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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
N.º 00123/LJ/2018 – REFD
Sistema Único n.º /2018
Ação Penal n.º 1002/DF
Relator: Ministro Edson Fachin
Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Fachin,
A PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA, no exercício de suas funções constitucionais
e legais, vem apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS
nesta ação penal, em atenção à decisão monocrática de fls. 3619/3626 e na forma do art. 11 da
Lei 8.038/1990, nos termos que se seguem.
I - RELATÓRIO
I.A RESUMO DA DENÚNCIA
Esta ação penal teve início com o integral recebimento, pela 2ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, da denúncia ajuizada em 16.6.2016 pela Procuradoria-Geral da República,
com base no Inquérito 3984/DF, que imputou a ANÍBAL FERREIRA GOMES e a LUIS CARLOS
BATISTA SÁ a prática dos crimes de corrupção passiva majorada e/ou corrupção ativa majorada
e de lavagem de dinheiro, em concurso material, tipificados, respectivamente, nos arts. 317-§
Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília / DF
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1º e 333-parágrafo único do Código Penal, e no art. 1º- V da Lei 9.613/1998, combinados com
o art. 29 do Código Penal (fls. 1614/1677).
A denúncia narra que, no ano de 2008, na sede da PETROBRÁS S.A., no Rio de Ja-
neiro/RJ, o Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES, agindo com LUIS CARLOS BATISTA SÁ,
João Paulo Ferreira Ornelas, Paulo Baeta Neves e Paulo Roberto Baeta Neves (falecido), pro-
meteu vantagem indevida de R$ 800.000,00 ao funcionário PAULO ROBERTO COSTA (então Di-
retor de Abastecimento da PETROBRÁS), para determiná-lo a praticar e omitir atos de ofício,
consistentes em promover, autorizar e não criar óbices ao avanços das tratativas referentes a
uma demanda remuneratória perante a PETROBRÁS das empresas de praticagem atuantes na
Zona de Praticagem 16 (ZP16), denominadas “Serviço de Praticagem da ZP-16”. A promessa
da vantagem indevida, tal qual feita por ANÍBAL GOMES, seria cumprida, com o pagamento dos
R$ 800.000,00 a PAULO ROBERTO COSTA, assim que encerradas, com sucesso, as negociações e
concretizado o pagamento, pela PETROBRÁS, às empresas de praticagem atuantes na Zona de
Praticagem 16.
Em tais negociações, as empresas integrantes do “Serviço de Praticagem da ZP-
16” foram representadas formalmente por João Paulo Ferreira Ornelas, mas representadas de
fato por ANÍBAL FERREIRA GOMES, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, Paulo Baeta Neves, Paulo Roberto
Baeta Neves e pelo próprio João Paulo Ferreira Ornelas, que participaram de diversas reuniões
na sede da PETROBRÁS, no Rio de Janeiro, para que fosse entabulado o acordo.
A denúncia também aponta que PAULO ROBERTO COSTA aceitou promessa de vanta-
gem indevida de R$ 800.000,00 em razão de sua função (Diretor de Abastecimento da
PETROBRÁS S.A.) e efetivamente praticou e deixou de praticar atos infringindo dever funcional,
quer autorizando o avanço das tratativas, quer não criando nenhum óbice à realização do acor-
do, mesmo ciente de que suas condutas ativas e omissivas serviriam para o pagamento de pro-
pina para si e para ANÍBAL GOMES. Após a chancela de PAULO ROBERTO COSTA, as negociações
resultaram em acordo em benefício dos interesses das empresas integrantes do “Serviço de
Praticagem da ZP-16” e, especialmente, em benefício dos denunciados e demais envolvidos.
Segundo a denúncia, em decorrência deste acordo, assinado em 26.8.2008, a
PETROBRÁS dispendeu R$ 60.944.852,00, a título de pagamento pela prestação de serviços de
praticagem à PETROBRÁS na área da Zona de Praticagem (ZP 16), durante o período de 1º de
abril de 2005 a 31 de julho de 2008 até a assinatura do acordo. Pelo mesmo acordo, resol-
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veu-se celebrar novo contrato para reger a prestação dos serviços de praticagem, com valores
reajustados e vigência de 1º de outubro de 2008 a 31 de março de 2011.
A denúncia acrescenta que o Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES ainda
aceitou e efetivamente recebeu de João Paulo Ferreira Ornelas vantagem indevida em razão de
sua função, com Paulo Roberto Baeta Neves e LUIS CARLOS BATISTA SÁ, de forma a que ANÍBAL
GOMES intercedesse na PETROBRÁS para que o citado acordo com as empresas integrantes do
“Serviço de Praticagem da ZP-16” fosse celebrado. De sua parte, o Deputado Federal ANÍBAL
FERREIRA GOMES aceitou promessa e, com LUIS CARLOS BATISTA SÁ, efetivamente recebeu van-
tagem indevida, em razão de sua função, além de efetivamente praticar ato infringindo dever
funcional, utilizando-se de sua relação com PAULO ROBERTO COSTA, a quem empenhava seu
apoio político para mantê-lo no cargo de Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS, a fim de
exortá-lo a autorizar o prosseguimento das tratativas e não criar óbice à realização do acordo
atinente à ZP16, mesmo ciente de que serviria para o pagamento de propina para si e para
ANÍBAL GOMES em detrimento da empresa.
De acordo com a denúncia, do valor total pago pela PETROBRÁS (R$
60.944.852,00) em cumprimento ao acordo assinado em 26.8.2008, R$ 43.500.004,62 foram
utilizados pelas empresas do “Serviço de Praticagem da ZP-16” para pagamento ao escritório
de João Paulo Ferreira Ornelas, a título de honorários advocatícios.
Deste montante, R$ 6.085.076,33 foram repassados ao escritório EDUARDO A. L.
FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS, em 23 de setembro de 2008, do qual
era sócio Paulo Roberto Baeta Neves. Em 25 de setembro de 2008, por determinação de Paulo
Roberto Baeta Neves, o escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES
ADVOGADOS ASSOCIADOS encaminhou à conta bancária pessoal de Paulo Roberto Baeta Neves a
importância de R$ 5.500.000,00.
No mesmo dia, 25.9.2008, Paulo Roberto Baeta Neves repassou R$ 3.000.000,00
à conta bancária de LUIS CARLOS BATISTA SÁ. Com o propósito de ocultar e dissimular a nature-
za, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores (R$
3.000.000,00) provenientes, direta ou indiretamente, de prática de crime contra a administra-
ção pública, Paulo Roberto Baeta Neves e LUIS CARLOS BATISTA SÁ simularam a realização de
negócio jurídico concernente à aquisição de propriedade rural situada no município de Goia-
tins – TO, de aproximadamente 2,5 mil hectares.
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Em sequência ao recebimento dos R$ 3.000.000,00, mediante diversas operações
fracionadas e de forma a ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, disposição, mo-
vimentação e propriedade de valores provenientes, direta ou indiretamente, de prática de cri-
me contra a administração pública, LUIS CARLOS BATISTA SÁ repassou a maior parte desse mon-
tante a terceiros de alguma forma vinculados a ANÍBAL GOMES e, em menor proporção, direta-
mente ao próprio ANÍBAL GOMES.
Além de especificar os ilícitos criminais praticados por ANÍBAL FERREIRA GOMES e
LUIS CARLOS BATISTA SÁ, a denúncia descreveu o esquema de corrupção de agentes públicos e
de lavagem de dinheiro que prejudicou a PETROBRÁS, inserindo os crimes imputados na denún-
cia no exato contexto do referido esquema.
Ao final da denúncia, consta o rol das testemunhas arroladas pela acusação: Alber-
to Youssef, Delcídio do Amaral Gomez, PAULO ROBERTO COSTA, Eduardo Autran de Almeida
Junior, José João Appel Mattos, Eduardo Lucho Ferrão, Alvicto Ozores Nogueira, Atilo Nico-
la Filho, Maria Ilma Magalhães Silveira Pinheiro Landim, Ulisses José Ferreira Leite, Carlos
José Mendes, José Carlos Vasconcelos, Márcio Eustáquio Bello, Elon Gomes de Almeida, Eli-
zabeth Siqueira, Ana Pércia Alux Bessa, Marcos Túlio Pinheiro Regadas, Cleto Aparecido Ro-
drigues e Alberto Jorge Ferreira Gomes.
I.B. ALEGAÇÕES DA DEFESA
As respostas à denúncia foram regularmente apresentadas pelos denunciados
ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ (respectivamente, às fls. 1953/2009 e
2011/2078).
ANÍBAL FERREIRA GOMES apresentou as seguintes questões, preliminares e de méri-
to:
(i) inépcia da denúncia, à conta de que a causa de pedir não estaria “umbilical-
mente ligada ao pedido” e porque não se teria descrito minuciosamente a conduta que teria
sido perpetrada pelo denunciado, impossibilitando-lhe a defesa;
(ii) ausência de interesse de agir do Ministério Público, à conta de que não
existiriam elementos concretos de autoria e materialidade;
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(iii) ausência de justa causa, à conta de que os depoimentos prestados pelo
colaborador PAULO ROBERTO COSTA não teriam sido corroborados por outro elemento de
informação, situação que alega idêntica à do Inquérito 3.986/DF, o qual veio a ser arquivado;
(iv) nulidade da ação penal por cerceamento de defesa, o que violaria o art. 564
do CPP, por lhe ter sido indeferido o prazo em dobro para apresentar a defesa preliminar, o
que teria impossibilitado o exame do conteúdo das gravações de áudio e vídeo constantes dos
autos da AC 3872/DF e da AC 4005/DF;
(v) falta de indícios suficientes de autoria e de materialidade dos crimes a si
atribuídos, à conta de que os elementos trazidos na denúncia, sobre a participação do
denunciado em reuniões com PAULO ROBERTO COSTA, não revelariam o ato de solicitar, receber
ou aceitar promessa de vantagem indevida, pois “somente atendeu a um pedido de um amigo
de longa data para agendar, simplesmente, uma reunião com o senhor PAULO ROBERTO COSTA”.
Acrescenta não terem sido demonstrados o dolo e faltar o “ato de ofício”, tendo em conta que
“toda condução de negociação pretendida pelo Sindicato dos Práticos não está afeta às
atribuições do senhor PAULO ROBERTO COSTA” e teriam sido levadas à cabo apenas pela unidade
técnica competente; e porque não aponta qual teria sido o ato de ofício referente ao Deputado,
cujas atribuições são delimitadas no art. 54 da CF/88 e no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados.
(vi) ausência de provas do recebimento de valores relativos ao contrato de
compra e venda de uma fazenda entre LUIS CARLOS BATISTA SÁ e Paulo Roberto Baeta Neves,
tendo sido negócio lícito e devidamente registrado nas respectivas declarações de IRPF;
(vii) atipicidade da conduta do crime de lavagem de capitais, pois “não
possuía conhecimento da existência de qualquer crime na sua conduta, tampouco do seu
amigo LUIS CARLOS BATISTA SÁ e nem dos advogados responsáveis pela condução das
negociações”, e porque na redação anterior da Lei 12.683/2012, aplicável ao caso, exigia-se a
ciência do agente da prática de crime antecedente.
Por fim, pede a rejeição da denúncia, declaração de nulidade absoluta da ação
penal e reconhecimento da atipicidade dos crimes. ANÍBAL FERREIRA GOMES pede que seu
advogado seja previamente intimado da sessão de julgamento e arrola 24 testemunhas:
Alberto Youssef, Delcídio do Amaral Gomez, PAULO ROBERTO COSTA, Eduardo Autran de
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Almeida Junior, José João Appel Mattos, Eduardo Lucho Ferrão, Alvicto Ozores Nogueira,
Atilo Nicola Filho, Maria Ilma Magalhães Silveira Pinheiro Landim, Ulisses José Ferreira
Leite, Carlos José Mendes, José Carlos Vasconcelos, Márcio Eustáquio Bello, Elon Gomes de
Almeida, Elizabeth Siqueira, Ana Pércia Alux Bessa, Marcos Túlio Pinheiro Regadas, Cleto
Aparecido Rodrigues, Alberto Jorge Ferreira Gomes, Eduardo Autran, Adriana Soares,
Rogério Fernandes Figueiró, Francisco Pais e Roberto Mesquita.
A defesa de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, por sua vez, traz as seguintes questões,
inclusive preliminares, em sua resposta escrita:
(i) ilicitude da prova, a contaminar todas as demais dela decorrentes, obtida
mediante quebra dos sigilos fiscal e bancário na Ação Cautelar 3872/DF, porque a diligência o
atingiu, embora não fosse à época investigado no inquérito e como resultado de requerimento
da autoridade policial com fundamento inidôneo, pois insuficiente a demonstrar a necessidade
da medida;
(ii) inépcia da denúncia, porque a causa de pedir não estaria “umbilicalmente
ligada ao pedido” e porque não descreveria minuciosamente a conduta que teria praticado,
impossibilitando-lhe a defesa;
(iii) ausência de interesse de agir do Ministério Público, por inexistirem
elementos concretos de autoria e materialidade;
(iv) ausência de justa causa, à conta de que os depoimentos do colaborador
PAULO ROBERTO COSTA não foram corroborados por outro elemento de informação, situação
que alega idêntica a do Inquérito 3.986/DF, o qual veio a ser arquivado;
(v) nulidade da ação penal por cerceamento de defesa, por violação ao art. 564
do CPP, por lhe ter sido indeferido o prazo em dobro para apresentar a defesa preliminar, o
que teria impossibilitado o exame do conteúdo das gravações de áudio e vídeo constantes dos
autos da AC 3872/DF e AC 4005/DF. Alega erro no despacho de indeferimento do prazo em
dobro, por não se tratar de autos eletrônicos, mas físicos. Acrescenta que erro na denúncia
teria causado prejuízo à defesa, ao se referir na capitulação ao parágrafo único ao art. 317 do
Código Penal, dispositivo inexistente.
(vi) falta de indícios suficientes de autoria e de materialidade dos delitos a si
atribuídos, pois os elementos trazidos na inicial, apontando para a participação do denunciado
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em reuniões com PAULO ROBERTO COSTA, não revelariam qualquer ato de solicitar, receber ou
aceitar promessa de vantagem indevida, pois “procurou o Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA
GOMES tão somente para solicitar sua ajuda na marcação de audiência com o Sr. PAULO
ROBERTO COSTA”, asseverando que a compra e venda da fazenda referida na denúncia foi
negócio jurídico válido, não podendo ser equiparado a recebimento de vantagem indevida.
Acrescenta faltar, quanto ao tipo do art. 317-§ 1º, a elementar “ato de ofício”, tendo em conta
que “toda condução de negociação pretendida pelo Sindicato dos Práticos não está afeta às
atribuições do senhor PAULO ROBERTO COSTA” e teriam sido levadas à cabo apenas pela unidade
técnica competente.
(vii) atipicidade da conduta sobre lavagem de capitais, pois “não possuía
conhecimento da existência de qualquer crime na sua conduta, tampouco da conduta do
Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES, e nem dos advogados responsáveis pela condução
das negociações” e na redação da lei de lavagem anterior à Lei 12.683/2012, aplicável ao
caso, exigia-se a ciência do agente da prática de crime antecedente.
LUIS CARLOS BATISTA SÁ pede a rejeição da denúncia; declaração de nulidade
absoluta da ação penal por violação ao direito de ampla defesa, com reabertura do prazo para
nova resposta, ou o reconhecimento da atipicidade dos crimes. Igualmente apresenta o mesmo
rol de 24 testemunhas indicado pelo denunciado ANÍBAL FERREIRA GOMES e requer seja o
advogado de defesa previamente intimado da sessão de julgamento.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se, na forma do art. 5º-parágrafo
único da Lei 8.038/1990, sobre as respostas à denúncia (fls. 2084/2119). Ao enfrentar unica-
mente as questões preliminares suscitadas pelas defesas, requereu a rejeição de todas e o con-
sequente recebimento integral da denúncia.
Em sessão realizada em 6.12.2016, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal rece-
beu integralmente a denúncia, rejeitando todas as demais questões preliminares suscitadas pe-
las defesas dos acusados (fls. 2149/2188)
Os embargos declaratórios de ANÍBAL FERREIRA GOMES (fls. 2201/2231) e de LUIS
CARLOS BATISTA SÁ (fls. 2233/2252) foram rejeitados pela 2ª Turma do STF (fls. 2261/2279)
Reautuados os autos do Inquérito 3.984/DF como esta Ação Penal.
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A PETROBRÁS requereu (fls. 2284/2288) e, mediante anuência da Procurado-
ria-Geral da República (fls. 2442/2445), foi admitida como assistente de acusação (fls.
2446/2447).
Oportunamente citados, os réus LUIS CARLOS BATISTA SÁ e ANÍBAL FERREIRA GOMES
apresentaram defesa prévia, na forma do art. 8º da Lei 8.038/1990 e do art. 238 do RISTF
(respectivamente, às fls. 2297/2301 e 2306/2318).
Em sua defesa prévia, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, além de impugnar “todos os ele-
mentos de informação colhidos durante a fase inquisitorial e que formaram a 'opinio delicti'
do Ministério Público Federal para o oferecimento da denúncia”, requereu a produção “de
todos os meios de provas em direito assegurados”, mais especificamente:
(i) “a produção de laudo pericial em que se possa verificar a ocorrência (ou
não) de benefício econômico-financeiro para a PETROBRÁS S.A. em razão do Acor-
do celebrado em 26/08/2008 com as empresas integrantes do 'Serviço de Prati-
cagem da ZP-16'”;
(ii) “a produção de laudo pericial em que se possa atestar o valor venal da
área rural localizada no Município de Campos Lindos (Estado do Tocantins-TO)
que fora objeto de negócio jurídico de compra e venda celebrado entre o Réu e o
Sr. PAULO ROBERTO BAETA NEVES, e que o i. representante do Ministério Pú-
blico Federal afirma em sua denúncia ter sido 'objeto de simulação'”;
(iii) a produção de prova testemunhal, a ser obtida através da inquirição das
mesmas testemunhas apontadas pelo referido denunciado quando ofertou sua res-
posta à acusação.
ANÍBAL FERREIRA GOMES, por sua vez, na defesa prévia, ao reiterar e reforçar argu-
mentos anteriormente por ele defendidos em sua resposta à acusação, além de impugnar “to-
dos os documentos e elementos de provas que foram coletados na fase do inquérito”, reque-
reu a produção das seguintes provas:
“PRODUÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL, consistente na determinação
de V.Exa. para que a PETROBRÁS apresente, para fins de juntada aos autos do pre-
sente processo, a cópia na íntegra do processo administrativo que amparou o
acordo celebrado com a categoria dos Práticos, inclusive disponibilizando-se
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neste feito as cópias de todos os pareceres técnicos das respectivas áreas técnicas
que opinaram favoravelmente à celebração do acordo sob exame;
PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL, consistente na designação de Ilmo.
Perito por parte do Exmo. Relator, objetivando assim a análise quanto à vanta-
gem e /ou o benefício econômico-financeiro da PETROBRÁS no acordo celebrado
com a categoria dos Práticos;
PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL, com pedido para que as teste-
munhas prestem depoimento em Juízo sob a cláusula de imprescindibilidade, com
a possibilidade de substituição, a critério da defesa e na forma legal (art. 461 do
CPP), com ofício à PETROBRÁS para apresentar as qualificações pessoais dos em-
pregados nominados no rol abaixo (itens 2, 4, 5, 6 e 7), ratificando-se o rol já
apresentado na defesa ou manifestação preliminar apresentada pelo Denunciado
anteriormente nos autos. Em seguida, o denunciado arrolou as seguintes testemu-
nhas. Alberto Youssef, Eduardo Autran de Almeida Junior, Eduardo Lucho Ferrão,
Eduardo Autran, Adriana Soares, Rogério Fernandes Figueiró e Francisco Pais.
I.C INSTRUÇÃO
Iniciada a instrução processual penal, foram ouvidas as testemunhas indicadas
pelo Ministério Público Federal: Alberto Youssef (transcrição da oitiva acostada às fls.
3140/3146), Delcídio do Amaral Gomez (transcrição da oitiva acostada às fls. 3132/3139),
PAULO ROBERTO COSTA (transcrição da oitiva acostada às fls. 3147/3161), Eduardo Autran de
Almeida Junior (transcrição da oitiva acostada às fls. 3380/3405), José João Appel Mattos
(transcrição da oitiva acostada às fls. 3100/3112), Eduardo Antônio Lucho Ferrão (transcrição
da oitiva acostada às fls. 3283/3296), Alvicto Ozores Nogueira (transcrição da oitiva acostada
às fls. 3181/3202), Atilo Nicola Filho (transcrição da oitiva acostada às fls. 3162/3180), Maria
Ilma Magalhães Silveira Pinheiro Landim (transcrição da oitiva acostada às fls. 3277/3282),
Ulisses José Ferreira Leite (transcrição da oitiva acostada às fls. 3203/3248), Carlos José
Mendes (transcrição da oitiva acostada às fls. 3254/3266), José Carlos Vasconcelos (transcri-
ção da oitiva acostada às fls. 3297/3311), Márcio Eustáquio Bello (transcrição da oitiva acos-
tada às fls. 3312/3326), Elon Gomes de Almeida (transcrição da oitiva acostada às fls.
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3327/3334), Elizabeth Siqueira (transcrição da oitiva acostada às fls. 3406/3434), Ana Pércia
Alux Bessa (transcrição da oitiva acostada às fls. 3335/3364), Marcos Túlio Pinheiro Regadas
(transcrição da oitiva acostada às fls. 3113/3131), Cleto Aparecido Rodrigues (transcrição da
oitiva acostada às fls. 3365/3379) e Alberto Jorge Ferreira Gomes (transcrição da oitiva acos-
tada às fls. 3267/3276).
Em seguida, foram inquiridas as seguintes testemunhas apontadas exclusivamente
pela defesa: Adriana Soares (transcrição da oitiva acostada às fls. 3435/3450), Rogério Fer-
nandes Figueiró (transcrição da oitiva acostada às fls. 3451/3461) e Roberto Mesquita da Sil-
veira Junior (transcrição da oitiva acostada às fls. 3462/3469).
Foram acareadas as testemunhas Alvito Ozores Nogueira e Ulisses Ferreira Leite
(fls. 3249/3253).
Por fim, foram interrogados os réus ANÍBAL FERREIRA GOMES (transcrição do inter-
rogatório acostada às fls. 3470/3506) e LUIS CARLOS BATISTA SÁ (transcrição do interrogatório
acostada às fls. 3507/3557).
Intimados para o fim disposto no art. 10 da Lei 8.038/90, (i) a Procuradoria-Geral
da República pleiteou a oitiva de Iralberto Moura de Andrade como testemunha de acusação e
(ii) o denunciado LUIS CARLOS BATISTA SÁ requereu:
(ii.a) “a intimação do Sr. MARCOS TÚLIO PINHEIRO REGADAS para
que apresente informações sobre eventual aquisição de helicóptero entre os anos
de 2008 e 2009”;
(ii.b) alternativamente, “a expedição de ofício à AGÊNCIA NACIONAL DE
AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) para apresentar nestes autos, informações sobre even-
tual aquisição de helicóptero, entre os anos de 2008 e 2009, por parte do Sr.
