António de Saldanha, carta n.º 138 Pág. 1/1
Coimbra 9 de Janeiro – 57
Meu querido Papa do Coração
Aqui cheguei hontem e dizer-lhe as saüdádes que tenho de todos é quasi inutil,
porque são as maiores e todos os annos crescem em lugar de diminuirem; para além de
tudo a cidade de Coimbra cada vêz lhe acho mais falta de vida e muito triste. Hontem
quando cheguei encontrei logo o Capitãosinho do Maldonado que estava á minha espera
com ordem de mandar noticias pelo telegrapho de como nós tinhamos chegado; de sorte
que as estas horas já o Papa e o Tio Ponte sabem que o Manoel e eu viemos bem. A
respiração tive-a um pouco presa a noite passada, mas hoje está de todo bôa. O Jozé está
optimo e consta-me que dêo hontem uma lição tão bôa, que merecêo queo Lente de
Physica Goulão lhe dissesse que tinha dito Excellentemente, hoje tambem foi chamado
pelo Raymundo e este ficou contente. Muita pena tive de não vêr o Jozé Alva antes da
minha partida; ainda mais que talvez o podesse ter visto senão tivesse partido tão cedo
de casa; pois que esperei muito tempo em Santa Apolónia. Peço-lhe que não se esqueça
do negocio do bedel; mas olhe que tenho n’isto todo o empenho e, como sei que se
trabalha muito pelo outro lado, desde já digo que se o Papa se não interessar nada se
consegue; mas tambem lhe asseguro, que, se o Papa quizer, está no caso de conseguir
alguma cousa. Peço uma resposta a este respeito. Ainda bem que a Maman mandou hoje
a chave da mala ao Ferrão que a trouxe; pois que o Caetano dava-lhe isto bastante que
fazer. Como está o Abel, já mandou saber d’elle? Recados muitos e muitos á Maman
Mana Tixi e a todos os de casa.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 139 Pág. 1/1
Coimbra 11 de Janeiro 57
Minha querida Maman do Coração
Recebi hoje de tarde a sua carta e a do Papa, as primeiras depois da minha
partida de Lisbôa; digo-lhe na verdade que tive um verdadeiro prazer ao lê-las; pois que
me fizerão lembrar muito todos e n’estes primeiros dias, depois da minha chegada aqui,
as saudádes que sempre se sentem parecem augmentar. Pela sua carta e a do Papa
conheço que estão com cuidado em mim e que receião que não tenha eu continuado a
soffrer do estomago; na verdade quando sahi d’ahi sentia-me um pouco incommodado
d’isso e até a prisão na respiração não a posso attribuir a outra causa; mas com uma
pouca de linhaça que tomei e mesmo continuo a tomar tudo passou; d’onde me
persuádo que só tive uma pequena irritação e mais nada. O Jozé está bem e tornou
hontem a dár lição ao Raymundo; desde que se abrirão as aulas todos os dias tem sido
chamado e não creio que isto lhe faça mál á saúde; pois que dizem-me que elle
trabalhou muito nas ferias e eu, quando cheguei aqui o outro dia, parecêo-me que o
achava mais gordo. Agradeço ao Papa o que elle me mandou dizer hoje pelo Costa e
diga-lhe que sei bem quanto elle é meu amigo. O que eu peço muito ao Papa é que inste
pelo bom resultado do negocio do bedel; pois para mim, por certos motivos, é agora
negocio de capricho e tenho todo o empenho no bom exito; soube hoje que alguem, por
cujas mãos os papeis aqui passarão, abafou a certidão de formatura em Direito, que o
meu protegido tinha juntádo, indique o Papa isto e sobre tudo peço-lhe que falle
novamente n’este negocio; pois que repito agora mais do que nunca me empenho em
favôr do bacharel formado.
Leio na sua carta a noticia da morte do Arcebispo de Paris. É horrivel! Se tiver
algum jornal com os detalhes peço que m’o mande. Adeos. Recádos á Mana, Papa, Tixi,
etc., etc. Recádos do Jozé e Caetano. Agora que escrevo, está-se cantando de certo em
São Carlos a Norma.
Filho muito e muito amigo e obediente do coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 140 Pág. 1/1
Coimbra. 17 de Janeiro. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta com data de 16, e de por ella
sabermos que vai melhor do seu incommodo da cara. Vejo que as Associações
continuão segundo o costume a dar-lhe muito que fazer. Chego a admirar como tem
paciencia para soffrer as massadas que ellas lhe causão; mas tambem nada menos é de
esperar, porque com o seu genio por muito que tenha que fazer ha de fazer tudo sem se
queixar. O que receio é que isso lhe faça mal á saúde.
Recebemos tambem uma carta do Papa, com noticias da soirée do thio
Redinha, e do Theatro.
Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano, João e Manoel que aqui jantou hoje.
António de Saldanha, carta n.º 141 Pág. 1/1
Coimbra 18 de Janeiro de 57.
Minha querida Maman do Coração
Recebi a sua carta que nos dá a noticia de estár com uma mazelasinha no
beiço, que a tem incommodado bastante; muito sinto esta noticia e espero que a estas
horas esteja de todo boa; pois eu sei ja pela experiencia quanto fazem soffrer estas
cousas que de nada valem; porque o tál dente do siso, que me nasceu nas ferias grandes,
bem se deve lembrar que muito custou a romper. Nós todos aqui estamos bons e o Jozé
continua com os seus trabalhos. Dizem que vamos têr aqui uma representação muito
bôa no theatro Académico, fala-se que representará o Emilio das Neves e o Taborda do
Ginasio que veem de Lisboa expressamente para isso. Eu confesso que os divertimentos
aqui pouco me importão; mas apesar d’isso bom será que tenhamos uma noute de bom
theatro; mas a Maman e a Mana não forão, creio que pouco perderão; pois a verdade é
que são festas pouco divertidas; comtudo como creio que ainda lá não forão e como o
motivo foi a sua mazelasinha no beiço, sinto que perdessem a soirée. A Mana como vai
com os desenhos? Acabou-se o retrato da Substituta da Henriqueta? No dia 20 segundo
me consta á baile no club, imagino que vão e no dia 25 em casa da M. De Vianna, nós
cá estamos perdendo tudo isso, e na verdade não é com pouca pena; mas que remedio
ha. A Norma é que me consta foi mál. Adeos minha querida Maman do Coração.
Recádos á Mana Papa etc. etc. Tia Ponte e Tio Ponte em os vendo dê-lhes recádos
meus.
Filho muito e muito amigo e obediente do coração
Antonio
Recados do José e Caetano e Manoel.
António de Saldanha, carta n.º 142 Pág. 1/1
Coimbra 21 de Janeiro 57.
Meu querido Papa do Coração
Hoje recebi a sua carta e tive tambem noticias suas pelo filho do V. de
Balsemão, que me disse têr a May escrito que vira a V. Ex.as todos no Domingo no
Paço; de sorte que vejo por todas estas noticias que a Mana Thereza tambem foi ao
Paço, o que me prova que está inteiramente lancée este anno; muito o estimo. Hontem
foi o baile do Club, aqui me lembrei bastante pela volta das 11 horas, de que a esse
tempo estava começando e que o papa naturalmente tambem lá havia de estar. A
Maman não foi; mas creio que não foi por causa do bouton que tinha no beiço; pois
julgo que deve estar bôa; porque na sua ultima carta quasi que o dava a entender já;
comtudo conffesso que não gostei saber que estava assim; pois estas couzinhas em geral
são perigosas quando se apanha ár e a Maman que tem muito cuidado com os outros,
comsigo tem muito pouco. Saberá que o Jozé dêo hoje lição em Mathematica e foi
muito bem e a este respeito lembrou-me fallar-lhe no negocio do Bedel, pelo que ouvi
dizer a alguem o concurso vai de novo ser anulado e o Pay não me dirá alguma couza a
este respeito? Tambem lhe peço que veja se o Rodrigo d’Almeida me manda dizer
alguma couza do negocio que eu lhe recomendei; pois eu tenho de dár uma resposta.
Dizem aqui que vai mudar o Ministerio, será verdade? Adeos recádos á Maman Mana
Tixi e a todos
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Caetano, Jozé e Costa.
António de Saldanha, carta n.º 143 Pág. 1/1
Coimbra 24 de Janeiro 57.
Minha querida Maman do Coração
Hoje não tivemos carta sua, mas o Dr. Raymundo recebeo uma da Maman
perguntando-lhe noticias minhas; na verdade não sei porquê estes cuidados, posto que
não os possa deixar de agradecer. Para confessar toda a verdade eu estive um pouco
constipado e degenerou esta constipação n’um pequeno ataque de ictericia; mas tão
pouco foi este incommodo que eu julguei não valer a pena fallar de todo n’elle e apenas
me privou dum muito pequeno numero de dias d’aula, em todo caso hoje estou bom de
todo. Recebi hontem uma carta e sua e, além do gosto que tive em a receber, achei-lhe
immensa graça, pela animosidade, e que cada vêz mais parece augmentar, contra as
Marguerites Gautier, e que sempre mostra nas cartas que me escreve em todas as
occasiões que se dão. Acho muito justas as suas observações; mas sempre lhe direi que
a Dame aux Camélias é cobre estanhádo, em quanto a Lucrecia tem muito e muito
azebre. N’uma ignora-se de quem é filha e na outra a historia nos diz que nascêo no
meio das orgias d’Alexandre 6, o amante de Marguerite é o Armand Duval e o Conde
G, como muitos outros, a filha dos Borgias teve outros tantos talvez e n’esse numero
seus doüs irmãos e seu pay; porem uma era princeza e a outra uma pobre rapariga sem
nome; assim é tudo n’este mundo, desculpa-se aquella que pelo seu nome tem menos
direitos a ser perdoada. Ora veja a que dissertação a sua carta me levou, e nem por isso
julgue que não respeito a sua Norma; mas o máo é que a Rossi a canta tão mál. Agora
reparo que escrevi uma carta que a Mana não póde lêr; porem disse cousas tão bonitas
que não as quero perder. Hoje fico por aqui e peço muitos recádos para o Papa, Mana
etc.
Filho muito e muito amigo e obediente do coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 144 Pág. 1/1
Coimbra 25 de Janeiro 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Fiquei admirado ao lêr ha pouco a sua carta de 24, por n’ella me dizer que
esteve desd’o dia 18 até 24 sem receber carta alguma nossa. Não sei como isso fosse,
porque eu escrevi nos dias 17 e 22, e o Antonio tambem o fez no dia 20 ou 21. Na
minha carta de 22 lhe dizia que estavamos bem, e hoje digo o mesmo. Tem estado com
cuidado no Antonio, mas espero que fiquem sem cuidado n’elle com a carta do Dr.
Raymundo. O que o Antonio teve foi ictericia benigna. Espero, como disse já, que
fiquem socegados. Está muito frio, custa a soffrel-o. Tem sido o mesmo todos estes
dias, e de mais tem tambem chovido muito.
O Antonio tambem recebeo hoje 2 cartas do Papa uma de 21, outra de 23. Eu
não posso escrever hoje ao Papa, mas esta tambem é para elle.
Morreo o sogro do Dr. Bernardino. Já hoje o fui visitar, mas não o encontrei
porque tinha ido para casa do cunhado.
Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, do Caetano, e do Manoel.
Desculpe a insipidez da carta, mas é effeito da terra!...
Peço-lhe que me mande pelo Correio umas calças pretas muito fortes que ahi
tenho, para aqui as trazer por caza. O Antonio sabe quaes são.
António de Saldanha, carta n.º 139 Pág. 1/1
Coimbra 27 de Janeiro 57.
Meu querido Papa do Coração
Hoje tive carta da Maman e vejo que todos estão bem e continuão a gosar dos
bailes e dos theatros, outro tanto não nos acontece; pois além do frio, que é fortissimo,
estamos cada vêz gostando menos d’esta terra, que a todos nos parece secantissima.
Hontem devia ser o beneficio do Nery Bavaldi e bastante se fallou pela voltas das 8
horas, que se tomou chá, quanto perdiamos de não estarmos em Lisbôa ouvindo este
tenôr; naturalmente amanhã tenho carta sua e saber-se-ha então que tál corrêo o
espectaculo d’hontem. Pela carta da Maman que recebi hoje, sei que o baile do Marquez
de Vianna esteve bom e que o Papa voltou ás 6 horas, tambem me diz a Maman que a
enteáda do Tio Saldanha fêz o seu débute e que é bonita sem ser uma bellêza, como se
dizia ao principio, boa pois, aqui em Coimbra posto que não ha bailes e novidades como
em Lisbôa, ha outras noticias, que de certo apezar da pouca importancia que teem para o
publico, não interessam por isso menos ao Papa e a Maman; o Jozé dêo hontem lição
em Mathematica e disse-me Dr. Raymundo que se tinha sahido muito bem, eu que por
agora não fui de novo chamado; mas espero que não tardará muito e o Dr. Neiva
continua a mostrar-se satisfeito comigo. O Dr. Bernardino, coitado, é que perdêo o
sogro e seria bom que o Papa lhe escrevesse. Agora por escrever, lembra-me pedir ao
Papa, que em encontrando o Rodrigo d’Almeida lhe pergunte, o que sabe do negocio
que eu lhe entreguei e o Papa manda-me dizer alguma couza; pois eu tenho por força de
dár uma resposta, peço-lhe muito isto. Diga-me dançou muito em caza do M. de
Vianna, no Club vejo que dançou bastante e creio bem a atrapalhação que teve, quando
lhe vierão tirar a Sr.ª D. Maria Eugenia. Adeos. Recádos á Maman, Mana, Tixi e a todos
que perguntão por mim. Recádos do Caetano, Jozé, Costa, Manoel e João Ferrão.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
António
Eu estou de todo bom, do pequeno incommodo que tive.
António de Saldanha, carta n.º 147 Pág. 1/2
Coimbra 31 de Janeiro 57.
Meu querido Papa do Coração
Hoje chegou a nomeação de Bedel para o empregado da Universidade que
estava servindo este lugar e o meu protegido ficou de fóra. Pondo de parte a justiça da
causa, o que sempre lhe digo é que o Papa tem verdadeiros motivos para ser grato ao
Julio e que o tál seu amigo politico tem no servido em tudo que lhe tem pedido. Eu pela
minha parte declaro que tantos obsequios deve o Papa ao Rodrigo, que lhe fêz tudo
quanto lhe pedio; quantos motivos de queixa tem do Julio, que nada lhe fêz das poucas
cousas em que lhe fallou e so soube dizer que se tivesse estado no lugar do Rodrigo não
tinha dado a commenda ao Dr. Bernardino. Elle creio que vai sahir do Ministerio, pelo
menos é o que se diz por aqui; mas tambem creio que o Papa ha de ter tanta bondade
que ha de continuar a soffrel-o e visital-o depois de isto tudo. Creia o Papa uma vêz por
todas, o palavriado só não basta, as acções é que são tudo. Hoje recebi a carta da
Maman de 30 e leio n’ella que o Jozé Alva tem deixado de todo de hir á Annunciada,
comigo tambem tem feito o mesmo e começo a estár um pouco escandalizado. Já lhe
escrevi duas vêzes, e cartas muito amáveis, ainda não dêo signal de si; realmente não sei
como explicar isto. Tambem não recebi resposta do Rodrigo d’Almeida e o Papa fazia-
me um grande obsequio se tratasse, mas seriamente, de saber d’elle alguma cousa a
respeito do negocio que eu lhe entreguei; pois estou compromettido a dár uma resposta
e declaro que dou um grande cavaco com isto; pois não sei que hei de dizer ao homem
aqui, lembra-me que se perdesse o memorial e n’esse caso desejava saber para mandar
outro, eu já não me importa com o bom exito do negocio, o que quero é não fazer figura
triste e dár conta de mim; mas torno a pedir ao Papa que trate d’isto e que não faça
como com o negocio do Bedel, que talvez se perdesse por sua causa; pois diga-se a
verdade, que foi cousa que nada lhe importou. Agradeço á Maman muito e muito tudo
que me diz na sua carta e deve ella estar certa que eu reconheço bem a sua amizade, e
interesse. Segunda-feira é dia santo de sorte que só temos aula na Terça-feira e agora
dous feriados seguidos, Domingo e Segunda-feira; depois toda a semana d’aulas, o que
não é má massada. Eu já estou bom. Li a carta do Tio Saldanha ao Conde de Farrobo e,
António de Saldanha, carta n.º 147 Pág. 2/2
posto achar razão ao Tio Saldanha, acho-a impropria e a publicação do Conde ainda
mais, tenho muito dó da prima Eugenia.
Muita pena tenho do Cypriano, tive realmente pena quando li hoje a carta da
Maman de o saber tão mál, peço que a Maman continue a dár-me noticias d’elle.
Agradeço á Tixi a sua obrigante carta, conto responder-lhe e hei de escrever tambem á
Mana, para ambas peço recádos bem como para a Maman. Adeos. Recados do Jozé e
Caetano para todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
António
José de Saldanha, carta n.º 148 Pág. 1/1
Coimbra. 29 de Janeiro 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Pela sua carta de 28, que acabo de receber fico descansado, por vêr que tinhão
já recebido a carta do Dr. Raymundo, e que estavão certos de que o Antonio já está
bom.
Segundo eu disse já na minha ultima carta, elle não teve mais do que uma
benigna ictericia. Em quanto ao meu estado de saúde pode estar socegada porque estou
bom e até mais gordo pelo que aqui dizem. Tomo muito leite, e tem-me isso feito muito
bem. Pode ter a certeza que o Antonio não perde a preferencia, porque além de não
serem tantas as faltas que tem, quando mesmo o fossem, acresce serem dadas com um
motivo justo. Não imagina o frio que aqui tem feito. É de custar a soffrer! As frieiras
tem-me apouquentado de grande. Até tenho uma mão muito inchada, mas no fim de
tudo não quer isto dizer nada.
Não imagino com que cara ficaria o Fernando Redondo com o que lhe
succedeo no baile do Marquez de Vianna, e parece-me que não tem sangue algum nas
veias, pois, apezar de ter sido muito grosseiro em fazer o que fez, uma vez que o tinha
feito era soffrer-lhe as consequencias.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Está um frio horrivel. Não se sente a
pena com que esta escrevo, e que, como pode notar, faz pessimas letras já por ser de si
má, já por ser muito mal dirigida.
Dei hontem lição em Philosophia, e na 2.ª feira em Mathematica.
Agradeço o mandar-me as calças.
António de Saldanha, carta n.º 149 Pág. 1/1
Coimbra 27 de Janeiro 57.
