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4º ENCONTRO NACIONAL DE GRUPOS DE PESQUISA – ENGRUP , São Paulo, pp. 370-392, 2008.
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO TERRI TORIAL
AGRIUCULTURAL MODERNIZATION AND TERRITORIAL DEVELOP MENT
Antonio Nivaldo Hespanhol
Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP – Presid ente Prudente
Resumo
O pacote tecnológico da “Revolução Verde” foi difundido no mundo a partir dos anos
1950 e derivou diretamente do modelo de desenvolvimento produtivista predominante
até o final dos anos 1970. A produção e a produtividade agrícolas se expandiram
significativamente. No entanto, os efeitos ambientais e sociais da “Revolução Verde”
foram muito negativos e provocaram a valorização de perspectivas de desenvolvimento
ascendentes, tais como a abordagem territorial, a qual se tornou expressiva a partir dos
anos 1990.
Palavras-chave: Modernização, desenvolvimento, rural, participação.
Abstract
The “Green Revolution” technological package was spread out in the world from years
1950. It was derived from the development model that predominated until the end of
years 1970. The agricultural production and the productivity had expanded significantly.
However, the environmental and social effects of the “Green Revolution” were too much
negative and had induced the valorization of ascending development perspectives, such
as the territorial approach, which became expressive from years 1990.
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1. INTRODUÇÃO
Após a II Guerra Mundial o pacote tecnológico da chamada “Revolução Verde”
foi difundido no mundo, atingindo, inclusive alguns países subdesenvolvidos. A
modernização da agricultura esteve associada ao modelo de desenvolvimento
produtivista que passou a ser contestado nos anos 1970 e 1980, dando margem ao
surgimento de novas abordagens de desenvolvimento.
A abordagem do desenvolvimento territorial ganhou força nos países
desenvolvidos a partir dos anos 1990. Por meio de tal abordagem tem se procurado
valorizar as potencialidades locais, a diversidade, o meio ambiente, bem como envolver
os atores sociais nos projetos de desenvolvimento.
No presente texto se procurará estabelecer relações entre modernização da
agricultura e desenvolvimento territorial, com o intuito de responder a três questões: 1)
A agricultura moderna, associada ao modelo produtivista, perdeu a hegemonia? 2) A
estratégia do desenvolvimento territorial é protagonista ou coadjuvante nas políticas
públicas? 3) Como a estratégia do desenvolvimento territorial vem sendo introduzida
nas políticas públicas brasileiras?
2. MODELO PRODUTIVISTA DE DESENVOLVIMENTO E MODERNI ZAÇÃO
DA AGRICULTURA
Entre o final da II Guerra Mundial e os primeiros anos da década de 1970, a
economia mundial apresentou grande expansão. Foram efetuados significativos
investimentos em atividades produtivas, não somente nos países desenvolvidos, mas
também em países subdesenvolvidos. No referido período, os conhecimentos da
ciência e da tecnologia passaram a ser aplicados diretamente aos processos
produtivos de todos os setores, inclusive da agropecuária, conforme salienta Santos
(1985).
A modernização da agricultura ocorrida em vários países derivou deste
movimento expansionista caracterizado pelo expressivo crescimento econômico e pelo
grande avanço tecnológico. Foi sob este modelo econômico que a União Européia, os
Estados Unidos e muitos outros países, inclusive subdesenvolvidos, promoveram
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alterações na sua base técnica de produção e ampliaram a oferta de alimentos e
matérias-primas.
Graças à modernização da agricultura e ao estabelecimento da Política Agrícola
Comum (PAC), alguns países europeus que apresentavam forte dependência da
importação de alimentos, não somente se tornaram auto-suficientes, como se
converteram em exportadores líquidos de produtos agrícolas a partir dos anos 1980.
Os EUA, o Canadá, a Austrália, o Brasil, a Argentina, o México e muitos outros países,
expandiram significativamente a produção agropecuária em decorrência da adoção do
pacote tecnológico da “Revolução Verde”.
Apesar do aparente sucesso da modernização da agricultura, o passivo
ambiental dela decorrente é muito grande. A expansão de monoculturas e o uso
indiscriminado de máquinas, implementos, fertilizantes químicos e de biocidas
comprometeram a qualidade ambiental de vastas áreas dos países desenvolvidos e
subdesenvolvidos.
Nos países mais avançados da União Européia (França, Alemanha, Holanda,
Bélgica, entre outros), as críticas aos efeitos ambientais negativos decorrentes da
produção agrícola intensiva, emergiram nas décadas de 1960 e 1970 e ganharam
amplitude e repercussão em outros países, a partir dos anos 1980.
