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MODELAÇÃO DINÂMICA DO DESEMPENHO DO SISTEMA DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS AFLUENTE AO TERREIRO DO PAÇO, EM LISBOA Ana Cecília LOPES Bolseira de Investigação no Centro de Estudos de Hidrossistemas (CEHIDRO), Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos, Instituto Superior Técnico (IST/UTL), Avenida Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal, [email protected] Pedro PÓVOA SIMTEJO – Saneamento Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão, S.A., Avenida Defensores de Chaves 45, 1000-112 Lisboa, Portugal, [email protected] Filipa FERREIRA Professora Auxiliar, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal, [email protected] Miguel SOARES Aluno do Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal, [email protected] Vanda BARROSO SIMTEJO – Saneamento Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão, S.A., Avenida Defensores de Chaves 45, 1000-112 Lisboa, Portugal, [email protected] Ângela Sá SALGADO Aluna do Mestrado em Engenharia do Ambiente, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal, [email protected] Ricardo MACHADO Aluno do Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal, [email protected] José Saldanha MATOS Professor Catedrático, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal, [email protected] Resumo Com o aumento acentuado dos aglomerados urbanos, os sistemas de saneamento e drenagem de águas residuais não se encontram, frequentemente, preparados para receber o acréscimo de caudais, em grande parte devido a problemas de sub-dimensionamento, de operação e de manutenção. Tais situações são susceptíveis de potenciar o risco de inundações e descarga directa de caudais excedentes nas massas de água, sem qualquer tipo de tratamento, o que resulta em repercussões ao nível da segurança, saúde pública e qualidade da água nos meios receptores. Neste contexto, pode ser importante dispor de um sistema de monitorização e aviso do comportamento de infra-estruturas de saneamento que permita alertar atempadamente para a ocorrência de situações críticas. A presente comunicação respeita trabalho desenvolvido no âmbito do Projecto SIMAI – Sistemas de Monitorização e Aviso em Infra-Estruturas de Águas Residuais (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia), cujo objectivo principal é a concepção, instalação e operação de um sistema de

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MODELAÇÃO DINÂMICA DO DESEMPENHO DO SISTEMA DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS AFLUENTE AO TERREIRO DO

PAÇO, EM LISBOA

Ana Cecília LOPES Bolseira de Investigação no Centro de Estudos de Hidrossistemas (CEHIDRO), Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos,

Instituto Superior Técnico (IST/UTL), Avenida Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal, [email protected]

Pedro PÓVOA SIMTEJO – Saneamento Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão, S.A., Avenida Defensores de Chaves 45, 1000-112 Lisboa, Portugal,

[email protected]

Filipa FERREIRA Professora Auxiliar, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal,

[email protected]

Miguel SOARES Aluno do Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal,

[email protected]

Vanda BARROSO SIMTEJO – Saneamento Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão, S.A., Avenida Defensores de Chaves 45, 1000-112 Lisboa, Portugal,

[email protected]

Ângela Sá SALGADO Aluna do Mestrado em Engenharia do Ambiente, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal,

[email protected]

Ricardo MACHADO Aluno do Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico - UTL, Avenida Rovisco Pais, 1049-001Lisboa, Portugal,

[email protected]

José Saldanha MATOS Professor Catedrático, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal,

[email protected]

Resumo Com o aumento acentuado dos aglomerados urbanos, os sistemas de saneamento e drenagem

de águas residuais não se encontram, frequentemente, preparados para receber o acréscimo de caudais, em grande parte devido a problemas de sub-dimensionamento, de operação e de manutenção. Tais situações são susceptíveis de potenciar o risco de inundações e descarga directa de caudais excedentes nas massas de água, sem qualquer tipo de tratamento, o que resulta em repercussões ao nível da segurança, saúde pública e qualidade da água nos meios receptores. Neste contexto, pode ser importante dispor de um sistema de monitorização e aviso do comportamento de infra-estruturas de saneamento que permita alertar atempadamente para a ocorrência de situações críticas.