Minha querida Mamã do Coração
O Jozé recebêo hoje a sua carta e vejo o cuidado com que estão em mim; na
verdade não tem razão, eu tive uma ictericia muito benigna e não foi cousa de certo que
se podesse pegar, de mais eu hoje estou bom de todo e o Jozé até agora não mostrou
signaes de a têr apanhado; por isso está de certo escápo. Quanto a perder a preferencia,
nem pensar n’isso é bom. Como havia de perdel-a se estava ausente das aulas por
molestia e se faltei apenas muito poucos dias? Bem vê que não era possivel. Mas o que
não deve é ter mais cuidado, porque estou já bom. Li hoje a sua carta e as novidades que
conta do baile, não as sabia porque o Papa não tem escrito, sabia só que a Sr.ª Marqueza
de Vianna tinha dado um foguete n’um rapaz elegante, o Alexandre de Souza, por elle
não ter dançado uma contradança e ter ficado tambem sem dançar uma filha da Sr.ª
Marqueza, disse ella ao Alexandre que devia ter dançado com a sua filha, que não era
peior que todas as meninas bonitas que ali estavão, isto foi dito ao pé d’alguns que
estavão presentes e estando tambem o Infante D. Luiz. Sabia esta historia? Quanto á
historia do Fernando Redondo, tenho dó; mas elle é que teve a culpa; comtudo deve-se
dizer que o Francez é muito mál criado e foi pena que não encontrasse alguém que lhe
desse uma lição. Adeos minha querida Maman recádos a todos.
Sou
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
António
José de Saldanha, carta n.º 150 Pág. 1/1
Coimbra. 1 de Fevereiro 1857.
Meu querido Papa do meu Coração
Recebemos hoje cartas suas e por ellas tivemos o gosto de saber que tem
continuado a passar bem de saude assim como todos os mais de caza. Pelas suas cartas
tivemos muitas noticias do Theatro e bailes, o que aqui se aprecia muito saber porque
visto não se poder gozar de tudo isso gosta-se de saber o que se passa ahi.
O Antonio está bom de todo. Tem bôa côr e está comendo muito bem. O Dr.
Bernardino não tem aqui vindo ultimamente por causa da morte do sogro, que teve lugar
ha dias, conforme o Papa deve ter já sabido.
Encontrei hoje o Guerra do Governo Civil, sempre com os seus cumprimentos.
Elle recommenda-se muito ao Papa. Tem aqui vindo o filho do Visconde de Balsemão,
que é um bom rapaz.
Já aqui sabiamos da historia do thio Saldanha com o Conde de Farrabo Pay,
por ter sido publicada nos Jornaes uma carta que o 1.º escreveo ao 2.º. O que succedeo
ao Fernando Redondo tambem não é máo.
Hoje há aqui em Coimbra Theatro Academico. Nenhum dos de caza lá vai.
Tem feito immenso frio. A serra está coberta de neve, e fazia bom effeito vel-a
hoje do Penedo da Saudade.
Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados á Maman, Thereza e
Tixi e acredite que sou do Coração
Seu filho muito amigo e obediente.
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano, Costa, Manoel e João Ferrão.
Recebi hoje as calças que mandei pedir e muito agradeço terem-m’as mandado
já.
José de Saldanha, carta n.º 151 Pág. 1/2
Coimbra. 2 de Fevereiro 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta de 1 e outra do Papa e por ella
soubemos que todos estavão bem. Agradecemos immenso a sua lembrança de nos
mandar um fogão, mas não aproveitamos o seu offerecimento já por não valer a pena
arranjar isso, já porque um fogão nos poderia causar mais mal do que bem tendo nós,
como temos, de sahir a todas as horas do dia para Aulas e o mais que lhes diz respeito.
Pode ter a certeza, que apezar de estar muito e muito frio, não havemos de ficar mal por
falta de abafos. Hoje tem, além do frio, chovido muito. Hontem e hoje forão dias
feriados, mas o peior é termos agora 5 dias seguidos de Aula. É de morrer! Pergunta-me
o que estudo em Philosophia. Tenho estado dando desde o principio principios de
Mechanica, e em breve começo com a Physica. As materias do 2.º anno Philosophico e
Mathematico são mais bonitas mas dão tambem mais que fazer. Não é uma brincadeira
de crianças. Felizmente ainda nunca fui obrigado a perder a noite e em geral quando são
11 ½ horas da noite estou deitado. Muito dó e pena tenho tido de saber que o Cyprianno
está tão mal. É um tipo que se encontra uma vez na vida, e feliz aquelle que o encontra.
Tenho muita pena d’elle.
A pouco e pouco vai desaparecendo o resto da familia que ainda estava na
Bôa-Morte, e que eu via sempre com alegria por mil recordações n’essas occasiões eu
tinha. Quem lêr isto ha-de julgar que está fallando um velho que conta já muitos annos,
mas seja como fôr, o caso é que sinto o que digo e que não posso occultal-o. Gostava,
quando em Julho fôr para Lisboa, que me fosse possivel ainda vêr o Cyprianno.
Tambem tenho tido pena do pobre Padre Antonio, e o Antonio e o Caetano
tem ambos tambem tido muita pena d’elle, e sobretudo o Caetano, a quem demos esta
noticia precipita de mais.
Está aqui o Manoel que jantou hoje comnosco.
Amanhã recebo o dinheiro do premio. Tendo tirado este mez só metade da
minha mezada peço-lhe que aplique a outra parte do modo seguinte; 2000 rs para a
Associação, e 400 rs. para a Quiteria Velha, ou outra pobre, como melhor lhe parecer.
José de Saldanha, carta n.º 151 Pág. 2/2
Será melhor que isto fique entre nós quero dizer, Maman, Papa, e Thereza,
pois não ha que ter segredos entre nós. O que dezejo é que não falle para cá n’isso. Não
posso ser mais extenso hoje.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recebi já as calças e tem-me feito muito commodo. Vejo que por fim não se
vendeo o cavallo.
Recados á Thereza, Papa e Tixi e thios e thias. Adeos vou massar-me. Não ha
vida mais contra o meu genio do que esta de estudante.
José de Saldanha, carta n.º 155 Pág. 1/2
Coimbra. 11 de Fevereiro. /57
Minha querida Maman do meu Coração
Acredite que com a maior pena minha se tem passado tantos dias sem lhe
escrever, mas uma vez que isto não indique falta de amizade e esquecimento dos
seus, que remedio ha senão ter paciencia. A Semana passada, tendo tido 5 dias
seguidos d’Aula quando chegou o Sabbado achei-me tão cansado que me reservei
para escrever no Domingo, mas oh disgraça! succedeo justamente ter eu que estudar
n’esse dia uma lição muito trabalhosa e que me tirou todo o tempo, de sorte que não
escrevi, como tinha tenção, e hoje apresso-me em escrever para que não suceda
outra vez o mesmo. Apezar de não termos escripto pelo espaço de alguns dias espero
que não ficassem com cuidado em nós, pois o Caetano escreveo para caza por essa
occasião. Nós estamos todos bons. Já falta pouco para o Entrudo em que temos 4
dias feriados. Recebemos um convite da M.me O’Sullivan para o seu baile o que nos
penhorou muito e que alguem recebeo com bastante pena de não se aproveitar d’elle.
Hontem recebi a sua carta de 9 e o Antonio recebeo uma da Thereza, para
quem peço muitos recados. Estimei muito saber que o Cypriano estava melhor, e
amanhã espero ter melhores noticias. Coitado, tenho muita pena d’elle. A Sr.ª
Condessa da Ponte vai melhor, pois o João recebeo hoje uma parte telegraphica, que
isto lhe dizia. Não julgue que me esqueci do dia 9, e bastante me lembrei n’esse dia
da Maman.
Imagino o contente que o Barruncho deve estár com as noticias do filho, e
tambem acho que é uma felicidade para este ultimo estár no hospicio pois de certo se
acha sujeito a hum regimen muito melhor, do que se estivesse n’uma casa sobre si.
Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e acredite que
sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
José de Saldanha, carta n.º 155 Pág. 2/2
Já de certo deve saber que dei lição em Mathematica no dia 5 e no dia 9.
Hontem 10 dei lição em Philosophia. O Antonio fez o outro dia muito bôa Sabbatina
em Direito Commercial. Elle manda-lhe muitos recados assim como o Caetano,
Manoel e João.
Eu peço os meus para o Papa, Thereza, Tixi, thios e thias.
São 9 horas da noite. Está tudo no maior silencio. O Costa foi ouvir um
Concerto de harpa. O Antonio está deitado e eu vou fazer o mesmo. Adeos.
António de Saldanha, carta n.º 156 Pág. 1/1
Coimbra 14 de Fevereiro 57.
Minha querida Maman do Coração
Ha tanto tempo que quasi não escrevo, que confesso estou envergonhadissimo,
sem saber de todo como hei de começar; mas a desculpa está em eu têr tido bastante que
fazer ultimamente com as lições que tinha em branco pela doença e que foi necessario
vêr todas por causa das Sabbatinas, e a uma dessas, em que entrava parte das lições a
que não tinha assistido, fui eu chamado, foi a de Direito Commercial; agora tenho outra
em Direito Civil um d’estes dias. Esta Carta foi começada hontem; mas quando estava a
escrever veio o Luiz Candido e o Menezes que cá tomarão chá e passarão a noite, de
sorte que não foi possivel acabal-a e só lhe poude tornar a pegar agora que são 11 horas
da noite, depois de têr estudado, pois que esta manhã veio aqui o Manoel Ponte e
estando connosco recebêo a noticia da morte d’Avó; assim foi hoje um tál dia de
transtorno; pois depois veio tambem o Ferrão, que não tive um momento de meu.
Coitada da Sr.ª Condessa da Ponte, tenho pena pois era uma muito bôa pessôa. Este
anno já tem morrido bastante gente conhecida, o Padre Antonio tambem sempre que
penso me fáz pensar; o Cypriano felizmente está melhor, e estimei hoje saber esta
noticia, a pobre D. Joana é que me fêz rir com a maneira como recebêo a Maman.
Passando a cousas mais alegres dir-lhe-hei que recebemos um convite de M.me
O’Sullivan para o baile, já se sabe que me fêz vir agoa á boca; mas que remedio. Adeos
minha querida Maman do Coração. Recádos a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Caetano e Jozé.
António de Saldanha, carta n.º 157 Pág. 1/1
Coimbra 21 de Fevereiro 57.
Meu querido Papa do Coração
Tenho escrito tão pouco ultimamente que receio seriamente que estejão mál
comigo; mas n’estes ultimos dias antes de ferias tem havido bastante que fazer, hontem
ainda sahi eu a outra Sabbatina em Direito Civil, fui segundo arguente e o meu
defendente era um dos premiados, creio que fui bem e o Neiva ficou contente, era sobre
materias que se tinhão dado quando estava doente. Hoje começarão as ferias e estes dias
hei-de procurar escrever a todas as pessoas com que estou em falta, Mana, Tixi, Tio
Ponte, etc. Amanhã temos uma perúa para o jantar, e creio que teremos alguns rapazes a
jantar, é o unico divertimento que se encontra n’esta triste cidade, só ha a companhia
d’alguns amigos; para vêr até que ponto chega a estopada d’isto aqui (que o Papa gosta
tanto!), é que hoje passámos a noite a fazer de soldados, a marchar no meu quarto,
bandas de musica etc. Nem parecia entrudo; felizmente faltão 56 dias d’aula para este
anno. É verdade dôu-lhe parte que o Dr. Bernardino foi nomeado socio correspondente
d’Academia das Sciencias, elle estava para escrever ao Papa dizendo-lhe isto; mas eu
encarreguei-me de lhe escrever e parecia-me bem que o Papa lhe escrevesse dando os
parabens. Teve uma votação unanime. Pedia ao Papa que perguntasse ao Horta se
recebeu uma carta minha ja ha muito tempo. Adeos. Recados á Maman á Mana Tixi e a
todos. Recados do Jozé, Caetano e Costa.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 158 Pág. 1/2
Coimbra 23 de Fevereiro /57
Minha querida Maman do meu Coração
Tivemos hoje o gosto de receber a sua carta com data de 22 e de por ella
saber que todos estavão bons. Muita pena tenho do pobre Cyprianno. Era muito bom
homem, e eu era-lhe muito obrigado pois mostrava ser muito meu amigo. Acabou o
que ainda restava n’aquelle canto da caza da Boa-Morte, e o peior é que o que passa
não torna a voltar...
A D. Joanna tambem não está melhor, coitada. Não quero deixar de lhe
dizer que adivinhou e que com effeito tivemos hontem um jantarão. Peru, e arroz de
leite; e bem vê que não é pouco. Veio cá jantar o Manoel e o Luiz Candido. O João
Ferrão não veio porque, como cá tinha estado no Sabbado, á noite, não se achava
disposto a fazer a jornada lá de baixo até cá acima.
Hontem de tarde fômos para o Penedo da Saudade e lá andámos a pular e a
saltar. Atacou-se um outeiro (que fingia uma fortaleza) e houve uma pequena
batalha em que só se encontravão 5 pelejantes; nós 2, o Costa e os 2 que já acima
mencionei. Em quanto a jogar o Entrudo nada temos aqui feito, e está tudo em caza
como se tal não fosse. Pelas ruas pouco se joga e em quanto a desordens só houve
huma pequena hontem de tarde mesmo de fronte do Governo Civil, o que trouxe
comsigo a prisão de huns estudante que já hoje forão soltos, o que muito admira,
pelo menos a mim. Ouço dizer que houve hontem 2 bailes sendo hum em caza
d’uma especie de livreiro, e o outro dado em caza d’um estudante onde se reunirão
uma meia duzia de rapazes para conversarem, jogar jogos carteados, xadrez, Assalto,
Conversar sobre politica e futuro do Paiz, e para alguns d’elles mostrarem as cazacas
de botoens dourados. Veja que agradavel passa-tempo para rapazes, que no fim só
erão huns 12 ou 15. Esquecia-me dizer que não se admirem com esta nova especie
de divertimento pois alguns dos que d’elle partilharão já trazem des tabatières, e os
que as não trazem utilizão-se das dos parceiros. Não quero tambem deixar de dizer
que ha um individuo que se acha disposto a velar esta noite e as seguintes porque
quer por força publicar na 5.ª feira um artigo em que compara os divertimentos do
Carnaval em Veneza com os do Carnaval em Coimbra. Esta noite tambem ha um
José de Saldanha, carta n.º 158 Pág. 2/2
baile em caza d’um habitante da terra. Todas estas noticias nos tem sido dadas aqui
em caza, e nada mais digo porque nada mais sei.
Quero vêr se escrevo amanhã á Mana, que com razão deve estár zangada
comigo.
Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados ao Papa,
Tixi, thios e thias, e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel e João Ferrão. Este ultimo está
desperado por terem nomeado tutor o primo e até escreveo a este ultimo uma carta
que não lhe pode ter sido muito agradavel, e em que lhe dizia por ultimo que
esperava que o thio Ponte fosse nomeado Tutor. Lendo a sua carta de 18, vejo o que
n’ella me diz a respeito da publicação do Museum of Science, do Dr. Lardner, e
confesso que gostava que a Maman, no caso de lhe não causar incommodo, a
assignar n’essa obra, pois é muito bôa obra, e talvez unica no modo como trata e tão
bem as differentes materias. Tambem peço á Maman o favor de vêr se o Silva ou
outro qualquer livreiro tem um livro, antes folheto do Garnier sobre a trisecção do
angulo, e no caso de não haver este folheto, outro qualquer livro de qualquer author
que tracte em especial d’essa materia. Se houver esse livro fazia-me muito favor se
m’o mandasse com brevidade. Se não o houver não vale a pena mandal-o vir de fóra.
Perdoe tanta massada. Adeos.
O Antonio começou a escrever-lhe mas como tem cá estado esta noite o
Balsemão por isso não pode acabar a carta, o que fará amanhã.
António de Saldanha, carta n.º 160 Pág. 1/1
4 de Março – 57
Minha querida Maman do Coração
Recebi a sua carta que muito estimo, eu vou soffrivelmente da respiração; mas
ainda não bem de todo. Não devem ter cuidado pois o tempo ha de me pôr bom.
Amanhã não sei se teremos chuva pois o dia hoje tem estádo assim, assim. O Jozé está
bom, sempre com muito trabalho, os demais de casa estão optimos, o Manoel aqui vem
todos os dias, parece-me que a Maman devia vêr se indirectamente dizia á Tia Ponte que
lhe escreva, para que elle estude, elle é bom rapaz; mas bastante mandrião, necessita
que o espicassem. Desejo que a Tia não saiba que eu mando dizer isto; porque de facto
quem está encarregado d’elle é o O’Neill; mas eu como primo mais velho, sempre o vou
dizendo: já o outro dia ralhei com elle e fi-lo mesmo chorár, tinha sabido pelo Carlos
que é quem lhe ensina Geometria o mál que elle vai; disse-me elle que ao principio hia
bem; mas que agora era o peior de todos os que elle ensinava sendo o mais esperto.
Disse-lhe que não lhe pregava morál, porque não a sabia pregár e mesmo achava que era
tempo perdido, que só lhe mostrava as vantagens que lhe resultarião de fazer os exames,
o entrár para o anno na Universidade e não ter que passar aqui o verão, em fim elle
prometteo-me estudár e espero que o faça, pois é bom rapaz; mas não seria máo d’ahi
dizerem-lhe alguma couza. Peço segredo, não quero que se saiba que eu é que contei
isto, por causa do O’Neill; mas conto-o, pois he uma pena se elle mandriar, tem já o
exame de Latim e o resto pouco lhe deve custar. Bem differente é o nosso Jozé, que
junta ás suas optimas qualidades um estudo de ferro. Adeos recádos a todos e sou
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
O Manoel vem aqui todos os dias, como rapaz não se pode ser melhor;
necessita estudár mais alguma couza, coitado. Eu espero que lhe fizesse impressão o
que eu lhe disse, pois sobre tudo o que eu lhe provei, por ser mesmo a verdade, e de que
elle ficou convencido, é que o que eu lhe dizia era por amizáde.
António de Saldanha, carta n.º 161 Pág. 1/2
Coimbra 13 de Março 57.
