MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA...

26
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164628/SP (2019/0083416-5) SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DE RIBEIRÃO PRETO - SP SUSCITADO: JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO - SJ/SP INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS - TERCEIRA SEÇÃO – TERCEIRA SEÇÃO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO ESTADUAL VERSUS JUÍZO FEDERAL. 1. Organização criminosa transnacional e interestadual, redução à condição análoga de escravo, exploração sexual e tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, inclusive de menores (art. 2º da Lei nº 12.850/2013, arts. 149, 149-A, 229 e 231-A do Código Penal) e outros delitos conexos. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 2. RATIFICAÇÃO DO MINUCIOSO PARECER DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO - SP, citando inclusive precedentes da 3ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça. 3. Inteligência da Súmula nº 122 DO STJ. 4. Parecer pelo conhecimento do conflito, para declarar como COMPETENTE o JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO - SJ/SP, o suscitado. 1

Transcript of MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA...

Page 1: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164628/SP (2019/0083416-5)

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DE RIBEIRÃO

PRETO - SP

SUSCITADO: JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO - SJ/SP

INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA

RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS - TERCEIRA SEÇÃO – TERCEIRA

SEÇÃO

PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO

ESTADUAL VERSUS JUÍZO FEDERAL. 1. Organização criminosa

transnacional e interestadual, redução à condição análoga de

escravo, exploração sexual e tráfico de pessoas para fins de

exploração sexual, inclusive de menores (art. 2º da Lei nº

12.850/2013, arts. 149, 149-A, 229 e 231-A do Código Penal) e

outros delitos conexos. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

2. RATIFICAÇÃO DO MINUCIOSO PARECER DA PROCURADORIA

DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO - SP,

citando inclusive precedentes da 3ª Seção do c. Superior Tribunal

de Justiça. 3. Inteligência da Súmula nº 122 DO STJ.

4. Parecer pelo conhecimento do conflito, para declarar

como COMPETENTE o JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE

RIBEIRÃO PRETO - SJ/SP, o suscitado.

1

Page 2: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

1.RELATÓRIO

Trata-se de conflito negativo de competência instaurado entre o

JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DE RIBEIRÃO PRETO – SP (o suscitante) e o

JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO – SJ/SP (suscitado), no Inquérito

Policial Federal nº 0002895-09.2018.403.6102 em que foram indiciados AGDA DIAS DA

SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FERNANDO PARCATU

DE MATOS RIBEIRO, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO

DA SILVA, MARLENE DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA COSTA E ROBERVAL DA SILVA

FERREIRA e outros, os quais respondem pela suposta prática dos seguintes crimes:

organização criminosa, redução à condição análoga de escravo, exploração

sexual e tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, inclusive de

menores (art. 2º da Lei nº 12.850/2013, arts. 149, 149-A, 229 e 231-A do

Código Penal) e outros delitos conexos.

O IPF nº 0002895-09.2018.403.6102 foi instaurado a partir de

requisição da Procuradoria da República no Município de Ribeirão Preto/SP, formulada

com base em representação da Delegacia de Polícia Federal de Ribeirão Preto/SP, para

que fosse decretada a prisão preventiva dos indiciados AGDA DIAS DA SILVA, RENAN

LOPES CAMARGOS, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FERNANDO PARCATU DE MATOS

RIBEIRO, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA,

MARLENE DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA COSTA E ROBERVAL DA SILVA FERREIRA,

bem como autorizada a busca e apreensão em 14 (catorze) domicílios (fls. 08/09).

No curso das investigações do referido IPF, foram apensados a este

último o Inquérito Policial Estadual nº 100/2017, oriundo da Polícia Civil do Estado de São

Paulo. Na ocasião, o Parquet Federal (PRM de Ribeirão Preto/SP) encampou integralmente

a representação policial no citado Inquérito Policial da PC/SP, pugnando pela expedição

dos necessários mandados judiciais.

Nesse contexto, o JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO

- SJ/SP (suscitado) deferiu as medidas requeridas pela PRM de Ribeirão Preto/SP,

contudo, o Juízo Federal declarou-se incompetente e ordenou a remessa dos

autos nº 0002895-09.2018.403.6102 ao Juízo Estadual, conforme conforme

decisão de fls. 289/290, assim exarada:

2

Page 3: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

3

Page 4: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Ato contínuo, o O JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DE

RIBEIRÃO PRETO/SP (suscitante) proferiu a decisão de fls. 309/316, na qual

suscitou o presente conflito negativo de competência e, ao final, autodeclarou-

se provisoriamente competente apenas para eventuais decisões urgentes, até decisão

de mérito do c. STJ, nos seguintes termos:

4

Page 5: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

“Determino e instauro o CONFLITO NEGATIVO DE

COMPETÊNCIA em razão dos motivos que abaixo se expõem,

devendo a Unidade Cartorária observar e cumprir imediatamente

o que no final deliberei.

(…).

Inicialmente, a par da nova e última remessa dos autos

pelo DD. Juiz da Justiça Federal sem a já indicada, e necessária

a nosso ver, instauração do incidente próprio relacionado ao

conflito negativo de competência, registro que esse Juízo o faz

nessa oportunidade.

Por outro lado, já da necessidade de se evitarem delongas

indevidas, não se concebendo de omissão para questões

urgentes pendentes de análise ou apreciação judicial enquanto

não equacionada a questão da competência e ainda que sob o

risco de que eventual decisão desse Juízo, enquanto

incompetente, possa ser eventualmente anulada -, entendo por

bem manter o feito nessa mesma Vara.

Assim, o que mais de urgente, na sequência, vier a se

decidido, decorre, sem dúvida, do poder geral de cautela, em

sua respectiva extensão e fundamentos, atentando-se ao que se

deve preservar dos direitos dos investigados e por suas legítimas

defesas, evitando-se constrangimentos ilegais.

