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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DÉBORA CRISTINA DO NASCIMENTO FERREIRA LETRAMENTOS, PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE LEITURA E DE ESCRITA: TENSÕES E RESISTÊNCIAS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DA PERIFERIA DE BELÉM (PA) CAMPINAS, 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

DÉBORA CRISTINA DO NASCIMENTO FERREIRA

LETRAMENTOS, PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE

LEITURA E DE ESCRITA: TENSÕES E RESISTÊNCIAS EM

UMA ESCOLA PÚBLICA DA PERIFERIA DE BELÉM (PA)

CAMPINAS,

2019

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DÉBORA CRISTINA DO NASCIMENTO FERREIRA

LETRAMENTOS, PRÁTICA DOCENTE E

ENSINO DE LEITURA E DE ESCRITA:

TENSÕES E RESISTÊNCIAS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DA PERIFERIA

DE BELÉM (PA)

Tese de doutorado apresentada ao Departamento

de Linguística Aplicada IEL/UNICAMP, como

parte dos requisitos exigidos para a obtenção do

título de Doutora em Linguística Aplicada, área de

concentração em Linguagem e Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

Coorientadora: Profa. Dra. Raquel Salek Fiad

Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pela aluna Débora Cristina do

Nascimento Ferreira, orientada pela Profa. Dra. Márcia Rodrigues de Souza Mendonça e

coorientada pela Profa. Dra. Raquel Salek Fiad.

CAMPINAS,

2019

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Dedico este trabalho às mulheres negras que resistem, em

especial, para Vó Ciça (in memoriam), para minha mãe Neuza Cardoso Nascimento e

para a professora e companheira de luta Lília Melo.

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AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de estudos concedida para o desenvolvimento desta pesquisa (Processo:

159616/2015-8).

Aos professores do curso de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, em especial, à

orientadora deste trabalho Profa. Dra. Márcia Mendonça e à coorientadora Profa. Dra. Raquel

Salek Fiad pelo apoio, generosidade e responsabilidade necessária à construção do curso e

desta investigação.

Aos companheiros de curso por todo o apoio ao longo destes anos, em especial, a Rosivaldo

Gomes, Renata Frank, João Pires, Aline Ruiz, Ana Sá, Sônia Coutinho, Marília Dias, Carol

Moura, Keila Grando, Denise Hibarino.

Aos professores da escola Brigadeiro Fontenelle e a toda comunidade escolar, em especial, a

Lília Melo por toda sua luta pela educação pública nas periferias de Belém-PA e por toda a

singular contribuição para a construção do banco de dados da pesquisa.

Ao grupo de pesquisa MELP por todas as contribuições direcionadas ao processo de

elaboração desta pesquisa.

Ao grupo de pesquisa GELPEA, em especial, aos professores José Anchieta Bentes, Rita

Bentes, Tatiana Maia, Sueli Pinheiro, Maria Helena Chaves, Sandoval Nonato Gomes Santos,

Samuel Campos por tudo que me ensinaram sobre a vida e a academia.

Às amigas Isabel Rodrigues, Eliete Bezerra, Neilce Santos, Marília Freitas. Manuela Ferraz,

Gicele Cristo, Suellen Cristo, Valéria Correia e aos amigos João Batista Santiago, Márcio

Maués, Antônio Bittencourt, Vando Batista por todos os anos de amizade, fraternidade,

acolhimento, carinho, companheirismo, solidariedade e afeto.

À amiga e companheira de luta na vida e na academia, Jane Miranda Alves, por todas as vezes

que abriu as portas da sua casa em Belém e no Rio de Janeiro para me acolher, aconselhar,

incentivar, alegrar com suas palavras de luz. Para além de tudo isso, sou muito grata pelas

leituras atenciosas e significativas contribuições à tessitura desta tese.

Aos meus pais, José Orlando Ferreira, Neuza Nascimento, Manoela Nascimento, aos meus

irmãos - Daniel, Davi, Diogo, Denilson Ferreira-, às minhas cunhadas (Maria Izadora Ferreira,

Daniella Antunes), à minha afilhada Brenda Souza por sempre estarem ao meu lado,

incentivando de todas as maneiras e, em especial, por todas as vezes que cuidaram do meu

filho - sempre com muito amor, carinho e paciência- para que eu pudesse trabalhar as tantas

horas necessárias à confecção deste trabalho.

Ao meu marido Jair Mendes e ao nosso amado filho Agnaldo Cordeiro, meus heróis da resistência, meu alicerce de amor, de paciência, de compreensão, de força, para que eu possa

seguir avante sempre.

A toda energia divina e aos santos, em especial a São Jorge, Nazaré e Perpétuo Socorro, por

terem me livrado, protegido e conduzido até aqui.

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RESUMO

O objetivo da pesquisa foi investigar as práticas de letramento construídas por uma professora

de Língua Portuguesa para o ensino de leitura e de produção textual em uma escola pública, de

Ensino Médio, de Belém-PA, considerando as demandas formativas locais e as finalidades de

formação do nível de ensino. Para a concretização da investigação, foi efetivada pesquisa de

cunho etnográfico (VÓVIO E SOUZA, 2005; MOITA-LOPES, 2013; GARCEZ E SCHULZ,

2015; ANDRÉ, 1995) em uma escola da rede estadual, durante o ano letivo de 2016. O

referencial teórico convocado compreende: as concepções de escrita e de letramento como

manifestação sócio-histórica, ancorada e ressignificada em diferentes contextos socioculturais

(STREET, 1984, 1990, 2010, 2014; ZAVALA, NIÑO-MURCIA E AMES, 2004; KLEIMAN,

1995, 2016; BARTON E HAMILTON, 1998; JANKS, 2010, 2012, 2016; FREIRE, 2011;

ROCHA E MACIEL, 2013); o debate promovido no âmbito da Educação e da Linguística

Aplicada acerca do Ensino Médio no Brasil e de prática de ensino de Português, levando em

consideração as disputas sociais e de poder que o inscrevem como profícuo e pertinente campo

de pesquisa teórica e aplicada (BUNZEN E MENDONÇA, 2006, 2013; SILVA, 2012, 2015;

KRAWCZYK, 2009; FRIGOTTO, 2005). A análise dos dados sinalizou para as seguintes

configurações do trabalho docente: (i) no primeiro semestre de trabalho, uma prática docente

mais voltada ao ensino de leitura, com foco para a discussão de temas sociais, a partir de textos

vernaculares, a fim de tentar engajá-los não só para atividades escolares (pesquisa, seminário,

leitura e análise de textos), mas também a um engajamento social, próximo a uma educação

crítica, participativa, politizada, que teria como fim a construção e a realização de uma ação

social: uma caminhada pelas ruas do bairro; (ii) no segundo semestre de trabalho, uma prática

docente mais voltada para o ensino de escrita de uma redação, desenvolvida, basicamente, a

partir da discussão de temas sociais, leitura de textos ligados a uma esfera mais didática e

formal e apresentação de um modelo de escrita. Nesse sentido, percebe-se que a prática

docente busca atender a diferentes necessidades que se refletem no campo da re (construção)

da práxis curricular do Ensino Médio. Por um lado, a valorização, o reconhecimento e a

visibilidade de um contexto local/vernacular, a fim de problematizar acerca da realidade

circundante, tentando colocar o sujeito como protagonista da uma formação cidadã, letrada.

Por outro lado, as ações didáticas estão voltadas a atender a uma demanda escolar, no sentido

de socializar um saber legitimado, que contribuiria para encaminhar este sujeito ao ensino

superior. A conjugação do atendimento a esta demanda constitui um trabalho de ensino de

leitura e de escrita voltado à resistência e a sobrevivência destas populações, em um contexto

de extrema vulnerabilidade social, situado em uma das metrópoles da Amazônia.

Palavras-chave: Ensino médio. Trabalho docente. Letramentos. Língua Portuguesa.

Resistência. Sobrevivência.

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ABSTRACT

The aim of the research was to investigate the literacy practices constructed by a Portuguese

Language teacher for the teaching of reading and textual production in a public high school in

Belém-PA, considering the local training demands and the training purposes of the level of

education. In order to carry out the research, an ethnographic research was carried out in a

state school during the 2016 school year. The research was carried out in an ethnographic

fashion (VÓVIO E SOUZA, 2005; MOITA-LOPES, 2013; GARCEZ and SCHULZ, 2015; the

theoretical referential convened includes: conceptions of writing and literacy as a

sociohistorical manifestation, anchored and re-signified in different sociocultural contexts

(KLEIMAN, 1995, 2016; BARTON AND HAMILTON, 1998; JANKS, 2010, 2012, 2016;

FREIRE, 2011; ROCHA AND MACIEL, 2013); the debate promoted in the field of Education

and Applied Linguistics about High School in Brazil and the practice of teaching Portuguese,

taking into account the social and power disputes that inscribe it as a profitable and pertinent

field of theoretical and applied research (BUNZEN E MENDONÇA, 2006, 2013; SILVA,

2012, 2015; KRAWCZYK, 2009; FRIGOTTO, 2005). In this paper, we present the results

obtained in the literature. The analysis of the data signaled to the following configurations of

the teaching work: (i) in the first semester of work, a teaching practice more focused on

reading teaching, focusing on the discussion of social themes, from vernacular texts, in order

to try to engage them not only in school activities (research, seminar, reading and analysis of

texts), but also to a social engagement, close to a critical, participative, politicized education

that would have as purpose the construction and the accomplishment of an social action: a

walk through the streets of the neighborhood; (ii) in the second semester of work, a teaching

practice more focused on the teaching of writing in an essay, basically developed from the

discussion of social themes, reading texts linked to a more didactical and formal sphere and

presenting a writing model. In this sense, it is perceived that the teaching practice seeks to

meet different needs that are reflected in the field of re (construction) of the curricular praxis

of High School. On the one hand, the appreciation, recognition and visibility of a local /

vernacular context, in order to problematize about the surrounding reality, trying to put the

subject as protagonist of a literate citizen formation. On the other hand, the didactical actions

are aimed at attending to a school demand, in the sense of socializing a legitimized knowledge,

which, in theory, would contribute to refer this subject to higher education. The conjugation of

the attendance to this demand constitutes a work of teaching of reading and writing directed to

the resistance and the survival of these populations, in a context of extreme social

vulnerability, located in metropolis of the Amazon.

Keywords: High school. Teaching work. Literacies. Portuguese language. Resistance.

Survival.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ciclo de (re)design ................................................................................................... 74

Figura 2 - Organograma - Estrutura de trabalho por semestre letivo ..................................... 114

Figura 3 - Brasil: mapa de mortes no campo .......................................................................... 146

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Caracterização dos fins da educação secundária e do ensino de Português: da

Colônia à República velha ........................................................................................................ 32

Quadro 2 - Documentação oficial referente ao Ensino Médio no Brasil de 1995 a 2017 ........ 43

Quadro 3 - Regulamentação oficial para estruturação do ensino secundário no Brasil ........... 54

Quadro 4 - Modelo de Letramento Crítico proposto por Janks (2013) .................................... 75

Quadro 5 - Modelo de identificação ......................................................................................... 92

Quadro 6 - Modelo descritivo ................................................................................................... 92

Quadro 7 - Categorias de análise dos dados ............................................................................. 93

Quadro 8 - Entrevistas realizadas com docentes, gestores e alunos ......................................... 96

Quadro 9 - Aulas gravadas (P1) ............................................................................................... 97

Quadro 10 -Perspectivas gerais da organização do trabalho docente de Língua Portuguesa . 110

Quadro 11 - Episódio 1. Caminhada: leitura, pesquisa, discussão, realização da ação .......... 118

Quadro 12 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1 ..................... 123

Quadro 13 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1 ..................... 125

Quadro 14 -Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1 ...................... 125

Quadro 15 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de finalização do episódio 1 ..................... 126

Quadro 16 - Preparação para escrita do ENEM: leitura, discussão e preparação para escrever

uma Redação........................................................................................................................... 128

Quadro 17 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2 (fase inicial) ................................... 132

Quadro 18 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. exposição conceitual 1 .................. 133

Quadro 19 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. exposição conceitual 2 .................. 133

Quadro 20 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Resolução de uma avaliação escrita

................................................................................................................................................ 134

Quadro 21 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Refacção de uma atividade de escrita e

leitura de texto dissertativo ..................................................................................................... 134

Quadro 22 -Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Produção textual I .......................... 135

Quadro 23. Acesso, diversidade, poder para resistir e ensinar Português no EM..................181

Quadro 24. Alusão à figura masculina e feminina na construção discursiva docente.......... . 194

Quadro 25. Universidade e comunidade: mudanças de vida e compromisso a assumir..........207

Quadro 26. Projetos, experiências e aprendizagens mais significativas..................................213

Quadro 27. Posicionamentos dos alunos no jogo da argumentação: equipe 1........................219

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Bairro da Terra Firme: vista do Canal do Tucunduba para a parte alta da

cidade.............................................................................................................

85

Foto 2 - Escola Estadual.............................................................................................. 86

Foto 3 - Sala de aula do Ensino Médio........................................................................ 86

Fotos 4 - Auditório da escola......................................................................................... 165

Foto 5 - Boneco: homem chacinado............................................................................. 165

Foto 6 - Banner com fotos dos jovens chacinados........................................................ 167

Foto 7 - Cartaz 1.......................................................................................................... 168

Foto 8 - Cartaz 2.......................................................................................................... 168

Foto 9 - Cartaz 3.......................................................................................................... 168

Foto 10 - Imagens do início da Caminhada................................................................... 169

Foto 11 - Imagens do início da Caminhada................................................................... 169

Foto 12 - Imagens do início da Caminhada................................................................... 169

Foto 13 - Populares assistem à caminhada.................................................................... 169

Foto 14 - Sons e performances da caminhada............................................................... 170

Foto 15 - Sons e performances da caminhada............................................................... 170

Foto 16 - Sons e performances da caminhada............................................................... 170

Foto 17 - Profa. na caminhada....................................................................................... 171

Foto 18 - PM2023.......................................................................................................... 171

Foto 19 - PM2024.......................................................................................................... 171

Foto 20 - PM1449........................................................................................................... 171

Foto 21 - Caminhada na ponte....................................................................................... 171

Foto 22 - Círculo de falas finais..................................................................................... 171

Foto 23 - Aluna da turma............................................................................................... 171

Foto 24 - Dispersão do ato............................................................................................. 171

Foto 25-

26- 27. Jogo da Aplicação do jogo argumentação ...................................................... 217

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BID Banco Interamericano de Investimento

BIRD Banco Mundial

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CEB Câmara de Educação Básica

CF Constituição Federal

CH Carga Horária

CNE Conselho Nacional de Educação

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CPT Comissão Pastoral da Terra

DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

EF Ensino Fundamental

EM Ensino Médio

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

EP Educação Profissional

FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação

GNL Grupo de Nova Londres

HP Horário Pedagógico

IES Instituição de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LC Letramento Crítico

LD Livro Didático

LDB Diretrizes e Bases da Educação

LP Língua Portuguesa

MEC Ministério da Educação

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OCEM Orientações Curriculares para Ensino Médio

OPNE Observatório do Plano Nacional de Educação

PC DO B Partido Comunista do Brasil

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentável

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PNE Plano Nacional de Educação

PNLD Programa Nacional do Livro e do Material Didático

PNLEM Programa Nacional do Livro Didático de Ensino Médio

PROEMI Programa Ensino Médio Inovador

SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica

TCLE Termos de Consentimento e Livre Esclarecido

TCU Tribunal de Contas da União

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

2 ENSINO MÉDIO NO BRASIL: HISTÓRICO, POLÍTICAS E DISPUTAS

CURRICULARES .................................................................................................................. 20

2.1 DO PERÍODO COLONIAL À PRIMEIRA REPÚBLICA ............................................... 20

2.2 O ENSINO SECUNDÁRIO: DO GOLPE DE 1930 AOS ANOS DE 1980...................... 34

2.3 O ENSINO SECUNDÁRIO: DE 1980 AOS PRIMEIROS DECÊNIOS DE 2000 ........... 40

2.4 CENÁRIOS DO ENSINO MÉDIO NO PAÍS E A REFORMA DE 2017 ........................ 48

3 LETRAMENTOS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO CAMPO APLICADO ............ 55

3.1 LETRAMENTO: O PERCURSO DE UM CONCEITO ................................................... 55

3.2 LETRAMENTO CRÍTICO ................................................................................................ 65

4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA:OPÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS78

4.1 TIPO DE PESQUISA E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DE DADOS ...................... 78

4.2 LÓCUS DE PESQUISA: A REGIÃO, A CIDADE, O BAIRRO...................................... 83

4.2.1 A escola ........................................................................................................................... 84

4.3 SUJEITOS DA PESQUISA ............................................................................................... 87

4.3.1 Professora de Língua Portuguesa ................................................................................ 87

4.3.2 A turma do terceiro ano do EM ................................................................................... 88

4.4 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO PARA DESCRIÇÃO DAS AULAS ................. 90

4.5 CATEGORIAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE .................................................... 92

5 LETRAMENTOS, RE(CONFIGURAÇÕES) E RESISTÊNCIAS: O ENSINO DE

LEITURA E DE ESCRITA NO TERCEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO EM UMA

PERIFERIA DE BELÉM-PA................................................................................................ 94

5.1 DESCRIÇÃO, SISTEMATIZAÇÃO E ORGANOGRAMA GERAL DO TRABALHO

DOCENTE................................................................................................................................ 94

5.2 PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA: TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO

LETRADA E AS PERSPECTIVAS ANUNCIADAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO

TRABALHO DE ENSINO ...................................................................................................... 98

5.3 DESCRIÇÃO GERAL DE EFETIVAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE.................... 110

5.4 EPISÓDIO 1: CAMINHADA ............................................................................................ 116

5.4.1 Episódio 1 Caminhada: sub-episódio 1 – preparação ............................................... 123

5.4.2 Episódio 1 Caminhada: sub-episódio 3 - finalização ................................................ 126

5.5 EPISÓDIO 2: PREPARAÇÃO PARA A ESCRITA DO ENEM .................................... 126

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5.6 PORTUGUÊS NO ENSINO MÉDIO: CAMINHADA E RESISTÊNCIA ..................... 136

5.7 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O EPISÓDIO 1 .................................................. 177

5.8 “UMA HORA A GENTE TEM QUE LARGAR UM... E GERALMENTE O QUE SE

LARGA É O LOCAL”: O ENEM E O ENSINO DE PORTUGUÊS NO ENSINO MÉDIO.186

5.9 “A SALA FOI SAQUEADA E [...] O ACUSADO É O ALUNO DA INSTITUIÇÃO, DE

QUEM É A CULPA?”: OS POSICIONAMENTOS DE ALUNOS EM RESPOSTA ÀS

PRÁTICAS EDUCATIVAS EM UM TERRITÓRIO DE EXTREMA VULNERABILIDADE

SOCIAL. ................................................................................................................................. 207

5.10 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O EPISÓDIO 2 ................................................ 226

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 230

REFERENCIAS.................................................................................................................... 236

ANEXOS................................................................................................................................ 254

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15

1 INTRODUÇÃO

“Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade decepado

Entre os dentes segura a primavera”

João Ricardo - João Apolinário

Secos & Molhados (1973)

O Ensino Médio no Brasil é oferecido em 28,3 mil escolas no Brasil urbanas e rurais,

responsáveis por 8.133,040 matrículas. 89,8% das escolas estão na zona urbana e 10,2% na

zona rural, o que configura a menor participação da zona rural em toda educação básica.

95,6% dos matriculados frequentam escolas urbanas. 22,4% dos matriculados - 1,8 milhões-

estudam no período noturno. Com 6,9 milhões de matrículas, as redes estaduais têm uma

participação de 84,8% no total do Ensino Médio (doravante EM) e concentra 96,9% das

matrículas da rede pública. 519,6 mil professores atuam neste nível de ensino (INEP, 2017).

A taxa de jovens de 15 a 17 anos matriculados no EM é de apenas 56,4%, enquanto que 18%

deles ainda estão no Ensino Fundamental e 14,6% estão fora da escola (OPNE, 2017).

Para Silva (2015), o desafio da escolarização dos jovens de 15 a 17 anos no EM, nível

obrigatório para esta faixa etária, a partir da Emenda Constitucional n.59, de 2009, está

articulado a duas pautas centrais: a atual conjuntura educacional direcionada a estes jovens e a

pluralidade juvenil. Acrescentaríamos, ainda, uma terceira pauta: as multifacetadas e desiguais

realidades de oferta e de qualidade do EM no continental território brasileiro. Aliado a isto, é

preciso romper com uma postura sociocultural que ainda conduz ao não reconhecimento, por

uma dada parcela da população, de que a educação secundária1 é um direito (SILVA, 2015, p.

69).

Direito este constrangido pela realidade imposta, limitado pela necessidade de

progressão da quantidade e da qualidade do ensino ora veiculado, restrito de investimento

necessário ao estabelecimento de uma prática profissional em condições de infraestrutura

salubres e minimamente decentes, ultrajado pelo constrangimento de que este nível de ensino,

ainda, não é considerado como um direito básico, em especial, para a parcela da população

1 Ao longo deste texto, uso o termo secundário é usado para fazer referência ao Ensino Médio.

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menos favorecida economicamente do país (SILVA, 2015; BRASIL, 2014; VOLPI; RIBEIRO;

SILVA, 2014). Consoante Chauí (1989, p. 20):

A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio

para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa

que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A

declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem

social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos,

exigindo o consentimento social e político.

Este “reconhecimento de todos” implica a necessidade de visibilizar que as instituições

escolares recebem juventudes. Um público plural e desigual diante das condições de vida, de

trabalho, de moradia, de acesso, de lazer, de metas para o futuro, de enfrentamento e de

sobrevivência diante da realidade que lhe circunda (LOPES et al., 2017, 2018). Ademais, é

necessário que se possa interagir com estes jovens por intermédio de outras línguas(gens), é

preciso mobilizar outras linguagens, outras mídias, outras artes, outras formas de ler, de

escrever, de interagir com os domínios da Ciência, da Ética, da Estética, do Trabalho, da

Tecnologia e da própria Educação (SILVA, 2015), a fim de que eles possam, de fato, usufruir

desta etapa final da escolarização básica (CURY, 2008).

Conforme Street ([1990], 2014, p. 37), as populações locais possuem seus próprios

letramentos, habilidades, convenções, modos de aprender os novos letramentos gerenciados

pelas agências. Nesse sentido, é necessário recorrer a uma observação acurada, minuciosa, das

práticas sociais efetivas em diferentes contextos culturais. Trata-se de pesquisar os usos, as

funções e os significados atribuídos à escrita em diferentes contextos geográficos, linguísticos,

políticos, culturais, históricos, a fim de compreender como as práticas letradas estão

articuladas aos contextos específicos e a diferentes matrizes discursivas em que são gestadas.

No que se refere ao trabalho de ensino de Português no EM, é necessário

compreender os caminhos a serem trilhados para realizar ações didáticas possíveis de serem

construídas com estes jovens que estão inseridos nestes cenários multifacetados, que venham a

contemplar as demandas formativas locais e as demandas formativas institucionais para o

referido nível de ensino, uma vez que o confronto do “oficial ou institucional” e do “cotidiano

ou ordinário” instauram a arena de lutas, de disputas constitutivas do ininterrupto fluxo

dialógico para a constituição dos sujeitos (KALMAN, 2010; LOPES, 2006; BAKHTIN, 1995,

1987).

Tendo em vista estes pressupostos, a pesquisa de doutorado intitulada “Letramentos,

prática docente e ensino de leitura e de escrita: tensões e resistências em uma escola da

periferia de Belém (PA)” tem como objetivo geral investigar as práticas de letramento

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construídas por uma professora de Língua Portuguesa para o ensino de leitura e de produção

textual em uma escola pública, de Ensino Médio, levando em consideração as relações entre as

demandas formativas locais e as finalidades de formação do nível de ensino.

A pesquisa se assenta na concepção de que o letramento veiculado no âmbito escolar

é constituído a partir de entrecruzamentos e de configurações de práticas letradas incorporadas

à forma escolar, o que implica a convocação de diferentes repertórios letrados para a

construção do ensino de leitura e de escrita no EM. Esta construção didático-curricular é

encarnada nas tensões e disputas corporificadas entre práticas escolares consideradas “mais

estáveis” - instituídas historicamente na cultura escolar - e práticas escolares “mais

emergentes” - inserção de demandas mais recentes como a convocação de determinadas

temáticas e/ou objetos de ensino, de diferentes agentes sociais, de entrada de novas tecnologias

e de outros suportes (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001; ROJO, 2009; BUNZEN;

MENDONÇA, 2006).

Nesse sentido, os dados desta pesquisa sinalizam para a defesa da proposição de que o

letramento escolar pode ser concebido como uma prática socio-cultural-institucional,

construída e constituída por intermédio do trabalho docente, qualificada como um ato

interativo, tenso, híbrido, difuso, contraditório, rizomático, forjado por ações didáticas de

permanências e de rompimentos estabelecidos em zonas fronteiriças entre os sujeitos, os

saberes, os agentes escolares, os espaços, os textos, os dispositivos, os instrumentos, as

linguagens e as culturas implicam escolhas, posicionamentos, responsabilidades para fins de

uma formação letrada, escolarizada, inclusiva, cidadã, crítica, que lhes permita construir

cenários futuros em uma sociedade global (ROCHA; MACIEL, 2013).

Acredita-se, então, que esta prática escolarizada não só contribui para o

desenvolvimento de uma demanda formativa reflexiva, agentiva, mas, sobretudo, reconhece a

multiplicidade dos significados e usos dos letramentos correlacionados aos diferentes e

peculiares contextos socioculturais, articulados a relações balizadas por disputas de poder,

tendo em vista que a neutralidade da tecnologia veiculada é utópica (STREET, 2006;

SANTOS-MARQUES, 2016).

Para construir esta investigação, elencamos os seguintes objetivos específicos e as

respectivas perguntas de pesquisa:

Mapear as práticas de letramento propostas pela docente na disciplina Língua

Portuguesa, sejam elas voltadas ao ensino de leitura e de escrita tal como previsto para

a etapa do EM, sejam elas ligadas a demandas formativas locais emergentes;

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Identificar os objetos de ensino selecionados (o que se ensina) e os objetivos de ensino

(para que se ensina) prefigurados nessas práticas, bem como os materiais utilizados

(textos e outros recursos), relacionando-os à formação letrada para o nível de ensino e

às demandas formativas institucionais e locais;

Descrever e analisar as configurações das ações docentes (como se ensina) no âmbito

das práticas de letramento escolar voltadas às finalidades do EM brasileiro, a fim de

problematizar possíveis tensões identificadas nessas práticas quanto às ações docentes,

objetos e objetivos de ensino mobilizados no âmbito da escolarização da Língua

Portuguesa no referido nível de ensino.

Perguntas de pesquisa

Quais são os eventos e as práticas de letramento existentes no processo de ensino de

Português, especificamente, de leitura e de escrita em uma turma do terceiro ano do

EM, de uma escola pública da periferia de Belém- PA?

Quais são os objetos de ensino convocados para a construção da leitura e da escrita no

EM e como estão interligados aos diferentes objetivos e demandas do referido nível de

formação?

Como as práticas de ensino de leitura e de escrita estão articuladas às diferentes

tensões do ensino de Língua Portuguesa no EM, tendo em vista a heterogeneidade das

práticas de leitura e de escrita na construção e constituição de uma educação

secundária, periférica, amazônica?

A pesquisa de campo foi realizada em uma escola estadual, situada em Belém-PA,

durante o ano letivo de 2016. Para o processo de geração de dados, adotamos como

referencial teórico- metodológico os pressupostos da pesquisa de cunho etnográfico (VÓVIO;

SOUZA, 2005; MOITA-LOPES, 2013; GARCEZ; SCHULZ, 2015; ANDRÉ, 1995); as

concepções de escrita e de letramento como manifestação sócio-histórica, ancorada e

ressignificada em diferentes contextos socioculturais (STREET, 1984, 1990, 2010, 2014;

ZAVALA; NIÑO-MURCIA; AMES, 2004; KLEIMAN, 1995, 2000, 2004, 2013, 2016;

BARTON; HAMILTON, 1998); as contribuições teóricas dos letramentos críticos (JANKS,

2010, 2012, 2016; FREIRE, 2011; ROCHA; MACIEL, 2013); as considerações da

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Linguística Aplicada sobre as práticas de ensino de Português (BUNZEN; MENDONÇA,

2006, 2013; MACHADO, 2017; ROJO, 2000, 2004, 2009, 2012; SOUZA, 2011).

Estas questões são desenvolvidas neste texto da seguinte maneira: no primeiro

capítulo, situamos o Ensino Médio no Brasil, a partir de uma trajetória de disputas e de

tensões, que, por sua vez, se reflete no currículo de Língua Portuguesa e na sua constituição

como disciplina escolar voltada ao ensino de leitura e de escrita; no segundo capítulo,

apresentamos as resenhas sobre letramentos, atentando para a complexidade do conceito e

diversidade e multiplicidades de práticas letradas, que podem constituir o universo de

letramentos na educação básica e contribuir no sentido de problematizar as ações docentes

voltadas aos fins de ler e de escrever neste processo de escolarização; no terceiro capítulo,

expomos as informações referentes ao arcabouço metodológico da pesquisa, às estratégias

utilizadas para a geração dos dados e à apresentação do contexto e dos sujeitos de pesquisa;

no quarto capítulo, a análise descritiva e analítica dos dados e, por fim, as considerações

finais.

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2 ENSINO MÉDIO NO BRASIL: HISTÓRICO, POLÍTICAS E DISPUTAS

CURRICULARES

Este capítulo apresenta um breve panorama histórico do Ensino Médio no Brasil. Tal

inscrição histórica permite não só compreender a constituição desse nível de ensino e da

disciplina curricular Português como reflexo das condições históricas, políticas, econômicas,

educacionais, culturais de cada época do país até a atualidade, como também caracterizar o

referido nível de ensino pela distribuição seletiva e desigual de conhecimento, estreitamente,

vinculada a um processo de mobilidade social limitado e estratificado (GOMES, 2000).

Um breve reconhecimento desta vinculação histórica é pertinente, a fim de que

possamos visibilizá-la, porque a garantia e permanência do acesso do alunado, a qualidade do

ensino ora praticado, a pertinência e a relevância da formação letrada, ainda, constituem

significativos desafios para a implementação efetiva da escola secundária no Brasil (ZOTTI,

2005).

Nesse sentido, organizamos este panorama em quatro etapas: a primeira etapa abarca

o período colonial à primeira república; a segunda situa o supracitado nível de ensino de 1930

a 1980; a terceira engloba a década de 1980 aos primeiros decênios de 2000 e, finalmente, a

quarta etapa apresenta uma caracterização geral do atual cenário do EM no país,

caracterizando as demandas relacionadas ao processo de oferta, de qualidade e aos desafios

necessários à implementação e universalização desta etapa final da educação básica.

2.1 DO PERÍODO COLONIAL À PRIMEIRA REPÚBLICA

No Brasil, as atividades educativas iniciam, em meados de 1549, com a chegada dos

primeiros jesuítas, que, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, fundaram a primeira

“escola de ler e escrever” (FREIRE, 1989). O ensino de português2, de “bons costumes” e de

doutrina cristã foram a matriz curricular de base do chamado “tempo heroico”. Pode-se dizer

que a Companhia de Jesus3 foi a responsável por instituir o primeiro modelo educacional em

2 O aprendizado das línguas indígenas por parte dos jesuítas foi uma necessidade decorrente do processo de

catequese. Um dos primeiros registros sobre as línguas indígenas foi a “A arte de Gramática da língua mais

usada na costa do Brasil”, de José de Anchieta. O livro foi impresso em 1595. A obra está disponível no seguinte

endereço eletrônico: https://www.bbm.usp.br/node/70. Acesso em: 15 set. 2017. 3 “Ordem religiosa da Igreja Católica, fundada na Europa em 1540 por Inácio de Loyola [...] Segundo Azevedo

(1976), a atuação jesuítica na colônia brasileira pode ser dividida em duas fases distintas: a primeira fase,

considerando-se o primeiro século de atuação dos padres jesuítas, foi a de adaptação e construção de seu trabalho

de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; já a segunda fase, o segundo século de atuação dos

jesuítas, foi de grande desenvolvimento e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período. Após duas décadas de atuação, possuíam cinco escolas elementares (Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo, São

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terras brasileiras, para fins de cristianizar os indígenas e difundir entre eles os padrões da

civilização ocidental e cristã. Alguns princípios, seguidos pelos membros da ordem para

implementação deste projeto, estavam alicerçados aos seguintes fundamentos:

a busca da perfeição humana por meio da palavra de Deus e a vontade dos homens;

a obediência absoluta e sem limites aos superiores; a disciplina severa e rígida; 4) a

hierarquia baseada na estrutura militar; 5) a valorização da aptidão pessoal de seus

membros. (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, p. 173).

Tendo em vista estes ditames, o Ratio Studiorum4 foi o método de ensino utilizado

pelos jesuítas para orientar os trabalhos desenvolvidos pelos membros da congregação tanto na

metrópole, quanto nas colônias. O método educacional era assim caracterizado: centralização,

autoritarismo, orientação universalista, formação humanista, literária e uso da música;

apresentava duas opções de cursos: o curso secundário e o curso superior de Teologia e de

Filosofia. O primeiro tinha duração de cinco anos e era voltado à formação literária e

humanista. O segundo tinha duração de três anos e era voltado à formação filosófica. Levando

em consideração estes pressupostos, os membros da ordem fizeram uma adaptação de modo a

atender à demanda local, que tinha:

[...] o objetivo de atender à diversidade de interesses e de capacidades. Começando

pelo aprendizado do português, incluía o ensino da doutrina cristã, a escola de ler e

escrever. Daí em diante, continua, em caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e

de música instrumental, e uma bifurcação tendo em um dos lados, o aprendizado

profissional e agrícola e, de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa.

(RIBEIRO, 1998, p. 21-22).

Inicialmente, as atividades educativas exercidas pelos jesuítas para os índios e filhos

de colonos eram direcionadas ao ensino de Língua Portuguesa (doravante LP), Doutrina Cristã,

Leitura, Escrita, Canto, Música, Teatro, Dança, Gramática. Estes religiosos iniciaram o longo

processo de dominação e de exploração suplantado pela coroa portuguesa, pois buscavam

formar os filhos de colonos e de líderes indígenas, os futuros detentores do poder tribal que,

mais tarde, poderiam proteger os núcleos de colonização portuguesa de ataques. Isto evidencia

que a educação brasileira, colonizadora desde sua gênese, é marcada pela vinculação do campo

educacional aos interesses políticos, econômicos e religiosos do colonizador europeu, porque

Vicente e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia)” (SHIGUNOV NETO;

MACIEL, 2008, p. 173-174). 4 Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu publicado, em 1599, pelo padre Geraldo Cláudio Aquaviva para

formação do homem cristão. O método apresentava influências das teorias de Aristóteles, São Tomás de Aquino e

do Movimento da Renascença (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008).

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“toda educação é política, como nos ensinou Paulo Freire, ela não é neutra, pois,

necessariamente, implica princípios e valores que configuram uma certa visão de mundo e de

sociedade” (GADOTTI, 2013, p. 01).

O curso de humanidades, correspondente ao que se convencionou chamar de curso

secundário, foi o mais difundido no país, tinha duração de dois anos e abarcava os estudos de

Gramática, Retórica e Humanidades. Além disso, havia uma oferta de ensino profissional,

agrícola ou manufatureiro, a fim de formar mão de obra necessária ao empreendimento

colonial (ZOTTI, 2004; PAIVA, 2003).

Quanto ao ensino de línguas, o latim era o idioma em que estava estruturado o curso

de humanidades veiculado pelos jesuítas na formação das primeiras letras. O Português era o

instrumento para alfabetização dos poucos que eram escolarizados para aprendizagem do e

através do latim (SOARES, 2002, p. 158). Não havia um contexto de constituição da Língua

Portuguesa como área de conhecimento, porque: (i) não era uma área de estudo tradicional; (ii)

o uso da LP era secundarizado no processo comunicativo cotidiano; (iii) a configuração do

estatuto da LP como bem linguístico e cultural no Brasil colonial ainda era incipiente, a LP

ainda seria forjada por um processo de padronização, de invenção como língua oficial para

invenção da nação (SOARES, 2002; BERENBLUM, 2003).

A partir do século XV, com a Expansão Ultramarina e a Formação dos Estados

Nacionais, os padrões linguísticos foram criados por motivações de ordem social, política,

histórica, econômica. Os padrões linguísticos vernáculos europeus contemplaram funções

concernentes à escrita de leis, de documentos do governo, de Literatura, das Artes, do

Comércio, da Ciência. Ele é decorrente da Formação dos Estados Nacionais e da Modernidade,

passando, então, a ter um prestígio, não só pelas funcionalidades ora mencionadas, mas

também por possibilitar a tradução da bíblia para as línguas vernáculas, a integração simbólica

de uma identidade étnica, a representação de nação, de língua e de literatura nacional. Tais

origens iluminam a valorização quase hegemônica das aprendizagens de variedades de

prestígio que predominou na história da educação brasileira (FREIRE, 1989; GNERRE, 1998;

ZOTTI, 2005; BURKE, 2010).

Em meados do século XVIII, houve a controversa reforma de Marquês de Pombal5

que, por motivações de ordem política, econômica6 e ideológica, expulsa

7 os jesuítas do Brasil,

5 “Três obras clássicas, pela importância de que se revestem, precisam ser nomeadas. Duas são sistematicamente

citadas e reconhecidas por terem influenciado as reformas pombalinas da instrução pública, em Portugal e seus

domínios: Verdadeiro Método de Estudar (1746), de Luis Antonio Verney, Cartas sobre a Educação da

Mocidade Portuguesa (1760), de Ribeiro Sanches. A terceira, por ser menos conhecida, deve ter sua importância

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confisca os bens da Companhia de Jesus, fecha colégios8, estabelece a inclusão do ensino de

Português, a obrigatoriedade do uso da LP e proíbe o uso de outras línguas na colônia, em

especial, as línguas indígenas e línguas africanas (GARCIA, 2007). Esta política de Estado,

que suprimiu o sistema de ensino criado pelos jesuítas, instituiu, por via do alvará régio, de 28

de junho de 1759, as aulas régias ou avulsas, autônomas, independentes das disciplinas Latim,

Grego, Filosofia e Retórica.

A criação das aulas régias, com ensino efetivado por professores laicos, nomeação de

diretores de ensino, a criação de um subsídio econômico para a manutenção dos

estabelecimentos de ensino foram algumas das medidas estabelecidas pela reforma pombalina.

Mas, o novo, disperso e fragmentado sistema não extinguiu os estudos nos estabelecimentos de

ensino de outras congregações religiosas. Por outro lado, estas ordens não contavam com o

aparato, infraestrutura e organização jesuítica para atender à população livre, que, devido à

atividade mineradora, passou a ser mais numerosa. Isso implicou um considerável aumento de

atividades econômicas na colônia e a necessidade de um sistema educacional que possibilitasse

formação escolar a esta demanda populacional, o que pressupunha, por sua vez, também, a

necessidade de delinear um processo de oficialização e de formalização de um currículo

(SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008; AMARAL; SECO, 2006).

Mesmo após este desmonte do sistema educacional jesuítico, os estudos de linguagem

continuavam focados no ensino de Gramática e de Retórica. A Gramática Latina e a

Gramática da Língua Portuguesa eram os componentes curriculares. Pela primeira vez, é

conferido ao Português o referido estatuto, porém o vernáculo só se configuraria como um

melhor avaliada [...] Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre (1734), de Martinho de Mendonça

de Pina e de Proença, que, segundo a historiografia portuguesa, teria uma estreita associação com Ensaios sobre a

Educação, de Locke.” (ALVES, 2006, p. 04). 6 Desde o século XVI, Nóbrega anuncia o quanto era proveitosa a criação de vacas para a produção de laticínios.

No século XVII, os jesuítas estiveram diretamente ligados à exploração das “drogas do sertão” - gêneros naturais

da economia amazônica, a saber: cravo, cacau, pimenta, castanha, salsaparrilha, canela, etc.-, dedicaram-se à

criação de gado e chegaram a ser donos de engenho (PRADO JÚNIOR, 1986, apud FREIRE, 1989). Em virtude

de suas atividades econômicas, religiosas e educacionais estavam presentes em diversos e importantes pontos da

Colônia. Isto pode ser visibilizado pelo estabelecimento dos colégios no país, a saber: Colégio da Bahia (1549),

Olinda (1573), São Vicente (1553), Recife (1619), Santos (1652), Espírito Santo (1551), áreas onde progrediram

os engenhos de açúcar; o Colégio de Cachoeira (BA)- (1687), na zona de plantio de tabaco; o de Ilhéus (1604),

na área de cultivo de cacau e açúcar; Colégio de Belém (1652), ligado ao mercado das “drogas do sertão”,

grandes latifúndios, em especial, na Ilha do Marajó, onde tiveram próspera criação de bubalinos, entre outros.

Cabe lembrar que a congregação religiosa não pagava imposto (FREIRE, 1989; BARBOSA, 2005; ZOTTI,

2004). 7 O Decreto-lei de 3 de setembro de 1759, promulgado pelo Rei D. José I, suspende as atividades da Companhia

de Jesus. 8 Instituições que ainda permaneceram em funcionamento após a reforma pombalina: Escola de Artes e

Edificações Militares da Bahia, as aulas de artilharia do Rio de Janeiro e os Seminários de São José e São Pedro

e o Seminário Episcopal do Pará, para formação de líderes religiosos e defesa militar da colônia (SOARES,

2011).

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subsídio instrumental e preliminar para o ensino e aprendizagem do “verdadeiro” objeto do

ensino: a gramática latina (SOARES, 2002).

Cabe mencionar que, com a desestruturação da supracitada organização educacional,

a regressão do ensino afetou, também, as escolas de primeiras letras coordenadas por capelães

e padres-mestres, porque não havia quadro de professores para assumir as classes e o país

ficou praticamente treze anos sem escolas. Este desinteresse reflete os fins coloniais em jogo,

visto que em meados do século XVIII circulam as ideias liberais9 na Europa, que começavam

a provocar revoltas e emancipações. Além disso, o próprio regime colonial, baseado no

trabalho escravo, e centralizado administrativamente na metrópole, não exigia quadros

profissionais aptos nas atividades de leitura, de escritura e de cálculo. Naquela conjuntura, a

educação não poderia contribuir para a ascensão dos membros daquela formação social,

tampouco para a participação política dos mesmos.

Desse modo, o período colonial pode ser caracterizado do seguinte modo: (i)

centralização religiosa do processo educativo; (ii) manutenção de interesses de uma elite

colonial; reprodução de desigualdades sociais; (iii) ensino elitista voltado à formação de

lideranças religiosas e das classes dominantes, (iv) fortalecimento e expansão do processo de

colonização do território brasileiro; (v) não constituição de um sistema de ensino no país,

restando uma escola primária, ainda, sob a responsabilidade de religiosos e de um ensino

secundário fragmentado e limitado às aulas régias.

A delineação deste quadro está diretamente relacionada ao empreendimento colonial,

mercantilista, agroexportador firmado no tripé da economia agrária, latifundiária e escravista.

O papel social delegado aos colonos seria de subserviência ao colonizador para a obtenção do

lucro decorrente da exploração das colônias e de suas populações, que se reverbera, do ponto

de vista educacional em relações de autoridade, rígidos padrões de disciplina, de cumprimento

de normas, de comportamentos, de organização espacial, de distribuição do tempo e de

imposição de um sistema marcado por padrões de recompensa e castigo, características que

ainda reverberam no sistema educacional atual (SOARES, 2011; ZOTTI, 2005; PAIVA,

2003; FREIRE, 1989; SILVA, 1999).

Em 1808, a forçada instalação da corte portuguesa no Brasil trouxe mudanças ao

panorama educacional brasileiro. Em virtude disso, foi necessário organizar um sistema de

ensino para atender à demanda educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para

9 Não foi à toa que a leitura de obras dos filósofos modernos como Descartes, Rousseau, Locke, Voltaire, dentre

outros, foram proibidas no Brasil. A leitura de tais obras poderia suscitar o desejo de emancipação da colônia, o

que representaria uma perda econômica para a coroa portuguesa.

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as novas ocupações técnico-burocráticas. Nessa época, foram criados os cursos superiores de

Medicina, Agricultura, Economia, Política, Química e Botânica, as Academias Militares, o

Museu Real, a Biblioteca Pública, a Imprensa Régia10

. Todavia, para a educação elementar

não houve grande progresso; as elites a recebiam como ensino privado. Cabe enfatizar que

essa relação pouco ou quase nada mudou na educação de hoje, delimitando nitidamente os

segmentos sociais que têm acesso ou não ao que é considerado como “boa educação”.

Ainda assim, a Constituição de 1824 instituía a gratuidade da instrução primária e a

fundação de instituições dos demais níveis de ensino. O artigo 179, alínea 32, estabelecia a

gratuidade para todos os cidadãos. O artigo 6, item 1, da constituição de 1824, considerava

como cidadãos brasileiros as pessoas que tivessem nascido no Brasil, o que incluía os

escravos após a lei da emancipação e/ou libertos. Então, legalmente o escravo não era tido

como cidadão e devido a sua condição em uma sociedade escravagista sequer precisava ou

reivindicava escolarização (FREIRE, 1989). O ensino secundário foi negado a negros e

índios. A interdição está impressa na história deste nível de ensino e a entrada desta parcela da

população no sistema formal de ensino, ainda, é muito recente.

Desse período imperial, é indiscutível a relevância do Ato Adicional à Constituição

que vigorou a partir de 1834. Este descentralizou o ensino elementar e secundário e criou os

Conselhos Provinciais em Assembleias Legislativas, que poderiam legislar “sobre a instrução

pública e estabelecimentos próprios para promovê-la. Seu artigo 10, parágrafo 2º, promulgava

que às assembleias não competiam “as Faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos,

Academias”.

Tal lei encarregou o governo central de administrar a educação superior, bem como

os ensinos primário e médio da capital do império, atribuiu às províncias o “direito” de

organizar e legislar a instrução popular das províncias e eximiu a responsabilidade do governo

central, em relação ao ensino primário e secundário, incluindo o curso Normal, deixando-os

sob a responsabilidade das províncias, que, desprovidas de recursos humanos e econômicos,

não puderam ofertar de forma adequada nem quantitativa, nem qualitativamente os referidos

níveis de instrução. Este cenário permitiu a expansão de instituições particulares de ensino

secundário no país, como o Colégio Caraça (1867-1885), dirigido pelo Padre Júlio José

Clavelin, que se tornou um dos estabelecimentos privados mais renomados no contexto

10 Em 1810, foi criado o Primeiro jornal do Brasil – A Gazeta do Rio de Janeiro.

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nacional11

, destinados obviamente aos que podiam pagar as mensalidades (FREIRE, 1989;

PAIVA, 2003; ZOTTI, 2005; FRANÇA, 1997).

Em 2 de dezembro de 1837, o Seminário São Joaquim foi transformado em Colégio

de instrução secundária: era criado o Colégio D. Pedro II, cópia de liceus franceses, possuía

anuidades caras e era frequentado exclusivamente pela aristocracia de todo o país, a fim de

prepará-los rumo ao ensino superior. Uma característica presente no processo de construção

desta instituição, que estará presente ao longo da história da educação brasileira, diz respeito à

transplantação cultural12

, isto é, os modelos educacionais bem sucedidos de países

considerados mais desenvolvidos são tomados como referência para serem implementados na

realidade brasileira.

Trata-se de transplantar para o Brasil escravista, clientelista, alguns dos ideários da

Europa do século XIX, a saber: a autonomia individual, o ethos burguês e outros aspectos

constitutivos do liberalismo burguês oitocentista, o que leva a uma tentativa de mimetizar um

ideário educacional que não se conforma a realidade local e, ao mesmo tempo, reflete a falta

de vontade política e de um projeto de políticas públicas de enfrentamento sério para atender a

demanda educacional de um país continental, multifacetado, estratificado e explorado desde

sua invenção enquanto nação (BERENBLUM, 2003; ZOTTI, 2005). Para Freire (1968, p. 79),

trata-se de uma:

Posição típica ou atitude normal de alienação cultural. A de se voltar

messianicamente para as matrizes formadoras ou para outras consideradas em nível

superior ao seu, em busca de solução para seus problemas particulares, inadvertidos

de que não existem soluções pré-fabricadas e rotuladas para estes ou aqueles

problemas, inseridos nestas ou naquelas condições especiais de tempo ou de espaços

culturais. Qualquer ação que se superponha ao problema, implica numa

inautenticidade, por isso mesmo no fracasso da tentativa.

Um exemplo foi o recorrente e falacioso movimento do governo de Michel Temer em

tomar, às avessas, modelos de países como Finlândia, Alemanha, Coréia, Canadá para

reformular o EM brasileiro. Por exemplo, a criação de itinerários formativos em que os jovens

11 Outras instituições secundárias privadas obtiveram destaque neste período, a saber: Colégio dos Jesuítas, Santa

Catarina, fundado em 1845; Colégio de São Luís, em Itu-SP, fundado em 1867; Colégio de Campinas,

organizado pela sociedade Culto à Ciência, fundado em 1874 (FRANÇA, 1997). 12

Nos anos de 1940 e 1950, a estruturação do ensino técnico industrial foi realizado com assessoria da Comissão

Brasileiro-Americana de Ensino Industrial (CBAI); nos anos de 1950 e 1960, a reestruturação do ensino primário

efetivada com o auxílio da Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE); nos anos de 1960

e 1970, a reforma do ensino superior com os acordos MEC-USAID; nos anos de 1980 e 1990, foram efetivados

os convênios MEC-BIRD no Ensino Fundamental; ainda nos anos de 1990, o Banco Interamericano de

Investimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD) influenciaram na regulamentação de intervenções legais como o

decreto nº 2.208/97, portaria MEC nº 646/97 e nº 1.005 que implementaram a reforma do ensino médio e técnico

(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2004).

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pudessem escolher o que gostaria de cursar, inclusive, haveria possibilidade de escolher cursar

mais de um itinerário. Um destes itinerários estaria voltado à profissionalização destes jovens

em que teriam acesso a conhecimentos profissionais - técnicos - para sua inserção no mercado

de trabalho, negligenciando assim a este público- menos favorecido economicamente- uma

formação de natureza mais propedêutica.

Na contramão dessa tendência histórica, a professora investigada, nesta pesquisa,

busca resgatar em sua prática de ensino a realidade vivenciada pela juventude periférica, uma

postura educativa contra-hegemônica, situada, corajosa, que não se limita ao conteúdo

programático disciplinar, mas busca convocar outros letramentos, outras disciplinas, para a

construção de práticas letradas escolares, voltadas a letrar compreender, problematizar e

transformar a realidade e assim tentar desestabilizar a herança colonial - mutista, verbosa,

antidialogal, vertical, impermeável- ainda tão atual no cenário educacional brasileiro (FREIRE,

1989, 1968).

Por outro lado, cabe lembrar que o colégio Dom Pedro II e seus professores foram

fundamentais para o processo de alfabetização e de letramento dos filhos da elite rural e

aristocrática. O Regulamento de 1938 da referida instituição, ao orientar as obrigações

docentes, recomenda: “1º - não só ensinar aos seus alunos as letras e ciências, na parte que lhes

competir, como também, quando se oferecer ocasião, lembrar-lhes seus deveres para com

Deus, para com seus paes, pátria e governo” (MOACYR, 1936, p. 280, apud ZOTTI, 2005, p.

36).

Para além destes preceitos religiosos e nacionalistas, ainda, mobilizados para a

composição de discursos de dirigentes que estão no poder atual, os currículos construídos e o

material didático produzido pelos docentes da principal escola secundária do período imperial-

o colégio Pedro II - serviram como “modelo” para os estabelecimentos de ensino de todo país.

Dentre os materiais didáticos, sinalizamos as Gramáticas da Língua Portuguesa e Antologias

de textos da Literatura Brasileira e Portuguesa, produzidas pelos professores da referida

instituição, fundamentais para o processo de institucionalização do Português como disciplina

curricular, conhecimento destinado à formação do público elitista que frequentava a escola

brasileira até praticamente a primeira metade do século XX13

(RAZZINI, 2000; SOARES,

2002; ZOTTI, 2005).

13 João Ribeiro escreveu três volumes (curso elementar, médio e superior) da Gramática Portuguesa. Tais

manuais tiveram uma notável contribuição para o ensino do vernáculo. Em 1941, o volume para o curso

elementar chegava a 97ª edição e, para o superior, a 21ª edição. Também, em 1877, Fernandes Pinheiro publicou

as Postilas de retórica e poética ditadas aos alunos do Imperial Colégio de Pedro II pelo respectivo professor.

Em 1878, Franklin Dória publica a Tese para o concurso da cadeira de retórica, poética e literatura nacional do

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A partir de 1870, mais uma vez, a influência das ideias europeias continuava a nortear

o ensino secundário brasileiro. O desenvolvimento industrial, agrícola e técnico marca o

momento econômico favorável e próspero do país. Neste momento, o pensamento liberal e as

ideias positivistas ganhavam fôlego via propostas de “inovações” para as instituições

brasileiras. Este cenário possibilitou a criação de uma suposta diversificação dos estudos

secundários: os estabelecimentos de ensino para formação clássica e os estabelecimentos

destinados à profissionalização. Os estudos humanísticos/propedêuticos continuariam a ofertar

a formação letrada necessária para encaminhar as elites ao ensino superior, reproduzindo a

manutenção social dirigente e os profissionalizantes preparariam a mocidade dirigida, hábil e

competente para exercer o ofício necessário ao “progresso”, ao dito desenvolvimento social.

Tais reformas não afetaram o funcionamento do Colégio D. Pedro II, que prosseguiu

formando as elites do país para continuidade dos estudos e manutenção da condição social

letrada e de poder vigente. Por conta disso, o objetivo da estrutura do ensino secundário era

preparar uma facção social para ser encaminhada ao ensino superior, a fim de suprir a

demanda administrativa e política do país. O grau de bacharel em Letras era concedido aos

discentes concluintes dos estudos no Colégio Dom Pedro II, o que eximia a necessidade de

realização de exames parcelados de ingresso (ZOTTI, 2004), aos quais se submetiam os

demais postulantes ao ensino superior.

Quanto ao segundo império (1840-1889), houve um certo avanço na instrução popular

ofertada pelo município neutro e algumas iniciativas relacionadas à educação popular14

. Como

já foi mencionado, o sistema educacional foi descentralizado, cada província ficou responsável

pela organização dos seus sistemas e não precisava prestar contas ou informar a qualquer

órgão. Porém, este esteve ligado ao desenvolvimento econômico, social e político de cada

província. As diversidades regionais decorrentes do desenvolvimento desigual das várias

províncias estavam diretamente relacionadas ao maior ou menor interesse em investir nos

sistemas educativos.

Às vésperas da queda da monarquia, o presidente da província do Pará, Antônio José

Ferreira Braga, em relatório para a Assembleia legislativa, em 18 de setembro de 1889, critica

as condições precárias da instrução pública na província. Neste documento, o representante

externato do Colégio Pedro II. A Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet, circulou como o

principal livro escolar de leitura na escola brasileira por quase 70 anos, do fim do século XIX até as primeiras

décadas do século XX (RAZZINI, 2000). 14

Entendemos por educação popular como aquela que concebe “o Estado e a Sociedade como uma arena (no

sentido gramsciano) na qual é preciso marcar posição, garantir conquistas e conquistar novos direitos,

trabalhando com as contradições e limites existentes tanto no Estado quanto fora dele” (GADOTTI, 2013, p. 02).

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explicitava a contradição existente entre as condições de desenvolvimento material, tendo em

vista os investimentos da economia da borracha e as péssimas condições de vida do povo,

excluído do processo de enriquecimento.

Na verdade, a denúncia trata do não compromisso dos dirigentes com as questões

sociais, dentre elas, a da instrução pública primária (BARROSO, 2006). Universalizar o ensino

para a colônia não era objetivo da aristocracia dirigente, interessava-lhes a manutenção de uma

hegemonia política, econômica, intelectual, fortemente, atrelada aos interesses da metrópole.

Tais fatos permitem vislumbrar o caráter potencialmente transformador da universalização do

ensino público, que o Brasil só alcançaria um século depois, em condições muito precárias de

qualidade de oferta (PAIVA, 2003).

França (1997) investiga a organização da educação pública na província do Grão

Pará, especificamente, o processo de construção e implementação do Liceu Paraense no

período de 1840 a 1889. A instituição foi criada pela a Lei nº 97, de 28 de junho de 1841, que

institucionalizaria a educação primária e secundária na capital da Província. Conforme esses

estudos, este último nível de instrução seria ofertado por dois cursos: Humanidades e

Comércio. O primeiro tinha duração de cinco anos e o segundo corresponderia a dois anos de

duração. As seguintes disciplinas constituíram a grade curricular: Língua Latina, Língua

Francesa, Aritmética, Álgebra e Geometria; Filosofia Racional e Moral; História Universal,

Geografia Antiga e Moderna e História do Brasil; Retórica, Crítica, Gramática Universal e

Poética; Escrituração Mercantil e Contabilidade; Língua Inglesa.

Em agosto de 1851, o presidente da província instituiu o ensino de gramática latina.

Quanto ao ensino de Língua Portuguesa, no regulamento do Liceu Paraense, de 5 de fevereiro

de 185215

, percebemos a presença desta língua na grade curricular, como segunda cadeira

(art.02), embora não apareça na ordem anual de distribuição disciplinar nos seis anos de curso

(art.03), percebemos a presença do Latim nos três primeiros anos, complementado por Inglês e

Francês, o que sugere que o Português era um suporte para o ensino de Latim e demais línguas

modernas.

Razzini (2000) demonstra a supremacia da formação clássica - Latim, Grego,

Retórica, Filosofia -, nas primeiras décadas de existência do Colégio D. Pedro II, em

detrimento da “Gramática Nacional”: 52% do currículo eram destinados ao latim, o que

correspondia a 25% da Carga Horária (CH). Até 1869, a língua latina ocupava entre 17% e

25% da CH do curso secundário; enquanto que o Português e outras línguas, como Francês,

15 Documentos oficiais sobre a história da educação secundária do Pará (1839 a 1964) estão disponíveis em:

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/43e/doc01_43e.pdf. Acesso em: 07 de maio de 2018.

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Inglês, Alemão, Italiano, representavam apenas 10%, mas já sinalizavam a discreta presença

de diferentes repertórios linguísticos e culturais no processo de letramento na esfera escolar.

A autora revela a subordinação do ensino de Língua Portuguesa ao ensino de Latim.

De 1838 a 1869, o mesmo docente ministrava LP, Latim, Gramática Geral, Gramática

Nacional. Progressivamente, em decorrência das inúmeras reformas, decretos e intervenções

oficiais, a Língua Portuguesa adquire estatuto disciplinar, o cargo de professor de Português16

foi criado oficialmente17

, a disciplina tornou-se independente do Latim; a exigência do

vernáculo como requisito fundamental nos exames preparatórios foi regulamentada, bem como

a progressiva inserção da Literatura Brasileira no currículo da principal instituição de ensino

secundário do país (RAZZINI, 2000). Um documento importante referente ao campo

educacional do Brasil Império foi o parecer-projeto “Reforma do ensino primário e várias

instituições complementares da instrução pública”, de 12 de setembro de 1882, de autoria de

Rui Barbosa.

O texto é considerado como um primeiro diagnóstico exaustivo da realidade

educacional nacional relacionada ao ensino elementar, abordando as problemáticas referentes à

obrigatoriedade da educação escolar de 5 a 15 anos, à organização pedagógica, à formação

docente, à criação de escolas, ao orçamento necessário às despesas com o ensino, à qualidade

do material didático, à defesa do ensino laico, e outros. Sua argumentação parte da tese da

estreita relação entre educação e desenvolvimento de um país; “ignorância” popular, miséria,

servilidade e falta de educação. Quanto ao estudo de Língua Portuguesa (LP) e de Gramática,

Rui Barbosa faz referência ao caráter prescritivo do ensino, que ignorava a dinâmica e a

vitalidade da língua. Os educadores da época acreditavam que o processo de ensinar estava

ligado à necessidade de definir, conceituar, categorizar.

Para o referido político, deveria haver a exclusão do estudo das teorias gramaticais do

nível primário e a inclusão de um ensino conduzido por processos intuitivos, produção de

textos no primeiro primário; somente, no segundo grau primário, a Gramática deveria ser

16 Decreto nº 4.773, de 23 de agosto de 1871, cria o cargo de professor de português: “A Princeza Imperial

Regente, em Nome do Imperador, Attendendo a que a experiencia tem demonstrado a necessidade de separar o

ensino da lingua vernacula das outras duas disciplinas, Historia e Geographia, que estavam incluidas em uma só

aula do curso preparatorio annexo á Escola Militar, Ha por bem, em virtude da autorização conferida pelo art. 298

do Regulamento que baixou com o Decreto nº 3083 de 28 de Abril de 1863, Alterar as disposições do Decreto nº

3705,de 22 de Setembro de 1866, determinando que no dito curso haja mais um Professor, especialmente

destinado ao ensino da lingua vernacula, e tambem mais um repetidor além dos que já existem”. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-4773-23-agosto-1871-552183-publicacaooriginal-

69229-pe.html. Acesso em: 18 de setembro de 2017. 17

Decreto nº 4.773, de 23 de agosto de 1871, cria o cargo de professor de português.

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apresentada, mas fazendo uso do método intuitivo para o seu aprendizado. Rui Barbosa já

sinalizava a necessidade de um ensino de Língua Portuguesa mais efetivo, eficiente, produtivo

e reflexivo, tendo como ponto de partida o material textual-discursivo. Posicionamento atual,

significativo, que ainda merece ser, de fato, compreendido e incorporado à reflexão e à

implementação contemporânea sobre ensino de LP. Esse diagnóstico permanece válido em

parte até pelo menos a metade da década de 1960, como princípio de organização interna da

disciplina, com o foco no ensino de gramática normativa, na perspectiva classificatória e

metalinguística (FREIRE, 1989; VASCONCELOS, 1992; PAIVA, 2003).

Depois da Proclamação da República, a constituição de 1891 concede aos estados a

obrigação de difundir o ensino elementar. A nova constituição terminava por adotar quase

todos os princípios do sistema educativo do período posterior, contendo apenas pequenas

alterações. Esta lei não fazia referência à perpetuação do analfabetismo das classes populares

brasileiras18

, pois refletia a falta de interesse político para o estabelecimento de um sistema de

ensino universal. Nessa época, o Colégio Dom Pedro II passou a ser nomeado “Instituto

Nacional de Instrução Secundária" e, no ano seguinte, “Ginásio Nacional”. A referida

instituição foi fortalecida, porque os programas do Ginásio Nacional passaram a ser referência

para Exames Preparatórios e deveriam ser adotados pelas demais instituições.

No período republicano, cinco regulamentações oficiais19

foram criadas para a

estruturação da instrução secundária, com dois objetivos: o aperfeiçoamento e a disseminação

do ensino, marcados pelo processo de inscrição entre a oficialização e a desoficialização, isto

é, o dilema de fazer do ensino secundário uma organização curricular, seriada, a ser cumprida

obrigatoriamente ou um ensino voltado à formação dos alunos em disciplinas específicas para

fins de ingresso em cursos superiores, tendo em vista que o término do secundário não era

requisito obrigatório para ingresso em instituições superiores (ROMANELLI, 2012).

A dualidade da estrutura educacional brasileira remete à dualidade da sociedade

escravocrata que gestou a República, dando prosseguimento aos antagonismos a respeito da

(des)centralização do poder, conformada aos valores e padrões do pensamento aristocrático-

rural. Este dado demonstra a acentuada finalidade do secundário: enciclopédico, propedêutico,

humanístico e, por vezes científico, para formar os mais favorecidos para continuidade dos

18 O censo de 1890 informava a existência de 85,21% de analfabetos na população total.

19 Reforma Benjamin Constant (Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890 e Decreto nº 1.075, de 22 de

novembro de 1890). Reforma de ensino do Ministro Epitácio Pessoa (Decreto nº 3.890, de 1 de janeiro de

1901). Lei Rivadávia Correia (Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911). Reforma Carlos Maximiliano (Decreto

nº 11530, de 18 de março de 1915). Reforma João Luis Alves (Decreto nº 16782, de 13 de janeiro de 1925).

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estudos, perpetuando a faina de atender aos interesses e ideologias da hegemonia vigente

(PAIVA, 2003; ZOTTI, 2004).

Razzini (2000) sinaliza a presença das seguintes características da instrução

secundária correspondente ao primeiro período republicano: (i) valorização do ensino de LP;

(ii) ênfase aos temas nacionais; (iii) desaparecimento das disciplinas do “antigo regime” -

Religião, Filosofia e Retórica. É necessário mencionar que, neste período, a disciplina de

Instrução Moral e Cívica passa a integrar a grade curricular do ensino secundário, uma espécie

de mecanismo curricular-ideológico a serviço dos interesses do Estado vigente. Este

instrumento “ideo-curricular” dá continuidade à tentativa de controle e de dominação do

aparelho ideológico estatal, utilizado reiteradamente em vários momentos da história da

Educação brasileira para impor valores e ideais da hegemonia política dirigente

(ALTHUSSER, 1985; ZOTTI, 2004).

Bunzen e Medeiros (2016) observam que, nessa conjuntura, a disciplina curricular

Língua Portuguesa passou a ter um espaço considerável na grade curricular do secundário. A

obrigatoriedade e o restabelecimento da precedência do exame de português impulsionaram o

crescimento vertiginoso da disciplina, em especial, o ensino de gramática do vernáculo, em

detrimento das atividades de leitura e de produção de textos. Este dado evidencia a estreita

relação entre as políticas linguísticas, o processo de estandardização da língua nacional, a

suposta construção de uma identidade nacional genuinamente brasileira e os possíveis

letramentos em circulação na escola no processo de ensino de leitura e de escrita do vernáculo

(GNERRE, 1998; BERENBLUM, 2003).

Para fechamento desta seção, o quadro 1 busca apresentar, de forma sumarizada, os

propósitos da educação secundária do período colonial ao início do século XX, sinalizando o

famigerado e insuficiente processo de implementação da instrução de base, nos primeiros

séculos de invenção do país.

Quadro 1 - Caracterização dos fins da educação secundária e do ensino de Português: da

Colônia à República velha

Período histórico Propósitos da educação secundária Ensino de português

Período colonial

(1500-1759)

Formação de lideranças para pregar a fé e para

atuarem como agentes do Estado;

Conformidade aos propósitos missionários e

coloniais;

Educação de base literária, filosófica, clássica;

Manutenção do monopólio intelectual da

metrópole;

Ênfase ao trabalho intelectual;

Contundente reação ao pensamento crítico, recusa

Latim como o idioma de estruturação do

ensino secundário e superior liderado pelos

jesuítas;

LP era um instrumento para aprendizagem

do e através do latim.

Ensino estruturado no tripé: Retórica,

Oratória e Gramática.

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ao pensamento científico/experimental que

despontava na Europa;

Objetivo: formar a elite dirigente.

Período pombalino

(1759- 1808)

Fragmentação do ensino secundário;

Criação das aulas régias, autônomas, isoladas,

baseadas no enciclopedismo;

Educação de base clássica, ornamental e

europeizante dos jesuítas;

Conformidade aos propósitos coloniais;

Manutenção do monopólio intelectual da

metrópole;

Pouco interesse em implementar educação

universalizante, popular e de qualidade;

Interesse em reforçar a dependência e submissão

da colônia a metrópole.

Tentativa de laicização do ensino.

Objetivo: formar a elite dirigente.

Com a reforma pombalina houve a

obrigatoriedade do uso e do ensino da LP

nas escolas brasileiras;

Tal política linguística reflete a tentativa de

controle e de domínio da colônia;

A LP passa constituir componente curricular

ao lado da gramática latina, mas ainda é

veiculada como instrumento para o ensino

do verdadeiro objeto de ensino: o Latim.

Período imperial

(1808-1889)

Formação de elites conforme modelo europeu;

Ensino de caráter conteudista e enciclopédico;

Conciliação entre formação literária e formação

humanista para fins de ingresso no ensino superior;

Objetivo: formar a elite dirigente.

Subordinação do ensino de LP ao ensino de

Latim;

Acentuada progressão da CH e do currículo

de LP e de Literatura Brasileira;

Eixos de estruturação da disciplina: Leitura e

Recitação de Português, Exercícios

Ortográficos, Quadros da literatura nacional;

Inclusão do exame de Português;

A aula de LP torna-se independente;

Ensino baseado em comentário, exemplos e

exercício como na Gramática Nacional

Elementar (1864), de Caldas Aulete.

Período

republicano I

(1889-1930)

Continuidade de formação de quadro dirigente e de

um modelo curricular voltado para este fim;

Predominância de formação para as Humanidades,

seguido de componentes curriculares das Ciências,

Matemática, Desenho, Estudos Sociais;

Ensino de caráter propedêutico e enciclopédico

para atender aos interesses da oligarquia cafeeira de

tradição ruralista que assistiria à depressão de 1929

e à transição da economia agrária para a industrial.

Objetivo: formar a elite dirigente.

Progressão da CH de LP;

Período de valorização do ensino de LP e

declínio do Latim;

Fusão do ensino de LP e literatura;

Centralização e controle do Material

Didático;

Reestabelecimento da precedência e

obrigatoriedade do exame de Português:

Redação e a prova escrita com análise

gramatical e análise sintática de um trecho

clássico de português;

Prestígio para a leitura de “obras modernas”;

A ênfase gramatical arrefece e é concedida

maior atenção ao ensino “prático”.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Razzini (2000); Soares (2002); Paiva (2003); Zotti (2004,2005).

É possível constatar que se delineia nesse panorama a formação de um currículo

mais voltado a atender aos interesses de uma política colonialista, elitista, pouco ou nada

comprometida com a universalização do ensino, a participação política e a autonomia da

população brasileira. Formava-se uma elite para conhecer a literatura vernácula e estrangeira,

bem como a variedade de prestígio do Português, especialmente, a modalidade escrita do

português.

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Nessa direção, atenta-se que o componente curricular “Português” pouco contribui

para uma formação letrada e que parece mais atender aos interesses políticos da época do que

às necessidades do povo no sentido de acesso às letras, à leitura, à escrita e aos diferentes

repertórios linguísticos e culturais do povo brasileiro, em especial, das classes sociais menos

favorecidas economicamente.

Podemos dizer que houve uma verdadeira interdição à cidade das letras durante 430

anos (RAMA, 1985) e o reflexo dessa conjuntura histórica, colonial da Casa Grande e

Senzala ainda goteja seus resquícios até hoje na realidade social, política, econômica, cultural

e educacional brasileira. Nossa investigação reflete sobre a tentativa de implementação de um

trabalho de ensino, que considere as culturas locais, em um contexto periférico, brasileiro, e

que é atravessado pela obrigatoriedade de didatizar um conteúdo programático atrelado à

normatização curricular, docimológica, dominante, homogeneizante, que perdura desde o

Brasil colonial.

2.2 O ENSINO SECUNDÁRIO: DO GOLPE DE 1930 AOS ANOS DE 1980

A partir dos anos de 1930, o Brasil, marcado pela crise da economia agrária, caminha

rumo ao processo de industrialização e de urbanização. A emergência de uma sociedade

urbano-industrial desponta em meio a um cenário de mudanças e intermediário entre o Brasil

rural e o Brasil industrial, indiciado não só por uma mudança de modo de produção, mas

também por um processo de substituição de um modelo capitalista dependente,

agroexportador, por um modelo capitalista dependente, urbano-industrial. Nesse contexto de

fortalecimento industrial e crescimento urbano, a instrução escolar desponta como uma

demanda necessária ao desenvolvimento do novo modelo econômico e da propaganda de um

“novo Brasil”.

No primeiro momento, Getúlio Vargas incluiu em seu programa de governo a difusão

extensiva do ensino público20

, em especial, o ensino técnico-profissional, criando alianças e

colaborando com os estados, fundou os Liceus Industriais e reformou o ensino comercial e

industrial21

. Quanto ao ensino elementar, o apoio à difusão do ensino primário foi realizado na

forma de apelo aos Estados para investirem no setor. No período de 1932-1936, houve um

20 A constituição de 1934 fazia referência à criação do Plano Nacional de Educação para todos os níveis de

instrução, coordenar e fiscalizar em todo território nacional. Nesse documento, a educação é reconhecida como

direito de todos. O ensino primário foi instituído como gratuito, obrigatório e extensivo aos adultos. Além disso,

fixava as porcentagens mínimas de investimento no campo educacional: governo central e municipal 10% e

governo estadual e Distrito Federal 20%. Este último ponto não foi mantido pela constituição de 1937. 21

Vale lembrar a fundação da Cruzada Nacional de Educação em fevereiro de 1932.

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crescimento de matrículas superior a 30%. Tal aumento deve-se aos esforços estaduais e às

reformas qualitativas orientadas pelos educadores renovados. Cabe lembrar que, nesse período,

as desigualdades regionais econômicas são bem refletidas no campo educacional, São Paulo e

Distrito Federal gastavam 30 vezes mais que os estados do Nordeste, por exemplo (PAIVA,

2003).

Nesse contexto, o governo Vargas fundou o Ministério da Educação e Saúde, que

instituiu a Reforma Francisco Campos - decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931-, a fim de

tentar conferir organicidade a esta etapa de ensino para fins de superação da mera etapa de

preparação para o ensino superior. O resultado disso foi: (i) a construção de um desenho

curricular configurado para uma formação geral e específica do homem, a fim de formar mão

de obra para os mais diversos setores sociais e produtivos da sociedade; (ii) institucionalização

do currículo seriado, obrigatório, disposto em dois níveis de estudo: o fundamental (etapa

comum, de formação geral, com duração de 5 anos, obrigatório para ingresso no ensino

superior) e o complementar (etapa de adaptação, de formação específica, com duração de 2

anos, obrigatória para ingresso somente em determinadas instituições); (iii) equiparação de

todas as escolas secundárias ao Colégio Pedro II; (iv) implementação de programas de ensino

de LP que abordassem “obras modernas”, exercícios de leitura voltados à explicação do texto,

estudo do vocabulário, interpretação dos textos, análise literária, entrada de literaturas

europeias contemporâneas e literatura americana (BRASIL, 1931).

Cabe lembrar que esta primeira grande configuração federal para a instrução secundária

mantém a natureza enciclopédica, propedêutica, humanista e elitista da escola brasileira e não

estaria, de forma alguma, articulada aos vários cursos do ensino-técnico profissional e também

não visava à emancipação das classes populares. Os cursos eram destinados a atender

provavelmente aos “desvalidos da sorte”, que formariam a mão de obra necessária ao dito

desenvolvimento social e econômico do país.

Demarcava-se, nitidamente, a natureza dual da referida etapa de ensino: o ensino

secundário e o ensino técnico-profissional - comercial e industrial: prioridades da reforma -,

demarcando um binarismo social e educacional voltado a responder às demandas

conservadoras de uma elite. Vale ressaltar que ensino técnico-profissional não permitiria ao

concluinte a possibilidade de acesso ao ensino superior, exceto, em caso de continuidade em

áreas específicas (RAZZINI, 2000; GOMES, 2000; ZOTTI, 2004).

Com o estabelecimento do Estado Novo, em 1942, é instituída a Reforma Capanema,

pelo decreto lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que passa a legislar sobre o secundário, o

Curso Ginasial com ciclo fundamental, de quatro anos de duração e o Curso Colegial, que

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era um ciclo complementar com três anos de duração e tinha duas modalidades: o curso

clássico e o curso científico. O primeiro era voltado ao estudo das Letras ou das Humanidades

e o segundo direcionado às Ciências. Paralelo ao ensino secundário geral, foram realizadas as

reformas para regulamentação do ensino técnico-profissional22

que tinha como objetivo

habilitar os discentes para o ingresso no nível superior, enquanto que os cursos Normal,

Agrotécnico, Comercial técnico e Industrial técnico não asseguravam o acesso à educação

superior.

É importante dizer que esta organização escolar reporta ao fato de que o “passaporte”

de acesso ao ensino superior está intrinsecamente articulado ao domínio de conteúdos gerais,

das Ciências, das Letras, das Humanidades, saberes tidos como legitimados e válidos para a

formação daqueles que deveriam assumir os lugares sociais considerados mais prestigiados,

do ponto de vista, político, econômico, cultural, imprimindo, mais uma vez, a natureza

enciclopédica, literária, elitista e dual da configuração curricular do ensino secundário

brasileiro.

Ao analisar os dados da matrícula deste período, Gomes (2000) aponta um dado

interessante: as classes médias urbanas passaram a integrar o corpo discente da escola

secundária acadêmica, enquanto que houve no mesmo período uma expressiva diminuição de

ingresso nos cursos profissionalizantes. O resultado da expansão de um currículo acadêmico

implicou a formação de uma demanda de concluintes que, em tese, não estaria preparada para

o mercado de trabalho, mas que poderia suprir algumas necessidades de uma sociedade

urbanizada e, industrializada, que, decerto, precisaria de mão de obra para os setores

burocráticos, comerciais e de serviços.

Uma mudança significativa no Estado Novo foi a centralização e controle dos Livros

Didáticos (doravante LD) pelo Ministério da Educação e Saúde, retirando a hegemonia do

Colégio Pedro II23

, quanto à criação de materiais didáticos que seriam largamente adotados

nas escolas de todo o país. Foi criada a Comissão Nacional do LD. Quanto ao Programa de

Português do curso ginasial, a portaria nº 170, de 11 de julho de 1942, instituiu a

preeminência da literatura, com destaque para leitura patriótica/nacionalista e um crescimento

acentuado para gramática no currículo de Português.

22 Conjunto de leis orgânicas que regulamentaram o ensino técnico-profissional: Decreto-lei nº 4.048 de

30/01/1942 para o ensino industrial; Decreto-lei nº 6.141 de 28/12/1943 para o ensino comercial; Decreto-lei nº

9.613 de 20/08/1946 para o ensino agrícola. 23

Decreto nº 1.006, 30 de dezembro de 1938.