A presente comunicação respeita trabalho desenvolvido no âmbito do Projecto SIMAI – Sistemas

de Monitorização e Aviso em Infra-Estruturas de Águas Residuais (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia), cujo objectivo principal é a concepção, instalação e operação de um sistema de

monitorização e aviso de variáveis de desempenho de sistemas de águas residuais numa bacia experimental, que possa servir de guia às entidades gestoras para aplicação noutros locais. Foi seleccionado, como caso de estudo, o sistema de drenagem de águas residuais afluente ao Terreiro do Paço, dada a sua importância, dimensão e características e atendendo às importantes obras de saneamento recentemente realizadas pela SIMTEJO – Sistema Multimunicipal de Saneamento do Tejo e Trancão, S.A. na frente ocidental da cidade de Lisboa.

No âmbito da presente comunicação procede-se à apresentação de uma das primeiras etapas

do trabalho, que consiste no desenvolvimento do modelo do sistema de drenagem afluente ao Terreiro do Paço, incluindo as redes em “baixa” da cidade através da aplicação do modelo SWMM (Storm Water Management Model), desenvolvido pela EPA. O modelo é calibrado com base nos dados de monitorização recolhidos, em tempo real, pela SIMTEJO.

Palavras-Chave: Águas residuais, calibração, infra-estruturas de drenagem, modelação dinâmica.

1. INTRODUÇÃO

O crescimento urbano verificado nas últimas décadas tem potenciado situações de sobrecarga das redes de drenagem existentes, o que se traduz em situações de descarga directa de excedentes para o meio receptor e aumento do risco de inundações, cuja consequência imediata é a perda de bens materiais e riscos ao nível da saúde pública (como por exemplo o que ocorreu nas inundações de Fevereiro e Setembro de 2008, ocorridas em Alcântara e Albufeira, que trouxeram prejuízos de milhares de euros e riscos de perdas de vidas).

Na União Europeia, a protecção das massas de água receptoras tem-se tornado numa grande preocupação, já reflectida em legislação recente baseada na avaliação de riscos ambientais. A medição de taxas de escoamento (vazão), complementadas com dados de precipitação, são essenciais para a gestão do risco de inundações, bem como para reduzir o risco de contaminação do meio receptor (Bertrand-Krajewski et al, 2000). Várias tecnologias de medição de caudal estão actualmente disponíveis para escoamento em superfície livre (Larrarte, 2006), incluindo a medição de alturas e de velocidades de escoamento. A medição da velocidade do escoamento, através de sensores eletromagnéticos ou ultra-sónicos (dopplers), é uma tecnologia mais recente (EPA, 1975; EPA, 2006; Henriques et al, 2007).

Em Portugal, alguns dos principais sistemas de drenagem dispõem já de uma monitorização eficaz, incluindo medição dos caudais escoados, nomeadamente para efeitos de facturação. Contudo, ainda não se procede à previsão atempada da ocorrência de descargas directas de excedentes ou de inundações, em tempo de chuva.

Neste sentido, torna-se importante dispor de um sistema de monitorização e aviso de infra-estruturas de saneamento que permita actuar de forma correcta e eficaz perante a ocorrência de descargas directas de excedentes (com riscos associados de contaminação e poluição dos meios receptores), escoamento superficial de caudais que não afluem ao sistema de drenagem (por insuficiente capacidade dos dispositivos interceptores ou por entrada em carga da rede de colectores), inundações (situação mais gravosa no que se refere a danos materiais, questões de saúde pública e eventuais riscos de perda de vidas). É neste contexto que surge o Projecto SIMAI – Sistemas de Monitorização e Aviso em Infra-Estruturas de Águas Residuais (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT). O projecto visa o desenvolvimento (concepção, instalação e operação) de um sistema de monitorização e aviso numa bacia experimental, no Terreiro do Paço, em Lisboa, e incide sobre duas componentes: quantidade (monitorização e aviso de inundações, em tempo real, para suporte de serviços de protecção civil) e qualidade (monitorização e aviso de descargas, com estimativa das cargas poluentes no meio receptor). Este sistema de monitorização e aviso pretende incluir o registo, em contínuo, da precipitação e das condições de escoamento em locais críticos, a transmissão de dados e tratamento da informação recolhida, e o accionamento de um sistema de aviso (sonoro ou luminosos) em caso de inundação ou de descargas de excedentes contaminados.

