Milagre econômico_IIPND
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O II PND: Sonho, Fracasso e Fuga
Danilo Bijos1
RESUMO Este ensaio tem como objetivo apresentar e comparar as visões de Carlos Lessa e Antonio Barros de Castro sobre a estratégia de desenvolvimento adotada no Brasil entre 1974 e 1984. Nesta análise, ênfase especial será dada ao papel desempenhado pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) no processo de desenvolvimento assim como à sua importância para o enfrentamento das dificuldades impostas pelo cenário externo. Palavras-chaves : estado; planejamento; desenvolvimento econômico; economia internacional.
The II PND: Dream, Failure and Escape
ABSTRACT This essay has as objective presents and to compare the visions of Carlos Lessa and Antonio Barros de Castro on the development strategy adopted in Brazil between 1974 and 1984. In this analysis, special emphasis will be given to the paper carried out by II National Plan of Development (II PND) in the development process as well as to the importance of the plan to lessen the difficulties imposed by the behavior of the world economy. Key-words : state; planning; economic development; international economics.
1. INTRODUÇÃO
Após o “milagre”, ou o período de alto crescimento econômico experimentado
de 1968 a 1973, a economia brasileira tornou-se mais dependente da capacidade de
importar. A Tabela 1, a seguir, apresenta os principais indicadores econômicos do
período. O crescimento médio do PIB na ordem de 11,1% ao ano resultou dos
elevados investimentos no setor industrial e do forte crescimento das importações.
1 Especialista em Estatística Aplicada pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor do Instituto de Ensino Superior Cenecista (Inesc) e economista concursado da Prefeitura de Unaí – MG. Endereço Completo: Rua Roncador, 127, Apto. 804, Bairro Centro, Unaí – MG – 38 610 000. Telefone: 38 3676 7520. Pode ser contatado pelo email: [email protected]. Este trabalho foi originalmente desenvolvido em cumprimento às exigências parciais da disciplina Estado e Desenvolvimento no Brasil, ministrada pelo professor Antônio Brussi no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília (PPGCP-UnB). Unaí: enviado em 23/09/2010
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Tabela 1 – Economia Brasileira: Síntese de Indicadores Macroeconômicos – 1968-1973
Indicadores Médias 1968-73
Crescimento do PIB (% a.a.) 11,1 Inflação (IGP dez./dez., % a.a.) 19,1 FBCF (% PIB a preços correntes) 19,5 Taxa de crescimento das exportações de bens (US$ correntes, % a.a.) 24,6 Taxa de crescimento das importações de bens (US$ correntes, % a.a.) 27,5 Balança comercial (US$ milhões) 0,0 Saldo em conta corrente (US$ milhões) -1.198 Dívida externa líquida/Exportações de bens 1,8 Fonte: Hermann (2005a, p. 79), com adaptações. Nota: A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) trata-se de um indicador para o nível de investimentos.
Além da maior dependência da capacidade de importar bens de capital para
atender à demanda interna, observava-se ainda uma maior dependência estrutural da
economia com relação ao petróleo, cujas importações elevaram-se de 59% do
consumo interno para 81% entre 1967 e 1973, representando 40,4% da fonte de
energia primária (HERMANN, 2005a).
A vulnerabilidade da economia não se manifestava apenas na necessidade
de bens de capital e petróleo importados para alimentar a estrutura produtiva. O
crescimento da dívida externa ampliara a fragilidade financeira externa do país. A
administração da dívida impunha a necessidade de gerar superávits comerciais para
compensar as despesas financeiras, controlando o resultado em conta corrente, ou a
alternativa de captar novos recursos no mercado externo para a rolagem da dívida.
O crescimento da economia brasileira estava, portanto, estreitamente ligado
às condições externas. O setor industrial dependia de bens de capital e petróleo
importados. Os superávits comerciais estavam condicionados a uma economia
mundial em expansão. Por seu tempo, a rolagem da dívida externa requeria liquidez
no mercado internacional.
Nos anos que se seguiram ao “milagre”, a economia mundial sofreria,
contudo, os efeitos, a partir de 1973, dos choques do petróleo provocados pela “[...]
musculatura política e econômica do cartel da OPEP [...]” (CARNEIRO, 1990, p. 296).
