Minha querida Maman do meu Coração

Hoje não tivemos cartas suas, nem decerto as podemos têr todos os dias,

mas tivemos noticias de todos por uma carta do thio Ponte. Este está pelo que se vê

muito afflicto com a conducta do Manoel, como de esperar era. Não é possivel achar

caza para o Manoel, isto é caza onde haja um homem que o sustenha. O Antonio

n’estas circumstancias foi ter com o Caetano, que disse, não sem custo, não se oppôr

á vinda do Manoel aqui para caza, não sendo isso contra a vontade do Papa e da

Maman, com a condição de que o thio Ponte lhe ha-de conceder um poder illimitado

sobre o filho, assim como ao Antonio. O Manoel se para aqui vier para caza ha-de

mudar completamente de vida. Ha-de estudar todos os dias, e não só quando estiver

arriscado; ha-de deixar de andar com os seus antigos companheiros, e com a roda

que com elles vive; e não ha-de andar vestido contra o regulamento e de grande

cachimbo, pois que, apezar de muita gente se rir talvez d’esta mania de trazer

cachimbo, é comtudo má couza, pois dá um ar ordinario e pouco proprio, e já que o

individuo não tem de si um ar muito distingué, ao menos ande decente. Parece-me

que se elle poder, e quizer sujeitar-se a este novo modo de vida não lhe ha de provir

d’ahi mal algum. Outra couza a que elle se ha de sujeitar é a ir passear com o

Antonio, ou com o Caetano só, para que d’este modo quebre, se possivel fôr as

relações que elle tem adquirido não se sabe como. Como elle tem uma cabeça muito

leve, se para aqui vier ha-de ser tratado com amizade, mas com todo o rigor, e não se

lhe ha-de perdoar a menor couza. O Antonio escreve tambem n’este sentido á

Maman e ao thio Ponte esta noite, e será bom que este saiba tudo o que deixo

referido, e do que o Caetano e Antonio exigem. A vinda d’elle para aqui é mais uma

prova d’amizade para com os thios, pois não é indiferente tomar sobre si a educação,

se assim posso dizer, d’um rapaz quasi perdido e teimoso.

Faço ideia que a esta hora chegão a Maman e a Thereza a caza de volta dos

Inglezinhos, e preparando-se para lá voltar amanhã. Eu fui hoje com o Caetano ouvir

o officio a um Comvento que ha perto do Penedo da Saudade, e conto lá ir todos

estes dias. Gosto muito d’esta Igreja porque é muito socegada e limpa, e ha em tudo

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José de Saldanha, carta n.º 174 Pág. 2/2

muita devoção. Hoje foi o officio rezado pelas Freiras. Não estava quasi ninguem.

Começou o officio ás 5 ½ horas da tarde e accabou cedo.

Depois ainda fui um instante á Sé, ouvir a musica, que não é lá muito bôa.

Estava lá o Bispo, e amanhã ha Pontifical. Aqui na Se tambem fazem muito bem as

festas todas.

Recebi esta noite a caixa com o chá e os sapatos, que muito agradeço.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que

sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio e Caetano.

Dou os meus parabens ao Monsenhor pelo dia dos seus annos. Deve ter

estado famoso com a historia do padre que exigio a sua confirmação na sua

nomeação. Adeos.

Não quero deixar de agradecer á Maman a sua lembrança de nos fazer sahir

d’aqui estas ferias. Não a aproveitamos porque não vale a pena por 6 ou 7 dias, além

d’estas festas, e tambem tanto eu como o Antonio temos massadas de dissertações.

Quem dêra cá o mez de Julho. Recados a todos. Adeos.

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José de Saldanha, carta n.º 175 Pág. 1/1

Coimbra. 11 de Abril. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Não quero deixar de lhe escrever hoje para lhe dar as boas festas, e aproveito a

occasião para agradecer as suas cartas, e pedir desculpa de não lhe ter escripto vai já em

algum tempo.

Está passada a Semana Sancta que se celebrou este anno com grande estrondo

na Sé. Hontem houve n’essa Igreja um Sermão muito bom pregado pelo Dr. Donato.

Pregou muito bem. Este anno não houve festas na Universidade por não haver dinheiro.

É a primeira vez que tal succede, pelo menos n’estes ultimos annos.

Recebemos hoje uma carta da Maman em que nos diz que o Papa consente que

o Manoel venha aqui para caza, e recebemos tambem uma carta do thio que se mostra

muito grato ao Papa, Maman, Antonio e Caetano.

Fui hoje vêr os Palmellas, pois o Filippe, que tem estado doente, mas já se

levanta. Elles são muito bons rapazes. Esta tarde recebemos uma encommenda da parte

da Maman, que muito agradecemos. O Antonio está bom. Dentro em 2 mezes terá o

gosto de o vêr em casa. Por esta occasião lembra-me fallar ao Papa n’uma couza, que o

Antonio, pelo que tenho percebido, não quer pedir, porque não gosta de estar sempre

com pedidos, mas que me parece elle ha-de gostar de encontrar em Lisboa quando

d’aqui fôr. É se o Papa lhe compra um cavallo. Decedi-me a fallar n’isto, pelos motivos

que acima digo. O Caetano manda muitos recados ao Papa assim como o Costa.

Adeos meu querido Papa do meu Coração, muitos recados a todos e acredite

que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Antonio.

Esteve hoje aqui o Dr. Bernardino.

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António de Saldanha, carta n.º 176 Pág. 1/2

Confidencial

Coimbra 13 d’Abril de 57.

Minha querida Maman do Coração

Naturalmente quando abrir esta carta e a lêr ha de rir bastante; apesar d’isto

como tenho toda a confiança na Maman e sei que deseja deveras o meu bem vou

dizendo. Acabo de saber ha poucos dias que um morgado de Lamego trabalha para

conseguir casar com a Ferreirinha do Porto, como me lembro o que a Maman me

disse, quando lhe fallei n’uns projectos meus a respeito da filha do J. P. Da Costa,

projectos que depois perdi em vista do tamanho da pequena, não quero deixar de

prevenir a Maman d’esta noticia, para no caso de assim o entender, dár alguns

passos e dispôr este negocio em meu favôr, pois d’outra sorte mais tarde podem

haver compromissos com o outro, que hoje ainda não será difficil vencer, pois o

sujeito além de tudo é pouca cousa de juizo, formou-se em Coimbra ha dôus annos e

eu conheço-o muito bem. Quem me contou isto foi o Dr. Raymundo, a quem o rapaz

contou ha dias, quando esteve aqui, trazendo o irmão para Coimbra. Ora eu daqui a

pouco estou formado, de Maio a um anno, e confesso que estimava muito achar um

partido vantajoso; pois que agrada-me muito viajar, servir o meu paiz, etc., e conto

muito para isso com alguma cousa que tenho estudado; mas essa posição brilhante,

que posso occupar um dia, mais facil será com bastantes meios, um exemplo d’isto

temos no Tio Palmella, que de certo uma das cousas agradaveis que teve na sua vida,

foi a bella fortuna da Duqueza actuál. O Jozé já está arranjado pela sua parte e eu

tambem estimava outro tanto para mim. Eu conto em meu abôno alem da posição um

bom comportamento e o ter feito felizmente até hoje bôa figura na Universidade e

mais alguma cousa se Deus quizer este anno. Para a casa do Papa tambem isto terá

grandes vantagens, pois que Azinhaga alem de tudo poder-se-ha muito augmentar,

etc. A menina dizem tambem que é bem educada. O peior que eu tenho é ser

Saldanha, porque a May dizem que embirra bastante com este nome; mas este

defeito, que eu tenho para ella, não será talvez difficil tambem vencer. Em fim pense

a Maman a este respeito e faça o que entender, lembre-se só que ha mouro na costa,

como se costuma dizer, e no caso de a isto se resolver peço só um pouco da energia

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António de Saldanha, carta n.º 176 Pág. 2/2

que lhe conheço. Adeos minha querida Maman do Coração. A Senhora em questão

creio que está ainda hoje em Inglaterra; mas o tál Senhor Manoel de Carvalho, que é

o Morgado de Lamego, tem trabalhado já para lá a este respeito.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Se entender que deve fallar ao papa, falle. Tenho uma ideia de ouvir dizer

que o Jozé Passos é todo da May, mas não sei isto com certeza.

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António de Saldanha, carta n.º 177 Pág. 1/1

Coimbra 13 d’Abril de 1857.

Meu querido Papa do Coração

Não tenho escrito ha uns poucos de dias, porque estava á espera de passar a

Semana Santa, para lhe dár juntamente as bôas festas, bem, como á Maman, Mana e a

todos de casa, sem esquecer a Tixi já se sabe; o Caetano e o Costa tambem as mandão.

Hontem na Sé houve pontificál, a que eu assesti, sentado ao pé dos Lentes e mais o

Marquez de Souza. Foi feito e celebrado com toda a pompa, bem como toda a Semana

Santa aqui; na 6.ª feira do officio da nôute, tambem fui á Sé e estive na Capella mór ao

pé do corpo cathedratico; de sorte que já vê que figurei bastante este anno. Eu este anno

estou muito serio e o Dr. Raymundo ainda o outro dia m’o disse, sábe o que faço muita

vêz de tarde, vou passear para o jardim com os Lentes e ando com elles toda a tarde,

lembra-se que quando estava aqui Governador Civil era isto cousa de que eu fugia

sempre. Mas não ha remedio, já este anno tomo gráo e certas cousas que fazia no

primeiro anno já agora não tinhão desculpa e até mesmo me não divertem, e outras ha

que se tornão agora necessarias. O Jozé é que tambem tem uma vida muito seria, e esse

então o que fáz é dár grandes passeios só, até muito longe; eu tambem o faço ás vêzes,

mas menos. Estes dias tanto elle, como eu temos tido grandes massadas com

dissertações, o Jozé tinha duas e eu uma. O Jozé já entregou uma, e a minha está quasi

prompta, tenho-me esmerado em apresentar o meu trabalho o melhor que me é possivel,

pois que d’elle depende muito qualquer distinção que possa este anno ter e para o que

tenho deveras trabalhado. A Dissertação é para o Neiva, a quem peço que o Papa

escreva dando-lhe as bôas festas e agradecendo-lhe todos os obsequios que me tem

feito, porque é impossivel tratar com mais distincção do que elle me tem tratado.

Amanhã esperamos o Manuel, e agradeço ao Papa o ter annuido aos meus desêjos, eu

tomei esta resolução por desejar servir os Tios, de quem sou amigo. Agradeço á Maman

as amêndoas, porque n’estas cousinhas vejo muito bem, que tanto a Maman como o

Papa se lembrão sempre de nós, e isto causa-nos um verdadeiro prazer e gratidão.

Recádos a Maman, Mana, Tixi e a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Ha resposta a respeito das rozas do Japão que a Maman pedio para o Porto?

