MODELAGEM COMPUTACIONAL COM LÓGICA FUZZY DA … · escape de pessoas em ambientes construídos...

15
SIMMEC/EMMCOMP 2014 XI Simpósio de Mecânica Computacional II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional Juiz De Fora, MG, 28-30 de Maio De 2014 MODELAGEM COMPUTACIONAL COM LÓGICA FUZZY DA MOVIMENTAÇÃO DE PESSOAS: DETERMINAÇÃO E RELEVÂNCIA DE ASPECTOS ERGONÔMICOS CINEMÁTICOS Henrique C. Braga, Gray F. Moita [email protected], [email protected] Programa de Pós-Graduação em Modelagem Matemática e Computacional (PPGMMC) Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) Av. Amazonas 7675, Nova Gameleira, Belo Horizonte, CEP 30510-000, MG, Brasil Resumo. Um dos principais parâmetros relacionados com a movimentação humana são os aspectos cinemáticos, biomecânicos e antropométricos das pessoas. Este trabalho tem como objetivo geral contribuir no conhecimento de alguns destes aspectos, especificamente na relação entre a velocidade de deslocamento, distância entre pessoas e respectiva densidade populacional. Inicialmente, é realizada uma breve descrição do programa computacional FUGA, que utiliza a lógica Fuzzy para emulação do processo de tomada de decisão humana, para simulação do abandono de ambientes. Com este programa, são realizadas simulações computacionais do abandono de um ambiente em forma de um corredor reto de 5 m de largura por 100 m de comprimento para populações de 200 e 400 pessoas com o objetivo de melhor se visualizar o reflexo dos fenômenos ergonômicos cinemáticos sobre o perfil do escape. É, então, realizado um estudo empírico e numérico de dados já estabelecidos na literatura sobre a evolução da velocidade normal de deslocamento em função da distância entre pessoas, resultando na obtenção de novas equações gerais. Essas equações são tratadas de forma a também se obter uma equação que relacione a velocidade normal de deslocamento com a densidade populacional. É apresentado um gráfico onde se pode verificar, para uma dada condição de velocidade de deslocamento e de densidade populacional, se a movimentação acontece em situação de segurança, de normalidade ou em situação acelerada. Estas novas informações obtidas poderão ser úteis no auxílio à concepção de projetos arquitetônicos de ambientes construídos mais seguros. Palavras-chaves: Modelagem computacional, Lógica Fuzzy, Ergonomia, Cinemática, Movimentação de pessoas.

Transcript of MODELAGEM COMPUTACIONAL COM LÓGICA FUZZY DA … · escape de pessoas em ambientes construídos...

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional

II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

Juiz De Fora, MG, 28-30 de Maio De 2014

MODELAGEM COMPUTACIONAL COM LÓGICA FUZZY DA

MOVIMENTAÇÃO DE PESSOAS: DETERMINAÇÃO E RELEVÂNCIA

DE ASPECTOS ERGONÔMICOS CINEMÁTICOS

Henrique C. Braga, Gray F. Moita

[email protected], [email protected]

Programa de Pós-Graduação em Modelagem Matemática e Computacional (PPGMMC)

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)

Av. Amazonas 7675, Nova Gameleira, Belo Horizonte, CEP 30510-000, MG, Brasil

Resumo. Um dos principais parâmetros relacionados com a movimentação humana são os

aspectos cinemáticos, biomecânicos e antropométricos das pessoas. Este trabalho tem como

objetivo geral contribuir no conhecimento de alguns destes aspectos, especificamente na

relação entre a velocidade de deslocamento, distância entre pessoas e respectiva densidade

populacional. Inicialmente, é realizada uma breve descrição do programa computacional

