MODERNIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO … · com sua foice. A morte escolhia a forma breve...

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS Mestrado em Educação Tecnológica Daniela Pereira Versieux MODERNIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO AGRÍCOLA: AS FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS (1906-1915) Belo Horizonte (MG) 2010

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS Mestrado em Educação Tecnológica

Daniela Pereira Versieux

MODERNIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO AGRÍCOLA: AS

FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS (1906-1915)

Belo Horizonte (MG)

2010

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Daniela Pereira Versieux

MODERNIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO AGRÍCOLA: AS FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS (1906-1915)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, para obtenção do título de Mestre em Educação Tecnológica. Orientador: Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves Co-orientador: Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa

Belo Horizonte (MG)

2010

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Daniela Pereira Versieux

MODERNIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO AGRÍCOLA:

AS FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS (1906-1915)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro

Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG, em 13 de julho de 2010, e

aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

________________________________________________________

Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves – CEFET-MG – Orientador

________________________________________________________

Prof. Dr.. José Geraldo Pedrosa – CEFET-MG – Co-orientador

________________________________________________________

Prof. Dr. Luciano Mendes de Faria Filho – UFMG

________________________________________________________

Profa.Dra. Carla Simone Chamon – CEFET-MG

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Fazenda

Vejo o Retiro: suspiro no vale fundo.

O Retiro ficava longe do oceanomundo.

Ninguém sabia da Rússia com sua foice.

A morte escolhia a forma breve de um coice.

Mulher, abundavam negras socando milho.

Rês morta, urubus rasantes, logo em concílio.

O amor das éguas rinchava no azul do pasto.

E criação e gente, em liga, tudo era casto.

Carlos Drummond de Andrade

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AGRADECIMENTOS

Neste pequeno espaço que antecede a minha dissertação de mestrado, poderia dele

utilizar-me para contar-lhes as dificuldades pelas quais passei durante esses dois anos de

mestrado: as frases não ouvidas, os textos escritos e não lidos. As horas e horas sentada em

arquivos e bibliotecas; as viagens feitas sem financiamento; as noites mal dormidas; a

decepção por não encontrar nas fontes o rico manancial que esperava descobrir. Poderia falar

também das horas roubadas ao meu filho, aos meus amigos e familiares; àquelas em que

deixei de ler Carlos Drumond de Andrade, em que não ouvi Chico Buarque, e nem saudei a

Baco. Poderia contar-lhes tudo isso.

Mas não. Seria repetir o óbvio: produzir uma pesquisa no nível de profundidade e

rigor que um mestrado acadêmico exige, nos estreitos limites impostos pela produtividade das

agências de fomento, sendo mulher, mãe e trabalhadora, necessariamente traria dificuldades.

Nestas poucas linhas em que me é permitido subverter o rigor acadêmico; neste

momento, em que é possível colocar um pouco de vida e poesia num relatório de pesquisa,

quero agradecer. E fazer, no final das contas, o que me é permitido fazer.

Quero agradecer pelo encanto proporcionado em cada nova descoberta. Quero contar-

lhes da ânsia com a qual produzi minhas fontes e do prazer que senti quando, ao deparar-me

com fontes secas, vislumbrei ali perto pequenos olhos d’água; de quando segui os veios, mais

profundos e distantes no tempo, que, logo mais à frente, manavam água pura e cristalina, bem

da verdade sem muita intensidade, mas com pressão e volume suficientes para me fornecer o

líquido precioso.

Quero contar-lhes, e agradecer, pela felicidade que senti ao escrever esta dissertação.

As palavras fluíam, as frases ganhavam sentido, se encadeavam à ideia mais geral, e eu

escrevendo, escrevendo... num fascínio que jamais imaginei sentir em uma atividade desse

tipo. Com esta dissertação, descobri o poder criador das palavras. Descobri-me criadora.

Sem, contudo, esquecer-me para que servem estas poucas linhas, quero agradecer.

Cada um dos que cito aqui tiveram uma participação especial neste período que vivi, e não

vão listados por ordem de importância. E também não são responsáveis pelas falhas e

desacertos do que vai escrito na dissertação.