A perda da qualidade ambiental, os problemas sanitários como a encefalopatia
espungiforme bovina (mal da vaca louca), a incidência da febre aftosa e a
contaminação de frangos, evidenciaram a insuficiência da gestão da qualidade e da
segurança dos alimentos gerados pela agricultura moderna e processados pelas
agroindústrias de grande porte (DELORME, 2004).
Diante de tal quadro, os alimentos produzidos sem a aplicação de biocidas e o
processamento artesanal têm sido valorizados pelos consumidores dos países
desenvolvidos, bem como pela população de média e alta renda dos países
subdesenvolvidos.
Cada vez mais se passou a reconhecer que o modelo produtivista, próprio do
modelo no qual se insere a agricultura moderna, não proporcionou a superação da
pobreza das zonas rurais, nem proporcionou a melhoria da qualidade de vida das suas
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populações. A agricultura moderna também não levou a superação do problema da
fome no planeta, apesar de ter havido a ampliação da oferta de alimentos, os
problemas relacionados à sua distribuição perduraram e até se agravaram.
As preocupações ambientais e sanitárias em relação à agricultura intensiva
redundaram em alterações nas políticas agrícolas, principalmente nos Estados Unidos
da América (EUA) e na União Européia. O emprego indiscriminado de sistemas
intensivos de produção passou a ser combatido por meio de reformulações nas
políticas agrícolas.
Nos EUA foi criado, no ano de 1984, o Low-Input/Sustainable Agriculture (LISA)
com o objetivo de desenvolver sistemas de produção menos agressivos ao meio
ambiente, conforme salienta Ehlers (1999).
Na União Européia, foram empreendidas reformulações na PAC nos anos de
1992, 1999 e 2003 por meio das quais se procurou estimular formas extensivas de
exploração com o intuito de reduzir a pressão sobre os recursos naturais e de valorizar
a qualidade ambiental.
As novas políticas agrícolas, além de valorizarem a exploração extensiva,
procuraram reduzir a oferta de produtos agrícolas subsidiados.
Apesar da tomada de consciência em relação aos problemas ambientais e
sociais gerados pela agricultura moderna, os interesses econômicos prevalecem e o
modelo produtivista continua hegemônico.
Os questionamentos e denúncias em relação ao comércio desleal de produtos
agrícolas praticado pelos países desenvolvidos se tornaram recorrentes, pois tais
países protegem os seus mercados com tarifas alfandegárias elevadas aos produtos
agroalimentares e concedem fortes subsídios aos seus agricultores.
Os segmentos produtivos voltados ao abastecimento de grandes mercados são
dominados por corporações transnacionais cujas sedes se localizam nos EUA e na
União Européia, a exemplo da Bunge, Cargill, Nestlé, Danone, Louis Dreyfus e Archer
Daniels Midland Company (ADM), entre outras. Estas empresas operam com base na
agricultura praticada em larga escala e com intensa utilização de máquinas,
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implementos mecânicos, fertilizantes químicos, sementes selecionadas e biocidas,
cujas empresas produtoras também estão sediadas naqueles países.
Nos países desenvolvidos, não somente os pequenos agricultores, mas também
os médios e grandes vinculados aos segmentos produtivos modernos são subsidiados
e protegidos por tarifas alfandegárias.
As questões relacionadas à concessão de subsídios agrícolas e a manutenção
de elevadas tarifas alfandegárias aos produtos agroalimentares provenientes de países
subdesenvolvidos vêm causando fortes embates na Organização Mundial do Comércio
(WTO - World Trade Organization).
A rodada de negociações da OMC iniciada em Doha (Qatar) no ano de 2001 até
hoje não foi concluída em virtude do não entendimento entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos em relação aos subsídios agrícolas concedidos pelos EUA e União
Européia e as tarifas alfandegárias praticadas para proteger os respectivos mercados.
Os EUA e a União Européia se predispõem a reduzir as tarifas alfandegárias aos
produtos agropecuários e a diminuírem o volume de subsídios concedidos aos seus
agricultores, mas exigem, em contrapartida, que os países subdesenvolvidos, inclusive
a China e a Índia, reduzam as suas tarifas alfandegárias sobre produtos manufaturados
e serviços especializados.
Na mais recente reunião realizada no mês de julho de 2008, em Genebra, na
Suíça, se esperava concluir a rodada de Doha, no entanto, mais uma vez, o ciclo de
negociações multilaterais foi fracassado1.
O incremento da produção de alimentos, fibras e agrocombustíveis para fazer
frente ao crescimento da demanda internacional, decorrente, em grande parte, da
elevada expansão econômica que vem ocorrendo na China e na Índia está sendo
realizado com base neste modelo de desenvolvimento reconhecidamente insustentável
dos pontos de vista social e ambiental.