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Com a derrocada do Estado Novo, uma nova constituinte foi promulgada em setembro

de 1946 e, após um período de trezes anos, em 20 de dezembro de 1961, foi promulgada a

primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei nº 4024/1961 instituía: (i) o

processo de descentralização das orientações curriculares; (ii) a eliminação de quaisquer

restrições de acesso ao nível superior por parte dos egressos dos cursos profissionalizantes;

(iii) a nova designação para a etapa: ensino médio; (iv) a manutenção da estruturação do curso

secundário de sete anos e a dualidade estrutural das redes de oferta, perpetuando a faina de

formar explicitamente dirigentes e dirigidos; (v) a redução do número de disciplinas

solicitadas: nove disciplinas para o ciclo ginasial e oito para o ciclo colegial, além das práticas

educativas que deveriam ser ofertadas de acordo com a escolha e possibilidade das escolas);

(vi) a LP passou a ser disciplina obrigatória, com aumento da CH, de 20 horas no ginasial e

10 horas ou mais no colegial; no ginasial, o ensino seria composto por três partes: expressão

oral, expressão escrita, gramática expositiva; no colegial, haveria aprofundamento dos

conhecimentos gramaticais, estudos das literaturas e análise literária (RAZZINI, 2000;

KUENZER, 2007).

Devido às mudanças implicadas pelo Golpe militar de 1964, em 1971, uma nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 5.692, 11 de agosto de 1971, foi publicada e

regulamentou: (i) a equivalência entre os ramos propedêutico e profissional para o secundário;

(ii) a obrigatoriedade da habilitação profissional; (iii) a mudança de denominação: primeiro

grau e segundo grau; (iv) a extensão da obrigatoriedade de quatro para oito anos do primeiro

grau e redução de sete para três a quatro anos do segundo grau; (v) a eliminação do exame de

seleção, etc. Vale atentar para a possibilidade do ensino secundário como etapa de preparação

para o exercício de profissões técnicas, o que, na verdade, camuflou a generalização da

habilitação profissional como finalidade desse nível de ensino, reforçando assim a natureza de

uma formação especializada para papeis sociais específicos, que, de certa forma, obliterava a

necessidade de uma educação emancipatória para a população mais pobre, o que convergia

com as demais políticas – econômicas e sociais - dos governos militares.

Ao relacionarmos o modelo político e econômico do período histórico à proposta

curricular, é possível delinear ao menos três metas: (i) restrição de acesso ao ensino superior e

a ênfase ao discurso patriótico, ao discurso do dever cívico para manutenção da ordem24

; (ii)

tentativa de despolitizar o ensino secundário a partir da aplicação de um currículo tecnicista,

voltado, em tese, ao mercado de trabalho, alicerçado na teoria do capital humano; (iii)

24 O decreto nº 58.023, de 21 de março de 1966, regulamenta as normas sobre a Educação Moral e Cívica em

todo o país.

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preparação de mão de obra, a fim de atender às demandas do desenvolvimento econômico

decorrente do dito “milagre econômico”. Nessa época, houve a proliferação de escolas

profissionais para atender às necessidades das diversas áreas de atuação, multiplicadas, de

modo desordenado e voltadas para atender aos interesses imediatos do mercado (ZOTTI, 2004;

KUENZER, 2007; RAMOS, 2007).

Zotti (2004) chama a atenção para o fato de que não foram disponibilizados os recursos

humanos e materiais necessários para dar aparato às redes públicas de ensino do país, a fim de

que pudessem oferecer a profissionalização proclamada. Enquanto isso, as escolas da rede

privada criavam “simulacros” dessa profissionalização ou simplesmente a desconsideravam e

continuavam a preparar para o ingresso no ensino superior. A lei proclamava uma extensa

oferta de cursos, mas, na prática, a inviabilidade de implementação constrangia as redes

pública e privada a oferecer uma educação limitada e pouco diversificada, tendo em vista as

demandas de formação necessária ao trabalho, à cidadania, à participação política, social,

transformadora. Em 1981, a lei nº 7044 revoga a obrigatoriedade da profissionalização.

Cabe mencionar que, nos anos 1970, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº

5.692 /71) altera mais uma vez o nome da disciplina Língua Portuguesa para “Comunicação e

expressão” nas primeiras séries do que hoje é considerado Ensino Fundamental (EF);

“Comunicação em língua portuguesa” para as séries finais do EF; “Língua Portuguesa e

Literatura Brasileira”, para o segundo grau (BRASIL, 1971).

Nessa época, pode-se perceber o desaparecimento do latim no currículo, a influência da

teoria da comunicação que, de certa forma, conferiu legitimidade de ordem teórica à entrada de

textos variados para a leitura na escola – propagandas, quadrinhos, notícias-, textos de outras

esferas sociais migram para a leitura escolarizada, o que pode ser considerado bastante

relevante ao processo de disseminação dos letramentos vernaculares ou locais no âmbito

escolar-disciplinar; bem como o aumento significativo de uma literatura ao público infantil.

Tais mudanças implicaram a perda da hegemonia das Antologias e a inclusão da literatura

vernácula nos vestibulares (RAZZINI, 2000; SOARES, 2002; BUNZEN, 2006; PIETRI,

2010).

O foco do ensino estaria interligado ao desenvolvimento do uso da língua, entendida

como código, e à capacidade de emitir e receber mensagens (BUNZEN, 2006; SOARES,

2002; PIETRI, 2010; RAZZINI, 2000). Nesse momento, foi publicado um documento

relevante para o ensino de escrita: o decreto federal nº 79. 298, de 24 de fevereiro de 1977, que

instituiu, a partir de janeiro de 1978, a obrigatoriedade da prova de redação em Língua

Portuguesa nos Vestibulares (BUNZEN, 2006).

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A publicação do decreto coloca em cena duas situações pertinentes ao contexto

educacional em debate. A primeira é a grande demanda pelos cursos universitários. A segunda

remete à necessidade de retorno da redação aos exames vestibulares. A imposição oficial

implicou a (re)criação de uma “nova disciplina” no currículo para ensinar a fazer a chamada

Redação de Vestibular. Se, por um lado, a medida estimulou, de algum modo, o ensino de

escrita de textos para atender a um aparelho docimológico externo à escola, por outro lado,

estes objetos de avaliação passaram a servir como objeto de estudo para pesquisadores

brasileiros nas décadas de 1970, 1980 e 199025

interessados no ensino-aprendizagem de

Português. Ferreira (2017, p. 67) formula26

as seguintes constatações referentes a este

investimento teórico, analítico, reflexivo da academia brasileira:

(i) a constatação de recorrentes problemas de redação concernentes ao uso

normativo, à informatividade, à concatenação de ideias, à ausência de

posicionamentos críticos, mas também à presença de fenômenos linguísticos

relevantes para refletirmos sobre traços característicos do português brasileiro

em curso, vivo, dinâmico, oriundo dos usos reais da língua;

(ii) o conjunto de análises sinaliza para a necessidade de ensinar escrever, levando

em consideração as reais condições de produção, a existência de um

interlocutor, os propósitos comunicativos, a funcionalidade e a

operacionalização da escrita em práticas situadas;

(iii) a crítica ao ensino balizado no uso de estratégias de preenchimento e de

modelos prontos, centrados nos tipos textuais narrativo, descritivo e

dissertativo, os quais não garantiriam ao aluno, em tese, a condição de

produtor de textos;

(iv) a necessidade de construção de um arcabouço teórico-metodológico com base

em estudos linguísticos, a fim de repensar não só alternativas relativas às

práticas de ensino de língua materna, mas também para melhoria dos materiais

didáticos, constituição de regulamentação oficial orientadora da ação docente,

tentativa de (re)estruturação de sistemas avaliativos e inserção de critérios de

caráter textual e discursivo nestes aparelhos docimológicos.

O significativo progresso das pesquisas acadêmicas concernentes aos processos de

ensino-aprendizagem de línguas na escola, o impacto das teorias da enunciação, as pesquisas

no campo do texto e da leitura, a repercussão das pedagogias críticas, a ampliação de cursos de

formação continuada, os estudos sobre letramento e de outros campos do conhecimento

igualmente relevantes, aliados ao contexto de redemocratização do país, de gestão de uma

nova conjuntura, que precisasse reaver a histórica dívida educacional em termos de

universalização da educação elementar e secundária, introduzem um novo capítulo para a

25A saber: Viana (1976), Carone (1976), Fernandes (1976), Baccega (1977), Pécora (1977, 1989), Lemos (1977),

Lima (1977), Mamizuka (1977), Negrão (1977), Osakabe (1977), Val (1991), Brito (1995), Barros (1999),

Sautchuk (2003), dentre outros. 26

As formulações foram tecidas inspiradas basicamente a partir das leituras de (BRITTO, 1997; PIETRI, 2010,

GOMES-SANTOS, 2010).

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Educação brasileira que será (re)delineado, em especial, a partir da nova LDB no fim da

década de 1990.

Consequentemente, a constituição do ensino de Língua Portuguesa é, de algum modo,

afetada tanto pelos fatores supracitados, quanto pela expansão da oferta, pela implantação dos

sistemas avaliativos27

e pela publicação de uma série de documentos oficiais. Mais adiante,

faremos uma breve apresentação destas publicações para situar e apontar as informações

relevantes ao ensino de leitura e de escrita na escola básica e secundária.

2.3 O ENSINO SECUNDÁRIO: DE 1980 AOS PRIMEIROS DECÊNIOS DE 2000

No final da década de 1980, a Constituição Federal (CF), de 1988, Artigo 5º, instituiu a

educação como um direito social, ao lado da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da

previdência social, da proteção à maternidade, à infância, da assistência aos desamparados,

direito à moradia, à alimentação. No Capítulo III – “Da educação, da cultura e do desporto”, na

seção I - Da educação, artigo número 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e

da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho” (BRASIL, 1988).

Com a promulgação desta nova lei, delineava-se o esboço de uma nova reforma

educacional, que mobilizou vários segmentos da sociedade brasileira envolvidos com as

questões de Educação, a fim de construir um projeto capaz de articular a formação da

juventude e, ao mesmo tempo, a uma demanda de exercício da cidadania ativa, atuante nas

atividades política e produtiva da sociedade. No fim da década de 1990, na nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9.394/96, no artigo 4º da LDB, a educação é

apresentada como um direito do cidadão e é um dever do Estado atendê-lo mediante oferta

qualificada.

Neste documento, o EM é considerado etapa final da Educação básica, para fins de

prolongamento e aprofundamento da educação geral, com vistas à preparação básica para o

trabalho e cidadania; que deveria contemplar uma visão orgânica do conhecimento, a fim de

27 Em meados da década de 90, temos a implantação do primeiro sistema de avaliação do Ensino Fundamental e

do Ensino Médio, SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que teria o papel de investigar a situação

dos referidos níveis de ensino em escala nacional, a fim de melhor conhecer a realidade da escola brasileira,

identificar as principais necessidades e procurar planejar políticas públicas, para tentar melhorar a qualidade do

ensino ofertado tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo.

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propor uma relação mais estreita entre teoria e prática e uma oferta limitada a um anunciado

processo de progressiva universalização (GOMES, 2000).

Relegando boa parte das contribuições do amplo debate realizado, a lei instituída como

parte integrante das políticas educacionais, propostas pelo governo Fernando Henrique

Cardoso, expressava uma concepção de educação ligada ao modelo econômico em curso,

versão nacional do processo globalizado, que exigia uma nova forma de relação entre Ciência

e Trabalho. As formas de fazer, determinadas a partir de processos técnicos simplificados,

restritos no geral a uma área do conhecimento, transparentes e facilmente identificáveis e

estáveis, são substituídas por ações voltadas a articular saber científico, capacidades cognitivas

superiores, capacidade de intervenção crítica e criativa perante situações não previstas, que

exigem soluções rápidas, originais e teoricamente fundamentadas.

O fato do EM28

passar a ser configurado na LDB (Lei nº 9394/96) como etapa final da

educação básica ocorreu em um momento de profundas alterações de ordem tecnológica e

econômico- financeira. A ideia do EM como parte da educação básica está em consonância

com esse novo contexto educacional, uma vez que a LDB objetivava que esta etapa

consolidasse e aprofundasse os conhecimentos adquiridos na educação fundamental,

desenvolvesse a compreensão e o domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos e não

apenas preparasse para o vestibular.

Nessa conjuntura, vale assinalar que o EM brasileiro possuía múltiplas finalidades:

preparar para a cidadania, para o mundo de trabalho e para o ingresso no ensino superior, a

partir de uma formação dita generalista. Isso lhe imprimia uma identidade pouco definida. No

que diz respeito ao EM profissional29

, a LDB permite a formação para o exercício profissional,

atendida a formação geral do educando, sobre o pressuposto de que a educação profissional

por si só é insuficiente, sem uma educação geral.

Dessa maneira, o currículo deveria contemplar os conteúdos definidos por esta etapa de

desenvolvimento de forças produtivas, orientada por metodologia que estimule a iniciativa e a

reflexão, permitindo a formação profissional articulada à formação geral do educando, o que

remonta ao caráter propedêutico já assinalado em leis anteriores. Esta caracterização curricular

do EM estaria, então, circunstanciada a contemplar diferentes finalidades: formar para a

28 A lei, embora bastante flexível, é rígida em três pontos no que se refere ao ensino médio: mínimo de 3 anos,

2.400 horas, 800 horas por ano, 200 dias letivos anuais, constituída por 13 disciplinas. 29

O decreto nº 2.208, de 17/04/97 regulamentou a educação profissional e estipulou a oferta em módulos,

separado do EM regular.

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cidadania; formar para o mundo do trabalho; formar para continuidade dos estudos

(KUENZER, 2010, 2007).

Para Zibas (2005), a reforma da década de 1990 do EM brasileiro reiterou a retórica do

discurso da progressão tecnológica e produtiva para formar sujeitos polivalentes e capazes de

aprender e de se apropriar de competências gerais, flexíveis e transferíveis. Por conta disso, os

sistemas de ensino deveriam produzir um conjunto de saberes, de conhecimentos, de

metodologias e de avaliações balizadas em princípios que pudessem incitar iniciativa,

responsabilidade, trabalho em equipe, autonomia, por intermédio de uma integração de

disciplinas, contextualização dos conteúdos disciplinares, protagonismo dos sujeitos, avaliação

formativa e de caráter processual.

Uma formação flexível, generalista, única, que, em tese, prepararia todos para o

exercício da cidadania, para a construção de uma ética discursiva, letrada, diversificada,

competente, hábil, voltada a uma gama de funções sociais para encenar competências

profissionais renováveis, movediças, múltiplas, que concatenassem com a construção de

projetos locais e de vida dos sujeitos. Essa foi a aposta da supracitada reforma.

O novo modelo coloca em voga o fazer escolar etiquetado como “tradicional”,

reacendendo a pauta não tão nova entre os defensores da “escola tradicional” e da “escola

nova/ativa/progressiva”. Estas mudanças polêmicas, tensões e dilemas relativos ao EM

brasileiro estão encampados nas escolas brasileiras e obviamente ressonam nos processos de

(re)constituição das disciplinas curriculares encenadas nas escolas médias, em especial, as

públicas, que resistem e sobrevivem, ainda, à necessidade de maiores investimentos, em

melhoria de gestão dos recursos, criação de programas contínuos, efetivos e eficientes para a

formação docente, investimento na infraestrutura dos prédios, que possibilitassem condições

mais decentes e dignas para as comunidades escolares.

Conforme a categorização de Levin e Hopfenberg (1993), esta reforma pode ser

considerada como uma transformação de 2º nível30

, porque faz referência ao tipo de mudança

que propõe modificar a cultura escolar básica, revendo a organização, a responsabilidade, as

expectativas e metas da escola e de todos os agentes envolvidos, o que implicaria a

necessidade de transformação das ações de todos os atores e setores nela intrigados.

Nas primeiras décadas do novo milênio, há um considerável número de publicações de

regulamentações oficiais voltadas ao EM, que indicia algumas mudanças e permanências na

30A transformação do 1º nível é tipo de reforma que busca mudar a escola em eficácia e eficiência; a organização

da escola, os pressupostos básicos, mas a forma essencial como os profissionais e alunos atuam na escola não são

modificadas.

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cena social, política, histórica econômica do país. No que tange ao EM, podemos elencar

alguns aspectos que julgamos significativos e pertinentes à investigação em questão: (i) apesar

da expansão da matrícula do EM, de 3,7 milhões em 1991 para 9,1 milhões de jovens em 2004,

a universalização desta etapa da escolarização ainda constitui um desafio, que deve ser

contemplado pelas políticas públicas atuais; (ii) a regulamentação de documentos nacionais

norteadores da prática docente e da estruturação didático-curricular, revelando a função do

governo central no sentido de contribuir para a promoção de políticas no âmbito nacional; (iii)

a regulamentação do FUNDEB31

pela Lei n°. 11.494, de 20 de junho de 2007, que consiste em

uma espécie de fundo para financiar a educação básica, obviamente, constitui relevante

incremento para financiamento do EM, embora não seja suficiente para garantir todas as

condições de acesso, permanência e garantia de término de todo o ciclo da educação básica, é

imprescindível para manutenção da educação de base no país ; (iv) a institucionalização do

piso nacional para docentes da educação básica, o que não garantiu que todos os governos

estaduais e municipais cumprissem, de fato, esta determinação; (v) implementação e ampliação

de sistemas avaliativos voltados ao crescimento de padrões ou níveis de desempenho

educacional a serem usados para o estabelecimento de parâmetros de competitividade

internacional, o que denota uma forma do controle estatal para fixar parâmetros, objetivos e

técnicas de medição para avaliar a multifacetada e desigual realidade educacional brasileira

(OLIVEIRA, 2009).

A seguir, o quadro 2 apresenta algumas das principais intervenções oficiais do governo

federal direcionadas ao EM nas últimas décadas.

Quadro 2 - Documentação oficial referente ao Ensino Médio no Brasil de 1995 a 2017

Regulamentações, diretrizes, orientações,

programas do Estado brasileiro voltados ao Ensino Médio

1995 Ampliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) para o EM;

1996 LDB 9.394/96. Inclusão do EM na Educação Básica (obrigatório: Ensino Fundamental);

1997 Criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM32

)

Decreto n. 2.208, de 17/04/97 regulamenta a educação profissional;

1998 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM);

1999 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM);

2001 Matrizes de referência SAEB/INEP (3º ano do EM);

31 Fundo Nacional para a Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissional do

Magistério 32

Para maiores informações sobre o ENEM e as influências dos sistemas avaliativos nas práticas de ensino de

escrita na escola pública, ver Vicentini (2014).

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2002 Orientações Complementares aos PCN (PCN+);

2003 Criação do Programa Nacional do Livro Didático de Ensino Médio (PNLEM): Portaria Ministerial n.º

2.922, de 17 de outubro de 2003;

2004 Decreto 5.154/2004. Ensino Médio Integrado: formação nos eixos da Ciência, Cultura e Trabalho;

2006 Orientações Curriculares para Ensino Médio (OCEM);

2009 EC 59/2009 incorpora na Constituição Federal a obrigatoriedade escolar dos 4 (quatro) aos 17 anos,

indicando o ano de 2016 para que se efetive.

Criação do Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) e do novo ENEM;

2010 Resolução CNE/CEB 04/2010 Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, 14 anos

após ter sido sancionada a LDB, a educação básica deve ser compreendida como “um conjunto

orgânico, sequencial e articulado” (Brasil, Parecer CNE/CEB 07/2010 e Resolução CNE/CEB 04/2010);

2011 Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (parecer CNE/CEB n. 5/2011);

2013 Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio;

2014 PNE (2014-2024): Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a

17 anos e elevar até 2024, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%;

2016 Programa de Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral, portaria n. 1.145/2016;

2017 Lei 13.415/2017 incorporada à Lei 9394/ 1996;

2018 BNCC do Ensino Médio.

Fonte: Elaboração a partir de levantamento documental e bibliográfico.

Deste conjunto de documentos, destacaremos duas regulamentações para apreciação

mais acurada, tendo em vista a relevância dos mesmos para a orientação do trabalho de ensino

de Língua Portuguesa: os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

(BRASIL,1999) e as Orientações Nacionais para Ensino Médio (OCEM, 2006), uma vez que

são os documentos curriculares em voga no momento da geração de dados para esta tese. Nos

anos de 1997 e 1998, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do

Desporto do Governo Federal publicou o documento intitulado Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN) para orientar o trabalho do professor de várias disciplinas escolares e os

níveis de progressão curricular.

Para Rojo (2000), esta intervenção governamental é representativa em termos de

política educacional e linguística, pois significa um avanço em prol da formação letrada, crítica

e consciente da sociedade brasileira. No sentido de buscar garantir um currículo mínimo e

necessário para contemplar esta demanda historicamente constituída e negligenciada pelo

poder público, a autora sinaliza a necessidade de um investimento vigoroso em termos de

reflexão sobre os processos de transposição didática e acerca da apropriação do desenho

curricular que, por sua vez, estão articuladas a três eixos basilares: “a construção de currículos

plurais e adequados a realidades locais”, “a elaboração de materiais didáticos que viabilizem a

implementação destes currículos”, “a formação inicial e continuada de professores e

educadores” (ROJO, 2000, p. 28). Gomes-Santos (2007) propõe, ainda, a “realização do

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currículo em sala de aula”, isto é, os processos de didatização dos objetos de ensino

(re)constituídos por intermédio do trabalho docente.

Em 1999, houve a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio (PCNEM). O documento apresenta quatro grandes blocos intitulados: Parte I. Bases

legais; Parte II. Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Parte III. Ciências da natureza,

matemática e suas tecnologias; Parte IV. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Os PCNEM

explicitam três conjuntos de competências: comunicar e representar, investigar e compreender,

assim como contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. Na seção

conhecimentos de Língua Portuguesa, encontramos a discussão da problemática da divisão

curricular do ensino de língua materna em gramática, estudos literários e redação, reproduzida

pelos livros didáticos e vestibulares.

O texto apresenta uma crítica a esse ensino tripartido e propõe o ensino integrado e

interdisciplinar dos saberes33

. A orientação teórico-metodológica proposta para o ensino é uma

perspectiva essencialmente dialógica, que concebe a linguagem como espaço de manifestações

de caráter social, político, ideológico e histórico. O texto oficial aponta para a necessidade de

conhecimento das práticas socioculturais dos grupos sociais formadores da realidade nacional,

tidas como “patrimônio”, as quais precisam ser analisadas e reconhecidas como material

simbólico representativo da diversidade social e histórica.

Apesar da importância do documento para o cenário educacional nacional, a reflexão

sobre os objetivos, conteúdos e da didática necessários ao ensino de Língua Portuguesa, tendo

em vista o multifacetado e desigual universo escolar do EM brasileiro, ainda, não foi

contemplada no documento supracitado, que não apresenta uma reflexão de natureza teórica,

conceitual, metodológica mais acurada e consistente. Saliente-se que boa parte da discussão

acumulada na área de Linguística Aplicada acerca do ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa foi ignorada pelos elaboradores da política pública.

Diante da necessidade de orientação do trabalho docente no âmbito do ensino

secundário, no ano de 2006, as Orientações Nacionais para Ensino Médio (OCEM) tentam

contribuir para que o Ensino Médio “garanta ao estudante a preparação básica para o

prosseguimento dos estudos, para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício cotidiano

da cidadania, em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo.” (OCEM, 2006,

p. 18).

33 Cabe lembrar que o documento não estipula carga horária para a realização desse trabalho, deixando essa

tarefa a cargo da escola e de sua intenção de formação.

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No que se refere ao ensino de Português, é delegado o papel de desenvolver,

complexificar e aprimorar a prática da leitura, da escrita, de reflexão sistemática sobre a

língua(gem) neste nível de ensino. O documento é orientado por uma concepção de linguagem

como processo interativo, dialógico, construída no seio de práticas sociais, situadas em sua

amplitude histórica, política, ideológica, que se constituem nas mais diferentes esferas de uso e

de circulação das línguas(gens). Assim, as OCEMs consideram que o Português no EM deve

possibilitar uma formação geral, humanista, agentiva, crítica, a fim de incitar à prática

reflexiva do simbólico inscrito nas várias realidades em que estão inseridos os estudantes.

A regulamentação é norteada pelo paradigma das competências, a partir das quais

dispõe sobre a eleição de textos, de agrupamentos de textos, de gêneros discursivos oriundos

da multiplicidade de usos e de formas. Quanto à organização do trabalho de ensino, pode-se

observar a proposição de serem organizados em sequência didática, que pudessem contemplar

diferentes temáticas, mídias e suportes de circulação, domínios ou esferas; tipos ou sequências

textuais; gêneros discursivos; práticas de linguagem.

O documento assevera a necessidade de abordar as múltiplas linguagens e os gêneros

discursivos, a fim de propiciar um trabalho docente que possa conceber as diferentes

dimensões do complexo processo de produção de sentidos/ de efeitos de sentidos, vinculando

assim o interesse disciplinar de acessar aos letramentos múltiplos. Nessa direção, a perspectiva

de letramento considerada abarca os diversos e multifacetados sistemas semióticos em

circulação, diferentes graus, níveis, tipos de habilidades e de competências necessários para

interagir, bem como as mais diferentes refrações ideológicas implicadas e constitutivas destas

semioses (OCEM, 2006).

Apesar dos avanços no âmbito das intervenções oficiais sobre o ensino de língua

portuguesa, a realidade das práticas de ensino no EM, ainda, apresenta configurações

didáticas travestidas dos resquícios oriundos de filiações historicamente constituídas no

percurso disciplinar e escolar em que a disciplina foi gestada. Mendonça e Bunzen (2006) e

Machado (2017) assinalam tal característica nos seguintes termos: (i) fragmentação da

disciplina Português; (ii) tradição da formação para o conteúdo; (iii) persistência de métodos

transmissivos; (iv) predomínio de ensino de gramática, sendo o texto, muitas vezes, pretexto

para ensino de conteúdos gramaticais; (v) permanência de uma concepção de linguagem

(instrumental) subjacente a materiais didáticos e demais dispositivos didáticos; (vi) concepção

de aprendizagem passiva; (vii) ensino de dissertações escolares e de “modelos”; (viii) ensino

de literatura com ênfase para historiografia; (ix) ensino de leitura para fins de didatizar as

leituras “recomendadas” ou “obrigatórias” exigidas por vestibulares de grandes universidades;

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(x) avaliação mais focada na capacidade de reter informações em detrimento de processos

avaliativos mais voltados ao diagnóstico/check-up de habilidades e de competências, dentre

outros.

Por outro lado, é possível perceber indícios de práticas de letramento escolar que evocam

reconfigurações de uma disciplina em processo de (re)constituição, de (re)arranjos, de

(re)modelagens, indicativo de um hibridismo disciplinar, curricular e epistemológico.

Elencamos da seguinte maneira tais indícios de (re)configuração: (i) maior tempo pedagógico

destinado para leitura de textos, seguida de produção de textos e de análise linguística; (ii)

variedade de textos e gêneros discursivos: possível entrada do texto como unidade de

trabalho; (iii) implementação de ensino de gênero via sequência didática; (iv) entrada das

literaturas africana e indígena ( Lei 10.639/03) e de textos oriundos de letramentos

vernaculares e de resistência; (v) tentativa de implementação de projetos didáticos como

organizador do trabalho pedagógico; (vi) entrada de uma concepção de linguagem para além

da representação e da instrumental: linguagem como interação, diálogo, ação sobre si e sobre

os outros tecida por fios ideológicos constituídos e que ainda estão por si constituir; (vii)

entrada dos recursos, das mídias e das tecnologias para a construção de processos interativos

que tenham fins didáticos (MENDONÇA; BUNZEN, 2006; MACHADO, 2017); (viii)

coexistência de práticas de ensino híbridas, mestiças, pois “a mescla de perspectivas vai ser o

mais comum nas salas de aula durante um bom tempo: uma progressão que ora segue critérios

estruturais, tradicionais, ora segue critérios discursivos” (MENDONÇA, 2006, p. 218) quanto

à seleção dos conhecimentos linguísticos tomados como objetos de ensino.

Em relação a este último aspecto, Lopes (2005) observa que as disciplinas escolares

podem ser consideradas como uma “tecnologia de organização curricular”, construída a partir

de discursos híbridos, recontextualizados, ressignificados, o que implica um processo de

fragmentação e de descontinuidades identitárias. Nesse sentido, o processo de constituição de

uma dada disciplina é interpelado ora pelo conjunto de saberes acadêmicos,

institucionalizados, estáveis, das regulamentações oficiais norteadoras; ora pelo conjunto de

saberes oriundos de outros campos, de experiências pessoais e profissionais dos docentes, da

sua trajetória de militância, de leituras, das experiências, das demandas e dos saberes

locais/vernaculares que povoam o percurso dos diversos contextos de encenação do trabalho

docente.

Para Rosa e Ramos (2015), este trânsito disciplinar que coaduna e, ao mesmo tempo,

rompe com os documentos oficiais, com a língua dita legítima, com os saberes hegemônicos,

é o que constitui o que as autoras intitulam “currículo diáspora”, ensaiado pelos docentes que

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se “arriscam” a realizar experiências (in, inter, trans)disciplinares no seio do mundo usineiro.

Cabe mencionar que Hall (2003) discorre sobre o termo “diáspora”, originário do grego, que

denota a dispersão de grupos populacionais ao redor do globo em razão de fenômenos

naturais, sociais ou políticos.

Segundo o autor, o termo ressignificado reporta ao hibridismo no caso dos híbridos

caribenhos que passam por um processo ‘transcultural’ e de ‘crioulização’, a uma formação

sincrética, em que os elementos formam desigualdades com diferentes inscrições nas relações

de poder, em que a luta cultural está em relação de dependência e de subordinação às histórias

imperiais. Os sujeitos antes isolados agora se cruzam. As sociedades são compostas não de

um, mas de muitos povos, culturas e narrativas. Logo, suas origens e matrizes não são únicas,

mas diversas e devem constituir os modos de letrar na escola e demais agências de

letramentos em que estes sujeitos circulam, integram e interagem.

Por conta disso, a necessidade de hibridização de um currículo, um currículo “diaspórico”,

capaz de contemplar as várias narrativas constitutivas deste híbrido, contraditório, violento e

complexo processo de construção do que somos. Nessa direção, reside nossa tentativa de

investigar como uma professora de um subúrbio da Amazônia paraense constrói uma prática

de ensino de Língua Portuguesa, a fim de contemplar diversas demandas institucionais para a

implementação do ensino de leitura e de escrita na educação secundária e, ao mesmo tempo,

contemplar a discussão de questões relacionadas à história, à cultura, às identidades dos

sujeitos neste contexto marcado por um sério processo de vulnerabilidade social.

2.4 CENÁRIOS DO ENSINO MÉDIO NO PAÍS E A REFORMA DE 2017

Pesquisadores que se dedicam a pesquisar EM no Brasil (CURY, 1998, 2008;

KRAWCZYK, 2009, 2014; KUENZER, 2011) elencam três questões centrais sobre os

desafios relacionados à universalização deste nível de ensino: (i) o acesso e a permanência da

juventude nas instituições escolares; (ii) a questionada qualidade do ensino ora veiculado; (iii)

a indefinição de identidade e de objetivos bem delineados para a educação média. Acrescido a

estes fatores, os autores mencionam a falta de estrutura dos prédios, a remuneração precária

dos profissionais, as propostas curriculares divorciadas da realidade, as péssimas condições de

trabalho e a necessidade de investimentos sérios nos processos de formação inicial e

continuada de docentes.

Volpi, Ribeiro e Silva (2014) coordenaram uma pesquisa sobre a exclusão de jovens de

15 a 17 anos do EM, a partir dos depoimentos de 250 adolescentes gerados em 25 grupos

focais e 51 entrevistas em seis cidades brasileiras. A investigação realizada no Brasil é parte de

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49

uma pesquisa efetivada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 24

países. Alguns dos resultados elencados sobre os entraves enfrentados por estes sujeitos no EM

são: (i) necessidade de trabalhar precocemente; (ii) gravidez na adolescência; (iii) violência

familiar e no entorno da instituição escolar; (iv) violência simbólica e física existente no dia a

dia da escola; (v) reprovação de um ano letivo; (vi) jovens em situação de conflito com a lei e

que cumprem medida socioeducativa; (vii) cansaço; (viii) enfado em relação ao discurso

professoral e à prática docente tradicional; (ix) conteúdos desinteressantes, excessivos e

distantes da realidade discente; (x) ausência de diálogo entre docentes e discentes e demais

profissionais que atuam no cotidiano escolar, dentre eles, a gestão das unidades; (xi) as

péssimas condições de trabalho nas escolas, em especial, a caótica infraestrutura dos prédios;

(xii) desinteresse e desmotivação dos professores para a realização de atividades escolares;

(xiii) necessidade de reconhecimento e de valorização dos contextos em que as escolas estão

situadas; (xiv) recursos insuficientes em educação para a melhoria do fluxo escolar, de

mudanças na organização escolar e de alterações curriculares/disciplinares.

Diante desta situação do EM no país e de todas as necessidades de investimento para

possibilitar o direito de acesso à educação básica, Ferreti e Silva (2017) atentam que, no dia

22 de setembro de 2016, decorridos 22 dias da posse de Michel Temer, em virtude do

impeachment de Dilma Rousseff, que aconteceu de modo conturbado e permeado de

incertezas, sejam elas no âmbito legal, sejam no âmbito político, jurídico, o que o conforma

como golpe de estado para muitos especialistas34

, foi lançada a Medida Provisória (MP) nº

746 / 2016 com vistas a encenar mais um processo de reconfiguração e de reestruturação do

EM no país.

Imediatamente, dois retrocessos inscritos na proposta de medida repercutiram: o fim

da obrigatoriedade de quatro disciplinas - Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física- e a

permissão para que indivíduos com “notório saber” possam exercer o magistério no campo

técnico-profissional. Isto deu visibilidade à discussão da iminente reforma, mas também

obliterou outras questões mais relevantes como a alteração da estrutura curricular e do

34 Nove especialistas em direitos humanos formaram o júri do Tribunal Internacional Sobre a Democracia no

Brasil, que ocorreu no Rio de Janeiro, nos dias 19 e 20 de julho de 2016. O resultado considerou que houve

violação à democracia e à constituição. Os jurados foram o bispo mexicano Raul Veras, ativista de Direitos

Humanos, candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2010. O advogado e político mexicano Jaime Cárdenas; o

jurista italiano Giovanni Tognoni; a senadora francesa Laurence Cohen; a filósofa espanhola Maria José Dulce; a

advogada norte-americana Azadeh Shahshahani; o jurista e acadêmico costa-riquenho Walter Montealegre; o

professor de Direito Carlos Augusto Argoti, da Universidade de Rosário; e o argentino Alberto Felipe, professor

da Universidade Nacional de Lanús. Outros especialistas e instituições jurídicas brasileiras se pronunciaram na

mesma direção.

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financiamento de estabelecimentos não públicos, com verbas públicas, permitindo, do ponto

de vista da política pública, o processo de privatização da educação secundária no país.

Este debate trouxe à tona o histórico contexto de tensões, de disputas, de hegemonia

político-ideológica referente aos sentidos, aos fins e aos formatos da educação secundária,

reiterando a insistente articulação entre educação e economia capitalista e a demasiada

natureza instrumental deste nível de ensino que, historicamente, é destituído do investimento

econômico e do interesse político necessários para propor, de fato, um processo de

universalização desta etapa final da escolarização básica.

Nesse cenário de caos político, crise econômica, democracia fragilizada, escândalos de

corrupção, em 16 de fevereiro de 2017, foi promulgada a Lei nº 13.415, que instituiu

consideráveis alterações à Lei nº 9394/1996 em relação à configuração regulamentar do EM.

Elencamos alguns dos aspectos centrais desta “nova” intervenção oficial:

(i) a carga horária mínima anual de oitocentas horas do EM, distribuídas por

duzentos dias letivos deverá ser ampliada para mil e quatrocentas;

(ii) uma Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC), relativa à parte

comum do currículo- 60% da CH-, norteadora de quatro áreas do

conhecimento: Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias,

Ciências da natureza e suas tecnologias, Ciências humanas e suas tecnologias,

pressupondo-se a implementação da parte diversificada do currículo (40% da

CH), sob responsabilidade de cada sistema de ensino;

(iii) a carga horária da BNCC a ser cumprida ao longo de todo o curso médio não

será superior a mil e oitocentas horas; somente Língua Portuguesa e

Matemática são disciplinas obrigatórias durante os três anos do curso

secundário;

(iv) o currículo do EM será formado pela BNCC e por cinco itinerários formativos

que englobam as quatro áreas supracitadas e um quinto intitulado “formação

técnica e profissional”, em tese, os discentes poderão fazer mais de um

itinerário formativo; este último poderá ser feito na própria instituição ou em

regime de parcerias e “vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em

ambientes de simulação” (art. 6, I), inclusive instituições de educação à

distância;

(v) a possibilidade de permissão de certificação intermediária dos cursos

estruturados em etapas terminais, tudo isto realizado conforme as condições

dos diferentes e desiguais sistemas de ensino das unidades federativas do país;

(vi) em relação à carga horária, a BNCC contempla no máximo 1800 horas,

substituindo a carga horária que era correspondente a 2400 horas.

(vii) em relação à formação profissional mínima para exercer o magistério na

educação média, a legislação institui que "profissionais com notório saber

reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de

áreas afins à sua formação ou experiência profissional” (Art. 61, IV).

Consoante Pereira (2018), a flexibilização da legislação está diretamente relacionada

ao fato dos sistemas de ensino apresentarem realidades bem peculiares. A implementação de

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um currículo dito flexível e interligado às aspirações da juventude demanda uma verdadeira

tarefa de Hércules às redes estaduais e aos agentes construtores destes cenários de ensino.

Tendo em vista esta situação, o autor destaca alguns destes desafios, a saber: (i) designação de

itinerários formativos interligados aos interesses estudantis e às demandas locais; (ii) ajuste da

carga horária e investimento da formação docente em virtude da efetivação dos itinerários de

formação; (iii) articulação de parcerias para a oferta da formação técnica e de outros

itinerários de modo a garantir a equidade, a qualidade e a mobilidade tanto em municípios que

possuem muitas escolas, quanto nos locais que têm poucas instituições de Ensino Médio, pois

49% dos municípios possuem apenas uma escola de educação média35

(INEP, 2017); (iv)

garantia de recursos para orçar a infraestrutura necessária para a implementação da escola de

tempo integral e dos itinerários específicos, por exemplo, laboratórios específicos para

determinados itinerários.

Para Motta e Frigotto (2017, p. 367), esta (de)reforma, “protagonizada pelos arautos

do Golpe de Estado consumado no dia 31 de agosto de 2016”, constitui uma verdadeira

interdição ao futuro das gerações atuais e futuras por representar um tríplice retrocesso:

retroage à Reforma Capanema no contexto da ditadura Vargas, onde o ensino

secundário industrial, comercial e agrícola não tinha equivalência para o ingresso no

Ensino Superior. A superação definitiva deu-se mediante a Lei nº 4.024/1961, que

instaurou a equivalência dos diferentes ramos do então ensino industrial, agrícola e

comercial. Agora com o engodo de que o aluno tem alternativas de escolha, a lei cria

cinco itinerários estanques que supostamente seriam oferecidos pelas escolas.

Amplia-se, agora, o leque da não equivalência;

retroage à Lei nº 5.692/1971, reforma da educação dos tempos da ditadura

empresarial militar com uma profissionalização precária frente às realidades dos

estados. Não será questão de “livre escolha”, como propalam os reformadores, mas

compulsória, pois será o caminho de cumprir com a carga horária obrigatória e,

quando houver, a ampliação do que denomina de escola de tempo integral em

condições infraestruturais precarizadas. Nessas condições dadas, cada escola vai

ofertar a educação profissional que couber em seu orçamento;

retoma, em um outro contexto e dentro de um estado de exceção, o ideário da

política de Paulo Renato de Souza. Agora sequer precisam postergar as medidas,

como ocorreu com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº

9.394/1996. Retoma, de forma pior, o Decreto nº 2.208/1996, que já aprofundava a

dualidade estrutural entre educação profissional e educação básica. O anúncio do

MedioTec pelo MEC indica, de forma clara, a incorporação do Pronatec no Ensino

Médio regular. Uma comprovação inequívoca de que se trata de uma contrarreforma

destinada aos filhos da classe trabalhadora. Também uma confissão explícita de que

o MEC assume, de fato, uma divisão classista da educação. (MOTTA; FRIGOTTO,

2017, p. 367-368).

35 Levando em consideração a dimensão territorial do país, Alencar e Mendes (2018) chamam a atenção para o

fato de que mesmo os locais onde há mais de uma instituição que oferece o EM, muitas vezes, elas estão situadas

em pontos bem distantes, inclusive, algumas estão localizadas na área urbana e outras na área rural. No caso da

região amazônica, é possível encontrar determinadas situações em que uma localidade rural do mesmo município

só pode ser acessada via transporte fluvial e o tempo de demora de uma viagem pode levar mais de 10 horas

entre o município sede e um dado distrito.

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Para os referidos autores, a reforma do Ensino Médio pode ser assim configurada: (i)

diretamente concatenada a PEC nº 55, que regulamenta o congelamento do financiamento

público para a Educação, Saúde, Cultura, etc., e subtrai direitos universais da classe

trabalhadora; (ii) tradutória do ideário liberal-conservador alinhado aos ideais do autoritário e

vexatório movimento do Escola Sem Partido; (iii) rígida em relação à realização de tradição

disciplinar sugerida pelos organismos internacionais, fomentada por intelectuais orgânicos do

capital e favoráveis ao comando de uma hegemonia/elite vigente, interessada em uma

distribuição seletiva, desigual e segregadora do conhecimento básico necessário à construção

de uma postura letrada diante da realidade circundante, que anuncia conceder à juventude a

“escolha” dentre o que, supostamente, será proporcionado; (iv) representativa da diluição do

EM como etapa final da Educação Básica, posto que constitui uma afronta aos princípios

constitucionais, à LDB e ao Plano Nacional de Educação (PNE); (v) permissividade de

supostos profissionais para atuarem como docentes, configurando assim o fim dos concursos

públicos, a intensificação da proletarização / precarização do trabalho docente; (vi) a

comercialização de cursos por estabelecimentos privados ou organizações sociais que se

dizem neutros (MOTTA; FRIGOTTO, 2017).

De acordo com Motta e Frigotto (2017, p. 369), a reforma configura, pois, como:

“uma contrarreforma que [...] consolida o projeto da classe dominante [...] em sua marca

antinacional, antipovo, antieducação pública, em suas bases político-econômicas de

capitalismo dependente, desenvolvimento desigual e combinado, [...] nega os fundamentos

das ciências aos jovens”. A herança elitista da educação colonial, império e períodos

subsequentes presente e persistente na história brasileira é agora atualizada e juridicamente

fundamentada sob o pretexto da oportunidade de escolha de modernização curricular,

operando uma flexibilidade vexatória, porque excludente e utópica tendo em vista o cenário

da educação média de Norte a Sul do país.

Tendo em vista este panorama de disputas sociais e de poder encarnadas nas políticas

de oferta, de acesso, de permanência da educação secundária brasileira, historicamente,

voltado aos interesses sociais, políticos e ideológicos das instâncias de domínio do poder,

profundamente, circunstanciado por processos de exclusão e de distribuição seletiva e

desigual, ainda, carente de mais investigações que possam evidenciar os processos de

(re)construção da sua efetiva implementação, fizemos a opção de situar nossa pesquisa de

campo neste nível de ensino, especificamente, no processo de ensino de leitura e de produção

textual no norte do país, não só pelas disparidades regionais dos indicadores (BRASIL, 2014),

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mas também pela necessidade de investigar as diferentes formas de (re)invenção e de

resistência do trabalho docente, levando em consideração o multifacetado cenário social,

cultural, territorial, econômico que estão em processo de disputas, de tensão e de construção

do Letramento escolar no Ensino Médio amazônico, urbano e periférico.

Para finalizar, apresentamos um quadro sinóptico de todas das intervenções do estado

no ensino secundário no último século e tendo em vista o objetivo introdutório deste texto,

apresentamos a seguir o quadro síntese desta incursão histórica com as informações que

julgamos mais pertinentes ao nosso propósito. Ele serve para situar nossa compreensão acerca

das tensões, dos dilemas e das disputas de poder que norteiam e cambiam as sete principais

regulamentações oficiais do nível de ensino em que geramos os dados da nossa investigação.

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Quadro 3 - Regulamentação oficial para estruturação do ensino secundário no Brasil

Mudanças

Legais

Reforma Francisco

Campos (1931)

Reforma Gustavo

Capanema (1942) Primeira LDB (1961) Segunda LDB (1971) Alteração de (1982) Segunda LDB (1996)

Reforma (2016)

Lei 13.415/2017 incorporada a

Lei 9394/ 1996

Traços Unidade do Ensino

Propedêutico

Organicidade e

Dualismo, ênfase na

cultura Humanística

Equivalência de todos os

Ramos, Dualismo,

Centralização Reduzida

ou Mitigada

Aumento da Educação

Compulsória, Terminalidade

Geral,

Maior Flexibilidade

Curricular

Retorno ao Dualismo

Conceito de Educação

Básica, Universalização

do EM, Separação do EM

e Educação Profissional

(EP)

Dualismo

União EM e EP

“Flexibilidade” curricular

Estratificação do saber e da

sociedade

Designação e

Tempo de

duração do curso

Ensino secundário:

fundamental (5 anos)

Complementar (2

anos)

Sete anos

Ensino secundário:

ginasial (4)

clássico (3)

ou

científico (7)

Ensino médio:

Ginasial (4)

Colegial (3)

Sete anos

Segundo grau

Três ou quatro anos

Segundo grau

Três ou quatro anos

Ensino Médio:

Três anos

Ensino Médio:

Três anos

Requisito para

ingresso Exame de admissão Exame de admissão Exame de admissão

Conclusão do ensino de

primeiro grau

Conclusão do ensino de

primeiro grau Conclusão do EF Conclusão do EF

Finalidade do

ensino

“Acentuar a elevar, na

formação espiritual dos

adolecentes, a

consciência patriótica

e a consciência

humanística” art.1§2

“A educação de grau

médio, em

prosseguimento à

ministrada na escola

primária, destina-se à

formação do

adolescente”

Art. 33.

“tem por objetivo geral

proporcionar ao educando a

formação necessária ao

desenvolvimento de suas

potencialidades como

elemento de auto-realização,

qualificação para o trabalho

e preparo para o exercício

consciente da cidadania.

“aprimoramento do

educando como pessoa

humana, incluindo a

formação ética e o

desenvolvimento da

autonomia intelectual e

do pensamento crítico”

Art. 35 §3

“Os currículos do Ensino Médio

deverão considerar a formação

integral do aluno, de maneira a

adotar um trabalho voltado para a

construção de seu projeto de vida

e para sua formação nos aspectos

físicos, cognitivos e

socioemocionais.” Art. 35§ 7º

Contexto

Histórico

Grande Depressão de

1929, Revolução de

30, Industrialização

substitutiva de

Importações,

Urbanização

Segunda Guerra

Mundial, Estado Novo,

Industrialização

substitutiva de

importações,

Urbanização

Impasses do nacional

desenvolvimentismo,

Industrialização

substitutiva de

importações,

urbanização

“Milagre brasileiro”

Vigência do ato Institucional

n° 5

Abertura política, Crise

da dívida externa,

“Década perdida”

Relativa estabilidade

monetária, Déficit em

transações correntes

Globalização, Exigências

de competividade

internacional

Crise política e econômica

Golpe de Estado: Impeachment

Neoliberalismo regressivo: suposta

adequação ao mercado/atendimento

às prescrições de organismos

internacionais

Tensão sociedade política/sociedade

civil disputa por hegemonia

Globalização/ Internacionalização

Matricula (nºs

absoluto) 1935=155.770 1940=260.202 1960=1.177,427

1970=4.086.072

1971=1.119,421 1980=2.819,182

1991=3.770,230

2004=9.169.357

2011=8.400.689

Fonte: Elaboração própria com base em Gomes (2000, p. 22), Silva (2015), Ferreti e Silva (2017) e textos oficiais36

.

36 Reforma Francisco Campos (decreto nº 19.890 - de 18 de abril de 1931); Reforma Gustavo Capanema (decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942); LDB lei nº. 4024, de 20

de dezembro de 1961; LDB lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971; lei nº 7.044, de 18 de outubro de 1982; LDB lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei nº 13.415, de 16

de fevereiro de 2017.

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3 LETRAMENTOS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO CAMPO APLICADO

Neste capítulo, abordaremos a discussão teórica a respeito do conceito de Letramento,

relacionando com discussões sobre Língua, Educação, Letramento Crítico e Trabalho Docente.

Para tanto, apresentamos um breve percurso de constituição dos estudos do letramento, a

inscrição da dimensão conceitual sócio-histórica, a relevância da contribuição dos pensadores

do letramento crítico e suas perspectivas para cogitarmos acerca das práticas escolares,

voltadas a uma tentativa de construir uma formação no EM que contemple a natureza híbrida,

heterogênea, sincrética, múltipla da construção do letramento escolar.

3.1 LETRAMENTO: O PERCURSO DE UM CONCEITO

Há séculos a escrita e a leitura são objetos de estudo de pesquisadores de diferentes

áreas do conhecimento. Alguns linguistas e filólogos caracterizam a linguagem falada em

oposição à linguagem escrita. Os psicólogos têm abordado a aquisição das habilidades de

leitura e de escrita, dando ênfase ao aspecto cognitivo deste processo. Uma vertente da

Antropologia empreendeu pesquisas em sociedades que desconheciam um sistema de escrita e

postularam os efeitos ou impactos desta ausência nestas populações. Nesse sentido, as

investigações da área vêm abordando temas relativos às relações entre escrita e oralidade;

aquisição da escrita e seus possíveis efeitos cognitivos; apropriação da escrita e mobilidade

social; os impactos das relações de poder inscritas no plano linguístico-discursivo, construídas

em diferentes contextos socioculturais e sociointeracionais (ZAVALA; NIÑO-MURCIA;

AMES, 2004).

No início dos anos 1960, surgiram empreendimentos investigativos em diferentes

campos disciplinares que procuraram pesquisar as culturas orais e escritas, a saber:

“Pensamento Selvagem”, de Levi Strauss (1962), na França; “A galáxia de Gutemberg”, de

Mc Luhan (1962), no Canadá; “As consequências do letramento”, de autoria de Goody e Watt

(1963), na Inglaterra; Prefácio a Platão, de Eric Havelock (1963), nos Estados Unidos, que

são consideradas publicações importantes para a construção do campo de pesquisa sobre

escrita, oralidade e história das sociedades. Estas obras serviram de base para a construção

dos estudos de Jack Goody e de Walter Ong, que vieram a consolidar a corrente de

pensamento intitulada Teoria da Grande Divisa. Os defensores desta vertente, de perspectiva

evolucionista, consideravam oralidade e escrita como sistemas distintos, do ponto de vista

formal e funcional, vinculados aos diferentes modos de pensamento. Mais que isso,

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consideravam que o uso de sistemas de escrita influenciaria as estruturas cognitivas e, em

função disso, os processos lógico-formais, de memorização, de abstração, de categorização,

autoanálise estariam diretamente vinculados aos processos de aquisição e uso da escrita

(ZAVALA; NIÑO-MURCIA; AMES, 2004; GALVÃO; BATISTA, 2006).

Na década de 1980, várias pesquisas etnográficas foram realizadas em diferentes

contextos internacionais, demonstrando especificidades e as interligações dos letramentos

escolares e não escolares, a saber: a pesquisa de Scribner e Cole (1981), na Libéria; a

investigação de Street (1984), no Irã; os trabalhos de Heath (1982, 1983), nos Estados Unidos.

Estas investigações, vinculadas a vertente teórica intitulada Novos Estudos de Letramento,

evidenciavam que as práticas letradas estão relacionadas aos usos discursivos e concepções de

grupos sociais e culturais específicos. Nessa direção, o processo de aquisição da escrita estaria

diretamente relacionado à história sociocultural dos indivíduos, não podendo ser reduzido,

portanto, a uma aquisição de técnicas, habilidades linguísticas e sociopragmáticas.

Um estudo recorrentemente citado é a pesquisa etnográfica realizada por Heath (1982,

1983) em comunidades do Sul dos Estados Unidos sobre diferentes trajetórias de leitura e sua

correlação com o letramento escolar. A autora utilizou como foco de análise de seu estudo o

evento de letramento “qualquer ocasião em que uma peça escrita integra a natureza das

interações dos participantes e seus processos interpretativos” 37

(HEATH, 1982, p. 93).

A pesquisadora analisou as práticas letradas de famílias de três comunidades do sul

dos Estados Unidos (Maintown, Roadville e Trackton), em ambientes escolares e não

escolares, durante oito anos, e ratificou que as orientações de letramento mudam de

comunidade para comunidade. Estas distintas trajetórias de letramento implicam diferenças no

rendimento escolar das crianças. Isto porque, a escola impõe um modelo de letramento,

elegendo apenas algumas das diversas práticas de letramento existentes nas sociedades.

Estaríamos diante de um modelo de letramento autônomo, no sentido de existir de

modo independente, que autonomiza as práticas letradas dos usos sociais mais amplos,

criando assim eventos e práticas particulares, peculiares, específicos e institucionalizados.

Este letramento - escolarizado, pedagogizado- termina por estabelecer elos com outras

instituições, que, por sua vez, influenciam e também são influenciadas pelos saberes e

comportamentos do seio escolar letrado. Teríamos, então, letramentos sociais – escolares e

não escolares – situados, ancorados em tempos e lugares determinados que, de certo modo, os

37 Definição inspirada no conceito de Evento de fala, oriundo do campo da Etnografia da Comunicação, cunhado

por Dell Hymes, para quem, consiste em “atividades ou aspectos de atividades que são diretamente governados

por regras ou normas para uso da fala” (HYMES, 1972, p. 56).

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especificam, mas, ao mesmo tempo, constituem os contextos e processos sociais mais amplos

que dão origem às práticas de letramento. Por conta disso, as práticas escolares de leitura e de

escrita podem propiciar o desenvolvimento de competências letradas necessárias para a

atuação em agências não escolares e o contrário também pode ser verdadeiro. Caso a escola

mobilize os saberes para além daqueles prescritos pelos currículos, de modo que os

aprendizes possam se apropriar de ressignificar os usos sociais da escrita e da leitura em

contextos não escolares (SOARES, 2004b; STREET, 2010b; CARRAHER et al., 1995).

No Brasil, o termo letramento foi usado inicialmente na obra de Mary Kato, “No

mundo da escrita: uma perspectiva sociolinguística”, em 1986. Para a autora, o conceito veio

abarcar a dimensão sócio-histórica e cultural da escrita, evidenciando suas concepções e

representações. No contexto nacional, este campo de pesquisa ganha força a partir das

décadas de 1980, 1990 e 2000. São ilustrativos desta linha de investigação a pesquisa de

Tfouni (2005[1986]), desenvolvida com adultos não alfabetizados em ambientes escolares e

não escolares, levando em consideração as competências discursivas e cognitivas destes

sujeitos nestas duas instâncias.

As coletâneas organizadas por Kleiman (1995) e Kleiman e Signorini (2000)

apresentam diversos trabalhos de pesquisa, evidenciando as articulações e implicações das

práticas letradas em diferentes ambientes institucionais, o que reafirma a tese de que as

práticas de uso da escrita estão articuladas aos diferentes contextos, usos e trajetórias dos

sujeitos nelas inseridos. Marinho e Carvalho (2010) apresentam textos de especialistas na

área, em especial, aqueles desenvolvidos no Brasil e na América Latina, problematizando a

complexidade dos conceitos de Alfabetização, Letramento, Cultura Escrita e suas possíveis

contribuições no âmbito escolar e acadêmico.

Campos (2003) investiga as práticas de letramento escolar no meio rural brasileiro,

enfocando o ensino de língua portuguesa para jovens e adultos ministrado por docentes

engajados ou não em movimentos sociais de luta pela terra no sudeste do Estado do Pará. Sito

(2010) pesquisa as práticas letradas de comunidades quilombolas do sul do país. Souza (2009)

analisa a atuação de jovens ativistas negros do movimento hip hop da cidade de São Paulo e

os modos de apropriação e empoderamento por via de diferentes linguagens. Estas

investigações estão voltadas aos letramentos locais ou vernaculares, construídos a partir de

experiências peculiares, originárias do cotidiano, das culturas locais, quase sempre, práticas

menos visíveis e prestigiadas pela cultura oficial e que, muitas vezes, constituem práticas de

resistência e de reexistência. (HAMILTON, 2002 apud ROJO, 2009; SOUZA, 2009;

KLEIMAN, 2010).

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Cabe lembrar que as pesquisas do supracitado campo de pesquisa também vêm sendo

realizadas no âmbito da Amazônia paraense, lócus da nossa pesquisa. Este movimento é

impulsionado, sobretudo, após as defesas de doutoramento de Campos (2003) e Gomes-

Santos (2004), no departamento de Linguística Aplicada da UNICAMP. O deslocamento

destes pesquisadores às academias paraenses possibilitou o processo de formação de

professores na graduação e na pós-graduação no campo dos estudos do letramento,

proporcionando tanto a discussão de textos teóricos, quanto à orientação de vários trabalhos

de pesquisas: trabalhos de conclusão de curso (FERREIRA, 2005; SILVA, 2008);

dissertações de mestrado (RODRIGUES, 2006; PASTANA, 2007; SILVA, 2007;

FERREIRA, 2008; CHAVES, 2008; ALVES, 2009; ARAÚJO, 2012, dentre outros).

Além disso, é válido destacar a organização do grupo de pesquisa GELPEA38

,

formalizado pelo Prof. Dr. José Anchieta Bentes no diretório de grupo de pesquisa do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no ano de 2010;

bem como a publicação das coletâneas organizadas por Ferreira (2014) e Gomes-Santos et al.,

(2014). A primeira com textos voltados à divulgação das pesquisas sobre letramento escolar

na Amazônia paraense e a segunda direcionada à investigação do trabalho docente em

diferentes níveis de ensino. Ambas foram dedicadas a contemplar a divulgação das pesquisas

efetivadas em diversos contextos institucionais da complexa e multifacetada Amazônia

paraense, principalmente, nos contextos escolares. Nossa pesquisa está ancorada a esta ordem

social, territorial, acadêmica, educacional e tem como propósito investigar as práticas de

letramento encenadas no EM, especificamente, as ações didáticas de uma professora de

Língua Portuguesa voltadas ao ensino de leitura e de escrita.

Para Barton e Hamilton (1998, 2000), a noção de práticas de letramento contribui

significativamente para compreendermos a interligação entre as atividades de leitura, de

escrita e as estruturas sociais em que tais atividades são constituídas. Os autores consideram

as práticas sociais de letramento como a unidade básica de uma teoria social de letramento:

“as práticas de letramento são o que as pessoas fazem com o letramento” (BARTON;

HAMILTON, 2000, p. 07). Tais práticas extrapolam os limites da mera observação

comportamental, elas são constitutivas de processos ideológicos e identitários. Não se

confundem com uma noção de ‘prática’ atrelada ao ‘como fazer’ algo pela repetição.

Conforme Barton e Hamilton39

, “A noção de práticas – modos culturais de usar o letramento –

é mais abstrata, não pode estar totalmente contida em atividades observáveis e tarefas” (2000,

38 Grupo de Estudos em Linguagens e Práticas Educacionais da Amazônia.

39 As traduções de Barton e Hamilton (2000) são apresentadas em Freitas (2014).

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p. 8). No bojo dessa discussão, o conceito de eventos de letramento é apresentado pelos

autores:

[...] são atividades em que o letramento tem um papel [...]. Os eventos são episódios

observáveis os quais surgem de práticas e por elas são formados. A noção de eventos

salienta a natureza situada do letramento, o qual sempre existe em um contexto

social. Tal noção está em paralelo com ideias desenvolvidas na sociolinguística e

também, [...] com asserções de Bakhtin de que o ponto inicial para a análise da língua

falada deve ser ‘o evento social da interação verbal’, ao invés de propriedades

linguísticas formais dos textos em isolado. (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 8-9).

É indiscutível a natureza social dos eventos de letramento, episódios situados

historicamente para a realização de fins específicos. Neles, observa-se a relevância dos textos,

considerados por Barton e Hamilton como: “[...] parte crucial dos eventos de letramento e o

estudo do letramento é, em parte, um estudo de textos e de como eles são produzidos e usados”

(2000, p. 9). Práticas, eventos e textos, portanto, compõem a tríade que permite conceituar o

letramento como “[...] um conjunto de práticas sociais; as quais são observáveis em eventos, os

quais são mediados por textos escritos” (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 09). Com base

nessa tríplice relação, os autores definem, como principal interesse, analisar eventos, a fim de

aprender sobre as práticas.

Nessa perspectiva, há diferentes letramentos e, obviamente, não é o mesmo em todos

os contextos. Em nossa pesquisa de campo, registramos o processo escolar de construção de

uma caminhada e observamos que o evento foi construído a partir da integração de vários

eventos de letramento. A convocação de textos de diferentes sistemas semióticos (letras de

música, cartazes, apresentação de livro, slides, recortes de jornais, fotografias, banners, faixas,

sons de diferentes instrumentos musicais, registros fotográficos) contribuiu para a construção

de evento de letramento que vai além das paredes da sala de aula e dos muros da escola.

As diferentes modalidades de uso da língua e a diversidade linguística e cultural estão

inscritas nestes textos que expressam a circulação dos alunos por diferentes usos e significados

de (multi, novos, múltiplos) letramentos constitutivos das práticas sociais em que eles

constroem, participam, integram, atuam e vivenciam nas instituições sociais oficiais e não

oficiais em que eles estão inseridos.

Kleiman (1995, p. 20) assinala que o letramento: “[...] extrapola o mundo da escrita tal

qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os

sujeitos no mundo da escrita [...]”. Estes letramentos são constituídos por diferentes mídias ou

sistemas simbólicos, construídos em diferentes culturas e línguas, o que nos permite

compreender que, dentro de uma dada cultura, “há diferentes letramentos associados a

diferentes domínios da vida” (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 11). Os domínios e as

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comunidades discursivas atreladas a eles podem ser caracterizadas por apresentarem fronteiras

instáveis.

No que se refere às atividades desses domínios, elas não são aleatórias, apresentam

configurações particulares de práticas de letramento, regularidades de atuação nos eventos de

letramento, construídos em contextos específicos. Consoante os autores,

Várias instituições sustentam e estruturam atividades em domínios particulares da

vida. Isso inclui a família, religião e educação, as quais são todas instituições sociais.

Algumas dessas instituições são mais formalmente estruturadas que outras, com

regras explícitas para procedimentos, documentação e penalidades legais por

infração, enquanto outras são reguladas pela convenção de pressões sociais e atitudes.

Letramentos particulares foram criados, e são estruturados e sustentados, por essas

instituições. (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 11-12).

Nessa perspectiva, “as práticas de letramento são modeladas por instituições sociais e

relações de poder, e alguns letramentos são mais dominantes, visíveis, influenciando outros”.

Desse modo, as relações de poder pressupõem interesses de classes na procura da defesa de

seus interesses, preocupações, objetivos e é notável que “as práticas de letramento são

intencionais, embutidas em metas sociais mais amplas e práticas culturais” (p. 12-13). As

práticas de letramento correspondem a construtos sociais, edificadas culturalmente e, como

todos os fenômenos culturais, são dinâmicas, mudam, transformam-se assim como as pessoas e

as sociedades que as constroem e por elas também são constituídas.

Diante deste quadro, Hamilton (2002) considera a existência de letramentos e apresenta

a seguinte categorização: letramentos dominantes ou institucionalizados e letramentos locais

ou vernaculares, mas não os considera como independentes, mas interconectados. O primeiro

está vinculado oficialmente a instituições formais, que requerem agentes, autorizados,

valorizados, interligados às condições e ao status de poder que goza da instituição em que está

integrado. O segundo não é sistematizado por instituições formais, é originário do cotidiano,

das culturas locais, tem sua gênese na vida cotidiana, quase sempre, são desprestigiados,

inclusive pelos estabelecimentos escolares, e configuram-se como práticas de resistência ao

poder instituído, às práticas institucionalizadas e legitimadas de língua, de conhecimento, de

cultura.

Para Soares (2010, p. 63), precisamos desenvolver “pesquisas que identifiquem e

busquem compreender as práticas de leitura e de escrita, presentes e desenvolvidas na escola-

as práticas escolares- em suas relações com as práticas sociais de leitura e escrita para além das

paredes da escola”. Nessa perspectiva, o letramento é adquirido socialmente e sua aquisição,

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obviamente, vai depender das práticas sociais letradas de cada meio. A partir desta perspectiva,

Letramento pode ser definido como:

un conjunto de prácticas discursivas, es decir, como formas de usar la lengua y

otorgar sentido tanto en el habla como en la escritura. Estas prácticas discursivas

están ligadas a visiones del mundo específicas (creencias y valores) de determinados

grupos sociales o culturales. Estas prácticas discursivas están integralmente

conectadas con la identidad o consciencia de sí misma de la gente que las practica;

un cambio en las prácticas discursivas es un cambio de identidad40

. (GEE, 2004, p.

24).

Em consequência da intensificação do processo de globalização, as mudanças sociais,

políticas, econômicas, históricas, tecnológicas ocorridas nos últimos 30 anos, transformaram

a(s) língua(gens) e propiciaram o redesenhamento das fronteiras/limites entre diferentes

práticas - diferentes linguagens, dialetos, gêneros e discursos- e implicaram a mercantilização

e globalização de práticas discursivas (FAIRCLOUGH, 2000). Nesse sentido, letramento,

potente constructo teórico de reflexão sobre as práticas sociais de uso da linguagem, reflete as

nuances destas transformações geo-socio-linguísticas. Por isso, o termo é ressignificado e

passa a ganhar cada vez mais campo de pesquisa, sobretudo, o ensino-aprendizagem de

línguas.

Kleiman e Sito (2016) sinalizam que o conceito de letramento(S) hoje recobre, pelo

menos, duas dimensões: a primeira compreende a multiplicidades de sistemas semióticos

articulados aos diferentes meios e modalidades de comunicação que extrapolam o uso da

linguagem verbal. Embora a escrita, ainda, seja parte importante e integrante para a construção

do processo interativo; a segunda sinaliza para a diversidade linguística e cultural possibilitada

pela disseminação dos meios digitais/tecnológicos, mobilidade, integração, interatividade, que

colocam em evidência os fluxos semióticos, linguísticos, discursivos e fazem emergir a

demanda de colocar em debate os processos de legitimidade da diversidade de línguas,

culturas, identidades envolvidas nesta complexa, intricada e assimétrica conjuntura (COPE;

KALANTZIS, 2000). É necessário sempre atentar que não é possível separar letramento e

questões de poder e de outros acessos - moradia, alimentação, transporte, serviços de saúde,

água potável- que obviamente vêm a intervir nas oportunidades e tipos de educação a que as

diferentes comunidades acessam e são impactadas.

40 Um conjunto de práticas discursivas, quer dizer, são formas de usar a língua e atribuir significado tanto na fala

quanto na escrita. Estas práticas discursivas estão ligadas às visões de mundo específicas (crenças e valores) de

determinados grupos sociais e culturais. Tais práticas discursivas estão integralmente interligadas à identidade ou

autoconsciência das pessoas que os praticam; uma mudança nas práticas discursivas é uma mudança de

identidade (Tradução de nossa responsabilidade).

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Considerando este cenário, Rojo (2009) defende que a educação linguística deve

considerar os seguintes letramentos: letramentos multissemióticos: letramento para o campo

imagético, corporal, musical e demais semioses que extrapolam o mundo da escrita alfabética;

letramentos múltiplos: letramentos das culturas locais/vernaculares e os letramentos

valorizados, dominantes, institucionalizados, globais; letramentos críticos e protagonistas:

letramento necessário ao tratamento ético/apreciativo dos discursos, que circulam nas mais

diferentes esferas de uso e de circulação social, vinculando-o à vida social, política,

participativa, dos sujeitos.

Portanto, o letramento escolar termina por constituir (ou deveria?) uma rede de

interligações, de mobilizações, de entrecruzamentos de diferentes e de diversos saberes,

poderes, linguagens, semioses, problemáticas sociais, educacionais, situacionais mediadas por

práticas dialógicas, interativas, colaborativas, que levem em consideração a dimensão

territorial, cultural, econômica, sócio-histórica, institucional, contextual, situacional,

linguística, semiótica em que estão circunstanciados os agentes escolares, a escola e a própria

comunidade afetada por esta instituição.

Souza (2011), a partir de investigação de doutoramento sobre as práticas de leitura e de

escrita do movimento hip-hop, cunha a denominação letramentos de reexistência para fazer

referência às práticas singulares, forjadas no seio de práticas de uso social da linguagem e que

servem não só para desestabilizar os discursos instituídos, cristalizados, homogêneos,

validados e intermediados por instituições formais; mas também para que os agentes locais

assumam novas funções nas suas comunidades de pertencimento e naquelas em que estão em

processo de contato, a fim de que possam contribuir para mudanças necessárias para a

transformação de lugares sociais historicamente excludentes, por exemplo, a escola secundária

no Brasil.

Segundo a autora, a singularidade destes letramentos reside nas microrresistências do

dia a dia, reconstituídas nos usos da linguagem, nos gestos, nos comportamentos, nos trajes,

nos modos de seleção e de produção de textos, ações, eventos, que estão em contínua

construção e são marcados pela tensão, contradição e disputas de poder inerentes à

constituição destas resistências e reexistências.

De acordo com Souza (2016), o letramento de reexistência está ancorado em três

diferentes vértices: “os letramentos escolares, as experiências de letramento apoiadas nas

práticas sócio-históricas e culturais do grupamento de origem e as práticas de usos de

linguagem ligados ao momento vivido [...] movimentos sociais, grupos de lazer, de esportes ou

em outros associativismos” (SOUZA, 2016, p. 70). Este é o lugar em que está circunstanciada

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e inscrita, de certo modo, a pesquisa desta tese, ou seja, investigar como a tentativa de

conjugação dessa tríade é convocada para o centro do trabalho docente, em especial, para a

prática da leitura e da escrita na sala de aula do EM, na escola pública, situada na periferia,

ocupada por grupos sociais, quase sempre, atravessados por enfrentamentos relativos à etnia, à

sexualidade, à condição de extrema vulnerabilidade de existência (SOUZA, 2009; LOPES et

al., 2017).

Acrescentaríamos a este rol, a própria sobrevivência destas populações - jovens, negras,

pobres - nas periferias brasileiras, muitas vezes, vitimadas pelas sucessivas chacinas que se

tornaram recorrentes nos subúrbios. Este cenário de violência é recorrente nas periferias de

Belém-PA, considerada a capital mais violenta do Brasil pelo Atlas da violência 2018. A

cidade apresenta umas das piores taxas de atendimento escolar para a população, em especial,

na faixa etária de 0 a 3 anos, mas também na taxa de 15 a 17 anos, faixa etária em que estes

jovens obrigatoriamente deveriam estará cursando o EM (SOUZA, 2009; LOPES et al., 2017;

IPEA, 2018).

Para além das categorizações, Rojo (2012) observa que as produções culturais letradas

contemporâneas são textos essencialmente híbridos, constituídos por diferentes linguagens,

campos distintos - popular, massa, erudito- e marcados por escolhas de ordem pessoal, política,

ideológica oriundas das diferentes “coleções”. Estas últimas caracterizadas pelos processos de

desterritorialização, descoleção e hibridação a que se reporta Canclini (1998). A conjugação

destas características remete à natureza híbrida, impura, mestiça, fronteiriça, móvel da

sociedade global (MOITA LOPES, 2013a, 2013b).

Nesse contexto, o conceito de letramento é ressignificado: os multiletramentos passam a

recobrir, como já mencionado, a diversidade social, cultural e linguística, a diversidade das

produções culturais, a multiplicidade das linguagens convocadas para o processo de

constituição das práticas letradas em tempos de Web 2.0. Em síntese, os multiletramentos são:

interativos, colaborativos, multimodais, transgressores, híbridos, heterogêneos, mestiços,

movediços, agentivos e (in)disciplinares. (MOITA LOPES, 2013, 2013b; ROJO, 2012).

Em 1996, o Grupo de Nova Londres (GNL) apresenta uma proposta de uma “pedagogia

dos multiletramentos”, a fim de focar as complexas práticas comunicativas que requerem altas

demandas comunicativas, interativas, colaborativas das pessoas, enfatizando a negociação

constante da multiplicidade linguística, das diferenças culturais e dos usos das novas

tecnologias, de novos letramentos para a construção de uma prática pedagógica capaz de

formar sujeitos para acessar e se apropriar das práticas de linguagem necessárias a sua vida

social, ao mercado de trabalho, para compreender e mediar relações de poder estabelecidas

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nestes processos, bem como ao engajamento crítico para a configuração de cenários futuros e

de empoderamento para (sobre)viver em um mundo em constante mutação (COPE;

KALANTZIS, 2000).

Em linhas gerais, a partir de um campo teórico multidisciplinar, o referido grupo elenca

quatro aspectos de uma pedagogia dos multiletramentos para formar os chamados “criadores

de sentido”41

: (i) prática situada, (ii) instrução explícita ou aberta, (iii) enquadramento crítico,

(iv) prática transformada. O primeiro aspecto considera que o projeto didático tenha como base

as vivências, as experiências, as culturas em que o aluno está inserido. O segundo leva em

consideração a apresentação/ a análise de regras e convenções das práticas vivenciadas, das

práticas de linguagem, dos designs e de seus respectivos processos de produção e de

circulação, momento em que haveria a convocação de uma metalinguagem para a

compreensão e análise crítica dos modos de constituição e de significação dos textos

construídos (COPE; KALANTZIS, 2000).

Concomitante a isto, haveria um terceiro aspecto, que alinharia estes conhecimentos a

compreensão dos contextos sociais e culturais em que estas práticas de linguagens, de

construção de conhecimentos e de saberes são (re) constituídas, re(feitas), (re)significadas,

para fins de transformação de modos de agir, de pensar, de falar, de fazer sentido, de

emancipar. O último aspecto, prática transformada, crítica, coerente com os interesses e

demandas locais/globais (glocais), capaz de fazer dialogar a não tão nova relação teoria/prática

e a mobilidade de conhecimentos/saberes de um contexto para outro (ROJO, 2012; COPE;

KALANTZIS, 2000).

Rojo (2012) levanta a discussão a respeito da necessidade da escola questionar quais são

as suas tarefas em um contexto social em que estão em vigor várias ética(s) e estéticas:

discussão crítica das “éticas” ou costumes locais; debate a respeito das múltiplas estéticas;

construção de critérios apreciativos sobre as criações culturais. Acrescentaríamos, ainda, o

seguinte posicionamento: seria papel da escola promover o engajamento dos sujeitos para uma

formação letrada, crítica, emancipatória, capaz de construir ações de cidadania, de dignidade,

de respeito, de solidariedade, de urbanidade no sentido de transformar e de mobilizar

efetivamente o sujeito e a sua comunidade.

Resta questionar: a escola responde a esta demanda? Que práticas docentes se

aproximam dessa perspectiva no ensino de LP no nível médio? Como e de que forma isso é

praticado efetivamente? Acredito que estaríamos situados, então, no campo dos valores, das

41 Sujeito capaz de criar, analisar e transformar os discursos no curso do processo interativo, dialógico,

colaborativo.

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atitudes e da participação/ ação social, política, histórica, ideológica, vinculado às práticas de

linguagem, que envolvem o que se denomina letramentos críticos, construto extremamente

potente para (re)pensar todo o percurso epistemológico construído em torno do conceito de

letramento e da prática de ensino construída com os sujeitos no campo educacional (ROJO,

2009; FREIRE, 2011).

3.2 LETRAMENTO CRÍTICO

Esta seção tem como enfoque refletir sobre o termo Letramento Crítico (doravante LC).

O uso do termo no singular não desconsidera a diversidade do campo teórico, mas sinaliza os

limites desta discussão a algumas acepções do conceito e suas respectivas implicações.

Cervetti, Pardales e Damico (2000) apresentam três influências teóricas relevantes para

constituição do LC e que servem para diferenciá-lo de outras teorias de letramento: (i) a teoria

crítica, (ii) a obra de Paulo Freire e (iii) o pós-estruturalismo. Os autores afirmam que o LC é

oriundo da teoria crítica social particularmente no que se refere à necessidade de aliviar o

sofrimento humano e formar uma sociedade mais justa por intermédio da crítica aos problemas

sociais e políticos, bem como pela proposição de alternativas.

Nessa perspectiva, o termo crítico faz referência à opressão e à exploração de alguns

grupos em relação a outros em termos de distribuição e de concentração de conhecimento,

poder, status, bens materiais e simbólicos, o que conferiria vantagens sobre o controle de

determinadas instituições, ideologias e práticas. Para a teoria crítica social, é necessário expor,

colocar em evidência, debater textos em que estas ideologias estejam subjacentes para tratar

criticamente tais representações e assim refletir, reconstruir e vislumbrar outros cenários

possíveis. Monte Mór (2013) assinala que a perspectiva crítica é revigorada ao ser articulada à

concepção de linguagem como prática social e às contribuições da teoria crítica, que defendem

a luta contra a desigualdade social, enfatizando a necessidade de reconstituir o entendimento

sobre as instituições, práticas e suas respectivas e constitutivas ideologias.

A segunda influência importante é a obra de Paulo Freire. Ele defende que a linguagem,

a leitura e a escrita são mecanismos centrais para o processo de reconstrução e de

transformação social. Para este pensador, o objetivo principal da educação é a construção de

uma consciência crítica, portanto, é necessário dialogar, problematizar, democratizar a palavra,

situar o aluno no processo sócio-histórico em que está circunstanciado, para que no processo

de reflexão- ação - transformação sobre o mundo, possa mudar sua condição, superar a

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condição opressor e oprimido, lutar e conquistar emancipação e libertação dos processos de

opressão.

Paulo Freire é considerado o precursor de uma educação crítica, embora trabalhasse

inicialmente com foco na alfabetização de adultos. Para ele, esse ato estava diretamente ligado

à “democratização da cultura”, ainda que fosse apenas uma introdução, “um ato de criação,

capaz de desencadear outros atos criadores”. O pensador considera que há três tipos de

consciência: acrítica, a ingênua e a mágica. A primeira “é a representação das coisas e dos

fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais”

(p.138).

Nesse sentido, a causalidade autêntica está sempre submetida à sua análise, o que é

autêntico hoje pode não ser amanhã. A segunda é aquela que “(ao contrário) se crê superior aos

fatos, dominando-os de fora, e para isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe

agradar”. (p.138). A terceira é aquela que “não chega a acreditar-se” superior aos fatos,

dominando-os de fora, e para isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agrade”

(p.138) (FREIRE, 2018).

