Migração Laboral no Brasil: desafios para Construção de Políticas · 2015-06-02 ·...

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38 Migração Laboral no Brasil: desafios para Construção de Políticas Marjolaine Canto 1 Introdução O atual Conselho Nacional de Imigrações (CNIg) cumpre uma importante função na autorização de entrada dos estrangeiros que desejam permanecer no Brasil. O CNIg, em sua história, passou por diversos momentos. Em linhas gerais, o Conselho atravessou quatro grandes fases, que serão discutidas a seguir: - Fase I: A Criação. O Conselho foi criado no Governo Figueiredo (1980) pela Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980. 2 - Fase II: A Implementação do CNIg. Após uma pequena alteração no Governo Collor, o CNIg passa a atuar de forma mais permanente no Governo Itamar com a introdução da Lei 8.490 de (19/11/1992). Menos de um ano depois, o Governo Itamar promulga o Decreto n. 840 (22/06/93) que dispunha sobre a organização e funcionamento do CNIg. - Fase III: A Expansão do CNIg. O Governo FHC propôs uma expansão da composição do Conselho e delegou competência ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, para designar os membros do Conselho Nacional de Imigração (Decreto nº 3.574, 23/08/ 2000). - Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual). Novos Rumos da Questão Imigratória no Governo Lula e Governo Dilma. Novas propostas surgem para discussão no Congresso. Fase I: A Criação O Conselho (CNIg) foi criado no Governo Figueiredo (1980) durante o final do ciclo militar de manutenção de uma política restritiva aos investimentos e às 1 Conselheira do CNIg. Representante da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) 2 Houve uma pequena alteração pela Lei nº 6.964, de 09/12/81, mas que não modificou a essência de atuação e funcionamento do Conselho.

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Migração Laboral no Brasil: desafios para Construção de Políticas

Marjolaine Canto1

Introdução

O atual Conselho Nacional de Imigrações (CNIg) cumpre uma importante

função na autorização de entrada dos estrangeiros que desejam permanecer no Brasil.

O CNIg, em sua história, passou por diversos momentos. Em linhas gerais, o

Conselho atravessou quatro grandes fases, que serão discutidas a seguir:

- Fase I: A Criação. O Conselho foi criado no Governo Figueiredo (1980) pela

Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980. 2

- Fase II: A Implementação do CNIg. Após uma pequena alteração no

Governo Collor, o CNIg passa a atuar de forma mais permanente no Governo Itamar

com a introdução da Lei 8.490 de (19/11/1992). Menos de um ano depois, o Governo

Itamar promulga o Decreto n. 840 (22/06/93) que dispunha sobre a organização e

funcionamento do CNIg.

- Fase III: A Expansão do CNIg. O Governo FHC propôs uma expansão da

composição do Conselho e delegou competência ao Ministro de Estado do Trabalho e

Emprego, para designar os membros do Conselho Nacional de Imigração (Decreto nº

3.574, 23/08/ 2000).

- Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual). Novos Rumos da

Questão Imigratória no Governo Lula e Governo Dilma. Novas propostas surgem

para discussão no Congresso.

Fase I: A Criação

O Conselho (CNIg) foi criado no Governo Figueiredo (1980) durante o final

do ciclo militar de manutenção de uma política restritiva aos investimentos e às

1 Conselheira do CNIg. Representante da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e

Turismo (CNC) 2 Houve uma pequena alteração pela Lei nº 6.964, de 09/12/81, mas que não modificou a essência de

atuação e funcionamento do Conselho.

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importações. O modelo econômico em vigência ainda era de industrialização via

substituição de importações (ISI), que perdurou até o início do governo Sarney.

Como observou Mendes (2001), a estrutura básica do capitalismo brasileiro

assentava-se desde os anos 30 no seguinte tripé: a) a empresa estatal, em que por

muitos anos experimentamos o monopólio das estatais, as quais alimentavam o

chamado “estado-empresário”; b) a empresa nacional familiar (do qual o grupo

Votorantim era exemplo); e c) as empresas estrangeiras, que atuavam em setores

autorizados, podendo mesmo vir a dominar alguns segmentos, como o

automobilístico e o farmacêutico. Mendes (2001) ainda nos lembra que:

(...) O nível de importação era pequeno por duas razões

básicas: a) as alíquotas (leia-se impostos) de importação eram

muito elevadas, sendo que muito produtos eram taxados em mais de

100%, o que inviabilizava as importações; e b) muitos produtos não

podiam sequer ser importados, ou seja, não se tratava de taxar, mas

sim de proibir terminantemente a importação, sob a alegação de

que deveríamos proteger a indústria nacional, por ser esta ainda

“infante” (...). (Mendes, 2001: 2; grifo nosso)

Nesse contexto, a atração de cérebros e de executivos estrangeiros era muito

limitada. De qualquer forma, tanto a Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980, quanto

a Lei nº 6.964, de 09/12/81, ambas editadas no Governo Figueiredo, previam a

importação de cérebros, mas de maneira limitada. Nesse sentido, a criação do CNIg

foi um grande passo, previsto no art. 128 da Lei 6.815 (19/08/1980), reproduzido

abaixo „in verbis‟:

Art. 128. Fica criado o Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho, a quem caberá, além das

atribuições constantes desta Lei, orientar, coordenar e fiscalizar as

atividades de imigração.

Além a criação do Conselho, a Lei 6.815 (19/08/1980) estipulava que

poderiam vir trabalhar no Brasil aqueles que contribuíssem para o progresso

tecnológico nacional, como fica claro nos artigos 13 a 16 da referida lei (6.815),

reproduzidos abaixo:

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(...)Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao

estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:

I - em viagem cultural ou em missão de estudos;

II - em viagem de negócios;

III - na condição de artista ou desportista;

IV - na condição de estudante;

V - na condição de cientista, professor, técnico ou

profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a

serviço do Governo brasileiro; e

VI - na condição de correspondente de jornal, revista, rádio,

televisão ou agência noticiosa estrangeira. (...).