MARCOS TÚLIO PINHEIRO REGADAS”;
(ii.c) “a intimação para Oitiva do Sr. FRANCISCO JOSÉ MAGALHÃES
SILVEIRA (…), para que venha aos autos esclarecer os fatos narrados na peça
acusatória”; (ii.d) “a intimação para oitiva do Sr. ELMO ROBERTO BELCHIOR
AGUIAR (…), a fim de que possa vir a juízo esclarecer os fatos na forma como
realmente ocorreram, sanando a inconsistência do depoimento da testemunha Ro-
berto Mesquita da Silveira Júnior”; (ii.e) “a intimação para Oitiva do Sr. MÁR-
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CIO APOLO LIMA LEITE (…), para que possa vir em juízo apresentar os fatos
que concessa venia auxiliarão este douto Juízo no julgamento desta ação”;
(ii.f) “a realização de perícia técnica para apuração do valor venal do imó-
vel objeto de negócio jurídico celebrado entre o Sr. LUIS CARLOS BATISTA SÁ e o Sr.
Paulo Baeta Neves, qual seja, 'Fazenda Boa Sorte', no Estado de Tocantins (…),
apurando-se o valor atual do imóvel e a estimativa do valor à época dos fatos im-
putados na peça acusatória” (fls. 3571/3585), e
(iii) o réu ANÍBAL FERREIRA GOMES pleiteou:
(iii.a) “seja Oficiado à PETROBRÁS para apresentar em juízo documento in-
terno (carta ou memorando ou nota explicativa ou qualquer outro similar) elabo-
rado pelo Sr. Bellot, mencionado no depoimento da testemunha Sra. ADRIANA
SOARES”;
(iii.b) “expedição de Ofício à PETROBRÁS para que esta apresente em juízo a
ata da Diretoria Colegiada que aprovou o acordo com os práticos e os relatórios
de auditoria interna e externa que analisaram o referido acordo com a ZP16”; as-
sim como reiterou os pedidos apresentados na resposta à acusação no sentido de
(iii.c) “seja Oficiado à Petrobrás para que colija aos autos a cópia integral
do procedimento administrativo que tratou do Acordo com os Práticos”; e (iii.d)
“realização de exame pericial para verificação das bases econômico-financeiras
do acordo e, por corolário, verificar se houve ou não vantagem para a Compa-
nhia” (fls. 3601/3603).
O Ministro Relator, ao indeferir os pedidos de diligências complementares apre-
sentados pelas partes, concedeu vista dos autos à Procuradoria-Geral da República, para apre-
sentação de alegações finais, na forma do art. 11 da Lei 8.038/1990.
É o relatório
II. PRELIMINARES SUSCITADAS PELAS DEFESAS DOS RÉUS: PRECLUSÃO.
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As questões preliminares suscitadas pelas defesas dos réus foram rejeitadas pela 2ª
Turma do Supremo Tribunal Federal no acórdão pelo qual recebida a denúncia (fls.
2149/2188). Precluíram.
III. NO MÉRITO.
No mérito, é relevante contextualizar os fatos no âmbito da OPERAÇÃO LAVA JATO.
Em sequência, analisam-se os fatos demonstrados na investigação e na instrução
processual.
III.A - CONTEXTUALIZAÇÃO DOS FATOS NO ÂMBITO DA CHAMADA OPERAÇÃO LAVA JATO
A OPERAÇÃO LAVA JATO desvendou grande e complexo esquema de corrupção de
agentes públicos e de lavagem de dinheiro em detrimento da PETROBRÁS, mas que não se
restringe a esta empresa.
A operação abrange vasto conjunto de investigações e de ações penais vinculadas
à 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná, em Curitiba. No início, apurava esquema de
lavagem de dinheiro com participação do ex-Deputado Federal Jose Mohamed Janene, o
doleiro Carlos Habib Chater e as empresas CSA Project Finance Ltda. e Dunel Industria e
Comercio Ltda. Esta apuração resultou no ajuizamento da ação penal n. 5047229-
77.2014.404.7000.
A investigação inicial foi, a seu tempo, ampliada para abranger a atuação de diver-
sos outros doleiros, revelando a ação de grupos distintos, mas interligados. Tais doleiros se re-
lacionavam entre si para desenvolver atividades criminosas. Formavam, todavia, grupos autô-
nomos e independentes, com alianças pontuais. Isso deu origem a quatro operações, que aca-
baram, em seu conjunto, conhecidas como OPERAÇÃO LAVA JATO.
No decorrer das investigações sobre lavagem de dinheiro, surgiram novas provas
da ocultação de recursos provenientes de crimes de corrupção de recursos da PETROBRÁS, mas
a esta não restrita. O aprofundamento das investigações evidenciou que, entre 2004 e 2012,
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diretores da Petrobrás eram nomeados e mantidos por influência de membros de partidos
políticos.
Também apurou-se que, para contratarem com a PETROBRÁS, as maiores
construtoras brasileiras criaram um cartel, que passou a atuar de modo mais efetivo a partir de
2004. Este cartel era formado, dentre outras, pelas empreiteiras: ODEBRECHT, UTC, OAS,
CAMARGO CORRÊA, QUEIROZ GALVÃO, MENDES JÚNIOR, ANDRADE
GUTIERREZ, GALVÃO ENGENHARIA, IESA, ENGEVIX, SETAL, TECHINT, PROMON,
MPE, SKANSKA e GDK. Eventualmente, participavam das fraudes as empreiteiras ALUSA,
FIDENS, JARAGUÁ EQUIPAMENTOS, TOME ENGENHARIA, CONSTRUCAP e
CARIOCA ENGENHARIA.
Especialmente a partir de 2004, estas empresas conluiaram-se para dividir entre si
as obras que contratariam com a PETROBRÁS, de modo a excluir empreiteiras não participantes
do cartel dos convites para os processos seletivos, ou que os vencessem.
Referido cartel atuou ao longo de anos de maneira organizada, inclusive com
“regras” previamente estabelecidas, semelhantes ao regulamento de um campeonato de
futebol. Repartiam, ainda, as obras ao modo da distribuição de prêmios de um bingo. Assim,
antes do início dos certames, já se sabia qual seria a empresa ganhadora. As demais licitantes
apresentavam propostas – em valores maiores do que os ofertados pela empresa que deveria
vencer – apenas para dar aparência de legalidade à falsa disputa.
Para garantir os interesses do cartel, as empreiteiras cooptaram determinados
agentes públicos da PETROBRÁS, especialmente alguns diretores com grande poder de decisão1.
Esta cooptação foi facilitada pelo fato de os diretores serem nomeados por influência de
partidos políticos e de agentes políticos, o que facilitou a comunhão de esforços e interesses
entre os poderes econômico e político para implantação e funcionamento do esquema, em
detrimento do patrimônio público, da moralidade administrativa e da Petrobrás.
Os funcionários de alto escalão, à revelia da PETROBRÁS, recebiam vantagens
indevidas das empresas cartelizadas. Em contrapartida, omitiam-se em denunciar o cartel – ou
seja, não criavam obstáculos ao esquema nem atrapalhavam seu funcionamento –, e também
agiam em favor do interesse das construtoras, restringindo os participantes das convocações e
1 A PETROBRÁS, na época, possuía as seguintes Diretorias: Financeira; Gás e Energia; Exploração e Produção;Abastecimento; Internacional; Serviços.
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agindo para que a empreiteira escolhida pelo cartel fosse a vencedora do certame. Ademais,
estes funcionários corruptos permitiam negociações diretas injustificadas, celebravam aditivos
desnecessários e com preços excessivos, aceleravam contratações com supressão de etapas
relevantes e vazavam informações sigilosas, entre outras irregularidades, todas em prol das
empresas cartelizadas.
Os valores ilícitos destinavam-se aos diretores corrompidos, aos partidos
políticos e aos agentes políticos (sobretudo parlamentares), responsáveis pela indicação e
manutenção daqueles nos cargos.
As vantagens indevidas eram repassadas aos agentes políticos de maneira
periódica e ordinária, e também de forma episódica (como no caso em tela), sobretudo
em épocas de eleições ou de escolhas das lideranças.
Os agentes políticos, plenamente conscientes das práticas indevidas que ocorriam
na PETROBRÁS, não apenas patrocinavam a nomeação e manutenção dos diretores e dos demais
agentes públicos no cargo, como também não interferiam no cartel existente e em todas as
irregularidades subjacentes. Ou seja, o apoio e a sustentação política dos partidos polítivos e
seus integrantes, em especial aqueles que participavam de seu comando ou que exerciam
funções relevantes no Governo Federal, para a indicação e manutenção do respectivo Diretor
da PETROBRÁS, tinha a finalidade predeterminada de obter vantagens indevidas em detrimento
do patrimônio público, da moralidade administrativa e da Petrobrás.
A influência política ilícita sobre diretores corrompidos da PETROBRÁS revelou-se
mais nítida na Diretoria de Abastecimento, na Diretoria de Serviços e na Diretoria
Internacional, oriunda do Partido Progressista – PP, do Partido dos Trabalhadores – PT e do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, da seguinte forma:
a) O Diretor da Diretoria de Abastecimento, ocupada por PAULO ROBERTO COSTA
entre 2004 e 2012, era de indicação do PP, com posterior apoio do PMDB;
b) O Diretor da Diretoria de Serviços, ocupada por Renato Duque entre 2003 e
2012, era de indicação do PT;
c) O Diretor da Diretoria Internacional, ocupada por Nestor Cerveró entre 2003
e 2008 e por JORGE ZELADA entre 2008 e 2012, era de indicação inicialmente do PT e de-
pois do PMDB.
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Para possibilitar o trânsito ilícito das vantagens indevidas entre os dois pontos da
cadeia – ou seja, das empreiteiras para os diretores e políticos – atuavam profissionais
encarregados da lavagem de ativos, que podem ser chamados de “operadores” ou
“intermediários”. Estes operadores cometiam novos ilícitos, mediante estratégias de ocultação
e de dissimulação da origem dos recursos, para lavar o dinheiro e, assim, permitir que a
propina chegasse aos seus destinatários de maneira insuspeita ou menos exposta.
Em regra, o repasse dos valores ilícitos se dava em duas etapas. Primeiro, o
dinheiro era repassado das construtoras para o operador. Para tanto, havia basicamente três
formas: a) entrega de valores em espécie; b) depósito e movimentação no exterior; e c)
contratos simulados (em geral, de consultoria) com empresas de fachada.
Uma vez disponibilizado o dinheiro ao operador, iniciava-se a segunda etapa, na
qual os valores saíam do intermediário e eram enviados aos destinatários finais (funcionários
públicos e agentes políticos), descontada a comissão do operador. Havia pelo menos quatro
formas de os operadores repassarem as quantias aos beneficiários das vantagens indevidas:
a) A primeira forma – uma das mais comuns entre os políticos – consistia na en-
trega de valores em espécie, que era feita por meio de empregados ou prepostos dos operado-
res, os quais faziam viagens principalmente em vôos comerciais, com valores ocultos no cor-
po, ou em vôos fretados;
b) A segunda forma era na forma de transferências eletrônicas para empresas ou
pessoas indicadas pelos destinatários ou, ainda, o pagamento de bens ou contas dos beneficiá-
rios;
c) A terceira forma ocorria por meio de transferências e depósitos em contas no
exterior, em nome de empresas offshores de responsabilidade dos agentes ou de seus familia-
res;
d) A quarta forma, adotada sobretudo em épocas de campanhas eleitorais, era a
realização de doações “oficiais”, devidamente declaradas, pelas construtoras ou empresas co-
ligadas, diretamente para os políticos ou para o diretório nacional ou estadual do partido res-
pectivo, as quais, em verdade, consistiam em propinas pagas e disfarçadas do seu real propósi-
to.
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Deste modo, as investigações da OPERAÇÃO LAVA JATO descortinaram a atuação de
organização criminosa complexa, formatada em típica organização nodal, como
modernamente sói ocorrer na macrocriminalidade relacionada aos chamados crimes de
colarinho branco, pela qual os diversos envolvidos se especializaram em núcleos de atuação,
relativamente autônomos, posto que interdependentes, dando, cada um, suporte a atuação dos
demais. Destacam-se, na estrutura desvendada, basicamente quatro núcleos:
a) O núcleo político, formado principalmente por parlamentares que, utili-
zando-se de suas agremiações partidárias, indicavam e mantinham funcionários corrompidos
no alto escalão da PETROBRÁS, em especial os diretores. Em contrapartida, recebiam vantagens
indevidas pagas pelas empresas cartelizadas (componentes do núcleo econômico) (que logra-
vam obter contratos com a sociedade de economia mista), após a adoção de estratégias de
ocultação e dissimulação da origem dos valores pelos operadores financeiros do esquema;
b) O núcleo econômico, formado pelas empreiteiras cartelizadas contratadas pela
PETROBRÁS, que se beneficiavam ilicitamente dos contratos e, em contrapartida, pagavam van-
tagens indevidas a funcionários de alto escalão da sociedade de economia mista e aos compo-
nentes do núcleo político, por meio da atuação dos operadores financeiros, para manutenção
do esquema;
c) O núcleo administrativo, formado pelos funcionários corrompidos no alto es-
calão da PETROBRÁS, especialmente os diretores, os quais eram indicados e mantidos pelos in-
tegrantes do núcleo político e recebiam vantagens indevidas das empresas cartelizadas, com-
ponentes do núcleo econômico, para viabilizar o funcionamento do esquema;
d) O núcleo financeiro, formado pelos operadores tanto do recebimento das van-
tagens indevidas das empresas cartelizadas integrantes do núcleo econômico como do repasse
dessa propina aos componentes dos núcleos político e administrativo, mediante estratégias de
ocultação e dissimulação da origem desses valores.
No decorrer das investigações e das ações penais, foram celebrados, entre outros,
acordos de colaboração premiada com dois dos principais agentes do esquema criminoso: a)
PAULO ROBERTO COSTA, Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS entre 2004 e 2012, integrante
destacado do núcleo administrativo da organização criminosa; e b) Alberto Youssef, doleiro
que integrava o núcleo financeiro da organização criminosa, atuando no recebimento de vanta-
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gens indevidas das empresas cartelizadas e no seu posterior pagamento a funcionários de alto
escalão da PETROBRÁS, especialmente a PAULO ROBERTO COSTA, bem como a políticos e seus
partidos, mediante estratégias de ocultação e dissimulação da origem desses valores. As decla-
rações destes dois colaboradores revelaram o envolvimento de vários integrantes do núcleo
político da organização criminosa, preponderantemente autoridades com prerrogativa de foro
no Supremo Tribunal Federal.
PAULO ROBERTO COSTA foi Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS, nomeado e
sustentado no cargo, principalmente, pelo Partido Progressista (PP) e pelo PMDB. Alberto
Youssef operava o recebimento e o repasse de propinas, sobretudo a PAULO ROBERTO COSTA,
aos partidos e aos respectivos parlamentares.
As colaborações premiadas de ambos, somadas às declarações prestadas por ou-
tros envolvidos e a diversos elementos de prova, permitiram desvendar as particularidades do
esquema de corrupção de agentes públicos e de lavagem de dinheiro estabelecido na
PETROBRÁS, em especial na Diretoria de Abastecimento.
Com efeito, tendo sido inicialmente indicado para o cargo pelo PP, PAULO ROBERTO
COSTA adoentou-se no ano de 2006 e enfrentou um movimento político, apoiado inclusive por
parte de alguns funcionários da própria PETROBRÁS, que pretendia substituí-lo na Diretoria de
Abastecimento. Para que isso não ocorresse, PAULO ROBERTO COSTA obteve apoio da bancada
do PMDB no Senado2. O apoio do PMDB para a manutenção de PAULO ROBERTO COSTA na Di-
retoria de Abastecimento também foi confirmado pelo colaborador Delcídio do Amaral3.
ANÍBAL FERREIRA GOMES também atuou concretamente para que o PMDB desse
apoio político integral a PAULO ROBERTO COSTA no âmbito da PETROBRÁS, como assegurado
pelo Senador Renan Calheiros nesta ação penal (fls. 1843/1845), e conforme ele próprio,
ANÍBAL GOMES, admitiu em depoimento prestado à autoridade policial (fls. 1212/1218), opor-
tunidade na qual também assumiu que, além de deter na época acesso facilitado ao então Dire-
2 Conforme Termo de Colaboração n.º 01 de PAULO ROBERTO COSTA.
3 “(...) QUE isto ocorreu também porque PAULO ROBERTO COSTA ficou gravemente enfermo, em uma via-gem para a Ásia; QUE a chance de ele sobreviver na época era baixa; QUE ALAN KARDEC, o gerenteexecutivo da Diretoria de Abastecimento, tentou ganhar o cargo; QUE quando PAULO ROBERTO COSTA serecuperou, buscou o PMDB para se manter no cargo; QUE quem conduziu este processo de o PMDB “as-sumir” a Diretoria Internacional e a Diretoria de Abastecimento foi o então Ministro de Minas e EnergiasSILAS RONDEAU, que era ligado ao PMDB do Senado, em especial a ROMERO JUCÁ, EDISON LOBÃO,RENAN CALHEIROS e JADER BARBALHO (...)”. Termo de colaboração n. 02 de DELCÍDIO DO AMA-RAL.
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tor de Abastecimento da estatal, realizou dezenas de visitas nas quais submeteu a ele solicita-
ções de empresas interessadas em se cadastrar para participação de licitações realizadas pela
sociedade de economia mista.
Em paralelo a sua participação no esquema criminoso mais abrangente de propi-
nas recebidas por parlamentares do PMDB decorrentes de contratos firmados pela PETROBRÁS,
o Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES também concorreu para a prática de outros cri-
mes, em contexto semelhante, cujas particularidades, contudo, recomendaram que a persecu-
ção penal fosse formulada em autos próprios.
É este, precisamente, o caso destes autos: crimes de corrupção ativa e passiva e
de lavagem de dinheiro, decorrentes de condutas de ANÍBAL GOMES e de outro denunciado.
III.B FATOS COMPROVADOS NO CURSO DESTA AÇÃO PENAL
III.B.1 ESTRATAGEMA DOS DOIS DENUNCIADOS PARA A ASSINATURA DO ACORDO NO INTERESSE DAS EMPRESAS DA ZP16 E OS PAGAMENTOS EFETUADOS
Conforme demonstrado nesta ação penal, o Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA
GOMES, eleito pelo PMDB, aceitou promessa e efetivamente recebeu vantagem indevida de
João Paulo Ferreira Ornelas, em razão de sua função, de forma a que ANÍBAL FERREIRA GOMES,
valendo-se de sua influência na PETROBRÁS e sobre PAULO ROBERTO COSTA, intercedesse na so-
ciedade de economia mista para que fosse celebrado acordo com as empresas integrantes do
“Serviço de Praticagem da ZP-16” a respeito de demanda remuneratória4.
De acordo com o documento de fls. 509/512, subscrito por João Paulo Ferreira
Ornelas, “o serviço de praticagem é obrigatório e essencial, porém a PETROBRÁS encon-
trava-se inadimplente do pagamento devido pelos serviços prestados desde Outubro de 2004
e sem contrato de prestação de serviços” (grifo nosso).
Para possibilitar o pagamento da vantagem indevida e formalizar a participação de
Paulo Roberto Baeta Neves nas tratativas a serem realizadas entre a PETROBRÁS e as empresas
4 O escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS, do qual
era sócio PAULO ROBERTO BAETA NEVES, advogava para ANÍBAL GOMES e para diversos parlamenta-res do PMDB, fato de que tinha ciência JOÃO PAULO FERREIRA ORNELAS.
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integrantes do “Serviço de Praticagem da ZP-16”, elaborou-se um “contrato de parceria”5, da-
tado de 28 de novembro de 2007, entre o escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA
NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS, do qual era sócio Paulo Roberto Baeta Neves, e o ESCRITÓRIO
FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS ADVOGADOS, que tem por sócio João Paulo Fer-
reira Ornelas.
Inexistia, por certo, qualquer justificativa para a participação do Deputado ANÍBAL
GOMES na celebração de acordo com empresas de praticagem – a não ser o fato de se tratar de
parlamentar federal, com ascendência, poder de influência, ou, no mínimo, “amizade” e “aces-
so”6 a PAULO ROBERTO COSTA, então Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS, em favor de
quem o denunciado empenhava apoio político para sua manutenção no cargo.
Neste contexto foi que ANÍBAL GOMES procurou PAULO ROBERTO COSTA para tratar
de tal demanda remuneratória perante a PETROBRÁS feita por empresas de praticagem atuantes
na ZP167, então em negociação.
Nesta ocasião, ANÍBAL GOMES ofereceu ao Diretor de Abastecimento, em razão de
sua função, a quantia de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), que seriam pagos assim que en-
cerradas com sucesso as negociações8. A PAULO ROBERTO COSTA cabia apenas “abrir as portas”
da PETROBRÁS para que as negociações fossem adiante e não criar óbices à sua ultimação.
ANÍBAL GOMES disse a PAULO ROBERTO COSTA que, em sendo exitosa a negociação –
ou seja, atendido o pleito das empresas de praticagem –, seria feito um pagamento pelo “Es-
critório FERRÃO” (escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES ADVOGADOS
ASSOCIADOS) em favor dele, ANÍBAL. Tal relato demonstra a prévia ciência, de ANÍBAL, do ca-
minho ilícito que os valores percorreriam.9
5 O arquivo (não assinado e acompanhado de informações sobre metadados) desse “contrato de parceria”consta nas fls. 773/776 e foi apresentado por EDUARDO FERRÃO, sócio de PAULO ROBERTO BAETA
NEVES no escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES ADVOGADOS
ASSOCIADOS. A versão assinada desse “contrato de parceria” consta nas fls. 801/804 e foi encaminhada pelo
ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS (fl. 800).
6 “Amizade” e “acesso junto a PAULO ROBERTO COSTA” são palavras do próprio ANÍBAL GOMES (fls.794/795).
7 Empresas de praticagem continuaram a ser representadas pelos advogados Paulo Baeta e João Paulo FerreiraOrnellas: outras reuniões e acordos foram feitos, em relação a outras zonas portuárias. Não se descarta apossibilidade de que fatos semelhantes tenham ocorrido em relação a acordos de outras zonas portuárias.
8 Fls. 353/357.
9 Nas palavras de PAULO ROBERTO COSTA, constantes de seu Termo de Colaboração 6 (fls. 16/20): “QUE,no tocante ao recebimento de valores por parte do Senador RENAN CALHEIROS a partir de empreiteirascontratadas pela PETROBRÁS, afirma que manteve diversas reuniões onde estava presente o deputado
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Após o acerto feito com ANÍBAL, PAULO ROBERTO COSTA marcou reunião entre os
advogados mencionados e funcionários da área de logística da PETROBRÁS10, Felipe Lodi e Ro-
gerio Figueiró. Nesta reunião, na qual foram abertas as negociações, também participou ao
menos um representante da área do jurídico da PETROBRÁS. Após esta primeira reunião, as tra-
tativas e análises correspondentes foram assumidas, na PETROBRÁS, por Eduardo Autran de Al-
meida Junior.11
Muito embora PAULO ROBERTO COSTA, conforme relatou Eduardo Autran de Almei-
da Junior12, tivesse atribuição funcional para rejeitar a proposta de acordo inicialmente a ele
apresentada, o então Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS deu regular andamento às nego-
ciações no âmbito da estatal, atendendo, portanto, naquele contexto fático, ao ajuste espúrio
que havia feito anteriormente com ANÍBAL GOMES.
Com o sucesso das negociações, PAULO ROBERTO COSTA encaminhou o resultado
para a diretoria executiva da PETROBRÁS – cumprindo, portanto, seu acerto com ANÍBAL GOMES
no sentido de dar seguimento e não criar óbices ao acordo.
O ajuste foi aprovado pela diretoria executiva da PETROBRÁS e, segundo parecer
prévio do setor jurídico, foi formalizado por instrumento particular de transação extrajudicial,
assinado por João Paulo Ferreira Ornellas, representando as empresas do “Serviço de Pratica-
gem da ZP-16”, e por Eduardo Autran de Almeida Junior, este na condição de representante da
PETROBRÁS.