Segundo Hooks (2017, p. 67), Freire “em seu entendimento global das lutas de

libertação, sempre enfatiza que este é o importante estágio inicial da transformação- aquele

momento histórico em que começamos a pensar criticamente sobre nós mesmos e nossa

identidade diante das nossas circunstâncias políticas”. Nesse ínterim, o ato de ler deve ser uma

prática para além do reconhecimento dos códigos alfabéticos e numéricos, o leitor precisa ser

desafiado a extrapolar os limites do texto escrito para o contexto em que está situado: a leitura

da palavra-mundo, articulada à dimensão política, ideológica, histórica, econômica deve estar

presente no ato dialógico de educar para formar sujeitos críticos e conscientes do seu lugar e

do seu papel na sociedade.

Trata-se de uma educação que tem como objetivo a formação/construção de uma

cidadania crítica, que pressupõe um exercício de reconstituição dos sentidos, a partir de uma

concepção de linguagem privilegiada pelo componente discursivo e pelos fios sociais e

ideológicos que constroem uma sociedade (MONTE MÓR, 2013). Assim, “é próprio da

consciência crítica a sua integração com a realidade, enquanto que da ingênua o próprio é sua

superposição à realidade” (p.139). Então, toda compreensão de alguma coisa vai se refletir em

uma ação. “A natureza da ação corresponde à natureza da compreensão. Se a compreensão é

crítica ou preponderantemente crítica, a ação também o será. Se é mágica a compreensão, a

mágica será a ação” (p. 139) (FREIRE, 2018).

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Desta forma, Freire concebe que em uma sociedade em transição e inserida em um

processo de democratização era necessário ter uma educação que colaborasse com uma

organização mais reflexiva, que “lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de

superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica”

(FREIRE, 2018, p. 13).

Por conseguinte, tanto a teoria crítica, quanto a pedagogia crítica estão diretamente

relacionadas a questões de justiça, de equidade e de investimento no aspecto crítico do texto e

da vida como um relevante mecanismo de transformação social. Conforme Shor (1999, p. 01),

o LC:

desafia o status quo em um esforço de descobrir caminhos alternativos para o próprio

desenvolvimento e para o desenvolvimento social. Este tipo de letramento – palavras

repensando mundos, auto dissidente na sociedade – conecta o político e o pessoal, o

público e o privado, o global e o local, o econômico e o pedagógico, para repensar

nossas vidas e promover justiça no lugar da iniquidade. Letramento crítico, então, é

uma atitude através da história.

Em relação a esse posicionamento, Monte Mór (2013) empreende um interessante

percurso reflexivo sobre os sentidos atribuídos ao termo “crítico”, levando em consideração a

plasticidade e historicidade das diferentes orientações teóricas que o utilizam. A autora

incrementa uma problematização a respeito de duas recorrentes compreensões conferidas ao

termo. A primeira estaria associada aos mais complexos níveis de escolaridade, gestados em

uma esfera institucionalizada, letrada, legitimada, alicerçada nos campos acadêmico, literário,

filosófico, científico. A segunda remeteria a uma interpretação conectada à possibilidade de

criar uma percepção crítica ou a senso crítico, independente de complexos níveis de

escolaridade, estaria relacionada à capacidade de (re)inventar, (re)criar, (re)construir sentidos,

posicionamentos, visões de mundo e concatenada à possibilidade de desestabilizar, questionar,

reivindicar e romper com o sentido que, muitas vezes, é estabelecido, imposto, autorizado,

legitimado e institucionalizado. Para Janks (2012), a crítica possibilita aos participantes uma

tentativa de interagir com diferentes fontes semióticas, através de diferentes modalidades e

tecnologias, de (re) construir textos e trajetórias e embora não seja o ponto final, a reconstrução

ética e a transformação precisam desta (inter) ação.

A influência do pós-estruturalismo, relacionada à crença de que os sentidos dos textos

surgem das relações com outros significados e práticas decorrentes do contexto sociopolítico,

levantou a possibilidade de cogitar que os textos estariam interligados a sentidos ideológicos,

subjetivos e relacionados a questões de poder. Para esta perspectiva, os autores criam textos e

os indivíduos interpretam a partir de sistemas discursivos específicos, construídos a partir de

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instituições e comunidades de práticas em que os sujeitos estão inseridos e o valor de verdade

ou falsidade destas interpretações está associado à lógica interna destes sistemas discursivos.

Para esta vertente, discurso, poder e contexto dependem dos significados subjacentes a

qualquer assunção de neutralidade ou valor de verdade. Nesta vertente, a linguagem está

diretamente ligada à produção e à manutenção de arranjos desiguais de poder, portanto, os

textos corporificam sentidos ideológicos.

Para (Janks, 2012), em um mundo desigual, é preciso entender que as diferenças são

estruturadas via relações de poder com diferentes acessos balizados em gênero, etnia,

nacionalidade, classe social, que continuam prestigiando uns em detrimento a outros, por isso

precisamos gerenciar políticas para compreender e administrar nosso dia a dia, levando em

consideração este contexto a autora propõe a possibilidade de atribuir, pelo menos, dois

significados para o termo: Política, grafado com P maiúsculo, para as grandes políticas

governamentais, acordos das nações unidas relacionadas às forças de paz, tribunais

internacionais, imperialismo linguístico, diferenças entre as políticas do norte e do sul, os

perigos de uma guerra mundial, globalização etc. e política, grafado com p minúsculo, para

distinguir políticas de diversidade, micro políticas para o dia a dia, as opções e escolhas

cotidianas, os desejos e os sentimentos construídos por cada um de nós, políticas identitárias,

atitudes em relação às vítimas de constrangimentos, de violência, de múltiplos processos de

exclusão.

Cabe lembrar, entretanto, que estas políticas não se excluem, muito pelo contrário, elas

estão em constante e permanente condição de interação e negociação. Para a pesquisadora, os

alunos precisam estar cientes e conscientes da existência desta constante interação, discutir

questões locais e globais, propor novas visões e intervenções, marcadas por densidade ética,

discursiva e crítica, a fim de vislumbrar e construir cenários atuais e futuros (BEZERRA,

2017). Em todo caso, consideramos a política como atividade reflexiva e deliberativa,

ocorrendo toda vez que ocorrer participação de um conjunto de sujeitos em prol de sua

liberdade, de sua criatividade, com força de críticas sociais e de elaboração de projetos

coletivos, alternativos ao poder dominante.

Em síntese, Cervetti, Pardales e Damico (2000) conferem ao LC as seguintes

formulações: (i) todo conhecimento é demarcado, do ponto de vista, ideológico e constituído

pelos modos de funcionamento discursivo de cada comunidade, logo o conhecimento é

ideológico e situado; (ii) a realidade só pode ser compreendida levando em consideração um

dado contexto em que os sujeitos encenam, engendram e constroem as práticas de letramento,

portanto, a realidade é sempre relativa, nem neutra, nem independente; (iii) os sentidos dos

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textos estão para além das pretensões e das intenções dos autores, eles são diversos, forjados

no seio de uma prática social, cultural, histórica, política e atravessados por relações

constitutivas de poder, por isso as diferentes perspectivas são essenciais para a construção da

interpretação e de possíveis sentidos, oriundos de diversos universos socioculturais, para que

seja possível vislumbrar diferentes modos de agir, de pensar, de agenciar, de intervir e de

construir novos conhecimentos sem deixar de ter em vista as relações de poder que legitimam,

demarcam, hierarquizam e servem de teia de constituição destes conhecimentos; (iv) no campo

da educação, a mais importante meta é desenvolver um trabalho de ensino capaz de incitar a

construção de uma consciência crítica, perceber as diferentes e diversas formas e

entendimentos, dar licença ao respeito, ao valor de cada mundo e ao diálogo franco (JORDÃO,

2007; COSTA, 2012).

Consoante Monte Mór (2013, p.42), LC pode ser entendido como "parte da premissa de

que a linguagem tem natureza política, em função das relações de poder nela presentes”.

Conforme Luke (2012), o termo letramento crítico refere-se ao uso das tecnologias e outras

mídias de comunicação para analisar, criticar e transformar as normas, os sistemas de regras e

as práticas que governam os campos sociais da vida cotidiana. De acordo com Luke e Dooley

(2011, p. 01), o LC pode ser definido como:

o uso de textos para analisar e transformar relações de poder culturais, sociais e

políticas [...] Ele foca no desenvolvimento e aquisição equitativa de linguagem e

letramento por comunidades e estudantes marginalizados historicamente, e através do

uso de textos numa gama de meios de comunicação para analisar, criticar, representar

e alterar estruturas de conhecimento desiguais e relações sociais da escola e

sociedade.

Jordão (2016) lembra que o LC é uma abordagem e não uma metodologia de ensino para

fins de acumulação e de mensuração de uma gama de tópicos programáticos. Trata-se de uma

abordagem educacional, pautada em uma perspectiva pós-moderna e decolonizadora,

inseparável das atitudes e dos interesses dos sujeitos, “é uma filosofia de vida, de profissão, de

interação com as pessoas, com o conhecimento e com o mundo” (JORDÃO, 2016, p. 44). Por

isso, procura buscar práticas alternativas, não canônicas, para vislumbrar outros percursos

ainda não legitimados, configura-se como uma prática contingente, predisposta ao

questionamento, à (re)construção, à transformação.

Nessa dimensão acadêmica e filosófica, a língua é considerada como lugar de construção

e de constituição do sujeito, da sociedade, da cultura, da vida, concebida como o lugar em que

o ideológico se manifesta, de forma objetiva e material, considerada como palco privilegiado

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ao exercício do debate, do conflito, da luta de classes. Essa articulação entre os processos

ideológicos e os processos discursivos leva-nos a compreender que, ao manifestar a atividade

de linguagem, estamos no campo do simbólico, comprometido necessariamente com os

sentidos que emanam das relações sociais estabelecidas. Por isso, estamos sujeitos a seus

equívocos, à sua opacidade, à não neutralidade no uso dos signos diante de qualquer situação,

o que leva à conclusão de que nem os sujeitos, nem os sentidos estão completos, eles estão em

constante construção, interação, negociação (BAKHTIN, 1987, 1995; JORDÃO, 2013). Nesse

sentido, concordamos que:

qualquer prática de construção de sentidos, inclusive a leitura e a escrita, é ideológica

e acontece em referência a determinados sistemas de crenças, valores, interesses [...]

ideologia aqui é entendida no sentido foucaultiano de perspectiva cultural, social,

moral, ou melhor, como sendo aquele elemento mesmo do processo de construção de

sentidos que permite que o processo aconteça. (JORDÃO, 2013, p. 74).

Levando em consideração este pressuposto, é necessário atentar para o fato de que um

trabalho de ensino voltado à criticidade tem que considerar a ancoragem socio-histórica

subjacente às escolhas, valores, interesses, intrinsecamente, encapsulados aos procedimentos

discursivos das atuações profissionais, redimensionando o papel da escola no sentido de

conclamar questões relativas à alteridade, à heterogeneidade e de problematização de relações

de poder, de hierarquização, de construção de sentidos em uma dimensão multissemiótica,

cultural, política, histórica (JORDÃO, 2013).

Para Janks (2016), trabalhar, a partir dos pressupostos do LC, implica necessariamente

considerar questões de poder, diversidade, acesso, design e redesign, que são interdependentes

(JANKS, 2013). Para a autora, “a linguagem pode ser e é usada para manter e desafiar formas

existentes de poder” (JANKS, 2016, 29). Segundo a pesquisadora, em relações sociais de

desigualdade de poder, existem valores, de natureza social, econômica, étnica, etária, de

gênero, conferidos aos membros de uma dada sociedade e que convergem para que um

determinado grupo social se mantenha numa dada hierarquia e, ainda, dissemine tais valores a

ponto de naturalizar - ou neutralizar- e impor uma disposição ou ordem instituída, quanto mais

impotentes certos grupos sociais estiverem ou tiverem a sensação de estar em relação à ordem

dominante estabelecida, o uso da força, da repressão, da violência atuará de modo menos

frequente. Muitas vezes, as instituições sociais família, igreja, escola atuam por via das

práticas de linguagem para o processo de mobilização de significados a favor de uma dada

ordem estabelecida. Consoante Janks (2016, p. 31):

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Mais significativo é acentuar que crescemos, inconscientemente absorvendo os

discursos das pessoas ao nosso redor. Jame Gee (1990) define o discurso como os

modos de falar/escrever/fazer/estar/ acreditar/valorizar a respeito das pessoas ao

nosso redor. Esses discursos constroem posições de identidade para nós e nos

engendram como determinados tipos de seres humanos. Isso é a língua em sua forma

mais poderosa.

A partir de outra perspectiva histórica e teórica, Althusser (1918 [1985]) reconhece

que a escola é um aparelho ideológico do Estado, pois atua primordialmente através da

ideologia e secundariamente através da repressão, a qual é atenuada, dissimulada e simbólica.

O aparelho escolar desempenha um papel determinante na reprodução das relações de

produção, sua unidade é assegurada pela ideologia dominante. De acordo com o mesmo autor,

a escola vem substituir o antigo aparelho da igreja. Ela recebe as crianças de todas as classes

sociais desde o maternal e inculca durante anos os saberes contidos na ideologia dominante.

Bourdieu (1999) concebeu a escola como a sede da reprodução cultural. O sistema de

ensino representaria a solução mais camuflada para o problema da transmissão de poder, pois

contribuiria para a reprodução social, sob a aparência da neutralidade. Além disso,

dissociaria seu papel de reprodução cultural e de reprodução social, escamoteando a

harmonia no processo de transmissão de um bem cultural comum. Todavia, a troca desse bem

cultural requer o compartilhamento de um código que é possuído somente por aqueles que

têm condições de possuí-lo.

Em outras palavras, “a apropriação destes bens supõe a posse prévia dos instrumentos de

apropriação [...] o livre jogo das leis da transmissão cultural faz com que o capital cultural

retorne às mãos do capital cultural” (BOURDIEU, 1999, p. 297). Assim, as hierarquias

sociais são convertidas em hierarquias escolares, as quais são responsáveis, na maioria dos

casos, pela perpetuação da ordem social. Nesse sentido, Signorini (2006, p. 172) formula o

seguinte posicionamento:

a legitimidade do falante e de sua língua é consequência da aquisição dos padrões, ou

seja, são as formas e funções instituídas pelas metapragmáticas institucionalizadas

que legitimam e igualam os falantes enquanto falantes porque apagam/ neutralizam as

diferenças (inclusive de cor, credo, gênero, condição socioeconômica, por exemplo) e

as hierarquizações daí decorrentes, estabelecendo a igualdade mínima de condições

entre interlocutores para uma comunicação social significativa.

Estes pressupostos se aproximam muito da ideia da autonomia do letramento de

quaisquer outras práticas culturais situadas, prestigiando assim as formas de uso da linguagem

vinculada aos grupos majoritários (KLEIMAN, 1995; STREET, 2014). A escola, uma das

principais agências de letramento no Brasil, é a instituição responsável pelo ensino da variante

padrão e ao docente cabe a tarefa de levar a sua audiência a apropriação da referida variedade

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de prestígio. Mesmo não sendo condição suficiente, este conhecimento da língua prestigiada

concatenado a outras condições possibilitaria o acesso e a permanência do indivíduo em

instituições sociais, como a universidade, as repartições públicas e a própria escola.

Janks (2016) lembra que os falantes fluentes desta língua, que são altamente letrados,

tendem a ter mais poder e influência. Ela assinala que a língua também pode e deve ser

utilizada para desafiar, desestabilizar, reptar a maneira como a realidade se conforma. O não

consentimento, a prática da recusa, da desconstrução de discursos instituídos e legitimados, o

estabelecimento do conflito por um grupo de pessoas pode levar a mudança, talvez a pequenas

ou grandes transformações. Para a autora, “o que torna o letramento desafiador é a sua

criticidade e preocupação com a política de significado: as maneiras pelas quais os

significados dominantes são mantidos ou desafiados e mudados” (JANKS, 2016, p. 30-31).

A partir deste posicionamento, a pesquisadora instiga a rememorarmos o legado

freiriano no sentido de que o ato de aprender a reconhecer como a realidade é construída e

nomeada de modo opressivo, o ato de ler o mundo e renomear o que está a sua volta pode

mudar o mundo e transformar a sociedade, desvelar a desigualdade e buscar a igualdade, isto

nos parece ser o cerne do LC: “permitir que os jovens leiam tanto a palavra quanto o mundo

em relação ao poder, identidade, diferença e acesso a conhecimento, habilidades, ferramentas

e recursos. Não só escrever e reescrever o mundo, mas também construir design e redesign”42

(JANKS, 2013, p. 227).

Isto pressupõe obviamente um certo tipo de agência, pois as pessoas fazem (re)design,

transformam, revozeiam, criando configurações singulares, marcadas por crenças valores,

atitudes, experiências e narrativas que são constituídas em um processo dinâmico, que

envolve questões de identidade, de cultura, de poder, de economia, de conhecimentos de áreas

diversas e de múltiplas semioses (COPE; KALANTZIS, 2011).

Janks (2010) assevera a necessidade de incursão do acesso às formas dominantes -

conhecimentos, variedades linguísticas, discursos, gêneros, modos de representação visual, de

interação social- e, ao mesmo tempo, valorizar e promover a diversidades de línguas e de

letramentos aos nossos estudantes. Se, por um lado, promovemos o acesso a estas formas

dominantes, estamos assim coadunando com o fortalecimento e sustentação das mesmas. Se,

por outro lado, negarmos aos alunos este acesso, perpetuamos a marginalização deles, porque

42 “critical literacy is about enabling young people to read both the word and the world in relation to power,

identity, difference and access to knowledge, skills, tools and resources. It is also about writing and rewriting the

world: it is about design and re-design” (JANKS, 2013, p. 227).Tradução de nossa responsabilidade.

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a sociedade continua a reconhecer o valor e a importância destas formas legitimadas. Este

processo é intitulado paradoxo de acesso: “estas formas dominantes incluem linguagens

dominantes, variedades dominantes, discursos dominantes (GEE, 1990), letramentos e

conhecimentos dominantes, gêneros dominantes, modos de representação visual dominantes e

uma gama de práticas culturais relatada na interação social” (JANKS 2010, p. 24).

Para a pesquisadora, é necessário compreender que a diversidade social, linguística e

cultural é uma fonte para a criatividade e a cognição e que estes diferentes acessos podem

afetar e impactar o futuro das pessoas. As identidades são construídas pela diversidade

linguística, pelo hibridismo cultural, pela dimensão socio-histórica, que constitui a história

das línguas e das culturas, confere status e poder a determinadas formas e narrativas em

detrimento de outras, nós que ensinamos línguas temos a responsabilidade de ter a percepção

desta situação (JANKS, 2004). Nesse sentido, a autora propõe que façamos uma série de

questionamentos, a saber:

Quem tem o tipo de educação necessária para uma boa qualificação profissional?

Quem obtém acesso na língua de poder e em sua variedade de prestígio? Quem

obtém acesso ao conhecimento de alto status? Que conhecimento é valorizado em

nossa sociedade e de que é esse conhecimento? Que versão da história é ensinada na

escola, que língua, que sistema de crença? No Brasil, devemos ensinar as histórias e

culturas de africanos, afrodescendentes e indígenas? (JANKS, 2016, p. 34).

Os questionamentos propostos pela estudiosa remetem diretamente ao nosso contexto

de pesquisa, o que uma professora de uma escola pública seleciona para ensinar, valorizar,

legitimar, construir, preparar para as suas aulas de Português no EM, uma vez que é sua

obrigação formar para a vida, para a cidadania, para a continuidade dos estudos? Como o

conhecimento é ensinado? Qual é o material de apoio mobilizado? Como essa prática de

ensino investigada é configurada, do ponto de vista, do acesso disponível para este grupo de

alunos?

Por fim, cabe lembrar os conceitos de design e redesign. O primeiro é entendido como

a maneira de “fazer e moldar textos” (JANKS, 2016, p. 35), esta prática está diretamente

vinculada aos modos de mobilizar a multiplicidade de sistemas semióticos através da

diversidade cultural, linguística e discursiva para a construção de sentidos inscritos nos textos,

produção de conhecimentos e produtos. Conforme Janks (2016), para o LC produzir textos é

relevante, porque possibilita: (i) “escolher quais sentidos construir e [...] agir sobre o mundo”,

(ii) “reconhecer como estamos nos posicionando”; (iii) ganhar compreensão da forma como

são construídos os textos, bem como das possibilidades e limitações de diferentes modos de

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construção de sentidos”, (iv) “adquirir a experiência que nós precisamos para o redesign de

nossos próprios textos e dos textos dos outros” (JANKS, 2016, p. 36).

O grupo de Nova Londres (2000) assevera que uma pedagogia dos multiletramentos

enfatiza a necessidade de estudantes aprenderem a usar, selecionar, combinar, recombinar

fontes diversas por via da criação de possibilidades de transformação e reconstrução, o

redesign “é um ato de transformação [...] temos de pensar na reconstrução como um processo

contínuo de transformação” (idem, p. 36-37).

A autora assevera o considerável desafio de efetivar não só o redesign de textos, mas,

sobretudo, o redesign de práticas, porque a realização e a ação estão arraigadas em nós. No

entanto, pequenas transformações podem fazer a diferença, mudar o rumo da vida e dar sua

contribuição para o longo processo de luta por equidade, justiça e liberdade, a fim de que as

pessoas possam ter acesso aos bens sociais. Isto é o que a autora intitula de ciclo de redesign.

Para ilustrar tal ciclo, Janks (2013) apresenta uma figura dialogando com a contribuição

brasileira freiriana, conforme já mencionamos neste texto.

Figura 1 - Ciclo de (re)design

Fonte: Janks (2013, p. 37).

Nessa perspectiva, Janks (2013) propõe que educadores e pesquisadores façam os

seguintes questionamentos: como a educação contribui para que nossos estudantes em todos

os níveis de educação se tornem agentes de mudança? Como podemos formar estudantes que

possam contribuir para respeitar as diferenças e viver de modo harmônico com seus pares?

Como as diferentes disciplinas que constituem o campo da educação podem apresentar

diferentes respostas a estes questionamentos?

Para a pesquisadora supracitada, as respostas podem partir da perspectiva do

letramento crítico, embora esteja enraizado no domínio da linguagem, a educação crítica tem

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o potencial de atravessar o currículo escolar e a pesquisa de forma mais ampla, posto que

pode permitir aos jovens ler a palavra e o mundo em relação às questões de poder, de

identidade, de diferença e de acesso ao conhecimento, bem como possibilite a (re)construção,

design e redesign dos saberes historicamente constituídos.

Nesses termos, Janks (2010, 2013) defende uma proposta que articula as quatro

dimensões mencionadas - acesso, poder, diversidade, design - e a relação de interdependência

para nortear um processo de construção de uma educação crítica. É justamente esta

interdependência destas dimensões que constituem o elemento primordial nesse desenho

teórico: os efeitos do foco em qualquer uma dessas dimensões sem nenhuma das outras. Por

exemplo, em termos simples, o que faz uma abordagem pedagógica que leva o poder a sério,

mas desconsidera questões de acesso, de diversidade ou de possibilidades de

construção/transformação? Os pressupostos da interdependência constitutiva de uma

educação crítica podem ser visualizados no quadro 4:

Quadro 4 - Modelo de Letramento Crítico proposto por Janks (2013)

Poder sem acesso Mantém a excludente força dos discursos e práticas vinculadas ao poder

instituído.

Poder sem

diversidade

Perde as rupturas que produzem contestação e mudança.

Poder sem design e

redesign

A desconstrução do poder inscrito nos textos e práticas, sem reconstrução (ou

redesign) remover a agência dos homens.

Acesso sem poder Acesso sem uma teoria do poder conduz para a naturalização do poder dos

discursos sem a compreensão de como estas formas tornaram-se dominantes.

Acesso sem

diversidade

A diferença fundamentalmente afeta quem consegue o acesso e quem pode se

beneficiar dele. História, identidade e valor estão envolvidos nesse acesso.

Acesso sem design

e redesign

Esta condição mantém e materializa formas dominantes,

desconsiderando como eles podem ser transformados.

Diversidade sem

poder

Conduz para uma celebração da diversidade sem reconhecer que a diferença é

estruturada em um domínio

e que nem todos os discursos /gêneros / linguagens / letramentos são igualmente

poderosos.

Diversidade sem

acesso

Diversidade sem acesso às formas de poder da língua confina os estudantes ao seu

próprio gueto.

Diversidade sem

design e redesign

Diversidade fornece significados, ideias, perspectivas de alternativa para

reconstrução e transformação. Sem design, o potencial que a diversidade oferta

não é materializado.

Design / redesign

sem poder

Designs ou redesigns que negligenciam questões de poder não podem provocar

mudanças.

Design / redesign

sem acesso

Corre o risco de tudo o que foi projetado permaneça às margens.

Design / redesign

sem diversidade

Isto privilegia formas dominantes e falha ao usar os recursos do design fornecidos

pela diferença.

Fonte: Janks (2013, p. 226, tradução de nossa responsabilidade).

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No âmbito escolar, todo este arcabouço teórico, filosófico, acadêmico só pode ser

materializado no processo de realização do currículo em sala de aula por intermédio do

trabalho do professor: o trabalho docente é a arena de construção dos (re)designs de textos e

de práticas, em que acesso, poder e diversidade são, de fato, esposados, preconizados. As

identidades dos sujeitos, a construção de currículos e os processos de legitimidades colidem e

se constituem na busca pela legitimidade e pela disputa de poder para a formação letrada,

crítica e cidadã almejada. Para Tardif e Lessard (2005, p. 23):

é evidente que o impacto do ensino sobre a sociedade não se limita a variáveis

econômicas, na medida em que a escolarização está mais do que nunca no coração do

processo de renovação das funções sociotécnicas, como também da distribuição e a

partilha dos conhecimentos e competências entre os membros da sociedade. A

importância econômica do ensino caminha a par de sua centralidade política e

cultural.

Desse modo, as profissões que lidam com o trabalho interativo trazem sempre a

humanidade de seu objeto para o cerne da discussão. O modo de tratar o objeto não pode ser

limitado às modificações de ordem objetiva, técnica, instrumental, é necessário circunscrevê-lo

ao campo das interações humanas, considerando a complexidade das relações de poder, de

afetividade, de ética, de resistência, de indiferença, de responsabilidade, de solidariedade, de

(in)conformismo, intrínsecas às interações dos homens. Este é o caso da docência, as relações

construídas são marcadas ora pela iniciativa, pela participação, pela ação do outro, este traço

constitutivo é central para o processo de análise das ações docentes, das funções, dimensões e

alcances da profissão.

Na realidade, a sala de aula é um espaço significativo, para que possamos

compreender a atuação profissional docente, bem como a conjugação dos saberes, das

experiências, das interações com os demais sujeitos da educação, atrelados aos estilos de

docência, às tentativas de resistência ou não às formas de poder instituído. No contexto da

nossa pesquisa, consideramos que a sala de aula da escola pública, suburbana, de nível

secundário pode ser o lócus privilegiado para o ensino, para a construção do profissional que

ensina e, consequentemente, para a efetivação de uma educação que se quer crítica e, ao

mesmo tempo, está a serviço das formas institucionalizadas e prestigiadas.

Portanto, uma educação linguística edificada pela (re)produção de discursos (contra)

hegemônicos, ora mais próximos aos letramentos locais ou vernaculares, ora mais próximos

aos letramentos dominantes ou institucionalizados deve ser atravessada pelos resquícios da

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heterogeneidade de formas, de dizeres, de saberes e de realidades constitutivas dos

letramentos que circulam no âmbito escolar.

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4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA: OPÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Este capítulo apresenta considerações relativas às escolhas teóricas e metodológicas

para o processo de geração e de análise de dados da investigação sobre as práticas de

letramento no ensino de leitura e de escrita no Ensino Médio. Para tanto, são expostos alguns

pressupostos teóricos da pesquisa interpretativista, de caráter qualitativo; são apresentadas e

definidas as estratégias usadas para a geração dos dados e são descritos: o contexto da

pesquisa, os sujeitos da pesquisa e as categorias de análise.

4.1 TIPO DE PESQUISA E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DE DADOS

A pesquisa interpretativista é o que se convencionou denominar “tradição inovadora”.

Por essa razão, apresenta bases ontológica, epistemológica e metodológica diferentes da

pesquisa positivista. Quanto ao aspecto epistemológico, produzir saber na corrente positivista

consiste em realizar a observação direta de variáveis controláveis de um fato, enquanto que,

na corrente interpretativista, o acesso ao fato deve ser efetivado de forma indireta, pelos

vários significados que o constituem.

No âmbito metodológico, para a primeira forma de investigação, as variáveis sociais

são passíveis de padronização, o tratamento estatístico é utilizado para gerar generalizações;

para a segunda forma de investigação, os múltiplos significados são passíveis de

interpretação, pois eles são construídos e reconstruídos no processo de interação. Nesta forma

de produzir conhecimento, o fator qualitativo é o que interessa.

No que se refere ao aspecto ontológico, a posição positivista concebe que o mundo

social independe do contexto pesquisado; para a interpretativista, o homem atribui

significados ao mundo social, logo não pode ser colocado à margem do processo e é

impossível ignorar o ponto de vista dos participantes da sociedade investigada e daquele que a

investiga (MOITA LOPES, 1994). De acordo com Moita Lopes (1996, p. 22), a pesquisa

interpretativista representa “um foco de investigação diferente, revelador, portanto, de novas

descobertas que não estão ao alcance de pesquisa positivista [...] que pode ser mais adequado

à natureza subjetiva do objeto das Ciências Sociais”.

Moita Lopes (1994) apresenta os dois tipos de pesquisa interpretativista: a

introspectiva e a etnográfica. A primeira está fundamentada no referencial teórico da

Psicologia Cognitiva e é utilizada na investigação dos processos que subjazem à compreensão

e à produção da linguagem, bem como dos processos de ensino-aprendizagem de língua. A

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segunda nasce nos campos da Sociologia e da Antropologia43

e procura localizar o contexto

social da perspectiva dos participantes, ou seja, considera a visão dos mesmos, inclusive do

observador-participante sobre todo o contexto social.

Como toda corrente teórica que estuda objetos complexos, a etnografia não apresenta

uma abordagem única. Campos (2003) apresenta dois tipos de práticas etnográficas:

convencional e crítica. Baseado em Thomas (1993), Campos (2003, p. 81-82) mostra que a

primeira seria “herdeira de um campo voltado para descrever ‘o que é? Preocupada em

manifestar ‘significados através da interpretação de significados’; enquanto que a segunda

“estaria preocupada em perguntar ‘o que poderia ser’ e tentaria provocar a reflexão dos

sujeitos da pesquisa”. Para a perspectiva crítica, não é necessário somente conhecer e

descrever os fatos, tal como preconiza a vertente convencional, mas é preciso refletir a relação

entre o conhecimento e o posicionamento político do pesquisador e dos sujeitos interados na

pesquisa (CAMPOS, 2003, 2004).

André (1995) reconhece a etnografia como um tipo de investigação efetivada por

antropólogos para pesquisar uma dada cultura ou sociedade e observa que na área da

Educação realizamos pesquisa de cunho etnográfico, que permite (re)construir processos e as

relações que constroem a experiência da escola em seu cotidiano e possibilita atentar para os

valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um dado grupo social.

Nesse sentido, é caracterizado pelos seguintes procedimentos: observação participante e

colaborativa do pesquisador; entrevista e análise de documentos; interação entre o

pesquisador e os sujeitos da pesquisa; ênfase no processo e não no produto final; atenção

reservada ao significado, com a perspectiva que os sujeitos têm de si e da realidade a que

pertencem; geração dos dados por pesquisa de campo (ANDRÉ, 1995).

Para Erickson (1990; ERICKSON; SHULTZ, 2002), este tipo de pesquisa possibilita

fazer uma descrição das ações dos atores envolvidos no cotidiano escolar voltada à

observação detalhada, acurada, minuciosa de ocorrências reais, específicas e situadas, a fim

de que possamos compreender as diferentes perspectivas e dimensões do processo de

construção de sentidos encenados pelos diversos atores em nossos multifacetados e

complexos cenários investigativos. De acordo com o pesquisador, a etnografia objetiva

43 Franz Boas é pioneiro no campo de realização da pesquisa etnográfica. Bronisław Malinowski também

apresenta relevantes contribuições para a realização do referido modo de gerar dados de pesquisa, a saber: a

importância da observação participante, a ênfase da permanência do pesquisador no campo de investigação, a

relevância da linguagem no processo constitutivo dos objetos e sujeitos pesquisados. Segundo o autor, a análise e

descrição das formas de linguagem podem revelar sistemas e significados de dada cultura (LOPES, 2006).

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responder aos seguintes questionamentos: o que está acontecendo no âmbito social em um

determinado cenário? Como os eventos estão organizados em termos de padrões sociais e

princípios culturais do cotidiano? O que tais eventos e ações significam entre os participantes?

Como pode um sistema investigado ser comparado a outro existente em diferentes contextos?

(GARCEZ; SCHULZ, 2015).

Nesse sentido, a pesquisa de campo deve ser norteada pelas perguntas que embasam a

investigação, requer um trabalho de imersão intensa e duradoura no lócus de trabalho, gerar

um rico banco de dados em termos de notas, observações, documentos, eventos e materiais,

bem como a organização e sistematização destes dados, a fim de que possibilite estabelecer

um processo interativo, visível, que conduza a recorrente e constante indução e dedução do

dado observado e viável de análise em meio ao cenário rico, heterogêneo, pluridiscursivo,

típico de investigações que abordam realidades complexas e tensionadas pelas lutas de classe,

entre culturas, línguas e identidades, quase sempre em situação de desigualdade, de

(contra)hegemonia, de disputas de poder e de legitimidade.

Tendo em vista estes pressupostos, o processo de geração de dados da nossa pesquisa está

inscrito no campo da investigação etnográfica, de base qualitativa, crítica, por considerarmos

que esta opção metodológica pode contribuir para melhor compreender a realidade da escola

pública, de nível médio e de periferia, cenário da investigação em voga. Para nortear nossas

ações de pesquisa, (re)alinhamos os questionamentos supracitados da seguinte forma:

Quais são os eventos e as práticas de letramento voltados ao ensino de leitura e

de escrita no EM?

Quais são os objetos de ensino mobilizados e os objetivos do ensino de leitura

e de escrita voltadas ao ensino que considere e convoque diferentes

letramentos para a construção do processo de escolarização da leitura e da

escrita no EM?

Como esta organização curricular, disciplinar, escolar investigada pode ser

problematizada em relação às práticas de letramento consideradas mais

estáveis e as práticas de letramento escolar “emergentes” na construção da

aula de Língua Portuguesa?

Cavalcanti e Moita Lopes (1991) ressaltam que a “pesquisa de base antropológica” é

um caminho para refletir e produzir conhecimento no âmbito da Linguística Aplicada. Nessa

direção, Moita Lopes (1994; 1996; 2006; 2013a, 2013b) e Cavalcanti (1986; 2006) vêm

defendendo que as pesquisas realizadas em ambientes institucionais em que as práticas sociais

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são encenadas e construídas pelos diferentes usos da linguagem passaram a ser de capital

importância para o campo da Linguística Aplicada.

Para Moita Lopes (1996, p. 87), a pesquisa de natureza, de base ou de cunho

etnográfica já era a opção metodológica predominante no campo de investigação da LA. O

pesquisador sinalizava a escolha em investigações efetivadas no contexto nacional e

internacional, que se dedicavam a descrever de modo denso, profundo, detalhista o cotidiano

escolar para compreender os padrões interativos construídos em contextos situados, ancorados

em realidades de sala de aula, atentando para a possibilidade do olhar do pesquisador para as

questões específicas do processo de ensino-aprendizagem.

Cavalcanti (2006) sugere um “olhar metametodológico” para cogitarmos as consequências

das opções metodológicas, em função dos possíveis perigos e equívocos que podem ser

ocasionados ao narrarmos a cultura, a língua e as identidades do outro. Nessa direção, a autora

prefere denominar seu investimento de pesquisa como “de natureza etnográfica”, porque faz

uso de algumas orientações da etnografia para o processo de geração dos dados, porém não se

restringe a apenas este universo disciplinar.

Moita Lopes (2006) intitula a prática de fazer pesquisa do linguista aplicado como

“indisciplinar”, híbrida, mestiça, a fim de que possa estar ainda vinculada a uma atitude

responsiva social. Fonseca (1999) chama a atenção para algumas peculiaridades da utilização

do “método etnográfico” apenas para a abordagem de eventos únicos sem atentar à

necessidade da sistematização dos dados. Consoante a estudiosa, é necessário estranhar,

sistematizar e comparar fatos e situações para qualificar o trabalho como etnográfico.

Dessa forma, Garcez e Schulz (2015) defendem, que para tentar assegurar uma pesquisa

etnográfica em LA, é necessário investir em um trabalho de reconhecida qualidade. No

entendimento de Rampton, Maybin e Roberts (2014, p. 21), uma pesquisa no campo da

“etnografia da linguagem” pode ser caracterizada do seguinte modo: “cuidadosa, lógica,

responsável, explícita, cética, bem informada, comparativa e original, conduzindo à produção

de asserções interessantes em que as pessoas em determinada comunidade discursiva possam

confiar”44

. Nesse sentido, investigar práticas de letramento requer observação minuciosa das

práticas sociais efetivas em determinados contextos culturais. Trata-se de pesquisar os usos, as

44 Tradução de Garcez e Schulz (2015, p. 21-22).

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funções e os significados atribuídos à escrita em diferentes contextos geográficos, linguísticos,

culturais, históricos45

.

Nessa direção, esta pesquisa de cunho etnográfico está circunscrita ao campo dos

estudos aplicados, a fim de problematizar questões concernentes ao ensino de língua materna,

especificamente, o ensino da leitura e da escrita, a partir do trabalho de uma professora de

Língua Portuguesa, representante formal da cultura escolar, voltada à formação escolar em um

cenário institucional público, estadual, de nível secundário, situado em uma periferia de uma

das principais capitais do norte do país. Em outras palavras, nosso trabalho busca recapitular e

encaminhar o seguinte itinerário discursivo:

Em vez de recapitular o que todos os que estão do lado de fora acham que sabem, é

só chegar mais perto do que muitos professores e alunos vivenciam de fato. Assim, as

salas de aula surgem como lugares onde dia após dia os participantes lutam para se

reconciliar uns com os outros, com os seus futuros, com as normativas políticas e os

movimentos da história, lugares onde a estética vernácula é combustível tão potente

quanto à transmissão de conhecimento, lugares onde o currículo coabita com a

música popular e a cultura midiática, um lugar onde os estudantes fazem o melhor

que podem com matérias nada promissoras, e onde os participantes se batem com o

significado da estratificação de classe social, em esforços empreendidos pela flexão

de ambivalência social46

. (RAMPTON, 2006, p. 3-4).

Portanto, os sujeitos da educação também se constituem cidadãos, debatem temas

relevantes, discutem sobre conhecimentos linguísticos e realizam atividades escolares e

eventos de letramento. Por isso, é pertinente a este percurso investigativo “identificar as

práticas culturais, os locais específicos e os contextos de uso, bem como as condições em que

foram forjadas as trajetórias dos sujeitos e as atividades presentes em seu percurso de

socialização” (VÓVIO; SOUZA, 2005, p. 49).

A fim de que um empreendimento investigativo dessa natureza seja contemplado,

mobilizamos diferentes instrumentos de pesquisa para o processo de geração dos dados que

venham a revelar por intermédio da linguagem os indícios constitutivos das identidades, dos

contextos e dos usos da leitura e da escrita no seu cotidiano, a saber: diário de campo,

gravação em áudio e vídeo, entrevista, fotografia, aplicação de formulário, entrevista,

observação participante, o que permite analisar como são construídas as práticas de letramento

e como elas podem servir como espaço de interlocução com o contexto pesquisado (VÓVIO;

SOUZA, 2005).

45A saber: estudos de Scribner e Cole (1981, Libéria, comunidade Vai), estudos de Heath (1982,1983,

comunidades do sul dos EUA), estudos de Street (1984, vilarejos no Irã), estudos de Barton e Hamilton (1998,

Lancaster, na Inglaterra). 46

Tradução de Garcez e Schulz (2015, p. 26-27).

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Seguindo esta orientação metodológica, utilizamos para a captação dos dados

audiovisuais os seguintes equipamentos: MP3 Sony modelo NWZ-B162F, gravador Sony

profissional modelo, celular Nokia 701, câmera 8mp, câmera Canon semiprofissional (modelo

SX 400 IS), bem como fizemos uso do diário de campo para as anotações de observações

realizadas na escola de EM, efetivamos a recolha de materiais escritos e documentos referentes

ao processo de ensino. Abaixo, são apresentadas as estratégias usadas para a geração dos

dados:

Realização de entrevistas com professores responsáveis pela disciplina Língua

Portuguesa, bem como docentes e coordenadores pedagógicos das turmas do

terceiro ano do EM pesquisadas;

Realização de entrevistas com alunos que cursam o terceiro ano do Ensino

Médio;

Acompanhamento e registro em áudio e vídeo de aulas da disciplina curricular

Língua Portuguesa;

Acompanhamento e registro do processo de avaliação realizadas, reunindo

inclusive avaliações escritas dos discentes;

4.2 LÓCUS DE PESQUISA: A REGIÃO, A CIDADE, O BAIRRO

Belém, outrora denominada Santa Maria de Belém do Grão Pará, capital do Estado do

Pará, constitui uma das principais vias de entrada para a região norte do Brasil. Do ponto de

vista geográfico, segundo o IBGE (2010), está situada às margens do Rio Guamá, próximo à

foz do rio Amazonas, possuindo uma área de aproximadamente 1. 064.918 km² e população

estimada em 1. 439.561 habitantes, que reside no núcleo metropolitano, oficialmente dividido

em 71 bairros distribuídos por 8 Distritos Administrativos. Possui, também, uma quantidade de

39 ilhas em alguns destes distritos (GUSMÃO, 2013).

Um destes é o Distrito Administrativo do Guamá, denominado DAGUA, constituído

por seis bairros. Boa parte da população residente neste distrito é de baixa renda, oriunda de

municípios do interior do Estado. Além disso, nestes bairros, há elevados índices de pobreza,

de violência, falta de saneamento básico e toda sorte de problemas de ordem social típicos dos

bolsões de miséria que, lamentavelmente, formam a paisagem das metrópoles brasileiras,

resultado notório da exclusão, que leva ao cenário de desordem urbanística e social (IBGE,

2010; COUTO, 2014).

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Na segunda metade do século XX, este distrito, área de baixada da cidade, recebeu o

fluxo populacional menos favorecido economicamente. Devido à proximidade do distrito aos

rios e portos da cidade, esta área passou a abrigar uma parcela significativa da população que

migra dos interiores para a capital em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida,

o que tem ocasionado o significativo aumento demográfico desta área, bem como o aumento

de demanda de serviços básicos como assistência à saúde, condições de saneamento básico -

drenagem pluvial, tratamento de esgoto, rede de água potável, serviço de coleta de lixo-,

acesso a estabelecimentos de ensino, áreas de lazer, dentre outros. Para Couto (2010, p. 81),

a valorização urbana da área central estimula uma ocupação mais acentuada das áreas

periféricas da cidade, sobretudo, aquelas excluídas do mercado imobiliário [...] a

periferia passou a receber um grande contingente populacional, inclusive do interior

do estado, sem, contudo, receber a infraestrutura adequada para organizar o espaço.

O pesquisador defende que este crescimento desordenado, marcado por movimentos

de ocupação de áreas públicas e privadas e por uma disposição intraurbana fragmentada,

conduziu a um processo de segregação socioespacial e de favelização destes espaços. Além

disso, o mesmo pesquisador sinaliza para outras problemáticas decorrentes deste processo de

periferização, a saber: o estigma em relação aos que residem nestes locais, sérios problemas de

integração, de convivência, de autoestima coletiva, cenário fértil para expansão e consolidação

de redes criminosas como as redes de narcotráfico e de tráfico de pessoas (COUTO, 2010).

4.2.1 A escola

A escola estadual, lócus de geração dos dados da tese, está localizada no coração de um

dos bairros mais populosos e violentos deste distrito: a Terra Firme que abriga, segundo o

IBGE (2010), uma população de mais de 61 mil pessoas. A população jovem de 05 a 25 anos

está estimada em aproximadamente 22.995, o que corresponderia a 37% dos ocupantes desse

território. O bairro é entrecortado por um dos principais canais que formam a bacia do

Tucunduba, que serve como via para escoar embarcações que transportam pessoas,

mercadorias e madeira, contribuindo assim para impulsionar o comércio do bairro e de toda

área da bacia do Tucunduba47

.

47 A bacia do Tucunduba tem localização a sudeste da cidade de Belém e corresponde a um dos afluentes do rio Guamá,

possui aproximadamente 1055 ha, dos quais 575 há estão em áreas de “baixadas” o que corresponde a 21, 02% das áreas de

várzea de Belém (DNOS, 1974). Compõem essa bacia 13 canais com 14.175 metros de extensão dos quais 7.865 metros são retificados. O canal principal da bacia do Tucunduba, onde se encontram as comunidades Riacho Doce e Pantanal, é

considerado pelos moradores o marco divisor entre os bairros do Guamá e Terra Firme, embora a lei nº 7.806 30/071996

estabeleça outra delimitação” (MARQUES, 2001, p. 69, apud COUTO, 2010, p. 80).

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Foto 1 - Bairro da Terra Firme: vista do Canal do Tucunduba para a parte alta da

cidade

Fonte: Pesquisa de campo, 2016. Foto: Jean Brito.

A instituição pesquisada foi fundada em 1972. No ano letivo de 2016, possuía 2.04848

alunos matriculados e distribuídos em três turnos de funcionamento, constituindo a segunda

maior escola da Secretaria Estadual de Educação em número de alunos. Deste universo, 874

cursavam o EM, seja na modalidade regular (Res. 191/2011), seja na modalidade expandido

(Res.191/2011), seja na modalidade EJA (1ª e 2ª etapa). Nesta agência, atuam

aproximadamente 70 professores especialistas, mestres e doutores. Quanto à oferta de

modalidades, encontramos a oferta do Ensino Fundamental (I e II, regular/ EJA), Ensino

Médio (regular/ EJA), Atendimento Educacional Especializado e turmas de aceleração do

projeto Mundiar49

(Fundamental e Médio).

A secretaria estadual, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, criou o projeto

devido ao considerável número de alunos em distorção idade/série, que, no Ensino

Fundamental chega a 47% dos alunos e no Ensino Médio alcança 64% dos alunos. As turmas

atendidas pelo Mundiar devem ser atendidas de modo diferenciado, a fim de tentar promover

um trabalho diferenciado para este público, a partir da metodologia e do material didático,

designados pelas instituições proponentes.

Nesse entremeio, resta questionar o que uma professora de Língua Portuguesa realiza

em suas aulas de ensino de leitura e de escrita para ampliar os Letramentos Críticos de seus

alunos neste contexto social? Contexto este, muito vulnerável, estratificado, multifacetado, do

ponto de vista, econômico, estrutural, educacional; mas muito rico, do ponto de vista, de

48 Informação disponível no endereço eletrônico: http://www.seduc.pa.gov.br/site/seduc. Acesso em: 04 de julho

de 2016. 49

Informações disponíveis em: www.seduc. pa.gov.br. Acesso em: 24 de setembro de 2015.

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produções culturais, comerciais, de movimentos sociais, quase sempre, não legitimados, mas

que estabelecem constantes contatos com as instituições consideradas legitimadas.

Nesse ínterim, tais produções e relações estão em efervescência e se entrecruzam, se

mesclam e se conflitam nesta arena de letramentos e de (sobre)vivências que é o bairro da

Terra Firme e a escola investigada.

Fotos 2 - Escola Estadual Fotos 3 - Sala de aula do Ensino Médio

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. (Ferreira, 2016). Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. (Ferreira, 2016).

A escolha desta escola pode ser justificada por dois fatores que consideramos

significativos: (i) a instituição é a maior agência de letramento escolar bairro e a segunda

maior escola em número de alunos da rede estadual do Pará; (ii) a autora desta tese é

professora de Língua Portuguesa da escola, o que possibilitou acessar a instituição, além de

poder desenvolver e acompanhar juntamente com outros profissionais da escola projetos

institucionais relevantes para o processo de ensino-aprendizagem na educação básica. Essa

aproximação, a priori, despertou para conhecer melhor o que a docente investigada fazia,

quando dizia estar realizando um projeto em sala de aula, bem como sinalizou a necessidade

de melhor compreensão sobre o trabalho docente realizado por estes profissionais, neste

contexto, marcado por um processo de extrema exclusão e vulnerabilidade social.

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4.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Os principais sujeitos da pesquisa são alunos de uma turma do terceiro ano do EM e

uma professora da disciplina Língua Portuguesa, que designamos pelo pseudônimo de Bia

Paiva. A seguir, apresentamos um breve perfil de cada grupo referenciado, conforme o perfil

delineado nos questionários aplicados e entrevistas realizadas.

4.3.1 Professora de Língua Portuguesa

Bia Paiva50

está na faixa etária de 36 a 40 anos, é casada e declara ter cinco filhos.

Negra, filha de uma professora de Língua Portuguesa e de um fotógrafo profissional, criada no

bairro da Cremação, periferia de Belém. Ela é graduada em Letras, habilitação em Língua

Portuguesa, concluiu o curso no ano de 2002, é especialista em Língua Portuguesa, já fez

disciplinas do curso de Mestrado em Letras (área de concentração Literatura) como aluna

especial. Toda sua formação superior foi realizada na Universidade Federal do Pará.

Trabalha há 17 anos no magistério e iniciou a prática docente ministrando aulas

particulares e oficinas sobre o Português Padrão e não padrão - baseadas em livros do Prof.

Marcos Bagno - na Casa da Linguagem51

, para professores, oriundos do antigo curso

secundário magistério, que atuariam nas séries iniciais. Segundo a docente, esta experiência foi

muito significativa para a sua formação e atuação profissional, pois a interação com estes

professores recém formados, que praticamente desconheciam esta discussão a respeito das

variedades linguísticas, preconceito, língua como instrumento de poder e de hierarquização

social influenciou muito todo o trabalho que ela realizou, posteriormente, nas redes pública e

privada de ensino, como professora de gramática, de redação e de literatura.

Atualmente, a docente exerce seu ofício exclusivamente na rede estadual de ensino do

Pará, é moradora do bairro onde está situada a escola, fundadora de um dos coletivos culturais

da comunidade e exerce um papel atuante em questões sociais, culturais e educacionais. O

reconhecimento por todo o trabalho ora realizado há quase uma década na maior escola

pública estadual do bairro veio final do ano passado, quando a XI edição do Prêmio

Professores do Brasil concedeu a ela o título de melhor professora na categoria Ensino Médio

50 Nome fictício.

51 Vinculada à Fundação Cultural do Estado do Pará, a Casa da Linguagem funciona em um prédio histórico que

data de 1870, localizado na área central da Belém, próximo ao famoso Teatro da Paz e outras construções do

complexo arquitetônico da capital paraense. É um espaço de formação para o campo das linguagens em que são

ofertadas oficinas, minicursos, lançamentos de livros, saraus, apresentações culturais, ofertadas gratuitamente ou

mediante o pagamento de taxas de baixo custo. Para maiores informações ver: http://www.fcp.pa.gov.br/espacos-

culturais/casa-da-linguagem.

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pelo desenvolvimento do projeto Juventude Periférica: do extermínio ao protagonismo,

realizado ao longo do ano de 2018 na escola supracitada e descrita, que deu origem ao Cine

Club TF, atual coletivo cultural, coordenado atualmente pela docente no bairro da Terra Firme.

4.3.2 A turma do terceiro ano do EM

A turma era frequentada efetivamente por 23 jovens, residentes no bairro da Terra

Firme: 56.5% declararam gênero feminino e 43.5% do gênero masculino, 100% estavam

solteiros (as) e na faixa etária de 15 a 20 anos, não tinham filhos. Uma aluna desta turma

estava grávida. Somente 13% dos alunos declararam ter uma atividade remunerada - lavador

de carro, cabeleireiro, autônomo-, os demais, 87% declararam não exerciam uma atividade

formal, mas faziam pequenos trabalhos e/ou ajudavam a família ou terceiros em pequenas

vendas - loja de roupa, venda de vísceras, carro de lanche - no comércio local. Todos

concluíram o Ensino Fundamental em escola pública, na modalidade regular.

Em relação à escolaridade dos pais, constatamos as seguintes informações sobre a

escolaridade básica materna: 4,4% possuíam Fundamental completo; 26% tinham o

Fundamental incompleto; 47,8% possuíam EM completo, 13% somente o EM incompleto e

apenas 8,8% concluíram o Superior completo. Em relação à escolaridade paterna: 4.4%

tinham Fundamental completo, 26% apenas Fundamental incompleto, 34,8% completaram o

EM, 26% o EM incompleto e apenas 4,4% completaram o ensino superior. É importante

sinalizar que a maioria das mães destes jovens possui um nível de escolaridade mais elevado

se comparado aos pais.

Quando questionados em relação a sua formação letrada, os alunos creditam à escola o

papel de principal agência de letramento (52,2%). Juntas, Família, Igreja e Teatro

correspondem a 47,8% das respostas. 56,4% consideram a figura do professor como um

agente central no processo de formação de leitor, seguido da figura materna (34,8%) e do pai

(8,8%). Embora não apareça nos dados estatísticos, alguns alunos citaram a figura da avó

como uma pessoa importante para a construção da sua trajetória de letramento.

Quanto ao acesso e ao domínio da escrita, 78,2% destes estudantes consideram que a

escola foi a instituição onde aprenderam a escrever e 21,8% afirmam que a família e a igreja

contribuíram para o aprendizado da escrita. Eles afirmam usar a escrita no dia a dia, em

especial, para fins escolares (47,8%) e para uso das redes sociais (13%). Por sinal, a maioria

afirma ter acesso à internet (95,6%) e a considera como principal veículo de comunicação

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para ter acesso a redes sociais, notícias, curiosidades, conteúdos escolares, documentários,

contos.

Todos estes alunos afirmaram já ter lido, pelo menos, um livro52

ao longo da sua

trajetória escolar. Em relação a outros bens culturais, os estudantes relataram ter acesso a

filme, música, festas populares, dança, teatro. Por fim, cabe mencionar que boa parte destes

jovens (91,3%) participa ou já participou das atividades realizadas pelos coletivos culturais53

do bairro.

Em relação aos temas debatidos na escola mais recorrentemente, eles apontam os

seguintes: preconceito em geral, racismo, cultura negra, homofobia, questão de gênero,

bullying, cultura do estupro, diversidade cultural, violência, saneamento básico, desigualdade

social, história do Pará, cultura local. Os temas são atuais e delineiam um trabalho com as

demandas locais de formação, tais como desigualdade social e cultura local, além das

temáticas que também incidem sobre esta população. No que se refere aos recursos didáticos

que consideram facilitadores da aprendizagem escolar, os alunos acreditam que o uso da

Internet e de recursos tecnológicos contribuiria, consideravelmente, para a aprendizagem,

porém a escola, muitas vezes, não os disponibiliza.

Os estudantes, contudo, percebem o esforço dos professores em preparar

apresentações e levar seus próprios equipamentos para facilitar o processo de ensino-

aprendizagem. Esse dado denuncia que, embora a Internet hoje faça parte da formação desses

alunos, ela se constitui ainda como uma ferramenta que a escola nega a estes sujeitos. Eles

acabam reconstruindo o acesso de outra forma, por via de outros meios negociados, mas não

com o sistema escolar vigente.

Quanto às ações didáticas facilitadoras da aprendizagem, 39,1% acreditam que

atividade e explicação viabilizam a construção do processo de aprendizagem e 30,4% creditam

somente a “boa” explicação do professor a ação didática mais relevante no processo de ensino.

52 Livros que os alunos mencionam quando questionados acerca da última leitura que fizeram: 50 tons de cinza,

Rei congo, A maldição do tigre, O nome da rosa, O pequeno príncipe, After, Tomorrow land, Manifesto

comunista, O império, A cidade que encolhe, Mentes brilhantes, Caverna do dragão, Azul, O alienista, Tudo e

todas as coisas, Mentes tranquilas, Almas felizes. No questionário, não perguntamos que obras foram indicadas

pela escola, mas em virtude das nossas observações e convivências em campo, supomos que são livros

recomendados pelos professores da escola, pelos coletivos culturais do bairro, pelas igrejas – há muitas igrejas

evangélicas espalhadas pelo bairro- e pelos familiares, parentes ou amigos mais próximos. 53

Na pesquisa aqui descrita, estamos entendendo que os coletivos culturais podem ser considerados “instituições”

não formais que atuam na comunidade nas seguintes áreas: Capoeira, Dança de Rua, Teatro, Comunicação.

Alguns dos coletivos mais atuantes no bairro são: Teatro Ribalta (promoção de oficinas de teatro), Tela Firme

(grupo que gerencia mídias para divulgar acontecimentos da comunidade), Casa Preta (grupo que discute

questões de negritude e realiza eventos para a promoção da cultura afrodescendente e indígena), Capoeira

Angola: eu sou angoleiro (grupo que ensina e promove a capoeira angola no bairro).

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Em relação ao ensino de Língua Portuguesa, destacamos os seguintes dados: 39,1%

consideram-no importante para a melhoria da prática de ler, de escrever e de falar

“corretamente”, 26% concebem a relevância desta disciplina para o mundo do trabalho,

preparação para o ENEM e para formação do indivíduo; 8,8% analisam que os alunos têm

direito de conhecer a gramática e os usos da Língua Portuguesa; 4,4% julgam que a

apropriação dos conhecimentos da LP contribui para a melhoria da aprendizagem de conteúdos

de todas as demais disciplinas, para observar e compreender a realidade a sua volta. No que

tange aos gêneros textuais trabalhados na escola, os discentes dizem já ter trabalhado com os

seguintes: letra de música, seminário, carta, crônica, poema, redação - texto dissertativo,

narrativo, argumentativo e “textos” jornalísticos.

Para finalizar este tópico, elencamos o que estes alunos indicam como possíveis

melhorias para o EM na escola investigada: (i) melhor estrutura física, (ii) disponibilidade de

recursos tecnológicos , dentre eles, o livre uso da Internet e de equipamentos como:

computadores, data show, (iii) abertura da biblioteca, (iv) inclusão de atividades culturais, (v)

aulas mais dinâmicas, (vi) “pontes” entre as disciplinas escolares, (vii) uso de material didático

mais específico, contendo mais fontes e detalhes, (viii) melhor interação entre discentes e

docentes, (ix) mais participação dos alunos nas atividades escolares, (xi) um menor número de

paralisações, (xii) oferta de merenda escolar e de água de boa qualidade.

4.4 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO PARA DESCRIÇÃO DAS AULAS

Para descrever as aulas selecionadas, usamos um instrumento de descrição específico:

a sinopse. Conforme Schneuwly, Cordeiro e Dolz (2000, p. 25):

A sinopse é um instrumento metodológico utilizado para condensar uma unidade de

ensino. Ela é constituída por trechos das sequências de ensino e auxilia no processo

de comparação e análise de dados, bem como para situar momentos específicos de

todo o material didático organizado. O nível de condensação é definido

pragmaticamente pelas atividades descritas. Esta forma de reduzir as sequências

didáticas permite evidenciar a estrutura hierárquica e as sequenciação das unidades e

sequências de ensino54

.

Para os pesquisadores mencionados, a sinopse é um instrumento de descrição das

atividades efetivadas em sala de aula, a fim de apresentar os principais traços constitutivos do

54 Tradução nossa de "Le synopisis est un outil pour condenser en une unité plus appréhendable les transcriptions

des séquences d’ enseignement afin de les rendre comparables et analysables, d’ en saisir la structure et de

pouvoir situer chaque moment analysé dans un tout. Le dregré de condensation est défini pragmatiquement par

les fonctions que nous venons de décrite ; pour donner une idée quantitative [...] La forme de cette réduction doit

permettre de mettre en évidence la structuration hiérarchique et la séquentialité d’ une séquence d’

enseignement.”

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trabalho docente, que permite demonstrar a construção de objeto de ensino, os modos de

apresentação, os dispositivos didáticos usados ao longo da intervenção didática. Trata-se de

uma macroestrutura ou um sistema da lógica geral do trabalho docente. Por intermédio deste

instrumento, é possível definir pragmaticamente as etapas de uma unidade do trabalho de

ensino, conferir a quantidade de sequências e de módulos de trabalho, demonstrar a estrutura

hierárquica e a sequenciação das unidades ensinadas.

A produção de sinopses demanda tarefas básicas, a saber: (i) transcrição das

sequências de ensino de modo integral; (ii) leitura dos dados para o levantamento das

atividades realizadas; (iii) etiquetagem das atividades desenvolvidas ao longo das aulas; (iv)

decupagem das ações docentes executadas; (v) (re)constituição da narrativa de cada nível da

atividade escolar. Integrado a estas tarefas, é necessário apresentar as informações interligadas

ao contexto, às situações de ensino, aos dispositivos didáticos, aos suportes e aos modos de

trabalho concatenados ao processo de decomposição e transformação de um dado objeto de

ensino.

Tendo em vista os pressupostos teóricos sobre sinopse do grupo de didática das

línguas de Genebra, usamos sinopses para o trabalho de descrição dos dados. Isso pode ser

justificado pelo fato de as mesmas facilitarem a recuperação de momentos das aulas e a

realização de gestos profissionais55

do ensino, além de outras características, como a

temporalidade do objeto - memória e antecipação didática-, os dispositivos didáticos, a

regulação, a reação e o efeito de obstáculos para a construção de um objeto, a

institucionalização de novos saberes, a avaliação, etc. Porém, o modelo de sinopse utilizado é

uma adaptação utilizada em Ferreira (2008), inspirada no modelo produzido pelo grupo de

Genebra, para descrição de aulas do contexto escolar brasileiro.

Para os fins desta investigação, elegemos os elementos que consideramos mais

pertinentes ao desenvolvimento da atividade de ensino: os marcadores de tempo para cada

tarefa, os dispositivos didáticos, a descrição geral de cada atividade efetivada. Vejamos a

seguir o modelo de sinopse a ser adotado:

55 Os gestos profissionais constituem uma das etapas de análise fundamentais para o entendimento do desenvolvimento e

progressão do trabalho de ensinar. O professor recorre a uma série de gestos profissionais para o entendimento da lógica das

atividades empreendidas, essenciais à abordagem do processo de ensino-aprendizagem de um objeto de ensino. As análises

de aulas efetivadas pelo grupo de Genebra apontam para quatro gestos fundamentais: memória e antecipação – é um gesto

ligado a um conhecimento que deve ser lembrado ao longo do processo didático; Proposição dos dispositivos didáticos – durante o ensino, a elementarização (divisão, compartilhamento) do objeto é traduzida em diferentes suportes materiais e

modos de trabalho, revelando diferentes dimensões do objeto; Avaliação e regulação- para descrever e compreender o lugar

da avaliação e da regulação, da construção e da transformação de um objeto de ensino; IV- Institucionalização – esse gesto é

concebido como fixação explícita e convencional de um saber a ser construído num dado nível de aprendizagem e a ser utilizado e cobrado em determinadas circunstâncias. Informações apresentadas em Ferreira (2008, p. 53-61), construídas a

partir do seguinte referencial teórico-metodológico: SCHNEUWLY; CORDEIRO; DOLZ (2000), SCHNEUWLY (2001),

SCHNEUWLY; DOLZ; RONVEAUX (2005). Cabe mencionar que tais categorias não serão utilizadas neste trabalho.

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Quadro 5 - Modelo de identificação

Sinopse de sequência de ensino:

Professora: Episódio:

Série: MP3 Tempo de gravação: Data:

Quadro 6 - Modelo descritivo

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 1

Reconstituição

Cadernão56

Introdução ao estudo de erro e estilo: conceituação, exemplificação e início

da resolução dos primeiros exercícios.

1.1 5’40’’-10’53’’

t.3

----- Comentário geral sobre o que vem a ser o uso criativo da linguagem e

exemplificação.

1.2 10’54’’- 23’14’’

t.3 a 36

-----

Exposição sobre a problemática da criatividade e o rompimento com a

gramática normativa: conceituação de erro e exemplificação.

1-3 23’15’’- 31’40’’

t.36 a 64

-----

Leitura de uma peça publicitária e questionamentos sobre duas leituras

possíveis para o texto. Comentário da professora sobre o sentido subjacente

ao texto da propaganda.

1.4 35’16’’- 41’11’’

t.74 a 110

-----

Início da resolução do primeiro exercício: leitura de uma propaganda da

Sadia.

Fonte: Ferreira (2008, p. 63).

O nível 1 faz referência à tarefa geral a ser feita em uma etapa do trabalho de ensino, os

sub-níveis (0, 1.1, 1.2, 1.3, 1.4) estão articulados às etapas de trabalho para executar a tarefa

geral. Em relação aos sub-níveis iniciados por zero, temos dois casos: o nível 0 transição, que

se refere à passagem de uma tarefa para outra e o nível 0 intermediário, que faz menção à

retomada de uma dada informação. A leitura dos níveis hierárquicos do maior para o menor

deve possibilitar a construção da tarefa geral. Os marcadores correspondem ao tempo em que

cada nível é construído e aos turnos em que os níveis estão dispostos. O instrumento diz

respeito aos dispositivos didáticos mobilizados no processo de construção do trabalho ensino

(SCHNEUWLY, 2000).

4.5 CATEGORIAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

As categorias de análise foram configuradas a partir da conjugação da leitura teórica e

da análise geral dos dados gerados em campo: entrevistas realizadas com a professora,

sinopses de todas as aulas registradas, textos utilizados em sala de aula, eventos de letramento.

O resultado dessa conjugação sinalizou para a construção de um tripé de análise que pudesse

contribuir para nortear a compreensão, descrição e análise dos dados, uma vez que a seleção

dos objetos de ensino (o que se ensina), o estabelecimentos dos objetivos de ensino (para que

56 Material didático produzido por um grupo de ensino da rede privada de Belém-PA.

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se ensina) e a organização do trabalho didático (como se ensina) são pilares que constituem e

sustentam as práticas docentes. Assim, nosso foco central de investigação aborda os objetos

selecionados e reconfigurados para serem ensinados, busca atentar para os objetivos

articulados a estas reconfigurações e para as ações docentes que operacionalizam tais práticas

de ensino no supracitado ambiente institucional.

Quadro 7 - Categorias de análise dos dados

OBJETOS objetos linguísticos e discursivos mobilizados nas práticas de ensino de leitura e de

escrita construídas com os alunos na aula de Português do EM, para fins de convocação

de práticas linguísticas, discursivas, culturais de letramentos que se entrecruzam no

âmbito escolar.

DEMANDAS

FORMATIVAS

diferentes finalidades do ensino de leitura e de escrita, considerando a formação escolar

voltada a contemplar as demandas formativas locais, que estão interligadas, imbricadas

às demandas institucionais, legitimadas, dominantes.

AÇÃO DOCENTE Como é encenada a ação de ensinar: que lugar a professora ocupa na construção da

prática de ensino, como estes sujeitos constroem a ação de ler e de escrever nesse

contexto – materiais, atividades, redações – e como se configura essa ação em termos da

mobilização de diferentes letramentos no âmbito da escolarização da leitura e da escrita

no EM.

Fonte: Elaboração própria.

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5 LETRAMENTOS, RE(CONFIGURAÇÕES) E RESISTÊNCIAS: O ENSINO DE

LEITURA E DE ESCRITA NO TERCEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO EM UMA

PERIFERIA DE BELÉM-PA

Este capítulo tem como objetivo analisar os dados gerados na pesquisa de campo. A

primeira etapa compreende o processo descritivo-analítico dos dados: a apresentação das

entrevistas realizadas com a professora a respeito das condições de planejamento e de

perspectivas do trabalho investigado; apresentação e descrição de sinopses de aulas; a

sistematização e organização do trabalho docente em um organograma geral para uma melhor

visualização geral dos dados de sala de aula.

Nesta etapa, também, investimos em uma seção de cunho analítico-descritivo, a fim de

situar as linhas gerais de fundamentação e de alinhamento das perspectivas da prática docente,

em concatenação com o processo de construção da história de formação da professora

investigada e as demandas locais e institucionais anunciadas para a efetivação do trabalho

docente no referenciado contexto de geração dos dados.

A segunda etapa compreende a categorização e especificação dos eventos e das práticas

de letramento pesquisados, buscando situar as práticas de ensino de leitura e de escrita que

refletem o processo de letramento escolar, que revela o atendimento a diferentes demandas

letradas. Ora uma demanda formativa local, vernacular, ora a uma demanda formativa

institucional, prescrita, voltada ao cumprimento das ditas finalidades do Ensino Médio, as

quais evidenciam a diversidade e complexidade constitutiva do letramento escolar, construído

no âmbito do referido de nível de ensino.

5.1 DESCRIÇÃO, SISTEMATIZAÇÃO E ORGANOGRAMA GERAL DO TRABALHO

DOCENTE

No ambiente institucional em que a geração de dados foi realizada, a disciplina Língua

Portuguesa é configurada da seguinte maneira: são ministradas seis aulas de Português -

Língua e Redação- para o terceiro ano do EM e duas aulas de Literatura, isto funciona para as

turmas do diurno57

. Cabe lembrar que dois professores são responsáveis pelo desenvolvimento

da disciplina: um ministra “Português” - Língua e Redação- e outro “Literatura”, o que

caracteriza uma configuração escolar tradicional de ensino de LP no Brasil.

57 Para o noturno, são apenas quatro aulas de Português e duas aulas de Literatura. Isto acontece porque o tempo

de aula no período noturno é menor.

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Acompanhamos durante dois semestres letivos o trabalho destes dois professores. Para

a análise desta investigação, elegemos apenas o material gerado nas aulas da professora de

“Português”, não só porque possui o maior número de aulas, mas também porque

consideramos mais adequado aos propósitos da pesquisa em virtude da relevância e do papel

do ensino de leitura e de escrita com vistas à formação letrada, crítica e de resistência, a partir

da mobilização da multiplicidade de letramentos em cena no âmbito escolar, que, no dizer da

docente, contribuiria para formar “um intelectual da periferia”.

Nesse contexto, o conteúdo programático da disciplina Língua Portuguesa é definido de

acordo com os programas oficiais vigentes para o referido nível de ensino, prescrito pela

regulamentação estadual e federal e de sistema de avaliação: Programa da Secretaria de

Educação do Estado do Pará, estabelecido pelo Conselho Estadual de Educação (2010), os

Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), as Orientações Curriculares para o Ensino Médio

(2006), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) etc.

Os principais instrumentos didáticos utilizados para o desenvolvimento do trabalho de

ensino anunciado nestas regulamentações oficiais são: livro didático, textos avulsos, obras

literárias, apostilas montadas pelos professores. Quantos aos principais recursos didáticos,

verificamos o uso de quadro, pincel, data show, caixa de som, uso de celulares para a captação

de fotos e vídeos, câmeras semiprofissionais.

Como já foi mencionado, o processo de geração de dados iniciou em maio de 2016 e

findou no início de 201758

, sendo que a priori, realizamos o processo de contato com a

instituição e com os docentes. Antes de iniciarmos a pesquisa da prática docente propriamente

dita, agendamos e realizamos entrevistas com os coordenadores pedagógicos e os docentes de

Língua Portuguesa sobre a organização e o processo de ensino na referida instituição.

Ao longo do processo de geração dos dados, foram realizadas entrevistas com a

professora, os alunos e representantes dos coletivos culturais do bairro. No quadro 8, são

listadas as entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa mencionados.

58 A previsão da nossa permanência em campo de pesquisa foi condicionada aos seguintes critérios: (i) prazo de

90 a 180 dias; (ii) registro de dois projetos didáticos, contemplando o processo de construção e implementação

dos mesmos. Estes foram os critérios estipulados no projeto de pesquisa Projetos didáticos de Língua Portuguesa

no Ensino Médio em uma escola da periferia de Belém-PA, número do CAAE: 53094915.4.0000.5404, aprovado

no Comitê de ética da Unicamp. O parecer foi expedido no dia 25 de abril de 2016.

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Quadro 8 - Entrevistas realizadas com docentes, gestores e alunos

Sujeito da pesquisa59

Data da entrevista Tempo de duração

P1. Entrevista 1 28/04/2016 1:08:21

P1. Entrevista 2 08/06/2016 00:58:51

P1. Entrevista 3 24/08/2016 00:32:05

P1. Entrevista 4 30/11/2016 1:56:51

G1.Entrevista 1 03/05/2016 00:28:09

G2.Entrevista 1 31/05/2016 00:40:46

G3. Entrevista 1 31/07/2016 00:57:48

C1. Entrevista 1 04/11/2016 00:29:08

C2. Entrevista 1 07/11/2016 00:10:06

C3. Entrevista 1 17/11/2016 00:40:37

A1. Entrevista 1 04/10/2016 00:14:43

A2. Entrevista 1 04/10/2016 00:09:50

A3. Entrevista 1 04/10/2016 00:17:36

A4. Entrevista1 05/10/2016 00:11:08

A5. Entrevista 1 05/10/2016 00:11:50

A6. Entrevista 1 05/10/2016 00:18:06

A7. Entrevista 1 05/10/2016 00:19:29

19 ---- Em torno de 9,4h de gravações

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Além disso, realizamos a observação das aulas do primeiro e do segundo semestre. As

primeiras aulas foram registradas somente no diário de campo. Após algum tempo de

convivência em campo, obtivemos a permissão e o consentimento de todos os sujeitos da

pesquisa para a realização das gravações em áudio e vídeo das aulas e dos eventos de

letramento realizados. Por conta disso, todos os esclarecimentos relacionados à realização da

pesquisa foram efetivados. Duas vias dos Termos de Consentimento e Livre Esclarecido

(TCLE) foram assinados pela pesquisadora e pelos participantes da pesquisa, uma via ficou

sob a posse dos participantes e a outra via ficou registrada no banco de dados, que está sob

nossa responsabilidade.

Em relação aos dados gerados em sala de aula, acompanhamos 25 aulas, mas foram

gravadas 19 em áudio e vídeo (quase 30h de material gravado). Também, registramos dois

eventos de letramento que julgamos pertinentes ao trabalho docente em questão: uma

caminhada que teve como ponto de partida o auditório da escola e ponto de chegada a ponte

sobre o Rio Tucunduba e uma roda de convivência, realizada no dia 12 de novembro de 2016,

no auditório da escola e que contou com a participação dos coletivos culturais Casa Preta e

Capoeira Angola. Somente o primeiro evento será utilizado nesta ocasião para fins de análise.

59A seguir, as identificações dos sujeitos de pesquisa: P1= Professora, G=Gestor escolar: G1 = coordenadora

pedagógica turno matutino, G2= diretora da escola, G3= gestora da USE 06, C: representante de coletivo cultural

do bairro: C1= representante do coletivo capoeira angola, C2= representante do coletivo GON (Grupo de Ouro

Nacional); A= aluno, A1, 2, 3, 4, 5, 6, 7: alunos da turma.

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A seguir, apresentamos o quadro 9 em que é possível visualizar o mapa de aulas

gravadas no primeiro e segundo semestre de 2016:

Quadro 9 - Aulas gravadas (P1)

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Primeiro e segundo semestre de 2016:

terceiro ano (P1)

1 16 de maio de 2016 0:21:07

2 13 de junho de 2016 1:23:02

3 16 de junho de 2016 1’30’’

4 20 de junho de 2016 46’00’’

5 23 de junho de 2016 3:03:42

6 24 de junho de 2016 2:20

7 27 de junho de 2016 1:05:24

8 08 de agosto de 2016 1’19’’09’’’

9 18 de agosto de 2016 2:13:20

10 22 de agosto de 2016 1’24’’34

11 26 de agosto de 2016 0:40:37

12 1 de setembro de 2016 1:31:36

13 8 de setembro de 2016 1:56:00

14 12 de setembro de 2016 1’24’’25

15 26 de setembro de 2016 53’’08

16 04 de outubro de 2016 00:47:35

17 06 de outubro de 2016 1’08’’01

18 27 de outubro de 2016 3:30

19 03 de novembro de 2016 1’33’’22

Total 28,6h

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5.2 PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA: TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO

LETRADA E AS PERSPECTIVAS ANUNCIADAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO

TRABALHO DE ENSINO

Antes de proceder à descrição do trabalho docente investigado, percebemos a

necessidade de apresentar mais dados da trajetória de formação da professora participante da

pesquisa e o que foi anunciado como “planejado” para o trabalho de ensino de Língua

Portuguesa, ano letivo de 2016. Nesse percurso, discorremos sobre algumas formulações de

acadêmicos que vêm contribuindo para um melhor entendimento acerca das identidades

sociais, de um modo geral, e das identidades profissionais docentes, em particular.

Para Hall (2003, 2009), a identidade una, fixa e indivisível é tida como uma fantasia,

pois no contexto contemporâneo, os processos identitários são constituídos a partir de

inúmeras interpelações gestadas nos contextos culturais em que os sujeitos estão ancorados.

Portanto, as identidades são múltiplas, historicamente situadas, e podem ser transgressoras de

limites políticos, territoriais, econômicos.

De acordo com Pennycook (2006, p. 82), um posicionamento acadêmico de natureza

transgressiva pode ser entendido da seguinte forma: “a teoria transgressiva assinala a intenção

de transgredir, política e teoricamente, os limites do pensamento e da ação tradicionais, não

somente entrando em território proibido, mas tentando pensar o que não deveria ser pensado,

fazer o que não deveria ser feito”. Deste modo, inferimos que tanto Pennycook (2006) quanto

Hall (2009), as relações sociais são constituídas por relações de poder. Para o primeiro, por

via do elemento da transgressividade; no segundo pelo processo diaspórico que se traduz na

questões identitárias, multiculturais, que se mesclam, constituem e circundam o processo de

construção cultural, linguística, identitária dos grupos sociais ao redor do globo ao longo da

história das sociedades.

A identidade é essencialmente discursiva, carregada de sentidos (SANTIAGO, 2000) e

perpassada por relações de poder. Tais relações podem (re)elaborar os sistemas de referência,

as normas, as crenças, os valores, isto é, a própria cultura até então constituída. Conforme Iza

et al., (2014, p. 275), a identidade pode ser compreendida como “um processo de construção

social de um sujeito” historicamente situado. No que tange à identidade profissional, esta é

construída a partir das significações sociais do ofício, de sua inscrição social, política,

histórica, cultural.

