Michel Serres Roda Viva

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Michel Serres 8/11/1999 Para o filósofo francês "não há progresso sem utopia", e a maioria das grandes descobertas ou dos progressos locais teria vindo do sonho de alguém que nos precedeu [Programa gravado, não permitindo a participação de telespectadores] Paulo Markun: Boa noite. A trajetória intelectual e acadêmica do nosso convidado de hoje é absolutamente multidisciplinar. Filósofo, tem sólida formação em ciências exatas, como matemática e física, uma formação que o ajudou a formular suas primeiras teses em ciências humanas. Michel Serres nasceu na França em 1930, é também historiador da ciência e epistemólogo e seus trabalhos são tão variados quanto sua ampla formação. Escreveu sobre os contatos entre as ciências exatas, as ciências duras, e as ciências humanas e sobre literatura, estética, antropologia e as relações do homem com a natureza, além de tratar também dos desafios da educação no mundo de hoje e de amanhã. Todos os trabalhos de Serres refletem preocupações com questões éticas suscitadas a partir da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki. Ele é um intelectual comprometido com o uso do saber e da comunicação na construção da paz. Michel Serres veio para São Paulo participar do Congresso Internacional do Desenvolvimento Humano, na Universidade São Marcos. No centro do Roda Viva, esta noite, o filósofo francês Michel Serres. Para entrevistá-lo, nós convidamos: o coordenador do projeto Escola do Futuro, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Frederic Litto; o professor Norval Baitello Júnior, diretor da Faculdade de Comunicação da PUC de São Paulo; o editor de cultura da Gazeta Mercantil e coordenador da revista Bravo!, Daniel Piza; Scarlett Marton, professora de filosofia moderna e contemporânea da Universidade de São Paulo; o antropólogo Edgard Assis Carvalho; a psicóloga Elvira Souza Lima, professora das Universidades de Nova Iorque e Salamanca, e Rogério da Costa, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC de São Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. E hoje, evidentemente, você não pode participar do programa, porque ele está sendo gravado neste momento e exibido posteriormente de modo a permitir a tradução e a legendagem das respostas do professor Serres. Boa noite, professor. Michel Serres: Boa noite. Paulo Markun: Eu tomei contato superficial – como todo jornalista costuma fazer [risos] – com a obra do senhor, muito recentemente, mas sei que, entre outras coisas, o senhor chegou a pensar e a escrever também sobre o Brasil, inclusive sobre esse grande caldeirão de raças que é o nosso país. Eu sou um. Markun, sobrenome de origem iugoslava, mas não sei nem de que região da Iugoslávia vem meu sobrenome, porque sou, como muitos aqui, se o senhor verificar, a maior parte dos nossos entrevistadores tem sobrenomes estrangeiros, mas somos todos brasileiros. Então eu queria que o senhor definisse: no que isso é bom e é ruim para o país, esse caldeirão cultural? Michel Serres: Não pode ser ruim, muito pelo contrário. Parece-me, de fato, que, hoje, o mundo está em pleno processo de “mundialização” e esse processo de globalização é acompanhado – e vocês sabem bem disso – de conflitos, de guerras e oposições muito fortes entre diversas nações, entre diversas regiões e, há cerca de quinze anos, somos assolados por notícias cada vez mais trágicas. Por quê? Porque a globalização se opõe cada vez mais às pessoas, pois as fronteiras tornaram-se porosas. Quando lecionei, em 1973, na Universidade de São Paulo, no final de minha estadia, que foi muito feliz, fizeram-me exatamente esta mesma pergunta: "O que acha do Brasil?" Respondi – e continuo pensando assim – que o Brasil, antes de tudo, é um país muito grande, do ponde vista de área, já que é um dos países mais importantes do planeta e, por ser o maior ou um dos maiores, tem todos os problemas. Ou seja, é um modelo reduzido, absolutamente perfeito, do mundo atual. E, enquanto modelo reduzido, suporta quase todos os grandes problemas que o mundo inteiro está suportando. Mas... :: Memória Roda Viva - www.rodaviva.fapesp.br :: http://www.rodaviva.fapesp.br/imprimir.php?id=386 1 de 14 2/6/2015 20:48

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Resumo Entrevista no Programa Roda Viva com o Filósofo Michel Serres

Transcript of Michel Serres Roda Viva

  • Michel Serres

    8/11/1999

    Para o filsofo francs "no h progresso sem utopia", e a maioria das grandes descobertas ou dos progressos locais teria

    vindo do sonho de algum que nos precedeu

    [Programa gravado, no permitindo a participao de telespectadores]

    Paulo Markun: Boa noite. A trajetria intelectual e acadmica do nosso convidado de hoje absolutamente multidisciplinar. Filsofo, tem slida formao em cincias exatas, como matemtica efsica, uma formao que o ajudou a formular suas primeiras teses em cincias humanas. Michel Serresnasceu na Frana em 1930, tambm historiador da cincia e epistemlogo e seus trabalhos so tovariados quanto sua ampla formao. Escreveu sobre os contatos entre as cincias exatas, as cinciasduras, e as cincias humanas e sobre literatura, esttica, antropologia e as relaes do homem com anatureza, alm de tratar tambm dos desafios da educao no mundo de hoje e de amanh. Todos ostrabalhos de Serres refletem preocupaes com questes ticas suscitadas a partir da bomba atmica deHiroshima e Nagasaki. Ele um intelectual comprometido com o uso do saber e da comunicao naconstruo da paz. Michel Serres veio para So Paulo participar do Congresso Internacional doDesenvolvimento Humano, na Universidade So Marcos. No centro do Roda Viva, esta noite, o filsofofrancs Michel Serres. Para entrevist-lo, ns convidamos: o coordenador do projeto Escola do Futuro,presidente da Associao Brasileira de Educao a Distncia e professor da Escola de Comunicaes eArtes da USP, Frederic Litto; o professor Norval Baitello Jnior, diretor da Faculdade de Comunicaoda PUC de So Paulo; o editor de cultura da Gazeta Mercantil e coordenador da revista Bravo!, DanielPiza; Scarlett Marton, professora de filosofia moderna e contempornea da Universidade de So Paulo; oantroplogo Edgard Assis Carvalho; a psicloga Elvira Souza Lima, professora das Universidades deNova Iorque e Salamanca, e Rogrio da Costa, professor do Programa de Ps-Graduao emComunicao e Semitica da PUC de So Paulo. O Roda Viva transmitido em rede nacional para todosos estados brasileiros e tambm para Braslia. E hoje, evidentemente, voc no pode participar doprograma, porque ele est sendo gravado neste momento e exibido posteriormente de modo a permitir atraduo e a legendagem das respostas do professor Serres. Boa noite, professor.

    Michel Serres: Boa noite.

    Paulo Markun: Eu tomei contato superficial como todo jornalista costuma fazer [risos] com a obrado senhor, muito recentemente, mas sei que, entre outras coisas, o senhor chegou a pensar e a escrevertambm sobre o Brasil, inclusive sobre esse grande caldeiro de raas que o nosso pas. Eu sou um.Markun, sobrenome de origem iugoslava, mas no sei nem de que regio da Iugoslvia vem meusobrenome, porque sou, como muitos aqui, se o senhor verificar, a maior parte dos nossosentrevistadores tem sobrenomes estrangeiros, mas somos todos brasileiros. Ento eu queria que osenhor definisse: no que isso bom e ruim para o pas, esse caldeiro cultural?

    Michel Serres: No pode ser ruim, muito pelo contrrio. Parece-me, de fato, que, hoje, o mundo estem pleno processo de mundializao e esse processo de globalizao acompanhado e vocs sabembem disso de conflitos, de guerras e oposies muito fortes entre diversas naes, entre diversasregies e, h cerca de quinze anos, somos assolados por notcias cada vez mais trgicas. Por qu? Porquea globalizao se ope cada vez mais s pessoas, pois as fronteiras tornaram-se porosas. Quando lecionei,em 1973, na Universidade de So Paulo, no final de minha estadia, que foi muito feliz, fizeram-meexatamente esta mesma pergunta: "O que acha do Brasil?" Respondi e continuo pensando assim queo Brasil, antes de tudo, um pas muito grande, do ponde vista de rea, j que um dos pases maisimportantes do planeta e, por ser o maior ou um dos maiores, tem todos os problemas. Ou seja, ummodelo reduzido, absolutamente perfeito, do mundo atual. E, enquanto modelo reduzido, suporta quasetodos os grandes problemas que o mundo inteiro est suportando. Mas...

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  • Paulo Markun: E pode suportar as mesmas solues?