No âmbito da presente comunicação procede-se à apresentação de uma das primeiras etapas do trabalho, que consiste no desenvolvimento do modelo do sistema de drenagem afluente ao Terreiro do Paço, incluindo as redes em “baixa” da cidade através da aplicação do modelo SWMM (Storm Water Management Model), desenvolvido pela EPA. O modelo é calibrado com base nos dados de monitorização recolhidos, em tempo real, pela SIMTEJO.

2. CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO

2.1. Aspectos gerais

A rede de colectores e interceptores que constitui o sistema de águas residuais de Lisboa apresenta, na sua maioria, trechos unitários. Adicionalmente, a diversidade de infra-estruturas que integra, tais como descarregadores, instalações elevatórias, válvulas de maré e sifões invertidos, contribui para a elevada complexidade do Sistema Interceptor de Lisboa.

Afluem à ETAR de Alcântara três frentes de drenagem: Algés-Alcântara, Cais do Sodré-Alcântara, e Terreiro do Paço-Alcântara. Foi seleccionado, como caso de estudo, o sistema de drenagem de águas afluente ao Terreiro do Paço, devido à sua importância, dimensão e características, mas também por este sistema ter sofrido recentemente obras de saneamento na frente ocidental da cidade de Lisboa, por parte da SIMTEJO, S.A. Este sistema de drenagem serve as bacias J e L (respectivamente, Av. da Liberdade e Av. Almirante Reis), bem como a bacia M1 (Santa Apolónia), como indicado na Figura 1.

Figura 1 – Rede conceptual do sistema de drenagem Terreiro do Paço-Alcântara.

A frente de drenagem Terreiro do Paço-Alcântara é constituída por uma rede unitária de

colectores e contempla um conjunto de infra-estruturas recentes com alguma complexidade, entre as quais se destacam as câmaras de válvulas (de maré e de controlo de caudal, incluído descarregadores de caudais em excesso) da R. do Ouro e da R. da Prata/R. Augusta, a Estação Elevatória (EE) das Agências e o respectivo emissário submarino. Embora o caudal de ponta de tempo seco da bacia de drenagem seja de 0,55 m3/s, durante a ocorrência de precipitações relativamente frequentes, é comum afluírem ao Terreiro do Paço caudais superiores a 30 m3/s. As câmaras de válvulas da R. do Ouro e da R. da Prata/R. Augusta encontram-se projectadas para efectuar o desvio, em tempo seco, de 2,2 m3/s, a EE das Agências eleva duas vezes o caudal de ponta de tempo seco para jusante (1,1 m3/s), para a ETAR de Alcântara. O emissário submarino, que descarrega no estuário do Tejo, constitui uma segurança adicional e possibilita a descarga de 1,1 m3/s.

ETAR de Alcântara

Bacia M1

Bacia L Bacia J

2.2. Caracterização sumária dos colectores

De acordo com a informação cadastral e o Plano Geral de Drenagem de Lisboa (Chiron, Engidro e Hidra, 2006), a rede de drenagem da cidade de Lisboa integra colectores municipais (rede “em baixa”) e interceptores (rede “em alta”). A rede de colectores municipais tem cerca de 1 440 km e apresenta, maioritariamente, uma secção circular, com diâmetros que variam entre os 200 e os 6000 mm. Encontram-se, ainda, registados no cadastro mais de 42 000 câmaras de visitas normais, 2 200 câmaras de visita cega e 2 700 pontos de sondagem. A percentagem de registos com informação completa sobre cotas de soleira é da ordem dos 70%.

No âmbito do Projecto SIMAI, optou-se por modelar, para além do sistema interceptor do Terreiro do Paço, os colectores municipais principais, ou seja, com diâmetro superior a 600 mm, bem como a rede de drenagem da Baixa Pombalina. Na totalidade, são assim considerados para efeitos de modelação, no âmbito deste estudo, 13,6 km de colectores.