A docência, enquanto profissão desponta no contexto da modernidade devido à

necessidade de disseminação de um conjunto de saberes, de valores, de crenças. Conforme

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Garcia, Hypólito e Vieira (2005, p. 54-55), a identidade profissional docente pode ser

concebida como:

[...] uma construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si,

resultando numa série de representações que os docentes fazem de si mesmos e de

suas funções, estabelecendo, consciente ou inconscientemente, negociações das quais

certamente fazem parte de suas histórias de vida, suas condições concretas de

trabalho, o imaginário recorrente acerca dessa profissão [...].

O profissional da educação vai construindo uma determinada trajetória de trabalho por

intermédio da preparação escolar, experiências diversificadas, formação acadêmica inicial e

continuada, etc. Logo, o processo é contínuo e está diretamente ligado à cultura e às demandas

sociais em curso (IZA et al., 2014). Mockler (2011) assinala que a identidade docente engloba

três aspectos básicos: o ambiente externo da política- aqui incluímos todo o contexto sócio-

histórico, ideológico, econômico, cultural-, o contexto profissional e a experiência pessoal. As

três instâncias estão envolvidas e imbricadas na constituição do “ser-professor(a)”:

aprendizagem profissional, ativismo docente e desenvolvimento pessoal, as quais concorreriam

para o processo de atuação profissional, política, cultural, linguística, semiótica, ideológica.

Levando em consideração estes pressupostos, cabe lembrar que a docente investigada

considera a centralidade da sua formação acadêmica e pessoal para sua trajetória de

letramento. Ela considera que a universidade foi determinante no encaminhamento de leituras,

também menciona as leituras, de vertente espiritual, filosófica, literária, realizadas nos sete

anos em que se dedicou ao movimento Hare Krishna:

A gente estudava muito assim... primeiro o Bhagavad Gita que era o livro sagrado

[...] mas lá eles a gente .... eles na verdade... Eles leem muito livro de passa tempo

[...] são aquelas explicações assim... pra formação do mundo... pra existência

entendeu? [...] Nessa época assim como eu tava numa parte de formação eu tava me

formando... eu falo assim tentando encontrar um rumo pra minha vida.... devia ter 16

pra 17 anos... 17 anos eu deveria ter... Ai o que foi que aconteceu eu comecei a

pesquisar... eu não ficava lendo só... a minha referência.... a minha fonte não era só

do Hare Krishna... eu lia Helena Blavatsky... Filosofia... lia sobre gnose... sobre a

influência dos astros né.

lá no Hare Krishna... a conduta lá é você dedicar a sua vida e abdicar o material em

função da espiritual... e ai como eles acreditam que a gente vai... que a gente

transcende... [...] a vida só é uma oportunidade de você galgar pra um plano

melhor... você precisa ajudar o outro... você precisa se dedicar o outro... você

tem que abrir mão de dar pra oferecer o bem pro outro... ai o que que foi que

acontece... encaixou certinho com tudo que a minha mãe ensinou a vida

inteirinha dela... porque a vida da minha mãe sempre foi essa coisa... da... é da

bondade do outro.... ela não morreu por causa da bondade do outro né...ela foi

acolhida da pior forma possível... mas foi acolhida [...] . E hoje vejo a educação

como militância... eu acredito que é o único meio de mudar o mundo [...] é um

princípio... eu acredito que é possível mudar o mundo fazendo isso. (Trecho de

entrevista realizada com Bia Paiva, no dia 28/04/2016, ênfase adicionada).

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É possível perceber que a trajetória da docente é marcada por diferentes instâncias

sociais formadoras que, articuladas, são cruciais para a sua constituição como leitora, e,

consequentemente, podem ter influência no seu modo de ser uma profissional da linguagem.

Observamos uma considerável influência de uma instância pessoal, fortemente atrelada aos

ensinamentos de vertente espiritual, filosófica, existencial. Para ela, este conjunto, de algum

modo, afeta o seu fazer pedagógico.

Podemos, então, considerar que o percurso formativo, em alguma instância, reflete

diretamente na concepção de educação como “militância”, como uma possibilidade de

transformação, de emancipação, de mudança instaurada pelo processo educativo quando

afirma: “E hoje vejo a educação como militância... eu acredito que é o único meio de mudar o

mundo [...] é um princípio... eu acredito que é possível mudar o mundo fazendo isso”. Este

posicionamento nos reporta ao pensamento freiriano quando o educador defende que:

O que teríamos de fazer, numa sociedade em transição como a nossa, inserida no

processo de democratização fundamental, com o povo em grande parte emergindo,

era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ela na indispensável

organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe pusesse à disposição

meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua

realidade, por uma dominantemente crítica. (FREIRE, 2018, p. 139).

A partir de uma descrição geral dos dados gerados, é possível perceber que este

posicionamento indicia o fazer disciplinar desta docente, a saber: as questões de cumprimento

de um currículo oficial, concatenadas aos propósitos oficiais vigentes para o ensino de Língua

Portuguesa, para o próprio nível de ensino em questão e às demandas locais emergentes destes

contextos institucionais de trabalho, que corroboram, para que a profissional procure encenar

diferentes papeis, funções, posições em virtude da (re)criação/ (re)configuração da efetivação

do currículo em sala de aula (GOMES-SANTOS, 2007).

A respeito de possíveis formas de trabalhar e de relacionar currículo escolar imposto e

os saberes locais/vernaculares no ensino de Língua Portuguesa:

A primeira relação que eu faço no que diz respeito às coisas pontuais mais locais é

fazer com que percebam que esse currículo imposto... ele... em nenhum

momento... ele reconhece e valoriza a importância desse conhecimento local...

eles precisam saber disso... eles sabem disso... porque eu mostro pra eles né... o

que que a gente faz.... Bom primeiro como a gente tá com duas vertentes... como a

gente ta com a educação aqui e o Mec aqui... o que que a gente faz...a gente vai

mexer nesse local pela necessidade de eu me formar enquanto indivíduo... a

gente não pode deixar esse imposto se não eu não entro... se não eu não vou entrar

[...] eu preciso dos dois... eu não posso simplesmente me formar mas também não

posso abandonar isso aqui... entendeste... agora uma coisa é fato Débora... uma

hora a gente tem que largar um... e geralmente o que se larga é o local. (Trecho

de entrevista realizada com Bia Paiva, no dia 28/04/2016)

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Maher (2007) defende que a questão da educação intercultural está diretamente

relacionada a tentar proporcionar o diálogo de conhecimentos e de comportamentos edificados

a partir de orientações culturais diferentes e, muitas vezes, conflitantes. A autora defende que

este empreendimento é necessário para a realização de negociações nos casos de conflitos

interculturais e, ao mesmo tempo, é o alicerce que justifica o valor de ser e de existir das

escolas e o que lhe confere importância política.

Isso aparece no trabalho realizado pela professora ora investigada em que é perceptível

que o campo de disputas curriculares, de poder, de conhecimento, de culturas e a encenação do

próprio conflito no discurso da docente investigada, quando defende a necessidade de

esclarecer a existência do conhecimento (não) reconhecido no campo escolar e formal. Nesse

sentido, há necessidade de debate, de diálogo, em função da importância de duas vertentes -

oficial e cotidiana; dominante ou vernacular - que se colidem na arena de letramentos (arena de

luta) em discussão na aula de Português do EM (BAKHTIN, 1987; BARTON, HAMILTON,

2000; VOLÓCHINOV, 2017).

Ao mesmo tempo, a fala da professora revela o processo híbrido, competitivo,

migratório da construção dos saberes em sala de aula, ao demonstrar a coexistência de duas

dinâmicas curriculares concorrentes na prática de ensino de Português no EM: ora um

currículo imposto pelas instâncias escolares hegemônicas e homogeneizantes “o currículo do

MEC”, instituído como aquilo que deve ser ensinado na escola; ora um conjunto de saberes

locais, provenientes da cultura local, da cultura produzida por estes sujeitos e pelos seus pares,

situados em uma periferia, de uma das principais metrópoles da Amazônia brasileira. Instaura-

se a tensão entre as práticas docentes que tomam corpo no cotidiano desta professora, motor

central desta investigação. Instaura-se não só uma tensão entre as práticas docentes impostas

pelo currículo do MEC, mas também das práticas locais. Forma-se aqui a arena de luta a que se

refere Volóchinov (2017).

Jordão (2007) chama a atenção para o fato de que o conhecimento é ideológico por

natureza, parcial, incompleto, não neutro ou desinteressado, edificado em contextos

específicos, os quais revelam o alcance das possibilidades de entendimento e da legitimidade

conferida ao discurso dos sujeitos que o constituem e o constroem no bojo da prática social

propriamente dita. Nessa direção, Moita Lopes (2006) defende que “todo conhecimento é

político” e, portanto, não é possível dissociar a pesquisa da vida social. Em consonância com

esta postura, Pennycook (2006, 2014) advoga que uma Linguística Aplicada Crítica perpassa

necessariamente pela sua natureza transgressiva, reflexiva, problematizadora e movente, logo é

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impossível ignorar questões políticas alegando que não é possível se posicionar; é impossível

ignorar vozes marginalizadas que apresentam visões alternativas do mundo.

A interface estabelecida entre linguagem, letramento e poder é perceptível e o currículo

pode ser entendido como uma constituição particular, de uma seleção parcial, oriunda de uma

dada cultura, de um dado posicionamento político, que inclui, exclui e nos leva a questionar

quem, de fato, decide. É o governo quem impõe o currículo? Os professores decidem e

selecionam o que ensinam? Quanto os estudantes e suas respectivas comunidades interferem

nesse processo? (JANKS, 2010). Lopes (1999, p. 03) atenta para o fato de que:

os processos de seleção e legitimação não são construídos a partir de critérios

exclusivamente epistemológicos ou referenciados em princípios de ensino-

aprendizagem, mas a partir de um conjunto de interesses que expressam relações de

poder da sociedade como um todo, em um dado momento histórico. Assim, atuam

sobre o processo de seleção cultural da escola, em relações de poder desiguais, o

conjunto de professores, aqueles que fazem parte do contexto de produção do

conhecimento de uma área e a comunidade de especialistas em educação. Atuam

igualmente inúmeras outras instâncias culturais, políticas e econômicas de uma

sociedade, que atuam direta ou indiretamente sobre a escola, sobre a formação e

atualização de professores e sobre a produção de conhecimentos na área específica e

educacional.

Nesse contexto, a professora concebe sua atuação diante da necessidade de contemplar

diferentes demandas socioeducacionais que se tensionam no palco de atuação docente. Esta

tensão implica escolhas disciplinares, didáticas, curriculares; no deslocamento do tempo e do

próprio espaço de trabalho; na escolha do material didático e nos caminhos metodológicos a

serem percorridos no curso do ano letivo.

Dessa maneira, o posicionamento da docente sinaliza para: (i) a existência de uma

demanda escolar necessária para atender a uma expectativa de programas e de

regulamentações direcionadas à prática docente no EM, voltados à valorização dos

conhecimentos vernaculares, ao diálogo, ao exercício da criticidade, que, embora seja

claramente necessária ao processo de letramento dos sujeitos, em um determinado momento do

ano letivo, é colocada a margem em função do “lugar” que ocupa no aparelho ideológico do

estado em que coabita; (ii) a existência de uma demanda escolar e oficial necessária para a

aprovação no ENEM, que possibilitaria continuidade dos estudos e por ser instituída como

hegemônica, não pode ser abandonada.

A respeito do trabalho docente direcionado de modo a permitir a articulação desta

demanda dupla, a professora apresenta o seguinte exemplo de como tenta concatenar estas

duas dimensões:

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Olha a questão do currículo imposto [...] geralmente eu trabalho como eu jogo muito

pras questões assim do currículo imposto... pelo PCN e o currículo imposto da escola

por exemplo se tem um simulado que tá agendado... eu vou ter que entregar questões

... eu vou ter que passar por uma agenda da escola... ai o que que eu faço eu jogo esse

conteúdo mais fechado né... a questão do local ai eu trabalho as atividades

avaliativas mas que não estão atreladas a agenda da escola... é minha mesmo... eu

fico mais livre...é um critério avaliativo sim mas não prestar contas pra escola e eu

acho que é o que mais rende [...] um exemplo disso é quando a gente trabalha... vou

te dar o exemplo que tá acontecendo agora... essa questão da cultura

afrodescendente que é uma discussão que tá bem em voga depois da lei etc. e tal

e aí eu vou trabalhar com o conteúdo que é necessário por conta do currículo

imposto mas eu vou tá atrelando à questão da identificação desse conteúdo

dentro da realidade dele e aí qual é a realidade que eu peguei... o fato que

ocorreu e que tá bem recente que é a chacina que tá completamente ligado com o

fato de ser negro... ser de periferia... ser pobre. (Trecho de entrevista realizada

com a Profa. Bia Paiva, no dia 28/04/2016).

A fala da professora investigada apontaria para uma prática docente a favor de uma

agenda híbrida, mista, isto é, uma mistura de perspectivas e de objetivos (MENDONÇA,

2006), que indiciaria possíveis relações dialógicas, intertextuais, contextualizadas, ligadas ao

cumprimento de uma agenda de trabalho que busca contemplar ora uma demanda escolar

dominante, ora uma demanda escolar local. Esta última pode ser evidenciada na proposta que

aborda a chacina ocorrida no bairro da Terra Firme em novembro de 2014, que exterminou

mais de uma dezena de jovens, pobres e negros da comunidade: “essa questão da cultura

afrodescendente que é uma discussão que tá bem em voga [...] aí qual é a realidade que eu

peguei [...] a chacina que tá completamente ligado com o fato de ser negro... ser de periferia...

ser pobre”.

Trata-se de tentar, no âmbito escolar, atribuir outros sentidos, ressignificando e

refletindo acerca dos acontecimentos, das representações, dos procedimentos, dos modos de

agir, de conceber e de compreender algo a partir da realidade circundante (JORDÃO, 2013).

Investimento didático este, considerado mais produtivo pela professora investigada: “e eu acho

que é o que mais rende”. Por outro lado, a docente deve também atender aos compromissos

institucionais que passam pela obrigatoriedade do cumprimento de programas escolares, de

prazos, de avaliações bimestrais, contemplando uma demanda escolarizada, institucionalizada,

dominante. Nesse sentido, é preciso retornar à agenda escolar que passa pela necessidade de

preparação para os exames intermediários e finais:

eu jogo muito pras questões assim do do currículo imposto... pelo PCN e o currículo

imposto da escola se tem um simulado que tá agendado... eu vou ter que entregar

questões ... eu vou ter que passar por uma agenda da escola... ai o que que eu faço...

eu jogo esse conteúdo mais fechado né. (Trecho de entrevista realizada com a Profa.

Bia Paiva, no dia 28/04/2016).

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Assim, a escola, instituição criada na modernidade, a partir de modelos industriais

(TARDIF; LESSARD, 2005), continua a dar sequência à faina de controlar as formas de

linguagem e de pensamento, o que leva a uma pedagogização do letramento, dos significados e

usos da escrita e restringe os Letramentos ao Letramento escolar (SOARES, 1999, 2004b,

2010). Nessa direção, o trabalho docente é contingenciado:

aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar

categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como

modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita. (TARDIF, 2002, p.

38).

Apreciamos, então, o anúncio de um dito currículo diaspórico ou migratório (IZA et al.,

2014), que, em termos machadianos, se traduz ora em acender uma vela para Deus, ora em

acender outra para o Diabo e assim seguir resistindo para continuar tecendo o cotidiano da

escola, manter os alunos nesta instituição situada em um contexto citadino, periférico,

estratificado, marginalizado, violento, marcado pelo famigerado binômio “inclusão-precária/

territorialização precária” (COUTO, 2014, p. 28-29), que se constitui na formação de

territórios instáveis e inseguros do ponto de vista socioespacial, fragilizando os elos entre os

grupos sociais residentes nestas áreas e a própria interação deles com o território em que se

situam.

Nesse sentido, a professora relata a relação dos alunos com as aulas que tratam de

temas locais, reforçando a nossa percepção do trabalho de ensino anunciado por esta docente

em relação à abordagem de práticas de letramento vernaculares ou locais:

eu costumo dizer o seguinte quando chega o segundo semestre... de agosto a

outubro quase não respira... quando chega a prova do ENEM... agora nós

podemos estudar, agora nós podemos estudar, agora é que a gente vai dar

continuidade do nosso ano letivo, porque até aqui a gente só cumpriu tabela né, é

isso entendeu, sabe o que eu acho interessante, não há um esvaziamento de

interesse, não há.... se tu marcares um sábado após a prova do ENEM eles vêm,

eles vêm. Por isso que eu te digo que são meu sinalizador é isso que me sinaliza e

todo mundo diz assim: ah, porque eles foram pra lá por causa do ponto, a

porque isso... aquilo outro, gente eu preciso ter a minha moeda de troca porque a

cultura deles é essa (Trecho de entrevista realizada com a Profa. Bia Paiva, no dia

28/04/2016).

Cox e Assis-Peterson (2007, p. 33) cogitam a possibilidade de conceber cultura60

como “um conjunto colidente e conflituoso de práticas simbólicas ligadas a processos de

60 Antes de chegar a este postulado, as autoras ficham seis conceitos de cultura apresentados em Duranti (1997) e

elencam as seguintes assertivas sobre como o conceito pode ser concebido: “a cultura é algo distinto da natureza,

ou seja, é transmitida através das gerações”; “A cultura é pensada como conhecimento de mundo (visão

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formação e transformação de grupos sociais, uma vez que, por esse ângulo, podemos aninhar

a heterogeneidade, o inacabamento, as fricções e a historicidade no âmago do conceito”.

Considerando essa concepção de cultura, atentamos que, para além de uma disputa curricular,

o trabalho docente anunciado indicia um conflito de práticas simbólicas, culturais e

linguísticas em cena, em colisão e em conflito ora no palco institucional escolar, ora no palco

da cultura popular: a rua, a praça pública (BAKHTIN, 1987).

Então, se, por um lado, é obrigação institucional tentar preparar o aluno para uma

avaliação nacional para ler e escrever na variedade da língua tida como legítima, por outro

lado, é importante visibilizar a cultura, a língua e as manifestações deste sujeito, não só no

sentido de firmar uma postura contra-hegemônica, ainda que isto esteja ao alcance das críticas

daqueles que colocam em xeque a validade da participação dos alunos na construção dos

eventos de letramento encenados por estes sujeitos como: as caminhadas, os atos, as rodas de

convivência.

Ao longo do processo de geração dos dados, observou-se o processo de preparação e

realização de uma caminhada pelas ruas do bairro, que reunia as escolas do bairro, os

representantes dos coletivos culturais, familiares e amigos dos jovens vítimas da chacina

ocorrida no bairro em novembro de 2014, a fim de questionar acerca do processo de

julgamento dos possíveis envolvidos. Esta caminhada foi filmada e serviu para a produção de

um videoclipe da música Pau torando, de Rafael Lima, um cantor e compositor de música

popular brasileira.

Também, registrou-se uma roda de convivência realizada na escola, que integrava

alunos da escola, membros da comunidade, representantes dos coletivos culturais por ocasião

do dia da consciência negra e demais eventos de letramento que focam, por exemplo, os

problemas sociais do bairro; mas também, no sentido de fazer uso da “cultura deles”, da

língua, das práticas sociais, dos movimentos de cultura, de mobilização da comunidade como

“recurso” ou “instrumento” de manutenção e de sustento da própria dinâmica escolar, isto é,

fazer uso dessa “moeda de troca” para manter este indivíduo no banco da escola.

No Seminário “10 Anos de Metodologia de Coleta de Dados Individualizada dos Censos

Educacionais”, em 20 de junho de 2017, foram apresentados dados de uma pesquisa que usou uma

metodologia de acompanhamento longitudinal da trajetória dos alunos. Ela revelou que o Pará é o

cognitiva de cultura)”; “cultura como comunicação, ou seja, como um sistema de signos [...] produto da

interação”; “Cultura é vista como um sistema de mediação”; “Cultura como sistema de práticas [...] é algo que

inclui condições materiais e experiência dos atores sociais”; “Cultura como sistema de participação [...] como

sistema de práticas” (COX; ASSIS-PETERSON, 2007, p. 29-32).

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estado da federação que apresentou a maior taxa de evasão em todas as etapas de ensino,

alcançando 16% no Ensino Médio.

Nessa perspectiva, a prática anunciada da professora Bia corrobora com o que foi

observado por Silva (2014, p. 106): “os professores reconstroem e adequam ao seu trabalho

cotidiano os conhecimentos e as orientações a que têm acesso, mantendo, apenas, aquelas que

podem ter um “valor de uso” nas práticas”. O professor produz ou tenta produzir saberes que

compreende e domina por meio de sua prática. Tardif (2002, p. 48-49) define estes saberes

experienciais como um

conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da

profissão docente e que não provêm das instituições de formação nem dos currículos.

Estes saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes

práticos e formam um conjunto de representações a partir dos quais os professores

interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas

as suas dimensões.

Por conta disso, educar está para além de formar para as grandes avaliações, é

necessário formar para atuar em práticas sociais de uso da língua, a fim de que o aluno possa

concluir esta etapa da vida acadêmica e, ao final, possa ter a percepção dos usos e do poder da

língua em diferentes práticas situadas com as quais se depara, em revelia a uma concepção

despolitizada de protagonismo juvenil, apenas, como mero recurso de integração e de

participação dos sujeitos em ações escolares (SOUZA, 2009). Nessa perspectiva, o discurso

professoral anunciador do trabalho de ensino apresenta o seguinte posicionamento:

Débora, eu quero que meu aluno saia do Ensino Médio, se ele precisar de exame

de exame e o SUS negar, ele vai lá no Ministério Público e ele entra com uma

ação, tô solicitando esse exame, então ele tem, aí é leitura de mundo, eu tenho que

saber aonde eu estou e pra onde eu vou recorrer e o que eu devo fazer, entendeste e aí

ele vai redigir alguma coisa pra conseguir aquele exame, por isso que eu te digo que

sistematizar vem pra vida prática, entendeu? Porque não adianta o meu aluno

sair escrevendo um puta texto se não me sabe nem aonde é o Ministério Público

[...] se ele sair com a consciência que a língua é um instrumento de poder o resto

ele vai atrás. (Trecho de entrevista realizada com a Profa. Bia Paiva, no dia

28/04/2016).

No fragmento em questão, parece evidente a intenção de ofertar uma formação para

além de garatujar as letras e os números. Parece mais urgente e necessário formar para

promover uma discussão escolar acerca da importância dos usos da letra, da leitura, da escrita

de enunciados concretos para agir na vida no sentido de desestabilizar as formas instituídas de

poder e assim buscar a transformação da realidade social. Para Janks (2016, p. 30-31), “o que

torna o letramento desafiador é a sua criticidade e preocupação com a política de significado:

as maneiras pelas quais os significados dominantes são mantidos ou desafiados e mudados”.

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Nessa direção, Volóchinov (2017) considera que “a palavra se torna uma arena de lutas”

e é por via deste “instrumento de poder”, que podemos constatar o processo de mudanças

sociais. Para o autor, “A palavra como a conhecemos reflete sensivelmente as mudanças mais

sutis da existência social.” (p. 112) e “Em todo signo ideológico cruzam-se ênfases

multidirecionadas. O signo transforma-se no palco da luta de classes.” (VOLÓCHINOV,

2017, p. 113). No fragmento, também, percebemos uma tendência do trabalho de ensino de

LP no EM nesse contexto: a preferência por uma abordagem que presenteia um lugar

privilegiado à prática de leitura de textos, leitura de mundo, delegando à prática de produção

escrita e de análise linguística um espaço menos prestigiado na eleição do eixo a ser abordado

no processo de transposição didática.

No caso em questão, possivelmente, o objetivo delineado mais urgente seria formar para

a consciência dos usos, delegando aparentemente um papel acessório e não de irrelevância aos

aspectos formais da língua, o que instiga a pensar, também, acerca da validade das opções

didáticas ora realizadas, a fim de possibilitar o desenvolvimento de um determinado nível de

apropriação deste instrumento de poder: o uso da modalidade escrita da Língua Portuguesa.

Machado (2017) assinala que, ao longo do curso médio, os jovens de 14 a 18 anos

precisam interagir e, de fato, exercerem um considerável grau de apropriação e de proficiência

em uma diversidade de gêneros discursivos, os quais sejam fundamentais para inseri-los na

vida social e profissional. A fim de que essa interação seja efetivada, é preciso que o sistema

formal da língua seja dominado basicamente, até mesmo, para que a almejada e necessária

leitura de mundo seja construída com êxito no exercício da prática social, é necessário

imbricar, interligar, inflitrar estas diferentes linguagens, semioses, discursos na arena da sala

de aula, da escola, da rua para viver a língua, a cultura e a verdadeira vida do povo que se

constitui também na instituição escolar, considerável agência de letramento para a formação

das populações periféricas e de acesso a determinados formatos de letramentos (BAKHTIN,

1987; STREET, 2014) .

Janks (2010, 2004) faz referência ao paradoxo do acesso, isto é, possibilitar o acesso

às formas dominantes e ao respectivo domínio e preservação deste arsenal dominante e, ao

mesmo tempo, valorizar e promover as diversidades de línguas, de formas letradas. O

domínio destas formas inclui o domínio das línguas (gens), dos gêneros, dos discursos, dos

conhecimentos, das representações multimodais, culturais constitutivas das interações sociais.

Negar estas possibilidades é, de certa forma, contribuir para perpetuar um processo de

marginalização social.

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Em linhas gerais, levar à apropriação da prática da leitura, da escrita e da análise

linguística no EM é o desafio a ser instituído. Perguntamos, então, à docente o que ela

considera como mais importante nesse processo de trabalho de ensino de português para este

público e, conforme sua perspectiva:

É conseguir fazer com que eles percebam que eles podem protagonizar a própria

história... eles podem reescrever isso de uma maneira diferente... que eles têm poder

pra isso... eu acho que isso é o mais importante... mas a gente fazer com eles

percebam [...] eles percebem através das minhas atuações, entendeste? [...]

porque eu também sou negra... eu sou de periferia... eu também passei por coisas

que eles passaram e se hoje sou algo que eles consideram importante quem me

deu isso foi os estudos... eu não conseguiria de outra forma... pelo menos eu tento

passar isso pra eles (Trecho de entrevista realizada com a Profa. Bia Paiva, no dia

28/04/2016).

Consoante Garcia, Hypólito e Vieira (2005), a identidade docente é um fértil campo de

negociações com os discursos dos grupos e dos indivíduos que atuam no processo de disputas

por um espaço social, político, acadêmico e convergem para a construção das configurações,

dos efeitos práticos, de atitudes e de verdades que podem ser observadas no processo de

instituição da docência e das múltiplas facetas que a constituem.

Nesse sentido, pode-se dizer que o intercâmbio da história de vida da professora

investigada- negra, moradora de uma periferia da capital, protagonista da sua própria

realidade-, de certo modo, interfere na (re)invenção do discurso escolar, da (re)organização

das formas escolares instituídas pelos sistemas impostos por uma rede de regulamentos

internos e de regulamentações externas, que estabelecem objetivos, currículos, prazos,

avaliações ao trabalho do professor.

Porém, a natureza complexa da atividade docente permite a produção da resistência,

da reinvenção, da reexistência de uma ética discursiva, responsável, desestabilizadora da

ordem instituída capaz de procurar modificar as relações de reprodução, a interação entre os

próprios integrantes dos grupos sociais, a (re)construção ou o protagonismo da própria

narrativa de vida, seja da professora, seja do grupo de alunos (SOUZA, 2011; 2016, 2010).

Assim, os fragmentos do discurso professoral anunciador da prática docente

investigada buscam contemplar as três possíveis configurações de construção didática do

ensino de Português no EM. A primeira estaria relacionada a uma demanda escolarizada no

sentido de preparação para os exames e de garantia de término do próprio curso médio,

atendendo a uma das finalidades da educação secundária tal como a conclusão desta etapa da

escolarização básica, com eventual continuidade dos estudos. Este aspecto está atrelado a um

dado apontado pela pesquisa coordenada por Volpi, Ribeiro e Silva (2014, p. 51), o qual revela

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que a continuidade dos estudos é um dos desafios enfrentados pelos jovens que cursam o EM

no Brasil.

Tais desafios não estão vinculados somente a questões da esfera escolar ou questões

didáticas, mas também circunstanciados pelas desigualdades sociais que os afetam

diretamente: gravidez na adolescência, homofobia, discriminação racial, sexismo. E, apesar

deste cenário desalentador, a mesma investigação aponta para um dado relevante: a “restrita

consciência” que os adolescentes demonstram sobre o direito à educação pública e de

qualidade. Eles revelam que a escola é “um mal necessário” (VOLPI; RIBEIRO; SILVA,

2014).

A segunda configuração estaria ligada a uma demanda local emergente vinculada às

práticas sociais, culturais e linguísticas da comunidade escolar em questão e que atenderia aos

propósitos do contrato didático firmado entre a docente e os alunos para a construção do ano

letivo. Tendo em vista o lugar da Língua Portuguesa no contemporâneo cenário geo-socio-

linguístico, Moita Lopes (2013, p. 52) advoga a necessidade de levar em consideração que os

estudos e abordagens nos conduzam a “compreender o que consideramos como português (e

que constrói nossas práticas e vidas sociais pelo mundo), de forma a abrir espaços para a

criação de outros futuros sociais alternativos, mais justos e mais éticos”.

A terceira estaria interligada a uma demanda contingenciada a uma agenda docente

articulada à própria construção de trabalho da professora, a fim de responder a uma instância

política, ideológica, ligada ao comprometimento de estabelecer o diálogo junto a pessoas

pobres, suburbanas, negras, - sobre a possibilidade de dar continuidade ao caminho dos

estudos, um dos caminhos, que pode levar alguns destes sujeitos a protagonizar e (re) escrever

suas trajetórias para além das páginas policiais que narram o extermínio da juventude pobre e

negra deste país61

. Para Freire (1979, p. 18-19),

este compromisso com a humanização do homem, que implica uma responsabilidade

histórica, não pode realizar-se através do palavratório, nem de nenhuma outra forma

de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos.

O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a

realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos ficam

‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao

experienciá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os

homens já não se dizem neutros.

61 Segundo Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o pelo

Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstra que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as

principais vítimas de mortes violentas no país. Os negros são a maioria (78,9%) dos 10% dos quem têm mais

possibilidade de se tornarem vítimas de homicídios.

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5.3 DESCRIÇÃO GERAL DE EFETIVAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

A seguir, pode ser encontrado o quadro de organização do trabalho docente de Língua

Portuguesa (P1) da professora pesquisada para o ano de 2016. O quadro 10 foi organizado, a

partir da primeira entrevista62

concedida pela profissional. As informações estão relacionadas

à organização geral da prática da docente e as proposições de trabalho para o ano de 2016

para as turmas do terceiro ano sob a responsabilidade desta profissional. Apresentamos uma

síntese de cada item que foi perguntado à entrevistada.

Quadro 10 - Perspectivas gerais da organização do trabalho docente de Língua

Portuguesa

Aspectos de organização

da prática docente

Professora Bia (P1): Português

1. Funcionamento curricular

da disciplina Língua

Portuguesa no EM,

especificamente no terceiro

ano especificamente.

A disciplina é dividida em dois eixos, com 6 aulas para LP e 2 aulas para

Literatura no turno matutino, um professor assume a disciplina LP e outro

assume a disciplina Literatura. A entrevistada possui seis aulas semanais

com a turma do terceiro ano, divide 4 aulas para Língua e duas para

Redação. No segundo semestre, devido à proximidade da prova do

ENEM, há uma inversão: ela reforça o ensino de escrita, dá ênfase ao

ensino do modelo de redação do ENEM, procura fazer leitura e análise

linguística de textos e solicita atividades de produção de texto.

2. Proposta metodológica

adotada pelo professor.

A professora já considerava que trabalhava com projetos. Para ela, isso é

educação, a outra parte é atender ao MEC. Na instituição privada, foi

mais difícil dar continuidade a um trabalho menos voltado ao conteúdo em

si, em função da exigência de cumprir o programa e ter que seguir o

material didático, que era produzido e comercializado pela própria

instituição. Apesar das dificuldades, conseguiu realizar algumas ações,

porque havia um projeto institucional que abarcava a questão da cidadania,

então fazia ações com os alunos. Uma delas foi realizada em parceria com

uma escola do Aurá63

, abordando questões referentes ao meio ambiente e ao

destino do lixo da cidade de Belém.

3. Estruturação dos trabalhos

em linhas gerais e possível

vinculação aos interesses da

comunidade escolar.

Para a professora, é necessário ter um planejamento, por mais flexível que o

processo seja devido às condições estruturais da escola pública. No início do

ano, é feito um planejamento geral e, ao longo do ano, ela possui um suporte

de anotações para guiar o trabalho com as aulas e os registros de cada turma.

Quanto aos interesses da comunidade escolar, a docente diz não saber se

contempla a comunidade escolar, mesmo após quase 10 anos de atuação

intensa nessa escola.

4. Planejamento previsto para

ser implementado no ano de

2016.

A previsão para o ano de 2016 era dar continuidade à valorização das

origens afrodescendentes da comunidade, que teve início em 2015, em

especial, a partir de leituras não canonizadas, como por exemplo: a poesia

marginal. Isto foi sinalizado no planejamento. Para o primeiro semestre,

uma das leituras selecionadas foi o livro de um professor da escola,

intitulado Rei Congo, percebeu que poderia usar este texto pelas seguintes

motivações: livro de um autor paraense, obra não canônica, texto voltado a

explicar as origens do movimento social no Pará, ou seja, uma leitura para

além da história oficial, capaz de propiciar um debate a respeito da história

das lutas sociais e, ao mesmo tempo, interligar aos acontecimentos atuais no

62 Entrevista 1, realizada em 28/04/2016 , tempo de duração 1:08:21.

63 A área do Aurá abrigava o antigo aterro sanitário da Região Metropolitana de Belém.

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Pará. Para o segundo semestre, devido ao ENEM, o trabalho de

continuidade de leitura do livro é suspenso, porque é necessário focar na

preparação para os exames. Para a docente, é um trabalho paralelo: “uma

coisa é fazer educação, a outra é atender ao MEC”, ela diz tentar atender ao

MEC, mas também tem tentado fazer educação.

5. Ensino de leitura e

demandas locais ao longo do

processo de ensino.

Procura realizar um ensino de leitura em que os alunos possam apresentar

sua percepção sobre os assuntos debatidos. Para ilustrar, cita um exemplo:

no dia do ato da obra inacabada da Av. Celso Malcher, quando a

manifestação chegou a Av. Perimetral, a polícia tentou impedir a interdição

dos dois lados. Então, um aluno deitou na pista e quando ele fez isso, os

demais acompanharam. A polícia recuou. Isso foi debatido em sala de aula:

a questão da autoridade, as motivações que levaram ao gesto, a linguagem

mobilizada.

6. Principais linguagens e

gêneros textuais / discursivos

mobilizados.

O suporte mais utilizado é a roda de convivência, o debate. Sujeitos de

diferentes setores para debater uma temática. Hoje, a estratégia é colocar um

aluno como debatedor, para que possam se apropriar do poder da palavra. A

concentração é maior quando é um deles falando. Quando é uma autoridade,

eles ficam entediados.

Gêneros e linguagens a serem trabalhados: seminários, bate-papo, projetos

de ação, resposta aos comandos dos exercícios, vídeos, fotografias,

música/ poesia (forte para literatura de resistência e poetas marginais;

leitura de contos Dalton Trevisan, Machado de Assis, Raquel de Queiroz).

7. Relação entre o currículo

escolar imposto e as questões

locais.

A docente procura fazer o aluno perceber que o currículo imposto não

reconhece nem valoriza o conhecimento local. Nesse sentido, tenta mediar o

local e o currículo imposto, porque precisa dos dois. Um fato: em um dado

momento é necessário abandonar um deles, e, geralmente, é o local.

Entretanto, não há um esvaziamento de interesse, se você marcar uma aula

no sábado após o ENEM, o aluno vem. O aluno não vai para a realização do

projeto só pela “rua”, “oba oba”, “a putada” como a maioria dos professores

pensa.

8. Principais instituições não

escolares responsáveis pela

formação letrada dos alunos

do EM.

A professora considera a Igreja, é uma prisão, mas forma. Os coletivos

culturais do bairro, instituições não formais, muito atuantes no bairro, e o

mundo do trabalho, no caso destes alunos, o trabalho no comércio, são

instâncias de letramento importantes.

9. Relações entre a leitura e a

escrita trabalhadas em sala de

aula e as atividades de

trabalho.

Há uma relação direta, o que estes estudantes trabalhadores têm é a

autoridade com a palavra oral e trazem isto para as atividades

escolares. A liderança das ações que eles realizam na escola está na mão

desses indivíduos que já trabalham no Comércio local.

10. Mais importante para o

aluno aprender nesta etapa de

escolarização.

Sair sabendo que a língua é um instrumento de poder. Ainda que o

formal não seja pleno, ele precisa ter a consciência do poder da língua.

11. Maiores dificuldades e as

maiores facilidades

enfrentadas.

Uma das maiores dificuldades: os sujeitos da educação não compreendem

que educação não é o que o MEC prega. É a maior dificuldade porque

fingem fazer educação.

A grande facilidade é que o aluno está mudando, ele sabe que o tradicional

não dá conta.

12. O que significa para o

alunado o trabalho exercido

neste fim da educação básica?

A possibilidade de mudar a história de vida dos estudantes. A docente

vem percebendo o ingresso dos alunos da escola pública na universidade.

Estes alunos são os primeiros da várias gerações da família deles a terem

acesso ao ensino superior.

Fonte: Elaboração a partir de dados gerados pela entrevista concedida pela professora Bia Paiva,

realizada em 08/06/16.

A partir da leitura destas informações referentes à perspectiva geral do trabalho de

ensino a ser implementado pela docente em questão, destacamos alguns aspectos que

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consideramos pertinentes ao entendimento de como foi delineado o trabalho de ensino

direcionado ao último ano do EM neste contexto de atuação:

(i) a clássica fragmentação da disciplina escolar Língua Portuguesa em aulas de

Língua, Literatura e Redação, conforme mencionam Mendonça e Bunzen

(2006), o que demonstra o elo estabelecido com as práticas escolares mais

estabilizadas no percurso de constituição disciplinar;

(ii) o ano letivo e os eixos de trabalho são divididos em virtude do aparelho

docimológico externo, o primeiro semestre é mais dedicado a leitura e a fazer

“educação”; o segundo semestre é voltado a ensinar escrever o modelo de

redação do ENEM devido à proximidade dos exames finais. As avaliações

externas, especificamente o ENEM, interferem e impactam o modo de realização

da disciplina escolar. Este efeito é sinalizado na análise apresentada por

Vicentini (2014). Este traço também convoca um traço tradicional da prática

escolar: o processo de preparação aos exames preparatórios e de admissão, o

aparelho docimológico como elemento constitutivo e característico do processo

de constituição das disciplinas escolares (CHERVEL, 1988);

(iii) para o ano de 2016, a proposta de ensino vinculada ao “fazer educação” seria dar

continuidade à discussão já iniciada em 2015 sobre as questões

afrodescendentes, este tema foi escolhido devido à chacina ocorrida no bairro

no final do ano de 2014, o desenvolvimento do fazer didático precisaria

contemplar o seguinte recorte: o resgate histórico das lutas sociais na Amazônia

e isto deveria ocorrer a partir de textos produzidos por autores e poetas situados

neste contexto, o que justificaria a escolha de um livro escrito por um

historiador, pesquisador e professor da instituição64

e das letras de música do

compositor paraense Rafael Lima, a realização e a articulação de uma ação social

propriamente dita culminaria ao fim deste ciclo de leituras de textos locais ou

vernaculares. Esta opção concorreria ao atendimento de uma dupla demanda: “fazer

educação”, abordando temas e textos concernentes à realidade da comunidade escolar

e, ao mesmo, atender a uma demanda institucional: abordar o conteúdo escolar,

preparar para os exames, formar para a construção de um leitor crítico e conhecedor

da própria história e da cultura em que está inserido;

64 O pesquisador é autor das seguintes obras: COSTA, J. L. M. Dando nome aos bois. Belém: CROMOS, 2014.;

COSTA, J. L. M.. Cartas de Sesmarias. Belém: Iterpa, 2010; COSTA, J. L. M. Rei Congo. Belém: 2004.

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(iv) o segundo semestre de trabalho estaria relacionado ao atendimento de uma instância

oficial e docimológica, por isso estaria diretamente focado no ensino de escrita,

especificamente, a redação do ENEM;

(v) a atividade de leitura de textos parece ser o “carro-chefe” que norteia o trabalho de

ensino, ler para criticar, informar, esclarecer, debater, escrever; ler parece ser o aporte

necessário e fundamental na realização deste trabalho;

(vi) a principal entrada para a construção do trabalho de ensino é a temática. A partir

desta escolha, a docente define o que e como trabalhar, os textos literários e não

literários, os gêneros discursivos, o canônico ou não canônico, as linguagens

(musical, gestual, teatral, audiovisual), bem como as ações e parcerias a serem

construídas;

(vii) a necessidade de valorização do capital humano que constitui esta comunidade

escolar. Por conta disso, é necessário convocar este público para integrar,

efetivamente, ações em que eles sejam atores/ protagonistas da prática social

escolar;

(viii) o trabalho de ensino está diretamente relacionado à necessidade de ensinar o

conteúdo para tentar preparar os alunos para uma formação crítica, resistente,

transgressiva; os trabalhos realizados em outros bimestres são convocados como

memória didática65

- a análise dos textos já realizada, bem como a questão

estrutural já trabalhada- , a fim de subsidiar a construção da “redação do

ENEM”. Nesse sentido, percebemos que, nesse contexto de trabalho, mesmo no

momento em que há predominância de um ensino mais voltado aos conteúdos

para uma situação específica, porque é preciso “preparar para aprovar”,

“preparar para uma chance de ingressar em uma IES”, existe o germe da

transgressão, da resistência, do anseio de transpor as fronteiras que cercam as

instituições hegemônicas. Passar no ENEM faz parte da prática de ensinar para

libertar, ainda que as condições físicas, materiais, estruturais não sejam

favoráveis. Trata-se da encarnação do paradoxo do acesso a que faz referência

Janks (2004).

65 Para Gomes-Santos e Ferreira (2014, p. 56), “Criar a memória didática: implica a reconstituição, em uma

matriz integral, dos diferentes elementos em que o objeto de ensino foi decomposto [...] que busca restabelecer a

totalidade do objeto, fragmentada pelo trabalho de ensino. Funciona, portanto, conforme uma lógica retrospectiva

(“Como vimos na aula passada...”), guardando, ao mesmo tempo, um caráter provisório e prospectivo

(antecipação didática) – já que pressupõe que a totalidade do objeto ainda não foi construída, que o objeto

continua em construção (“Na próxima aula vamos estudar...”)”.

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Tendo em vista a dimensão da organização geral e do ano letivo escolar imposto pela

rede estadual de ensino paraense, nosso foco é descrever e analisar dois bimestres de trabalho:

o segundo bimestre (realizado no primeiro semestre de 2016, à esquerda do diagrama) e o

terceiro bimestre do ano letivo de 2016 (realizado no segundo semestre de 2016, à direita do

diagrama). A fim de que possamos melhor visualizar a mencionada macroestrutura didática

construímos o organograma 1:

Figura 2 - Organograma - Estrutura de trabalho por semestre letivo

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Tardif (2002) ressalta que os saberes docentes são estruturados a partir dos

conhecimentos aprendidos na formação inicial e que somados às experiências vividas podem

ser sistematizados, dando embasamento quando incorporados a uma prática aplicada. Para o

autor, o saber docente pode ser compreendido como “um saber plural, formado pela

amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes

disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36).

Nessa direção, a bipartição ora anunciada é desenvolvida no processo de tensão, de

entrecruzamentos, de disputas que se estabelecem entre os dois grandes eixos de trabalho

propostos. Este processo é corporificado no processo de mobilização de repertórios de saberes,

a construção didático-disciplinar e abordagem dos textos em sala de aula, que se manifesta em

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instâncias de tensionamento: a tensão quanto ao lugar da “forma escolar”, quanto ao lugar dos

repertórios de “novos” e “estáveis” saberes. E, ainda, a tensão com relação ao processo

didático que necessita traduzir-se em ações efetivas voltadas à encenação dessa arena de

letramentos e de formatos em sala de aula em contextos específicos (VINCENT; LAHIRE;

THIN, 2001; ROJO, 2009; SANTOMÉ, 2009).

Cabe mencionar que concebemos a forma escolar como uma forma específica de

socialização, a relação social escolar, balizada por regras particulares e relações próprias de

estabelecimento de exercício do poder. Seu objetivo mais amplo está articulado à

pedagogização do social, disciplinarização das relações pedagógicas e de transformação de um

estatuto de socialização entre alunos e professores, também, concatenada a outras mudanças

sociais, históricas, econômicas, políticas, a saber: a formação dos Estados Nacionais, a

emancipação de setores e de práticas heterogêneas, a universalização da alfabetização e da

própria forma escolar, a construção de uma dimensão entre um mundo letrado escriturário /

escolar e um mundo letrado vernacular / pragmático (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001).

Compreendemos que tais formatos constituem articulações sociais, forjadas por práticas

escriturárias, construídas pela linguagem em sua intrínseca interação com a vida, a cultura e a

história das sociedades (BAKHTIN, 1997, 1987). Em decorrência da análise do contexto

francês urbano correspondente ao fim do século XVII e meados do século XIX, os autores

postularam cinco características que consideram relativamente recorrentes, a saber:

1. A escola como espaço específico, separado das outras práticas sociais (em

particular, as práticas de exercício do ofício), está vinculada à existência de saberes

objetivados. (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 28).

2. A escola e a pedagogização das relações sociais de aprendizagem estão ligadas à

constituição de saberes escriturais formalizados, saberes objetivados, delimitados,

codificados, concernentes tanto ao que é ensinado quanto à maneira de ensinar, tanto

às práticas dos alunos quanto à prática dos mestres. A pedagogia (no sentido restrito

da palavra) se articula a um modelo explícito, objetivado e fixo de saber a transmitir.

[...] Historicamente, a pedagogização, a escolarização das relações sociais de

aprendizagem é indissociável de uma escrituralização-codificação dos saberes e das

prática. [...] O modo de socialização escolar é, portanto, indissociável da natureza

escritural dos saberes a transmitir. (VINCENT; LAHIRE, THIN, 2001, p. 28-29).

3. A codificação dos saberes e práticas escolares torna possível uma sistematização do

ensino e, deste modo, permite a produção de efeitos de socialização duráveis,

registrados por todos os estudos elaborados sobre os efeitos cognitivos de escola. A

forma escolar de aprendizagem se opõe então, ao mesmo tempo, à aprendizagem no

âmago de formas sociais orais, pela e na prática à escrita [...] e à aprendizagem do

"ler" e do "escrever" não sistematizado, não formalizado, não durável. (VINCENT;

LAHIRE; THIN, 2001, p. 30).

4. A escola como instituição na qual, se fazem presentes formas de relações sociais

buscadas em um enorme trabalho de objetivação e de codificação - é o lugar da

aprendizagem de formas de exercício do poder. Na escola, não se obedece mais a

uma pessoa, mas a regras supra-pessoais que se impõem tanto aos alunos quanto aos

mestres. [...] A codificação da organização das próprias práticas e saberes escolares

(por exemplo, codificação gramatical) é correlativa de processos extra-escolares -

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principalmente estatais -, de codificação e, deste modo, está indissociavelmente

ligada a um modo particular de organização e de exercício do poder. (VINCENT;

LAHIRE; THIN, 2001, p. 30-31).

5. Enfim, para ter acesso a qualquer tipo de saber escolar, é necessário dominar a

"língua escrita [...]. A forma escolar de relações sociais é a forma social constitutiva

do que se pode chamar uma relação escritural-escolar com a linguagem e com o

mundo. (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 34-35).

Nesse sentido, a escolha dos formatos e instrumentos de ensino necessários ao

atendimento da forma escolar considerada “mais estável” e ao atendimento de inserção de

outros formatos de ação já dominados por estes sujeitos no âmbito do contexto em que estão

situados é traduzida, por exemplo, quando é convocada uma forma genuinamente escolar

como “os seminários ou exposições orais”, assentada, basicamente, a partir da socialização de

escritos sobre a história do movimento social negro e indígena das lutas sociais como processo

de preparação dos alunos para a realização de uma caminhada pelas ruas do bairro, prática

sociocultural também marcada pelo uso de escritos como os cartazes, frases de efeitos,

símbolos específicos, recortes de jornais, a qual teve como intuito cobrar o fim do julgamento

dos acusados pela chacina de jovens do bairro em novembro de 2014.

Logo, a organização do trabalho docente é distinta da lógica acadêmica ou científica, é

necessário asseverar a existência de uma “coerência pragmática” ou “racionalidade docente”,

constitutiva e pertinente ao contexto de construção do trabalho de ensino ora realizado

(CHARTIER, 2007; TARDIF, 2002). Por isso, apresentamos a seguir os quadros sinópticos,

que mostram as atividades referentes a cada bimestre do trabalho que selecionamos como

recorte para a descrição e análise da prática docente de Língua Portuguesa no EM.

Consideramos o conceito de episódio, para organizar os dados de sala de aula. O conceito

de episódio foi emprestado da narratologia e é definido como uma unidade de análise

cronológica. Episódio é conceituado por Schneuwly (2000, p. 25) como “um acontecimento de

duração variável cuja extensão temporal é definida pelo fato de o meio criado continuar

idêntico, voltado para um mesmo objetivo didático”. Por isso, categorizamos o material gerado

da seguinte forma: Episódio 1. Caminhada e Episódio 2. Preparação para escrita do ENEM.

5.4 EPISÓDIO 1: CAMINHADA

O episódio será apresentado da seguinte maneira: atividade realizada pelo professor em

sala de aula, uma breve justificativa para a realização de cada atividade e os instrumentos

didáticos mobilizados para a construção das atividades. Vale lembrar que, para a organização

desta estrutura panorâmica do episódio, fizemos a escuta atenta de todo o material de sala de

aula gravado, a decupagem das aulas, a construção de sinopse de cada aula e a leitura das

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anotações feitas nos diários de campo ao longo do trabalho de campo. Vale lembrar que todas

as atividades foram planejadas e construídas pela professora. As informações apresentadas no

quadro 11 tem como finalidade mostrar o trabalho ora proposto em cada uma das etapas que o

constitui.

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Quadro 11 - Episódio 1. Caminhada: leitura, pesquisa, discussão, realização da ação

Atividades realizadas Justificativa da atividade

Instrumentos didáticos /

Tensão fundante

1 Pesquisa da letra de música do Rafael Lima66

Pau Torando. Trata-se de um levantamento,

porque a letra ainda não tinha sido gravada;

Leitura e discussão das versões da letra

encontradas pelos discentes;

Rafael Lima é um cantor, compositor de letras que

retratam a realidade paraense. Em razão da

mencionada chacina ocorrida no bairro, uma das

letras do repertório deste artista foi escolhida para ser

debatida em sala de aula, porque retrata a condição

dos jovens no contexto das periferias, em especial, a

situação de violência e de impunidade vivenciada

pelos moradores destas áreas.

Além do mais, o clip desta música seria gravado por

ocasião de uma caminhada organizada pelos coletivos

culturais do bairro e por lideranças da comunidade, a

fim de questionar sobre a situação do andamento dos

processos judiciais dos acusados de envolvimento na

chacina ocorrida no bairro em novembro de 2014.

Letra de música do Rafael Lima Pau Torando

___________

Uso de texto do âmbito vernacular para abordagem de

um tema concernente ao local e para fins de exploração

de conteúdos da forma escolar “mais estável”.

66 “Rafael Lima é violonista autodidata, cantor e compositor, natural de Belém. Possui cinco CDs: três de estúdio e dois ao vivo, gravados na Suíça. Seu próximo CD,

"Nômade", o primeiro gravado em terras brasileiras, chega ao público em Junho de 2014, e conta com a participação de músicos paraenses, como: MG Calibre, Luiz Pardal,

Adelbert Carneiro, Marcos Puff, Marcio Jardim, Ricardo Akino, entre outros. Gravará sua opereta ‘Reinavam com o Castiçal’, adaptação de 13 páginas do livro ‘Primeira

Manhã’, do romancista marajoara Dalcídio Jurandir, que deverá sair em versão CD/DVD brevemente. Rafael é um parceiro dos movimentos sociais, por isso foi um dos

artistas convidados para o VI Congresso Nacional do MST, ocorrido em fevereiro de 2014, em Brasília. Trabalha com crianças da periferia de Belém, ensinando música e

desenvolvendo atividades lúdicas no bairro da Terra Firme. As crianças aprendem a tocar, entre outros, composições do maestro Waldemar Henrique.” Informação disponível

em https://www.youtube.com/watch?v=Zp4SGHpd-yA. Acesso em: 03 abr. 2018. Nesse link, é possível acessar a entrevista completa concedida ao Letras e Livros, mediada

por Pedro César Batista.

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2

Leitura e discussão dos primeiros capítulos do

livro Rei Congo, de João Lúcio Mazzini Costa.

O livro aborda a tragédia do Brigue Palhaço -

massacre de 257 paraenses nos porões do navio

Brigue Palhaço, em 1823 - para dar início à

discussão acerca dos movimentos sociais na

Amazônia.

João Lúcio Mazzini Costa, professor, pesquisador,

autor do livro Rei Congo que apresenta os primeiros

movimentos sociais na Amazônia paraense, dentre

eles, o massacre do Brigue Palhaço, rebelião

sufocada, em que mais de duas centenas de pessoas

foram assassinadas, seria uma espécie de embrião

para os movimentos revolucionários que ocorreriam,

posteriormente, dentre eles, a Cabanagem, revolta

popular em que o povo toma posse do poder na

província do Grão Pará (1835-1840).

A professora julga necessário compreender esta

história de luta e de resistência do povo em pró de

libertação, de melhorias das condições de vida e,

também, para sinalizar a trajetória dos movimentos

ao longo da história, a violência e a impunidade

configuradas nesse processo de disputas de poder e

de luta pela justiça social.

Apresentação do livro e os dois primeiros capítulos do

Livro Rei Congo, de João Lúcio Mazzini.

_____________

Seleção de uma produção de um pesquisador da

história da Amazônia. Leitura de um texto formal,

editado, legitimado para abordagem de um “novo”

tema: a história não oficial da cultura afroindígena,

ribeirinha, cabocla.

3

Entrega de uma pesquisa escrita, as equipes devem

optar por pesquisar sobre uma destas opções

Cabanagem, Brigue Palhaço, Rei Congo ou a

Biografia do Batista Campos, Eduardo Angelim

ou do Grenfeld (personagens envolvidos na

tragédia mencionada acima), é um levantamento, é

uma apresentação do material lido, para confrontar

a história oficial e história não oficial;

Além da leitura do livro, foi necessário solicitar que

cada equipe de aluno procurasse conhecer mais sobre

lideranças significativas nesse processo de

constituição dos movimentos. Por isso, pesquisar

sobre as biografias de Batista Campos, Eduardo

Angelim ou Grenfeld seria importante para

compreender a leitura da obra em questão, mas

também para entender sobre a própria história do

Pará, das revoltas populares e relacioná-las a história

atual construída no seio da própria periferia.

Textos escritos sobre informações a respeito de fatos

históricos e personagens significativos da história

social do Pará.

____________

Formato escolar tradicional para a construção de

repertório cultural sobre a história da cultura local.

4

Realização de um pré-teste sobre questões do

ENEM (tipo, gênero, intertextualidade);

O pré-teste recapitula questões de leitura e dos

conteúdos até então trabalhados ao longo de todo o

primeiro semestre. É uma avaliação mais voltada à

leitura de textos e integra umas das atividades

avaliativas do bimestre, também, é uma forma de

preparar o aluno para o ENEM e dar conta de uma

agenda da escola que incentiva a realização de

Pré-teste (tira, charge, poema, trechos de entrevistas,

pequena crônica, anúncio)

______

A manutenção do aparato docimológico interno para

fins de regulação do conteúdo trabalhado. Prática,

secularmente, utilizada pelas instituições preparatórias

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120

simulados, pré-testes e provas, utilizando questões de

provas anteriores, a fim de familiarizar o aluno a este

tipo de avaliação.

do ensino secundário.

5

Apresentação dos seminários, a partir da

pesquisa relacionada aos movimentos sociais na

Amazônia, da leitura dos capítulos do livro Rei

Congo e das leituras e discussões realizadas em

sala de aula

Os seminários tinham como intenção fazer que cada

equipe buscasse melhor compreender para além da

leitura do livro, melhor conhecer os atores envolvidos

na tragédia do Brigue Palhaço, as origens e causas do

movimento cabano e das disputas de poder no

contexto amazônico e, ainda, tentar aproximar o

conteúdo pesquisado a fatos mais atuais, bem como

debater as diferentes fontes de informação e de

posicionamentos a respeito da história dos

movimentos sociais.

Textos de apoio (livro, pesquisa)

Slides preparados

Pequenos vídeos

_______

Formato genuinamente escolar: seminários para leitura,

discussão e aprofundamento de um tema escolar. Nesse

caso, a temática cerceia o contexto amazônico, negro,

afroindígena.

6

Produção de um documentário (paráfrase ou

paródia), a fim de contar o que foi pesquisado e

alimentar o canal do youtube, criado por eles.

A partir dos levantamentos realizados, das leituras e

debates, cada equipe preparou uma breve

apresentação ou um pequeno vídeo e por

recomendação da docente, este material serviria para

alimentação dos canais do youtube que eles já

possuíam e usavam como meio de veicular

informações do seu interesse.

Algumas equipes preparam vídeos;

Outras equipes apresentaram trechos de entrevistas que

realizaram com professores de história da escola;

_______

“Rompimento” com os formatos mais estabilizados

para a mobilização de formatos que convocam o

aparato tecnológico que necessita ser implementado na

escola.

7

Exposição dos documentários

Cada equipe fez a socialização do material produzido.

Foram pequenas apresentações feitas pelos alunos,

entrevistas com professores de história da escola,

apresentações em power point com imagens, nem

todos editaram um vídeo.

Gravação do clip Pau Torando: reunião dos

alunos para sair da escola e ir ao canal do

Tucunduba. Estiveram presentes as escolas do

bairro, o bloco firme, o coletivo cultural Casa

Preta e o cantor e compositor da letra da música. A

caminhada teve início no auditório da escola e

Após a realização do trabalho de leitura e de

discussão, era chegado o dia em que a turma, os

coletivos culturais e demais membros da comunidade

foram em caminhada da escola à ponte do canal do

Tucunduba para protestar por punição aos envolvidos

na chacina de novembro de 2014.

Cartazes, imagens, fotografias, carro de som, os

tambores dos coletivos, arte plástica, canto da letra de

música.

__________

Mobilização de diferentes repertórios linguísticos,

culturais e semióticos – uso de música, de instrumentos

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8

teve como destino a ponte do canal do Tucunduba;

O hino da caminhada foi a letra de música Pau

torando, cartazes, imagens, fotografias, carro de som,

e os tambores dos coletivos entoaram a andança rumo

à necessidade de continuar fazendo a história e dar

prosseguimento à luta por direitos de homens e

mulheres da Amazônia expiada, explorada e

chacinada.

de percussão, atabaques, dança e performance pelos

coletivos Capoeira angola e Casa Preta- para a

construção de um formato que mobiliza escola e

comunidade: uma caminhada e, ao mesmo tempo,

convoca formatos escolares como o “cartaz” feito em

cartolina pelos alunos com frases de efeito.

9

Recapitulação e avaliação da caminhada a partir

da leitura e análise da letra de música Cantilena,

de Rafael Lima.

Leitura do texto e análise da letra da música,

considerando as leituras e a caminhada realizada,

uma espécie de balanço do trabalho ora empreendido,

buscando mais uma vez pensar nesse percurso de

construção do movimento social e suas conexões com

a realidade local.

Letra de música Cantilena

______

Uso do texto vernacular para retomar questões do

conteúdo programático e de temas abordados ao longo

da sequência de trabalho, reconfigurando o formato

escolar.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

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122

Para o procedimento de descrição e análise dos dados do episódio 1, desenvolvido em 13

aulas, consideramos a existência de três momentos ou sub-episódios para a realização didática

do mesmo: Sub-episódio1. Preparação; Sub-episódio 2. Efetivação (caminhada) e Sub-

episódio 3. Finalização - recapitulação da discussão abordados ao longo do episódio e de

tópico textuais/linguísticos. O primeiro é referente aos trabalhos de leitura, de discussão, de

apresentações e de debates para a compreensão de textos e da história dos movimentos sociais

no Pará. O segundo é pertinente à realização da caminhada pelas ruas do bairro. O terceiro é

dedicado a uma última leitura, que recapitula a discussão realizada ao longo do bimestre. A

seguir, elencamos algumas considerações iniciais sobre o episódio 1:

(i) a leitura é o eixo de ensino privilegiado no processo de construção do episódio,

percebe-se o considerável investimento na discussão e debate de questões sociais,

o que sinaliza a preferência para a análise temática entremeada a análise de

conhecimentos linguísticos dos textos; a produção oral é destaque no trabalho de

ensino deste episódio;

(ii) o trabalho docente é organizado a partir de uma sequência de atividades para a

implementação de um evento de letramento propriamente dito: a caminhada;

(iii) a eleição de autores não canônicos, de temas locais e de textos vernaculares

predominam nessa etapa do trabalho;

(iv) os discentes são responsáveis pela produção de pesquisas, de seminários, de

pequenos vídeos e de entrevistas, revelando a agência deste público no sentido de

realização de ações que convergem, independente, de uma orientação docente

direcionada à construção destas ações constitutivas e indispensáveis para a

produção do episódio em questão; o que indicia o protagonismo juvenil para o

processo de constituição e de efetivação do trabalho docente nessa cena didática;

(v) a preparação da caminhada é realizada em termos escolares por iniciativa do

trabalho da professora, é uma ação desvinculada da agenda da escola, pode-se

dizer do lugar acessório desta ação ao conjunto da forma escolar

institucionalmente colocada. Mas, de capital importância aos agentes de

letramento atuantes na comunidade, também, responsáveis pela organização do

evento: os coletivos culturais - muitos alunos são integrantes destes coletivos-, o

cantor e compositor de uma letra de música e demais membros da comunidade do

bairro, como os familiares das vítimas chacinadas;

(vi) a realização de uma avaliação instituída pela escola, para fins de cumprimento de

uma agenda institucional, parte constitutiva e fundante da forma escolar, que,

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tradicionalmente, orienta a aplicação de pré-testes e simulados ao longo do ano

para fins de preparação dos alunos do nível médio, observa-se que o cumprimento

desta norma é realizado, mas, de certa forma, desvinculado de uma agenda de

trabalho construída pela professora.

Como já constatamos, a docente abordou a temática dos Movimentos sociais na

Amazônia, as atividades programadas para o ano letivo de 2016, de certa forma, davam

prosseguimento ao debate em torno de questões relacionadas à chacina67

, que ocorreu em

novembro de 2014, nas periferias da cidade de Belém-PA, em especial, no bairro da Terra

firme. Tendo em vista a pertinente necessidade de problematização deste acontecimento e da

necessidade de debate a respeito do contexto social, histórico, político, econômico, territorial,

linguístico em que a comunidade escolar está inserida, a docente propõe organizar a sequência

de atividades supracitadas que, nesse contexto de pesquisa, intitulamos episódio 1:

Caminhada.

A seguir, apresentamos um recorte das sequências das aulas referentes aos sub-

episódios que compreendem a preparação, concretização e finalização desta unidade de

desenvolvimento do trabalho docente. Trata-se da apresentação das sinopses de aulas dos

subepisódios preparação e finalização. A etapa da concretização será descrita por via de

relatos, registros fotográficos, de filmagem e dados dos diários de campo, a fim de que

possibilite uma visão geral do que foi realizado.

5.4.1 Episódio 1 Caminhada: sub-episódio 1 – preparação

Abaixo, é possível visualizar o primeiro quadro sinóptico. Descrevemos a primeira

aula do episódio referente à leitura da letra de música que seria o hino da caminhada.

Quadro 12 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1

Sinopse de sequências de ensino: Leitura e análise da letra de música Pau Torando

Professora: P1 Episódio 1: Caminhada

Série: 3° ano – 2 aulas

Início: 0’00’

Término: 1’43’’20 Data: 13 de junho de 2016.

67 Este tópico dar continuidade a discussão que teve início em 2015. Alguns dos textos trabalhados com as

turmas do EM foram os documentários Poderia ter sido você e Primeiras linhas; o vídeo Gritar homem negra, de

Vitória de Santa Cruz; a edição do jornal, produzido pela Faculdade de Comunicação, dedicada à chacina

ocorrida em Belém em novembro de 2014; poemas de Marcelino Freire; a letra de música A minha alma, a paz

que eu não quero, de Marcelo Yuka, interpretada no Álbum Lado B Lado A, do Rappa; entre outros.

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124

Nível Marcadores Instrumentos/

Objetos

Descrição das Atividades

1 Episódio 1 Instrumentos: Letra de

música e livro

1.1 0’00 a 5’35’’

---- Organização para o início dos trabalhos, solicitação da

letra de música Pau Torando, de Rafael Lima68

,

questionamento a respeito da pesquisa da letra da música.

Alguns alunos mencionam que tiveram dificuldade, uma

aluna diz que enviou uma mensagem ao cantor e

compositor e ele encaminhou a letra.

1.2 5’36’’- 11 ’59

’’

----

Solicitação de leitura da letra da música. Divisão da leitura

do texto por estrofe. A docente sinaliza a importância da

pesquisa, leitura e análise do texto. Início da leitura do

texto (primeira estrofe) e análise do uso do infinitivo e as

supressões da letra R.

1-3 11’ 60 ’’- 12

’55 ’’

---- Retomada e continuação da leitura do texto pela mesma

aluna.

1.4 12’57’’- 14’

01’’

---- Leitura realizada pela professora

1.5 14’’03- 24’

06’’

Objetos:

tópico temático

vocabulário

norma padrão/ não padrão

Discussão a respeito das possíveis diferenças e análise a

respeito da linguagem do texto: padrão/não padrão,

coloquial/ não coloquial. Um aluno identifica o uso de

gírias no texto, o uso de marcas linguísticas do português

levando em consideração a questão do rural/urbano. A

professora questiona o que significa a expressão “Pau

torando” no contexto periférico urbano e no contexto da

letra da música. Classificação do gênero da letra.

1.6 24’ 06’’-

25’07’’

---- Chamada de atenção dos alunos, convocação para

responder aos questionamentos.

1.7 25’10’’-

32’35’’

Objetos:

Tópicos informacionais;

Recursos

linguísticos/textuais

Retomada dos questionamentos a respeito da análise do

texto. Discussão sobre gênero e suporte, tipologia textual,

denotativo/ conotativo/ polissemia da expressão “Pau

torando”, “Pau canta”.

1.8 32’38’’-

35’43’’

---- Entrada de um professor em sala para falar sobre o seu

horário de aula.

1.9 36’03’’-

59’20’’

Objetos:

Tópico temático

Vocabulário

Retomada da análise do texto: discussão sobre a condição

das pessoas nas periferias da cidade, sobre o que é

colarinho branco, latifúndio, posseiro, grileiro, pistoleiro,

memória do ato ocorrido na avenida perimetral.

1.10 59’50’-

1’43’’02’’’

Objetos:

Tópico temático

Recursos

linguísticos/textuais

Solicitação da leitura do texto da apresentação do livro Rei

Congo, identificação da tese formulada pelo autor da

apresentação do livro, correlações entre o episódio relatado

no livro (em 1823), Eldorado dos Carajás (assassinato de

membros do MST) e a chacina ocorrida no bairro da Terra

Firme em 2014. Ainda não houve punição para os culpados

nos três casos.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

A seguir, apresentamos os quadros sinópticos da fase de preparação das seis aulas

referentes aos seminários que foram realizadas nos dias 20 e 23 de junho de 2016.

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Quadro 13 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1

Sinopse de sequências de ensino: Socialização da pesquisa

Professora: P1 Episódio 1: Caminhada

Série: 3° ano – 2 aulas

Início: 0’’00

Término: 46’’00

Data: 20 de junho de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 1 Instrumentos:

Slides/ Pesquisa

escrita

1.1 0’’00 - 5’’40 ---- Organização para o início das apresentações

1.2 5’’46 - 13’’14

----

Apresentação da primeira equipe: Rei Congo

1-3 13’’28 - 15’’11 ---- Perguntas/ comentários em relação à primeira equipe

1.4 16’’15 - 25’’22 ---- Apresentação da segunda equipe: Rei Congo

1.5 25’’26 - 42’’30

----

Perguntas/comentários em relação à segunda equipe, sinalizando

as contradições da dita história oficial relativa ao Rei congo,

congada e religiosidade no Brasil, em especial, para as populações

que foram escravizadas pelo colonizador e passaram por um

processo de violência simbólica no que tange aos ritos religiosos

destas populações.

1.6 42’’30 - 46’’00 Considerações finais sobre as apresentações.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Quadro 14 -Aula de Língua Portuguesa P1: fase de preparação do episódio 1

Sinopse de sequências de ensino: Continuação da socialização da pesquisa

Professora: P1 Episódio 1: Caminhada

Série: 3° ano – 4 aulas

Início: 0’00’

Término: 3’03’’42

Data: 23 de junho de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 1 Slides/ Pesquisa

escrita

1.1 0’’00 a 3’’25

---- Organização para o início dos trabalhos:

1.2 3’’27 - 28’’30

----

Apresentação da terceira equipe: tema Brigue Palhaço

1.3 28’’35 - 47’’28 ---- Perguntas/ comentários em relação à apresentação, discussão a

respeito do evento histórico Brigue Palhaço, tomando como base,

em especial, o livro Rei Congo, do professor João Lúcio.

1.4 47’’33 - 1’39’’29

----

Exibição de um vídeo sobre Brigue Palhaço.

1.5 1’40’’ - 1’45’’10

----

Comentários /perguntas em relação ao vídeo e à apresentação.

1.6 1’45’’11 - 1’55’’54

---

Exposição da quarta equipe

1.7 1’57’’39 - 2’09’’35

---

Exposição da quinta equipe

1.8 2’10 - 2’12’’

---

Orientações a respeito dos vídeos e organização do restante das

apresentações.

1.9 2’12’’06 - 2’27’’09

---

Exposição da sexta equipe

1.10 2’27’’13 - 2’44’’ --- Comentários/perguntas a respeito da exposição

1.11 2’45’’35 - 3’02’’42 --- Exposição da sétima equipe

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

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5.4.2 Episódio 1 Caminhada: sub-episódio 3 - finalização

Apresentamos o quadro sinóptico referente à última aula do episódio Caminhada.

Nessa aula, a professora precisou unir duas turmas - uma turma do primeiro ano e uma turma

do segundo ano do EM, devido à falta de professores na manhã daquela segunda-feira. As

duas turmas foram acomodadas, foi realizada a leitura e a análise de mais uma letra de

música, do compositor Rafael Lima, a história dos movimentos sociais no Pará e alguns

conceitos foram recapitulados.

Quadro 15 - Aula de Língua Portuguesa P1: fase de finalização do episódio 1

Sinopse de sequências de ensino: Análise da letra de música

Professora: P1 Episódio 1: Leitura de textos e formação da consciência crítica

Série: 3° ano – 2 aulas MP3: Início: 0’00’

Término: 1’05’’24

Data: 27 de junho de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos//objetos Descrição das Atividades

1 Episódio 1 Instrumentos: Slides/ letra

de música / vídeo

1.1 0’’00 - 1’’50

--- Organização para o início dos trabalhos: passagem de

som/imagens

1.2 1’’51 - 4’’00

Objetos:

Tópico temático

Início da discussão a respeito da letra de música Cantilena,

de Rafael Lima. Considerações a respeito do título do texto.

1.3 4’’05 – 4’’42 --- Leitura de um trecho do texto

1.4

4’’47 - 28’’28

Tópico temático

Recursos

linguísticos/textuais

Análise textual/linguística a respeito da tipologia, da

contextualização do texto em relação à Cabanagem e ao

Brigue Palhaço.

1.5

28’’29 - 55’’00 Vocabulário

Figuras de linguagem

Elementos da narrativa

Continuação da leitura do texto e análise entrecortada à

leitura - análise de vocábulos, figura de linguagem, categoria

tempo - sempre associando ao contexto dos eventos

históricos supracitados.

1.6

55’0’07 -

1’05’’24

Tópico temático/ reflexivo

Comentário de um professor que entrou no auditório e

assistiu ao final da aula, a professora fez uma fala de

encerramento da aula. Ao final, assistiram ao vídeo da

música.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

5.5 EPISÓDIO 2: PREPARAÇÃO PARA A ESCRITA DO ENEM

No segundo semestre de 2016, a professora de Língua Portuguesa (P1) focou o

trabalho de ensino de produção textual para o ENEM. As atividades programadas envolveram

a construção de aulas expositivas referentes às questões conceituais do texto dissertativo-

argumentativo, problematização de questões polêmicas a serem solicitadas no contexto da

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127

avaliação externa, apresentação do modelo de redação exigida no referido processo avaliativo,

atividade de produção escrita e ao longo da constituição deste episódio didático.

É relevante atentar, ao longo deste percurso, a recorrência de um discurso docente de

sensibilização para a importância dos estudos, de ingresso em uma instituição de ensino

superior, para fins pessoais e sociais. A seguir, é apresentado o quadro 16 referente à

estruturação geral do episódio 2.

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128

Quadro 16 - Preparação para escrita do ENEM: leitura, discussão e preparação para escrever uma Redação

Segundo Semestre de 2016:

atividades do terceiro bimestre Justificativa da atividade Instrumentos didáticos / Tensão fundante

1 Sensibilização para a importância do conteúdo a ser trabalhado.

Apresentação do planejamento para os trabalhos para o segundo

bimestre e do formato da segunda avaliação: produção escrita.

A docente sinaliza a importância de estudar e de

investir na preparação para o ENEM por se tratar

de um investimento de capital relevância para a

vida destes alunos no sentido pessoal, acadêmico e

social. Para isso, lembra que é necessário ler,

estudar, construir um posicionamento

argumentativo.

Anúncio do metadiscurso didático e do pacto didático.

2 Leitura de um texto sobre divisão do trabalho, discussão sobre os

preconceitos e as desigualdades que ainda persistem em relação

ao gênero no mundo do trabalho. Análise do texto dissertativo-

argumentativo, características da tipologia, natureza da

argumentação, estrutura do parágrafo de texto dissertativo,

coesão textual: tessitura dos elos coesivos, discussão a respeito

das fontes do repertório informacional convocado para a

construção do texto. Considerações sobre dissertação

argumentativa voltada para o ENEM - atendimento aos direitos

humanos, construção de uma conclusão tipo solução.

A professora julga necessário rememorar conceitos

e traços constitutivos da tipologia e apresentar

como isso deve ser adequado à escrita da

dissertação do ENEM, bem como as peculiaridades

do texto dissertativo exigido nesta avaliação.

Texto Divisão Sexual do trabalho;

Slides

______

Exposição de temas genuinamente escolares: tipo textual

dissertativo, argumentação, elementos coesivos.

3

Exposição oral sobre estrutura padrão do texto dissertativo.

Leitura e análise de uma redação considerada pelo INEP como o

melhor texto do ENEM 2012, apresentada no LD.

A docente prossegue com a apresentação dos

conceitos e apresenta uma redação para a discussão

destes conceitos, a fim de exercitar a conceituação

apresentada.

Texto do LD

Redação do ENEM

4 Exposição oral sobre tipos de argumentação: argumento por

autoridade, ilustração, provas concretas/ específicas, analogia

convocando exemplos relacionados à discussão sobre Gêneros.

A continuidade do trabalho de conceituação e a

proposição do exercício para fixação do conteúdo

trabalhado.

Folha avulsa

Livro didático

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129

5 Realização da prova da segunda avaliação

6

Leitura e análise da prova, sinalizando a questão da estrutura do

texto dissertativo, bem como a discussão de Gênero, em especial,

a situação da mulher na sociedade brasileira. Considerações

gerais sobre a avaliação e ao processo seletivo, ênfase para a

necessidade de estudar no dia a dia.

A avaliação foi comentada em sala de aula para a

recapitulação dos conceitos, discutir as

dificuldades apresentadas e, em seguida, cada

aluno deveria tentar refazer as questões da prova

que não fez ou fez de modo incorreto.

Prova

Texto da prova: redação do ENEM.

______

Elemento de interligação entre o instrumento escolar

mobilizado e a evocação de situações vivenciadas pelas

mulheres do bairro, em especial, em relação à violência

física e simbólica a que muitas estão sujeitas.

7 Leitura individual de um artigo de opinião. Leitura em voz alta do

texto. Discussão a respeito do texto, os alunos são convocados a

falar. Alguns alunos são chamados para o início do debate. Os

questionamentos giram em torno da estrutura do texto dissertativo

- identificação da tese, tipos de argumento, estruturação do

tópico frasal- e sobre a temática Corrupção.

A atividade tinha como objetivo ler um texto para

incitar o debate e a construção de um

posicionamento crítico dos alunos e, ao mesmo

tempo, exercitar os conceitos trabalhados.

Artigo de opinião Corrupção cultural ou organizada, de

Renato Ribeiro.

8 Devolução dos textos e comentário geral sobre a refacção das

questões da prova. Continuidade ao debate do artigo de opinião

sobre a questão da corrupção.

_______

Textos dos alunos

9 Proposição da atividade de produção textual: problemática da

depredação do prédio da escola. Esta escolha foi motivada pelo

fato do terceiro roubo consecutivo das lâmpadas da sala de aula

do terceiro ano. Solicitação de uma produção textual. Orientações

para a produção do texto dissertativo-argumentativo. Além disso,

a docente solicita que é necessário realizar uma ação para chamar

a atenção da escola para este problema da depredação do prédio.

Atividade de produção escrita, a partir de uma

situação-problema ocorrida na sala de aula para os

alunos que estavam em situação de recuperação

paralela69

.

As condições locais afetam o desenvolvimento da

prática docente; é necessário convocar o elemento local,

que tenciona o fazer docente. É preciso colocá-lo em

discussão no molde escolar legitimado e balizado pelo

aparelho docimológico externo.

