Misael Rádio Favela

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Hiroshima auditiva HÁ 30 ANOS, MISAEL AVELINO DOS SANTOS FAZ DO MICROFONE UM INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO E PROTESTO. POLÍTICOS, POLÍCIA E EMPRESÁRIOS DA MÍDIA NÃO ESCAPAM DA LÍNGUA AFIADA DO FUNDADOR DA RÁDIO FAVELA por Bruno Mateus fotos Bruno Senna Enquanto ele se reunia com amigos para queimar Judas no Sábado de Aleluia, a polícia subia o morro para impor o poder do Estado e “descer o cacete”. Nessa realidade do fim da década de 1970, um garoto contestador, então com 16 anos, usava o boneco do mais controverso discípulo de Cristo como símbolo de reivindicação. Foi nesse cenário hostil que Misael Avelino dos Santos decidiu dar voz aos moradores de uma terra de ninguém e criar, num pequeno quarto de um barraco no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, uma rádio comunitária, a Rádio Favela. Por conta disso, foi preso pela primeira vez aos 18 anos, “acusado de incomodar os aviões e até Brasí- lia”. A intenção era mesmo incomodar, denun- ciar e espalhar cultura e informação. No ar desde 1980, a Rádio Favela — que já foi a quarta mais ouvida de BH — é referência mundial, recebe visitas de curiosos e profissionais dos quatro cantos do mundo e inspirou o filme Uma onda no ar, levado ao cin - ema em 2002 por Helvécio Ratton. Com o reconhecimento, Misael, presidente de honra e fundador da rádio, já esteve na Espanha, em Portugal, na Alemanha, no Chile, na França, na Inglaterra, na Itália e nos Estados Unidos. No ano passado, ganhou o Prêmio de Comunicação da Europa 2009-2012 em Córdoba, na Espanha. “A imprensa de Belo Horizonte ainda não noticiou”, diz. O portão aberto é o convite à participação dos moradores e assim estava quando Misael, nascido e criado no morro há 50 anos, recebeu a Ragga na sede da rádio. Durante quase duas horas, ele falou sobre violência, infância, drogas, racismo e comunicação. “Mas tem uma coisa que não pode ficar de fora dessa entrevista”, disse. “A gente tem que criar, na nossa cidade, uma polícia para prender polícia. Tirar a parte podre, a banda po- dre. Essa é a pior droga que a gente tem e finge que não usa.” PERFIL

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Revista Ragga - Outubro 2010

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Hiroshima auditivaHÁ 30 ANOS, MISAEL AVELINO DOS SANTOS FAZ DO MICROFONE UM INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO E PROTESTO. POLÍTICOS, POLÍCIA E EMPRESÁRIOS DA MÍDIA NÃO ESCAPAM DA LÍNGUA AFIADA DO FUNDADOR DA RÁDIO FAVELA

por Bruno Mateus fotos Bruno Senna

Enquanto ele se reunia com amigos para queimar Judas no Sábado de Aleluia, a polícia subia o morro para impor o poder do Estado e “descer o cacete”. Nessa realidade do fim da década de 1970, um garoto contestador, então com 16 anos, usava o boneco do mais controverso discípulo de Cristo como símbolo de reivindicação. Foi nesse cenário hostil que Misael Avelino dos Santos decidiu dar voz aos moradores de uma terra de ninguém e criar, num pequeno quarto de um barraco no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, uma rádio comunitária, a Rádio Favela. Por conta disso, foi preso pela primeira vez aos 18 anos, “acusado de incomodar os aviões e até Brasí-lia”. A intenção era mesmo incomodar, denun-ciar e espalhar cultura e informação.

No ar desde 1980, a Rádio Favela — que

já foi a quarta mais ouvida de BH — é referência mundial, recebe visitas de curiosos e profissionais dos quatro cantos do mundo e inspirou o filme Uma onda no ar, levado ao cin-ema em 2002 por Helvécio Ratton. Com o reconhecimento, Misael, presidente de honra e fundador da rádio, já esteve na Espanha, em Portugal, na Alemanha, no Chile, na França, na Inglaterra, na Itália e nos Estados Unidos. No ano passado, ganhou o Prêmio de Comunicação da Europa 2009-2012 em Córdoba, na Espanha. “A imprensa de Belo Horizonte ainda não noticiou”, diz.