Agora e já acerca das razões pelas quais entendemos que

o caso é mesmo da fixação da competência na Justiça Federal,

nos fundamentos do conflito que deve ser apreciado pela

Superior Instância, vale primeiro recapitular o que Liebman

conceitua acerca da competência, ou seja, “a quantidade de

jurisdição cujo exercício é atribuído por lei a cada órgão ou

grupo de órgãos”. Dessa mesma definição também subsiste

aquela nossa primeira divergência com o que decidido aqui logo

antes pelo julgador da Justiça Federal, ou seja, considerando

5

Page 6: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

que não pode ser ele, e nem a Justiça Estadual, por essa

subscritora, a que define qualquer coisa apenas e com seu

decreto. Daí porque já se registrou que caberia ao magistrado

daquela Justiça Federal suscitar o conflito naquela oportunidade

precedente, ou seja, da acepção de que magistrados afetos a

justiças distintas submetem-se ao que prevê a Constituição

Federal em relação à matéria ou extensão de suas competências.

Indo adiante, no caso versado e como já antes também

nesses autos fundamentamos (fls. 132/136, do apenso V e fls.

72/73), os fatos ou crimes investigados estão na ordem das

matérias que a Lei Maior relaciona com os de âmbito ou

circunscrição federal.

A esse respeito, e de novo retomando o estágio em que se

encontra o processo, antes de peça inaugural acusatória

ofertada, o que se delineiam são fatos típicos relacionados à

exploração do trabalho, do sexo ou da sexualidade e da

dignidade das ditas pessoas “Ts” - transexuais, transgêneros e

travestis.

Outrossim, ainda que se possa compreender o

entendimento decorrente da expressão do art. 109, VI, da CF

como restritivo, ou seja, considerando da competência federal

apenas os delitos contra a organização do trabalho que atentem,

global ou amplamente, contra uma classe ou categoria geral de

trabalhadores, sem causação de danos a vítimas

individualizadas, esse é justamente o caso dos autos.

Mais uma vez, anoto que o desbarate pretendido foi contra

uma serial atuação relacionada à preservação dos reconhecidos

como pessoas “Ts” transexuais, transgêneros e travestis -, e

assim do que vinham mantidos em cômodos ou

estabelecimentos distintos da cidade, explorados de forma

ampla, variada e indiscriminada pelos investigados. Pois é

6

Page 7: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

justamente essa condição das vítimas, amplificada ou global que,

a nosso ver e data vênia, torna certa a competência da Justiça

Federal.

Nesse mesmíssimo sentido acumulam-se julgados, dentre

os citados antes em decisões precedentes que proferi, e mesmo

os trazidos pelo Ministério Público Federal.

Como mais uma ilustração, aqui ainda trazemos o seguinte,

de mesma orientação:

“PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE

ESCRAVO. ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL.

MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ART. 229 DO

CÓDIGO PENAL. ART. 14 DA LEI Nº 10.826/2003.

RECONHECIDA A PRESCRIÇÃO.

1. O art. 149 do Código Penal, em sua atual redação,

estabeleceu quatro meios de execução que, alternativamente,

poderão conduzir à consumação do delito de redução a condição

análoga à de escravo, quais sejam: a) submissão a trabalhos

forçados; b) submissão a jornada de trabalho exaustiva; c)

sujeição a condições degradantes de trabalho; ou d) restrição,

por qualquer meio, de sua locomoção em razão de dívida

contraída com o empregador ou preposto.

2. In casu, evidenciou-se que ambos os apelantes, de

modo consciente e voluntário, submeterem as vítimas a

trabalhos forçados, em condições degradantes, porquanto as

obrigavam a se prostituir, cerceando sua liberdade de

locomoção, além de as agredirem física e psicologicamente.

3. As vítimas foram submetidas a condições de trabalho

verdadeiramente degradantes, que atingiram de forma profunda

o núcleo da dignidade da pessoa humana, nos termos

específicos estabelecidos no tipo capitulado no art. 149 do

7

Page 8: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Código Penal (...)” (TRF 04ª R.; ACR 5000087-

84.2013.4.04.7009; PR; Oitava Turma; Rel. Juiz Fed. Nivaldo

Brunoni; Julg. 18/04/2018; DEJF 20/04/2018).

Como também bem explicou o Procurador em seu último

parecer desses autos, “(...) Em terceiro e mais relevante lugar, o

fato de a sujeição análogas à de escravo figurar como

FINALIDADE típica (art. 149-A) não elimina a possibilidade de

essa mesma circunstância elementar (sujeição escravizante)

figurar como MODO DE EXECUÇÃO até porque, mesmo após a

alteração legislativa (inclusão no art. 149-A), tal elementar

continuou existindo fora do tipo que a instituiu como finalidade

(art. 149-A); isto é continuou existindo no tipo do artigo 149”

(pág. 163).

Afora o acima exposto, também em reforço ao nosso

entendimento, temos que já no caderno investigativo foram

apresentados indícios efetivos não só da sujeição de pessoas em

condições análogas à de escravo, como também ao tráfico

internacional de pessoas. Ouvidos determinados depoentes,

cujos relatos acabaram reservados ao sigilo, os mesmos fizeram

alusão àquela segunda prática, supostamente a cargo da

organização criminosa comandada por AGDA DIAS DA SILVA.