    Michel Serres: Espere. Ele tem os mesmos problemas, do ponto de vista econmico, social, polticoetc. Mas, h muito tempo, est pronto porque tem uma soluo que, raramente, o resto do mundo podeter. Por qu? Pelo motivo que citou com relao aos seus ancestrais. Seus ancestrais iugoslavos, que vocandou esquecendo. No Brasil, o que me encanta, que a maioria dos brasileiros tem uma genealogiatotalmente cruzada, mltipla, complexa, extremamente rica e que, em seus corpos vivos, h muitotempo, eles atenuaram os conflitos de hoje. Escrevi um livro, muito mais tarde, que chamei de O terceiroinstrudo e que foi traduzido por um belo ttulo em portugus onde aparece o adjetivo "mestio". E,nesse livro, eu dizia que todo processo de conhecimento uma mestiagem. Porque, quando falamosuma outra lngua e lamento muito no falar o portugus temos um outro corpo. Quando pensamosem outra cincia, entramos em outro ser humano. E, de tanto falar lnguas diferentes, de tanto conhecerdisciplinas diferentes, fabricamos em ns um mestio intelectual. E h, no conhecimento mestio, umaespcie de paz entre as disciplinas, uma espcie de armistcio entre as oposies do saber. uma imagemintelectual do que acontece na vida real no Brasil. Vocs conseguiram tantas mestiagens entre todas aspopulaes do mundo, porque, no Brasil, o mundo inteiro est representado: asiticos, europeus,americanos, nativos da Amrica, do Hemisfrio Sul etc. Portanto, vocs conseguiram to bem, na paz,esse tipo de mestiagem, que creio que deveriam ter conscincia de que tm o modelo das soluesrequeridas hoje pelas guerras mundiais.

    Paulo Markun: Mas, quando ns falamos em solues e falamos em cincia, imediatamente se coloca aquesto de que... E, evidentemente, isso tambm acontece na economia, at na poltica mas ns vamosficar na cincia da questo do modelo do Primeiro Mundo e do Terceiro Mundo. Aqui no Brasil, hojeem dia, a expresso "isso uma coisa do Primeiro Mundo" algo que dito com enorme entusiasmo,pode ser um copo de gua, pode ser um restaurante, pode ser um motel ou pode ser um automvel ouuma tese de doutorado, tudo que "coisa de Primeiro Mundo" bom. E a pergunta que fao a seguinte:como que esses mestios, que somos ns aqui, que temos esse potencial de desenvolver e achar umasoluo para os grandes problemas que existem aqui, como l fora, [como] o senhor disse, podemosalmejar obter, no digo as frmulas do Primeiro Mundo, mas as condies de produzir aqui as soluesnossas com recursos equivalentes, investimento equivalente em termos de pessoas, de tempo, dedinheiro, se ns somos, efetivamente, mestios do Terceiro Mundo?

    Michel Serres: Acho que a distino que fazemos, h muito tempo, entre o Primeiro e o TerceiroMundo, por exemplo, uma distino que talvez esteja se apagando por causa do processo deglobalizao. E desejo que ela se apague. Porque, de certa forma, j que falou em saber, o saber j notem mais fronteiras. Experimento, h muito tempo, em minha prpria pele e em minha profisso, o fatode ter ensinado em quase todas as latitudes e longitudes, de ter me dirigido a populaes de estudantesde todo tipo de cultura. E acho que, hoje, com as novas tecnologias, das quais falaremos depois, adistino entre os mundos vai se apagar de certa forma. Quando voc fala em modelo de Primeiro Mundoe de "nosso mundo", parece-me que faz parte de velhos conceitos da histria antiga. Algo estacontecendo hoje que torna essa fronteira porosa. E eu, que nasci naquele que chamado de PrimeiroMundo, quando vou frica, percebo, muitas vezes, que temos tanto a aprender em solues humanas,em coisas que vejo na frica, que hoje est em m situao econmica e sanitria, que temos muito maisa aprender do que pensamos. Em conseqncia, acho que essa distino est se apagando. E queromuito que isso ocorra. Provavelmente, a ajuda das novas tecnologias vai ser eficaz para que essadistino se apague completamente.

    Norval Baitello Jr.: Professor Serres, essa verdade-realidade que todos ns temos que aprendertambm com os pobres, tambm com o chamado Terceiro Mundo, teve um filsofo alemo, chamadoDietmar Kamper [socilogo, terico da comunicao e criador da antropologia histrica] que conhece osenhor e que talvez o senhor conhea que tem veiculado hoje o conceito de "ocidentao", ao invs de"orientao". Enquanto o Oriente era considerado o princpio orientador, a prpria palavra j mostraisso, Kamper fala hoje em ocidentao, ento, talvez, o modelo ou a meta no seja mais o Oriente, talvezseja o Ocidente. E ele vai um pouco mais longe. Enquanto essa ocidentao, durante um longo tempo, foiconsiderada a Califrnia, ele disse que a ocidentao So Paulo. Gostaria de que o senhor falasse umpouco sobre o seu contato com So Paulo, com essa realidade to complexa que o senhor j conhece hlongos anos.

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  • Michel Serres: Fico feliz ao ouvi-lo falar em orientao, porque sou parte da minoria humana chamada"os canhotos". E, quando era criana, ensinaram-me a escrever com a mo direita. Portanto, era canhotoe, no entanto, era obrigado a escrever com a direita. Acho que, hoje, os psiclogos no recomendam quese force a escrever com a direita. Acho que lamento um pouco isso, porque, quando meu professor, jfalecido e o abeno por ter feito isso me ensinou a escrever com a mo direita, nem assim me tornouum destro. Continuo a fazer gestos com a mo esquerda, seguro a raquete com a esquerda para jogartnis, seguro o martelo com a esquerda para martelar, mas escrevo com a direita. Conseqentemente,nesse processo de aprender o outro lado, a orientao, como o senhor disse, a orientao fez com que eufosse um corpo completo. Diziam, na Frana, que quem fosse forado a escrever com a direita era um"canhoto contrariado". Essa contrariedade nunca me fez sofrer. Digo sempre "canhoto completado". Isso muito importante, por imagem, digamos assim. Tudo no corpo muito importante, porque permiteentender que os que so s destros ou s canhotos, os que tm corpos orientados ou ocidentados, sequiser, so pessoas hemiplgicas, tm o corpo dividido em dois. Tm um corpo vivo e um corpo morto.Mas, quando aprendemos os dois lados, temos os dois lados vivos. Portanto, estou apto para ensinar aoscanhotos a fazer gestos com a direita e, alis, como complemento, para ensinar aos destros a fazer gestoscom a esquerda. Por qu? Pelo seguinte: isso lhes ensina que em seu corpo pode haver um outro. Ensinao altrusmo, ensina a tolerncia. Ensina que, se diante de ns h algum que pode ser um inimigo,podemos nos reconciliar, ser tolerantes com ele, entender seu ponto de vista. Entendo os destros,porque escrevo com a direita, embora seja canhoto. Entende? E tenho a impresso de que, ao falar emorientao ou ocidentao, um pouco o mesmo problema. Eu transporia, no sentido social ou poltico,essa experincia fundamental do meu corpo.

    Scarlett Marton: Mas, professor, eu pergunto se nesse processo de globalizao pelo qual ns estamospassando, que estamos testemunhando, no est tambm havendo a imposio de uma nica e mesmaforma de pensar, sentir e viver. De sorte de que o outro com o qual tenho contato nada mais do que aimagem que fao do outro e que, portanto, a minha prpria?

    Michel Serres: verdade que muita gente teme a globalizao, na medida em que tem-se a impressode que uma s cultura vai dominar. E, de fato, hoje, estamos numa situao em que uma cultura domina.Talvez no por muito tempo, mas, por ora, o que parece. Mas acho que posso tranqiliz-la. Por qu?Porque ns somos feitos assim, criamos sempre diferenas. Suponhamos, cara amiga, que mas podeacontecer o mundo inteiro fale uma nica lngua. Pois bem, essa nica lngua, quando falada em SoPaulo, ao ser falada no Japo e ao ser falada em Paris, seria to diferente em sotaque, inteno,entonao e cultura geral, que, muito rapidamente, no seria mais a mesma. Alis, alguns lingistasacham que, na origem, graas aos computadores, pde-se obter a hiptese de que talvez, na origem,houve uma nica lngua, mas ela logo se bifurcou numa rvore extremamente complexa de lnguasdiversas. No tenho muito medo da globalizao pelos seguintes motivos: o primeiro que criamosdiferenas e o segundo que eu tenho uma cultura. Cresci num pequeno vilarejo agrcola no sul daFrana, que tem seus costumes, sua cultura etc. Mas o que um homem culto em geral? algum quevai buscar a outra cultura, que vai procurar viajar, encontrar o outro e conhecer outras culturas. Nofundo, ele est se globalizando um pouco. A palavra globalizao tem seu lado positivo e negativo.Tem-se muito medo, mas ouam: sou dessa cultura, mas estou encantado por estar no Brasil, porqueestou em outra cultura. Ser culto querer mudar a prpria cultura. O movimento de globalizao, quecausa tanto medo, no me assusta por isso. Criamos diferenas e ser culto ir em busca da diferena.

    Edgard Assis Carvalho: Professor Serres, uma das... Acho que na quinta entrevista do seu livro, osenhor, quando fala em "Terra global", usa uma srie de termos de que particularmente gosto muito, osenhor fala da "Terra global" como sendo matizada, arlequinada, tigrada, zebrada em redes mltiplas einterligadas. Parece-me que essa "Terra global", como se pensa no futuro, no sculo XXI, exigir umatica da tolerncia e da solidariedade transnacional. A pergunta que lhe fao a seguinte: sei que osenhor participou, no final dos anos 60, do Grupo dos Dez [Grupo formado em 1966, no final de umcolquio entre filsofos, bilogos e socilogos para refletir sobre as relaes entre as cincias e astcnicas e tambm sobre as relaes entre a cultura e a poltica. Os fundadores foram Robert Buron,Henri Laborit, Edgar Morin e Jacques Robin, aos quais no tardaram a se juntar Jacques Attali, RenPasset e Jol de Rosnay. Contando com a participao de diversos intelectuais e cientistas de renome, oGrupo dos Dez se reuniu mensalmente - e informalmente- para discutir temas transversais at 1976].

