Ministro Carlos Ayres Britto vota pela extinção total da Lei de Imprensa

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    R E L A T R I O

    O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO

    (Relator)

    Cuida-se de arguio de descumprimento de

    preceito fundamental - ADPF, manejada pelo Partido

    Democrtico Trabalhista PDT, contra dispositivos

    da Lei federal n 5.250, de 9 de fevereiro de 1967,

    autorreferida como Lei de Imprensa.

    2. Objeto da ao constitucional a

    declarao, com eficcia geral e efeito

    vinculante, de que determinados dispositivos da Lei

    de Imprensa (a) no foram recepcionados pela

    Constituio Federal de 1988 e (b) outros carecem

    de interpretao conforme com ela compatvel (...)

    (fls. 03). Isto para evitar que defasadas

    prescries normativas sirvam de motivao para a

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    prtica de atos lesivos aos seguintes preceitos

    fundamentais da Constituio Federal de 1988:

    incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV do art. 5, mais

    os arts. 220 a 223.

    3. Quanto justificativa da adequao do

    meio processual de que se valeu perante este STF, o

    arguente invocou a regra da subsidiariedade que se

    l no 1 do art. 4 da Lei n 9.882/99 - Lei da

    ADPF1. Em sobrepasso, arguiu o concreto espocar de

    controvrsias judiciais sobre a aplicao dos

    preceitos fundamentais tidos por violados, para o

    que fez a juntada de cpias do inteiro teor de

    aes manejadas com base na atual Lei de Imprensa,

    assim como de algumas decises liminares em

    desfavor de jornalistas e rgos de comunicao

    social. Dando-se que o plenrio desta Casa de

    1 Dispositivo que tem a seguinte redao: No ser admitida argio de descumprimento de preceito

    fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Lesividade a preceito

    que na Constituio mesma tenha sua fundamentalidade reconhecida, seja por modo originrio, seja por

    derivao.

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    Justia acolheu tal justificativa de cabimento da

    presente ADPF, vencido o ministro Marco Aurlio

    (sesso do dia 27 de fevereiro de 2008).

    4. Tambm da inicial faz parte o

    esclarecimento de que a vigente Lei de Imprensa j

    foi objeto de Ao Direta de Inconstitucionalidade

    (ADIN), que no chegou a ser conhecida sob o

    fundamento da impossibilidade jurdica do pedido

    (voto vencedor do ministro Paulo Brossard). Isto

    pelo acolhimento da teoria kelseniana de que toda

    nova Constituio priva de eficcia as leis com ela

    incompatveis, materialmente (fenmeno da no-

    recepo do Direito velho pela nova Constituio, o

    que afasta o argumento da inconstitucionalidade

    superveniente).

    5. Prossigo neste relato da causa para

    averbar que o arguente, aps declinar as bases

    factuais e jurdicas da sua pretenso de ver

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    julgada procedente esta arguio de descumprimento

    de preceito fundamental, pugnou pelo reconhecimento

    da total invalidade jurdica da Lei n 5.250/67,

    porquanto incompatvel com os tempos

    democrticos. Alternativamente, pediu a declarao

    de no-recebimento, pela Constituio: a) da parte

    inicial do 2 do art. 1, atinentemente ao

    fraseado ... a espetculos e diverses pblicas,

    que ficaro sujeitos censura, na forma da lei,

    nem ...); b) do 2 do art. 2; c) da ntegra dos

    arts. 3, 4, 5, 6, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d)

    da parte final do art. 56, no que toca expresso

    ...e sob pena de decadncia dever ser proposta

    dentro de 3 meses da data da publicao ou

    transmisso que lhe der causa...); e) dos 3 e

    6 do art. 57; f) dos 1 e 2 do art. 60; g) da

    ntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Mais:

    requereu interpretao conforme a CF/88: a) do 1

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    do art. 1; b) da parte final do caput do art. 2;

    c) do art. 14; d) do inciso I do art. 16; e) do

    art. 17. Tudo isso para postular que as expresses

    subverso da ordem poltica e social e

    perturbao da ordem pblica ou alarma socialno

    sejam interpretadas como censura de natureza

    poltica, ideolgica e artstica, ou venham a

    constituir embarao liberdade de manifestao do

    pensamento e de expresso jornalstica. J

    alusivamente ao art. 37, requereu o emprego da

    tcnica da interpretao conforme a Constituio

    para deixar claro que o jornalista no penalmente

    responsvel por entrevista autorizada.

    derradeira, tornou a postular o uso da tcnica da

    interpretao conforme de toda a Lei de Imprensa,

    de maneira a rechaar qualquer entendimento

    significante de censura ou restrio s encarecidas

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    liberdades de manifestao do pensamento e

    expresso jornalsticas.

    6. Pois bem, a ttulo de medida cautelar,

    o autor pediu que fosse determinada a todos os

    juzes e tribunais do Pas a suspenso do andamento

    de processos e dos efeitos de decises judiciais

    que tivessem relao com o objeto da presente

    argio arguio de descumprimento de preceito

    fundamental. Pedido, esse, que foi por mim deferido

    em 21.02.2008, ad referendum deste egrgio

    Plenrio. Plenrio que deliberou pela concesso

    parcial da liminar, ao fundamento do descompasso

    entre o Magno Texto de 1988 e os seguintes

    dispositivos da Lei em causa: a) parte inicial do

    2 do art. 1, atinente expresso a espetculos

    e diverses pblicas, que ficaro sujeitos

    censura, na forma da lei, nem); b) ntegra do 2

    do art. 2 e dos arts. 3, 4, 5, 6 e 65; c)

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    parte final do art. 56 (referentemente ao fraseado

    e sob pena de decadncia dever ser proposta

    dentro de 3 meses da data da publicao ou

    transmisso que lhe der causa); d) 3 e 6 do

    art. 57; e) 1 e 2 do art. 60 e a ntegra dos

    arts. 61, 62, 63 e 64; f) arts. 20, 21, 22 e 23; g)

    arts. 51 e 52. Mais ainda, requereu o autor a

    suspenso da eficcia dos referidos dispositivos,

    por 180 dias, para o que fez uso do pargrafo nico

    do art. 21 da Lei n 9.868/99, por analogia. Mas

    sem interrupo do curso regular dos processos

    eventualmente ajuizados com base na legislao

    comum, notadamente o Cdigo Civil, o Cdigo Penal,

    o Cdigo de Processo Civil e o Cdigo de Processo

    Penal. Prazo de suspenso, esse, que, deferido,

    veio a ser prorrogado trs vezes: a) por igual

    perodo de 180 dias, em deliberao plenria tomada

    em questo de ordem suscitada por mim, relator do

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    feito, na sesso do dia 4 de setembro de 2008; b)

    por mais 30 dias, tambm em questo de ordem que

    suscitei quando da sesso plenria do dia 18 de

    fevereiro do fluente ano de 2009; c) at o final

    deste julgamento de mrito, em mais uma questo de

    ordem que submeti ao plenrio em 25 de maro

    ltimo. Vencido o ministro Marco Aurlio em todas

    as deliberaes.

    7. Sigo em frente para dar conta de que

    foram prestadas pelo Exm. Sr. Presidente da

    Repblica e pelo Congresso Nacional as informaes

    de que trata o art. 6 da Lei n 9.882/99 (fls. 306

    a 378). Nelas, o Advogado Geral da Unio requereu,

    em preliminar, o no-conhecimento do pedido, e, no

    mrito, que apenas os seguintes dispositivos fossem

    tidos como revogados: a) parte inicial do 2 do

    art. 1, quanto expresso a espetculos e

    diverses, que ficaro sujeitos censura, na forma

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    da lei, nem...; b) parte final do caput do art.

    3, no que toca expresso ...e a sociedade por

    aes ao portador; c) 1, 2 e 7 do art. 3;

    d) ntegra dos artigos 4, 5, 6, 51, 52 e 56; e)

    1 e 2 do art. 60; f) toda a redao dos arts.

    62 e 63. J o Presidente do Congresso Nacional,

    Sua Excelncia noticiou a tramitao de projeto de

    lei para a modificao, justamente, da atual Lei de

    Imprensa. Projeto da autoria do Senador Marcelo

    Crivella, acrescentando pargrafos ao art. 12, alm

    de um novo artigo, o de n 23-A, objetivando

    disciplinar a divulgao de informaes lesivas

    honra e imagem do indivduo. Tambm assim,

    projeto de lei de autoria do Senador Romero Juc,

    introdutor de substanciais mudanas na Lei agora

    posta em xeque, especialmente quanto ao direito de

    resposta.

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    8. A seu turno, O Procurador Geral da

    Repblica emitiu o parecer de fls. 623 a 665,

    vocalizando o seu entendimento de que a liberdade

    de expresso e de imprensa pressupe repensar os

    padres de democracia existentes e aqueles que se

    pretende construir, e, inexoravelmente, o papel dos

    direitos fundamentais como instrumentos capazes de

    conferir legitimidade ao poder.

    9. A partir dessa compreenso das coisas,

    desenvolveu o chefe do Parquet Federal preciosos

    estudos de direito comparado sobre a liberdade de

    expresso, para, ao final, opinar sobre os limites

    do conhecimento da presente arguio. Fazendo-o,

    deu por inadequada a genrica pretenso de se

    declarar toda a Lei de Imprensa como incompatvel

    com a Constituio, o que fez com base no 1 do

    art. 102 da Constituio e no art. 3 da Lei n

    9.882/99. Esta ltima a estabelecer que a petio

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    inicial da ADPF dever conter a indicao do

    preceito fundamental que se reputa violado, a

    indicao do ato questionado, bem como o pedido com

    suas especificaes.