Verificou-se algumas discrepâncias e lacunas de informação constante no Cadastro, que foram preenchidas, na medida do possível, com os dados constantes no Plano Geral. As principais lacunas dizem respeito à falta de informação sobre cotas de terreno, cota (ou profundidade) da soleira, tipo de secção, material do colector e seu estado de conservação. Nos troços da rede em que existe falta de informação referente a profundidades de soleira e cotas de terreno, as lacunas foram supridas atendendo aos declives médios dos troços de montante e jusante e à informação existente nas caixas de visita vizinhas.

2.3. Caracterização das bacias de drenagem

Tal como referido anteriormente, foram consideradas duas bacias principais, J e L (com 251 ha e 347 ha, respectivamente), e a bacia M1.

A rede conceptual da bacia J tem uma extensão aproximada de 8,3 km, compreende 31 troços e engloba 13 sub-bacias, servindo aproximadamente 18 000 habitantes. É constituída por dois colectores principais, um que drena a sub-bacia da Av. da Liberdade e outro a R. de Santa Marta. Ao longo da Av. da Liberdade desenvolvem-se paralelamente dois colectores, que se interceptam na R. 1º de Dezembro, o colector daí resultante passa pela R. do Ouro e descarrega no Tejo com uma secção de 2 200 mm. O colector que tem início na R. de Santa Marta, desenvolve-se pela R. das Portas de Santo Antão, passa pela R. Augusta e descarrega também no Tejo.

A rede conceptual da bacia L tem uma extensão aproximada de 4,6 km, compreende 22 troços e engloba 7 sub-bacias, servindo aproximadamente 58 400 habitantes. A rede conceptual inclui um colector principal que tem origem na Calçada de Arroios, passa pelo Martim Moniz e pela R. da Prata, descarregando no rio Tejo. Existem dois troços afluentes a este colector: o que tem origem na Praça do Chile, e se desenvolve pela R. António Pedro; e o colector que drena a Av. Almirante de Reis e intercepta o colector principal no Martim Moniz.

2.4. Caracterização das infra-estruturas especiais

2.4.1. Câmaras de válvulas de maré e de controlo de caudal

A câmara de válvulas da R. do Ouro, que recebe os caudais transportados pelos colectores da bacia J (correspondentes à sub-bacia da Av. da Liberdade), apresenta uma área de cerca de 130 m2, dividida por três compartimentos (Figura 2). No primeiro compartimento efectua-se o desvio dos caudais de tempo seco para o sistema afluente ao sistema interceptor. No segundo compartimento estão instaladas as quatro válvulas de maré circulares junto à soleira da câmara e duas rectangulares

junto da cobertura, (instaladas na parede de separação com o primeiro compartimento). Lateralmente, existe ainda um terceiro compartimento no qual se encontra instalada uma válvula de controlo de caudal, destinada a limitar o caudal desviado a duas vezes o caudal de ponta de tempo seco.

Figura 2 – Planta da câmara de válvulas da R. do Ouro.

À câmara de válvulas da R. Augusta/R. da Prata, apresentada na Figura 3, afluem os caudais

transportados pelos colectores da bacia J (da R. das Portas de Santo Antão) e da bacia L (da Av. Almirante Reis). Funcionalmente, a câmara apresenta uma organização idêntica à descrita anteriormente. Contudo, apresenta uma dimensão significativamente superior, ocupando uma área de cerca de 295 m2. Dispõe de doze válvulas de maré na parede de separação entre o primeiro e segundo compartimento (seis de secção rectangular junto à cobertura da câmara e seis de secção circular junto da soleira) e uma válvula de controlo de caudal instalada no terceiro compartimento.

Figura 3 – Planta da câmara de válvulas da Rua Augusta / Rua da Prata.

As válvulas de maré montadas nas duas câmaras são de dois tipos distintos, consoante a sua

cota de implantação: bico de pato (implantadas à cota de soleira da câmara), e tipo batente (implantadas à cota mais alta). As válvulas tipo batente funcionam como redundância a uma eventual obstrução das válvulas de bico de pato, possibilitando ainda a maximização da secção transversal de escoamento. As válvulas de controlo de caudal, montadas nas câmaras da R. do Ouro, permitem desviar a totalidade dos caudais domésticos afluentes ao Terreiro do Paço.