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  • Esse Grupo dos Dez, do qual faziam parte o Henri Atlan [mdico, bilogo e filsofo francs], EdgardMorin [socilogo e filsofo francs], Jacques Attali [escritor, economista francs especialista em polticado desenvolvimento] e outros... Vendo agora, 30 anos depois, esse grupo, como o senhor v esses seuscolegas que, no final dos anos 60, tambm estavam investindo na reconciliao da parte e do todo,estavam investindo contra a fragmentao disciplinar, na convergncia da ciberntica, da teoria dainformao e da biologia? Como que o senhor mexe com essas idias tendo em vista essa tica do futuro[em] que todos ns devemos nos empenhar?

    Michel Serres: Na realidade, sua pergunta engloba duas. A primeira se refere cor, ou seja, prpriaestrutura dessa mistura e fico feliz por ter lembrado quantas vezes eu disse "tigrada", "zebrada","mutante". So todas qualificaes que fazem com que, ao misturarmos cores ou formas, cheguemos aum tipo de marchetaria muito diversa e, talvez, a globalizao, da qual falamos h pouco, leve a essamarchetaria. No seria, necessariamente, uma cultura que teria uma s cor ou forma, mas umamarchetaria de diferenas bem complexa. E a segunda pergunta o que houve com esse grupo que, hcerca de 30 anos, projetava um certo tipo de "interdisciplinaridade" ou de modelo de saber. Eresponderei, de bom grado, que houve com ele o que ocorre com qualquer outro que, num dadomomento, est feliz ou estabelece um paradigma numa certa gerao, mas que, na gerao seguinte, setransforma profundamente. Algumas das idias que foram abordadas naquela poca transformaram-setanto, que desapareceram. Outras, pelo contrrio, fortaleceram-se e passaram a ocupar o primeiro planoda cena. Se tivssemos de voltar quela poca, eu diria que, hoje, a situao da cincia irreconhecvelcom relao situao de 30 anos atrs. Por qu? Porque o modelo ciberntico se apagou um pouco, aidia de ordem por meio do barulho quase desapareceu e, ao contrrio, na biologia, surgiram idiasinovadoras, referentes complexidade orgnica, ao suicdio celular, uma nova idia da vida e da morte eassim por diante. Portanto, o que deveramos fazer criar outro grupo. Alis, estamos juntos aqui,podamos criar outro com o qual delinearamos o modelo da cincia de amanh. Nos enganaramos tantoquanto nos enganamos h 30 anos, mas faramos um balano da situao atual e sempre bom fazerisso. Foi o que fizemos.

    Elvira Souza Lima: O senhor leciona nos Estados Unidos j h 20 anos. Eu gostaria de voltar a essaquesto da mestiagem.

    Michel Serres: H 30 anos...

    Elvira Souza Lima: Trinta anos. E um pas como o Markun estava falando em que a gente sevolta, nesse momento todo de globalizao, como um dos modelos do Primeiro Mundo para nsbrasileiros. E um pas com uma histria tambm de misturas, de grandes movimentos de migrao etal. Que especificidade h no Brasil, nessa mestiagem, em relao sua experincia dos EstadosUnidos? Por que o Brasil faria um modelo e os Estados Unidos no?

    Michel Serres: Tenho vontade de dizer sim. Alis, a senhora leciona em Nova Iorque e sabe bem,conhece os Estados Unidos to bem quanto eu. Eu diria que, com relao ao Brasil, um contra-modelo eque, de certa forma, essa idia de que os Estados Unidos difundiram sua prpria imagem, de que so ummelting pot [expresso para designar sociedades formadas por indivduos de diferentes raas e culturas] uma coisa falsa, porque o que h, sobretudo, nos Estados Unidos, so comunidades diversas. H obairro chins nas cidades, o bairro japons, o italiano, o polons, em certos casos e assim por diante,portanto as comunidades so realmente separadas. Esto agrupadas por outros motivos, pelo americanway of life, um modo de viver, mas no h essa comunidade global que existe no Brasil e que chamei, hpouco, de mestiagem. Em outras palavras, no Brasil a mestiagem muito forte e poderosa ebem-sucedida. , talvez, da visita ao Brasil que nasceu a idia do livro dez anos depois. Nos EstadosUnidos, no h mestiagem e esse o problema. A soluo do Brasil o problema deles. E acho que h,aqui para mim, que estou fora dos dois pases um avano extraordinrio, do ponto de vista social doBrasil em relao aos Estados Unidos. Talvez isso surpreenda os telespectadores, mas, do ponto de vistasocial, nesse ponto do qual falamos, o Brasil est muito frente dos Estados Unidos. uma sociedademuito mais futurista, enquanto os Estados Unidos so uma sociedade mais antiga, talvez mais arcaica.

    Paulo Markun: Professor, aqui no Brasil, no momento em que ns estamos fazendo esta entrevista eimagino que, mesmo que a gente demore algum tempo a exibir este programa a situao no vai mudar.Infelizmente, na cidade de So Paulo, como em outras grandes cidades brasileiras, existe um enorme

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  • problema relacionado violncia, relacionado at a uma questo de colocao geogrfica da populaomais pobre, que vive nas periferias. E acaba parecendo uma cidade em que existem guetos de classemdia ou de classe alta e o restante da cidade e fui reprter de cidade durante muitos anos na minhacarreira so reas assustadoras, no apenas para aquelas pessoas que visitam ou que vo a servio,mas evidentemente que tambm para as pessoas que ali vivem. E, muito recentemente, aconteceramalgumas rebelies em estabelecimentos ditos "de reeducao de menores", em que as condies de vidaso absolutamente desumanas. Ento, para jogar um pouco de tinta mais sombria sobre essa sua pinturato agradvel do Brasil e de So Paulo, pergunto ao senhor o seguinte: em algum trecho do seu livro deentrevistas, o senhor acena com que a possibilidade dessas realidades, que no so apenas exclusivas doBrasil, evidentemente, acabem sendo o nosso futuro? Quer dizer, na medida em que isso vai crescendoem uma velocidade to grande, em que vai haver um dia em que no vo existir guetos suficientementeresistentes para sobreviver s condies de vida da cidade perifrica, mal remunerada, sem condies delazer, sem condies de educao etc. Ento, a pergunta isto: como que, diante dessa realidade queno apenas brasileira, mas que aqui em So Paulo, principalmente, assusta se posiciona uma pessoacomo o senhor, que me parece ser um homem que tem uma viso otimista do futuro?

    Michel Serres: Sou otimista, mas no posso deixar de confessar que o problema da violncia, que vocdescreveu, no caso de So Paulo, por exemplo, um problema absolutamente universal. Ele existe, hoje,no s nas grandes metrpoles do Hemisfrio Sul ou at do Terceiro Mundo, mas tambm nos pases doPrimeiro Mundo do qual voc falou. A prova que ns, na Frana, inventamos a noo do QuartoMundo. O Quarto Mundo a introduo da misria e da violncia dentro daquele que voc chamou dePrimeiro Mundo. E isso me preocupa muito. No tenho nenhuma soluo milagrosa para o problema,mas posso dizer o que tento fazer. Eu sou professor. Portanto penso sempre que as solues a longoprazo para problemas a longo prazo so problemas de ensino. Por conseqncia, eu me dediquei muito aquestes de ensino para o Quarto Mundo. Mas, quando voc fala no problema dos guetos, ser que aspessoas tm idia de que o gueto gueto, no somente pela misria, mas porque aqueles que l moramso to pobres que no podem sair dele? Ou seja, no caso deles, no podem comprar a passagem denibus ou metr que permita sua sada fsica do lugar. E, por no poderem sair de seu lugar, soobrigados a permanecer nele e a a violncia reina. Creio que, no futuro, o problema ser universal. Eleexiste em todos os pases. E uma das solues, a que preconizo e que me parece a mais importante, defato a questo da educao. Mas gostaria de acrescentar que somos cada vez mais sensveis s questesde violncia, quando nos tocam de perto, individualmente, em nosso bairro e vizinhana. Mas, carosenhor, sabia que os problemas da violncia prxima, esses problemas de pequena delinqncia, soproblemas menores perto da enorme quantidade de violncia referente globalizao? Por exemplo, osproblemas da droga, a lavagem de dinheiro, os problemas da mfia, os problemas dos novos poderes:veiculam uma violncia muito maior que a pequena violncia prxima. Portanto, somos sensveis aospequenos problemas quando o verdadeiro grande problema o das mfias, da droga etc. Calculou-seque, entre as pequenas dificuldades ou as dificuldades das cidades e os problemas globais que estoumencionando, h uma relao de 2 para 100. O verdadeiro grande problema da violncia global e esta. E, se ele fosse resolvido, os pequenos problemas tambm seriam.