Ou seja, já havia uma abertura para a vinda de cientistas e professores

estrangeiros, mas com o enfoque de atender as empresas estatais, uma vez que estes

profissionais vinham a serviço do governo brasileiro, como evidenciaram o art. 13 e o

art. 15. Esse enfoque tinha duas razões: primeiro, fortalecer as empresas estatais, e o

segundo assegurar que os cientistas e professores universitários e pesquisadores

estrangeiros que se candidatassem a vir ao Brasil estariam dentro do controle e da

tutela governamental.

Esse enfoque relativo ao progresso tecnológico seria alterado pela Lei nº

6.964, de 09/12/81, que alterou o Art. 16 3. A preocupação se alarga da questão

técnica e tecnológica para atingir todos os aspectos do desenvolvimento (quando se

fala de „Política Nacional de Desenvolvimento‟, em todos os seus aspectos) e atinge

as questões centrais nas discussões contemporâneas sobre desenvolvimento, que são:

- A mão-de-obra especializada;

- O aumento da produtividade;

- Assimilação de tecnologia; e

- A captação de recursos para setores específicos.

Infelizmente, a Lei nº 6.964, de 09/12/81, não definia o que era mão-

de-obra especializada, nem como se obteria o esperado aumento de produtividade,

3 O art. 16 passa a ter a seguinte redação “Art. 16. Parágrafo único. A imigração objetivará,

primordialmente, propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional,

visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da

produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos”.

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nem de que forma se daria a assimilação de tecnologia e a captação de recursos para

setores específicos dentro de um modelo restritivo de substituição de importações 4.

No entanto, a Lei nº 6.964 (09/12/81) reforça a estrutura do Conselho ao insistir no

vínculo do CNIg de forma orgânica ao Ministério do Trabalho, conforme fica

evidente no art. 129 da Lei nº 6.964 (09/12/81). Com efeito, o art. 129 afirma que („in

verbis‟):

Art. 129. Fica criado o Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho, ao qual caberá, além das

demais atribuições constantes desta Lei, orientar e coordenar as

atividades de imigração.

§ 1º O Conselho Nacional de Imigração será integrado por

um representante do Ministério do Trabalho, que o presidirá, um do

Ministério da Justiça, um do Ministério das Relações Exteriores,

um do Ministério da Agricultura, um do Ministério da Saúde, um do

Ministério da Indústria e do Comércio e um do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, todos nomeados pelo

Presidente da República, por indicação dos respectivos Ministros

de Estado.

§ 2º A Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional

manterá um observador junto ao Conselho Nacional de Imigração.

Ou seja, por um lado fica clara a preocupação com a Segurança Nacional por

meio da citação da presença da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional

(art. 129 §2), já presente na Lei 6.815 (19/08/1980). No entanto, por outro lado, a Lei

nº 6.964 (09/12/81) ampliou a participação de outros membros do governo ao incluir

4 A questão do controle da entrada de estrangeiros permaneceu na Lei nº 6.964 (09/12/81)

especialmente no seu artigo 13, inciso VII, o qual afirmava que: Art. 13. O visto temporário poderá ser

concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil: VII - na condição de ministro de confissão

religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa. No entanto,

os artigos 24 e 30 limitavam o direito de ir e vir dessas pessoas ao estabelecer que:

- Art. 24. Nenhum estrangeiro procedente do exterior poderá afastar-se do local de entrada e

inspeção, sem que o seu documento de viagem e o cartão de entrada e saída hajam sido visados pelo

órgão competente do Ministério da Justiça).

- Art. 30. O estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário (incisos I, e de IV

a VII do art. 13) ou de asilado é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos trinta dias

seguintes à entrada ou à concessão do asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as

disposições regulamentares." Lei nº 6.964 (09/12/81).

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um membro do Ministério da Indústria e do Comércio e um membro do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Essa ampliação fica evidente

no quadro abaixo.

Tabela X - Alterações na Estrutura do CNIg no Governo Figueiredo

Lei 6815 (19/08/1980)

Lei 6964 (09/12/1981)

Art. 128. Fica criado o Conselho Nacional

de Imigração, vinculado ao Ministério do Trabalho,

a quem caberá, além das atribuições constantes

desta Lei, orientar, coordenar e fiscalizar as

atividades de imigração.

Art. 129. Fica criado o

Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho,

ao qual caberá, além das demais

atribuições constantes desta Lei,

orientar e coordenar as atividades de

imigração.

Membros Totais (5) Membros Totais (7)

Ministério do Trabalho, que o presidirá:

um membro do Ministério da Justiça;

um membro do Ministério das Relações

Exteriores;

um membro do Ministério da Agricultura; e

um membro do Ministério da Saúde.

Ministério do Trabalho, que o

presidirá:

um membro do Ministério da

Justiça;

um membro do Ministério das

Relações Exteriores;

um membro do Ministério da

Agricultura;

um membro do Ministério da

Saúde;

um membro do Ministério da

Indústria e do Comércio; e

um membro do Conselho

Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico.

Observador: A Secretaria Geral do Conselho

de Segurança Nacional manterá um observador

junto ao Conselho Nacional de Imigração.

Observador: A Secretaria Geral

do Conselho de Segurança Nacional

manterá um observador junto ao

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Conselho Nacional de Imigração.

Assim, tanto na Lei 6.815 quanto na Lei 6.964, já estava prevista a vinculação

do CNIg ao Ministério do Trabalho e o conceito que a política migratória estaria

associada ao desenvolvimento econômico, e que cabe àquele Ministério orientar e

coordenar as atividades de imigração (art. 128), em ambas as leis. Pela Lei 6.964 a

política migratória é um instrumento do desenvolvimento, mas subordinado à questão

laboral. Na perspectiva dos militares, a participação da sociedade civil não era

relevante. Na oportunidade que teve de expandir o número de membros do CNIg, o

governo Figueiredo incluiu apenas o Ministério do Desenvolvimento e o CNPQ, mas

não a Sociedade Civil.

Fase II: A Implementação do CNIg – Os Governos Collor e Itamar

Franco.

O Governo Collor ao tomar posse recebeu como herança do Presidente Sarney

quatro planos econômicos mal-sucedidos (Cruzado I e II, Bresser e Verão), uma

inflação que atingiu 1.973% em 1989 e uma dívida externa equivalente a 28% do PIB.