2.4.2. Estação elevatória das Agências

A EE das Agências inclui dois canais de gradagem, poço húmido, quatro grupos electrobomba, câmara de carga do emissário submarino, emissário submarino, by-pass à estação elevatória e by-pass ao emissário submarino. Dispõe ainda de quatro grupos electrobomba, com caudal unitário de 550 l/s, a que corresponde um caudal de elevação máximo de 2 200 l/s.

A concepção da EE prevê o funcionamento em tempo seco e tempo húmido. Em tempo seco, as águas residuais são elevadas por intermédio de duas bombas (com funcionamento alternado) a que correspondem os primeiros níveis de arranque no poço húmido, podendo o caudal afluente variar entre 200 l/s e 500 l/s. Na ocorrência de um evento de precipitação, à medida que o caudal afluente aumenta até 1 100 l/s, procede-se à elevação das águas residuais para tratamento na ETAR de Alcântara. A partir de 1100 l/s, a terceira e a quarta bomba entram em funcionamento para elevação das águas residuais para a carga do emissário submarino, sendo então descarregadas a 150 m da margem. O nível na câmara de carga depende do nível do rio Tejo. Em caso de avaria ou chegada de caudal afluente superior a 2 200 l/s, o interceptor a montante entra em carga, realizando-se um by-pass à estação elevatória.

3. CONSTRUÇÃO DO MODELO

3.1. Notas introdutórias

Os programas que simulam o comportamento dos sistemas de drenagem modelam o escoamento dinâmico, incluindo os modelos hidrológicos e hidráulicos, resolvem as equações completas de Saint-Venant e, na sua maioria, podem ser aplicados à modelação do escoamento superficial, do escoamento com superfície livre (em canais e colectores), especialmente em condições críticas tais como inversões de fluxo, efeitos de jusante, escoamento sob pressão, qualidade da água e transporte de sedimentos.

Estes modelos permitem modelar diversas variáveis como a altura e velocidades do escoamento, entre outros parâmetros, e possibilitam a simulação de diversas medidas de beneficiação do sistema com vista à redução de inundações e ao controlo de descargas directas de excedentes. Os modelos mais conhecidos são o HydroWorks/Infoworks, MOUSE e SWMM (Amorim, 2008; citando Ferreira, 2006).

Os fenómenos relacionados com a qualidade da água e o transporte da poluição são usualmente simulados com base em relações físicas e dados estatísticos (Ferreira, 2006; Bertrand-Krajewski et al., 2007). De facto, a maior parte dos estudos relativos a cargas poluentes provenientes de inundações abordam o problema sob o ponto de vista estatístico (e.g Liu et al, 2005; Mourad et al 2005).

3.2. Descrição sumária do programa utilizado

O SWMM (Storm Water Management Model) é um modelo de simulação dinâmica de precipitação-vazão, utilizado para eventos únicos ou contínuos, que permite o estudo de escoamentos em áreas urbanas, seja ao nível de quantidade, seja ao nível de qualidade. A componente de escoamento (runoff) opera sobre um conjunto de bacias (subcatchments) gerando cargas de poluentes e escoamento superficial, após a ocorrência de precipitação. Este escoamento é, de seguida, transportado através de um sistema de colectores, dispositivos de armazenamento/tratamento, bombas e reguladores. O modelo acompanha, assim, a quantidade e qualidade do escoamento superficial gerado em cada bacia pluvial, a velocidade e profundidade do escoamento e a qualidade da água em cada conduta durante um período de simulação (Rossman, 2010).

O SWMM foi desenvolvido pela primeira vez em 1971 pela U.S. EPA (United States Environmental Protection Agency) e desde então tem sido sujeito a diversas actualizações. O programa é reconhecido por ser o freeware mais detalhado para estudos de águas pluviais, pois permite uma boa gestão ao nível das infra-estruturas dos sistemas de drenagem, de forma a melhorar a sua operação e manutenção. A versão mais recente, e utilizada no âmbito do presente estudo, é a versão 5.0.022.