1 Na rodada de negociações ocorrida em Genebra houve divergências em relação ao posicionamento de importantes países subdesenvolvidos. O Brasil posicionou-se favoravelmente ao acordo que previa a redução de tarifas alfandegárias aos produtos manufaturados e a Argentina, China e Índia se posicionaram contrariamente ao acordo, pois não abrem mão de proteger as suas indústrias e exigem maior redução das tarifas alfandegárias aos produtos agropecuários pelos países desenvolvidos.
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No caso do Brasil, o processo de modernização da agricultura reduziu o seu
ritmo a partir do início dos anos 1980, em razão da crise econômica mundial e das
crises fiscal e financeira que atingiram o Estado brasileiro.
Mesmo assim, a agricultura moderna em bases empresariais se expandiu e
continua em marcha por meio do crescimento das áreas de cultivo de soja e milho nas
zonas de cerrado do Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país, de algodão mecanizado
nos Estados de Mato Grosso e Bahia, de cana-de-açúcar nos Estados de São Paulo,
Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás.
A agricultura moderna produtora de commodities vem ampliando a sua
importância na geração de divisas, por meio da expansão do agronegócio, o qual tem
sido responsável por mais de um terço do valor das exportações e tem garantido os
sucessivos superávits na balança comercial do país.
Diante do exposto, pode-se afirmar que o modelo econômico produtivista ao
qual se vincula a agricultura moderna, apesar dos seus perversos resultados sociais e
ambientais e das alterações que foram feitas nas políticas agrícolas da União Européia
e dos Estados Unidos para desencorajar as explorações intensivas, continua
prevalecendo em âmbito global e nacional.
Portanto, a resposta à primeira pergunta (A agricultura moderna, associada ao
modelo produtivista, perdeu a hegemonia?) é negativa, a despeito da adoção de
medidas paliativas e do recorrente discurso dos organismos internacionais sobre o
estímulo a promoção do desenvolvimento economicamente viável, ambientalmente
sustentável e socialmente justo.
3. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: MUDANÇA DE PARADIGM A OU
APRIMORAMENTO DO DISCURSO?
O período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início da
década de 1970 foi marcado pela grande expansão da economia mundial e expressiva
atuação do Estado na coordenação, regulação e estímulo às atividades produtivas.
Neste período a ação do Estado se deu por meio do planejamento centralizado, com
preocupações essencialmente econômicas e sem a participação da população
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envolvida. O planejamento regional foi caracterizado pelo seu perfil tecnicista e
monodisciplinar (economia), conforme ressalta Boisier (1989).
A competição entre dois sistemas econômicos (capitalismo e socialismo)
estimulou os governos de países desenvolvidos a estabelecerem o planejamento
macroeconômico e setorial e a estimularem à dinamização de regiões deprimidas.
O perfil keynesiano das políticas públicas e o bom desempenho da economia,
entre o final da II guerra e o início dos anos 1970, propiciaram a melhoria do padrão de
vida da população dos países desenvolvidos, sendo instituído o chamado Welfare State
(Estado do bem estar social). Nos países desenvolvidos, no período em apreço, se
atingiu quase o pleno emprego e as conquistas dos trabalhadores foram significativas.
Nos países subdesenvolvidos, a intervenção do Estado também foi significativa
no mesmo período, mas ela se deu mais para complementar a ação do capital privado
do que para prover a população com os serviços públicos básicos, diferentemente,
portanto, do que ocorreu nos países desenvolvidos.
No caso brasileiro, a partir da segunda metade dos anos 1950, o Estado passou
a investir diretamente em infra-estrutura e em setores produtivos pouco atrativos às
empresas privadas, com o intuito de atrair capitais estrangeiros, e foram criadas
facilidades para o ingresso de empresas multinacionais no país.
Depois do primeiro choque do petróleo em 1973, as perspectivas keynesianas
perderam força nos países desenvolvidos e, desde então, houve o enfraquecimento
dos Estados e o fortalecimento do liberalismo econômico nos países desenvolvidos e
subdesenvolvidos.
Para Castro (1991, p. 14) “a crescente interdependência e simultânea
exacerbação da competição oligopólica internacional desestruturou os fundamentos da
concepção, até então vigente, de planejamento e de intervenção do Estado.”
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Lipietz (1988) considera que os princípios do liberalismo se impuseram com a
(...) chegada ao poder de coligações monetaristas ou simplesmente
menos keynesianas: na Inglaterra, pela vitória dos conservadores; nos
Estados Unidos, pela subida de Volker à direção do FED antes do
acesso de Reagan à presidência; na Alemanha Federal, pela
hegemonia dos liberais na coligação de centro-esquerda (LIPIETZ,
1988, p. 178).