Quero agradecer a meus pais, Maria e Abel, pelo apoio incondicional; aos meus

amigos Juraci, Adriana e Renata; aos colegas de mestrado Vinícius e Felipe; aos meus

familiares Georges e Vanda, Felipe, Danice e Natália; aos meus professores Maria Aparecida

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da Silva, Ronaldo Nagem, Carla Chamon e Suzana Burnier. Aos amigos e amigas com os

quais compartilhei alegrias e angústias.

Agradeço também à bolsista de iniciação científica PROBIC-CNPQ, Dayanne Ramos

de Oliveira, sem a qual esta pesquisa seria muito mais penosa; ao grupo de pesquisa NEMHE

– Núcleo de Estudos de Memória, Historia e Espaço; e à Fundação de Ensino de Contagem –

FUNEC – que concedeu-me uma licença remunerada para fins de qualificação profissional. E

a todos que, em discussões realizadas no grupo de pesquisa e em congressos da área de

História da Educação, contribuíram na elucidação de aspectos importantes para o

desenvolvimento da pesquisa.

Quero agradecer ainda às várias instituições que me acolheram e me disponibilizaram

os seus arquivos: o Museu Histórico de Pará de Minas; o Museu Casa de João Pinheiro e

Israel Pinheiro, em Caeté; a Casa da Cultura do campus de Florestal da Universidade Federal

de Viçosa; o Arquivo Público Mineiro; a Biblioteca Pública Luiz de Bessa, particularmente a

coleção Mineiriana e a Hemeroteca Pública de Minas Gerais; a Biblioteca da Faculdade de

Ciências Econômicas da UFMG, com sua coleção Mineiriana; a Biblioteca da Escola de

Veterinária da UFMG; a Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais; o Arquivo Nacional do

Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisa e Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas e

a Biblioteca Nacional, estes três últimos situados no Rio de Janeiro.

E quero agradecer, sobretudo, aos meus dois orientadores, Irlen Antônio Gonçalves e

José Geraldo Pedrosa. A orientação calma, segura, responsável, respeitosa, competente e,

principalmente, sensível foi essencial para que da ideia nascesse um projeto; que o projeto

fosse realmente orientador da pesquisa; e que da pesquisa se produzisse esta dissertação.

Preciso dizer-lhes que tive, sobretudo dois amigos ao meu lado, amparando-me,

aconselhando-me, respeitando as minhas ideias, minhas convicções, meus limites, minhas

falhas e minhas qualidades. OBRIGADA.

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Ao meu filho Arthur, com todo o meu amor.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de estudo as fazendas-modelo de Minas Gerais, que

funcionaram entre 1906 e 1915 como parte de uma política pública voltada para a

modernização da agricultura mineira e para o progresso econômico do Estado. Eram

instituições de ensino profissional agrícola prático e localizaram-se em seis municípios: Belo

Horizonte, Serro, Santa Bárbara, Itapecerica, Aiuruoca e Campanha. A partir do ensino

ministrado nas fazendas-modelo, debrucei-me sobre o trabalhador do campo e seu trabalho

agrícola. Mais especificamente, procurei tratar da escolarização do trabalho agrícola

entrelaçada ao processo de modernização pelo qual passava a sociedade mineira quando

foram instituídas as fazendas-modelo no Estado de Minas Gerais. Este objeto relacionou-se –

no tempo e no espaço – com outras instituições de ensino agrícola: os campos de

demonstração de fins do século XIX (1895-1898). Procurei apreender as diversas dimensões

do tornar escolar o trabalho agrícola: os sujeitos do processo de escolarização, os tempos,

espaços, conhecimentos, materialidades e métodos. Para tal, foi necessário produzir a história

das fazendas-modelo, estabelecendo nexos históricos entre as diversas instituições, no sentido

de perceber o movimento político e econômico mais geral pelo qual passava a sociedade

mineira nas décadas iniciais da República. Foi preciso também elucidar alguns aspectos da

relação entre teoria e prática no ensino agrícola. Fazer emergir alguns conflitos institucionais

em relação às fazendas-modelo. E estabelecer relações entre estas instituições e a

modernização da agricultura, no sentido de superar as práticas tradicionais, ou rotineiras, que

imperavam no meio rural ainda no século XX.