A resposta do Presidente Collor foi um Plano radical de combate à inflação5 e uma

abertura econômica unilateral, que reduziu as tarifas alfandegárias de mais de 100%

em alguns produtos para em média de 32% em 1990. Além do bloqueio das contas

correntes e das poupanças, parte substancial do Plano Collor era baseado na abertura

comercial. Alguns autores consideram o Governo Collor como o que promoveu a

maior abertura comercial no Brasil desde o governo Vargas. Esta é a opinião, por

exemplo, de Gennari (2001):

“(...) Nesse sentido [de redução tarifária], no Governo

Collor, teve início o mais radical processo de abertura comercial já

registrado desde pelo menos a chamada mudança do eixo dinâmico,

nos anos trinta, brilhantemente descrito por Celso Furtado em sua

obra Formação Econômica do Brasil (...)”.

5 O Plano Collor (I) previa, entre outras medidas: i) Volta do Cruzeiro como moeda, com retirada de 3

zeros; ii) Congelamento de preços e salários; iii) Bloqueio de contas correntes e poupanças no prazo de

18 meses; iv) Reorganização da máquina pública, com demissão de funcionários e diminuição de

órgãos públicos.

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Essa opinião é compartilhada por Azevedo & Portugal (1998):

“(...) Sob o novo governo [Collor], foram tomadas várias

medidas no sentido de ampliar o grau de inserção da economia

brasileira na economia mundial, através de uma mudança profunda

na política de importações. Neste sentido, foram revogadas uma

série de barreiras não-tarifárias (...).

Como procurou se observar acima, as mudanças, porém, não se limitaram à

abertura comercial. Elas impactaram igualmente a política industrial e o

desenvolvimento tecnológico do Brasil. Com efeito, como afirmou Romero (2011):

“(...) Com o governo Collor implantou-se uma nova política

industrial visando materializar uma mudança radical em relação às

políticas anteriores. A competitividade, antes que o

crescimento, era o principal objetivo estratégico a ser atingido em

conformidade com os enfoques prevalecentes nos países

industrializados ou de recente industrialização. (...) Isso tudo

dentro da filosofia de que a tecnologia passa a ter o mercado como

referência e a empresa como o agente fundamental para a

estratégia de capacitação tecnológica (...)”(grifo nosso).

Essas mudanças estruturais se refletiriam igualmente no CNIg.

De fato, o Decreto 662 de 29/11/92, promulgado pelo Governo Collor,

mantinha, em essência, a composição original do Conselho. Collor substituiu, porém,

o Ministério da Indústria e Comércio pelo Ministério da Economia, Fazenda e

Planejamento. O CNPq, por sua vez, foi substituído pela Secretaria de Ciência e

Tecnologia, recém criada.

Essa mudança evidenciava a importância que o Pres. Collor dava ao Conselho

de Imigração como parte da estratégia de abertura econômica ao incluir o poderoso

Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento (dirigido inicialmente por Zélia

Cardoso de Mello) entre os membros do Conselho (no lugar do Ministério da

Indústria e Comércio), e a Secretaria de Ciência e Tecnologia no lugar do CNPq.

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O Governo Itamar Franco

O Presidente Itamar Franco preocupou-se em dar maior operacionalidade ao

CNIg, ao mesmo tempo em que fortalecia o aspecto Colegiado do seu governo.

Com efeito, três aspectos influenciaram o governo Itamar e contribuíram para

explicar o funcionamento do seu Governo, e até mesmo o fortalecimento do CNIg:

- O Contexto Econômico: A abertura comercial promovida pelo Presidente

Collor (já mencionada);

- A instabilidade política existente naquele momento no Brasil (1992-1994);

- A busca de consenso político e de órgãos colegiados para dirimir conflitos.

A Abertura comercial promovida pelo Presidente Fernando Collor

Conforme já mencionado na seção anterior, o contexto que antecede o

Governo Itamar é um ambiente de forte abertura econômica, ou seja, uma mudança

profunda das políticas que prevaleceram no regime militar, que deu preferência ao

modelo de Industrialização via Substituição de Importações (ISI). Como se sabe, o

modelo ISI se caracterizava justamente pelo reduzido coeficiente de importações.

Naturalmente, no governo Collor, em função da abertura econômica, houve uma

elevação considerável de importações, as quais, por sua vez, implicavam em uma

série de ajustes ao funcionamento da economia brasileira e ao governo federal como

gestor desse novo modelo. Os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDEs) tenderam a

crescer no período Collor. Com os novos IDEs, as empresas recém instaladas no

Brasil trouxeram executivos de seus países de origem, o que implicou na aprovação

pelo CNIg da entrada desses executivos. Como se pode verificar, a abertura comercial

gerou outras consequências que ultrapassaram o mundo econômico (como a

concessão de vistos) e supunham que o governo federal estivesse preparado para elas.

No caso do Vice-Presidente Itamar Franco, ele foi um pouco surpreendido

com as responsabilidades que o aguardavam ao assumir a Presidência da República.

Com efeito, com a saída de Collor, devido ao processo de impeachment, muitos se

perguntaram como o Pres. Itamar reagiria às ideias e reformas implantadas pelo ex-

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Presidente Collor, uma vez que Itamar sempre se apresentava como refratário da

abertura econômica e do livre comércio.6

Para surpresa de muitos, Itamar, já no cargo de Presidente, não apenas

manteve os compromissos assumidos por Collor na área de redução de tarifas de

importação, como os acelerou, como lembra Azevedo e Portugal (1998):

No que tange à tarifas, foi implementado um cronograma de

redução das alíquotas de importação, que previa a

queda gradual da tarifa média, modal e de seu desvio padrão, entre

janeiro de 1991 e dezembro de 1994. (...) Entretanto, o cronograma

foi antecipado em 1992, 1993 e 1994 [no Governo Itamar], em

razão da utilização da abertura comercial como peça-chave no

controle da inflação, tanto no período que antecedeu o Plano Real,

como naquele que se seguiu à sua implementação. A tarifa média

foi reduzida gradualmente de 33,2%, que vigorava em 1990 para

25,3% no primeiro ano, 20,8% no segundo, 16,5% no terceiro e

14% em 1994 (...).