Após o primeiro choque do petróleo de 1973 e o estancamento do ciclo
expansivo da economia, os postulados neoliberais tornaram-se hegemônicos. Os
organismos internacionais, especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD – Banco Mundial)
passaram a apresentar e a impor medidas de cunho neoliberal para controlar a
inflação, estabilizar as economias e superar as recorrentes crises em países
subdesenvolvidos.
O FMI interferiu diretamente na gestão da política econômica de muitos países
subdesenvolvidos, especialmente na primeira metade dos anos 1980, em decorrência
do aprofundamento da crise econômica. No caso do Brasil, num primeiro momento, o
FMI fez intervenções de cunho recessivo, buscando frear o consumo para reduzir a
inflação.
No final dos anos 1980 e, principalmente, no decorrer da década de 1990, o FMI
e o Banco Mundial passaram a forçar vários países subdesenvolvidos, inclusive o
Brasil, a abrirem os seus mercados, a controlarem os gastos públicos, a privatizarem
empresas estatais e a concederem a exploração de serviços públicos básicos à
iniciativa privada, por meio da implementação de um receituário neoliberal que ficou
conhecido como “Consenso de Washington”.
As medidas neoliberais aplicadas não atingiram os resultados apregoados pelos
organismos internacionais em termos de dinamização da economia e de redução da
pobreza, conforme enfatiza Stiglitz (2002).
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Em contraposição ao processo liberalizante e homogeneizador e, de certa
forma, a ele associado, surgiram nos anos 1990 iniciativas que passaram a valorizar a
diversidade das regiões, se buscando promover o desenvolvimento a partir do
aproveitamento das potencialidades locais. A experiência da terceira Itália, nesse
sentido, é paradigmática e serviu de base para o fortalecimento desta perspectiva de
desenvolvimento baseada na organização dos atores e na melhoria da governança
local.
As expressões desenvolvimento local, desenvolvimento endógeno,
desenvolvimento de baixo para cima, entre outras, tornaram-se comuns. O
enfraquecimento da ação do Estado fez com que as comunidades regionais
chamassem para si a responsabilidade pela promoção do seu próprio processo de
desenvolvimento.
O capital humano e o capital social passaram a ser valorizados e as
preocupações com a qualidade ambiental foram ampliadas, tornando significativas as
experiências bem sucedidas de desenvolvimento local com base no envolvimento
direto de atores sociais, no aproveitamento de conhecimentos tradicionais e de
atributos locais, especialmente nos países que integram a União Européia,
Neste contexto a União Européia lançou, no ano de 1991, o Programa Ligações
Entre Ações do Desenvolvimento da Economia Rural (LEADER) com o objetivo de
dinamizar os espaços rurais a partir do financiamento de projetos inovadores,
elaborados por atores públicos e privados locais, a partir da instituição da abordagem
ascendente.
Os projetos LEADER se voltaram preferencialmente ao melhor aproveitamento
dos conhecimentos tradicionais, a valorização dos patrimônios culturais e naturais, a
implantação de infra-estrutura para a melhoria da qualidade de vida da população rural,
a atração de empresas e população para as zonas rurais e o aprimoramento e
agregação de valor aos produtos locais.
O Programa LEADER apresentou boa receptividade e se expandiu ao longo do
tempo, sendo que atualmente se encontra na quarta edição.
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A primeira edição do programa (LEADER I) foi realizada entre os anos de 1991 e
1994, contou com aportes financeiros da ordem de 417 milhões de Euros, sendo
financiados 217 projetos. Na segunda edição (LEADER II), realizada entre os anos de
1995 e 1999, foram investidos 1,75 bilhão de euros e apoiados 906 projetos. Na
terceira edição do programa (LEADER+) executada entre os anos 2000 e 2006 foram
alocados 2,02 bilhões de euros e financiados 893 projetos.
Além das iniciativas do Programa LEADER, a própria PAC, a partir da segunda
reforma realizada no ano de 1999 passou a reconhecer e a destinar recursos de
maneira diferenciada à garantia agrícola (mercado) e ao desenvolvimento rural, por
meio do estabelecimento de dois pilares: o primeiro vinculado à política de mercado, e
o segundo, ligado ao desenvolvimento sustentável das zonas rurais.
Na terceira reforma da PAC, realizada no ano de 2003, foi estabelecido o direito
ao pagamento único, sendo os subsídios concedidos diretamente aos agricultores
independentemente de sua produção. Em contrapartida, a concessão dos subsídios
passou a ser condicionada ao cumprimento de normas ambientais e sanitárias, bem
como a exigências quanto ao bem estar dos animais.