    10. Ainda nesse mesmo tom, o douto

    Procurador Geral da Repblica passou a analisar

    cada um dos dispositivos submetidos ao exame deste

    STF, concluindo que: a) o art. 1 e seu 1, assim

    como os arts. 14 e 16, I, no so inconciliveis

    com a ordem constitucional vigente; b) que o 2

    do art. 1, agora sim, no foi recebido pela

    Constituio; c) o caput do art. 2 rima com a

    nossa Lei Fundamental, mas no assim os arts. 3,

    4, 5 e 6; d) quanto ao art. 65, afronta ele o

    art. 222 da CF, que dispe sobre o regime jurdico

    de empresa jornalstica e de radiodifuso sonora e

    de sons e imagens (artigo, esse, regulamentado pela

    Lei n 10.610/02).

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    11. Foi alm o zeloso Procurador Geral da

    Repblica para entender que: a) as disposies

    penais dos arts. 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa no

    pecam por inconstitucionalidade; b) no foi

    recepcionada pela Constituio a regra do 3 do

    art. 20, por inadmitir exceo da verdade em face

    de determinadas autoridades pblicas (regra que Sua

    Excelncia tem como um vestgio de autoritarismo

    ditatorial, talvez at aristocrtico, na medida em

    que se busca colocar certos atores polticos a

    salvo da verdade); c) contrariam a ordem

    constitucional os arts. 51, 52 e 56, caput, parte

    final, bem como os arts. 57, 3 e 6, 60 1 e

    2 e os arts. 61, 62, 63 e 64.

    12. Por ltimo, para ele, Procurador Geral

    da Repblica, Diferentemente do que prope o

    argente, no estamos diante de um simples

    desequilbrio entre duas categorias de direitos

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    fundamentais: liberdade de expresso e informao,

    de um lado, e direitos personalssimos de

    intimidade, honra e vida privada de outro. Estamos

    diante da matriz estruturante do Estado

    Republicano, tanto sob a tica orgnica, como

    sistmica: a democracia. Donde acrescentar que

    Expurgar a norma impugnada do ordenamento jurdico

    brasileiro, por si s, resolve o problema do

    direito de liberdade de expresso, mas cria outro

    to danoso quanto o anterior, pois gera grave

    insegurana jurdica devido ao constante estado de

    ameaa intimidade e dignidade das pessoas. O que

    levou sua Excelncia a se posicionar no sentido da

    procedncia apenas parcial do pedido.

    13. Este o relatrio, que fao chegar,

    mediante cpia de inteiro teor, a todos os meus

    Pares neste Supremo Tribunal Federal.

    ******************************

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    V O T O

    O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO

    (Relator)

    Uma vez assentada a adequao da presente

    argio de descumprimento de preceito fundamental

    (ADPF) como ferramenta processual de abertura da

    jurisdio deste Supremo Tribunal Federal, e no

    havendo nenhuma outra questo preliminar a solver,

    passo ao voto que me cabe proferir quanto ao mrito

    da questo. Fazendo-o, comeo por me impor a tarefa

    que certamente passa pela curiosidade inicial de

    cada um dos senhores ministros: saber at que ponto

    a proteo constitucional brasileira liberdade de

    imprensa corre parelha com a relevncia intrnseca

    do tema em todos os pases de democracia

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    consolidada. A comear pelos Estados Unidos da

    Amrica, em cuja Constituio, e por efeito da

    primeira emenda por ela recebida, est fixada a

    regra de que O Congresso no legislar no sentido

    de estabelecer uma religio, ou proibindo o livre

    exerccio dos cultos; ou cerceando a liberdade de

    palavra, ou de imprensa (...) (art. I).

    15. Em palavras diferentes, o que

    certamente passa pelo intelecto de cada qual dos

    meus Pares saber se o regime constitucional da

    imprensa, em nosso Pas, guarda conformidade com o

    fundamental e insubstituvel papel que ela

    desempenha enquantoplexo de atividades e tambm

    como o somatrio dos rgos ou meios de

    comunicao social. Plexo de atividades e

    somatrio dos rgos ou meios de comunicao

    social, porque assim como dispe o 5 do art.

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    220, combinadamente com os 1, 2 e 3 do art.

    222 da Constituio de 1988.

    16. Deveras, todo exame normativo-

    constitucional que, entre ns, tenha na liberdade

    de imprensa o seu especfico ponto de incidncia,

    h de comear pela constatao de que,

    objetivamente, a imprensa uma atividade. Uma

    diferenciada forma do agir e do fazer humano. Uma

    bem caracterizada esfera de movimentao ou do

    protagonismo dessa espcie animal que Protgoras

    (485/410 a.C) tinha como a medida de todas as

    coisas. Mas atividade que, pela sua fora de

    multiplicar condutas e plasmar caracteres, ganha a

    dimenso de instituio-ideia. Locomotiva scio-

    cultural ou ideia-fora. Nessa medida, atividade (a

    de imprensa) que se pe como a mais rematada

    expresso do jornalismo; quer o jornalismo como

    profisso, quer o jornalismo enquanto vocao ou

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    pendor individual (pendor que frequentemente

    identificado como arte, ou literatura). Donde a

    Constituio mesma falar de liberdade de

    informao jornalstica (1 do art. 220),

    expresso exatamente igual a liberdade de imprensa.

    17. J do ngulosubjetivo ou orgnico

    , a

    comprovao cognitiva esta: a imprensa constitui-

    se num conjunto de rgos, veculos, empresas,

    meios, enfim, juridicamente personalizados (5

    do art. 220, mais o 5 do art. 222 da Constituio

    Federal). Logo, subjetivamente considerada, a

    imprensa instituio-entidade, instituio-

    aparelho, instituio-aparato. Mas seja a imprensa

    como objetivo sistema de atividades, seja como

    subjetivados aparelhos, a comunicao social

    mesmo o seu trao diferenciador ou signo

    distintivo. As duas coisas sempre englobadas

    (instituio-ideia e instituio-entidade), pois o

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    fato que assim binariamente composta que a

    imprensa consubstancia um tipo de comunicao que

    no desborda do significado que se contm nos

    dicionrios da lngua portuguesa; ou seja,

    comunicao ato de comunicar, transmitir,

    repassar, divulgar, revelar. No caso da imprensa,

    comunicar, transmitir, repassar, divulgar, revelar:

    a) informaes ou notcias de coisas acontecidas no

    mundo do ser, que o mundo das ocorrncias

    fticas; b) o pensamento, a pesquisa, a criao e a

    percepo humana em geral, estes situados nos

    escaninhos do nosso crebro, identificado como a

    sede de toda inteligncia e de todo sentimento da

    espcie animal a que pertencemos.

    18. Sequencio imediatamente o raciocnio:

    a modalidade de comunicao que a imprensa exprime

    no se dirige a essa ou aquela determinada pessoa,

    nem mesmo a esse ou aquele particularizado grupo,

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    mas ao pblico em geral. Ao maior nmero possvel

    de pessoas humanas. Com o que a imprensa passa a se

    revestir da caracterstica central de instncia de

    comunicao de massa, de sortea poder influenciar

    cada pessoa deper se e at mesmo formar o que se

    convencionou chamarde

    opinio pblica.Opinio

    pblica ou modo coletivo de pensar e sentir acerca

    de fatos, circunstncias, episdios, causas, temas,

    relaes que a dinamicidade da vida faz emergir

    como respeitantes coletividade mesma. Incumbindo

    imprensa o direito e ao mesmo tempo o dever de

    sempre se postar como o olhar mais atento ou o foco

    mais aceso sobre o dia-a-dia do Estado e da

    sociedade civil. O que enseja a tomada de posies,

    a feitura de escolhas e a assuno de condutas

    igualmente massivas, que so direitos elementares

    de todo grupamento humano o agir e o reagir como

    conjunto mesmo. Donde a imprensa, matriz por

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    excelncia da opinio pblica, rivalizar com o

    prprio Estado nesse tipo de interao de mxima

    abrangncia pessoal.

    19. Foi precisamente em funo desse bem

    mais abrangente crculo de interao humana que o

    nosso Magno Texto reservou para a imprensa todo um

    bloco normativo com o apropriado nome Da

    Comunicao Social (captulo V do ttulo VIII).

    Captulo de que emerge a Imprensa como de fato ela

    : o mais acessado e por isso mesmo o mais

    influente repositrio de notcias do cotidiano,

    concomitantemente com a veiculao de editoriais,

    artigos assinados, entrevistas, reportagens,

    documentrios, atividades de entretenimento em

    geral (por modo especial as esportivas e musicais,

    alm dos filmes de televiso), pesquisas de opinio

    pblica, investigaes e denncias, acompanhamento

    dos atos do Poder e da economia do Pas, ensaios e

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    comentrios crticos sobre arte, religio e tudo o

    mais que venha a se traduzir em valores,

    interesses, aspiraes, expectativas, curiosidades

    e at mesmo entretenimento do corpo societrio.

    Pelo que encerra a mais constante e desembaraada

    comunicao de ideias, ensaios, opinies,

    testemunhos, projees e percepes de toda ordem,

    passando mais e mais a ver a si mesma e a ser vista

    pela coletividade como ferramenta institucional que

    transita da informao em geral e anlise da

    matria informada para a investigao, a denncia e

    a cobrana de medidas corretivas sobre toda conduta

    que lhe parecer (a ela, imprensa) fora do esquadro

    jurdico e dos padres minimamente aceitveis como

    prprios da experincia humana em determinada

    quadra histrica. No sendo exagerado afirmar que

    esse estdio multifuncional da imprensa , em si

    mesmo, um patrimnio imaterial que corresponde ao

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    mais eloquente atestado de evoluo poltico-

    cultural de todo um povo. Status de civilizao

    avanada, por conseguinte.