10 Entrega dos textos da parte 2 da recuperação. A turma foi

dividida em três equipes para exercitar argumentação por via do

jogo da argumentação - jogo enviado para escola por ocasião da

Exercitar a discussão de questões sociais, a

construção de um ponto de vista, o exercício da

construção da argumentação na modalidade oral de

Jogo da argumentação

_______

O jogo instaura certo rompimento com a cadeia

69 O sistema de avaliação dos alunos da SEDUC-PA funciona da seguinte maneira: os alunos fazem quatro avaliações ao longo do ano. Eles devem obter a nota mínima de 5

pontos em cada uma delas. As notas da primeira e terceira avaliações bimestrais devem ser multiplicadas por dois. As notas da segunda e quarta devem ser multiplicadas por

três. Somada a pontuação obtida em todas as quatro avaliações, o aluno deve alcançar a pontuação anual mínima e suficiente para a aprovação nas disciplinas cursadas, ou

seja, 50 pontos. Ao longo do ano, são realizadas duas recuperações destinadas aos estudantes que não conseguiram obter a pontuação exigida: uma recuperação paralela, que

deve ser realizada, obrigatoriamente, após a primeira e a segunda avaliação; bem como uma recuperação final, que deve ser efetivada, obrigatoriamente, após a terceira e a

quarta avaliação.

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Olimpíada da Língua Portuguesa. Tempo destinado ao

entendimento do jogo: leitura das instruções de funcionamento.

Tempo destinado ao jogo das três equipes: realizamos a gravação

do jogo de cada equipe.

um modo mais interativo e lúdico. expositiva docente de apresentação do conteúdo. A

mobilização dos sujeitos é convocada por um

instrumento multimodal que traz à cena escolar um

momento mais interativo e descontraído ao processo

didático.

11

Palestra proferida por um advogado da OAB sobre a situação de

preconceito e marginalização da população negra no Brasil. Em

seguida, foi solicitada uma proposta de produção textual para toda

a turma.

Participar de eventos com sujeitos de formação

diversificada que possam discutir questões

relativas ao debate da situação da população negra

no Brasil contemporâneo.

Exercício de produção textual para todos os alunos

da turma. A proposta de produção teve como tema

“Desigualdade étnica e de gênero no Brasil do

século XXI”

Slides

Folha avulsa com a proposta de produção textual.

_______

A entrada de mais uma voz institucionalizada para

acrescentar ao repertório temático, que convocou alguns

alunos a tomarem a palavra e, certa maneira, contribuiu

ao momento de construção da redação escolar proposta

após a palestra.

12 Exposição dos tipos de argumento e revisão final para a prova do

ENEM (recapitulação dos conceitos).

Aulão de revisão final para todos os alunos da USE

06 no auditório da UFRA.

Slides

Trechos de redações do ENEM.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

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131

Abaixo, são apresentadas algumas considerações gerais sobre o episódio Preparação para

escrita do ENEM, a saber:

(i) a leitura também é o eixo de ensino privilegiado no desenvolvimento das ações

didáticas, observa-se o notável empreendimento na construção de um repertório

temático, aliado ao ensino de um “modelo” de escrita para uma situação de

avaliação específica; a produção escrita configura como o resultado do

investimento didático desenvolvido;

(ii) a escolha de gêneros discursivos escritos é mais restrita e predomina a didatização

do tipo textual dissertativo, desenvolvido a partir de uma sequência de atividades,

direcionadas à construção de um texto dissertativo com algumas características

específicas;

(iii) a eleição de autores legitimados por uma instância institucional, escolha de temas

de amplitude mais global, que também servem para respaldar uma discussão dos

problemas locais; o uso do livro didático de Língua Portuguesa;

(iv) os discentes são convocados a contribuir para a produção do debate, da construção

de um ponto de vista, da apropriação de um modelo de escrita, são chamados a

estudar para tentar ocupar um lugar social em uma IES, porém para o processo de

constituição e efetivação do trabalho docente nessa cena didática, percebemos uma

maior predominância da voz docente nas exposições orais, de certa forma, atrelada

à natureza do objeto em questão e à finalidade ora proposta;

(v) a realização de um conjunto de avaliações para fins de cumprimento de uma

agenda institucional, que programa uma série de pré-testes, simulados e provas ao

longo do ano para fins de preparação dos alunos do terceiro ano, observa-se que o

cumprimento desta norma é realizado no trabalho docente e, de certo modo, as

questões sociais, históricas, culturais, políticas, formativas discutidas pela docente,

a partir de uma agenda docente paralela ao instituído, “infiltram” a construção das

produções escritas destes discentes e indiciam as questões locais, os

posicionamentos dos alunos diante dos fatos e das problemáticas enfrentadas, bem

como as possíveis proposições interventivas para mudanças e melhorias.

O episódio 2 foi construído em 21 aulas, por conta disso, apresentamos um recorte das

sinopses e descrições de pontos relevantes do conjunto de aulas para mostrar os diferentes

aspectos constitutivos do trabalho de ensino realizado. Embora ainda apresente um fechamento

das atividades do bimestre anterior consideramos importante trazer a sinopse da aula do dia 08

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132

de agosto de 2016 e já destacar aspectos relevantes, que serão reiterados ao longo de todo o

episódio.

A primeira aula do episódio tem como objetivo fazer uma orientação geral sobre o que

será trabalhado em praticamente todo o segundo semestre, a importância de priorizar os

estudos neste momento do ano letivo, tipo de avaliação, principais instrumentos didáticos.

Trata-se de uma “meta-aula”, orientada por um “meta discurso”, voltada à explicitação sobre o

objeto, os dispositivos e da proposição de um “pacto didático” entre professora e alunos a ser

acordado para aquele bimestre do ano.

O bimestre foi considerado central para o atendimento a uma demanda institucional,

escolar, balizada por uma avaliação externa, que estaria também vinculada a um propósito de

uma outra agenda do trabalho docente no EM neste contexto específico: a tentativa de

preparação destes sujeitos, a fim de que pudessem vislumbrar a possibilidade de ingresso em

uma instituição de ensino superior.

Quadro 17 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2 (fase inicial)

Sinopse de sequências de ensino: Introdução aos estudos do texto dissertativo argumentativo.

Professora: P1 Episódio 2: Preparação para escrita do ENEM

Série: 3° ano – 2 aulas

MP3: Início: 0’00’

Término: 1’19’’09

Data: 08 de agosto de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2 Provas, pré-testes,

trabalhos escritos.

1.1 0’’00 a 24’’03

Entrega das provas e dos resultados da segunda avaliação.

Apresentação do quadro de desempenho dos alunos na avaliação,

em especial, do pré-teste composto por questões do ENEM.

Sinalização para a importância de estudar e preparar para o

ENEM, a fim de que possam ingressar na IES, apesar de todas as

dificuldades da escola e do momento político complicado que o

país enfrenta - escola sem partido, repressão, a condição do negro,

a discussão sobre gênero, sui gênero, teoria de gênero, assassinato

de líderes religiosos da umbanda. A importância de terem uma

leitura e um posicionamento para fazer a prova e para a vida.

1.2 24’’10 - 28’’22

---

Apresentação do planejamento para os trabalhos para o segundo

bimestre: oficinas de produção realizadas por outros professores,

focadas para a produção textual escrita.

1.3 28’’28 – 51’’10

---

Entrega das avaliações. Solicitação para postagem dos vídeos.

Algumas considerações sobre a apresentação formal dos trabalhos.

1.4 51’’45 – 54’’03

---

Apresentação do formato da segunda avaliação: produção

escrita. Sinalização para o uso do livro didático nas próximas

aulas e de dicionário, todos devem começar a levar estes

instrumentos.

1.5 55’’10 -

1’08’’41

---

Princípio sobre a discussão do uso de argumentos, diferença

entre opinião e argumento, natureza dos mesmos: citação,

comprovação.

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133

1.6 1’08’’58 -

1’19’’09

---

Alguns tópicos sobre natureza dos argumentos são ditados, para

que os alunos copiassem no texto e pequenas explicações

paralelas. Solicita a leitura de texto do livro didático.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

A seguir, apresentamos as sinopses das aulas dedicadas à apresentação conceitual do

texto dissertativo-argumentativo e ensino de redação do ENEM.

Quadro 18 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. exposição conceitual 1

Sinopse de sequências de ensino: Apresentação conceitual do texto dissertativo-argumentativo

Professora: P1 Episódio 2: Preparação para escrita do ENEM

Série: 3° ano – 4 aulas

MP3: Início: 0’00’

Término: 2’13’’20

Data: 18 de agosto de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2 Roteiro /texto

avulso

1.1 0’’00 - 7’’50

---

Organização para o início dos trabalhos

1.2 7’’51 - 11’’10

---

Objetivo da exposição e importância da compreensão dos conceitos a

partir da leitura e análise dos textos.

1.3 11’’11 - 14’’29

---

Exibição do formato - análise de textos dissertativos, produção de

texto, análise dos textos produzidos e reescrita. Discussão sobre o que

é argumentar

1.4 14’’30 - 19’’29 --- Leitura do texto Divisão Sexual do trabalho

1.5 19’’30 – 38’’54

---

Análise: primeira entrada: temática. Discussão a respeito da divisão do

trabalho, os preconceitos e as desigualdades que ainda persistem em

relação ao gênero no mundo do trabalho.

1.6 38’’56 –

1’55’’35

---

Análise: segunda entrada: estrutura, levando em consideração

estruturação do texto dissertativo-argumentativo, características da

tipologia, natureza da argumentação, estrutura do parágrafo de texto

dissertativo, coesão textual: tessitura dos elos coesivos, discussão a

respeito das fontes do repertório informacional convocado para a

construção do texto.

1.7 1’56’’- 2’13’’20

---

Considerações finais da professora sobre dissertação argumentativa,

voltada para o ENEM, a saber: atendimento aos direitos humanos,

construção de uma conclusão tipo solução. Solicitação da professora a

respeito da leitura de gênero.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Quadro 19 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. exposição conceitual 2

Sinopse de sequências de ensino: Estrutura do texto dissertativo

Professora: P1 Episódio 2: Preparação para escrita do ENEM

Série: 3° ano – 2 aulas

MP3: Início: 0’00’

Término: 1’24’’34

Data: 22 de agosto de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2 Livro didático

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134

1.1 0’’00 a 27’’40

----

Organização para o início dos trabalhos. A professora copia um

conteúdo no quadro. O aparelho de ar condicionado não estava

funcionando e o representante de turma precisou ir à direção em

busca de uma solução para o problema. A professora levanta o

questionamento sobre o fato do aluno da escola pública precisar ir

buscar soluções para o problema da sala de aula. Ele precisa

aprender na prática a questionar e buscar resolver um problema da

escola

1.2 28’’00 - 45’’00 Planejamento para os trabalhos que serão desenvolvidos na

próxima aula. Estímulo para os estudos e sinalização para a

necessidade de preparação para o ENEM. Necessidade da escola

valorizar aqueles que têm passado nos processos seletivos.

Chamada nominal.

1.3 45’’05 -1’24’’34 Exposição oral sobre tese, tópico frasal, estrutura padrão do texto

dissertativo. Leitura e análise de uma redação considerada pelo

INEP como o melhor texto do ENEM 2012, presente no livro

didático.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Quadro 20 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Resolução de uma avaliação

escrita

Sinopse de sequências de ensino: Leitura e análise da prova de segunda avaliação

Professora: P1 Episódio 2: Preparação para escrita do ENEM

Série: 3° ano – 2 aulas

MP3: Início: 0’00’

Término: 1’31’’36

Data: 1 de setembro de 2016.

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2 Prova/ Texto

Redação ENEM

sobre violência

contra mulher

1.1 0’’00 – 15’’33

----

Discussão da prova de segunda avaliação.

1.2 15’’34-51’’00 Leitura e análise do texto base da prova, sinalizando a questão da

estrutura do texto dissertativo, bem como a discussão de Gênero,

em especial, a situação da mulher na sociedade brasileira.

1.3 51’’01- 56’’42 Orientação para a importância de exercitar esta escrita para o

ENEM. Retorno para a discussão da situação da mulher na

sociedade brasileira e a avaliação.

1.4 56’’42 –

1’31’’36

Comentário de cada uma das questões da prova. Considerações

gerais sobre a avaliação e ao processo seletivo, ênfase para a

necessidade de estudar no dia a dia, a importância da entrada deles

em uma IES para eles e para a comunidade.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Quadro 21 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Refacção de uma atividade de

escrita e leitura de texto dissertativo

Sinopse de sequências de ensino: Atividade de reescrita das questões da prova da segunda avaliação, valendo a

primeira parte da recuperação

Professora: P1 Episódio 2: Ensino de produção textual escrita com foco para o ENEM

Série: 3° ano – 4 aulas

MP3: Início: 0’00’

Término: 1’56’’00

Data: 8 de setembro de 2016.

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135

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2 Prova/ Texto

avulso/Apostila

1.1 0’’00 – 20’’27

----

Entrega das provas e trabalhos da segunda avaliação.

1.2 20’’28 – 27’’00 ----

Orientação para a realização da atividade, aqueles que estavam em

situação de recuperação de nota deveriam refazer as questões da

prova que não foram respondidas corretamente. Foi estipulado o

tempo de 1 aula, para que os alunos realizassem a tarefa.

1.3 50 minutos ---- Exercício.

1.4 00’00- 4’’46

----

Comentários sobre a atividade.

Organização dos trabalhos para o início da próxima atividade.

1.5 4’’47 - 25’’00 ----

Solicitação de leitura individual do texto Corrupção cultural ou

organizada, de Renato Ribeiro.

1.6 25’’20 - 32’’43 ---- Leitura em voz alta do texto.

1.7 32’’46 - 37’’01 ----

Considerações da professora a respeito do texto e solicitação da

participação dos alunos.

1.8 37’’02 – 1’16’’

----

Discussão a respeito do texto, os alunos são convocados a falar.

Alguns alunos são chamados para o início do debate. Os

questionamentos giram em torno da estrutura do texto dissertativo

(identificação da tese, tipos de argumento, estruturação do tópico

frasal) e sobre a temática Corrupção. Encaminhamento para o fim

dos trabalhos.

Quadro 22 - Aula de Língua Portuguesa P1: episódio 2. Produção textual I

Sinopse de sequências de ensino: Recuperação parte II

Professora: P1 Episódio 2: Preparação para escrita do ENEM

Série: 3° ano – 2 aulas

MP3: Início: 0’’00

Término: 53’’08

Data: 26 de setembro de 2016

Nível Marcadores Instrumentos Descrição das Atividades

1 Episódio 2

1.1 0’’00 - 17’’15

----

Considerações iniciais. Justificativa para a proposição da atividade da

segunda avaliação: o tema para a produção diz respeito à problemática

da depredação do prédio da escola. Esta escolha foi motivada pelo fato

do terceiro roubo consecutivo das lâmpadas da sala de aula do terceiro

ano.

1.2 18’’00 - 36’’50 ----

Exposição do conflito apresentado. Solicitação de uma produção textual.

Orientações para a produção do texto dissertativo-argumentativo. Além

disso, a docente solicita que é necessário realizar uma ação para chamar

a atenção da escola para este problema da depredação do prédio.

1.3 36’’51- 53’’08 ----

Respostas às dúvidas dos alunos sobre a atividade avaliativa.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

A aula do dia 06 de outubro de 2016 foi voltada ao exercício de discussão de vários

temas. Nessa ocasião foi usado um jogo enviado para as escolas que participaram em uma das

primeiras edições das Olimpíadas de Língua Portuguesa. Devido aos inúmeros feriados e às

paralisações dos professores que coincidiram com os dias de aula da docente, a turma ficou

quase todo o mês de outubro sem aulas de Língua Portuguesa. A turma foi dividida em três

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equipes, gravamos as três rodadas de aplicação do jogo que foram simultâneas. Não foi feita

uma sinopse desta aula, as descrições de cada rodada foram observadas, registradas no diário

de campo e a gravação do áudio de cada equipe foi roteirizada em relatório de organização do

banco de dados.

A aula do dia 27 de outubro em que foi proferida uma palestra por um advogado da

OAB sobre a situação de preconceito e de marginalização da população negra no Brasil. Em

seguida, houve uma rodada de perguntas e, após a palestra, foi realizada a aplicação da

segunda proposta de produção textual a partir da temática “Desigualdade étnica e de gênero no

Brasil do século XXI”. Não houve atividades de retextualização destes textos. Não filmamos

nem gravamos, as observações foram registradas em diário de campo.

No dia 03 de novembro de 2016, todas as turmas de terceiro ano da escola e das

outras escolas da USE 06 foram reunidas em um auditório da Universidade Federal Rural da

Amazônia para assistirem aos professores, inclusive, a professora observada nesta pesquisa,

para proferirem um conjunto de orientações sobre a prova do ENEM da área de Linguagens e

suas Tecnologias. Somente, a fala da professora foi gravada.

A professora integrante desta pesquisa fez uma apresentação de orientações sobre a

prova de redação. Não fizemos sinopses destas últimas aulas, mas, ao longo deste capítulo,

dados gerados nestas ocasiões, serão descritos e retomados mais adiante e servirão para

construir o processo analítico desta prática de ensino de Língua Portuguesa.

5.6 PORTUGUÊS NO ENSINO MÉDIO: CAMINHADA E RESISTÊNCIA

O conjunto dos dados descritos nos episódios permite perceber que o trabalho de ensino

de leitura e de produção de textos abarca três grandes focos: questões linguísticas, históricas e

críticas que, por sua vez, estão imbricados e englobam o debate a respeito de língua, poder,

classe social, resistência, conscientização, currículo, história oficial e não oficial. Na primeira

aula do episódio Caminhada, é efetivada a leitura em voz alta e a discussão da letra de música

Pau Torando, de Rafael Lima (Anexo A), um artista paraense, que escreveu a letra por ocasião

da chacina ocorrida no bairro da Terra firme em novembro de 2016.

A fim de adensar o debate acerca da dimensão constitutiva do texto, a docente

recapitula a leitura do título da letra para buscar compreender os possíveis significados dos

termos que compõem o sintagma e justificar a opção do produtor do texto, tendo em vista os

prováveis interlocutores. A professora explica:

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Quadro Sinóptico 3

Nível 1.5

Marcador 14’’03- 24’ 06’’

Questões linguísticas e

discursivas

P. [...] o título da música já é uma gíria, ou não? Colocar o pau pra, o que é por o pau pra

torar , ou pau torando ? O que é isso? [...] Fala assim mesmo, ó aquela festa lá na 99 tem

uma galera lá mas o pau tá torando nem vai pra lá, o que é pau torar? Existe uma

expressão, essa expressão ela tem uma conotação, ou seja, um significado tanto positivo

quanto negativo né verdade? O pau pode torar no sentido de a festa tá bombando, tá

todo mundo pipocando no sentido de dançar [...] Mas, o contexto da letra da música

nos remete a uma significação [...] não de festa, se tu pudesse substituir a expressão pau

torando ou por pau pra torar, tu colocarias que sinônimo pra essa expressão? Quando ele

pega no primeiro verso da música ele já tem uma ordem né, é o imperativo, ele fala com

o público específico, que público é esse? [...] isso aí dentro da função da linguagem é uma

função conativa, é aquela função persuasiva que quer influenciar a tua maneira de agir

né, [...] então... dentro desse contexto que eu tou falando com uma juventude, o que seria

por pau pra torar?

A22- Ir à luta?

P- Ham?

A22- Ir à luta.

P- Claro, por pau pra torar é lutar, tá? Então isso é luta, ele pega e fala assim mesmo:

“levanta juventude vem pra luta”, então por pau pra torar dentro desse contexto da

letra da música é vir pra luta, bora lutar, então é um chamado [...] bora guerrear, bora

lutar pelo nossos direitos, então eu posso falar que a linguagem ela é uma linguagem

coloquial, ela é um nível não padrão [...] Ele vai usar uma linguagem da gíria, uma

linguagem jovem.

Pode-se dizer que esta construção de conhecimentos, a partir do uso de um instrumento

didático oriundo do campo vernacular, de certa forma, confere um estatuto oficial, dominante,

institucional a um texto produzido no âmbito do local, em um contexto de resistência, pois a

composição foi produzida como forma de protesto à chacina de novembro de 2014. Esse dado

indicia para a seguinte característica constitutiva da prática de ensino de Português nessa

conjuntura de trabalho: a análise do vernacular é “inflitrada” pela instância escolar, acadêmica,

formal; intermediada e (re)constituída pela representante formal do aparelho institucional

escolar que elementariza, didatiza e legitima o que deve ser ensinado e sinaliza para um modo

de trabalho, revelando o uso de conteúdos típicos desta etapa de ensino – denotação/conotação,

funções da linguagem, níveis de linguagem- em uma nova coletânea de textos que aborda

temas caros ao público daquela comunidade.

Este movimento reporta a discussão a respeito da política linguística está intimamente

relacionada a uma “militância linguística” a línguas a beira da extinção, minoritárias ou em

situação de discriminação. Para esclarecer e complexificar este conceito, Rajagopalan (2013, p.

21) considera que

a política linguística não tem nada a ver com linguística; ela tem tudo a ver, isto sim,

com a política, entendida como uma atividade na qual todo cidadão- todos eles, sem

exceção- tem o direito e o dever de participar em condições de absoluta igualdade,

sem se importar com classe econômica, sexo, orientação sexual, idade, escolaridade,

e assim por diante. E, não só o direito de expressar suas opiniões livremente, mas

também de serem ouvidos e respeitados por elas (por mais ultrapassadas ou

ultrajantes que estas pareçam).

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De algum modo, a professora tenta fazer isso, trazer outras vozes, linguagens e

posicionamentos para o seio da prática escolar, entretanto, muitas vezes, essa voz é atravessada

por outra política pública: o ENEM. Política que oficializa o que deve ser ensinado, institui a

língua que deve ser considerada como “padrão” e prescreve o conteúdo que deve ser

didatizado. Nesse sentido, os possíveis sentidos da expressão “Pau torando” são abordados e

instituídos por intermédio de variedade não padrão, não só para dizer o sentido da letra, como

também para “convidar”, “chamar”, “convocar” todos os interlocutores, em especial, o público

juvenil a reivindicar direitos.

A partir dos pressupostos freirianos, uma educação libertadora estaria balizada em

dois processos distintos: é necessário investir em um esforço de expor e problematizar o

contexto de opressão em que os sujeitos estão inseridos, a fim de evocá-los ao

comprometimento de (re) construção de uma prática de transformação, de contestação, de

reivindicação de direitos.

É necessário, então, instaurar um movimento pedagógico de contínuo

questionamento, (re)conhecimento e constante processo de busca de libertação, inclusive, a

liberdade de conclamar o direito de reconhecer e usar a língua para a construção desse ciclo de

re(construção) da práxis cotidiana, o que denotaria uma determinada inovação do tema no eixo

do saber.

O produtor do texto faz uso de uma suposta linguagem “jovem”, que estabeleceria

uma espécie de proximidade, de parceria, de identificação com o jovem, negro, morador de

periferia. O uso do não padrão é uma estratégia linguística, discursiva, enunciativa para além

da mera opção de registro ou de estilo.

Quanto à finalidade da ação de ensinar, o objetivo do ensino de português estaria

atrelado a interesses de discussão sobre a relação entre uso da língua e suas possíveis (re)ações

e embates de natureza acional, cultural, política e ideológica. O processo de ensino da língua,

da leitura, do discurso também seria uma forma de construir e constituir as arenas de luta

sociais, instituir legitimidade aos modos de agir, de pensar, de questionar, de compreender a

realidade circundante. O discurso docente incita a possibilidade de promover uma ação para

além dos muros da escola:

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139

Quadro

Sinóptico 3

Nível 1.5

Marcador

14’’03- 24’ 06’’

Questões

linguísticas e

discursivas

P. Ele vai usar uma linguagem da gíria, uma linguagem jovem, isso é no que diz respeito à

linguagem, no que diz respeito a gênero textual, classifica, eu classificaria esse texto em que

gênero? Aí abre um buraco,né? Porque são muitos gêneros, mas eu...eu falaria que essa letra seria

que gênero textual? [...] Para com tua graça, e não me ignora, eu te fiz uma pergunta, qual é o gênero

textual, até os que não têm a letra, mas a gente acabou de ler a letra, então qual é o gênero textual que

tu poderias dizer: olha eu acho que é esse gênero aí viu? Hum?

A24- Letra de música.

P- Exatamente, é, a coisa é tão óbvia que a gente fica assim, pow eu vou, pow, mas é isso mesmo

,letra de música, letra de música [...]Ó, bora lá, então eu to diante da letra da música, e a tipologia?

[...]

Aluno 26- Injuntiva.

P- Injuntiva.

Aluno 27 - Argumentativa

P- [...] A base é argumentar, é te convencer, entendeste? [...] Ele ta, ele ta querendo te

convencer que o momento agora é de luta e que tu precisas lutar, isso é argumentativo, ta ok? [...]

Nós temos três, digamos assim três matrizes né? Três referências, eu tou aqui trabalhando,

tipologia, gênero e nível.

Depois da construção concernente aos possíveis sentidos do texto, da linguagem

utilizada, é a vez de categorizar o texto quanto ao gênero textual e o aluno é intimado a

responder ao questionamento. A preocupação professoral reside no sentido de perceber que o

aluno já faz o discernimento entre gênero e tipologia. Esta última forma de categorizar também

é mobilizada para completar o trio categórico analítico do texto: tipo, gênero e nível.

Uma observação a esta dinâmica didática é a tentativa de buscar imbricar a discussão

da leitura do texto ao tripé de classificação, para categorizar, prescrever, circunscrever a

serviço do currículo oficial, imposto, legitimado e, ao mesmo tempo, convidar ou convencer a

buscar pelos direitos. O discurso reiterado ressona como uma espécie de convocação: “Ele tá,

ele tá querendo te convencer que o momento agora é de luta e que tu precisas lutar, isso é

argumentativo”.

Mais uma vez, o currículo impõe uma política linguística e veicula uma ideologia

linguística, aliás duas: a dominante (o currículo, o livro didático, etc.), por isso mesmo

oficializada e a dominada (movimentos de resistência: a letras de música trabalhada em sala

de aula, o discurso docente, as situações de opressão, de violência, de repressão, de injustiça

sofridas pela comunidade escolar). Em seguida, a análise do texto tem continuidade.

Quadro Sinóptico 3

Nível 1.9

Marcador

36’03’’-59’20’’

Questões linguísticas e discursivas/

Vocabulário

P. [...] Bora lá, tá beleza ? Aí quando eu falo assim: “pau canta”, gente se por pau pra

torar é lutar, o que seria pau cantar?

Aluno. Porrada.

P- É, exatamente, porrada, isso é porrada, pau canta, olha o que ele fala assim pau

canta toda hora, pau canta toda, toda hora a gente tá pegando porrada, toda hora estão

batendo na gente, toda hora nós estamos num, num porão de um navio e estão

jogando solda cáustica na gente, toda hora, aí ele fala assim: “ pau canta toda vem

pra tora”, e aí o que é, vir pra, o que é vir pra torar, Flávio?

Aluno- Ir pra luta.

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140

O sentido da expressão “pau cantar” é relacionado à histórica situação de

desigualdade social e de injustiça das classes sociais menos favorecidas economicamente na

Amazônia paraense, por isso a expressão em questão estabelece uma direta relação com um

fato histórico ocorrido em 1823: 257 caboclos, que se rebelavam contra o governo português

na Província do Pará, foram aprisionados no porão do navio Brigue Palhaço e devido ao calor,

à sede, à falta de ar iniciaram um tumulto. Para controlar a “ordem” dos prisioneiros, a força

imperial naval sob o comando de John Pascoe Grenfell arremessou cal nas entradas de ar da

embarcação. Este crime nunca foi julgado e até hoje não se sabe ao certo onde os corpos foram

enterrados.

Depois de 12 anos do massacre, as classes populares proclamaram a Cabanagem

(1835-1840), a letra da música, foco da leitura e da aula, também, “convida” a juventude a

questionar por justiça diante da situação de opressão dos moradores nas periferias de Belém,

também “convida” a participar de uma caminhada para pedir justiça pelo assassinato dos

jovens do bairro, porque depois de quase dois anos decorridos não houve julgamento, não há

culpados, não há condenados.

O objetivo de trazer à tona a história oficial e a não oficial sobre as origens do

movimento social de luta na Amazônia começa a ser apresentado, a analogia entre os fatos

ocorridos na periferia e a história de luta por direitos sociais no Pará é necessário para

fomentar o debate acerca da trajetória histórica, sangrenta e desigual das populações

amazônicas (índios, negros, caboclos, mamelucos, cafusos). A atividade de leitura prossegue e

a expressão “colarinho branco” é colocada em análise.

Quadro

Sinóptico 3

Nível 1.9

Marcador

36’03’’-

59’20’’

Questões

linguísticas e

discursivas

P. [...] o que é colarinho branco? É uma expressão específica nossa, exatamente, que identifica um

contexto, qual é o contexto? Falar em colarinho branco eu penso em que?

A. Em políticos.

P.[...] eu tou diante de uma metonímia [...] porque o colarinho branco é só a parte de um político,

mas que representa o todo, tá beleza? Uma patifaria, [...] Sempre vai só pra um lugar que não é pros

colarinhos brancos, tá bom? Sempre é a gente, quando eu li esse, esse pedacinho [...] eu lembrei do

Cazuza [...] “não me convidaram para essa festa pobre, que os homens armaram pra me convencer”

né? Ele chega um momento que ele fala assim mesmo: “eu fiquei na porta estacionando os carros”, eu

paguei a conta da festa que eles fizeram, mas eu fiquei só estacionando os carros. Então, a gente

sempre paga a conta [...] quando a gente para pra pensar, que a escola que tem o maior investimento

[...] é a escola pública, [...] é a melhor paga [...] nós deveríamos ou teríamos o direito de ter a

melhor escola, [...] Ele fala o seguinte: quando a coisa começa a pegar fogo, onde é que aumenta? No

feijão, no açúcar, no pão, [...] eu to diante de elementos representativos que simbolizam uma classe

social, falar em feijão e arroz, falar em pão é falar em quem?

A. No pobre!

P- Aí fala de colarinho branco o contexto é político, eu falo sobre pagar conta e sempre ter a mesma

via, eu falo de corrupção e falo de desigualdade social, eu falo de politicagem, ta?

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141

Mais uma vez uma terminologia já trabalhada é evocada para categorizar a expressão

em questão. O conhecimento sobre figura de linguagem, um trecho de outra letra de música e

um exemplo contextual são mobilizados para tentar construir os significados “monitorados”

pelo professor em torno dos possíveis sentidos da expressão “colarinho branco”, que faria

referência a uma determinada classe social, detentora de um dado status social, político,

financeiro; a construção linguística estaria relacionada à corrupção, à exploração e à

desigualdade entre diferentes grupos sociais.

Entremeada a análise da expressão em voga, o direito do aluno ter uma boa escola pública

é anunciado: “nós deveríamos ou teríamos o direito de ter a melhor escola [...] é a mais bem

paga”. Direito este, constrangido pela realidade da escola pública degradada em que ele luta

para permanecer e onde ele é convidado a lutar e resistir, mesmo diante das desigualdades e

dificuldades enfrentadas e denunciadas, para que estes sujeitos tenham acesso ao Ensino

Médio neste contexto.

Esta realidade imposta entre o direito e a realidade evoca o posicionamento defendido

por Chauí (1989, p. 26) “cada direito, uma vez proclamado, abre campo para a declaração de

novos direitos e que essa ampliação das declarações de direitos entra em contradição com a

ordem estabelecida”. A professora dá continuidade à leitura e começa a perguntar o que

significa a palavra latifúndio.

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142

Quadro

Sinóptico 3

Nível 1.9

Marcador

36’03’’-59’20’’

Questões

linguísticas e

discursivas

P. Aí tem uma parte aqui que eu acho muito bacana, quando fala: “latifúndio que ataca matando

posseiro”, aí da até pra arrepiar, né? Eu te pergunto, olha pra cá, que eu tou falando contigo, tá?

Tou falando contigo, o que é latifúndio? Wendel? És tu?

A. Latifúndio é um pedaço de terra.

P. 301 manhã concorda com Wendel? Ou protesta, negativo não é um pedaço de terra, o que é o

latifúndio? Tu concordas com o Wendel? É um pedaço de terra? Então, bora lá, eu vou abrir a porta e

vou me deparar com um espaço, PÁ, aquilo ali é um pedaço de terra, olha o latifúndio, se é um

pedaço de terra, latifúndio é isso? [...] o que é um latifúndio? É um pedaço, basta, olha eu tenho um

pedaço de terra, eu tenho um pedaço de terra lá no meu quintal [...], eu tenho latifúndio? Eu sou uma

latifundiária? [...] Não [...] bora começar a pensar e construir um conceito [...]

A. Pesquisei o que é latifúndio. (o aluno usou o celular para buscar o significado)

P- Tu já leste? [...] é uma coisa que nenhum paraense deve ficar na dúvida, nenhum paraense em

hipótese alguma pode não saber, tu tens que saber o que é um latifúndio e um minifúndio, tu tem

que saber, ta? [...] Ora, porque tu és a herança de tudo isso, se tu tá aqui agora, se no fundo do teu

pé tem terra batida, se tem piçarra, se tu tás numa escola que te desagrada, tu precisas saber a

origem de tudo isso, e a palavra tá em latifúndio, e o que é latifúndio?

A. Propriedade rural de grande extensão.

P. É uma propriedade rural de grande extensão, só isso P1, já entendi? Não, eu tenho que ser

proprietária de uma grande extensão de terra improdutiva, ou com uma produção

infinitamente pequena, com as máquinas obsoletas, sem investimento nenhum, gente o Pará é

estado que tem maior latifúndio em quantidade, eu tou falando de número, nenhum outro

estado como o Pará tem latifundiários e latifúndio. O Pará é o maior que tem no nosso Brasil, por

que ? [...] é uma grande propriedade rural sem produção, e aí a base da desigualdade social é essa, é

enquanto poucos têm muito, tem muitas terras improdutivas, tem muitos querendo produzir

num quadrado e não tem, a história do movimento sem terra (MST), começa por aí, o

movimento do sem terra são pessoas que querem reforma agrária, o que é uma reforma agrária? É

da terra pra quem quer plantar [...] o Pará só tem latifúndios de bilhões de hectares, já pensastes o

que é isso? Nós temos, é, é latifundiários que têm propriedades do tamanho de cidades e de estados e

às vezes até de países, acreditem gente, de países, europeus [...] O sul do Pará, o sudeste do Pará é

onde há maior concentração de terra, onde os grandes latifundiários estão, que inclusive foi

onde ocorreu a chacina, o massacre do Eldorado dos Carajás.

Pode-se constatar a necessidade de compreensão do termo “latifúndio” para entender a

base de construção da sociedade brasileira, amazônica e paraense, a fim de que possam

compreender o porquê da realidade desigual em que eles estão imersos: “tu és a herança de

tudo isso, se tu tá aqui agora, se no fundo do teu pé tem terra batida, se tem piçarra, se tu tás

numa escola que te desagrada, tu precisas saber a origem de tudo isso, a palavra tá em

latifúndio”, por isso a docente enfatiza e reitera que todos os alunos estejam atentos para a

compreensão da palavra: “nenhum paraense deve ficar na dúvida, nenhum paraense em

hipótese alguma pode não saber, tu tens que saber o que é um latifúndio”.

Devido à convocação docente, um aluno responde “é um pedaço de terra”. Outro

estudante pesquisa o conceito na internet via celular para trazer uma outra acepção à discussão

“Propriedade rural de grande extensão”. Nota-se que o discurso do alunado é um discurso

institucionalizado pelo dicionário, mas a professora rompe com a ordem institucional,

dicionarizada, estabilizadora. Para “quebrar” esta ordem estabelecida, ela lança mão de dois

binômios dos procedimentos de exclusão a que se reporta Foucault (1999): razão x loucura,

verdadeiro x falso.

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Conforme Foucault (1999), há três procedimentos de exclusão: interdição, razão x

loucura, verdadeiro x falso. O primeiro faz referência ao fato de que “não se tem o direito de

dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância para qualquer um, enfim,

não pode falar de qualquer coisa” (idem, p. 9). O segundo faz menção à segregação da loucura:

a palavra do louco pode ser considerada nula, não deve ser acolhida, não tem verdade e nem

importância, mas, ao mesmo tempo, o louco pode ter o poder de dizer “uma verdade

escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a

sabedoria do outro não pode perceber” (idem, p. 11).

O terceiro remete à vontade de verdade: a vontade de saber, que atravessou séculos de

nossa história por intermédio de um sistema de exclusão que se traduzia no discurso

pronunciado, era pronunciado para quem de direito, pronunciava a justiça, profetizava o futuro

e contribuía para sua realização, obviamente, a partir daquilo que se acreditava. Nesse sentido,

essa verdade se desloca para o enunciado, o sentido, sua forma, seu objeto e para a relação

com a referência.

Segundo Foucault (1999, p. 17), a “vontade de verdade, como outros sistemas de

exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional”. Nesse sentido, o trabalho da professora

condiz com essa vontade de verdade que se apoia em um sistema institucionalizado (o MEC, a

escola), que se impõe e pressiona o trabalho docente. Então, a vontade de saber dela se vê na

ideia do desejo de verdade que é arbitrária a ideia de falsidade. Essa vontade de verdade está

dentro de um sistema de exclusão, para isso não há interesse no aprendizado do povo em geral.

Nessa direção, observamos a convocação de outras informações para tentar construir e

instituir uma definição, um sentido, uma leitura, quando, na realidade, poderia haver várias, a

do dicionário e tantas outras, para além da mera acepção do suporte legitimado. Por isso, é

evocado o exemplo da acachapante concentração fundiária no Pará e a memória de mais uma

das chacinas ocorridas no estado, porque os líderes de movimentos sociais mais uma vez

questionavam a histórica concentração da terra gestada nas capitanias hereditárias:

grande extensão de terra improdutiva, ou com uma produção infinitamente

pequena [...], gente o Pará é estado que tem maior latifúndio [...] aí a base da

desigualdade social é essa: poucos têm muito, tem muitas terras improdutivas, tem

muitos querendo produzir num quadrado e não tem [...] O sul do Pará, o sudeste do

Pará é onde há maior concentração de terra, [...] inclusive foi onde ocorreu o

massacre do Eldorado dos Carajás, que até hoje não houve resposta.

Depois de mais de vinte anos deste último acontecimento de repercussão internacional,

a professora tenta explicar porque os líderes foram chacinados:

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144

Quadro Sinóptico 3

Nível 1.9

Marcador

36’03’’-59’20’’

Questões históricas

P. o massacre do Eldorado dos Carajás, que até hoje não houve resposta, até hoje não

houve resposta para aquele massacre, que se não me engano foram 19 paraenses, líderes,

ta? De Líderes populares, que estavam atrás de reforma agrária, gente o dia que a

gente começar a entender que fazer reforma agrária popular, que a gente começar a

fazer investimento em horta comunitária, vai livrar a gente da doença e da pobreza e

da miséria, e vai libertar o nosso povo, a gente vai começar a fazer das nossas paredes as

hortas suspensas, que é uma solução. Mas não vou entrar no caso, no mérito, a gente tá

aqui na letra da música.

Como o conceito de reforma agrária foi mencionado, a docente interliga o massacre

ao movimento de luta pela terra e pela reforma agrária. Mais um evento sangrento contra

líderes populares, mais um evento que pode ser interligado à leitura do texto construído em

sala de aula e a “quebra” da ordem instituída (FOUCAULT, 1999). Por outro lado, a dinâmica

discursiva demarca o alto grau de mediação didática do processo de atribuição e de arbitragem

de sentidos em voga no processo de leitura de textos em sala de aula, reforça um lugar limitado

à palavra do outro e reifica a institucionalização da palavra autoritária; o que pode

(re)configurar a prática de ensino a um limite movediço, fronteiriço, limítrofe, até mesmo

contraditório, entre a manutenção e o rompimento da ordem institucional colocada, que

pressupõe a vigência de sentidos ou coloca em cheque a “verdade institucional” pressuposta ao

discurso docente que busca enunciar uma outra “vontade de verdade”.

Essa contradição também é decorrente do processo de construção histórica da

sociedade brasileira, marcada por ser uma verdadeira “empreitada comercial” da terra

(capitania, engenho, fazenda), muito “próxima” a uma configuração social feudal caracterizada

pelo protecionismo, relações de dependência, de submissão, “mandonismo”, paternalista,

autárquica, mutista, antidialogal. Condições estas que não propiciaram condições favoráveis a

uma experiência democrática no processo de construção social do país, mas implicaram,

sobretudo, a criação de uma consciência hospedeira da opressão, cerceada pelo isolamento,

interditada pela palavra, pois não havia imprensa, a circulação de livros foi proibida e, até

mesmo, o sistema educacional jesuítico foi desintegrado (FREIRE, 1968; RAMA, 1985).

O nascimento da nação brasileira foi constrangido pela autoridade dos senhores da

terra, do capitão-mor, dos governadores e fiscais da coroa, que estabeleceram o que Foucault

(1996) intitula como um “sistema de vigilância”, balizado na exploração do trabalho do nativo

e dos escravos, que sufocou a formação de cidades, do comércio, da imprensa, do

desenvolvimento das artes, de escolas, de universidades e demais instituições letradas. Isto

propiciou as condições necessárias à formação de uma sociedade agrária, muda,

antidemocrática, acrítica, vertical, expiada, violenta, que afastou o homem comum de qualquer

forma de governo sob o jugo do respeito ou da força e lhes limitou ao ajustamento,

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145

acomodação e a não integração. Esta conjuntura foi endossada e disseminada, também, pela

educação jesuítica, essencialmente, “verbosa” e justaposta à realidade colonial do Brasil.

Realidade esta, que ainda hoje ressona na sociedade brasileira contemporânea e em seu sistema

educacional nos vários e constitutivos níveis de ensino (FREIRE, 1968).

Por conta disso, a mencionada vontade de verdade - “verdade” a ser ensinada -

traduzida no discurso docente enunciado pode ser deslocada para o enunciado e as referências

desse dizer para além do espectro da fala professoral. Esta “verdade” enunciada pela docente

dialoga, situada na temporalidade colonial supracitada, corrobora com a pesquisa realizada

pelo Núcleo de dados, que analisa os relatórios da Comissão Pastoral da Terra (doravante

CPT), no período de 1985 a 2016, e revela o histórico de impunidade a que estão subjugados

aos que lutam pela terra e causas afins, aqueles que ousam questionar a condição social

imposta desde a invenção do país.

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Figura 3 - Brasil: mapa de mortes no campo

Fonte: Pesquisa CPT (2017).

A pesquisa aponta que o Pará é o estado brasileiro que concentra 30% dos

assassinatos em conflitos relacionados à disputa fundiária. Mais alarmante, é a impunidade:

levantamento da CPT (2017), desde 1985, denuncia que menos de 10% dos homicídios, nos

últimos trinta anos, foi julgado70

. A leitura prossegue e outros termos aparecem: posseiro,

grileiro, pistoleiro e geram dúvida quanto ao entendimento e a docente propõe:

Quadro

Sinóptico 3

Nível 1.9

Marcador

36’03’’-59’20’’

__________

Questões

linguísticas,

discursivas

e históricas

dá uma lida [...] essa questão da reforma agrária, dá uma lida entende isso, pro Enem, ta? E aí por

curiosidade mesmo vai atrás dessa coisa do o que é o pistoleiro, o que é o posseiro, o que é o grileiro,

é , como é que são a ações de cada um deles, porque a letra da música é bem clara, [...] fala assim

mesmo ó: “latifúndio que ataca matando o posseiro justiça disfarça prende o pistoleiro”, [...] o

pistoleiro é aquele cara tão ferrado, não posso chamar palavrão né mana (risos),[...] o pistoleiro ele é

tão ferrado quanto o posseiro, é mais ou menos esses atos públicos, essas manifestações, quem

tava lá que fechou a Perimetral, que os caras já tavam, né, que os militares já estavam lá todos,

é, é, empinados pra impedir que a gente, é, é interditassem a avenida por completo, lembra

disso? Aí o cara vem na maior arrogância, PORRA!

Alunos- Calma P1.

P- Se ele entendesse, se ele entendesse, que a luta é também por ele, ele passava pro lado de lá,

porque ali ele é apenas um pau mandado, o dinheiro não vai pro bolso dele, mas ele defende o

cara que concentra o dinheiro no bolso, entendeu?

Neste fragmento, pode-se observar que a professora evoca a “memória didática” de

participação dela e dos alunos em um ato realizado em uma avenida próxima à escola. Nessa

direção, ela equipara a relação estabelecida entre pistoleiro vs posseiro evocada pelo texto ao

papel exercido entre os protestantes do ato da Avenida Perimetral por eles vivenciados vs

70 Informações disponíveis em http://www.mst.org.br/2015/03/18/menos-de-10-dos-1-700-assassinatos-em-

conflitos-de-terra-vao-a-julgamento.html. Acesso em: 13 abr. 2018.

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147

policiais que tentam oprimir o ato de interdição. A memória é evocada para entender a relação

entre mandantes e executores das relações de poder instituídas.

Em uma elocução inflamada, monologal, visceral, ela reitera que “Se ele entendesse, se

ele entendesse” uma outra vontade de saber, uma outra verdade, ele “também”, assim como

ela - representante formal do aparelho ideológico escolar- subverteria a ordem e mudaria de

lado e de verdade, pois “a luta é também por ele [...] passava pro lado de lá, porque ali ele é

apenas um pau mandado”(FOUCAULT, 1999; ALTHUSSER,1985).

A docente continua a aula. A tarefa a ser realizada era a leitura da apresentação de um

livro sobre um dos eventos históricos, considerado o embrião dos movimentos sociais

populares na Amazônia paraense: a tragédia do Brigue Palhaço. A obra é resultado da pesquisa

de um professor de história e pesquisador, que reuniu documentos históricos e relatos sobre o

suposto processo de julgamento do acontecimento.

O texto de apresentação foi produzido por Paulo Fontelles Filho, nascido nos porões da

ditadura militar, filho da socióloga Hecilda Meire Ferreira Veiga e de Paulo César Fonteles de

Lima - advogado, sindicalista, ativista em defesa dos direitos humanos, foi o primeiro advogado

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Pará e da CPT durante a ditadura militar, deputado

estadual pelo PC do B (1983-1987).

Em virtude de sua atuação em defesa dos direitos dos lavradores em questões de ordem

fundiária no Estado do Pará, o advogado atuou ativamente em disputas relacionadas aos conflitos

agrários no sudeste do Pará. Em 11 de junho de 1987, aos 38 anos, ele foi assassinado por

pistoleiros em um posto de combustível, às margens da BR316, na Região Metropolitana de

Belém-PA. O crime causou grande comoção popular na época em função da forte atuação

política e sindical de Fontelles a favor dos trabalhadores do campo. Hoje, mesmo depois de

mais de 30 anos da execução do militante, o crime infelizmente continua impune,

corroborando assim com a estatística da impunidade71

, apontada pela supracitada pesquisa da

CPT (2017).

A leitura da apresentação do livro, produzida por Fontelles Filho, denota o grau de

encadeamento da discussão didática operacionalizada pela docente nessa ação de ensino. Pode-

71 A execução de militantes no Brasil ainda pode ser considerada recorrente no Brasil. Marielle Franco, mulher,

negra, moradora da favela da Maré, vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no dia 14 de março de

2018, foi executada, treze tiros atingiram o carro onde ela, a assessora e o motorista transitavam em uma área

central da cidade do Rio de Janeiro. O crime continua impune. De acordo com a Diretoria de Análise de Políticas

Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Dapp), houve 567,1 mil menções ao crime em 19 horas - entre as

22h do dia 14 de março, minutos depois do crime, e às 17h do dia 15 de março. Conforme o levantamento, os

termos "negra", "mulher", "execução" e "executada" foram algumas das dez mais utilizadas para se referir à

vereadora. Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-43437479. Acesso em: 13 nov. 2018.

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148

se perceber que é necessário acompanhar o trabalho de leitura de um texto formal, informativo,

argumentativo, que, certamente, demandaria mais concentração e abstração no sentido de

compreender a língua utilizada, identificar a tese defendida e todo o aparato argumentativo

mobilizado para convencer o leitor sobre a importância do conteúdo da obra e da necessidade

de leitura para entender a história dos movimentos de resistência na Amazônia paraense. A

professora inicia a discussão da seguinte maneira:

Quadro Sinóptico

3

Nível 1.10

Marcador

59’50’-1’43’’02’’’

____________

Questões

linguísticas,

discursivas

e históricas

P- Isso a primeira coisa que ele começa a dizer pra ti é que os livros de história não dizem o que

aconteceu, [...] ele diz que é importante porque através do livro do João a gente vai saber o

que aconteceu e o que não aconteceu, por que ele é um historiador; isso, aí ele pega e conclui

essa tese através da intriga que ele tem, que intriga foi essa?

Aluna- Foi a, a de uma chacina.

P- Exatamente, ele pega a história lá do brigue palhaço, em 1823 com a morte de 257

paraenses, e estabelece uma comparação entre a chacina que acontece agora nos anos 2000 com

o Eldorado dos Carajás, e diz que [...] em 1823 nunca houve um retorno essa também não e ainda

te incluo mais a do, da terra firme também [...], assim como lá houve morte de 257 pessoas

inocentes [...], a mesma coisa aconteceu aqui na TF (terra firme), [...] lembra de uma roda de

conversa que nós fizemos, que choram os cravos, a mãe do Eduardo... a tia do Bruno

choraram aí com o microfone na mão, dizendo que eles não eram bandidos, [...]

O excerto da aula possibilita compreender informações relativas à construção da

argumentação do texto da apresentação: contexto de produção da pesquisa e do livro, a

relevância da obra no sentido de contar a história do Pará, a partir de outra perspectiva para

compreender os fatos históricos. A equiparação que o produtor da apresentação faz entre a

tragédia do Brigue Palhaço, Eldorado dos Carajás e a comparação da professora com a chacina

da Terra Firme ocorrida em 2014 e o contexto de impunidade que cerca estes casos.

Além disso, o fragmento aponta para as opções didáticas e para a constituição da coerência

destas escolhas: a eleição dos textos concorre para a tentativa de compreensão dos históricos

de massacres e chacinas no estado do Pará; a fim de que percebam a chacina ocorrida no bairro

em novembro de 2014, como parte constitutiva dessa sangrenta narrativa, marcada pela

impunidade, pela falta de julgamento, pelo sumiço de documentos importantes, não

comparecimento de testemunhas em audiências e desaparecimento de corpos de vítimas.

É necessário compreender para questionar por justiça, é preciso compreender para

contrapor a história oficial e não oficial, é preciso identificar a tese, os argumentos, o texto

“dissertativo” para compreender como (re)ler e (re)escrever esta história do Pará e do Brasil.

Nesse momento, mais uma vez percebemos que a docente tenta avançar a fronteira entre a

forma ou tradição escolar e institui o que ela, de fato, faz em sala de aula, embora seja

perceptível que a estrutura escolar estabilizada permanece, mas a forma é atravessada pelo

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149

conteúdo temático vernacular, que é protagonista na construção da narrativa docente em sala

de aula neste episódio.

De alguma forma, é preciso demonstrar para o aluno que os temas e as disciplinas estão

interligados, isto é, é preciso propor reconfigurações ao imposto, ao instituído, ao processo de

disciplinarização que se concatena aos eixos macro e micro estrutural de formas de

configuração do trabalho ora proposto. Talvez, a priori, esta interligação não esteja evidente,

por conta disso, é necessário unir estes elos discursivos, a fim que as disciplinas possam

convergir ou não, nesses eixos de tensão e de ação, para a formação do leitor e do produtor do

texto, mediante as reais condições de realização do trabalho do professor.

Quadro Sinóptico 3

Nível 1.10

Marcador

59’50’-1’43’’02’’’

____________

Questões linguísticas,

temáticas

e curriculares

P- Ta? É até bom tu fazeres esse levantamento, e em 2014, novembro de 2014, reproduz agora

na tua, no teu bairro, tu consegues perceber que tá tudo interligado? Ta? Os assuntos eles

estão tudo interligados, e isso daqui a gente vai trabalhar com latifúndios, concentração

de terra, com a questão da reforma agrária popular, com a questão da desigualdade

social, com a questão da crise econômica política vivida no teu país hoje, em decorrência a

essa crise econômica política que vivi teu país hoje, qual é a maior crise do momento, qual é

maior crise contemporânea? A crise ética, nós estamos vivendo uma crise de ética e dos

valores, vai da lá no que o Guilherme (professor de Filosofia da escola) tá dando pra vocês,

ética

Janks (2012) sinaliza a necessidade dos alunos estarem cientes e conscientes da

constante interação, negociação, discussão de questões locais e globais. Elas não se excluem,

muito pelo contrário, estão em constante e permanente condição de interação e negociação. É

interessante lembrar que um dos tópicos de avaliação da Redação do ENEM está relacionado à

possibilidade do aluno mobilizar conceitos das várias áreas do conhecimento para construir o

texto dissertativo solicitado nesta avaliação.

Este dado indicia que o episódio “Caminhada”, de certo modo, constitui uma etapa de

preparação para trabalhar o desenvolvimento dos níveis de abstração e de problematização dos

demais temas que possam vir a ser abordados, futuramente, seja para a escrita, seja para a

prática de leitura, ainda que isto seja por via da intensa exposição oral, que pressiona o sujeito

por intermédio de uma elocução professoral letrada, intensa, inflamada no sentido de tentar

promover uma reconstituição de uma linha histórica do não oficial por via dos instrumentos

discursivos essencialmente escolares e tradicionais: como os seminários escolares, estruturados

a partir da enunciação discente e dos posicionamentos docentes que se sucedem às exposições,

a fim de aprofundar e institucionalizar os saberes negligenciados, silenciados, subalternizados

na construção da história afroindígena na Amazônia.

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150

São as interseções entre as (re) configurações atuais e permanentes que moldam e

constituem os formatos escolares que se assentam ao já instituído para a consolidação do

processo de “novos” objetos e de objetivos outros demandados às formas escolares, as quais se

instituem em virtude dos contextos específicos se (re)constituem e avançam frente à

necessidade de inserção dos textos, dos saberes e dos posicionamentos vernaculares no trânsito

disciplinar, escolar, institucional.

Este estágio do trabalho pode ser observado com mais precisão ao longo dos

seminários, desenvolvidos com a turma sobre Rei Congo, Cabanagem, Brigue Palhaço e

Cônego Batista Campos. Nesse âmbito, atentamos para a mobilização de uma forma escolar

secular, para a atualização e inserção de temáticas de resistência ao poder instituído.

As equipes72

puderam escolher uma opção, pesquisar e socializar em sala de aula.

Nesse momento, tentamos trazer os posicionamentos dos alunos e a tentativa de discussão

acerca das informações levantadas pelos alunos, selecionamos um trecho da exposição da

primeira equipe:

Quadro 4

Nível 1.2

Marcador

5’’46 - 13’’14

____________

Questões

linguísticas

discursivas

e históricas

A6 – A6 – Bom dia gente! A gente vai falar um pouquinho sobre o Rei Congo, vocês conhecem a

Alcinda, a Bianidas, o Vander e a Elimara. Primeiro a gente levantou umas pesquisas, duas

histórias. Uma de uma entrevista de um homem que eu não identifiquei quem era [...] que pra mim

não ficou coerente com a história que é contada pela umbanda. É a primeira história vai falar do

um Rei Congo, que ele foi até aprisionado e numa tempestade foi trazido pra cá pro Brasil, e nessa

tempestade a esposa dele e a filha dele morreram, ele só veio pra cá com o filho, e ficou 40 anos

escravos e tal e começou a trabalhar como mineiro e ele fez com que o latifundiário, ele ganhasse

muito dinheiro, enriquecesse [...] só que aí o império começou a entrar em conflito com isso, pois

tinha muitos negros livres, [...], mas eu não achei essa história tão coerente quanto a que é contada

pela umbanda, que é um site chamado: Umbanda grátis, que fala que na verdade o nome dele era

Otacílio, ele era um negro que curava muitas doenças, ele era um curandeiro pode-se dizer, e uma

delas era tuberculose, em uma dessas curas, ele curou uma, a filha do dono da fazenda, e pra

divulgar mais essas coisas dele, ele começou a viajar, e nessas viagens ele viu que os negros eles

eram muito humilhados e tal, e isso começou a trazer revolta pra ele. Então o que ele fez? Ele

planejou uma fuga e nessa fuga ele encontrou um monte que foi chamado como “o monte dos

perdidos”, [...] onde, o interessante é que pra achar o cume né?! Que é o único lugar, [...], digamos

que tinham vários caminhos, e todos esses caminhos levavam pro nada, por exemplo, pegavam

qualquer caminho pra chegar ao monte dos perdidos e chegavam no nada, só tinha um caminho que

levava a cume, onde tinha um lugar muito bonito, flores, rios e tal, e ele consegui chegar lá graças a

festividade de lá, os orixás, ele conseguiu chegar lá, ele ficou muito feliz. Então o que ele pensou?

Vou começar a ir atrás desses negros humilhados e vou trazer eles pra cá, pra eles construírem

famílias, construir o quilombo lá, ele começou a fazer isso. Todas as noites ele fazia isso, corria atrás

dos negros que estavam nas fazendas e tal, e ele pegava os negros mais fortes pra servir como os

guerreiros, e somente os negros que pertenciam ao monte dos congos perdidos é que sabiam o

caminho verdadeiro pra chegar a esse congo, as outras pessoas se perdiam, quem tentava ir atrás

deles se perdiam pra chegar lá. Aí, certa vez, diante disso, ocorreu uma historinha, a Bianidas vai

contar pra gente.

72 Foram formadas sete equipes e cada uma tinha 3 ou 4 alunos.

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151

A fala do aluno sinaliza a seguinte estruturação: saudação para turma, apresentação dos

membros da equipe, exposição do tema, apreciação das narrativas apresentadas e transferência

do turno para a próxima integrante, o que denota certo domínio destes alunos em relação à

defesa de suas ideias para um público. Mas, o que nos parece substancial de ser atentado diz

respeito ao processo de formação destes sujeitos como pesquisadores, indiciado por três

características presentes no fragmento: o processo de escolha, de apreciação de dados e de

apropriação.

Pode-se perceber que a equipe pesquisou na internet em diferentes sites e a partir de um

“site de macumba” conseguiu perceber que não havia apenas uma versão da história que

procuravam, mais que isso, puderam apreciar e avaliar o conteúdo mais coerente “mas eu não

achei essa história tão coerente quanto a que é contada pela umbanda, que é um site

chamado: Umbanda grátis”. A apropriação é marcada ao longo do todo o excerto pelo modo

encadeado de narrar o que compreenderam e ainda chama a atenção o uso da palavra

“latifundiário” na produção oral, o que indicia uma dada apropriação do aluno em relação ao

que foi trabalhado pela professora em sala de aula, de algum modo, o discurso professoral

atinge o alunado que já faz uso do vocabulário no processo de exposição de suas ideias em

uma situação escolar, formal, acadêmica.

O ensino da história das populações afrodescendentes no Brasil serve de palco para a

apropriação da exposição oral, da apreciação em pesquisa e da construção do ponto de vista

sobre a narrativa da história por intermédio de outras vozes além do material didático oficial-

escolar. A exposição dos alunos tem prosseguimento:

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152

Quadro 4

Nível 1.2

Marcador

5’’46 - 13’’14

____________

Questões

linguísticas,

discursivas

e históricas

A8. Antes de acontecer isso que a Bia falou, o Rei Congo foi falar com o velho Malaquias que era

tipo um vidente. Aí o velho Malaquias falou assim: olha, essa noite tu tem que ir sozinho, porque se

tu for sozinho pra lá buscar os negros, os libertar, tu vais gerar várias mortes, vai ocorrer várias

mortes, mas tu vai trazer um membro muito importante pra cá pro Quilombo, aí ele disse tá, tudo

bem, então ele foi lá sozinho, e foi capturado, e esse feitor Amadeu, ele reconheceu ele, e perguntou:

é você que cura as doenças né? Ele disse é. Olha, minha amada, minha esposa, ela tá com

tuberculose, se tu curar ela pra mim, eu te liberto, tipo assim, entendeu? Aí ele curou a Rosa e como o

feitor tinha que entregar o corpo do Rei Congo lá pro Coronel, dono da fazenda, ele disse assim: ele

não teve escolha a não ser fugir com o Rei Congo, e aí o membro importante que ia pro quilombo, e

levou a Rosa junto também, e ficaram muito agradecidos, e desde aí o Rei Congo ficou conhecido

com esse nome, porque ele se tornou como um Rei de lá do quilombo que era chamado de Congo, e

até hoje ele é um membro muito reconhecido pela umbanda, ele é chamado de preto velho, é

membro muito importante da umbanda, enfim, aí surge aí o Brigue Palhaço, membros que estavam

lá gritavam: Viva o Rei Congo! Como uma pessoa que era reconhecida pela sua humildade, pela sua

serenidade e por libertar os negros e os escravos. Aí a gente fala um pouquinho mais sobre a Congada

que era uma manifestação religiosa, que até hoje é muito conhecida, é a afro-brasileira. E as

referências que a gente pesquisou em Umbanda grátis, aquela primeira história foi uma entrevista

chamada “famosa história do Rei Congo”, e o livro73

.

Uma aluna retoma o turno para continuar a exposição, acrescenta informações e explica

a suposta relação entre a tragédia do Brigue Palhaço - narrada pelo professor de história da

escola no livro Rei Congo- e o Rei Congo. Segundo algumas versões dos relatos históricos

analisados pelo professor, as pessoas presas no porão do Brigue Palhaço morreram gritando

“Viva o rei congo”, lutavam por liberdade e faziam referência ao líder negro, libertador de

escravos, também, reconhecido como Preto velho pela Umbanda. É válido perceber que o

grupo acrescenta uma informação nova, até então, não trabalhada diretamente pela professora

“chamado de preto velho”.

Assim, o tabu em torno da ideia de macumba é, de certa forma, repensado, tendo em

vista a atribuição de certa heroicidade a um elemento relevante desse universo, muitas vezes,

depreciado, discriminado. Eles agregam macumba e heroicidade, a partir da construção da

história dos negros vs ideia de escravidão, o que denota um dado amadurecimento dos alunos

em relação ao tema abordado.Nesse sentido, as versões investigadas possibilitavam fazer o

aluno visibilizar a história de lutas e de disputas em busca de poder e de conhecimentos,

construídas historicamente entre grupos sociais dominadores e dominados na narrativa de

constituição dos movimentos populares de resistência no Estado do Pará.

Além disso, a aluna é questionada quanto aos elementos de constituição discursiva que

a levaram a seleção da defesa das informações apresentadas, na sequência, o questionamento é

lançado pela docente que instiga o aluno a dizer o critério de pesquisa por ele adotado

mediante o conteúdo pesquisado. Vejamos o fragmento que ilustra este acontecimento:

73 O livro a que a estudante faz referência é o livro de autoria do professor e historiador João Lúcio Razzini, Viva

o Rei Congo, que foi apresentado como proposta de leitura pela professora.

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153

Quadro 4

Nível 1.3

Marcador

13’’28-

15’’11

Questões

linguísticas,

discursivas

e históricas

P. Perguntas? Nenhuma? Perguntas lá? Não? Tá. Eu vou fazer uma pergunta, Elimara, quando tu falas

que não consideras aquela outra história coerente, por quê?

A6 (E). Porque a Umbanda contou a história dele e ela acredita nele como uma entidade religiosa, não

sei se é bem essa a expressão, então eu acredito mais neles, por eles considerarem, não essa

primeira história, mas eu acho bem mais coerente, bem mais abrangente a história da umbanda

né?! Tanto que eu pesquisei em sites de umbanda, não só esse, mas é a mesma história, a história da

“famosa história do Rei Congo”, eu achei num site.

P – Então na verdade, dentro da pesquisa de vocês, o que te leva a considerar a coerência dessa

história que vocês apresentaram, é que a outra história tem menos referência...

Aluno 6 – É a mesma história, só que a Umbanda conta com mais detalhes a história.

A apresentação da segunda equipe recapitula elementos já apresentados pela primeira

equipe e revela a necessidade de preparação, de estudo, de envolvimento para o momento da

exposição escolar, bem como para a pertinência do assunto em questão. Para este público, falar

de negritude, de história, de resistência é relevante não só para compreender a história, mas,

sobretudo, para que possam entender a realidade que os circunda.

Quadro 4

Nível 1.4

Marcador

16’’15 - 25’’22

____________

Questões

linguísticas

históricas

identitárias

A8. Bom! Bom dia, praticamente ela falou tudo, a primeira eu achei no mesmo site que ela, também

concordo com ela que a Umbanda fala muito mais, fala melhor do Rei Congo, é, como diz lá, ele foi

escravo no século XVI E XVII, e ele também curava a tuberculose, depois que ele curou a mulher do

coronel, ele ficou mais conhecido, e ele também fez a fuga, achou o monte, achou o monte dos perdidos,

e lá ele começou a resgatar todos os seus companheiros, e daí como ela falou né?! Ele foi capturado, e

quando ele ia ser chicoteado, o mal feitor viu que ele era o homem que curava a tuberculose, então ele

falou: se você curar a minha mulher, eu te liberto. Ele sabia que se ele fizesse aquilo, ele ia romper com

o coronel dele, mas assim mesmo ele pensou primeiramente na mulher que ele amava, aí ele libertou, ele

foi e curou, aí nesse tempo, ele levou a mulher e o mal feitor pro quilombo. [...]

A9 – Vamos falar um pouquinho sobre a relação do Brigue Palhaço. O massacre do Brigue palhaço

aconteceu em 1823, quando os soldados negros e os caboclos se rebelaram.[...] Eles se rebelaram contra

os portugueses, aí eles usaram a justificativa de ter acontecido esse massacre, por conta deles serem

anarquistas, serem soldados sem poder. O Brigue Palhaço, nome do navio, antes era José Diligente, foi

denominado Brigue Palhaço depois dos massacres que aconteceram.

P. Dos massacres dos paraenses?

A9. Sim!

P– Só foi chamado Brigue Palhaço depois dos massacres?

A9 Sim!

P – Foi?! Não sabia.

A9. Tragédias, eles não denominam tragédias, porque foi um ato decorrente a Cristo, então eles

denominam como morte cívica.

A10 – Primeiramente, bom dia! Acredito que pra gente falar sobre uma história dessa, a gente tem

que tá bastante respaldado né?! A gente tinha que estudar, uma história de resistência, uma (.....)

A12 .Vou falar um pouco das origens e entidades, mas esse praticamente ao cristianismo, afro. O

cristianismo e o catolicismo foi um ato do povo para como de sobrevivência, eles usavam os rios, as

pescas, como a “salvação” pro, no futuro, há uma liberdade. As entidades que eles denominavam

santos era Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Nossa senhora do Rosário foi considerada pelos

negros e pobres, a santa branca e coroada, que o mito dela foi quando ela apareceu do lado da senzala

deles, tava tudo, um sofrimento todinho, ela apareceu chorando e as lágrimas dela se transformavam em

pétalas. O São Benedito foi considerado pra eles pelo fato de que ele era um negro, escravo,

cozinheiro dos coroneis, e por ele ser cozinheiro, ele sentia dó dos escravos que sentiam fome, e

fazia escondido e dava comida pra eles. Daí como o coronel descobriu, foi mandado que o chicoteasse.

Mas, na hora em que ia chicotear ele [...], aí as correntes se quebraram , foi aí que denominaram o Santo

Benedito como irmão e Nossa Senhora do Rosário como mãe deles [...], a festa deles eram

comparados com, ainda são, como uma festa muito simbólica pra eles, com danças, cantos e etc.

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154

A segunda equipe aborda a questão do Rei Congo, apresenta algumas origens, faz

alusão ao Brigue Palhaço, estabelece uma relação com o que foi dito pela equipe anterior e

acrescenta dados, demonstrando assim um repertório mais consistente. Dessa maneira,

percebe-se a ampliação da discussão e o incremento do elemento regional, pois São Benedito é

o santo da marujada bragantina e santo cultuado na capital paraense, também, tendo suas

comemorações concentradas, em especial, no bairro do Jurunas e nos terreiros espalhados pela

cidade, portanto, mais próximo de sua realidade, atrelando história, memória, narrativa e

território.

Note-se que a ampliação das informações trazidas pela equipe é relevante, porque

demonstra o quanto os alunos ultrapassaram as expectativas da professora, revelando não só

um repertório mais desenvolvido, mas uma pesquisa sobre o assunto mais detalhada e mais

exploratória, o que revela também o nível de apropriação do conteúdo e da palavra falada ou,

em outros termos, o considerável domínio de uma oralidade letrada. A partir disso, a

professora abre ao debate:

Quadro 4

Nível 1.5

Marcador

25’’26 - 42’’30

____________

Questões

linguísticas,

identitárias

históricas

P– Tem perguntas?

A11. Tem!

P – Faça!

Aluno 11 – Assim, um dos membros daí como eu tava dizendo, falou o termo “ser anarquista”,

eu queria saber o que seria um “ser anarquista”? P – Alguém falou?

A12 Pessoa que tem poder. Ele usa o termo pra denominar que ele era bandido e tal, que ele

não tem poder pra falar.

P– Respondeu?

A12 – Sim!

P. Alguma pergunta a mais? [...] A primeira equipe apresentou que a versão da Umbanda no que diz

respeito ao Rei Congo, ela é mais coerente, mais abrangente. A segunda equipe entra e confirma essa

informação [...] e a pergunta é pra todos: Por que que vocês acham que a umbanda ao falar do Rei

Congo, ela se demonstra mais cuidadosa?

A13 – Porque ela tem todo o respeito... Porque assim, a meu ver n é?! Eu achei mais interessante

porque ela tá fazendo representação diretamente pro Preto velho e na minha família eu tenho

pessoas que frequentam esse tipo de lugares, e eu já fui entendeu? Já frequentei esse tipo de

lugares, por isso que eu disse que tem todo respeito, toda aquela coisa, eu acredito que por isso e

também de forma mais detalhada, a gente acha que se a gente for num terreiro, com certeza eles

vão contar a história do Rei Congo relacionada a Preto Velho, entendeu?

Este fragmento é muito significativo para o processo de descrição dos dados, porque

percebemos a construção da interação didática74

, revelando a posição do aluno quanto ao

termo anarquista neste contexto histórico de 1823. A conexão estabelecida pelo aluno entre a

narrativa do Rei Congo, Preto Velho e a própria vivência dele em ambientes que cultuam

74 Compreendemos interação didática como “o processo discursivo mobilizado para a didatização de um dado

objeto de ensino e transformação do mesmo em objeto ensinado” (FERREIRA, 2008, p. 134).

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155

práticas religiosas afins aos temas em debate funda uma relação direta com estas narrativas

“não oficiais”, pois ele também participa de práticas religiosas estigmatizadas pelo simples

fato de não ser o “oficial” ou a vertente do colonizador, por isso o aluno credita “respeito” e

“mais detalhamento” à versão atribuída à Umbanda, por ser aquilo, provavelmente, a que ele

confere legitimidade. Este processo do modo como os alunos se apropriaram daquilo que foi

trabalhado em sala de aula pela professora evoca a compreensão responsiva, evoca a dimensão

enunciativa da palavra:

Qualquer palavra existe para falante em três aspectos: como palavra da língua neutra

e não pertence a ninguém; como palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros

enunciados; e, por último, como minha palavra, porque, uma vez que eu opero com

ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada, ela já

está compenetrada da minha expressão. Nos dois aspectos finais, a palavra é

expressiva, mas essa expressão, reiteramos, não pertence à própria palavra: ela nasce

no ponto do contato da palavra com a realidade concreta e nas condições de uma

situação real, contato esse que é realizado pelo enunciado individual. Nesse caso, a

palavra atua como expressão de certa posição valorativa do homem individual (de

alguém dotado de autoridade, do escritor, do cientista, pai, mãe, amigo, mestre, etc)

como abreviatura do enunciado. (BAKHTIN, 1997, p. 294).

Quadro 4

Nível 1.5

Marcador

25’’26 - 42’’30

____________

Questões

linguísticas,

históricas

identitárias

conscientização

P. Tá. A Laisa, ela fala assim: que a relação da história do Rei Congo e da própria congada em si,

a relação dessa tradição com a igreja católica, foi uma condição de resistência e sobrevivência.

[...].O quê que vocês acham disso? [...] Então presta atenção que quando ele pega e coloca Santa

Branca protetora dos pretos, eu não tou entrando no mérito da religião, tá? Eu tou aqui te

ajudando a refletir sobre a representação simbólica disso. É uma santa branca que vai agora

proteger os pretos, o que tu achas que isso significa ou representa? Por que será que essa santa

branca vai lá ao lado da senzala e chora pelos pretos e essas lágrimas se transformam em

pétalas? Como é que se constrói o inconsciente, olha aqui, inconsciente, não vou falar nem do

consciente, como é que se constrói o inconsciente coletivo de um povo? Quer dizer, eu tou lá na

senzala, eu tou sofrendo, eu tô sendo maltratado pelas mãos brancas, eu tou sendo impedido de

exercer e de praticar as minhas, as minhas, os meus ritos, o que eu acredito. Mas eu não desisto!

E pra que eu possa ter a liberdade e a autorização, olha o que eu tou dizendo, a autorização de

praticar os meus rituais, da minha religião, do Deus que eu acredito, eu preciso modificar esse

Deus eu preciso modificar o meu rito, camuflar alguma coisa, e ficar subordinada a uma outra

religião que é tida como oficial de um país [...]. Tu consegues entender? A resistência? Aí a

pergunta porque senão não vou calar a boca, vou acabar respondendo. A pergunta é ela diz

assim: a aliança entre essa história com a igreja católica, foi uma postura de resistência e

sobrevivência. Por quê? O quê que tu pensas disso?

A13 – O que eu li, o que eu entendi, foi que os Congos, não foi evidentemente, não é essa a

palavra, mas que ela usou a Santa Nossa Senhora do Rosário como um... Os servos lá tomavam

conta dos escravos, ao ver que a Santa não saía dali do templo dos escravos, eles tiravam,

colocavam em uma capela, mas a Santa voltava para aquele mesmo lugar chorando em volta de

lágrimas, usaram essa história para colocarem como se fosse a Santa que dependesse dos

negros, aí que veio a Santa Branca coroada que é a Santa dos pretos, foi dessa história que veio

Este trecho é bastante significativo para a inserção da descrição dos dados, pois

demonstra a exposição de posicionamentos da professora e dos alunos ao longo da discussão.

O texto tecido pela professora aborda questões de formação do sincretismo, de resistência, da

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condição de sobrevivência do negro em um país estrangeiro, colocando em evidência que a

narrativa da história do negro no Brasil é marcada por uma constante “negociação" pela

sobrevivência física, cultural, religiosa, nesse último caso, muitas vezes, foi necessário fazer

uma “aliança” a favor de “uma postura de resistência e sobrevivência”, afinal de contas, “o

novo não está no que é dito, mas no acontecimento à sua volta” (FOUCAULT, 1999, p. 26).

O aluno apresenta uma versão da narrativa que pesquisou para responder aos

questionamentos da relação sincrética estabelecida entre os santos “brancos” e “negros”. A

docente retoma o turno:

Quadro 4

Nível 1.5

Marcador

25’’26 - 42’’30

____________

Questões

linguísticas,

históricas

identitárias

curricular

P. [...] Eu sou pesquisadora tanto quanto vocês, então assim, o que eu falo, é o que eu reflito, não é

certeza, não é ciência, só vai ser ciência depois que eu escrever sobre isso e publicar um artigo [...]

Mas por enquanto eu tou dividindo só raciocínio com vocês[...] nós somos todos pretos nesse

contexto, [...] eu tou falando de formação de indivíduo, eu tou falando de lógica pro mundo [...],

pras existências que virão, [...], [...] Porque não vai tá num livro de história. Porque o livro de

história vai dizer que a Santa é a padroeira nacional, é a padroeira oficial, que todos

reverenciavam a Santa, não, tinha um povo que reverenciava a fitinha que tava no manto da

Santa. A Santa não era importante, foi esse povo que quando a pele derreteu, pega na mão do outro

e grita: Viva o Rei Congo, [...] Inclusive, se tu fores estudar nas referências, tem uma galera que diz

que eles não gritaram isso, que é mentira, [...] A gente precisa conhecer a nossa história, a gente

precisa conhecer quem nós somos, nós precisamos respeitar o sangue que corre em nossas veias. E

não apenas ir na igreja e continuar perpetuando uma história dos opressores, porque a história

que eles contam sempre vai ser a mesma. Aquela que vai pro livro de história, que vai chegar na

tua escola, e tu vais estudar como a verdade. Mas tu precisas saber a história da fita do manto da

Santa que não foi pro livro de história. Que foi velado nesse povo, negro, que é resistente e que

ainda existe, basta a gente saber ir atrás das fontes verdadeiras. Tu entendes?

[...] Que paz é essa que não me permite fazer axé pros meus orixás? Que paz é essa que eu tenho

que colocar uma Santa branca para proteger os negros? Que paz é essa que eu tenho que colocar

um manto que é simbologia de uma religião europeia, no meu orixá? Porque se não tivesse manto

como a permissão de brancos, não é de Deus, é do demônio. [...], tás aqui no último ano do Ensino

Médio, naturalmente tu vais estar no ensino superior, e tu precisas entender essa história

Este excerto serve para mostrar a existência de uma história oficial e uma história não

oficial. Também, sinaliza a necessidade do aluno e da própria professora pesquisarem para

tentar (re)contar a narrativa já instituída pelo livro didático, pela igreja, ou seja, pelas agências

de letramento “autorizadas”. O predomínio do turno professoral mais uma vez remete a

categorização foucaultiana verdadeiro x falso (vontade de verdade). “A vontade de verdade,

como outros sistemas, apoia-se sobre um suporte institucional” (FOUCAULT, 1999, p.17).

Podemos perceber que o suporte institucional é reforçado e reconduzido para um

conjunto de práticas e “modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado,

distribuído, repartido e de certo modo atribuído” (FOUCAULT, 1999, p.17). Então, os

sistemas de exclusão social - interdição, razão x loucura, verdadeiro x falso - estão assentados

em um suporte institucional - nesse caso, a escola, a igreja - e coloca, em jogo o poder e o

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157

desejo, a história do dominador e do dominado, as formas de institucionalização, de ritos, de

oficialização, de valores do que é verdade ou não.