O cenário internacional imporia à economia brasileira não apenas uma condição de
dependência, mas sim um quadro de restrição a partir de 1974.
O primeiro choque do petróleo, ocorrido no final em 1973, quadruplicou os
preços do produto no mercado internacional. A contração da atividade econômica e a
elevação da taxa de juros nos países industrializados foram imediatas. Nos países em
desenvolvimento, as dificuldades decorrentes do primeiro choque foram parcialmente
aliviadas pela entrada dos “petrodólares” no mercado financeiro internacional.
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Dada a regulamentação financeira que impunha tetos para a taxa de juros
nas operações financeiras domésticas nos países industrializados, os petrodólares,
em busca de retornos financeiros mais elevados, acabaram financiando os crescentes
déficits em conta corrente de países endividados.
Diante da restrição externa deflagrada a partir de 1974, o modelo adotado
pelo governo Geisel foi o de ajuste estrutural, com a implantação do II PND. O plano
previa investimentos públicos e privados de grande envergadura a serem realizados
entre 1974 e 1979 e tinha como meta eliminar os pontos de estrangulamento e a
dependência produtiva estrutural da economia brasileira por bens de capital e energia.
A opção pelo crescimento com endividamento levaria a “[...] uma multiplicação por três
da dívida externa líquida entre 1974 e 1979.” (ALMEIDA, 2006, p. 215).
O segundo choque do petróleo, ocorrido em 1979, fez o preço do barril de
petróleo no mercado internacional saltar “[...] da média de US$ 13,60 em 1978 para
US$ 30,03 em 1979 e US$ 35,69 no ano seguinte [...]” (HERMANN, 2005a, p. 97). Em
resposta à provável pressão inflacionária oriunda do aumento do preço do petróleo, os
bancos centrais dos países desenvolvidos elevaram suas taxas básicas de juros,
interrompendo o fluxo dos petrodólares para os países em desenvolvimento e
endividados.
O II PND foi, conforme assinalado anteriormente, a resposta brasileira ao
primeiro choque do petróleo e à consequente restrição externa. A importância do II
PND para a superação da dependência externa da economia brasileira, bem como sua
contribuição ao inevitável ajuste restritivo que se fez necessário a partir de 1979
encontram, na literatura, interpretações diferentes. A seguir, são apresentadas as
contribuições de Carlos Lessa e Antonio Barros de Castro.
2. O II PND: “ SONHO E FRACASSO”
A análise de Lessa (1988) sobre o II PND inicia-se com uma investigação
sobre os fundamentos políticos e econômicos do plano. Para o autor, a estratégia de
desenvolvimento assentava-se em duas diretivas mutuamente articuladas: a primeira
relacionada ao esforço de construção de um novo padrão de industrialização; a
segunda diz respeito à necessidade de corrigir os desequilíbrios da organização
industrial.
O novo padrão de industrialização consistia em envidar esforços para
completar o processo de industrialização do país, enfatizando os investimentos nas
indústrias de bens de capital e insumos básicos, que passariam o ocupar o papel de
centro dinâmico da expansão industrial. A mudança no padrão de alocação de
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recursos ocorreria em várias dimensões: setoriais, regionais e sociais. Para
acompanhar as necessidades do novo estágio da evolução industrial, a política
energética recebeu o mesmo tratamento do setor de insumos básicos, com o objetivo
de reduzir a dependência em relação ao petróleo.
No que diz respeito à organização industrial, o II PND buscava fortalecer a
participação do capital privado nacional, considerado a perna fraca do tripé de
sustentação do neocapitalismo em construção no Brasil. Nesse sentido, o equilíbrio
seria obtido por meio da harmonização de três orientações: a contenção da
estatização pela delimitação de seu campo de atuação; o fortalecimento da empresa
privada nacional; e o enquadramento da empresa estrangeira.
Em clara sintonia com elementos determinantes do alto dinamismo
econômico observado durante o “milagre”, o II PND considerava essencial o
aprofundamento das relações com o exterior, direcionando os financiamentos externos
de modo a fortalecer a substituição de importações e a capacidade de exportação.