FUGA, que utiliza a lógica Fuzzy para emulação do processo de tomada de decisão humana,

para simulação do abandono de ambientes. Com este programa, são realizadas simulações

computacionais do abandono de um ambiente em forma de um corredor reto de 5 m de

largura por 100 m de comprimento para populações de 200 e 400 pessoas com o objetivo de

melhor se visualizar o reflexo dos fenômenos ergonômicos cinemáticos sobre o perfil do

escape. É, então, realizado um estudo empírico e numérico de dados já estabelecidos na

literatura sobre a evolução da velocidade normal de deslocamento em função da distância

entre pessoas, resultando na obtenção de novas equações gerais. Essas equações são tratadas

de forma a também se obter uma equação que relacione a velocidade normal de deslocamento

com a densidade populacional. É apresentado um gráfico onde se pode verificar, para uma

dada condição de velocidade de deslocamento e de densidade populacional, se a

movimentação acontece em situação de segurança, de normalidade ou em situação acelerada.

Estas novas informações obtidas poderão ser úteis no auxílio à concepção de projetos

arquitetônicos de ambientes construídos mais seguros.

Palavras-chaves: Modelagem computacional, Lógica Fuzzy, Ergonomia, Cinemática,

Movimentação de pessoas.

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

1 INTRODUÇÃO

Praticamente todas as pessoas ocupam e se movem em e entre ambientes construídos ou

urbanos, sejam pelo trabalho, moradia, escola, lazer, durante toda a vida. Assim, a interação

com estes ambientes artificiais é de fundamental relevância na manutenção da nossa

qualidade de vida. O design arquitetônico destes ambientes tem uma enorme importância,

tanto pela sua influência no custo quanto na segurança da movimentação. Ambientes tais

como cinemas, metros, igreja, boates e auditórios são potencialmente perigosos devido à

intrínseca alta taxa de ocupação. Devido a esta importância, existe uma série de critérios

normativos e legais mínimos a serem considerados nos projetos de edificações e espaços

urbanos. Recentemente, aconteceu no Brasil uma grande tragédia, ocorrida na boate Kiss em

Santa Maria - RS, com mais de 240 fatalidades (CREA-RS, 2013). Como normalmente

acontece em tragédias desta magnitude e espécie, são muitos os fatores responsáveis pelo

sinistro e sua dimensão alcançada. Assim, apesar do conhecimento já estabelecido sobre o

assunto, acontecimentos como o de Santa Maria mostram que muitas lacunas ainda existem

sobre o assunto.

As nuanças envolvidas no processo de movimentação humana são complexas e

multidisciplinares, envolvendo os mais diversos aspectos tais como físicos, ambientais,

biológicos, organizacionais e mentais. Estes parâmetros possuem sinergia entre si, são

individuais e específicos (cada pessoa e situação são únicas), ao mesmo tempo em que do

grupo (efeitos coletivos e sociais), são dinâmicos (podem mudar radicalmente durante o

decorrer do fenômeno) e são muitas vezes emergentes. O processo que engloba a

movimentação humana está incluso em um sistema ergonômico complexo. Um dos principais

parâmetros relacionados com a movimentação humana são os aspectos cinemáticos,

biomecânicos e antropométricos das pessoas em fuga. Este trabalho tem como objetivo geral

contribuir no conhecimento de alguns destes aspectos, especificamente na relação entre a

velocidade de deslocamento, distância entre pessoas e na respectiva densidade populacional.

Inicialmente, são realizadas simulações computacionais da movimentação humana em

ambientes construídos com o programa FUGA. O programa FUGA foi desenvolvido no

CEFET-MG (Braga, 2012), e se baseia numa modelagem celular, utilizando da lógica Fuzzy

para emular o processo de tomada de decisão humana durante o escape de um ambiente e no

atendimento a preceitos ergonômicos, de forma que os resultados fiquem mais coerentes com

a realidade. Um maior detalhamento deste programa é apresentado. São realizadas simulações

de escape em um ambiente em forma de um corredor reto de 5 m de largura por 100 m de

comprimento para populações de 200 e 400 pessoas. Pelas simulações, se pode observar a

formação de colunas de deslocamento através do gradual distanciamento entre as pessoas até

um valor de equilíbrio como resultado da dependência entre a velocidade de deslocamento e a

distância entre pessoas.