Como se pôde ver acima, o Presidente Itamar reduziu ainda mais as tarifas

brasileiras de importação, aumentando, consequentemente, a inserção do Brasil na

economia mundial. Esse fato gerou uma demanda ainda maior por mão-de-obra

qualificada, que muitas vezes não existia no Brasil. Essa nova demanda se refletiria

no CNIg, como veremos a seguir, o qual teria de ser cada vez mais ágil para tratar

dessas questões. Ao contrário do Gov. Figueiredo, o qual privilegiava as empresas

estatais, a partir de 1992 o Governo Itamar procurou criar um novo locus para as

empresas estrangeiras recém-chegadas, que buscavam autorizações no Poder

Executivo para agilizar a vinda de seus executivos, a fim de assumir os postos recém-

criados no Brasil.

A instabilidade política existente no Brasil (1992-1994).

6 Cabe lembrar que Itamar Franco pertencia à antiga ala esquerda do PMDB, os denominados

‟autênticos,‟ que combateram fortemente o regime militar.

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Como se sabe, o impeachment de Collor gerou grande instabilidade política no

Brasil. Como nota, Philippe Faucher (1998):

“(...) O trauma institucional causado pelas denúncias de

corrupção que levaram ao impeachment do presidente Collor (...)

teve também o efeito de aumentar a audiência para os defensores

das reformas. Mas, no caso brasileiro, é preciso olhar além do

anedótico e das forças circunstanciais para compreender os fatores

que contribuíram para a restauração da governabilidade. (...).”

Qual o segredo para a recuperação da governabilidade por Itamar Franco face

à ingovernabilidade do Governo Collor? A busca de uma coalizão estável. Como bem

observou o jornalista e analista político Luciano Suassuna:

“(...) Contra o veneno da fragmentação política e da falta de

apoio, ele [Itamar] ofereceu um governo de coalizão. Depois da

desilusão nacional causada por um presidente que bloqueou

poupanças e caiu sob graves acusações de corrupção, a classe

política estava tão desgastada que a ela só restou aceitar a união

proposta. (...).”

Essa foi a marca do Governo Itamar: a busca pela união e pelo consenso. Essa

característica ele levaria para todo o seu governo, inclusive os Conselhos por eles

criados ou já existentes, que ele deu novo formato de Conselhos Colegiados, mais

participativos. Com efeito, a Lei 8.490, de 19/11/92, previa órgãos de assessoramento

colegiado ao Presidente Itamar. Nessa lei, o Pres. Itamar estabeleceu como órgãos de

assessoramento imediato ao Presidente da República7:

1. o Conselho de Governo;

2. a Consultoria-Geral da República;

3. o Alto Comando das Forças Armadas;

7 Lei 8.490 de 19/11/92.

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4. o Estado-Maior das Forças Armadas.8

E junto à Presidência da República foram estabelecidos igualmente órgãos

de consulta do Presidente da República, tais como:

1. o Conselho da República;

2. o Conselho de Defesa Nacional.9

Fica evidente a busca de soluções colegiadas pelo Pres. Itamar, não apenas na

sua assessoria direta, como em todos os Ministérios. Foi igualmente o caso do

Ministério do Trabalho com o CNIg. De fato, a mesma lei (Lei 8490, de 19/11/92)

previu no Art. 19, que:

“(...) São órgãos específicos dos ministérios civis (...):

VII - no Ministério do Trabalho (...)

b) o Conselho Nacional de Imigração (...).”

A referida Lei 8.490, de 19/11/92, estabeleceu, em seu art. 16, os assuntos que

constituíam área de competência de cada ministério civil. No caso do Ministério do

Trabalho (em seu inciso VIII) seria inter alia tratar da política de imigração (item d).

Ora, a Lei 8.490 estabeleceu ainda que o órgão vinculado ao Ministério do Trabalho,

que teria a atribuição para formular a política de imigração e coordenar e orientar as

atividades de imigração, seria o CNIg. Assim, ficou confirmado o CNIg como órgão

assessor encarregado de formular a política imigratória.

iii. A busca de consenso político e de órgãos colegiados para dirimir os

conflitos.

O Decreto nº 840, de 22/06/93, que dispunha sobre a organização e o

funcionamento do Conselho Nacional de Imigração, foi ao encontro da orientação de

Itamar Franco de fortalecer os órgãos colegiados. O Decreto nº 840 destaca que o

8 Art. 1 (§ 1°). 9 Art. 1 (§ 2°).

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Conselho Nacional de Imigração é um órgão de deliberação coletiva (art. 1º). As

atribuições do CNIg ficam claras no Decreto n° 840, e incluiriam10

:

I - formular a política de imigração;

II - coordenar e orientar as atividades de imigração;

III - efetuar o levantamento periódico das necessidades de mão-de-obra

estrangeira qualificada, para admissão em caráter permanente ou temporário;

IV - definir as regiões de que trata o art. 18 da Lei n° 6.815, de 19 de

agosto de 1980, e elaborar os respectivos planos de imigração;

V - promover ou fornecer estudos de problemas relativos à imigração;

VI - estabelecer normas de seleção de imigrantes, visando proporcionar

mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional e captar

recursos para setores específicos;

VII - dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito

a imigrantes;

VIII - opinar sobre alteração da legislação relativa à imigração, quando

proposta por qualquer órgão do Poder Executivo;

IX - elaborar seu regimento interno, que será submetido à aprovação do

Ministro do Trabalho.

Note-se que foi dada liberdade para o CNIg elaborar seu próprio regimento

interno, o qual deveria ser submetido à aprovação apenas do Ministério do Trabalho e

não dos demais Ministérios membros do CNIg. Outra novidade introduzida pelo Pres.