Dessa maneira, evitava-se a deterioração do resultado em transações correntes e o
crescimento muito rápido da dívida externa. Nesse contexto, a crise do petróleo
apresentava-se, simultaneamente, como um problema e uma oportunidade. Como
problema, estava posta a ameaça de estrangulamento externo, cuja prevenção, via
expansão das exportações, poderia ser dificultada pela própria crise. Como
oportunidade, a crise abriria espaço interno para a superação do atraso econômico.
De acordo com Lessa (1988), o II PND rejeitava formalmente o argumento de
que seria necessário que o nível de renda crescesse antes de se trabalhar a
redistribuição. Apesar disso, o plano não apresentava uma política social voltada para
a redistribuição de renda. A mudança no padrão de industrialização aliada à correção
na organização industrial apresentaria como resultado – preservando-se as elevadas
taxas de crescimento, e tendo em vista a pressão sobre os salários reais – uma
aceleração do desenvolvimento social. Dessa forma, era “[...] dispensável uma política
ativa de distribuição, pois crescendo o bolo segundo a fórmula estratégica elegida,
haveria uma redistribuição enquanto o ‘bolo’ cresceria.” (LESSA, 1988, p. 50).
Do ponto de vista ideológico, Lessa (1988) enxerga no II PND grande
semelhança com o projeto nacional-desenvolvimentista dos anos 50: “A oportunidade
de retomar o que foi um sonho , a confiança de poder realizar o último esforço e
alcançar enfim a grande obra [...] impregna a Estratégia.” (LESSA, 1988, p. 53, grifo
nosso). O projeto de construção de uma nação-potência se valia dos diagnósticos
explícito e implícito. O diagnóstico explícito colocava o Brasil em uma posição
intermediária com relação aos reflexos da crise, recebendo o momento como uma
oportunidade. Já o diagnóstico implícito, não publicado, fazia do II PND uma projeção
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do “milagre” e alterava de modo significativo o entendimento acerca dos elementos
determinantes do atraso econômico do Brasil. O combate à inflação, que havia
eliminado as reformas de base da agenda com o golpe de 64, era agora francamente
substituído pela necessidade de “[...] lograr a gradual autonomia do processo
tecnológico.” (LESSA, 1988, p. 61).
Lessa (1988, p. 69) considera o II PND “[...] como um exemplo do exercício
de autoridade.”. O plano tratava-se de uma expressa necessidade de conferir
legitimidade ao regime, dada a eficácia do “milagre” e ainda ao risco de conflito que a
ausência de controle poderia causar. A viabilidade política e econômica do plano
baseava-se em três princípios: 1) na visão da economia e sociedade como sistemas
controláveis; 2) o autoritarismo que se justificava pelo desempenho anterior; e 3) o
posicionamento da crise como uma conjuntura favorável à construção da nação-
potência.
Na segunda parte de seu estudo, Lessa (1988) dedica-se a analisar a
implantação das duas diretivas que davam sustentação ao II PND ao longo do triênio
1974-76. Para operacionalizar a implantação da estratégia de desenvolvimento, o
autor argumenta que neste período se observou um grande esforço de centralização
do Estado, relegando as instâncias estaduais e municipais a meros órgãos executivos
com a eliminação das relações federativas durante o biênio 1974-75. Outrossim, cabe
destacar que, segundo Lessa (1988, p. 80), embora seja difícil precisar, ao longo de
1976, “[...] o II PND transformou-se em letra morta.”.
Em se tratando da diretiva relacionada à alteração do padrão de
industrialização, Lessa (1988, p. 100) considera que nos projetos de insumos básicos
não se observou “[...] paz e eficácia na obediência às diretrizes estratégicas.”. Por sua
vez, o estímulo à indústria de bens de capital, cujo objetivo era promover um salto
quantitativo e qualitativo da indústria de máquinas e equipamentos, foi perseguido com
firmeza no período 1974-76.
Quanto ao setor de energia e transporte, prevaleceu uma enorme
ambiguidade entre as ações voltadas ao objetivo de longo prazo e aquelas
direcionadas à operação corrente da economia: se, por um lado, a crise do petróleo
colocava como necessidade imperativa a superação da dependência externa, por
outro lado, a mesma crise não foi capaz de engendrar medidas de contenção do
consumo e de conservação energéticas.