    20. certo que a nossa Constituio

    Federal somente faz expresso uso do substantivo

    imprensa numa solitria passagem, e ainda assim

    como sinnimo de mdia impressa ou escrita.

    Veculo de comunicao em papel ou impresso

    (Walter Ceneviva). Isso por oposio mdia

    eletrnica, abarcante da radiodifusora e

    televisiva, consoante a seguinte transcrio:

    Art. 139. Na vigncia do estado de stio

    decretado com fundamento no art. 177, I, s

    podero ser tomadas contra as pessoas asseguintes medidas:

    I - ...

    III restries relativas inviolabilidade

    da correspondncia, ao sigilo das

    comunicaes, prestao de informaes e

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    liberdade de imprensa, radiodifuso e

    televiso, na forma da lei.

    21. No menos certo, porm, que essa

    diferenciao entre mdia impressa e mdia

    radiodifusora e televisiva (eletrnica, dissemos)

    atende considerao de que somente as duas

    ltimas que so constitucionalmente tipificadas

    como servios pblicos, prprios da Unio Federal.

    Servios pblicos sempre titularizados pela Unio,

    frise-se, porm complementarmente prestados pela

    iniciativa privada, mediante contratos de

    concesso, ou permisso, tanto quanto por ato

    unilateral e precrio de autorizao. como est

    na alnea a do inciso XI do art. 21 da nossa Lei

    Fundamental, em combinao com a cabea do art. 223

    da mesma Carta Magna, a saber:

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    Art. 21. Compete Unio: XI explorar,

    diretamente ou mediante autorizao,

    concesso ou permisso: a) os servios de

    radiodifuso sonora e de sons e imagens.

    Art. 223. Compete ao Poder Executivo

    outorgar e renovar concesso, permisso e

    autorizao para o servio de radiodifuso

    sonora e de sons e imagens, observado o

    princpio da complementaridade dos sistemas

    privado, pblico e estatal.

    22. J a mdia impressa, alm de se

    constituir em sistema de atividades e conjunto de

    empresas tipicamente privadas, independe de

    licena da autoridade quanto sua publicao (

    5 do artigo constitucional de n 220). Dando-se,

    no entanto, que todas elas (mdia escrita e mdia

    eletrnica) passam a compor as atividades e Os

    meios de comunicao social ainda h pouco

    referidos como objeto de normao do 5 do art.

    220 da CF, mais os 1, 2, 3 e 5 do art. 222).

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    Meios de comunicao social ou simplesmente

    empresas jornalsticas e de radiodifuso sonora e

    de sons e imagens, segundo a linguagem do 1 do

    art. 222 da mesma Lei Fundamental brasileira.

    23. Numa frase, estamos a lidar com

    atividades e meios ou empresas de comunicao

    social que, no seu conjunto, encerram o estratgico

    setor da imprensa livre em nosso Pas. Ficando de

    fora do conceito de imprensa, contudo, por absoluta

    falta de previso constitucional, a chamada Rede

    Mundial de Computadores - INTERNET. Artefato ou

    empreitada tecnolgica de grandes e sedutoras

    possibilidades informativas e de relaes

    interpessoais, sem dvida, dentre elas a interao

    em tempo real dos seus usurios; ou seja, emissores

    e destinatrios da comunicao internetizada a

    dispor da possibilidade de inverter as suas

    posies a todo instante. O fisicamente presencial

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    a cada vez mais ceder espao ao telepresencial

    (viagem que vai do concreto ao virtual), porm,

    ainda assim, constitutivo de relaes sem a menor

    referncia constitucional. O que se explica em

    funo da data de promulgao da Carta Poltica

    brasileira (5 de outubro de 1988), quando os

    computadores ainda no operavam sob o to refinado

    quanto espantoso sistema eletrnico-digital de

    intercomunicao que veio, com o tempo, a se chamar

    de rede.

    24. Pois bem, assim binariamente concebida

    e praticada entre ns que a imprensa possibilita,

    por modo crtico incomparvel, a revelao e o

    controle de praticamente todas as coisas

    respeitantes vida do Estado e da sociedade.

    Coisas que, por fora dessa invencvel parceria com

    o tempo, a cincia e a tecnologia, se projetam em

    patamar verdadeiramente global. Com o mrito

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    adicional de se constituir, ela, imprensa, num

    necessrio contraponto leitura oficial dos fatos

    e suas circunstncias, eventos, condutas e tudo o

    mais que lhes sirva de real motivao. Quero dizer:

    a imprensa como alternativa explicao ou verso

    estatal de tudo que possa repercutir no seio da

    sociedade, conforme realado pelo jurista, deputado

    federal e jornalista Miro Teixeira, um dos

    subscritores da presente ADPF. O que j significa

    visualizar a imprensa como garantido espao de

    irrupo do pensamento crtico em qualquer situao

    ou contingncia. Pensamento crtico ou

    racionalmente exposto, com toda sua potencialidade

    emancipatria de mentes e espritos. No aquele

    pensamento sectariamente urdido, ou ento

    superficialmente engendrado, quando no

    maquinadamente elaborado para distorcer fatos e

    biografias. Sendo de toda relevncia anotar que, a

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    ttulo de reforo mantena dessa verdadeira

    relao de inerncia entre o pensamento crtico e a

    imprensa livre, a prpria Constituio impe aos

    rgos e empresas de comunicao social a seguinte

    interdio: Os meios de comunicao social no

    podem, direta ou indiretamente, ser objeto de

    monoplio ou oligoplio ( 5 do art. 220). Norma

    constitucional de concretizao de um pluralismo

    finalmente compreendido como fundamento das

    sociedades autenticamente democrticas; isto , o

    pluralismo como a virtude democrtica da respeitosa

    convivncia dos contrrios (o necessrio consenso

    apenas quanto s regras do jogo, conforme enuncia

    Norberto Bobbio em seu clssico livro O futuro da

    democracia2). Pluralismo, enfim, que a nossa

    Constituio prestigia em duas explcitas

    2 Doutrina Bobbio: Democracia definida como um conjunto de regras de procedimento para a formao de

    decises coletivas em que est prevista e facilitada a participao mais ampla possvel dos

    interessados.

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    oportunidades: no seu prembulo e no inciso V do

    art. 1. Aqui, pluralismo poltico; ali, pluralismo

    cultural ou social genrico.

    25. Sem maior esforo mental, portanto,

    v-se que a imprensa passou a desfrutar de tamanha

    importncia na vida contemporneaque j faz da sua

    natureza de focada instncia de comunicao social

    o prprio nome da sociedade civil globalizada:

    sociedade de informao, tambm chamada de

    sociedade de comunicao. Preservada a amplitude

    massiva dos seus destinatrios ou pblico-alvo e

    sempre na perspectiva da encarnao de um direito-

    dever inarredvel: o da instncia por excelncia do

    pensamento crtico ou emancipatrio. Ele prprio,

    pensamento crtico ou libertador, a pedagogicamente

    introjetar no pblico em geral todo apreo pelo

    valor da verdade como categoria objetivamente

    demonstrvel, o que termina por forar a imprensa

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    mesma a informar em plenitude e com o mximo de

    fidedignidade.

    26. Convm insistir na afirmativa: por

    efeito dessa relao de mtua e benfazeja

    influncia entre a imprensa e seus massivos

    destinatrios, o caminho consequente ou como que

    natural a seguir s pode ser o da responsabilidade

    de jornalistas e rgos de comunicao social.

    Responsabilidade que torna intrinsecamente

    meritrios uns e outros. Tudo a possibilitar a

    formao de uma confortvel clientela ou corpo de

    destinatrios, que vai eficazmente contrabatendo,

    com a incessante subida dos seus padres de

    seletividade, o personalstico peso dos agentes

    pblicos e dos empresrios do ramo, ou mesmo desse

    ou daquele jornalista em apartado. Seletividade, de

    sua parte, que opera como antdoto social que o

    tempo no cessa de aprimorar contra os abusos e

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    mestre, pelo citado jurista Manuel Alceu Affonso

    Ferreira):

    Em quatro palavras se poder encartar uma

    calnia. Mas pode ser que a demonstrao da

    falsidade no caiba toda num discurso. Uma s

    proposio dar, talvez, para se verter no

    esprito humano um erro tremendo. Mas uma vez

    lanado ao mundo, sabe Deus que de

    contestaes, raciocnios e debates se no

    cansariam, porventura, ainda assim, debalde,

    em lhe dar combate(p. 27, Editora Papagaio,

    ano de 2004).

    27. Mas a decisiva questo comprovar que

    o nosso Magno Texto Federal levou o tema da

    liberdade de imprensa na devida conta. Deu a ela,

    imprensa, roupagem formal na medida exata da

    respectiva substncia. Pois definitiva lio da

    Histria que, em matria de imprensa, no h espao

    para o meio-termo ou a contemporizao. Ou ela

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    inteiramente livre, ou dela j no se pode cogitar

    seno como jogo de aparncia jurdica. a

    trajetria humana, a vida, so os fatos, o

    pensamento e as obras dos mais acreditados

    formadores de opinio que retratam sob todas as

    cores, luzes e contornos que imprensa apenasmeio

    livre um to arremedo de imprensa como a prpria

    meia verdade das coisas o para a explicao cabal

    dos fenmenos, seres, condutas, ideias. Sobretudo

    ideias, cuja livre circulao no mundo to

    necessria quanto o desembaraado fluir do sangue

    pelas nossas veias e o desobstrudo percurso do ar

    pelos nossos pulmes e vias areas. O que tem

    levado interlocutores sociais de peso diga-se de

    passagem - a se posicionar contra a exigncia de

    diploma de nvel superior para quem se disponha a

    escrever e falar com habitualidade pelos rgos de

    imprensa.