    Paulo Markun: Perfeito. Professor Michel, ns vamos fazer um rpido intervalo e o Roda Viva voltadaqui a instantes.

    [intervalo]

    Paulo Markun: Voltamos com o Roda Viva, que esta noite entrevista o filsofo francs Michel Serres.Ns vamos ao Edgar, que tem uma pergunta em relao a um tema discutido no bloco anterior.

    Edgard Assis Carvalho: Professor Serres, gostaria de retomar o conceito de mestiagem, porque, noBrasil, as interpretaes que falam de um Brasil mestio geralmente so interpretaes conservadoras,que vem no Brasil uma juno muito harmnica entre brancos, negros, ndios etc. E, do meuentendimento do seu livro, O terceiro instrudo, o seu conceito de mestiagem envolve uma outraconcepo da idia e talvez seja esta a mais vlida para o entendimento das altas taxas de excluso quens vivemos no Brasil de hoje.

    Michel Serres: Agradeo a sua pergunta, porque vai me permitir especificar a minha forma de usar

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  • essa palavra. De fato, sei que, de maneira geral, essa palavra considerada de forma pejorativa ou deforma negativa e, muitas vezes, motivo de desprezo pblico. Foi o que chamou, h pouco, deinterpretao conservadora. E por isso que uso a palavra mestiagem como um conceito filosficomaior, ou seja, eu o pego na rua, isto , em seu estado pejorativo e lhe confiro uma funo de modelo. Econfiro essa funo dentro da cultura. No h uma cultura nica e fechada em si mesma: ela sempremestia. No h uma cincia nica e fechada em si mesma, est sempre relacionada com as cinciasexternas. Consequentemente, para mim, a noo de mestiagem um modelo concomitante de saber, decultura e, do ponto de vista que voc citou para mim, ao contrrio, um modelo quase revolucionrio,que mostra um objetivo a ser alcanado. isso. E fundamento essa anlise numa anlise das cincias e dacultura. Agradeo a pergunta, que me permitiu esclarecer o assunto.

    Frederic Litto: Professor, dentro do seu conceito de sociedades mestiadas e no-mestiadas, comofica a questo de valores humanos? utpico ou no pensar na construo de um cdigo de tica quepermita que as culturas diferentes se interrelacionem de uma forma mais adequada? Qual o seupensamento sobre isso?

    Michel Serres: Fico feliz pela pergunta, porque se, quando jovem, fiz filosofia, foi s para tentar obteressa resposta. Porque eu tinha uma formao cientfica, era matemtico e fsico e meus professores noshaviam ensinado era nosso ambiente na poca que a cincia s podia fazer o bem humanidade eque estava a seu servio. E praticvamos a cincia com muito entusiasmo, porque tnhamos certeza deque era para o bem da humanidade, de que era algo sempre bom. E, de repente, em 1945, explodiu abomba atmica americana em Hiroshima. E, para a minha gerao, foi uma tomada de conscincia quaseto forte quanto a que tivemos na Segunda Guerra Mundial, porque ela atingia o exerccio da profisso e,mais ainda, o exerccio da nossa razo. A fsica havia matado, positivamente, dezenas de milhares depessoas, da o problema de conscincia. Mas o problema tornou a se repetir vrias vezes em quase todasas cincias. Aconteceu na qumica e ocorre hoje, de forma bem aguda, em matria de biologia e demedicina, em razo das biotecnologias e manipulaes genticas das quais vocs ouviram falar.Conseqentemente, todas as grandes questes humanas, a questo tica, a moral, a prpria questo dedireito... Hoje, em todo lugar, h comisses bioticas, comisses de tica mdica e, em certos casos, foipreciso at inventar um novo direito. Os direitos de maternidade e paternidade esto totalmenteabalados pelas manipulaes genticas, portanto as questes de humanismo ou de valores humanos tmduas componentes hoje. A primeira tradicional, tem como fundamento o que de mais antigo existe emnossa tradio intelectual e cultural. Mas tambm, de repente, extremamente novo, porque todos osproblemas em questo o que o homem, o que o indivduo, o que a relao familiar, por quevivemos? voltaram tona por causa das questes e aplicaes cientficas. Conseqentemente, uma dasverdadeiras solues para o problema tentar, na educao, no separar, entre nossos estudantes, osque conhecem as cincias exatas e os que conhecem as cincias humanas, porque, de um lado, haveriaespecialistas totalmente sem cultura e, do outro, pessoas cultas mas totalmente ignorantes, o que trariade volta a barbrie. Mas, ao contrrio, inventar uma educao onde estejam casadas, mescladas,complementadas as cincias exatas e humanas. Acho que dessa forma que se estabelece, hoje, aquesto dos valores humanos.

    Daniel Piza: Esse hiato que existe entre as cincias humanas e as cincias exatas, que tem sido o seutema esses anos todos... Como lidar com a rea da educao quando a gente pensa no hiato, talvez maior,que exista entre a cincia, o grau de sofisticao a que a cincia chegou hoje e o desconhecimentocientfico de boa parte das pessoas?

    Michel Serres: Acho que, para resolver a questo, que realmente muito difcil, j que, como vocdisse, o nvel de sofisticao muito elevado, uma das formas seria introduzir no estudo das cinciasexatas to somente a sua prpria histria. Isso para que os estudantes no recebam os resultados, sejamteoremas, sejam experincias ou teorias, que no os recebam como verdades cadas do cu, masentendam que foram inventados em uma certa poca, por um certo grupo, em certo pas e ambientecultural e assim por diante, mostrando que a cincia um fenmeno cultural, um fenmeno social queimplica conseqncias polticas e, tambm, um certo progresso das condies sociais etc. Assim, ahistria das cincias seria, talvez, a disciplina oblqua, transversal que permitiria tornar a fronteira entreas duas disciplinas mais porosa e leve, podendo-se passar de uma outra mais facilmente. Por isso, caroamigo, durante toda a minha vida, fiz histria das cincias. claro que a soluo meio utpica, porque

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  • os estudantes de letras no entendiam cincias e os de cincias ignoravam totalmente a histria. Era umaverdade na gerao anterior, mas ainda me parece que se a educao adotasse procedimentos desse tipo,resolveramos de vez essa questo.

    Daniel Piza: Haveria uma utopia de totalizao do conhecimento que parece cada vez mais difcil?

    Michel Serres: No h progresso sem utopia. A maioria das grandes descobertas ou a maioria dosprogressos locais que fazemos vem, sem dvida, do sonho de algum que nos precedeu, como umaespcie de utopia. Acontece que, na tradio filosfica, todos os grandes filsofos globalizaram o saber.Plato [filsofo que viveu na Grcia entre os anos 428 e 347 a.C. Foi fundador da Academia e mestre deAristteles] o fez, Aristteles [filsofo grego que viveu no perodo de 384 a 322 a.C. Dentre suas obras,destaca-se tica Nicmaco, que um tratado das virtudes] tambm; [Ren] Descartes [(1596-1650)matemtico, gemetra e filsofo francs. Em O discurso do mtodo, recomendou o uso da "dvidametdica", por meio da qual chegou concluso de que as idias claras e distintas, percebidas pelointelecto, e no pelos sentidos, tm origem divina e de que o fato de poder duvidar, questionar, pensar mostra que estamos vivos], [Gottfried Wilhelm von] Leibniz [(1646-1716), filsofo, cientista, matemtico,diplomata e bibliotecrio alemo, a quem atribuda a criao do termo "funo", que usou paradescrever uma quantidade relacionada a uma curva. Deve-se a ele, em parceria com Isaac Newton, odesenvolvimento do clculo moderno, em particular o da integral e o da regra do produto]. E, maisprximas a ns, pessoas como [Henri] Bergson [(1859-1941), filsofo e diplomata francs. Doutor emLetras pela Universidade de Paris, foi professor no Collge de France] ou [Paul] Valry [(1871-1945)filsofo, escritor e poeta simbolista francs. Possui escritos nas reas de matemtica, filosofia e msica],na tradio francesa, globalizaram o saber. A Enciclopdia, no sentido do Iluminismo, isto , no sculoXVIII, foi tambm uma tentativa de globalizao do saber. Ento, fao parte, embora seja utpico, de taltradio e acredito que no se pode fazer filosofia sem ter uma slida formao enciclopdica. Umfilsofo deve empreender esses trabalhos um pouco hericos e tentar, no se consegue isso todo dia, claro... mas tentar, em sua vida, trazer algo como uma idia global do saber. Sim, acredito nisso, emboraseja utpico. o papel da filosofia.

    Scarlett Marton: Professor, ao mesmo tempo em que ouo o senhor falar e ouo com muito interesse dessa globalizao do saber, nesse sentido da totalidade do saber, tambm leio com muito interessequando o senhor diz que a inveno a viga-mestra da filosofia e das cincias e a inveno sempre obrados mais solitrios. Pois , fico pensando aqui como fica, qual o lugar que a inveno encontra hoje se,por um lado, com a internet, ns temos, claro, uma facilidade muito maior de acesso ao conhecimento,mas tambm corremos o risco da banalizao do conhecimento, da informao. E, por outro lado, nauniversidade, como o senhor bem mostra, quem tem a evidncia, quem dirige no exatamente o maiscriativo, o mais inventivo, mas , sim, o mais habilidoso no que diz respeito s questes polticas. Ento,por um lado, com a internet ns temos o risco da banalizao e, nas universidades, ainda vigora omandarinato. Qual seria o lugar, ento, para essa inveno que a mola propulsora do progresso, doconhecimento e, mais ainda, do prprio desenvolvimento do homem?

