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    Revista Hmus - ISSN: 2236-4358 Mai/Jun/Jul/Ago. 2013. N 8

    ACERCA DO PROBLEMA DA DEFINIO DE ARTE

    Adilson Koslowski1

    RESUMO: Este artigo tem o objetivo de explorar introdutoriamente o problema

    relativo definio da arte ou das obras de arte. Pode parecer superficial ao historiador

    da arte ou da filosofia a abordagem dos filsofos que procuram uma definio explcita

    de arte. Contudo, existindo apenas um contraexemplo no mundo da arte a definio

    no considerada uma boa candidata a definir arte explicitamente. Infelizmente, todas

    as tentativas apresentadas no so completamente plausveis, mas no fim do artigo

    propomos uma definio que satisfaz alguns critrios estabelecidos, mas no todos, do

    que seja uma boa definio de arte.

    Palavras-chaves: Anlise, Filosofia, Arte, definio.

    ABSTRACT: This article aims to explore introductorily the problem concerning the

    definition of art or works of art. It may seem superficial to art historian of philosophy

    or approach of philosophers seeking an explicit definition of art. However, there is only

    one counterexample in the art world setting is not considered a good candidate to

    explicitly define art. Unfortunately, all attempts made are not completely plausible, but

    at the end of the paper we propose a definition that satisfies certain criteria, but not all,

    of what is a good definition of art.

    Key-words: Analysis, Philosophical, Art, definition.

    Introduo

    Um dos problemas clssicos em filosofia analtica da arte estabelecer uma

    definio do que seja arte. Verificando o Adlers philosophical dictionary (1995), no

    verbete arte, Adler comea a distinguir os vrios usos da palavra arte. Devemos

    distinguir a arte como uma habilidade ou saber fazer produtos (a chamada virtude

    intelectual prtica) e as obras de arte, o produto dessa habilidade. Uma segunda

    distino a se fazer, arte enquanto obra de arte til e obra de arte fina. As primeiras

    obras so dirigidas a um fim, enquanto as segundas so dirigidas somente apreciao,

    ao deleite e experincia esttica. A definio que procuramos a respeito da arte

    entendida como a fina obra de arte ou a bela obra de arte, ou simplesmente arte. O

    1Professor Dr. em Filosofia - Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]

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    objeto de anlise de nosso texto a definio das obras de arte que encontramos

    exemplificadas nos museus.

    ALGUMAS DEFINIES TRADICIONAIS DE ARTE

    Tradicionalmente os filsofos analticos da arte procuram defini-la usando para

    isso certos critrios. Existem vrios tipos de definies e critrios, porm comum os

    filsofos procurarem uma boa definio de arte utilizando os seguintes critrios ou pelo

    menos vrios deles: acuidade extensional, no valorativa, fenomenolgica, positiva, no

    ad hoc, dada em condies necessrias e suficientes (explcita), que seja dada em

    termos de propriedades (intrnsecas) da obra de arte, clara e no circular. Existem trs

    clssicas definies de arte que pretendem satisfazer os critrios de definio acima

    citados. So igualmente as mais antigas: a arte definida como imitao (mimtica),

    expresso (expressionismo) e forma (formalismo). As teorias da representao ou da

    imitao so as mais antigas. Filsofos como Plato e Aristteles foram referidos por

    modernos como Abb Charles Batteux, no seu tratado de 1746, The fine arts reduced to

    the same principle (CARROLL, 2006), como defensores de verses desse tipo de

    teorias. Mas, de fato, Plato e Aristteles no procuraram definir a arte explicitamente,

    pretendiam defini-la funcionalmente. Assim, para Aristteles, a tragdia tinha como

    finalidade educar as emoes, induzindo a catarse ou a clarificao da piedade e do

    medo.

    De um modo simplificado, a teoria da imitao sustenta que a arte feita pelo

    homem, isto , um artefato e representa algo. Essa teoria d conta de muitas obras de

    arte, contudo outras representam algo mais, nem sempre real, por exemplo, deuses,

    demnios. Uma forma de enfraquecer a exigncia da definio a teoria

    representacional. Ela sustenta que a arte algo feito pelo homem e precisa apenas

    simbolizar alguma coisa. As obras de arte no precisam representar ou ser uma

    imitao, mas podem s-lo convencionalmente. Uma forma bem malevel de teoria da

    imitao a teoria neorrepresentacionista, a saber, a arte algo feito pelo homem e

    que possui um nome. Tal definio realmente poderosa. Seu problema que ela nos

    oferece uma condio necessria, mas no suficiente, visto que muita coisa que tem

    nome no arte. Por exemplo, garfo um artefato, a maioria dos garfos no arte

    (AIRES, 2000). Com o fracasso das definies da teoria da arte mimtica e com o novo

    movimento artstico romntico do sculo XIX, desenvolveram-se as teorias da arte

    como expresso. Entre elas, as de Leo Tolstoi (1898/2002) e R. G. Collingwood

    (1938/1958).