Nesse sentido, também endosso o parecer da Procuradoria

Geral da República em Ribeirão Preto, quando assim indicou:

“Em síntese, a primeira depoente (...) Asseverou que AGDA

também trafica mulheres e transexuais para a Europa, como, por

exemplo, Fernanda Suzuki e Rafaela Ferreira. Esta última teria

tido as pernas quebradas e sido jogada do 15º andar por um

marroquino na Rússia”

Pág. 13: Conforme diálogo Síntese 06 B (f. 199, apenso

IV), uma pessoa não identificada (PNI) liga para FERNANDA

8

Page 9: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

dizendo que acabou de mandar o dinheiro. FERNANDA diz “vai

arrasando aí, se até no final do ano você conseguir mandar um

pouquinho a mais, porque... pra eu começar a quitar com os

colombianos para o dia quinze com certeza te levar pro Cabero”.

FERNANDA diz que vai ver se consegue levar vocês, “já

conversei com a Talita e a Graça, aproveita me dá umas

coisinhas a mais pra mim já ir jogando que aí acabo de pagar

ele rapidinho, se eu conseguir pagar os colombianos antes, as

vezes nois vai até antes, aí eu te aviso” (pág. 170).

Do diálogo supra-transcrito, extrai-se que, após os tais

pagamentos a serem feitos aos colombianos, FERNANDA seria

responsável por levar outras pessoas para fora do país, tudo

indicando, em tese, que ainda eram cometidas as condutas

atreladas ao tráfico internacional de pessoas.

Ainda se deve salientar que a configuração multiplicada ou

e concurso de delitos igualmente atrairia a competência da

Justiça Federal, por irretorquível conexão. Nesse sentido

também:

“PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO

FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE

INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA.

NÃO OCORRÊNCIA. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À

DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DIREITOS

HUMANOS. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. OUTROS

DELITOS CONEXOS. LIAME FÁTICO E PROBATÓRIO.

MESMA COMPETÊNCIA FEDERAL. SÚMULA 122 DO STJ.

(…)

No caso, os demais crimes, por conexão fática e

probatória, também ficam sob jurisdição federal. Súmula

122 deste Superior Tribunal de Justiça” (6ª turma, Rel.

9

Page 10: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado: 09.09.2012,

publicação: 20.08.2012).

Não bastasse, a Suprema Corte, ao julgar o RE

398.041/PA, de Relatoria do Min. JOAQUIM BARBOSA, também

já firmou orientação nesse sentido:

"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149

DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À

DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME

CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART.

109, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA.

JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto

conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos

direitos fundamentais do ser humano. A existência de

trabalhadores a laborar sob escolta, alguns

acorrentados, em situação de total violação da liberdade

e da autodeterminação de cada um, configura crime

contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas

que possam ser tidas como violadoras não somente do

sistema de órgãos e instituições com atribuições para

proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas

também dos próprios trabalhadores, atingidos em

esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição

lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na

categoria dos crimes contra a organização do trabalho,

se praticadas no contexto das relações de trabalho.

Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do

Código Penal (Redução à condição análoga à de escravo)

se caracteriza como crime contra a organização do

trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça

10

Page 11: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

federal (art. 109, VI, da Constituição) para processá-lo e

julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido. "

(grifei) Cumpre ressaltar, por necessário, que esse

entendimento que reconhece a competência penal da

Justiça Federal para processar e julgar, com apoio no art.

109, inciso VI, da Constituição da República, o crime

tipificado no art. 149 do CP. vem sendo observado em

sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte

a propósito da mesma questão prévia suscitada nestes

autos (ACO 1.869/PA, Rel. Min. ROBERTO BARROSO. ARE

696.763/TO, Rel. Min. CELSO DE MELLO. HC 91.959/TO,

Rel. Min. EROS GRAU. RE 428.863 - AgR/SC, Rel. Min.

JOAQUIM BARBOSA. RE 466.428/PA, Rel. Min. GILMAR

MENDES. RE 466.429/TO, Rel. Min. AYRES BRITTO. RE

480.139/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES. RE 499.143/PA,

Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. RE 508.717/PA, Rel.

Min. CÁRMEN LÚCIA. RE 538.541/PA, Rel. Min. EROS

GRAU. RE 541.627/PA, Rel. Min. ELLEN GRACIE. RE

543.249/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES. RE 555.565 -

AgR/PA, Rel. Min. MARCO AURÉLIO. RE 587.530 -

AgR/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, V. g.): "Recurso

extraordinário. Constitucional. Penal. Processual Penal.

Competência. Redução a condição análoga à de escravo.

Conduta tipificada no art. 149 do Código Penal. Crime

contra a organização do trabalho. Competência da

Justiça Federal. Artigo 109, inciso VI, da Constituição

Federal. Conhecimento e provimento do recurso. 1. O

bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código

Penal vai além da liberdade individual, já que a prática

da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens

jurídicos protegidos constitucionalmente como a

11

Page 12: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e

previdenciários, indistintamente considerados. 2. A

referida conduta acaba por frustrar os direitos

assegurados pela Lei trabalhista, atingindo, sobremodo,

a organização do trabalho, que visa exatamente a

consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição

Federal em seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os

postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é

proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a

usurpação de sua força de trabalho de forma vil. 3. É

dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral

do trabalhador por meio de sua organização social e

trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da

pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III; RE 459.510/MT,

Red. p/ o acórdão Min. DIAS TOFFOLI. Grifei)”.

Enfim, sendo esses mesmos, além dos antes já

alinhavados, fundamentos do nosso declínio de competência,

passo a outras determinações a respeito do que mais necessário

à instauração do incidente e sua remessa.

Sobre o procedimento a ser adotado no conflito inaugurado

a partir desta decisão e porque, como já dito, elegeu-se que o

feito aqui remanescesse para decisões urgentes evitando-se o

risco de que o magistrado da Justiça Federal retornasse com ele

mais uma vez -, entendo que os mesmos autos físicos devem ser

digitalizados em todas as suas principais peças, capeando-as por

ofícios e enviados ao SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA para

conhecimento e julgamento.