    Michel Serres: Essa pergunta muito importante hoje. Porque hoje vivemos uma transformao quevoc descreveu, em parte, muito bem e de forma precisa. De fato, existem hoje, e se confrontando, umatcnica de ensino tradicional, nascida com os gregos no sculo VI antes de Cristo, chamada universidade;e, do outro lado, como voc diz, uma certa banalizao da totalidade da informao. Mas me parece queno sculo XV ou XVI, quando da inveno da impresso, essa pergunta surgiu exatamente da mesmaforma. Diziam: "Mas por qu?" Temos uma biblioteca. Todos podem ter a sua, com todo tipo de livros. Ainformao est disponvel. Ela ser banalizada, porque qualquer um poder ter em casa a sua biblioteca.A biblioteca da poca a internet de hoje. Ela uma biblioteca. E do outro lado, havia a universidadetradicional, oriunda da Idade Mdia etc. Houve, portanto, uma espcie de crise que confrontou o ensinotradicional e a nova biblioteca, isto , o novo suporte de transferncias, estocagem e transmisso dainformao. E de repente, nasceram pessoas que globalizavam o saber. Ou seja, Erasmo [de Roterd,(1466-1536) pensador, nascido na regio dos Pases Baixos, cujas idias humanistas sintetizaram opensamento liberal e progressista do Renascimento], [Franois] Rabelais [(1484-1553), foi um escritor epadre francs do Renascimento, cujas obras satricas, Pantagruel e Gargntua, tornaram-no clebre.Tinha slidos conhecimentos sobre direito, teologia, cincias naturais, poltica, arte militar enavegao]... Rabelais o inventor do termo "enciclopdia", que no existia antes. [Michel de] Montaigne

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  • [(1533-1592) pensador, ensasta e escritor humanista francs, autor dos Ensaios obra que deuorigem ao termo que passou a designar a explorao de um tema por diversas tentativas], que tambmagia assim, os grandes pensadores, os grandes universalistas do Renascimento. Ento, j houve umaoposio, na poca da impresso, por causa da inveno de um novo suporte de estocagem e transmissode informao. Vivemos, hoje, exatamente a mesma revoluo. Acabamos de inventar um novo suporteque estoca, transmite, recebe e emite informao a uma velocidade, claro, incomparvel anterior. E,por outro lado, h a universidade, que tem seus problemas, srios problemas financeiros, deorganizao, problemas polticos, que voc mencionou. Ser que hoje nascero totalizadores do saberexatamente nos mesmos termos colocados h pouco? Eles sero os paralelos ou equivalentes a Erasmo,Rabelais ou Montaigne do sculo XVI? Sim, estamos vivendo, com a crise dessa oposio, um novoRenascimento. E esse novo Renascimento me parece j estar surgindo, ao menos nas cincias exatas, eme torna um filsofo perfeitamente otimista.

    Scarlett Marton: E nesse renascimento o senhor v tambm um renascimento das humanidades?

    Michel Serres: Eu tinha um professor... era um homem admirvel e que descrevia a maneira pela qualo homem se levantou. Ele estava de quatro e levantou. E ele nos mostrava, ficando de quatro, mostravaque as duas mos sustentavam o corpo. E quando o corpo se levantou, dizia ele, as mos perderam afuno de sustentar. Perderam a funo de sustentar, mas adquiriram a funo de pegar, portanto, a moapareceu. Mas, antes, quando estvamos de quatro, a boca tinha a funo de pegar, j que as mosestavam ocupadas. Portanto a boca perdeu a funo de pegar, no ? Mas ganhou a funo de falar. E,desde que esse professor me explicou tal fenmeno, tornei-me um homem otimista, porque ouo todomundo dizer: "Perdemos o humanismo, perdemos os valores, perdemos a memria. Os jovens no tmmais memria, no tm mais imaginao por causa das imagens. No tm possibilidade de fazer clculos,porque existe a calculadora". Mas melhor assim, no ? Porque justamente quando se perde a funoque percebem que perder a sustentao no nada, j que os ps do conta. Mas ganhar as mos nostornou uma espcie que pode ser pianista ou ento cirurgio, prestidigitador. As mos so um rgoextraordinrio, portanto ganha-se muito mais do que se perde. Perder isso ou aquilo implica ganharcoisas extraordinrias, porque, de certa forma, at o crebro perdeu algumas coisas e est livre parainventar. E, como historiador de cincias, posso testemunhar isso. porque no Renascimento perdeu-sea memria da erudio que inventaram as cincias experimentais, porque, ao invs de copiar as cinciasem livros, olhava-se apenas a realidade das coisas. Sou otimista por causa disso.

    Elvira Souza Lima: Nessa questo da banalizao, que ela estava colocando, e nessa situao em quens estamos, com um novo suporte, quer dizer, ns no sabemos exatamente o que a gente vai perder e oque a gente vai ganhar. O senhor colocou aqui, j duas vezes nesta entrevista, a questo da educao. E,no final da sua conferncia, outro dia, o senhor falou da formao e disse que o prximo sculo o sculoda formao. Gostaria de que o senhor discutisse essa questo em relao ao que ela acabou de dizersobre o novo suporte e como o senhor v essa questo.

    Michel Serres: Acho que, quando digo que o prximo sculo e o prximo milnio, j que as datas vocoincidir ser o sculo da formao, no o digo como uma idia filosfica ou uma utopia. Vejo issoexperimentalmente. Em meu pas, h um centro chamado Centro de Ensino a Distncia e nesse centro huma central telefnica. Ora, mundialmente, meu pas considerado razoavelmente bem equipado emtermos de formao. Mas, quando fui visitar esse centro telefnico, observei que recebia 20 milchamadas ao dia. Significa que, na Frana, h quatro milhes de pessoas que chamam pelo telefone paraserem formadas, ou seja, sem formao. Quatro milhes de pessoas por ano! um nmeroextraordinrio. certo que, 20 ou 30 anos atrs, no teramos esse nmero, o que mostra que ademanda por formao est crescendo de forma vertiginosa. Baseado em experincias, digo que,amanh, a demanda de formao ser cada vez maior. Porm nossas tcnicas de formao e ensino solimitadas, como voc disse h pouco, por questes de oramento, de finanas etc. Estamos, portanto,num momento muito preciso. O crescimento da formao est cortando o limite mximo dos meiosfinanceiros. Esse ponto sem volta chamado de crise. Portanto estamos aqui numa encruzilhada. Oumudamos a maneira de educar ou ser uma catstrofe. isso. E acontece que justamente as novastecnologias oferecem uma maneira de educao diferente, portanto existe a crise e existe a soluo parao problema da crise.

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  • Rogrio da Costa: Professor, junto com esse problema da formao e lembrando a distino que osenhor fez entre a passagem da imprenso e a internet, hoje, gostaria de saber o seguinte: nsverificamos que h igualmente uma superproduo de conhecimentos, ou seja, os saberes, osconhecimentos esto em exploso. E, reconhecidamente, no apenas na universidade que se produzemo saber e o conhecimento. Toda a sociedade rica em produo de saberes e conhecimentos e passa pora tambm o problema da formao. Ento gostaria de saber do senhor o que a educao a distncia podedesempenhar nesse momento?

    Michel Serres: Novamente, a sua pergunta engloba duas. Uma se refere quantidade de informao esua exploso e a outra se refere educao a distncia. Com relao exploso da informao, apergunta, a preocupao, a prpria angstia que o senhor manifestou uma angstia que no de hoje.Vou citar, de cor, a frase dita por um grande filsofo do sculo XVII, aps a inveno da impresso. Eledizia... Vou citar: "Essa horrvel massa de livros que estamos imprimindo ocupar tanto espao nasbibliotecas, com seu volume, que podemos prever, com certeza, a volta da barbrie em vez do ensino".Fim da citao. [risos] Desse modo, j h quatro sculos, quando da inveno da impresso, houve umpavor total com a exploso da informao e com razo, porque, de fato, os milhares, ou melhor, asdezenas de milhes de livros que foram impressos, voc no leu nem vocs e eu tambm no. Aquesto da formao est na filtragem da referida biblioteca. No tenho a inteno, no tenho planos,nunca me decidi a ler toda a biblioteca dos estabelecimentos onde fui aluno ou professor. Nunca teriaconseguido. A cultura no absorver toda a informao, e sim filtr-la. E o que a formao? afiltragem da informao. Alis, caro senhor, o senhor um filtrador de informao. Seu trabalho filtrar.E o senhor, que professor, eu, que tambm sou, ns filtramos a informao. No despejamos toda acarga de informao sobre nossos estudantes, seno os esmagaramos. A questo da formao justamente essa. Entendem? Portanto, no me apavoro. Ao contrrio, fico feliz por ter disposio umaquantidade enorme de informao. Mas ela virtual. Assim como a biblioteca da Sorbonne ou a da USPso virtuais para mim. Nunca terei todos os livros. A educao a distncia no traz novos problemas comrelao educao tradicional.