É, também, realizado um estudo empírico e numérico de dados já estabelecidos na

literatura sobre a evolução da velocidade normal de deslocamento em função da distância

entre pessoas, resultando na obtenção de novas equações constitutivas e de outros parâmetros,

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

corroborando os resultados obtidos nas simulações computacionais. Essas equações são

tratadas de forma a também se obter equações que permitam relacionar a velocidade normal

de deslocamento com a densidade populacional. É, então, apresentado um gráfico onde é

possível verificar, para uma dada condição de velocidade de deslocamento e de densidade

populacional, se a movimentação acontece em situações de maiores riscos, ou não, para as

pessoas envolvidas.

2 FUNDAMENTAÇÃO

2.1 O programa FUGA

Apesar de existirem uma série de critérios normativos e legais mínimos a serem

considerados no dimensionamento de um ambiente, a existência de um programa

computacional confiável pode, complementarmente a utilização dos códigos pertinentes, ser

de grande valia para se encontrar situações mais seguras ou menos perigosas, já que os

códigos são generalistas e podem não serem adequados a situações específicas. Além disso,

projetos baseados em desempenho (Claret & Mattedi, 2011) podem se beneficiar em muito

deste tipo de programa. Assim, estudos sobre a otimização destes ambientes assim como

diversos programas sobre a simulação do escape de ambientes já foram conduzidos e/ou

implementados (Tavares & Galea, 2009; Kobes et al., 2010). Entretanto, existe ainda grande

lacuna a ser preenchida nestes estudos e modelos, principalmente no que se concerne à

incorporação de comportamentos relativos à natureza humana (Schadschneider et al., 2009).

No CEFET-MG, foi desenvolvido um programa computacional para a simulação do

escape de pessoas em ambientes construídos denominado de FUGA, atualmente na sua versão

0.6.2. Este programa foi implementado para o ambiente Matlab®. Sua concepção foi feita por

uma modelagem celular considerando como paradigmas a ergonomia e a lógica Fuzzy.

A movimentação de pessoas é um processo complexo no qual as mais diversas facetas

estão envolvidas (físicas, organizacionais, psicológicas, ambientais, dentre outras). A

abordagem ergonômica do processo de movimentação de pessoas permite que estas variáveis

envolvidas sejam devidamente valoradas, de modo que os resultados do programa busquem

ser coerentes com a realidade.

Já a lógica Fuzzy é utilizada como uma ferramenta computacional para a etapa de tomada

de decisão. A lógica Fuzzy possibilita se incorporar variáveis qualitativas e quantitativas das

mais diversas dentro de um único processo decisório, permite se contextualizar

numericamente um dito conhecimento especialista, além de, em certo grau, possuir alguns

correlatos biológicos. A lógica Fuzzy vem desta forma aparecendo como uma promissora

ferramenta para pesquisa e modelagem de tomada de decisão humana quando relacionada a

aspectos ergonômicos (Nunes, 2010).

Especificamente, algumas das principais características e variáveis consideradas pelo

programa FUGA neste trabalho são:

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

- a representação da população e do ambiente por uma vista de topo;

- a discretização do ambiente construído a ser simulado na forma de uma matriz

retangular, onde cada elemento da matriz possui um número com um significado específico e

representa, no mundo real, um espaço quadrado de 9 cm de lado (resolução da modelagem);

- os ambientes podem ter qualquer geometria, desde que com apenas um único

pavimento;

- a velocidade máxima de deslocamento da população é considerada como 1,5 m/s;

- a velocidade efetiva de deslocamento varia em função da distância entre pessoas

(Thompson & Marchant, 1995);