Tratando-se de feito investigativo no qual foram mantidas

prisões preventivas oportunamente decretadas, registre-se - de

acordo com o que for necessário e inclusive em eventual

12

Page 13: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

anotação ou tarjeamento próprios - que o presente incidente ou

conflito requer urgente decisão.

No mais, convém também que sejam cientificados os

Ministérios Públicos Estadual e Federal, das providências aqui

tomadas, os mesmos para quem se deve vista a cada eventual

pedido, de ordem urgente, da Autoridade Policial oficiante ou das

Defesas, a menos que eles assim expressamente declinem de

tais oportunidades.

Os autos ainda pendem de solução ou encerramento pela

autoridade policial federal, de modo que, regularizado o que aqui

determinado, remeta-os àquela autoridade para que prossiga no

que necessário for, inclusive com relatório final.

Cumpra-se tudo e com urgência.

Ciência aos Ministérios Públicos Estadual e Federal.

Ribeirão Preto, 21 de março de 2019.

CAROLINA MOREIRA GAMA-4a. JUÍZA AUXILIAR DE RIBEIRÃO

PRETO

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS

DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À

MARGEM DIREITA.”

Em 25 de março de 2019, vieram os autos ao MINISTÉRIO

PÚBLICO FEDERAL parecer (fl. 321).

É o relatório. Opino.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O Parecer é pelo conhecimento do conflito negativo de

competência, para declarar como competente o JUÍZO

FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO – SJ/SP, o

suscitado.

13

Page 14: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Conheço do conflito, uma vez presentes os requisitos do art.

105, inciso I, alínea "d" da Constituição da República, cuidando-se de incidente

instaurado entre juízos federal e estadual vinculados a Tribunais distintos.

A controvérsia cinge-se em definir qual o Juízo competente para

o processamento e a apreciação do Inquérito Policial Federal nº 0002895-

09.2018.403.6102 em que foram indiciados AGDA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES

CAMARGOS, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FERNANDO PARCATU DE MATOS RIBEIRO,

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA,

MARLENE DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA COSTA E ROBERVAL DA SILVA FERREIRA

e outros, os quais respondem pela suposta prática do crimes de redução à

condição análoga de escravo, exploração sexual e tráfico de pessoas para

fins de exploração sexual, inclusive de menores (arts. 149, 149-A, 229 e

231-A do Código Penal) e outros delitos conexos.

No mérito, assiste razão ao JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE

RIBEIRÃO PRETO – SJ/SP.

Este MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para evitar

tautologia, ratifica/ reitera o PARECER da PROCURADORIA DA REPÚBLICA

NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO - SP , às fls. 292/ 307 , emitido na

primeira instância pelo eminente Procurador da República Doutor ANDRÉ MENEZES,

com acuidade e proficiência, nos seguintes termos, in verbis:

“I – PREÂMBULO

Ab initio, este órgão ministerial toma ciência da decisão que

deferiu a execução das medidas cautelares pleiteadas.

Porém, e com a devida vênia, discorda dos motivos que, num

primeiro momento, rechaçaram a competência federal (f. 67), conforme se passa a

expor de modo fundamentado.

14

Page 15: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Em linhas gerais, este juízo apontou, como fatores estruturantes

da conclusão pela competência comum estadual, o seguinte: (i) a distinção entre as

condutas delineadas nos arts. 149 e 149-A do Código Penal (respectivamente,

redução a condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas), (ii) a autonomia do

art. 149-A, caput, V, do mesmo código (finalidade de exploração sexual) e (iii) o

enquadramento das condutas em exame neste último tipo (art. 149-A, caput, V).

II – PRECARIEDADE DA CONCLUSÃO SOBRE O ENQUADRAMENTO TÍPICO

Preliminarmente, esclareça-se que o vocábulo “precariedade”,

do título deste tópico, está a significar provisoriedade, já que, nesta fase pré-

processual, as condutas, sob o prisma típico, ainda estão em curso de delineamento

(formação da culpa).

A certeza quanto à classificação jurídica, como é natural, só se

pode atingir a partir do momento imputativo (sem prejuízo, claro, de eventual

corrigenda, a teor dos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal).

Não se pode pretender, diante da perspectiva de apreensão

ainda vindoura (ou seja, de material probatório que ainda não se conhece), estatuir a

priori a classificação jurídica a ser tirada justamente da análise desse material,

classificação essa que, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, só se

estabiliza com a inauguração da demanda penal principal.

III.A – EQUÍVOCO CLASSIFICATÓRIO DA DECISÃO: CONSTATAÇÃO

Sem prejuízo do quanto vazado no tópico acima, mas

pressupondo que a análise do material apreendido em nada venha a alterar, em

termos de tipificação, o quadro indiciário levado a exame no pleito cautelar

(buscas e prisões), ainda assim não há de prevalecer a conclusão pela ausência de

competência federal. Cuidemos de demonstrar cabal e analiticamente.

São conceitualmente corretas tanto a distinção quanto a

autonomia típicas vazadas na decisão em comento (reportadas nos itens i e ii do

último parágrafo do tópico I, acima).

Todavia, a correta classificação jurídica das condutas (mesmo

pressuposta a ausência de qualquer alteração substancial em função do revolvimento

15

Page 16: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

probatório ainda por ocorrer) não se alcança com a singeleza vazada no ato

declinatório.

Reconhece a doutrina que, não raro, enquadramento típico é

tarefa das mais delicadas, nem sempre superável de pronto pelos conhecidos

princípios doutrinários, dado que os vários tipos enunciados na regra positiva se

interpenetram de maneiras diversas e nem sempre sistemáticas (até porque criados

em épocas e segundo necessidades diferentes).