Entre os anos 2000 e 2006 foram disponibilizados pela PAC mais de 300
bilhões de euros, dos quais 90% foram destinados às políticas de mercado (primeiro
pilar) e apenas 10% ao desenvolvimento rural (segundo pilar), dirigindo-se, neste caso,
a quatro medidas de acompanhamento2 e a 18 medidas de diversificação e
modernização das explorações agrícolas3.
2 Aposentadoria rural, medidas agroambientais, ajuda as áreas desfavorecidas e reflorestamento. 3 Investimento nas explorações agrícolas, instalação de jovens agricultores, formação, transformação e comercialização dos produtos agrícolas, outras medidas florestais, melhoria das terras, agrupamento de parcelas de terras, revitalização dos serviços e ajuda a gestão agrícola, comercialização de produtos agrícolas de qualidade, serviços essenciais para a economia e a população rural, renovação dos núcleos rurais e proteção do patrimônio rural, diversificação das atividades agrícolas ou próximas da agricultura, gestão da água destinada a agricultura, melhoria da infra-estrutura ligada ao desenvolvimento da agricultura, estímulo as atividades turísticas e artesanais, proteção do ambiente e bem estar dos animais, reconstituição do potencial de produção agrícola em áreas atingidas por catástrofes naturais e implementação de meios de preservação e, finalmente, investimentos na engenharia financeira.
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No período 2007-2013 o Fundo Europeu Agrícola para o Desenvolvimento Rural
(FEADER) destinará volume maior de recursos aos projetos de desenvolvimento local,
sendo que serão destinados mais de 20 bilhões de euros ao Programa LEADER, agora
convertido num dos quatro eixos do FEADER4.
As experiências de desenvolvimento local associadas aos espaços rurais,
passaram a receber a abordagem territorial, em virtude de reconhecerem o caráter
multifuncional dos espaços rurais; de serem estabelecidas com base nas co-relações
de forças existentes nos territórios; e; por valorizarem a participação dos atores sociais.
A partir das experiências de desenvolvimento local processadas em países
desenvolvidos, os organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial,
passaram a valorizar a abordagem territorial e a exigir que países subdesenvolvidos
adotassem estratégias de desenvolvimento ascendentes, sem se levar em conta as
grandes diferenças existentes entre as respectivas realidades.
Os níveis de desigualdade social e regional são enormes e a prática da
participação é pouco expressiva na maioria dos países subdesenvolvidos, o que
dificulta a implementação de estratégias de desenvolvimento ascendentes.
No caso da América Latina, a Organização dos Estados Americanos (OEA), por
meio do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA), passou a
promover o desenvolvimento rural sustentável na perspectiva da valorização dos
atributos dos territórios.
4 Eixo I – ampliação da competitividade dos setores agrícola e florestal; Eixo II – melhoria do ambiente e da paisagem rural; Eixo III – Qualidade de vida nas zonas rurais e diversificação da economia rural; Eixo IV – abordagem LEADER.
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De acordo com o Sepúlveda et al (2005, p. 1)
El enfoque territorial es esencialmente integrador de espacios, agentes,
mercados y políticas públicas de intervención. (…) el territorio es
considerado como un produto social e histórico – lo que le confere un
tejido social único -, dotado de una determinada base de recursos
natureles, ciertas formas de producción, consumo e intercambio, y una
red de instituciones y formas de organización que se encargan de darle
cohesión al resto de los elementos.
As diretrizes dadas pelos organismos internacionais e a descentralização
político-administrativa promovida desde os anos 1980 têm levado ao fortalecimento da
chamada abordagem territorial em vários países da América Latina, inclusive no Brasil.
O sofisticado discurso do desenvolvimento territorial desenvolvido e pensado
para outras realidades passou a ser incorporado às políticas públicas. Contudo, as
instituições nos diferentes âmbitos encarregadas da execução das políticas continuam
atuando como no passado, ou seja, de maneira setorial, numa lógica produtivista e com
reduzido envolvimento dos atores sociais.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a abordagem territorial foi incorporada
ao discurso das políticas públicas de vários países. Na União Européia a abordagem
territorial é expressiva e resultou em ações relevantes voltadas ao desenvolvimento
local. Na América Latina a abordagem territorial não passou de um discurso sofisticado
e muitas vezes mal interpretado pelas autoridades e agentes locais.
Apesar da sua importância, a abordagem territorial não é protagonista e sim
coadjuvante, pois tal perspectiva foi apenas parcialmente adotada e se restringe aos
projetos voltados a dinamização de espaços rurais economicamente deprimidos de
países desenvolvidos.