Federal ANIBAL FERREIRA GOMES e o Senador RENAN CALHEIROS, sendo que ANIBAL seria umaespécie de interlocutor de RENAN; QUE, algumas dessas reuniões foram feitas na residência do senadorRENAN; QUE, assevera que em uma dessas oportunidades ANIBAL GOMES, dizendo falar em nome doSenador RENAN CALHEIROS lhe levou uma reclamação do Sindicato dos Práticos acerca do reajuste daremuneração da praticagem, sendo o sindicato representado pelo escritório FERRAO de Brasília, o quecontemplava os profissionais que atuavam em vários portos do pais; QUE, esse assunto foi encaminhadopara a área técnica da PETROBRÁS, sendo feita a avaliação respectiva e após uma longa negociação opleito acabou sendo atendido; QUE, foi dito por ANIBAL que em sendo exitosa a negociação, ou seja,atendido o pleito dos práticos seria feito um pagamento pelo Escritório FERRAO em favor dele, ANIBAL,sendo parte dos recursos destinados ao Senador RENAN e um valor na ordem de oitocentos mil reais parao declarante; QUE, acredita que todo esse processo em relação a reivindicação dos práticos não tenha tidoqualquer ingerência politica, tendo o declarante apenas encaminhado a analise a área técnica, queconcluiu pelo reajuste da tabela de praticagem; QUE, afirma nunca ter recebido nenhum valor quanto aesse tema, conforme prometido por ANIBAL GOMES, sendo as tratativas apenas verbais, não recordando odeclarante se consignou alguma anotação em sua agenda”.
10 Conforme depoimento de Eduardo Autran De Almeida Junior, fls. 1142/1145.
11 Gerente Geral de Transporte Marítimo de Abastecimento e Logística da PETROBRÁS.12 Conforme depoimento de Eduardo Autran De Almeida Junior prestado em juízo, fls. 3397-v.-3398.
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Não obstante a oferta de vantagem indevida e o efetivo sucesso no acordo em rela-
ção à Zona de Praticagem 16, ANÍBAL GOMES não pagou a PAULO ROBERTO COSTA os R$
800.000,00 (oitocentos mil reais) oferecidos.
Importa registrar que PAULO ROBERTO COSTA inclusive tentou, sem êxito, receber os
R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) que lhe foram oferecidos, seja lembrando ANÍBAL GOMES
do ajuste espúrio realizado por ambos (fl. 3152-v.), seja mediante pedido que fez pessoalmen-
te a Alberto Youssef no escritório da empresa GFD Investimentos, depois de sair da Diretoria
de Abastecimento da PETROBRÁS13, a fim de este doleiro cobrar do parlamentar o pagamento do
valor a ele prometido.14
Impende acrescer que o Relatório de Pesquisa 105/2018 da Assessoria de Pesquisa
da Procuradoria-Geral da República (anexo à presente peça) confirma que PAULO ROBERTO
COSTA visitou em diversas ocasiões o escritório da empresa GFD Investimentos, de Alberto
Youssef, em datas posteriores à sua saída da Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS. Foi,
portanto, em uma dessas visitas ao escritório da GFD Investimentos que PAULO ROBERTO
COSTA solicitou a Alberto Youssef que cobrasse de ANÍBAL GOMES o pagamento da dívida de
R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).
No contexto das negociações realizadas, vale notar que, apesar de as empresas da
ZP 16 serem formalmente representadas pelo ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS
ASSOCIADOS ADVOGADOS (fls. 521/544), foi o escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R.
BAETA NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS, aos olhos da PETROBRÁS, que conduziu as tratativas para
o acordo com a sociedade de economia mista.
De fato, posto que no “instrumento particular de transação extrajudicial” (fls.
514/518) só haja referência ao ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS
ADVOGADOS, as informações encaminhadas pela PETROBRÁS (fls. 689/692) deixam claro que a
iniciativa do acordo partiu dos escritórios EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES
ADVOGADOS ASSOCIADOS, sediado em Brasília.
13 Conforme confirmado pelo próprio Alberto Youssef em seu Termo de Colaboração Complementar 16 e nodepoimento prestado em juízo (transcrição da oitiva acostada às fls. 3140/3146).
14 Alberto Youssef e PAULO ROBERTO COSTA continuaram a se encontrar mesmo após a saída deste último da
Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS, tendo o pedido de PAULO ROBERTO COSTA para que Alberto
Youssef cobrasse os R$ 800 mil de ANÍBAL GOMES sido feito em uma dessas ocasiões.
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Converge, aqui, o fato de que Paulo Baeta Neves, que não integrava o escritório de
advocacia de seu pai à época, visitou a PETROBRÁS em 8.8.2008, 26.8.2008 e 18.9.2008, sem-
pre na companhia de João Paulo Ferreira Ornelas e, em duas dessas oportunidades, conjunta-
mente com seu pai, Paulo Roberto Baeta Neves.
Em todas as três situações, foram visitados funcionários da estatal relacionados di-
reta ou indiretamente às negociações relativas às empresas de praticagem da ZP 16.
Importante notar, ainda, que na visita feita a Rogério Fernandes Figueiró (funcio-
nário da estatal da área de logística de portos) ocorrida em 26.8.200815, Paulo Baeta Neves de-
clarou à PETROBRÁS que seria representante de uma empresa denominada Hydromine.
Abaixo, seguem transcrições dos registros de entrada e saída dos investigados na
sede da PETROBRÁS (fls. 694/702):
Concluído o acordo extrajudicial, assinado em 26 de agosto de 2008, inseriu-se
em sua cláusula terceira a disposição de que as empresas do “Serviço de Praticagem da ZP-
16” recebiam da PETROBRÁS, naquele ato, através de seus advogados, mediante transferência
15 Exatamente a data na qual restou acertada a celebração do acordo extrajudicial, consoante e-mail de fl. 736
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eletrônica para a conta do ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS
ADVOGADOS, aproximadamente R$ 62.000.000,00, pela prestação de serviços de praticagem à
PETROBRÁS, concernente ao período de abril de 2005 a agosto de 2008, na área da ZP 16.
Após assinatura do acordo e do recebimento dos R$ 62 milhões, João Paulo Fer-
reira Ornellas, por seu escritório, repassou pouco mais de R$ 6.000.000,00 ao escritório de
Eduardo Lucho Ferrão e Paulo Roberto Baeta Neves.
A vantagem indevida entre todos previamente acordada consistiu, ao cabo, no pa-
gamento, por João Paulo Ferreira Ornelas, do total de R$ 6.085.076,33, para ser dividido entre
ANÍBAL GOMES, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, Paulo Baeta Neves e Paulo Roberto Baeta Neves.
A este último coube, além de receber parte da vantagem indevida por seu auxílio
na prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, receber o pagamento de R$ 6.085.076,33,
utilizando-se da estrutura de seu escritório de advocacia, e repassar a LUIS CARLOS BATISTA SÁ
o montante que cabia a este próprio e a ANÍBAL GOMES, no valor total de R$ 3.000.000,00.
Eduardo Lucho Ferrão, sócio de Paulo Roberto Baeta Neves, confirmou16 o recebi-
mento de R$ 6.085.000,00 por seu escritório de advocacia, em 23.9.2008, seguido da transfe-
rência de R$ 5.500.000,00 a Paulo Roberto Baeta Neves (pessoa física), em 25.9.2008 (dois
dias depois). Segundo Eduardo Lucho Ferrão, a dinâmica do recebimento foi a seguinte:
“(…) QUE no dia 23 de setembro de 2008 recebeu uma ligação em seu celular, daárea administrativa do escritório, informando o recebimento do crédito R$6.085.000,00, que foram depositados na conta de seu escritório, no Banco do Brasil,agência 28819, conta corrente n. 400205-9;
QUE solicitou à área contábil de seu escritório que verificasse a origem do referido cré-dito, tendo sido informado que o valor provinha do ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS
ADVOGADOS ASSOCIADOS;
QUE se preocupou com os aspectos tributários da referida transação, tendo solicitado aimediata emissão da nota fiscal correspondente; QUE a área contábil do escritório do de-clarante entrou em contato com o ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS
ASSOCIADOS no Rio de Janeiro para obter os dados necessários para o preenchimento danota fiscal;(…)
QUE ao emitir a Nota Fiscal referente ao pagamento no valor de R$ 6.085.000,00 solici-tou ao contador que calculasse os encargos tributários respectivos, imposto de renda econtribuição social sobre lucro, que perfez o total de R$ 585.000,00;
QUE apresenta neste momento as guias de recolhimento de imposto referente a todos ospagamentos recebidos pelo escritório no período, no bojo do qual se encontram os valo-res depositados pelo ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS; QUEapós a retenção do valor correspondente aos impostos (R$ 585.000,00) transferiu, no dia
16 Fls. 249/253.
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25/09/2008, o total de R$ 5.500.000,00 para a conta pessoa física de PAULO ROBERTOBAETA, conforme comprovante cuja cópia apresenta neste ato (...)”.
Depreende-se do Relatório de Inteligência Financeira (RIF) nº 15.576 do COAF17
que Paulo Roberto Baeta Neves realizou transferência bancária no valor de R$ 3.000.000,00
no mesmo dia 25.9.2008 para a conta nº 130877 da agência 6596 (Câmara dos Deputados) do
Banco do Brasil, de titularidade de LUIS CARLOS BATISTA SÁ – CPF 209.244.373-91.
Destarte, d o valor fixado no acordo, de exatos R$ 61.996.719,00, efetivamente pa -
gos pela PETROBRÁS em 26 de agosto de 2008, R$ 43.500.004, 62 ficaram com o ESCRITÓRIO
FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS , a título de honorários 18 .
Do montante recebido, o escritório FERREIRA ORNELAS repassou R$
6.085.076,33 ao escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R. BAETA NEVES ADVOGADOS
ASSOCIADOS, em 23 de setembro de 200819.
Em 25 de setembro de 2008 o escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO R.
BAETA NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS transferiu R$ 5.500.000,00 para a conta pessoal de Paulo
Roberto Baeta Neves20.
Como consta no depoimento de Eduardo Ferrão21, dos R$ 6.085.000,00 recebidos
do ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS, foi “retido” o valor correspon-
dente aos impostos (R$ 585.000,00) e o restante (R$ 5.500.000,00) foi transferido para a con-
ta da pessoa física de Paulo Roberto Baeta - o que é corroborado pelo contador José João Ap-
pel Mattos22, que, segundo declarado por ele próprio e por Eduardo Ferrão, providenciou o
cálculo dos valores tributários a serem abatidos.
Em 25 de setembro de 2008, mesmo dia em que entraram em sua conta os R$
5.500.000,00, Paulo Roberto Baeta Neves transferiu R$ 3.000.000,00 para a conta bancária de
LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
17 Relatório de Inteligência Financeira nº 15.576 do COAF, constante do Apenso 6 da presente Ação Penal,autuado consoante certificado à fl. 1855.
18 Conforme Notas Fiscais de fls. 546 e 549 e depoimento de JOÃO PAULO FERREIRA ORNELLAS (fls.767/770).
19 Nota Fiscal e comprovante bancário de fls. 683 e 684.20 Fl. 274.21 Fls. 249/253, relato corroborado em juízo (fls. 3283/3296).22 Fls. 327/328.
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Paulo Roberto Baeta Neves, que permaneceu com R$ 2.500.000,00, efetuou a
transferência de R$ 2.000.000,00 para outra contra de sua titularidade em outro banco e repas-
sou R$ 500.000,00 para seu filho, Paulo Baeta Neves, em 21.10.2008.23
A imagem a seguir ilustra o caminho dos pagamentos:
Para ocultar e dissimular a origem criminosa do repasse de R$ 3 milhões a LUIS
CARLOS BATISTA SÁ, foi realizada simulação de negócio jurídico entre Paulo Roberto Baeta
Neves e aquele, conforme restará melhor detalhado adiante.
Depois de recebido o pagamento da PETROBRÁS, o ESCRITÓRIO FERREIRA E
ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS repassou parte ao escritório EDUARDO A. L. FERRÃO & PAULO
R. BAETA NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS, sendo deste remetido a um de seus sócios, o advoga-
do Paulo Roberto Baeta Neves que, a seu turno, encaminhou parte da quantia, no montante de
R$ 3 milhões, a LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
Sobre essa questão, debruça-se a informação policial nº 21/2015 (fls. 62/81 da
Ação Cautelar 4005), no sentido de que houve verdadeira simulação de negócio jurídico entre
Paulo Roberto Baeta Neves e LUIS CARLOS BATISTA SÁ referente à aquisição de propriedade ru-
ral situada no município de Goiatins - TO, de aproximadamente 2,5 mil hectares. Em suma (fl.
81 da Ação Cautelar 4005):
23 A análise e comprovação dessas transações bancárias, realizadas por Paulo Roberto Baeta Neves, constam doLaudo Nº 1524/2015-INC/DITEC/DPF, às fls. 817/832.
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“O crédito de R$ 3.000.000,00 na conta-corrente mantida pelo investigado no Banco doBrasil (…) aparentemente não poderia ser justificado pela venda da propriedade rural àpessoa de 'Paulo Roberto Baeta Neves' (…). Nesse contexto, com o desfazimento do ne-gócio, não foi observado o estorno correspondente daquele recurso” .
A transação imobiliária, pois, serviu apenas como justificativa para dissimular ori-
gem e a natureza ilícita do depósito de R$ 3 milhões na conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
De outra feita, a fim de assegurar a disponibilidade financeira máxima e permitir a
formação de caixa para pagamento de propina, sem descuidar da elevada remuneração aos ad-
vogados entabulantes, cientes de que seria viável e certa a realização do acordo extrajudicial
em razão da intervenção e atuação de ANÍBAL GOMES perante PAULO ROBERTO COSTA, foi feito
aditivo contratual em face das empresas de praticagem, majorando substancialmente os valo-
res de honorários. Para adequada compreensão desses fatos, importa ser apresentada a análise
cronológica a seguir.
Em março de 2007, devido a divergências de entendimento quanto ao valor devido
pelos serviços de praticagem prestados à PETROBRÁS, as empresas Práticos Serviços de Pratica-
gem da Baixada Santista SC Ltda. e Práticos Serviços de Praticagem do Porto de Santos e
Baixada Santista SC Ltda aviaram Ação Ordinária de Cobrança, autuada sob o nº
2007.001.029048-8 e distribuída à 7ª Vara Cível do Rio de janeiro24.
Por sua vez, em resposta a esta demanda judicial, a PETROBRÁS, em abril de 2007,
propôs contra tais empresas de praticagem Ação de Consignação em Pagamento nº
562.01.2007.016510-4/000001-00 e distribuída para a 2ª Vara Cível de Santos/SP25.
Após a propositura destas ações judiciais, isto é, em 27 de abril de 2007, as referi-
das empresas de praticagem contrataram o ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS
ASSOCIADOS ADVOGADOS para atuar nos casos destacados, pedindo a aplicação atualizada da ta-
bela de praticagem e também o recebimento dos valores devidos e reajustados, consoante
cláusula primeira do contrato26.
Em 30 de junho de 2008, ou seja, passado mais de um ano, o ESCRITÓRIO FERREIRA
E ORNELLAS ADVOGADOS ASSOCIADOS ADVOGADOS assinou aditivo27 ao referido contrato de pres-
24 Informação da PETROBRÁS à fl. 690.
25 Informação da PETROBRÁS à fl. 690.26 Fls. 528/536.27 Fls. 524/525
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tação de serviços advocatícios com as empresas Práticos Serviços de Praticagem da baixada
Santista SC Ltda. e Práticos Serviços de Praticagem do Porto de Santos e Baixada Santista SC
Ltda., exclusivamente para alterar as cláusulas referentes aos honorários advocatícios, de for-
ma a que o escritório recebesse a totalidade de todo o pagamento a ser feito pela PETROBRÁS
que ultrapassasse 18,5% de reajuste, sem prejuízo do recebimento de 25% de todo o valor rea-
justado até a porcentagem de 18,5.
No mesmo dia 30 de junho de 2008, o ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS
ADVOGADOS ASSOCIADOS ADVOGADOS celebrou contrato de prestação de serviços com a empresa
Praticagem de São Sebastião – Serviços de Praticagem do Canal e Porto de São Sebastião SC
Ltda., tendo por objeto apenas serviços de representação e negociação dos preços das ativida-
des dos práticos junto a PETROBRÁS. Referido contrato28 fixou exatamente os mesmos percen-
tuais e condições fixados no aditivo contratual com as duas outras empresas de praticagem
acima destacadas, de forma que o escritório de advocacia ficaria com todo o valor do reajuste
que ultrapassasse 18,5%, fora 25% de todo o valor reajustado até referida porcentagem.
Destarte, posto que tenha o ESCRITÓRIO FERREIRA E ORNELLAS ADVOGADOS
ASSOCIADOS ADVOGADOS sido contratado desde o início de 2007 para solucionar, no âmbito ju-
dicial e extrajudicial, a demanda dos práticos, somente após a subscrição, em 30 de junho de
2008, do aditivo contratual e do novo contrato de serviços, já pormenorizados, que se inicia-
ram as tratativas para resolução extrajudicial do conflito, culminado, desde o primeiro contato
formal dos advogados com a PETROBRÁS, na assinatura do acordo, no valor de quase sessenta e
dois milhões de reais, em 26 de agosto de 2008, ou seja, após apenas 45 dias.
Aqui, vale atentar para a cronologia das negociações apresentada pela própria es-
tatal em tela29:
28 Fls. 538/544.29 fl. 690
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Note-se que todos os expedientes dos advogados, que se iniciaram somente em ju-
lho de 2008, são endereçados a PAULO ROBERTO COSTA, responsável por providenciar, após in-
tervenção de ANÍBAL GOMES, o encaminhamento da resolução de forma extremamente célere.
Estas negociações, saliente-se, não eram sequer iniciadas na PETROBRÁS, pois PAULO ROBERTO
COSTA não recebia nem agendava reuniões com os representantes das empresas de praticagem.
Na outra ponta, o aditivo contratual entabulado e a assinatura, no período exata-
mente anterior ao início dos ajustes extrajudiciais com a PETROBRÁS, de outro contrato de ser-
viços com a terceira empresa de praticagem da zona portuária, com a mesma cláusula de ho-
norários extremamente prejudicial ao titular do direito, permitiu aos advogados reterem para si
R$ 48.680.610,64 do total de R$ 61.996.719,00 30 pagos pela estatal .
Veja-se, portanto, que a união coordenada da atuação de ANÍBAL GOMES sobre
PAULO ROBERTO COSTA, com a alteração substancial das cláusulas contratuais de honorários ad-
vocatícios, permitindo que 78,5% da demanda, correspondente a R$ 48.680.610,64, ficassem
nas mãos dos advogados, em detrimento de seus clientes, formou o robusto substrato empírico
germinador da fonte de custeio das propinas.
30 Valor explicitado à fl. 656.
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III.B.2 SUBSEQUENTES REPASSES A ANÍBAL GOMES
As informações policiais nº 15/2015, 21/2015 e 80/201531, feitas com base nos da-
dos obtidos com a “quebra” deferida na ação cautelar n.º 3872/DF, detalharam as operações
efetuadas após o aporte de R$ 3.000.000,00 na conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
Constatou-se, em suma, que, após o lançamento a crédito do dia 25.9.2008, LUIS
CARLOS BATISTA SÁ fez 71 lançamentos a débito até o lançamento a crédito seguinte, do
dia 8.10.2008. Ademais, entre este lançamento e o próximo lançamento a crédito (dia
27.10.2008), foram mais 38 lançamentos a débito. No ano de 2009, ainda, o primeiro lança-
mento a crédito se deu apenas no dia 23.1.2009 (R$ 113,90)32.
De todos esses lançamentos, a maior parte dirigiu- se a pessoas ligadas a ANÍBAL
GOMES e, em menor proporção, ao próprio ANÍBAL GOMES .
Foi possível identificar os seguintes beneficiários dessas transações a débito a par-
tir da conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ (conforme consolidado na Informação Policial nº
80/2015)33:
a) Três operações, totalizando R$ 128.000,00, foram realizadas em favor de Eliza-
beth Siqueira e José Nunes Siqueira, seu pai. Elizabeth foi assessora parlamentar do Depu-
tado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES até 9.9.2013. Fora isso, há notícias na internet34 dando
conta de ação monitória ajuizada por José Nunes Siqueira em face de crédito que detinha jun-
to a ANÍBAL FERREIRA GOMES, no valor original de R$ 239.194,85 – indicando que LUIS CARLOS
BATISTA SÁ realizou tais operações para saldar parte do referido débito, de interesse exclusivo
do Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES;
b) Foram também destinados R$ 30.046,09 para Ana Pércia Alux Bessa Andrade,
que é servidora da Câmara dos Deputados. Ana Pércia Alux Bessa Andrade esteve lotada
no gabinete do Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES no período de 1995 a 2009. Fo-
ram também identificados R$ 20.000,00 para Cleto Aparecido Rodrigues, marido de Ana
31 Fls. 47/105 dos autos da medida cautelar n. 4005/DF.32 Informação policial n. 15/2015.33 Fls. 82/105 dos autos da medida cautelar n. 4005/DF.34 http://www.jusbrasil.com.br/diarios/76318436/djdf-09-09-2014-pg-1011
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Pércia e pertencente ao quadro da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados. Em depoi-
mento prestado em juízo (transcrição da oitiva acostada às fls. 3365/3379), Cleto Aparecido
Rodrigues esclareceu que, logo após os R$ 20.000,00 terem sido depositados em sua conta,
ele em seguida efetivou o saque e repassou a quantia em espécie para funcionário do gabinete
do Deputado ANÍBAL GOMES, entendendo à época que o valor era destinado ao próprio gabine-
te. Ana Pércia, atualmente, desempenha a função de “Secretária Particular” no Gabinete do Lí-
der do PMDB;
c) R$ 94.015,00 foram descontados por José Carlos Vasconcelos, servidor da Câ-
mara dos Deputados também vinculado ao gabinete de ANÍBAL GOMES. No total, foram R$
65.515,00 descontados por cheques que continham no verso o nome José Carlos Vasconcelos.
Outros, totalizando R$ 28.500,00, discriminavam José Carlos Vasconcelos como sacador35;
d) O Deputado Federal ANÍBAL GOMES também é investigado por participação em
esquema ilícito que se tornou conhecido como “farra das passagens” (Inq. 2294/STF). Nesse
contexto destaca-se a agência de turismo denominada “INFINITE TOUR”, que pertencia, na
época, a Fernando Pompeu Bessa e Márcio Luiz Alux de Pompeu Bessa, respectivamente pai
e irmão de Ana Pércia Alux Bessa. Essa agência foi beneficiária de R$ 160.000,00 enviados
por LUIS CARLOS BATISTA SÁ em 26.9.2008, ou seja, no dia seguinte à entrada dos valores rece-
bidos de Paulo Roberto Baeta Neves; nesse mesmo contexto, ressalta-se também a empresa
AIRLINES REPRESENTAÇÕES, que tem como sócias Valeria Firetti e Ana Paula Bessa
Sanches, que é prima de Ana Pércia Alux Bessa. A AIRLINES REPRESENTAÇÕES rece-
beu R$ 45.157,82 da conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ;
e) Em 17.10.2008, foi compensado cheque de R$ 50.000,00 em favor da empresa
WAL - ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL E REPRESENTAÇÕES – ME,
que tem como sócios os irmãos Alessandro Palatucci Bello36, Leonardo Palatucci Bello e Pao-
la Palatucci Bello. Alessandro Palatucci Belo exerceu o cargo em comissão de Secretário Par-
lamentar no gabinete do Deputado Jose Priante até maio de 2014. Informações obtidas em
fontes abertas dão conta do envolvimento de ANÍBAL GOMES e vários dos servidores aqui cita-
dos no escândalo conhecido como “farra das passagens”. Suspeita-se que ANÍBAL GOMES toma-
va empréstimo de créditos aéreos em gabinetes vizinhos (como o de José Priante –
35 Em depoimento (fls. 888/891) JOSÉ CARLOS VASCONCELOS diz que sacou o dinheiro que recebeu emsua conta e entregou diretamente a LUIS CARLOS BATISTA ou ANA PÉRSIA ALUX BESSA.