Nesse sentido, podemos constatar que esta é uma discussão cara e imprescindível de ser

realizada em uma escola que pretende formar para a criticidade, para a formação cidadã,

participativa, agentiva, pois conhecer a própria história é condição necessária para a

compreensão dos processos sócio-históricos que encaminham rumos à segregação espacial,

territorial, cultural, institucional, curricular - sua história não é escrita pelo livro didático; rumo

à renúncia de atendimento a direitos básicos assegurados pelas instâncias de legitimação

oficial, mas que são negligenciados e contribuem para que a histórica injustiça social dos que

sofreram e ainda sofrem. Muito embora, hoje, alguns de nós já estejamos a galgar nos

caminhos paradoxais da resistência e da sobrevivência a essa secular conjuntura (JANKS,

2004, 2016).

Em virtude disso, realizar um seminário escolar com estes alunos do terceiro ano do

EM, nessas condições de trabalho, sem dúvida, constitui uma tática de resistência e de

sobrevivência destes sujeitos nesta instituição, pública, periférica, frequentada por um público

de maioria negra, parda, mulata, mameluca, que agoniza por higiene, refrigeração, iluminação,

acesso à internet, biblioteca, laboratórios, merenda e água. Condições mínimas e básicas para

matar a fome e a sede da juventude que deveria chegar aos bancos da universidade, suposta

finalidade do Ensino Médio brasileiro, e protagonizar, de fato, uma história de continuidade

dos estudos, consecução de direitos e de acesso à sociedade escriturária a que se reporta Rama

(1985).

Enfim, é preciso “entender essa história”, mais que isso, é necessário “saber a história

da fita do manto da Santa que não foi pro livro de história”. A história não legitimada, não

inventariada pelo suporte institucional sustentáculo do trabalho dos professores, a história não

autorizada e, ainda, não reconhecida pelas vozes de todos aqueles que deveriam conhecê-la,

divulgá-la e contrapor a outras versões ditas verdadeiras. Nesse ponto, reside a necessidade da

pesquisa, do acesso, do reconhecimento de fontes que possam trazer a diversidade à tona e

interligá-la às questões de poder, de hegemonia, de design e redesign destas formas

constituídas e daquelas ainda em processo de (re)construção (JANKS, 2010, 2014).

A terceira equipe apresentou os dados referentes à tragédia do Brigue Palhaço, o

contexto histórico, econômico da Província do Grão Pará. Os processos que encaminharam ao

movimento cabano, a situação de exploração das populações locais no processo de colonização

portuguesa e a discussão foi voltada ao massacre e a ocultação destes fatos históricos, do

número de mortos e a impunidade, porque não houve julgamento, nem julgados pelas mortes

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ocorridas no Brigue Palhaço. É interessante ver como os alunos apresentam, explicam,

reformulam suas falas e chamam a atenção para a seriedade dos acontecimentos históricos que

eles buscaram investigar, correlacionar aos fatos atuais.

Embora o trecho seja longo, acredito que a leitura é válida para que possamos

compreender esta cena didática em que os alunos dominam a interlocução didática,

apropriando-se da palavra letrada para a construção de uma forma essencialmente escolar, pois

“O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito

do discurso, e fora dessa forma não pode existir.” (Bakhtin, 1997, p 274). Vejamos:

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159

Quadro 5

Nível

1.2

Marcador

3’’27 – 28’’30

Questões

linguísticas,

discursivas

e históricas

A7. Nós vamos falar basicamente sobre o que foi Brigue Palhaço, em que período histórico foi o Brigue Palhaço, como era a

economia do Pará [...]

A8. Vou falar do contexto político-econômico do Pará... nesse momento do Brasil Império da economia do Pará era

regido em freguesias, povoado e vilas, freguesias pra quem não sabe eram paróquias civis representando Portugal.... no

caso Belém tinham 11 freguesias... 20 povoados que eram aquelas malocas que tinham no máximo 6 a 10 casas eram

considerados povoados e as vilas tinham um grande aglomerado de pessoas em espaço pequenos tá.... nessa época era o

Brasil e o Pará conhecido pela agricultura como hoje também cana de açúcar, algodão e café75 e em meados do século XIX o

Brasil tem um grande surto de exportações até então o Pará fica mais próximo a Europa e os Estados Unidos... então fica muito

fácil de mandar as coisas daqui de Belém ... do norte.. Belém... Macapá do que de São Paulo prá lá... então nesse surto teve um

aumento da nossa economia de cerca de 30% da nossa economia... da produção agrícola local.

A8. Bom dia... eu vou falar das classes ricas... alguns comerciantes na Província de Belém como no resto do Brasil no geral

lucravam muito com o comércio direto com Portugal... eles ganhavam muito em cima disso... só que nessa época teve a

revolução do povo... então qual foi a proposta da classe rica que defendia a manutenção das relações com Portugal e a

instalação de um governo ... então eles queriam implantar uma ideia de independência porque assim eles teriam maiores

lucros pra fazer o seu comércio direto com Portugal.

A9. Eu vou falar um pouco do projeto das classes menos abastardas... no caso das classes pobres [...] eles esperavam assim que

com a independência haveria uma mudança de vida.. esses povos eram os índios, os cafusos, os negros, mulatos e tudo que

eles produziam praticamente era levado pela coroa portuguesa... então era assim exploração total mesmo literalmente..

porque a classe pobre o pouco que ganhava era só pra sustentar o interesse deles... muitos escravos preferiam não pagar a

sua alforria né .... eles preferiam ficar vivendo escravos sendo escravos porque tinham direito a moradia, a alimentação e

eles sendo livres nos povoados mas eles não tinham certeza de nada... de trabalho... se iam conseguir se alimentar... [...]

por um lado era bom...mas eles ficavam nesse meio termo. tá

A10. Bom o jornal O Paraense foi fundado em primeiro de abril de 1822 por Felipe Patroni ... Patroni estava em

Portugal ele veio pro Brasil na bagagem dele com a imprensa... a tipografia de lá de Portugal... o jornal O Paraense

contribuiu muito pra formação de ideais de independência porque o jornal o Paraense [...] faziam críticas ao governo e ao

governador do Estado... então aquelas pessoas que liam o jornal e tinham como ideal assim de independência [...] porque

ele estabelecia muito isso daí... isso gerou um grande número de deserções e uma massa de descontentes dentro da

própria elite e entre os trabalhadores e aí começou o processo de revolução dentro de Belém.

P. Fabiano explica isso um pouquinho mais devagar porque tu estabeleceste uma tese de que o jornal como (inaudível)

A10. É assim naquela época [...] a maior fonte de informação que tinha era o jornal... ai tá vivendo num país que vive em

crise... o pouco que aparece mal dá pra comer... aí aparece uma publicação de crítica ao governo... tudo aquilo que as

pessoas queriam colocar pra fora sua opinião... então vai acabar tenho uma revolução... uma forma de revolta como

solução... no caso O Paraense ele criticava muito muito o governo ... Felipe Patroni ele se programou pra fazer isso em Belém

por volta de 1822 já havia o cônego João Batista e outras pessoas fazendo revoluções então no caso o jornal era assim tá

mostrando... tu já viu a alienação que a mídia faz hoje em dia é tipo isso só que o jornal O paraense não tava buscando

alienar o povo ele tava buscando mostrar uma ideia ... que povo podia sair daquela situação que não podia ficar do jeito

que estava... é basicamente isso... e isso naquela época gerou um número de pessoas descontentes, dos trabalhadores... da classe

pobre... Ficou melhor?

Professora balança a cabeça sinalizando que sim. [...]

A11. Vou falar sobre o Brigue Palhaço era uma espécie de navio [...] tinham três porões... eles levavam basicamente

mercadoria... o nome dele era [...] São José Diligente e desses 256 prisioneiros que foram levados pelo Brigue Palhaço e lá as

condições que eles ficavam era... sem condições... falta de ar... pedindo água e assim os soldados começaram a jogar cal.

A12. Eu creio que essa informação ela foi omitida tanto que sinceramente eu não conhecia essa história e assim é um fato

que conta a nossa história drasticamente e é muito importante todos vocês terem noção do que é isso prestando atenção

porque isso é um fato que omitiram de nós [...]

A13. Isso é uma informação que todo paraense tinha que levar em consideração.

A14. Já pensou um parente teu ser morto [...] ser jogado gasolina essas coisas... eles tiveram os corpos dilacerados pelos

militares e dizerem que esse fato não ocorreu... isso é muito sério... então bora dar uma atenção aqui... porque isso mudou

a vida aqui...se não fosse esse ocorrido hoje não teria depois o movimento cabano então deveríamos ter noção que

aconteceu... a escola deveria nos passar isso... hoje realmente a gente noção o governo realmente não quer criar alunos

críticos, ele só quer alienar... o que é pensar? Eu não gostava de fazer esse tipo de trabalho eu não queria nem saber...

então se não fosse esses trabalhos... Bia muito obrigado...não ia nem saber o que foi Brigue Palhaço... se você não busca...

isso não vai cair no ENEM... o governo omitiu ele não vai te pagar pra estudar uma coisa que tá falando contra ele.

A15. [...] Ninguém foi responsabilizado ninguém foi preso por aquele massacre, julgado ou condenado.

A16. Pra você ter noção do quanto é grave isso, eles não foram julgados pelo governo paraense...foi no Rio de Janeiro e não teve

pena... se você atrás de documentos você não encontra nada... na internet é tão superficial é aquela história construída pelos

vencedores como disse o João Lúcio ... a história é construída por quem comanda por quem tá ali alienando essa massa

[...] e se tu não souber melhor ainda... tu não vai lá cobrar do governo cadê os documentos? Isso faz parte da minha

história isso faz parte da construção do meu estado do meu país tá entendendo.... esses documentos sumiram de lá e

ninguém sabe.

A17. Só fazendo uma relação com hoje em dia... o porão do Brigue Palhaço não é muito diferente das ... como são os

presídios hoje em dia superlotação... não tem estrutura pra alimentar todo mundo lá dentro eles estão super apertados lá

dentro.... pessoas que morrem dentro do presídio não acontece nada.. quem matou quem não matou então só fazendo

uma relação o Brigue Palhaço tem o descaso da autoridade ter com a pessoa que tá dentro do presídio.

75 A origem do cultivo de café no Brasil teve início no século XVIII. As primeiras mudas de grão foram

cultivadas por volta de 1720, na Província do Grão Pará. Mais tarde, espalhou-se para outras regiões do país e, a

partir de 1837, tornou-se a principal cultura de exportação do Brasil Império. Fonte:

https://revistacafeicultura.com.br. Acesso em: 15 abr. 2019.

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Um diferencial considerável da apresentação desta equipe diz respeito à pesquisa sobre

a tentativa de situar o contexto histórico, político e econômico da Província do Grão Pará e do

país no início do século XIX, evidenciando como a província era organizada, bem como a

articulação dos interesses das diferentes classes sociais ao processo de independência do Brasil

e da Amazônia. A equipe apresenta a contribuição do jornal O paraense, de Felipe Patroni, e

seu papel para a construção do processo revolucionário que culminou em eventos históricos

como o massacre do Brigue Palhaço e a Cabanagem.

Além disso, eles correlacionam o papel da mídia exercido naquela época e na

atualidade, a situação dos prisioneiros do Brigue Palhaço e a situação de violência e das

péssimas condições dos presídios brasileiros. Enfim, os alunos questionam a validade da ação

didática por eles operacionalizada. A dimensão do alcance do dispositivo mobilizado para fins

da apropriação do conteúdo e dos efeitos para a compreensão da realidade social de lutas na

Amazônia. A partir de uma pesquisa, que busca reconstituir informações, interligar fatos que

pareciam desvinculados, a fim de construir versões mais elaboradas para histórias importantes

que não foram abordadas pela escola, pela internet, pelos governos devido à complexidade e

seriedade necessárias à formação histórica, crítica, social dos povos amazônicos.

Ao trazer à tona o “novo” objeto, a temática da história das populações afroindígenas

na Amazônia, a forma genuinamente escolar é também revitalizada, ressignificada,

reconfigurada aos propósitos de uma formação letrada em que outros saberes, outras histórias,

outros acontecimentos, demandas e posicionamentos são instituídos, institucionalizados e

legitimados por intermédio do dispositivo escolarizado, pedagogizado, disciplinarizado

mobilizado, que serve para que o aluno acesse o que não lhe tinha sido permitido e, ao mesmo

tempo, serve para que o próprio discente atente para a importância do exercício e do alcance

do “megainstrumento” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001;

SOARES, 1999) para o desenvolvimento da sua formação letrada, crítica, cultural, histórica

“Eu não gostava de fazer esse tipo de trabalho eu não queria nem saber... então se não fosse

esses trabalhos... Bia muito obrigado...não ia nem saber o que foi Brigue Palhaço.”. A

professora recapitula:

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161

Quadro 5

Nível

1.3

Marcador

28’’35 - 47’’28

____________

Questões

linguísticas

históricas

identitárias

curriculares

conscientização

P. [...]. Gente presta atenção, presta atenção. O que tá acontecendo aqui, é que vocês tão começando

a olha a história com identificação, e [...], o nome disso é senso de pertencimento, [...] quando a

gente se coloca no lugar, a gente ainda é diferente, [...] Aí a coisa muda de figura, então, eu acho

que o que tá acontecendo agora é esse choque, [...] quando a gente começa de fato pesquisa e

pesquisa não é ler livro didático [...] pegar várias fontes e entender o ocorrido, Todos esses

questionamentos, eles são pertinentes, isso aí é o que faz o pesquisador ser pesquisador, por

quê? [...] Houve dados de corpos afogados, [...] Ou só falaram?

A8 – (inaudível)

P. [...] Essa é a diferença na vida, a diferença é que amanhã tu podes fazer a diferença nos

livros didáticos, que amanhã tu vais participar de um clip que vai ser documentado a chacina

que aconteceu, e ainda que depois os livros didáticos coloquem essa chacina de uma maneira

banalizada, há um clip que documenta isso que tá lá, essa é a diferença. Tá entendendo? Se, essa

história do Brigue Palhaço não passou em branco, foi porque os cabanos fizeram revolução,

mas se os cabanos ficassem na internet, ou vendo o que vai passar na globo, talvez ninguém

nunca soubesse o que foi o Brigue Palhaço. Tu tá entendendo? Esse é o papo.

Os fragmentos sinalizam dados referentes à prática de pesquisa neste contexto de

ensino: levantar diferentes fontes, contrapor dados, analisar contradições. Consultar diferentes

fontes de dados contribui para compreender a própria história para além do livro didático, mais

que isso, serve para que os fatos não sejam esquecidos, é importante ter memória, é relevante

não esquecer o Brigue Palhaço, a Cabanagem, a chacina da Terra firme, é preciso fazer a

história, em outras palavras, fazer a caminhada para construir a própria história.

Novamente, este movimento reporta Foucault (1999), como essa verdade é

manipulada para atender a um suporte institucional (o LD, a escola, o MEC). Por isso, ela fala

do lugar da vontade de verdade. Desse modo, a docente revela autonomia no manuseio do LD

e ensina isto aos alunos, ela não utiliza o livro em nenhum momento deste episódio, mas faz

uso deste instrumento no segundo episódio, o que sinaliza o lugar deste instrumento na

instituição do ensino. Muito embora, Tomlinson (2013) atente para o fato de que a produção

do material didático é, muitas vezes, divorciada da(s) realidade (s) da prática de sala de aula,

desvinculada de motivações ao alunado, não condiz com o tempo adequado ao trabalho

docente a ser desenvolvido, com a falta de recursos e, ainda, a expressa necessidade de

preparação para exames.

Para Tílio (2016), o LD é um produto de uma indústria cultural que veicula

ideologias e uma das características é o caráter autoritário, impõe verdades e formas de

aprendizagem. Nesse sentido, uma das desvantagens do LD é essa forma autoritária de

apresentar a informação, é a “condição de autoridade do saber”: corpo de conhecimento

canônico, conteúdos tidos como fatos indiscutíveis, verdades universais. Desta forma, o autor

considera que o LD cria uma barreira entre o saber e o aprender - saber dado factual- não é

coconstruído; aprender é o processo-, já que sua forma de apresentar uma informação pode ser

mais factual e menos factual.

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Nessa mesma direção, a docente finaliza o turno fazendo uma crítica à manipulação

de massas que a globo e a internet também fazem. O modo como as notícias são veiculadas e a

massificação das informações e, por fim, conclama o aluno a atuar, a agir, a fazer a história, tal

como os cabanos e os integrantes dos movimentos sociais historicamente fizeram. Em outras

palavras, é preciso ler, é preciso problematizar, é preciso caminhar rumo ao esclarecimento do

dito pelo não dito e em pró dos direitos negados e de justiça aos que vivem e, também, aos que

não sobreviveram para contar a história.

A seguir, apresentamos um recorte da discussão do seminário da quinta equipe sobre

a Cabanagem. O trecho aborda sobre a escolha do termo vingança para qualificar o movimento

cabano e incita uma reflexão sobre os sentidos dos termos e a possível correlação com os

eventos da Cabanagem, Brigue Palhaço, Chacina na Terra firme. A evidente contraposição da

versão oficial e da não oficial. A convocação da avaliação oficial, da disciplina escolar Língua

Portuguesa e outras disciplinas para a construção da leitura:

Quadro 5

Nível

1.7

Marcador 1’57’’39 -

2’09’’35

__________

Questões linguísticas

discursivas

históricas

identitárias

curriculares

A45. [...] Vocês colocaram por vocês mesmo ou tava em algum lugar vingança popular? P. [...] O que que tu achas que significa chamar o movimento da cabanagem de vingança?

A43. Eles se vingaram por quê? Por que o governo tava tomando aquilo pensando que era deles entendeu?

A44 . No meu ponto de vista professora, não foi exatamente vingança.

A45. Eu no meu ponto de vista eu achei que fosse vingança, pra eles não foi vingança.

P. Entendi, entendi. [...] a gente tem que começar a tratar isso com seriedade [...]. Só que os livros didáticos ensinaram

a gente a banalizar isso, entendeu? A gente não para pra pensar, que estamos falando de corpos que nem enterrados

foram, então, por exemplo, amanhã, a Dona Ana das Dores vai tá aqui com a gente, o que motiva a Ana das Dores a

estar na ponte, não é o mesmo que te motivas, porque foi o sangue do filho, a perspectiva é outra pra ela, ela tá ali pra cobrar, ela tem esperança ainda de ver esse assassino na cadeia, porque vai ser dia 20 de julho, o julgamento do

assassino do filho dela, então ela vem pra cá com esperança, quando ela levantar o banner, ela tá levantando a força,

a fé dela, entende? [...] Vocês acham que é pertinente chamar de vingança?

A46– Assim, eu acho que seja negativo, porque vingança não seria eu acho que fez parte do processo. Então eu acho que o

Brigue Palhaço fortaleceu o massacre, os cabanos fizeram a revolta, mas eu não acho que essa revolta seja vingança.

P. [...] olha, quando a gente fala em vingança e atenta pra um vocabulário, um vocábulo da língua portuguesa, [...] mas olha

como o ENEM, quando ele tenta juntar as disciplinas, [...] o que os cabanos queriam não era vingar mortes, o que os

cabanos queriam e querem até hoje porque nós temos herança aqui, é justiça, nós queremos fazer valer a lei, que diz

que todo individuo é livre e tem direitos iguais, desde o nascimento. Será que temos? Será que somos livres? Então

que constituição é essa que vem dizer uma mentira pra mim? Eu quero justiça! E justiça não tem haver com

vingança, vingança tem haver com você colocar uma arma na cintura e sair matando gente, você tá sendo assassino

tanto quanto. Chamar esse histórico de vingança, talvez seja querer igualar os cabanos a junta militar, e eu nem tô

dizendo que a culpa é do soldado [...] ele acredita que matar, ele tá contendo a violência, é por isso que o Eder Mauro da

vida pode ainda ser eleito, porque existem pessoas dentro da periferia que ainda acreditam que o extermínio é a

melhor solução, porque quando eu extermino um jovem, eu tou tirando a culpa da falta de condições que esse jovem

não teve, pra poder chegar no direito dele, é direito dele ter escola, é direito dele ter comida, é direito dele muita coisa, [...] mas a gente pode fazer pra frente, chamar de vingança, recolocar mais uma vez nas costas desses paraenses, de

que eles são arruaceiros, beberrões e inconsequentes, eles queriam justiça e não vingança [...] Tu tens todo direito de

ir contra essa teoria, porque essa tese é minha, inclusive nenhum livro didático me respalda, eu tou indo contra eles, pode me chamar de louca, mas a gente precisa analisar esses vocabulários da Língua Portuguesa e [...] associar História,

Filosofia e Ética.

Mais uma vez, a professora faz uma reflexão que vai entre o ideal e o real imposto pela

tirania do LD o que demonstra que ela pretende transgredir essas normas impostas “pode me

chamar de louca”. Para Foucault (1999), a loucura era segregada, porque sua palavra não era

acolhida, não tinha importância e por isso era considerada nula. No entanto, essa palavra do

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louco, considerada sem relevância, é aquela que transgride ao dizer uma verdade escondida,

camuflada, escamoteada: “os cabanos queriam e querem até hoje porque nós temos herança

aqui, é justiça, nós queremos fazer valer a lei, que diz que todo individuo é livre e tem direitos

iguais, desde o nascimento. Será que temos? Será que somos livres?”.

Dessa forma, a palavra do “louco” é aquela que transgride no sentido de que cria

possibilidades (e poderes), porque pode levar a enxergar de forma ingênua ou astuciosa,

inclusive do ponto de vista curricular/ disciplinar: “nenhum livro didático me respalda, eu tou

indo contra eles, [...] mas a gente precisa analisar esses vocabulários da Língua Portuguesa e

[...] associar História, Filosofia e Ética”. Essa análise se faz necessária para sinalizar que tais

disciplinas não são campos estáticos, demarcados, fechados. Pelo contrário, são lugares de

produção de saberes, portanto, constituem “domínios dinâmicos de conhecimento”

(PENNYCOOK, 2006, p. 72).

Assim, a professora faz uma ponte entre a loucura e a razão, o vernacular e o

institucional, a estabilidade e a instabilidade, explicando, desse modo, os fatos atuais por meio

de fatos históricos. Nessa direção, o processo de ensino veiculado pode contribuir para

compreender o extermínio da juventude negra, a partir de uma ótica diferente daquela que

responsabiliza o próprio jovem. Desse modo, compreender a Cabanagem, como um

movimento social não constituído por bêbados, arruaceiros, inconsequentes, contribui para que

muitos comecem a perceber que quando um familiar, que perdeu um ente querido em uma

chacina, vai a um evento como a caminhada, na verdade, ele vai em busca de que a justiça

venha a acontecer e para reafirmar que seu filho não era bandido ou “errado”. O que a mãe, a

avó, a família, os amigos anseiam é justiça e não vingança.

Esses encaminhamentos concorrem a fim que se possa entender que, embora os

direitos sejam enunciados e proclamados a todos, a perversa ordem social constitutiva da

realidade funciona em sentido contrário à lógica do direito à vida, à escola, à alimentação, à

moradia, à dignidade, à continuidade dos estudos para os níveis mais complexos de acesso ao

conhecimento. Esta última conclamada como uma das supostas finalidades da educação

secundária no país.

Por fim, apresentamos o recorte da sétima equipe que pesquisou sobre a Cabanagem.

Trata-se de um trecho em que o aluno faz uma apreciação do processo de preparação para a

exposição e, em seguida, faz uma comparação entre os cabanos e os atuais moradores das áreas

de baixada da cidade de Belém.

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Quadro 5

Nível

1.11

Marcador

2’45’’35 - 3’02’’42

__________

Questões linguísticas

históricas

identitárias

conscientização

A. Uma coisa interessante que a gente passou a noite lendo, a gente ficou até meia noite

vendo um monte de coisa, a gente ficava pensando, égua, [...], é isso que o Gabriel falou, a

gente tem força, e é isso que o cabano realmente mostra pra gente, se a gente se unir, a

gente consegue aquilo que a gente quer, [...] se a gente se unir, num objetivo, pode ser até em

casos diferentes, porque tem vários cabanos[...] A gente vai falar um exemplo dos cabanos que

existem hoje [...] como os índios do Rio Xingu, em Altamira do Estado do Pará, está sendo

construída a usina hidrelétrica de Belo Monte, [...] foram consultados uma vez que eram

moradores da comunidade, onde a usina estava sendo construída, a luta da etnia negra, que

ainda vive excluída das decisões políticas, vivendo às margens da sociedade sendo alvo de

assassinato e violência... Os cabanos que moram em algumas casas [...] que ficam rios na frente

das casas, então a gente se sente cabano ali, eu sou uma que mora, quando chove muito, fica

um rio.

Nesse trecho, percebemos o depoimento do aluno sobre o processo de exposição oral,

que requer preparação, leitura, reflexão, análise. Para além da leitura dos textos pesquisados, o

aluno consegue estabelecer comparações com situações contemporâneas semelhantes às lutas

travadas pelos cabanos. Os objetivos são diferentes de cada grupo, mas a luta por direitos e

melhores condições de vida é semelhante. No fragmento, a aluna percebe a sua condição como

uma cabana suburbana da atualidade, pois mora na área de baixada, de várzea, de encharcado,

sem saneamento básico76

, exposta a toda sorte de consequências das enchentes que

transformam a rua em rio: “a gente se sente cabano ali, eu sou uma que mora, quando chove

muito, fica um rio”. Portanto, observamos que as exposições dos alunos, quanto às finalidades

de ensino:

Seu objetivo não é fazer a descrição de algo a ser memorizado. Pelo contrário, é

problematizar situações. É necessário que os textos sejam em si um desafio e como

tal sejam tomados pelos educandos e pelo educador para que, dialogicamente,

penetrem em sua compreensão. [...] “As classes de leitura” [...] devem ser verdadeiros

seminários de leitura. Haverá sempre oportunidade, nestes seminários, para se

estabelecerem as relações entre um trecho do texto em discussão e aspectos vários da

realidade do “asentamiento”. (FREIRE, 2007, p. 29).

Após as leituras de letras de música, da primeira parte do livro Rei Congo e dos

seminários de leitura em que foram socializados os textos levantados pelos alunos sobre os

movimentos sociais na Amazônia, houve a realização da caminhada no dia 24 de junho de

2016. Nesse dia, a aula começou na escola e foi desenvolvida pelas ruas do bairro da Terra

Firme.

76 Conforme o Instituto Trata Brasil, órgão vinculado ao Ministério das Cidades em seu Sistema Nacional de

Informações sobre Saneamento (SNIS) - ano base 2016, Belém é hoje a 98ª no ranking das 100 maiores cidades

brasileiras. A capital apresenta índices alarmantes em relação aos três quesitos que compõem o saneamento

básico: no atendimento em água tratada para a população, está entre as dez piores; no acesso de serviço de coleta

de lixo, é a 95ª pior do Brasil; e, no indicador de tratamento de esgoto, está entre as dez piores do Brasil.

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Foto 4 - Auditório da escola Foto 5 - Boneco: homem chacinado

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Fotos: Jair Mendes

A concentração do evento foi realizada no auditório da escola: integrantes dos

coletivos culturais - Casa Preta, Bloco firme, Gon, Capoeira Angola, Tela Firme-, familiares

dos chacinados e a comunidade escolar. Os materiais usados ao longo do percurso - cartazes,

banners, arte- foram levados para o auditório da escola, alguns foram confeccionados pelos

alunos antes do evento. A professora toma a palavra para iniciar os trabalhos:

Fala de Bia Paiva no

auditório para o público

que iria à caminhada,

Filmagem de Campo,

24.06.2016.

Questões

linguísticas

históricas

identitárias

conscientização

[...] quero que tu te concentre no momento histórico que vai acontecer daqui a pouco e

quem vai escrever essa história é tu mesmo, tu tens aqui na frente não é só um boneco

pintado (foto 6) o que tu tens aqui na frente é um boneco que simboliza uma barbárie

na periferia. Momento histórico na terra-firme o qual tu podes escrever essa história

diferente [...] a dona Antônia pra quem não sabe... gostaria de apresentar, [...] o filho dela,

[...] foi nosso aluno é a vítima mais jovem da chacina com apenas 16 anos [...] desde

quando houve a chacina a gente tá chamando atenção da importância do jovem ter a

ver com essa história, [...] eu tou estudando eu tou garantido. Será? [...], mas o que corre

no meu sangue e deveria correr no teu é sede de justiça [...] tem pena de morte no

Brasil, eles estão exterminando [...], desde o Brigue palhaço, desde mil oitocentos e

vinte e três, [...] ai vem o massacre do Eldorado dos Carajás [...] A culpa é de quem?

[...] a nossa história ela nunca é contada como deveria ser a chacina aconteceu em

novembro de dois mil e catorze e ninguém foi punido [...] o julgamento deveria ter

acontecido em maio a testemunha não apareceu, simplesmente jogaram agora a audiência

para vinte de julho sabes que significa isso nego?”

Cabe atentar à recorrente crítica aos LDs, ou outros instrumentos didáticos

institucionalizados, para contar a história de acordo com os interesses sociais, econômicos,

políticos, ideológicos hegemônicos. O discurso da professora sinaliza a importância de

construir uma outra versão da história, por isso rememora os fatos trabalhados relacionados ao

contexto de assassinatos, impunidades e injustiças no Pará.

Além disso, ela chama a atenção para a desigualdade social, reitera o contradiscurso

dos que desconsideram esta situação de desigualdade de classe e creditam ao indivíduo a

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“culpa” dos massacres. Por fim, a docente atenta para o fato de que a chacina de 2014 está

sendo encaminhada para uma possível impunidade, tendo em vista que a testemunha não

compareceu na última audiência em maio de 2016 e o julgamento foi adiado para o mês de

julho daquele ano. Este mês não só coincide com as férias escolares, mas também, é a época

do chamado “verão amazônico”77

.

Nessa época do ano, devido às elevadas temperaturas e, também por uma questão

cultural, uma boa parte da população da capital viaja para as áreas interioranas em busca dos

banhos de rio, de praia, de igarapé. Em outras palavras, a possibilidade de um grande protesto

seria quase inviável, daí um dos motivos para a realização do ato de manifestação naquele fim

de junho, para pedir a punição dos culpados pelos vários assassinatos de jovens nas periferias

de Belém-PA. A professora continua:

Fala de Bia Paiva no

auditório para o público

que iria à caminhada,

Filmagem de Campo,

24.06.2016.

Questões discursivas,

de resistência,

de sobrevivência

[...] são seis escolas da USE78

ou mais ....esse auditório deveria estar explodindo de gente, mas

não é qualquer gente é gente indignada, cansada, gente quer dizer chega tá bom eu quero

terminar meu Ensino Médio, quero ingressar numa faculdade eu não tenho culpa da

minha pele ter mais melanina que a tua, eu não tenho culpa de não nascer em berço

esplêndido lá no centro da cidade eu não tenho culpa de que quando saio de casa para pegar

minha condução eu tenho que enfrentar lama e água até a [...] a gente precisa ser resistente a

gente precisa encarar a lama, a gente precisa enfrentar a água [...] nós não temos direitos

iguais, mas a constituição prega direitos iguais tu estas entendendo? Então nego o papo não é

esse aqui, isso aqui vai só cobrir uma nota o fato é isso aqui ta, porque esse tiro aqui pode

ser amanhã na tua cabeça infelizmente eu só precisava que tu te conscientizasse no que tu

vais fazer agora, ir para rua é uma responsabilidade muito grande”

Apesar da importância histórica atribuída à Caminhada, a professora sinaliza que a

maioria dos interessados não está presente, apesar do cansaço, da indignação, das

desigualdades étnicas, sociais, econômicas, ela reitera a importância de ser resistente, de lutar

por direitos ditos universais, de ter consciência da responsabilidade de fazer uma caminhada

para questionar por justiça “a gente precisa ser resistente a gente precisa encarar a lama, a

gente precisa enfrentar a água [...] nós não temos direitos iguais”.

Mais que resistir diante das dificuldades e de lutar por direitos que, em tese, são

universais, é enunciado que estes indivíduos precisam pensar na própria sobrevivência,

porque qualquer um dos presentes pode ser a próxima vítima, por isso cada um dos cartazes,

77 O chamado verão amazônico ocorre entre os meses de junho a novembro.

78 Unidade Seduc na Escola (USE) é uma unidade administrativa da Secretaria Estadual de Educação do Estado

do Pará, sediada em uma dada unidade escolar, tem como objetivo contribuir para melhor viabilizar a

comunicação entre a sede administrativa da SEDUC e as escolas jurisdicionadas a esta unidade, a fim de

otimizar e realizar lotação, matrícula, abertura de processos, dentre outros procedimentos. Informações

disponíveis em http://www.seduc.pa.gov.br. Acesso em: 22 mar. 2018.

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167

das faixas, do banner (foto 6), que foram reunidos e divididos entre os participantes, resguarda

uma representação simbólica específica: “[...] tu estás carregando a memória dessas vítimas,

carregar a memória dessas vítimas [...] é carregar sentimentos dos familiares”.

Carregar estas memórias simbolizaria, então, carregar a própria sobrevivência nas

mãos, a luta para continuar a ter o direito de viver. Direito este que foi negligenciado aos que

foram vitimados, assassinados, chacinados. Portanto, cabe salientar que a fala da professora

remete a manutenção de um discurso que legitima como a vítima é tratada e como as relações

de poder esmagam as classes sociais mais baixas. O discurso aqui é de resistência, a partir da

conscientização, a favor da sobrevivência destes sujeitos de direito.

Foto 6 - Banner com fotos dos jovens chacinados

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Fotos: Jair Mendes.

Enquanto ouviam o discurso da professora que antecedeu ao ato, alguns integrantes

da caminhada e aproveitavam o tempo da concentração para produzir pequenos cartazes.

Alguns cartazes tinham frases de efeito, outros já tinham sido confeccionados com trechos da

letra de música lema da caminhada. Alguns cartazes foram (re) aproveitados de outras

manifestações, recortes de jornais também serviram para compor os textos escritos levados ao

protesto (ver fotos 8, 9 e 10).

A simbiose dos usos da escrita, da oralidade e de outros sistemas multissemióticos -

musical, dança/corporal, artes plásticas-, oriundos de diferentes matrizes socioculturais, é

mobilizada para a construção da caminhada e reportam à acepção de letramentos de

sobrevivência, cunhada por Lopes et al., (2017, 755), que os concebem do seguinte modo:

são rastros que resistem – rastros indiciadores de que aqueles que foram

subalternizados pela modernidade não se entregam pacificamente à escrita, mas dela

se apropriam, transformando seus significados e reinventando formas de sobreviver

culturalmente.

Logo, a realização da caminhada evidencia não só o fato de que a escola constitui um

dos importantes portos de ancoragem de um complexo processo de socialização em que estes

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168

sujeitos integram e se movem em pró da luta pela sobrevivência, como também revela que as

práticas letradas remontam a socialização de formatos dominantes e vernaculares dos

letramentos - ou multiletramentos - ancorados nestes portos e que estão, consequentemente,

naufragados nas acepções políticas, ideológicas, culturais dos meios em que resistem no

cotidiano da periferia, território de habitação, de origem, de produção e de reinvenção de

linguagem, de cultura, de saberes (LOPES et al., 2017, 2018).

Consoante os mesmos pesquisadores: “Nesse trânsito, a Baixada também é

ressignificada: ela deixa de ser o lugar da “violência” e das “mazelas” e passa a ser

entextualizada como o território “da criatividade”, da “potência juvenil” e da “poesia de carne

e osso” que se escreve nas ruas” (LOPES et al., 2018, p. 699). A rua como território é

ocupada, é reterritorializada, é reconfigurada e cede espaço para a luta, para a manifestação da

arte, da cultura, da música, da beleza singular da juventude periférica, que clama por justiça,

por transformação para a escrita de uma história de vida.

Foto 7 - Cartaz 1 Foto 8 - Cartaz 2 Foto 9 - Cartaz 3

33

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Fotos: Jair Mendes

Ao som dos tambores do Bloco firme, por volta das 10h da manhã, do dia 24 de junho

de 2016, a caminhada saiu da escola rumo à ponte do rio Tucunduba, palco de luta, um

Tucunduba de protesto, de reivindicação por direitos por tantas vezes negligenciados. Alunos,

professores, integrantes dos coletivos culturais, parentes das vítimas, o cantor e compositor da

letra de música que usaria os registros da caminhada para a construção de um clip saíram na

ensolarada manhã junina para pedir justiça.

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169

Foto 10, 11 e 12 - Imagens do início da Caminhada

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Fotos: Jair Mendes

A passagem da caminhada despertou a atenção de populares, as pessoas paravam

para perguntar o que estava acontecendo, o porquê da andança, quais eram os motivos da

movimentação. A descrição dos vídeos e dos registros fotográficos gerados demonstram as

atividades de dança, de capoeira e de tocar instrumentos pelos jovens do bairro.

Foto 13 - Populares assistem à caminhada

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Foto: Jair Mendes

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170

Foto 14, 15 e 16 - Sons e performances da caminhada

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Fotos 14 e 15: Jair Mendes, Fotos 16 e 17: Jean Brito.

A andança foi marcada pelos sons dos tambores, pela música, por palavras de ordem,

pelo vigor e alegria dos jovens que apresentavam pelas ruas do bairro as suas produções e

manifestações culturais, muitas vezes, invisibilizadas e silenciadas no contexto escolar e

social mais amplo (SANTOMÉ, 2009). Mas, esta sociedade, quase sempre, visibiliza e

divulga amplamente ações ilícitas e criminosas, ocorridas no bairro, em detrimento da

divulgação da imensa riqueza cultural- em termos de música, dança, teatro, audiovisual-

produzida por essa população periférica, situada literalmente do outro da linha e de outras

epistemologias de formas de conceber o conhecimento e a própria organização social a que se

reporta Boaventura de Sousa Santos no conjunto de sua obra (OLIVEIRA, 2012).

Ao lado destas produções culturais, a comoção dos familiares que reviviam a dor da

perda de seus entes queridos, a presença das lideranças dos coletivos culturais que

coordenavam o desenrolar das ações, os olhares curiosos dos transeuntes que percorriam rumo

à feira, ao comércio, aos seus afazeres cotidianos. Todo o percurso realizado foi acompanhado

por carros da polícia militar, conforme evidenciam as fotos 16, 17 e 18. Não houve nenhum

incidente. Mas, as imagens sugerem que estes sujeitos “transitam por contextos que

transbordam divisões como vida e morte, escola e sociedade, estado democrático e estado

penal” (LOPES et al., 2017, p. 756).

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171

Fotos 17 - Profa. na

caminhada

Foto 18 - PM2023 Foto 19 - PM2024 Foto 20 - PM1449

Foto: Jean Brito Foto: Jair Mendes

Por volta das 11h da manhã, a caminhada chegou ao ponto final: a ponte do rio

Tucunduba. Ao som dos tambores, das buzinas, ao sol de quase meio-dia do verão amazônico,

foi feito um círculo, para que os presentes que quisessem tomar a palavra para dizer dos

motivos do ato, da importância simbólica da caminhada, das desigualdades sociais, das

injustiças, das impunidades, dos direitos negligenciados, da relevância dos movimentos

sociais, comunitários, culturais para a construção de uma história para a juventude e para as

populações da baixada. As fotos 19, 20, 21 e 22 são alguns dos registros da finalização da

aula-caminhada ou caminhada-aula.

Fotos 21 -

Caminhada na

ponte

Foto 22 - Círculo de

falas finais

Foto 23 - Aluna da

turma

Foto 24 - Dispersão do

ato

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Fotos: Jair Mendes

Acreditamos que a construção da caminhada convida a pensar sobre a diversidade

social, cultural, política, linguística, inscrita no contexto local, circunscrita aos problemas

locais, construída através do diálogo e do entrelaçamento destes letramentos escolares,

vernaculares, forjados no contexto de resistência, (re)criados por agentes de letramento desta

comunidade, engajados com questões sociais, culturais, políticas, educativas contra-

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172

hegemônicas, participativas, emancipatórias, conformados nestas cenas reais de resistência e

de sobrevivência nas ruas de uma das periferias mais violentas da capital paraense.

A efetivação deste evento, coadunado à prática de ensino de Português e

retroalimentado pela interação discursiva tecida pelos agentes envolvidos, sinaliza para a

necessidade de “construção de currículos mais dialógicos – tanto em escolas, quanto em

universidades: onde se reconheça os diversos significados e usos da leitura e da escrita,

criando nas instituições de ensino territórios de empoderamento, formas de reexistir e de

sobreviver culturalmente” (LOPES et al., 2018, p. 700).

A última aula do episódio Caminhada foi realizada no auditório da escola, porque a

professora precisou unir duas turmas - uma turma do primeiro ano e uma turma do segundo

ano do EM- devido à falta de professores na manhã daquela segunda-feira. As duas turmas

foram acomodadas, foi realizada a leitura e a análise de mais uma letra de música Cantilena,

do compositor Rafael Lima (Anexo B), a história dos movimentos sociais no Pará e alguns

conceitos foram recapitulados.

Os primeiros questionamentos foram voltados à leitura do texto da música, em

seguida, a professora lê em voz alta os slides que apresentam as estrofes do texto e inicia a

discussão para recapitulação conceitual (tipo, gênero).

Quadro 6

Nível

1.4

Marcador

4’’47 - 28’’28

____________

Ensino de tipologia

P. [...] bora rapidinho pra tipologia. Eu sei que é chato, pow, a gente tá ali, na onda da, né? A gente

tava ali, aí fala assim: pow, ela pega o bisturi e vem pra tipologia? [...] Mas só pra gente se situar né?

[...] olha, primeiro ano se manifestando ali, desculpa.

A3. O que é tipologia?

P. Olha a pergunta dela, que linda! A gente vai chegar lá, para o ano. Ela perguntou: o que é tipologia?

Vocês podem responder já. O terceiro ano já pode responder pro primeiro ano. [...]

A4 .Tipologia é o tipo do texto, se ele é narrativo, dissertativo, descritivo, argumentativo,

entendeu?

P . É aquela coisa assim tu respondestes, agora se eu entendi é outro papo.

A4 .Pois é!

[...]

P. Eu tou diante da letra de música que contém lirismo por isso tem a poética. Tá, beleza. Então eu tou

diante de três estrofes que eu já posso sinalizar a base da tipológica, da tipologia textual. O que tu

falarias que é isso aí?

Alunos. Narrativa!

P. É narrativo, né? Tu já conseguiste situar a história aí?

A entrada da leitura tem como ponto de partida a categorização da tipologia do

texto. Os alunos do terceiro ano tentam responder aos discentes do primeiro ano. A partir

disso, iniciam o processo de construção do entendimento da narrativa escrita em três estrofes.

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173

Quadro 6

Nível

1.4

Marcador

4’’47 - 28’’28

____________

Leitura,

Correlação da

realidade

local,

história

P. [...] se a narrativa conta uma história? Que que tá acontecendo aí?

A8. Ele tá chamando a garota que tá na janela. Ele diz: sai da janela, vem pra dentro, pra ele contar a

história.

A9. Ela é filha de um cabano.

P. É interessante porque tu estás diante de três estrofes, e tu já estás falando de cabana aí. Né? [...] Talvez

se tu não tivesses apresentado aquele trabalho sobre a Cabanagem, tu poderias ler essa letra de

música e jamais pensar em Cabanagem. Concorda comigo?

A8 – Sim!

A9 – Ele fala que ela nem lembra.

P– Exatamente! Olha que interessante, [...] a gente associa com o conhecimento prévio que é aquele que

não está no texto, um conhecimento extra textual, tá? [...] essa figura que tá na janela, já existia e era

pequena né verdade? Então aproxima essa figura do fato histórico. [...] alguém chama a menina da

janela, e diz que ela vai ouvir uma história, né isso? [...] E o que é mais interessante que lembra nossa

mãe e vai buscar o tempo da infância, né? [...] ser criança era estar na rua, não era assim? Tu fazias uma

relação entre brincar e ocupar a rua, [...] geralmente as famílias de periferia, elas têm muitos filhos, e

aquele quadrado que lembra até o porão do Brigue palhaço, aquele quadrado [...] aquele barraco é a

nossa casa, [...] E aí o moleque ficava quase a tarde inteira na rua. Era papagaio, era fura-fura, era

amarelinha, era cemitério.

A discussão do texto correlaciona o possível intertexto com a Cabanagem. O aluno

consegue construir isto, porque já trabalhou em aulas anteriores: encontramos aqui a memória

didática servindo para dar continuidade ao episódio. O costume das crianças brincarem na rua

é rememorado. A rua era (ou ainda é) ocupada pelos moradores de periferia. Em Belém, em

virtude do intenso calor e das péssimas condições dos “barracos”, que mais pareciam ou

parecem os porões do Brigue Palhaço. Em virtude da histórica situação de exclusão social e

segregação socioespacial das populações das periferias da capital paraense. A professora

continua a leitura, abordando a questão da Cabanagem.

Quadro 6

Nível

1.5

Marcador

28’’29 - 55’’00

____________

Leitura,

Contextualização

histórica,

Figuras de

linguagem

P. [...] contextualizando esse fato histórico, que diz respeito a um conflito armado, e esse conflito armado está subordinado a

uma reação de uma minoria, aliás, a reação de um grupo de pessoas que vai contra um sistema de governo, me parece que tu sabes

como foi que isso aconteceu, quando ele fala assim, dessa nação, e ele fala tirania dessa nação, presta atenção nas informações que ele

te disse antes, ele disse que eram homens fortes, brados e valentes, que se levantaram contra a tirania, [...] ele fala assim: guerra de

homens bravos, fortes e valentes, contra a tirania dessa nação, eu te pergunto: que nação é essa? Pode falar.

A15 – Belém!

P. Belém? É isso? Belém? Gente, tu tá vendo como é importante a gente ter, a nação paraense? O que era que tava acontecendo nesse

momento? Bora buscar lá um pouco o conhecimento fora, primeiro, em 1822, o Brasil estava independente, em 1822 foi independência

do Brasil, porém, o Pará, ele não era considerado Brasil, tou mentindo? O Pará era o quê? Ele era uma província, ele era a província do

Grão-Pará dominado pelos Portugueses, lembra disso? [...] Então ele fala assim: guerra de homens bravos, fortes e valentes contra a

tirania dessa nação, guerra de gente cabocla, negros, índios, uns humildes, humildes, humildes, luta pra fazer revolução, então esses

humildes lutavam pra fazer revolução.

Leitura de um trecho do texto

P. O que é breu? Lá dos cafundós né? A gente sabe inclusive que os índios, os negros dentro desse confronto, eles tinham essa

única vantagem, enquanto a guarda militar, enquanto a junta militar era fortemente armada, os índios e os negros dominavam o

breu da mata, e isso era uma proteção pra eles, era onde eles se enfiavam, né? Os cabanos se enfiavam na mata. aqui já sinaliza a

história do governo cabano, eles vêm lá do breu da mata, pra poder governar. [...] aqui temos uma figura de linguagem, quando

ele pega e fala assim mesmo: “vieram se chegando de mansinho, como guarás no mangal a pousar”. Me diz uma coisa, qual é a

figura de linguagem que está aí bem explicita? Eu consigo olhar e dizer: égua não, é essa a figura.

A16 – Comparação!

P – Por que que tu achas que essa figura é uma comparação?

A16 – Porque ele tá comparando [...] Ele compara com o pássaro

P– Com o pássaro, ok! Que mais?

A17 – Eu acho que é metáfora.

P – Isso! [...]. Eu tenho de um lado o pássaro, pousando no mangal, isso é uma imagem, essa imagem do pássaro pousando no mangal,

ela é comparada com uma outra imagem, que imagem é essa?

A. Dos cabanos!

P– Dos cabanos chegando em Belém. Como é que eles chegavam? Bem mansinho, bem de mansinho, [...] então eu tenho a

imagem do guará andando no mangal, e tenho a imagem dos cabanos chegando a Belém [...] e eu tenho a metáfora. E a metáfora

também pega duas imagens distintas e estabelece uma relação de comparação.

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174

O trecho aborda a contextualização histórica do movimento cabano, do modo como a

cidade foi ocupada pelos cabanos. Estes últimos chegaram a capital do Grão Pará, andando

como o guará no mangal. Chegaram no escuro e no silêncio para fazer a revolução cabana. As

figuras de linguagem são usadas para fazer a analogia entre os guarás do mangal e os cabanos

na floresta. Trazer a discussão deste texto para a sala de aula é uma forma de inserir nas

práticas de ensino de Português no EM uma linguagem, uma versão da história de negros e de

indígenas na Amazônia paraense.

Uma versão em que estas populações encenam como protagonistas no processo de

enfrentamento do colonizador, como agentes em um processo desigual de disputa pelo poder.

A interação didática constrói por intermédio de um discurso institucionalizado, entremeado

pelo ensino de figuras de linguagem, a tentativa de implementação do enfrentamento de

convocar para a sala da educação secundária as questões étnicas no processo de invenção da

nação (BERENBLUM, 2003).

A efetivação deste currículo em sala de aula constitui uma prática docente instituída

em um campo de disputa, de negociação, de tensão no seio do próprio sistema de ensino; seja

do ponto de vista curricular, seja do ponto de vista da mobilização de materiais didáticos

voltados a este propósito; seja do ponto de vista da construção de uma formação, que atenda à

necessidade de compreensão das interdições e de cerceamentos a que as populações

brasileiras foram subjugadas e até hoje refletem.

Por exemplo, no acesso aos níveis de ensino mais complexos e na própria realização

de práticas educativas que optam por abordar tais temas e elegê-los como objeto de ensino

para a aula de português no EM, para fins de formação de um sujeito conhecedor das

trajetórias históricas das populações amazônicas, capaz de repensar a condição atual destas

populações, do ponto de vista, social, cultural, político, educacional (SOUZA; SITO, 2010).

Quadro 6

Nível

1.4

Marcador

4’’47 - 28’’28

____________

Leitura,

História

P. Conta teu pai que foram três guerras, foram três guerras? Tu sabes me dizer qual foi a primeira

guerra?

A16 .O Brigue palhaço?

P.O Brigue, o Brigue foi a primeira guerra, inegavelmente. Só que ela quase não é contada, ela quase

não é sinalizada, mas o Brigue foi a primeira guerra. Aí tu vais dizer assim mesmo: eu posso considerar

guerra aquilo? É um massacre né? É um massacre. Porque eles estavam ali, os paraenses estavam ali

guerreando ideologicamente, mas tu te lembras que eles saquearam, foi o estopim pra colocar no porão,

eles saquearam né? Então, a primeira guerra. E as outras duas tu sinalizas? [...] É a parte do cônego

que inclusive colocou a cabeça dele lá no canhão, lembra disso? Né? O Angelim foi preso [...] Aí o

terceiro confronto já foi a tomada do poder.” [...] Ei, tu te lembras que quando acabou o movimento

cabano, 75% da população paraense tinha sido acabada, tinha sido exterminada, a junta militar

quando conseguiu reprimir a revolução, quase não tinha gente, velho, os paraenses quase todos foram

detonados[...] trazendo no peito a saga da união, querendo justiça

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175

A Cabanagem foi gestada por aproximadamente dez anos. Por isso, o compositor faz

referência a três possíveis guerras. O primeiro levante é ligado ao descontentamento que

levou a população aos saques em estabelecimentos de portugueses e culminou no trágico

acontecimento do Brigue Palhaço. O segundo levante culminou na prisão do cônego Batista

Campos, considerado uma liderança popular e uma ameaça ao governo local, foi preso e por

pouco não foi atirado de um canhão. O terceiro levante foi a explosão da revolução cabana

que levou a tomada do poder provinciano por líderes populares.

Quadro 6

Nível

1.4

Marcador

4’’47 - 28’’28

____________

Leitura,

Referenciação

Língua,

história e

cultura

P. [...] Quando tu pedes justiça, em quais condições tu estás? Tu pedes justiça quando tu estás em alguma

condição, que condição é essa? [...] Pode falar Lena. Ele tá numa posição de injustiçado, houve uma

injustiça muito grande com esse povo [...] o verso anterior fala assim: “já se passaram 200 anos”, já se

passaram, passaram do quê?

A. Da guerrilha

P. Da guerrilha, da revolta. Ok! Aí ele fala assim: “coisas que já nem se ouvem mais falar”, coisa é um

substantivo que faz uma referenciação, tá? Coisa aí, refere-se a algo, não é verdade? Me esclarece aí. Ele

retoma o quê coisa?

Aluno 20 – A revolta!

P. A revolta. O momento histórico. O conhecimento de tudo isso. Aí ele fala assim: “coisa que já nem se

ouve mais falar, boca de abiu fizeram esse tempo”, o que é isso? Ah! Mas bora pensar, bora pensar porque

eu não vou te dar a resposta.

A21. O que é Abiu?

P – [...] É uma fruta, [...] sabe que o abiu tem uma propriedade que é extremamente excêntrica e peculiar,

tu comes abiu, qual é a sensação que tu tens?

Alunos – A boca fica pregando!

P – A boca fica o quê? Pregando. [...]. É uma característica dessa fruta, tu ficas assim, aí ele pega e fala

assim ó: “Já se vão quase 200 anos e coisa que ninguém se ouve mais falar, boca de abiu fez esses anos”, o

que ele tá dizendo? Que todo mundo ficou como se tivesse comido abiu, [...] essa letra é do Rafael Lima

tá? Aquele cara que tava lá (caminhada) com a gente. É brilhantemente ele consegue mais uma vez

estabelecer uma relação entre toda essa construção da letra da música com a nossa cultura, [...] Boca

de abiu, fizeram esse tempo pra nossa história ninguém contar, então foi proposital, ninguém contar.

A docente reforça a tese de que os cabanos clamavam por justiça social e isto é

apagado pela história oficial, inclusive, rememora a discussão realizada em sala de aula sobre

a possibilidade da vingança levantada por um aluno em sala de aula, já que há versões de que

os primeiros cabanos eram parentes de pessoas assassinadas no Brigue Palhaço. Há 200 anos

a dita história oficial tenta silenciar a injustiça social sofrida por este povo, real motivo da

revolta popular, por isso fizeram “boca de abiu”79

, para mais uma vez buscar silenciar. Por

conta disso, ninguém houve falar em Cabanagem, em revolta, em sede de justiça social, em

extermínio da população cabana, ribeirinha, suburbana, amazônica.

79 Abiu é uma fruta nativa da Amazônia, tem uma coloração amarela, formato ovoide e casca lisa. A polpa é

mucilaginosa e muito doce, podendo ser consumida in natura. A casca do abiu destila um leite branco e viscoso

que é aderente à boca, fazendo com que a pessoa não consiga abri-la com tanta facilidade, surgindo daí a

expressão “fazer boca de abiu”, que significa calar, silenciar. Fonte: http://descobrindoaamazonia.blogspot.com

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176

Quadro 6

Nível

1.4

Marcador

4’’47 -

28’’28

___________

Leitura,

História

Cabanagem

Rei Congo

Oficial e o

não oficial

A22. Lá no começo fala que o pai contava, será se ele não escutou essa história de outra pessoa, ele já

seria muito velho.

P. Aí que massa essa observação velho, muito massa, olha essa observação dela, é, como ele fala que já se

passaram 200 anos, essa menina que tá na janela, se a gente for considerar esses 200 anos passados que ele

fala assim: tu tavas sempre de trança, tu eras pequenininha, como é que fica a história da cronologia agora?

Bora resolver isso? Como é que fica agora o tempo? Porque olha gente, eu tava fazendo um levantamento

assim feito uma árvore, minha, e a minha mãe é de Bragança e eu lembro que a marujada acontece em

Bragança. Quando a gente pensa vai atrás do Rei Congo, e o Rei Congo, a congada não tem no Pará,

só tem a marujada, que é muito parecido com a congada, aí eu fico pensando assim, eu já tava intrigada

um tempo, porque que essa história me emociona tanto? [...] Vamos, bora lá, sinaliza isso aí, essa história

do tempo da cronologia, como é que a gente resolve essa menina que tá na janela e de repente já passaram

200 anos, aí a ancestralidade, essa palavra ancestral, resolve isso de fato. Pelo menos justifica pra nossa

história ninguém contar. Nossa verdadeira história olha que interessante quando eu falo nossa

verdadeira história, o que implicitamente isso tá sendo dito aí?

A22 . Que eles contam uma história que não é verdade.

Mais uma vez a contraposição entre história oficial e não oficial é sinalizada. A

“verdadeira” história sobre a cabanagem seria contada de pai para filho e esta, sim, seria a

versão verdadeira dos fatos, por sinal, a versão narrada na letra da música analisada em sala

de aula. Um dado interessante apresentado é a correlação entre Marujada - movimento

popular em culto a São Benedito, santo negro- e a Congada. Há aproximadamente 200 anos a

marujada bragantina é realizada, praticamente, o mesmo tempo em que o movimento cabano

teve início, o que talvez seja um indício de que há outras histórias que precisariam ser

narradas sobre nós.

Ao longo deste episódio Caminhada, percebemos a tentativa de construir estas outras

versões da história deste movimento histórico, político, militante na Amazônia paraense, bem

como a tentativa de demonstrar a importância do reconhecimento e visibilidade desta

narrativa não oficial para a compreensão da realidade atual em que as populações menos

favorecidas (sobre)vivem ao drama das chacinas, dos extermínios, das execuções em praça

pública, seja nas periferias das grandes cidades, seja no campo onde a disputa por terra e por

outras formas de poder nutrem a ganância e a certeza da impunidade que ainda imperam, até

mesmo, para crimes de repercussão nacional e internacional, como foi o caso da missionária

norte-americana Dorothy Stang, 73 anos, assassinada com seis tiros em fevereiro de 2005, em

uma estrada rural do município de Anapu (PA), em uma área denominada como Projeto de

Desenvolvimento Sustentável Esperança (PDS).

Por fim, o vídeo da letra da música foi exibido para a turma.

**************

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5.7 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O EPISÓDIO 1

Observa-se uma prática de ensino de Português em que há uma tentativa de pesquisar

fatos históricos concernentes à formação do movimento popular no Pará, a fim de (re)contar as

lutas sociais na Amazônia. Para isso, são recapitulados, especificamente, a tragédia do Brigue

Palhaço e a Cabanagem, que, por sua vez, são interligadas ao massacre de Eldorado dos

Carajás e à chacina ocorrida no bairro da Terra Firme em novembro de 2014. Nesse sentido, o

processo de seleção, de constituição, de articulação dos conteúdos disciplinares não está

sujeito somente à referência instituída, mas também à demanda local emergente e oriunda de

um determinado contexto social e histórico para a aprendizagem de outras formas de

apropriação (SCHNEUWLY, 2011).

Por conta disso, os textos selecionados - letra de música, livro, pesquisa via internet,

vídeos caseiros- para as atividades de leitura são preferencialmente de agentes de letramento

situados no contexto social - músicos, ativistas, professores. Alguns destes agentes estão

ligados a instituições formais. Outros estão ligados aos coletivos culturais e aos movimentos

sociais populares ou comunitários do bairro. A conceituação teórica convocada para a análise

dos textos não é aprofundada, mas é instituída e, de certa forma, serve para sinalizar que o

conteúdo de um currículo escolar formalizado não pode ser desvinculado da prática escolar

delimitada ao campo disciplinar da Língua Portuguesa.

Nessa direção, compreendemos que há um investimento no sentido de apresentar a

construção da história não oficial, uma tentativa de criação de espaço de interlocução, de

eleição de um tempo específico ao entendimento da história local, do movimento social do

negro e dos indígenas no Brasil, mais precisamente, na Amazônia paraense, para fins de

entender uma narrativa pouco conhecida para repensar o lugar das populações amazônicas em

um contexto de colonização que constrange estes povos a negligência de direitos sociais, a

situações de racismo, de segregação e lhes coloca no limiar da sobrevivência.

Pode-se constatar que, embora os textos vernaculares estejam em foco, eles são

“infiltrados” pela cultura escolar e eivados por um determinado estatuto institucional,

pedagógico, dominante, legitimado que termina por analisar estes textos, também, a partir de

categorias constitutivas de um currículo escolar, institucionalizado, homogeneizante, balizado

pelo aval de uma representante formal da cultura escrita e do aparelho ideológico escolar, que

legitima, seleciona e (re)configura o que deve ser ensinado, até mesmo, quando o local, o

vernacular, o não escolar é o objeto de análise, de estudo, de debate.

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Hooks (2017) sugere que é dever dos docentes buscar estabelecer o confronto dos fatos

e das parcialidades intrínsecas às práticas educativas, em tempos de crise, é preciso fazer da

nossa prática de ensino um foco de resistência, tendo em vista que nenhuma educação é neutra,

do ponto de vista, político. Segundo Mohanty (1990 apud HOOKS, 2017, p. 36):

a resistência reside na interação consciente com os discursos e representações

dominantes e normativos e na criação ativa de espaços de oposição analíticos e

culturais. Evidentemente, uma resistência aleatória e isolada não é tão eficaz quanto

aquela mobilizada por meio da prática politizada e sistêmica de ensinar e aprender.

Descobrir conhecimentos subjugados e tomar posse deles é um dos meios pelos quais

as histórias alternativas podem ser resgatadas.

Para a construção do trabalho de ensino em questão, a interação didática é construída

ora pelo domínio docente, mas os alunos são chamados a participar do jogo discursivo, muitas

vezes, assimétrico que se constrói as cenas didáticas apresentadas. Ora percebemos o

predomínio docente, notavelmente, interligado à condição do esclarecimento, da tentativa de

informar os alunos sobre o que eles precisam acessar, bem como a recorrente necessidade de

buscar desestabilizar a ordem estabelecida, desconstruir as “verdades” institucionalizadas,

oficializadas, muitas vezes, assumir a voz do “louco” no sentido foucaltiano para dizer o que

não foi dito, o ocultado, o silenciado nas entrelinhas. É a voz do “louco” no sentido de romper

e vislumbrar uma outra possibilidade, uma disputa de discursos, de sentidos, de verdade e de

poder (FOUCAULT, 1999).

Durante os seminários de preparação, observamos que os alunos têm um maior domínio

do processo interativo, isto ocorre, sobretudo, porque eles precisam expor, discutir, apresentar

suas leituras a respeito do levantamento de fontes sobre fatos históricos dos movimentos

sociais no Pará. Nessas ocasiões, a exposição de diferentes versões a respeito destes fatos, a

construção de opiniões, de pontos de vista, de avaliação e/ou apreciação dos fatos pesquisados,

correlação entre fatos históricos, fatos contemporâneos e com a própria realidade circundante

para fins de tentar compreender a própria história local, a realidade de exclusão social da qual

ele é parte integrante.

No entanto, é importante frisar que mesmo nos seminários de preparação para a

caminhada, há um domínio considerável do turno por parte da docente, o que revela a natureza

assimétrica da interação ora estabelecida, mas também aquilo que se coloca acerca do trabalho

docente: a conscientização sobre a palavra dita como um “mantra”, o que estaria articulado a

possíveis resquícios de uma prática de ensino no EM ligada à trajetória de constituição

disciplinar relacionada aos métodos comunicativos e no dizer dos próprios alunos que

concebem “a boa explicação” da professora como um dos meios para aprender um dado

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conteúdo. Porém, cabe ressaltar que “esta boa explicação” é endossada por via de uma série de

outros elementos como o considerável investimento docente no sentido de promover a

articulação com outras disciplinas, a seleção de textos pertinentes à realidade brasileira e local,

a tentativa de concatenar a uma realidade situada e à (re)construção de uma história não

oficial, mas latente ao contexto em que os sujeitos estão inseridos (MENDONÇA, BUNZEN,

2006).

Para além da questão de constituição do Português como disciplina curricular,

percebemos que o discurso da professora é engendrado neste cenário didático, não só pela

“legitimidade” do discurso pedagógico decorrente do seu estatuto institucional, mas também

por ela ser considerada nesta comunidade, dentro e fora da escola, uma agente de letramento

“chave” no processo de atuação no processo de questionamento e de debate a respeito dos

problemas locais, seja nos atos; seja nas rodas de conversa ocorridas em instituições como a

escola.

Além disso, muitos destes estudantes são integrantes destas agências de letramento e

atuam na construção de ações culturais, revelando que estes sujeitos trazem suas experiências

de letramento, que trabalham com música, teatro, dança, capoeira, meios de comunicação de

massa, cultura afrodescendente. Pode-se, então, dizer que a realização do ensino de português

neste contexto e descrita nesta investigação é possível porque se alia a experiências de

socialização (LOPES et al., 2017), mediadas pela escrita e outras linguagens e tecnologias,

acessadas por intermédio da mobilidade dos sujeitos (alunos e professora) nestas agências e

nesse trânsito entram em contato com diferentes maneiras de ler, de escrever, de interagir,

portanto, “há diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida” (BARTON;

HAMILTON, 2000, p. 11).

Diante deste contexto, a docente, então, busca atender a demandas concatenadas às

diferentes finalidades da educação de nível médio: formar para a vida, para a cidadania, para a

continuidade dos estudos, ainda que esta tentativa de implementação deste currículo “mínimo”

(ROJO, 2000) seja uma experiência hercúlea, solitária, de resistência, de reinvenção de uma

realidade marcada pela falta de infraestrutura, que busca parcerias externas à escola, com

material didático inventariado pela professora e providenciado pelos recursos dos próprios

alunos e da docente, a fim de construir um objeto de ensino essencialmente discursivo, a partir

dos conflitos vivenciados pela comunidade: extermínio, segregação, impunidade,

desigualdade, preconceitos.

Não obstante, este investimento docente não aborda de modo mais acurado um

determinado tópico de conhecimento discursivo, linguístico ou gramatical, tendo em vista que

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o componente curricular disciplinar, curricular, hegemônico é gotejado na construção do

discurso docente: a menção às tipologias textuais, às variações linguísticas, às figuras de

linguagem, à morfologia, ao vocabulário empregado, à dinâmica de uma exposição oral. Esta

progressão convoca às perspectivas mobilizadas para realizar a aula de português no EM a que

se reporta Mendonça (2006, p. 218) “uma progressão que ora segue critérios estruturais,

tradicionais, ora segue critérios discursivos”.

Conforme Schneuwly (2011), quando um objeto de ensino adentra em um sistema em

que há outros objetos “consolidados”; ele é atingido, “infiltrado” e, até mesmo, readaptado ao

sistema já existente. Assim, percebemos que os objetos de ensino construídos no seio da

prática de ensino de português no EM interagem com aquilo que é constituído ao longo do

processo de disciplinarização e de escolarização para incorporar outros elementos.

O “novo” se constitui a partir de discursos e práticas já legitimados, “autorizados” e

assim o antigo também é remodelado, é revitalizado pelo dito novo objeto. Certas vezes, é

possível contemplar a entrada de novos objetos que precisam de remodelagens e rearranjos

mais complexos, levando em conta as fases em que os sistemas de objetos refletem mudanças

sociais que anunciam transformações de base estrutural, de paradigmas, transgressoras das

relações de poder estabelecidas, consolidadas, hegemônicas (PENNYCOOK, 2006).

Nessa perspectiva, a interação didática assentada em aspectos já arraigados na

configuração da construção da disciplina escolar e em aspectos articulados a uma demanda

local emergente, resistente, que sobrevive nas formas de reexistência, de transgressão, de

disputa, de tensão no âmbito escolar, que reverbera o componente curricular, social, cultural,

identitário.

Para Hooks (2017), transgredir é trazer à tona a oposição, a resistência e atravessar os

limites que oprimem por via da raça, gênero e classe, por isso os docentes que transgridem as

fronteiras da prática pedagógica ensinam também os seus alunos o direito à escolha, a

vislumbrar verdades, a reconhecer as limitações e incitam a vontade de conhecer e saber para

além do notório.Trata-se, então, de “transgredir, política e teoricamente, os limites do

pensamento e da ação tradicionais, não somente entrando em território proibido, mas tentando

pensar o que não deveria ser pensado, fazer o que não deveria ser feito” (PENNYCOOK,

2006, p. 82).

A partir do modelo de letramento crítico de Janks (2010, 2014, 2016), podemos fazer

alguns questionamentos em relação aos dados, a fim de que possamos observar o que se

ensina, para que se ensina e como os sujeitos se inscrevem nesse processo efetivamente.

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Embora estejam entrelaçados, a autora faz menção aos seguintes pilares de sustentação do

mencionado modelo: acesso, diversidade, poder, (re) design.

Pensando nos dados descritos, quanto ao acesso: quem tem acesso aos textos, à língua

de poder, em que variedade? Que versão da história é contada na escola? Quem

ensina? Qual é o estilo de ensino? Como as práticas de ensino impactam os acessos?

Quanto à diversidade: qual é a língua (gens) da comunidade? Quais são os textos que

circulam na comunidade? Qual é a visão sobre nós, o nosso povo e eles? A diferença

acarreta hierarquização? Quem domina a variedade de prestígio está mais propenso a

ter mais poder e influência? O trabalho intelectual é mais valorizado que o braçal?

Quanto ao poder: a linguagem pode ser usada para manter ou desafiar as diferentes

formas de poder? Há conexões entre linguagem e poder? Categorias como raça, etnia

idade, gênero e outras diferenças se espraiam no conjunto de dados?

A questão da educação como prática de liberdade: desenvolver, agir, mudar formas de

pensar, de agir, de conceber, de falar, de argumentar, de questionar, um redesign dos

textos e, sobretudo, das práticas.

Quadro 23 - Acesso, diversidade, poder para resistir e ensinar Português no EM

ACESSO

Quem tem acesso aos textos, à

língua de poder?

Alunos do EM, de uma escola pública, da periferia

da cidade de Belém-PA.

Em que variedade? Textos em língua Padrão e não padrão.

Que versão da história é contada

na escola?

A versão oficial e a não oficial da história sobre a

constituição dos movimentos sociais na Amazônia.

Há uma tentativa de ensinar a história de

afrodescendentes e indígenas por via da leitura de

textos e de produção de seminários, pesquisa escrita,

cartazes, exercícios de leitura de letras de música. A

articulação das atividades culminam na construção

de uma caminhada pelas ruas do bairro.

Quem ensina?

Professora: moradora do bairro, integrante de

coletivos culturais, militante de questões da

comunidade, negra.

Alunos: estudantes do EM, moradores do bairro,

integrantes dos coletivos culturais.

Coletivos culturais: pessoas ligadas aos

movimentos culturais do bairro de música, capoeira,

comunicação, teatro, cultura afrodescendente;

Comunidade: ex-alunos, parentes das vítimas da

chacina, músicos, professores da escola.

A língua é usada para desafiar a

ordem social estabelecida?

As categorias foucaultianas podem ser percebidas na

abordagem de textos e práticas locais, vernaculares,

menos visíveis e valorizadas, mas que servem de

ponto de partida para debater questões de espectro

local e global, a fim de resistir e reexistir na

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Quais são as práticas de ensino

e como impactam os acessos?

construção de um evento de letramento que integra

comunidade, escola, linguagens e culturas.

A prática de ensino de língua busca, de certa forma,

transgredir o institucionalizado, oficial,

homogeneizante. As práticas efetivadas em sala de

aula são: ler textos, comparar fatos atuais e

históricos, interpretar fatos e opiniões, pesquisar,

selecionar e expor informações, relacionar com fatos

e situações do dia a dia, tomar a iniciativa de

manifestar-se para a resolução de problemas reais,

conscientizar-se da situação a sua volta; resgatar

categorias de um currículo prescrito no processo de

leitura e de compreensão de textos vernaculares.

DIVERSIDADE

Qual é a língua(gens),

modalidades, os textos e

gêneros que circulam na

comunidade escolar?

Linguagens: verbal – oral e escrita-, musical, visual,

corporal, arte plástica;

Gêneros: Letra de música, apresentação de livro,

livro, seminário, apresentação em power point,

pequenos vídeos, cartazes, banners, recortes de

notícias de jornais, aula expositiva, pré-teste escolar.

Qual é a visão sobre nós, o

nosso povo e eles?

A diferença acarreta

hierarquização?

“Nós”: Lutam por justiça, estão em situação de

desigualdade social, histórica, de direitos, são

resistentes, sobreviventes;

“Eles”: Classes dominantes detêm as formas, os

instrumentos e as instituições de poder, legitimam os

modos de acesso e de permanência no poder, mesmo

que seja necessária a força simbólica ou física;

A diferença acarreta a disputa de classes, de

interesses, de acesso, de poder, de terra, de moradia,

de saneamento, de linguagens, de culturas.

Quem domina a variedade de

prestígio está mais propenso a

ter mais poder e influência?

Quem domina a variedade de prestígio pode está

mais propenso a ter acesso e permanecer em

instituições dominantes, oficiais, detentoras de poder

e de “verdades”, como escola, universidade, igreja.

Também, para contestar estas formas de poder

podemos ter o direito de ter acesso à língua (gens)

que constrói e constitui estas “verdades”. Por isso, as

práticas sociais de uso das linguagens são

convocadas para a construção dos eventos, pois

nestas práticas os usos vernaculares e dominantes e

de demais sistemas simbólicos são convocados para

a constituição do episódio em questão.

REDESIGN

O que é foi (re)construído? Caminhada pelas ruas do bairro, cartazes, tarefas

escolares, exposições orais, performances de dança

pelas ruas do bairro, aulas expositivas, bem como no

se refere às relações sociais, outras formas de se

organizar, argumentar, de falar sobre a realidade em

transformação.

Fonte: Elaboração própria.

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Tardif e Lessard (2005) assinalam que o trabalho docente é “uma das chaves para a

compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho” (TARDIF e LESSARD,

2005, p. 17). A partir da descrição da prática docente, é possível perceber que, embora o papel

de parede de ordem sociológica da escola como instituição da modernidade esteja impresso na

prática docente, observa-se a militância docente que procura implementar um processo de

redesenhamento dos limites da educação como território de lutas e de disputas de poder. Este

movimento contemplaria a tentativa de realização de um currículo de Língua Portuguesa no

EM mestiço, diaspórico destas vinculações emergentes, filiadas ao trabalho de ensinar para

atender a uma demanda complexa, híbrida, contingente, sincrética, movediça, contraditória que

ora busca fins formativos para a cidadania, para a vida, a fim valorizar o componente local; ora

intenta instituir o componente escolar, curricular necessário à continuidade dos estudos, ao

mercado de trabalho e à própria atuação cidadã (FAIRCLOUGH, 2000; KRAWCZYK, 2014;

GOMES-SANTOS, 2014).

Assumir o risco e ter a coragem necessária para implementar a supracitada prática de

ensino, neste referido contexto de atuação, destituído de quase todo o aparato necessário a

formar cidadãos para um mundo global, aproxima-se de uma educação transgressiva no

sentido anunciado por Rocha e Maciel (2013, p. 25):

o caráter transgressivo da educação plurilíngue revela-se, também, pela subversão de

discursos e funcionamentos sociais conservadores e opressores, a partir de dinâmicas

denominadas carnavalizadoras, à luz do pensamento bakhtiniano, que possibilitam a

(re)apropriação crítica de dizeres e fazeres e, assim, possibilitam experiências de

recriação da realidade.

Cabe lembrar que um trabalho de ensino desta natureza, mesmo considerando as

ressalvas necessárias - como o predomínio discursivo docente, pouca ênfase a produção escrita

ou especificação mais acurada de conhecimentos linguísticos ou de um dado gênero-, constitui

uma iniciativa no sentido de mobilizar estes sujeitos aos seguintes movimentos preconizados

por Kleiman, Tinoco e Ceniceros (2013).

(i) a desenvoltura da ação individual e coletiva: é indiscutível o domínio de

interlocução oral das exposições realizadas pelas equipes de alunos nos

seminários escolares propostos para a discussão do entendimento das história

de lutas sociais na Amazônia; a própria realização da caminhada constitui por

si só esta desenvoltura. Trata-se de uma ação social, realizada essencialmente

pelos esforços individuais e de todo um grupo de pessoas da comunidade, que

contribuiu com aquilo que era viável: as leituras e discussões realizadas em

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pela professora e alunos no âmbito escolar sobre a realidade de impunidades na

história da Amazônia; a produção dos cartazes no auditório com frases de

efeito, a organização e seleção e veiculação de materiais de outros eventos já

construídos por estes sujeitos na comunidade; a mobilização dos alunos

participantes dos coletivos para levar e tocar instrumentos no momento do ato

expressando assim o potencial artístico e cultural desenvolvido por estes

jovens neste contexto,

(ii) as articulações da professora com os coletivos, com o músico e compositor

Rafael Lima, com os parentes das vítimas da chacina que possibilitou a

concentração de todos no auditório da escola. Para além disso, toda essa

articulação e mobilização culminou na efetivação da caminhada sem nenhuma

intercorrência ou tumulto.

(iii) a especificação dos objetivos da leitura no EM anunciado pela

regulamentação vigente, por exemplo, no sentido de formulação e

contraposição em relação aos pontos de vista, opiniões, levando em

consideração a circulação de diferentes linguagens – música, dança, sons, artes

plásticas como o boneco que representa as populações exterminadas como

sugerem os registros da caminhada aqui relatada- e suas manifestações

particulares, bem como o uso e mobilização de diferentes gêneros do discurso:

letra de música, livro, exposição oral, apresentação de slides, produção de

pequenos vídeos, cartazes, banners, recortes de notícias de jornal;

(iv) a convocação da complexa e heterogênea história do povo brasileiro e de seu

patrimônio como recursos para a reflexão, apreciação e (re) invenção de

atividades, valorizando assim os saberes constituídos sociohistoricamente e

que são pertinentes à formação de um sujeito letrado: como as histórias ligadas

aos movimentos sociais de lutas na Amazônia: Brigue Palhaço, Rei Congo,

Preto Velho, Cabanagem, construção do processo de independência do Pará.

A participação dos tocadores de instrumento do coletivo Casa Preta, as

encenações dos participantes do coletivo Capoeira Angola, a cantoria das

letras de música do compositor Rafael Lima também evocam este rico e

heterogêneo patrimônio para a realização e constituição da caminhada pelas

ruas do bairro.

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Desse modo, os trechos apresentados buscam reconstituir a prática docente de ensino

de Português no EM e, de certo modo, recapitulam aquilo que era colocado pela professora no

sentido de atender a (re)configurações do trabalho docente neste contexto específico. Em

relação a uma anunciada demanda escolarizada para fins do atendimento de um protocolo de

natureza escolar-disciplinar típico do nível médio, percebemos a recorrente exposição e

recapitulação de conteúdos tradicionais; a aplicação de pré-testes; a realização de várias horas

de seminários para fins de garantia de uma avaliação somativa - cada equipe contabilizou três

pontos para a avaliação bimestral, por exemplo.