Na América Latina, a abordagem territorial foi incorporada a partir do estímulo e
da imposição de organismos internacionais, passando a ser adotada por técnicos e
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autoridades. No entanto, as condições básicas para a implementação de estratégias
ascendentes e participativas de desenvolvimento não existem de fato.
Portanto, a estratégia do desenvolvimento territorial não é protagonista e sim
coadjuvante nas políticas públicas dos países desenvolvidos e apenas começam a ser
esboçadas nos países subdesenvolvidos, por meio da transposição de experiências
que foram bem sucedidas em contextos econômicos, sociais, ambientais, institucionais,
históricos e culturais bastante distintos daqueles existentes nestes países.
4. MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL NO BRASIL
A modernização da agricultura se processou de forma bastante rápida no Brasil,
especialmente nas regiões sul e sudeste, onde as alterações na base técnica e
econômica da agropecuária se deram de maneira bastante pronunciada a partir dos
anos 1960.
O crédito rural oficial, principal instrumento utilizado para promover a
modernização da agricultura foi altamente seletivo, pois a sua oferta se restringiu aos
médios e grandes produtores rurais. Os pequenos arrendatários, parceiros e meeiros
com reduzido ou nenhum patrimônio não tiveram acesso ao crédito oficial em razão de
não disporem das garantias exigidas pelo sistema financeiro.
No início dos anos 1980 o padrão de financiamento público da agricultura
brasileira se esgotou em decorrência do aprofundamento da crise fiscal do Estado. A
partir de 1984 as taxas de juros que incidem sobre o crédito rural oficial se tornaram
positivas.
O período que se estende de 1980 até o início dos anos 1990, foi marcado pela
instabilidade macroeconômica. O Estado se voltou para a gestão da crise, não sendo
estabelecidas políticas públicas com horizontes de médio e longo prazo.
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No ano de 1994 foi lançado o Plano Real, por meio do qual a economia foi
estabilizada, a inflação controlada e a moeda sobrevalorizada, ao mesmo tempo em
que os processos de desregulamentação e de abertura da economia à competitividade
internacional foram ampliados.
No ano de 1996 o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) instituiu o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), voltado ao
atendimento de produtores rurais com áreas não superiores a quatro módulos fiscais e
que contratam até dois trabalhadores. Desde então tais produtores passaram a usufruir
de tratamento diferenciado, tendo acesso ao crédito oficial em condições bastante
favoráveis.
No decorrer dos anos 1990 ocorreram mudanças importantes na maneira de se
entender o campo no Brasil, pois passaram a ser consideradas, pelo menos em tese,
as especificidades locais na formulação de políticas públicas. Com isto, se procurou
favorecer a representação dos atores sociais por meio da participação de suas
organizações coletivas na elaboração e implementação de políticas voltadas ao meio
rural, além de serem fortalecidos os canais de participação criados na constituição
federal promulgada no ano de 1988, com destaque para os conselhos municipais.
Apesar das dificuldades enfrentadas para se democratizar as políticas públicas,
os documentos oficiais romperam com a visão produtivista e setorial e passaram a
adotar a perspectiva territorial.
A adoção da abordagem do desenvolvimento territorial no país tem como marco
inicial o Programa Comunidade Ativa instituído pelo governo FHC no ano de 1999, por
meio do qual se procurou induzir o desenvolvimento local das regiões menos
dinâmicas. A gestão de programas sociais também foi descentralizada com o intuito de
se evitar a dispersão e estimular a gestão participativa de recursos públicos.
No ano de 2003 o governo Lula criou a Secretaria de Desenvolvimento
Territorial, a qual se vincula ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. A referida
secretaria tem a incumbência de estimular e coordenar projetos de desenvolvimento de
territórios rurais, os quais, de acordo com os documentos oficiais devem dirigir “o foco
das políticas para o território, destacando a importância das políticas de ordenamento
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territorial, de autonomia e de autogestão, como complemento das políticas de
descentralização” (BRASIL, 2003, p. 30).
De acordo com a referida secretaria
Na abordagem territorial o foco das políticas é o território, pois ele
combina a proximidade social, que favorece a solidariedade e a
cooperação, com a diversidade dos atores sociais, melhorando a
articulação dos serviços públicos, organizando melhor o acesso ao
mercado interno, chegando até ao compartilhamento de uma identidade
cultural, que fornece uma sólida base de coesão social e territorial,
verdadeiros alicerces do capital social (BRASIL, 2003, p. 30).