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    Para a teoria da expresso, a arte algo feito pelo homem e expressa as

    emoes. A teoria da expresso de Tolstoi sustenta (pelo menos certa leitura da teoria)

    que a arte algo feito pelo homem e expressa as emoes do artista. Alm disso, a arte

    reproduz as mesmas emoes no pblico que as aprecia. Por exemplo, o artista passa

    por momentos de extrema pobreza ou convive com miserveis. Assim, sua obra,

    quando trata da misria, produz na assistncia as emoes que o artista passou quando

    esteve naquele contexto de extrema pobreza. Assim, experimentamos as emoes de

    misria do literato quando lemos um romance como, por exemplo, Vidas secas, de

    Graciliano Ramos. Uma crtica frequente a essa definio o problema de que ela no

    consegue discriminar a arte de qualquer coisa que transmite emoes, como, por

    exemplo, uma foto ou uma notcia de jornal. Alm disso, bastante difcil de verificar

    qual era a emoo do artista e do pblico que aprecia a arte. Mesmo que verdadeira, a

    definio pouco esclarecedora.

    A teoria da expresso de Collingwood tida geralmente como mais sofisticada

    do que a de Tolstoi. Essa teoria foi sustentada no seu livro The principles of arts (1938).

    Collingwood sustenta que a arte algo feito pelo ser humano e exprime sentimentos do

    artista individuado, esclarecido, articulado, transformado. Alm disso, evoca os

    mesmos sentimentos no pblico, ampliando assim a conscincia. A teoria de

    Collingwood distingue uma emoo especial que o artista consegue despertar na

    assistncia. uma emoo enriquecida de amplitude que os fatos concretos no

    conseguem transmitir. Assim, quem l Romeu e Julieta, de Shakespeare, no apenas

    revive a emoo de amor, mas tambm vive afetivamente algo do amor em si. Contudo,

    bastante difcil e polmica a distino entre a emoo esttica e outras emoes. Alm

    disso, Collingwood dividiu a arte entre arte e a chamada arte. Essa classificao deixa

    de fora toda a arte religiosa e de diverso, pois a chamada arte teria motivos que no

    seriam os de puramente expressar as emoes estticas, mas eminentemente religiosas

    ou de causar prazer. Portanto, a classificao collingwoodiana deixaria muitas obras de

    fora, como, por exemplo, as consagradas msicas religiosas, bem como as catedrais. A

    definio de Collingwood parece ser uma definio valorativa de arte, no classificativa

    (COSTA, 2005).

    Mas existem outros problemas com a teoria da expresso. Poesias como as do

    dadasta romeno Tristan Tzara (1896-1963). Tzara recortava aleatoriamente palavras

    de um jornal, colocava-as num saco, agitava-o e copiava as palavras na ordem que

    saam e a estava, segundo ele, um poema feito. Nas palavras do prprio Tzara: E ei-lo

    um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que

    incompreendido do pblico. Dificilmente poderamos dizer que esse tipo de poesia

    expressava algum tipo de emoo. Outro contra-exemplo a msica do surrealista

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    John Cage com seu concerto 433, em que os msicos entram no palco e ficam 433

    em silncio, com seus instrumentos parados em suas mos. Alm disso, as prprias

    pinturas mimticas da poca em que foi elaborada a teoria da expresso parecem no se

    ajustar a ela.

    Como o advento do impressionismo, Clive Bell, em Art (1914), elaborou sua

    teoria formalista. Sua pretenso era tornar inteligvel a arte do incio do sculo XX. A

    teoria formalista de Bell diz que uma obra de arte algo que feito pelo homem e que

    possui forma significante. Essa teoria consegue dar conta de obras como do

    impressionismo, cubismo e de muito da arte abstrata, entre outros movimentos do fim

    do sculo XIX e incio do XX. Entre os vrios problemas dessa definio, a clssica

    objeo que Bell define forma significante como aquela que produz emoo esttica.