- os efeitos RP – rota preferencial (indicação de uma rota ideal em função do menor

deslocamento idealizado rumo à saída), DA – distância aparente (indicação empírica da

distância em relação à saída independente da RP), EP – efeito parede (a existência de uma

parede restringe a movimentação na sua área de influência), NE – nível de estresse (o nível de

estresse dos ocupantes do ambiente influencia na qualidade das decisões tomadas), EI – efeito

inércia (uma tendência de se manter na mesma direção de movimentação) e EA – efeito

autômato (a influência causada pelos demais ocupantes vizinhos no ambiente);

- a geração do perfil com o tempo de escape para cada pessoa;

- a geração do mapa de possibilidade de colisões (eventuais possibilidades de colisões

entre os ocupantes durante a evacuação);

- a visualização do processo de abandono do ambiente;

- a cada iteração do programa FUGA existem até quatro possibilidades de movimentação

para cada pessoa dentro do ambiente. Na visão de topo do ambiente abordada estas

possibilidades de movimentação são esquerda, acima, direita e abaixo;

- a qualidade da rota QR: este efeito é uma função dinâmica de todas as variáveis

apresentadas (grandeza de saída). Ela irá valorar a qualidade de cada uma das quatro possíveis

movimentações a serem realizadas por cada pessoa na simulação;

- um processo decisório de tomada de decisões baseado na lógica Fuzzy, considerando-se

os valores de muitos dos parâmetros acima, fornecendo o valor de QR.

Assim, a cada iteração do programa FUGA o sistema Fuzzy irá valorar

independentemente para cada pessoa estas quatro possibilidades de movimentação,

fornecendo a grandeza QR para cada uma destas quatro possibilidades. A rota a ser

efetivamente seguida pela pessoa será aquela correspondente ao maior QR, a saber:

QRk = ƒFuzzy (entradask) (1)

QRke = max (QRk) (2)

e

ke = k QRke = QRk (3)

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

onde

ƒFuzzy = função resposta característica do sistema Fuzzy;

k = opções de movimentação (vista de topo): L (esquerda), U (acima), R (direita) e D

(abaixo);

ke = a opção de movimentação efetivamente escolhida;

QRk = cada um dos QR para cada uma da k opções de movimentação calculados pelo

sistema Fuzzy; e

QRke =QR da rota efetivamente escolhida.

Desta forma, o sistema Fuzzy possui efetivamente seis grandezas de entrada e uma

grandeza de saída. Apresenta-se na Fig. 1 uma representação esquemática do sistema Fuzzy

adotado.

Figura 1. Sistema Fuzzy com a indicação em amarelo das seis grandezas de entrada e em azul da grandeza

de saída.

2.2 Aspectos antropométricos e cinemáticos considerados

Como já citado, são diversos os aspectos ergonômicos envolvidos num processo de

movimentação humana. Dentro da ergonomia física, alguns dos mais importantes são os

aspectos antropométricos e cinemáticos. Neste trabalho, são considerados mais explicitamente

três aspectos: a dimensão do corpo humano, a velocidade de deslocamento e a distância entre

pessoas. A densidade populacional também será estudada, mas como uma função destes

aspectos. Considera-se que os aspectos estudados neste trabalho, devido à natureza dos

mesmos, ou pela abordagem não usual tomada quando comparada com os estudos

antropométricos (Panero & Zelnik, 1998), biomecânicos e cinemáticos usuais (Hall, 2005;

Viel, 2001), podem se considerados como não clássicos.

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Dados antropométricos do corpo humano são primordiais para a simulação. Não existe

um consenso sobre a melhor representação do corpo em modelagens de movimentação, até

por que não existe um corpo padrão (a muito discutida falácia do corpo médio) e muitos são

os diferentes objetivos de cada estudo. Assim, cada autor se utiliza da geometria e dimensões

que acredita ser mais apropriada e realística aos objetivos e precisão requeridos pelo mesmo.

Nesta pesquisa é considerada a projeção vertical do corpo (a modelagem é bidimensional).