Apesar da adoção de tal perspectiva, as ações do governo federal na promoção
do desenvolvimento dos chamados territórios rurais ainda têm sido inexpressivas. A
Secretaria de Desenvolvimento Territorial vem desenvolvendo o Programa Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), mas as suas ações
ainda são pouco representativas.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário5 tem se incumbido da condução da
política de assentamentos rurais, inadequadamente cognominada de reforma agrária, e
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). As metas
quantitativas e qualitativas estabelecidas para os assentamentos não têm sido
atingidas. O PRONAF, por sua vez, permanece estritamente vinculado à oferta de
crédito rural com subvenções diferenciadas de acordo com a dimensão e o perfil dos
beneficiários, ou seja, se restringe a oferta de crédito.
5 A missão oficial do Ministério do Desenvolvimento Agrário é “criar oportunidades para que as populações rurais alcancem plena cidadania”.
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O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento6 estabelece e conduz a
política de apoio à agricultura empresarial, restringindo-se basicamente a ofertar crédito
oficial a médios e grandes produtores rurais a taxas de juros inferiores às vigentes no
mercado financeiro.
A divergência de interesses e a dubiedade das políticas públicas voltadas ao
meio rural ficam evidentes na própria maneira como a administração federal se
estrutura para atender as demandas provenientes do agronegócio e da chamada
agricultura familiar.
Nos territórios rurais selecionados pelo governo federal, atualmente
cognominados de territórios da cidadania, os interesses divergentes e os conflitos
existentes no âmbito dos respectivos territórios são negligenciados. Prioriza-se o
atendimento dos segmentos ligados à agricultura familiar e aos movimentos sociais,
sendo que as demais forças vivas, inclusive as hegemônicas, não participam das
discussões e decisões sobre a alocação dos recursos públicos destinados aos
referidos territórios, o que descaracteriza a própria abordagem territorial de
desenvolvimento.
Schneider e Tartaruga (2005, p. 23) enfatizam que:
(...) a abordagem do desenvolvimento territorial deve ser capaz de criar
e proporcionar instâncias para o debate das demandas entre os
diversos atores de um território. Pior do que tentar evitar e suprimir o
conflito social é não perceber a sua existência.
No que concerne à adoção da abordagem do desenvolvimento territorial há
algumas ressalvas a serem feitas quando são considerados os países
subdesenvolvidos, a exemplo do que no Brasil.
6 A missão oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é “promover o Desenvolvimento Sustentável e a Competitividade do Agronegócio em Benefício da Sociedade Brasileira”.
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Desde o final dos anos 1990 a abordagem do desenvolvimento endógeno na
perspectiva territorial vem sendo fortalecida, tendendo-se a considerar que as
iniciativas locais são suficientes para dinamizar a economia e superar problemas
sociais e ambientais.
Para Brandão et al (2005) há exagero nesta perspectiva endogenista. Para os
referidos autores em todo o mundo considera-se:
(...) a necessidade da “territorialização” das políticas de
desenvolvimento. Situação em que todos os atores sociais, econômicos
e políticos estão cada vez mais plasmados, “diluídos”, em um
determinado recorte territorial. Dentre várias mistificações, parece existir
no discurso uma opção por substituir o Estado (‘que se foi”), por uma
nova condensação de forças sociais e políticas chamada de território. O
território passa a ser como que o grande regulador de relações,
encarnando projetos sociais (BRANDÃO et al, 2005, p. 2).
A partir da adoção de tal perspectiva, o poder central passa a estimular as
comunidades locais a se organizarem, a participarem e a reivindicarem o acesso a
direitos básicos que deveriam ser garantidos pelo poder público sem qualquer
burocracia, dispêndio de tempo e desgaste.
A excessiva descentralização de políticas públicas, apesar das boas intenções,
pode ter resultados adversos dos esperados e reduzir o nível de democratização das
decisões ao enviés de ampliá-lo, dada à concentração de riqueza e do poder nas mãos
das oligarquias no âmbito das localidades e das regiões do país, conforme demonstra
Arretche (1996, p.10).
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(...) não há uma relação necessária entre determinada escala de
prestação de serviços públicos e o grau de apropriação privada ou
patronagem política que a prestação de tais serviços pode viabilizar. A
proximidade não é, assim, condição suficiente para evitar que
determinadas necessidades dos cidadãos sejam atendidas segundo
padrões clientelistas.
No país ainda prevalecem arcaicas relações de poder com “comportamentos e
atitudes ainda enraizados no paternalismo, populismo, clientelismo e coronelismo”
(SAYAGO, 2007, p. 13), aos quais podem ser acrescentamos mais alguns perversos
“ismos” tais como: comodismo, individualismo, egoísmo, nepotismo, machismo,
racismo, entre outros.
Para Boisier (2002):
Es casi evidente que una democracia madura supone una amplia
distribución social del poder político, o sea, supone una
descentralización, pero es un error común asignar causalidades
unidireccionales, como si un proceso necesariamente generase
linealmente el otro, desconociéndose el carácter recursivo de ambos.