As políticas de desconcentração industrial e de correção dos desequilíbrios
regionais receberam, durante o II PND, especial atenção. O sistema de áreas
integradas e o uso dos instrumentos tributários e fiscais, segundo Lessa (1988, p.
113):
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[...] materializavam durante o II PND uma inflexão da tendência ao despojamento dos instrumentos de desenvolvimento regional. A outra dimensão do II PND foi a diretiva de desconcentração industrial, que até onde posso observar, foi perseguida durante sua implementação com denotado esforço.
Em resumo, o fracasso na implantação na mudança do padrão de
industrialização foi, para Lessa (1988), uma resultante dos seguintes vetores: 1) o
descompasso entre empresas estatais e o setor privado devido aos atrasos na
implantação de vários projetos do setor de bens de capital; 2) a dificuldade das
empresas estatais em gerar grandes margens de lucros e autofinanciamento, levando
tais empresas ao uso de seu poder monopsônico sobre o setor privado, fornecedor de
máquinas e equipamentos; 3) os efeitos deletérios da inflação e do desequilíbrio das
contas externas sobre a capacidade das estatais de reajustarem seus preços e
obterem financiamento; e 4) as inúmeras querelas políticas decorrentes do esforço de
desconcentração industrial. Todos esses fatores originaram uma “[...] onda crescente
de protestos aparentemente contra a presença do Estado na economia brasileira [...]
reveladora de um divórcio entre o modo como se manejou o Estado no período e as
bases de sua sustentação.” (LESSA, 1988, p. 115-116).
A implementação da diretiva que buscava estabelecer um reequilíbrio da
organização industrial no Brasil valeu-se, no âmbito do fortalecimento da empresa
nacional, de quatro medidas principais: 1) disponibilidade de financiamento de longo
prazo por parte dos bancos de desenvolvimento federais e estaduais, cujos
empréstimos se traduziam em subsídios devido à inflação elevada e à correção
monetária fixa; 2) estímulo à capitalização da empresa nacional a partir do acesso ao
mercado de capitais; 3) amparo estatal à constituição e recuperação de empresas; e
4) fomento à criação de estruturas empresariais fortalecidas por meio de associações
com o capital estatal e estrangeiro ou ainda pela política de fusões, incorporações e
formação de conglomerados.
Ao mesmo tempo em que buscava fortalecer a perna fraca do tripé, o II PND
traçou um novo papel para a empresa estrangeira na economia do país. A princípio, as
empresas já instaladas deveriam contribuir para atenuar a pressão sobre a capacidade
de importar. Ademais, a matriz estrangeira deveria se preparar para, no longo prazo,
ser despojada pela filial brasileira de sua condição de controladora de técnicas. Por
fim, o Estado desejava que tais empresas alterassem seu padrão de comportamento
oligopólico. “Com respeito às áreas prioritárias o II PND marcou claramente onde e
sob que condições aceitaria entradas de capital estrangeiro.” (LESSA, 1988, p. 214).
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Apesar do esforço orientado à alteração da organização industrial, Lessa
(1988, p. 222) argumenta que devido à necessidade de “[...] equilibrar as contas
externas e conter o processo inflacionário, as medidas não fizeram distinção entre
nacionais e estrangeiras. Aplicou-se tratamento igual a empresas em situação
estruturalmente desigual.”. O controle homogêneo dos preços e salários aliado aos
diferenciais de rentabilidade e endividamento entre empresas nacionais e
estrangeiras, engendrou um mecanismo de penalização da empresa nacional,
contrário aos objetivos do II PND. “A tentativa feita caminhou até que, prisioneira de
suas quebraduras, atolou.” (LESSA, 1988, p. 235).
3. O II PND: “ A FUGA PARA FRENTE ”
A tese central de Castro (2004) sobre o II PND consiste em uma
reinterpretação sobre a contribuição da estratégia de 74 para as mudanças ocorridas
na economia brasileira após o ajuste restritivo colocado em prática em 1979.
Diferentemente da visão tradicional, tais mudanças não seriam resultado das políticas
monetária, fiscal, de salários e câmbio, mas sim uma consequência das profundas
mudanças estruturais possibilitadas pela opção feita em 1974, as quais teriam alçado
a economia brasileira a relações com o exterior mais favoráveis.