Minha querida Maman do Coração
Recebi hoje a sua carta que me causou muito prazer, como todas, e ri bastante
pela força e calôr com que a Maman me quer provar que está ao facto dos termos
Academicos e conhece toda esta phraseologia, estou certo d’isto e póde contar que
nunca mais hei de pôr em duvida a sua sciencia. Dôu-lhe parte que hoje dei lição na aula
do Neiva e creio que foi das melhores lições que se tem dado n’esta aula este anno;
assim m’o disserão pessoas que ouvirão. Este anno tenho já uma frequencia grande e
conto dár ainda mais lições, veremos como as cousas regulão, lá o neminesinho julgo,
sem grande injustiça, já está certo. Até Segunda-Feira hei de saber a opinião do mesmo
Neiva sobre a lição e mandár-lhe-hei dizer; como sei que gosta d’estas noticias hir-lhas-
hei dando sempre que as houver e creia que faço todas as diligências para as podêr dár;
ao menos n’esta parte não se poderá queixar, como se queixa na sua carta d’hoje de nós
não lhe ensinarmos mais termos Academicos, mas o caso é que a Maman tem muita
razão, nós somos muito preguiçosos em escrever, eu mais que o Jozé, e confesso-lhe a
verdade, ás vêzes quando penso n’isto tenho pena; pois que me lembro o prazer que
devem ter quando ahi recebem cartas nossas e como é desagradavel ver passar os dias
sem receber uma noticia, porque isto mesmo é o que nós sentimos aqui, com a
differença que a nós as suas cartas e as do Papa não nos faltão. Passando a outra cousa,
muita pena tenho tido da doença do Alexandre e muito dó tenho tido dos tios; realmente
hoje quando soube que elle estava melhor, aliviou-me esta noticia; pois que me fazia
muita e muita pena se o soubesse morto, dê a Maman da minha parte os meus parabens
ao Tio e Tia Ponte, eu escrevi ao Tio Ponte quando lhe morrêo a May, sábe se elle
recebêo a minha carta? A este respeito sempre lhe quero dizer que este anno tem-me
faltado algumas correspondencias certas, o Jozé Alva respondêo-me a uma carta e
nunca mais me dêo palavra, que é feito d’elle? O Horta escrevi-lhe, nunca me
respondêo, etc. Quanto á questão do dia, politica, as cartas d’hoje nada dizem de novo,
sabe o que lhe digo, terei muita pena que o Carlos Bento não chegue d’esta vêz ainda ao
Ministério, porque o julgo um dos homens mais habeis do nosso paiz, e creio que é
homem de bem, pelo menos tenho-o como tál, e a sua conducta em todo o sentido como
Deputado sempre tem provado isto, tem recursos e eu entendo ser uma necessidade
António de Saldanha, carta n.º 161 Pág. 2/2
tentár homens nóvos; porque os velhos estão muito velhos, começando pelo Tio
Saldanha; que já todos sabem o que é. Consta-me aqui que o Papa já fêz o negocio da
máta de Miranda. É verdade? Se assim he, sem lhe querer dár conselhos, sempre lhe vou
dizendo que deve fazer examinar o córte por pessôa competente, o Calheiros por
exemplo, e que o dinheiro deve-o applicar em pagár dividas e aquelle que não applicar
n’isto, que fará muito mál se tál fizer; então ou o empregue na Anunciada ou Ribeira
Nova, ou em prata; mas não em comprar mais pratos com armas; porque embora sejão
bonitos, já tem muitos; mas sempre quero dizer ao Papa, e não se zangue Sua Ex.ª
comigo por causa d’isto que vou dizer, eu não devia tocar em nada d’estas cousas;
porque devia se fosse outro estár um pouco escandalizado com o Papa de ter feito um
contracto d’estes sem me dizer palavra antes, quando naturalmente consultou o Costa e
muito; porque eu não lhe quero de certo governar a sua casa; mas estou no caso de lhe
dár a minha opinião; porque primeiro tenho já idade e mais conhecimentos que o Costa
para isso, e depois de certo que tenho muito mais interesse, mesmo sem comparação,
pela casa e pelo Papa do que o Costa; além de que, se o tivesse feito, isto é se me tivesse
perguntado a minha opinião, como o Papa já por vêzes tem feito em cousas de nenhuma
importancia, dava-me uma certa consideração aos olhos do Costa, com a qual o Papa se
não havia de dár mal e para mim era agradavel. Eu estou quasi no tempo de deixar de
ser menino, pois mesmo já para o anno estou senhor de mim e muito estimava que
quando chegasse esse tempo essa confiança sem limites que o Papa deposita no Costa a
depositasse então em mim, que sou seu filho e tenho portanto muito mais direito a ella.
Desejo muito que torne a voltár o tempo de fazer companhia ao Papa sem ter de o
deixar para vir para Coimbra; mas desejo que a Minha companhia tambem lhe possa ser
util, para satisfazer assim quanto em mim caiba o trabalho que comigo tem tido, e ao
quanto lhe devo. Sei que o Papa é possivel que não goste muito d’isto que tenho estádo
a dizer, mas é o que sinto e por isso digo. Adeos minha querida Maman. Recádos a
todos, ao Papa, á Mana Tixi etc.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Caetano e Jozé.
José de Saldanha, carta n.º 162 Pág. 1/1
Coimbra. 15 de Março. 1857
Minha querida Maman do meu Coração
Agora que são 11 ½ horas da noite acabo de estudar e escrevo estas duas
linhas á pressa para lhe dizer que estâmos bons. Hoje não recebemos cartas. Estamos
anciósos por as receber amanhã para saber as noticias. Dizem aqui que o Carlos
Bento e o Ferrer estão no Ministerio. O 1.º parece-me que não ha de ser máo; mas
em quanto ao 2.º não podião escolher peior. Alguns Lentes, como o Dr. Bernardino,
estão contentes com a nomeação do Ferrer; outros desesperados e tambem se diz que
estes lhe querem pôr a calva á mostra (como vulgarmente se diz) nos Jornaes. Que
miserias!... Não posso ser mais extenso. Recados dos de cá, e eu peço-os para os de
casa.
Seu filho muito amigo e obediente
Jozé.
António de Saldanha, carta n.º 163 Pág. 1/2
Coimbra 16 de Março 57.
Meu querido Papa do Coração
Não tenho escrito desde o dia 13, porque como tinha dito á Maman que na
minha primeira carta mandar-lhe-hia dizer a opinião do Neiva sobre a minha lição,
estava á espera que o Dr. Bernardino me informasse do que tinha passado com elle. A
Resposta do Neiva foi muito bôa, disse que tinha ficado muito satisfeito, são as palavras
d’elle; veremos agora quando torno a ser chamado. O Jozé dêo hoje lição ao Goulão e
foi bem, como sempre. Passando á politica, a carta da Maman veio hoje confirmar, o
que já aqui se sabia, a organização de novo Ministerio. Mas o que me admira é a
pergunta da Maman, o que dirá o Antonio ao Ferrer? Parece-me que a Maman julga,
que eu sou do numero d’aquellas pessôas, que quando embirrão com um sujeito,
entendem-no por esse simples fácto incapaz para tudo, eu julgo o Ferrer homem de
talento e como Lente da Universidade optimo, tem meios e querendo póde muito; mas o
que duvido é que queira, não lhe falta a inteligencia, sim a probidade, pois que pelo
menos não é cousissima nenhuma como o Julio, que com a conssissima e supponhemos
mostrou nem saber gramatica. O Ferrer onde tem mais gente contra si é em Coimbra, e
não tardará muito que, segundo ouço, lhe ponhão a calva á mostra, e as maganeiras
d’elle tem o defeito, que não serão inferiores ás do Rodrigo e de recente dáta. É tambem
pouco delicado para vivêr com El Rei; mas isso outros muitos lá tem estado com iguaes
maneiras. O Carlos Bento esse acho optimo em todo o sentido, o Visconde de Sá não se
tinha perdido se sahisse. Fallou-se aqui antes d’esta noticia de golpe d’estado; mas eu
não acreditei; porque a Inglaterra não podia annuir a tál; pois além de tudo o mais,
aumentava a influencia Franceza, que já bastante dá que fazer á Inglaterra depois dos
negocios do Oriênte, e o Conde de Lavradio não dava de certo este conselho e elle tem
toda a preponderancia nas decisões d’El Rei; mas por outro lado confesso que, no meu
entender, o paiz não perdia, pois é necessario para o verdadeiro progresso um governo
energico.
Muita pena tive hoje com as noticias da Tia Pombal, é uma d’aquellas pessôas
que fáz pena vêr acabár. Quanto á Tixi creio que não será cousa de cuidado, e diga-lhe
que estimo as suas melhóras. Conto escrever-lhe para os annos. Voltando á politica,
António de Saldanha, carta n.º 163 Pág. 2/2
muito me fêz rir a perdição de riso da Maman com o Carlos Bento. Recádos á Maman,
Mana, Tixi.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recádos do Jozé e Caetano. O Barão de San Tiago de Lordello recebêo a sua
carta e agradece. Remetto o retrato do D. Jozé Coutinho, que conheci muito bem e todos
aqui em casa igualmente.
António de Saldanha, carta n.º 164 Pág. 1/1
Coimbra 23 de Março 57.
Minha querida Maman do Coração
Não tivemos hoje carta sua, conforme o costume e só se recebêo aqui uma do
Papa; mas como elle nada diz não temos cuidado. Aqui todos estamos bons e vamos
continuando com as aulas, onde ultimamente não temos sido chamados. Este anno tem
sido o mais regular de todos, depois que ando na Universidade e confesso que pela
minha parte, além de todos os motivos, tomára já vêl-o acabado; e até pelo Jozé,
coitado, que este anno seria necessario vêr, para podêr bem julgár o trabalho immenso
que tem tido. O Jozé hontem recebêo a carta da Mana, que foi segundo o costume muito
festejáda por nós ambos, entre outras cousas em que nos falla, é na chegada das Irmãs
da Caridade a Lisbôa, a Maman na sua ultima já nos dizia alguma cousa a esse respeito,
eu imagino quanto a Maman e a Mana andarão e as voltas que derão n’esse dia. Quantas
vêzes forão á Lúz? Mas a verdade é que poucas instituições ha no mundo que tanto
honrem a religião Cathólica e que bom era que ellas fossem introduzidas entre nós.
Passando a outras cousas, vejo que o Papa tem grandes planos e confesso que muito
approvo a compra do caleche, é bem necessario e agora tenho esperança que a Maman
tenha um trem mais decente que a sua traquitana; apesar que para os pobres e para os
becos pelos quaes anda só a traquitana lá possa hir. A caleche do Costa pequeno é
bonita, só a julgo um pouco pesada. A respeito do negocio da casa, vejo que o Jozé
jardineiro se foi embora; não tem questão, este anno houve algum espirito máo que
passou pelos criádos de casa, quasi todos tem mudado. Queria escrever mais, porem
reparo que é tarde e assim fico aqui. Diga a Maman ao Papa que se receber uma carta do
sobrinho do Sampayo da Revolução pedindo-lhe uma carta de recomendação para o
Bernardino, seja só uma méra formalidade; pois que este sujeito não merece interesse,
junta a ser muito máo estudante a qualidade de ser um tratantesinho, eu escrevo isto,
porque sei que elle disse a alguem que tencionava escrever ao Papa para lhe pedir uma
carta, e como eu entendo que o Papa, por que tem todo o empenho para o Dr.
Bernardino, não deve pedir cousas pouco justas, julgo dever avisar o Papa. Recádos ao
Papa, Mana, Tixi e a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 167 Pág. 1/1
Coimbra 2 d’Abril de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Esta manhã recebemos uma parte telegrafica do Papa em que nos pergunta
noticias nossas; na verdade eu e o Jozé confessamos o nosso pecado, sobre tudo eu que
tenho mais culpa; mas peço-lhe que creia e o Papa tambem que n’isto ha só perguiça
d’escrever e não falta d’amizade. Não sei se estão certos d’isto; mas desejo que o
estejão, e peço resposta para descançar a este respeito; porque me fêz pena a carta da
Maman d’hoje, em que diz que teve uma grande desconsolação de ainda no dia 1 lhe
faltar correio de Coimbra, este dito tem-me feito pensar bastante esta tarde. O Caetano
não tem escrito, não é por causa da Maman não lhe ter ainda respondido; mas sim por
culpa tambem nossa; pois antes de se deitar, todas as noites, vem ter comigo perguntar
se escrevo, eu repondo-lhe sempre, logo escrevo e com o meu eterno logo sou causa
d’elle tambem não o fazer. Elle pedio-me mesmo para lhe mandar dizer isto e já hoje
nos ralhou por causa da perguiça. Li hoje na carta da Maman a quantia em que foi
avaliada Alcobaça e só prova que é uma optima propriedade; mas não sei como se não
fêz valêr na avaliação o render hoje a propriedade territorial quasi sempre 3 0/0; é
verdade que isto só o podião fazer por equidade, pois que pela lei a avaliação foi bem
feita a 5 0/0 e segundo uma porporção que eu estive agora aqui a fazer o termo medio
dos 9 annos é 4$450000 rs.; mas o que eu entendo pouco justo, é ser o termo medio de 9
annos e não de 3 annos que marcão as Intencções para a Decima de 18 de Maio 1832
art. 10 §2. Diga-me se isto não lhe póde servir para a fazer valer mais, calcular a estes 3
ultimos annos em lugar de 9, isto é ideia minha e estimava que me dissesse o que acha.
Adeos minha querida Maman do Coração. Recádos á Mana Papa e a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
PS. É verdade que se a Maman e os Tios contão ficar com ella, quanto mais
barata ella fôr melhor.
José de Saldanha, carta n.º 168 Pág. 1/2
Coimbra. 2 de Abril. 1857
Minha querida Maman do meu Coração
Espero que ao receber esta estejão mais socegados a nosso respeito.
Recebemos ha pouco uma parte telegraphica perguntando noticias nossas e ja a ella
respondemos. Essa parte telegraphica de certo foi motivada por falta de cartas
nossas, o que eu e o Antonio sentimos muito pois se ha descuido em escrever não é
por vontade nossa. Tambem receiamos que julguem que nós nunca pensâmos em
caza por escrevermos pouco, mas a este respeito posso dizer que não se passa um dia
que não pensemos muito em todos; pois essas recordações e conversas são as que
mais agradão e as unicas que nos distrahem. N’esses momentos até me chego a
convencer que aqui não estou. Felizmente já estamos em Abril, e aproxima-se o
tempo de deixar tudo que cada dia aborreço mais. Ninguem imagina o horror que
tenho a tudo isto.
Amanhã vai para Lisboa o João Ferrão. Elle veio aqui jantar hoje. O
Manoel não o tenho visto.
Estâmos com a Semana Sancta em caza. Faço ideia que a Maman e a
Thereza vão, segundo o costume, ás festas aos Inglezinhos. Eu acho que é onde se
fazem melhor todas as festas de Igreja, pois se fazem com devoção e seriedade.
Infelizmente não succede o mesmo em todas as nossas Igrejas.
Ainda não nos confessamos, porque estamos á espera d’um Padre muito
digno que é aqui do pé de Coimbra. Os Padres que ha por aqui são quasi todos bem
pouco dignos do seu cargo, de sorte que quando se acha um bom e serio é um
verdadeiro achado.
Tem estado um tempo horrivel de Chuva, o que não é muito de esperar
agora. Tem aqui estado estes dias a Sr.ª Viscondessa da Luz, e dizem que Sua Ex.ª
se demora aqui até ao dia 7.
Vejo que a Maman foi eleita de novo Presidente da Direcção, e parece-me
que para a Associação foi isso muito bom, porque não ha nenhuma outra Senhora
que a possa supprir.
José de Saldanha, carta n.º 168 Pág. 2/2
Tirei este mez a minha mezada toda para comprar alguns livros de que
tinha necessidade. Não julgue que tenho uma grande livraria, tenho poucos livros,
mas bons, e isso é o essencial.
Adeos minha querida Maman do meu coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio e Caetano.
Dei na 3.ª feira, 31 de Março, lição em Philosophia, e no dia 21 dei lição
em Mathematica. Recebemos esta tarde a sua carta. Adeos.
António de Saldanha, carta n.º 170 Pág. 1/1
Coimbra 3 d’Abril de 1857.
Minha querida Maman do Coração
A estas horas já deve ter recebido a parte telegrafica, em que lhe digo a grande
semsaboria e desgosto, que temos tido aqui hoje; mas creio que a parte foi mál redigida,
pois que dizia que o Manuel tinha partido contra a minha vontade, quando elle nem se
quer me veio dizer adeos; pois tambem se o tivesse feito eu tinha-o fechado em casa e
não o deixava de certo partir; porem eu só o soube á 1 hora, quando já não era possivel
fazer nada; ainda d’esta sorte eu tive ideia de correr até o apanhar na estrada de Lisbôa.
Foi uma partida mestra, andou hontem de noite bebado pelas ruas da cidade e esta
manhã partio. Entendo que o O’Neill (mas isto aqui para nós) teve culpa, pois não o
devia deixar partir e não lhe dár dinheiro; mas elle responde a isto que esta farto do
Manuel e o Ornellas, mas tambem para nós, teve culpa e muita, porque eu no principio
do anno tinha-lhe pedido que olhasse pelo Manoel e elle em lugar d’isto faltou ás suas
promessas e tomou parte na patuscada d’hontem á noite. O Costa entrou n’isso, mas
creio que não teve culpa e eu já lhe disse que havia d’escrever ao Papa justificando-se,
eu pela minha parte condemno muito todas estas ceias e este genero de vida em
Coimbra e estou farto de o dizer. O Manuel vai assim muito mál e é necessario castigal-
o muito e muito severamente. Nós pela nossa parte não o queremos em casa, pois
queremos estár descansados, e o Caetano hoje é um dos que se oppoem muito a isto.
Hoje tem sido um dia d’afflição aqui em casa e Deus queira que o Manuel não adoeça
no caminho. Que historia e como estará a Tia Ponte, coitada. Na verdade o Manuel tem
muito má cabeça.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Escrevo hoje ao Tio Ponte
José de Saldanha, carta n.º 171 Pág. 1/2
Coimbra. 5 de Abril. 1857
Minha querida Maman do meu Coração
Esperavamos hoje receber cartas para ter noticias, mas não as tivemos mas
esperamos não ficar amanhã sem ellas. Temos estado afflictos, zangados e com
cuidado de que o fugido não tenha ficado doente ahi pela estrada. Não imagina a
Maman o que nos tem mortificado e indignado o passo que o Manoel deo, pois é um
passo que, por muitos doidos que aqui ha e tem havido, não ha memoria que nenhum
d’elles o desse. É um caso unico e tanto mais lastimavel por ser o heroe quem é, e
filho de tão dignos Pays. Não posso pensar em tudo isto sem me zangar. Fui amigo
do Manoel, e ainda o sou, apezar de elle me mostrar ultimamente, isto é há couza de
3 ou 4 mezes, a maior indifferença,... e, como sendo amigo d’elle deveria defendel-o
ou procurar pelo menos fazel-o, mas declaro que não acho pé nenhum para isso. O
que confesso é que tenho muito dó d’elle e sobre-tudo dos Pays. Não posso tambem
deixar de dizer que quem tem alguma culpa do Manoel estar tão feito de sua vontade
é a thia Ponte, pois não o querendo de certo fazer por mal, ella sim, deitou o filho
um pouco a perder. Peço á Maman desculpa de dizer isto de uma irmã sua, mas
digo-o porque o sinto, e parece-me que não me engano no meu juizo. O thio Ponte
ha-de certo de ter tido um grande desgosto com tudo isto. Eu o que digo é que nunca
me passou pela cabeça que tal sucedesse. Coitado do Manoel! Veio para aqui com os
olhos ainda um pouco fechados sobre esta vida, e, como elle tinha a cabeça muito
leve, deixou-se arrastar a ponto de ouvir as doutrinas de certos Cavalheiros de
Industria, que dizem guiar-se só pelos pontos de honra, e outras asneiras, e como as
ouvisse amiude foi-se capacitando n’ellas, e seguio-as á risca! Infelizmente nenhum
esforço dos que erão seus amigos verdadeiros o poderão livrar do perigo, pois a nada
attendia; um iman fatal o attrahia para os que o havião de perder tarde ou cedo.