Por outro lado, é perceptível, também, uma tentativa de contribuição a uma formação

escolarizada no sentido de uma breve iniciação ao processo de pesquisa, o que implicou

leitura, seleção, apreciação, comparação, levantamento de diferentes fontes de pesquisa,

avaliação de um dado conteúdo a ser organizado em esquemas, slides, roteiros para ser

apresentado a uma plateia que também faria comentários, questionamentos, elogios,

acréscimos de informações, contribuindo assim para efetivação do enfrentamento de cursar a

escola de EM tendo em vista o desafio de alcançar suas múltiplas finalidades nesta conjuntura

de realização da ação docente.

Um outro aspecto anunciado estaria inter-relacionado às finalidades estabelecidas

quanto a uma demanda contratual potencial entre docente e discentes para fins dos sentidos

de ensinar Língua Portuguesa nessa conjuntura, levando em conta textos e estudos da cultura

local, relacionados ao cenário geo-socio-linguístico em que estes sujeitos estão

circunstanciados (MOITA-LOPES, 2013).

Os textos do compositor Rafael Lima, a pesquisa do historiador que é professor da

escola, o levantamento de textos em fontes que não fossem tão somente o livro didático de

Português, o diálogo com outras linguagens que circulam pela comunidade, constituem o dia a

dia e as vidas destes indivíduos que estão em interação com o mundo por via de suportes

como a internet e pela sua atuação social, cultural e formativa dos coletivos culturais do bairro

o que nos conduz a pensar na criação de outros cenários, na produção de outros saberes,

linguagens, fazeres que já vêm se construindo no seio de práticas escolares.

Tais práticas deveriam ser configuradas por outras éticas, estéticas e, principalmente,

arquitetadas por outros sujeitos nestes contextos peculiares, territórios de disputas, de tensão,

de vulnerabilidade, de resistência e, até mesmo, de limiar de sobrevivência diante da polícia,

das milícias, das próprias condições acachapantes de realização do trabalho docente.

A terceira demanda estaria, então, concatenada a uma agenda da professora que estaria

voltada a um compromisso político, ideológico, educativo no sentido de promoção de uma

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responsabilidade social com esta comunidade, constituída por um elevado número de pessoas

menos favorecidas no sentido de acesso a direitos básicos - saúde, educação, moradia,

alimentação, saneamento básico.

A possibilidade de ofertar um trabalho de ensino capaz de pensar e refletir o papel da

Língua Portuguesa como um instrumento de poder, de ação efetiva para o processo de ação e

de transformação social neste cenário de resistência e de sobrevivência é a aposta necessária

para incutir e instigar este público a vislumbrar a educação como um caminho para a mudança

individual e coletiva, como um instrumento de acesso a esclarecimento e a conclamação destes

direitos, como um possível caminho a trilhar para tecer uma narrativa de vida em que a

juventude periférica venha ser a protagonista viva, real, atuante e intelectual da sua condição

por si mesma.

Nesse sentido, tais demandas se entrecruzam, mesclam e coadunam no processo tenso,

contraditório, híbrido, mestiço, assimétrico, interdependente, indissociável que se corporifica e

materializa nas práticas de uso da linguagem em uma instituição letrada que ainda serve como

palco a um processo de formação no campo do letrado, do acadêmico, do crítico, do complexo.

Estas demandas se instituem e são gestadas no processo de enfrentamento da força

institucional - escolar, acadêmica, policial-, da força da violência das ruas, das ações ilícitas

que circundam a escola e a vida destes jovens e desta professora, moradora do bairro e real

conhecedora da vida do povo, da cultura e das produções e coleções culturais ali construídas e

constituídas.

5.8 “UMA HORA A GENTE TEM QUE LARGAR UM... E GERALMENTE O QUE SE

LARGA É O LOCAL”: O ENEM E O ENSINO DE PORTUGUÊS NO ENSINO MÉDIO.

No início do segundo bimestre passado, a professora inicia com uma exposição sobre a

necessidade de dedicação aos estudos e de focar todos os esforços possíveis em virtude da

preparação para o ENEM. A partir dos resultados dos pré-testes realizados no bimestre

anterior, ela constrói um quadro de desempenho dos alunos, apontando as colocações dos

estudantes e, em função deste resultado, ela chama a atenção para a proximidade temporal dos

exames e para a necessidade de concentração nos estudos nos próximos meses (agosto,

setembro e outubro).

A docente enfatiza a importância de valorizar a escola pública, daquilo que é ensinado

nesta instituição. Segundo a docente, este alunado quer entrar na universidade e sinaliza que

para além das avaliações, os discentes precisam ter uma postura diante da vida e da realidade

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187

que lhes circunda, a fim de que possam construir uma sociedade mais responsável. A

professora expõe:

Quadro 7

Nível 1.1

Marcador

0’’00 a 24’’03

___________

Ensino Médio

Conscientização

Currículo

Lá vem ela de novo com esse papo, mas é importante, [...]. Mas eu imagino que a maioria aqui

pretende pisar no solo de um ensino superior [...] se tu começares a ler e construir maturidade na

discussão, vai te servir como conteúdo pra elaborar o teu tema, [...] Mas tu já pensaste que dentro do

é, dentro do contexto atual [...] aí tu vais fazer vestibular. [...] A base da violência contra a mulher, o

alicerce, a discussão todinha, é a questão da misoginia, e aí, você se considera um homem misógino? [...]

Então tudo isso eu acho, não só por uma questão de que tu vais fazer uma prova escrita que tu vais

ter que escrever um texto, que tu vais ter que defender um ponto de vista com argumentos, é

convincentes, né? Não só por isso, mas eu acho assim que até pela tua postura diante da vida, [...].

Então tu precisas ter um posicionamento [...] tu fizeste recentemente um trabalho, no qual o teu livro

de história ignora, porque a história ela é contada pelos vencedores, nunca se conta o lado dos

vencidos, [...] a gente tá dentro do processo acadêmico, [...] você tem por obrigação, é um dever seu,

construir posturas e mentalidades e atitudes que venha contribuir para a formação de uma

sociedade melhor.

Para além de ter repertório, de defender um ponto de vista, de construir argumentos

para tecer uma avaliação escrita, é necessário que os discentes tenham um posicionamento

para a vida, compreender a realidade em que ele está inserido. Construir um ponto de vista, ter

uma atitude, ter uma leitura sobre a realidade, sobre a história, sobre os temas contemporâneos

é uma obrigação para a construção da vida e para a construção da sociedade. Isto indicia um

processo de ensino da redação escolar atravessado, de certa forma, pelas perspectivas de

agentes de letramento vinculados às questões locais e ao contexto da escola pública, urbana,

periférica, que precisa cumprir com o seu compromisso de “preparar” para as avaliações

externas e, consequentemente, para uma possível continuidade dos estudos.

Mas, mesmo diante dos avanços das investigações no campo do ensino de Português,

decorrentes do investimento de práticas de (multi/novos/trans) letramentos no âmbito escolar e

não escolar, a afirmação de Kleiman (1995) de que o modelo de letramento escolar autônomo

predomina na conjuntura educacional do país, ainda, ressona na discussão sobre o ensino de

línguas(gens). O reconhecimento da condição do não escolarizado ou menos escolarizado em

instituições formais; a eleição de objetos de ensino na regulamentação oficial de ensino; a

mobilização de um conjunto de normas, de práticas, de regulações e de discursos para o

processo de elementarização de determinados objetos de ensino na cadeia discursiva de

didatização (SCHNEUWLY; DOLZ, 2009; SIGNORINI, 2006; GOMES-SANTOS, 2004).

Os resquícios de permanência deste conjunto de fatores, que evocam ao supracitado

modelo, sobrevivem na corporificação, conjugação, (re)alinhamento, atualização de práticas de

ensino de Língua Portuguesa no EM (KLEIMAN, 1995; FERREIRA, 2017b; STREET,

2014;). Na sequência, a docente orienta sobre como será realizado o trabalho para a segunda

avaliação.

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188

Quadro 7

Nível 1.4

Marcador

51’’45 – 54’’03

___________

Currículo

Instrumento

Didático

A nossa segunda avaliação vai ser assim, uma redação, e uma redação. A nossa segunda avaliação

vai ser assim uma redação e um pré-teste parecido com esse, só que com mais questões, tá? Então,

vai ser basicamente voltado pro ENEM né? E aí a redação, ela vai ter esse peso até 5, e o pré-teste

também 5, tá? [...] não deixa de trazer teu livro [...] outra coisa procura trazer um dicionário... E aí

a gente vai tentar levar o trabalho mais focado pra isso, produção de texto, e análise textual, mas

mais pra produção, porque eu não tenho dúvida que o nível de discussão de vocês é um nível elevado,

[...] Falar, vocês sabem falar muito bem, expressar mais ainda. Mas na hora que tem que estruturar

isso num texto escrito.

Nesse sentido, observamos resquícios do registro da assertiva supracitada no sentido de

que a preparação para o ENEM gotejaria princípios que convocam o que Street (1985)

categoriza como modelo autônomo de letramento, a saber: (i) a ênfase no esforço individual

para o aprendizado, (ii) aprendizado da escrita, de um modelo de escrita que independe do

indivíduo, que, em tese, é isenta de uma realidade social, (iii) o uso de instrumentos didáticos

específicos, como gramáticas, livros, dicionários, modelos; (iv) a aplicação de uma série de

(pré)testes, tarefas e exercícios para fins de regulação da aprendizagem.

Cabe atentar que para ensinar a redação escolar são convocados dois bons e velhos

instrumentos didáticos do professor de português: o livro didático80

e o dicionário, o que

sugere uma seleção de textos mais ligados à esfera didático-escolar, aos modelos escolares e

aos usos linguísticos mais próximos à variedade considerada padrão. Cabe notar que os

motivos que conduzem ao uso do LD são diferenciados, nesse caso, a utilização do mesmo

perpassa por certa dualidade, mas com a mesma raiz, o discurso hegemônico, unilateral, e

factual (o que é dado e não coconstruído), perpassando por vozes que envolvem uma teia

discursiva: o LD, a política pública do PNLD, a voz do autor, do editor que divulga o discurso

do dominador.

Então, a dualidade do discurso dela em relação ao LD está no fato de: a) tentar

desconstruir as verdades universais propagadas, por isso o letramento crítico, o trabalho a

partir de uma conscientização crítica da linguagem veiculada no LD; b) o uso do LD como

movimento de didatização em torno da produção textual (estrutura, formas canônicas,

modelos, regras).

Dessa forma, a dualidade está na ideia do Novo x Dado, que é imputada no discurso

dela acerca do material didático utilizado, o que denota um movimento antagônico que ora está

a serviço da desconstrução de um discurso hegemônico, ora está a serviço de tentar usar este

mesmo discurso para servir ao ensino de uma escrita que, em tese, possibilitaria a construção

80 Segue a referência do livro de Língua Portuguesa adotado: ABAURRE, M.L. et al. Português: contexto,

interlocução e sentido. 2.ed. São Paulo: Moderna, 2013.

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de uma aprovação que lhes levaria a transgredir, resistir e sobreviver à realidade de exclusão

que lhes circunda e, muitas vezes, nega o direito de dar continuidade aos estudos.

No quadro sinóptico 9, é possível observar três momentos interessantes da prática

docente: (i) a especificidade do alunado da escola pública, (ii) a reiteração do discurso da

necessidade de estudar para o ENEM e (iii) a exposição oral do texto dissertativo e do modelo

de redação solicitado pelo referido processo avaliativo a partir do que é apresentado no LD.

Segue abaixo um trecho sobre o primeiro aspecto referenciado:

Quadro 9

Nível 1.1

Marcador0’’00 a 27’’40

___________

Resolução de problemas

Crítica

Consciência

P. [...] Olha uma situação como essa [...] O menino chega pra assistir a aula dele, ele tem que

ir atrás do cara que liga o ar condicionado e aí se o ar condicionado tá quebrado, o cara que

liga diz que o problema não é dele, porque ele só liga. E aí ele vai ter que ir atrás de um

profissional [...] e tudo isso, constrói, interfere, isso constrói, eu fico colocando assim, sabe,

quando eu dava aula na Escola X (instituição privada) eu sempre colocava o menino de Nazaré

(bairro nobre) e o menino da Cremação (bairro da periferia), é óbvio que esse garoto [...] que vai

solucionar um problema que não é da alçada dele,[...] ele vai amadurecer muito mais do que

aquele que senta e tá tudo pronto pra ele, né verdade? Ele vai começar a construir soluções

práticas pra vida.

Nesse dia, mais uma vez, a falta de estrutura do prédio interfere no desenvolvimento

dos trabalhos: o aparelho de refrigeração não estava funcionando e o aluno, representante da

turma, precisou ir em busca de solução. Isto diferencia este sujeito, ele precisa tentar resolver

um problema que, por sinal, não compete ao alunado assumir. A desigualdade da infraestrutura

dos prédios intervém na cadeia de trabalho do professor e obriga o aluno a tomar uma atitude

diante da realidade que constrange o direito de chegar em sala de aula, sentar e estudar.

No próximo nível, a professora situa a condição deste aluno que persiste na escola: “tu és

árduo, tu és duro, [...] desde pequenininho tu és duro. [...] infelizmente por uma falta de

infraestrutura e por uma desigualdade social tu já estás mesmo que preparado pra esse campo

[...] de batalha, de guerra, de competição”, contexto típico das situações de grandes avaliações

como a prova que este aluno teria que enfrentar. Em função disso, este sujeito precisa estudar,

focar, persistir nos últimos meses de preparação para o ENEM:

Quadro 9

Nível 1.2

Marcador

28’’00 - 45’’00

______

Resolução de problemas

Consciência Resistência

P. [...] a gente é tragado pelas atividades cotidianas, e [...] não estão atreladas a leitura,

formal, a escrita. E aí tu precisas te forçar a isso, [...], tu tens que começar a reservar tempo

dentro do teu tempo que tu não tens, tu tens que te forçar a ler, pelo menos esses 3 meses,

porque é só assim que a gente vai conseguir garantir um bom texto. [...] Eu preciso ler.

Eu tenho que ler.[...] eu prestei vestibular três vezes gente, [...] eu fiz a primeira vez, não

passei, todo mundo achava que eu ia passar. Eu fiz a segunda vez, não passei, [...] e o terceiro

ano foi quando eu passei, [...] ninguém acreditava, [...], depois disso na vila onde eu

morava, todo mundo disse que ia prestar vestibular [...] Baixa aula, baixa vídeo - aula, e

começa, tu tá ali trabalhando, porque tem alguns que trabalham, tu tás ali trabalhando

e tá ouvindo aula.

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Este excerto apresenta dados sobre o (não) lugar da escrita padrão no cotidiano deste

aluno. Ele precisa organizar um tempo e inserir em algum momento do seu cotidiano um

espaço para “transitar” na língua e nos conhecimentos oficiais, institucionais, legitimados,

escriturários. A história de vida da professora - mulher, negra, moradora de um bairro da

periferia da Belém, professora, efetiva, concursada-, revela o “sucesso do improvável”

(LAHIRE, 1997). Ela passou no vestibular e ainda serviu de exemplo para os moradores da

“vila” onde residia e hoje para os moradores da atual periferia em que mora e atua como

professora da escola pública e coordenadora de um atuante coletivo cultural do bairro.

Por isso, o aluno precisa focar, acreditar e estudar, mesmo que ele seja consumido por

outras demandas cotidianas, como o trabalho informal que alguns deles exercem no comércio

do bairro, mesmo que não tenham lugar adequado aos estudos em casa ou na própria escola.

Resta o questionamento: a realidade social desigual vivenciada por este aluno pode ser vencida

somente por via do esforço pessoal deste indivíduo no sentido de baixar e ouvir aulas?

A aula prossegue com a apresentação da institucionalização conceitual do texto

dissertativo, enfocando para o que viria a ser um tópico frasal. Percebe-se a ênfase atribuída à

necessidade de identificação da estrutura constitutiva do texto dissertativo. A construção do

repertório e a apropriação da estrutura tipológica parecem configurar como duas etapas

importantes, para que os alunos produzissem a redação. Nesse sentido, é lançado o exercício

de leitura dos textos e a análise dos trechos para fins de identificar e compreender estes

mecanismos de constituição textual:

Quadro 9

Nível 1.3

Marcador

45’’05 -1’24’’34

________

Uso LD

P. [...] Agora eu quero que tu faças isso com essas partes do texto dissertativo, argumentativo,

onde é que tá a tese? Onde tá o tópico frasal? Existe um período que concentra o tópico frasal,

qual é a ideia do desenvolvimento? O argumento 1, ele desenvolve qual ideia, e o argumento 2?

A conclusão? Qual a proposta de intervenção nesse texto? A gente vai pegar um bisturi e vai

sair retalhando o texto [...]

A. 08h41min

P1 – Pega teu livro, abre teu livro na pagina 383, concentra só no primeiro parágrafo, como

eu te disse a gente vai retalhar o texto agora né? [...] me responde às seguintes perguntas: Há tese

no primeiro parágrafo? Se há, qual essa tese e em que período ela se concentra?

A breve descrição do quadro sinóptico 9 possibilita atentar para três aspectos

supracitados e recorrentes ao longo da construção do episódio: (i) a crítica ao contexto social,

(ii) o incentivo ao empenho nos estudos, (iii) o ensino do modelo estrutural. Componentes

estes, que contribuiriam para a preparação deste grupo de alunos no sentido de obter um bom

desempenho na prova de redação e, assim quem sabe, ter uma chance de ingressar no ensino

superior.

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Um dado interessante deste fragmento da interação didática diz respeito à iniciativa do

aluno “lembrar” o tempo destas aulas de “preparação específica”. Muito embora, a professora

não tenha questionado sobre a hora exata. Essa “iniciativa” do aluno não foi observada, por

exemplo, durante as horas e horas dedicadas aos seminários de preparação relatados no

episódio anterior, sendo que algumas exposições foram realizadas nos últimos horários de

aula, o que corresponde ao horário de 11h30min às 14:00h.

Esta manifestação do aluno denota o cansaço do alunado depois de quase uma hora e

meia de exposição oral intensa, mas também faz recordar o que a docente cita nas entrevistas

sobre o que “funciona” em sala de aula, isto é, o que aluno mais aceita, o que tem melhor

recepção do alunado no sentido de assumir tarefas, posicionamentos. Mesmo que a relevância

deste conteúdo seja evocada, recorrentemente, o aluno cansa.

De certa forma, eles resistem ao trabalho de ensino mais voltado ao conteúdo, ao livro

didático, à intensa exposição do conteúdo livresco para fins de memorização do conteúdo, do

modelo, a ter que fazer o “exercício” de análise escritural. Exercício este, considerado como

contraparte fundamental neste processo de didatização, delimitado fortemente pela “instância

da aula”. Sobre a relação existente entre essas duas instâncias, Batista (1997, p. 88) tece o

seguinte comentário:

Grande parte da organização da interlocução realizada na instância da aula provém da

organização dos textos em torno dos quais se estrutura a instância do exercício, cujas

unidades e formas de progressão coincidem com as possibilitadas pela instância: são

correspondentes os dois desenvolvimentos de discurso possibilitados por uma e outra,

os mecanismos de articulação e progressão de uma e outra.

É importante notar que tanto uma instância como outra estão interligadas ao livro –

instrumento didático central no trabalho da professora neste episódio –, estabelece-se uma

cadeia que articula os enunciados da docente com aqueles do material didático. Nesse tipo de

aula, o aluno permanece, nessa cena didática, como o espectador privilegiado, a troca

interacional que se constrói com o aluno é acessória em relação àquela cadeia. Eles precisam

solucionar a tarefa imposta pela professora, passam a fazer solitariamente ou buscam interagir

com um ou outro colega e nem sempre a interação estabelecida é voltada ao objetivo didático

ora solicitado.

A professora faz a leitura em voz alta dos primeiros parágrafos do texto. Trata-se de

uma redação do ENEM 2012 que obteve nota máxima e é apresentada pelo livro didático de

Língua Portuguesa. Uma análise é apresentada pela docente e a mesma procura identificar a

tese, o tópico frasal, o modo como o tema é desenvolvido, a disposição dos argumentos, a

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192

natureza da argumentação. A docente sinaliza as fragilidades do texto e não considera o texto

como nota 1000. Os alunos precisam dar continuidade ao exercício de análise deste texto.

No dia 26/08/16, a professora apresentou os tipos de argumento e solicitou que os

alunos finalizassem esta tarefa em sala de aula. Na semana seguinte, a prova da segunda

avaliação foi aplicada. A exemplo do exercício proposto, a prova era composta por uma

redação do ENEM 2015 e um conjunto de questões subjetivas sobre a estrutura do texto

dissertativo (Anexo C). A aula do dia 01/09/16 foi dedicada à leitura e análise deste texto e a

resolução das questões propostas na avaliação escrita.

Pode-se perceber que os alunos apresentam dificuldades para responder aos

questionamentos propostos na avaliação aplicada, quando lhes é cobrado o conteúdo mais

limitado à estrutura do texto dissertativo argumentativo. O modelo de avaliação externa baliza

o trabalho do professor no sentido de restringir a um objeto de ensino e, ao mesmo tempo, de

certo modo, limita o trabalho de ensino ao treinamento, à memorização, à imitação de um

modelo ou formato de escrita para uma dada circunstância docimológica que, em tese, estaria

concatenada a um objetivo de ter um desempenho mínimo ou razoável, a fim de concorrer a

uma vaga em uma IES.

Quadro 10

Nível 1.2

Marcador

15’’34-51’’00

_________

Uso

LD

Apostila

Discussão de

modelo escrita

P1: Olha galera, bora fazer o seguinte aqui, a gente vai ficar com a nossa prova e com a apostila, tá?,

[...]. Nós temos a prova da Amanda que, égua, ela segue, tu pegas aquele resumo lá do caderno, ela

segue, catedraticamente aquele resuminho lá, parece que ela pegou o teu caderno e estudou pra fazer

essa prova, só que ela fez essa prova em 2015,

[...] então ela tem um, dois, três, quatro parágrafos, sendo que destes quatro parágrafos, um já é

introdução e no outro ela constrói a conclusão, e dois para o desenvolvimento,[...] quando tu pegas

e lê a redação da Amanda é como se ela tivesse colocado numa forma o texto dela [...] aí o ENEM vem

e lança a nota dela como nota mil.[...] E se atende os critérios, a nota é mil, atendeu tudinho, é mil, [...]

O que te dá garantia é tu leres, se tu sabes tudo isso aqui, tu começas a ler, tu tens garantia do

que estás fazendo, se tu não leres, tu não vais conseguir, não adianta, vai ficar com aquela

redação presa cheia de termos coesivos, né?

É interessante atentar a presentificação dos dois dispositivos didáticos elementares para

o desenvolvimento da aula: a prova e a apostila, os quais serviriam para nortear as

considerações gerais a serem realizadas ao processo de elementarização do objeto de ensino

(SCHNEUWLY; DOLZ, 2009). Sinalizado isto, as primeiras considerações a respeito do texto

da prova são anunciadas. A primeira diz respeito ao caráter normativo da estrutura considerada

nota 1000 pelo INEP.

Por conta disso, este modelo estrutural “aquele resuminho” é institucionalizado,

presentificado, recomendado, reafirmado, mas só terá sucesso se tiver um componente

fundamental: leitura, uma leitura crítica dos fatos, dos acontecimentos, dos problemas que

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193

devem ser problematizados pelos alunos. Assim, a aula prossegue com a leitura em voz alta de

trechos da redação para a identificação da mencionada base estrutural.

Quadro 10

Nível 1.2

Marcador

15’’34-51’’00

Uso

LD

Apostila

Discussão de

modelo escrita

P1: “A violência contra a mulher no Brasil tem apresentado aumento significativo nas últimas décadas,

de acordo com o mapa da violência de 2012, o número de mortes por esta causa aumentou em 230% no

período de 1980 a 2010.” É, isso tudinho aqui é uma apresentação, uma introdução, é preparar

terreno pra poder lançar uma tese [...] Ela tá sendo precisa [...] o âmbito dos dados estatísticos, o

levantamento do índice de violência, todas essas afirmações que ela fez que não é dela, agora ela

vai lançar uma tese. [...] tenho duas ideias, eu tou dizendo que a violência tem raiz, o quê é raiz? [...]

Então ele fala assim: “A violência contra a mulher tem base, tem origem em duas questões, uma é

histórica, a outra é ideológica”, eu tenho duas ideias aí sobre a questão da violência contra a

mulher, automaticamente, obrigatoriamente ela terá que desenvolver um parágrafo para a questão

histórica e outro parágrafo para a questão ideológica.

Pode-se perceber que o texto serve para a exemplificação do modelo de redação

apresentado. A aluna faz um preâmbulo, apresenta a tese e desenvolve as duas ideias lançadas

nos parágrafos seguintes. Após a identificação do conteúdo estrutural, a docente passa a

contextualizar a temática, ela narra situações do cotidiano e acontecimentos muito próximos da

realidade das mulheres da periferia de Belém-PA, situações vivenciadas por estes sujeitos, no

cotidiano suburbano amazônico, e que revelam bem a situação de desigualdade de gênero, da

condição das mulheres, em especial, as mais jovens nesta conjuntura social brasileira, minada

de machismo, misoginia e violência –física, simbólica, sexual, patrimonial- contra mulher.

Quadro 10

Nível 1.2

Marcador

15’’34-51’’00

_________

Uso

Questão de

gênero

Crítica à

condição da

mulher na

sociedade

brasileira

Discussão de

modelo escrita

P1: Olha, se tu fores perceber, sabes o que ela faz, ela faz um levantamento histórico, de fato o que pesa

mais é o histórico, mas ela está inteligentemente, ela está justificando o ideológico, tá ou não tá? [...]

estava conectada, aí pula lá a mensagem de fulano de tal se retratando no face e explicando que

pertencia a um grupo, é de whatsapp e que naquele grupo tinha desmerecido uma pessoa e era

uma mulher [...] eu fui machista, eu fui imbecil, eu fui babaca né?[...] olha como a sociedade é

machista, no momento em que ele vai pro face e pede perdão publicamente, todo mundo vai, uau,

olha parabéns, né parabéns cara, só que a Renata estava online, [...] lá do PSOL, ela finaliza lá assim

mesmo, machismo é crime, violência contra a mulher é crime, perdão não resolve nada, ela fechou

né? [...] o cara, ele maltrata a menina, ele ridiculariza a menina, ele expõe a menina, ele coloca no grupo

de whatsapp, grupo que são várias pessoas né? [...] Quando a menina fica com raiva, ele vai lá pro

face e se retrata, e todo mundo aplaude, é interessante isso né? Porque faz o contrário, se a menina

faz isso, se a menina começa a falar coisas de alguém que ela namorou, e fica falando, fazendo

ofensas relacionadas a sexo, por exemplo, ela é vagabunda, ela é motosserra, [...] tudo aquilo que

não presta, porque a mentalidade, a cultura brasileira, ela é machista, e outra coisa, [...] quando a

menina faz alguma merda, é motivo pra ele não falar nunca mais com ela, ele é o escrotão né? [...]

acabou amizade pra sempre. A menina quando ela sofre esse tipo de violência, quando ele pede perdão

ainda publicamente, se ela não aceita, poxa que coração ela tem? Que tipo de ser humano ela é?

Como é que pode gente? Todo mundo erra! Mas quando ela erra com ele e vai pedir perdão, que

ele não aceita, todo mundo [...] diz: mas também foi [...] complicado cara, difícil perdoar desse jeito,

ela foi muito sem noção. Eu tô mentindo? [...] no que diz respeito à vida conjugal [...]. A menina tá

namorando com o menino, tá maior amor, né? No meio da relação descobre-se que ele engravidou

outra, mas ele ama muito essa namorada dele, e ele pede perdão pra todas as amigas, pra todos os

parentes, pra todos os familiares, ele ama essa mulher, perdoa, imagina, assim, faz o contrário, a

menina tá namorando com o menino, eles estão no auge da relação, ela engravida de outro, poxa,

assume essa criança, tá tão lindo o relacionamento de vocês e ela te ama tanto, olha aqui que ele

assume, porra nenhuma, a família dela, vagabunda, vai criar teu filho só, pra ti deixar de ser

vagabunda, tu não tava com o rapaz? Um rapaz direitinho…

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194

A partir da leitura do fragmento, é possível criar um quadro para que possamos

visibilizar a construção social identitária atribuída ao homem e à mulher em determinadas

situações sociais que, por sinal, parecem, mas não são hipotéticas. Podemos perceber que a

construção discursiva delega a figura feminina um lugar social desigual, depreciativo,

preconceituoso, violento. Estes dados remetem a alguns posicionamentos do Ensino Crítico da

Linguagem: 1) propõe-se a explicar e não apenas a descrever o discurso de uma sociedade ou

de uma instituição social, demonstrando a conexão entre seus determinantes estruturais e seus

efeitos; 2) Então, podemos dizer que o discurso aqui tem um efeito dialético, estruturado e

estruturante. Estruturado, moldado para relações sociais particulares dentro das quais são

gerados; estruturante, porque tem efeitos sobre as relações sociais, reproduzindo-as e

transformando-as; 3) Alguns posicionamentos denotam como as conexões ideológicas

particulares são impostas entre determinantes estruturais e discursos, e entre discursos e efeitos

estruturais, através da luta entre forças sociais; 4) O discurso é em si mesmo uma prática de

luta, e não simplesmente uma questão de seguir convenções, pois tem implicações reflexivas

(FAIRCLOUGH et al, 1996, p.46). Assim, desenvolver a (auto)consciência dos dominados,

implica em torná-la, necessariamente, crítica. A consciência seria, então, um modo como as

práticas sociais são moldadas, em suas dimensões linguísticas, pelas relações exploratórias de

poder.

O quadro 24 demonstra como a diferença de construção de gênero da mulher e do

homem é configurada no discurso enunciado:

Quadro 24 - Alusão à figura masculina e feminina na construção discursiva docente

Homem Mulher

“tinha desmerecido uma pessoa e era uma mulher”

“eu fui machista, babaca, imbecil”

“machismo é crime, violência contra a mulher é crime,

perdão não resolve nada, ela fechou né?” (voz da

ativista)

“ele vai lá pro face e se retrata, e todo mundo aplaude,

é interessante isso né”

“se a menina faz isso, se a menina começa a falar

coisas de alguém que ela namorou, e fica falando,

fazendo ofensas relacionadas a sexo ela é vagabunda,

ela é motosserra, [...] tudo aquilo que não presta”

“quando a menina faz alguma merda, é motivo pra ele

não falar nunca mais com ela, ele é o escrotão né?

“Mas quando ela erra com ele e vai pedir perdão,

que ele não aceita, todo mundo [...] diz: mas também

foi [...] complicado cara, difícil perdoar desse jeito”

“No meio da relação descobre-se que ele engravidou

outra, mas ele ama muito essa namorada dele, e ele

pede perdão pra todas as amigas, pra todos os parentes,

pra todos os familiares, ele ama essa mulher, perdoa,

imagina”

“Um rapaz direitinho…”

“ela engravida de outro, poxa, assume essa criança, tá

tão lindo o relacionamento de vocês e ela te ama

tanto, olha aqui que ele assume, porra nenhuma, a

família dela, vagabunda, vai criar teu filho só”

“pra ti deixar de ser vagabunda, tu não tava com o

rapaz?”

“faz o contrário, aí tá lá, o sonho é do casal, o cara tá a mulher sai, e dá uma, sei lá, está estressada porra,

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cuidando, é presente, é paizão”

“O dele é só picotezinho diferente”

leite vazando por aqui, vai dar uma diferente, volta,

que filha da porra, quer dizer que o cara cuidando da

criança em casa, ela sai pra dar na rua, mas que

vagabunda (risos dos alunos)

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Ao retomar as ideias defendidas por Martin Luther King em relação à necessidade de

uma “verdadeira revolução de valores”, Hooks (2017) reporta a incerteza de viver no caos, no

naufrágio moral, intelectual, espiritual em tempos de incorporação e apelo à continuação de

um sistema de dominação – étnico, sexual, econômico, colonial-, de uma naturalização da

violência, de reafirmação favorável e retorno a um passado (ideal) com tradições que

prometem estabilidade a partir da noção de família ligada a uma noção de segurança, de

preservação de valores de um dado grupo, raça, classe, religião proclamados por uma Nova

Direita e grupos neoconservadores.

A mencionada autora diz sentir-se perplexa ao perceber que mesmo diante das

estatísticas de violência doméstica - simbólica, virtual, física, estupro, pedofilia, feminicídio-,

ainda que o agressor, quase sempre, seja uma pessoa do dito “lugar seguro”, mesmo diante da

rejeição social de um número considerável de pessoas a esse modelo idealizado de família

patriarcal, os ultrajados e atuais mitos conservadores são perpetuados (HOOKS, 2017). Os

dados estatísticos do Atlas da violência (2018) confirmam as assertivas de Hooks (2017):

Uma subseção que começamos a tratar no documento deste ano diz respeito ao

grande problema dos estupros no país. Trouxemos dados estarrecedores sobre esse

fenômeno bárbaro, em que 68% dos registros, no sistema de saúde, se referem a

estupro de menores e onde quase um terço dos agressores das crianças (até 13 anos)

são amigos e conhecidos da vítima e outros 30% são familiares mais próximos como

pais, mães, padrastos e irmãos. Além disso, quando o perpetrador era conhecido da

vítima, 54,9% dos casos tratam-se de ações que já vinham acontecendo anteriormente

e 78,5% dos casos ocorreram na própria residência (IPEA, 2018, p.04).

De fato, não experimentamos a supracitada revolução de valores, os dados gerados

revelam o universo discursivo em que a voz da ativista, revozeada pelo discurso da professora

em sala de aula, reitera que a mulher ofendida e exposta nas redes sociais é alvo de um crime:

“machismo é crime, violência contra a mulher é crime, perdão não resolve nada”. O

posicionamento da militante vai de encontro ao pedido público de perdão endossada pelos

pedidos dos supostos amigos: “ele vai lá pro face e se retrata, e todo mundo aplaude”.

Os posicionamentos reportam a uma das propriedades dialéticas do discurso: o discurso

estruturante, o efeito aqui é não só o de reproduzir, mas tentar transformar, afetar a estruturada

formação histórica machista, violenta, invasiva, corrosiva. Este discurso é corporificado por

intermédio da língua em meios de comunicação e de circulação dos fatos instantânea,

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196

interativa, colaborativa, os quais possibilitam o processo de instauração do embate ideológico

convocado para a construção do discurso pedagógico que também tem como meta dissolver

por via de uma dialética discursiva o que está estruturado e é perpetuado pela sociedade no

âmbito público e privado (FAIRCLOUGH et al, 1996 ).

Esse contraponto de posições vai servir de apoio para irônica e longa teia discursiva

tecida pela docente, que elenca situações que sempre desfavorecem a mulher, a partir de uma

moral forjada, que a coloca sempre em situação depreciativa “vagabunda, motosserra, [...]

tudo aquilo que não presta, ela foi muito sem noção, filha da porra” e favorecem a figura

masculina, até mesmo, pelo uso linguístico que marca superioridade “escrotão”, “paizão” ou

pelo uso do diminutivo que também o eleva ou justifica uma traição “um rapaz direitinho”,

“picotezinho diferente”. Ao estabelecer de modo muito irônico tais relações comparativas a

partir de novelas da vida real suburbana, o discurso estruturante da docente buscaria,

novamente por intermédio do elemento da dialética discursiva, não somente reproduzir o que

está edificado por sistemas ideológicos há muito instituídos, mas, de algum modo, cindir a

histórica edificação social brasileira e, ainda, tão atual da Casa Grande e Senzala freiriana

(FAIRCLOUGH, 1996 et al).

Mesmo que esta desigual realidade não ocupe um espaço de debate efetivo e de

discussão com os alunos. No diário de campo do dia 1 de setembro de 2018, a professora relata

que a maioria destas situações levantadas são vivenciadas por mulheres da comunidade- negras

ou pardas, suburbanas, oriundas de uma situação de considerável vulnerabilidade financeira.

Realidade esta vivenciada, inclusive, por algumas das alunas presentes naquela aula. Trazer

esta demanda real para o seio do movimento didático pode constituir como uma prática de luta,

a medida que incita uma prática reflexiva acerca do cotidiano da opressão feminina naquele

contexto social (FAIRCLOUGH, 1996 et al).

A finalidade da fala docente é buscar por via do discurso pedagógico “desnaturalizar”

estas situações vivenciadas por estas jovens, colocando em xeque os lugares ocupados por

essas meninas, a postura e os discursos da sociedade, da família, dos amigos diante destas

circunstâncias referenciadas, que reforçam e perpetuam relações de preconceito, de machismo,

de violência, de misoginia, os quais estão, intimamente, relacionados aos alarmantes números

de feminicídios no Brasil: “a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que

entre as não negras (3,1) – a diferença é de 71%. [...] a taxa de homicídios para cada 100 mil

mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%”

(IPEA, ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018, p. 40, p. 51).

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197

A professora retorna ao processo de resolução das cinco questões do exercício e reforça

o conteúdo, usando a memória didática do conteúdo e das leituras já expostas, além da

presentificação dos tipos de argumentos em um dos dispositivos didáticos utilizados: a apostila

sobre tipos de argumento. No nível 1.4, encontramos a resolução das questões da prova:

Quadro 10

Nível 1.4

Marcador

56’’42 –

1’31’’36

Resolução de

exercícios

P1: Então, na primeira questão eu deveria dizer que era dados concretos, provas concretas, levantamentos

estatísticos, né? que é esse tipo, na apostila, ele é, tá aqui, ele é o quarto argumento, argumento de provas

concretas ou princípio , aí eu tinha que dizer, [...] tu colocastes meio certo, mas tu tens que dizer sobre a

estratégia argumentativa, o quê que isso provoca dentro de uma redação. A segunda questão: ainda no

primeiro parágrafo. [...] Transcreva o tópico frasal que sustenta sua tese. Era pegar lá no primeiro

parágrafo e trazer pra cá [...], pegava de lá, coloca as aspazinhas, as reticências, [...] O segundo parágrafo,

agora a gente vai pro desenvolvimento, o segundo parágrafo apresenta dois tipos de argumentos, [...] diga

que argumento é, e quer que eu explique por que é esse argumento, tá certo?

A seguir, selecionamos um trecho da fala da professora a respeito da quinta questão da

avaliação referente à construção da proposta de intervenção e posição da mulher na vida

pública em uma sociedade machista. As duas propostas de intervenção da redação considerada

nota “1000” são dissolvidas pela docente, que, ainda, aproveita o ensejo para fazer mais uma

contextualização sobre a questão do machismo no Brasil:

Quadro 10

Nível 1.4

Marcador

56’’42 –

1’31’’36

Crítica à

condição da

mulher

no Brasil

Modelo

escrita

P1: [...] sobre a proposta de intervenção [...] Ela diz que tem que lançar um projeto de lei, lá, lá, lá, lá…

pow, isso aqui a gente tem, projeto de lei, não tem só projeto, tem leis, tá certo? A gente tem leis

sancionadas, em vigor.

[...] Então o problema não é só, porque também não pode se desmerecer o fato, o projeto de lei tem o seu

valor, tem a sua importância, tem o seu significado, mas não é só escrever o projeto de lei, não é só

aprovar essa lei, mas é fazer com essa lei se cumpra, eu preciso de algum sistema, eficaz, não é só ter

um sistema, eu preciso ter uma eficácia no sistema de vigilância [...] Ei gente! Isso é um problema dessa

solução dela, por quê? Porque quem faz a propaganda? A equipe que gerencia isso, já tem essa

mentalidade histórica, então me parece gente, que se a gente for empurrar goela abaixo essa proposta

de intervenção, não vai funcionar muito não. Onde é que tá a base dessa mudança? É na preparação

dessas pessoas que vão trabalhar no meio da propaganda. É educação. [...] tem que se desconstruir

enquanto machista [...] Tu tás entendendo o que eu tou te dizendo? Traz a prova agora, dentro da

política, do que adianta a gente conseguir eleger uma mulher presidenta se quando chega lá o

governo e o parlamento todo é machista e tira ela de lá? Não adianta.

Nesta questão, a tarefa dos alunos deveria ser a elaboração de um parágrafo

argumentativo, contestando as ideias conclusivas apresentadas pela autora da redação nota

1000, sinalizando as possíveis inconsistências da possível solução da questão-problema (a

violência contra mulher). Trinta e sete alunos fizeram a prova, seis alunos não responderam ao

questionamento, mas o restante se posicionou, embora muito alunos não tenham contestado o

texto base da prova, a maioria apresentou uma possível solução mais efetiva ao problema

proposto. Vejamos um breve mapeamento de respostas sugeridas pelos discentes na avaliação

escrita:

1.“estratégias de fiscalização que garantissem o cumprimento de leis”;

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198

2. “criação de um projeto de lei que aumente a punição dos agressores”;

3. “as leis precisam ser colocadas em prática de maneira justa aplicação das leis”;

4. “leis mais severas, rigorosas, rígidas”;

5. “pedir ajuda às mídias para criar campanhas governamentais para a denúncia da

violência contra mulher, crie comerciais de encorajamento”;

6. “visita surpresa na casa dos agressores de mulheres”;

7. “a necessidade da mulher denunciar o agressor e procurar seus direitos, criar

coragem”;

8. “conscientização das mulheres a denuncia-los, a mulher deve se impor”;

9. “deixar de apresentar comportamento machista que dita que as mulheres servem

apenas para o prazer e deveres domésticos”;

10. “a educação é uma ótima proposta”;

11.“criar projetos nas escolas para quebrar essas raízes históricas e ideológicas e assim

nossos pequenos

cidadãos possam ter a mentalidade de direitos iguais”;

12. “aumentar a penalidade como obrigar o agressor a fazer campanha contra a agressão

feminina”.

Um dado interessante das respostas discentes diz respeito à recorrente menção ao fato

da necessidade de denunciar o agressor. Ter coragem de buscar seus direitos, de se “impor”.

Parece que a impunidade deste tipo de crime ainda é muito recorrente. Outro aspecto frisado

em muitos textos está relacionado ao aumento de rigor e de severidade das leis que, de fato,

precisam ser colocadas em prática. Também, chamou atenção à recorrência de um

comportamento machista que conduz a mulher ainda ter que “servir” ao companheiro e está

submissa às situações violentas que parecem fazer parte de um cotidiano muito próximo a

estes sujeitos.

Talvez, por isso, algumas propostas como a “visita surpresa” dos agentes públicos de

segurança aos agressores e uma maior punição atrelada ao fato de obrigar o criminoso a ter que

fazer campanha contra a violência às mulheres. Na ótica dos alunos, tais medidas poderiam ser

mais eficientes para tentar coibir este crime, tendo em vista que as leis existentes, inclusive a

lei 13.104 ou lei do feminicídio, sancionada em março de 2015, ainda não foram suficientes

para frear o crescimento do número de ocorrências81

, lamentavelmente, ainda mais recorrentes,

81 “Dados referentes a 2016 revelam que 4.645 mulheres foram assassinadas no país no ano, o que representa

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199

conforme os dados publicado pelo Ipea (2019) sobre o aumento do número de feminicídios no

país. De acordo com o Atlas da Violência (2019), “houve um crescimento dos homicídios

femininos no Brasil em 2017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres

foram mortas, o maior número registrado desde 2007”.

As estatísticas do estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sinalizam o aumento do número de

assassinatos e apontam o Pará como um dos três estados mais violentos nesse tipo de crime e

indicam as mulheres negras como o grupo mais vulnerável a esta situação de agressão. Os

dados do Atlas apontam mais um dado alarmante: o fato das vítimas de feminicídio já terem

sido expostas a uma série de outros tipos de violência de gênero, a saber: a violência

psicológica, patrimonial, física ou sexual antes de terem sido uma vítima fatal, coadunando

assim com os posicionamentos dos nossos alunos em relação à necessidade da mulher ter

coragem suficiente para denunciar antes que Inês seja, literalmente, morta (IPEA, 2018, 2019).

No quadro sinóptico 8, há uma atividade de leitura que aborda sobre a estrutura do

texto dissertativo, o contexto de desigualdade e de preconceito enfrentados por homens e

mulheres em relação ao mundo do trabalho. O texto (Anexo D) aborda as diferenças

relacionadas às profissões consideradas “masculinas” ou “femininas”, “leves” ou “pesadas” – e

que implicam diferenciações salariais e de prestígio, que interferem nas escolhas das

carreiras.Esta desigualdade é contextualizada para os alunos, em relação às profissões

informais recorrentes ao campo social em que eles se encontram. A leitura possibilita perceber

não só a “divisão sexual do trabalho” (título do texto), mas o contexto de desigualdade e de

exploração do trabalho das mulheres nas periferias da Amazônia paraense.

Esta denúncia não está limitada ao campo do trabalho informal, os alunos citam o caso do

profissional de Educação Física, o homem trabalharia como personal trainer, as mulheres

iriam para a dança e para as escolas da educação básica. No curso de Pedagogia, eles lembram

que as mulheres predominariam no campo da educação infantil e os homens para o serviço de

orientação, de coordenação, de direção. Em tese, estes setores de trabalho em cada uma dessas

uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, esse número aumentou em 6,4%, de

acordo com os números do Atlas da Violência 2018, estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA), órgão do governo federal, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Os estados com as taxas de homicídios mais altas foram Roraima (10), Pará (7,2) e Goiás (7,1). Em relação aos

dez anos analisados, os assassinatos de mulheres negras aumentaram em 15,4%, enquanto que entre as não

negras houve queda de 8%.” Fonte: Fonte: https://www.globo.com/Mulheres-do-

Mundo/noticia/2018/06/assassinatos-de-mulheres-aumentaram-64-nos-ultimos-10-anos-revela-estudo.html

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200

áreas apresentariam diferenças salariais consideráveis, os setores ocupados por homens

receberiam melhores salários.

Para além da questão econômica, também, é sinalizada a correlação entre a escolha de

determinadas profissões e a opção sexual das pessoas que terminam por seguir uma dada

carreira. Isto é replicado tanto no campo da formalidade, quanto no campo da informalidade.

Em relação a este aspecto, é interessante atentar para o seguinte trecho em que um aluno da

turma faz o seguinte relato:

Quadro 8 Nível

1.5

Marcador 19’’30

– 38’’54

_____

Posicionamento de

aluno em relação à

discriminação de

gênero no âmbito

profissional

A15. No meu caso eu trabalho como cabeleireiro, e sou dançarino, e quando eu fui falar isso pro meu pai,

que eu queria cursar dança, que eu queria ir pra essa área, ele falou que não era pra eu fazer isso, porque

isso não era uma profissão, aí eu peguei, a gente discutiu feio, aí depois ele acabou aceitando. Aí quando foi

esses tempos agora que eu tava começando a fazer um curso de cabeleireiro, eu fui contar pra ele, aí ele

pegou fez outra onda, aí começou a falar um monte de coisa, queria saber se eu tava virando fresco e tal,

aí eu...[...] Aí ele perguntou se eu tava virando fresco, eu peguei e falei assim: olha, primeiro que não é

porque eu sou dançarino que eu tenho que ser veado, e também não porque eu sou cabeleireiro que eu

vou ter que ser homossexual, aí ele falou, mas isso é profissão pra mulher né?! como ele falou, é mas isso

não é profissão pra homem, não sei o que e tudo mais, aí que foi que eu me estressei com ele, falei é, um

dia o senhor ainda vai ser bancado por mim, por essas duas profissões que trabalho [...] O sonho dele

era que eu fosse militar.

A aula de Língua Portuguesa do EM é um espaço também de construção de identidades

dos alunos e dos docentes. Nessa fase, os alunos precisam fazer escolhas, nesse caso, muitos já

estão inseridos no mundo do trabalho, de modo a aprender um ofício no campo do exercício

informal, não é incomum ver nossos alunos atuando em pequenas lojas do comércio do bairro,

no setor de prestação de pequenos ofícios e, muitas vezes, aprendendo a exercer tais ofícios.

Este exercício profissional não é considerado como um trabalho propriamente dito, até mesmo,

pelos próprios alunos. É o caso deste estudante que já vinha aprendendo estes dois ofícios,

porém para o pai isso não poderia nem ser considerado como “uma profissão”, muito menos

“uma profissão de homem”, porque é considerado “profissão de mulher”, “de veado”, “de

homossexual”.

Para Pennycook (2006, p. 80), “as identidades são performadas em vez de pré-

formadas” e, a partir das ideias defendidas por Butler (1990), o autor considera que esta

performatividade pode ser entendida como a maneira de desenvolver “atos de identidades” em

um contínuo processo de performances sociais e culturais, tendo em vista que os sujeitos se

constroem e se constituem no discurso (idem, p.80, 81). Nesse sentido, o posicionamento do

aluno aponta para o conflito, o embate de concepções, o conflito geracional, o preconceito de

gênero relacionado ao campo de atuação profissional neste contexto social em que ele encena

suas profissões.

Consideramos que estes atos de identidade configuram-se nos posicionamentos,

decisões e situações de embate, de enfrentamento, como este vivenciado por este sujeito em

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201

que o próprio genitor se opõe às escolhas do filho e propõe a ele que siga uma profissão, em

tese, masculina e bem remunerada: “militar”: “eu me estressei com ele, falei é, um dia o

senhor ainda vai ser bancado por mim, por essas duas profissões que trabalho [...] O sonho

dele era que eu fosse militar”. Nesse caso, a aula de Português do EM configura, como arena

de letramentos, para a construção de tensões, de conflitos, de embates socioideológicos, que

serviriam, ainda, como palco para a (re) configuração destes atos de identidade, de tomada de

posição, de vislumbrar possibilidades para a vida em cenários futuros que levem em

consideração outras percepções diante da vida, do trabalho, das relações familiares.

Adiante, a professora segue a aula, direcionando à exposição sobre a estrutura dos

parágrafos do texto. Ela prossegue atrelada à discussão da polêmica em torno das carreiras

consideradas masculinas e femininas. Pode-se perceber que o tema levantado incita os alunos

que sempre retornam aos exemplos do seu cotidiano. A docente volta ao texto, à tessitura do

texto dissertativo, à construção dos argumentos e à necessidade de atrelar leitura, repertório,

estrutura e a importância de um posicionamento crítico:

Quadro 8

Nível 1.6

Marcador

38’’56 – 1’55’’35____

Importância

leitura

crítica

P. a gente tem que olhar [...] ler com olho clínico, tanto pra temática quanto para a estrutura. Porque

quando eu percebo como isso é estruturado, tá? Quando eu tenho conteúdo pra poder debater, pra poder

explorar, então fica fácil, pra eu fazer, tá? [...] não é só um conteúdo de reprodução, é um conteúdo

crítico, por isso que a gente faz a entrada pelo debate, tá? Leia esse conteúdo com um olhar reflexivo,

informativo, [...] é um texto que eu leio para informar e refletir, porque eu não vou só engolir a

informação [...] não, nós somos seres pensantes, tá? [...] porque daqui a gente vai pra universidade, tá?

Acredita-se que a compreensão do aspecto estrutural, articulado ao repertório temático,

facilitaria, consideravelmente, o caminho para a apropriação da escrita de um texto

dissertativo-argumentativo. Chama a atenção para a ênfase relacionada ao teor crítico

necessário ao debate instaurado, não basta informar, é necessário estimular a reflexão, até

mesmo, porque o destino acadêmico universitário está vinculado a esta demanda. A escola

precisaria, então, ser o palco privilegiado do pensamento crítico, analítico, reflexivo.

Para finalizar a seção, selecionamos mais dois recortes: o uso de modalizadores e a

natureza do argumento que deve ser construído em um texto dissertativo e a especificidade da

construção da conclusão da redação do ENEM.

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202

Quadro 8

Nível 1. 6

Marcador

38’’56 –

1’55’’35

___

Importância

leitura

crítica

P. Vamos pegar enfim, a conclusão, [...] Então no último parágrafo, a gente vai bater lá pra inquietação do

Caique no primeiro parágrafo, entendeu, como é que se constrói? [...] Esse artificialismo mostrando que o

autor não concorda com essa divisão, que divide as carreiras masculinas e femininas ... muitas vezes,

marca isso [...] Quando ele coloca muitas vezes, ele tá querendo dizer que há exceção, [...] Esse muitas

vezes, ele vai resultar no que nutri o argumento do Caique [...] Porque na minha família tem pessoas que

exercem essa função e não atende a essa expectativa que tá no, ah. Mas presta atenção, a família do Caique é

uma família entende? [...] porque a construção do argumento, ele só vai se fortalecer a partir do momento

que [...] o meu argumento é pertinente, ou seja, que ele é fortalecido por outros fatos que eu comprovo,

tá entendendo? [...] Tu tens que ter esse bom senso, senso crítico, de que o teu ponto de vista, ele é um

ponto de vista que se deve considerar, partindo de como você vai defender, mas ele não é verdade

absoluta... se a temática é um problema, o teu argumento ou o teu ponto de vista, ele precisa, ele vai ser

uma solução para esse problema, [...], e são nessas expressões que a gente vê muitas vezes,

prioritariamente, é possível que, provavelmente, isso é muito importante... o nome disso é modalização

O texto faz referência à Enfermagem como uma profissão considerada “feminina”. Um

dos alunos da turma discordou desta informação, ao longo da aula, ficou bastante incomodado

com o encaminhamento da leitura e citou o exemplo da sua família, pois vários integrantes

seguiam a profissão, tanto homens, quanto mulheres. Por isso, a interpretação dos

modalizadores do texto é alinhada ao posicionamento do aluno e à construção do argumento,

que precisa ser pertinente, coerente e, embora apresente o ponto de vista do produtor, está

longe de ser uma “verdade absoluta”, por isso a docente sinaliza a importância do uso de

modalizadores no processo de construção das redações. Outros pontos são enfatizados, a saber:

a necessidade de aprofundamento da leitura para a construção do repertório temático, a

importância da boa, velha e reiterada estrutura do texto dissertativo - introdução,

desenvolvimento, conclusão -, a necessidade de evitar radicalismos, dados pessoais,

generalizações, crenças e apelo moralista.

No quadro sinóptico 11, é solicitada a primeira tarefa de produção de redação. A escolha

do tema para a produção de texto foi motivado por um acontecimento que ocorreu na sala de

aula do terceiro ano do Ensino Médio. O fato ocorreu com a turma da tarde, o fragmento

abaixo relata o ocorrido e a gênese do redirecionamento da atividade de recuperação a ser

proposta pela professora:

Quadro 11

Nível 1. 1

Marcador

0’’00 -

17’’15

___

Apresentação

da proposta

de produção

textual.

P1: A minha recuperação ia ser outro papo, inclusive eu tava com o material pra fazer a recuperação.

Mas quando eu entrei pra dar aula, eu encontrei essa situação aqui da sala de aula, e aí eu pedi pra Talia

que é da 02 da tarde, pra que ela fosse até a direção e comunicasse o que tava acontecendo, [...] a gente tá

com a porta aberta, o ar não tá funcionando [...] às 14:00h isso aqui tá um inferno, [...] Então tava muito

calor, tava muito escuro, e aí ela foi lá falar [...] Segundo, olha o que eu vou te dizer, a gente vai já ver

isso aí, os operadores e modalizadores, segundo eles [...] que era pra gente dar o nosso jeito pra cá,

porque quem tinha roubado as lâmpadas teria sido um aluno da tarde, e que aconteceu a tarde

mesmo, que a gente viabilizasse uma solução, aí ela até sugeriu; ou vocês ficam no escuro ou vocês vão

pra aquele prédio lá de trás. [...] nós estávamos no calor e no escuro, e aí eu peguei e olhei pro

material da recuperação, inviável, não tem como, mas a recuperação precisa ser feita, o que foi que eu

fiz? Nós estamos, e aí eu já tou aqui introduzindo a recuperação de vocês, [...] nós estamos no meio

de um conteúdo, que tá tratando a dissertação argumentativa, [...] é um conflito, diante desse

conflito você precisa se posicionar, ou seja, formular uma tese, e a partir daí desenvolver para no final

propor uma solução.

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203

Em relação às condições materiais (infraestrutura) dos estabelecimentos de EM no

Brasil, o Censo Escolar INEP/2015 mostra que apenas 23% das escolas possuem a

infraestrutura adequada prevista na meta 7 do Plano Nacional de Educação, PNE, Lei 13.005

(2014-2024). O relatório do TCU destacou as disparidades regionais relacionadas à

infraestrutura, por exemplo, a região sul, apresenta 36% das unidades de EM com todas as

condições previstas no PNE. Enquanto que as escolas da região Norte contemplam somente

5% desses itens. O TCU considerou a infraestrutura precária para atender a meta parcial de

escolarização líquida de jovens de 15 a 17 anos projetada para o ano de 2016, exatamente, o

ano em que estes dados foram gerados em uma sala de aula de escola secundária, pública,

situada no coração de um centro de tensão social da região metropolitana de Belém-PA

(BRASIL, 2014).

O roubo de lâmpadas usadas em uma sala de aula da escola denota o extremo nível de

vulnerabilidade em que estão circunstanciados estes sujeitos da pesquisa; diante do “conflito”

de ter que cumprir uma agenda institucional que estipula um período avaliativo; diante do

“conflito” de ter que ensinar uma dissertação argumentativa para uma avaliação externa, em

uma sala de aula, que mais parece “um inferno” - quem sabe um porão do Brigue Palhaço?-

escura e quente. Diante do “conflito” e da impotência da escola em responder a um reiterado

problema: o roubo das lâmpadas, os atos de vandalismo e de depredação do prédio escolar

efetivado pelos próprios alunos, a falta de manutenção do aparelho de ar condicionado, a

bomba queimada, a falta de água, a falta de infraestrutura do prédio. O conflito tornou-se o

tema da produção textual para a atividade avaliativa “formular uma tese, e a partir daí

desenvolver e propor uma solução”. A docente começa, então, a expor a situação.

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204

Quadro 11

Nível 1. 2

Marcador

18’’00 -

36’’50

___

Apresentação

da proposta

de produção

textual.

P1: qual é a realidade que nós temos? Nós estamos diante de uma sala de aula que tem 6 bocais e esses 6

bocais, eles estão sem lâmpada, essas lâmpadas, elas foram, elas sumiram, elas foram roubadas pelos

próprios alunos [...] olha só, as lâmpadas, elas foram compradas, elas foram colocadas aí [...] é a 3º vez que

isso acontece. Quando o aluno me informou eu disse, gente pelo amor de Deus, mas pra quê tirar a

lâmpada? Aí o menino daqui da turma disse assim, exatamente, ele falou, pra vender, eu disse, mas quem é

que vai comprar uma lâmpada sem o lacre lá daquela, daquele negócio? Aí ele falou assim; P1, se bater na

minha porta, eu compro. [...] Aí ele disse: porque essa lâmpada é cara. [...] Aí, olha só, nós vimos um

texto, recentemente do Renato.... Não, era um texto do Renato Janine.... Ninguém lembra? Era macro e

micro corrupção do Renato, era? [...] Como é que a gente resolve isso? Qual é a solução pra isso? A culpa

é de quem? É do aluno? É da direção? É do sistema como um todo? [...] fiquei muito chateada, e mais

chateada ainda eu fiquei com a indiferença dos alunos, eu perguntei, o que vocês vão fazer? Como

assim? Vocês vão lá pro andar de cima, pro calor, pro barulho, [...] mas essa sala de aula aqui se

comparada às outras salas, elas ainda têm algum privilégio, ela é climatizada, ela é fechada pra tentar

vedar o barulho [...] destinada prioritariamente para o Ensino Médio, especificamente o 3º ano, porque a

escola como um todo decidiu em uma reunião que o 3º precisa de uma estrutura básica pra se estudar, e aí

tu vais perder aquilo que a gente conquistou com luta, eu lembro que foi em 2014 que a gente

quebrou o pau dentro dessa escola pra conseguir a sala do 3º todas com central de ar, eu lembro que

eu me confrontei com os professores do Ensino Médio, do Ensino Fundamental, que eles diziam que

tudo agora era pro Ensino Médio, não é pro Ensino Médio, pelo menos pro 3º ano, e aí o que vai

acontecer? [...] Então, basicamente o texto escrito, ele vai passar pela mesma formatação de um texto

dissertativo argumentativo, eu tenho um conflito, tá? Eu tenho um conflito, P1, [...] Eu não preciso me

focar no roubo da lâmpada, mas eu preciso entender que a temática, ela permeia essa depredação do

prédio, da estrutura, tá?

A docente faz uma longa fala sobre o acontecimento, os possíveis motivos do roubo, da

questão da corrupção micro e macro de um texto lido em sala de aula (memória didática), da

indiferença dos alunos diante da situação de conflito. Ela rememora que aquele espaço, a sala

de aula do terceiro ano do EM (fechado e climatizado), foi resultado de um processo de “luta”,

uma conquista de alunos e professores do terceiro ano do EM. Por conta disso, a “indiferença

dos alunos” é motivo de profunda angústia e incômodo para a docente. Tendo em vista estas

circunstâncias, ela apresenta a problemática da depredação do prédio escolar.

Quadro 11

Nível 1. 2

Marcador

18’’00 - 36’’50

___

O conflito, a depredação do prédio, a depredação da tua escola, é conflituosa por conta da defesa,

do posicionamento do culpado, é aqui que entra o conflito, a culpa é de quem? [...] por que isso não

acontece nos outros prédios públicos? Que as lâmpadas estão lá, o prédio é tão público quanto esse

daqui, mas de repente a gente não percebe as lâmpadas sumindo, me parece que a gente tá num momento

em que o aluno se sente à vontade de se posicionar dentro da casa da mãe Joana, por quê? Por que

o aluno se sente à vontade pra tocar o terror? Pra tu teres uma ideia, existem algumas coisas que

eles fazem por puro prazer de desequilibrar o ambiente como por exemplo, soltar bombas, [...],

mas pera lá, esse espaço, ele me deveria ser um espaço sagrado, porque imagina, [...] ainda que seja uma

escola sucateada, depredada, mas é a escola que eu tenho, porque tem aluno que não tem essa

escola, porque tem criança agora em cima do lixão do Aurá.

Aliada à falta de infraestrutura do estabelecimento do ensino, é constatada, ainda, uma

triste realidade: a escola como palco de depredação por parte dos alunos que agem como se o

espaço fosse “a casa da mãe Joana” e, em decorrência disso, “tocam o terror”, “soltam

bombas”, “roubam as lâmpadas”, quebram carteiras, riscam as paredes, dentre outras ações

de depredação e de delito cometidas nas dependências do estabelecimento escolar, embora este

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bem cultural pertença a eles e a toda comunidade que cerca a escola. Em seguida, a orientação

geral para a construção do texto é direcionada:

Quadro 11

Nível 1. 2

Marcador

18’’00 -

36’’50

___

Modelo de

escrita

então, a primeira coisa, tem a parte escrita, é o texto, tu vais ter que construir uma tese dentro desse

contexto, tá? Por que isso acontece? Qual é a origem disso? Tu vais ter que defender isso aí, pra ti,

qual é a verdadeira razão disso acontecer? [...] tu vais ter que defender com argumentos, tá? Tu

podes inclusive acrescentar no 1º parágrafo, isso acontece por uma indiferença da direção e do aluno,

tu vai juntar lá no parágrafo, desenvolver a questão do aluno, no outro a direção, tu podes jogar 3,

tu podes dizer que é o aluno, a direção e o sistema como um todo, a questão do sistema educacional,

como é que é vista, não sei como tu vais fazer, tá? Tu podes colocar, tu podes defender a tese, dizer que o

aluno é totalmente vítima, o aluno não tem nada a ver com isso, ou tu podes defender a tese e dizer que o

aluno é completamente o vilão, [...] Então isso, olha como tu vais ver isso aí, é um abismo de

possibilidade, é um abismo de possibilidade, mas eu quero que tu tomes isso [...] é um problema teu,

porque quem tá agora no escuro és tu, [...] literalmente tu tás no escuro, entende? [...] E no final, propor

soluções.

Este é o fragmento em que a professora faz a precisa orientação para a produção textual

em sala de aula tendo em vista a conjugação do modelo de escrita da redação do ENEM, a

estrutura sugerida perpassa pela introdução - lugar da tese-, desenvolvimento -organização dos

argumentos-, conclusão -proposição de soluções ao conflito- já apresentada e associada ao

conhecimento das tipologias, tema reiterado ao longo do percurso escolar, presentificado por

intermédio de diferentes dispositivos ao longo do episódio - livro didático, anotações do

caderno, textos, folhas avulsas, exercícios- e elementarizado por certos aspectos selecionados

como objeto de estudo específicos em aulas anteriores: tópico frasal, tipos de argumentos,

estrutura da redação do ENEM.

Tudo isto aliado ao problema local que atinge diretamente aos alunos daquele terceiro

ano do EM: a depredação, o sucateamento, a falta de estrutura da sala de aula da escola

pública, secundária, que culmina na solicitação de um dado modelo de escrita ligada aos fins

de atendimento a uma exigência de um aparelho docimológico externo à escola e exigido

como requisito obrigatório para o ingresso em instituições de ensino superior e em vários

empregos do funcionalismo público, justificando, portanto, a perpetuação deste objeto de

ensino na aula de Português no EM.

A implementação desta prática de ensino parece vinculada a uma dinâmica de

transmissão intensiva do modelo, leitura de textos para a construção de repertório necessário à

elaboração da redação escolar, ao mesmo tempo, que intenta fazer o aluno escrever sobre a

situação de degradação da escola, a fim de atender a um fim específico e situado no contexto

escolar em questão.

A encenação didática não só reporta a formulação de escrita como redação “recorrente

dissertação escolar” a que se refere Gomes-Santos (2010), circunstanciada ao trabalho com os

tipos textuais - narrativo, descritivo, dissertativo-, ligada à ideia de clareza, de precisão, de

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avaliação (GOMES-SANTOS, 2010), em que a escrita de textos e os fins interativos são

favoráveis a um exercício de um modelo de escrita que precisa ser apropriado, para fins

institucionais específicos e, em virtude de uma agenda local também, pois é preciso que os

alunos tenham um bom desempenho para tentar um lugar no nível superior.

De acordo com Batista (1997), a aula de português não é realizada somente em função

do seu objeto, ela está subordinada às condições e constrições de natureza histórica, social,

institucional em que o evento escolar ocorre. Por conta disso, cabe lembrar que o dispositivo

didático está alienado a um contexto socioinstitucional específico – a escola-usina82

- que

intenciona preparar os discentes para a redação de vestibular, de ENEM e demais concursos e

avaliações que utilizem este instrumento avaliativo, prometendo aos mesmos a aprovação, a

partir da devida apropriação deste saber redacional-escolar.

Por fim, os discentes são alertados novamente sobre a importância de estudar, da

importância pessoal e social deste ingresso no ensino superior, o que nos reporta ao

compromisso de tentar “fazer educação” na comunidade e, de certa forma, se associa à própria

história de vida da docente.

Quadro 10

Nível 1.4

Marcador

56’’42 – 1’31’’36

Incentivo

aos estudos

P1: [...] dedica esses dois meses da tua vida, pra se preparar pra essa prova, começa a te olha no

espelho e dizer assim: eu estarei em janeiro na UFPA. Aquele corredor é meu. [...] eu fiz de tudo pra

estar aqui, e aqui estou, a tua vida vai mudar, não é tudo, mas ela vai mudar, tuas amizades, tua

mentalidade, tuas relações sociais, vai ser tudo diferente, vai ser tão bacana, não vai lá pra beira

do rio (risos) só não deixa de parar de estudar, paciência, a gente tá fumando toda hora aqui essa

fumaça de ônibus, mas assim, volta pra cá,[...] conclui teu curso e volta pra comunidade, aqui é

teu gueto, constrói tua casa, compra teu sítio, compra tuas coisas, mas volta pra comunidade, pra

limpar o pé de muitas crianças que estão atoladas na lama, é tu que vai fazer a diferença.

Nesse sentido, a escola seria a instituição social responsável pelo ensino da variante

padrão, o aluno seria aquele que deveria buscar plena dedicação à preparação para os exames

finais, o professor seria o representante formal encarregado de levar a sua audiência a

apropriação de tal variante, que estaria diretamente relacionada à progressão social do

indivíduo, ao desenvolvimento de habilidades cognitivas mais complexas, à credencial de

circulação destes sujeitos por outras instituições letradas, como a universidade que lhes

proporcionaria a continuidade aos estudos e à profissionalização e futuro ingresso no mercado

82 A partir das contribuições teóricas de Tardif e Lessard (2005), sugerimos a expressão escola-usina em nossa

dissertação de mestrado e para fazer referência a um contexto típico da realidade brasileira, em especial, da

chamadas escolas modulares, caracterizada por: (i) tratar grupos numerosos de indivíduos, ao longo de vários

anos, conforme um padrão uniforme para alcançar resultados parecidos; (ii) subordinar estes sujeitos a “regras

impessoais, gerais, abstratas, fixadas por leis e regulamentos” (idem, p.24); (iii) impor um “sistema de vigilância,

de punições e recompensas” (idem) que extrapola os limites dos conteúdos a serem assimilados; (iv) o trabalho

escolar- executado pelos agentes escolares: alunos, professores, inspetores- é padronizado, dividido, planificado

e controlado (TARDIF e LESSARD, 2005; FERREIRA, 2008).

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de trabalho formal, em tese, isto implicaria uma dita ascensão social, política, econômica.

Mesmo não sendo condição suficiente, o conhecimento dessa língua prestigiada, aliada a

outros saberes, possibilitaria a legitimidade necessária para o acesso e permanência do

indivíduo em instituições sociais, como a supracitada universidade, as repartições públicas e a

própria escola (KLEIMAN, 1995; SIGNORINI, 2006).

Abaixo, o quadro 25 apresenta um resumo de uma provável mudança de vida do aluno

que possivelmente ingressaria na universidade e a expectativa do retorno social, profissional,

político, cultural para o local de origem e o papel de sujeito agora empoderado para a

comunidade.

Quadro 25 - Universidade e comunidade: mudanças de vida e compromisso a assumir.

Mudanças resultantes do ingresso IES Retorno para comunidade

Amizade

Mentalidade

Relações sociais

Condição: estudar e ingressar na universidade “eu fiz de

tudo pra estar aqui”.

Gueto

Construção da casa

Compra do sítio

Compromisso: “limpar o pé de muitas crianças que

estão atoladas na lama”

Condição: fazer a diferença

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

5.9 “A SALA FOI SAQUEADA E [...] O ACUSADO É O ALUNO DA INSTITUIÇÃO, DE

QUEM É A CULPA?”: OS POSICIONAMENTOS DE ALUNOS EM RESPOSTA ÀS

PRÁTICAS EDUCATIVAS EM UM TERRITÓRIO DE EXTREMA VULNERABILIDADE

SOCIAL.

Muito embora não seja o foco desta pesquisa abordar, de modo mais acurado, o polo do

aluno e de demais agentes escolares. Nesta última seção do capítulo, buscamos descrever

dados dos posicionamentos dos discentes em resposta à prática docente ora realizada. Por

conta disso, são apresentados recortes das atividades de produção escrita e de produção oral do

episódio 2 e alguns dados obtidos em entrevistas e por via dos questionários aplicados a

disciplina Língua Portuguesa no EM.

Aproveitamos o ensejo para trazer alguns recortes de posicionamentos de outros

sujeitos envolvidos no desenrolar da prática escolar, como os representantes dos coletivos

culturais e dos gestores escolares entrevistados por ocasião da pesquisa de campo. Esta última

inserção de dados tem como finalidade tentar compreender pelos olhares destes sujeitos os

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significados do trabalho desenvolvido pela professora de Português neste contexto social, ora

marcado por extremo processo de vulnerabilidade social, ora marcado pelas múltiplas e

inúmeras produções culturais em franco florescimento pelas ruas e becos do bairro.

Nesse sentido, acredito que fazer referência à existência das Associações de Moradores

e da Associação de Feirantes do bairro seja pertinente, porque expressa a importância das

ações históricas de existência e de resistência destes trabalhadores no âmbito do processo de

ocupação da área e do processo de transformação desta terra encharcada de vida, de cultura, de

trabalho e de história em território de habitação, de trabalho, de produção econômica, política,

artística, ideológica destas populações83

que resistem para transformar e ocupar lugares sociais,

historicamente, dominantes, como a escola secundária e as instituições de ensino superior.

A seguir, apresentamos as escritas de três alunos, relacionadas à proposta de produção

textual sobre a depredação do prédio escolar e articulada pela professora, para que pudessem

refletir sobre o conflito local, literalmente, vivenciado pelos agentes escolares e anunciado no

título desta seção. Esta atividade de produção é um ponto de confluência entre as demandas

formativas já supracitadas neste trabalho: uma voltada ao atendimento das demandas locais ou

vernaculares que busca atender às necessidades da comunidade; outra demanda dominante ou

institucionalizada que procura atender às necessidades do ENEM. No processo de constituição

desta última, buscamos atrelar o ponto de fricção entre esses dois pontos nevrálgicos da

investigação.

Assim, buscamos observar como eles respondem a este processo de ensino de escrita e

tentam dar conta de uma dupla demanda:

(i) o atendimento a uma obrigatoriedade institucional e docimológica - interna e externa

-, que engloba a realização da recuperação estipulada pela escola, bem como o

ensino da dissertação escolar para o ENEM;

83 Alguns exemplos destas várias iniciativas comunitárias são as ações realizadas pelos integrantes do Ponto de

Memória em conjunto com o Museu Emílio Goeldi que promovem eventos, debates e apresentações das

manifestações culturais do bairro. Os grupos de Pássaros juninos, de quadrilha junina, que ensaiam e apresentam,

em especial, na quadra junina nas escolas, terreiros, nas festas de rua dos bairros e em concursos diversos. Os

representantes do teatro popular, educadores e artistas em parceria com as igrejas do bairro e adjacências

realizam anualmente a encenação da Paixão de Cristo pelas ruas do bairro de Canudos, evento que atrai cada vez

mais e mais participantes e visibilidade na mídia local. Nos dias 18 e 19 de março de 2017, foi realizada a I

Conferência Livre de Cultura da Terra Firme, em que vários segmentos tiveram a oportunidade de debater,

discutir, propor e apresentar suas ações de trabalho. A programação do evento demonstra a diversidade de

atividades culturais do bairro: Mesas de debate: A Terra Firme e os equipamentos culturais que queremos e A

sustentabilidade das manifestações culturais na periferia. Programação cultural: banda 3 ML, JP tubarão, Boi

Marronzinho, Bloco firme, show de encerramento, com Adilson Alcântara, Erick Monteiro e hip hop.

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(ii) a resposta a uma demanda local interligada aos problemas emergentes do contexto

de encenação da prática de ensino, a falta de infraestrutura do prédio, a indiferença

dos discentes em relação ao problema, a responsabilização dos possíveis “culpados”

e as soluções propostas à resolução do conflito, literalmente, instaurado.]

Abaixo, é possível encontrar os três textos de alunos da turma observada e digitamos

para melhor visualização das redações:

Texto 1. Depredação da escola : produção textual 1

A degradação de objetos na rede pública de ensino vem se tornando uma problemática constante. Tal problema não afeta

somente os indivíduos vitimizados, em relação ao ensino, como

também nos leva a refletir nas causas do problema. Existe uma

significativa escassez quanto a conscientização dos alunos ao bem público, assim como o descaso persistente da escola

pública.

Infelizmente, observa-se que padrões éticos se tornaram

objetos de ensino cada vez mais raros no meio social. Ainda assim, a escola é um dos meios de aprendizado quanto aos

padrões morais. Porém, roubos de lâmpadas, quebrar mesas e

cadeiras e o detrimento da escola, em termos gerais, são reflexos

de um aluno que não teve uma conscientização do que, de fato, lhe pertence. Ainda pior, tal aluno não tem certa ideia de

altruísmo, o que lhe leva, por diversão ou outros fins, a cometer

tais infrações. Não se trata apenas de roubo de lâmpadas, mas

sim da escuridão intelectual e moral em que muitos convivem. Certamente, também, a pouca importância dada ao ensino

público torna difícil que os próprios alunos deem genuíno valor

a escola. Afinal, qual o grau de valorização um aluno dará a

escola pública quando até as autoridades superiores a desvalorizam? Tal aluno pode até mesmo criar, erroneamente,

uma ideia de deteriorar aquilo que poucos dão valor.

Portanto, a falta de conscientização e o descaso em relação

ao ensino público são fatores que podem, com esforço, ser resolvidos com campanhas e movimentos que promovem uma

idealização positiva da escola pública, como também

conscientizar que a escola pública é um bem de todos e que,

cujo o dever, é cuidar. Assim, haverá significativas melhoras no bem público, feita por todos.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

(I) Escrita como redação do ENEM: O texto está

estruturado em molde típico da redação escolar,

organizado em quatro parágrafos em que é possível

perceber indícios de introdução, desenvolvimento e

conclusão.

(II) O primeiro parágrafo apresenta a tese proposta pelo

aluno sobre a recorrente degradação da escola pública

devido à falta de consciência do aluno e do descaso

delegado à escola.

(III) O segundo parágrafo discorre sobre a postura do

alunos sinalizada, pois muito vivem em uma “escuridão

intelectual e moral”.

(IV) O terceiro parágrafo aborda a ideia de que a

desvalorização do aluno está articulada ao descaso das

autoridades em relação ao devido valor que deveriam

dar ao patrimônio público. Ambos – alunos e

autoridades - não valorizam a escola pública. Não são

apresentados dados estatísticos, nem depoimentos, nem

números para fundamentar as informações apresentadas.

(V) O quarto parágrafo inicia com conectivo conclusivo

e apresenta duas possíveis soluções para os dois

problemas apontados: campanhas e movimentos não

especificados para conscientizar sobre a necessidade e o

dever de ter zelo com a escola pública.

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210

Texto 2. Depredação da escola: produção textual 2

9

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Texto 3. Depredação da escola: produção textual 3

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Basicamente, os três textos atendem aos propósitos da demanda institucional e avaliativa,

instituída pelo aparelho escolar local, tendo em vista que o aluno, apesar de todas as

dificuldades impostas, consegue responder ao questionamento proposto pela professora sobre o

conflito por eles vivenciado. Quanto aos sentidos de uma possível apropriação do protótipo

textual dissertativo – conteúdo obrigatório do programa disciplinar, didatizado naquele

(I) Escrita como redação do ENEM: O texto está

estruturado em molde típico da redação escolar título, que

sugere uma solução ao conflito instaurado e quatro

parágrafos em que é possível perceber indícios de

introdução, desenvolvimento e conclusão.