    Sustenta que a emoo esttica no deve ser confundida com a emoo de beleza. A

    emoo esttica da arte sui generis. Mas, infelizmente, no fornece uma definio

    satisfatria para emoo esttica. Bell define emoo esttica como aquela emoo

    produzida pela forma significante e define por sua vez forma significante como aquela

    que produz emoo esttica. A definio circular e, portanto, pouco esclarece o que

    forma significante e emoo esttica (AIRES, 2000). Em suma, mesmo que as

    definies tradicionais estivessem corretas, o fenmeno cultural dos objetos ansiosos2

    faria que essas definies no resistissem arte advinda da avant garde

    contempornea.

    A PROPOSTA WITTGENSTEINIANA DE DEFINIR ARTE

    As definies tradicionais de arte, como so as de imitao, expresso e a

    formalista, pressupem uma concepo essencialista dos conceitos. A saber, que um

    conceito necessariamente possui certas propriedades e que podemos isol-las em

    condies necessrias e suficientes. esse pressuposto que ser questionado. Em 1956,

    Morris Weitz publicou seu famoso artigo The role of theory in aesthetics, que um

    verdadeiro divisor de guas nas tentativas de definir o que uma obra de arte.

    Influenciado pela obra do II Wittgenstein, as Investigaes filosficas (1953), em que

    Wittgenstein defende que nem todos os conceitos podem ser definidos explicitamente,

    como o conceito de jogo, nmero e religio. Assim, Weitz defende que o conceito de

    arte um conceito aberto que corresponde ao que Wittgenstein define pelo conceito de

    semelhana de famlia. Portanto, para Wittgenstein, ns no podemos, apenas vendo,

    definir os membros de uma famlia por uma caracterstica que seja comum, mas apenas

    2 Termo batizado pelo crtico de arte Harold Rosenberg, por exemplo, os readymades de Marcel Duchamp.

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    por semelhanas entre eles. Certos conceitos no teriam uma natureza ou essncia.

    Tentar definir arte buscando sua natureza ou essncia , para Weitz, no entender a

    gramtica do conceito de arte. Por conta da condio de criatividade, que faz parte

    dessa forma de vida, que advm esses produtos, no podemos fech-los em uma

    definio explcita. No podemos prever os novos desenvolvimentos histricos dessa

    atividade e do seu produto, que a arte. Podemos at possuir definies explcitas de

    arte j extintas, como o caso da tragdia grega, mas no da arte viva.

    Existem vrios problemas com essa tentativa de definio, alm de no

    cumprir com os critrios tradicionais. Mesmo aceitando que certos conceitos no tm

    essncia, o problema que, se nossos conceitos so aglutinados a partir de semelhanas

    comuns, tudo a princpio pode ser assemelhado com tudo, portanto, tudo arte e,

    assim, deixa de ser claro como essa estratgia poder ser esclarecedora do que seja arte.

    A teoria necessita de outros recursos. Uma maneira de ultrapassar esse problema

    desenvolver as ideias de Wittgenstein dentro da teoria prototpica. Assim, coisas mais

    semelhantes esto conceitualmente mais prximas. Contudo, no nosso objetivo

    desenvolver essa possibilidade aqui. Mas, existem outros problemas para serem

    resolvidos com essa proposta de Weitz (Cf. REICHER 2009, p. 188-9). Vrios filsofos

    concordaram com as objees de Weitz quanto impossibilidade de no podermos

    definir a arte apelando para as propriedades essenciais ou intrnsecas das obras de arte.

    Mas, seguiram as recomendaes de Mandelbaum (1995) na procura de um conjunto

    de propriedades necessrias e suficientes para definir arte, s que agora essas

    propriedades seriam no essencialistas ou extrnsecas s prprias obras de arte. Essas

    propriedades definidoras estariam alm dos olhos, como recomendaria Arthur Danto.

    ALGUMAS TEORIAS NO TRADICIONAIS DE DEFINIR ARTE

    Uma das teorias mais populares da arte a institucional. Ela foi sustentada em

    Art and the aesthetic (1974) pelo filsofo americano George Dickie. Essa teoria foi

    influenciada pelo filsofo Arthur Danto em seu artigo The artworld (1964). Como diz

    Warburton (2007, p. 104): Danto sugeriu que a teoria que faz de algo uma obra de

    arte e no um elemento visvel desta: Ver uma coisa como arte requer algo que o olhar

    no pode divisar uma atmosfera de teoria artstica, um conhecimento da histria da

    arte. Para a teoria institucional de Dickie (1984, p. 92), em sua primeira verso, Uma

    obra de arte no sentido classificativo 1) um artefato 2) tendo sido conferido a um

    conjunto dos seus aspectos o estatuto de candidato apreciao por uma ou vrias

    pessoas que atuam em nome de uma determinada instituio social (o mundo da arte).