Conseguirão o seu fim, chegou a hora de poderem contemplar a sua obra. Lançarão a
confusão e desordem n’uma familia, e fizerão-me perder a doce illusão de ter um
amigo da minha idade, e mais ainda, pois a não ser com o Antonio, com mais
nenhum rapaz tenho vivido tanto como com elle.
Desculpe a desordem d’esta carta, mas era-me necessario desabafar. Peço
que não mostre esta carta á thia Ponte, porque as verdades nem sempre se gostão de
José de Saldanha, carta n.º 171 Pág. 2/2
ouvir, o que é uma infelicidade. Adeos minha querida Maman do meu coração
muitos recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio e Caetano.
O Antonio escreve amanhã e eu tambem. Estâmos já em ferias. Recebi
hontem a sua carta do dia 3. Ficamos admirados por não terem recebido no dia 2
pelo telegrapho a nossa resposta, pois mandamol-a logo. Adeos. Amanhã escrevo.
António de Saldanha, carta n.º 172 Pág. 1/2
Coimbra 6 d’Abril de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Hoje finalmente tivemos noticias do Manuel e eu mesmo recebi uma carta
do Tio Ponte, á qual acabo de responder; realmente estou muito lisonjeado pela
confiança que elle mostra em mim, e estimava que a Maman me dissesse se elle está
contente da maneira porque eu tenho andado em todas estas cousas do Manuel. Eu
entendo que da minha parte fiz quanto me foi possivel para evitar estas zangas e
desgostos e n’este ponto não me accusa a consciencia. O Manuel se não tiverem toda
a severidade com elle, pode ainda fazer asneiras maiores ás que acaba de fazer.
Quando elle disse que tinha jantado aqui na 5.ª feira mentio, pois que, como eu
ralhava com elle, ha muito tempo que não vinha aqui; o elle dizer que o O’Neill
approvou a sua sahida de Coimbra tambem é uma falsidade. Tenho muita pena dos
thios e receio para o futuro, já digo, se o Manuel não fôr tratado agora com todo o
rigôr. Passando a outras cousas, vejo que as obras na Annunciada vão muito
adiantadas e que devem ficar bonitas, uma cousa lembro eu, é que o Papa não tire as
trancas das janelas que dão para o jardim; pois póde pôr parafusos d’um lado e outro
para as tirar de dia, e o tiral-as de todo é uma falta de segurança que se não deve
sacrificar ao luxo e elegancia; sobretudo quando se está em Oeiras e a casa está só.
No jardim é que a estufa deve ficar bonita, já que o Papa tem ahi obras; deve
tambem mandar fazer uns caixotes para as rozeiras do Japão, que estão tão
necessitadas e que é pena se se perderem. E a respeito de rozas do Japão pedia á
Maman que em tendo resposta do Porto me mande dizer. O outro pedido que fiz na
carta em que fallava nas rozas já está satisfeito, hoje recebi a carta do Papa para o
Dr. Frederico e agradeço-a muito. Hoje me pedem aqui outra cousa a Sociedade
Consoladôra dos Afflictos d’aqui deseja saber da Maman como é que se ha de dirigir
á Imperatriz para lhe pedir uma esmóla e no caso de ser um requerimento se a
Maman toma conta d’elle, forão Lentes que me pedirão isto.
Esquecia-me agradecer á Maman a sua lembrança de hirmos ao Bussaco,
ficará para o anno por motivos que são longos para expôr; além de que a estação por
ora está fria. Quanto a hirmos a Lisbôa nunca nos lembramos de tál, o Jozé porque
tinha que fazer, eu porque tinha hido no Natal e não gosto d’abusar. Lembra-me por
António de Saldanha, carta n.º 172 Pág. 2/2
occasião de fallar no Bussaco perguntar pelo corte d’Azinhaga, em que pé vai isso?
O Calheiros foi lá? Adeos minha querida Maman do Coração. Recádos do Jozé e
Caetano.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recádos ao Papa, Mana, Tixi e a todos.
António de Saldanha, carta n.º 173 Pág. 1/1
8 d’Abril 57.
Meu querido Papa do Coração
Hoje mandei dizer pelo telegrafo ao Tio Ponte que, uma vêz que o Papa e a
Maman anuissem, eu e o Caetano estavamos promptos a receber o Manuel. Julgo ser
um verdadeiro serviço que faço aos Tios e por isso resolvi-me a tál, sou amigo dos Tios
e apesar da responsabilidade que vou têr não duvidei fazel-o mais tempo. É a unica
maneira do Manuel ainda no futuro podêr hir bem. O que me parecia bem é que a
Maman dissesse ao tio Ponte que seria bom escrever elle ao Caetano entregando-lhe o
Manuel. Quanto á approvação do Papa e da Maman a consciência diz-me que a devo
têr; pois que dando este passo procurei andar bem e segundo o verdadeiro interesse dos
Tios. Respondo á Carta da Maman, que diz têr tido o Costa muita culpa da bebedeira do
Manuel por se achar presente e não têr impedido; não lhe era possivel, porque o Manuel
não costuma ouvir razão de pessoa alguma e o Costa não tinha força para o fazer sahir
da cêa, creio que n’isto não teve o Costa culpa, quem a teve toda foi o Ornellas, com
quem por este motivo cortei relações. Adeos meu querido Papa do Coração. Recádos á
Maman, Mana, Tixi e a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 174 Pág. 1/2
Coimbra. 8 de Abril. 1857
Minha querida Maman do meu Coração
Hoje não tivemos cartas suas, nem decerto as podemos têr todos os dias,
mas tivemos noticias de todos por uma carta do thio Ponte. Este está pelo que se vê
muito afflicto com a conducta do Manoel, como de esperar era. Não é possivel achar
caza para o Manoel, isto é caza onde haja um homem que o sustenha. O Antonio
n’estas circumstancias foi ter com o Caetano, que disse, não sem custo, não se oppôr
á vinda do Manoel aqui para caza, não sendo isso contra a vontade do Papa e da
Maman, com a condição de que o thio Ponte lhe ha-de conceder um poder illimitado
sobre o filho, assim como ao Antonio. O Manoel se para aqui vier para caza ha-de
mudar completamente de vida. Ha-de estudar todos os dias, e não só quando estiver
arriscado; ha-de deixar de andar com os seus antigos companheiros, e com a roda
que com elles vive; e não ha-de andar vestido contra o regulamento e de grande
cachimbo, pois que, apezar de muita gente se rir talvez d’esta mania de trazer
cachimbo, é comtudo má couza, pois dá um ar ordinario e pouco proprio, e já que o
individuo não tem de si um ar muito distingué, ao menos ande decente. Parece-me
que se elle poder, e quizer sujeitar-se a este novo modo de vida não lhe ha de provir
d’ahi mal algum. Outra couza a que elle se ha de sujeitar é a ir passear com o
Antonio, ou com o Caetano só, para que d’este modo quebre, se possivel fôr as
relações que elle tem adquirido não se sabe como. Como elle tem uma cabeça muito
leve, se para aqui vier ha-de ser tratado com amizade, mas com todo o rigor, e não se
lhe ha-de perdoar a menor couza. O Antonio escreve tambem n’este sentido á
Maman e ao thio Ponte esta noite, e será bom que este saiba tudo o que deixo
referido, e do que o Caetano e Antonio exigem. A vinda d’elle para aqui é mais uma
prova d’amizade para com os thios, pois não é indiferente tomar sobre si a educação,
se assim posso dizer, d’um rapaz quasi perdido e teimoso.
Faço ideia que a esta hora chegão a Maman e a Thereza a caza de volta dos
Inglezinhos, e preparando-se para lá voltar amanhã. Eu fui hoje com o Caetano ouvir
o officio a um Comvento que ha perto do Penedo da Saudade, e conto lá ir todos
estes dias. Gosto muito d’esta Igreja porque é muito socegada e limpa, e ha em tudo
José de Saldanha, carta n.º 174 Pág. 2/2
muita devoção. Hoje foi o officio rezado pelas Freiras. Não estava quasi ninguem.
Começou o officio ás 5 ½ horas da tarde e accabou cedo.
Depois ainda fui um instante á Sé, ouvir a musica, que não é lá muito bôa.
Estava lá o Bispo, e amanhã ha Pontifical. Aqui na Se tambem fazem muito bem as
festas todas.
Recebi esta noite a caixa com o chá e os sapatos, que muito agradeço.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que
sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio e Caetano.
Dou os meus parabens ao Monsenhor pelo dia dos seus annos. Deve ter
estado famoso com a historia do padre que exigio a sua confirmação na sua
nomeação. Adeos.
Não quero deixar de agradecer á Maman a sua lembrança de nos fazer sahir
d’aqui estas ferias. Não a aproveitamos porque não vale a pena por 6 ou 7 dias, além
d’estas festas, e tambem tanto eu como o Antonio temos massadas de dissertações.
Quem dêra cá o mez de Julho. Recados a todos. Adeos.
José de Saldanha, carta n.º 175 Pág. 1/1
Coimbra. 11 de Abril. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Não quero deixar de lhe escrever hoje para lhe dar as boas festas, e aproveito a
occasião para agradecer as suas cartas, e pedir desculpa de não lhe ter escripto vai já em
algum tempo.
Está passada a Semana Sancta que se celebrou este anno com grande estrondo
na Sé. Hontem houve n’essa Igreja um Sermão muito bom pregado pelo Dr. Donato.
Pregou muito bem. Este anno não houve festas na Universidade por não haver dinheiro.
É a primeira vez que tal succede, pelo menos n’estes ultimos annos.
Recebemos hoje uma carta da Maman em que nos diz que o Papa consente que
o Manoel venha aqui para caza, e recebemos tambem uma carta do thio que se mostra
muito grato ao Papa, Maman, Antonio e Caetano.
Fui hoje vêr os Palmellas, pois o Filippe, que tem estado doente, mas já se
levanta. Elles são muito bons rapazes. Esta tarde recebemos uma encommenda da parte
da Maman, que muito agradecemos. O Antonio está bom. Dentro em 2 mezes terá o
gosto de o vêr em casa. Por esta occasião lembra-me fallar ao Papa n’uma couza, que o
Antonio, pelo que tenho percebido, não quer pedir, porque não gosta de estar sempre
com pedidos, mas que me parece elle ha-de gostar de encontrar em Lisboa quando
d’aqui fôr. É se o Papa lhe compra um cavallo. Decedi-me a fallar n’isto, pelos motivos
que acima digo. O Caetano manda muitos recados ao Papa assim como o Costa.
Adeos meu querido Papa do meu Coração, muitos recados a todos e acredite
que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Antonio.
Esteve hoje aqui o Dr. Bernardino.
António de Saldanha, carta n.º 176 Pág. 1/2
Confidencial
Coimbra 13 d’Abril de 57.
Minha querida Maman do Coração
Naturalmente quando abrir esta carta e a lêr ha de rir bastante; apesar d’isto
como tenho toda a confiança na Maman e sei que deseja deveras o meu bem vou
dizendo. Acabo de saber ha poucos dias que um morgado de Lamego trabalha para
conseguir casar com a Ferreirinha do Porto, como me lembro o que a Maman me
disse, quando lhe fallei n’uns projectos meus a respeito da filha do J. P. Da Costa,
projectos que depois perdi em vista do tamanho da pequena, não quero deixar de
prevenir a Maman d’esta noticia, para no caso de assim o entender, dár alguns
passos e dispôr este negocio em meu favôr, pois d’outra sorte mais tarde podem
haver compromissos com o outro, que hoje ainda não será difficil vencer, pois o
sujeito além de tudo é pouca cousa de juizo, formou-se em Coimbra ha dôus annos e
eu conheço-o muito bem. Quem me contou isto foi o Dr. Raymundo, a quem o rapaz
contou ha dias, quando esteve aqui, trazendo o irmão para Coimbra. Ora eu daqui a
pouco estou formado, de Maio a um anno, e confesso que estimava muito achar um
partido vantajoso; pois que agrada-me muito viajar, servir o meu paiz, etc., e conto
muito para isso com alguma cousa que tenho estudado; mas essa posição brilhante,
que posso occupar um dia, mais facil será com bastantes meios, um exemplo d’isto
temos no Tio Palmella, que de certo uma das cousas agradaveis que teve na sua vida,
foi a bella fortuna da Duqueza actuál. O Jozé já está arranjado pela sua parte e eu
tambem estimava outro tanto para mim. Eu conto em meu abôno alem da posição um
bom comportamento e o ter feito felizmente até hoje bôa figura na Universidade e
mais alguma cousa se Deus quizer este anno. Para a casa do Papa tambem isto terá
grandes vantagens, pois que Azinhaga alem de tudo poder-se-ha muito augmentar,
etc. A menina dizem tambem que é bem educada. O peior que eu tenho é ser
Saldanha, porque a May dizem que embirra bastante com este nome; mas este
defeito, que eu tenho para ella, não será talvez difficil tambem vencer. Em fim pense
a Maman a este respeito e faça o que entender, lembre-se só que ha mouro na costa,
como se costuma dizer, e no caso de a isto se resolver peço só um pouco da energia
António de Saldanha, carta n.º 176 Pág. 2/2
que lhe conheço. Adeos minha querida Maman do Coração. A Senhora em questão
creio que está ainda hoje em Inglaterra; mas o tál Senhor Manoel de Carvalho, que é
o Morgado de Lamego, tem trabalhado já para lá a este respeito.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Se entender que deve fallar ao papa, falle. Tenho uma ideia de ouvir dizer
que o Jozé Passos é todo da May, mas não sei isto com certeza.
António de Saldanha, carta n.º 177 Pág. 1/1
Coimbra 13 d’Abril de 1857.
Meu querido Papa do Coração
Não tenho escrito ha uns poucos de dias, porque estava á espera de passar a
Semana Santa, para lhe dár juntamente as bôas festas, bem, como á Maman, Mana e a
todos de casa, sem esquecer a Tixi já se sabe; o Caetano e o Costa tambem as mandão.
Hontem na Sé houve pontificál, a que eu assesti, sentado ao pé dos Lentes e mais o
Marquez de Souza. Foi feito e celebrado com toda a pompa, bem como toda a Semana
Santa aqui; na 6.ª feira do officio da nôute, tambem fui á Sé e estive na Capella mór ao
pé do corpo cathedratico; de sorte que já vê que figurei bastante este anno. Eu este anno
estou muito serio e o Dr. Raymundo ainda o outro dia m’o disse, sábe o que faço muita
vêz de tarde, vou passear para o jardim com os Lentes e ando com elles toda a tarde,
lembra-se que quando estava aqui Governador Civil era isto cousa de que eu fugia
sempre. Mas não ha remedio, já este anno tomo gráo e certas cousas que fazia no
primeiro anno já agora não tinhão desculpa e até mesmo me não divertem, e outras ha
que se tornão agora necessarias. O Jozé é que tambem tem uma vida muito seria, e esse
então o que fáz é dár grandes passeios só, até muito longe; eu tambem o faço ás vêzes,
mas menos. Estes dias tanto elle, como eu temos tido grandes massadas com
dissertações, o Jozé tinha duas e eu uma. O Jozé já entregou uma, e a minha está quasi
prompta, tenho-me esmerado em apresentar o meu trabalho o melhor que me é possivel,
pois que d’elle depende muito qualquer distinção que possa este anno ter e para o que
tenho deveras trabalhado. A Dissertação é para o Neiva, a quem peço que o Papa
escreva dando-lhe as bôas festas e agradecendo-lhe todos os obsequios que me tem
feito, porque é impossivel tratar com mais distincção do que elle me tem tratado.
Amanhã esperamos o Manuel, e agradeço ao Papa o ter annuido aos meus desêjos, eu
tomei esta resolução por desejar servir os Tios, de quem sou amigo. Agradeço á Maman
as amêndoas, porque n’estas cousinhas vejo muito bem, que tanto a Maman como o
Papa se lembrão sempre de nós, e isto causa-nos um verdadeiro prazer e gratidão.
Recádos a Maman, Mana, Tixi e a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Ha resposta a respeito das rozas do Japão que a Maman pedio para o Porto?
José de Saldanha, carta n.º 178 Pág. 1/1
Coimbra. 14 de Abril. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Pedio-me hoje o Rocha (Antonio) que lhe desse uma carta minha para o Papa
para ella servir de apresentação a um Bacharel em Direito chamado Acacio Hipolyto
Gomes da Fonseca, que se acha em Lisboa pertendente não sei do que. Eu não me podia
recusar a isso, mas escrevo hoje ao Papa, avisando-o d’isto e pedindo-lhe só que quando
o homem o fôr procurar o trate bem, e em quanto á sua pertenção, como o Papa não é
muito conhecido do Ferrer, e, provavelmente, ou de certo não quer pedir nada a nenhum
dos Ministros, desculpe-se como poder, e não se afflija por isso. A pessoa que me pedio
a carta, ella mesma, é que me deo a entender isto, mas pedio-me todavia a carta para se
não comprometter com o dito pertendente. Desculpe tantos incommodos e pedidos, mas
a isso me atrevo porque estou certo da amizade do papa. Não posso ser mais extenso.
Muitos recados do Antonio, Caetano, Costa e Manoel e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 1/3
Coimbra 14 Abril. 1857
Minha querida Maman do meu Coração.
Não quero deixar passar mais dias sem lhe escrever e por isso o faço hoje
dando-lhe tambem as bôas, pedindo-lhe que as dê da minha parte á Thereza e á Tixi,
posto que conto escrever-lhes amanhã para esse fim. Ha immensos dias que não lhe
escrevo, e declaro que não sei como isto tem sido. Ja fiz uma dissertação, a de
Mathematica. É bonita. O objecto d’ella é a trisecção do angulo, por meio do circulo
e da hyperbole. Parece-me que não está má. Esta noite quero ver se faço a de
Philosophia, ou, pelo menos, se a começo. Não é tão bonita como a de Mathematica,
pois versa sobre a demonstração theorica do decrescimento da intensidade do som a
partir do centro de vibração que o produz. Pouco se pode dizer sobre isso. Tem-me
esquecido dizer-lhe que tenho ultimamente andado a estudar acustica. É bonito e
divertido. Cá tenho estudado a theoria dos diferentes instrumentos, por exemplo o
pianno, a razão por que se empregão os sustenidos, e estas e outras tantas
trapalhadas. O que não tem duvida é que o estudo das sciencias naturaes é muito
interessante.
