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Respostas do Caso Clínico Atual RESPOSTAS: 1. Qual o agente etiológico mais provável? Considerando ser bacilo gram negativo fermentador de glicose e lactose, produtor de gás, causando infecção urinária, poderíamos considerar a possibilidade de Escherichia coli, Citrobacter freundii, Klebsiella sp ou Enterobacter sp. O comportamento do microrganismo em questão em relação ao perfil de sensibilidade pode-nos sugerir que este pertença ao grupo CESP, ou seja, bactérias produtoras de uma b- lactamase cromossomal pertencente ao grupo 1 de Bush, Jacoby & Medeiros, 1995 (ex. Enterobacter ou Citrobacter). Neste caso o agente isolado foi Enterobacter aerogenes (Farmer, 1995; Ehrhardt, 1993). 2. Dentre o gênero isolado, quais espécies são mais freqüentemente associadas a infecções? Existe diferença no perfil de sensibilidade a antimicrobianos de acordo com a espécie? Dentre as 14 espécies do gênero Enterobacter, as causadoras mais freqüentes de infecções são as espécies E.aerogenes e E. cloacae (Sanders& Sanders, 1997). O padrão de sensibilidade aos antimicrobianos difere para cada espécie. Enterobacter sakazakii e E. aglomerans podem apresentar-se sensíveis a ampicilina, cefalotina e cefoxitina, enquanto as espécies E. cloacae e E. aerogenes são sempre resistentes a tais antimicrobianos. Isto ocorre porque todas as espécies de Enterobacter possuem ß-lactamase, pertencente ao grupo 1 de Bush, Jacoby & Medeiros, 1995; porém nas primeiras a enzima é produzida em baixos níveis e nas últimas a produção enzimática é induzível. Baixos inóculos e período de incubação pequeno podem resultar em falsa sensibilidade destes microrganismos aos agentes citados (Pitout, et al. 1997). Quando microrganismos do grupo CESP e também amostras de Morganella morganii e Proteus indol + são isoladas, sugerimos que uma nota seja acrescentada ao laudo informando que pode haver falha terapêutica caso antimicrobianos β-lactâmicos sejam utilizados no tratamento destas infecções (mesmo em cepas sensíveis pelo antibiograma). Alguns serviços optam por não liberar o resultado para antimicrobianos β-lactâmicos e liberar o antimicrobiano seguido da sigla IB, que significa indutor de β-lactamase.

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Respostas do Caso Clínico Atual

RESPOSTAS:

1. Qual o agente etiológico mais provável?

Considerando ser bacilo gram negativo fermentador de glicose e lactose, produtor de gás, causando infecção urinária, poderíamos considerar a possibilidade de Escherichia coli, Citrobacter freundii, Klebsiella sp ou Enterobacter sp. O comportamento do microrganismo em questão em relação ao perfil de sensibilidade pode-nos sugerir que este pertença ao grupo CESP, ou seja, bactérias produtoras de uma b-lactamase cromossomal pertencente ao grupo 1 de Bush, Jacoby & Medeiros, 1995 (ex. Enterobacter ou Citrobacter). Neste caso o agente isolado foi Enterobacter aerogenes (Farmer, 1995; Ehrhardt, 1993).

2. Dentre o gênero isolado, quais espécies são mais freqüentemente associadas a infecções? Existe diferença no perfil de sensibilidade a antimicrobianos de acordo com a espécie?

Dentre as 14 espécies do gênero Enterobacter, as causadoras mais freqüentes de infecções são as espécies E.aerogenes e E. cloacae (Sanders& Sanders, 1997). O padrão de sensibilidade aos antimicrobianos difere para cada espécie. Enterobacter sakazakii e E. aglomerans podem apresentar-se sensíveis a ampicilina, cefalotina e cefoxitina, enquanto as espécies E. cloacae e E. aerogenes são sempre resistentes a tais antimicrobianos. Isto ocorre porque todas as espécies de Enterobacter possuem ß-lactamase, pertencente ao grupo 1 de Bush, Jacoby & Medeiros, 1995; porém nas primeiras a enzima é produzida em baixos níveis e nas últimas a produção enzimática é induzível. Baixos inóculos e período de incubação pequeno podem resultar em falsa sensibilidade destes microrganismos aos agentes citados (Pitout, et al. 1997). Quando microrganismos do grupo CESP e também amostras de Morganella morganii e Proteus indol + são isoladas, sugerimos que uma nota seja acrescentada ao laudo informando que pode haver falha terapêutica caso antimicrobianos β-lactâmicos sejam utilizados no tratamento destas infecções (mesmo em cepas sensíveis pelo antibiograma). Alguns serviços optam por não liberar o resultado para antimicrobianos β-lactâmicos e liberar o antimicrobiano seguido da sigla IB, que significa indutor de β-lactamase.