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José de Saldanha, carta n.º 178 Pág. 1/1

Coimbra. 14 de Abril. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Pedio-me hoje o Rocha (Antonio) que lhe desse uma carta minha para o Papa

para ella servir de apresentação a um Bacharel em Direito chamado Acacio Hipolyto

Gomes da Fonseca, que se acha em Lisboa pertendente não sei do que. Eu não me podia

recusar a isso, mas escrevo hoje ao Papa, avisando-o d’isto e pedindo-lhe só que quando

o homem o fôr procurar o trate bem, e em quanto á sua pertenção, como o Papa não é

muito conhecido do Ferrer, e, provavelmente, ou de certo não quer pedir nada a nenhum

dos Ministros, desculpe-se como poder, e não se afflija por isso. A pessoa que me pedio

a carta, ella mesma, é que me deo a entender isto, mas pedio-me todavia a carta para se

não comprometter com o dito pertendente. Desculpe tantos incommodos e pedidos, mas

a isso me atrevo porque estou certo da amizade do papa. Não posso ser mais extenso.

Muitos recados do Antonio, Caetano, Costa e Manoel e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

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José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 1/3

Coimbra 14 Abril. 1857

Minha querida Maman do meu Coração.

Não quero deixar passar mais dias sem lhe escrever e por isso o faço hoje

dando-lhe tambem as bôas, pedindo-lhe que as dê da minha parte á Thereza e á Tixi,

posto que conto escrever-lhes amanhã para esse fim. Ha immensos dias que não lhe

escrevo, e declaro que não sei como isto tem sido. Ja fiz uma dissertação, a de

Mathematica. É bonita. O objecto d’ella é a trisecção do angulo, por meio do circulo

e da hyperbole. Parece-me que não está má. Esta noite quero ver se faço a de

Philosophia, ou, pelo menos, se a começo. Não é tão bonita como a de Mathematica,

pois versa sobre a demonstração theorica do decrescimento da intensidade do som a

partir do centro de vibração que o produz. Pouco se pode dizer sobre isso. Tem-me

esquecido dizer-lhe que tenho ultimamente andado a estudar acustica. É bonito e

divertido. Cá tenho estudado a theoria dos diferentes instrumentos, por exemplo o

pianno, a razão por que se empregão os sustenidos, e estas e outras tantas

trapalhadas. O que não tem duvida é que o estudo das sciencias naturaes é muito

interessante.

Hoje chegou o Manoel, chegou bom. Eu fui esperal-o á Malla-Posta

julgando que elle viesse só, mas chegou com o seu creado, que parece muito bom

homem. Eu não disse nada ao Manoel sobre as suas aventuras, pois não tenho geito

de ralhar, nunca o fiz e se o fizesse havia isso de me affligir muito. O Antonio é que

lhe prégou depois do jantar um grande Sermão. Tenho esperança e quasi certeza de

que o Manoel se ha-de portar bem. Elle parecia estar acanhado, pelo menos a mim, e

isso não é máo. Elle fica no quarto do Antonio no lugar onde eu estava, pois, como

não posso dispensar um quarto para estudar só e socegado, fico dormindo no quarto

onde sempre tenho estudado, isto é no quarto ao pé da salla. O Manoel ha-de estudar

no quarto onde dorme. Estuda elle d’um lado e o Antonio do outro. Não digo que o

Manoel fique muito commodamente alojado, pois alguns dos seus móveis ficão

n’outro quarto, que se lhe teria dado, acaso não fosse tão pequeno, mas tambem não

se pode dizer que fica mal de todo. Em quanto a eu sahir estou penhoradissimo da

confiança que em mim depozitão, mas não me posso encarregar, quero dizer sahir

muito com elle, pois, tiradas as ferias em que sahio todos os dias e dou passeios

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José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 2/3

formidaveis, sahio pouco só ás vesperas de feriados. Alem de que sou muito

exquisito, eu mesmo o reconheço, mas gosto muito de andar só. Comtudo, sempre

que poder, n’isto e em tudo o mais estou prompto a fazer tudo.

O Criado jantou cá, e esteve cá toda a tarde a conversar. Parece homem

muito capaz. Elle vai amanhã para Lisboa, e vai encarregado de muitos recados

nossos para todos. Pelo Manoel tivemos noticias de todos. A galeria dos paineis da

Thereza vai augmentando, e tomára já a hora de a poder vêr. Sei que o Papa recebeo

a minha carta em que lhe fallava na compra do Cavallo para o Antonio e hoje peço á

Maman que não perca esse negocio de vista. Com a sua carta recebi outra sua para o

Costa. Diz-nos que lh’a entreguemos no caso de ser isso conveniente; mas o Antonio

diz que não ha necessidade d’isso, e eu tambem me inclino ao mesmo parecer e por

isso não a entregámos a quem era dirigida. A carta está forte, força é confessal-o,

mas se fosse necessario fazel-o não podia d’ahi provir obstaculo a ella ser entregue,

pelo contrario. Em quanto ás mezadas do Manoel, de tudo fiz sabedor o Caetano e

creio que elle escreve á Maman sobre isso.

Sei que o Nhonho faz de Menino do Coro em São Luiz, e bom é que elle se

divirta com isso. Elle é muito bom rapaz. Por uma carta do Horta e pelo Manoel

soubemos que temos mais um primo. O que sinto é que a thia Julia esteja muito

incommodada, como diz o Manoel. Adeos minha querida Maman do meu Coração

muitos recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio e Caetano e Manoel, que se foi agora mesmo deitar.

Como escreve provavelmente com anticipação ao thio Pedro, desde já peço os meus

parabens para elle pelo dia 18, e os dou á Maman e ás thias. Adeos.

Fallando agora mesmo com o Caetano, elle me diz que não escreve á

Maman, e me pede lhe diga o seguinte. Este anno em virtude da carestia dos generos

cada um de nós tem duas moedas por mez, e o Costa tem o mesmo, e as d’este

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José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 3/3

ultimo são só para comida, d’onde parece que o Manoel tambem deve ter 2 moedas.

Eu d’isto nada sei, e digo o que me dizem e mais nada.

Não entreguei a carta ao Costa; porque foguetes já elle tem levado

bastantes meus e do Caetano, tenho-lhe dito tudo quanto ha de mais forte e n’outra

não se mette elle; apesar que n’esta é uma daquellas em que elle tem tido menos

culpa. Fique isto só para a Maman e Papa.

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 181 Pág. 1/1

Coimbra 17 de Abril de 57

Minha querida Maman do Coração

Não sei se é bom ou máo pressagio; mas o que não tem questão é que ha uns

poucos de dias para cá, devido ao acaso de certo, tenho tido por minha parte

informações para os meus projectos; assim não quero deixar de lhas communicar. Além

d’aquellas que lhe mandou hontem o Caetano, soube hoje, quando estavamos ao jantar a

conversar em diversas cousas, que o Manoel tinha vindo na mala-posta, com um homem

que lhe dissera que a Ferreirinha acabava de chegar ao Porto vinda de Inglaterra, não sei

até que ponto isto será verdade; mas digo-lhe sempre. Tambem está agora aqui um

proprietario rico chamado Manoel Antonio Francisco de Cerdeira Guedes Pinto, natural

d’Aviz, creio que pertence esta terra ou é proxima do Pezo da Regoa, veio vêr um filho

que tem no 5.º anno, este sujeito foi um dos que contribuio mais para que a menina não

casasse com o Manoel de Saldanha, é muito cabralista e tem influencia na May, protejeo

ha tempos o Conde de Samodães nas suas pretenções. Hontem estando este sujeito

conversando com o filho mais velho do Barão da Varzea, Luiz Candido, fallou-lhe a

respeito de estudantes serios etc., e o Luiz Candido que, como a Maman sábe, é muito

nosso amigo, e nunca perde uma occasião de dizer bem de nós, assim como no Natál já

o fêz dando as melhores informações ao Souza do Marquez de Subserra, informações

que o Souza repetio ao Marquez, tambem agora, logo que o homem fallou n’esta

materia, começou a elogiar-nos muito. Ora todas estas cousas tem sido resultado do

acaso; mas não as acha de bom agouro? E a chegada da senhora ao Porto, é que explica

o dito do tál morgado de Lamego, seu patricio, dizendo que hia agora tratar deveras

d’isto. Adeos minha querida Maman. Naturalmente ri-se d’esta mania com que estou

agora; mas confesso-lhe que estou nos ares com isto; pois tenho tido optimas

informações d’este negocio, e não são tantos, que valha a pena perdel-os.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 182 Pág. 1/2

Coimbra 21 d’Abril de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Recebi hoje a sua carta de 20 que me foi annunciada pela do Caetano

d’hontem, vejo o que se tem feito, e agradeço muito, approvo inteiramente o

segredo que quer que se conserve. Passando a outras cousas, que horrôr me fêz o

que me conta da mulher que está no Salitre, com os seus bixinhos, he d’aquellas

cousas que me parece que deve incommodar o assestir e confesso que entendo

que se não conssentisse, a sciencia nada ganha, e é uma vida exposta inutilmente.

Mas o Monsenhor deve estár optimo com isto, se elle não estava já, como

imagino, magnifico com as historias do Padre de Moçambique, confesso que não

percebo como o Nuncio lhe dêo o Beneplacito, e de certo que o Governo andou

bem e muito bem fazendo desembarcar o Padre. As cousas desfazem-se pela

mesma maneira como se fazem, é isto regra de Direito, e o Governo portanto que

o tinha nomeado Prelado de Moçambique podia tambem deital-o fóra, pois não

chegou a ser coládo, é esta a opinião de Lentes de Theologia, com quem tenho

fallado n’esta materia e o Nuncio abusou do seu poder dando o Beneplacito.

Diga-lhe isto para o ouvir. O Salvador é que fêz figura triste com a tál historia de

ser Escrivão do D. Izidoro. Quem o outro dia me fallou muito em Monsenhor foi

o Dr. Menezes, que pregou nas exequias do Sr. Marquez de Pombal, estáva em

Roma, e tomou n’esse anno ordens, quando Monsenhor lá estava. O Dr.

Constancio tambem o outro dia me disse, por que não vai Monsenhor para

Moçambique? Este Dr. é com quem Monsenhor teve as historias. Aqui está

assunto para a caturrice. Como está a Mana? Tomára ter tempo para lhe escrever.

Diga-me, não me respondeo sobre Alcobaça. Desejava saber o que achou ao que

eu dizia. O Manoel está optimo, o Jozé tambem, mas agora tem uma massada

enorme, estuda 10 horas ás vêzes por dia. É muito, e tomára-lhe vêr o fim do

anno, coitado. Confesso que cada vêz mais me espantão os estudos em Lisboa, F.

de Mello, segundo dizem, não perde pitada e é premiado. Combina portanto o

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António de Saldanha, carta n.º 182 Pág. 2/2

tempo que elle tem d’estudo com o do Jozé. Adeos. Recádos ao Papa. Recádos do

Manoel Caetano e Jozé.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Que noticias ha do Barruncho?

Diga ao Pay, que lhe mande recádos meus.