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    28. Se assim, no h opo diferente

    daquela que seguramente fez o nosso Magno Texto

    Republicano: consagrar a plenitude de uma liberdade

    to intrinsecamente luminosa que sempre compensa,

    de muito, de sobejo, inumeravelmente, as quedas de

    voltagem que lhe infligem profissionais e

    organizaes aferrados a prticas de um tempo que

    estrebucha, porque j deu o que tinha de dar de

    voluntarismo, chantagem, birra, perseguio.

    Esparsas nuvens escuras a se esgueirar, intrusas,

    por um cu que somente se compraz em hospedar o sol

    a pino. Exceo feita, j o vimos, a eventuais

    perodos de estado de stio, mas ainda assim na

    forma da lei. No da vontade caprichosa ou

    arbitrria dos rgos e autoridades situados na

    cpula do Poder Executivo, ou mesmo do Poder

    Judicirio.

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    29. O que se tem como expresso da

    realidade, portanto, , de uma banda, um corpo

    social progressivamente esclarecido por uma

    imprensa livre e, ela mesma, plural (visto que so

    proibidas a oligopolizao e a monopolizao do

    setor). Corpo social tambm progressivamente

    robustecido nos seus padres de exigncia enquanto

    destinatrio e consequentemente parte das relaes

    de imprensa. De outra banda, uma imprensa que faz

    de sua liberdade de atuao um necessrio

    compromisso com a responsabilidade quanto

    completude e fidedignidade das informaes

    comunicadas ao pblico. Do que decorre a permanente

    conciliao entre liberdade e responsabilidade, at

    porque, sob o prisma do conjunto da sociedade,

    quanto mais se afirma a igualdade como

    caracterstica central de um povo,mais a liberdade

    ganha o tnus de responsabilidade. que os iguais

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    dispem de reais condies de reagir altivamente s

    injustias, desafios e provocaes do cotidiano, de

    modo a refrear os excessos ou abusos, partam de

    onde partirem, venham de quem vierem. Donde o

    Jornal da ABI (Associao Brasileira de

    Imprensa) comentar que at mesmo os escandalosos

    tabloides ingleses, premidos pela perda de

    leitores, no raras vezes mudam sua linha

    sensacionalista de orientao; Porque do regime da

    plena liberdade surge a responsabilidade, e o

    cidado passa a no comprar porcaria (Jornal da

    ABI 326, fevereiro de 2008, p. 25, a propsito de

    entrevista com o citado operador jurdico,

    jornalista e deputado Miro Teixeira).

    30. Este o ponto nuclear da questo,

    face de uma lgica especificamente referida

    interao da imprensa livre com um pblico-alvo

    cada vez mais em condies de se posicionar moda

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    de filtro ou peneira do que lhe chega como

    informao ou como conhecimento pronto e acabado.

    Lgica encampada pela nossa Constituio de 1988, e

    prescientemente captada pelo ingls William Pitt

    (1759/1806), para quem imprensa deve tocar o

    encargo de se corrigir a si prpria; pelo norte-

    americano Thomas Jefferson (1743/1826), autor da

    afirmao de que, se lhe fosse dado escolher entre

    um governo sem jornais e jornais sem um governo,

    no hesitaria em optar por esta ltima frmula, e

    pelo francs Alexis de Tocqueville (1805/1859), ao

    sentenciar que, numa democracia, o modo mais eficaz

    de se combater os excessos de liberdade com mais

    liberdade ainda. A imprensa, ento, cabalmente

    imunizada contra o veneno da censura prvia, como

    lcida e corajosamente pregou o poeta John Milton,

    em 1644, no seu famoso discurso A Aeropagtica

    (discurso lido perante a suprema corte do

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    parlamento ingls, transformado em livro pela

    Editora Topbooks, edio de 1999). A imprensa livre

    a viabilizar, assim, o ideal daqueles que,

    semelhana de Gluksman, veem a liberdade como um

    rio impetuoso cujo nico anseio no ter margens.

    No ter margens fixas penso que seria melhor

    dizer -, pois a autorregulao da imprensa nunca

    deixa de ser um permanente ajuste de limites em

    sintonia com o sentir-pensar de uma sociedade civil

    de que ela, imprensa, simultaneamenteporta-voz e

    caixa de ressonncia. No s porta-voz, no s

    caixa ressonncia, mas as duas coisas ao mesmo

    tempo.

    31. Atente-se para as novelas da televiso

    brasileira e demais programaes em canal aberto.

    No h censura prvia quanto exposio de

    captulos, cenas, fatos, mas os temas polmicos ou

    de mais forte quebra de paradigmas culturais so

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    retratados com perceptvel cuidado. Cuidado ou

    acautelamento que nada tem a ver com o receio de

    interveno estatal (proibida pela Constituio,

    ressalvado o estado de stio), porm como o fruto

    mesmo de uma responsabilidade de imprensa cujo

    tamanho medido com a trena da susceptibilidade

    dos telespectadores em geral, dos anteparos de cada

    famlia em particular para com os seus membros

    ainda em formao ou desenvolvimento, e dos

    prprios sistemas de ombudsman de que nenhum rgo

    de comunicao social pode abrir mo, hoje em dia.

    At mesmo episdios verdadeiros, mas incomumente

    chocantes, o novo e irreversvel modelo de imprensa

    evita expor para no traumatizar o pblico, sob o

    grande risco de perda de audincia. Exemplo disso

    foi o suicdio de um importante poltico

    estadunidense, inteiramente filmado pela televiso,

    mas levado ao ar sem a brutalidade do momento em

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    que o suicida colocava o revlver no interior de

    sua prpria boca para em seguida puxar o gatilho

    (fato de que tive cincia pelo relato oral do

    respeitvel juiz federal da 5 regio, Ricardo

    Csar Mandarino Barreto, presentemente oficiando

    como juiz auxiliar em meu prprio gabinete de

    ministro deste STF). J os fatos e cenas de maior

    apelo sexual (os programas de reality show no

    meio), estes so exibidos em horrio noturno mais

    avanado e com legenda quanto sua natureza e no-

    recomendao para determinadas faixas etrias. De

    conformidade, alis, com o disposto no 3 do art.

    220 da Constituio.

    32. Verbalizadas tais reflexes e fincadas

    estas primeiras interpretaes da Magna Carta

    Federal, tambm facilmente se percebe que a

    progressiva inafastabilidade desse dever da

    imprensa para com a informao em plenitude e sob o

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    timbre da mxima fidelidade sua base emprica

    que passa a compor o valor social da visibilidade.

    Nova categoria de direito individual e coletivo ao

    real conhecimento dos fatos e suas circunstncias,

    protagonismos e respectivas motivaes, alm das

    ideias, vida pregressa e propostas de trabalho de

    quem se arvore a condio de ator social de proa,

    principalmente se na condio de agente pblico.

    Visibilidade que evoca em nossas mentes a mensagem

    crist do conheceis a verdade e ela vos libertar

    (Joo, 8:32), pois o fato que nada se compara

    imprensa como cristalina fonte das informaes

    multitudinrias que mais habilitam os seres humanos

    a fazer avaliaes e escolhas no seu concreto dia-

    a-dia. Juzos de valor que sobremodo passam por

    avaliaes e escolhas em perodo de eleies

    gerais, sabido que pela via do voto popular que o

    eleitor mais exercita a sua soberania para a

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    produo legtima dos quadros de representantes do

    povo no Poder Legislativo e nas chefias do Poder

    Executivo. Mais ainda, visibilidade que, tendo por

    ncleo o proceder da Administrao Pblica, toma a

    designao de publicidade (art. 37, caput, da

    CF).Publicidade como transparncia, anote-se, de

    logo alada dimenso de princpio, ao lado da

    legalidade, impessoalidade, moralidade e

    eficincia. Sendo certo que a publicidade que se

    eleva dimenso de verdadeira transparncia o

    mais aplainado caminho para a fiel aplicao da lei

    e dos outros trs princpios da moralidade, da

    eficincia e da impessoalidade na Administrao

    Pblica.

    33. Daqui j se vai desprendendo a

    inteleco do quanto a imprensa livre contribui

    para a concretizao dos mais excelsos princpios

    constitucionais. A comear pelos mencionados

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    princpios da soberania (inciso I do art. 1) e

    da cidadania (inciso II do mesmo art. 1),

    entendida a soberania como exclusiva qualidade do

    eleitor-soberano, e a cidadania como apangio do

    cidado, claro, mas do cidado no velho e sempre

    atual sentido grego:aquele habitante da cidade que

    se interessa por tudo que de todos; isto ,

    cidadania como o direito de conhecer e acompanhar

    de perto as coisas do Poder, os assuntos da plis.

    Organicamente. Militantemente. Saltando aos olhos

    que tais direitos sero tanto melhor exercidos

    quanto mais denso e atualizado for o acervo de

    informaes que se possa obter por conduto da

    imprensa (contribuio que a INTERNET em muito

    robustece, faa-se o registro).

    34. Esse direito que prprio da

    cidadania o de conhecer e acompanhar de perto as

    coisas do Poder, e que a imprensa livre tanto

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    favorece - ns mesmos do Supremo Tribunal Federal

    temos todas as condies para dizer da sua

    magnitude e imprescindibilidade. que a prpria

    histria deste nosso Tribunal j se pode contar em

    dois perodos: antes e depois da TV JUSTIA,

    implantada esta pelo ento presidente Marco

    Aurlio. TV JUSTIA a que vieram se somar a TV

    digital e a RDIO JUSTIA (criaes da ministra

    Ellen Gracie, poca presidente da Corte), para

    dar conta das nossas sesses plenrias em tempo

    real. O que tem possibilitado populao inteira,

    e no somente aos operadores do Direito, exercer

    sobre todos ns um heterodoxo e eficaz controle

    externo, pois no se pode privar o pblico em

    geral, e os lidadores jurdicos em particular, da

    possibilidade de saber quando trabalham, quanto

    trabalham e como trabalham os membros do Poder

    Judicirio. Afinal, todo servidor pblico um

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    servidor do pblico, e os ministros do Supremo

    Tribunal Federal no fogem a essa configurao

    republicana verdadeiramente primaz.