    Norval Baitello Jr.: O senhor fala dos "filtradores de informao e eu tomei contato, agora, por contada entrevista, com um belssimo livro do senhor, publicado em portugus, que se chama A lenda dosanjos. E eu queria que o senhor falasse um pouco se os anjos so os filtradores da informao tambm.Ento os jornalistas, se so os anjos, os professores, se so os anjos...

    Paulo Markun: Pelo amor de Deus, no transforme jornalistas em anjos, a ltima coisa que mefaltava! [risos]

    Norval Baitello Jr.: um tema ao mesmo tempo potico e ao mesmo tempo uma forte metfora dacontemporaneidade, como o senhor retrata no seu livro.

    Michel Serres: Fico feliz com a pergunta porque, se eu escrevi A lenda dos anjos, livro que teve umaexmia traduo para o portugus, porque... muito simples. A palavra "anjo" tanto em portugus,como em francs, em ingls, como alemo, vem do grego angelos, que significa mensageiro, aquele queleva a mensagem. Vejamos. Ao nosso redor, quem leva a mensagem? o cmera quem leva a mensagem. o engenheiro de som, o apresentador do programa. Os senhores so professores e levam a mensagem.Mas, em nossa sociedade, quem no leva mensagens? O piloto do Boeing leva a mensagem, o carteiro, aoentregar cartas, leva mensagens, estamos numa sociedade de comunicao. E temos de entender essepapel do mensageiro. Quem emite as mensagens, quem as recebe, quem as transporta, quem asinterrompe, quem as parasita, quem as intercepta. E eu lembrei, antes de escrever o livro, que notnhamos nenhuma teoria filosfica referente sociedade de informao. E, como todos temos profissesde transportadores e interceptadores de mensagens, pensei "mas, afinal, quando na Idade Mdia osfilsofos inventaram a teoria dos anjos, isto , a angelologia, o que tinham em mente?" Eles tinham emmente, meu senhor, a utopia da sociedade da informao. Eles tinham tido a idia de que se podiaimaginar operadores encarregados justamente de tarefas que s a tecnologia de hoje permitiu realizar.Ento, nesse livro, fiz um tipo de curto-circuito entre a angelologia da Idade Mdia e a teoria moderna decomunicao. E vocs sabem que curtos-circuitos causam muita luz, causam muito fogo. [risos] E achoque permitiu esclarecer muito bem duas coisas. Por exemplo, dizem sempre que os anjos so invisveis. verdade, vocs nunca os viram, eu tambm no. Mas por que so invisveis? Eu vou dizer. Estou falando

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  • em francs, mas os telespectadores esto ouvindo a mensagem em portugus. H, portanto, entre mim,o emissor da mensagem, e o telespectador, o receptor da mensagem, algum que trata a mensagem.Onde ele est? Ele no est aqui. O telespectador no o v. Eu no o vejo. Vocs tambm no, mas, semele, nada seria possvel, j que falo em francs e vocs ouvem em portugus. Conseqentemente, umanjo. E quanto melhor ele faz seu trabalho, menos ele aparece. O tradutor est ausente. Alis,agradeamos a ele por estar ausente; ele no apareceu ainda. Suponhamos agora que, em vez de traduzirfielmente a minha mensagem, ele diga o contrrio. Vamos ficar preocupados. Vamos ficar bravos. Issopode causar, entre ns, discusses que no teriam acontecido, talvez afrontas, talvez at guerras. Nestemomento, ele existe. Ele afirmou sua presena. Eu o vejo. E, quando o vejo, significa que um anjo mau.Entendem? E isso, o apresentador de TV sabe melhor do que ningum. Um professor, tambm. Por qu?Porque o apresentador quando deve passar a mensagem de outro, precisa sempre escolher. Por que noconfessa? Quando o senhor deve transmitir algum discurso feito na Assemblia Nacional, deixa falar odeputado, ou fala no lugar dele? H uma escolha jornalstica a fazer, e torna-se um hbito. Da mesmaforma, quando damos aula, damos a palavra ao poeta que estamos explicando ou tomamos seu lugar? sempre um problema delicado. Portanto a questo dos anjos muito mais profunda. Vou contar maisuma histria. Eu estava em Silicon Valley [o Vale do Silcio, localizado na Califrnia, Estados Unidos,corresponde a um conjunto de empresas implantadas a partir da dcada de 1950 com o objetivo deproduzir inovaes cientficas e tecnolgicas na reas de eletrnica e informtica, principalmente paraproduo de chips e microchips], moro l e um de meus ex-estudantes ficou rico ao inventar umamquina que permite a conexo entre computadores. Fui visitar a fbrica, ele ficou feliz, eu era seuex-professor. Ento, eu disse: "Meu Deus, s vejo querubins na sua fbrica!" Ele me olhou como se eufosse louco. Porm, se lembrarmos a tradio dos querubins, a palavra "querubim", que parece hebraica, uma palavra que os hebreus tomaram dos assrios. E, nos templos da Assria, no sei se lembram, huma espcie de animal, um tipo de leo agachado diante do templo, com asas nas costas e o rosto de umancio de barba. um animal com trs corpos. um leo, portanto um animal terrestre; tem asas,portanto um animal que voa; tem rosto de ancio, portanto um homem que pensa. Ento, quandoentramos num templo da Assria, passamos da terra o leo para o ar, a guia, e para o pensamento,a sabedoria do ancio. por meio desse animal com trs corpos que podemos nos conectar com umoutro mundo. Ento, ns, ao conectarmos vrias redes entre si, temos de fabricar uma mquina com trscorpos: seu computador com o seu com o dela. E temos de fazer um tipo de permutador para poderconect-los. um querubim. o conceito filosfico de anjo que corresponde teoria da comunicao.Meu livro est cheio dessas descobertas, que foram maravilhosas para mim. De repente, eu ressuscitavauma velha teoria filosfica, conferindo uma forma de pensamento inovadora nossa sociedade decomunicao.

    Paulo Markun: Professor, eu tenho certeza de que, neste momento do trabalho, o tradutor j est deasas postas, feliz. Agora, no nosso programa, infelizmente, h um outro tipo de querubim que, para ns,que trabalhamos aqui na Cultura, muito importante: aqueles que asseguram os recursos para que essatransmisso seja feita. Esses so os que acontecem no intervalo, entre um programa e outro. Ns vamosfazer, ento, um rpido intervalo, dedicado a esses querubins e voltamos j, j.

    [intervalo]

    Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o filsofo francs MichelSerres. Professor Serres, no seu livro Luzes, que um livro de cinco entrevistas com Bruno Latour[socilogo das cincias e das tcnicas. professor de sociologia na cole Nationale Suprieure des Minesde Paris e na Universidade da Califrnia, San Diego. Publicou diversas obras e artigos sobre a relaoentre as cincias, a cultura e a sociedade, como Jamais fomos modernos, Cincia em ao e Polticas danatureza], que acaba de ser lanado pela Unimarco, alm de outras observaes, h um trecho aqui queme remete questo do meio ambiente. O senhor diz: "Somos agora os senhores da Terra e do mundo,no h dvida, mas o nosso domnio mesmo parece escapar ao nosso domnio. Ns nos apossamos detudo, mas no temos controle sobre os nossos atos. como se nossos poderes escapassem a nossospoderes cujos projetos parciais bons, s vezes, e com freqncia, conscientes pudessem somar-se demaneira involuntria ou nossa revelia, de maneira malfica. No dominamos ainda", diz o senhor, "ocaminho inesperado que vai da calada local da inteno boa para um possvel inferno global". Entoqueria colocar em questo, neste terceiro bloco, justamente, esse tema, que o tema de como... O senhorfala tambm, nesse livro, da questo do mal e de sua presena, to freqente quanto a desses anjos a que

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  • o senhor se refere, do mal que no tem face, de um mal que parece onipresente e todo-poderoso e que,do ponto de vista do planeta em que vivemos, pode significar, evidentemente, o fim da nossa histria.Como que escapamos dessa?