Itamar por intermédio do Decreto nº 840 foi a expansão dos seus membros. Além dos

membros previstos no Decreto nº 662 de 29/11/92, Itamar substitui o representante do

Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, introduzido por Collor, pelo

representante do Ministério do Desenvolvimento, tal como ocorria no governo

Figueiredo (Lei n° 6.815, de 19/08/1980 e Lei nº 6.964, de 09/12/81). Além disso, o

Pres. Itamar devolveu, por intermédio do Decreto nº 840, o assento do Ministério da

Ciência e Tecnologia.11

Mas, a grande novidade foi realmente a entrada da sociedade

civil no Conselho Nacional de Imigração (CNIg). De fato, o artigo 2º. do Decreto

10 De certa forma, o Decreto nº 840 reforça as atribuições já previstas nos termos da Lei n° 8.490, de

19/11/ 1992. 11 Então ocupado pelo CNPq.

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nº840 destinou espaço para quatro representantes dos trabalhadores (inciso VII),

quatro representantes dos empregadores (inciso VIII)12

, um representante da

comunidade científica e tecnológica (inciso IX).13

Assim, Itamar democratizou o CNIg e criou um Conselho triparte. Ou seja, o

Pres. Itamar criou um locus onde se encontravam os representantes do governo, dos

empresários e dos trabalhadores, tornando o CNIg um órgão deliberativo e

participativo, como era o próprio Governo Itamar.

A nova composição do CNIg no Governo Itamar ficou da seguinte forma:

Membros Totais no Governo Collor (7) Membros Totais no Governo

Itamar (16)

Ministério do Trabalho (na Presidência): um

membro do Ministério da Justiça;

um membro do Ministério das Relações

Exteriores;

um membro do Ministério da Agricultura;

um membro do Ministério da Saúde;

um membro do Ministério da Indústria e do

Comércio; e

um membro do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Ministério do Trabalho e, além

deste, terá mais os seguintes

membros:I - um representante do

Ministério da Justiça;

II - um representante do

Ministério das Relações Exteriores;

III - um representante do

Ministério da Agricultura, do

Abastecimento e da Reforma Agrária;

IV - um representante do

Ministério da Ciência e Tecnologia;

V - um representante do

Ministério da Indústria, do Comércio e

do Turismo;

VI - um representante do

Ministério da Saúde;

VII - quatro representantes dos

trabalhadores;

VIII - quatro representantes dos

empregadores;

IX - um representante da

12 Que viriam a ser a CNC, a CNI, a CNA e a CNT. 13 Que viria a ser um(a) representante da SBPC.

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comunidade científica e tecnológica.

O Presidente Itamar revogou o Decreto n° 662, de 29 de setembro de 1992 (do

governo Collor), e deu uma feição nova ao Conselho. Os membros do Conselho e os

seus respectivos suplentes seriam designados pelo Presidente da República, mediante

proposta do Ministro do Trabalho e indicação:

a) dos respectivos Ministros de Estado, no caso dos incisos I a VI deite artigo;

b) das Centrais Sindicais, e das Confederações Nacionais da Indústria, do

Comércio, do Transporte e da Agricultura;

c) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, no caso do inciso IX.

Por último, não menos importante, ao final do governo Itamar tem-se a

Portaria nº. 1.442, de 3 de dezembro de 1993, a qual estabelece o Regimento Interno

do CNIg. Ela tratava desde a composição e o funcionamento do Conselho, as suas

competências, as atribuições dos membros do Conselho e sua organização

administrativa. 14

Portanto, do exposto, pode-se concluir que a expansão do CNIg durante o

governo Itamar refletiu:

- Preocupação com a transparência, característica do Governo Itamar;

- Busca de consenso por meio de discussão pública;

- Descentralização e divisão de responsabilidades.

Ainda que o resultado das reuniões do Conselho de Imigração nessa nova fase

tenham ficado abaixo do esperado, houve um ganho de legitimidade. Nessa nova fase,

o Conselho se ateve por muito tempo em atender as demandas processuais

acumuladas no Ministério do Trabalho, que estavam aguardando pareceres. Apesar

dessa falta de maturidade institucional, o Conselho de Imigração durante o governo

Itamar manteve o novo formato tripartite e ganhou em participação social. Com

efeito, as decisões tomadas no âmbito do CNIg passaram a ser mais discutidas com os

atores envolvidos e houve uma democratização nas intervenções.

14

Não se tratará desta resolução aqui por ela ter estado em vigor por um curto período. Ela seria

substituída em 1996 pela Portaria nº. 634, de 21 de junho de 1996.

52

Fase III: A Expansão e Reorganização Interna do CNIg.

Durante o governo Fernando Henrique (1994-2002) houve uma consolidação

do Plano Real e uma estabilização da economia brasileira. As linhas gerais da

abertura econômica iniciada no final do Governo Sarney, e expandida pelos

Presidente Collor e Itamar, foi mantida. A busca de concessão de visto de trabalho

para empresários que desejavam permanecer no Brasil com visto de trabalho foi a

tônica do CNIg no Governo Cardoso.

Além disso, no intuito de expandir ainda mais a participação social no

Conselho de imigração, o governo Fernando Henrique aumentou o número de

representantes da sociedade civil (trabalhadores e empregadores) no CNIg.

Com efeito, o Decreto nº 3.574, de 23 de agosto de 2000, deu nova redação ao

art. 2º do Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, do governo Itamar, que tratava da

organização e composição do Conselho Nacional de Imigração, especialmente no que

tange ao seu número de membros.

Dessa forma, o número total de membros do Conselho passa de 16 no

Governo Itamar para 18 no Governo Fernando Henrique. Os acréscimos foram: mais

1 (um) representante para a bancada dos trabalhadores (a ser indicado pelas Centrais

Sindicais) e 1 (um) representante adicional para a bancada dos empregadores,

indicado pela Confederação Nacional de Instituições Financeiras (não incluída no

Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, do Governo Itamar).15

15 O assento da comunidade científica passou a ser indicada pela SBPC, independentemente da

nomeação do representante do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A representação do MCT

foi retomada no Governo Itamar. Renato Archer e membros da comunidade científica se mobilizaram e

encaminharam a proposta de criação do Ministério da Ciência e Tecnologia ao primeiro governo civil

que sucedeu o regime militar. O grupo teve a reivindicação acatada pelo presidente eleito Tancredo

Neves e mantida pelo Presidente José Sarney, que criou o Ministério. Renato Archer foi nomeado

como ministro, em 1985. A gestão de Archer foi sucedida, em curtos períodos, por

quatro administrações conduzidas por ministros da área antes de ocorrer a fusão do Ministério da

Ciência e Tecnologia com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, em janeiro de

1989. Em março do mesmo ano, uma medida provisória dividiu as duas pastas e o que era ministério

passou a ser a Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia, órgão central do Governo Federal para

assuntos da área. Ainda em 1989, o Ministério da Ciência e Tecnologia foi recriado por outra medida

provisória e, em 1990, o presidente Fernando Collor o extinguiu mais uma vez e implantou a Secretaria

da Ciência e Tecnologia, ligada à Presidência da República. Em 1992, o presidente Itamar Franco

editou nova Medida Provisória que voltou a criar o ministério, que permanece como pasta da área até

hoje. Baseado em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/78973/Historico.html. Acessado em 01/07/2014.