    35. Tambm deste ponto de inflexo j vai

    tomando corpo a proposio jurdica de que, pelo

    seu reconhecido condo de vitalizar por muitos

    modos a Constituio, tirando-a mais vezes do

    papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a

    mais entranhada relao de mtua dependncia ou

    retroalimentao. Falo da democracia como categoria

    jurdico-positiva (no simplesmente filosfico-

    poltica), que em toda Constituio promulgada por

    uma Assembleia Constituinte livremente eleita

    consubstancia o movimento, o fluxo ascendente do

    poder de governar a plis; quer dizer, o poder de

    governar toda a coletividade como aquele que vem de

    baixo para cima, e no de cima para baixo da escala

    social. A implicar, por evidente, prestgio das

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    bases governadas e limitao das cpulas

    governantes. Um tirar o povo da plateia para

    coloc-lo no palco das decises que lhe digam

    respeito. Donde figurar, ela, democracia, como

    questo ou causa verdadeiramente planetria, ao

    lado da ecologia e da tica na vida pblica.

    Democracia que Abrahan Lincoln inexcedivelmente

    definiu como o governo do povo, pelo povo e para o

    povo, e que a epopeia constituinte de 1987/1988

    assumiu como o princpio dos princpios da

    Constituio de 1988. O seu valor-continente, por

    se traduzir no princpio que mais vezes se faz

    presente na ontologia dos demais valores

    constitucionais (soberania popular, cidadania,

    dignidade da pessoa humana, valores sociais do

    trabalho e da livre iniciativa, pluralismo

    poltico, s para citar os listados pelos incisos

    de I a V do art. 1 da nossa Lei Maior). Valor-teto

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    da Constituio, em rigor de Cincia, porque acima

    da democracia no h outro valor coletivo seno j

    situado do lado de fora de toda positividade

    jurdica brasileira. Valor incomparvel, ento,

    que, se vivido autenticamente, concretiza aquela

    parte do discurso de posse do presidente Roosevelt,

    em plena depresso econmica: nada h a temer,

    exceto o prprio medo.

    36. Avano na tessitura desse novo

    entrelace orgnico para afirmar que, assim

    visualizada como verdadeira irm siamesa da

    democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma

    liberdade de atuao ainda maior que a liberdade de

    pensamento e de expresso dos indivduos em si

    mesmos considerados. At porque essas duas

    categorias de liberdade individual tambm sero

    tanto mais intensamente usufrudas quanto

    veiculadas pela imprensa mesma (ganha-se costas

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    largas ou visibilidade fato -, se as liberdades

    de pensamento e de expresso em geral so

    usufrudas como o prprio exerccio da profisso ou

    do pendor jornalstico, ou quando vm a lume por

    veculo de comunicao social). O que faz de todo o

    captulo constitucional sobre a comunicao social

    um melhorado prolongamento dos preceitos

    fundamentais da liberdade de manifestao do

    pensamento e de expresso em sentido lato.

    Comunicando-se, ento, a todo o segmento normativo

    prolongador a natureza jurdica do segmento

    prolongado; que a natureza de DIREITOS E

    GARANTIAS FUNDAMENTAIS, tal como se l no ttulo

    de n II da nossa Constituio. E para a centrada

    tutela de tais direitos e garantias que se presta

    a ao de descumprimento de preceito fundamental,

    cujo status de ao constitucional advm da regra

    que se l no 1 do art. 101 da nossa Lei Maior,

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    literis: A argio de descumprimento de preceito

    fundamental, decorrente desta Constituio, ser

    apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma

    da lei. Em suma, a virginal fundamentalidade de um

    preceito constitucional repassada, logicamente,

    para outro ou outros preceitos constitucionais que

    lhe sejam servientes, ainda que esses outros

    preceitos faam parte de um conjunto normativo

    diverso. Como se d, ilustrativamente, com os

    dispositivos constitucionais que limitam o poder de

    tributar da Unio, dos Estados, do Distrito Federal

    e dos Municpios (arts. de ns. 150 a 152,

    inseridos no captulo atinente ao Sistema

    Tributrio Nacional), sabido que tal limitao ao

    poder tributante das nossas unidades federadas

    opera em favor dos direitos fundamentais que

    assistem s pessoas privadas quanto s suas

    propriedades, rendas e atividades de subsistncia

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    material e produo econmica (ttulos de ns. II e

    VII, notadamente).

    37. Com efeito, e a ttulo de outorga de

    um direito individual que o ritmo de civilizao do

    Brasil imps como conatural espcie humana (pois

    sem ele o indivduo como que se fragmenta em sua

    incomparvel dignidade e assim deixa de ser o pice

    da escala animal para se reduzir a subespcie), a

    Constituio proclama que livre a manifestao

    do pensamento, sendo vedado o anonimato (inciso IV

    do art. 5). Assim tambm, e de novo como pauta de

    direitos mais fortemente entroncados com a

    dignidade da pessoa humana, a nossa Lei Maior

    estabelece nesse mesmo art. 5 que: a) livre a

    expresso da atividade intelectual, artstica,

    cientfica e de comunicao, independentemente de

    censura ou licena (inciso IX); b) livre o

    exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou

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    profisso, atendidas as qualificaes profissionais

    que a lei estabelecer (inciso XIII); c)

    assegurado a todos o acesso informao e

    resguardado o sigilo da fonte, quando necessrio ao

    exerccio profissional (inciso XIV); d) conceder-

    se- habeas data: a) para assegurar o conhecimento

    de informaes relativas pessoa do impetrante,

    constantes de registros ou bancos de dados de

    entidades governamentais ou de carter pblico: b)

    para a retificao de dados, quando no prefira

    faz-lo por processo sigiloso, judicial ou

    administrativo (inciso LXXII). Discurso libertrio

    que vai reproduzir na cabea do seu art. 220, agora

    em favor da imprensa, com pequenas alteraes

    vocabulares e maior teor de radicalidade e

    largueza. Confira-se:

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    Art. 220. A manifestao do pensamento, a

    criao, a expresso e a informao, sob

    qualquer forma, processo ou veculo, no

    sofrero qualquer restrio, observado o

    disposto nesta Constituio.

    38. precisamente isto: no ltimo

    dispositivo transcrito a Constituio radicaliza e

    alarga o regime de plena liberdade de atuao da

    imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados

    direitos de personalidade (liberdade de pensamento,

    criao, expresso e informao) esto a salvo de

    qualquer restrio em seu exerccio, seja qual for

    o suporte fsico ou tecnolgico de sua veiculao;

    b) que tal exerccio no se sujeita a outras

    disposies que no sejam as figurantes dela

    prpria, Constituio. Requinte de proteo que bem

    espelha a proposio de que a imprensa o espao

    institucional que melhor se disponibiliza para o

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    uso articulado do pensamento e do sentimento

    humanos como fatores de defesa e promoo do

    indivduo, tanto quanto da organizao do Estado e

    da sociedade. Plus protecional que ainda se explica

    pela anterior considerao de que pelos mais

    altos e largos portais da imprensa que a democracia

    v os seus mais excelsos contedos descerem dos

    colmos olmpicos da pura abstratividade para

    penetrar fundo na carne do real. Dando-se que a

    recproca verdadeira: quanto mais a democracia

    servida pela imprensa, mais a imprensa servida

    pela democracia. Como nos versos do poeta santista

    Vicente de Carvalho, uma diz para a outra, solene e

    agradecidamente, Eu sou quem sou por serdes vs

    quem sois.

    39. de se perguntar, naturalmente: mas a

    que disposies constitucionais se refere o

    precitado art. 220 como de obrigatria observncia

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    no desfrute das liberdades de pensamento, criao,

    expresso e informao que, de alguma forma, se

    veiculem pela imprensa? Resposta: quelas

    disposies do art. 5, versantes sobre vedao do

    anonimato (parte final do inciso IV); direito de

    resposta(inciso V);

    direito a indenizao por dano

    material ou moral intimidade, vida privada,

    honra e imagem das pessoas (inciso X); livre

    exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou

    profisso, atendidas as qualificaes profissionais

    que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao

    resguardo do sigilo da fonte de informao, quando

    necessrio ao exerccio profissional (inciso XIV).

    40. No estamos a ajuizar seno isto: a

    cabea do art. 220 da Constituio veda qualquer

    cerceio ou restrio concreta manifestao do

    pensamento, bem assim todo cerceio ou restrio que

    tenha por objeto a criao, a expresso e a

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    informao, pouco importando a forma, o processo,

    ou o veculo de comunicao social. Isto certo.

    Impossvel neg-lo. Mas o exerccio de tais

    liberdades no implica uma fuga do dever de

    observar todos os incisos igualmente

    constitucionais que citamos no tpico anterior,

    relacionados com a liberdade mesma de imprensa (a

    comear pela proibio do anonimato e terminando

    com a proteo do sigilo da fonte de informao).