Hoje chegou o Manoel, chegou bom. Eu fui esperal-o á Malla-Posta
julgando que elle viesse só, mas chegou com o seu creado, que parece muito bom
homem. Eu não disse nada ao Manoel sobre as suas aventuras, pois não tenho geito
de ralhar, nunca o fiz e se o fizesse havia isso de me affligir muito. O Antonio é que
lhe prégou depois do jantar um grande Sermão. Tenho esperança e quasi certeza de
que o Manoel se ha-de portar bem. Elle parecia estar acanhado, pelo menos a mim, e
isso não é máo. Elle fica no quarto do Antonio no lugar onde eu estava, pois, como
não posso dispensar um quarto para estudar só e socegado, fico dormindo no quarto
onde sempre tenho estudado, isto é no quarto ao pé da salla. O Manoel ha-de estudar
no quarto onde dorme. Estuda elle d’um lado e o Antonio do outro. Não digo que o
Manoel fique muito commodamente alojado, pois alguns dos seus móveis ficão
n’outro quarto, que se lhe teria dado, acaso não fosse tão pequeno, mas tambem não
se pode dizer que fica mal de todo. Em quanto a eu sahir estou penhoradissimo da
confiança que em mim depozitão, mas não me posso encarregar, quero dizer sahir
muito com elle, pois, tiradas as ferias em que sahio todos os dias e dou passeios
José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 2/3
formidaveis, sahio pouco só ás vesperas de feriados. Alem de que sou muito
exquisito, eu mesmo o reconheço, mas gosto muito de andar só. Comtudo, sempre
que poder, n’isto e em tudo o mais estou prompto a fazer tudo.
O Criado jantou cá, e esteve cá toda a tarde a conversar. Parece homem
muito capaz. Elle vai amanhã para Lisboa, e vai encarregado de muitos recados
nossos para todos. Pelo Manoel tivemos noticias de todos. A galeria dos paineis da
Thereza vai augmentando, e tomára já a hora de a poder vêr. Sei que o Papa recebeo
a minha carta em que lhe fallava na compra do Cavallo para o Antonio e hoje peço á
Maman que não perca esse negocio de vista. Com a sua carta recebi outra sua para o
Costa. Diz-nos que lh’a entreguemos no caso de ser isso conveniente; mas o Antonio
diz que não ha necessidade d’isso, e eu tambem me inclino ao mesmo parecer e por
isso não a entregámos a quem era dirigida. A carta está forte, força é confessal-o,
mas se fosse necessario fazel-o não podia d’ahi provir obstaculo a ella ser entregue,
pelo contrario. Em quanto ás mezadas do Manoel, de tudo fiz sabedor o Caetano e
creio que elle escreve á Maman sobre isso.
Sei que o Nhonho faz de Menino do Coro em São Luiz, e bom é que elle se
divirta com isso. Elle é muito bom rapaz. Por uma carta do Horta e pelo Manoel
soubemos que temos mais um primo. O que sinto é que a thia Julia esteja muito
incommodada, como diz o Manoel. Adeos minha querida Maman do meu Coração
muitos recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio e Caetano e Manoel, que se foi agora mesmo deitar.
Como escreve provavelmente com anticipação ao thio Pedro, desde já peço os meus
parabens para elle pelo dia 18, e os dou á Maman e ás thias. Adeos.
Fallando agora mesmo com o Caetano, elle me diz que não escreve á
Maman, e me pede lhe diga o seguinte. Este anno em virtude da carestia dos generos
cada um de nós tem duas moedas por mez, e o Costa tem o mesmo, e as d’este
José de Saldanha, carta n.º 179 Pág. 3/3
ultimo são só para comida, d’onde parece que o Manoel tambem deve ter 2 moedas.
Eu d’isto nada sei, e digo o que me dizem e mais nada.
Não entreguei a carta ao Costa; porque foguetes já elle tem levado
bastantes meus e do Caetano, tenho-lhe dito tudo quanto ha de mais forte e n’outra
não se mette elle; apesar que n’esta é uma daquellas em que elle tem tido menos
culpa. Fique isto só para a Maman e Papa.
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 181 Pág. 1/1
Coimbra 17 de Abril de 57
Minha querida Maman do Coração
Não sei se é bom ou máo pressagio; mas o que não tem questão é que ha uns
poucos de dias para cá, devido ao acaso de certo, tenho tido por minha parte
informações para os meus projectos; assim não quero deixar de lhas communicar. Além
d’aquellas que lhe mandou hontem o Caetano, soube hoje, quando estavamos ao jantar a
conversar em diversas cousas, que o Manoel tinha vindo na mala-posta, com um homem
que lhe dissera que a Ferreirinha acabava de chegar ao Porto vinda de Inglaterra, não sei
até que ponto isto será verdade; mas digo-lhe sempre. Tambem está agora aqui um
proprietario rico chamado Manoel Antonio Francisco de Cerdeira Guedes Pinto, natural
d’Aviz, creio que pertence esta terra ou é proxima do Pezo da Regoa, veio vêr um filho
que tem no 5.º anno, este sujeito foi um dos que contribuio mais para que a menina não
casasse com o Manoel de Saldanha, é muito cabralista e tem influencia na May, protejeo
ha tempos o Conde de Samodães nas suas pretenções. Hontem estando este sujeito
conversando com o filho mais velho do Barão da Varzea, Luiz Candido, fallou-lhe a
respeito de estudantes serios etc., e o Luiz Candido que, como a Maman sábe, é muito
nosso amigo, e nunca perde uma occasião de dizer bem de nós, assim como no Natál já
o fêz dando as melhores informações ao Souza do Marquez de Subserra, informações
que o Souza repetio ao Marquez, tambem agora, logo que o homem fallou n’esta
materia, começou a elogiar-nos muito. Ora todas estas cousas tem sido resultado do
acaso; mas não as acha de bom agouro? E a chegada da senhora ao Porto, é que explica
o dito do tál morgado de Lamego, seu patricio, dizendo que hia agora tratar deveras
d’isto. Adeos minha querida Maman. Naturalmente ri-se d’esta mania com que estou
agora; mas confesso-lhe que estou nos ares com isto; pois tenho tido optimas
informações d’este negocio, e não são tantos, que valha a pena perdel-os.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 182 Pág. 1/2
Coimbra 21 d’Abril de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Recebi hoje a sua carta de 20 que me foi annunciada pela do Caetano
d’hontem, vejo o que se tem feito, e agradeço muito, approvo inteiramente o
segredo que quer que se conserve. Passando a outras cousas, que horrôr me fêz o
que me conta da mulher que está no Salitre, com os seus bixinhos, he d’aquellas
cousas que me parece que deve incommodar o assestir e confesso que entendo
que se não conssentisse, a sciencia nada ganha, e é uma vida exposta inutilmente.
Mas o Monsenhor deve estár optimo com isto, se elle não estava já, como
imagino, magnifico com as historias do Padre de Moçambique, confesso que não
percebo como o Nuncio lhe dêo o Beneplacito, e de certo que o Governo andou
bem e muito bem fazendo desembarcar o Padre. As cousas desfazem-se pela
mesma maneira como se fazem, é isto regra de Direito, e o Governo portanto que
o tinha nomeado Prelado de Moçambique podia tambem deital-o fóra, pois não
chegou a ser coládo, é esta a opinião de Lentes de Theologia, com quem tenho
fallado n’esta materia e o Nuncio abusou do seu poder dando o Beneplacito.
Diga-lhe isto para o ouvir. O Salvador é que fêz figura triste com a tál historia de
ser Escrivão do D. Izidoro. Quem o outro dia me fallou muito em Monsenhor foi
o Dr. Menezes, que pregou nas exequias do Sr. Marquez de Pombal, estáva em
Roma, e tomou n’esse anno ordens, quando Monsenhor lá estava. O Dr.
Constancio tambem o outro dia me disse, por que não vai Monsenhor para
Moçambique? Este Dr. é com quem Monsenhor teve as historias. Aqui está
assunto para a caturrice. Como está a Mana? Tomára ter tempo para lhe escrever.
Diga-me, não me respondeo sobre Alcobaça. Desejava saber o que achou ao que
eu dizia. O Manoel está optimo, o Jozé tambem, mas agora tem uma massada
enorme, estuda 10 horas ás vêzes por dia. É muito, e tomára-lhe vêr o fim do
anno, coitado. Confesso que cada vêz mais me espantão os estudos em Lisboa, F.
de Mello, segundo dizem, não perde pitada e é premiado. Combina portanto o
António de Saldanha, carta n.º 182 Pág. 2/2
tempo que elle tem d’estudo com o do Jozé. Adeos. Recádos ao Papa. Recádos do
Manoel Caetano e Jozé.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Que noticias ha do Barruncho?
Diga ao Pay, que lhe mande recádos meus.
José de Saldanha, carta n.º 183 Pág. 1/1
Coimbra. 22 de Abril. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Tivemos hontem uma carta sua, e hoje tivemos noticias de todos por uma
carta da thia Ponte escripta ao Manoel. Este tem continuado bem, e oxalá que
continue. Fui esta tarde, quasi noite, visitar o Luiz Balsemão, que chegou de Lisboa
e me deo noticias de todos pois esteve, pelo que me disse, na Annunciada. Elle é
bom rapaz e comnosco tem sempre sido muito delicado. Passei um bocado divertido
a ouvil-o contar o que tem lugar no Salitre com os bixos. É couza admiravel, e
confesso que tenho pena de não os poder vêr, ainda que reconheço que quando os
visse não estaria de certo a sangue frio e muito contente.
Tem estado um lindo tempo e já vai fazendo algum calor. Isso é o peior
porque incommoda para estudar. Tomára o tal anno acabado; não tem sido má
estupada.
No dia 26 faz annos a prima Maria Rita Asseca, e peço os meus parabens
para ella.
Não tenho podido escrever á Thereza e Tixi mas fal-o-hei logo que possa.
Não posso ser hoje mais extenso. Adeos minha querida Maman do meu Coração
muitos recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio e Caetano e Manoel
António de Saldanha, carta n.º 185 Pág. 1/1
27 de Abril de 57
Meu querido Papa do Coração
Apezar de não receber carta sua ha muito tempo, não estou com cuidado
porque pelas cartas da Maman sei que está bom, e como tambem não posso julgar que
esteja mál connosco, attribuo esta falta ao muito entertido que anda com as obras
d’Annunciada. Felizmente posso esperar fazer acto d’amanhã a 6 semanas e por todos
os motivos estou desejando muito já esse tempo e entre outros, porque necessito muito
mudar de ár; ultimamente tenho soffrido muito da respiração, e os ataques teem sido
fortes; pedia portanto á Maman que logo que receber esta me mande as pastilhas que
fizerão bem ao Alexandre Ponte, com todas as indicações sobre a maneira de as tomar.
Peço que não se afflijão com estas noticias, porque são ataques como os outros muitos
que tenho tido ha dous annos para cá, somente um pouco mais fortes e repetidos. Mas
tudo isto passa em eu chegando a Lisbôa; porque o que me fáz mál é a vida sedentaria,
que aqui levo. Ainda assim não tenho deixado um só dia de hir á aula, e mesmo antes
d’hontem, como deve saber pela carta do Caetano tivemos gente aqui, 4 Lentes a tomár
chá. O ataque em geral é de dias a dias de intervalo e vem de noite. Passando a outras
cousas muito gostei do que a Maman me conta do baile da O’Sullivan, e parece-me que
a Mana não foi mál; mas pouco rica. Espero e sei de certo que a cára era muito mais
bonita que a do figurino que a Maman mandou. O Barão de Paiva partio hoje e hontem
o Jozé, Manoel, e eu fomos-lhe deixar os nossos bilhetes. O Manoel continua muito
bem e todos estamos muito contentes com elle. Adeos meu querido Papa do Coração.
Recádos á Mana Maman e a todos, sem esquecer a Tixi. Peço ao Papa e á Maman
novamente que não se afflijão com a minha respiração; pois ha de passar e agora mesmo
estou bem.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Jozé, Manuel, e Caetano.
José de Saldanha, carta n.º 186 Pág. 1/1
Coimbra. 29 de Abril. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Ha immensos dias que lhe não escrevo, mas tenho um modo de vida tão
atrapalhado que nem sempre faço o que quero.
Recebi hoje a sua carta de 28, e tambem recebi o Garnier. Como me tinha dito
que o mandava pelo Paiva, fui eu vizitar a este quando elle aqui esteve, por signal que
lhe deixei um bilhete com o meu nome e o do Manoel, porque fui lá 1.ª vez mas estava a
caza cheia de gente que se não podia entrar, e quando, com intervallo talvez de 1 hora lá
voltei, já elle tinha sahido. O Garnier não me é de necessidade mas estimo tel-o, porque
é bom livro.
Hoje tivemos feriado, e amanhã tambem, de modo que esta Semana só temos 4
dias de Aula, e o mesmo tem lugar para a semana seguinte. Felizmente vai-se
aproximando mais o tempo de deixar Coimbra. D’hoje a 6 semanas devem o Antonio e
o Manoel já estar em Lisboa com os seus actos feitos. O Costa vai para Lisboa logo no
principio de Junho pois só faz acto tarde.
Tem estado um tempo muito bonito, e o campo está lindo. O Antonio vai
passear todas as tardes com o Caetano e Manoel, que continua no bom caminho. Esta
noite estiverão aqui o Viegas, o Balsemão e o Luiz Candido. O Viegas é optimo rapaz.
Somos muito amigos um do outro, e pela minha parte é dos rapazes que tenho
encontrado de quem seja mais amigo pois é muito e muito bom rapaz.
Pelas cartas do Caetano deve já talvez saber que no dia 25 dei lição em
Philosophia e no dia 27 em Mathematica.
Estive hoje muito tempo com o O’Neill na Loja do Livreiro. Parece-me que
elle vai viver para Inglaterra, no que lhe acho mais razão do que em estar aqui. Muita
vontade me deo de rir do que diz do Antonio ter convidado o seu Confessor a tomar
chá, e foi muito bem pilhado. Não tenho escripto á Thereza, mas peço que não repare
n’isso. Amanhã ha These em Mathematica d’um rapaz do Porto chamado Lobo. Eu hoje
não posso escrever ao Papa. Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos
recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
António de Saldanha, carta n.º 187 Pág. 1/1
Coimbra 29 d’Abril de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Julgo que, em consequencia da minha carta d’antes d’hontem ao Papa, ha de
estar com cuidado em mim; assim não quero deixar hoje de lhe escrever, para lhe dizer
que ha 3 dias a esta parte tenho passado muito bem e tenho esperança que me torne a
pôr bom da respiração completamente. Tenciono apesar d’isto para a semana, que ha
dous feriados seguidos, 5.ª e 6.ª feira em consequencia de ser este ultimo dia,
anniversario da entrada dos Constitucionaes aqui, hir ao Bussaco; ainda lá não fui e
espero muito na mudança d’ár; pois que o anno passado, depois da hida a Pombal,
passei o resto do tempo muito bem em Coimbra. Vou só com o Menezes, os outros não
vão, e fica reservada esta patuscadinha para o anno por motivos que não posso agora
expôr. Excolhi o Menezes para hir comigo, porque é um verdadeiro amigo meu e que
tem por mim um interesse como d’irmão, sempre o tem mostrado n’estes 5 annos que
temos vivido quasi como companheiros, elle logo que lhe fallei n’isto disse que sim, e
se o tempo deixar será um divertimento, ao mesmo tempo um remedio. Aqui nada ha de
novo, dei hoje com o Caetano e o Manuel um lindo passeio, e agora á noite tivemos
aqui alguns amigos. O Jozé está optimo; mas esse poucas vêzes passeia comnosco;
porque gosta de andar só. O Manuel continua muito bem. Li hoje a sua carta ao Jozé e
vejo que a Maman quer mangar um pouco comigo; o tál Padre que nos confessou é
muito bom homem, e não julgue a Maman que eu tenho odio a Padres; sempre que são
bons estimo-os muito, e acho tão elevado o seu fim, que para mim o Padre debochado
equivale á mulher bebeda, que é tudo quanto ha de mais nojento. Passando a outras
couzas que ha de novo sobre certo negocio! Diga-me o Papa está mál comigo, pois não
me escreve ha muito.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recádos ao Papa, Mana e Tixi. Recádos do Jozé, Caetano e Manoel.
A Thereza está mál comigo de eu não lhe escrever ha muito tempo?
José de Saldanha, carta n.º 189 Pág. 1/1
Coimbra. 2 de Maio. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Não quero deixar de lhe escrever hoje para que não fiquem com cuidado em
todos nós, que felizmente continuâmos a passar bem. Hontem tivemos uma carta
sua, e hoje tivemos noticias de todos por uma carta que o Manoel teve.
Hoje ha um baile dado em favor da Sociedade Philantropico-Academica.
Parece-me que não estará lá muita gente. Acha-se agora aqui o Luiz Candido, que
vem de lá pois, como estava de batina, só lá esteve em quanto não entrou mais gente.
Temos rido bastante com couzas do tal baile pois quem conhece todos estes Lentes e
os Estudantes que se querem fazer janotas, não pode deixar de rir. Quem teve a ideia
do Baile foi o Dr. Bernardino, mas elle hoje não parecia já tão satisfeito. Hontem
começarão os Concursos de Theologia. Hontem fez a prelecção o Dr. Menezes o
mesmo que prégou nas exequias do Marquez de Pombal.
Estamos no mez de Maio, e já esta tarde houve uma horrivel trovoáda.
Onde vai a Thereza este anno ao mez de Maria? A São Jozé?
Este mez tirei a mezada toda porque tenho de comprar alguns livros. Já vou
tendo alguns livros, e menos máos.
O Manoel está optimo, e não parece o mesmo. Oxalá que assim continue.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio Manoel e Caetano.
Recados ao Papa Thereza e Tixi.
O Antonio não tem tido ataques de respiração.
Minha querida Maman
Ainda não recebi as pastilhas para a respiração. Adeos.
António
António de Saldanha, carta n.º 190 Pág. 1/1
Coimbra 3 de Maio de 57.
Meu querido Papa do Coração
Ainda hoje se passou o dia sem ter o gosto de receber carta sua, desde 1
d’Abril que não recebemos uma só letra sua e confesso que já vou perdendo as
esperanças de ter este gosto. Está doente, ou está mál comnosco? Todos estamos aqui
admirados de tão grande silencio e sem sabermos o motivo. Eu vou hindo melhor da
respiração e hoje recebi as pastilhas da Maman, mas estou com as esperanças perdidas
da hida ao Bussaco; pois que ha dous dias não cessa de chover e deve estár tudo muito
molhado e incapaz. Dentro em 38 ou 39 dias devo estár em Lisbôa e não é sem
impaciencia que vejo ainda tantos dias para esse tempo chegar. Coimbra gozou hontem
d’um baile; mas nós não fomos, eu só tomei bilhete, porque não queria que dissessem
que não o tomava; mas resolvido a lá não hir. Os Palmellas tambem lá não forão. Houve
motivos que nos fizerão escandalizar com os senhores que lá estavão á testa d’este baile.