Esse fenômeno de interpenetração ocorre no caso em exame –

e, o que é pior, de maneira dúplice (bifronte). Vejamos:

O art. 149-A pode ser especial em relação ao art. 149 no que se

refere à finalidade (como, aliás, apontado na decisão de f. 67). Já o art. 149 pode ser

especial em relação ao art. 149-A no que se refere ao modo de execução . Deveras,

“sujeição a trabalhos forçados”, “sujeição a jornada exaustiva”, “sujeição a condições

degradantes de trabalho” e “restrição de locomoção em razão de dívida” (art. 149)

são inequívocas formas especiais de “coação” e quiçá de “violência”, “fraude” (v.g.

dívida simulada) ou “abuso” (v.g. dívida oriunda de lesão – art. 157 do Código Civil).

Repare-se que, numa camada de cognição mais sumária e

superficial, o art. 149-A, II (sujeição escravizante) absorve o art. 149, fazendo então

parecer que o teor típico do 149-A, V (finalidade de exploração sexual) seja imiscível

com o do art. 149.

Porém – e esse é um dado epistemológico – , os fatos não

ocorrem seguindo os padrões típico-penais. Ao contrário, estes (padrões típico-

penais) é que devem seguir os fatos. O que implica dizer que os fatos podem ocorrer

de modo a “tocar” (mais propriamente, “atrair a incidência de”) mais de uma figura

típica – donde a previsão de mecanismos de superação de conflitos típicos.

É verdade que o 149-A, V, realmente foi pensado para um fato-

tipo semelhante aos aqui narrados como causa de pedir – a fazer crer que, por si só,

encerra com exclusividade a classificação jurídica das condutas sob escrutínio.

Mas aqui é preciso assinalar uma distinção (entre a suposição

acima e o caso em exame) que é inequívoca: o 149-A, V, pode comportar uma

conduta (agenciamento, aliciamento, etc) que atinja um único indivíduo (embora

16

Page 17: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

comporte também a perpetração em detrimento de um grupo de indivíduos). Vale

dizer: atingida uma única vítima, já se tem desvalor penal, já se tem tipicidade

segundo o art. 149-A, V.

Ocorre que a exploração na dimensão coletiva e feita de

forma sistemática, como no caso sub judice (em que importa menos a

identidade/individualidade da vítima, e mais sua aptidão a gerar proventos para

os agentes – divisando “coisificação” humana), altera sensivelmente a

tipificação, por três razões básicas.

Em primeiro lugar – e ainda sem qualquer repercussão na

questão da competência, mas apenas por apreço ao debate – , a exploração em

escala coletiva ora noticiada geralmente depende do funcionamento de uma

associação ou organização criminosa, o que configura infração penal autônoma e

cumulável com as resultantes da associação ou organização. Numa exploração

“indivíduo a indivíduo” (agente único contra vítima única), ou mesmo “indivíduo a

grupo” (agente único contra vítimas várias), esse tipo penal “adicional” (associação

ou organização) não se configuraria.

Em segundo – e aqui já com repercussão na competência – , a

exploração coletiva (isto é, em detrimento de um grupo indeterminado de indivíduos)

implica afetação da liberdade de trabalho.

Como se sabe, a prostituição decidida individual e livremente

não é crime nem sequer fato ilícito – ao contrário, para muitos deve ser vista como

trabalho, a merecer alguma proteção (diferente de estímulo) do Estado.

Portanto, a exploração sistemática da prostituição alheia atinge

a organização do trabalho, na medida em que tira proveito do que é juridicamente

enquadrável como labor (a despeito de considerações morais que não vêm ao caso)

e que, como tal (labor) e em razão das conhecidas vedações de sua mercantilização ,

deveria organizar-se unicamente com base no livre arbítrio do indivíduo que se

prostitui. No entanto, tal livre arbítrio é deformado ora pela fraude ora pela coação

lato sensu, gerando proscrita mercantilização do trabalho alheio, por meio de uma

organização voltada exclusivamente à intermediação lucrativa. Se isso não é

afetação da organização do trabalho, difícil saber o que o seja.

17

Page 18: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Na mesma linha, importa consignar também que o art. 149-A,

V, certamente não abrange condutas aqui verificadas, anterior es à exploração

propriamente dita mas também penalmente relevante s , de provocação (ou pelo

menos influência) do deslocamento das vítimas de um local para outro do

território nacional, tal como definido no art. 207 do Código Penal. Deveras, apenas

“aliciar”, como consta no art. 149-A, não abrange esse resultado (deslocamento em

massa de indivíduos dentro do território, sendo desimportante sua identidade e

relevante apenas sua força de trabalho), o qual, inequivocamente, verificou-se na

situação em apreço.

Em terceiro e mais relevante lugar, o fato de a sujeição a

condições análogas à de escravo figurar como FINALIDADE típica (art. 149-A) não

elimina a possibilidade de essa mesma circunstância elementar (sujeição

escravizante) figurar como MODO DE EXECUÇÃO até porque, mesmo após a

alteração legislativa (inclusão no art. 149-A), tal elementar continuou existindo fora do

tipo que a instituiu como finalidade (art. 149-A); isto é, continuou existindo no tipo do

art. 149.

Esse fenômeno (figuração de uma mesma elementar em

categorias típicas diferentes) nada tem de extraordinário; ao contrário, é bastante

comezinho. Ilustrativamente, o conjunto elementar “ameaçar alguém de mal injusto e

grave” pode ser visto tipicamente como um fim em si mesmo (singelo crime de

ameaça) ou como um meio para se atingir outro fim (diversos exemplos cogitáveis,

inclusive em tipos de elevada gravidade, como os do roubo e da extorsão).