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José de Saldanha, carta n.º 183 Pág. 1/1

Coimbra. 22 de Abril. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Tivemos hontem uma carta sua, e hoje tivemos noticias de todos por uma

carta da thia Ponte escripta ao Manoel. Este tem continuado bem, e oxalá que

continue. Fui esta tarde, quasi noite, visitar o Luiz Balsemão, que chegou de Lisboa

e me deo noticias de todos pois esteve, pelo que me disse, na Annunciada. Elle é

bom rapaz e comnosco tem sempre sido muito delicado. Passei um bocado divertido

a ouvil-o contar o que tem lugar no Salitre com os bixos. É couza admiravel, e

confesso que tenho pena de não os poder vêr, ainda que reconheço que quando os

visse não estaria de certo a sangue frio e muito contente.

Tem estado um lindo tempo e já vai fazendo algum calor. Isso é o peior

porque incommoda para estudar. Tomára o tal anno acabado; não tem sido má

estupada.

No dia 26 faz annos a prima Maria Rita Asseca, e peço os meus parabens

para ella.

Não tenho podido escrever á Thereza e Tixi mas fal-o-hei logo que possa.

Não posso ser hoje mais extenso. Adeos minha querida Maman do meu Coração

muitos recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio e Caetano e Manoel

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António de Saldanha, carta n.º 185 Pág. 1/1

27 de Abril de 57

Meu querido Papa do Coração

Apezar de não receber carta sua ha muito tempo, não estou com cuidado

porque pelas cartas da Maman sei que está bom, e como tambem não posso julgar que

esteja mál connosco, attribuo esta falta ao muito entertido que anda com as obras

d’Annunciada. Felizmente posso esperar fazer acto d’amanhã a 6 semanas e por todos

os motivos estou desejando muito já esse tempo e entre outros, porque necessito muito

mudar de ár; ultimamente tenho soffrido muito da respiração, e os ataques teem sido

fortes; pedia portanto á Maman que logo que receber esta me mande as pastilhas que

fizerão bem ao Alexandre Ponte, com todas as indicações sobre a maneira de as tomar.

Peço que não se afflijão com estas noticias, porque são ataques como os outros muitos

que tenho tido ha dous annos para cá, somente um pouco mais fortes e repetidos. Mas

tudo isto passa em eu chegando a Lisbôa; porque o que me fáz mál é a vida sedentaria,

que aqui levo. Ainda assim não tenho deixado um só dia de hir á aula, e mesmo antes

d’hontem, como deve saber pela carta do Caetano tivemos gente aqui, 4 Lentes a tomár

chá. O ataque em geral é de dias a dias de intervalo e vem de noite. Passando a outras

cousas muito gostei do que a Maman me conta do baile da O’Sullivan, e parece-me que

a Mana não foi mál; mas pouco rica. Espero e sei de certo que a cára era muito mais

bonita que a do figurino que a Maman mandou. O Barão de Paiva partio hoje e hontem

o Jozé, Manoel, e eu fomos-lhe deixar os nossos bilhetes. O Manoel continua muito

bem e todos estamos muito contentes com elle. Adeos meu querido Papa do Coração.

Recádos á Mana Maman e a todos, sem esquecer a Tixi. Peço ao Papa e á Maman

novamente que não se afflijão com a minha respiração; pois ha de passar e agora mesmo

estou bem.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Jozé, Manuel, e Caetano.

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José de Saldanha, carta n.º 186 Pág. 1/1

Coimbra. 29 de Abril. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Ha immensos dias que lhe não escrevo, mas tenho um modo de vida tão

atrapalhado que nem sempre faço o que quero.

Recebi hoje a sua carta de 28, e tambem recebi o Garnier. Como me tinha dito

que o mandava pelo Paiva, fui eu vizitar a este quando elle aqui esteve, por signal que

lhe deixei um bilhete com o meu nome e o do Manoel, porque fui lá 1.ª vez mas estava a

caza cheia de gente que se não podia entrar, e quando, com intervallo talvez de 1 hora lá

voltei, já elle tinha sahido. O Garnier não me é de necessidade mas estimo tel-o, porque

é bom livro.

Hoje tivemos feriado, e amanhã tambem, de modo que esta Semana só temos 4

dias de Aula, e o mesmo tem lugar para a semana seguinte. Felizmente vai-se

aproximando mais o tempo de deixar Coimbra. D’hoje a 6 semanas devem o Antonio e

o Manoel já estar em Lisboa com os seus actos feitos. O Costa vai para Lisboa logo no

principio de Junho pois só faz acto tarde.

Tem estado um tempo muito bonito, e o campo está lindo. O Antonio vai

passear todas as tardes com o Caetano e Manoel, que continua no bom caminho. Esta

noite estiverão aqui o Viegas, o Balsemão e o Luiz Candido. O Viegas é optimo rapaz.

Somos muito amigos um do outro, e pela minha parte é dos rapazes que tenho

encontrado de quem seja mais amigo pois é muito e muito bom rapaz.

Pelas cartas do Caetano deve já talvez saber que no dia 25 dei lição em

Philosophia e no dia 27 em Mathematica.

Estive hoje muito tempo com o O’Neill na Loja do Livreiro. Parece-me que

elle vai viver para Inglaterra, no que lhe acho mais razão do que em estar aqui. Muita

vontade me deo de rir do que diz do Antonio ter convidado o seu Confessor a tomar

chá, e foi muito bem pilhado. Não tenho escripto á Thereza, mas peço que não repare

n’isso. Amanhã ha These em Mathematica d’um rapaz do Porto chamado Lobo. Eu hoje

não posso escrever ao Papa. Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos

recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

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António de Saldanha, carta n.º 187 Pág. 1/1

Coimbra 29 d’Abril de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Julgo que, em consequencia da minha carta d’antes d’hontem ao Papa, ha de

estar com cuidado em mim; assim não quero deixar hoje de lhe escrever, para lhe dizer

que ha 3 dias a esta parte tenho passado muito bem e tenho esperança que me torne a

pôr bom da respiração completamente. Tenciono apesar d’isto para a semana, que ha

dous feriados seguidos, 5.ª e 6.ª feira em consequencia de ser este ultimo dia,

anniversario da entrada dos Constitucionaes aqui, hir ao Bussaco; ainda lá não fui e

espero muito na mudança d’ár; pois que o anno passado, depois da hida a Pombal,

passei o resto do tempo muito bem em Coimbra. Vou só com o Menezes, os outros não

vão, e fica reservada esta patuscadinha para o anno por motivos que não posso agora

expôr. Excolhi o Menezes para hir comigo, porque é um verdadeiro amigo meu e que

tem por mim um interesse como d’irmão, sempre o tem mostrado n’estes 5 annos que

temos vivido quasi como companheiros, elle logo que lhe fallei n’isto disse que sim, e

se o tempo deixar será um divertimento, ao mesmo tempo um remedio. Aqui nada ha de

novo, dei hoje com o Caetano e o Manuel um lindo passeio, e agora á noite tivemos

aqui alguns amigos. O Jozé está optimo; mas esse poucas vêzes passeia comnosco;

porque gosta de andar só. O Manuel continua muito bem. Li hoje a sua carta ao Jozé e

vejo que a Maman quer mangar um pouco comigo; o tál Padre que nos confessou é

muito bom homem, e não julgue a Maman que eu tenho odio a Padres; sempre que são

bons estimo-os muito, e acho tão elevado o seu fim, que para mim o Padre debochado

equivale á mulher bebeda, que é tudo quanto ha de mais nojento. Passando a outras

couzas que ha de novo sobre certo negocio! Diga-me o Papa está mál comigo, pois não

me escreve ha muito.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recádos ao Papa, Mana e Tixi. Recádos do Jozé, Caetano e Manoel.

A Thereza está mál comigo de eu não lhe escrever ha muito tempo?

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José de Saldanha, carta n.º 189 Pág. 1/1

Coimbra. 2 de Maio. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Não quero deixar de lhe escrever hoje para que não fiquem com cuidado em

todos nós, que felizmente continuâmos a passar bem. Hontem tivemos uma carta

sua, e hoje tivemos noticias de todos por uma carta que o Manoel teve.

Hoje ha um baile dado em favor da Sociedade Philantropico-Academica.

Parece-me que não estará lá muita gente. Acha-se agora aqui o Luiz Candido, que

vem de lá pois, como estava de batina, só lá esteve em quanto não entrou mais gente.

Temos rido bastante com couzas do tal baile pois quem conhece todos estes Lentes e

os Estudantes que se querem fazer janotas, não pode deixar de rir. Quem teve a ideia

do Baile foi o Dr. Bernardino, mas elle hoje não parecia já tão satisfeito. Hontem

começarão os Concursos de Theologia. Hontem fez a prelecção o Dr. Menezes o

mesmo que prégou nas exequias do Marquez de Pombal.

Estamos no mez de Maio, e já esta tarde houve uma horrivel trovoáda.

Onde vai a Thereza este anno ao mez de Maria? A São Jozé?

Este mez tirei a mezada toda porque tenho de comprar alguns livros. Já vou

tendo alguns livros, e menos máos.

O Manoel está optimo, e não parece o mesmo. Oxalá que assim continue.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio Manoel e Caetano.

Recados ao Papa Thereza e Tixi.

O Antonio não tem tido ataques de respiração.

Minha querida Maman

Ainda não recebi as pastilhas para a respiração. Adeos.

António

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António de Saldanha, carta n.º 190 Pág. 1/1

Coimbra 3 de Maio de 57.

Meu querido Papa do Coração

Ainda hoje se passou o dia sem ter o gosto de receber carta sua, desde 1

d’Abril que não recebemos uma só letra sua e confesso que já vou perdendo as

esperanças de ter este gosto. Está doente, ou está mál comnosco? Todos estamos aqui

admirados de tão grande silencio e sem sabermos o motivo. Eu vou hindo melhor da

respiração e hoje recebi as pastilhas da Maman, mas estou com as esperanças perdidas

da hida ao Bussaco; pois que ha dous dias não cessa de chover e deve estár tudo muito

molhado e incapaz. Dentro em 38 ou 39 dias devo estár em Lisbôa e não é sem

impaciencia que vejo ainda tantos dias para esse tempo chegar. Coimbra gozou hontem

d’um baile; mas nós não fomos, eu só tomei bilhete, porque não queria que dissessem

que não o tomava; mas resolvido a lá não hir. Os Palmellas tambem lá não forão. Houve

motivos que nos fizerão escandalizar com os senhores que lá estavão á testa d’este baile.

O Manuel continua muito bem. Tenho muita pena do que a Maman me diz hoje do Tio

Linhares que é muito bôa pessoa; fáz muita pena e sempre me lembra o Tio Linhares

como sendo um dos homens mais polidos que eu tenho conhecido, coitado. O Luiz de

Silveira fáz dó, coitado, mas confesso que sinto muito menos e sem escrupulo; pois nós

não podemos ter igual pena de todo o proximo. A Maman falla hoje com cuidado nos

passeios solitarios do Jozé. Não lhe dê cuidado. Os campos de Coimbra são muito

seguros e não tem essas poças e perigos que imagina. O Jozé é optimo e mesmo não é

possivel ser melhor do que elle é; agora vai sempre ao mez de Maria ao convento das

Therezinhas. Que diz a isto a Maman e a Mana? Passando a outras cousas, que

novidades me dá sobre certo negocio que julgo a Maman lhe deve ter fallado. Recados

do Caetano, Jozé e Manuel. Recados á Tixi e muitos e muitos á Maman e á Mana.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 191 Pág. 1/1

Coimbra. 6 de Maio. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração.