    A primeira condio de artefato deve ser entendida numa acepo ampla do que seja

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    um artefato. Por exemplo, um artista pode levar uma pedra para um museu para ser

    contemplada, a pedra pode ser dita como um artefato nessa concepo e depois, jogada

    novamente de onde foi tomada, deixa de ser arte. A segunda condio se assemelha a

    um batismo, algum do mundo da arte apresenta o artefato como candidato

    apreciao. Como num batismo, isso s faz sentido num contexto de convenes que

    evoluram ao longo da histria e que so mutuamente aceitas. Parece que temos a uma

    definio que d conta de artes realmente muito bizarras, como os objetos ansiosos de

    Duchamp, a Caixa de Brillo (1964) de Andy Warhol e a Impossibilidade fsica da

    morte na mente dos vivos (1989) de Damien Hisrt ou o Concerto para quatro

    helicpteros. Mas ser que essa definio d conta de todos os casos? Infelizmente,

    no.

    Um contraexemplo teoria institucional da arte pode ser dado pelo caso de

    Arthur Bispo do Rosrio, que nasceu em Japaratuba, Sergipe, em 1909 ou 1911 e faleceu

    em 1989. qualificado como um Duchamp made in Brazil. Bispo do Rosrio foi

    diagnosticado com sendo esquizofrnico e passou 50 anos de sua vida num hospital

    psiquitrico. Rosrio se achava encarregado por Deus para fazer um inventrio das

    coisas existentes no mundo e ento ele ia ao lixo e coletava vrios tipos de objetos e

    fazia deles listas. Rosrio confeccionou um manto chamado de Manto da apresentao

    que usaria para o juzo final. Esses objetos foram considerados arte (a chamada arte

    adventcia) e hoje existe o Museu Bispo do Rosrio, onde esto expostas as 802 obras

    de Rosrio. Nesse caso, no havia por parte do artista o desejo de que seus objetos

    fossem contemplados como obras de arte, pois eram trabalhos para Deus. Ele se

    considerava um funcionrio divino. Para Dickie, esses objetos de fato no seriam arte.

    Comearam a ser arte quando algum do mundo da arte assim os considerou. Mas

    muitos, no satisfeitos com essa alegao, podem considerar que Bispo foi artista

    legtimo sem mesmo o saber ou querer. Parece, para alguns crticos, que a teoria

    institucional no consegue lidar bem com esse tipo de arte adventcia.

    Mas, existem outras crticas clssicas teoria. Os membros do mundo da arte

    escolhem um artefato para ser apreciado. Eles devem fazer isso por alguma razo e no

    arbitrariamente. Se eles tm razes, ento no seria a teoria institucional que nos diz o

    que arte, mas a teoria implcita. Aqui temos um dilema: se for arbitrria a escolha,

    parece que no faz sentido (a arte considerada algo muito importante para nossa

    cultura); se a escolha for feita por razes, a teoria da institucional suprflua. Alm

    disso, essa teoria acusada de circularidade. Os conceitos centrais como obra de arte

    e mundo da arte so interdefinidos. Outra crtica nos mostra as consequncias

    absurdas da teoria de Dickie. O artista poderia declarar que tudo arte, mesmo que no

    soubssemos disso. E poderiam existir antiartistas, que poderiam tirar o estatuto de

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    artes j consagradas. Dickie, percebendo vrios problemas com a teoria, oferece uma

    nova verso em The art circle (1997). Contudo, essa nossa reformulao no ajuda a

    responder s objees teoria institucional.

    A teoria histrico-intencional de Jerrold Levinson. Sua teoria chamada de

    definio histrica ou definindo a arte historicamente ou ainda definio histrico-

    intencional. Enquanto Dickie se concentra no aspecto institucional da arte, Levinson

    reala as intenes de quem cria a arte. Em Music, art and metaphysics (1990, p. 38-

    39), Levinson define arte: Uma obra de arte uma coisa (um item, objeto, entidade)

    relativamente ao qual houve a inteno sria de ser vista como uma obra de arte isto

    , vista do modo como as obras de arte preexistentes so ou foram corretamente

    vistas. Assim, um objeto s pode ser uma obra de arte se houve a inteno sria de ser

    tratado como tal. E no podemos transformar qualquer coisa numa obra de arte.