O SWMM utiliza udómetros (Rain Gages) para representar a precipitação que entra no sistema, sendo a superfície do solo representada por uma ou mais bacias de drenagem (Subcatchments). O escoamento ao longo do sistema propaga-se por uma rede com elementos de transporte, colectores (Conduits), câmaras de visita (Juctions), orifícios (Orifices), descarregadores (Weirs), válvulas de regulação de caudal (Outlets) e unidades de armazenamento (Storage Units), que armazenam água para ser bombeada para cotas superiores através dos grupos electrobombas (Pumps). Os colectores transportam a água para os pontos de rejeição (Outfalls) ou para as instalações de tratamento.

3.3. Construção do modelo

Com base na informação constante do Cadastro de Infra-estruturas de Drenagem e do Plano Geral de Drenagem de Lisboa, procedeu-se à compilação dos dados numa base Excel. Após a respectiva validação, os mesmos foram introduzidos no programa SWMM, para construção do modelo tipológico propriamente dito (Figura 4).

Figura 4 – Modelo SWMM da área em estudo (Bacias J e L, afluentes ao Terreiro do Paço)

Para a câmara de válvulas da R. do Ouro, a representação no modelo matemático (ilustrada na Figura 5) consistiu em dois reservatórios, ligados por dois outlets (duas válvulas bicos de pato) e dois orifícios (duas válvulas de batente), sendo o desvio das águas residuais para a EE das Agências realizado no reservatório de montante através de um outlet (válvula de controlo de caudal).

Figura 5 – Modelo da câmara de válvulas da R. do Ouro.

Para a câmara de válvulas da R. Augusta/R. da Prata, a representação no modelo matemático (ilustrada na Figura 6) consistiu em dois reservatórios, ligados por seis outlets (seis válvulas bicos de pato) e seis orifícios (seis válvulas de batente), sendo o desvio das águas residuais para a EE das Agências realizado no reservatório de montante através de um outlet (válvula de controlo de caudal).

Figura 6 – Modelo da câmara de válvulas da R. Augusta/R. da Prata.

Tal como referido anteriormente, as válvulas bico de pato foram representadas no modelo matemático como outlets, considerando curvas tipo Tabular/Depth (tal como representado na Figura 7) que têm em conta a respectiva perda de carga.

Figura 7 – Perda de carga relativa à válvula de maré de bico de pato DN1800 da câmara de válvulas de

maré da Rua Augusta/Rua da Prata.

As válvulas de batente foram representadas no modelo matemático através de orifícios. Considerando-se que a perda de carga introduzida pelo obturador da válvula é muito reduzida, foi adoptada a curva de vazão de um orifício e inseridas as respectivas dimensões.

No que se refere às válvulas de controlo de caudal, e atendendo a que se trata de válvulas do tipo flutuador, que limitam o caudal máximo independentemente da carga hidráulica a montante, a representação no modelo foi realizada com outlets, com curvas de vazão do tipo Tabular/Depth (representadas na Figura 8).

Figura 8 – Curva da válvula de controlo de caudal da câmara de válvulas da R. Augusta/R. da Prata.

No que se refere à EE das Agências e respectivo emissário submarino, foi considerado o modelo representado na Figura 9. O comando automático dos grupos electrobomba é feito em função dos níveis do efluente no poço de bombagem, tendo sido introduzido no modelo as regras de funcionamento das quatro bombas, a que correspondem, na prática, os respectivos níveis de arranque e paragem.

Figura 9 – Modelo da EE das Agências e do emissário submarino.

3.4. Solicitações ao modelo

3.4.1. Hidrograma padrão de tempo seco

O hidrograma padrão de tempo seco, apresentado na Figura 10, foi definido utilizando a metodologia apresentada por Póvoa e David (2010), com base nos dados de volumes diários e na

variação diária dos caudais medidos, referindo-se aos caudais médios dos dias úteis e de fim-de-semana.

Figura 10 – Hidrograma padrão de tempo seco referente ao medidor do interceptor doméstico do

Terreiro do Paço.

3.4.2. Precipitações e níveis de maré

Como solicitação do sistema de drenagem em tempo húmido foi considerado um evento pluviométrico que corresponde ao hietograma de projeto desenvolvido por Matos (1987), ilustrado na Figura 11, com as seguintes características principais:

• duração total de 4 horas; • período intenso centrado e de intensidade constante (V2) de duração entre 10 e 60 minutos; • relação volumétrica entre os períodos que antecedem e precedem o período mais intenso:

V1=1,5 x V3. Para determinação do volume total do hietograma, recorreu-se às curvas IDF (I=a.tcb), admitindo

um período de retorno de 2 anos. O volume do bloco V2 foi determinado adoptando uma duração de 60 minutos.