Aliás, um eventual apego ao conceito de finalidade típica como

categoria estanque, no sentido de perfeitamente coincidente com a realidade, pode

conduzir a erros prontos. Basta pensar que a finalidade “realística” no art. 149-A,

V, nem sempre será (ou raramente será) a exploração sexual em si mesma

(diletantismo sexual do agente), e sim a obtenção de lucro – o que, aliás,

confirma o traço de exploração laborativa (art. 207 do CP). E a obtenção de lucro,

por sua vez, nem sequer figura como elementar.

Pois bem. Certamente houve, no iter criminis das condutas em

18

Page 19: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

apreço1, algum “agenciamento” e/ou algum “aliciamento” (art. 149-A). E

posteriormente a tal “agenciamento/aliciamento”, também é certo que passou a haver

“grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso” (igualmente art. 149-A).

Relevantíssimo discernir, contudo, que o AGENCIAMENTO/ALICIAMENTO

(atração da inicial vítima, para que se distanciasse de suas origens) se deu pela

FRAUDE (promessas em sites e redes sociais), e não pela GRAVE AMEAÇA,

VIOLÊNCIA, COAÇÃO OU ABUSO; e que estas últimas elementares (grave

ameaça etc) residem no segundo momento do iter, ou seja, QUANDO NÃO

MAIS HÁ QUE SE FALAR EM TRÁFICO DE PESSOAS, pois a vítima já terá ido

ao locus comissi influenciada apenas pela FRAUDE.

Ora, se assim é, tem-se: num PRIMEIRO MOMENTO, a

incidência do art. 149-A, V (tráfico de pessoas) na modalidade “mediante fraude”

(agenciar/aliciar para exploração sexual); e, num SEGUNDO MOMENTO, o art. 149,

caput (redução escravizante) na modalidade “restrição de locomoção em razão de

dívida” quando menos – nada impedindo que se configure também nas modalidades

“sujeição a trabalhos forçados”, “sujeição a jornada exaustiva” e “sujeição a

condições degradantes de trabalho” – todas elas (modalidades citadas), repare-se,

especificações em relação à elementar “grave ameaça” prevista no art. 149-A

(princípio da especialidade).

Em síntese, o art. 149-A e o art. 149 surgem em momentos

distintos da cadeia factual – mas ambos surgem! – , a demonstrar a fragilidade

(para além da extemporaneidade) da conclusão segundo a qual a plêiade de

condutas aqui investigadas preencherá somente o tipo do art. 149-A, V, do

Código Penal.

A prova de que tais momentos são tipicamente separáveis é a

perfeita possibilidade cogitativa de um existir sem o outro, e reciprocamente.

Deveras, não é sequer cerebrino cogitar a existência isolada de um aliciamento

(atração) com a finalidade de exploração sexual, assim como não o é cogitar a

existência isolada de uma redução a condição análoga à de escravo de indivíduo(s)

que não precisou(aram) ser aliciado(s).

1 Iter aqui considerado em sua dimensão cronológica, isto é, abstraídas as amarras típicas econsiderado tudo quanto, sob qualquer roupagem, seja proibido pela norma penal.

19

Page 20: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

III.B – EQUÍVOCO CLASSIFICATÓRIO DA DECISÃO: SOLUÇÃO?

A coexistência de condutas tipificadas em dispositivos diversos

precisa ser equacionada pelo sistema penal, já que nem sempre o desvalor de duas

incidências (no sentido fenomênico) corresponde à soma dos desvalores de cada um

das incidências isoladamente consideradas. Esse equacionamento se faz ora pelas

balizas doutrinárias (princípios aplicáveis ao concurso de crimes) ora pelas legais

(figuras normativas do concurso material, do concurso formal e do crime continuado).

Porém, não cabe aqui exaurir o tema concursal (onde e que

tipo de concurso, se material ou formal, se caracterizará nas condutas em tela),

até porque se trata de matéria própria de outro momento procedimental

(oferecimento/recebimento da denúncia). Basta por ora revelar que a futura

classificação jurídica (fixação exata por ocasião da inicial de ação penal) terá

como substrato condutas indubitavelmente sujeitas a exame da jurisdição

federal, como são:

- a redução escravizante (art. 149 do CP);

- o aliciamento de trabalhadores de um local para outro do

território nacional (art. 207, caput e § 1º, do CP).

Também é cogitável, diante do material até aqui amealhado, a

configuração do:

- atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197, I, do

Código Penal).

Enfatize-se: a menção a condutas enquadráveis nos tipos

acima não significa que a classificação jurídica imputativa necessariamente os

exprimirá. Em razão das operações equacionadoras dos concursos delinquenciais é

possível que um ou outro tipo seja suprimido, a respeito de uma ou outra porção

fática cognoscível.

Deveras, o reconhecimento da competência penal

federal não se faz em função da prevalência, para fins de classificação,

de certos tipos, e sim – como não poderia ser diferente em matéria de

competência jurisdicional – em função da única regra válida para

20

Page 21: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

responder a esse tipo de indagação: a constitucional (art. 109 da Carta). A

regra de competência jurisdicional é logicamente anterior às preferências

legislativas sobre repartição típica de condutas.

O contrário disso implicaria admitir que o legislador

infraconstitucional, ao fazer a repartição típica, pode alterar a norma

constitucional (que, repita-se, elege como discrímen não as feições

típicas ou a divisão de capítulos do Código Penal, mas o atingimento ou

não de interesse federal).

Pode haver ou não – e normalmente não há – perfeita

correspondência entre um tipo (ou subtipo) e uma dada competência (federal ou

estadual). Os exemplos da proposição negativa, de tão variados, seriam

despiciendos. Em todo caso, e para se ilustrar com um tipo já referido neste mesmo

arrazoado, qualquer delito cometido por meio de ameaça (e não apenas a própria

ameaça) a funcionário público federal em razão de seu ofício será da competência

jurisdicional da União.