É hoje vespera de feriado e por isso não quero perder a occasião de lhe

escrever para que não fiquem com cuidado em nós.

Hoje não tivemos carta, mas hontem recebi noticias de todos por uma carta

do Rozado. Elle é muito bom amigo e muito bom homem. Aqui nada ha de novo.

Temos agora 2 feriados seguidos o que é optimo, e o que aqui se aprecia mais que

tudo.

Vou logo lêr o Braz Tisana em que vem uma batida nos filhos do Conde de

Thomar e em mais gente. A tal imprensa tem liberdade de mais, pois ataca as vidas

particulares, e parece-me que se devia tratar de lhe pôr um freio.

Um redactor d’um jornal de Coimbra levou o outro dia tanta pancada de um

individuo a quem insultou infamemente, que tem sido obrigado a guardar a cama.

Não se deve dezejar mal a pessoa alguma, mas, quando se vê um maroto assim

castigado, não pode a gente deixar de sentir certo prazer interior.

No Minho tem havido muitas desordens, e li o outro dia n’um jornal um

artigo muito forte contra o Administrador que o thio Fernando tem na Quinta de

Mirando. Já aqui se sabe que o Ferrer cahio do Ministerio e dizem que cahio

airosamente. Não sei. O que vejo é que o homem se acha fóra do Ministerio e

reduzido a ensinar de novo os seus meninos porque não tem grande probabilidade de

tornar a sahir Deputado por Coimbra.

O Caetano recebeo hontem ou antes d’hontem uma carta da thia Ponte com

o que está muito penhorádo.

Não tenho escripto estes dias ao Papa, mas conto fazel-o amanhã.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

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José de Saldanha, carta n.º 192 Pág. 1/1

Coimbra. 7 de Maio. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Tivemos hoje o gosto de receber 2 cartas suas e uma da Maman. Espero que

não tenha reparado na minha falta em escrever e que não leve isso em mal. D’hoje a um

mez, pouco mais, deve o Antonio já estar em Lisboa assim como o Manoel. O Costa vai

para Lisboa no dia 2 ou 3.

Está aqui o Luiz Balsemão que veio hoje jantar comnosco e nos tem feito

companhia até agora que vai para as 10 horas da noite. Elle é muito bom rapaz, e sabe

mil historias que divertem. A unica coisa que aqui ha é o cavaco que ajuda a matar o

tempo, e entretem a gente. Tem estado um tempo horrivel de chuva. Não parece que

estâmos em Maio. Amanhã é tambem feriado e dia de festa para a Cidade de Coimbra.

Aqui tenho visto o Dr. Bernardino que sempre se recommenda muito ao Papa

assim como o Dr. Raymundo. Tem havido Concursos em Theologia, e tambem os deve

haver em Direito. Vejo que o Dr. Paes foi ahi a caza dar noticias nossas. Estâmos-lhe

muito obrigados porque, não sendo elle vizita nossa, veio procurar-nos na ante-vespera

de partir para Lisboa. Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos

e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano Manoel e Costa.

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António de Saldanha, carta n.º 193 Pág. 1/1

Confidencial

7 de Maio de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Tenho recebido as suas cartas e hoje recebi 2 do Papa, nenhuma d’ellas me diz

que haja novidade a respeito do meu negocio e o Papa nem em tál me toca. Diga-me

como o Papa tem tomado isto, porque a mim parece-me que não muito bem, pois era

natural com o seu genio se gostasse o fallar-me em tudo isto. Comtudo eu não deixei a

minha ideia e peço á Maman que trate deveras d’este negocio. Não ha duvida que

reconheço, sem ser por soberba, a verdade que a Maman ha tempos me dizia na sua

carta, de ser eu um bom partido; mas para conseguir o meu fim não basta só isto, é

necessario apresentar-me. Aqui nada ha de novo, eu tenho estado constipado, assim

como a Maman esteve, de sorte que estes dous dias com o tempo máo, fico em casa e

não me tiro d’aqui. Da respiração estou muito melhor; mas necessitava mais pastilhas,

tenho-me dado muito bem com ellas. Hoje não posso escrever mais; mas torno a pedir-

lhe que trate do meu negocio. Que me diz ao Ferrer? Entendo comtudo que deixou a

pasta com honra.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 194 Pág. 1/1

Coimbra 9 de Maio de 57.

Meu querido Papa do Coração

Tenho recebido as suas cartas e depois, de 11 d’Abril nas trez que vierão, não

me diz uma só palavra do negócio sobre o qual eu escrevi á Maman. Digo-lhe

francamente que este seu silencio, combinado com o interesse e amizade que o Papa até

hoje me tem mostrado, não me deixa d’espantar. Eu já disse que não era eu só, que

havião mais concorrentes e se o Papa continuar a deixar passar o tempo, póde ser que

um dia quando quizer fallar então seriamente, já seja tarde e ter-me-ha assim feito

perder um partido bom. Peço-lhe portanto que falle com a Maman e que trate

seriamente do negocio, e se fôr necessario fallar a mais alguem falla-se; ao mesmo

tempo que será bom que haja segredo n’este negocio, dispensava mesmo que o Costa

fosse informado d’isto; pois não julgo os seus conselhos necessarios para cousa alguma,

pelo menos eu cá para mim dispenso-os. Torno a dizer peço-lhe que tome n’este

negocio empenho e ponha em campo alguma d’aquella sua energia que ás vezes tem e

que aqui seria tão bem empregada. Cada vêz penso mais e não posso explicar o Papa

nada me dizer sobre isto, mesmo as obras da casa não é desculpa; porque isto tem mais

alguma importancia. De saüde estou bom e não fui ao Bussaco porque o tempo não

deixou. O Pequeno Balsemão não sabia que tinha perdido o anno; mas creio que foi

n’uma aula que elle deixou de frequentar por falta de tempo. Elle tem estudado alguma

cousa e é muito bom rapaz. Aqui em casa todos gostão muito d’elle e ainda antes

d’hontem cá jantou e andou toda a tarde a brincar com o Jozé, e Manuel. A tia Beire

escrevêo-me e mandou-me as vagas, que estão na Figueira, estou-lhe muito obrigado.

Adeos meu querido Papa do Coração.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Jozé Caetano e Manuel. Recados á Maman, Mana e Tixi.

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António de Saldanha, carta n.º 195 Pág. 1/2

Coimbra 11 de Maio de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Hoje, apesar de ser dia, não recebemos carta sua, comtudo não estamos com

cuidado; pois que nos lembra que o motivo seja o muito que tem que fazer. Hontem tive

noticias suas, pelo May Figueira, medico do hospital e que se formou aqui ha dous

annos. Disse-me que tinha estado com a Maman, quando foi com as irmãs da caridade

francezas vêr São Jozé. Este rapaz esteve em Paris e é moço de bastante habilidade, eu

sou amigo d’elle. Agora lembra-me por fallar em estudos dizer-lhe o que ha a respeito

do Balsemão, elle, coitado, não perdeo o anno em aula alguma. No principio do anno

deixou de frequentar Geometria pela falta de tempo por causa d’outras aulas, e na aula

d’Introdução aos 3 Reinos da Natureza tem menos má frequencia; mas marcarão-no

para perder o anno e mandarão o nome para o Diario, por não ter elle entregue uma

certidão de medico a tempo, tanto que já reclamou pelo seu nome ter vindo no Diário e

continua a frequentar a aula. Elle aqui tem muito bom nome e todos gostão d’elle, basta

dizer que estando n’uma casa só e sendo muito moço, é muito socegado e conduz-se

bem. Elle tem um criado que fáz optimos doces, é um criado antigo da casa, que veio

com elle, e o Caetano mandou-lhe agora fazer alguns para dár-mos ao Raymundo que

fáz annos no dia 13, não é má historia. Como é que o Caetano vai sempre desencantar

estas couzas é que eu não sei; mas o caso é que arranja tudo perfeitamente, e este

homem foi um achado, pois que não sabiamos o que haviamos mandar ao Dr.. Passando

a cousas de Lisbôa, li hoje no Braz Tisana uma bella noticia sobre o baile de M.me

O’Sullivan, e senti muito não vêr ali o nome da Mana, diga-lhe que tive muita pena. E

ella teve tambem? Responda-me Sua Ex.ª e dê-me assim o gosto de lêr uma carta sua,

cousa que eu não vêjo ha muito, outro tanto dirá ella de mim; mas uma alma caridosa,

como a da Sr.ª D. Thereza, deve ter compaixão d’um triste desgraçado que habita n’uma

sensabôra terra, chamada Coimbra, e, perdoando o velho pecado d’este triste – a

preguiça, dár-lhe assim algumas noticias suas directamente, que são sempre muito

festejadas. Aqui de Coimbra poucas novidades ha, hoje ficou escolhido por concurso,

para Lente Substituto da faculdade de Theologia, o Dr. Menezes que esteve com o

Monsenhor em Roma. E hontem houve um basar para a sua Associação Consoladôra

d’aqui. Tenho a pedir-lhe que em sendo possivel me mande para aqui uma sobrecasaca

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António de Saldanha, carta n.º 195 Pág. 2/2

mais, e um collete, assim como um lenço de pescoço para eu levar vestido este fato para

Lisbôa, porque não tenho aqui nada que possa pôr e o meu antigo vestuario de jornada

ficou-me de emenda, porque quando vim em Janeiro, rapei uma bôa vergonha no

caminho de ferro. A Tia Ponte é que póde dizer. Agora já não são as antigas jornadas e é

necessario hir um pouco mais elegante. Tambem a este respeito me lembra dizer, que

estimava que o Papa ou a Maman examinasse se eu tenho fato para trazer em Lisbôa

agora quando fôr, lembre-se que chego no dia da Procissão! Peço recados para o Papa,

Mana, Tixi, Tios Pontes e para o Jozé Alva quando o vir.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Jozé, Caetano e Manuel.

D’hoje a um mez estou em Lisbôa, se Deus quizer.

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José de Saldanha, carta n.º 196 Pág. 1/1

Coimbra. 14 de Maio. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração.

Vai já em immensos dias que lhe não escrevo, e estou zangado com isso

porque parece que é por lhe ter pouca amizade, quando não é tal. Tomára já o anno

acabado para descansar e poder ir para caza. Em pouco vai o Antonio para Lisboa e

o Manoel tambem. Eu só poderei ir nos principios de Julho. Felizmente tem estado

tempo de chuva de modo que não temos soffrido do calor. Hontem jantou aqui um

rapaz Doutor em medicina chamado Figueira. É filho d’um Figueira de caza do

Duque de Palmella. Elle é muito bom rapaz e muito instruido. Escrevo hoje ao thio

Nuno a dar-lhe os parabens pelo dia de hontem. O Dr. Raymundo tambem hontem

fez annos. Hontem começárão os Concursos em Direito e amanhã vai o Ferrão fazer

a 1.ª prelecção.