Considera-se que o comprimento dos ombros, a largura do corpo e a área de projeção são as

medidas primárias básicas. Um dos formatos mais utilizados para a representação do corpo

visto por cima é o de uma elipse (Cucci Neto, 1996). Outros autores utilizam simplesmente

uma circunferência ou um quadrado. A NIST – National Institute of Standards and

Technology considera em seus modelos uma geometria distinta constituída por três círculos

formando o torso e os ombros (Kuligowski, 2008). Também se encontra trabalhos com

representações mais realísticas para as pessoas, mas mesmo nestes trabalhos é comum que,

para a realização de alguns cálculos computacionais mais complexos, o formato considerado

seja apenas um quadrado ou outro formato simplificado, então considerado como sendo uma

área hipotética de influência (Still, 2000). Neste trabalho o corpo humano será representado

por um quadrado de 45 cm de lado com ≈ 0,20 m2 de área (Fig. 2). Este valor de área pode ser

considerado representativo da média da população em geral (Schadschneider et al., 2009).

Figura 2. Representação de uma pessoa ou sua área de influência (≈ 0,20 m2).

Além dos aspectos antropométricos estáticos já citados, aspectos antropométricos

dinâmicos e funcionais (Iida, 2010, p. 110) também estão presentes e são importantes no

processo de movimentação humana, mesmo numa análise simplificada. Informações sobre o

comprimento do passo (direito e esquerdo), largura do passo, cadência, comprimento da

passada, tempos de elevação do pé oposto, do apoio, dentre outros, influenciam na

determinação das dimensões necessárias para a realização da marcha humana normal em certa

velocidade (Kaufman & Sutherland, 2007; Viel, 2001). Entretanto, num processo normal de

movimentação e/ou de evacuação de um ambiente geral com populações não específicas e

com densidade populacional significativa, as dimensões necessárias para a marcha, assim

como a velocidade de deslocamento, também são influenciadas pelas outras pessoas na

vizinhança. Dentro desta situação, se tem o conceito da velocidade normal de deslocamento

ou simplesmente velocidade de deslocamento.

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

A velocidade normal de deslocamento varia de forma extensiva em relação à população e

mesmo um único indivíduo pode apresentar diferentes velocidades. São diversos os fatores

que influenciam na velocidade normal de deslocamento, tais como: idade; condição física,

gênero; familiaridade da rota; finalidade do encaminhamento; comprimento do percurso;

características da rota (largura da passagem, tipo de pavimentação, densidade e sentido do

fluxo, mudança de nível); condições de visibilidade, meteorológicas e ambientais (ruído,

calor, umidade); se sozinho ou acompanhado; e, aspectos mentais diversos.

Apesar da extensa relação de fatores, baseado em dados para diversos grupos de pessoas

obtidos por Ando et al. (DATA?) e tratados por Thompson & Marchant (1995), pode-se

considerar que a velocidade de deslocamento das pessoas varia em função da distância entre

pessoas conforme a curva apresentada na Fig. 3.

Figura 3. Variação da velocidade de deslocamento em função da distância entre pessoas. Fonte: adaptado

de Thompson & Marchant (1995).

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Simulação com o programa FUGA

Conforme já mencionado, o ambiente considerado nas simulações com o programa

FUGA é um corredor reto com 05 m de largura e 100 m de comprimento. As simulações são

realizadas com populações de 200 e 400 pessoas. Todas as pessoas estão posicionadas

inicialmente num extremo do corredor e se deslocam rumo a uma saída no lado oposto deste

corredor.

Na Fig. 4 são apresentadas imagens do posicionamento inicial das pessoas em ambas as

simulações. As pessoas estão preenchidas com uma escala de cores quentes indicando a

ordem de saída do ambiente (as cores mais escuras indicam as que saíram primeiro, e as mais

claras indicam que as saíram por último). As paredes estão em preto, a saída está em

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

alaranjado e em amarelo está indicado o caminho percorrido por uma ou mais pessoas rumo a

saída.

(a)

(b)

Figura 4. Representação para 200 pessoas em (a) e para 400 pessoas em (b) dos ambientes no início das

simulações e com uma imagem ampliada da região com o posicionamento inicial das pessoas.