    Warburton (2007) chama a ateno de que a definio se baseia na noo de que no

    passado houve formas apropriadas de ver as obras de arte. Mas, quando

    retrocedemos no tempo, em relao primeira obra de arte, como ela foi denominada

    arte? Como podemos comparar essa obra primeira, pois ainda no existia outra para ela

    ser comparada?

    Em seu artigo Art as a cluster concept (2000), Berys Gaut defende a teoria do

    agrupamento do conceito de arte (the cluster theory of art). Gaut nos fornece uma

    lista de dez propriedades que seriam suficientes para sabermos se algo arte ou no.

    So estes os seguintes critrios: o artefato possui propriedades estticas positivas,

    expressa emoo, intelectualmente desafiante, complexo e coerente, tem a capacidade

    de expressar significados complexos, exibe um ponto de vista individual, um exerccio

    original de imaginao, um produto de habilidade, pertence a uma forma de arte

    estabelecida, feito com a inteno de ser uma obra de arte. Quanto mais um artefato

    possui dessas dez caractersticas, mais razes ns temos para classific-lo como arte. O

    problema que esse tipo de definio ampla demais. Faz com que uma requintada

    refeio possa tambm ser classificada como arte. E tudo leva a crer que a culinria no

    tida como uma forma estabelecida de arte 3.

    Como vimos, difcil estabelecer uma definio explcita de arte. Mesmo que

    abandonemos a pretenso de possuir uma definio explcita essencialista, o apelo a

    alguma propriedade relacional tambm no obteve sucesso. Houve at proposta de

    abandonar a prpria pergunta e substituir pela Quando h arte?, como fez o filsofo

    Nelson Goodman, e alguns simplesmente desistem do problema, como Warburton

    (2007, p.151): melhor concentrarmo-nos em obras particulares e interrogarmo-nos

    3 Cf. o artigo crtico de S. Davies teoria de Gaut. DAVIES, S. The cluster theory of art. In British Journal of

    aesthetics, vol 44, n. 3, July, 2004.

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    por que so arte e que importncia poder ter para ns esse fato. Porm, concordamos

    com Maria E. Reicher (2009) que no podemos abandonar esse problema ao ceticismo.

    Contudo, recolhemos que as definies de arte possuem problemas e possvel um

    pluralismo de definies. Propomos no trmino deste artigo a definio terico-

    comunicativa da arte de Reicher, que afirma: x uma obra de arte exatamente

    quando x intencionado por um emissor (produtor) como meio de uma experincia

    esttica. As qualidades dessa definio so sumarizadas por Reicher desse modo. No

    exclui objetos no representativos e/ou expressivos. No necessrio que todas as

    obras partilhem qualidades formais muito especficas. No exclui objetos que o mundo

    da arte (ainda no, j no) reconhece como arte. Oferece uma explicao para ready-

    mades e objets trouvs. Permite s obras fornecerem outras intenes alm das

    estticas, como as religiosas e polticas. A obra pode ter utilidade prtica, desde que

    seja tambm intencionada como objeto de experincia esttica. Essa definio tambm

    tem seus problemas, como a definio de Gaut, muito ampla, e muita coisa que no

    arte cai sob o conceito. Por exemplo, a maquiagem que uma mulher faz em seu rosto

    tem a inteno de provocar experincia esttica, porm no , obviamente, arte.

    CONSIDERAES FINAIS

    A concluso a que se chega, depois de analisar algumas das mais importantes

    definies dadas na histria da Filosofia da Arte sobre o que arte, de que ningum

    apresentou uma definio explcita que no contenha contraexemplos. Pensamos que a

    sugesto dada por Maria E. Reicher (2009), mesmo que no completamente livre de

    problemas, uma definio que consegue dar conta de vrios problemas e satisfazer os

    critrios de uma boa definio apontados no incio deste texto. possvel que Weitz e

    Warburton (2007) tenham razo de que plausvel que o termo arte no seja passvel

    de ser definido. No apenas no nvel do que visvel, mas tambm no nvel relacional e

    no visvel. Segundo Warburton, devemos provavelmente deixar de perder tempo com

    a tentativa de encontrar uma definio completamente abrangente h melhores

    formas de usar o nosso tempo e essa procura , quase com certeza, intil. Discordamos

    do filsofo ingls de que essa procura intil, visto que, procurando a natureza da arte,

    sabemos mais a respeito dela e de suas complexidades do que quando iniciamos nossa

    busca. Vrios aspectos so explicitados nessa procura, portanto, a procura de uma

    definio, mesmo que no realizada, no filosoficamente de todo intil.

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