O portão aberto é o convite à participação dos moradores e assim estava quando Misael, nascido e criado no morro há 50 anos, recebeu a Ragga na sede da rádio. Durante quase duas horas, ele falou sobre violência, infância, drogas, racismo e comunicação. “Mas tem uma coisa que não pode ficar de fora dessa entrevista”, disse. “A gente tem que criar, na nossa cidade, uma polícia para prender polícia. Tirar a parte podre, a banda po-dre. Essa é a pior droga que a gente tem e finge que não usa.”

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sunto do dia. Todo mundo da comunidade participa 24h da rá-dio. Quando você chegou, o portão estava aberto, não estava? Quem quiser, vem aqui e faz. Às 13h, entra o programa É no Pagode, às 15h, tem o Tarde de Sucessos, que agora está no automático, às 20h, tem o Bolero do Lero Lero, que é show de bola. Nos finais de semana, os moradores que têm consciência de que devem participar, vêm e participam. Tem o programa do Sindicato dos Rodoviários, do Sindicato da Construção Civil, da Defensoria Pública e o informativo de hora em hora. De meia-noite às 4h, a rádio vai no robô.

A rádio foi ao ar em 1980, já no fim da ditadura. Quais os prob-lemas enfrentados naquele momento e como era a relação com a polícia?A ditadura acabou para o Ziraldo, para os brancos. Para as pes-soas que moram na periferia, não acabou. O problema sério que arrumamos foi com os empresários radiofônicos, que cri-aram uma implicância muito grande conosco. Várias vezes, fui acusado de ladrão. Inclusive, uma música dos Racionais MC’s tem um trecho que é uma fala minha: “Entrei pelo seu rádio, te roubei e você nem viu”. Fui a uma palestra e uma senhora me chamou de ladrão, disse que eu estava roubando ouvintes sem pagar imposto. A relação com a polícia até hoje não é boa, porque o corporativismo existe entre eles. As pessoas do governo do estado fazem um planejamento de que quem mora na favela tem o direito a ter um revólver apontado, ficar com a perna aberta e tomar chute. O Estado coloca no carro o em-blema GEPAR (Grupo Especializado em Policiamento de Áreas de Risco), mas área de risco a gente conhece no 199, que é o pessoal da Defesa Civil. E quem trabalha na Defesa Civil não usa arma. Isso é chato, porque você tem que passar seguran-ça para as gerações que são vindouras e não permanecer no medo, na senzala.

Você já foi preso várias vezes. Acontece perseguição política?É o que mais acontece. A rádio era considerada ilegal e provou para o mundo inteiro que tem aceitação, audiência e endereço. Quando a Rádio Favela entrou no ar pela primeira vez, só exis-tia uma rádio FM em Belo Horizonte. Para o governo continuar perseguindo, ele simplesmente obrigou que a rádio fosse legal-izada e foi um golpe. Com a concessão na mão, você é obrigado a entrar no jogo, entendeu? Depois de 20 anos brigando, deram a concessão [concessão verbal, a oficial saiu em 2006].

Como é sua rotina? Já mudei minha rotina várias vezes. Eu já tinha noção de que a rádio ia dar um boom e, depois que deu, tive que mudar minha

Como surgiu a ideia da Rádio Favela?A ideia da rádio surgiu a partir de uma brincadeira. No final da década de 1970, colocávamos o som no meio da rua no dia de Judas, Sábado de Aleluia. A gente colocava fogo no Judas e virava aquele protesto. Começou a virar tradição, juntava muita gente para ver o que a gente falava e escrevia em volta dos bonecos. Era época de ditadura, mas eu nem sabia direito o que era isso. Em 1977 ou 1978, criaram um batalhão chamado ROTAM (Rondas Táticas Metropolitanas) e aquilo deu entusi-asmo para fazer a rádio. A gente estava brincando, os caras chegavam quebrando tudo, e a rapaziada começou a reagir. Foi ali que surgiu a inspiração. Quando a rádio começou a falar as necessidades que o povo daqui tinha, começou a incomodar.