Nas Fig. 5 e 6 são apresentadas diversas imagens sequenciais das simulações com 200 e

400 pessoas, respectivamente. Estas imagens estão em tons de cinza e todas as pessoas estão

representadas pela mesma tonalidade. Em branco está representado o espaço do ambiente

ainda não percorrido por nenhuma pessoa e em cinza o espaço do ambiente já percorrido por

pelo menos uma pessoa até aquele momento na simulação.

Começando a simulação, a primeira coluna de pessoas mais próxima à saída não possui

nenhum obstáculo à frente. Portanto, a velocidade de deslocamento destas pessoas é a

máxima possível (velocidade de pico ou cruzeiro). Já as pessoas atrás destas tem sua

velocidade de deslocamento reduzida pela influência das pessoas à suas frentes. O resultado

disso é a formação de uma coluna de deslocamento formada pelas pessoas à frente que se

destacam em relação às demais.

Entretanto, como as pessoas à frente se deslocam numa velocidade maior, a distância

entre estas pessoas e as imediatamente atrás irá aumentar, ou seja, a influência das pessoas à

frente irá se reduzir sobre as pessoas atrás. Assim, as pessoas atrás, apesar de neste momento

ainda se moverem em velocidade inferior da velocidade das pessoas a frente, também vão se

destacar das pessoas que estão atrás das mesmas já que vão se deslocar numa velocidade

superior às destas pessoas. Neste momento ocorre a formação de uma segunda coluna de

deslocamento. Estas colunas vão se formando seguidamente.

O distânciamente entre estas colunas vai aumentando até certa distãncia quando a

distãncia das pessoas à frente é tal que estas já não exercem influência sob as pessoas que

ficaram para trás. Outra consequência é que a área total ocupada pelas pessoas vai

aumentando, até que todas as pessoas atinjam a velocidade de cruzeiro, ou até que saiam do

ambiente (o que ocorrer primeiro). Todos estes fenômenos podem ser claramente observados

nas Fig. 5 e 6.

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Figura 5. Sequencia de imagens da evolução da simulação com 200 pessoas.

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Figura 6. Sequencia de imagens da evolução da simulação com 400 pessoas.

Durante as simulações, além da distância entre pessoas estar influenciando a velocidade

de deslocamento, existem inumeros outros fatores agindo concomitantemente (sistema de

decisão Fuzzy). Isto explica por que as colunas ficam irregulares com o andamento da

simulação. Entretanto, mesmo irregulares, colunas podem ser continuamente percebidas

durante toda a simulação.

3.2 Velocidade de deslocamento

Analisando as curvas da Fig. 3 para a evolução da velocidade normal de deslocamento

em função da distância entre pessoas para alguns grupos distintos, verifica-se que as mesmas,

independente do grupo em análise, possuem o mesmo formato conforme uma curva

exponencial amortecida (Fig. 7), onde é possível se identificar alguns pontos em comum.

Na Fig. 7 se observa que a velocidade de deslocamento ( dv ) se inicia para um

determinado valor de distância entre pessoas ( 0d ), e cresce até atingir um valor máximo de

velocidade denominada de velocidade normal de cruzeiro ( cv ) numa determinada distância de

equilíbrio entre pessoas ( ed ), permanecendo estabilizado nesta velocidade cv para distâncias

maiores que a distância de equilíbrio ed .

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Figura 7. Representação esquemática da curva geral da velocidade de deslocamento em função da

distância entre pessoas com a identificação de pontos específicos.

Através de uma análise empírica e numérica baseada no formato e valores das curvas das

Fig. 3 e 7, propõe-se que dv varia com d , independentemente do grupo analisado, pela

seguinte equação geral:

ecd

e

n

e

cd

d

ddsevv

dddsedd

ddvv

ddsev

0

0

0

00

(4)

onde

drn 1 (5)

A grandeza n pode ser considerada como uma taxa de normalização. Neste trabalho,

exceto quando houver indicação ao contrário, todas as velocidades estão dadas em m/s, as

distâncias em m e a densidade populacional em pessoa/m2.