53

Membros Totais no Governo Itamar

(16)

Membros Totais no Governo Cardoso

(18)

Ministério do Trabalho e, além deste,

terá mais os seguintes membros:

I- um representante do Ministério da

Justiça;

II - um representante do Ministério

das Relações Exteriores;

III - um representante do Ministério

da Agricultura, do Abastecimento e da

Reforma Agrária;

IV - um representante do Ministério

da Ciência e Tecnologia;

V - um representante do Ministério

da Indústria, do Comércio e do Turismo;

VI - um representante do Ministério

da Saúde;

VII - quatro representantes dos

trabalhadores;

VIII - quatro representantes dos

empregadores;

IX - um representante da

comunidade científica e tecnológica.

Ministério do Trabalho e, além deste,

terá mais os seguintes membros:

I - um representante do Ministério da

Justiça;

II -um representante do Ministério das

Relações Exteriores;

III - um representante do Ministério da

Agricultura, do Abastecimento e da Reforma

Agrária;

IV - um representante do Ministério da

Ciência e Tecnologia;

V - um representante do Ministério da

Indústria, do Comércio e do Turismo;

VI - um representante do Ministério da

Saúde;

VII - cinco representantes dos

trabalhadores;

VIII - cinco representantes dos

empregadores;

IX - um representante da comunidade

científica e tecnológica.

Outra novidade do Decreto nº 3.574, de 23/08/2000, foi delegar competência

ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego para designar os membros do Conselho

Nacional de Imigração (art. 2º).

Uma importante característica do período Fernando Henrique (1995-2002) foi

a busca de regularização e normatização das atividades do CNIg. Nesse aspecto, foi

54

fundamental a aprovação do Regimento do órgão, ocorrida por meio da Portaria nº

634, de 21 de junho de 1996, na gestão do Ministro Paulo Paiva.16

A partir do governo Cardoso, o CNIg passou a atuar por meio de Resoluções

Normativas, Resoluções Administrativas e Resoluções Recomendadas.

A primeira Resolução Administrativa no Governo Cardoso foi a Resolução

Administrativa nº 01, de 29/07/1996. Esta Resolução trata de prazos para pedidos de

recursos, o qual foi estipulado em 40 (quarenta) dias consecutivos, incluídos sábados

e domingos. A Resolução Administrativa nº 02, de 28/09/99, por sua vez, tratava dos

critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou permanência

definitiva ao companheiro ou companheira. Ela representou quebra de paradigmas no

CNIg por um temor que qualquer legislação que amparasse a união estável pudesse

estimular a imigração irregular.17

Entre as Resoluções Recomendadas cabe destacar a de nº 02 de 05/12/2000.

Ela tinha um caráter humanitário e era voltada para estrangeiros que desejavam tratar

de sua saúde no Brasil, independente de já estarem no país ou não.

As Resoluções Normativas podem ser divididas em 3 Grupos: as econômicas,

voltadas para facilitação de negócios, as científicas e as sociais.

Entre as Resoluções Normativas de cunho econômico, pode-se destacar a

Resolução Normativa nº 18, de 18/08/98. Essa Resolução disciplinava a concessão

de visto permanente a estrangeiro que pretenda vir ao País na condição de

investidor, administrador ou diretor de empresa localizada em Zona de

Processamento de Exportação - ZPE. Segundo essa Resolução, os requerimentos para

Autorização de Trabalho para investidor estrangeiro em empresa localizada em Zona

de Processamento de Exportação - ZPE, bem como para os respectivos

administradores ou diretores, serão apresentados obrigatoriamente perante o Conselho

Nacional das Zonas de Processamento de Exportação - CZPE, que os encaminhará ao

Ministério do Trabalho devidamente instruídos e com parecer quanto à conveniência

do deferimento do pedido. Após essa fase, o pedido é encaminhado ao Ministério do

Trabalho, com a documentação exigida. Caso seja concedida a Autorização de

16 Paulo Paiva foi ministro do Trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso, de 1 de

janeiro de 1995 a 31 de março de 1998. A Portaria nº 634, a qual continha apenas três artigos, aprovava

o Regimento Interno do Conselho Nacional de Imigração e revogava a Portaria nº 1.442, de 3 de

dezembro de 1993. 17

Ela seria alterada pela Resolução Administrativa nº 05 de 03/12/2003. Esta será vista posteriormente.

55

Trabalho, o Ministério das Relações Exteriores fica apto para expedir o visto

permanente para investidor estrangeiro, administrador ou diretor.

Das Resoluções Normativas com cunho científico, cabe destacar a Resolução

nº 01 de 29/04/1997, que previa a concessão de visto temporário, ou permanente, a

professor, técnico ou pesquisador de alto nível e cientista estrangeiro, que pretendesse

exercer atividades de ensino, ou de pesquisa científica e tecnológica. Dessa forma, o

CNIg revelou, mais uma vez, sua preocupação com o progresso tecnológico.

Na área social, uma Resolução de suma importância foi a Resolução

Normativa de nº 6 (21/08/97) na qual o Conselho Nacional de Imigração autorizava o

Ministério da Justiça a conceder a permanência definitiva a estrangeiro detentor da

condição de refugiado ou asilado, que comprovadamente preencher os requisitos

legais com a finalidade oferecer concessão de permanência definitiva a asilados ou

refugiados e suas famílias.18

Esse foi um ponto que caracterizou a atuação do CNIg nos anos noventa: a

reunião familiar de modo que estrangeiros que tivessem familiares em primeiro grau

no Brasil pudessem receber um visto de permanência.