Nesse começo, vocês tiveram a ajuda de alguém?No início mesmo, não. Não sabíamos que era proibido reivin-dicar o que é seu, não tínhamos noção. Aqui era uma terra de ninguém. Existiam duas coisas: pessoas com venda nos olhos e os caras com fuzil na mão do lado de lá. O pretexto do pes-soal do governo era o de que todo mundo daqui era bandido. Depois de muitos anos brigando, o Pe. Tarcísio viu que estavam nos incomodando muito. Ele nos chamou, deu muitas orienta-ções e falou para segurarmos a onda porque tudo ia dar certo. Conseguimos coleta de lixo, abertura da rua, luz e água. Isso foi em 1981, 1982. Fizemos uma marcha na Av. Afonso Pena com mais de cinco mil favelados. A rádio foi evoluindo, mas a gente não colocava todo dia no ar, era só à noite ou nos finais de semana, por causa das complicações. O couro comia.

Quando a coisa começou a ficar séria, que vocês resolveram colocar a rádio para frente e aguentar as porradas que vocês tomariam?De 1988 para cá, chutei o pau da barraca. A favela inchou, um tumulto danado, índice de violência crescendo. Chamei as pessoas que gostavam da militância e todas toparam. Aí nós fomos para o jogo e foi quando a rádio incomodou mais ainda. Já tínhamos uma consciência política mais robusta e consegui-mos virar a situação.

Como é feita a programação da rádio e como a comunidade participa?Com locução, a rádio entra no ar às 5h. Até às 7h, toca músi-ca caipira. Das 7h às 10h, tem a programação que eu faço, chamada Super Popular. Depois, tem o programa Variedades, que conta com a participação de algum especialista do as-

O PAÍS ESTÁ ATRASADO, AS PESSOAS QUE ESTÃO NO CONGRESSO E NO SENADO ESTÃO NA IDADE DA PEDRA. ACHAM QUE TUDO TEM QUE PASSAR POR ELES E QUE NADA PODE TER O DOMÍNIO DO POVO

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rotina. Acordo, venho para a rádio, moro do lado. Então, chego aqui pouco antes das 6h, quando não chego às 5h. Aí, dou um rolé para saber o que está rolando, tenho umas fontes boas. Você coloca o cara com o cabelo em pé, porque é meio complicado reivindicar as coisas que os caras estão ganhando muito dinheiro em cima. Só esquecem que, enquanto eles têm lágrimas para derramar e covardia para fazer, estou vendendo lenço, construí uma fábrica de lenço.

Você sempre morou aqui?Nascido e criado aqui.

Como foi sua infância?A melhor infância do mundo. Se eu pudesse, teria umas três. Jogava bola e a melhor coisa da infância: não tinha nenhuma conta para pagar. Você não quer ter uma vida dessas, não? [risos] Aqui, tinha muita água, muito bicho. Hoje em dia, com esse tanto de barraco e gente, não tem mais. Tinha os campos [de futebol], a rapaziada com opinião e disposição de fazer. Agora é diferente, a geração é outra, que quer imitar o primeiro mundo só através do tubo. Na minha geração, o negócio era ouvir os mais velhos, discutir com os do meio e ir para cima para ver o que ia dar.

Vocês já tiveram problemas com traficantes aqui do Aglomerado?Olha, se eu te falar uma coisa você não vai acreditar.

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Todas as pessoas acham que dentro de favela tem traficante. Aqui, no Aglomerado da Serra, posso te falar de carteirinha que nunca vi nenhum. O que ouço desde moleque é que traficante paga conta dos outros, leva menino no médico, dá cadeira de rodas. Quem sabe a próxima geração verá um traficante? O que você vê são pessoas que fazem a venda de droga para sobre-viver, é um trabalhador comum, está exercendo um trabalho, pode ter um bem material que o outro não tem, um barraco melhor, mas não passa disso.

Como vocês tratam esse assunto na rádio?Com a maior naturalidade possível. Não sou eu, e nem pretendo ser, a pessoa que ajudará quem está vendendo droga. O país não tem serviço para todo mundo. A violência aqui era uma, depois que abriram uma avenida, deram emprego para as pes-soas, caiu 90%, pode consultar.