Em suma: no cotejo entre tipos distintos, as especificidades

(especialidades típicas) se revelam em diferentes trechos/ classes da estrutura típica,

tornando praticamente impossível, em alguns casos (e é o que se tem exame,

conforme demonstrado), uma “pureza típica” apta a divisar, por si só, a competência

jurisdicional.

Isso implica dizer, de forma mais pertinente ao caso concreto,

que eventual (e por ora apenas cogitável) prevalência de um dado tipo sobre outros,

na futura classificação jurídica, em nada afasta, para fins de definição de

competência, o reconhecimento do atingimento de interesses da União. Dito de

outro modo: ainda que o tipo “protetivo do interesse da União” reste

“encoberto” por outro(s) mercê do equacionamento de conflito típico, isso em

nada desqualifica tal interesse como vetor de fixação da competência.

Afora os listados na própria norma-matriz constitucional, são

raríssimos os tipos que, sempre e sempre, serão da competência federal (art. 109,

caput, IV, da Constituição). Exemplo dessa raridade é o tipo de moeda falsa. Pode

soar tosca a invocação desse tipo no caso em apreço, mas logo se verá que ele bem

21

Page 22: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

ilustra o raciocínio em curso.

Embora em sua modalidade mais comum (introdução em

circulação por meio da entrega a sujeito de boa-fé) a moeda falsa não passe de um

subtipo do estelionato (lesado imediato é o recebedor), a competência sempre será

federal porque, competindo à União emitir moeda, compete-lhe também velar pela

higidez do meio circulante, de modo que a “poluição” deste com um exemplar falso

viola o interesse federal na manutenção de dita higidez. Enfim, a competência será

ou não federal, na esmagadora maioria das situações, não em razão da incidência

de um dado tipo, mas da presença de uma dada circunstância (sempre redutível à

afetação em detrimento de ente federal).

Dito de outro modo: não está escrito em lugar algum que a

moeda falsa é delito federal, nem está esse tipo em algum capítulo do Código

Penal reservado a crimes “sempre” federais, ou em capítulo de crimes

mencionados na norma-matriz (art. 109, IV, da Constituição).

Mesmo as referências do art. 109, IV, da Constituição não são a

tipos específicos (até porque o legislador constitucional desconhece qual será a

repartição típica infraconstitucional), e sim a atributos de certas condutas (v.g. crimes

contra a organização do trabalho).

E m suma , a conclusão possível neste momento não é, nem

poderia ser, sobre o perfeito e firme enquadramento típico pós-acusação; e,

consoante demonstrado, ainda que fosse, não teria tal conclusão sobre

tipicidade o condão de nortear, por si só, a competência jurisdicional. O que é

possível aferir neste momento, sem sombra de dúvida, é o atingimento de

interesse constitucionalmente afeto à jurisdição federal, qual seja, a livre

organização do trabalho em sua dimensão coletiva, inclusive por envolver

recrutamento e deslocamento (por atração dolosa) de trabalhadores de um

ponto para outro do território nacional.

III.C – EQUÍVOCO CLASSIFICATÓRIO DA DECISÃO: ABONO DOUTRINÁRIO

A demonstrar que o raciocínio acima esgrimido não é isolado,

calha consignar excelente doutrina a apontar que, se algumas das finalidades

mencionadas no art. 149-A forem atingidas, estará também configurado crime

22

Page 23: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

autônomo, incidindo, por conseguinte, concurso material entre o delito de tráfico de

pessoas e outros crimes eventualmente praticados, como é o caso, por exemplo, do

delito de redução à condição análoga a de escravo.

Vejamos o magistério de Rogério Sanches Cunha:

Consuma-se o crime com a realização das ações previstas notipo penal, independentemente do efetivo exercício da finalidade quemova o agente.

Em algumas modalidades (transporte, transferência, aacolhimento e alojamento) o crime é permanente, admitindo flagrante aqualquer tempo.

A tentativa é admitida.

Como vimos ao tratar da voluntariedade, o tipo traz diversasfinalidades especiais que podem caracterizar, caso atingidas, figuraspenais autônomas. Neste caso, não há absorção de uma figura penalpor outra, mas sim concurso material, a exemplo do que ocorreentre o crime de associação criminosa e eventuais infrações penaisque o grupo cometa.

Dessa forma, se o agente, além de traficar pessoas, retirar-lhesilegalmente órgãos, tecidos e partes do corpo, haverá concurso materialentre o art. 149-A e o art. 14 da Lei 9.434/97; se trafica e submete avítima a trabalho a condições análogas à de escravo ou a servidão; oconcurso será entre os arts. 149-A e 149; se há também adoção ilegalpela própria pessoa que traficou (por exemplo, o agente acolhe, mediantefraude, à margem do sistema de adoção, um recém-nascido), pode haverconcurso entre os arts. 149-A e 242 do Código Penal (registrar como seuo filho de outrem); por fim, se além do tráfico de pessoas, ocorre aexploração sexual, pode haver concurso do art. 149-A com os arts.228 ou 230 do Código Penal, conforme o caso2. [d.n]

III.D – EQUÍVOCO CLASSIFICATÓRIO DA DECISÃO: DESCONSIDERAÇÃO DE

INDÍCIO CONCRETO E IDÔNEO

Ainda que venham a ser superados os sólidos argumentos até

aqui expostos, não se pode olvidar que o requerimento de injunção pré-acusatória

apresentou os seguintes indícios de tráfico internacional de pessoas e, portanto, de

2 Cunha, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 9. ed. rev.,ampl. e atual. - Salvador: JusPodium, 2017, páginas 233-234.