    Uma coisa a no excluir a outra, tal como se d at

    mesmo quando o gozo dos direitos fundamentais

    liberdade de pensamento e de expresso da atividade

    intelectual, artstica, cientfica e de

    comunicao, alm do acesso informao, acontece

    margem das atividades e dos rgos de imprensa

    (visto que o desfrute de tais direitos

    expressamente qualificado como livre). Mas

    claro que os dois blocos de dispositivos

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    constitucionais s podem incidir mediante

    calibrao temporal ou cronolgica: primeiro,

    assegura-se o gozo dos sobredireitos (falemos

    assim) de personalidade, que so a manifestao do

    pensamento, a criao, a informao, etc., a que se

    acrescenta aquele de preservar o sigilo da fonte,

    quando necessrio ao exerccio da profisso do

    informante, mais a liberdade de trabalho, ofcio,

    ou profisso. Somente depois que se passa a

    cobrar do titular de tais sobre-situaes jurdicas

    ativas um eventual desrespeito a direitos

    constitucionais alheios, ainda que tambm

    densificadores da personalidade humana; ou seja,

    como exercer em plenitude o direito manifestao

    do pensamento e de expresso em sentido geral

    (sobredireitos de personalidade, reitere-se a

    afirmativa), sem a possibilidade de contraditar,

    censurar, desagradar e at eventualmente chocar,

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    vexar, denunciar terceiros? Pelo que o termo

    observado, referido pela Constituio no caput e

    no 1 do art. 220, de ser interpretado como

    proibio de se reduzir a coisa nenhuma

    dispositivos igualmente constitucionais, como os

    mencionados incisos IV, V, X, XIII e XIV do art.

    5. Proibio de se fazer tabula rasa desses

    preceitos igualmente constitucionais, porm sem que

    o receio ou mesmo o temor do abuso seja impeditivo

    do pleno uso das liberdades de manifestao do

    pensamento e expresso em sentido lato.

    41. Sem que o receio ou mesmo o temor do

    abuso seja impeditivo do pleno uso das duas

    categorias de liberdade, acabamos de falar, porque,

    para a Constituio, o que no se pode , por

    antecipao, amesquinhar os quadrantes da

    personalidade humana quanto aos seguintes dados de

    sua prpria compostura jurdica: liberdade de

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    manifestao do pensamento e liberdade de expresso

    em sentido genrico (aqui embutidos a criao e o

    direito de informar, informar-se e ser informado,

    como expletivamente consignado pelo art. 37, 1, da

    Constituio portuguesa de 1976, verso 1997).

    Caso venha a ocorrer o deliberado intento de se

    transmitir apenas em aparncia a informao para,

    de fato, ridicularizar o prximo, ou, ainda, se

    objetivamente faz-se real um excesso de linguagem

    tal que faz o seu autor resvalar para a zona

    proibida da calnia, da difamao, ou da injria,

    a o corretivo se far pela exigncia do direito de

    resposta por parte do ofendido, assim como pela

    assuno de responsabilidade civil ou penal do

    ofensor. Esta, e no outra, a lgica primaz da

    interao em causa.

    42. Lgica primaz ou elementar - retome-se

    a afirmao - porque reveladora da mais natural

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    cronologia das coisas. No h como garantir a livre

    manifestao do pensamento, tanto quanto o direito

    de expresso lato sensu (abrangendo, ento, por

    efeito do caput do art. 220 da CF, a criao e a

    informao), seno em plenitude. Seno colocando em

    estado de momentnea paralisia a inviolabilidade de

    certas categorias de direitos subjetivos

    fundamentais, como, por exemplo, a intimidade, a

    vida privada, a imagem e a honra de terceiros. Tal

    inviolabilidade, aqui, ainda que referida a outros

    bens de personalidade (o entrechoque entre

    direitos de personalidade), no pode significar

    mais que o direito de resposta, reparao

    pecuniria e persecuo penal, quando cabveis; no

    a traduzir um direito de precedncia sobre a

    multicitada parelha de sobredireitos fundamentais:

    a manifestao do pensamento e a expresso em

    sentido geral. Sendo que, no plano civil, o direito

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    indenizao ser tanto mais expressivo quanto

    maior for o peso, o tamanho, o grau da ofensa

    pessoal, ou da desqualificao objetiva do fazer

    alheio. Donde a Constituio mesma falar de direito

    de resposta proporcional ao agravo, sem

    distinguir entre o agravadoagente pblico

    e o

    agravado agente privado. Proporcionalidade, essa,

    que h de se comunicar reparao pecuniria,

    naturalmente. Mas sem que tal reparao financeira

    descambe jamais para a exacerbao, porquanto:

    primeiro, a excessividade indenizatria j , em si

    mesma, poderoso fator de inibio da liberdade de

    imprensa; segundo, esse carregar nas cores da

    indenizao pode levar at mesmo ao fechamento de

    pequenos e mdios rgos de comunicao social, o

    que de todo impensvel num regime de plenitude da

    liberdade de informao jornalstica. Sem falar

    que, em se tratando de agente pblico, ainda que

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    injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz

    indenizao uma imperiosa clusula de modicidade.

    Isto porque todo agente pblico est sob permanente

    viglia da cidadania ( direito do cidado saber

    das coisas do Poder,ponto por ponto), exposto que

    fica, alm do mais, aos saneadores efeitos da

    parbola da mulher de Csar: no basta ser

    honesta; tem que parecer. E quando o agente estatal

    no prima por todas as aparncias de legalidade e

    legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si

    mais fortes suspeitas de comportamento

    antijurdico. O que propicia maior nmero de

    interpelaes e cobranas em pblico, revelando-se

    claramente inadmissvel que semelhantes

    interpelaes e cobranas, mesmo que judicialmente

    reconhecidas como ofensivas, ou desqualificadoras,

    venham a ter como sano indenizatria uma quantia

    tal que leve ao empobrecimento do cidado agressor

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    e ao enriquecimento material do agente estatal

    agredido. Seja como for, quer o ofendido esteja na

    condio de agente privado, quer na condio de

    agente pblico, o que importa para o intrprete e

    aplicador do Direito revelar a vontade objetiva

    da Constituio na matria. E esse querer objetivo

    da Constituio reside no juzo de que a relao de

    proporcionalidade entre o dano moral ou material

    sofrido por algum e a indenizao que lhe cabe

    receber (quanto maior o dano, maior a indenizao)

    opera no prprio interior da relao entre a

    potencialidade da ofensa e a concreta situao do

    ofendido. Nada tendo a ver com essa equao a

    circunstncia em si da veiculao do agravo por

    rgo de imprensa. Repito: nada tendo a ver com

    essa equao de Direito Civil a circunstncia da

    veiculao da ofensa por rgo de imprensa, porque,

    seno, a liberdade de informao jornalstica

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    deixaria de ser um elemento de expanso e de

    robustez da liberdade de pensamento e de expresso

    lato sensu para se tornar um fator de contrao e

    de esqualidez dessa liberdade. At de nulificao,

    no limite.

    43. J no que diz respeito esfera penal,

    o esquadro jurdico-positivo tambm no pode ser de

    maior severidade contra jornalistas. Vale dizer, a

    lei no pode distinguir entre pessoas comuns e

    jornalistas para desfavorecer penalmente estes

    ltimos, seno caminhando a contrapasso de uma

    Constituio que se caracteriza, justamente, pelo

    desembarao e at mesmo pela plenificao da

    liberdade de agir e de fazer dos atores de imprensa

    e dos rgos de comunicao social. Logo,

    repelente de qualquer ideia de tipificao

    criminosa em apartado a conduta de quem foi mais

    generosamente aquinhoado pela Constituio com a

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    primazia das liberdades de manifestao do

    pensamento e de expresso em sentido genrico.

    44. Cuida-se, tal primazia, marcadamente

    em matria de imprensa, de uma ponderao ou

    sopesamento de valores que a prpria Constituio

    antecipadamente faz e resolve por um modo

    temporalmente favorecedor do pensamento e da

    expresso; ou seja, antes de tudo, duas coisas:

    uma, o ato de pensar em pblico ou para alm dos

    escaninhos simplesmente mentais da pessoa humana,

    sabido que manifestao de pensamento implica

    esse transpasse de uma esfera simplesmente abstrata

    ou interna ao indivduo para outra emprica ou

    externa; a segunda, o ato de se expressar

    intelectualmente, artisticamente, cientificamente e

    comunicacionalmente, a se dar, por evidente, no

    mundo das realidades empricas. Somente depois de

    qualquer dessas duas atuaes em concreto que se

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    abre espao personalssima reao dos eventuais

    prejudicados na sua intimidade, vida privada, honra

    e imagem.

    45. Nova pergunta de se fazer, tambm

    sob a marca da imperiosidade: como entronizar o

    indivduo nesses bens de personalidade que so a

    manifestao do pensamento e a expresso em sentido

    geral, se a ele negada a possibilidade de fazer

    de cada obra sua um retrato falado de si mesmo? Se

    cada autor, cada escritor, cada pensador e cada

    artista tem por quintessncia do seu DNA imaterial

    a ironia, por hiptese, como impedir que seja

    igualmente irnica a sua produo intelectual, ou

    artstica, ou comunicacional? E se ele for um

    incru (Millr Fernandes fala do direito

    fundamental descrena), um agnstico, um

    iconoclasta, um evolucionista, um questionador, um

    anarquista (Anarquistas, Graas a Deus, o mais

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    conhecido dos livros de Zlia Gattai), um arauto do

    holismo, da utopia e do surreal, como impedir que

    venha a contraditar, incomodar, desagradar ou at

    mesmo ofender, chocar, vexar, revoltar quem no o

    seja? Como proibir que o indivduo seja ele mesmo

    em tudo que fizer, de sorte a que tudo que ele

    fizer seja ele mesmo? Encarnado e insculpido, como

    se dizia em portugus dos tempos idos? Impossvel,

    a no ser pelo raso e frio holocausto da liberdade

    de imprensa em nosso Pas.