36 Trabalhou no gabinete do então Deputado José Priante entre 2008 e 2010.
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PMDB/PA), fatos que são apurados em inquérito próprio em trâmite perante o STF (Inq.
2294/STF);
f) Foi compensado cheque em nome de Ulisses José Ferreira Leite, no valor de R$
20.000,00, em 29.9.2009; Ulisses José Ferreira Leite comprava e vendia carros em favor e a
mando de ANÍBAL GOMES;
g) ANÍBAL GOMES foi diretamente beneficiado com R$ 31.700,00, mediante che-
que compensado em 17.10.2008. Além disso, outro cheque, no valor de R$ 1.000,00, foi des-
contado em favor da empresa RADIO DIFUSORA VALE DO ACARAU LTDA, da qual
ANÍBAL GOMES é sócio;
h) Em 17.10.2008 foi compensado cheque de R$ 10.000,00 (cheque nº 850115)
em nome de Sheyla Borborema Alves de Almeida, cunhada de ANÍBAL GOMES;
i) Outros dois cheques foram compensados, em 30.3.2009, em favor de Manoel
Duca da Silveira Neto, cada um no valor de R$ 5.000,00. Manoel Duca da Silveira Neto é ir-
mão de ANÍBAL GOMES;
j) Em 25.9.2008, a conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ pagou cheque no valor de R$
40.000,00 à empresa FRANERE COMÉRCIO CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA LTDA,
da qual é sócio Marcos Tulio Pinheiro Regadas, o qual, em juízo, assegurou ser primo em ter-
ceiro grau e também amigo próximo de ANÍBAL GOMES (transcrição da oitiva acostada às fls.
3113/3131). A FRANERE doou R$ 200.000,00 em 2010 para a campanha de ANÍBAL
GOMES;
Anote-se que a N.B.R EMPREENDIMENTOS LTDA também doou em 2010 R$
50.000,00 para a campanha de ANÍBAL GOMES. A N.B.R EMPREENDIMENTOS LTDA tem
como sócio Francisco Neves Regadas Filho, irmão de Marcos Tulio Pinheiro Regadas.
k) Em 29.9.2008 e 3.10.2008 foram compensados dois cheques, no valor de R$
75.000,00 cada, em favor de Elon Almeida, diretor-presidente da ALIANÇA ADMINISTRA-
DORA DE BENS DE SAÚDE. Esta instituição doou R$ 100.000,00 para a campanha de
ANÍBAL GOMES em 2010; e,
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l) Em 25.9.2008, a conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ pagou cheque no valor de R$
40.000,00 à empresa FRANERE COMÉRCIO CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA LTDA, do
ramo da construção civil do Maranhão.
Ocorre que a FRANERE, além ter como sócio Marcos Túlio Pinheiro Regadas,
primo em terceiro grau e amigo próximo de ANÍBAL GOMES (conforme relata em oitiva trans-
crita às fls. 3113/3131), fez doações para a campanha do citado parlamentar, em 2010, no va-
lor de R$ 200.000,00.
As eleições de 2010 foram as primeiras eleições para a Câmara dos Deputados
subsequentes ao recebimento dos R$ 3.000.000,00 na conta de LUIS CARLOS SÁ em de-
corrência do episódio denunciado no âmbito desta ação penal. Ou seja, o ano de 2010 foi a
primeira oportunidade de utilização do estratagema de doações eleitorais para a lavagem desse
dinheiro. Como é sabido, ANÍBAL GOMES concorreu e foi eleito deputado em 2010.
Ainda, chama atenção o fato de que as doações feitas a ANÍBAL GOMES foi uma das
duas únicas doações feitas pelas FRANERE em 2010. Confiram-se as informações disponí-
veis no site do TSE:
Assim, segundo as informações colhidas nos autos da ação cautelar nº 3872/DF,
dos R$ 3 milhões depositados em favor de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, foram feitas diversas
operações a débito, totalizando pelo menos R$ 923.000,00, beneficiando direta ou indire-
tamente ANÍBAL GOMES.
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Eis o quadro com a síntese das operações acima aludidas:
LUIS CARLOS BATISTA SÁ, a mando de ANÍBAL GOMES, realizava o controle sobre to-
dos os lançamentos feitos a partir do recebimento dos R$ 3 milhões de propina.
Na residência de LUIS CARLOS BATISTA SÁ foi apreendido HD externo no qual esta-
va gravada a tabela denominada “RELATORIO_PAGAMENTO_2.008.xls”.
O Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 009/201637, cujo objeto é o referido
arquivo digital apreendido, permite concluir que essa tabela representava o controle feito por
LUIS CARLOS BATISTA SÁ da destinação dos R$ 3 milhões que ingressaram em sua conta em
25.8.2008. Eis os registros dessa tabela38:
37 AC 4005, Apenso I, fls. 47/66.38 Tabela RELATORIO_PAGAMENTO_2.008.xls, contida em HD externo Samsung 1Tb com cabo, nº
E2FWJJHG20145F, apreendido na residência de LUIS CARLOS BATISTA SÁ - Item 17 do Auto deApreensão constate da Ação Cautelar nº 4005/STF.
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Cumpre agora esmiuçar as principais destinações dos recursos registrados nesta
última tabela e os vínculos com os denunciados.
De início, tem-se que R$ 699.600,00 recebidos por LUIS CARLOS BATISTA SÁ foram
destinados, de forma direta ou indireta, a Ulisses José Ferreira Leite, que possui vínculos dire-
tos e indiretos com ANÍBAL GOMES. Ulisses, segundo relatou, fez inúmeros negócios envolven-
do veículos com ANÍBAL GOMES, além de haver participado de transação referente à venda de
gado com o parlamentar e de transações, também relacionadas a veículos, com pessoas do ga-
binete do Deputado.
Além dos R$ 400.000,00 transferidos por LUIS CARLOS BATISTA SÁ para a AGRO-
PECUÁRIA MATA AZUL, por meio de quatro cheques de R$ 80.000,00 cada, compensados
na data de 25.9.2008 (item 1 da tabela), ainda é possível vincular três outros pagamentos à
mesma empresa39.
Na mesma data, LUIS CARLOS BATISTA SÁ transferiu R$ 240.000,00 para Carlos
José Mendes, mediante o desconto de quatro cheques diferentes (item 2 da tabela supra). Nes-
se ponto, de salientar o seguinte registro, no próprio item da tabela: “CHEQUE PARA TRO-
CAR (AG)”. Tem-se, aqui, referência a ANÍBAL GOMES por meio das iniciais AG.
Ulisses José Ferreira Leite, que entregou os cheques a Carlos José Mendes, expli-
ca como os recebeu e o que de fato ocorreu, deixando claro que ANÍBAL GOMES foi diretamente
favorecido pelo desconto dos títulos de crédito (fls. 1148/1149):
39 A agropecuária MATA AZUL é de Alvicto Ozores Nogueira, conhecido como “KAKÁ”, pessoa que prestoudepoimento como testemunha no âmbito desta Ação Penal e que, no contexto dos fatos denunciados,contribuiu para a efetivação de empréstimo ao Deputado ANÍBAL GOMES
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Na tabela em mote, encontra-se ainda (item 13) registro de pagamento de R$
50.000,00 a Ulisses na data de 25.9.2008. Confrontando-o com os dados bancários da conta
de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, nota-se que tal valor corresponde aos pagamentos de R$
20.000,00 a Ulisses José Ferreira Leite e R$ 30.000,00 a Pedro José Araújo40.
Há, ainda, o item 31 da tabela, referente ao pagamentos de JUROS DOS DIAS
MATA AZUL/ULISSES, no valor de R$ 9.600,00.
Tal quantia foi, em verdade, paga por dois cheques descontados em favor de Car-
los José Mendes no dia 30.9.2008, tendo por sacado LUIS CARLOS BATISTA SÁ41.
Sobre os pagamentos, vide trecho à fl. 5 do Relatório de Análise de Polícia Judici-
ária nº 009/2016 na AC 4005:
40 ULISSES JOSÉ FERREIRA LEITE confirma em depoimento (fls. 1148/1149) que recebeu o cheque de R$
30.000,00 em razão da venda de veículo a ANÍBAL GOMES, repassando-o posteriormente a PEDRO ARAÚJOpara saldar negócio seu.41 O pagamento de juros a Elizabeth e seus familiares é ratificado documentalmente e pelo depoimento daprópria favorecida, às fls. 900/902. Ainda, nos documentos apreendidos na Câmara dos Deputados constamdiversos comprovantes de transferência tendo por beneficiários ELIZABETH SIQUEIRA e JOSÉ NUMESSIQUEIRA – Ação cautelar nº 4005, Anexo III, Itens 13 e 15.
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Por sua vez, Ulisses José Ferreira Leite confirmou que as operações em favor de si
próprio e da AGROPECUÁRIA MATA AZUL consistiram em adimplemento de empréstimo
tomado por ANÍBAL GOMES (fls. 1100/1102 e 3203/3248).
Na referida planilha, consta também registro de pagamento de R$ 50.000,00 para
Chico Chaves (Francisco das Chagas Mendes Chaves), com o destaque para o termo “PARA
AG” ao lado. Tem-se, aqui, novamente, referência a ANÍBAL GOMES como beneficiário direto
ou indireto42.
LUIS CARLOS BATISTA SÁ efetuou também três operações, de forma direta e indireta,
com Elizabeth Siqueira, assessora parlamentar do Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES
até 9.9.2013, das seguintes formas e datas:
42 Francisco Chaves é advogado (OAB/CE 3482) e foi constituído por ANÍBAL GOMES para defendê-lo nosautos do processo nº 0009259-67.2006.8.06.0001, de modo que o cheque se destinava a honorários.
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Vale lembrar que José Nunes Siqueira é pai de Elizabeth e que Atilo Nicola Filho
foi seu namorado.
Em depoimento prestado em juízo (transcrito às fls. 3162/3180), Atilo Nicola Fi-
lho esclareceu que o cheque de R$ 30 mil em seu nome relaciona-se a empréstimo que ele
concedeu em benefício do Deputado ANÍBAL GOMES, e que o cheque de R$ 20 mil em prol de
José Nunes de Siqueira, pai de Elizabeth Siqueira, também diz respeito a empréstimo tomado
pelo parlamentar.
Os R$ 100.000,00 destinados a Elizabeth, por sua vez, trazem novamente vincula-
ção com ULISSES, consoante expressão do item 6 da Planilha:
Esses pagamentos, de forma mediata, tinham como finalidade saldar, ainda que
parcialmente, débitos de ANÍBAL GOMES, como reflete o e-mail infra43:
43 Constante do Relatório Parcial de Análise de Material Apreendido nº 027/2016 – fl. 91 do Anexo I da AçãoCautelar nº 4005.
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Registros encontrados nos arquivos apreendidos44 com LUIS CARLOS BATISTA SÁ
confirmam os empréstimos tomados por ANÍBAL GOMES e corroboram sua intensa relação com
aquele (conforme tabela já acima transcrita).
Calha também observar o item 16 da tabela apreendida em tela, na qual consta dis-
criminado pagamento de R$ 50.000,00 feito por LUIS CARLOS BATISTA SÁ a “BELÉM-PRIA-
DE”:
Há, na movimentação bancária de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, o pagamento corres-
pondente, na data de 17.10.2008, mediante desconto de cheque, em favor de WAL ASSESSO-
RIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL E REPRESENTAÇÕES – ME.
Por sua vez, o representante legal da aludida empresa, Márcio Eustáquio Bello,
afirmou45que os R$ 50.000,00 consistiram em contribuição de ANÍBAL FERREIRA GOMES, cujo
destinatário final era José Benito Priante Júnior, candidato à prefeitura de Belém/PA. A saber,
trecho do depoimento de Márcio Bello:
44 Ação cautelar nº 4005, Anexos I e III. 45 Depoimento à fl. 904.
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Em depoimento prestado em juízo, Márcio Eustáquio Bello esclareceu que o refe-
rido cheque no valor de R$ 50.000,00 lhe foi entregue pessoalmente pelo Deputado ANÍBAL
GOMES (transcrição da oitiva acostada às fls. 3312/3326):
“TESTEMUNHA – […] Nessas viagens de ida e vinda, numa dessas viagens, eu fui pro-curado pelo Deputado ANÍBAL GOMES, e ele me pediu para ser portador desse cheque decinquenta mil reais, que era uma ajuda financeira que ele estava dando para esse progra-ma de governo lá da campanha política de 2008, lá em Belém.
[…]
TESTEMUNHA – O candidato era o José Priante, que não era deputado, ele não era de-putado.
[….]
MINISTÉRIO PÚBLICO – Então, o ANÍBAL GOMES procurou o senhor...
TESTEMUNHA – E mandou ser portador desse cheque.
MINISTÉRIO PÚBLICO – E como é que foi? O cheque estava com ele na mão dele? Elelhe entregou na hora? Alguém depois lhe entregou esse cheque?
TESTEMUNHA – Não, ele entregou na hora para mim.
MINISTÉRIO PÚBLICO – Estava com ele?
TESTEMUNHA – Estava com ele.”
O item 23 da planilha apreendida em poder de LUIS CARLOS BATISTA SÁ demonstra
pagamento de R$ 19.600,00 em 7.10.2008 a uma pessoa conhecida como Chico, de
Fortaleza/CE:
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Os registros da movimentação bancária de LUIS CARLOS BATISTA SÁ revelam que o
pagamento datado de 7.10.2008, mediante desconto de cheque, foi em benefício de Maria
Ilma Magalhães Silveira Pinheiro Landim.
Maria Ilma é sócia-administradora da pessoa jurídica GOMES E SILVEIRA
AGROINDUSTRIAL LTDA., a qual tem ANÍBAL GOMES como integrante do quadro societário.
Maria Ilma é filha de Francisco José Guimarães Silveira, justificando, destarte, o
registro na planilha de “PAGAMENTO FORTALEZA-CHICO”. Francisco José Guimarães
Silveira, além de ser primo em primeiro grau de ANÍBAL GOMES46, integra o quadro administra-
tivo de algumas empresas administradas por LUIS CARLOS BATISTA SÁ e que têm como admi-
nistradores ou sócios familiares de ANÍBAL GOMES, segundo tabela:
Destaca-se, igualmente, registro, na planilha em testilha, de pagamento no importe
de R$ 60.000,00 na data de 25.9.2008, em benefício da COLUMBIA DISTRIBUIDORA DE
ALIMENTOS LTDA, com a seguinte discriminação ao lado: “LOURO” :
46 Segundo relatado por sua filha Maria Ilma em depoimento prestado em juízo (fls. 3277/3282), a qual,também na mesma ocasião, afirmou que Francisco José Guimarães Silveira mantém relação de amizade com
os denunciados ANÍBAL GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
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A empresa em pauta já teve como sócio Alberto Jorge Ferreira Gomes47, pessoa
qualificada em arquivo de caixa de entrada de e-mail/outlook48 de investigado como “LOURO
DE CAUCAIA” e “AMIGO DO DEPUTADO”. Veja-se o arquivo em questão:
Em depoimento prestado em juízo, Alberto Jorge Ferreira Gomes, além de haver
assumido manter amizade com ANÍBAL FERREIRA GOMES, ser oriundo de Caucaia/CE e também
ser conhecido como “LOURO”, relatou que sua empresa COLUMBIA DISTRIBUIDORA DE
ALIMENTOS LTDA efetivamente recebeu a quantia de R$ 60.000,00, de propriedade de LUIS
CARLOS BATISTA SÁ. Conforme Alberto Jorge Ferreira Gomes assegurou em seu depoimento,
na época dos fatos, sabendo do interesse de LUIS CARLOS BATISTA SÁ em obter gado para a fa-
zenda de seu sogro, intermediou a compra efetuada por este último no valor de R$ 60.000,00,
tendo, através dessa transação, obtido a quitação de crédito que mantinha com o vendedor do
gado (transcrição da oitiva acostadas às fls. 3267/3276).
O item 3 da planilha apreendida em poder de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, em que
consta o registro “ROBERTO MESQUITA – R$ 200.000,00 – 07/10/2008”, corresponde ao
pagamento de dívida de R$ 200.000,00 contraída anos antes pelo Deputado ANÍBAL GOMES
com Roberto Mesquita da Silveira Junior. A quitação da dívida do parlamentar se procedeu
através do desconto de três cheques nos valores de R$ 70.000,00, R$ 70.000,00 e R$
60.000,00 da conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, tendo como respectivas beneficiárias as em-
presas MSJ CONSTRUÇÕES LTDA – EPP, SÃO BENTO CARCINICULTURA LTDA – EPP
e POSTO DE COMBUSTÍVEIS QUATRO RODAS LTDA, as quais têm como sócios famili-
ares do mesmo Roberto Mesquita da Silveira Junior.49
47 Diz que o valor foi recebido para intermediação de compra de gado (fl. 1146).48 Arquivo constante do Laudo nº 222/2016-INC/DITEC, AC 4005, Anexo I, v. I, fls. 40/45.49 Dados sobre os cheques e beneficiários dos descontos constantes do Relatório de Análise de Polícia
Judiciária nº 009/2016, fl. 55 do Apenso 1 da AC 4005.
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Em depoimento prestado em juízo (transcrito às fls. 3462/3469), Roberto Mesqui-
ta da Silveira Junior esclareceu que, apesar de não haver se recordado dos fatos com exatidão
quando depôs à Polícia Federal, posteriormente conseguiu verificar que os três cheques acima
mencionados, descontados da conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, referiram-se ao pagamento
em 2008 de dívida com ele contraída anos antes, em 2000, pelo Deputado ANÍBAL GOMES.
Por mais que LUIS CARLOS BATISTA SÁ tenha, em juízo, afirmado que as operações
apontadas na planilha acima referenciada eram todas de seu próprio interesse e não possuíam
qualquer relação com o Deputado ANÍBAL GOMES (fl. 3535)50, o material probatório produzi-
do nos autos é suficiente a concluir que as transações atenderam direta ou indireta mente
ao parlamentar.
Vislumbra-se clara contradição, por exemplo, entre o que afirmara LUIS CARLOS
BATISTA SÁ em seu interrogatório no tocante aos pagamentos de R$ 200.000,00 realizados em
benefício de Roberto Mesquita da Silveira Júnior (“ROBERTO MESQUITA – R$ 200.000,00
– 07/10/2008”), e o que este último dissera na condição de testemunha: enquanto o réu asse-
gurou que os cheques repassados disseram respeito a dívida por ele contraída com Roberto
Mesquita (fls. 3537-3537-v.), este último garantiu que estes valores referiram-se ao pagamen-
to em 2008 de dívida com ele contraída anos antes pelo Deputado ANÍBAL GOMES (fls.
3462/3469).
Ademais, apesar das alegações em sentido contrário de LUIS CARLOS BATISTA SÁ,
Ulisses José Ferreira Leite garante que os pagamentos a seu favor e da AGROPECUÁRIA
MATA AZUL consistiram em adimplemento de empréstimo tomado por ANÍBAL GOMES (fls.
1100/1102 e 3203/3248).
Além disso, embora LUIS CARLOS BATISTA SÁ tenha alegado que os pagamentos
destinados a José Benito Priante Júnior não foram repassados por ANÍBAL GOMES (fls. 3539-v.-
3541-v.), Márcio Eustáquio Bello esclareceu em juízo que os referidos valores, cujo destinatá-
50 Em juízo, afirmara LUIS CARLOS BATISTA SÁ: “JUÍZA – Mas o senhor não intermediava nenhumaoperação para o Deputado Aníbal? RÉU – Não, não. JUÍZA – De indicar conta, ou de receber, ou de poderajudar ele numa situação, como essa que o senhor contou? RÉU – O Aníbal, pelo que eu tenhoconhecimento, ele sempre foi muito aperreado com dinheiro, como sempre. Desde que ele chegou aqui, queele faz consignado aí. JUÍZA – Tá. RÉU – Isso eu sei, porque ele me diz. JUÍZA – Então, em relação a essasoperações que estão registradas, aqui, nessa planilha – eu não sei se o senhor tem uma cópia, vou lhe daraqui. RÉU – Tenho, tenho, mas pode falar, pode falar. JUÍZA – Tá. Essas operações são todas suas? RÉU –Suas, minhas, todas minhas. E eu anotei... Agora, nenhuma, muitas, algumas delas aí não se concretizaram,porque... Quero dizer assim, porque isso ái... Eu uso muito o Excel, tá, como engenheiro, eu gosto muito doExcel.” (fl. 3535).
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rio final era José Benito Priante Júnior, lhe foram entregues pessoalmente pelo próprio Depu-
tado ANÍBAL GOMES (fls. 3312/3326).
Mostra-se indiscutível, portanto, concluir que diversos valores registrados na refe-
rida planilha, controlados por e descontados da conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, beneficia-
ram direta e indiretamente o próprio ANÍBAL GOMES.
III.B.3 ATUAÇÃO CONCERTADA ENTRE ANÍBAL GOMES E LUIS CARLOS BATISTA SÁ NO RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA DECORRENTE DO ACORDO DA ZP16 COM A PETROBRÁS.
Inquirido sobre os fatos pela autoridade policial, LUIS CARLOS BATISTA SÁ exerceu
seu direito constitucional ao silêncio (fl. 468).
Posteriormente, LUIS CARLOS BATISTA SÁ respondeu aos questionamentos feitos em
seu interrogatório judicial (transcrito às fls. 3507/3557), tendo admitido que de fato recebera
R$ 3 milhões de Paulo Roberto Baeta Neves. Utilizou a justificativa de que a quantia re-
feriu-se à venda de imóvel de sua propriedade localizado no Estado do Tocantins, pela quantia
total de R$ 4,8 milhões.
Conforme LUIS CARLOS BATISTA SÁ afirmou em juízo, após ele e Paulo Roberto
Baeta Neves fecharem negócio para compra e venda do imóvel e assinarem contrato, ficou
acertado que os R$ 3 milhões lhe seriam repassados desde logo por este último, e o valor res-
tante de R$ 1,8 milhão haveria de ser entregue tão logo houvesse a transferência formal da
propriedade.
Ainda segundo alega LUIS CARLOS BATISTA SÁ, apesar de os R$ 3 milhões lhe te-
rem sido entregues por Paulo Roberto Baeta Neves, o imóvel acabou não sendo transferido
por impossibilidade de conclusão à época do georreferenciamento da área, o que conduziu à
assinatura por ambos de um distrato para desfazimento do negócio.
LUIS CARLOS BATISTA SÁ assegurou em juízo, ainda, que, embora tenha conversado
muitas vezes com Paulo Roberto Baeta Neves com o intuito de devolver a quantia de R$ 3 mi-
lhões ou compensá-lo economicamente mediante a participação de projeto empresarial de sua
autoria, até os dias atuais não houve a devolução dos referidos valores àquele ou, após o seu
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falecimento em 2016, a seus herdeiros. O réu destacou, ainda, que, apesar de haver procu -
rado, não detém o contrato e o distrato referentes ao negócio de compra e venda de imó -
vel de sua propriedade que alegadamente teria realizado com Paulo Roberto Baeta Ne -
ves.