O processo de ajustamento brasileiro tomou caminhos diferentes daqueles
previstos pelas autoridades assim como o observado em outros países. Os superávits
crescentes na balança comercial, a eliminação do déficit em transações correntes, a
reconstituição das reservas internacionais e interrupção do crescimento da dívida
externa líquida entre 1982 e 1984 deveram-se à redução das importações e ao
incremento das exportações.
Nesse particular, enquanto a elevação das exportações encontrava-se, em
1984, sob a influência de múltiplos fatores, a efetiva queda das importações observada
entre 1980 e 1983 devia-se principalmente à queda de 60% das importações de
produtos que foram objeto de grandes programas apoiados pelo II PND. Entre os
produtos que não foram objeto dos grandes programas, as importações caíram 3,1%
entre 1980 e 1982, para disparar em 1983 (31% de aumento). Além disso,
diferentemente do que ocorreria em outros países em desenvolvimento, a retomada do
crescimento industrial de quase 7% em 1984 seria acompanhada de uma nova queda
das importações. No México, por exemplo, uma retomada no crescimento inferior
àquela observada no Brasil provocou um salto de 29,6% das importações.
Para Castro (2004), o II PND, ou a estratégia de 74, propunha, face às novas
circunstâncias, uma correção de rota no processo de desenvolvimento. O objetivo de
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construir uma moderna economia industrial mantinha-se inalterado e, para tanto, o
plano previa investimentos em setores pesados de rentabilidade baixa e longo prazo
de maturação. O fomento à indústria de bens de produção e o equacionamento dos
problemas energéticos buscava “atacar os problemas pela raiz”, superando
conjuntamente a crise e o subdesenvolvimento. Ao contrário do que o ajustamento
poderia oferecer, a “fuga para frente” pretendia uma autêntica transformação no
relacionamento da economia brasileira com o exterior.
Em que pese a importância do II PND para a sustentação política do regime
militar, a escolha feita em 1974 possuía, conforme demonstra Castro (2004), uma alta
dose de racionalidade econômica. Em 1974, a economia encontrava-se aquecida
pelos investimentos realizados durante o período do “milagre”. Ademais, a
deterioração dos termos de intercâmbio observada a partir de 1974 deixava a
economia em uma situação crítica: “Aquilo que a economia tinha a oferecer ao mundo
não seria mais capaz de comprar o indispensável ao seu funcionamento, e, claro, ao
seu crescimento.” (CASTRO, 2004, p. 35).
Assim sendo, os investimentos do II PND destinavam-se a completar o longo
processo de substituição de importações e, se possível, a abrir novas frentes de
exportações. A lógica do plano repousava, portanto, em “[...] sustentar a conjuntura
impedindo uma descontinuidade de conseqüências imprevisíveis; assegurar o espaço
necessário à absorção do surto anterior de investimento; e claro, modificar, a longo
prazo, a estrutura produtiva.” (CASTRO, 2004, p. 36-7).
Para viabilizar os investimentos previstos no plano, o governo contava com a
participação do capital privado. Nesse sentido, além dos estímulos e favores, em
diversos casos, as empresas privadas tinham que ser diretamente pressionadas e,
embora o II PND não mencionasse, o governo contava, para o cumprimento das
principais metas, com a utilização estratégica de empresas de sua propriedade.
Com relação às críticas comumente direcionadas ao II PND, Castro (2004, p.
46) declara que “[...] o que há de condenável no período em foco não decorre das
diretrizes econômicas estabelecidas em 1974, e sim do regime político vigente.”. A
política de 1974 não se traduzia numa “evasão ao ajustamento”; as soluções é que se
colocavam num horizonte temporal mais amplo, dado o prazo necessário para a
maturação dos investimentos previstos no plano.
Além disso, não se pode argumentar que o II PND guardava em seu interior o
objetivo sutil de estatizar a economia. A lógica do plano colocava a cargo do Estado a
responsabilidade de evitar o endividamento externo e o redirecionamento forçado dos
investimentos. Diferentemente daquilo que ocorria nos países desenvolvidos, a
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economia brasileira não contava com o grau de capacitação tecnológica que
possibilitasse ao mercado acomodar os efeitos da crise.