Tem-se também que:

0d = 0,3 m;

ed = 1,6 m;

r = 0,5 m-1

;

e cv varia conforme o grupo. Pela Fig. 3, cv vale 1,8 m/s para homens (20 anos), 0,8 m/s

para mulheres (55 anos) ou 1,4 m/s como média.

Na Fig. 8 se tem a comparação entre os valores já fornecidos de dv e d para os distintos

grupos e os calculados pela eq. (4).

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Figura 8. Comparação entre os valores de dv e d fornecidos por Thompson & Marchant (1995) com os

calculados pela eq. (4).

3.3 Densidade populacional

Considerando a representação de uma pessoa, conforme Fig. 2, e que a sua frente em

certa distância d existe outra pessoa, a área global ou disponível para movimentação desta

primeira pessoa ( pS ) pode ser obtida pela seguinte equação:

)45,0()45,0( hdS p (6)

onde

h é a distância entre uma pessoa e outra eventualmente a seu lado, sem que haja entre

estas pessoas maiores interferências.

Como pS é uma área relativa a somente 01 pessoa, a densidade populacional ( p ) pode

ser diretamente obtida por:

p

pS

1 (7)

Separando d em função de p se obtém das eq. (6) e (7):

45,0)45,0(

1

hd

p (8)

Substituindo a eq. (8) na eq. (4) se obtém a desejada relação geral entre dv e p :

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

45,045,0

11

0

045,0)45,0(

1 hr

e

p

cd

p

dd

dh

vv

(9)

Assim se pode plotar dv e p diretamente entre si, independentemente de d .

Substituindo os valores estabelecidos para 0d , ed e r na eq. (9), a mesma se reduz a:

)45,0(2

1225,1

577,0)45,0(

77,0 h

p

cd

p

hvv

(10)

ou ainda

2225,1

577,077,0t

cd tvv

(11)

onde

)45,0(

1

ht

p

(12)

Assumindo h como 0 m, tem-se:

p

p

cd vv

11,1225,1

577,071,1

(13)

Na Fig. 9 se tem a representação gráfica da eq. (10) para cv de 1,4 m/s e alguns valores

de h. Como as curvas da Figura 9 nada mais são que uma forma diferente de representar os

gráficos da Figura 3 (velocidade de deslocamento naturalmente desenvolvida pelas pessoas

em função da distância entre pessoas), pode-se afirmar que, caso os valores de dv e p de

uma movimentação se situem sobre a curva da Fig. 9, esta movimentação é uma

movimentação normal ou natural, portanto segura em relação a estes quesitos.

Caso os valores de dv e p para certo ambiente ou situação se localizem na região abaixo

das curvas da Fig. 9, pode-se afirmar que a movimentação ocorre em situações em excesso de

segurança (em relação a estes quesitos). Assim, a área que compreende as curvas e a região

abaixo destas podem ser consideradas uma região de movimentação segura.

Por outro lado, a área da Fig. 9 que compreende a região acima das curvas é uma área de

deslocamento acelerado em relação ao normal. Não se pode somente por isso se inferir mais

algo sobre esta área, apenas que quanto mais afastado os valores de dv e p estiverem acima

da curva normal, maior a chance da movimentação ocorrer em uma região não segura.

Modelagem computacional com lógica Fuzzy da movimentação de pessoas: aspectos ergonômicos cinemáticos

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

Figura 9. Representação da curva geral de dv em função da p . Acima para diversos valores de h, e

abaixo para h = 0,15 m com a identificação das áreas de movimentação segura e acelerada.