Inexiste, portanto, suporte probatório a respaldar a alegação d o réu LUIS
CARLOS BATISTA SÁ de que os R$ 3 milhões repassados por Paulo Roberto Baeta Neves re -
lacionaram-se a uma verdade ira e não dissimulada compra e à venda de imóvel de sua
propriedade localizado no Estado do Tocantins .
Além de LUIS CARLOS BATISTA SÁ não haver trazido aos autos o suposto contrato
de compra e venda do terreno ou o distrato alegadamente assinado com o objetivo de cancelar
a referida transação, não há prova testemunhal ou documental apta a respaldar as afirmações
de que o verdadeiro valor venal do imóvel era igual ou aproximado a R$ 4,8 milhões, de que a
ausência de georreferenciamento impossibilitou a concretização do suposto negócio ou de que
houve vontade lícita e concreta para realização da transação.
Ademais, LUIS CARLOS BATISTA SÁ incorreu em contradição, ou, no mínimo, em
forte incoerência em seu interrogatório, quando abordou o cancelamento do suposto negócio
que teria feito com Paulo Roberto Baeta Neves. Em que pese tenha, inicialmente, assegurado
que ambos firmaram distrato junto ao aludido contrato para tratar do cancelamento da transa-
ção nele disciplinada, LUIS CARLOS BATISTA SÁ contraditoriamente assumiu, logo em seguida,
que a dívida de R$ 3 milhões contraída com Paulo Roberto Baeta Neves tinha natureza infor-
mal, verbal e de mera confiança (fls. 3520-v-3522):
“JUIZ – Foi desfeito o negócio?RÉU – Foi. Nós fizemos um distrato no contrato que nós fizemos, e inclusive não acheiesse contrato até hoje. Já foi feito uma busca lá em casa, eu já procurei esse contrato detodo jeito. Nós fizemos um distrato, inclusive colocamos no nosso imposto de renda.Para que isso não ficasse assim solto, nós colocamos até no nosso próprio Imposto deRenda, eu e ele, para que não ficasse solto, no meio do mundo aí, esse negócio que foifeito.JUIZ – Aí o senhor devolveu o dinheiro para ele?RÉU – Não, já tinha gasto.JUIZ – Tá, mas e aí?RÉU – Aí eu propus para ele o seguinte: ou eu e ele esperar que eu transferisse áreaquando eu fizesse o geo, porque tecnicamente eu não poderia devolver... oh, desculpe,não podia transferir; ou ele poderia ficar comigo no projeto de energia eólica.JUIZ – Ele foi seu sócio então?
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JUIZ – Não, aí ele preferiu... Eu disse: 'Doutor Paulo, se o senhor ficar comigo no projetode energia eólica, o senhor vai ganhar muito mais'. Aí ele disse então: 'Vamos ficar, euprefiro ficar, receber essa parte que você, digamos assim, esses três milhões, dentro deuma participação no seu projeto de energia eólica'. E aí fomos conversando sobre isso,esse tempo todinho. Eu não deixei de conversar com ele a vida toda. Só que o doutorPaulo ficou doente. Doutor Paulo morreu. Doutor Paulo ficou com câncer, logo em segui-da.JUIZ – Pois é, em que ano que ele morreu?RÉU – Ele morreu tem dois anos.JUIZ – Pois é, então, desse tempo...?RÉU – Não, isso foi em 2008. Nós ficamos sempre conversando, nós nunca paramos, nóscortamos relações.JUIZ – Não, eu entendo. Uma coisa é conversar e outra coisa é ter um valor em aberto,vamos dizer assim, de três milhões de reais. Eu queria entender como é que... O senhorfalou, né, que ele vislumbrou uma possibilidade aí de negócio. Vocês chegaram a fazeruma empresa, formataram alguma coisa em relação a isso?RÉU – Nós ficamos sempre conversando, sempre conversando, e eu... e ele confiava elemuito em mim, porque a minha relação com ele é de muitos anos, e nós ficamos conver -sando, e ele preferiu ficar comigo nesse novo projeto de energia. E aí...JUIZ – Mas que não tem nada formalizado sobre esse novo projeto de energia.RÉU – Não, mas é como eu disse, a minha relação com ele era muito forte e que eu estoudisposto, mesmo ele tendo falecido, a honrar tudo que eu disse para ele, pra família dele,pra quem for.JUIZ – Pois é, e depois do falecimento dele, o senhor devolveu uma parte desse dinheiropara família?RÉU – Não, porque até hoje eu não consegui ainda vender ou botar para frente o meuprojeto de energia eólica. Não também por culpa minha, porque o governo, com esse tur-bilhão que houve aí de governo, não houve mais leilão, não houve nada. Mas tá pronto omeu projeto. Como eu lhe disse, o capex desse projeto é um bilhão e duzentos milhões.Então a senhora veja em que vai se transformar tudo isso: um bom negócio.JUÍZA – Então, vocês não têm nada por escrito a respeito disso?RÉU – Não, mas vou honrar. E agora que eu vou honrar mesmo.
Ora, baseando-se nas alegações de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, se houve de fato a as-
sinatura de um distrato formal para dispor do cancelamento da transação que ele teria – segun-
do alega - realizado com Paulo Roberto Baeta Neves, por óbvio deveria haver uma disposição
neste distrato, ou, pelo menos, um reconhecimento mínimo, até mesmo implícito, da dívida
que passara a ter com este último. O réu, contudo, logo após assegurar a existência do suposto
distrato, afirmou, contraditória e incoerentemente, inexistir qualquer disposição escrita que
trate da dívida que passou a ter com Paulo Roberto Baeta Neves.
Ainda que se admitisse a ocorrência da transação com base do que consta em de-
claração de imposto de renda de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, merece ser reiterado o que dispõe a
informação policial nº 21/2015 (fls. 62/81 da Ação Cautelar 4005), pela qual é possível extrair
ocorreu verdadeira simulação de negócio jurídico entre Paulo Roberto Baeta Neves e LUIS
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CARLOS BATISTA SÁ referente à aquisição de propriedade rural situada no Estado do Tocantins,
de aproximadamente 2,5 mil hectares. Em suma (fl. 81 da Ação Cautelar 4005):
“O crédito de R$ 3.000.000,00 na conta-corrente mantida pelo investigado no Banco doBrasil (…) aparentemente não poderia ser justificado pela venda da propriedade rural àpessoa de 'Paulo Roberto Baeta Neves' (…). Nesse contexto, com o desfazimento do ne-gócio, não foi observado o estorno correspondente daquele recurso” .
Tal transação imobiliária, pois, serviu apenas como justificativa para dissimular a
origem e a natureza ilícita do depósito de R$ 3 milhões na conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
Resulta também inverossímil concluir, se se admitisse a existência real daquela dí-
vida não paga de R$ 3 milhões, que Paulo Roberto Baeta Neves realmente aceitou manter um
crédito com LUIS CARLOS BATISTA SÁ em um montante tão elevado desde 2008, data do repasse
do valor, até a data de seu falecimento em 2016, dispensando, ele e posteriormente seus her-
deiros, qualquer disposição escrita assegurando a existência desse crédito.
Ademais, não existe nenhum dado que dê suporte à alegação de que LUIS CARLOS
BATISTA SÁ mantinha “parceria” com Paulo Roberto Baeta Neves. A relação comprovada nos
autos é somente entre LUIS CARLOS BATISTA SÁ e o próprio Deputado Federal ANÍBAL GOMES
– que é seu amigo há muitos anos e sócio de seus filhos em duas empresas51.
Ademais, como visto alhures, embora LUIS CARLOS BATISTA SÁ tenha reiterada-
mente negado a existência de vínculos entre os valores registrados na planilha acima referen-
ciada com o Deputado ANÍBAL GOMES, havendo assegurado que os valores eram exclusivamen-
te de seu próprio interesse (fls. 3507/3557), suas alegações foram negadas pelas afirmações de
várias das testemunhas, como Roberto Mesquita da Silveira Júnior (fls. 3537-3537-v.), Ulisses
José Ferreira Leite (fls. 1100/1102 e 3203/3248) e Márcio Eustáquio Bello (fls. 3312/3326),
segundo as quais vários dos pagamentos ali registrados, dos quais intermediaram e/ou foram
destinatários finais, vinculam-se à quitação de dívidas contraídas por ANÍBAL GOMES.
A versão de LUIS CARLOS BATISTA SÁ em seu interrogatório, portanto, além de con-
trariada por testemunhas e inverossímil, é carente de suporte fático-probatório apto a respaldá-
la.
Sobre sua participação nas negociações com a PETROBRÁS, ANÍBAL GOMES disse que
o pagamento que LUIS CARLOS BATISTA SÁ recebeu de Paulo Roberto Baeta Neves foi motivado
51 Nas palavras do próprio ANÍBAL GOMES (fls. 794/798).
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por “parceria” que haveria entre ambos (fls. 794/798) para negociações na PETROBRÁS. Sobre o
tema, ANÍBAL GOMES disse que apenas fez a “aproximação” entre os representantes da catego-
ria dos Práticos – entre os quais Paulo Roberto Baeta Neves - e o Diretor PAULO ROBERTO
COSTA, ou seja, “só fez apresentar” (fls. 794/798). E afirmou que fez essa apresentação “em
nome da amizade” com LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
Como dito, o relacionamento comprovado nos autos é entre ANÍBAL GOMES e LUIS
CARLOS BATISTA SÁ, e não entre este último e Paulo Roberto Baeta Neves.
É sintomático que o contador José João Appel Mattos – que era contador de Paulo
Roberto Baeta Neves e de seu escritório -, ao ser confrontado com a fotografia de LUIS CARLOS
BATISTA SÁ, disse que “que possivelmente trata-se de pessoa que trabalhava com o Deputado
ANÍBAL GOMES” e que desconhecia qualquer relação entre LUIS CARLOS BATISTA SÁ e Paulo Ro-
berto Baeta Neves (fls. 812/813).
Além da relação funcional de LUIS CARLOS BATISTA SÁ e de sua esposa com ANÍBAL
GOMES na Câmara dos Deputados, foram identificados diversos vínculos societários:
• ambos foram sócios das empresas SATEL Serviços Agropecuária, Transportes e Em-
preendimentos Ltda. e
• Santa Clara Participações de Negócios e Empreendimentos Imobiliários.
• LUIS CARLOS BATISTA SÁ também é sócio dos filhos de ANÍBAL GOMES nas empresas Ca-
choeira Grande e Ceará Energia (fl. 796).
A amizade – de mais de 20 anos – entre LUIS CARLOS BATISTA SÁ e ANÍBAL GOMES
teria sido o motivo, segundo declarou ANÍBAL GOMES, para que o parlamentar atendesse à su-
posta solicitação de “auxílio” na demanda perante a PETROBRÁS, fazendo a “aproximação en-
tre os representantes da categoria dos Práticos e o Diretor PAULO ROBERTO” (fl. 795).
A reforçar a atuação conjunta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ e ANÍBAL FERREIRA
GOMES em diversos assuntos relacionados à PETROBRÁS - que aparentemente não se limitaram
à demanda remuneratória da ZP16 -, cumpre atentar para a Informação Policial nº 76/2015 –
relativa à agenda de compromissos de PAULO ROBERTO COSTA e aos registros de entrada na
sede da PETROBRÁS, no Rio de Janeiro/RJ (fls. 694/702) – constatou diversos agendamentos e
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comparecimentos de LUIS CARLOS BATISTA SÁ e ANÍBAL GOMES, conjuntamente, à sede da
PETROBRÁS.
O fato verdadeiro é que a atuação de ANÍBAL GOMES em negociações de interesse
de empresas de praticagem não se limitou àquela primeira apresentação dos representantes da
categoria dos práticos (dentre os quais Paulo Roberto Baeta Neves) ao Diretor PAULO ROBERTO
COSTA, como ANÍBAL GOMES quis fazer crer em seu interrogatório. Diversas provas denotam
que o Deputado adotou expedientes para promover as reuniões visando a celebração do acor-
do em favor das empresas de praticagem.
Nesse sentido, a atuação direta de ANÍBAL GOMES é confirmada por um e-mail en-
viado pelo próprio Deputado Federal a PAULO ROBERTO COSTA dizendo que havia recebido soli-
citação do advogado Paulo Baeta para agilizar o encontro com o Dr. Altran (ver Informação
Policial de fls. 430/438). Eduardo Autran de Almeida Junior era o Gerente Executivo de Abas-
tecimento e Logística da PETROBRÁS.
O e-mail de ANÍBAL GOMES se insere no seguinte contexto: no dia 27.7.2010, às
7:17 hs, PAULO ROBERTO COSTA enviou e-mail para Francisco Pais, Gerente Executivo de Abas-
tecimento da PETROBRÁS, solicitando ao “Altran ou equipe receber ainda nesta semana os ad-
vogados referente a carta enviada”. Um dos assuntos do e-mail é: “Praticagem”. Francisco
Pais responde que a reunião está agendada “hoje para as 14 hs”, e que estará acompanhando.
Menos de uma hora depois, ANÍBAL GOMES enviou o seguinte e-mail para PAULO
ROBERTO COSTA:
PAULO ROBERTO COSTA respondeu no mesmo dia:
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Ainda de acordo com a Informação Policial de fls. 430/438, no dia 27.7.2010, às
14h:01 hs, há registro de entrada na PETROBRÁS de Paulo Roberto Baeta Neves e do advogado
Armindo Assis de Menezes Neto (do escritório de João Paulo Ferreira Ornellas). Apareceu
como “nome visitado’’ Priscila Sampaio Hollanda e Silva, secretária da Gerência Executiva de
Abastecimento.
Outro dado que contribui para a comprovação dos ilícitos criminais no caso é a in-
compatibilidade entre o patrimônio declarado de ANÍBAL GOMES e de LUIS CARLOS BATISTA SÁ e
suas fontes formais de recursos. Tomando-se como base os dados reunidos na Informação Po-
licial nº 21/2015 (fls. 62/81 da Ação Cautelar 4005), conclui-se que:
“A partir do exame das informações econômico-financeiras de ANÍBAL FERREIRA GOMES,identificaram-se os seguintes indícios:
1. Patrimônio Líquido a Descoberto nos anos de 2008 e de 2011, ou seja, aumento patri-monial não justificado;
2. Conforme o item 9, da Tabela 2, valores em espécie superiores a R$ 1 milhão de reaiseram mantidos pelo investigado (de 2007 a 2013);
3. Foram identificadas algumas inconsistências quanto aos bens declarados e aqueles in-formados em operações imobiliárias (Tabela 4);
4. Duas fazendas constantes da Declaração do Imposto sobre a Propriedade TerritorialRural - ITR não foram identificadas na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física(vide seção que rata do investigado);
5. Apesar de o investigado ser proprietário de várias fazendas e empresas, não foram ob-servados rendimentos/gastos frutos dessas propriedades (lucros/dividendos e receita/des-pesa da atividade rural, por exemplo);
6. O investigado, em alguns anos, declarou possuir rebanho, conforme a Tabela 5 (o pa-trimônio líquido a descoberto em 2011 seria aumentado, considerando os 95 animais ad-quiridos naquele ano).
A partir do exame das informações econômico-financeiras de LUIS CARLOS BATISTA SÁ,identificaram-se os seguintes indícios:
1. Patrimônio Líquido a Descoberto nos anos de 2008, 2010 a 2014, ou seja, aumento pa-trimonial não justificado;”
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Indagado a respeito da sua evolução patrimonial e da manutenção de grandes
somas de dinheiro vivo em casa52, as explicações apresentadas por ANÍBAL GOMES foram in-
verossímeis. Basta sublinhar algumas de suas frases do depoimento:
- “QUE indagado a respeito de sua evolução patrimonial, se comparadas as Declaraçõesde Bens apresentadas à Justiça Eleitoral nos anos de 2006, no valor de menos de R$300.000,00 (trezentos mil reais), e de 2010, no valor de R$ 6.800.000,00 (seis milhões eoitocentos mil reais), o Declarante afirma que não sabe explicar tal evolução”;
- “QUE indagado da origem do valor de R$1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil re-ais), em espécie, constantes de sua Declaração à Justiça Eleitoral de 2010, o Declaranteafirma que este valor decorre da venda de sua participação em uma empresa cujo nomenão se recorda”;
- “QUE indagado a respeito das fazendas no Estado do Tocantins listadas em sua Decla -ração de 2010, o Declarante afirma que são na verdade lotes de aproximadamente seis-centos a oitocentos hectares; QUE indagado a origem dos recursos com os quais adquiriutais fazendas, o Declarante afirma que não se recorda”;
- “QUE indagado do motivo pelo qual possuía R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentosmil reais) em espécie na sua casa, em 2010, o Declarante afirma que em período eleitoralcostumava ter valores em espécie consigo; QUE indagado da origem da quantia de R$1.805.000,00 (um milhão, oitocentos e cinco mil reais), em espécie, constantes de suaDeclaração à Justiça Eleitoral no ano de 2014, o Declarante afirma que não sabe a ori-gem da mesma”.
Urge adicionar que o rastreamento e identificação dos destinatários finais dos re-
cursos recebidos por LUIS CARLOS BATISTA SÁ revelam que este atuou em coautoria com
ANÍBAL FERREIRA GOMES, desde as tratativas na PETROBRÁS até o recebimento e destinação dos
recursos recebidos de Paulo Roberto Baeta em sua conta pessoal.
III.C INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E TIPIFICAÇÃO
Estando devidamente comprovados nos presentes autos os fatos acima narrados,
passa-se a efetivar o enquadramento legal das condutas demonstradamente praticadas pelos
réus ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
III.C.1 CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E CORRUPÇÃO PASSIVA PRATICADOS POR ANÍBAL FERREIRA GOMES.
52 Consoante afirmado pelo próprio ANÍBAL GOMES – fls. 115/121 da apensa Ação Cautelar 4005.
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No ano de 2008, em data que não é possível precisar, mas certamente anterior a
26.8.2008, na sede da empresa PETROBRÁS S.A. no Rio de Janeiro/RJ e também em
Brasília/DF, ANÍBAL FERREIRA GOMES prometeu vantagem indevida, consistente na entrega de
R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) a PAULO ROBERTO COSTA, então Diretor de Abastecimento
da PETROBRÁS, para determiná-lo a praticar e omitir atos de ofício, consistentes em iniciar,
promover, autorizar e não criar óbices ao avanço das tratativas referentes a demanda
remuneratória feita pelas empresas de praticagem atuantes na ZP16 perante a PETROBRÁS.
O cumprimento da indevida vantagem ocorreria com o sucesso das negociações,
tendo como origem financeira os pagamentos realizados pela PETROBRÁS às empresas de prati-
cagem em razão do acordo entabulado.
Tem-se, pois, que a conduta acima narrada se enquadra ao tipo penal capitulado no
art. 333-parágrafo único do Código Penal:
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter -miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promes-sa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
No ano de 2008, em data que não é possível precisar, mas certamente anterior a
26.8.2008, ANÍBAL FERREIRA GOMES aceitou promessa de vantagem indevida, em razão de sua
função, além de efetivamente praticar ato infringindo dever funcional, utilizando-se de sua
relação com PAULO ROBERTO COSTA, a quem empenhava seu apoio político (para sua
manutenção no cargo de Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS), para exortá-lo a autorizar o
prosseguimento das tratativas e não criar óbice à realização do acordo atinente à ZP16, mesmo
ciente de que serviria para o pagamento de propina para si e para terceiros.
Posteriormente, recebeu a vantagem indevida consistente no pagamento, por João
Paulo Ferreira Ornelas, como parte do dinheiro recebido da PETROBRÁS em função da celebra-
ção do acordo em benefício das empresas de praticagem, no total de R$ 6.085.076,33, para ser
dividido entre ANÍBAL GOMES, Paulo Roberto Baeta Neves e LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
A conduta acima descrita se amolda ao delito tipificado no art. 317-§ 1º do Código
Penal:
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Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda quefora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitarpromessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, ofuncionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindodever funcional.
III.C.2 CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRATICADO POR LUIS CARLOS BATISTA SÁ
Em 25.9.2008, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, de comum acordo e em unidade de desíg-
nio com João Paulo Ferreira Ornelas e Paulo Roberto Baeta Neves, recebeu para ANÍBAL
FERREIRA GOMES, Deputado Federal pelo PMDB, vantagem indevida em razão da função deste
último.
Isso foi para que ANÍBAL GOMES, empregando sua ascendência política sobre PAULO
ROBERTO COSTA, então Diretor de Abastecimento da PETROBRÁS, exortasse-o a realizar e deixar
de promover atos de ofícios, destinados à realização do acordo entre a citada estatal e as em-
presas de praticagem da ZP16, o que efetivamente ocorreu.
A vantagem indevida consistiu no pagamento, por João Paulo Ferreira Ornelas,
Paulo Roberto Baeta Neves a LUIS CARLOS BATISTA SÁ, de parte do total de R$ 6.085.076,33
recebidos da PETROBRÁS em função da celebração do acordo em benefício das empresas de
praticagem.
LUIS CARLOS BATISTA SÁ, especificamente, repassou ao Deputado Federal ANÍBAL
FERREIRA GOMES o pagamento de grande parcela dos R$ 3.000.000,00 que, a seu turno, rece-
beu de Paulo Roberto Baeta Neves como repasse de parte dos R$ 6.085.076,33 recebidos,
como mencionado, da PETROBRÁS.
Assim agindo, ao receber a vantagem indevida destinada a ANÍBAL FERREIRA
GOMES, LUIS CARLOS BATISTA SÁ incorreu no crime tipificado no art. 317-§ 1º combinado com
o art. 29, ambos do Código Penal.
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III.C.3 CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO PRATICADOS, EM UNIDADE DE DESÍGNIOS, POR ANÍBAL FERREIRA GOMES E LUIS CARLOS BATISTA SÁ
Paulo Roberto Baeta Neves transferiu, na data de 25.9.2008, R$ 3.000.000,00 para
a conta 130877, agência 3596, Banco do Brasil, de titularidade de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, es-
tando ambos cientes de que os recursos tinham como origem o pagamento que a PETROBRÁS
fez às empresas de praticagem da ZP16. O registro da movimentação bancária consta do in-
cluso Relatório de Análise SPEA/PGR 098/201553:
LUIS CARLOS BATISTA SÁ e ANÍBAL GOMES, com unidade de desígnios, ocultaram e
dissimularam, em favor próprio e de terceiros, a origem, a localização, a disposição e a movi-
mentação desses recursos, em diversas operações distintas na forma, no modo e no tempo, que
se passa a especificar:
F ato 1 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 400.000,00, mediante quatro cheques distintos, à em-
presa AGROPECUÁRIA MATA AZUL.
F ato 2 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, transferiu R$ 240.000,00 para Carlos José Mendes, mediante o des-
conto de quatro cheques diferentes.
F ato 3 – No dia 30.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, transferiu R$ 9.600,00 para Carlos José Mendes.
F ato 4 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
53 Fls. 177/194 da apensa Ação Cautelar 4005.
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nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 40.000,00, mediante cheque, à empresa FRANERE CO-
MÉRCIO CONSTRUÇÕES E IMOBILIÁRIA LTDA.
F ato 5 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 40.000,00, mediante cheque, a Elizabeth Siqueira.
F ato 6 – No dia 26.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 160.000,00, mediante dois cheque de R$ 80.000,00
cada, a Fernando Pompeu Bessa.
F ato 7 – No dia 26.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 30.000,00, mediante cheque, a José Nunes Siqueira.