Com relação à crítica de Lessa (1978, apud CASTRO, 2004, p. 44) ao II PND,
segundo o qual o plano fazia da crise do petróleo um mote para a “[...] proclamação
serena e não traumática do projeto de potência nascida no interior do aparelho do
Estado [...]”, Castro (2004) possui um entendimento diferente: o II PND travava-se de
uma decisão de levar a cabo o processo de desenvolvimento econômico e o projeto de
industrialização nacional que teve como primeiro grande marco a batalha pela
moderna siderurgia.
Tal projeto, ora adotado, ora deixado de lado, por sucessivas administrações, tem profundas raízes em segmentos da burocracia civil e das Forças Armadas, conta com o apoio intermitente de parcela da burguesia nativa e chegou, mesmo, no episódio da luta pelo petróleo, a desfrutar de apoio popular. Jamais deixou, porém, de trazer em si a marca de uma determinação política que busca sobrepor-se ao chamado jogo das forças de mercado. (CASTRO, 2004, p. 45)
Assim sendo, a proposição formulada por Lessa (1978, apud CASTRO, 2004,
p. 45) segundo a qual o II PND coloca “[...] o Estado como sujeito e a sociedade como
objeto [...]” precisaria ser reconsiderada. Para Castro (2004), o autor comete um
equívoco conceitual ao identificar a sociedade como o mercado. Na estratégia de 74, o
Estado figurava como sujeito e seu objeto era a economia (ou o mercado). Naquele
momento, contudo, o Estado também era o sujeito no plano político, tendo, ali sim, a
sociedade como objeto.
No que diz respeito à duração do plano, Castro (2004) discorda da idéia de
que o II PND tenha morrido em 1976. Em sua opinião, a estratégia de 74 superou a
reversão cíclica que se esperava com a posse do novo governo e logrou o objetivo de
sustentar uma elevada taxa de crescimento até o final dos anos 70. Nesse período, “O
que fracassou foi a chamada ‘estratégia social’, de acordo com a qual seria necessário
‘realizar políticas redistributivas enquanto o bolo cresce’.” (CASTRO, 2004, p. 47).
A eclosão do segundo choque do petróleo em 1979 e as consequentes
mudanças no cenário externo exigiam, na melhor das hipóteses, uma revisão da
política econômica. A escolha coerente com o II PND deveria combinar, na visão de
Castro (2004, p. 50), “[...] uma revisão, face às novas circunstâncias, dos programas e
projetos definidos em 1974 [...]”.
A opção por um ajuste restritivo em 1979, embora pudesse trazer resultados
penosos à economia, não teria o mesmo efeito desastroso que a interrupção em 1974.
A safra de investimentos do II PND já se encontrava em estágio avançado, não se
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pretendia estimular novos investimentos, a velocidade da economia era muito inferior e
os investimentos oriundos do “milagre” já haviam, em sua maioria, alcançado
maturação.
Para Castro (2004), o pacote de medidas de inspiração ortodoxa adotado
pela equipe capitaneada por Delfim Netto não obteve o êxito de alterar a trajetória da
economia. Um importante foco de resistência era constituído pelos cronogramas de
obras dos grandes projetos do II PND ainda em andamento. A solução definitiva para
o impasse de 79 viria à tona em 1983 e 1984 como consequência do ganho de divisas
permanente e sustentável propiciado pela efetiva substituição de importações
decorrente da estratégia de 74.
Desse modo, ainda que se considerem os efeitos das medidas restritivas de
79 sobre a contenção do déficit de transações correntes ao longo dos anos 80, não se
pode olvidar que “[...] os resultados alcançados nos mais recentes anos dependem
primordialmente da substituição de importações e, secundariamente, da contribuição
dos grandes programas setoriais, para o aumento das exportações.” (CASTRO, 2004,
p. 73, grifo do autor).
4. CONCLUSÃO
Diante da síntese das interpretações de Carlos Lessa e Antonio Barros de
Castro, fica patente que o traço distintivo das visões dos autores repousa em três
aspectos fundamentais: 1) as variáveis econômicas, as instituições e os atores sociais
e políticos contemplados nas análises; 2) a metodologia e as técnicas de pesquisa
utilizadas; e 3) o horizonte temporal considerado.