O Manuel continua muito bem. Tenho muita pena do que a Maman me diz hoje do Tio
Linhares que é muito bôa pessoa; fáz muita pena e sempre me lembra o Tio Linhares
como sendo um dos homens mais polidos que eu tenho conhecido, coitado. O Luiz de
Silveira fáz dó, coitado, mas confesso que sinto muito menos e sem escrupulo; pois nós
não podemos ter igual pena de todo o proximo. A Maman falla hoje com cuidado nos
passeios solitarios do Jozé. Não lhe dê cuidado. Os campos de Coimbra são muito
seguros e não tem essas poças e perigos que imagina. O Jozé é optimo e mesmo não é
possivel ser melhor do que elle é; agora vai sempre ao mez de Maria ao convento das
Therezinhas. Que diz a isto a Maman e a Mana? Passando a outras cousas, que
novidades me dá sobre certo negocio que julgo a Maman lhe deve ter fallado. Recados
do Caetano, Jozé e Manuel. Recados á Tixi e muitos e muitos á Maman e á Mana.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 191 Pág. 1/1
Coimbra. 6 de Maio. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração.
É hoje vespera de feriado e por isso não quero perder a occasião de lhe
escrever para que não fiquem com cuidado em nós.
Hoje não tivemos carta, mas hontem recebi noticias de todos por uma carta
do Rozado. Elle é muito bom amigo e muito bom homem. Aqui nada ha de novo.
Temos agora 2 feriados seguidos o que é optimo, e o que aqui se aprecia mais que
tudo.
Vou logo lêr o Braz Tisana em que vem uma batida nos filhos do Conde de
Thomar e em mais gente. A tal imprensa tem liberdade de mais, pois ataca as vidas
particulares, e parece-me que se devia tratar de lhe pôr um freio.
Um redactor d’um jornal de Coimbra levou o outro dia tanta pancada de um
individuo a quem insultou infamemente, que tem sido obrigado a guardar a cama.
Não se deve dezejar mal a pessoa alguma, mas, quando se vê um maroto assim
castigado, não pode a gente deixar de sentir certo prazer interior.
No Minho tem havido muitas desordens, e li o outro dia n’um jornal um
artigo muito forte contra o Administrador que o thio Fernando tem na Quinta de
Mirando. Já aqui se sabe que o Ferrer cahio do Ministerio e dizem que cahio
airosamente. Não sei. O que vejo é que o homem se acha fóra do Ministerio e
reduzido a ensinar de novo os seus meninos porque não tem grande probabilidade de
tornar a sahir Deputado por Coimbra.
O Caetano recebeo hontem ou antes d’hontem uma carta da thia Ponte com
o que está muito penhorádo.
Não tenho escripto estes dias ao Papa, mas conto fazel-o amanhã.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
José de Saldanha, carta n.º 192 Pág. 1/1
Coimbra. 7 de Maio. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Tivemos hoje o gosto de receber 2 cartas suas e uma da Maman. Espero que
não tenha reparado na minha falta em escrever e que não leve isso em mal. D’hoje a um
mez, pouco mais, deve o Antonio já estar em Lisboa assim como o Manoel. O Costa vai
para Lisboa no dia 2 ou 3.
Está aqui o Luiz Balsemão que veio hoje jantar comnosco e nos tem feito
companhia até agora que vai para as 10 horas da noite. Elle é muito bom rapaz, e sabe
mil historias que divertem. A unica coisa que aqui ha é o cavaco que ajuda a matar o
tempo, e entretem a gente. Tem estado um tempo horrivel de chuva. Não parece que
estâmos em Maio. Amanhã é tambem feriado e dia de festa para a Cidade de Coimbra.
Aqui tenho visto o Dr. Bernardino que sempre se recommenda muito ao Papa
assim como o Dr. Raymundo. Tem havido Concursos em Theologia, e tambem os deve
haver em Direito. Vejo que o Dr. Paes foi ahi a caza dar noticias nossas. Estâmos-lhe
muito obrigados porque, não sendo elle vizita nossa, veio procurar-nos na ante-vespera
de partir para Lisboa. Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos
e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano Manoel e Costa.
António de Saldanha, carta n.º 193 Pág. 1/1
Confidencial
7 de Maio de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Tenho recebido as suas cartas e hoje recebi 2 do Papa, nenhuma d’ellas me diz
que haja novidade a respeito do meu negocio e o Papa nem em tál me toca. Diga-me
como o Papa tem tomado isto, porque a mim parece-me que não muito bem, pois era
natural com o seu genio se gostasse o fallar-me em tudo isto. Comtudo eu não deixei a
minha ideia e peço á Maman que trate deveras d’este negocio. Não ha duvida que
reconheço, sem ser por soberba, a verdade que a Maman ha tempos me dizia na sua
carta, de ser eu um bom partido; mas para conseguir o meu fim não basta só isto, é
necessario apresentar-me. Aqui nada ha de novo, eu tenho estado constipado, assim
como a Maman esteve, de sorte que estes dous dias com o tempo máo, fico em casa e
não me tiro d’aqui. Da respiração estou muito melhor; mas necessitava mais pastilhas,
tenho-me dado muito bem com ellas. Hoje não posso escrever mais; mas torno a pedir-
lhe que trate do meu negocio. Que me diz ao Ferrer? Entendo comtudo que deixou a
pasta com honra.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 194 Pág. 1/1
Coimbra 9 de Maio de 57.
Meu querido Papa do Coração
Tenho recebido as suas cartas e depois, de 11 d’Abril nas trez que vierão, não
me diz uma só palavra do negócio sobre o qual eu escrevi á Maman. Digo-lhe
francamente que este seu silencio, combinado com o interesse e amizade que o Papa até
hoje me tem mostrado, não me deixa d’espantar. Eu já disse que não era eu só, que
havião mais concorrentes e se o Papa continuar a deixar passar o tempo, póde ser que
um dia quando quizer fallar então seriamente, já seja tarde e ter-me-ha assim feito
perder um partido bom. Peço-lhe portanto que falle com a Maman e que trate
seriamente do negocio, e se fôr necessario fallar a mais alguem falla-se; ao mesmo
tempo que será bom que haja segredo n’este negocio, dispensava mesmo que o Costa
fosse informado d’isto; pois não julgo os seus conselhos necessarios para cousa alguma,
pelo menos eu cá para mim dispenso-os. Torno a dizer peço-lhe que tome n’este
negocio empenho e ponha em campo alguma d’aquella sua energia que ás vezes tem e
que aqui seria tão bem empregada. Cada vêz penso mais e não posso explicar o Papa
nada me dizer sobre isto, mesmo as obras da casa não é desculpa; porque isto tem mais
alguma importancia. De saüde estou bom e não fui ao Bussaco porque o tempo não
deixou. O Pequeno Balsemão não sabia que tinha perdido o anno; mas creio que foi
n’uma aula que elle deixou de frequentar por falta de tempo. Elle tem estudado alguma
cousa e é muito bom rapaz. Aqui em casa todos gostão muito d’elle e ainda antes
d’hontem cá jantou e andou toda a tarde a brincar com o Jozé, e Manuel. A tia Beire
escrevêo-me e mandou-me as vagas, que estão na Figueira, estou-lhe muito obrigado.
Adeos meu querido Papa do Coração.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Jozé Caetano e Manuel. Recados á Maman, Mana e Tixi.
António de Saldanha, carta n.º 195 Pág. 1/2
Coimbra 11 de Maio de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Hoje, apesar de ser dia, não recebemos carta sua, comtudo não estamos com
cuidado; pois que nos lembra que o motivo seja o muito que tem que fazer. Hontem tive
noticias suas, pelo May Figueira, medico do hospital e que se formou aqui ha dous
annos. Disse-me que tinha estado com a Maman, quando foi com as irmãs da caridade
francezas vêr São Jozé. Este rapaz esteve em Paris e é moço de bastante habilidade, eu
sou amigo d’elle. Agora lembra-me por fallar em estudos dizer-lhe o que ha a respeito
do Balsemão, elle, coitado, não perdeo o anno em aula alguma. No principio do anno
deixou de frequentar Geometria pela falta de tempo por causa d’outras aulas, e na aula
d’Introdução aos 3 Reinos da Natureza tem menos má frequencia; mas marcarão-no
para perder o anno e mandarão o nome para o Diario, por não ter elle entregue uma
certidão de medico a tempo, tanto que já reclamou pelo seu nome ter vindo no Diário e
continua a frequentar a aula. Elle aqui tem muito bom nome e todos gostão d’elle, basta
dizer que estando n’uma casa só e sendo muito moço, é muito socegado e conduz-se
bem. Elle tem um criado que fáz optimos doces, é um criado antigo da casa, que veio
com elle, e o Caetano mandou-lhe agora fazer alguns para dár-mos ao Raymundo que
fáz annos no dia 13, não é má historia. Como é que o Caetano vai sempre desencantar
estas couzas é que eu não sei; mas o caso é que arranja tudo perfeitamente, e este
homem foi um achado, pois que não sabiamos o que haviamos mandar ao Dr.. Passando
a cousas de Lisbôa, li hoje no Braz Tisana uma bella noticia sobre o baile de M.me
O’Sullivan, e senti muito não vêr ali o nome da Mana, diga-lhe que tive muita pena. E
ella teve tambem? Responda-me Sua Ex.ª e dê-me assim o gosto de lêr uma carta sua,
cousa que eu não vêjo ha muito, outro tanto dirá ella de mim; mas uma alma caridosa,
como a da Sr.ª D. Thereza, deve ter compaixão d’um triste desgraçado que habita n’uma
sensabôra terra, chamada Coimbra, e, perdoando o velho pecado d’este triste – a
preguiça, dár-lhe assim algumas noticias suas directamente, que são sempre muito
festejadas. Aqui de Coimbra poucas novidades ha, hoje ficou escolhido por concurso,
para Lente Substituto da faculdade de Theologia, o Dr. Menezes que esteve com o
Monsenhor em Roma. E hontem houve um basar para a sua Associação Consoladôra
d’aqui. Tenho a pedir-lhe que em sendo possivel me mande para aqui uma sobrecasaca
António de Saldanha, carta n.º 195 Pág. 2/2
mais, e um collete, assim como um lenço de pescoço para eu levar vestido este fato para
Lisbôa, porque não tenho aqui nada que possa pôr e o meu antigo vestuario de jornada
ficou-me de emenda, porque quando vim em Janeiro, rapei uma bôa vergonha no
caminho de ferro. A Tia Ponte é que póde dizer. Agora já não são as antigas jornadas e é
necessario hir um pouco mais elegante. Tambem a este respeito me lembra dizer, que
estimava que o Papa ou a Maman examinasse se eu tenho fato para trazer em Lisbôa
agora quando fôr, lembre-se que chego no dia da Procissão! Peço recados para o Papa,
Mana, Tixi, Tios Pontes e para o Jozé Alva quando o vir.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Jozé, Caetano e Manuel.
D’hoje a um mez estou em Lisbôa, se Deus quizer.
José de Saldanha, carta n.º 196 Pág. 1/1
Coimbra. 14 de Maio. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração.
Vai já em immensos dias que lhe não escrevo, e estou zangado com isso
porque parece que é por lhe ter pouca amizade, quando não é tal. Tomára já o anno
acabado para descansar e poder ir para caza. Em pouco vai o Antonio para Lisboa e
o Manoel tambem. Eu só poderei ir nos principios de Julho. Felizmente tem estado
tempo de chuva de modo que não temos soffrido do calor. Hontem jantou aqui um
rapaz Doutor em medicina chamado Figueira. É filho d’um Figueira de caza do
Duque de Palmella. Elle é muito bom rapaz e muito instruido. Escrevo hoje ao thio
Nuno a dar-lhe os parabens pelo dia de hontem. O Dr. Raymundo tambem hontem
fez annos. Hontem começárão os Concursos em Direito e amanhã vai o Ferrão fazer
a 1.ª prelecção.
O Manoel foi hoje, segundo a vontade do thio Ponte, vizitar o Ferrer. Foi
com o Dr. Bernardino. Hontem não tivemos cartas de caza nem hoje; mas o Manoel
teve hontem carta da thia Ponte, que dizia estarem todos bons. É famosa a nova
mania do Monsenhor, de temer que não esteja bem baptizado. Hoje era o dia da
patuscada á Povoa e espero que n’ella tenhão sido felizes.
Recebi o outro dia uma carta do papa que muito estimei.
Estou sempre com peditorios, mas não ha remedio senão fazel-os, por isso
peço á Maman o favor de vêr se acha no Silva a Algebra do Cauchy, de que
necessito por causa d’uma dissertação que tenho a fazer sobre Series. Mais esta
massada. Esquecia-me dizer-lhe que comecei na 2.ª feira com o Calculo differencial.
Tem-me custado a fazer uma pequena ideia d’elle, porque, segundo me diz o Viegas,
succede o mesmo a todos, e nem no principio se lhe acha gosto algum, pelo
contrario. Em Philosophia estamos com Optica, que é muito bonita. Adeos minha
querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
Pode estar certa que estâmos todos bons.
António de Saldanha, carta n.º 197 Pág. 1/2
Coimbra 16 de Maio de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Não tenho escripto ha quatro dias; mas espero que esta minha falta não
tenha causado cuidado; porque creio que o Jozé escreveo n’algum d’estes dias e
dêo assim noticias nossas. Hoje dei lição em Direito Ecclesiastico e fui bem,
parece-me que por este ano estão acabadas as minhas lições; O Jozé tambem fez
em Physica esta manhã uma Sabbatina muito bôa, mas este coitado tem
trabalhado até mais tarde. Hoje foi o Caetano tomar já bilhetes da mala-posta,
nós, isto é o Manoel e eu partirmos a 16 e o Costa dia 4, e pena é que não vá mais
cedo, pois estamos farto d’elle até aos olhos, e muita pena tenho hoje de não o ter
feito sahir de caza logo no segundo anno, em que elle começou a conduzir-se
mál, é uma figura que nada tem de bom e só tudo máo. Eu o anno passado e
sempre me tenho calado; assim como o Caetano e Jozé porque tinhamos dó d’elle
e sabiamos que se saisse d’aqui talvez não se formasse, porque o Pay não o
deixava voltár e isso é que nós não queríamos, hoje sentimos tel-o feito pois
talvez tivesse sido melhor. O que elle tem feito sobre tudo este ultimo anno não
tem nome, e eu estou muito disposto a não o deixar ficar aqui em casa, quando
elle vier a Coimbra para fazer acto do 5.º anno. O Pay tem muita culpa, o
Caetano já o ano passado lhe disse bastante do filho para lhe abrir os olhos, mas
elle que nada perdôa aos filhos dos outros e a todos acha defeitos, não pensa no
que se lhe diz do Augusto. Outra cauza, é a nenhuma religião que lhe derão, e
cada vêz me persuado mais, que aquelle a quem faltão bons principios, o caminho
que trilhar ha de sempre ser errádo. Porem como pouco falta para elle partir, faça
como se não tivesse recebido esta carta. Eu ha muito que cortei relações com
elle. Torno a repetir desejo que nada se diga ao Pay; pois faltando 15 dias, quem
tem soffrido até agora tanta massada, soffre mais alguns dias. Aqui nada de novo.
Temos dado estes dias passeios lindos, e o que não tem duvida, é que na
António de Saldanha, carta n.º 197 Pág. 2/2
Primavera o campo de Coimbra é lindo. Agradeço o que me conta do meu
negocio. Recados do Caetano, Jozé e Manoel. Recados ao Papa, Mana e Tixi.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Agora reparo que esta carta pertencia hoje ao Papa; mas que Sua Ex.ª a
tome tambem para si, que esta é a minha ideia em todas as que escrevo á Maman
como ao Papa. Para o primeiro dia lhe escrevo.
Peço novamente segredo da vida do Costa.
José de Saldanha, carta n.º 198 Pág. 1/1
Coimbra. 16 de Maio. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração.
Recebi hoje a sua carta de 15, e por ella tive o gosto de saber que todos
estão bons, e que forão bem succedidos na sua digressão á Povoa. Aqui estâmos
todos bons. Hoje de tarde fômos todos os 4 de caza passear como Luiz Balsemão e o
João Ferrão. Esteve hoje um dia lindo e pode dizer-se que quente pois agora que são
10 horas da noite estou escrevendo esta com a janella aberta sem a luz do candieiro
vascillar. Depois do passeio viemos todos aqui para caza onde tambem vierão o
Menezes e o Luiz Candido. O Antonio deo hoje uma muito bôa lição em Direito
Ecclesiastico ao Padre Carvalho. Elle tem este anno feito muito bôa figura nas
Aulas. Já falta uma semana de menos para vêr o Antonio. Elle faz acto no 2.º dia de
actos, e o seu fito é vêr se chega a tempo para a Procissão do corpo de Deus. O
Ferrer foi hoje pela 1.ª vez de novo á cadeira. Os estudantes fizerão alas para elle
passar, de modo que o homem ficou enthusiasmado com isso.
Ouço dizer que o Herculano foi publicar uma obra contra a Concordata com
a Sancta Sé. Veremos que tal é. Não posso escrever hoje mais. Adeos minha querida
Maman do meu Coração muitos recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
Sahi hoje 1.º defendente a uma Sabbatina á sorte em Philosophia.
Tem havido noticias do Barruncho filho? Recados ao Papa, Thereza, Tixi,
tias, e minha ama. Adeos.
José de Saldanha, carta n.º 199 Pág. 1/1
Coimbra. 21 de Maio. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Espero que não me leve a mal o ter deixado de lhe escrever vai já em algum
tempo. Tomára esta massada acabada para descansar um pouco. Esta vida é uma vida
que mata uma pessôa, e, estou persuadido, que muito prolongada acaba por tonar tudo
indifferente pois tira a maior parte das illusões, o que é pessimo, porque são ellas
necessarias. Para a semana tem o Antonio Ponto de modo que em 3 Semanas, quanto
muito, deve estár em caza. Eu só poderei, pelo que vejo, d’aqui sahir para o meiádo de
Julho. Não ha remedio senão ter paciencia. O Caetano, coitado, é que me faz pena vel-o
ficar aqui até tão tarde, pois como elle toma banhos em D. Clara, pode isso fazer-lhe
transtorno. Não digo por elle em tal me ter fallado, mas porque não posso vel-o sem me
lembrar de tudo isto, e é mais uma obrigação que lhe devo.Uma dedicação como a que
elle tem por nós é difficil de encontrar e nada ha que a pague a não ser a amizade. Tem
estado aqui um tempo muito exquisito. Hontem esteve um dia lindo e hoje está um dia
pessimo. Tem havido muitas trovoádas. Continuão os Concursos, e resta vêr o que
d’elles sutirá. O Dr. Bernardino recommenda-se muito ao Papa. O Vice-Reitor foi
nomeado ultimamente Lente de Prima da sua Faculdade, com o que está contentissimo.