F ato 8 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 20.000,00, mediante cheque, a Ulisses José Ferreira
Leite.
F ato 9 – No dia 26.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 30.000,00, mediante cheque, a Atilo Nicola Filho.
F ato 10 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 30.000,00, mediante cheque, a Pedro José De Marti-
ons Araújo.
F ato 11 – No dia 25.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 60.000,00, mediante cheque, a COLUMBIA DISTRI-
BUIDORA DE ALIMENTOS LTDA.
F ato 12 – No dia 29.9.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 75.000,00, mediante cheque, a Elon Gomes de Al-
meida.
F ato 13 – No dia 3.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 75.000,00, mediante cheque, a Elon Gomes de Al-
meida.
F ato 14 – No dia 3.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 75.000,00, mediante cheque, a Elon Gomes de Al-
meida.
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F ato 15 – No dia 7.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, pagou R$ 19.600,00, mediante cheque, a Maria Ilma Magalhães
Silveira Pinheiro Landim.
F ato 1 6 – Entre os dias 16.10.2008 e 17.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e
em unidade de desígnios com ANÍBAL GOMES, pagou R$ 50.000,00, mediante cheque, a WAL
ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL E REPRESENTAÇÕES – ME.
F ato 17 – No dia 17.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 58.000,00, mediante cheque, a Elizabeth Siqueira.
F ato 1 8 – No dia 17.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 10.000,00, mediante cheque, a Sheyla Borborema Al-
ves De Almeida.
F ato 1 9 – No dia 17.10.2008, LUIS CARLOS SÁ entregou R$ 31.700,00, medi-
ante cheque, a ANÍBAL GOMES.
F ato 20 – No dia 23.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, saca, em espécie, a quantia de R$ 20.000,00, utilizando cheque
emitido em seu próprio nome.
F ato 21 – No dia 30.10.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL FERREIRA GOMES, entregou R$ 7.486,50, mediante cheque, a Ana Pércia
Alux Bessa Andrade.
F ato 22 – No dia 6.11.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, saca, em espécie, a quantia de R$ 65.000,00, utilizando cheque
emitido em seu próprio nome.
F ato 23 – No dia 13.11.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL FERREIRA GOMES, entregou R$ 20.000,00, mediante cheque, a Cleto Apa-
recido Rodrigues.
F ato 24 – No dia 27.11.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 6.000,00, mediante cheque, a José Carlos Vasconce-
los.
F ato 25 – No dia 15.12.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
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sígnios com ANÍBAL GOMES, sacou, em espécie, a quantia de R$ 10.000,00, utilizando cheque
emitido em seu próprio nome.
F ato 26 – No dia 17.12.2008, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 11.000,00, mediante cheque, a José Carlos Vasconce-
los.
F ato 27 – No dia 20.2.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 8.109,46, mediante dois cheques nos valores de R$
4.450,18 e 3.659,28, a Ana Pércia Alux Bessa Andrade.
F ato 2 8 – No dia 9.3.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 10.000,00, mediante cheque, a José Carlos Vasconcelos.
F ato 2 9 – No dia 30.3.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 10.000,00, mediante dois cheques de R$ 5.000,00
cada, a Manoel Duca da Silveira Neto.
F ato 30 – No dia 8.4.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de desíg-
nios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 10.000,00, mediante dois cheques de R$ 5.000,00, a
JOSÉ CARLOS VASCONCELOS.
F ato 3 1 – No dia 29.4.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 6.750,00, mediante cheque, à empresa AIRLINES
REPRESENTAÇÕES.
F ato 3 2 – No dia 12.5.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 7.826,09, mediante cheque, à empresa AIRLINES
REPRESENTAÇÕES.
F ato 3 3 – No dia 17.8.2009, LUIS CARLOS SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 3.500,00, mediante cheque, a José Carlos Vasconce-
los.
F ato 3 4 – No dia 2.9.2009, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, a mando e em unidade de de-
sígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 5.000,00, mediante cheque, a José Carlos Vasconce-
los.
F ato 3 5 – No dia 6.12.2012, LUIS CARLOS BATISTA SÁ, a mando e em unidade de
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desígnios com ANÍBAL GOMES, entregou R$ 17.060,63, mediante dois cheques nos valores de
R$ 10.900,00 e 6.160,63, a Ana Pércia Alux Bessa Andrade.
Com essas condutas, ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ pratica-
ram pelo menos trinta e cinco vezes o crime tipificado no art. 1º-V da Lei nº 9.613/1998:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentaçãoou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de cri-me:
[…]
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, diretaou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omis-são de atos administrativos;
[…]
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
III.D CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADEQUAÇÃO TÍPICA DOS FATOS PROVADOS
III.D.1 SOBRE O CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA
Ainda no mérito, importante trazer algumas considerações sobre os tipos de ilícito
imputados aos denunciados, já tendo em consideração as provas analisadas acima.
Inicialmente, quanto ao crime de corrupção passiva, é importante ressaltar que o
Código Penal o tipifica de modo claro em sua forma simples (art. 317, caput), como a conduta
de solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida em razão da mera condição de
funcionário público. A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal têm debatido
sobre a necessidade, ou não, de mais um elemento do tipo: o “ato de ofício”. Questiona-se se
o tipo penal de corrupção passiva exige que a vantagem indevida solicitada, recebida ou
prometida tenha relação com a possível prática, que até pode não ocorrer, de um ato funcional
inserido no rol de atribuições do funcionário público corrompido.
Este debate tem relevantes consequências práticas. Foi travado, por exemplo, no
julgamento, pelo STF, da Ação Penal n. 307/DF (Caso Collor), quando a Corte acolheu o voto
do Relator Min. Ilmar Galvão, e decidiu que a consumação do crime de corrupção passiva
prescinde da efetiva realização do ato funcional, mas exige que a prática ou a omissão deste
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ato tenha sido a causa da solicitação, do recebimento, ou da aceitação da vantagem indevida
ou da promessa de vantagem indevida.54
O Supremo Tribunal Federal enfrentou novamente o tema no julgamento da Ação
Penal n. 470/MG (Mensalão). Por maioria, manteve a decisão tomada na AP 307/DF, de que o
crime de corrupção passiva exige que a vantagem solicitada ou recebida se relacione com a
possível prática ou omissão de algum ato de ofício pelo funcionário corrupto ou corrompido.
Entretanto, não exigiu que o ato de ofício efetivamente fosse omitido ou praticado, conforme
o caso, bastando-se a perspectiva desta prática ou omissão.
Nesta linha, o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Luiz Fux, respectivamente,
acentuam que para o STF “é indispensável ato de ofício em potencial para configuração do
crime de corrupção passiva, apesar de não ser necessária sua efetiva prática pelo corrupto”,
e “o ato de ofício funciona como elemento atrativo ou justificador da vantagem indevida,
mas jamais pressuposto para a configuração da conduta típica de corrupção”55.
Esta é a ementa do entendimento da Suprema Corte:
“2. Premissas teóricas aplicáveis as figuras penais encartadas na denúncia:
(...)
2.7. corrupção: ativa e passiva. Ao tipificar a corrupção, em suas modalidades passiva(art. 317, CP) e ativa (art. 333, CP), a legislação infraconstitucional visa a combatercondutas de inegável ultraje a moralidade e a probidade administrativas, valoresencartados na Lei Magna como pedras de toque do regime republicano brasileiro (art. 37,caput e § 4o, CRFB), sendo a censura criminal da corrupção manifestação eloquente daintolerância nutrida pelo ordenamento pátrio para com comportamentos subversivos dares publica nacional.
2.7.1. O crime da corrupção, seja ela passiva ou ativa, independe da efetiva pratica de atode ofício, já que a lei penal brasileira não exige referido elemento para fins decaracterização da corrupção, consistindo a efetiva prática de ato de ofício em meracircunstância acidental na materialização do referido ilícito, o móvel daquele que oferecea peita, a finalidade que o anima, podendo ate mesmo contribuir para sua apuração, masirrelevante para sua configuração.
54 A fundamentação adotada pelo Relator, que se sagrou vencedora, foi no sentido de não ter sido apontadopelo órgão acusatório o ato de ofício configurador de transação ou comércio com o cargo então exercidopelo Presidente da República
55 Para o Min. Ricardo Lewandowski, o Plenário desta Corte, ao apreciar a mesma matéria nesta AP 470,“externou um entendimento mais abrangente, assentando ser suficiente, para a configuração do tipo previstono art. 317 do Código Penal, o mero recebimento de vantagem indevida, por funcionário público,dispensando-se a precisa identificação do ato de ofício. E mais: dispensou, também, a necessidade deindicação da relação entre o recebimento da vantagem por parte do servidor e a prática de determinado atofuncional. Basta, pois, segundo entende a Corte, para a caracterização do delito de corrupção passiva, que sedemonstre o recebimento de vantagem indevida, subentendendo-se a possibilidade ou a perspectiva daprática de um ato comissivo ou omissivo, não identificado, presente ou futuro, atual ou potencial, desde queeste esteja na esfera de atribuições do funcionário público”.
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2.7.2. O comportamento reprimido pela norma penal e a pretensão de influência indevidano exercício das funções públicas, traduzida no direcionamento do seu desempenho,comprometendo a isenção e imparcialidade que devem presidir o regime republicano,não sendo, por isso, necessário que o ato de ofício pretendido seja, desde logo, certo,preciso e determinado.
2.7.3. O ato de ofício, cuja omissão ou retardamento configura majorante prevista no art.317, § 2o, do Código Penal, é mero exaurimento do crime de corrupção passiva,sendo que a materialização deste delito ocorre com a simples solicitação ou o merorecebimento de vantagem indevida (ou de sua promessa), por agente publico, em razãodas suas funções, ou seja, pela simples possibilidade de que o recebimento da propinavenha a influir na prática de ato de ofício.”
O professor Alamiro Velludo Salvador Neto anota que a prática de ato de ofício
não é elemento do tipo penal do crime de corrupção, e é irrelevante na atividade política:
“Sobre este ponto, talvez uma ideia possa ser lançada. A dependência existente entre odelito de corrupção e a prática de ato de ofício correlata é diretamente proporcional aograu de discricionariedade que detém o cargo ocupado pelo servidor público. Isto é, noscasos de funcionários com estreitas margens de atuação, como, por exemplo, a prática derestritos atos administrativos vinculados, parece ser mais crucial a preocupação, até emnome da segurança jurídica, com a relação (o sinalagma) entre vantagem indevida e atode ofício praticado. Já em cargos nitidamente políticos aflora com maior clareza estailícita mercancia com a função, em si mesma considerada, esvaindo-se adependência pontual entre a benesse e o exercício de algum ato.”56
Embora não seja necessária, bastando o chamado pacto de injusto (o
Unrechtsvereinbarung da doutrina alemã) e a possibilidade de contraprestação do funcionário
público, como bem apanhado pela doutrina, a exigência do Supremo Tribunal Federal de ato
de ofício em potencial “não é nada diverso do que exigir uma conexão entre vantagem e
exercício da função”.57
Então, o crime de corrupção pode ou não envolver a violação de deveres
funcionais. Nessa última hipótese, “o injusto da corrupção com infração funcional reside,
consequentemente, no abuso de poder por meio do desrespeito, condicionado por um
recebimento de vantagem, à ideia de legalidade do serviço público.”58
56 NETTO, Alamiro Velludo Salvador. Reflexões pontuais sobre a interpretação do crime de corrupção noBrasil à luz da APN 470/MF. Revista dos Tribunais, vol. 933, Jul. 2013, p. 47-59.
57 GRECO, Luís; TEIXEIRA, Adriano. Aproximação a uma teoria da corrupção. In: LEITE, Alaor;TEIXEIRA, Adriano (Orgs.). Crime e política: corrupção, financiamento irregular de partidos políticos,caixa dois eleitoral e enriquecimento ilícito. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017, p. 19-52, p. 44.
58 GRECO, Luís; TEIXEIRA, Adriano. Aproximação a uma teoria da corrupção. In: LEITE, Alaor;TEIXEIRA, Adriano (Orgs.). Crime e política: corrupção, financiamento irregular de partidos políticos,caixa dois eleitoral e enriquecimento ilícito. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017, p. 19-52, p. 31.
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Não obstante, n o caso ora em exame , houve a prática efetiva de atos de ofício,
consumando-se o abuso de poder de funcionários públicos. Merece ser sublinhado, nesse
ponto, que a corrupção desvendada não é singela solicitação ou oferta de vantagem indevida
ao funcionário público para evitar uma multa de trânsito, quando o ato de ofício é único.
Trata-se da compra da fidelidade de agentes públicos de alto escalão – Diretor da PETROBRÁS e
Deputado Federal –, fidelidade esta devida ao Estado, de modo que se está diante de um
conjunto de atos de ofício e de influências que resultam do comportamento comprometido do
agente público em favor dos empreiteiros.
No caso concreto, o exame dos elementos probatórios constantes dos autos exige
concluir que ANÍBAL FERREIRA GOMES praticou o crime de corrupção passiva ao haver utilizado
o seu mandato parlamentar e sua influência política para, perante PAULO ROBERTO COSTA – a
quem prestava apoio político para sua manutenção na Diretoria de Abastecimento da
PETROBRÁS – viabilizar a efetivação de acordo entre a referida estatal e as empresas atuantes no
“Serviço de Praticagem ZP-16, havendo, como contrapartida à concretização do ajuste,
recebido vantagens indevidas em seu e em benefício de outras pessoas, inclusive de LUIS
CARLOS BATISTA SÁ. Nesta hipótese, o ato de ofício do crime de corrupção passiva consistiu
tanto em conceder permanente apoio político para viabilizar a indicação e, em seguida,
manutenção de PAULO ROBERTO COSTA na Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS como
também em influir para que este último atuasse em benefício da concretização do referido
acordo.
A atuação concreta de ANÍBAL FERREIRA GOMES para a concessão de apoio político,
no âmbito do PMDB, direcionado à manutenção de PAULO ROBERTO COSTA na PETROBRÁS
encontra-se fartamente demonstrada nos autos, através, dentre outras, das seguintes provas:
diversos registros de entrada do parlamentar na sede da estatal para visitar o seu respectivo
Diretor de Abastecimento (Informação Policial nº 76/2015, fls. 694/702); depoimento do
Senador do PMDB José Renan Vasconcelos Calheiros prestado no âmbito destes autos (fls.
1843/1845); e depoimentos ofertados pelo parlamentar réu (fls. 1212/1218).
A respeito da aludida atuação de ANÍBAL GOMES, afirmou o Senador Renan
Calheiros (fls. 1843/1845):
“QUE indagado dos dois ou três encontros tidos com PAULO ROBERTO COSTA, descritosàs fls. 1220, o declarante afirma que estes se deram ou em sua residência ou em seu
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Gabinete no Congresso Nacional; QUE a esta época, o Declarante residia em um imóvelparticular alugado localizado na QI 11, do Lago Sul; QUE não se recorda do númerodeste imóvel, podendo apresentar tal informação posteriormente;
QUE afirma que todos os encontros que teve com PAULO ROBERTO COSTA não forampreviamente agendados;
QUE em todas estas ocasiões PAULO ROBERTO COSTA foi levado até o Declarante peloDeputado ANÍBAL GOMES;
QUE PAULO ROBERTO COSTA buscou, nestes encontros, apoio político do Declarantea fim de assumir, provavelmente, a Diretoria de Exploração da PETROBRÁS;
QUE estes encontros ocorreram entre o final de 2007 e o ano de 2010, não serecordando com precisão;
QUE reitera que ANÍBAL GOMES levava PAULO ROBERTO COSTA até a pessoa doDeclarante no intuito de obter apoio político; QUE não sabe ao certo qual era a relaçãode ANÍBAL GOMES com PAULO ROBERTO COSTA;
QUE PAULO ROBERTO COSTA foi a única pessoa levada por ANÍBAL GOMES até oDeclarante a fim de obter apoio político para assumir ou permanecer emdeterminado cargo na PETROBRÁS ou em qualquer outra Ente da AdministraçãoPública” (grifou-se)
O próprio ANÍBAL GOMES assegurou ter atuado para conceder apoio político em
prol da manutenção de PAULO ROBERTO COSTA no âmbito da PETROBRÁS, assumindo inclusive
que, por deter acesso facilitado ao então Diretor de Abastecimento, submetera a ele diversos
pleitos de empresas interessadas em se cadastrar para participação de licitações realizadas pela
sociedade de economia mista (fls. 1212/1218):
“QUE por volta de quatro anos atrás, ou mais, o Declarante se encontrou com PAULO
ROBERTO COSTA na Sede da PETROBRÁS; QUE nesta ocasião PAULO ROBERTO COSTA
lhe disse que corria risco de ser destituído do cargo de Diretor de Abastecimento ;QUE, segundo informado por PAULO ROBERTO COSTA, o mesmo havia ficado afastadopor motivo de doença por um período de dois meses; QUE, ao retornar, sua situação nocargo se encontrava instável em razão de que havia uma outra pessoa, cujo nome não serrecorda, que estava pleiteando seu cargo; QUE então o Declarante se ofereceu parabuscar apoio político junto ao PMDB a fim de manter PAULO ROBERTO nocargo; QUE afirma que, neste primeiro momento, disse a PAULO ROBERTO COSTA
que o apoio seria pleiteado junto às Lideranças do PMDB; QUE vinte dias após estaconversa PAULO ROBERTO COSTA veio à Brasília/DF e procurou o Declarante; QUEentão disse a PAULO ROBERTO COSTA que iria viabilizar um encontro com o SenadorRENAN CALHEIROS; QUE indicou o Senador RENAN CALHEIROS pelo fato de omesmo ser à época Presidente ou Líder do Partido, ou seja, uma pessoa de destaquedentro do Partido; QUE ligou para o Senador RENAN CALHEIROS e perguntou se omesmo poderia receber o Declarante e PAULO ROBERTO COSTA; QUE RENAN seencontrava reunido com demais Parlamentares do PMDB; QUE o Declarante não sabe aocerto se RENAN estava em um almoço ou em um jantar com os demais Parlamentares doPMDB; QUE, após a anuência de RENAN, deslocou-se com PAULO ROBERTO COSTA
até a residência de RENAN CALHEIROS, não se recordando se era residênciaoficial ou pessoal de RENAN CALHEIROS; QUE ao chegar no local estavam
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presentes, além do Senador RENAN CALHEIROS, o Deputado HENRIQUEEDUARDO ALVES, o Senador ROMERO JUCÁ, e uma quarta pessoa, que não serecorda se era o Senador VALDIR RAUPP ou o Senador EDISON LOBÃO; QUE,então, o Declarante expôs aos presentes o motivo de sua ida; QUE na ocasião buscoujunto a tais Lideranças que PAULO ROBERTO COSTA fosse mantido na Diretoria deAbastecimento ou que fosse apoiado pelo Partido para assumir a Diretoria deExploração; QUE em relação a sua manutenção no cargo de Diretor de Abastecimento,os Parlamentares presentes não deram uma resposta, apenas ouviram; QUE em relação aPAULO ROBERTO ser designado para a Diretoria de Exploração, foi dito que isto nãoseria possível uma vez que esta Diretoria era uma indicação do Partido dosTrabalhadores; QUE, em sendo lido trecho do Termo de Declarações do SenadorROMERO JUCÁ (fls. 1912/1915), o Declarante confirma a versão apresentada, masressalva que, ao contrário do afirmado por ROMERO JUCÁ, o Declarante não haviaconversado com o PP; QUE afirma que não possuía abertura para tratar de tal assuntocom o PP, Partido responsável pela indicação e manutenção de PAULO ROBERTO COSTA
no cargo de Diretor de Abastecimento; QUE indagado do motivo pelo qual apresentouPAULO ROBERTO COSTA a RENAN CALHEIROS e outras Lideranças do PMDB afim de dar a ele apoio político, afirma que isto se deu pelo fato de que PAULO
ROBERTO COSTA sempre foi uma pessoa muito cortês com o Declarante, atendendoseus pleitos institucionais e também porque estava à frente da implantação da refinariano Ceará; QUE afirma que não propôs ou impôs a PAULO ROBERTO COSTA qualquercondição em troca do apoio político do PMDB; QUE, em sendo lido trecho do Termo deDeclarações n. 03 de PAULO ROBERTO COSTA (fls. 2363/2364), o Declarante refuta asafirmações feitas por PAULO ROBERTO COSTA; QUE indagado do motivo das afirmaçõesde PAULO ROBERTO COSTA, o Declarante afirma que talvez ele esteja querendo atingir oPartido; QUE indagado que motivos PAULO ROBERTO COSTA teria para tentar atingir oPMDB, o Declarante afirma que talvez PAULO ROBERTO COSTA tenha ficado insatisfeitoem não receber o apoio desejado do Partido; QUE pelo que tem conhecimento PAULO
ROBERTO COSTA não foi apoiado pelo PMDB para se manter no cargo de Diretor deAbastecimento; QUE em sendo lido outro trecho do Termo de Declarações n.o 03 dePAULO ROBERTO COSTA (fI. 2365), o Declarante afirma que teve apenas uma únicareunião com PAULO ROBERTO COSTA e com RENAN CALHEIROS, àquela acimanarrada; QUE nega haver participado de outras reuniões com RENAN CALHEIROS ePAULO ROBERTO COSTA, onde tenham sido tratados temas da PETROBRÁS, especialmenteàqueles narrados por PAULO ROBERTO em suas Declarações; QUE indagado domotivo das mais de quarenta visitas a PAULO ROBERTO COSTA entre maio de 2007 adezembro de 2011, o Declarante afirma que em sua maioria estas visitas se derampara possibilitar agendas com PAULO ROBERTO de empresários e pessoas queprocuravam o Declarante a fim de se encontrar com PAULO ROBERTO COSTA; QUEtais pessoas que procuravam o Declarante se queixavam da dificuldade de falar comPAULO ROBERTO COSTA, às vezes passando por mais de seis meses de espera; QUEindagado a respeito dos nomes e das empresas que teria levado para conversar comPAULO ROBERTO COSTA, o Declarante cita TOMÉ, da TOMÉ ENGENHARIA, PAULO,da SERVENG e CÉSAR, da ALUSA; QUE não se recorda no momento o nome de outrasempresas e seus respectivos representantes que o Declarante levou para tratar com PAULO
ROBERTO COSTA; QUE na maioria das vezes em que esteve com PAULO ROBERTO COSTA
na Sede da PETROBRÁS, o Declarante foi sozinho; QUE indagado do motivo pelo qualestes empresários procuraram o Declarante a fim de conversar com PAULO ROBERTO
COSTA, o Declarante afirma que tais empresas sabiam que o Declarante tinha um
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acesso facilitado com PAULO ROBERTO COSTA; QUE indagado do motivo pelo qualtinha um acesso facilitado a PAULO ROBERTO COSTA, o Declarante afirma que é porquePAULO ROBERTO COSTA sempre foi muito cortês com o Declarante; QUE por volta deoitenta por cento das vezes em que se reuniu com PAULO ROBERTO COSTA foi paralevar solicitações de empresas interessadas em se cadastrar para participar delicitações da PETROBRÁS; QUE reitera que tais empresas o procuraram pois tinhamdificuldade de marcar audiências com PAULO ROBERTO COSTA” (grifou-se)
O ato de ofício praticado por ANÍBAL FERREIRA GOMES, portanto, apresenta-se
nítido e manifesto, uma vez que utilizou das prerrogativas de seu mandato parlamentar para
conceder apoio político para manutenção de PAULO ROBERTO COSTA na Diretoria de
Abastecimento da PETROBRÁS, e também para, a partir dessa proximidade que mantinha com o
último, viabilizar a efetivação de acordo pela estatal que resultou no recebimento de
vantagens indevidas em seu e em benefício de outras pessoas, inclusive de LUIS CARLOS
BATISTA SÁ.