Muito se fala sobre a necessidade de democratizar a informa-ção no país. O que você acha da mídia brasileira?A mídia brasileira é tão atrasada que, até hoje, tem um pro-grama no rádio chamado Voz do Brasil. A ditadura é tão per-manente que até hoje tem. O país está atrasado, as pessoas que estão no Congresso e no Senado estão na idade da pedra. Acham que tudo tem que passar por eles e que nada pode ter o domínio do povo. Existe meia-dúzia de empresários da mídia que seguram tudo, é o império deles, eles não vão querer que o castelo de açúcar derreta de jeito nenhum.

A rádio sofreu ou ainda sofre censura?[risos] O dia em que parar de sofrer censura, Deus voltará para o mundo.

Censura direta na programação? Por parte de quem?Cara, quando começo a tocar em determinado assunto, me ligam direto no celular e pedem para eu dar uma maneirada. Teve um caso aqui bacana, uma ameaça que recebi. Foi de um vereador, o primeiro da história de Belo Horizonte que pode ser impugnado. A mídia não deu, jornais só deram notinhas. Teve uma fonte que me falou e eu soltei. Cara, o que recebi de tele-fonema. Não só da própria pessoa, mas também dos colabo-radores. Nesse dia, recebi uns 90 telefonemas. Eu informei, não falei nada para mais.

Vocês desenvolvem algum trabalho social aqui na comuni-dade?Muita gente confunde o local em que a rádio está situada e acredita que ela atende só aqui. A gente não faz trabalho so-cial só aqui. A rádio está chegando até Curvelo, então há uma demanda de trabalho social muito grande. Por exemplo, em Vespasiano, estava faltando água em quatro bairros. Enquanto lá faltava água, aqui do lado, na rua Caraça, tinha um tubo de mais de 100mm vazando há três dias. Nosso trabalho social mais forte é a porta aberta, cada um divulga o que quer.

A Rádio Favela pode ser ouvida na Região Metropolitana de Belo Horizonte e no mundo inteiro pela internet. Você acha que vocês conseguem passar essa mensagem para além da per-iferia?Tem duas leituras. A mensagem consegue chegar, mas não sei se ela surte efeito. Ela pode surtir efeito positivo ou negativo, mas ela chega, porque a gente recebe um retorno. A Rádio

Favela foi a primeira [de BH] a usar o digital no rádio. Nós já recebemos várias advertências e, agora, um processo, porque uma pessoa do asfalto, que tem uma rádio digital, tem com-plexo em relação à palavra favela. A Rádio Favela é a 10ª mais ouvida, era a oitava. Isso, por enquanto, porque a gente ainda vai chegar lá entre as quatro, posição na qual já estivemos.

Se a rádio é comunitária e sem fins lucrati-vos, como ela se sustenta? Uma rádio comunitária, por menor que seja, tem despesas. Você tem essa con-cessão de rádio comunitária e paga o projeto da rádio, fora a energia para a CEMIG; pagamos também uma instituição chamada ECAD (Escritório Central de Ar-recadação e Distribuição) para rodarmos as músicas. Você tem toda essa despesa e de onde tira essa receita? Aí vem o se-gundo pensamento, uma interpretação da maioria das pessoas. Elas pensam que a Rádio Favela, por estar situada na favela, não tem comercial e a receita vem do trá-fico. Todo mundo que vem aqui faz essa interpretação, mas temos que veicular in-stitucionais do governo para mantermos isso aqui, e a despesa é alta. Como te falei no início da conversa, nunca vi traficante aqui, mas se tivesse, eu pediria um dinheiro para bancar.

Ainda existe segregação racial e de classe no Brasil?Existe, é velada. Direto e reto acontece. Um dia, na Av. Bandei-rantes, uma senhora bem vestida, classe social diferente da minha, a cor da pele também. Ela jogou o carro em cima de mim, eu estava na minha motocicleta. Quando olhei, ela abriu o vidro do carro e fez assim [mostra a cor da pele], entendeu? Ela não falou, mas fez.