Figura 11 – Hietograma de projecto, para um período de retorno de 2 anos.

Em simultâneo com o evento pluviométrico foi ainda simulado o efeito de maré nos pontos de descarga. Os níveis de maré foram definidos com base nos dados de medição de nível do medidor instalado a jusante da câmara de válvulas da R. Augusta/R. da Prata, no colector pluvial cuja descarga

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ocorre em frente do Torreão Poente. Na Figura 12 indicam-se os níveis de maré adoptados para um período de 20 dias.

Figura 12 – Níveis de maré.

4. APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

A presente comunicação tem como objecto principal a divulgação de uma das primeiras etapas do Projecto SIMAI, ou seja, o desenvolvimento do modelo do sistema de drenagem afluente ao Terreiro do Paço através da aplicação SWMM. A apresentação de resultados é, pois, referente a uma fase ainda inicial do desenvolvimento dos trabalhos.

A calibração de caudais de tempo seco foi realizada com base nos registos do medidor de caudal (e de alturas de escoamento) situado no interceptor doméstico do Terreiro do Paço, tal como ilustrado na Figura 13.

Figura 13 – Scatter-graph do medidor do interceptor doméstico do Terreiro do Paço em Março de 2012.

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Nív

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Tempo (dias)

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Apresentam-se, a título exemplificativo, os perfis da câmara de válvulas de maré da Rua do Ouro em situação de tempo seco e preia-mar, e em situação de tempo húmido e preia-mar (Figuras 14 e 15), bem como ao perfil hidráulico do colector unitário (desde o cruzamento da Rua do Ouro com a Rua da Assunção) para o pico de caudal associado ao mesmo evento de precipitação. Verifica-se a descarga de excedentes durante a ocorrência de precipitações.

A Figura 16 ilustra o perfil hidráulico do interceptor doméstico do Terreiro do Paço, a jusante das câmaras de válvulas de maré e de controlo de caudal e incluindo a EE das Agências e o emissário submarino.

Figura 14 – Perfil da câmara da R. do Ouro em situação de tempo seco e preia-mar.

Figura 15 – Perfil da câmara da R. do Ouro em situação de tempo húmido e preia-mar.

Figura 16 – Perfil do interceptor doméstico a jusante das câmaras de válvulas de maré e de

controlo de caudal do Terreiro do Paço.

Por último, apresenta-se na Figura 17 o perfil do colector da Av. da Liberdade, para a

precipitação considerada.

Figura 17 – Perfil do colector da Av. da Liberdade, em tempo de chuva.

5. CONCLUSÕES E TRABALHO FUTURO

No âmbito da presente comunicação procede-se à apresentação de uma das primeiras etapas do Projecto SIMAI, que se destina ao desenvolvimento (concepção, instalação e operação) de um sistema de monitorização e aviso numa bacia experimental, no Terreiro do Paço, em Lisboa. A primeira etapa do projecto, que consiste no desenvolvimento do modelo do sistema de drenagem afluente ao Terreiro do Paço e na sua calibração para tempo seco, encontra-se concluída, podendo-se verificar que o modelo corresponde aos resultados previstos.

O passo seguinte consiste em calibrar o modelo face à ocorrência de precipitações, com base nos registos em contínuo de udómetros adquiridos e instalados no âmbito deste projecto (um instalado no Terreiro do Paço, na cobertura do Ministério da Agricultura, e outro no Instituto Superior Técnico), e recorrendo também aos medidores de nível e de caudal instalados nas infra-estruturas do Terreiro do Paço. A etapa final do projecto será a construção da plataforma e sistema de aviso da ocorrência de eventos críticos (inundações e/ou descarga de excedentes contaminados).

AGRADECIMENTOS

O trabalho apresentado foi desenvolvido no âmbito do Projecto SIMAI, “Sistemas de Monitorização e Aviso em infra-estruturas de drenagem urbana”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/AAC-AMB/102634/2008).

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