Figura 1. Teste de indução de AmpC

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3. Quais os fatores de risco para aquisição de infecção por este agente?

São considerados fatores de risco para aquisição de infecção por este agente: internações prolongadas, neoplasias, queimaduras, diabetes mellitus, imunossupressão, prematuridade, baixo peso ao nascimento, presença de cateter central, intubação orotraqueal, sonda vesical de demora entre outros. O risco atribuído mais importante é o uso prévio de antimicrobianos, em ordem decrescente de importância: cefalosporinas, aminoglicosídeos e outros β-lactâmicos (Al Ansari et al., 1994; Chow, et al., 1991).

4. Qual foi a dificuldade no tratamento do caso em questão? Qual(is) os motivos que poderiam ter levado a má evolução?

O caso em questão mostra o desenvolvimento de resistência durante o tratamento. O microrganismo inicialmente sensível a cefalosporina de terceira geração, com a qual foi iniciada terapia, demonstra-se, após o quinto dia de tratamento, resistente a este agente. Devido à falha terapêutica apresentada houve introdução seqüencial de cefepime. Novamente, após melhora inicial do quadro clínico, a paciente apresenta um recrudescimento da infecção decorrente da resistência do microrganismo a este novo antimicrobiano. A resolução do quadro clínico se deu apenas após a introdução de imipenem.

Limaye e colaboradores relataram, em 1997, um caso de aquisição seqüencial de resistência a ceftazidima e cefepime por Enterobacter aerogenes. O agente fora isolado em hemocultura e cultura de abscesso hepático em paciente receptor de transplante de fígado inicialmente tratado com ciprofloxacina.

Esta questão torna-se cada vez mais importante na medida em que se observa aumento na incidência de infecções por este agente, especialmente em pacientes críticos (Jarvis & Martone, 1992).

A aquisição seqüencial de resistência se deve à presença na população microbiana de cepas variantes produtoras de β-lactamases do grupo 1 de Bush e portadoras de mutação (gene ampD) que confere resistência a cefalosporinas de amplo espectro e aztreonam (Sanders, 1992). Tais variantes, se não eliminadas pelos mecanismos intrínsecos de defesa, aumentam em número, acarretando recidiva da infecção por agentes resistentes a tais antimicrobianos (Sanders & Sanders, 1997). No caso em questão, mesmo que os β-lactâmicos atinjam altos níveis de concentração no trato urinário, a presença de coleção fechada pode ter proporcionado a seleção das variantes resistentes.

5. Cite os principais mecanismos de resistência deste agente às diversas classes de antimicrobianos.

Produção de β-lactamase do grupo 1 de Bush - enzima cromossomal produzida em baixos níveis não induzíveis pelas espécies aglomerans, gergoviae, sakazakii, daí sua sensibilidade a ampicilina e cefoxitina. Conferem resistência a estas drogas nas espécies cloacae e aerogenes. Um vez induzidas (agentes ß-lactâmicos), todas as cefalosporinas de 1a, 2a e 3a gerações, penicilinas de amplo espectro associadas ou não a inibidores de β-lactamases (não são inibidas por inibidores de β-lactamases) e monobactâmicos são degradadas por essas β-lactamases. Em muitos casos quando o agente β-lactâmico é retirado a produção desta enzima volta a níveis basais, em outros casos pode ocorrer mutação no gene ampD. A mutação neste gene confere resistência a cefotaxima, ceftazidima, ceftriaxona, piperacilina, ticarcilina/clavulanato e aztreonam, pois passa o microrganismo passa a expressar altos níveis de β-lactamase cromossomal. Esta mutação ocorre espontaneamente em pequena parte da população de Enterobacter, em torno de