Sabbado, depois d’amanhã temos aqui uma Tourada com Touros do Barão de
Almeirim. Faço tenção de ir vêr. Em Lisboa é que, segundo ouço, vão haver touros á
noite. Não sei que tal será. Haverá tambem este anno illuminação no passeio? Oxalá que
seja em tempo que o Antonio a possa vêr.
O Ferrer está contentissimo porque satisfez a sua ideia fixa. Foi Ministro! Já
foi á Aula só um dia, porque adoeceo, mas já amanhã lá torna a ir. Tenho encontrádo o
Maldonado. Ouço que vai uma intriga horrivel por causa do lugar de Secretario para o
Governo Civil, porque ha gente que lá quer metter afilhado, isto é quer metter pessôa
que domine.
Adeos meu querido Papa do meu Coração, muitos recados a todos e acredite
que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Caetano, Antonio, Manoel e Balsemão. Por este tive hontem
noticias do Papa.
José de Saldanha, carta n.º 200 Pág. 1/1
Coimbra. 21 de Maio. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração.
Aproveito um pouco de tempo que esta tarde tenho livre para lhe escrever,
e lhe dizer que todos estâmos bons. Hoje não tivemos carta de caza mas de todos
temos noticias por uma carta da thia Ponte para o Manoel. Presentemente temos
noticias todos os dias porque nos dias em que nós 2 não recebêmos cartas recebe-as
o Manoel. Chegou hoje a esta Cidade o Luiz de Carvalho que nos mandou noticias
do Papa. O Antonio ja foi vel-o. Falla a Maman n’uma das suas cartas em arranjar
quarto para mim n’um dos quartos do Antonio. Sei de certo que elle não se opporia a
isso, mas parece-me melhor que isso se não faça, e que eu vá dormir no meu quarto
ao pé do do thio Francisco, ou n’outro qualquer, que não faça incommodo. Digo isto
porque prefiro vêr o Antonio estabelecido só nos seus quartos, além de que o quarto
onde a Maman se lembra pôr-me é um quarto de passagem, e não proprio para
quarto de dormir. Pode acreditar que não me escandalizo nada por estar n’um quarto
peior. Pelo contrario. Com um filho não ha cumprimentos ha amizade, que é o
essencial. Vejo que ainda não se achou féra para o Antonio. Peço á Maman o favor
de me mandar dizer que tal é o cavallo russo, porque diz o Manoel que lhe disserão
que era muito molle, e que não muito bom. Estâmos quazi no fim do mez. Tomára
vêr-me livre dos livros. Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos
recados a todos e acredite que sou do Coração
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
Eu peço-os para o Papa, Thereza, Tixi, thio Nuno, thios, thias e primos,
Rozado, Jozé Alva, Monsenhor, Barruncho, e criados.
Escrevi hoje ao Papa e ao Rozado.
António de Saldanha, carta n.º 201 Pág. 1/2
Coimbra 24 de Maio de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Desde 19 que não escrevo; mas creio ter mandado dizer o motivo, porque não
tenho podido ultimamente escrever como de costume, confesso que com o tál aviso do
Neiva quasi que não tenho levantado cabeça, e o peior é que ainda não fui chamado;
agora espero para 3.ª feira, porque amanhã não é o dia da aula d’elle, as aulas são
alternadas como sábe. Veremos, eu tenho estudado deveras, 6 e 7 horas por dia, e
seguidas de sorte que com a ajuda do Altissimo espero que não me hei de sahir mál;
mas não se descansa senão depois, em quanto a coisa não passa é terrivel. O Jozé sahio
a outra Sabbatina e foi muito bem, segundo o costume, foi em Physica. Estamos quasi
chegados ao ponto, que é Sabbado e no dia 11 ahi estou, quer dizer dentro de 18 dias e
chego felizmente a tempo para os seus annos, outro tanto não acontece ao pobre Jozé e
na verdade muita pena tenho d’elle. O que o Jozé tem estudado este anno é incrivel, só
visto e digo-lhe que se conseguir ser premiado em ambas as faculdades e em annos tão
difficeis, fáz cousa que é muito nova na vida Academica. O Manoel continua muito
bem, e na verdade póde-se esperar para o futuro muito d’elle, pois que ha de ser rapaz
serio e instruido, assim o espero; ha n’elle bôa semente, os principios são optimos e os
religiosos os melhores sem ser fanatico; mas tudo depende das pessoas com quem viver,
pois que qualquer o leva, e n’isso é que elle é de tremer, tanta influencia se póde ter
n’elle para o bem como para o mál, esta é a verdade a respeito do primo. O Manoel
parte d’aqui comigo. Em quanto á partida, sempre quero lembrar novamente o fato, olhe
que se não vier não tenho de todo, fato para partir. E para Lisbôa, que fato tenho? Olhe
a Maman que toda a responsabilidade, pesa sobre a sua cabeça, não se ria com isto e
veja o negocio a serio, se fôr moda chapeo desabado, desejo um e que seja bom, o Jozé
Alva que dê a sua opinião sobre isto; lembre-se que seu filho chega no dia da Procissão
e que quer aparecer decente e não como aparecêo o anno passado quando foi no Natal,
que encontrando alguem no primeiro dia que sahio, depois da chegada a Lisbôa,
disserão-lhe que se via bem que tinha chegado da Provincia! Cada vêz estou mais
criança, não é assim? Mas peço perdão e pense que não ha pessôa alguma, que não
tenha fraquezas. Li hontem a sua carta e o que me conta da Concordata; concordo com a
Maman em parte, mas só em parte e desejava mais alguma firmeza para com a Curia
António de Saldanha, carta n.º 201 Pág. 2/2
Romana. Agora o que não posso admithir são os elogios a Luthero e o Ministerio
Publico, isto é, a pessôa que d’elle está encarregue, a meu vêr, devia chamar o redactor
a Juizo, pois que se elle elogiou a Luthero, isso não pode ser consentido entre nós, que
temos uma Religião do Estado, embora as outras sejão toleradas. Eu confesso, ha cousas
em materia de Religião que não admitto, apesar que poucas são ellas; mas ainda menos
admitto os ataques aos principios da Religião. Agora o que eu penso da Concordata, é
longo para dizer e tambem pouco d’ella tenho lido; mas tambem creio que não é tão má
como entende o Herculano, que n’este ponto confesso que é muito suspeito. Comtudo
queria a sustentação do Padroado e tambem não posso entender, que o Visconde de Sá,
se atreva a dizer na Camara, elle que é Ministro d’Ultramar, que não lêo a Concordata!
Passando a outras cousas, sempre desejava saber o que me póde dizer de certo
negocio. É difficil; mas entendo que não para desisitir. O Papa é que não me escreve,
outra vêz, ha muito. Porque é isto? Hontem chegou o Luiz de Carvalho, que me disse
que tinha estado com o Papa antes de partir. Aqui tem estado um tempo pessimo e tanto
que hoje não houve touros, que são do Barão d’Almeirim. Adeos minha querida
Maman, recados ao Papa e á Mana, diga lhe que lhe hei de escrever antes de hir para
Lisbôa, para lhe agradecer a sua carta, que muito me obrigou. Recádos á Tixi, Tios
Pontes e ao Jozé Alva, quando o vir.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados do Jozé, Manuel, e Caetano.
António de Saldanha, carta n.º 202 Pág. 1/1
Coimbra 26 de Maio de 1857.
Meu querido Papa do Coração
Finalmente hoje dei lição ao Neiva e creio que elle ficou bastante contente;
assim por este anno está terminada a frequencia nas aulas e agora só resta fazer acto e
tomar gráo no dia 9 de Junho, para poder estár em Lisbôa a 11. O Jozé dêo hontem lição
e foi muito bôa, propôz uma duvida ao Dr. Raymundo, sobre materia do Compendio,
elle disse-lhe que lhe daria hoje na aula a resposta; porque não tinha visto o livro em
que elle lhe fallava e de que se tinha servido para argumentar contra o Compendio, e
hoje dêo-lhe a resposta. De sorte que por aqui póde vêr que o Jozé continua a brilhar.
Hoje tivemos aqui touros e não forão máos; apesar da chuva que nos não deixa. Recebi
as pastilhas e uma chave, que imagino ser d’alguma mala que traz fato, mas que ainda
não chegou. Tenho a pedir ao Papa uma cousa; sábe que todos os annos tenho por
habito comprar livros, este anno comprei alguns e parte d’elles ainda não paguei; devo
portanto 14$460 rs. e não queria sahir d’aqui sem os pagar; assim pedia ao Papa que
m’os mandasse dár; isto é, desse licença que o Caetano os tirasse do Joyce. Adeos meu
querido Papa do Coração. Recados á Maman, Mana, Tixi e a todos. Recados do Jozé,
Manuel e Caetano.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
António de Saldanha, carta n.º 203 Pág. 1/2
Coimbra 31 de Maio de 1857.
Minha querida Maman do Coração
Dou-lhe muitos e muitos parabens; assim como ao Papa e a todos pelo dia de
hoje, pena é não ser possivel passal-o estando nós todos juntos; mas não ha remedio
senão ter paciencia; felizmente ainda para mim está a cousa por dez dias, mas para o
pobre Jozé não é assim. Hontem é que festejamos os annos do Jozé, por causa d’elle ter
que estudar esta tarde, jantou aqui o Luiz de Carvalho, Dr. Raymundo, Menezes,
Balsemão e Luiz Candido; O Raymundo e Balsemão mandarão muitos presentes de
doce para o jantar; em fim procurou-se festejar o mais possivel os annos do menino
nascido. Depois do jantar fomos ao jardim botanico todos, e á noite veio tomar chá
comnosco o Luiz de Carvalho, que tem sido o mais amavel e obrigante comnosco que é
possivel, não nos deixou hontem todo o dia, e á noite, como era dia de ponto havia
theatro Academico em despedida aos quintanistas, e o Luiz tomou camarote e convidou-
nos todos, para nos aproveitarmos do seu camarote; portanto fomos, só o Caetano é que
ficou. Aqui está como passámos o dia hontem, hoje tivemos logo pela manhã uma parte
telegraphica do Papa dando os parabens, jantou aqui o Luiz Candido e Menezes e á
tarde fomos a Santo Antonio dos Olivais, que havia lá festa; mas o Jozé com as aulas
não poude hir. A estas horas já devem saber o que se passou em Coimbra, digo na
Universidade por occasião dos concursos; comtudo sempre conto. O filho do Justino de
Freitas, rapaz de muito merecimento, e senão igual, quasi igual ao Ferrão, tinha feito
concurso, para as Substituições vagas na faculdade de Direito, com outros candidatos,
fez brilhantes concursos e no dia da votação, quando todos contavão que elle fosse um
dos escolhidos para as Substituições, ou pelo menos, e isso já era injusto, approvado só
na primeira votação sobre merito absoluto, ao correr o escrutinio apparece o nome do
rapaz reprovado, e isto só devido a zangas com o Pay e com o Tio, o Dr. Barjona, tál
injustiça revoltou a todos e mesmo grande numero de Lentes d’outras faculdades
sahirão da sala; bem como o Dr. Sêco, Lente de Direito; então começou uma tremenda
pateada e um estudante do meu anno levantou-se e disse que a faculdade de Direito era
indigna e que tinha nojo de pertencer a ella e que a reprovação do Dr. candidato era um
insulto á dignidade Academica, etc.; disse em fim tudo quanto ha de mais forte á
faculdade de Direito e isto no meio de muitos appoiados, porque a indignação era geral,
António de Saldanha, carta n.º 203 Pág. 2/2
o V. Reitor quiz obrigal-o, com os Archeiros e Guarda-Mór, a sahir; mas não foi
possivel; na verdade o procedimento do estudante não era legal; mas a conducta dos
Lentes era summamente iniqua e vil; tinhão tido na vespera um club em que tinha
decidido reprovar o rapaz e isto homens que juravão aos Santos Evangelios fazer
justiça, pessôas que pela sua idade e posição tem obrigação rigorosa de dar exemplo aos
rapazes, e dando-se este facto com um estudante premiado com os primeiros premios
em todos os annos e a quem elles ha dous annos, pela occasião da conclusão dos seus
estudos, derão informações ainda mais distinctas que ao Ferrão; pois que este teve só 6
Muito Bom e o outro 8. Mas ainda aqui não fica a pouca vergonha; depois d’esta
primeira votação, passão a uma segunda sobre o falso pretexto que podião ter-se
enganado e então levados pelo medo da opinião e publica, approvão aquelle que
primeiro tinhão reprovado. É um facto incrivel e prova a necessidade da Universidade
ter um Reitor energico. Hoje fico aqui, pois é tarde e alem disso ha na rua uma bulha
infernal por ser dia de ponto. Recádos a todos e Sou
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
Recados de todos de casa. Chegou o fato.
Se o Papa escrever ao Bernardino, diga-lhe, que tem pouca esperança
d’arranjar o seu negocio, porque com estes Senhores que agora governão tem poucas
relações. É uma massada de que eu livrei o Papa; mas necessito apoio, para não ser
achado em mentira.
José de Saldanha, carta n.º 204 Pág. 1/2
Coimbra. 1 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Julgava ter hontem o gosto de lhe poder escrever, e gosto tanto maior em o
fazer que era o dia dos meus annos, mas tive a minha vida tão atrapalhada que o não
pude fazer. Resta-me ao menos a consolação de ter em todos pensado muito e com
mais saudade se é possivel. Recebi hontem a sua carta de 30 que muito me
contentou, e obrigou, e pode acreditar que, achando-me agora com 18 annos feitos,
hei-de procurar sempre por fazer o que possa dár gosto ao Papa e á Maman, e se o
não fizer em todo não será por falta de vontade minha.
Recebi hontem uma carta do Papa e tambem uma parte telegraphica e
ambas agradeço muito. No Sabbado vierão aqui jantar, o Dr. Raymundo, Luiz de
Carvalho, Menezes e Luiz Candido. Sou muito obrigado ao Dr. Raymundo, e no
Sabbado accresceo a fineza que elle me fez mandando uns doces para o jantar com
um bilhete que o Antonio já remetteo para Lisbôa. No Sabbado depois do jantar
fômos passear, e fez isso com que me passasse uma terrivel dôr de estomago que
tinha pilhado não sei como. Á noite fômos ao Theatro Academico. Nunca se vio
maior porcaria, e durou até de madrugada. Representou o Luiz Candido que esteve
magnifico, fez de comparsa.
No Sabbado pozerão ponto em Direito. O que é horrivel é eu ter Aulas em
Philosophia até ao dia 17 do corrente e em Mathematica até ao meio do proximo
mez. Por esta occasião lembra-me pedir licença ao Papa e á Maman para gastar 4500
rs. em transitar de Voluntario para Ordinario em Philosophia que é para fazer acto
no 1.º dia, e me poder formar n’essa Faculdade. Esta tarde fui passear até Sancto
Antonio dos Olivaes onde ha uma festa. Os meus condiscipulos pedirão feriado para
amanhã ao Dr. Raymundo e eu fui pedil-o ao Dr. Goulão. Já não se pode com Aulas.
Estudar, com calor, e vendo os outros livres, mette ferro.
O Manoel e o Antonio estão contentissimos. O 1.º tira ponto no Sabbado, e
o 2.º no Domingo. Hontem andárão a fazer immensa bulha pelas casas dos
Estudantes de Sciencias Naturaes, e tambem aqui vierão a caza umas 3 vezes,
tocando as latas. Recebi no Sabbado uma carta da minha ama, e hoje uma da thia
Ponte, outra do Rozado e uma outra do thio Nuno. Peço á Maman que a todos
José de Saldanha, carta n.º 204 Pág. 2/2
agradeça por mim, em quanto eu não o fizer. Muito gostei saber que o filho do
Barruncho chegou melhor a Lisbôa, e oxalá que as melhoras continuem. Os
presentes que elle trouxe denotão reconhecimento e amizade.
As noticias que me mandou sobre o cavallo, mostrão bem serem falsas as
que me tinhão dado. O que receio é que elle seja muito alto para mim.
No Domingo precedente ao ultimo fui aos Touros e gostei.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Os meus para o Papa, Thereza,
Tixi e criados. Não escrevo hoje ao Papa porque estou muito cansado. Faço-o
amanhã sem falta. Adeos.
Esquecia-me dizer que tambem cá jantou o Luiz Balsemão, e deo o seu
presente.
José de Saldanha, carta n.º 206 Pág. 1/1
Coimbra. 3 de Junho. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Não me quero demorar mais em agradecer-lhe os parabens pelo dia 31, a parte
telegraphica, e outra bondades que muito me têm penhorado. Pode acreditar que digo
isto do Coração e muito senti não poder abraçal-o no dia 31.
Já terá visto que tivemos jantar no dia 30, e por isso nada digo porque seria
superfluo.
Hoje tivemos o gosto de receber carta sua uma da Maman e outra da Thereza.
Muito estimámos saber que a thia Pombal tem experimentado algum allivio. Ella é
muito bôa Senhora, e muita pena nos tem feito a sua doença. O thio Francisco ainda não
chegou. Oxalá que a sua demora não seja motivada por doença.
No Sabbado tira ponto o Manoel, e no Domingo o Antonio. Vão ambos
junctos para Lisbôa na 4.ª feira. O Costa parte d’aqui amanhã. O que dezejo é que elle
seja feliz. Fez-nos ultimamente muita companhia o Luiz de Carvalho, que é optimo
rapaz e muito sociavel. Tomou esta noite aqui chá com o Luiz Balsemão e o Luiz
Candido. Nada sei de novo. Por agora nada tem aparecido nos Jornaes sobre os
Concursos de Direito a não ser uma simples relação do facto, que o outro dia veio no
Conimbricense.
O que é indecente é a correspondencia do Braz-Tisana com a historia do
Catagallo. Está um tempo lindo, e apetece mais passear do que estár amarrado á banca.
O Dr. Bernardino não vem aqui ultimamente, mas não está mal.
Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos e acredite
que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel.
António de Saldanha, carta n.º 207 Pág. 1/2
Coimbra 4 de Junho de 1857.