    Michel Serres: Creio que, novamente, sua pergunta engloba duas. A primeira o problema do mal,como chamado em filosofia, e que remete, em boa parte, questo da violncia da qual falamos hpouco. E, de outro lado, uma pergunta um pouco mais precisa, que a questo do ambiente, hoje, j que,de certa forma, h muitas espcies vivas, animais ou vegetais, em perigo de extino. E a questo doambiente est ficando muito sria no mundo todo, sobretudo nas grandes cidades, tanto em So Paulocomo em Paris. Com relao ao ambiente, comearei pela segunda, j que mais precisa. Fui muitosolicitado sobre esse assunto pelo seguinte motivo. Devem ter ouvido falar da reunio do G7. a famosareunio de alta cpula dos pases mais desenvolvidos [Alemanha, Canad, Estados Unidos, Frana,Gr-Bretanha, Itlia, Japo]. Quando houve essa reunio, h 15 anos, no Japo, na poca em queYasuhiro Nakasone era primeiro-ministro, ele teve a tima idia de reunir, ao mesmo tempo, juntamentecom a cpula, trs representantes das cincias de cada pas. Havia um bilogo, um mdico e um outro. AAlemanha mandou um jesuta, o Canad um pastor protestante e a Frana um filsofo este seuentrevistado de hoje. ramos 21 pessoas e fizemos perguntas referentes tica da cincia, ao ambienteetc. E no final da primeira reunio... Nos reunimos trs vezes, em Paris, Berlim e Tquio, e fracassamostotalmente. No conseguimos resolver nenhum problema. E por qu? Porque percebemos que nopodamos formular as perguntas da mesma forma, pelo fato de um ser japons, outro canadense, enfim,de culturas diferentes. Portanto, as questes ticas, sobretudo, mesmo as oriundas da cincia, tiveram oobstculo da diversidade de cultura. E pensei muito a respeito, desde esse fracasso, j que estava l e osenti de forma dolorosa. E me perguntei se, num dado momento, no nos havamos enganado dedisciplina. Talvez aquelas fossem perguntas de direito e no de tica. De fato, h um certo direito, j queh o direito comercial internacional, os direitos internacionais do homem, portanto o discurso de direitopode ser intercultural. As questes do ambiente poderiam ser abordadas de acordo com o discursojurdico. Escrevi um livro chamado O contrato natural, que foi traduzido para o portugus, porque aidia de contrato uma idia compreensvel para todos, intercultural. O japons pode entender tobem quanto o brasileiro ou uma pessoa conhecedora de vrias lnguas. Tive a idia de examinar a histriado direito e percebi que, na medida em que o direito evolua, as pessoas que tinham direitos legais no ostinham antes, como os escravos, que no tinham direitos legais e passaram a t-los depois. As crianasno os tinham e em um dado momento, passaram a t-los; as mulheres tambm no e depois passaram at-los e foram as ltimas para vergonha da humanidade. E, enfim, vm os direitos humanos, ou seja,todos ganham direitos legais. E a pergunta com relao ao ambiente que talvez os seres vivos devam terdireitos legais. Significa que todas as espcies do planeta assinam com a humanidade um contratonatural, absolutamente paralelo, ao contrato social que fundou as democracias.

    Paulo Markun: Quem seriam os representantes das outras espcies? Ns mesmos?

    Michel Serres: claro que se trata de uma idia totalmente filosfica e abstrata. o caso do contratosocial tambm. No conhecemos as pessoas que assinaram o tal contrato, elas nunca existiram. toabstrato quanto, mas a idia de que pode haver equilbrio entre os homens e que pode haver... Porquecontrato significa parceiros em p de igualdade. Alis, quem ser o representante? Tive a felicidade,desde que escrevi esse livro, de ver nos jornais que estavam sendo instaurados processos. De um lado,havia os usurios e, de outro, a reserva de Yellowstone. Houve processos que foram instaurados em queuma das partes no tinha direitos legais, a reserva de Yellowstone ou a outra reserva ou, ento, outroparque. Embora seja uma idia abstrata, a idia do contrato social tambm era abstrata e fundou ademocracia. Acho que essa idia, que uma idia jurdica, poderia fundar, um dia, um verdadeiroequilbrio entre a humanidade e o planeta em que vivemos e que exploramos cegamente. E isso vai servirde base para uma idia... No sculo XVII, o filsofo francs chamado [Ren] Descartes, enveredou todo oOcidente, durante a modernidade por uma via, em que dizia: "O homem deve se tornar mestre e senhorda natureza". Ter o domnio sobre ela. No [livro] O contrato natural digo: "Temos o controle danatureza. uma certeza. No h mais dvida de que o conseguimos. Mas, agora, temos de ter o controlede nosso controle. Ter o controle, no s da natureza, mas tambm de nosso controle sobre ela. Comrelao sua pergunta sobre o meio ambiente, propus, ento, uma soluo filosfica que teve uma certarepercusso do ponto de vista jurdico. Com relao questo do mal, pergunta fundamental que me fezno incio, que como a questo da violncia, o senhor disse algo muito profundo, que consiste em dizer

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  • que, talvez, desde o princpio, o mal exista na humanidade. E era um pouco isso que tinham em mente ostelogos ao falar do pecado original. Ou ser que o mal erradicvel? Ser que a violncia que nosrodeia e este o mal essencial ser que a violncia pode ser suprimida? E minha resposta ,infelizmente: provavelmente no. provvel que a violncia nunca possa ser erradicada, mas o quetemos nossa disposio negociar sempre a violncia a fim de dirigi-la, canaliz-la e transform-la.Talvez se no estivesse discursando durante uma hora e meia com vocs, minha violncia se voltassepara atos mais baixos. Eu tinha uns amigos com os quais eu jogava futebol e rugby quando garoto e que,quando no jogavam aos domingos, faziam bobagens na semana e eram presos na sexta-feira. [risos] como se a violncia deles fosse necessria: precisavam encontrar uma vlvula de escape no esporte.Outros a encontram na poltica, outros na religio. Caro amigo, o que cultura? J que aqui a televisoda cultura... A cultura a negociao de nossa violncia essencial. Ela nos salva da violncia. Por muitotempo? Talvez no. Para sempre? Certamente no. Por enquanto sim. A cultura o que nos salva daviolncia e ns, homens, inventamos a cultura para no nos matarmos uns aos outros.

    Edgard Assis Carvalho: Professor Serres, vou retomar um pouco esse magnfico livro que Ocontrato natural. Vejo O contrato natural como um manifesto, uma declarao universal dos direitos danatureza, como o senhor o chama. Na verdade, o senhor falou do contrato, ento, o contrato parece serum trao jurdico que determina a relaes dos homens na Terra, mas que os afasta da terra. E essecontrato natural, acho que h uma questo importante a, que a seguinte: um manifesto contraDescartes. Ns no somos mais "senhores e mestres da natureza". Ento, na verdade, uma mudana deparadigma entre a questo da dominao para a simbiose homem-natureza, homem-cosmos. Trata-se deum problema tico, cientfico, poltico etc. O livro foi escrito em 1990, se estou correto. Hoje, [em] 1999, osenhor mantm essa mesma posio, de que ns devemos ser anticartesianos para nos tornarmossimbiticos planetrios e ver a Terra como me?

    Michel Serres: Acho que, se tivesse de reescrev-lo, eu o reescreveria talvez melhor, porque todos oslivros podem ser melhorados. Manteria as mesmas teses, mas, desde que o escrevi, encontrei maismotivos que reafirmam minha tese em vez de critic-la. Por qu? Porque aprofundei muito a palavra quemencionou e que me parece uma palavra muito decisiva: simbiose. E a palavra simbiose um termo debiologia, de bioqumica. E, mais adiante, no estudo do funcionamento dos rgos, do funcionamento dasclulas, da relao dos elementos entre si, das clulas entre si, dos vrus, de nosso combate contramicrbios e bactrias, quanto mais evolumos nessa cincia, mais percebemos que o reino do ser vivo um equilbrio movedio entre o parasitismo e a simbiose. Ou seja, estamos sempre lutando, em busca deum equilbrio que no temos. De certa forma, o que a educao? ensinar algum a deixar de ser oparasita do outro. Ensinar-lhe a autonomia. Ensinar de uma forma que no tenha de pedir sempreassistncia me, ao pai, ao irmo, aos vizinhos. Ele autnomo e tem de assinar um contrato com ooutro. Ele tem de dar, na medida em que recebe, estar em simbiose consigo mesmo. No fundo, umcontrato a traduo jurdica da realidade biolgica da simbiose. Quem no est em simbiose um serabusivo. Por isso, eu disse parasita. Existe um abuso. De uma certa forma, no ramos usurios danatureza, ramos abusivos em relao a ela. E foi para interromper esse abuso que imaginei essatraduo jurdica da simbiose natural. E, nove anos depois, aprendi muita biologia desde ento -trabalhei muito nessas questes e percebi at que ponto... Por exemplo, a senhora [Lynn] Margulis, htrs anos, ganhou o prmio Nobel de biologia sobre a simbiose, porque ela descobriu que at osmonocelulares estavam em simbiose. Admiro muito a senhora Margulis, porque disse, em matriabiolgica, em relao ao minsculo, o que eu havia tentado dizer em O contrato natural.

    Elvira Souza Lima: O senhor publicou, recentemente, Nouvelles du monde, j traduzido no Brasilcomo Notcias do mundo. Essa uma nova forma de pensar o contrato natural, esse livro que leva oleitor a viajar naquilo que voc disse, "o mundo a biblioteca do filsofo". Esse livro faz a gente fazer essepercurso onde essa questo da simbiose parece trazida de maneira bastante potica.