23

Page 24: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

transnacionalidade:

➢ páginas 2/33:

As investigações se iniciaram a partir de depoimentosespontâneos de duas pessoas, cujas identidades estão sendo mantidasem sigilo, as quais relataram a ocorrência de exploração sexual bemcomo tráfico interno e internacional de pessoas, supostamente praticadospor organização criminosa liderada por AGDA DIAS DA SILVA.

Em síntese, a primeira depoente (...)

Asseverou que AGDA também trafica mulheres e transexuaispara a Europa, como, por exemplo, Fernanda Suzuki e Rafaela Ferreira.Esta última teria tido as pernas quebradas e sido jogada do 15º andar porum marroquino na Rússia.

➢ página 13:

Conforme diálogo Síntese 06 B (f. 199, apenso IV), uma pessoanão identificada (PNI) liga para FERNANDA, dizendo que acabou demandar o dinheiro. FERNANDA diz “vai arrasando aí, se até no final doano você conseguir mandar um pouquinho a mais, porque... pra eucomeçar a quitar com os colombianos pra o dia quinze com certeza televar pro Cabero”. FERNANDA pergunta se o interlocutor vai quererperuca ou alongamento (megahair). O interlocutor responde que quermeio quilo de cabelo. FERNANDA diz que vai ver se consegue levarvocês, “já conversei com a Talita e a Graça, aproveita me dá umascoisinhas a mais pra mim já ir jogando que aí acabo de pagar elerapidinho, se eu conseguir pagar os colombianos antes, as vezes nois vaiaté antes, aí eu te aviso”.

Extrai-se do último diálogo que, após o pagamento das dívidascom os colombianos, FERNANDA levaria algumas pessoas para fora dopaís, assinalando possível caso de tráfico internacional.

É verdade que tais indícios ainda são um tanto fluidos, mas não

menos verdadeiro é que, na presente fase persecutória, há que pesar mais a

idoneidade do que propriamente a consistência probatória do indício. Afinal, o

pré-acionamento da jurisdição se deu em função da existência dos indícios (isto é, da

fragilidade ínsita desse meio de prova).

3 Paginação da manifestação ministerial.

24

Page 25: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

Se há necessidade de aprofundamento a partir de medidas de

reserva jurisdicional (busca e apreensão) é porque ainda não se tem provas, se sim

apenas indícios.

Ora, seria um contrassenso admitir que o indício possa

funcionar para afastamento da garantia individual (inviolabilidade domiciliar)

mas não para o provisório reconhecimento da competência. No caso em apreço,

o indício é extremamente idôneo, haurido que foi de diálogo entre agentes que

desconheciam o monitoramento de sua comunicação. Não se trata de denúncia

anônima ou de qualquer outro elemento descontextualizado.

Com base nessa correta lógica, a 3ª Seção do Superior

Tribunal de Justiça estabeleceu entendimento no sentido de que a existência de

indícios de transnacionalidade é suficiente para fixação da competência

federal:

PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICOINTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. INDÍCIOS ACERCA DA ORIGEMESTRANGEIRA DA DROGA APREENDIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇAFEDERAL.

1. Havendo indícios da transnacionalidade do tráfico dedrogas, não há que se falar em competência da Justiça Estadual,tendo em vista o disposto no art. 70 da Lei 11.343/06 e no art. 109,V, da Constituição Federal.

2. Conflito conhecido para declarar competente o JuízoFederal, o suscitante.

(STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, desembargadoraconvocada, julgamento: 26.09.2012, publicação: 02.10.2012). (Grifamos)

IV – DADO PROCESSUAL

Ad argumentandum tantum e para que não fique de fora a

dimensão puramente processual do problema, calha por fim pontuar o seguinte:

ainda que o conflito típico-concursal que mais se vislumbra neste caso (art. 149

versus art. 149-A do Código Penal) se resolva em favor do concurso material (ou

seja, que se conclua não haver absorção ou especialidade típica, e sim dois tipos,

25

Page 26: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA …mpf.mp.br/pgr/documentos/ConflitodeCompetencia_164628.pdf · 2019-04-26 · ministÉrio pÚblico federal procuradoria geral da

CC nº 164828/SP

ausente liame material entre eles), certo é que o contexto fático uno aqui vazado

apontaria fortemente para a existência de conexão (liame processual) entre as duas

condutas reputadas autônomas (ausência de liame material). Ora, desnecessário

dizer que, nesse caso (conexão), um delito sujeito à competência federal atrairia os

demais inicialmente não sujeitos.

Outra não poderia ser a orientação jurisprudencial, verbis:

PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICASUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA EDA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. REDUÇÃO ÀCONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DIREITOS HUMANOS.ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. OUTROS DELITOS CONEXOS. LIAMEFÁTICO E PROBATÓRIO. MESMA COMPETÊNCIA FEDERAL. SÚMULA122 DO STJ.

(…)

No caso, os demais crimes, por conexão fática e probatória,também ficam sob jurisdição federal. Súmula 122 deste SuperiorTribunal de Justiça.

(STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado:09.08.2012, publicação: 20.08.2012). (Grifamos)

(…).” (fls. 292/307).

Por fim, para que não pairem quaisquer dúvidas, cumpreconsignar a inteligência da Súmula/STJ nº 122: “Compete à Justiça Federal oprocesso e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal eestadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a do Código de Processo Penal.”

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-

se pela competência do JUÍZO FEDERAL DA 5ª VARA DE RIBEIRÃO PRETO -

SJ/SP, o suscitado.

É O PARECER.

Brasília, 28 de março de 2019.

JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHOSubprocurador-Geral da República

26