Desde luego, el términos territoriales la transferencia de poder a
regiones por ejemplo, puede resultar completamente antidemocrática si
en tales regiones no existe un receptor socialmente adecuado, en
cuyo caso el poder transferido solo reforzaría estructuras oligárquicas y
clientelísticas (BOISIER, 2002, p. 4).
A descentralização das políticas públicas tem enfrentado dificuldades de várias
ordens no Brasil, pois a realidade da grande maioria das localidades situadas no
interior do país, normalmente, é de dispersão populacional, heterogeneidade, baixo
nível de organização e dificuldade de acesso às infra-estruturas e serviços públicos,
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elementos que comprometem a qualidade do processo de descentralização
administrativa, conforme enfatiza Schejtman (1997).
A operacionalização do desenvolvimento territorial é praticamente impossível de
ser implementada quando perduram a elevada concentração da propriedade da terra, a
grande concentração social e regional da renda, o esgarçamento do tecido social e a
falta de dinamismo econômico. Tais características associadas a permanência de uma
estrutura institucional ainda vinculada a lógica produtivista e setorial obstam as
iniciativas ligadas a implementação da abordagem territorial de desenvolvimento.
Favareto (2007, p.20) salienta que:
(...) a passagem do compromisso setorial ao territorial nas instituições e
políticas para o desenvolvimento rural torna-se incompleto, uma espécie
de ‘inovação por adição’ no vocabulário, no discurso e nas políticas de
órgãos governamentais e agentes sociais como organizações e apoio e
movimentos sociais sem, ainda, uma correspondente em termos de
mudança institucional.
Diante do exposto, como responder a terceira questão proposta (Como a
estratégia do desenvolvimento territorial vem sendo introduzida nas políticas públicas
brasileiras?). Considera-se aqui que embora a estratégia do desenvolvimento territorial
seja relevante, ela ainda é limitada e se restringe ao discurso oficial que vem sendo
adotado para justificar a falta de um projeto nacional de desenvolvimento e para
atender aos desígnios de organismos internacionais que financiam vários projetos no
país.
A permanência de problemas estruturais relacionados à concentração da
riqueza e do poder, a ineficiência das instituições, a persistência de práticas
clientelistas e o despreparo da população para participar de maneira autônoma e
qualificada dificultam a implementação de abordagens ascendentes de
desenvolvimento.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das evidências e do reconhecimento do caráter perverso do modelo
econômico associado à agricultura moderna, ele não perdeu a hegemonia. Nos anos
1990 e 2000, entretanto, ocorreram expressivos avanços em relação, principalmente,
ao reconhecimento do caráter multifuncional e multidimensional dos espaços rurais e
da instituição de abordagens ascendentes de desenvolvimento com base na
valorização dos atributos dos territórios e no envolvimento dos atores locais,
especialmente em países desenvolvidos.
O enfraquecimento do Estado provedor, de perfil keynesiano, nos países
desenvolvidos, o aprofundamento do processo de globalização, a crescente
descentralização político-administrativa e o fortalecimento das perspectivas
econômicas neoliberais levaram ao repasse da responsabilidade pela promoção do
desenvolvimento das mãos dos governos centrais para a escala local. Entre as
abordagens ascendentes de desenvolvimento merecem destaque as experiências
LEADER na União Européia.
A estratégia do desenvolvimento territorial pensada, a princípio, para a realidade
dos países desenvolvidos, passou a ser incorporada às políticas públicas de países
subdesenvolvidos sem que existissem as pré-condições para tanto. Mesmo nos países
desenvolvidos a abordagem territorial não é protagonista e sim coadjuvante. Apesar de
inovadora, tal abordagem se restringe aos projetos voltados à dinamização de regiões
rurais deprimidas.
Em alguns países subdesenvolvidos tal abordagem de desenvolvimento foi
incorporada ao discurso a partir da imposição de organismos internacionais, mas na
prática permanecem os graves problemas estruturais e faltam os requisitos
fundamentais para que a estratégia territorial de desenvolvimento decole.
No Brasil, a não superação de problemas relacionados a elevada concentração
da riqueza, a ineficiência das instituições e ao despreparo da população dificultam a
execução da estratégia territorial de desenvolvimento.
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Nos territórios rurais criados e reconhecidos pelo governo central, as instituições
federais diretamente envolvidas (MDA, INCRA etc.) adotam a estratégia do
desenvolvimento territorial de maneira parcial, pois deixam de ouvir, envolver e buscar
parcerias com agentes e atores chaves dos respectivos territórios, o que descaracteriza
a abordagem territorial de desenvolvimento.
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