(II) O primeiro parágrafo apresenta a problemática do

abandono do governo e da depredação dos prédios escolares

feita por parte do alunado. E lança o questionamento-tese

para encontrar os possíveis responsáveis

(III) O segundo parágrafo expõe o drama vivenciado pelos

alunos em função da sobrevivência, devido à negligência de

direitos básicos, a comunidade clama por alguma ajuda ao

cometer este ato ilícito nas dependências da escola.

(IV) O terceiro parágrafo aborda sobre a dificuldade de

gerir e reconhece o esforço ora empreendido pelos gestores

para controlar uma escola de grande porte,

(V) O quarto parágrafo aponta uma única e viável solução:

o diálogo com a família e este aluno que saqueia a escola, o

que sinaliza a necessidade de dialogar mais com a

comunidade.

(I) Escrita como redação do ENEM: o aluno tenta seguir os

moldes propostos, não apresenta um título, mas faz três

parágrafos que tentam reproduzir a clássica fórmula

supracitada. A escrita apresenta muitos desvios do padrão.

(II) O primeiro parágrafo lança os dois questionamentos

centrais que serão respondidos ao longo do texto: o sistema ou

os alunos seriam os responsáveis pela degradação da escola

(III) O segundo parágrafo tenta responder aos dois

questionamentos iniciais, dando enfoque à figura do aluno no

sentido de justificar o porquê do roubo.

(IV) O terceiro parágrafo expõe uma possível solução que

estaria relacionada a uma reforma da estrutura escolar. A

solução recairia essencialmente na gestão escolar, que deveria

promover uma melhor interação com a comunidade escolar.

Por vezes os problemas estruturais de uma escola é relacionado aos seus alunos. Será que a culpa é só do aluno? Não seria de

todo um sistema? Esse aluno que por vezes é julgado pode ser

o mesmo que não tem atenção e nem espaço dentro de casa melhor que julgar esse aluno, é chamar sua atenção da melhor

forma possível para saber o que levou a cometer tal ato.

Sabemos que a estrutura das escolas públicas não é a melhor e

muito menos a mas confortável, isso incomoda muito e nem todos os alunos tem a conciencia de ir questionar o porque,

alguns quando questionam nem são atendidos pela própia

direção, os demais vendo isso tem atitudes de ir e destruir com

o que já estava “destruído”, isso não acontece só por sua vontade, mas por vários problemas existentes que na maioria

das vezes vem de sua base, sua estrutura mental, ou até mesmo

da própia direção da escola por não ouvir os alunos.

Diante do quadro exposto, é preciso uma reforma na estrutura escolar relacionada a direção, precisamos de uma direção,

precisamos de uma direção onde os alunos tinham espaços, um

envolvimento com os pais é de suma importância, quem sabe

assim podemos cuidar melhor da escola.

A Solução

Não há de como negar o quanto as escolas públicas estão

abandonadas pelo governo, e que os alunos não aproveitam o mínimo o que tem, e fazem o que bem querem, há um caso de

uma escola, cuja a sala foi saqueada e que o acusado é o aluno

da instituição , de quem é a culpa? Da gestão escolar ou do

aluno? Como será a vida deste aluno? Passa necessidade em casa?

Culpamos os pais? Não, vemos e estamos presenciando o nosso

país com recursos mínimos, e nos perguntamos, cadê nossos

direitos? Com o desespero ela falta, vem pensamentos de onde irei buscar um mísero trocado? Venha solução furtando

lâmpadas e outras coisas? Para que tenha a sobrevivência

necessária.

Seria culpa da gestão escolar? Sempre culpando a escola, mas não vemos o esforço que fazem para controlar uma escola, mas

que não é reconhecido seu trabalho pelos alunos, um trabalho

difícil de se lidar, mas os gestores fazem o máximo para manter

a escola na rédea. Assim para melhorar a situação do descaso é o diálogo com

os responsáveis e com os alunos, para que assim deixe de ser

um caso e ser exemplo por aí a fora.

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bimestre- com enfoque especial ao ensino do modelo escolar institucionalizado pelo livro

didático, ENEM e, consequentemente, pelo MEC.

Pode-se dizer que o alunado, apesar das limitações de necessidades básicas, como a

iluminação da sala de aula e das limitações impostas pelo próprio modelo avaliativo que,

também, responde ao conflito local e ao intenso e extenso trabalho de exposição do conteúdo

exercido pela docente pertinente à necessidade de apropriação do formato ora didatizado, a fim

de dar conta do que a professora considera como “garantir o mínimo para entrar, garantir o

acesso”.

No que diz respeito a uma demanda alienada aos conflitos cotidianos vivenciados por

estes sujeitos, nesta instituição, arena de disputas de letramentos, de linguagens, de poder, de

disputas por legitimidade epistemológica, conceitual, histórica e, sobretudo, de resistência e de

sobrevivência destas populações, destacamos alguns aspectos sinalizados pelos discentes do

terceiro ano do EM em suas escritas escolares sobre as condições daquela conjuntura: (i) a

depredação efetivada pelos alunos, o descaso e abandono por parte do poder público

concorrem para a instauração de um caos diário vivido pelos agentes escolares; (ii) a

necessidade do estado assumir a responsabilidade de gerir e de zelar pela escola como um

espaço que disponibilize o básico necessário ao funcionamento de uma instituição educacional;

(iii) a percepção dos discentes terem a consciência de cuidar e de preservar a escola e, ao

mesmo tempo, exigir do poder público que conceda à atenção necessária em termos de

propiciar uma estrutura básica de manutenção dos prédios e de condições de salubridade aos

sobreviventes dos limbos escolares paraenses ; (iv) a tentativa de justificar os atos de

depredação feitas pelos alunos percorre as escritas discentes, denunciando que eles fariam tais

“saques” em função das condições de abandono, de (sobre)vivência, de marginalização, de

fome e de pobreza a que estão assujeitados; (v) o reconhecimento dos alunos em relação às

dificuldades enfrentadas pelos agentes escolares –gestores, professores, agentes de pátio- no

sentido de gerir e de manter “a escola na rédea”, para que não se instale o caos total; (vi) uma

maior proximidade, diálogo e interação entre instituição escolar - eles sinalizam, em especial, a

gestão/direção- e a comunidade escolar - responsáveis, alunos - parecem ser elementos

imprescindíveis, para que possíveis soluções e ações sejam delineadas e voltadas às ações de

manutenção do bem público, institucional, simbólico da maior agência de letramento escolar

do bairro.

Nessa perspectiva, a efetivação da atividade parece alcançar o objetivo de ensino

proposto pela professora, ilustrados nos recortes de entrevistas supracitados na seção 4.2 deste

capítulo, isto é, a docente busca fazer educação, fazer com que o aluno tenha uma visão mais

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crítica sobre a realidade que o circunda, perceber a língua como instrumento de poder para

compreender e propor transformações sociais a estas situações vivenciadas no cotidiano da

comunidade.

Não obstante, a docente reconheça que aquela primeira etapa de incitar ao alcance da

leitura – conscientização - ação- reflexão acerca da própria realidade é a parte mais

significativa do processo educativo e isso é o que ela intenta empreender nesse contexto de

atuação profissional, marcado por um processo de extrema vulnerabilidade social.

Ao mesmo tempo, o trabalho docente precisa ser articulado para responder às

solicitações institucionais escolares, oficiais, que impõem ao aluno o domínio de determinadas

práticas letradas legitimadas que lhe garantiriam, em tese, o “passaporte” de acesso a

instituições sociais que requerem o efetivo domínio de tal capital simbólico e constrangem o

trabalho docente a didatização de um conteúdo e de modelos de escrita, de língua, de

conhecimentos, de temas que devem ser apropriados pelos alunos oriundos dos mais diversos

estratos sociais do multifacetado e desigual contexto educacional brasileiro. Monte Mór

(2013b, p. 220) aborda a respeito das políticas linguísticas voltadas ao ensino e à formação de

professores de línguas. Ao analisar a política linguística articulada aos programas educacionais

sobre orientação da ação docente, a formação continuada, a qualidade do material didático, a

autora assinala que

Ao examinar políticas linguísticas e currículos escolares vigentes, Luke (2013)

percebe haver dois fundamentos problemáticos na orientação desses. O primeiro

refere-se à premissa de que ‘as habilidades e conhecimentos são universais’. O

segundo sustenta a ideia de que ‘as habilidades e conhecimentos são universalmente

transferíveis e de valor de troca no campo do trabalho, na vida civil e na

comunidade.” (MONTE MÓR, 2013b, p. 226).

Nesse momento, percebemos que a docente parece dar conta de didatizar um modelo

escritural imposto pela mencionada instância docimológica, normativa, que regulamenta as

escolas brasileiras. Assim, a professora parece também “atender ao MEC”, encaminhando a

consecução da supracitada dupla demanda anunciada na primeira entrevista concedida no

processo de geração de dados no campo de pesquisa.

É interessante atentar que quando perguntamos aos estudantes desta turma do último ano

da educação básica, quais foram as experiências mais significativas em termos de projetos

didáticos implementados ao longo do EM? E o que eles aprenderam em termos de ensino de

Português para a vida e para o mundo do trabalho nestas circunstâncias didáticas? Os

posicionamentos deles concorrem para refletirmos sobre o que, de fato, a professora diz ao

fazer referência sobre o que “mais funciona”, do ponto de vista didático e, principalmente, do

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ponto de vista das aprendizagens e das apropriações relevantes e funcionais a estes discentes.

Para melhor visualização dos dados84

, organizamos as respostas mais recorrentes no quadro

26.

Quadro 26 - Projetos, experiências e aprendizagens mais significativas

Quais foram as experiências

mais significativas?

O que foi aprendido para a vida e para o trabalho?

1 Ações sociais para aprender sobre a realidade e a

diversidade social.

Como trabalhar em equipe.

2 Pesquisas para a preparação de seminários e o

aluno propor seu próprio posicionamento.

Uma base necessária para enfrentar o que virá no futuro/

Novos olhares sobre nossas raízes e certa revolta pelas

descobertas sobre o assunto.

3 O projeto do teatro e a apresentação de peças

teatrais.

Conhecimentos gerais para formação.

4 Seminários sobre História do Pará. Lidar com problemas imprevistos e tomar decisões.

5 Sarau para desenvolver poesias próprias;

Projeto de incentivo à leitura, “foi gratificante

ver meu texto lido por diversas pessoas”.

Olhar mais crítico diante das situações, como encarar a

vida, uma crítica mais apurada.

6 Roda de conversa sobre a condição como

mulher negra, a questão da aceitação como

funciona esse processo.

Trazer inquietações e outra visão de mundo.

7 Fechamento da Perimetral para não redução da

CH dos professores das escolas estaduais.

Lidar com pessoas, com os medos, falar em público,

perder o medo de falar em público, Apresentação em

público, já que na IES será cobrado.

8 Projeto de doenças sexualmente transmissíveis

para previnir os alunos contra doenças.

Como agir, comportar, saber para poder se preparar.

Diferentes opiniões, discussão de temas variados.

9 Projeto de dança de salão onde tive o primeiro

contato com a Dança.

Não aprendeu o conhecimento necessário: não cai no

ENEM nem serve para emprego.

10 Não tem nenhuma experiência significativa.

“Um lado bom e um lado ruim, reconheço o

valor, são significativas, mas cada um tem seu

conhecimento isolado”.

Prepara, mas não para o mundo do trabalho.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Percebemos que as responsivas dos alunos dialogam diretamente com o que é

sinalizado pelos dados referendados pelo posicionamento docente no sentido de preparar para

uma leitura mais crítica da vida, a um futuro exercício de ações de cidadania em busca de

84 Dados obtidos através da aplicação de questionários.

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direitos, para um possível ingresso em uma IES e uma futura atuação profissional. No primeiro

caso, cabe atentar que o aluno é exposto a uma série de experiências didáticas que servirão

para complexificar um olhar, uma leitura da vida e dos fatos ao seu redor que eles já percebem

a partir de uma ótica crítica.

Nesse sentido, a escola e o ensino de Português parecem aguçar uma demanda já latente,

as “inquietações” lançadas incitariam a uma “crítica apurada”, a uma possibilidade de enxergar

uma “outra visão de mundo” que implicaria, até mesmo, “uma certa revolta pelas descobertas”

acerca da realidade em que estão inseridos. Esses olhares seriam construídos por intermédio

não só do ensino de leitura e de escrita no âmbito da disciplina curricular Português, mas por

um conjunto de ações didáticas promovidas por um grupo de professores da escola.

Mas, embora tais ações sejam de extrema relevância para a formação e permanência

dos alunos na instituição escolar. Cabe atentar que há um dado interessante sinalizado por um

aluno quanto aos projetos desenvolvidos no âmbito escolar. Segundo o discente, tais

constructos didáticos teriam “um lado bom e um lado ruim, reconheço o valor, são

significativos, mas cada um tem seu conhecimento isolado”.

Em outras palavras, não haveria um grande eixo norteador que propiciasse a

concatenação das ações didáticas ora efetivadas pelos docentes da instituição: um projeto

institucional, integrador, “guarda-chuva” e norteador desta prática já efetivada pelos

professores, de modo “isolado”, no seio da solidão docente a que se referem Tardif e Lessard

(2005). Este dado dialoga com um trecho da última entrevista concedida pela professora para a

construção desta investigação:

P2 – [...] como é que tu qualificas a natureza metodológica desse trabalho? É muito

recorrente a gente falar em projeto, né? Ao longo daquela geração dos dados. Tu

qualificas essa prática como um projeto? Esse movimento anunciado, de fazer esse

trabalho.

P1 – Sim. Qual é o problema? Considero sim o projeto, qual é o problema? O

problema é que a realidade que eu tenho, nas quais eu aplico as ações desse

projeto, que eu já estou chamando de projeto, é uma realidade na qual os

projetos não acontecem, porque não se trabalha com projetos, se trabalha com

ações, e ações, é, desvinculada, soltas, e cada ação se chama de projeto, então, o

quê que acontece? Isso vai cair lá naquela fala, [...], que eu falo assim, mas isso é

uma coisa minha, não é da escola, fica parece que um segredinho meu, um trabalho

meu, e isso não vai dar certo, porque tem que envolver a escola, porque isso tem

que ser articulado com outras disciplinas, tem que ser articulado dentro, com a

gestão, porque isso facilmente é boicotado, é o que eu vivo hoje, [...] É um jogo

duplo, sabe? [...] eu tenho que fazer uma máscara, [...] eu sei o que eu tô fazendo,

mas eu não tenho o suporte da escola, eu não tenho o apoio dos outros

professores, o máximo que eu posso fazer, envolver alguns professores em

determinadas ações, mas costurar esse projeto do início ao fim, eu não consigo

fazer, por quê? Porque a escola não trabalha com projeto, a escola trabalha com

ação, e ação é, ela é digamos assim, inserida dentro de uma agenda da use, que

eles chamam do escolar. (Entrevista concedida pela professora Bia Paiva, realizada

em 30/11/16).

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215

Pode-se conjecturar que são ações de (sobre)vivência destes trabalhadores, a favor de

sua (re)existência profissional, orientadas pelas escolhas didáticas, epistemológicas,

curriculares, (trans)disciplinares destes professores, mas também, a favor daquilo que eles

percebem que é possível fazer na supracitada, descrita e desprovida infraestrutura designada ao

exercício da docência. A fim de tentar atingir, de modo pertinente e eficiente, uma parcela

considerável dos discentes e fazer com que a prática docente ora desenvolvida seja coerente e

significativa ao exercício do próprio ofício e a uma parcela significativa da comunidade.

Estes professores usam a máscara de uma racionalidade do fazer pedagógico gestada na

experiência, agem com a consciência da incompletude da opção metodológica mobilizada e,

ainda, suscetíveis ao risco do boicote. Entretanto, a certeza da eficiência da ação docente

realizada, mesmo que, muitas vezes, seja vinculada ou desvinculada daquilo que o calendário

letivo oficial considera como “escolar” é o que lhes permite continuar a tecer os fios que unem

as ações educativas efetivadas por estes educadores e dão formas as memórias discentes sobre

o que foi mais significativo em sua trajetória escolar, uma vez que foram no seio de realização

destas iniciativas que os alunos dizem ter aprendido a encarar o medo de falar em público,

aprenderam a trabalhar em equipe, construíram repertório informativo a respeito de DSTs,

tiveram acesso ao mundo da Dança de Salão, dentre outros.

A maioria do público estudantil afirma que as supracitadas ações lhes possibilitaram

aprender a falar em público, “perder” o medo de se expor, “aprender a fazer” uma exposição a

uma dada audiência, trabalhar em equipe, isto é, aprender a “lidar” com o outro, em outros

termos, “aprender a conviver”. Eles acreditam que estas aprendizagens, decerto, serão

cobradas, por exemplo, no ensino superior, etapa de preparação dos jovens para o exercício de

uma dada profissão e, consequentemente, de aprofundamento do que já começou a ser

apropriado na educação básica, isto é, ser “mais crítico”, “tomar decisões”, “agir, comportar-

se” em diferentes situações e circunstâncias que vão requerer a convocação da diversidade de

temas, de posicionamentos, de discussões, de diferentes conhecimentos para “aprender a

conhecer”. E, desse modo, construir, aliado a outras competências e habilidades, o tão

necessário repertório - linguístico, epistemológico, técnico, ético, emocional, profissional –

suficiente, consistente e adequado para propor a construção de cenários futuros cada vez mais

complexos, híbridos, heterogêneos, globais, transnacionais, multissemióticos, transletrados -

de capital relevância à formação dos trabalhadores do século XXI (DELORS, 1998; COPE;

KALANTZIS, 2000, MOITA LOPES, 2013a).

Porém, cabe lembrar que uma minoria do público estudantil considera estas ações

didáticas - seminários, pesquisas, saraus, peças teatrais, atos de protesto, caminhadas, rodas de

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conversa, atividade de dança de salão - não preparariam para o ENEM, nem serviriam como

forma de preparação para o mundo do trabalho, não cumprindo, portanto, os propósitos

concernentes à educação secundária proposta por via de uma regulamentação oficial que, por

sinal, sugere a realização de muitas destas orientações de trabalho mencionadas (BRASIL,

1999; OCEM, 2006; BNCC, 2018).

Como já mencionado, no dia 06 de outubro de 2016, a aula foi direcionada à discussão

de temas variados. Para dar conta deste objetivo, foi utilizado um jogo enviado para as escolas

participantes das Olimpíadas de Língua Portuguesa, em uma das primeiras edições da

competição. A turma foi dividida em três equipes para exercitar argumentação por via do jogo

cassino da argumentação. A aula foi dividida da seguinte maneira: houve um tempo destinado

ao entendimento do jogo, leitura das regras de funcionamento do jogo, apresentação de um

representantes de cada equipes sobre o funcionamento do instrumento didático e, em seguida,

foi designado um tempo ao jogo. Realizamos a gravação do jogo de cada equipe e fizemos o

registro fotográfico das atividades.

O objetivo da tarefa é exercer a argumentação. Isto é considerado pela docente como

uma boa estratégia para aliviar a tensão da proximidade das avaliações e, ao mesmo tempo,

exercitar o poder de argumentar, a mobilização de repertórios, a defesa de um argumento na

modalidade oral. No diário de campo de 06.10.16, registramos um relato em que ela afirma

para pesquisadora que já possui esse material há algum tempo e como os alunos perdem peças

do jogo só utiliza esse material com as turmas do terceiro ano.

A professora aproveitou o ensejo para comentar sobre um dado interessante que ela

observou no início da aula. A mediadora conta que distribuiu para cada uma das três equipes

apenas uma caixinha, contendo as instruções necessárias ao funcionamento da atividade. Em

função disso, percebeu que somente uma equipe teve a ideia de fotografar as instruções,

possibilitando assim que todos os membros realizassem a leitura, para que todos tivessem

acesso aos procedimentos de funcionamento. Ela correlaciona isto ao fato do ENEM propor

solução a um problema, portanto, o jogo exercita essa proposição de tomada de atitude para

resolução de problemas. Cada representante das equipes explicou o funcionamento do jogo

para a turma. No trecho a seguir, um dos alunos que era membro da primeira equipe fez a

exposição para a turma sobre a instrução geral do instrumento:

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Aula do dia 06

de outubro de

2016

Questões

instrucionais

para realização

de atividade

escolar

o mediador é o carinha que vai, que vai girar esse bagulhinho aí, a roleta, tá, [...], o jogo começa

assim: são distribuídos pra cada componente duas plaquinhas, sim e não, e cada componente também,

ganha seis pontos, e 1 ponto [...] Aí começa a partida, o cara vai rolar ... a cor que cair, ele vai

escolher a carta e ler a situação problema, ele vai ler, o da direita dele vai ser o opositor sim e o da

esquerda o não, sempre vai ser nessa ordem, sim e não. [...] o sim e não vão fazer suas

argumentações, primeiro o sim, depois o não, se o sim quiser, é, depois da resposta do não, se o sim

querer afirmar algo a mais, ele vai ter que comprar mais uma carta de argumentação, se o não quiser

debater de novo, ele vai ter que comprar outra carta e debater, com os pontos, simples, quando

terminar assim, os dois já decidiram, tá, vai ficar nisso, acabou o jogo, só nessa partida, acabou, os

outros que não estão jogando, sem ser o sim e o não, eles vão votar em qual argumento for melhor, o

do sim ou do não, o sim e o não, eles não podem argumentar, só entre o resto dos jogadores, cada, aí

o jogo, cada vez que aparecer o sim, o que deu argumento sim, ganha 3 pontos, e cada vez que

aparecer não, o argumento do não ganha 3 pontos também, com isso passa pra esquerda, pro jogador

da esquerda, vai ser o próximo mediador [...] quando acabar, quando todo mundo for mediador aliás,

vai somar quem tem mais pontos.Agora a questão da carta laranja, deve girar de novo

A professora fica impressionada com a explicação feita pelo representante da primeira

equipe e pelas complementações realizadas pelas demais equipes sobre as regras da tarefa. De

fato, o domínio de interlocução do primeiro representante foi determinante, para que todos os

presentes pudessem compreender o modo de funcionamento das regras do jogo. A docente

chama a atenção para o objetivo de exercitar a construção da argumentação, a partir de cada

situação - problema proposta pelo jogo. Quanto ao funcionamento, a docente assevera a

importância de cada aluno atuar no jogo em todas as funções - mediador, defensor do sim,

defensor do não. Ao final, todos devem ocupar todas as posições na ordem de realização da

atividade, de discussão a respeito do problema e cogitar soluções às situações propostas para o

debate.

Fotos 25, 26 e 27 - Aplicação do jogo da argumentação.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

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As equipes debateram as seguintes temáticas propostas pelas cartas do jogo estilo

cassino da argumentação: a questão da internet como recurso para a obtenção de informações;

a intervenção policial para coibir a violência na escola; Os usuários de drogas devem ser

responsabilizados pela violência ocasionada pelo narcotráfico? O sistema de cotas pode tornar

a sociedade mais justa? Deveria ser permitido o trabalho de crianças e adolescente com menos

de 14 anos para contribuir com o sustento da família? Venda de armas para cidadãos sem

antecedentes criminais deve continuar ser permitida no Brasil? Consumir produtos piratas deve

ser considerado tão grave quanto comercializá-los?

A funcionalidade da tarefa é perceptível pelo envolvimento e entusiasmo dos alunos na

realização das discussões desenvolvidas pelas equipes. Os alunos manifestam e defendem o

que pensam, correlacionam à realidade deles, às leituras e aos discursos a que têm acesso na

escola e em outras instituições em que estão inseridos, mobilizam informações para a

construção de argumentos mais consistentes, avaliam a validade dos argumentos propostos por

seus pares para as situações polêmicas colocadas em xeque.

Isto permitiu exercitar o conteúdo ora proposto, mobilizar repertórios e colocar em

prática a argumentação no plano de uma oralidade letrada, reflexiva, colaborativa em que os

sujeitos procuram formar uns aos outros no seio de uma prática escolar, que se reconfigura

entre o formato genuíno “a preparação para os exames preparatórios” e o formato que instaura

uma maior atuação e protagonismo dos alunos no processo formativo, a partir da discussão

efetiva de temas sensíveis ao contexto de ensino, a saber: a pirataria, a intervenção da polícia

nas dependências da escola, consumo de drogas, narcotráfico. Recortamos os posicionamentos

de uma das equipes para a apresentação. Os dados estão organizados e o debate com as falas

dos alunos de uma equipe está roteirizada no quadro 27.

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Quadro 27 - Posicionamentos dos alunos no jogo da argumentação: equipe 1

Equipe 1 (Tempo de duração 51 minutos e 28 segundos)

Deveria ser permitido o

trabalho de crianças e adolescente

menores de 14 anos

Permissão de venda de armas para

cidadãos sem antecedente criminais

Consumir produto pirata deve ser

considerado tão grave quanto comercializá-

los?

Os pais podem dar conselhos

diferentes aos filhos que fazem a

mesma coisa?

A favor. O peso do trabalho não precisa

ser tão pesado, os jovens podem trabalhar

nos projetos sociais, ele pode fazer um

filho, pode trabalhar para ajudar em casa.

O jovem pode ter competência para

ajudar nas tarefas domésticas e outras

atividades remuneradas não formais em

que boa parte dos pais atua e o jovem

pode contribuir com os pais e isso não

prejudicaria. Eles têm poucas atividades

no contraturno da escola, o que ele tá

fazendo? Dando o direito de trabalhar pra

ajudar a família ou pra ele mesmo, ele

ganha responsabilidade.

Contra. Antes de mais nada quem tá atrás

disso é o capitalismo. Primeiramente, a

criança com 14 anos está na rua , por que?

Por falta de atividade na escola. Você

deveria se colocar no lugar, porque você

também faz parte de uma instituição que

tem um capitalismo sem investimento na

escola que você trabalha (palmas e risos),

além de mais nada, isso aqui é um

trabalho e a criança não precisa ficar na

rua, catando lixo, fazendo várias coisas

porque não teve oportunidade na

A favor. Cada cidadão deve ter o direito

de se defender, em função dos altos

índices de criminalidade, induzir o uso

para autodefesa assim como artes

marciais para autodefesa por lei a pessoa

poderia usar uma arma de fogo para se

defender.

Contra. Sou contra a venda porque, um

jovem com 18 anos já poderia ter uma

arma e nem todos têm a consciência e o

psicológico controlado para o uso.

Quanto às Artes Marciais, há um critério

que você não pode usar fora do local de

treinamento.

A favor. Contesta porque o mesmo que

pode vender a um jovem, pode vender a

um adulto e ele pode ter problema

psicológico e não teria consciência.

Quanto à arte marcial não é proibida para

ser usada só na academia, pode ser usada

para lazer, competição e autodefesa.

Contra. Quem tem o porte de uma arma

de fogo pode agir em defesa pessoal ou

em defesa de seus bens, porque não quer

perder tuas coisas, não quer ser

violentado, não quer ser agredido, não

A favor. É mais barato, a maioria da

população não tem condição de comprar os

originais que são muito caros. Com a crise

econômica, o preço das coisas aumentaram85

.

A pirataria tem uma demanda, por exemplo, o

DVD, que é a maioria, na minha opinião. Não

é a cópia de uma empresa e montam numa

banca qualquer pra vender mais barato, eles

fazem o download em HD da própria internet

e põem no CD virgem e mandam fazer uma

capa e vendem para população comprar e ter

mais acesso e informação.

Contra. Quando uma pessoa faz o download

está cometendo um crime e ainda leva pra

vender na feira. Aí tu acha que as produtoras

de filme que gastam milhões e milhões

fazendo os filmes, tu achas que elas iam

disponibilizar assim na internet de graça pra

todo mundo ver. Claro que não! Falou com

relação ao DVDs que baixa da internet, não

baixa direto da empresa, não é a internet que

produziu o filme. Não é a internet que produz

o filme, a empresa disponibiliza o filme na

internet e fica lá milhões de visualizações,

tipo um canal do youtube, se a empresa não

colocar como vai parar lá? É um modo mais

A favor. É o seguinte, a mulher ela tem

facilidade de ser estuprada. Proteção,

tem que proteger as mulheres, não

facilitar, esses pais [...] A Carol fez uma

cagada aí, eu quase fiz, mas não fiz. O

papai e a mamãe proibiram ela de fazer

um bocado de coisa, mas se fosse eu,

eles só iam conversar. Eu posso sair que

não corro muito perigo, mas a Carol

não. Os caras podem pegar, sequestrar,

levar pra outro lugar. E pode também

ficar mal falada.

Contra. Mas essa visão só existe

porque existem pessoas como você que

acreditam que a gente precisa de

proteção (risos e palmas). Essa visão

além de machista, ela é histórica. A

gente não precisa de proteção. A

gente precisa é de igualdade. E vocês

não precisam de proteção também?

85 Preservamos o registro utilizado pelo sujeito de pesquisa.

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sociedade em que ela está inserida.

Entendeu? (risos e palmas: Só tem

comunista aqui!) Eu sou completamente

contra porque criança deveria está sendo

educada em casa e dentro da escola, mas

quem não oferece isso é o próprio

capitalismo. O capitalismo oferece a

criança ao trabalho. Sem investimento, as

crianças não têm a mesma oportunidade.

Se a criança pudesse escolher, entre o

trabalho e a escola, ela ia escolher a

escola, porque ela tá no processo de

formação intelectual, mas se a família tá

em condições precárias, eles vão aceitar o

trabalho.

quer ser xingado na rua, vai tentar te

defender, e você com porte pode reagir

da mesma maneira. Ela pode achar que

ninguém vai mexer com ela. Mas, na

verdade, a pessoa fica mais vulnerável ao

perigo. Cada habitante será responsável

pela arma e nem todos têm essa

responsabilidade e nem o psicológico.

fácil de adquirir as coisas, não é idêntico ao

original, mas é mais barato.

Contra: Tu falou da pirataria, mas o que tu

entende por pirataria? A pirataria é uma cópia

do original sem o outorgado do autor ou de

quem tem a autorização né, autoria, sei lá que

diabo é. Sim, é isso que é pirataria, é uma

cópia do original certo. Então, como é fazer

uma cópia se tu não tem o original? Vou

recorrer a meios mais fáceis de adquirir

aquilo, sonegando imposto que é uma maneira

mais barata e no momento que tu compra o

pirata tu deixa de contribuir pro teu estado e

isso faz aumentar o original. É melhor roubar

de uma vez. Pirataria é crime.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

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Mais uma vez cabe atentar para o fato de que os alunos ficaram muito envolvidos no

desenvolvimento desta atividade. O uso do instrumento didático incitou a efetivação do

exercício do argumentar acerca de temas diversos, a partir de uma dinâmica didática que

colocava o elemento da possibilidade de competir, do ponto de vista discursivo, por via do

debate de ideias sobre temas concernentes ao contexto local e global.

O debate colocado sobre temas sensíveis à comunidade escolar como: a pirataria, o

armamento da população, o trabalho infantil e o machismo levam os grupos a compartilharem

posicionamentos, experiências e mobilizar o repertório temático, linguístico e composicional

para a realização do exercício da defesa de uma posição na modalidade oral, o que pode

contribuir para uma possível e futura produção escrita ou oral de outros gêneros do discurso ou

à outra situação do cotidiano escolar ou não escolar que requeiram o domínio de gêneros orais

do campo argumentativo (ROJO, 2000; 2004; DOLZ; SCHNEUWLY, 2004; MENDONÇA,

LEAL; 2007).

Assim, os alunos se posicionam a favor e contra o trabalho infanto-juvenil, é veemente

o posicionamento da aluna em torno de não ser favorável ao trabalho de crianças e de

adolescentes na faixa etária de 14 anos de idade, colocando em voga um argumento de

espectro global- o capitalismo seria o verdadeiro responsável pelo processo de inserção de

menores no mundo do trabalho- em conexão com um argumento de espectro local. A pobreza

das famílias seria a real motivação para a inserção de crianças e de adolescentes precocemente

no mundo do trabalho, pois se houvesse escolha, a escola seria a opção, de fato, destes jovens,

inclusive, de alguns alunos daquela turma que já trabalham e estudam, mesmo antes de atingir

a maioridade, muitos precisam dividir o tempo entre a escola e o trabalho.

Cabe ressaltar que a possibilidade de trabalhar mais cedo é direcionada aos filhos da

periferia, aos herdeiros de trabalhadores suburbanos que residem nos barracões tão quentes

quanto os porões do Brigue Palhaço. O filho do pobre é a mão de obra necessária para suprir a

demanda do capital, por sinal, mão de obra de baixo custo, suscetível a perpetuar o ciclo da

reprodução social e educacional a que se reportam Bourdieu e Passeron (1992). Nesse sentido,

a voz da aluna, eleita como vencedora daquela rodada de discussão, insiste no sentido de que

as crianças devem estudar.

Em outras palavras, só assim seria possível “romper com a lógica do capital se

quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”

(MÉSZÁROS, 2008, p. 27). Para o autor, os processos educacionais estão extremamente

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interligados aos processos sociais mais amplos de reprodução social, sob a égide do

capitalismo.

Nessa perspectiva, o pensador sinaliza que para ir além deste capital precisamos

recorrer, também, a soluções não formais. Trata-se, então, de construir um pensamento

educacional contra-hegemônico, pautado no questionamento da internalização e da consciência

de subordinação aos ditames mercantis por via da possibilidade de construção de uma prática

emancipadora, capaz de abordar as contradições e se instituir nas fissuras do próprio sistema

instituído (MÉSZÁROS, 2008).

Desse modo, o posicionamento discente parece ressonar o discurso quase desesperado

da professora pela necessidade e urgência dos filhos da periferia estudarem, ainda que seja

com o fone de ouvido, escutando aula em frente a uma loja da feira do bairro86

, trabalhando, é

claro, para ajudar a família.: “[...], tu tens que começar a reservar tempo dentro do teu tempo

que tu não tens, tu tens que te forçar a ler, [...] Baixa aula, baixa vídeo - aula, e começa, tu

tá ali trabalhando, porque tem alguns que trabalham, tu tás ali trabalhando e tá ouvindo

aula.”87

(Quadro 9, Nível 1.2, Marcador 28’’00 - 45’’00).

Em relação à permissão de venda de armas para cidadãos sem antecedente criminais,

foi interessante o processo de tentativa de construção e de desconstrução de argumentos no

debate de ideias do lado favorável e não favorável. Mais uma vez, o aluno contrário apresentou

os melhores argumentos “nem todos têm a consciência e o psicológico controlado para o

uso”, “a pessoa fica mais vulnerável ao perigo. Cada habitante será responsável pela arma e

nem todos têm essa responsabilidade” e, ainda, demonstrou a fragilidade dos alunos a favor do

armamento de cidadãos não fichados “o mesmo que pode vender a um jovem, pode vender a

um adulto e ele pode ter problema psicológico” e “Quanto à arte marcial não é proibida para

ser usada só na academia, pode ser usada para lazer, competição e autodefesa”.

A escuta de todo o diálogo dos alunos faz referência ao fato de que eles acreditam que a

maior flexibilidade de circulação de armamento implicará o aumento da violência em situações

triviais - como briga de vizinhos, de casal, discussão no trânsito caótico do bairro. Na verdade,

o dito “cidadão de bem” estaria ainda mais vulnerável a situações de perigo, de fragilidade e de

exposição a atos violentos como os crimes e as chacinas que já ocorrem no bairro. O diário do

Pará, de 26 de maio de 2019, apresenta uma matéria, mostrando que nos últimos oitos anos

86 Esta imagem evoca a fotografia de Sebastião Salgado eleita como imagem de capa da obra A Educação para

além do capital, de Istvan Mészáros (2008), a captura cotidiana da criança que estuda, ao mesmo tempo, que

realiza outras tarefas cotidianas, como a prática das meninas que ajudam a cuidar dos irmãos menores. 87

Quadro 9, Nível 1.2, Marcador, 28’’00 - 45’’00.

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aconteceram doze chacinas na Região Metropolitana de Belém. A periferia foi o principal

palco deste show de violência que coloca Belém como a capital mais violenta do país,

conforme já mencionado e reportado pelo Atlas da Violência 2018 (IPEA, 2018).

Lamentavelmente, este jovem periférico, que debate nessa rodada escolar, dinâmica,

colaborativa, cheia de vida e alegria, é a principal vítima dessa barbárie urbana desenfreada na

capital paraense. Portanto, a discussão e o posicionamento do aluno coadunam com a fala da

professora que antecedeu a caminhada realizada no primeiro semestre para pedir a punição dos

envolvidos em uma chacina ocorrida no bairro em 2014, a fim de chamar a atenção de todos

sobre o combate à violência no bairro e a favor do envolvimento deste jovem em práticas

sociais, culturais, educativas de ação contra esta situação de extermínio da juventude

periférica: “foi nosso aluno... é a vítima mais jovem da chacina com apenas 16 anos [...] desde

quando houve a chacina a gente tá chamando atenção da importância do jovem ter a ver com

essa história, [...] eu tou estudando... eu tou garantido. Será?”.

Quanto à gravidade pertinente à comercialização e ao consumo de produto pirata, foi

interessante perceber nesta rodada de posicionamentos, a seleção de argumento

operacionalizada pelos alunos e a correlação em relação à construção do argumento pelo uso

da definição. Mais uma vez, o aluno contrário à questão proposta apresenta os argumentos

considerados como mais relevantes na rodada de debate.

Nesse caso, o discente propõe considerar que quem baixa ilegalmente um conteúdo e

“ainda” leva para feira, portanto, comete dois crimes, porque (i) “rouba” um conteúdo sem

autorização legal e (ii) o disponibiliza em um lugar público a um preço muito acessível,

incitando outros a cometerem o crime relativo ao consumo do material sem licença, sem

autorização, sem permissão. As implicações disso estariam ligadas à sonegação de impostos e

ao acesso a um produto de qualidade duvidosa.

Entretanto, o que chama a atenção no desenvolvimento da fala deste aluno que,

inclusive, compra mais fichas para alongar sua exposição diz respeito à organização

discursiva, retórica, composicional do texto na modalidade oral. O discente faz uso de uma

estratégia argumentativa reiterada pela professora nas longas exposições sobre argumentação,

tipos de argumentação, texto dissertativo e na própria tessitura da fala dela em sala de aula,

pois a pergunta retórica é uma estrutura recorrente em muitos trechos das longas exposições

para o ensino da redação do ENEM. O estudante faz uso da pergunta retórica e da exposição

por via de definição do objeto de explanação:

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Tu falou da pirataria, mas o que tu entende por pirataria? A pirataria é uma cópia

do original sem o outorgado do autor ou de quem tem a autorização né, autoria,

sei lá que diabo é. Sim, é isso que é pirataria, é uma cópia do original certo. Vou

recorrer a meios mais fáceis de adquirir aquilo, sonegando imposto que é uma

maneira mais barata e no momento que tu compra o pirata tu deixa de contribuir pro

teu estado e isso faz aumentar o original.

O domínio enunciativo deste sujeito, a segurança, a precisão e o considerável e

convincente nível de apropriação da palavra falada deste aluno arrebata a votação a seu favor e

demonstra que o discurso pedagógico docente, enfático, insistente, persistente, quase que

mântrico parece surtir algum efeito. Esta construção discursiva- institucional parece ter

contribuído para complexificar o desenvolvimento linguístico, discursivo, enunciativo,

argumentativo deste indivíduo, o qual já está integrado a uma série de outras situações de

interação em contextos diversificados, institucionais ou vernaculares, mediados por diferentes

tecnologias.

Na verdade, eles estão inseridos em diferentes processos de socialização, mobilizam e

imbricam letramentos diversos, que concorrem à incursão e constituição de práticas sociais,

culturais, letradas, históricas, linguísticas, que estão em constante interação, movimentação,

fluidez, sedimentação, ruptura, inclusive, no cenário escolar. Para Barton e Hamilton (2000, p.

09):

[...] em muitos eventos de letramento há uma mistura da língua escrita e falada.

Muitos estudos sobre práticas de letramento têm mostrado o letramento e os textos

escritos como ponto de partida, mas é claro que em eventos de letramento as pessoas

usam a língua escrita de maneira integrada, como parte de um conjunto de sistemas

semióticos; esses sistemas semióticos incluem sistemas matemáticos, notação

musical, mapas e outros textos não-verbais.

Este entrecruzamento de letramentos mobilizados por intermédio dos sistemas

semióticos, ou melhor, “multi” semióticos, relacionado à multicultura, multimodalidade como

gerando um novo conceito: os multiletramentos (ROJO; MOURA, 2012, p. 13). A partir de

então, a autora chama atenção para multissemiose de textos contemporâneos, que exigem os

multiletramentos, “muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e, consequentemente,

capacidades e práticas de compreensão e de produção de cada uma delas (multiletramentos)

para fazer significar. Esses novos e multiletramentos levam em conta diversas e diferentes

semioses: “escrita manual (papel, pena, lápis, caneta, giz e lousa) e impressa (tipografia,

imprensa)- de áudio, vídeo, tratamento da imagem, edição e diagramação” (ROJO; MOURA,

2012, p. 21).

Os dados gerados nesta investigação mobilizam esta multiplicidade de semioses

(cartazes, vídeos, música, dança, apresentações em power point, seminários, jogos educativos,

tambores, redações, livros). Então, neste caso, é melhor atender a ideia de multissemioses, que

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constituem a teia discursiva enunciada nestes eventos de letramento reconstituídos nesta

narrativa-tese. A consecução do jogo ilustra a mobilização de linguagens, semioses e

modalidades de uso, bem como os posicionamentos discentes e o grau de empoderamento, de

apropriação e de agência dos alunos no jogo argumentativo, mediado em cada uma das equipes

com convicção, seriedade, envolvimento, responsabilidade e descontração. O último tema

abordado e roteirizado acima aborda a enunciação de um tema muito pertinente ao contexto, o

modo diferenciado como os pais educam as meninas e os meninos.

A fala do primeiro aluno, favorável à diferença de tratamento dos pais em relação aos

filhos, sinaliza a situação das meninas no contexto. Ele faz menção a um fato ocorrido no seio

familiar para tentar convencer os seus pares da necessidade de impor proibições à irmã, a fim

de para proteger de uma possível violência física, mas também de um outro tipo de violência, a

violência simbólica, ou seja, a difamação da própria comunidade, enfim, “ela pode também

ficar mal falada”. Caso ele tivesse cometido o mesmo, o discente tem certeza, que não seria

punido do mesmo modo.

As alunas do grupo ficaram muito incomodadas com a escuta do exemplo e uma delas

toma a palavra para tecer sua contraposição ao dito. A estudante é categórica ao afirmar que a

mulher precisa é ser tratada com igualdade e a atitude do colega é machista, é histórica, é

desigual. Essa responsiva retoma alguns dos argumentos usados por um texto escrito, uma

redação do ENEM, considerada como nota 1000, utilizada como exemplo pelo livro didático,

tema de uma longa exposição da professora em sala de aula sobre a condição das mulheres na

periferia paraense.

O discurso discente ressona sobre o machismo e a desigualdade suplantadas entre os

próprios pares - pais, amigos, vizinhos - evocada pela professora naquela ocasião e aqui

corporificada pela fala do aluno que defende com exemplos do cotidiano familiar a faina da

mulher suburbana, sujeita à violência física, mas também à violência simbólica, ao machismo,

à desigualdade de gênero determinantes dos limites daquilo que as meninas podem ou não

podem fazer, sob o jugo da punição dos pais que direcionariam, inclusive, sanções

diferenciadas, de acordo com o gênero dos sujeitos supracitados.

O conflito de posicionamentos, o embate de perspectivas, a evocação discursiva do

familiar, do escolar, do cotidiano, do comunitário, o olhar crítico sobre a realidade social mais

ampla e local constituem a arena letrada que se configura na cena institucional em questão. A

partir do uso de um instrumento didático “lúdico”, a ação docente convoca o discente para o

centro do debate, concedendo-lhe a palavra, a oralidade letrada, que eles tão bem se apropriam,

apreciam e assim também se constituem, se constroem, em um processo de contradições, de

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divergências, de denúncias, de mobilização de saberes, de resistência, de avanços e, sobretudo,

de apropriação da leitura e da escrita sob o jugo da apropriação do conteúdo necessário ao

exercício da cidadania e ao exercício de apropriação da forma, do modelo necessário à palavra

escrita, por tantas vezes, interditada aos seus pares, mas que constitui uma possibilidade deste

indivíduo, quem sabe, ser o primeiro de sua família a pisar em uma IES.

5.10 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O EPISÓDIO 2

No episódio 2, o trabalho docente está estruturado a partir de uma produção discursiva

que tem por finalidade a acumulação de conhecimentos, considerados suficientes e eficientes,

para a produção de uma redação escolar em um evento específico: o ENEM; é caracterizado

pela reiterada preocupação no sentido de convencer o aluno sobre a importância da

apropriação deste conhecimento legitimado, institucionalizado, homogeneizante para a

continuidade dos estudos, o que conduz a um predomínio de interlocução por parte da

docente.

A interação didática é produzida, a fim de atender a um objetivo didático específico,

ou seja, apresentar a maior quantidade de informações pertinentes ao ensino de uma

dissertação escolar. O ensino é caracterizado pela exposição do mestre ou do manual

(exposição do conteúdo, uso da apostila, do LD), a repetição (a professora reitera os conceitos

e exemplificações), aplicação de exercícios (o exercício é a contraparte essencial no

desenvolvimento do trabalho), avaliação (a professora reitera a necessidade de prestar atenção

e entender para que o aluno obtenha boas notas nas avaliações bimestrais).

A aprendizagem está vinculada a um posicionamento do professor como aquele que

sabe e, nessa ocasião, deve e precisa ensinar. Nesse processo, a principal atividade cognitiva a

ser mobilizada é a memorização, o discente é instigado a exercitá-la, seja pelo incentivo do

próprio professor, seja pela orientação do material didático. Em Chervel (1988, p. 40), é

possível encontrar uma síntese deste modo de funcionamento da disciplina escolar:

A disciplina escolar é formada por um conjunto de proporções variáveis e

selecionadas por vários constituintes, um ensino de exposição, exercícios, práticas de

estímulo, de motivação e um aparelho docimológico, os quais, em cada estado da

disciplina, funcionam evidentemente em estreita colaboração, assim como cada um

deles, à sua maneira, em ligação direta com as finalidades88

.

88 La discipline scolaire est donc formée par um assortiment à proportions variables suivant les cãs, de plusieurs constituants, un

enseignement d’ exposition, des exercises, des pratiques d’incitation et de motivation et un appareil docimologique, lesquels, dans chaque état

de la discipline, fonctionnent évidemment en étroite collaboration, de même que chacun d’ eux, á sa manière, en liaison directe avec les

finaliletés.

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No processo de ensino destes conteúdos considerados mais “fechados”, mais

“estabilizados” no processo de escolarização da disciplina, o aluno encena como um

expectador privilegiado e, muitas vezes, é “convidado” a participar do jogo assimétrico que se

configura, enquanto que no trabalho de ensino com um objeto de ensino de perspectiva

essencialmente temática e discursiva que mobiliza dispositivos filiados ao campo vernacular, o

“convite” à interação é fundamental. Isto sugere que a natureza da interação didática que se

constrói é afetada pelo objeto de ensino, pela natureza da tarefa implementada, pelos

dispositivos didáticos mobilizados e pelas finalidades a eles articulados.

Nesse cenário, as questões de natureza temática são convocadas para a construção do

episódio. Então, percebemos que por esta fresta há a inserção de problemas locais ou questões

sociais que atingem a audiência em questão, a saber: a abordagem sobre a situação da

violência contra mulher e as caóticas condições de convivência e de funcionamento da escola.

No entanto, grande parte disto é realizado a partir de uma longa exposição por parte da

professora e por momentos de ruptura em que a palavra falada ou escrita é concedida aos

discentes, como na apresentação do texto escrito sobre as condições escolares e os debates

realizados no jogo cassino da argumentação.

Esta dinâmica sinaliza para o fato do aparelho docimológico externo influenciar - ou

provocar “efeitos retroativos” VICENTINI (2014)- nas escolhas dos objetos de ensino, nos

modos de (re)constituição destes objetos, na determinação dos objetivos didáticos e

mobilização de determinados dispositivos didáticos - livro didático, folha avulsa, redações de

anos anteriores do certame- balizados a este fim (BATISTA, 1997; BRITTO, 1997).

Batista (1997, p. 04) sinaliza outros fatores relacionados às práticas de ensino de

português:

Os pontos de vista assumidos pelos professores e pelos envolvidos nessa prática

podem ser considerados elementos dessas condições. Há outros, entretanto, de igual

peso: o campo social mais amplo, o estatuto social e profissional dos docentes e as

formas de exercício profissional dele decorrentes; o livro didático escolhido e o

mercado editorial; a socialização primária dos alunos e as expectativas de seu grupo

social em relação ao ensino de português e à escola, e assim por diante. Há ainda,

porém, elementos dessas condições que frequentemente são esquecidos: as relações

sociais escolares, as formas de avaliação e de exercício, a demarcação do tempo e do

espaço escolar- aspectos, dentre outros, da organização do trabalho na sala de aula.

Todos esses elementos constituem condições para o exercício da transmissão de

saberes na escola, que, ao que tudo indica, interferem nesses saberes que nela se

transmitem.

Levando em consideração as condições anunciadas pelo autor e o contexto específico de

geração dos dados da pesquisa, percebemos que a inserção de uma prática de ensino voltada a

atender a uma demanda escolarizada, institucional, voltada aos fins avaliativos, interligada às

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características de um letramento dominante (BARTON, 2000). Muito próximo, aos traços de

um modelo autônomo (STREET, 2014, 2010b), realizado em um dado momento do ano letivo

neste contexto e por esta docente, tem um objetivo concatenado também ao que ela considera

como “fazer educação”, a uma estratégia de resistência e de sobrevivência inerente às práticas

de ensino da professora, no sentido de que é necessário agir, mesmo que por caminhos

considerados “autônomos”, “dominantes”, “tradicionais” e, até mesmo pelo uso de um

discurso de fundo quase “apelativo”, para que estes alunos tenham a consciência da

necessidade de êxito no aparelho docimológico externo, o que lhes asseguraria à circulação por

outras agências de letramento, outros modos de socialização e o alcance da finalidade do

famigerado EM: a continuidade dos estudos, acesso ao mundo trabalho, à formação para a

cidadania.

Campos (2004), discutindo programas de educação de jovens e adultos no meio rural

brasileiro, chama a atenção para o significado da evasão escolar das camadas populares como

forma de resistência e ruptura em face aos sistemas ideológicos instituídos. Muitas vezes, o

sujeito abandona, porque não há construção de relações identitárias entre o sujeito e o que é

dito e ensinado na entidade escolar. A fim de que esta resistência dos alunos, que se faz

presente, por exemplo, no cansaço expresso pelos alunos ao longo das aulas expositivas, que

tinham por fim didatizar o currículo escolar “baseado na cultura dominante”, “expresso na

linguagem dominante” e “transmitido através do código cultural dominante” (SILVA, 1999, p.

35).

Nesse sentido, a professora seleciona textos que convocam temáticas concernentes às

problemáticas locais, usa situações do dia a dia e o vocabulário não formal, para que pudesse,

de algum modo, resgatar e conjugar a articulação das demandas formativas anunciadas, neste

episódio, especificamente, a demanda institucional voltada a ensinar o modelo de redação do

ENEM e a demanda local voltada a trazer para a sala de aula por intermédio de uma dialética

discursiva os problemas que atingem diretamente aquele grupo de alunos: as péssimas

condições estruturais da escola, a condição de violência, de preconceito, de opressão da mulher

suburbana, negra, periférica, brasileira.

A tentativa de implementação desta dupla articulação de demandas é reconfigurada em

algumas das produções textuais escritas de alguns alunos que conseguem responder à tarefa de

modo adequado e suficiente, um sinal da necessidade de aperfeiçoar este texto para garantir

uma nota mínima, a fim de eles pudessem garantir o tão necessitado acesso a uma IES. Nesta

ocasião, somente os alunos em situação de recuperação de nota, ou seja, aqueles que

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apresentaram dificuldades na prova de segunda avaliação, que cobrava este conteúdo

considerado “mais fechado”, deveriam fazer a tarefa.

Por conta disso, dez alunos responderam à primeira atividade de produção textual,

deste universo, ilustramos com três textos. Quanto à segunda produção textual sobre a

desigualdade étnica e de gênero no Brasil, realizada após a palestra de um advogado da OAB

sobre estratificação social, foram produzidos vinte e dois textos, que seguiram os moldes da

redação de ENEM e apresentaram níveis de apropriação razoável, quanto ao modelo, a

exemplo da primeira produção.

Quanto à retextualização destas produções, não houve um investimento didático

voltado à realização desta etapa do ensino, o que nos demonstra as opções da docente em

relação aos propósitos anunciados para a construção das ações didáticas neste contexto, bem

como revela os limites do trabalho docente, que é constrangido e pressionado em decorrência

das condições de atuação a que este profissional é submetido, a saber: a significativa carga

horária do professor na rede estadual, o número de alunos em cada sala de aula, o não

cumprimento de uma HP que garantisse um tempo remunerado a ser dedicado à correção desta

demanda de textos e ao planejamento de atividades, as péssimas condições dos prédios e de

funcionamento de espaços pedagógicos que, por sinal, estavam fechados no ano de 2016,

possibilitassem a esse professor fazer trabalhos em parceria, por exemplo, com outros

profissionais, como os professores de sala de leitura, a fim de que negociassem o processo de

correção e de refacção dos textos dos alunos, assegurando assim quem sabe uma processo de

retextualização e melhoria da escrita dos discentes.

Por outro lado, neste episódio, a apropriação do alunado foi (re)configurada nas formas

de como estes discentes desenvolvem um jogo de argumentação de temas diversos em que

toda a turma é convocada a participar, revelando assim o domínio da palavra falada, já

indiciada por um repertório mais complexo e pelo domínio de estratégias argumentativas mais

elaboradas, concatenando assim o debate em torno de problemáticas de espectro locais e

globais, conhecimentos de outras áreas do conhecimento e se posicionando criticamente sobre

os problemas que afetam o cotidiano deles.

Por isso, a docente, mesmo consciente dos limites de suas escolhas didáticas em face

das condições de realização de sua prática de trabalho, persiste na necessidade de apropriação

dos conteúdos considerados hegemônicos em correlação à necessidade de colocar em pauta um

olhar mais elaborado para os problemas. Assim, eles continuariam a luta pelo direito à

continuidade dos estudos e ao exercício de uma cidadania plena Pois, esta seria uma das vias

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para encaminhar a potencialidade desta juventude periférica para resistir e sobreviver às

mazelas sociais e ao extermínio das sucessivas chacinas ocorridas nas periferias do país.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da descrição geral dos dados desta investigação, as aulas ministradas a uma

turma do terceiro ano do EM, ao longo do ano de 2016, em uma escola pública da periferia de

Belém-PA, é possível delinear uma caracterização geral da aula de Língua Portuguesa. A

caracterização compreende duas direções complementares: uma perspectiva local - relativa a

um ensino voltado à compreensão da história afroindígena e dos problemas locais, em especial,

a chacina ocorrida no bairro no ano de 2014, às condições de infraestrutura de encenação do

trabalho docente e às condições de desigualdade social e de gênero- e uma perspectiva

institucional – concernente ao processo de didatização de conteúdos curriculares prescritos por

um aparelho docimológico externo (o ENEM), que baliza o que deve ser ensinado no nível

médio e interfere nos modos de interação, de escolha de dispositivos didáticos e de

procedimentos metodológicos mobilizados. Para Bunzen (2010, p. 104), a escola, como um

espaço discursivo se constitui a partir de cenários que visibilizam “duas dimensões”:

De um lado, encontramos as questões institucionais movidas por um

conjunto de regras e normas que buscam unificar e delimitar a ação

dos seus sujeitos; de outro lado, o cotidiano escolar com seus

conflitos e redes de significações construídas por seres humanos

concretos nas mais diversas alianças, transgressões e acordos.

(BUNZEN, 2010, p. 104)

Nessa direção, a primeira perspectiva contempla uma série de atividades, articuladas ao

eixo de leitura de uma coletânea de textos vernaculares, ligada à exposição dos conteúdos

curriculares paralela à discussão destes textos. O histórico de desigualdades sociais é frisado, o

vocabulário dos textos e alguns conceitos voltados aos conteúdos estabelecidos são

mobilizados como pauta para a compreensão sobre os possíveis sentidos interligados à

atualização referente ao contexto e território amazônico, paraense e palco das sucessivas

chacinas de impunidades, historicamente, recorrentes.

Os instrumentos didáticos centrais convocados para a realização do trabalho são letras

de música de um compositor local e um livro de um pesquisador/ historiador e professor da

escola. A partir destas leituras e de pesquisas realizadas pelos alunos, é organizado um longo

seminário para a problematização acerca da história dos movimentos sociais na Amazônia,

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etapa de preparação, para a realização de uma caminhada pelas ruas do bairro para requerer

justiça pelos jovens chacinados.

Os seminários de leitura deveriam funcionar como um momento para tentar “conceder”

a palavra ao aluno, a fim de que a aprendizagem estivesse mais pautada em uma postura mais

ativa, tendo em vista a eloquência do discurso docente ao longo das aulas. Esse discurso tem

por fim abordar a problemática da chacina, a partir da (re) constituição de uma história não

oficial sobre as lutas sociais na Amazônia. Tudo isso revela o objetivo da ação docente quanto

ao investimento da conscientização crítica deste público como uma necessidade vital à

natureza desta prática docente e, também, eleva o local ao palco institucional para a construção

de saberes e a favor do desenvolvimento de um processo de apreciação, coadunando assim ao

vernacular um dado estatuto ou “lugar” de integração ao escolar, de valorização às práticas de

linguagem, de cultura e de produção do conhecimento não oficiais. Lugar este que a escola,

ainda, negligencia, conforme um dos líderes dos coletivos culturais:

C1, Entrevista 1,

concedida em

04.11.16, 00:29:08

P.Há uma parceria desses coletivos e a escola?

E – Sim. Não propriamente a escola, são alguns professores que entendem e

alguns que fazem parte desses coletivos, é que trazem os coletivos pra fazerem

parceria, né? E aí turmas de alunos já vieram fazer pesquisa com o nosso

trabalho, já foi fazer pesquisa com o Tela firme, com o Casa preta, preta,(....)

mas é tudo assim, a partir de um professor... (...) É. Uma experiência que não

tem muito a ver com a escola (...) apesar de quando tem as atividades que a

gente diz culturais da escola, a festa junina, sempre convidam os coletivos

culturais, mas participar de maneira abrilhantar a festa, digamos assim, sem

ter uma discussão sobre, sobre (...) e aí é engraçado isso, porque quem não

conhece um terço da coisa, acha que a escola apoia os movimentos culturais

(....) mas, na verdade, na realidade... Ainda é muito tensa essa relação.

Conforme Kleiman e Sito (2016), ao visibilizar estes grupos e seus letramentos

vernaculares, levando em consideração os letramentos emergentes destes grupos como práticas

de multiletramentos, forjadas no seio das tradições orais, artísticas, musicais, corporais,

comunitárias em que são construídos textos multimodais e, até mesmo, aquelas realizadas em

correlação com práticas consideradas hegemônicas, o solitário trabalho de alguns professores,

mais especificamente, de uma professora - e não da escola, como frisa a liderança-, já favorece

o fortalecimento de novos discursos acerca das realidades, o reconhecimento de saberes de

grupos estigmatizados, ou, ao menos, coloca em voga a tensão existente entre o oficial e não

oficial na arena de letramentos que se (re)configura no ambiente escolar (TARDIF, 2005;

KLEIMAN; SITO, 2016).

Este confronto encarna a reexistência que pode permitir a expansão de horizontes

linguísticos, discursivos, epistemológicos, a partir de uma perspectiva crítica; bem como o

autorreconhecimento de si, o reconhecimento dos próprios saberes, a (re)valorização dos

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viveres, dos saberes, das coleções culturais existentes e resistentes, e, ainda, dos territórios em

que a violência difere e extermina a diferença, principalmente, a pobre, preta e periférica. Estas

práticas de letramento escolar tecidas pela professora e a comunidade do bairro implementam a

subversão a favor dos seus objetivos, relegam a sua condição de subalternidade e de alienação

total ao sistema imposto. A construção da caminhada é uma fissura latente desta transgressão à

ordem. Então, acreditamos que tais práticas são (re)configurações, sim, de letramentos de

reexistência em ecos de resistência e de sobrevivência em tempos líquidos e de incertezas

(CANCLINI, 1998; BAUMAN, 2007; SOUZA, 2011; KLEIMAN; SITO, 2016; JANKS,

2016; LOPES et al, 2017). Maia (2018, p. 967) conceitua estes letramentos de sobrevivência

nestes termos:

Letramentos de sobrevivência são, portanto, práticas sociais que,

fundamentalmente, testemunham violações de direitos humanos e

culturais e que, enunciados, questionam polaridades, contaminam a

homogeneidade de iniciativas hegemônicas e, assim, entextualizam

histórias contadas e escovadas a contrapelo, nos termos postos por

Walter Benjamim na tese 7 de seu texto Sobre o conceito de história

(2012 [1985], p. 245).

Estes letramentos de sobrevivência são (re)constituídos em ecos de coragem, de

denúncia, de movimento educativo construídos no trabalho da professora investigada e ressona

no discurso inflamado, empoderado pelas leituras da palavra escrita e das vivências na

comunidade, endossado pelo vigor militante, que leva a vida, a cultura, a língua e os reais

conflitos e violações aos direitos enfrentados por estes jovens periféricos para o seio da prática

docente. Na última entrevista concedida pela professora, ela relata a seguinte situação

articulada ao empreendimento pedagógico nesta conjuntura:

Entrevista P1,

concedida em

30.11.16, 1:56:51.

P. (...) aquela história do palco, quando o Maca veio, que ele lançou um livro ¨A

gramática da ira¨ em Jabatiteua, que a gente tinha que montar, a gente emprestou

o palco da escola que eram aquelas estruturas de ferro, lá na Jabatiteua, (...), a

gente montou o palco, estruturou o palco, pra subir no palco, e aplaudir o

que tava sendo apresentado, no dia seguinte a gente desconstruiu o palco, foi

lá carregar, então quer dizer, olha como é que muda isso, quem subiu ali fui

eu, porque era Gramática da ira que vem falando sobre o pretoguês, então

tá falando da minha vida, tá falando do extermínio, tá falando do que eu

vivo, tá falando do que eu presenciei, do que eu construí, é a minha história,

né?

Este discurso pedagógico, pautado em experiências vivenciadas no coração da

comunidade, que remete ao louco foucaltiano e ao moleiro Menocchio, em certa medida, é o

mesmo que tenta se infiltrar no endurecido processo de didatização do conteúdo considerado

necessário à aprovação no ENEM, o que possibilitaria aos alunos a continuidade dos estudos e,

ao mesmo tempo, incitaria a formação crítica para a atuação cidadã, atendendo assim uma das

finalidades da referida etapa de ensino. Nesse sentido, o segundo episódio descrito é

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veementemente marcado por uma perspectiva institucional interligada ao processo de

didatização de uma gama de conteúdos que concorrem para o ensino de uma redação nos

moldes exigidos pela avaliação externa.

Essas características são atualizadas na interação verbal, que passa a constituir a

interação didática. O objeto de ensino, os instrumentos didáticos mobilizados e os

procedimentos didático-metodológicos adotados concorrem para a constituição de uma

polêmica discursiva muito limitada. Como a interação didática é criada a partir de um objetivo

didático específico, nesse caso, levar a maior quantidade de informações acerca do que vem a

ser necessário à apropriação do “modelo redacional”, o processo interativo é marcado pelo

predomínio de interlocução do mestre (ou manual, apostila, LD) (CHERVEL, 1988). Isto

porque, há um tempo determinado nesse espaço institucional para ditar determinada porção de

conhecimento, visto que é necessário terminar o conteúdo em uma data especificada. Desse

modo, o instrumento avaliativo atua para dois fins: uma função de controle e uma função de

verificação de desenvolvimento e de aprendizagem da disciplina. Acerca desse ponto, Chervel

(1988, p 40) assinala que:

O último ponto importante da arquitetura das disciplinas: a função que ela

ocupa nas provas de natureza docimológica. As necessidades de avaliação dos

alunos nos exames internos e externos engendraram dois fenômenos que

pesam nos cursos das disciplinas de ensino. O primeiro é a especialização de

certos exercícios que desempenham uma função de controle (...). O segundo

fenômeno é o peso considerável que as provas finais exercem sobre o

desenrolar da turma e sobre o desenvolvimento da disciplina, ao menos em

algumas de suas formas89

.

Mesmo no seio do mundo usineiro, em condições de trabalho pouco ou quase nada

favoráveis, pressionada pelo tempo escolar e pela demanda histórica e oficial dos exames

finais, percebemos que a docente tenta fazer parte do discurso das políticas linguísticas. Aquilo

que ela institucionaliza como conteúdo do ENEM e aquilo que intervém e constitui a

sociedade por meio da língua(gem). Nessa direção, a professora se vê entre duas polaridades

antagônicas: da política linguística que afeta por via de programas norteadores da ação

docente, programas relacionados à avaliação, distribuição e qualidade do material didático

enviado para uso na escola e da transgressão por meio de um letramento mais crítico ao

89 Dernier point important dans l’architecture des disciplines: la fonction qu’y remplissent lês épreuves de nature

docimologique. Les necessities de l’evaluation des éleves dans les examens internes e externes ont engendré deux

phénoménes qui pésent sur le cours des disciplines enseignées. Les premier, c’est la spécialisation de certains

exercises dans leur fonction d’exercises de contrôle. La <<dictée d’ orthographe>> est du nombre, et doit sans

doute son origine à cette fonction, même si son utilisation dans les classes, au XIX et au XX siècle, excède très

largement ce rôle. Le second phénoméne, c’est le poids considérable que les épreuves de l’examen final exercent

parfois sur le déroulement de la classe et donc sur le développement de la discipline, du moins dans certaines de

ses formes.

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abordar problemas sensíveis à audiência e que tocam em questões de gênero, violência,

desigualdades no sentido de instaurar uma dialética discursiva capaz, ao menos, de cindir a

ótica da camuflada neutralidade que resguarda relações de machismo e de violação de direitos

constitucionais (MONTE MÓR, 2013b; MÉSZAROS, 2008; PENNYCOOK, 2006).

Dessa maneira, compreendemos que, apesar das inúmeras dificuldades relativas ao

contexto de atuação profissional, das possíveis escolhas voltadas a um modelo autônomo de

letramento (STREET, 2014), a professora tenta contemplar as duas polaridades supracitadas,

alcançando assim o dito paradoxo do acesso a que faz referência Janks (2010), o que se

caracteriza, sem dúvida, como mais uma forma de resistir, sobreviver e transgredir a um

sistema voltado a oprimir os menos favorecidos economicamente, inclusive, no sentido de

prosseguir aos níveis mais avançados de acesso ao conhecimento formal, historicamente, uma

formação de caráter mais propedêutica foi cerceada às classes populares no Brasil.

Essa contradição é refletida, por exemplo, no valor atribuído aos textos de diferentes

gêneros discursivos produzidos nesse processo contraditório, tenso, conflituoso. Os cartazes da

caminhada não possuem o mesmo peso das redações do ENEM no processo de avaliação

escolar, mas estas produções refletem os diferentes processos de socialização assumidos por

estes sujeitos em cenas de letramento social fundadas por aqueles que emergem de diferentes

status sociais, que exercem funções e papeis diferenciados na engrenagem social e educacional

(GOMES, 2000; BUNZEN, 2010; SOUZA, 2011; LOPES et al, 2017).

Por fim, cabe considerar que a interação didática estabelecida está intimamente

articulada aos objetivos educacionais, assumidos também a partir de uma “agenda” da docente,

educadora, militante, liderança de coletivo cultural, como um projeto de atuação em um

território de extrema vulnerabilidade social. Se o interesse da educação formal secundária é

formar para uma situação avaliativa específica, para a professora, parece que a maior

preocupação do trabalho de ensino de português é contribuir para formar sujeitos críticos,

conscientes da situação de opressão, de desigualdade, de injustiça social, mas, principalmente,

é contribuir para formar sujeitos de direito (ARROYO, 2012).

Direitos estes, inclusive, assegurados, do ponto de vista, constitucional, que podem e

devem ser requeridos por estes jovens pelo uso da língua como instrumento de poder, como

forma de ação e de interação no bojo das reais demandas sociais. Ensinar a ler, ensinar a

argumentar, ensinar a reivindicar modos de intervenção por via da língua(gens) parece ser um

compromisso profissional, filiado a uma postura filosófica e educativa, a fim de a juventude

periférica possa gozar da quase utópica cidadania plena no Brasil contemporâneo.

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Tendo em vista esta realidade descrita e analisada nesta tese, acreditamos que investigar

a epistemologia do conhecimento escolar e da prática do professor é fundamental e estratégico

para a compreensão dos processos que, de fato, estão em jogo em diferentes ambientes

institucionais escolares da educação secundária no país, a saber: as dificuldades estruturais e as

condições de trabalho do professor, os desafios relativos à realização de ensino e à

concatenação dos eixos de ensino ao longo do processo didático, os entrecruzamentos das

demandas locais e institucionais conjugadas aos citados eixos de trabalho de ensino de

Português, o atendimento às finalidades do nível de ensino e às necessidades de formação para

um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo, dentre outros.

Estas constatações estampadas nestes dados investigados podem ser relevantes para o

processo reflexivo conduzido ao longo da formação de professores - tanto inicial, quanto

continuada - para a realização do ensino de Português em territórios de extrema

vulnerabilidade social, a fim de que os docentes possam cogitar e conhecer estratégias de

ensino para dirimir as problemáticas interligadas ao trabalho docente de resistência e de

sobrevivência, vivenciados no decorrer da escolarização de grupos não majoritários.

Problematizar acerca do trabalho docente implementado nestes territórios pode contribuir para

a formação de educadores para a construção e efetivação de projetos de ensino que

vislumbrem o acesso a processos de leitura, de produção, de análise e de circulação de práticas

letradas multissemióticas em ambientes escolares (ou não).

Além disso, cabe salientar que é necessário formar professores cientes de que as práticas

pedagógicas efetivadas nestes contextos não podem se eximir da concepção de que a escola,

como nos lembram Souza e Sito (2010), é um espaço ideológico privilegiado de disputas de

poder, de rupturas com narrativas de conciliação, de instauração de práticas educativas

voltadas à valorização da heterogeneidade e da singularidades dos letramentos.

Acreditamos que esta produção ativa, criativa, crítica e polêmica possa conceder lugar à

instauração da tensão discursiva constitutiva da produção de arenas de letramentos, de saberes,

de conhecimentos, de posicionamentos, de sentidos, de língua(gens), de cultura, de interação,

que venham a constituir o tenso, multifacetado, contraditório, híbrido, movediço Letramento

escolar no Ensino Médio. Penso que a (re)invenção do cotidiano escolar da escola pública

brasileira, bem cultural de capital importância para a sociedade, é uma das alavancas para

contribuir no complexo processo de conscientização crítica tão necessário e urgente, para que

possamos resistir, reexistir e (sobre) viver nas periferias brasileiras e conquistar a tão sonhada

transformação social no atual caos em que estamos a resistir (FREIRE, 2018; CERTEAU,

1994).

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ANEXOS

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ANEXO A – LETRA DE MÚSICA PAU TORANDO, DE RAFAEL LIMA

PAU TORANDO!

Levanta juventude vem pra luta;

Acorda, tá na hora de lutar.

Agora temos mais é que ir pra cima, levanta bora por pau pra torar!

Pau canta toda hora, vem pra tora!

Vumbora, bora por pau pra torar!

milícia da polícia, tá matando na perifa; Levanta quero ver... perifa levantar!

(Refrão)

Eo, eo, eea... Eo, eo, eea...

Milicia da polícia, tá matando na perifa;

Levanta quero ver... perifa levantar!

Agora tá na vez da juventude;

As cartas tão na mesa, vem pra cá.

Vumbora separar joio do trigo,

farinha que não presta, vai dançar!

Cabano que é de luta, vem pra tora!

Vumbora, prum levante popular.

Vumbora sacudir todas essas estruturas....

Fazer reforma agrária popular!

RAPA

Polícia que mata na periferia congresso roubando de noite, de dia; 'colarinho branco'... uma

patifaria... e a conta quem paga??? É sempre a mesma via!

É o pobre que é preto, é o preto, que é pobre; é o imposto que é caro, no feijão que sobe. No

açúcar, no arroz, na carne e no pão, e a conta quem paga? É sempre o cidadão!

Latifúndio que ataca matando posseiro, justiça disfarça, prende o pistoleiro; e o safando

mandante, que é o fazendeiro, continua soltinho, contando dinheiro. A justiça que é cega, só

enxerga o que quer! A polícia que é 'neutra', só prende quem quer! E a cadeia que sempre, só

pra pobre é, é um inferno que queima, só João e José!

(Refrão)

Eo, eo, eea... Eo, eo, eea...

Milicia da polícia, tá matando na perifa;

Levanta quero ver... perifa levantar!

Rafael Lima

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ANEXO B – LETRA DE MÚSICA CANTILENA, DE RAFAEL LIMA

CANTILENA

Passa pra dentro moça descalça,

vem com a tua graça, assim reviver,

sai da janela, anda depressa,

ouve as histórias dos ancestrais

Gente que lutou, lutou, lutou...

por todo um sonho que era bom;

gente que sofreu, que sofreu, que sofreu...

e tanto sangue derramou

Tu nem te lembras eras criança,

sempre de trança a choramingar,

teu pai lembrava um longe distante...

Chegavam homens prum guerrear

Guerra de homens bravos, forte e valentes,

valentes, valentes, valentes, valentes...

Contra a tirania dessa nação;

Guerra de gente cabocla, negros, índios, uns humildes,

humildes, humildes, humildes, humildes,

luta de fazer revolução.

Teu pai contava que eram cabanos,

homens, mulheres, nesse lutar,

vinham de longe, do breu da mata,

tomar Belém para governar.

Vieram se chegando assim bem de mansinho,

mansinho, mansinho, mansinho, mansinho...

como que guarás no mangal a pousar;

vieram se entricheirando assim devagarzinho,

devagarzinho, devagarzinho, devagarzinho...

como uma jiboia num só sussurar

Conta teu pai que foram três guerras,

Contra os demandos desta nação;

eram mulheres, homens, crianças,

todos fazendo a rebelião.

Era gente, gente, gente, gente,

com fé em dias melhores,

trazendo no peito a saga da união,

querendo justiça, bradando suas certezas,

certezas, certezas, certezas, certezas...

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Fazer do Pará uma grande nação!

Já se vão quase uns duzentos anos,

coisa que já nem se ouve mais falar;

boca de abiu fizeram esse tempo,

pra nossa história contar

Nossa verdadeira história, feita de cabanos,

cabanos, cabanos, cabanos, cabanos,

gente que lutou engrandecendo essa nação;

gente que morreu lutando, lutando,

lutando, lutando, lutando....por um Pará livre!

Um Pará com a saga da libertação!

Um Pará com a saga da libertação!

Rafael Lima

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ANEXO C – PROVA DE SEGUNDA AVALIAÇÃO

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ANEXO D – DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

Sabe-se, por exemplo, que a universidade reproduz a ideia de que existe uma divisão sexual do

trabalho, uma vez que existem carreiras consideradas masculinas e carreiras consideradas femininas

.Engenharia, principalmente mecânica, é carreira masculina, assim como Geologia e Agronomia. Enfermagem e

serviço social são carreiras essencialmente femininas. .

O que estará por trás dessas associações sexistas? Lembram-se daquela ideia constante na educação

feminina de que a mulher nasceu para servir? Pois essa ideia se projeta com toda força no nível do trabalho

profissional, razão pela qual ela consegue mais facilmente empregos subalternos. O reflexo disso dentro da

universidade merece alguns estudos. Carreiras que implicam constante prestação de serviços são seguidas quase

exclusivamente por mulheres. É o caso de enfermagem (com mais de 95% de estudantes mulheres) e serviço

social (com percentual entre 80 e 90%).

Aqui encontramos a primeira contradição do processo ideológico que afirma a “fragilidade feminina”.

Numa sociedade em que a mulher é considerada tão frágil, por que reservam a ela, quase exclusivamente,

profissões tão árduas? E se realmente é preciso conciliar o lar e a profissão, temos aqui mais uma falácia. A

socióloga Cristina Bruschini, comparando enfermeiras e engenheiras, descobriu que as engenheiras harmonizam

melhor seus horários de trabalho com as exigências domésticas.

Vemos, nesse exemplo, que a suposta fragilidade da mulher pouco tem a ver com as “profissões

femininas”. Engenharia, que implica comando e prestígio (até quando?) é carreira para os homens. Enfermagem,

que implica prestação de serviços ao médico, ao doente, à família do doente etc., é carreira para mulheres.

Mas, a engenharia tem vários ramos. Mulher não deve frequentar construções ou parque industrial (a não

ser como operária mal paga). Já a engenharia química é um bom caminho. A idéia de laboratório – mulher entre

quatro paredes, “prisioneira da casa” – facilita o trânsito por certas carreiras do tipo química, biologia,

bioquímica. Já a geologia é desaconselhável. A Petrobrás nem emprega mulheres. Parecem preocupados com a

saúde da mulher (o que não impede que ela se mate lavando roupa). Mulher que faz geologia vai trabalhar em

paleontologia, campo em que se obviamente ganha menos.

O caso mais espantoso, porém, é o da agronomia. A agricultura foi, em sociedades tribais – e ainda é em

muitas regiões do mundo -, uma atividade predominantemente feminina. Na zona rural, mesmo em países

avançados, mulheres trabalham a terra lado a lado com seus maridos. Em alguns países africanos, mulheres

permanecem trabalhando a terra enquanto seus maridos vão para a cidade em busca de empregos domésticos. Por

que se teria criado, na sociedade industrial, o mito de que agrônomo deve ser homem, afastando as moças desse

curso universitário?

Esse artificialismo que divide as carreiras masculinas e femininas muitas vezes impede rapazes e moças

de realizarem suas verdadeiras tendências profissionais, em função dos preconceitos que orientam suas escolhas.

Quando um número equivalente de homens e mulheres cursarem enfermagem ou engenharia, haverá maior

probabilidade de que as pessoas estejam realmente se preparando para a realização profissional.

OLIVEIRA, A. et al. Relações de Gênero e ascensão feminina no ambiente organizacional: um ensaio teórico.

Revista de Administração da UFSM, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em

http://periodicos.ufsm.br/reaufsm/article/viewFile/1279/752.