O Manoel foi hoje, segundo a vontade do thio Ponte, vizitar o Ferrer. Foi

com o Dr. Bernardino. Hontem não tivemos cartas de caza nem hoje; mas o Manoel

teve hontem carta da thia Ponte, que dizia estarem todos bons. É famosa a nova

mania do Monsenhor, de temer que não esteja bem baptizado. Hoje era o dia da

patuscada á Povoa e espero que n’ella tenhão sido felizes.

Recebi o outro dia uma carta do papa que muito estimei.

Estou sempre com peditorios, mas não ha remedio senão fazel-os, por isso

peço á Maman o favor de vêr se acha no Silva a Algebra do Cauchy, de que

necessito por causa d’uma dissertação que tenho a fazer sobre Series. Mais esta

massada. Esquecia-me dizer-lhe que comecei na 2.ª feira com o Calculo differencial.

Tem-me custado a fazer uma pequena ideia d’elle, porque, segundo me diz o Viegas,

succede o mesmo a todos, e nem no principio se lhe acha gosto algum, pelo

contrario. Em Philosophia estamos com Optica, que é muito bonita. Adeos minha

querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

Pode estar certa que estâmos todos bons.

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António de Saldanha, carta n.º 197 Pág. 1/2

Coimbra 16 de Maio de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Não tenho escripto ha quatro dias; mas espero que esta minha falta não

tenha causado cuidado; porque creio que o Jozé escreveo n’algum d’estes dias e

dêo assim noticias nossas. Hoje dei lição em Direito Ecclesiastico e fui bem,

parece-me que por este ano estão acabadas as minhas lições; O Jozé tambem fez

em Physica esta manhã uma Sabbatina muito bôa, mas este coitado tem

trabalhado até mais tarde. Hoje foi o Caetano tomar já bilhetes da mala-posta,

nós, isto é o Manoel e eu partirmos a 16 e o Costa dia 4, e pena é que não vá mais

cedo, pois estamos farto d’elle até aos olhos, e muita pena tenho hoje de não o ter

feito sahir de caza logo no segundo anno, em que elle começou a conduzir-se

mál, é uma figura que nada tem de bom e só tudo máo. Eu o anno passado e

sempre me tenho calado; assim como o Caetano e Jozé porque tinhamos dó d’elle

e sabiamos que se saisse d’aqui talvez não se formasse, porque o Pay não o

deixava voltár e isso é que nós não queríamos, hoje sentimos tel-o feito pois

talvez tivesse sido melhor. O que elle tem feito sobre tudo este ultimo anno não

tem nome, e eu estou muito disposto a não o deixar ficar aqui em casa, quando

elle vier a Coimbra para fazer acto do 5.º anno. O Pay tem muita culpa, o

Caetano já o ano passado lhe disse bastante do filho para lhe abrir os olhos, mas

elle que nada perdôa aos filhos dos outros e a todos acha defeitos, não pensa no

que se lhe diz do Augusto. Outra cauza, é a nenhuma religião que lhe derão, e

cada vêz me persuado mais, que aquelle a quem faltão bons principios, o caminho

que trilhar ha de sempre ser errádo. Porem como pouco falta para elle partir, faça

como se não tivesse recebido esta carta. Eu ha muito que cortei relações com

elle. Torno a repetir desejo que nada se diga ao Pay; pois faltando 15 dias, quem

tem soffrido até agora tanta massada, soffre mais alguns dias. Aqui nada de novo.

Temos dado estes dias passeios lindos, e o que não tem duvida, é que na

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António de Saldanha, carta n.º 197 Pág. 2/2

Primavera o campo de Coimbra é lindo. Agradeço o que me conta do meu

negocio. Recados do Caetano, Jozé e Manoel. Recados ao Papa, Mana e Tixi.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Agora reparo que esta carta pertencia hoje ao Papa; mas que Sua Ex.ª a

tome tambem para si, que esta é a minha ideia em todas as que escrevo á Maman

como ao Papa. Para o primeiro dia lhe escrevo.

Peço novamente segredo da vida do Costa.

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José de Saldanha, carta n.º 198 Pág. 1/1

Coimbra. 16 de Maio. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração.

Recebi hoje a sua carta de 15, e por ella tive o gosto de saber que todos

estão bons, e que forão bem succedidos na sua digressão á Povoa. Aqui estâmos

todos bons. Hoje de tarde fômos todos os 4 de caza passear como Luiz Balsemão e o

João Ferrão. Esteve hoje um dia lindo e pode dizer-se que quente pois agora que são

10 horas da noite estou escrevendo esta com a janella aberta sem a luz do candieiro

vascillar. Depois do passeio viemos todos aqui para caza onde tambem vierão o

Menezes e o Luiz Candido. O Antonio deo hoje uma muito bôa lição em Direito

Ecclesiastico ao Padre Carvalho. Elle tem este anno feito muito bôa figura nas

Aulas. Já falta uma semana de menos para vêr o Antonio. Elle faz acto no 2.º dia de

actos, e o seu fito é vêr se chega a tempo para a Procissão do corpo de Deus. O

Ferrer foi hoje pela 1.ª vez de novo á cadeira. Os estudantes fizerão alas para elle

passar, de modo que o homem ficou enthusiasmado com isso.

Ouço dizer que o Herculano foi publicar uma obra contra a Concordata com

a Sancta Sé. Veremos que tal é. Não posso escrever hoje mais. Adeos minha querida

Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

Sahi hoje 1.º defendente a uma Sabbatina á sorte em Philosophia.

Tem havido noticias do Barruncho filho? Recados ao Papa, Thereza, Tixi,

tias, e minha ama. Adeos.

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José de Saldanha, carta n.º 199 Pág. 1/1

Coimbra. 21 de Maio. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Espero que não me leve a mal o ter deixado de lhe escrever vai já em algum

tempo. Tomára esta massada acabada para descansar um pouco. Esta vida é uma vida

que mata uma pessôa, e, estou persuadido, que muito prolongada acaba por tonar tudo

indifferente pois tira a maior parte das illusões, o que é pessimo, porque são ellas

necessarias. Para a semana tem o Antonio Ponto de modo que em 3 Semanas, quanto

muito, deve estár em caza. Eu só poderei, pelo que vejo, d’aqui sahir para o meiádo de

Julho. Não ha remedio senão ter paciencia. O Caetano, coitado, é que me faz pena vel-o

ficar aqui até tão tarde, pois como elle toma banhos em D. Clara, pode isso fazer-lhe

transtorno. Não digo por elle em tal me ter fallado, mas porque não posso vel-o sem me

lembrar de tudo isto, e é mais uma obrigação que lhe devo.Uma dedicação como a que

elle tem por nós é difficil de encontrar e nada ha que a pague a não ser a amizade. Tem

estado aqui um tempo muito exquisito. Hontem esteve um dia lindo e hoje está um dia

pessimo. Tem havido muitas trovoádas. Continuão os Concursos, e resta vêr o que

d’elles sutirá. O Dr. Bernardino recommenda-se muito ao Papa. O Vice-Reitor foi

nomeado ultimamente Lente de Prima da sua Faculdade, com o que está contentissimo.

Sabbado, depois d’amanhã temos aqui uma Tourada com Touros do Barão de

Almeirim. Faço tenção de ir vêr. Em Lisboa é que, segundo ouço, vão haver touros á

noite. Não sei que tal será. Haverá tambem este anno illuminação no passeio? Oxalá que

seja em tempo que o Antonio a possa vêr.

O Ferrer está contentissimo porque satisfez a sua ideia fixa. Foi Ministro! Já

foi á Aula só um dia, porque adoeceo, mas já amanhã lá torna a ir. Tenho encontrádo o

Maldonado. Ouço que vai uma intriga horrivel por causa do lugar de Secretario para o

Governo Civil, porque ha gente que lá quer metter afilhado, isto é quer metter pessôa

que domine.

Adeos meu querido Papa do meu Coração, muitos recados a todos e acredite

que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Caetano, Antonio, Manoel e Balsemão. Por este tive hontem

noticias do Papa.

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José de Saldanha, carta n.º 200 Pág. 1/1

Coimbra. 21 de Maio. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração.

Aproveito um pouco de tempo que esta tarde tenho livre para lhe escrever,

e lhe dizer que todos estâmos bons. Hoje não tivemos carta de caza mas de todos

temos noticias por uma carta da thia Ponte para o Manoel. Presentemente temos

noticias todos os dias porque nos dias em que nós 2 não recebêmos cartas recebe-as

o Manoel. Chegou hoje a esta Cidade o Luiz de Carvalho que nos mandou noticias

do Papa. O Antonio ja foi vel-o. Falla a Maman n’uma das suas cartas em arranjar

quarto para mim n’um dos quartos do Antonio. Sei de certo que elle não se opporia a

isso, mas parece-me melhor que isso se não faça, e que eu vá dormir no meu quarto

ao pé do do thio Francisco, ou n’outro qualquer, que não faça incommodo. Digo isto

porque prefiro vêr o Antonio estabelecido só nos seus quartos, além de que o quarto

onde a Maman se lembra pôr-me é um quarto de passagem, e não proprio para

quarto de dormir. Pode acreditar que não me escandalizo nada por estar n’um quarto

peior. Pelo contrario. Com um filho não ha cumprimentos ha amizade, que é o

essencial. Vejo que ainda não se achou féra para o Antonio. Peço á Maman o favor

de me mandar dizer que tal é o cavallo russo, porque diz o Manoel que lhe disserão

que era muito molle, e que não muito bom. Estâmos quazi no fim do mez. Tomára

vêr-me livre dos livros. Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos

recados a todos e acredite que sou do Coração

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

Eu peço-os para o Papa, Thereza, Tixi, thio Nuno, thios, thias e primos,

Rozado, Jozé Alva, Monsenhor, Barruncho, e criados.

Escrevi hoje ao Papa e ao Rozado.