ANÍBAL FERREIRA GOMES, a seu turno, também praticou ato de ofício na
modalidade omissiva porquanto, como todo e qualquer parlamentar, tem o poder-dever
previsto no art. 70 da Constituição Federal de fiscalizar os atos praticados por órgãos e
entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, inclusive a PETROBRÁS. Naquele
contexto fático e temporal, é certo que ANÍBAL FERREIRA GOMES tinha prerrogativas
parlamentares e institucionais para fiscalizar a legalidade dos atos praticados no âmbito da
PETROBRÁS, assim como de, no jogo político e democrático brasileiro, indicar e defender,
individualmente ou inclusive em nome do PMDB, a manutenção de pessoas em determinados
cargos, ministérios e entidades da Administração Pública Federal, e, por sua vez, enquanto
parlamentar e integrante da cúpula da referida agremiação, prestar apoio político ao chefe do
Poder Executivo Federal no Congresso Nacional.
Portanto, não se cuida de um dever genérico e abstrato descumprido sem ciência.
Ao revés, o parlamentar locupletou-se dolosamente de todo um esquema de ilegalidades
praticados na PETROBRÁS e, também por isso, deixou de cumprir com seu dever de
fiscalização, o qual poderia exercer ao menos mediante provocação do Tribunal de Contas,
que é órgão vinculado ao Poder Legislativo. Tanto é verdade que o dolo se encontra presente
que foi necessário toda uma série de atos posteriores direcionados a ocultar e dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade das vantagens ilícitas.
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Logo, por haver comprovadamente atuado, como parlamentar e integrante do
PMDB, para manter PAULO ROBERTO COSTA na Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS e
para que este atuasse em benefício de acordo a ser firmado pela estatal com empresas atuantes
no “Serviço de Praticagem ZP-16” e, como contrapartida, recebido valores ilícitos diretamente
vinculado ao referido ajuste, é indubitável que o citado réu efetivamente praticou ato de ofício
necessário e indispensável à configuração do crime de corrupção passiva, visto ter, naquela
ocasião, solicitado, aceitado promessa nesse sentido e recebido vantagens indevidas em razão
do mandato parlamentar que cumpria.
LUIS CARLOS BATISTA SÁ, por sua vez, conforme amplamente demonstrado nesta
ação penal, concorreu amplamente nas condutas praticadas por ANÍBAL FERREIRA GOMES, desde
o momento em que este atuou perante PAULO ROBERTO COSTA para serem iniciadas as
negociações direcionadas ao ajuste entre a PETROBRÁS e empresas prestadoras de serviço de
praticagem, até a ocasião do recebimento e das destinações dos valores ilícitos.
Essas conclusões fáticas bastam para enquadrar a conduta de ANÍBAL FERREIRA
GOMES e de LUIS CARLOS BATISTA SÁ no crime de corrupção passiva majorada, tipificado no
art. 317-§ 1º do Código Penal.
Sobre o tema:
DEPUTADO FEDERAL. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. INÉPCIA DA DENÚNCIANÃO CONFIGURADA. QUADRILHA E CRIMES LICITATÓRIOS. PRESCRIÇÃO.ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ATIPICIDADE. CORRUPÇÃO PASSIVA ELAVAGEM DE DINHEIRO. COLABORAÇÃO PREMIADA. CORROBORAÇÃO DASPROVAS OBTIDAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.CONDENAÇÃO.
(...)
3. Corrupção passiva. Desimportante seja a vantagem indevida contraparte à prática deato funcional lícito ou ilícito. O ato de ofício não é elementar do tipo (artigo 317 doCP), apenas causa de aumento da pena (§ 1º do mesmo dispositivo legal). Necessárioo nexo causal entre a oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função públicado agente. Corrupção passiva evidenciada diante do recebimento direto e indiretode vantagens financeiras sem explicação causal razoável. Inferência de liame entre orecebimento e o exercício do mandato parlamentar, e, ainda, por meio da prática deatos funcionais dirigidos ao responsável pelo pagamento da propina.
(...)
(AP 694, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 2/5/2017, Dje 30/8/2017 –grifou-se)
DEPUTADO FEDERAL. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. RÉU MAIOR DE 70 ANOS.BENEFÍCIO ETÁRIO DO ART. 115 DO CP. REDUÇÃO À METADE DO LAPSO
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PRESCICIONAL. PRESCRIÇÃO PELAS PENAS EM ABSTRATO QUANTO AOSCRIMES DE QUADRILHA E LAVAGEM DE CAPITAIS. PRESCRIÇÃORETROATIVA PELA PENA CONCRETAMENTE FIXADA QUANTO AOS CRIMESDE CORRUPÇÃO PASSIVA. CONDENAÇÃO PREJUDICADA. EXTINÇÃO DOPROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
(...)
2. Delito de corrupção passiva previsto no art. 317 do CP, com a causa de aumentodo § 1º do mesmo dispositivo legal, configurado pelo recebimento direto e indiretode vantagens financeiras sem explicação causal razoável, pela inferência de liameentre o recebimento e o exercício do mandato parlamentar, e, ainda, a prática de atosfuncionais concreta ou potencialmente benéficos ao responsável pelos pagamentos. (...)
(AP 695, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 6/9/2016, Dje 9/12/2016 -grifou-se)
III.D.2 SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, conforme desvendado no âmbito da
OPERAÇÃO LAVA JATO, os operadores financeiros, após receberem de empreiteiras valores
ilícitos – em espécie, mediante depósito, ou por movimentação no exterior, ou contratos
ideologicamente falsos – repassavam-nos a funcionários corruptos (diretores da estatal) e a
políticos (destinatários finais), em detrimento da Petrobrás e da moralidade administrativa e
do patrimônio público, por cinco modos já conhecidos:
a) entrega de valores em espécie, efetivada por meio de empregados ou prepostos
dos operadores, os quais faziam viagens em vôos comerciais, com valores ocultos no corpo,
ou em vôos fretados;
b) realização de transferências e depósitos em contas no exterior;
c) transferências em contas no exterior em nome de empresas offshores;
d) mediante doações eleitorais “oficiais”;
e) compra e reforma de imóveis pelas empreiteiras ou empresas intermediárias da
lavagem de ativos, em benefício dos destinatários finais da propina.
No caso concreto, constatou-se que o réu LUIS CARLOS BATISTA SÁ recebeu as
vantagens indevidas através de transferência para conta bancária de sua titularidade, efetivada
por Paulo Roberto Baeta Neves. Com o intuito de ocultar e dissimular a origem criminosa dos
valores provenientes da prática de crimes, LUIS CARLOS BATISTA SÁ e Paulo Roberto Baeta
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Neves realizaram simulação de negócio jurídico, relacionada a uma suposta aquisição de
propriedade rural situada no Estado do Tocantins.
Com o intuito de conferir aparência de licitude aos valores ilícitos e afastar o
desvendamento dos crimes anteriormente praticados, os réus atuaram para que fossem
realizadas dezenas de operações financeiras posteriores aparentemente lícitas, tendo
beneficiado a LUIS CARLOS BATISTA SÁ, a ANÍBAL FERREIRA GOMES e a pessoas a eles direta ou
indiretamente ligadas. Embora os réus insistam, sem êxito em buscar desvincular os valores
da pessoa de ANÍBAL FERREIRA GOMES, é certo que o parlamentar foi beneficiado por diversos
dos repasses posteriores, oriundos do acordo extrajudicial firmado pela PETROBRÁS.
Tais mecanismos constituem nítidas estratégias de lavagem de dinheiro, por terem
se voltado a dar aparência de licitude e a dissimular a natureza, origem, localização,
movimentação e propriedade de valores provenientes das infrações penais cometidas em
prejuízo da estatal e da Administração Pública Federal em geral.
Assim, as condutas de recebimento, longe de terem constituído mero exaurimento
do crime de corrupção passiva na modalidade “solicitar”, apresentaram-se autônomas à
corrupção antecedente e constituíram atitudes pelas quais os réus diligenciaram para conceder
aparência de licitude àqueles mesmos valores, decorrentes de crimes praticados contra a
PETROBRÁS.
Assim, há delitos autônomos e distintos, de modo que a lavagem não consiste em
mero exaurimento do crime de corrupção. Após a solicitação e o recebimento de valores na
conta de Paulo Roberto Baeta Neves e, em seguida, na conta de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, os
agentes, ao efetuarem novos repasses aparentemente lícitos para si e para outrem, se
utilizaram de estratagemas para dissimular a origem ilícita dos recursos, praticando, assim,
novas condutas criminosas, configuradoras de lavagem de dinheiro.
Realmente, os atos cometidos tendentes a concretizar fraudes e simulações,
destinadas a ocultar e a dissimular a origem e a propriedade dos valores empregados no
pagamento do acordo de corrupção, consumam o delito de lavagem de dinheiro. Dessarte,
efetivada a solicitação de vantagem indevida, consumou-se o crime de corrupção passiva. O
recebimento da vantagem indevida, mero exaurimento do crime de corrupção, deu-se
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mediante outros crimes, de lavagem de dinheiro, por entregas de valores aparentemente
lícitos, que ocultaram e dissimularam a origem e a propriedade dos valores, de forma a lhes
conferir aparência lícita.
Vale lembrar que, especialmente nos delitos de lavagem de dinheiro, em que a
complexidade é, no mais das vezes, a regra, a prova direta dificilmente é encontrada, valendo-
se o Julgador também dos indícios e circunstâncias que demonstrar a prática do crime.
Também importa lembrar que, consoante a lição de Márcia Bonfim e Edilson
Bonfim, o modelo apresentado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), até por
sua simplicidade, conta com aceitação mais ampla e possui três fases: a introdução, a
ocultação/transformação e a integração. Ocorre que, como bem destacado pelos doutrinadores
citados, “... nem sempre a lavagem de dinheiro se concretiza com a presença de todas as
fases citadas, a par de que em muitas ocasiões as diversas etapas se sobrepõem ou não
podem ser separadas de forma lógica.”59
Acerca da superação do modelo trifásico, importantes as recentes palavras do
Ministro Celso de Mello, no voto apresentado no Inquérito 3.982/DF:
“E sempre importante assinalar, quanto a esse aspecto, o caráter autônomo das diversasfases que compõem o ciclo tradicional do processo de lavagem de valores oucapitais, ainda que possa haver, em alguns momentos ou em determinados contextos, umnexo de interdependência entre as diversas operações.
Isso significa que o crime de lavagem pode consumar-se já em seu primeiro estagio,revelando-se “desnecessário atingir o auge da aparente licitude de bens ou valores(...)” (MARCO ANTONIO DE BARROS, “Lavagem de Capitais e Obrigações CivisCorrelatas”, p. 49, item n. 1.7.1, 2a ed., 2008, RT).
Esta Suprema Corte, por sua vez, ja se pronunciou no sentido da superação do modelotrifásico (colocação + dissimulação/ocultação + integração), como resulta claro dojulgamento proferido no RHC 80.816/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
Essa percepção do tema da razão ao eminente Desembargador paulista WALTERFANGANIELLO MAIEROVITCH, estudioso da matéria ora em exame, no ponto em queobserva, atento aos altos objetivos visados pela comunidade internacional, notadamente apartir da Convenção de Viena (1988), da Convenção de Palermo (2000) e da Convençãode Mérida (2003), que delitos como a corrupção governamental e o tráfico deentorpecentes guardam indiscutível proximidade, em sua condição de infrações penaisantecedentes (pressuposto hoje abolido pela Lei n. 12.683, de 09/07/2012), com oprimeiro estágio (“placement”) do modelo trifásico referente ao processo de lavagem.
59 BONFIM, Marcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo:Malheiros, 2005, p. 34.
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Vê-se, portanto, que se mostra desnecessário o esgotamento dos 03 (três) estágiosque compõem, ordinariamente, o ciclo peculiar as operações de lavagem de dinheiroou de valores (CARLA VERÍSSIMO DE CARLI, “Lavagem de Dinheiro – Ideologia daCriminalização e Analise do Discurso”, p. 117/119, item n. 2.3.2, 2008, Verbo Jurídico,v.g.).”
Desse modo, basta para a consumação do delito, a prática de condutas
direcionadas à ocultação ou dissimulação da origem ilícita dos recursos, mesmo que
sobrepostas as fases ou alcançado o resultado já na fase inicial da ocultação, como restou
comprovado nesses autos.
A respeito do dolo, importante lembrar que, no delito de lavagem de dinheiro o
dolo exigido pelos tipos é o genérico, admitindo-se, ainda, o dolo eventual em relação as
figuras do caput do art. 1º. A respeito, lecionam Márcia Bonfim e Edilson Bonfim:
“Admite-se tanto o dolo direto (entendido este como a vontade livre e consciente deocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação oupropriedade de bens, direitos ou valores que sabe provenientes, direta ou indiretamentede um dos crimes antecedentes do art.1º) quanto o dolo eventual (o agente não temconhecimento certo e seguro de que os bens, direitos e valores sobre os quais atuaprocedem de um dos crimes antecedentes do rol do artigo 1º, mas mentalmente faz arepresentação dessa possibilidade e, aceitando-a, oculta ou dissimula a natureza,propriedade, origem etc. dos mesmos).”60
No tocante à prova do dolo, a doutrina defende a impossibilidade de sua
constatação senão por elementos externos, ante a impossibilidade de acesso ao que está “na
cabeça do agente”:
“A validade dos indícios como meio de prova, inclusive para a condenação, não é maisdiscutida, apesar de demandar atenção maior. Ela se reforça ao se admitir a funçãopersuasiva (não apenas demonstrativa) da prova, pela admissão de que nunca se chega àcerteza, bastando a prova além da dúvida razoável. Com efeito, a objeção de que osindícios sempre são provas de probabilidade se aplica a todos os meios de prova. Assim,não há especificidade dos indícios no que toca ao valor probatório relativo.
No plano internacional, alguns dos tratados internalizados pelo Brasil, como aConvenção de Viena, a de Palermo e a de Mérida expressamente determinam que oelemento subjetivo de crimes como o de tráfico de entorpecentes, de corrupção e delavagem seja inferido a partir de circunstâncias fáticas objetivas. Preveem regrassemelhantes no tocante ao delito de lavagem de dinheiro as Recomendações do Grupo deAção Financeira (GAFI ou FATF – Financial Action Task Force, na sigla em inglês).
A jurisprudência brasileira, inclusive dos tribunais superiores, também aceita os indíciospara a prova do dolo, sem nenhuma exigência de certeza quanto às regras de experiência
60 BONFIM, Marcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo:Malheiros, 2005, p. 48.
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ou às leis científicas. Há, decerto, como não poderia deixar de ser, preocupação quanto àcoerência e valor probatório dos indícios no caso concreto. […]
O Supremo Tribunal Federal, reiterando sua jurisprudência pacífica, admitiu o uso dosindícios na recente ação penal nº 470, de ementa já reproduzida acima. O julgamento éimportante por ser um dos mais recentes e complexos da corte suprema brasileira emsede de ação penal originária, onde a análise das provas não sofre as mesmas limitaçõesexistentes no habeas corpus e no recurso extraordinário.
Logo, excluídas as perícias (ou aceitas apenas entre os indícios), admitindo-se o valorindiciário da confissão e afastadas as presunções no processo penal em desfavor do réu, aúnica prova possível dos elementos do dolo, para a doutrina mais tradicional, serão osindícios, partindo-se de fatos externos provados.”61
Na doutrina, Márcia Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim defendem sobre a prova,
especificamente em relação ao delito de lavagem de dinheiro:
“Tanto a procedência delitiva quanto o seu conhecimento, tem sido demonstrados atravésdos seguintes indícios: a) aumento injustificado do patrimônio; b) a manipulação deelevada quantidade de dinheiro; c) a dinâmica das transmissões ou operações de quantiasem espécie; d) transferências patrimoniais anômalas; e) existência de opera coes alheiasas praticas comerciais ordinárias; f) a inexistência de negócios lícitos; g) vinculação ouconexão com atividades delitivas, ou com pessoas ou grupos relacionados as mesmas.
Outros elementos indiciários também são frequentemente apontados, como: a utilizaçãode sociedades fictícias ou de fachada, especialmente quando localizadas em paraísosfiscais; o recurso a testas-de-ferro sem disponibilidade econômica real sobre os bens;(…).”62
A prova do dolo no agir delitivo é extraída do conjunto de circunstâncias que
evolvem o fato, em relação às quais não é possível prever todas as hipóteses. O que torna mais
evidente o dolo em casos de lavagem de dinheiro é exatamente o emprego de métodos e
praticas não usuais para o mercado, extravagantes ou custosas, quando da transferência e
movimentação de bens e valores, a indicar o preciso intento de ocultar ou dissimular a origem
e a propriedade dos referidos bens.
De fato, “a irracionalidade econômica de uma transação (…) pode (...) mostrar a
vontade de lavar dinheiro, bens ou ativos.”63
Aqui, como dito, houve a simulação de negócio jurídico entre Paulo Roberto
Baeta Neves e LUIS CARLOS BATISTA SÁ para conceder aparência lícita aos valores ilicitamente
61 COSTA, Pedro Jorge. Dolo penal e sua prova. São Paulo: Atlas, 2015, p. 190-192.62 BONFIM, Marcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 75.63 COSTA, Pedro Jorge. Dolo penal e sua prova. São Paulo: Atlas, 2015, p. 278. PRADO, Rodrigo Leite. Dos
crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo de (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção econtrole penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 223-250, p. 236-237.
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recebidos por este último, assim como operações financeiras posteriores as quais, realizadas
como se fossem transações lícitas, beneficiaram direta e indiretamente a ANÍBAL FERREIRA
GOMES e a LUIS CARLOS BATISTA SÁ, embora os réus insistam em desvincular, sem sucesso, o
referido parlamentar do recebimento da vantagem indevida.
Em suma, o dolo, ainda que eventual, mostra-se evidente:
(i) pela realização de inequívoco negócio jurídico simulado para conceder
aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos pelos réus,
(ii) pelas diversas transações financeiras posteriores por intermédio das quais
concedeu-se aparência de licitude aos recursos repassados e
(iii) pela manifesta atuação de ambos os réus - com o claro objetivo de afastar a
imputação e o desvendamento do crime de corrupção passiva - no sentido de desvincular a
destinação daqueles valores de ANÍBAL FERREIRA GOMES. Este comprovadamente atuou para
concretização do acordo realizado pela PETROBRÁS originador da vantagem indevida.
IV – QUESTÕES DE MÉRITO SUSCITADAS PELAS DEFESAS DOS RÉUS
Passa-se, a seguir, a enfrentar as questões de mérito suscitadas pelas defesas dos
réus em suas respostas à acusação (fls. 1953/2009 e 2011/2078) e em suas defesas prévias (fls.
2297/2301 e 2306/2318).
São improcedentes as alegações das defesas de que os depoimentos prestados pelo
colaborador PAULO ROBERTO COSTA não estariam corroborados por nenhum outro elemento de
informação.
As afirmações de PAULO ROBERTO COSTA de que ANÍBAL FERREIRA GOMES lhe ofere-
ceu e prometeu R$ 800.000,00, a serem pagos pelo “Escritório FERRÃO”, caso houvesse êxi-
to na negociação de acordo entre o sindicato dos práticos e a PETROBRÁS, encontram-se corro-
boradas por vasto probatório acostado aos autos.
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As provas são claras e diretas. ANÍBAL FERREIRA GOMES, além de haver comprova-
damente ingressado inúmeras vezes – inclusive em conjunto com LUIS CARLOS BATISTA SÁ –
na sede da PETROBRÁS para reunir-se com PAULO ROBERTO COSTA (conforme Informação Polici-
al nº 76/2015, fls. 694/702), atuou demonstradamente junto a PAULO ROBERTO COSTA para in-
termediar encontro do advogado Paulo Roberto Baeta Neves – sócio à época do “Escritório
FERRÃO” – com funcionários da PETROBRÁS para negociação do acordo com os práticos (con-
soante Informação Policial de fls. 430/438).
Até mesmo Alberto Youssef, em seu Termo de Declarações Complementar 16 e no
depoimento prestado em juízo, assegura que PAULO ROBERTO COSTA lhe confidenciou, após
deixar a Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS, que ANÍBAL FERREIRA GOMES devia a ele R$
800.000,00 (oitocentos mil reais), havendo inclusive pedido ao referido doleiro para cobrar do
parlamentar o pagamento do débito.
O Relatório de Pesquisa 105/2018 da Assessoria de Pesquisa da Procurado-
ria-Geral da República (anexo às presentes alegações finais), ao destacar que PAULO ROBERTO
COSTA ingressou diversas vezes no escritório da empresa GFD Investimentos, de Alberto
Youssef, em datas posteriores à sua saída da Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS, reforça
os relatos de ambos os colaboradores no sentido de haverem se reunido naquelas oportunida-
des para tratar dos saldos remanescentes das vantagens indevidas por eles obtidas em
decorrência dos crimes cometidos em prejuízo da estatal, inclusive do débito de R$
800.000,00 objeto desta Ação Penal.
Há também vasto material probatório, especificado anteriormente, a respaldar a
conclusão de que ANÍBAL FERREIRA GOMES foi direta e indiretamente beneficiado por valores
originados do acordo realizado pela PETROBRÁS com as empresas integrantes do “Serviço de
Praticagem da ZP-16”, repassados por Paulo Roberto Baeta Neves a LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
Tudo isso demonstra que os relatos de PAULO ROBERTO COSTA, restritos a uma pe-
quena parte dos fatos denunciados – especificamente relacionados à corrupção ativa praticada
por ANÍBAL FERREIRA GOMES – foram utilizados apenas como ponto de partida para desvenda-
mento dos demais fatos imputados no âmbito desta Ação Penal – inclusive dos crimes de cor-
rupção passiva e de lavagem de dinheiro supervenientemente descobertos e praticados por
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ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ –, encontrando-se respaldados por variado
material probatório independente produzido nesta ação penal.
Diversamente do que alegam ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ,
existem provas mais do que suficientes a concluir terem os referidos réus cometido o crime de
corrupção passiva. Conforme demonstrado nesta ação penal, ambos os réus atuaram concreta-
mente em prol da viabilização de acordo entre a PETROBRÁS e as empresas integrantes do “Ser-
viço de Praticagem da ZP-16” - especialmente ANÍBAL FERREIRA GOMES, utilizando as prerro-
gativas de seu mandato parlamentar –, assim como foram beneficiados com parte dos recursos
diretamente repassados pela estatal decorrentes da concretização do negócio jurídico entre as
partes.
Longe de ter sido mera coincidência, os valores que beneficiaram ANÍBAL FERREIRA
GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ decorreram da atuação de ambos, especialmente do parla-
mentar, para concretização do referido acordo que envolvera a estatal, haja vista:
(i) a proximidade temporal entre a data em que atuaram para implementação do
ajuste e o momento no qual houve o repasse dos recursos em seu benefício;
(ii) a trajetória da operações financeiras realizadas revelar que parte dos exatos re-
cursos transferidos pela PETROBRÁS, originados do negócio, teve como destinatários os própri-
os ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ, ou pessoas a eles vinculadas;
(iii) existirem elementos suficientes para concluir que houve simulação na compra
e venda de imóvel localizado no Estado do Tocantins de propriedade de LUIS CARLOS BATISTA
SÁ, que teria, segundo justificado por este último, fundamentado o recebimento a quantia de
R$ 3.000.000,00, repassada por Paulo Roberto Baeta Neves;
(iv) todo o material probatório produzido nos autos, independentemente de quais-
quer colaborações premiadas, respaldam a afirmação de PAULO ROBERTO COSTA de que ANÍBAL
FERREIRA GOMES realmente fez tratativas para pagamento de valores originados do acordo da
PETROBRÁS com empresas prestadoras de serviços de praticagem.