    46. Nessa toada de inteleco

    constitucional da matria, quem quer que seja pode

    dizer o que quer que seja, ao menos na linha de

    partida das coisas, pois a verdade, a beleza, a

    justia e a bondade s para citar os quatro

    valores por excelncia da filosofia grega - podem

    depender dessa total apriorstica liberdade de

    pensamento e de expresso para poder vir a lume. O

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    possvel contedo socialmente til da obra a

    compensar eventuais excessos de estilo e da prpria

    verve do autor. No de Ren Descartes a mxima de

    que no lhe impressionava o argumento de

    autoridade, mas, isto sim, a autoridade do

    argumento? No de Voltaire a sentena de que no

    concordo com uma s das palavras que dizeis, mas

    defenderei at morte o vosso direito de diz-

    las? Sobremais, no desfrute da total liberdade

    de manifestao do pensamento e de expresso lato

    sensu que se pode fazer de qualquer dogma um

    problema. Um objeto de reflexo e de intuio, para

    ver at que ponto o conhecimento tido por assente

    consubstancia, ou no, um valor em si mesmo. Para

    se perquirir, como o fizeram Galileu Galilei e

    Giordano Bruno, se determinado experimento ou uma

    dada teoria no passam de condicionamentos mentais,

    ou sociais, que nada tm a ver com as leis da

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    natureza ou com a evoluo espiritual da

    humanidade.

    47. Sustentar o contrrio parece-me

    postura de quem vaza os prprios olhos para no ter

    que enxergar esses dois enfticos e geminados

    comandos constitucionais: primeiro, o de que os

    sobredireitos de personalidade aqui seguidamente

    vocalizados se caracterizam pelo seu exerccio

    livre (incisos IV e IX do art. 5 da

    Constituio); segundo, o de se tratar de

    superiores direitos que, se manifestados por rgo

    de imprensa ou como expresso de atividade

    jornalstica, passam a receber sobretutela em

    destacado captulo da nossa Lei Maior (Captulo V

    do Ttulo VIII), pois a dupla verdade jurdico-

    cientfica traduz-se em que a imprensa tem o condo

    de favorecer o uso desses to encarecidos direitos

    de personalidade (sobredireitos, nunca demais

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    repetir) e ainda se pe como vizinha de porta da

    democracia, essa verdadeira clula mater de todas

    as grandes virtudes coletivas. Condminos, ento

    (imprensa livre e democracia), de um metafrico

    edifcio que a nossa Lei Maior ergueu para

    possibilitar nao brasileira caminhar mais

    decidida e facilitadamente na direo de si mesma.

    Que possivelmente seja a direo de uma liberdade,

    de uma igualdade e de uma fraternidade mais

    afeioadas ao nosso modo preponderantemente

    sentimental, intuitivo, alegre, espontneo,

    criativo e agregador de ser (a despeito das duas

    maiores ndoas tico-espirituais de toda a nossa

    formao enquanto colnia, reino unido e Estado

    soberano, que foram as imperecveis ndoas da

    escravido negra e do quase completo etnocdio das

    nossas populaes indgenas. guisa da exortao

    que se contm no Conhece-te a ti mesmo, do

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    orculo de Delfos, e no Torna-te quem s, do

    genial filsofo alemo Friedrich Nietzsche. Donde a

    precedente afirmao de que, luz de uma

    Constituio que tanto favorece a liberdade de

    imprensa, no cabe sequer falar de um destacado

    sistema penal na matria. Seria dar com uma das

    mos e tomar com a outra, como vigorosamente

    advertia Geraldo Ataliba. Modo desinteligente de se

    interpretar dispositivos jurdicos (ao contrrio,

    pois, do que preconizava Carlos Maximiliano),

    mormente os encartados na Constituio.

    48. Est-se primariamente a lidar, assim,

    com direitos constitucionais insuscetveis de

    sofrer qualquer restrio (...), seja qual for a

    forma, processo ou veculo de sua exteriorizao.

    O que vem a ser confirmado pelo 1 do mesmo

    artigo constitucional de n 220, verbis:

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    Nenhuma lei conter dispositivo que possa

    constituir embarao plena liberdade de

    informao jornalstica em qualquer veculo

    de comunicao social, observado o disposto

    no art. 5, IV, V, X, XIII e XIV.

    49. Tem-se agora um comando constitucional

    que vai mais longe ainda no seu decidido propsito

    de prestigiar a cronologia aqui defendida como de

    compulsria observncia. Preceito constitucional

    que chega a interditar a prpria opo estatal por

    dispositivo de lei que venha a constituir embarao

    plena liberdade de informao jornalstica em

    qualquer veculo de comunicao social. Logo, a

    uma atividade que j era livre foi acrescentado o

    qualificativo de plena. Liberdade plena, entenda-

    se, no que diz respeito essncia mesma do

    jornalismo. Ao seu ncleo duro, que so as

    coordenadas de tempo e de contedo da manifestao

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    do pensamento e da criao lato sensu, quando

    veiculada por rgo de comunicao social. o que

    se pode chamar de matria centralmente de imprensa;

    ontolgica ou axialmente de imprensa, devido a que

    os temas perifricos, estes, sim, a Constituio

    coloca ao dispor daquele poder estatal de legislar.

    Aqui, por se tratar de temas circundantes ou que

    giram na rbita da liberdade de informao

    jornalstica (sem com essa liberdade se confundir,

    todavia), o poder estatal de legislar de ser

    reconhecido. Ali, por se cuidar do ncleo ou da

    medula mesma da liberdade de informao

    jornalstica, nenhum poder estatal de legislar de

    subsistir.

    50. Talvez com maior preciso

    hermenutica: a liberdade de informao

    jornalstica, para se revestir do pleno desembarao

    que lhe assegura a Constituio, h de implicar

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    interdio lei quanto a duas nucleares dimenses:

    primeira, o tempo de incio e de durao do seu

    exerccio; segunda, sua extenso ou tamanho do seu

    contedo. Coordenadas de tempo e de contedo que

    exprimem o que vimos chamando de ncleo duro ou

    essncia mesma da liberdade de imprensa. Seu

    epicentro. Restando claro que, se o Estado puder

    interferir nesse compactado ncleo, estar marcando

    limites ou erguendo diques para o fluir de uma

    liberdade que a nossa Lei Maior somente concebeu em

    termos absolutos; ou seja, sem a mnima

    possibilidade de apriorstico represamento ou

    conteno.

    51. Essa interdio ao poder legislativo

    do Estado significa, ento, que nem mesmo o

    Direito-lei tem a fora de interferir na

    oportunidade/durao de exerccio, tanto quanto no

    cerne material da liberdade de informao

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    jornalstica (contedo/extenso). Noutro dizer,

    liberdade que tm suas coordenadas temporais e

    materiais exclusivamente ao dispor do seu

    individualizado titular em cada caso concreto.

    Assumindo ele, bvio, as consequncias civis e

    penais que so prprias das pessoas ou agentes

    comuns. Alm de no poder se opor a eventual

    direito de resposta. Direito que se manifesta como

    ao de replicar, ora para o efeito de simples

    retificao da matria publicada, ora para o fim de

    centrado contradiscurso por parte daquele que se v

    ofendido em sua subjetividade, ou, ento,

    seriamente desqualificado enquanto pensador,

    cientista, criador, ou simples observador da cena

    existencial.

    52. Um segundo desdobramento hermenutico

    ainda se desprende dessa mesma interdio

    legislativa quanto medula mesma da liberdade de

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    informao jornalstica: a de que, no tema, h uma

    necessria linha direta entre a Imprensa e a

    sociedade civil. Se se prefere, vigora em nosso

    ordenamento constitucional uma forma de interao

    imprensa/sociedade civil que no passa, no pode

    passar pela mediao do Estado. Interao que pr-

    exclui, portanto, a figura do Estado-ponte em

    matria nuclear ou axialmente de imprensa. Tudo sob

    a ideia-fora de que imprensa incumbe controlar o

    Estado, e no o contrrio, conforme ressalta o

    jornalista Roberto Civita, presidente da Editora

    Abril e editor da revista VEJA, com estas

    apropriadas palavras: Contrariar os que esto no

    poder a contrapartida quase inevitvel do

    compromisso com a verdade da imprensa responsvel

    (p. 114 da edio especial de VEJA do dia 10 de

    setembro de 2008, ano 41, n 36).

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    53. No cessa por aqui o mais firme

    compromisso da Constituio com esse fazer da

    imprensa o mais eficaz mecanismo de concreto gozo

    das liberdades de manifestao do pensamento e da

    expresso em seu sentido mais abrangente. que o

    3 do mesmssimo artigo 220 ainda contm o seguinte

    relato: vedada toda e qualquer censura de

    natureza poltica, ideolgica e artstica. Com o

    que a nossa Magna Lei corrobora toda a gama dos

    sobredireitos fundamentais do indivduo, no tema,

    pormno mbito de um conjunto normativo ainda mais

    protegido contra as arremetidas antijurdicas do

    Estado e dos prprios agentes privados: o conjunto

    normativo que se veicula, justamente, pelo captulo

    constitucional centralmente devotado liberdade de

    imprensa, que , justamente, o Captulo V do Ttulo

    VIII da Constituio (conjunto de preceitos

    fundamentais por arrastamento ou vvida

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    solidariedade de contedo e fim, j deixamos

    assentado, pois nem todo preceito constante de uma

    Lei Fundamental por ela mesma qualificado como

    fundamental perante outros do seu unitrio lastro

    formal ou tessitura discursiva).

    54. hora de uma primeira concluso deste

    voto e ela reside na proposio de que a

    Constituio brasileira se posiciona diante de bens

    jurdicos de personalidade para, de imediato,

    cravar uma primazia ou precedncia: a das

    liberdades de pensamento e de expresso lato sensu

    (que ainda abarca todas as modalidades de criao e

    de acesso informao, esta ltima em sua trplice

    compostura, conforme reiteradamente explicitado).