Pegando esse gancho, como o negro e o morador da periferia são tratados no Brasil?Cara, tem muita pessoa que tem a cor da pele não branca, mora dentro da periferia e acha que não é negro. Aí quando você encontra com as pessoas que trabalham no Estado, far-dadas de madrugada, elas falam: “Aí, negão, desce do carro”. O Estado te mostra quem você é, a cor da sua pele. Se você for concorrer a algum cargo ou serviço, o seu valor é diminuído. Eu não ando de táxi de madrugada, nem de ônibus, só ando a pé. Porque se você está no táxi, você é obrigado a descer por causa da sua cor de pele que não é branca.

VÁRIAS VEZES, FUI ACUSADO DE LADRÃO. INCLUSIVE, UMA MÚSICA DOS RACIONAIS MC’S TEM UM TRECHO QUE É UMA FALA MINHA: “ENTREI PELO SEU RÁDIO, TE ROUBEI E VOCÊ NEM VIU”

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Jogar boliche, se divertir, levar a namorada, juntar os amigos, queimarcalorias, desestressar, tomar um chopp, comemorar um aniversario,fazer um happy hour, comer bem. Tudo isso em um so lugar.

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Strike e quando vocêfaz tudo de uma vez. ~

Diversao sem parar~

A história da Rádio Favela inspirou o filme Uma onda no ar, que chegou ao cinema em 2002. Mudou alguma coisa de lá para cá?Agora temos um reconhecimento inter-nacional, as pessoas do asfalto, a maio-ria delas, conseguiu compreender o que é a rádio. Com o lançamento, entender-am que as pessoas daqui devem ter um acesso viável à comunidade, ninguém acreditou que um montão de gente vivia em seis ruas. Mudaram um pouco o trânsito, trocaram o barracão de algu-mas pessoas por microapartamentos, ganhamos uma micropraça e um pouco mais de consideração do governo do es-tado. O diálogo é distante ainda, com a prefeitura é legal.

Em Nairóbi, no Quênia, tem a rádio Koch, que surgiu em 2006 nos moldes da Rá-dio Favela. Existe intercâmbio com out-ras rádios comunitárias do Brasil e do mundo?A Rádio Favela é referência no mundo inteiro. Para ser referência, você tem que manter uma linha a qual muita gente sonhou e direcionou para aquilo. Algu-

mas mudanças foram feitas, a rádio segue uma tendência que é natural, mas a gente segue a mesma linha. Pessoas do Brasil inteiro vêm aqui beber na fonte, ver como funciona uma rádio e o pessoal dessa rádio do Quênia já esteve aqui. Recebi um convite para ir lá, mas ainda não tive tempo. Eles viram a rádio pelo filme. Pessoas de todo o mundo chamam a gente para participar de palestras em faculdades de comunicação, em ONGs internacionais.

Como você analisa o atual momento político do Brasil e qual caminho você vê para o futuro do país?O Brasil avançou, cada um puxa a sardinha para a sua brasa, mas o Brasil vem avançando desde o fim da ditadura, ninguém quer a ditadura mais. Tem os tropeços, a corrupção está aí, mas mel-horamos muito em matéria de escolha política. Ainda tem muita gente se es-condendo atrás de candidatura para se manter no poder e não ir para a cadeia.

Você tem pretensões políticas?No rádio, faço muita coisa que os caras poderiam fazer. Dou um norte para muita gente sem participar de jogo sujo. Você se arrepende de alguma coisa ou teria feito algo diferente?Tenho um arrependimento muito grande: de ter acreditado em certas pessoas. De-pois que você vê a outra cara da moeda, você se decepciona. O tempo é rei, só ele te mostra o que é e o que não é. Tem hora que, sem querer, você esfarela, mas quando fica difícil, você olha para trás, vê o que já percorreu e o negócio é ir em frente, voltar jamais, sem retorno. Vai capengando, mas ajoelhar, não.

Quando olha para esses 30 anos de Rá-dio Favela, o que você sente?Queria ter começado a rádio com a con-sciência que tenho hoje. Uma vez, li um artigo chamado “Hiroshima auditiva”. Eu ia ser realmente a Hiroshima, para explodir um bocado de gente que não presta.