Um outro exemplo desse ponto foi a Resolução Normativa nº 36, de

28/09/1999, que previa concessão de visto a título de reunião familiar. Nessa

resolução, o CNIg autorizava o Ministério das Relações Exteriores a conceder visto

temporário ou permanente a título de reunião familiar, aos dependentes legais de

cidadão brasileiro ou de estrangeiro residente temporário ou permanente no país,

maior de 21 anos. 19

18

Os requisitos eram: a) residir no Brasil há no mínimo quatro anos na condição de refugiado ou

asilado (posteriormente alterada pela Resolução Normativa n° 91, de 10/11/2010); b) ser profissional

qualificado e contratado por instituição instalada no país, ouvido o Ministério do Trabalho; c) ser

profissional de capacitação reconhecida por órgão da área pertinente; d) estar estabelecido com negócio

resultante de investimento de capital próprio, que satisfaça os objetivos de Resolução Normativa do

Conselho Nacional de Imigração relativos à concessão de visto a investidor estrangeiro. Em qualquer

situação, deveria ser ouvido o Ministério do Trabalho (MTE). 19

Essas solicitações de visto poderiam ser apresentadas diretamente às Missões diplomáticas ou

Repartições consulares de carreira no exterior desde que houvesse jurisdição sobre o local de residência

do pretendente. Isso foi possível em função da Resolução Normativa de n° 09 de 10/11/1997 que

disciplinava o tipo de vistos a ser concedido no exterior ao estrangeiro que pretendesse entrar no

território nacional (temporário, trânsito etc.) e em quais situações poderia ser estendido a seus

dependentes legais. A referida Resolução autorizava o Ministério de Relações Exteriores inclusive, a

critério da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, os vistos referidos poderão ser concedidos

excepcionalmente no Brasil (Art. 2º ).

56

Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual).

Contexto Econômico

Os governos Lula e Dilma mantiveram, em linhas gerais, a abertura econômica

promovida nos anos noventa, muito embora tenham sugerido uma política industrial

mais proativa em alguns segmentos em que o Brasil fosse mais competitivo. Não

houve uma alteração quanto à política de facilitação e abertura para vistos para

empresários estrangeiros que quisessem vir trabalhar no Brasil.

O CNIg

Quanto ao CNIg, este entendeu que deveria democratizar ainda mais os

Grupos de Trabalho para ouvir os diversos segmentos sociais.20

Nesses Grupos de

Trabalho, se discutia com cada segmento suas necessidades e desafios frente à

abertura comercial. Como se sabe, os investimentos estrangeiros e a chegada de

empresas transnacionais geravam uma demanda por mão-de-obra altamente

qualificada, por vezes não existente no Brasil. O papel do CNIg nos governos Lula e

Dilma foi o de um „normatizador‟, buscando soluções em vista da falta de previsão

legal para atrair essa mão–de-obra.21

A tônica das discussões do CNIg durante os

governo Lula e Dilma foi a concessão de autorizações de trabalho, que prevaleceram

sobre todas as demais decisões entre os anos de 2003 e 2014, conforme pode ser visto

na tabela a seguir: Resoluções Normativas: 2003-2014

20

Cabe lembrar que os Grupos de Trabalho foram criados em 1998. 21

Uma vez que a Lei de imigração nº 6.815/19/08/1980 (o Estatuto do Estrangeiro) não foi criado

voltado para uma economia aberta, conforme já foi visto.

57

Tema Quantidade (%)

Autorização de Trabalho para

Estrangeiros

21 48,8

Pesquisa e /ou Cooperação

Científica

3 7,0

Investimentos Estrangeiros 2 4,7

Reunião Familiar e União

Estável

2 4,7

Turismo 2 4,7

Jornalismo e Imprensa 1 2,3

Cumprimento de Penas por

Estrangeiros

1 2,3

Haiti 1 2,3

Tráfico de Pessoas 1 2,3

Humanitária 1 2,3

Alteração de Resoluções já

Aprovadas

8 18,6

Total 43 100,0

Com efeito, as Autorizações de Trabalho para estrangeiro representaram quase

a metade (48,8%) das Resoluções Normativas aprovadas entre 2003 e 2014. Se

adicionarmos as autorizações para investidores estrangeiros, elas ultrapassaram mais

de 55% das Resoluções Normativas do Conselho no período citado.

Além das questões relacionadas a autorizações de trabalho, emergiram

questões na área social. De fato, um dos reflexos dessa democratização foi a entrada

para discussão de temas considerados como tabus, com a união homoafetiva. Essa

união foi tratada pela Resolução Administrativa nº 05, já mencionada anteriormente,

de 03/12/2003.22

22

Dispõe sobre as solicitações de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, para

companheiro ou companheira, sem distinção de sexo. Ela ainda revogou a Resolução Administrativa nº

02, de 28/09/1999. Posteriormente, a Resolução nº05 foi revogada pela Resolução Normativa nº 77, de

29/01/2008.

58

Outro tema que absorveu a atenção dos Conselheiros foi a Questão dos

Haitianos. Com efeito, a questão dos emigrantes haitianos alcançou repercussão

internacional.23

Os haitianos vieram para o Brasil em face do terremoto ocorrido no

país. Eles chegavam ao Brasil provenientes da República Dominicana, do Panamá,

Equador, Peru ou Bolívia. Em geral, entraram pela fronteira norte do Brasil, a mais

difícil de se controlar, solicitando refúgio ao governo brasileiro. O órgão chamado

para decidir inicialmente foi o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Este

órgão, no entanto, defendeu o ponto de vista que a questão dos haitianos não era de

refúgio e solicitou ao CNIg que se manifestasse, por entender que o Conselho poderia

decidir em função da Resolução Normativa nº 27, que disciplina a avaliação de

situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração.24

Para lidar com essa situação, o governo brasileiro solicitou então, uma ação do

Conselho Nacional de Imigração – CNIg, que editou a Resolução Normativa nº 97, de

12/01/2012. Segundo essa Resolução, ao nacional do Haiti seria concedido o visto

permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões

humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos.25

O CNIg considera razões

humanitárias as resultantes do agravamento das condições de vida da população

haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010.