    Liberdades que no podem arredar p ou sofrer

    antecipado controle nem mesmo por fora do Direito-

    lei, compreensivo este das prprias emendas

    Constituio, frise-se. Mais ainda, liberdades

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    reforadamente protegidas se exercitadas como

    atividade profissional ou habitualmente

    jornalstica e como atuao de qualquer dos rgos

    de comunicao social ou de Imprensa. Isto de modo

    conciliado:

    I - contemporaneamente, com a proibio

    do anonimato, o sigilo da fonte e o

    livre exerccio de qualquer trabalho,

    ofcio, ou profisso;

    II - a posteriori, com o direito de

    resposta e a reparao pecuniria por

    eventuais danos honra e imagem de

    terceiros. Sem prejuzo do uso de ao

    penal tambm ocasionalmente cabvel,

    nunca, porm, em situao de rigor mais

    forte do que o prevalecente para os

    indivduos em geral.

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    55. Outra no podia ser a escolha da nossa

    Lei Maior, em termos operacionais, pois sem essa

    absoluta primazia do que temos chamado de

    sobredireitos fundamentais sobejariam falsas

    desculpas, sofismas, alegaes meramente retricas

    para, a todo instante, crucific-los no madeiro da

    mais virulenta reao por parte dos espritos

    renitentemente autoritrios, antiticos, ou

    obscurantistas, quando no concomitantemente

    autoritrios, antiticos e obscurantistas. Inimigos

    figadais, por consequencia, da democracia e da

    imprensa livre. Do que aflora a ntida compreenso

    de que os bens jurdicos em confronto so daqueles

    que, em parte, se caracterizam por uma recproca

    excludncia no tempo. A opo que se apresentou ao

    Poder Constituinte de 1987/1988 foi do tipo

    radical, no sentido de que no era possvel, no

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    tema, servir ao mesmo tempo a dois senhores. Donde

    a precedncia que se conferiu ao pensamento e

    expresso, resolvendo-se tudo o mais em direito de

    resposta, aes de indenizao e desencadeamento da

    chamadapersecutio criminis, quando for o caso.

    56. Dois parnteses, no entanto, devo

    abrir:

    I o primeiro, para dizer que estou a

    falar de direitos de personalidade, no

    na perspectiva da personalidade como

    instantneo atributo de todo ser humano

    nativivo, assim regrado pelo art. 2 do

    nosso Cdigo Civil: A personalidade

    civil da pessoa comea do nascimento

    com vida, mas a lei pe a salvo, desde

    a concepo, os direitos do nascituro.

    Artigo que faz da vida humana ps-parto

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    um automtico centro subjetivado de

    direitos e obrigaes, estas ltimas

    pari passu ou em sintonia com o efetivo

    estdio mental de cada pessoa natural.

    No isso. Estou a falar de direitos

    de personalidade como situaes

    jurdicas ativas que o Direito

    Constitucional vai positivando como

    expresso de vida humana digna.

    Direitos subjetivos que so ditados em

    harmonia com o grau de avano cultural

    de cada povo, correspondendo ncora

    poltico-filosfica de que no basta ao

    ser humano viver; preciso faz-lo com

    dignidade. No como requisito de

    formao da personalidade, mas de sua

    justa e por isso mesmo imperiosa

    valorizao. Logo, direitos subjetivos

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    que densificam, entre ns, o princpio

    estampado no inciso III do art. 1 da

    nossa Constituio, no por acaso

    nominado como dignidade da pessoa

    humana. Mais ainda, direitos

    subjetivos que,antes de falar bem de

    toda e qualquer pessoa natural que os

    titularize, falam bem da prpria

    coletividade que os reconhece. Isto na

    medida em que tal coletividade se

    assume como capaz de conciliar, no bojo

    de sua prpria Constituio, a mais

    avanada democracia com o mais

    atualizado humanismo. Enfim, direitos

    subjetivos que, ainda assim positivados

    como dignificao da personalidade

    humana a partir de um certo grau de

    evoluo poltico-cultural desse ou

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    daquele povo soberano, admitem

    temperamentos quando do seu entrechoque

    eficcio-temporal com outros direitos

    da mesma ndole;

    II o segundo parntese para nos

    possibilitar dizer que essa hierarquia

    axiolgica, essa primazia poltico-

    filosfica das liberdades de pensamento

    e de expresso lato sensu afasta sua

    categorizao conceitual como normas-

    princpio (categorizao to bem

    exposta pelo jurista alemo Robert

    Alexy e pelo norte-americano Ronald

    Dworkin). que nenhuma dessas

    liberdades se nos apresenta como

    mandado de otimizao, pois no se

    cuida de realiz-las na maior medida

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    possvel diante das possibilidades

    fticas e jurdicas existentes (apud

    Virglio Afonso da Silva, em A

    CONSTITUCIONALIZO DO DIREITO Os

    direitos fundamentais nas relaes

    entre particulares, Malheiros

    Editores, pp. 32/35, 2 tiragem). Tais

    possibilidades no contam,

    simplesmente, porque a precedncia

    constitucional daquelas que se impe

    em toda e qualquer situao concreta.

    Assim na esfera de atuao do Estado

    quanto dos indivduos. Logo, valendo

    terminantemente para todas as situaes

    da vida em concreto, pouco importando a

    natureza pblica ou privada da relao

    entre partes, ambas as franquias

    constitucionais encarnam uma tipologia

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    normativa bem mais prxima do conceito

    de normas-regra; isto em considerao

    ao fato de que, temporalmente, e com o

    timbre da invariabilidade, preferem

    aplicao de outras regras

    constitucionais sobre direitos de

    personalidade. No para invalidar estes

    ltimos, mas para sonegar-lhes a nota

    da imediata produo dos efeitos a que

    se preordenam, sempre que confrontados

    com as liberdades de manifestao do

    pensamento e de expresso lato sensu.

    Mormente se tais liberdades se do na

    esfera de atuao dos jornalistas e dos

    rgos de comunicao social.

    57. Parnteses fechados, retomo o fio do

    raciocnio hermenutico-aplicativo para acrescentar

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    que toda a lgica dos comandos constitucionais

    brasileiros, na matria, ainda absorve uma outra

    interdio da faina legislativa do Estado. Refiro-

    me impossibilidade de produo de uma lei de

    imprensa, como tal entendido um diploma

    legislativo de feio orgnica ou estatutria.

    Diploma de mxima concentrao material, porquanto

    exauriente dos temas essencialmente de imprensa,

    alm daqueles de natureza perifrica ou

    circundante.

    58. Fcil demonstrar o acerto deste novo

    juzo. Primeiramente, sinta-se que as comentadas

    referncias constitucionais lei (e, por

    implicitude, funo executiva do Estado) para

    interdit-la quanto quilo que verdadeiramente

    interessa: dispor sobre as coordenadas de tempo e

    de contedo das liberdades de pensamento e de

    expresso em seu mais abrangente sentido

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    (liberdade de informao jornalstica ou matria

    essencialmente de imprensa, vimos dizendo).

    afirmar: para a nossa Constituio, o concreto uso

    de tais liberdades implica umquando, umcomo e um

    qu antecipadamente excludos da mediao do

    Estado, a partir da prpria funo legislativa.

    Confira-se, ainda uma vez, a prpria voz da nossa

    Magna Carta Federal:

    I Art. 220. A manifestao do

    pensamento, a criao, a expresso e a

    informao, sob qualquer forma,

    processo ou veculo no sofrero

    qualquer restrio, observado o

    disposto nesta Constituio (ou seja,

    observado apenas o que se contiver na

    prpria Constituio. No o que for

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    acrescentado por modo legislativo, ou

    executivo;

    1. Nenhuma lei conter dispositivo

    que possa constituir embarao plena

    liberdade de informao jornalstica em

    qualquer veculo de comunicao social,

    observado o disposto no art. 5, IV, V,

    X, XIII e XIV; (de novo, observado

    to-somente o disposto nos dispositivos

    constitucionais de logo citados);

    2. vedada toda e qualquer censura

    de natureza poltica, ideolgica e

    artstica (disposio tambm

    proibitiva de atuao mediadora do

    Estado, e que, em verdade, incorre numa

    redundncia somente explicvel pelo

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    deliberado intento da Constituio em

    se fazer expletiva, minudente,

    casustica, para que nenhuma dvida

    interpretativa restasse quanto pr-

    excluso estatal nos encarecidos

    quando, como e qu da liberdade

    de imprensa, com a nica ressalva,

    vimos dizendo, do direito de resposta).

    59. Ora, a razo de ser desse inequvoco

    bloqueio mediao estatal, a partir da funo

    legislativa (esse primeiro momento lgico da vida

    do Estado e do Direito), justamente a

    entronizao de sujeitos privados no gozo de

    franquias especificamente identificadas com toda

    concepo de imprensa livre. Franquias ou bens

    jurdicos ontologicamente de imprensa, porquanto

    constitutivos do que se poderia chamar,

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    aristotelicamente, de causa formal dela prpria.

    Visto que imprensa livre e desembarao total no

    desfrute das liberdades aqui exaladas so, para a

    nossa Constituio, uma coisa s. Uma realidade

    inapartvel. Por isso que seu regime jurdico tem

    na Constituio mesma um concomitante ponto de

    partida e de chegada. Sem abertura de espao para

    interposta legislao (quanto mais para a funo

    executiva do Estado!), o que deixa sem sentido a

    edio de uma lei estatutria que j se sabe

    proibida de dispor sobre condutas esse o ponto

    ontologica ou essencialmente de imprensa. Uma lei

    de imprensa que nada de axial ou elementarmente de

    imprensa pode conter.

    60. Acresce que, ainda na esfera dos bens

    jurdicos ontologicamente fundido