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António de Saldanha, carta n.º 201 Pág. 1/2

Coimbra 24 de Maio de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Desde 19 que não escrevo; mas creio ter mandado dizer o motivo, porque não

tenho podido ultimamente escrever como de costume, confesso que com o tál aviso do

Neiva quasi que não tenho levantado cabeça, e o peior é que ainda não fui chamado;

agora espero para 3.ª feira, porque amanhã não é o dia da aula d’elle, as aulas são

alternadas como sábe. Veremos, eu tenho estudado deveras, 6 e 7 horas por dia, e

seguidas de sorte que com a ajuda do Altissimo espero que não me hei de sahir mál;

mas não se descansa senão depois, em quanto a coisa não passa é terrivel. O Jozé sahio

a outra Sabbatina e foi muito bem, segundo o costume, foi em Physica. Estamos quasi

chegados ao ponto, que é Sabbado e no dia 11 ahi estou, quer dizer dentro de 18 dias e

chego felizmente a tempo para os seus annos, outro tanto não acontece ao pobre Jozé e

na verdade muita pena tenho d’elle. O que o Jozé tem estudado este anno é incrivel, só

visto e digo-lhe que se conseguir ser premiado em ambas as faculdades e em annos tão

difficeis, fáz cousa que é muito nova na vida Academica. O Manoel continua muito

bem, e na verdade póde-se esperar para o futuro muito d’elle, pois que ha de ser rapaz

serio e instruido, assim o espero; ha n’elle bôa semente, os principios são optimos e os

religiosos os melhores sem ser fanatico; mas tudo depende das pessoas com quem viver,

pois que qualquer o leva, e n’isso é que elle é de tremer, tanta influencia se póde ter

n’elle para o bem como para o mál, esta é a verdade a respeito do primo. O Manoel

parte d’aqui comigo. Em quanto á partida, sempre quero lembrar novamente o fato, olhe

que se não vier não tenho de todo, fato para partir. E para Lisbôa, que fato tenho? Olhe

a Maman que toda a responsabilidade, pesa sobre a sua cabeça, não se ria com isto e

veja o negocio a serio, se fôr moda chapeo desabado, desejo um e que seja bom, o Jozé

Alva que dê a sua opinião sobre isto; lembre-se que seu filho chega no dia da Procissão

e que quer aparecer decente e não como aparecêo o anno passado quando foi no Natal,

que encontrando alguem no primeiro dia que sahio, depois da chegada a Lisbôa,

disserão-lhe que se via bem que tinha chegado da Provincia! Cada vêz estou mais

criança, não é assim? Mas peço perdão e pense que não ha pessôa alguma, que não

tenha fraquezas. Li hontem a sua carta e o que me conta da Concordata; concordo com a

Maman em parte, mas só em parte e desejava mais alguma firmeza para com a Curia

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António de Saldanha, carta n.º 201 Pág. 2/2

Romana. Agora o que não posso admithir são os elogios a Luthero e o Ministerio

Publico, isto é, a pessôa que d’elle está encarregue, a meu vêr, devia chamar o redactor

a Juizo, pois que se elle elogiou a Luthero, isso não pode ser consentido entre nós, que

temos uma Religião do Estado, embora as outras sejão toleradas. Eu confesso, ha cousas

em materia de Religião que não admitto, apesar que poucas são ellas; mas ainda menos

admitto os ataques aos principios da Religião. Agora o que eu penso da Concordata, é

longo para dizer e tambem pouco d’ella tenho lido; mas tambem creio que não é tão má

como entende o Herculano, que n’este ponto confesso que é muito suspeito. Comtudo

queria a sustentação do Padroado e tambem não posso entender, que o Visconde de Sá,

se atreva a dizer na Camara, elle que é Ministro d’Ultramar, que não lêo a Concordata!

Passando a outras cousas, sempre desejava saber o que me póde dizer de certo

negocio. É difficil; mas entendo que não para desisitir. O Papa é que não me escreve,

outra vêz, ha muito. Porque é isto? Hontem chegou o Luiz de Carvalho, que me disse

que tinha estado com o Papa antes de partir. Aqui tem estado um tempo pessimo e tanto

que hoje não houve touros, que são do Barão d’Almeirim. Adeos minha querida

Maman, recados ao Papa e á Mana, diga lhe que lhe hei de escrever antes de hir para

Lisbôa, para lhe agradecer a sua carta, que muito me obrigou. Recádos á Tixi, Tios

Pontes e ao Jozé Alva, quando o vir.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados do Jozé, Manuel, e Caetano.

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António de Saldanha, carta n.º 202 Pág. 1/1

Coimbra 26 de Maio de 1857.

Meu querido Papa do Coração

Finalmente hoje dei lição ao Neiva e creio que elle ficou bastante contente;

assim por este anno está terminada a frequencia nas aulas e agora só resta fazer acto e

tomar gráo no dia 9 de Junho, para poder estár em Lisbôa a 11. O Jozé dêo hontem lição

e foi muito bôa, propôz uma duvida ao Dr. Raymundo, sobre materia do Compendio,

elle disse-lhe que lhe daria hoje na aula a resposta; porque não tinha visto o livro em

que elle lhe fallava e de que se tinha servido para argumentar contra o Compendio, e

hoje dêo-lhe a resposta. De sorte que por aqui póde vêr que o Jozé continua a brilhar.

Hoje tivemos aqui touros e não forão máos; apesar da chuva que nos não deixa. Recebi

as pastilhas e uma chave, que imagino ser d’alguma mala que traz fato, mas que ainda

não chegou. Tenho a pedir ao Papa uma cousa; sábe que todos os annos tenho por

habito comprar livros, este anno comprei alguns e parte d’elles ainda não paguei; devo

portanto 14$460 rs. e não queria sahir d’aqui sem os pagar; assim pedia ao Papa que

m’os mandasse dár; isto é, desse licença que o Caetano os tirasse do Joyce. Adeos meu

querido Papa do Coração. Recados á Maman, Mana, Tixi e a todos. Recados do Jozé,

Manuel e Caetano.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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António de Saldanha, carta n.º 203 Pág. 1/2

Coimbra 31 de Maio de 1857.

Minha querida Maman do Coração

Dou-lhe muitos e muitos parabens; assim como ao Papa e a todos pelo dia de

hoje, pena é não ser possivel passal-o estando nós todos juntos; mas não ha remedio

senão ter paciencia; felizmente ainda para mim está a cousa por dez dias, mas para o

pobre Jozé não é assim. Hontem é que festejamos os annos do Jozé, por causa d’elle ter

que estudar esta tarde, jantou aqui o Luiz de Carvalho, Dr. Raymundo, Menezes,

Balsemão e Luiz Candido; O Raymundo e Balsemão mandarão muitos presentes de

doce para o jantar; em fim procurou-se festejar o mais possivel os annos do menino

nascido. Depois do jantar fomos ao jardim botanico todos, e á noite veio tomar chá

comnosco o Luiz de Carvalho, que tem sido o mais amavel e obrigante comnosco que é

possivel, não nos deixou hontem todo o dia, e á noite, como era dia de ponto havia

theatro Academico em despedida aos quintanistas, e o Luiz tomou camarote e convidou-

nos todos, para nos aproveitarmos do seu camarote; portanto fomos, só o Caetano é que

ficou. Aqui está como passámos o dia hontem, hoje tivemos logo pela manhã uma parte

telegraphica do Papa dando os parabens, jantou aqui o Luiz Candido e Menezes e á

tarde fomos a Santo Antonio dos Olivais, que havia lá festa; mas o Jozé com as aulas

não poude hir. A estas horas já devem saber o que se passou em Coimbra, digo na

Universidade por occasião dos concursos; comtudo sempre conto. O filho do Justino de

Freitas, rapaz de muito merecimento, e senão igual, quasi igual ao Ferrão, tinha feito

concurso, para as Substituições vagas na faculdade de Direito, com outros candidatos,

fez brilhantes concursos e no dia da votação, quando todos contavão que elle fosse um

dos escolhidos para as Substituições, ou pelo menos, e isso já era injusto, approvado só

na primeira votação sobre merito absoluto, ao correr o escrutinio apparece o nome do

rapaz reprovado, e isto só devido a zangas com o Pay e com o Tio, o Dr. Barjona, tál

injustiça revoltou a todos e mesmo grande numero de Lentes d’outras faculdades

sahirão da sala; bem como o Dr. Sêco, Lente de Direito; então começou uma tremenda

pateada e um estudante do meu anno levantou-se e disse que a faculdade de Direito era

indigna e que tinha nojo de pertencer a ella e que a reprovação do Dr. candidato era um

insulto á dignidade Academica, etc.; disse em fim tudo quanto ha de mais forte á

faculdade de Direito e isto no meio de muitos appoiados, porque a indignação era geral,

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António de Saldanha, carta n.º 203 Pág. 2/2

o V. Reitor quiz obrigal-o, com os Archeiros e Guarda-Mór, a sahir; mas não foi

possivel; na verdade o procedimento do estudante não era legal; mas a conducta dos

Lentes era summamente iniqua e vil; tinhão tido na vespera um club em que tinha

decidido reprovar o rapaz e isto homens que juravão aos Santos Evangelios fazer

justiça, pessôas que pela sua idade e posição tem obrigação rigorosa de dar exemplo aos

rapazes, e dando-se este facto com um estudante premiado com os primeiros premios

em todos os annos e a quem elles ha dous annos, pela occasião da conclusão dos seus

estudos, derão informações ainda mais distinctas que ao Ferrão; pois que este teve só 6

Muito Bom e o outro 8. Mas ainda aqui não fica a pouca vergonha; depois d’esta

primeira votação, passão a uma segunda sobre o falso pretexto que podião ter-se

enganado e então levados pelo medo da opinião e publica, approvão aquelle que

primeiro tinhão reprovado. É um facto incrivel e prova a necessidade da Universidade

ter um Reitor energico. Hoje fico aqui, pois é tarde e alem disso ha na rua uma bulha

infernal por ser dia de ponto. Recádos a todos e Sou

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

Recados de todos de casa. Chegou o fato.

Se o Papa escrever ao Bernardino, diga-lhe, que tem pouca esperança

d’arranjar o seu negocio, porque com estes Senhores que agora governão tem poucas

relações. É uma massada de que eu livrei o Papa; mas necessito apoio, para não ser

achado em mentira.

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José de Saldanha, carta n.º 204 Pág. 1/2

Coimbra. 1 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Julgava ter hontem o gosto de lhe poder escrever, e gosto tanto maior em o

fazer que era o dia dos meus annos, mas tive a minha vida tão atrapalhada que o não

pude fazer. Resta-me ao menos a consolação de ter em todos pensado muito e com

mais saudade se é possivel. Recebi hontem a sua carta de 30 que muito me

contentou, e obrigou, e pode acreditar que, achando-me agora com 18 annos feitos,

hei-de procurar sempre por fazer o que possa dár gosto ao Papa e á Maman, e se o

não fizer em todo não será por falta de vontade minha.

Recebi hontem uma carta do Papa e tambem uma parte telegraphica e

ambas agradeço muito. No Sabbado vierão aqui jantar, o Dr. Raymundo, Luiz de

Carvalho, Menezes e Luiz Candido. Sou muito obrigado ao Dr. Raymundo, e no

Sabbado accresceo a fineza que elle me fez mandando uns doces para o jantar com

um bilhete que o Antonio já remetteo para Lisbôa. No Sabbado depois do jantar

fômos passear, e fez isso com que me passasse uma terrivel dôr de estomago que

tinha pilhado não sei como. Á noite fômos ao Theatro Academico. Nunca se vio

maior porcaria, e durou até de madrugada. Representou o Luiz Candido que esteve

magnifico, fez de comparsa.

No Sabbado pozerão ponto em Direito. O que é horrivel é eu ter Aulas em

Philosophia até ao dia 17 do corrente e em Mathematica até ao meio do proximo

mez. Por esta occasião lembra-me pedir licença ao Papa e á Maman para gastar 4500

rs. em transitar de Voluntario para Ordinario em Philosophia que é para fazer acto

no 1.º dia, e me poder formar n’essa Faculdade. Esta tarde fui passear até Sancto

Antonio dos Olivaes onde ha uma festa. Os meus condiscipulos pedirão feriado para

amanhã ao Dr. Raymundo e eu fui pedil-o ao Dr. Goulão. Já não se pode com Aulas.

Estudar, com calor, e vendo os outros livres, mette ferro.