Carlos Lessa, valendo-se de uma rica pesquisa documental e de uma
metodologia descritiva e hipotético-dedutiva, focaliza as variáveis econômicas, as
instituições, os atores sociais e políticos e o contexto histórico no triênio 1974-76.
Dessa forma, o autor conclui que as dificuldades encontradas pelo regime em
orquestrar incentivos e interesses, dadas as condições internas e restrições externas,
inviabilizaram a implementação plena das diretivas do II PND e fizeram do sonho de
construção da nação-potência um fracasso.
Por seu tempo, Antonio Barros de Castro opta por um horizonte temporal que
se estende de 1974 a 1984 e concentra sua abordagem nos fundamentos econômicos
do plano. Munindo-se de estatísticas macroeconômicas, o autor enfatiza a importância
do II PND para a continuidade do processo de substituição de importações e seus
benefícios para o enfrentamento da restrição externa imposta pelo segundo choque do
petróleo.
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Os indicadores econômicos do período 1974-84, dispostos na Tabela 2,
sugerem um cenário que corrobora a tese de Castro (2004). Entre 1974 e 1980, a
economia brasileira atingiu elevadas taxas de crescimento econômico, sustentadas
por investimentos superiores a 20% do PIB. No mesmo período, observa-se,
simultaneamente, o crescimento das exportações (diversificação da pauta) e das
importações (processo de substituição), um déficit relativamente estável na balança
comercial e uma deterioração do saldo em transações correntes e da relação dívida
externa líquida/exportações de bens (endividamento).
Os indicadores do período 1981-83 revelam os efeitos do ajuste restritivo de
1979. Neste período, observou-se uma retração no crescimento econômico e nas
exportações. O nível de investimentos permaneceu acima de 20% do PIB, em virtude
da opção de finalizar projetos estratégicos ainda não concluídos. A inversão do
resultado da balança comercial foi propiciada pela queda de mais de 12% no
crescimento das importações, e por essa razão, manteve-se o saldo em transações
correntes em um nível semelhante ao do período anterior.
Em 1984, a economia voltou a crescer, mas sob condições diferentes. O nível
de investimentos recuou para 18,9% do PIB, as exportações cresceram 23,3% e as
importações caíram 9,8%. Este cenário, compatível com o argumento de Castro
(2004) sobre os efeitos de longo prazo da estratégia de 74, caracterizou-se ainda por
um superávit na balança comercial capaz de inverter o saldo em transações correntes.
Tabela 2 – Economia Brasileira: Síntese de Indicadores Macroeconômicos – 1974-1984
Indicadores Médias dos Períodos
1984 1974-78 1979-80 1981-83
Crescimento do PIB (% a.a.) 6,7 8,0 -2,2 5,4 Inflação (IGP dez./dez., % a.a.) 37,8 93,0 129,7 223,9 FBCF (% PIB a preços correntes) 22,3 23,5 22,4 18,9 Taxa de crescimento das exportações de bens (US$ correntes, % a.a.)
15,3 26,1 2,8 23,3
Taxa de crescimento das importações de bens (US$ correntes, % a.a.)
17,2 29,5 -12,4 -9,8
Balança comercial (US$ milhões) -2.283 -2.831 2.818 13.090 Saldo em conta corrente (US$ milhões) -6.548 -11.724 -11.584 95 Dívida externa líquida/Exportações de bens 2,5 2,9 3,7 3,3 Fonte: Hermann (2005b, p. 106), com adaptações.
Por fim, cabe salientar um ponto de concordância nas visões de Lessa (1988)
e Castro (2004): o malogro das políticas redistributivas. A estratégia de 74 também
não foi capaz de conciliar crescimento econômico e estabilidade. A inflação, que no
período 1974-78 situava-se na média de 37,8% atingiu 223,9% em 1984. O atraso das
políticas sociais e o descontrole dos preços, que entre 1985 e 1994 acumularam 2,3
93
bilhões por cento de aumento (IGP-DI), levariam os brasileiros a vivenciarem uma
tragédia distributiva sem precedentes (IPEA, 2010).
5. REFERÊNCIAS
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