Meu querido Papa do Coração
Finalmente esta manhã partio o Costa e pena é que não fosse ha mais tempo,
pois que um brejeiro tal, o mais de pressa uma pessôa se vê livre d’elle melhor é. Não
tem mesmo nome as maroteiras de tál amigo e para ser ladrão pouco falta; nós aqui em
casa quasi que já não lhe fallavamos e eu pela minha parte estou decidido a fazer todo o
possivel, para que n’esses dias que elle tem de passar em Coimbra para o seu acto, elle
não venha ficar n’esta casa; porque só, podendo dispôr da casa, como lhe parecer, não é
conveniente. Tambem junta-se a isto o Sr. Costa Pay julgar, creio eu, que é obrigação
nossa aturar-lhe o Sr. seu filho, e isto é que eu quero provar o contrario, porque pela
minha parte não lhe devo obrigações algumas e antes algumas grosserias. Uma cousa
que me fêz arder foi uma carta que elle escrevêo ao Caetano e que este mandou á
Maman. O Caetano mandava-lhe dizer quando lhe escrevêo o seguinte: “V. S.ª verá pelo
que acabo d’escrever o que nós temos soffrido a seu filho”, e o Sr. Costa responde que
no caso d’entender o Caetano, que lhe escreva, para elle o tirar d’esta casa e fazer cessar
d’esta sorte “tanto soffrimento”. Este dito é d’ironia e é uma das razões porque eu quero
convencer o Costa que a casa d’Annunciada não lhe deve nada. Elle tem toda a culpa da
conducta do filho pela pessima educação que lhe dêo, a falta de bons principios e o
mimo com que tratou sempre este tamanhão são a causa da sua má vida. Elle que
encontra sempre defeitos nos filhos dos outros, começando por nós, como eu sei com
toda a certeza, devia-se lembrar do bello filho que tem. Para acabar com o que tenho a
dizer d’este sujeito, só accrescentarei que os credores em pessôas a quem elle tem feito
maroteiras são sem numero, e o Pay já pagou 60$000 rs. pelo menos! Para ter um
exemplo da vida d’este Sr. ahi vai uma historia no genero de muitas outras que elle tem
feito. Estava n’uma casa com mais pessôas e uma d’ellas, nossa conhecida, disse que
necessitava trocar uma libra; mas que n’aquelle momento não lhe era possivel sahir, o
Costa offerece-se para hir trocar e, em lugar de voltar com o troco, não tornou a
apparecer e gastou-a, como se fosse dinheiro seu. Esta historia soube-a eu e obriguei-o a
escrever ao Pay para este lhe mandar dinheiro para pagar a libra. N’este genero muitas
outras. Por tanto digo, não convem que este Sr. venha para nossa casa fazer acto, na
occasião em que aqui não está ninguem e mesmo que estivesse, estamos fartos d’elle até
António de Saldanha, carta n.º 207 Pág. 2/2
aos olhos. O Costa queixa-se que o Caetano não o avisou, é falso o Caetano sempre lhe
disse o que havia do filho, e mesmo bastante lhe contou no fim do 5.º anno d’elle; mas
elle, que no fim de contas tem muito pouco juizo, sempre lhe foi dando razão e este é o
resultado; alem de que, torno a repetir o que já por vêzes disse, a falta completa de bons
principios e o cenismo de que o rapaz é dotado é a causa d’isto tudo. Peço que isto fique
para o Papa e a Maman, porque é bom deixal-o a elle só desacreditar-se em Lisbôa,
como se desacreditou em Coimbra e não sermos nós a causa. Porem entendi dever
prevenir o Papa, para não confiar n’elle e não se interessar em qualquer pretensão d’esse
Sr., porque póde o Papa soffrer com isso.
Aqui todos estamos bons e na 3.ª feira faço acto. Recados á Maman Mana Tixi
e a todos.
Filho muito e muito amigo e obediente do Coração
Antonio
José de Saldanha, carta n.º 208 Pág. 1/2
Coimbra. 7 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Não quero deixar de lhe escrever hoje para lhe dizer que estâmos todos
bons, e que o Antonio tirou hoje ponto e que está contente com o que lhe sahio. Em
Direito Civil versa o ponto sobre emancipação dos filhos menores. Em Direito
Commercial sobre Contractos de risco, e em Direito Ecclesiastico sobre Eleição dos
Ministros Sagrados. São pontos que elle estudou durante o anno, e que por fortuna
lhe couberão para o Acto. O Manoel tirou hontem ponto e á hora d’esta que é 1 hora
da tarde está dormindo, descansando com os pontos sabidos. Hontem á noite veio cá
um leccionista, que cá volta hoje, e que o achou bom no ponto. É de esperar que faça
bom acto. Eu tenho caçoado com elle dizendo-lhe que nunca estudou tanto na sua
vida, e estou persuadido d’isso. Hoje ás 5 horas da manhã já estava a pé. Elles
partem d’aqui na 4.ª feira. Na 3.ª feira de tarde temos jantar em caza do Luiz de
Carvalho.
Eu tenho ponto no dia 17 em Philosophia. Já custa muito a estudar, porque
faz muito calor. Hontem recebemos a sua carta de 5. Vejo que a thia Ponte sempre se
lembra de nós, o que é prova de amizade. Eu estou em divida com ella d’uma
resposta, mas tenho-a demorado porque escrevo amanhã e aproveito a occasião para
lhe dár os parabens pelo exame do Manoel. O Francisco Palmella faz acto amanhã.
Ouvi dizer que o Reis vinha assistir mas não sei se já chegou. Deo-me vontade de rir
o seu dito a respeito do Hermano, mas é de esperar que em tendo barba se torne
menos saliente o defeito na physionomia. O que elle é, é muito bom rapaz, e só isso
é de se apreciar. A thia Marianna já está em Freiria pelo que vejo pela carta da
Maman. Agradeço muito os seus parabens, e peço recados para todos os seus.
Espero que o Nhonho tenha passado bem da respiração. Lembra-me por esta
occasião dizer que o irmão do Fernando de caza do Jozé Abrantes se acha melhor,
ou antes restabelecido de todo. Esteve bem mal, coitado. O irmão Antonio Augusto,
que a Maman conhece de ter visto em caza do Jozé Corrêa, já foi para Lisbôa.
Hontem houve Congregação em Direito e bastantes Estudantes perderão o
anno. Um d’elles foi o filho do Barão da Luz, e esquecia-me mencionar o rapaz que
José de Saldanha, carta n.º 208 Pág. 2/2
fallou na Salla dos Capellos contra os Lentes, quando foi agora a historia dos
Concursos.
O Antonio ainda chega a tempo para a Procissão do corpo de Deus, e
tambem vai vêr os animaes no Salitre e o tal Hume á espera de quem estão em
Lisbôa. É homem que tem feito muita bulha por toda a parte.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Antonio, Caetano e Manoel. Em podendo responderei á Tixi,
Thereza, Barruncho e thio Nuno.
José de Saldanha, carta n.º 209 Pág. 1/1
Coimbra. 10 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Quando esta receber já deve ter abraçado o Antonio. Espero que elle tenha
chegado bem a Lisbôa e pouco cansado por ter podido aproveitar a tarde de amanhã. Eu,
o Luiz de Carvalho e o Menezes fômos acompanhal-o hoje á Mala-Posta, e todos assim
como o Caetano, sentimos muito a sua falta assim como a do Manoel. Este ia
contentissimo sentado ao lado do conductor. Felizmente estão ambos, por este anno, já
descansados das suas lides Academicas, e tendo feito muito bons actos, o que melhor é.
O Caetano está melhor do seu incommodo de garganta tanto que sahio esta tarde.
Hontem á hora que esta escrevo estavamos todos ainda reunidos na Sala, pois tivemos
soirée, e jantámos em caza do Luiz de Carvalho. Á noite, como a Maman saberá pelo
Antonio, esteve cá um caturra formidavel.
Hoje, depois do Antonio partir, vim para caza com o Luiz de Carvalho, e aqui
fiquei todo o dia, excepto á tarde que fui dár uma pequena volta. Agora vou passear
todas as tardes, d’outro modo fica-se morto em caza com calôr. Tem estado um tempo
lindo. Hoje não fui ás Aulas. É a 1.ª falta que dou este anno. Pode estar socegada,
porque não me faz isso differença: estudo do mesmo modo. Comecei hoje uma
dissertação formidavel que tenho a fazer em Mathematica. É comprida, mas não é feia.
Tenho agora a estudar optica, que é muito bonito, e tenho um Lente que faz gosto ouvil-
o. O outro dia tivemos experiencias com a lanterna magica, e o microscopio solár, etc.
Tenho querido escrever á thia Ponte, mas não me tem isso sido de todo
possivel.
Recebi hoje a sua carta de 9, e por ella vejo que está afflicta com obra, como
se diz vulgarmente. O que vale é que o Superior das Irmãs da Caridade se demora pouco
em Lisbôa.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração
Jozé.
Recados do Caetano. Os meus para todos. Adeos. Adeos.
Dei hontem lição em Mathematica. Adeos.
José de Saldanha, carta n.º 211 Pág. 1/1
Coimbra. 13 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Não o tendo podido fazer hontem, apresso-me em escrever hoje para lhe dár os
parabens pelo dia dos seus annos, esperando que conte muitos d’elles para felicidade
sua e de nós todos. Muito tenho sentido não ter ao menos podido hontem dar-lhe um
abraço. N’estes dias de festa ainda mais se sente a ausencia e a separação.
Provavelmente tiverão alguma partida ao campo. Lembrão-me sempre com saudade as
idas a Cintra e Mafra. Infelizmente não se tem ellas renovado n’estes ultimos annos.
Paciencia. O que pode acreditar é que sou muito seu amigo, do Papa e dos manos.
Recebi hoje a sua carta de 11 e por ella soube que o Antonio chegou bem a
Lisbôa. Eu tinha tido noticias d’elle de Leiria. Espero que se tenha divertido bem assim
como o Manoel. Em podendo hei-de escrever-lhes.
O João Ferrão fez hoje acto, sahio bem, andou bem, e vai amanhã para Lisbôa.
Elle tomou esta noite chá aqui em caza.
Tem feito um calor incrivel. Não se imagina. Esta tarde fui passear a Santo
Antonio dos Olivaes, onde ha festa amanhã. Tenho feriado depois de amanhã em
Mathematica por causa d’um exame privado, e tenho Sabbatina em Philosophia sobre
instrumentos opticos.
Recebi antes de hontem, 5.ª feira, uma carta da thia Marianna, que muito
agradeço, mas a que não sei quando responderei. Estou afflicto por causa de respostas,
que devo a differentes pessôas. Adeos minha querida Maman do meu Coração, muitos
recados a todos e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Caetano. O Luiz Balsemão pede os seus cumprimentos para a
maman e papa. Adeos.
Desculpe o modo como esta vai escripta. Adeos.
José de Saldanha, carta n.º 212 Pág. 1/1
Coimbra. 18 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Espero que não tenhão tido cuidado em nós por eu não ter escripto. Estâmos
bons. Hontem tive Ponto em Philosophia, de modo que estou só com uma Aula por dia.
Por agora não faço acto de Physica. Vou amanhã levar ao Goulão 3 theses para a
dissertação para elle escolher uma. Até 2.ª feira inclusive não tenho Aulas, porque
amanhã 6.ª feira é dia Sancto, Sabbado são as exequias de D. João 3.º, e na 2.ª feira ha
um exame privado do Lobo.
Recebi hontem a sua carta, e estava ancioso por ella, porque o Luiz de
Carvalho mandou perguntar-me hontem mesmo de manhã se eu sabia ser verdadeiro o
que os Jornaes dizião de ter morrido a thia Pombal. Infelizmente verificou-se esta triste
noticia. Tem-nos feito muita pena. Era muito bôa Senhora e muito carinhoza para com
os parabens. Que golpe não será este para o thio Francisco, e de mais se elle tiver
chegado a Lisbôa n’estes ultimos dias.
Não posso escrever hoje mais. São 11 horas da noite e chego agora vindo de
caza do Menezes, com quem tenho estado a conversar. Recados ao Papa, Thereza,
Antonio, Tixi, e acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Caetano. Este agradece a sua carta. Por uma carta d’elle já a
Maman deve saber que sahi a uma Sabbatina, na 2.ª feira passada, 15, em Philosophia.
Adeos. Adeos.
José de Saldanha, carta n.º 213 Pág. 1/1
Coimbra. 21 de Junho. 1857.
Meu querido Papa do meu Coração.
Não quero deixar de escrever hoje para caza para que não fiquem com cuidado
em nós. Estâmos bons. Tive hoje noticias suas por uma carta da Maman, e pelo Dr.
Carvalho e Dr. Bernardino, que encontrei ao pé do Jardim e me disserão ter recebido
carta sua.
Já deve saber que tive Ponto em Philosofia. Hoje fui a caza do Dr. Goulão e
este me tratou muito bem. Por agora não sei quando farei acto. Amanhã não tenho Aula
em Mathematica. Tenho estes dias tido feriado, mas tenho tido que fazer uma
dissertação que ainda não acabei. Tomára ver isto tudo prompto. Tem estado
ultimamente aqui 2 comicos Hespanhóes muito bons. Ainda não os ouvi. Dizem que
vem para aqui um Reitor, e falla-se no Bispo do Porto; não sei se é verdade.
O Maldonado recommenda-se muito ao Papa. Já ha um Secretario do Governo
Civil.
Já por aqui está muito menos gente. Tem havido muitos R. R. no 2.º anno de
Direito. Os Palmellas fazem acto do 1.º Philosophico n’esta Semana.
Passou hoje a noite comigo o Menezes.
O meu vizinho Tovar tirou hoje Ponto.
O Miguel Ribeiro vai muito melhor. Estive antes d’hontem em caza do Luiz
Balsemão. Elle é bom rapaz.
Adeos meu querido Papa do meu Coração muitos recados a todos e acredite
que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente.
Jozé.
Recados do Caetano.
José de Saldanha, carta n.º 214 Pág. 1/1
Coimbra. 27 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Recebi hontem uma carta sua e outra do Antonio e por ellas tive o gosto de
saber que estavão todos bons. Vejo que o thio Francisco chegou vivo de corpo, mas em
quanto ao mais muito lastimo o seu estado. Faço ideia que historias não terá havido. A
de elle ir acordar a Tixi é famosa.
Tem-me affligido bastante o estado em que se acha o Menezes. Chegou-lhe
hontem a noticia da morte do Pay, que de mais elle não via ha perto de 6 annos. Está
inconsolavel. Tenho ido fazer-lhe companhia, mas não tanta como dezejaria. O Caetano
passou hoje a tarde toda com elle. Está sentidissimo coitado. Acresce a isto o elle ter de
tirar ponto brevemente para fazer acto, aliás perde o anno. Com que animo ha de elle
estudar. O Antonio deve escrever-lhe quanto antes. Faz dó vel-o. Tem estado um tempo
insupportavel de calôr. Hontem á sombra marcava o thermometro 28º.
Amanhã escreverei mais extensamente.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Caetano.
Dei hontem lição em Mathematica.
O Caetano pede ao Antonio que veja se mette empenhos para o procurador da
Corôa dár andamento ao negocio do Dr. Menezes e que diz respeito aos Concursos de
Theologia.
Adeos. Adeos.
O Caetano dezeja que o Antonio arranje uma carta do thio Saldanha para o
procurador da Corôa, e que lha faça entregar mesmo d’ahi.
José de Saldanha, carta n.º 215 Pág. 1/1
Coimbra. 28 de Junho. 1857.
Minha querida Maman do meu Coração
Como hontem mandei dizer que escrevia hoje por isso o faço para que não
fiquem com cuidado. Recebi hoje a sua carta de 27.
Vejo que o cavalo russo tem servido o Antonio, o que muito estimo, e que não
é um sendeiro como elle dizia. Em quanto ao Salgado dár-lhe lições acho isso uma
despeza inutil, porque alem de custar muito caro o elle dár-lhe lições, o mais que lhe
pode ensinar é dár alguns saltos ou outras asneiras, que não servem de nada, e só fazem
com que o animal perca a agilidade de que a natureza o dotou para ficar sempre
comprimido a umas regras tolas. O que quer dizer um cavalo pular, se elle não é a isso
impellido pela natureza e por um prazer interior que o domina. Por mais que fação os
taes picadores os cavalos longe de ganharem com elles perdem porque são muito
obrigados nos Picadeiros e de lá sahem cheios de defeitos com as pernas grossas, e sem
poderem dár 2 passos que não cancem. Entendo isto mas se não são d’este meu fraco
pensar fação o que melhor lhes approuver. Não se tendo até hoje encontrado cavalo para
o Antonio lembra-me que se possa arranjar tudo do modo seguinte, isto é comprando
uma faca para mim. Não é isso nada contra mim porque o cavalo russo pelas
informações está muito alto, eu no mesmo estado, e então é um macaco montado n’um
camêlo.
O Costa por fim não vem para cá.
Recebi hoje uma carta do Luiz Candido que me diz aqui chegar amanhã.
Tenho estado com o Menezes que continua a estar muito sentido. Corre a
noticia da morte da Sr.ª Infanta D. Anna.
Escrevi hoje ao Barruncho e Rozado e tenciono vêr se vou escrevendo ás
pessoas com quem estou em divida. Amanhã é dia de S. Pedro.
Não se imagina a quantidade de fogueiras que ha, e o calor que está. É uma
bulha n’esta rua de cantigas e dansas immensa.
Adeos minha querida Maman do meu Coração muitos recados a todos e
acredite que sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé.
Recados do Caetano.
José de Saldanha, carta n.º 217 Pag. 1/1
Coimbra, 4 de Julho, 1857
Minha querida Maman do meu Coração
Tive hoje o gosto de receber a sua carta de 3, por ela soube que todos estão
bons. Hontem recebi a carta da Thereza. Estou em divida com ella ha immenso tempo, e
estou afflicto por causa d’isso. Tomára vêr-me livre d’Aulas. Hontem dei lição em
Mathematica. Tenho de fazer um exercicio para depois de amanhã, acabar a dissertação
de Mathematica, e passar a limpo uma de Philosophia. Ando com a cabeça pelos ares.
Hontem depois do jantar peguei em mim deitei-me dentro da cama e dormi toda a tarde.
Em Mathematica só tenho ponto 4ª feira, pelo menos são essas as esperanças que temos.
Felizmente tenho passado bem, e o Luiz Candido não me achou magro. Hoje tive dia
feriado. O Menezes faz acto Sabbado, d’hoje a oito dias. Elle vai para a Ilha. O Luiz
Candido faz acto 6ª feira, e parte no Sabbado daqui.
Fui hontem visitar o Conde das Alcaçovas e com elle conversei um bocado.
Pelo que elle me disse o D. Francisco vem ao 6.º anno. Para quem gosta pode ser que
isso valha d’alguma couza. Peço muitos recados para todos os de caza, primos e thios.
Tive hoje uma carta do Rozado.
Muito dó me tem feito a morte do thio Linhares.
Adeos minha querida Maman do meu Coração, recados a todos e acredite que
sou
Seu filho muito amigo do Coração e obediente
Jozé
Recados do Caetano.
Peço ao António que arranje carta para o Padre Simões recommendando um
rapaz por nome Jacintho da Silva Baptista, ilhéo, que vai fazer exame de Latim, e que
escreva ao Dr. Menezes, que é o Prezidente d’esses exames, para o mesmo fim. Adeos.
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