O Manoel e o Antonio estão contentissimos. O 1.º tira ponto no Sabbado, e

o 2.º no Domingo. Hontem andárão a fazer immensa bulha pelas casas dos

Estudantes de Sciencias Naturaes, e tambem aqui vierão a caza umas 3 vezes,

tocando as latas. Recebi no Sabbado uma carta da minha ama, e hoje uma da thia

Ponte, outra do Rozado e uma outra do thio Nuno. Peço á Maman que a todos

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José de Saldanha, carta n.º 204 Pág. 2/2

agradeça por mim, em quanto eu não o fizer. Muito gostei saber que o filho do

Barruncho chegou melhor a Lisbôa, e oxalá que as melhoras continuem. Os

presentes que elle trouxe denotão reconhecimento e amizade.

As noticias que me mandou sobre o cavallo, mostrão bem serem falsas as

que me tinhão dado. O que receio é que elle seja muito alto para mim.

No Domingo precedente ao ultimo fui aos Touros e gostei.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Os meus para o Papa, Thereza,

Tixi e criados. Não escrevo hoje ao Papa porque estou muito cansado. Faço-o

amanhã sem falta. Adeos.

Esquecia-me dizer que tambem cá jantou o Luiz Balsemão, e deo o seu

presente.

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José de Saldanha, carta n.º 206 Pág. 1/1

Coimbra. 3 de Junho. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Não me quero demorar mais em agradecer-lhe os parabens pelo dia 31, a parte

telegraphica, e outra bondades que muito me têm penhorado. Pode acreditar que digo

isto do Coração e muito senti não poder abraçal-o no dia 31.

Já terá visto que tivemos jantar no dia 30, e por isso nada digo porque seria

superfluo.

Hoje tivemos o gosto de receber carta sua uma da Maman e outra da Thereza.

Muito estimámos saber que a thia Pombal tem experimentado algum allivio. Ella é

muito bôa Senhora, e muita pena nos tem feito a sua doença. O thio Francisco ainda não

chegou. Oxalá que a sua demora não seja motivada por doença.

No Sabbado tira ponto o Manoel, e no Domingo o Antonio. Vão ambos

junctos para Lisbôa na 4.ª feira. O Costa parte d’aqui amanhã. O que dezejo é que elle

seja feliz. Fez-nos ultimamente muita companhia o Luiz de Carvalho, que é optimo

rapaz e muito sociavel. Tomou esta noite aqui chá com o Luiz Balsemão e o Luiz

Candido. Nada sei de novo. Por agora nada tem aparecido nos Jornaes sobre os

Concursos de Direito a não ser uma simples relação do facto, que o outro dia veio no

Conimbricense.

O que é indecente é a correspondencia do Braz-Tisana com a historia do

Catagallo. Está um tempo lindo, e apetece mais passear do que estár amarrado á banca.

O Dr. Bernardino não vem aqui ultimamente, mas não está mal.

Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos e acredite

que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel.

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António de Saldanha, carta n.º 207 Pág. 1/2

Coimbra 4 de Junho de 1857.

Meu querido Papa do Coração

Finalmente esta manhã partio o Costa e pena é que não fosse ha mais tempo,

pois que um brejeiro tal, o mais de pressa uma pessôa se vê livre d’elle melhor é. Não

tem mesmo nome as maroteiras de tál amigo e para ser ladrão pouco falta; nós aqui em

casa quasi que já não lhe fallavamos e eu pela minha parte estou decidido a fazer todo o

possivel, para que n’esses dias que elle tem de passar em Coimbra para o seu acto, elle

não venha ficar n’esta casa; porque só, podendo dispôr da casa, como lhe parecer, não é

conveniente. Tambem junta-se a isto o Sr. Costa Pay julgar, creio eu, que é obrigação

nossa aturar-lhe o Sr. seu filho, e isto é que eu quero provar o contrario, porque pela

minha parte não lhe devo obrigações algumas e antes algumas grosserias. Uma cousa

que me fêz arder foi uma carta que elle escrevêo ao Caetano e que este mandou á

Maman. O Caetano mandava-lhe dizer quando lhe escrevêo o seguinte: “V. S.ª verá pelo

que acabo d’escrever o que nós temos soffrido a seu filho”, e o Sr. Costa responde que

no caso d’entender o Caetano, que lhe escreva, para elle o tirar d’esta casa e fazer cessar

d’esta sorte “tanto soffrimento”. Este dito é d’ironia e é uma das razões porque eu quero

convencer o Costa que a casa d’Annunciada não lhe deve nada. Elle tem toda a culpa da

conducta do filho pela pessima educação que lhe dêo, a falta de bons principios e o

mimo com que tratou sempre este tamanhão são a causa da sua má vida. Elle que

encontra sempre defeitos nos filhos dos outros, começando por nós, como eu sei com

toda a certeza, devia-se lembrar do bello filho que tem. Para acabar com o que tenho a

dizer d’este sujeito, só accrescentarei que os credores em pessôas a quem elle tem feito

maroteiras são sem numero, e o Pay já pagou 60$000 rs. pelo menos! Para ter um

exemplo da vida d’este Sr. ahi vai uma historia no genero de muitas outras que elle tem

feito. Estava n’uma casa com mais pessôas e uma d’ellas, nossa conhecida, disse que

necessitava trocar uma libra; mas que n’aquelle momento não lhe era possivel sahir, o

Costa offerece-se para hir trocar e, em lugar de voltar com o troco, não tornou a

apparecer e gastou-a, como se fosse dinheiro seu. Esta historia soube-a eu e obriguei-o a

escrever ao Pay para este lhe mandar dinheiro para pagar a libra. N’este genero muitas

outras. Por tanto digo, não convem que este Sr. venha para nossa casa fazer acto, na

occasião em que aqui não está ninguem e mesmo que estivesse, estamos fartos d’elle até

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António de Saldanha, carta n.º 207 Pág. 2/2

aos olhos. O Costa queixa-se que o Caetano não o avisou, é falso o Caetano sempre lhe

disse o que havia do filho, e mesmo bastante lhe contou no fim do 5.º anno d’elle; mas

elle, que no fim de contas tem muito pouco juizo, sempre lhe foi dando razão e este é o

resultado; alem de que, torno a repetir o que já por vêzes disse, a falta completa de bons

principios e o cenismo de que o rapaz é dotado é a causa d’isto tudo. Peço que isto fique

para o Papa e a Maman, porque é bom deixal-o a elle só desacreditar-se em Lisbôa,

como se desacreditou em Coimbra e não sermos nós a causa. Porem entendi dever

prevenir o Papa, para não confiar n’elle e não se interessar em qualquer pretensão d’esse

Sr., porque póde o Papa soffrer com isso.

Aqui todos estamos bons e na 3.ª feira faço acto. Recados á Maman Mana Tixi

e a todos.

Filho muito e muito amigo e obediente do Coração

Antonio

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José de Saldanha, carta n.º 208 Pág. 1/2

Coimbra. 7 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Não quero deixar de lhe escrever hoje para lhe dizer que estâmos todos

bons, e que o Antonio tirou hoje ponto e que está contente com o que lhe sahio. Em

Direito Civil versa o ponto sobre emancipação dos filhos menores. Em Direito

Commercial sobre Contractos de risco, e em Direito Ecclesiastico sobre Eleição dos

Ministros Sagrados. São pontos que elle estudou durante o anno, e que por fortuna

lhe couberão para o Acto. O Manoel tirou hontem ponto e á hora d’esta que é 1 hora

da tarde está dormindo, descansando com os pontos sabidos. Hontem á noite veio cá

um leccionista, que cá volta hoje, e que o achou bom no ponto. É de esperar que faça

bom acto. Eu tenho caçoado com elle dizendo-lhe que nunca estudou tanto na sua

vida, e estou persuadido d’isso. Hoje ás 5 horas da manhã já estava a pé. Elles

partem d’aqui na 4.ª feira. Na 3.ª feira de tarde temos jantar em caza do Luiz de

Carvalho.

Eu tenho ponto no dia 17 em Philosophia. Já custa muito a estudar, porque

faz muito calor. Hontem recebemos a sua carta de 5. Vejo que a thia Ponte sempre se

lembra de nós, o que é prova de amizade. Eu estou em divida com ella d’uma

resposta, mas tenho-a demorado porque escrevo amanhã e aproveito a occasião para

lhe dár os parabens pelo exame do Manoel. O Francisco Palmella faz acto amanhã.

Ouvi dizer que o Reis vinha assistir mas não sei se já chegou. Deo-me vontade de rir

o seu dito a respeito do Hermano, mas é de esperar que em tendo barba se torne

menos saliente o defeito na physionomia. O que elle é, é muito bom rapaz, e só isso

é de se apreciar. A thia Marianna já está em Freiria pelo que vejo pela carta da

Maman. Agradeço muito os seus parabens, e peço recados para todos os seus.

Espero que o Nhonho tenha passado bem da respiração. Lembra-me por esta

occasião dizer que o irmão do Fernando de caza do Jozé Abrantes se acha melhor,

ou antes restabelecido de todo. Esteve bem mal, coitado. O irmão Antonio Augusto,

que a Maman conhece de ter visto em caza do Jozé Corrêa, já foi para Lisbôa.

Hontem houve Congregação em Direito e bastantes Estudantes perderão o

anno. Um d’elles foi o filho do Barão da Luz, e esquecia-me mencionar o rapaz que

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José de Saldanha, carta n.º 208 Pág. 2/2

fallou na Salla dos Capellos contra os Lentes, quando foi agora a historia dos

Concursos.

O Antonio ainda chega a tempo para a Procissão do corpo de Deus, e

tambem vai vêr os animaes no Salitre e o tal Hume á espera de quem estão em

Lisbôa. É homem que tem feito muita bulha por toda a parte.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Em podendo responderei á Tixi,

Thereza, Barruncho e thio Nuno.

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José de Saldanha, carta n.º 209 Pág. 1/1

Coimbra. 10 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Quando esta receber já deve ter abraçado o Antonio. Espero que elle tenha

chegado bem a Lisbôa e pouco cansado por ter podido aproveitar a tarde de amanhã. Eu,

o Luiz de Carvalho e o Menezes fômos acompanhal-o hoje á Mala-Posta, e todos assim

como o Caetano, sentimos muito a sua falta assim como a do Manoel. Este ia

contentissimo sentado ao lado do conductor. Felizmente estão ambos, por este anno, já

descansados das suas lides Academicas, e tendo feito muito bons actos, o que melhor é.

O Caetano está melhor do seu incommodo de garganta tanto que sahio esta tarde.

Hontem á hora que esta escrevo estavamos todos ainda reunidos na Sala, pois tivemos

soirée, e jantámos em caza do Luiz de Carvalho. Á noite, como a Maman saberá pelo

Antonio, esteve cá um caturra formidavel.

Hoje, depois do Antonio partir, vim para caza com o Luiz de Carvalho, e aqui

fiquei todo o dia, excepto á tarde que fui dár uma pequena volta. Agora vou passear

todas as tardes, d’outro modo fica-se morto em caza com calôr. Tem estado um tempo

lindo. Hoje não fui ás Aulas. É a 1.ª falta que dou este anno. Pode estar socegada,

porque não me faz isso differença: estudo do mesmo modo. Comecei hoje uma

dissertação formidavel que tenho a fazer em Mathematica. É comprida, mas não é feia.