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104 e 106. Outra característica importante dessas enzimas é a resistência intrínseca aos inibidores de β-lactamase como ácido clavulânico, sulbactam e tazobactam. AmpC plasmidial - existem relatos cada vez mais freqüentes de β-lactamases AmpC incorporadas ao DNA plasmidial. Estas já foram descritas em amostras clínicas de Salmonella spp., Klebsiella pneumoniae, Serratia marcescens entre outras. Os principais exemplos destas enzimas plasmidiais são a LAT-1, LAT-2, BIL-1, CMY-2 e -2b, CMY-3, CMY-4, CMY-5, FOX-1, FOX-2, FOX-5, MIR-1 e MOX-1.

β-lactamases capazes de hidrolisar carbapenens - têm sido descritas entre Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae e outras enterobactérias, entre elas Enterobacter spp. (Bush, K.; 1998). Tais enzimas possuem grande diversidade genética e bioquímica o que acarreta problemas de classificação. Podem pertencer fundamentalmente a dois grupos distintos: a) Classe molecular A ou grupo 2 da classificação de Bush - Jacoby - Medeiros, 1995 e b) Classe molecular B ou grupo 3 da classificação de Bush - Jacoby - Medeiros, 1995. As principais representantes da classe molecular A são as enzimas IMI-1, NmcA e Sme-1. Essas enzimas são codificadas por genes cromossômicos e encontradas principalmente em Enterobacter spp. e Serratia marcescens. Já as enzimas do grupo 3 ou classe molecular B ou também -conhecidas como metallo-β-lactamases são representadas principalmente pelas enzimas IMP-1 a -8, VIM-1 a -3, PCM, CcrA, CphA, ACPs, L1 e L2. (Bush K., 1998). Podem ser encontradas em genes cromossomais nos seguintes patógenos: Stenotrophomonas maltophilia, Aeromonas spp., Flavobacterium odoratum, Flavobacterium spp., Legionella gormanii e Bacilus cereus. Recentemente isolados clínicos de Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae também foram descritos.

Outras mutações - mutações secundárias envolvendo permeabilidade da membrana externa confere resistência a cefalosporinas de amplo espectro incluindo cefalosporinas de quarta geração e carbapenens.

Outras β-lactamases - aquisição de plasmídios que codificam β-lactamases TEM 1 do grupo 2b de Bush, TEM 2, SHV-1 ou OXA-1 do grupo 2d de Bush, ou eventualmente β-lactamases de espectro ampliado ( ESBLs).

6. Em que situações o risco de desenvolvimento de resistência durante o tratamento é maior?

Relatam-se maiores taxas de resistência quando o sítio de infecção é profundo, como em pneumonias e abscessos, com maior concentração de bactérias. O risco parece ser menor em infecções do trato urinário, dada a alta concentração de antimicrobiano neste local (Alford & Hall, 1987). Isto é corroborado por experimentos in vitro, através da demonstração de 96% de sensibilidade a cefepime quando inoculadas 104 UFC/ml em diluição em ágar, versus 100% de resistência quando o inóculo foi da ordem de 107 UFC/ml (Bauernfeind, et al., 1989; Wiedemann & Zühlsdorf, 1989). A taxa de desenvolvimento de resistência varia de 20 a 70%, variando conforme o sítio de infecção e condições do paciente (Chow, et al. 1991).

7. Qual o tempo esperado para verificação de indução de resistência?

Relata-se resistência em 24 horas até 2 a 3 semanas de tratamento.

8. Como poderia ter sido evitado o desenvolvimento de resistência?

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A escolha da droga para tratamento é determinante no desenvolvimento ou não de resistência. Considerando-se que em infecções não tratadas parte da população bacteriana já seja resistente a cefalosporinas de terceira geração e apenas menos suscetíveis a cefepime, o uso desta droga para tratamento de infecções por Enterobacter representa uma opção terapêutica. Isto se deve ao fato desta droga exigir dois estágios para desenvolvimento de resistência: seleção de mutante hiperprodutor de ß-lactamase, seguida de seleção de mutante com permeabilidade de membrana externa alterada e menor número de porinas.