4 CONCLUSÕES-

Foi possível, por meio de uma modelagem computacional com lógica Fuzzy, se observar

as diversas fases da geração e evolução de sucessivas colunas de deslocamento assim como

do aumento da área ocupada pelos ocupantes no processo de abandono de um ambiente em

forma de um corredor de 5 m de largura por 100 m de comprimento. Adicionalmente, baseado

em uma análise empírica e numérica de curvas experimentais de velocidade de deslocamento

em função da distância entre pessoas, foi proposta e validada uma equação geral tipo

exponencial amortecida para descrever estas curvas, o que pode facilitar a utilização

computacional e teórica destas. Finalmente, foram desenvolvidas equações para se descrever a

evolução da velocidade de deslocamento em função da densidade populacional. Com estas

equações, podem ser gerados gráficos que permitem, sabendo-se dos valores de velocidade de

deslocamento e densidade populacional de uma situação específica, inferir se a movimentação

está acontecendo em uma região de segurança, de deslocamento normal ou acelerado. Esta

informação pode contribuir na concepção de ambientes construídos mais seguros.

H.C. Braga, G.F. Moita

SIMMEC/EMMCOMP 2014

XI Simpósio de Mecânica Computacional e II Encontro Mineiro de Modelagem Computacional

ABMEC, Juiz de Fora, MG, 28-30 de maio de 2014

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CEFET-MG, FAPEMIG e CAPES por todo o apoio recebido.

REFERENCIAS

Braga, H.C., 2012. Simulação da Movimentação de Pessoas em Situações de Emergência com

Lógica Fuzzy: aspectos ergonômicos e computacionais. Belo Horizonte: CEFET-MG.

Dissertação de Mestrado.

Claret, A.M. & Mattedi, D.L., 2011. Estudo da prescritividade das normas técnicas brasileiras

de segurança contra incêndio. Rem: Rev. Esc. Minas, v. 64, n. 3, pp. 265-271.

Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul – CREA-RS, 2013.

Análise do Sinistro na Boate Kiss, em Santa Maria, RS. Silva Filho, L.C.P. (Coord.); et al..

Porto Alegre: CREA-RS.

Cucci Neto, J., 1996. Aplicações da engenharia de tráfego na segurança dos pedestres. São

Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado.

Hall, S.J., 2005. Biomecânica básica. 4ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Iida, I., 2010. Ergonomia: Projeto e Produção. 2a ed., São Paulo: Edgard Blücher.

Kaufman, K.R. & Sutherland, D.H., 2007. Cinemática da marcha humana normal. In: Marcha:

teoria e prática da locomoção humana, 3ª ed., Cap. 3, Coord.: Rose J. & Gamble J.G., Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, pp. 35-52. Série Physio – fisioterapia prática.

Kobes, M. et al., 2010. Building safety and human behavior in fire: a literature review. Fire

Safety Journal, v. 45, pp. 1-11.

Kuligowski, E.D., 2008. Modeling human behavior during building fires, NIST, Tecchnical

Note 1619.

Nunes, I.L., 2010. Handling human-centered systems uncertainty using fuzzy logics – a

review. The Ergonomics Open Journal, v. 3, pp. 38-48.

Panero J. & Zelnik, M., 1998. Las dimensiones humanas en los espacios interiores. 8ª ed.,

México: G. Gili.

Schadschneider, A. et al., 2009. Evacuation dynamics: empirical results, modeling and

applications. In: Meyers, B. (ed.). Encyclopedia of Complexity and System Science. Berlim:

Springer. v.5, pp. 3142-3176.

Still, G.K., 2000. Crowd dynamics. Department of Mathematics of University of Warwick,

Warwick. Tese de Doutorado.

Tavares, R.M. & Galea, E.R., 2009. Evacuation modeling analysis within the operational

research context: a combined approach for improving enclosure designs, Building and

Environment, v.44, n. 5, pp. 1005-1016.

Thompson, P. & Marchant, E.W., 1995. A computer model of the evacuation of large

building populations, Fire Safety Journal, v. 24, n. 2, pp. 131-148.

Viel, É., 2001. A marcha humana, a corrida e o salto: biomecânica, investigações, normas e

disfunções. Barueri: Manole.