Tenho agora a estudar optica, que é muito bonito, e tenho um Lente que faz gosto ouvil-

o. O outro dia tivemos experiencias com a lanterna magica, e o microscopio solár, etc.

Tenho querido escrever á thia Ponte, mas não me tem isso sido de todo

possivel.

Recebi hoje a sua carta de 9, e por ella vejo que está afflicta com obra, como

se diz vulgarmente. O que vale é que o Superior das Irmãs da Caridade se demora pouco

em Lisbôa.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração

Jozé.

Recados do Caetano. Os meus para todos. Adeos. Adeos.

Dei hontem lição em Mathematica. Adeos.

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José de Saldanha, carta n.º 211 Pág. 1/1

Coimbra. 13 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Não o tendo podido fazer hontem, apresso-me em escrever hoje para lhe dár os

parabens pelo dia dos seus annos, esperando que conte muitos d’elles para felicidade

sua e de nós todos. Muito tenho sentido não ter ao menos podido hontem dar-lhe um

abraço. N’estes dias de festa ainda mais se sente a ausencia e a separação.

Provavelmente tiverão alguma partida ao campo. Lembrão-me sempre com saudade as

idas a Cintra e Mafra. Infelizmente não se tem ellas renovado n’estes ultimos annos.

Paciencia. O que pode acreditar é que sou muito seu amigo, do Papa e dos manos.

Recebi hoje a sua carta de 11 e por ella soube que o Antonio chegou bem a

Lisbôa. Eu tinha tido noticias d’elle de Leiria. Espero que se tenha divertido bem assim

como o Manoel. Em podendo hei-de escrever-lhes.

O João Ferrão fez hoje acto, sahio bem, andou bem, e vai amanhã para Lisbôa.

Elle tomou esta noite chá aqui em caza.

Tem feito um calor incrivel. Não se imagina. Esta tarde fui passear a Santo

Antonio dos Olivaes, onde ha festa amanhã. Tenho feriado depois de amanhã em

Mathematica por causa d’um exame privado, e tenho Sabbatina em Philosophia sobre

instrumentos opticos.

Recebi antes de hontem, 5.ª feira, uma carta da thia Marianna, que muito

agradeço, mas a que não sei quando responderei. Estou afflicto por causa de respostas,

que devo a differentes pessôas. Adeos minha querida Maman do meu Coração, muitos

recados a todos e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Caetano. O Luiz Balsemão pede os seus cumprimentos para a

maman e papa. Adeos.

Desculpe o modo como esta vai escripta. Adeos.

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José de Saldanha, carta n.º 212 Pág. 1/1

Coimbra. 18 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Espero que não tenhão tido cuidado em nós por eu não ter escripto. Estâmos

bons. Hontem tive Ponto em Philosophia, de modo que estou só com uma Aula por dia.

Por agora não faço acto de Physica. Vou amanhã levar ao Goulão 3 theses para a

dissertação para elle escolher uma. Até 2.ª feira inclusive não tenho Aulas, porque

amanhã 6.ª feira é dia Sancto, Sabbado são as exequias de D. João 3.º, e na 2.ª feira ha

um exame privado do Lobo.

Recebi hontem a sua carta, e estava ancioso por ella, porque o Luiz de

Carvalho mandou perguntar-me hontem mesmo de manhã se eu sabia ser verdadeiro o

que os Jornaes dizião de ter morrido a thia Pombal. Infelizmente verificou-se esta triste

noticia. Tem-nos feito muita pena. Era muito bôa Senhora e muito carinhoza para com

os parabens. Que golpe não será este para o thio Francisco, e de mais se elle tiver

chegado a Lisbôa n’estes ultimos dias.

Não posso escrever hoje mais. São 11 horas da noite e chego agora vindo de

caza do Menezes, com quem tenho estado a conversar. Recados ao Papa, Thereza,

Antonio, Tixi, e acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Caetano. Este agradece a sua carta. Por uma carta d’elle já a

Maman deve saber que sahi a uma Sabbatina, na 2.ª feira passada, 15, em Philosophia.

Adeos. Adeos.

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José de Saldanha, carta n.º 213 Pág. 1/1

Coimbra. 21 de Junho. 1857.

Meu querido Papa do meu Coração.

Não quero deixar de escrever hoje para caza para que não fiquem com cuidado

em nós. Estâmos bons. Tive hoje noticias suas por uma carta da Maman, e pelo Dr.

Carvalho e Dr. Bernardino, que encontrei ao pé do Jardim e me disserão ter recebido

carta sua.

Já deve saber que tive Ponto em Philosofia. Hoje fui a caza do Dr. Goulão e

este me tratou muito bem. Por agora não sei quando farei acto. Amanhã não tenho Aula

em Mathematica. Tenho estes dias tido feriado, mas tenho tido que fazer uma

dissertação que ainda não acabei. Tomára ver isto tudo prompto. Tem estado

ultimamente aqui 2 comicos Hespanhóes muito bons. Ainda não os ouvi. Dizem que

vem para aqui um Reitor, e falla-se no Bispo do Porto; não sei se é verdade.

O Maldonado recommenda-se muito ao Papa. Já ha um Secretario do Governo

Civil.

Já por aqui está muito menos gente. Tem havido muitos R. R. no 2.º anno de

Direito. Os Palmellas fazem acto do 1.º Philosophico n’esta Semana.

Passou hoje a noite comigo o Menezes.

O meu vizinho Tovar tirou hoje Ponto.

O Miguel Ribeiro vai muito melhor. Estive antes d’hontem em caza do Luiz

Balsemão. Elle é bom rapaz.

Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos e acredite

que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente.

Jozé.

Recados do Caetano.

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José de Saldanha, carta n.º 214 Pág. 1/1

Coimbra. 27 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Recebi hontem uma carta sua e outra do Antonio e por ellas tive o gosto de

saber que estavão todos bons. Vejo que o thio Francisco chegou vivo de corpo, mas em

quanto ao mais muito lastimo o seu estado. Faço ideia que historias não terá havido. A

de elle ir acordar a Tixi é famosa.

Tem-me affligido bastante o estado em que se acha o Menezes. Chegou-lhe

hontem a noticia da morte do Pay, que de mais elle não via ha perto de 6 annos. Está

inconsolavel. Tenho ido fazer-lhe companhia, mas não tanta como dezejaria. O Caetano

passou hoje a tarde toda com elle. Está sentidissimo coitado. Acresce a isto o elle ter de

tirar ponto brevemente para fazer acto, aliás perde o anno. Com que animo ha de elle

estudar. O Antonio deve escrever-lhe quanto antes. Faz dó vel-o. Tem estado um tempo

insupportavel de calôr. Hontem á sombra marcava o thermometro 28º.

Amanhã escreverei mais extensamente.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Caetano.

Dei hontem lição em Mathematica.

O Caetano pede ao Antonio que veja se mette empenhos para o procurador da

Corôa dár andamento ao negocio do Dr. Menezes e que diz respeito aos Concursos de

Theologia.

Adeos. Adeos.

O Caetano dezeja que o Antonio arranje uma carta do thio Saldanha para o

procurador da Corôa, e que lha faça entregar mesmo d’ahi.

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José de Saldanha, carta n.º 215 Pág. 1/1

Coimbra. 28 de Junho. 1857.

Minha querida Maman do meu Coração

Como hontem mandei dizer que escrevia hoje por isso o faço para que não

fiquem com cuidado. Recebi hoje a sua carta de 27.

Vejo que o cavalo russo tem servido o Antonio, o que muito estimo, e que não

é um sendeiro como elle dizia. Em quanto ao Salgado dár-lhe lições acho isso uma

despeza inutil, porque alem de custar muito caro o elle dár-lhe lições, o mais que lhe

pode ensinar é dár alguns saltos ou outras asneiras, que não servem de nada, e só fazem

com que o animal perca a agilidade de que a natureza o dotou para ficar sempre

comprimido a umas regras tolas. O que quer dizer um cavalo pular, se elle não é a isso

impellido pela natureza e por um prazer interior que o domina. Por mais que fação os

taes picadores os cavalos longe de ganharem com elles perdem porque são muito

obrigados nos Picadeiros e de lá sahem cheios de defeitos com as pernas grossas, e sem

poderem dár 2 passos que não cancem. Entendo isto mas se não são d’este meu fraco

pensar fação o que melhor lhes approuver. Não se tendo até hoje encontrado cavalo para

o Antonio lembra-me que se possa arranjar tudo do modo seguinte, isto é comprando

uma faca para mim. Não é isso nada contra mim porque o cavalo russo pelas

informações está muito alto, eu no mesmo estado, e então é um macaco montado n’um

camêlo.

O Costa por fim não vem para cá.

Recebi hoje uma carta do Luiz Candido que me diz aqui chegar amanhã.

Tenho estado com o Menezes que continua a estar muito sentido. Corre a

noticia da morte da Sr.ª Infanta D. Anna.

Escrevi hoje ao Barruncho e Rozado e tenciono vêr se vou escrevendo ás

pessoas com quem estou em divida. Amanhã é dia de S. Pedro.

Não se imagina a quantidade de fogueiras que ha, e o calor que está. É uma

bulha n’esta rua de cantigas e dansas immensa.

Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e

acredite que sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé.

Recados do Caetano.

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José de Saldanha, carta n.º 217 Pag. 1/1

Coimbra, 4 de Julho, 1857

Minha querida Maman do meu Coração

Tive hoje o gosto de receber a sua carta de 3, por ela soube que todos estão

bons. Hontem recebi a carta da Thereza. Estou em divida com ella ha immenso tempo, e

estou afflicto por causa d’isso. Tomára vêr-me livre d’Aulas. Hontem dei lição em

Mathematica. Tenho de fazer um exercicio para depois de amanhã, acabar a dissertação

de Mathematica, e passar a limpo uma de Philosophia. Ando com a cabeça pelos ares.

Hontem depois do jantar peguei em mim deitei-me dentro da cama e dormi toda a tarde.

Em Mathematica só tenho ponto 4ª feira, pelo menos são essas as esperanças que temos.

Felizmente tenho passado bem, e o Luiz Candido não me achou magro. Hoje tive dia

feriado. O Menezes faz acto Sabbado, d’hoje a oito dias. Elle vai para a Ilha. O Luiz

Candido faz acto 6ª feira, e parte no Sabbado daqui.

Fui hontem visitar o Conde das Alcaçovas e com elle conversei um bocado.

Pelo que elle me disse o D. Francisco vem ao 6.º anno. Para quem gosta pode ser que

isso valha d’alguma couza. Peço muitos recados para todos os de caza, primos e thios.

Tive hoje uma carta do Rozado.

Muito dó me tem feito a morte do thio Linhares.

Adeos minha querida Maman do meu Coração, recados a todos e acredite que

sou

Seu filho muito amigo do Coração e obediente

Jozé

Recados do Caetano.

Peço ao António que arranje carta para o Padre Simões recommendando um

rapaz por nome Jacintho da Silva Baptista, ilhéo, que vai fazer exame de Latim, e que

escreva ao Dr. Menezes, que é o Prezidente d’esses exames, para o mesmo fim. Adeos.