    Michel Serres: Agradeo a meno a esse livro, de que gosto muito, porque ele me permitiu colocar emdestaque, s vezes, grandes amigos. Vou at confessar que h uma herona nesse livro, cujo nome Elvire. E voc sabe por qu. Tenho uma tima amiga brasileira com esse nome. Escrevi o livro por umarazo especial, que a seguinte: na Antigidade, os sbios gregos e latinos, quando eram filsofos,achavam que a filosofia no era algo abstrato. No era escrever livros, mas podia-se at escrever. No eraconhecer as cincias, mas podia-se at conhec-las. Mas era viver. E o verdadeiro filsofo era aquele que

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  • vivia bem, isto , tinha uma boa vida. claro, havia divergncias quanto definio de "boa vida". Cadaum achava uma coisa. Eu simplesmente quis fazer um livro de vida. O livro, antes de mais nada, ummergulho... Primeiro, so narrativas, no so teorias. So narrativas muito simples, quase sempreotimistas e a repreenso foi grande, pois, em geral, a literatura muito pessimista e sombria. No... ,antes de tudo, otimista. E tambm dei um grande papel paisagem. No quero contar minha vida, masuma de minhas paixes o mundo exterior. Gosto do mar, da montanha, das margens, dos desertos.Gosto da Amrica do Sul, da Austrlia, da Nova Zelndia, at de meu pas, [risos] gosto do meu pas.Gosto de viver fora. Gosto de viver no mar, na montanha e, por conseqncia, voc estava certa, Elvire,quando disse que O contrato natural aparece em Notcias do mundo, j que existem paisagens,paisagens de seu pas, bem como as do Japo etc. Depois, h os protagonistas cuja vida tento mostrar. Ecomo viviam bem, no sentido da boa vida, segundo os filsofos gregos! Claro, um livro de moral. Mas oslivros de moral no podem ser livros de moral. Eles tm de contar histrias. Ento isso. So histrias.Contei histrias e gosto muito de fazer isso.

    Scarlett Marton: Professor, eu tenho a impresso de que so raros os filsofos que tematizam arelao entre vida e reflexo. E o senhor no hesita em momento algum em falar das suas experincias,na Marinha, por exemplo, falar desse aprendizado com o livro do mundo. Como o senhor v essa relaoentre vida e filosofia?

    Michel Serres: Bem, tentei comear a dizer isso e dizer que somos, muitas vezes, cercados por filsofoscuja vida no interessante. A filosofia tem de servir para a vida. E, no somente isso, ela devetransformar, transfigurar, transcender a vida. E a felicidade de minha vida foi ter feito filosofia. E afelicidade da filosofia nos permitir viver e da melhor forma possvel. E tentei contar assim, de formasimples. No so grandes romances nem grandes contos, apenas o cotidiano de pessoas muito simplesque conheci. E, para mim, a boa vida... Agora h pouco, disse ao nosso amigo que um filsofo deviaconhecer a enciclopdia, praticar todas as cincias. a mesma coisa para a vida, minha senhora. Umfilsofo que no conheceu os pobres, os miserveis, os rejeitados e no conviveu com eles, mas que teriaconvivido com reis, ministros, os poderosos, por que no? Para eles, so os mesmos. Para um filsofo amesma pessoa, quer seja miservel, pobre, rejeitado, quer seja rico, poderoso. Poderoso e miservel, tudo igual. E ele precisa ter feito trs viagens. Trs viagens. A viagem por todas as cincias, a viagem pelomundo todo, pelas paisagens Amrica do Norte, do Sul, sia, as ilhas, o mar, a montanha e a viagempelo corpo social. So as viagens do filsofo. Ele deve ter trabalhado com agricultores, com operrios, terfeito todo tipo de trabalho, ter conhecido as pessoas e a situao real dos pobres, ricos, poderosos, tersido ele mesmo miservel, ter feito, portanto, uma viagem franca no corpo social, bem como no mundodo saber. Foi o que tentei expressar.

    Frederic Litto: Professor, as suas idias sobre simbiose so extremamente interessantes, tendo emvista o fato de que hoje, atravs da internet, podemos criar comunidades de pessoas comunicando etrocando idias. Mas, em outros lugares, nos seus escritos, o senhor fala do trabalho solitrio individual ede sua importncia. Como reconciliar essas duas idias?

    Michel Serres: Eu no as reconcilio. [risos] No se pode reconciliar tudo. E, muitas vezes, entramosem contradio com nossa prpria vida ou teorias. Mas tento reconciliar isso. Por qu? Porque estnascendo, acho, um novo conceito do universal. O que universal? Podemos ter do universal o conceitode extenso. Talvez as trs viagens das quais eu falei sejam essa busca do universal. O universal domundo, dos homens e do saber. Desculpem-me por bancar o sbio, mas segundo a lgica, o julgamentosobre um indivduo universal. "Scrates um homem" um julgamento universal. Porque, dentro deum indivduo, o universal pode estar presente. Tenho uma grande sorte por ser escritor ou autor delivros. verdade que, para escrever, preciso ter uma vida solitria, implacavelmente solitria. precisoestar, quase todos os dias, a maior parte do tempo, s. Mas se voc soubesse quantas pessoas jpassaram por meu escritrio [junta as mos como numa prece]... Sozinho. Estou sozinho. Mas toda ahistria passou por meu escritrio, todas as profisses, todos os pases, todas as lnguas, todas ascincias. Um escritor um homem que goza da totalidade do real, mas que tenta juntar essa totalidadedo real na ponta fina de sua caneta. E aqui h uma verdadeira reconciliao do universal, no sentidoamplo, e do universal no sentido individual. Creio que o que hoje chamado de virtual, o potencial, aimagem virtual, h muito tempo que ns, escritores, conhecemos isso. Nossos heris so virtuais, nossospensamentos, nossos presentes so virtuais. Mas, apesar dessa virtualidade, como imenso o prazer da

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  • totalidade do real. Acho que no h contradio entre o entrelaamento que podemos ter com o mundo ea vida monstica do filsofo.

    Daniel Piza: Eu queria fazer uma provocao: quem fez mais mal s cincias humanas? Foi ahegemonia crescente das cincias exatas e biolgicas, que o senhor chama de cincias duras", ou atentativa, neste sculo XX, das prprias cincias humanas de serem cincias duras?

    Michel Serres: Nem uma coisa nem outra. O que mais prejudicou as cincias humanas foi o seguinte:quando se fazem "cincias duras", no se pode resolver tudo. Quero dizer que nenhum cientista lhe diro que a matria. Ele no pode. Ele sabe o que um tomo, o que um eltron, mas no sabe o que matria. Sendo assim, h um certo nmero de perguntas muito especficas que ele no pode responder.Um fsico um homem que se faz um certo nmero de perguntas bem definidas. E, quando so maldefinidas, no a chamam mais de fsica, chamam-na de metafsica [o que est alm da fsica]. H umcerto contato que talvez seja a afirmao de humildade. H humildade nas cincias duras", porque asquestes fundamentais ficam a cargo dos filsofos e metafsicos. As cincias humanas no tmmetafsica. Resolvem todas as questes humanas ou tentam resolv-las. Elas no deixaram em outrolugar a resposta s perguntas fundamentais. Talvez a religio seja sua metafsica, talvez, mas deixemosisso de lado. No h metafsica das cincias humanas, por isso a maioria delas no falsificvel, como dizPopper. por isso, talvez, que elas sejam talvez no doentes, mas um pouco cansadas. [risos] No creioque a limitao das cincias duras" ou a proximidade com elas causaram muito mal, ou ento apretenso cientfica etc, mas o problema est em seu prprio interior. A longa histria das "cinciasduras" fez com que elas amadurecessem e permitiu que deixassem certas coisas de lado, cientes de ques faziam questes falsificveis. o que falta, provavelmente, s cincias humanas: a noo dofalsificvel.

    Paulo Markun: Professor, o nosso tempo est acabando, mas queria pedir... Se fosse possvel, o senhorsintetizar... No final desse livro, na quinta entrevista do livro Luzes, o senhor insinua ou estabelece aquitrs leis para que a gente consiga operar neste mundo to complicado, to cheio de mal, no sentido deque ele seja menos cheio de mal. Imagino que o senhor conhece de memria, com certeza, a essnciadessas trs leis e queria que o senhor resumisse, neste final de programa, quais so elas.

    Michel Serres: As trs leis que eu coloquei...

    Paulo Markun: "No te entregars violncia, nem contra o indivduo nem contra estranho ouprximo, mas tambm contra a espcie humana. isso? A segundo seria: "No te entregars violncia,mas somente contra o que jaz ou vive na tua vizinhana, mas contra toda a espcie global". E, finalmente,"no praticars nenhuma violncia em esprito, porque quando se ingressa na cincia, o esprito supera aconscincia". Ento queria que... Em sntese, dessas trs leis, qual o resumo da histria?

    Michel Serres: Diria de bom grado que a questo da violncia a questo fundamental. E toda vez quefalamos em violncia, esta tarde, quase interrompi minha resposta pela minha dificuldade em dominaressa questo. Disse que podamos negoci-la e que estava sempre nossa porta. Portanto, diria que oimportante, para mim, o saber, transmitir o saber, sem nunca esquecer a piedade. Se eu tivesse uma ouduas palavras a dizer, antes de encerrar, seria isto: o saber e a piedade. No se pode ter um sem o outro evice-versa. O ser humano um ser que conhece e... Em francs, a palavra "humano" significa tambmessa bondade ou piedade. Em portugus, tambm. a mesma coisa. Todas as lnguas latinas contmessa idia e talvez eu dissesse isto: o saber e a piedade.

    Paulo Markun: Professor Michel Serres, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossosentrevistadores e a voc, que est em casa.

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