Há evidências de que o crime de corrupção passiva foi praticado nas modalidades
“solicitar” e “aceitar promessa”.
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Há também provas suficientes do crime de corrupção passiva na modalidade “re-
ceber”, vez que ANÍBAL FERREIRA GOMES e LUIS CARLOS BATISTA SÁ efetivamente receberam
vantagens indevidas sobre o acordo realizado pela PETROBRÁS com as empresas integrantes do
“Serviço de Praticagem da ZP-16”, como contrapartida à atuação, especialmente do parlamen-
tar, em prol da concretização do referido negócio.
Não procedem as alegações dos réus de inexistência, na narrativa feita pelo Minis-
tério Público Federal, de ato de ofício que teria sido praticado pelo Deputado Federal ANÍBAL
FERREIRA GOMES. Há de se destacar que o referido réu:
(i) é parlamentar, integrante do PMDB;
(ii) durante parte do período em que praticadas as condutas criminosas, usou sua
condição de parlamentar deste Partido para apoiar a manutenção de PAULO ROBERTO COSTA no
âmbito da PETROBRÁS, com o objetivo de obter vantagens ilícitas;
(iii) integrou, na época dos fatos, o bloco parlamentar componente da base aliada
do Governo Federal; e
(iv) como todo e qualquer parlamentar, tinha a prerrogativa de fiscalizar os atos
praticados por órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, inclusi-
ve a PETROBRÁS. Neste contexto fático e temporal, ANÍBAL FERREIRA GOMES tinha claras prerro-
gativas parlamentares e institucionais para fiscalizar a legalidade dos atos praticados no âmbi-
to da PETROBRÁS, assim como de, no jogo político e democrático brasileiro, indicar e defender,
individualmente ou inclusive em nome do PMDB, a manutenção de pessoas em determinados
cargos, ministérios e entidades da Administração Pública Federal, e, por sua vez, enquanto
parlamentar e integrante da referida agremiação, prestar apoio político ao chefe do Poder Exe-
cutivo Federal perante o Congresso Nacional.
No caso concreto que é objeto desta ação penal, ANÍBAL FERREIRA GOMES, por ha-
ver comprovadamente atuado, enquanto parlamentar e integrante do PMDB, para manter
PAULO ROBERTO COSTA na PETROBRÁS e para aprovar acordo realizado pela estatal com as em-
presas integrantes do “Serviço de Praticagem da ZP-16” para daí obter vantagem indevida, é
mais do que correto concluir que o citado réu efetivamente praticou ato de ofício necessário e
indispensável à configuração do crime de corrupção passiva, visto ter, naquela ocasião, solici-
tado, aceitado promessa neste sentido e recebido vantagens indevidas em razão do mandato
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parlamentar que cumpria, assim como diligenciado, naquela mesma condição de integrante do
PMDB, no sentido de que o então Diretor da PETROBRÁS atuasse em prol da efetivação do refe-
rido ajuste. Ademais, diante da prerrogativa fiscalizatória concedida a todo e qualquer parla-
mentar, ANÍBAL FERREIRA GOMES, ao invés de haver atuado para impedir, evitar ou dificultar a
prática dos crimes praticados no âmbito da Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS, contri-
buiu concretamente para a prática de ilícitos no âmbito da estatal, tendo não apenas solicitado,
aceitado promessa e recebido vantagens indevidas, como inclusive oferecido e prometido van-
tagem indevida para PAULO ROBERTO COSTA.
Esta conclusão sobre os fatos é mais do que suficiente para enquadrar a conduta
de ANÍBAL FERREIRA GOMES, por haver concedido apoio político para manter PAULO ROBERTO
COSTA na Diretoria de Abastecimento da PETROBRÁS e contribuído para a continuidade do es-
quema criminoso instituído na estatal mediante infração a seu dever funcional fiscalizatório,
no crime de corrupção passiva majorada, tipificado no art. 317-§ 1º do Código Penal. Mere-
cem, portanto, ser rejeitadas todas as alegações em sentido diverso feitas pelas defesas dos
réus.
Não devem ser acolhidas as afirmativas de inocorrência de crimes de lavagem de
dinheiro. No contexto fático desvendado na instrução penal, ambos os réus, cientes de que os
recursos repassados por Paulo Roberto Baeta Neves tinham natureza ilícita, visto serem decor-
rentes do crime de corrupção passiva anteriormente praticado por ambos, atuaram em comu-
nhão de desígnios com o objetivo de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, dis-
posição, movimentação e propriedade dos referidos valores.
Além de os réus insistirem em afirmar que os recursos repassados por Paulo Ro-
berto Baeta Neves a LUIS CARLOS BATISTA SÁ tinham natureza lícita e eram decorrentes de con-
trato de compra e venda firmado entre estes últimos – quando, pela prova dos autos, há ele-
mentos suficientes a respaldar que houve simulação naquela contratação, inclusive com a in-
clusão desta última na declaração de imposto de renda de LUIS CARLOS BATISTA SÁ –, ambos
buscaram desvincular de ANÍBAL FERREIRA GOMES todas as operações financeiras subsequentes
realizadas por LUIS CARLOS BATISTA SÁ, com o manifesto intuito de afastar a imputação pela
prática do crime de corrupção passiva. A insistência em defender a licitude de uma contrata-
ção comprovadamente dissimulada e em desvincular de agente público a destinação de vanta-
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gens originadas da prática do crime de corrupção passiva constituem evidentes estratégias de
lavagem de dinheiro.
Ademais, por mais que ambos, especialmente LUIS CARLOS BATISTA SÁ, aleguem
inexistirem quaisquer ilicitudes nas operações financeiras realizadas logo após este último re-
ceber a vantagem indevida de Paulo Roberto Baeta Neves, todas essas operações constituíram
condutas autônomas de lavagem de dinheiro, haja vista terem os réus, a partir de cada uma de-
las, conferido aparência de licitude e de normalidade a recursos demonstradamente provenien-
tes do cometimento do crime de corrupção passiva.
Por todas essas razões, devem ser rejeitadas todas as questões de mérito suscitadas
pelas defesas de ANÍBAL FERREIRA GOMES e de LUIS CARLOS BATISTA SÁ.
V. SOBRE A DOSIMETRIA DA PENA, EM CASO DE CONDENAÇÃO
Como subsídio para a dosimetria da pena, a Procuradora-Geral da República ofe-
rece as seguintes ponderações.
V.1. ANÍBAL FERREIRA GOMES
O réu é imputável, tinha consciência da ilicitude e podia agir de outro modo. Me-
rece, assim, resposta penal da ordem jurídica. Como detalhado no âmbito dessas alegações fi-
nais, ANÍBAL FERREIRA GOMES praticou os crimes de corrupção ativa (na forma do art. 333-pa-
rágrafo único do Código Penal); de corrupção passiva (nos termos do art. 317-§ 1º do Código
Penal); e de lavagem de dinheiro, por pelo menos trinta e cinco vezes (tipificado no art. 1º-V
da Lei 9.613/1998).
V.1.1. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA
A primeira etapa do método trifásico de fixação da pena considera circunstâncias
judiciais ligadas à pessoa do agente.
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No aspecto subjetivo, a culpabilidade do réu — aqui compreendida como censu-
rabilidade da conduta64 — é agravada pela sua condição funcional de Deputado Federal.
Trata-se de cargo público de membro de Poder do Estado, preenchido mediante outorga de po-
der pelo povo do Estado do Ceará à sua representação na Câmara dos Deputados. Portanto,
mais do que a corrupção de um mero agente público, houve corrupção praticada pelo titular de
um dos cargos mais relevantes da República, cuja responsabilidade faz agravar sua culpa na
mesma proporção. No ponto, é de se destacar que é da natureza da função de deputado, por
mandamento constitucional, fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Ca-
sas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta (art. 49, X da CF).
Portanto, a um só tempo ele traiu seu mandato e descumpriu a função constitucional de mais
alta relavância, que dele se esperava: zelar pela moralidade administrativa, zelar pela patrimô-
nio público, inclusive o da PETROBRÁS, uma sociedade de economia mista integrante da admi-
nistração indireta.
Ainda, como culpabilidade agravada, não pode deixar de ser valorada a realidade
da experiência do réu como político de longa carreira, experiência que devia ser colocada a
serviço do interesse público, e não em detrimento da Petrobrás. O réu é Deputado Federal des-
de 1995 até o presente. São, portanto, 6 (seis) mandatos consecutivos na Câmara dos Deputa-
dos. Antes de parlamentar federal, foi Prefeito do Município de Acaraú/CE de 1989 até 1993.
Deste modo, esses mais de vinte e oito anos de vida pública tornam sua culpabilidade ainda
mais agravada.
A propósito deste item, e como reforço argumentativo, transcreve-se posiciona-
mento do STJ no sentido de que o maior grau de reprovabilidade da conduta está fundamen-
tadamente explicitado na vasta experiência do recorrente como agente público (RESP n°
1.352.043-SP, 6a Turma). Esta interpretação restou também consagrada pelo Supremo Tribunal
Federal, por ocasião do julgamento da Ação Penal n° 470:
Da mesma maneira, há que se concluir que os homens públicos, que exercem os
altos cargos no Poder Executivo, no Poder Legislativo ou no Poder Judiciário,
hão de ser objeto de grau de censura exacerbado quando usam o poder para per-
ceber indevidas vantagens pessoais (fl. 1434 do acórdão).
64 RHC n° 107.213-RS, 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, Min. Cármen Lúcia.
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Além disso, o réu é um político com poder e influência destacadas, pois integrante
da cúpula do PMDB, uma das agremiações de maior representatividade no Congresso Nacio-
nal. Assim, tinha maior capacidade de influir em atos do Executivo — daí o interesse do cor-
ruptor — para obter, por meios ilícitos, recursos para campanhas do partido.
De outro lado, a personalidade do réu deve ser valorada como circunstância
judicial desfavorável. Com efeito, a multiplicidade de atos criminosos comprovadamente
ocorridos no caso revela uma personalidade voltada ao crime. Analisada esta personalidade no
seu aspecto global e dinâmico, num meio sócio-político como a Câmara dos Deputados, outra
conclusão não há senão a da valoração negativa desta circunstância judicial.
Os motivos, circunstâncias e consequências dos crimes devem também sofrer
valoração negativa no caso concreto. Além do enriquecimento pessoal, o crime de corrupção
visou ao enriquecimento ilícito de outrem (motivos), em manifesta lesão à moralidade e ao
patrimônio público federal da maior empresa brasileira, que exerce monopólio estatal em setor
energético e estratégico para a economia brasileira, vez que é essencial para usos privados da
população em suas residências, para os serviços públicos, para empresas, no transporte e para
exportação, inteferindo diretamente no economia e no cálculo da inflação, com elevado e
direto impacto na bolsa e no mercado (consequências).
Ademais, como narrado na denúncia e provado na instrução, o réu utilizou pessoas
ligadas a seu gabinete parlamentar para a prática dos crimes que comprovadamente cometeu,
realidade essa a revelar circunstâncias negativas das práticas criminosas.
É de ressaltar que o (correto) entendimento dessa Corte Suprema é no sentido de
que o modo de fixação da pena-base não é matemático, com atribuição prévia de índices ou
valores a cada uma na composição da reprimenda. É preciso a devida ponderação e valoração,
justificada racionalmente, a indicar exatamente a proporcionalidade da condenação.
Nesta linha, considerando-se os patamares mínimo (2 anos) e máximo (12 anos)
para o crime de corrupção passiva, as circunstâncias negativas indicadas são de máxima
relevância (e absolutamente preponderantes para o crime em tela se contrapostas com as
neutras ou favoráveis), de modo que a pena-base poderia ser fixada acima do termo médio,
em 8 (oito) anos.
Em perspectiva mais ampla, que não se pode perder de vista, não faria nenhum
sentido que um político experiente e proeminente obtivesse criminosamente, para si e
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para outrem, a elevada quantia de mais de seis milhões de reais e, ainda assim, recebesse
pena inferior sequer à metade do espectro da apenação. A fixação de pena próxima do
mínimo legal tenderia, nessa ordem de ideias, à própria negativa de vigência do preceito
secundário do tipo penal.
Para a pena de multa, em paralelo à pena-base de reclusão, e levando em
consideração a situação econômica do réu, que atualmente ocupa o cargo de Deputado
Federal, sugere-se a aplicação de 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor de 5 (cinco)
salários mínimos por dia.
A segunda etapa do método trifásico compreende as circunstâncias e atuantes da
pena.
Em relação ao réu ANÍBAL FERREIRA GOMES, sua pena deve ser agravada por ter
promovido, organizado e dirigido a atividade delituosa de LUIS CARLOS BATISTA SÁ, corréu, nas
práticas delitivas, nos termos do art. 62-I do Código Penal. Assim, sugere-se o agravamento
da pena-base em um sexto65 da pena para a corrupção resultando a pena intermediária de 9
(nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 220 (duzentos e vinte) dias-multa.
Em relação à terceira etapa, em relação a ANÍBAL FERREIRA GOMES, deve incidir a
causa de aumento de pena do § 1º do art. 317 do Código Penal. Sugere-se, então, uma pena
de 12 (doze) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 293 (duzentos e noventa e três) dias-
multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários mínimos vigentes à época dos fatos.
V.1.2. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA
As circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal) e as atenuantes/agravantes
genéricas relativas a ANÍBAL FERREIRA GOMES são as mesmas acima referidas, na primeira e
segunda etapas do modelo trifásico. Reporta-se a elas.
A pena-base da primeira fase, para o crime de corrupção ativa, deve ficar no
patamar médio de 8 (oito) anos de reclusão. Na segunda fase, após a aplicação da agravante
do art. 62-I do CP, deve ficar em 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
65 “O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, embora ausente previsão legal acerca dos percentuais mínimo e máximo de elevação da pena em razão da incidência das agravantes, o incremento da penaem fração superior a 1/6 (um sexto) exige fundamentação concreta” (HC 413354/ES, de 31/10/2017).
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Em relação à terceira fase, a regra especial de causa de aumento de pena do
parágrafo único do art. 333 do Código Penal deve ser aplicada.
Assim, a pena final da corrupção ativa deve ser de 12 (doze) anos e 5 (cinco)
meses de reclusão.
A pena de multa deve seguir a regra do art. 72 do Código Penal.
V.1.3. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
As circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal) e as atenuantes/agravantes
genéricas relativas a ANÍBAL FERREIRA GOMES são as mesmas acima referidas, na primeira e
segunda etapas do modelo trifásico. Reporta-se a elas.
A pena-base da primeira fase, para os crimes de lavagem de dinheiro, deve ficar
no patamar médio de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, após a
aplicação da agravante do art. 62-I do CP, deve ficar em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de
reclusão.
Em relação à terceira fase, sugere-se o reconhecimento da continuidade delitiva
com relação aos 35 (trinta e cinco) crimes de lavagem de dinheiro praticados por ANÍBAL
FERREIRA GOMES, devendo ser aplicada a causa geral de aumento de pena prevista no caput do
art. 71 do Código Penal em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços), dada a grande
quantidade de vezes em que praticados os delitos e a elevada culpabilidade do método de
lavar o dinheiro em várias transferências a várias pessoas, diluindo a quantia a ser lavada.
Ademais, em razão da habitualidade com a qual foram praticados os delitos de lavagem de
dinheiro, no âmbito de complexa organização criminosa instalada em prejuízo da PETROBRÁS,
há de incidir a majorante do § 4º do art. 1º da Lei 9.613/1998, com sua redação original, no
patamar de 1/3 (um terço). Aplicadas ambas as majorantes, a pena final há de ser fixada em 15
(quinze) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
A pena de multa deve seguir a regra do art. 72 do Código Penal.
V.2. LUIS CARLOS BATISTA SÁ
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O réu é imputável, tinha consciência da ilicitude e podia agir de outro modo.
Merece, assim, resposta penal da ordem jurídica. Como detalhado no âmbito dessas alegações
finais, LUIS CARLOS BATISTA SÁ praticou os crimes de corrupção passiva tipificado no art. 317-
§ 1º, na forma do art. 29, ambos do Código Penal, e de lavagem de dinheiro, por pelo menos
trinta e cinco vezes, previsto no art. 1º-V da Lei 9.613/1998.
V.2.1. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA
A primeira etapa do método trifásico de fixação da pena considera circunstânci-
as judiciais ligadas à pessoa do agente.
As consequências dos crimes também devem ser valoradas negativamente. Eram
do seu conhecimento os danos financeiros causados à moralidade administrativa e ao
patrimônio da sociedade de economia mista eram de sua previsão. Foram cifras milionárias de
propina repassadas através de diversos pagamentos, com sua direta e incisiva atuação.
Ainda dentro das circunstâncias negativas, percebe-se da dinâmica criminosa uma
complexidade de atos criminosos, praticados com premeditação, estabilidade e frequentes,
disseminados e evidentes atos de ocultação e dissimulação. Disso resulta a conclusão de que o
preparo prévio da conduta criminosa e a premeditação, ao contrário do dolo de ímpeto,
efetivamente evidenciam uma conduta mais censurável do agente. Essa, aliás, é a
compreensão desta Corte acerca desse ponto: 'Legítima a exasperação da pena-base, pela
circunstância judicial da culpabilidade, fundamentada na premeditação e preparo da
conduta delituosa66.
É de ressaltar que o (correto) entendimento dessa Corte Suprema é no sentido de
que o modo de fixação da pena-base não é matemático, com atribuição prévia de índices ou
valores a cada uma na composição da reprimenda. É preciso a devida ponderação e valoração,
justificada racionalmente, a indicar exatamente a proporcionalidade da condenação.
Nessa linha, considerando-se os patamares mínimo (2 anos) e máximo (12 anos)
para o delito de corrupção, as circunstâncias negativas indicadas são de máxima relevância (e
absolutamente preponderantes para o crime em tela se contrapostas com as neutras ou
66 AgRg no AREsp 377808 / MS, de 12/09/2017.
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favoráveis), de modo que, em razão dos elevados valores obtidos para si e para outrem,
sugere-se, a pena-base em 6 (seis) anos.
Para a pena de multa, em paralelo à pena-base de reclusão, e levando em
consideração a situação econômica do réu, sugere-se a aplicação de 180 (cento e oitenta)
dias-multa, no valor de 5 (cinco) salários mínimos por dia.
A segunda etapa do método trifásico compreende as circunstâncias e atuantes da
pena.
Em relação ao réu LUIS CARLOS BATISTA SÁ, sua pena deve ser agravada por ter
induzido ANÍBAL FERREIRA GOMES a praticar os crimes desvendados no âmbito da presente
Ação Penal, nos termos do art. 62-II do Código Penal. Assim, sugere-se o agravamento da
pena-base em um sexto67 da pena para a corrupção resultando a pena intermediária de 7 (sete)
anos de reclusão e 220 (duzentos e vinte) dias-multa.
Em relação à terceira etapa, deve incidir a causa de aumento de pena do §1° do
art. 317 do Código Penal. Com efeito, a qualidade de funcionário público do agente se estende
também aos coautores ou partícipes do delito (art. 30 do CP), quando o particular conhece ser
o sujeito ativo funcionário público, como foi o caso.
Sugere-se, então, uma pena de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e
293 (duzentos e noventa e três) dias-multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários
mínimos vigentes à época dos fatos.
V.2.2. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Para evitar repetições, as circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal) e as
atenuantes/agravantes genéricas, em relação a LUIS CARLOS BATISTA SÁ, são as mesmas —
primeira e segunda etapas do modelo trifásico.
67 “O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, embora ausente previsão legal acerca dos percentuais mínimo e máximo de elevação da pena em razão da incidência das agravantes, o incremento da penaem fração superior a 1/6 (um sexto) exige fundamentação concreta” (HC 413354/ES, de 31/10/2017).
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A pena-base da primeira fase, para os crimes de lavagem de dinheiro, deve ficar
no patamar médio de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, após o
agravamento pelo art. 62, II, do CP, deve ficar em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.
Em relação à terceira fase, sugere-se o reconhecimento da continuidade delitiva
com relação aos 35 (trinta e cinco) crimes de lavagem de dinheiro praticados por LUIS CARLOS
BATISTA SÁ, devendo ser aplicada a causa geral de aumento de pena prevista no caput do art.
71 do Código Penal em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços), dada a grande quantidade de
vezes em que praticados os delitos. Ademais, em razão da habitualidade com a qual foram
praticados os delitos de lavagem de dinheiro, no âmbito de complexa organização criminosa
instalada em prejuízo da PETROBRÁS, há de incidir a majorante do § 4º do art. 1º da Lei
9.613/1998, com sua redação original, no patamar de 1/3 (um terço). Aplicadas ambas as
majorantes, a pena final há de ser fixada em 15 (quinze) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
A pena de multa deve seguir a regra do art. 72 do Código Penal.
VI. REPARAÇÃO DO DANO MATERIAL E MORAL
A vantagem indevida foi desviada do patrimônio público da Petrobrás e deve ser
reparada diretamente pelos réus, solidariamente. O dano material não é o único. Há inegável
dano moral ao nome da empresa e a suas práticas administrativas, ao contrário do que
determina a Constituição.
Por tal razão, impõe-se o pagamento dos valores correspondentes aos danos
causados pelos réus. A condenação dos réus à reparação dos danos materiais e morais
causados por suas condutas, nos termos do art. 387-IV do Código de Processo Penal, deve ser
fixada em um valor mínimo equivalente pelo menos ao montante cobrado a título de propina,
no patamar de R$ 6.085.076,33 para os danos materiais e R$ 6.085.076,33 para os danos
morais, em um total de R$ 12.170.152,66.
VII. REQUERIMENTOS FINAIS
Assim, requeiro:
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(i) a juntada, com fundamento no art. 231 do Código de Processo Penal, do
Relatório de Pesquisa 105/2018 da Assessoria de Pesquisa da Procuradoria-Geral da
República;
(ii) a condenação dos réus da seguinte forma:
(ii.a) ANÍBAL FERREIRA GOMES, nas penas previstas no art. 333-parágrafo único
do Código Penal; no art. 317-§ 1º combinado com os arts. 29 e 69 do Código
Penal; e no art. 1º-V da Lei n. 9.613/1998, combinado com os arts. 29 e 69 do
Código Penal, (trinta e cinco vezes); e
(ii.b) LUIS CARLOS BATISTA SÁ, nas penas previstas no art. 317-§ 1º combinado
com os arts. 29 e 69 do Código Penal; e no art. 1º-V da Lei n. 9.613/1998,
combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal, (trinta e cinco vezes);
(iii) a condenação dos réus à reparação dos danos materiais e morais causados por
suas condutas, nos termos do art. 387-IV do Código de Processo Penal, fixando-se um valor
mínimo equivalente ao montante cobrado a título de propina, no patamar de R$ 6.085.076,33
para os danos materiais e R$ 6.085.076,33 para os danos morais, em um total de R$
12.170.152,66.
(iv) a decretação da perda da função pública para o condenado detentor de cargo
ou emprego público ou mandato eletivo, principalmente por ter agido com violação de seus
deveres para com o Poder Público e a sociedade, pelo dobro da pena privativa de liberdade
aplicada, nos termos do art. 7º-II da Lei 9.613/1998.
Brasília, 02 de fevereiro de 2018.
Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República
Gabinete da Procuradora-Geral da República AP 1002/DF