Além disso, o governo brasileiro buscava legalizar o fluxo de haitianos para que eles

não recorressem aos coiotes e pudessem retirar seus vistos (até 1.200 por ano) no

próprio Haiti, em Porto-Príncipe. Ou seja, o terremoto orientou uma ação pontual do

governo brasileiro que acabaria por ter continuidade ao longo do tempo. Em função

da grande demanda por vistos, o governo brasileiro teve de impor limites à entrega de

vistos a haitianos.26

A vinda de haitianos para o Brasil pode ser considerada uma das maiores

ondas imigratórias ao país desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, as medidas

adotadas na Resolução apresentam quatro grandes finalidades: concessão de visto

regular aos imigrantes haitianos; regularização da situação dos imigrantes haitianos

que já estão no Brasil; uso de maior rigor contra os coiotes e as máfias internacionais

de tráfico de pessoas, com o argumento de que não se permitirá fluxo migratório sem

23

Foge do objetivo deste artigo fazer uma análise histórica ou aprofundada da Questão Haitiana.

Apenas busca destacar a reação do CNIg a ela. 24

Resolução Normativa nº 27 de 25/11/1998 / CNIg - Conselho Nacional de Imigração. 25

Nos termos do art. 18 da Lei 6.815 de 19/08/1980. 26

Segundo o Itamaraty, foi a primeira vez nos últimos 20 anos que o governo brasileiro teve de impor

limites à entrega de vistos a estrangeiros.

59

controle; e a cooperação com os Estados do Acre e do Amazonas com a ajuda

humanística.

Considerações Finais: Novas Perspectivas e Desafios para o Século XXI

A questão migratória evoluiu profundamente no Brasil nas últimas três

décadas. A Lei 6.815/1980 tratava a questão migratória como uma questão de

Segurança Nacional e se tornou inadequada e defasada para as necessidades do século

XXI.

O Governo Itamar teve um grande mérito em propor mudanças nessa lei e

tornar o CNIg um órgão mais operativo e proativo. O CNIg exerceu um papel da

maior importância tanto na área econômica quanto na área social e científica ao

aprovar Resoluções que normatizariam a entrada de empresários, mão-de-obra

qualificada e pesquisadores que muito tem contribuído para o progresso tecnológico

do país.

No início do século XXI, surgiram discussões no Congresso acerca de uma

nova legislação para tratar das questões imigratórias.

Assim, por exemplo, existe o Projeto de Lei do Senador Aloysio Nunes

Ferreira, o qual propôs uma nova Lei de Migração para regular a entrada e estada de

estrangeiros no Brasil. A ênfase da nova Lei de Migração seria o tratamento

humanitário, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), herança do

governo militar que foca na segurança nacional. A Comissão de Constituição, Justiça

e Cidadania (CCJ) aprovou no dia 04/06/2014 o Projeto de Lei do Senado (PLS)

288/2013, com 65 artigos e sete títulos, que estabelece direitos e deveres relacionados

a vários aspectos da imigração e emigração, como a concessão de vistos, a

repatriação, a deportação, a expulsão e a naturalização. A proposta do senador

Aloysio Nunes (PSDB-SP) define como um princípio da política externa a proteção

da dignidade do emigrante brasileiro no exterior e institui mecanismos para o combate

ao tráfico internacional de pessoas.

O Ministério da Justiça, por sua vez, deve enviar ao Congresso Nacional um

projeto de lei para modernizar as regras relativas às migrações para o Brasil. O

Ministério da Justiça constituiu um grupo de notáveis, o qual elaborou uma proposta

60

de nova legislação.27

O objetivo da nova proposta do Ministério da Justiça é suprir

lacunas identificadas na legislação atual, como uma definição clara dos direitos dos

imigrantes no país. Com efeito, a proposta confere aos imigrantes direitos

semelhantes aos dos brasileiros, equiparando-os a cidadãos brasileiros em vários

aspectos. A proposta prevê ainda a criação de uma Autoridade Nacional Migratória

subordinada ao Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça entende que o novo

órgão poderia contribuir para reduzir a burocracia na obtenção e substituição de

vistos.

Cabe lembrar que já existe em tramitação no Congresso Nacional o PL

5.565/2009, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre o ingresso, permanência

e saída de estrangeiros no território nacional, o instituto da naturalização, as medidas

compulsórias e transforma o Conselho Nacional de Imigração em Conselho Nacional

de Migração.

A SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), por sua vez, também tem

procurado influenciar a política migratória por meio de propostas próprias. Ela

trabalha em três frentes com a finalidade de atrair talentos estrangeiros para o

mercado nacional28

:

- Diagnóstico da questão migratória;

- Pesquisas de opinião com as empresas e a população; e

- Proposição de mudanças na política migratória.

A SAE também defende a criação de um novo órgão (p. ex.: uma Agência ou

uma Autarquia) que seria responsável pela gestão das questões migratórias.

Essas discussões refletem ao mesmo tempo a importância do tema e a falta de

consenso e necessidade de um maior aprofundamento acerca de qual deveria ser a

política imigratória ideal para o Brasil.

27

A comissão era composta por André de Carvalho Ramos, Aurélio Veiga Rios, Clèmerson Merlin

Clève, Deisy de Freitas Lima Ventura, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva, José Luis Bolzan

de Morais, Paulo Abrão, Pedro de Abreu Dallari, Rossana Rocha Reis, Tarciso Dal Maso Jardim e

Vanessa Oliveira Berner. 28 Fonte: http://www.sae.gov.br/site/?p=16827#ixzz36iuViiGl. Acessado em 01/07/2014.

61

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Econômica no Brasil nos anos 90. In Pesquisa & Debate, volume 13, n. 1(21), p. 30-45,

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SUASSUNA, Luciano. Itamar Franco, o presidente que garantiu a democracia.

Disponível em http://lucianosuassuna.ig.com.br/2011/07/02/itamar-franco-o-presidente-

que-garantiu-a-democracia/