Palavras-chave: história do ensino agrícola, ensino agrícola prático, fazendas-modelo.

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ABSTRACT

This essay has the objective of studying the model-farms from Minas Gerais, which

worked from 1906 to 1915 as a part of a public policy for Minas Gerais agricultural

modernization and for the State’s economic progress. Those model-farms were educational

institutions for professional schooling on practical agriculture, and were located in six towns:

Belo Horizonte, Serro, Santa Bárbara, Itapecerica, Aiuruoca e Campanha. From the schooling

given in those model-farms, I dedicated myself to the countryman and his agricultural work.

More specifically, I tried to focus on the schooling level of agricultural work, as it is attached

to the process of modernization through which the society of Minas Gerais was passing when

the model-farms were established in that State. That object was related to – in time and space

– with other institutions for agricultural schooling which preceded it: the demonstration fields

in the end of the 19th century. I tried to seize the different aspects of making the agricultural

work scholastic: the subjects of the schooling process, the times, the places, the knowledge,

the materialities and methods. For that, it has been necessary to produce the history of the

model-farms, establishing historical links between different institutions, in order to notice the

more general political and economical dynamics through which the society of Minas Gerais

was going through, in the initial decades of the Republic. It has also been necessary to make

clear some of the aspects of the relationship between theory and practice in agricultural

schooling; to draw attention over some institutional conflicts between the model-farms; and to

establish the relationship between those institutions and the modernization of agriculture, that

meaning to outstand the traditional or routine practices, which ruled over the countryside still

in the 20th century.

Keywords: agricultural schooling history, practical agricultural schooling, model-

farms.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 As zonas mineiras, segundo o uso corrente, 1889-1937 96

Figura 2 Localização dos municípios que abrigaram as fazendas-modelo e o

campo de demonstração de Aiuruoca, Minas Gerais, 1906-1915

99

Figura 3 Vista panorâmica da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte,

Minas Gerais, 1912

137

Figura 4 Detalhe de edificações da fazenda-modelo da Gameleira, Belo

Horizonte, Minas Gerais, 1912

138

Figura 5 Aprisco da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas

Gerais, 1913

138

Figura 6 Membros da República Escolar do Instituto João Pinheiro, Belo

Horizonte, Minas Gerais, 1913

141

Figura 7 Aprendizes práticos de agricultura, na fazenda-modelo da Gameleira,

Belo Horizonte, Minas Gerais, 1913

159

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Fases do ensino agrícola, Minas Gerais, 1889-1930 32

Quadro 2 Distribuição das disciplinas, por cadeiras, dos Institutos Agronômicos do

Estado de Minas Gerais, 1892

71

Quadro 3 Distribuição das disciplinas, aulas e exercícios práticos, por cadeiras,

dos Institutos Agronômicos do Estado de Minas Gerais, 1894

73

Quadro 4 Currículo dos campos de demonstração de Minas Gerais, 1896 84

Quadro 5 Currículo das fazendas-modelo de Minas Gerais, 1907 85

Quadro 6 Tipos de fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907 94

Quadro 7 Localização, data e instrumento de criação das fazendas-modelo, Minas

Gerais, 1906-1908

98

Quadro 8 Iniciativas municipais de se criar fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-

1909

102

Quadro 9 Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo da

Fábrica, Serro, Minas Gerais, 1907-1914

114

Quadro 10 Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo Retiro

do Recreio, Santa Bárbara, Minas Gerais, 1907-1914

117

Quadro 11 Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo Diniz,

Itapecerica, Minas Gerais, 1907-1914

122

Quadro 12 Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo e do

campo de demonstração de Aiuruoca, Minas Gerais, 1908-1917

126

Quadro 13 Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo

Bairro Alto, Campanha, Minas Gerais, 1908-1915

129

Quadro 14 Administradores da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte,

Minas Gerais, 1906-1910

139

Quadro 15 Serviços agrícolas executados pelos alunos do Instituto João Pinheiro na

fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1910

149

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Número de fazendas subvencionadas pelo Estado e seus respectivos

aprendizes, Minas Gerais, 1908-1914

93

Tabela 2 Número de aprendizes das fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914 106

Tabela 3 Receitas e despesas das fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914 107

Tabela 4 Movimento de introdução de máquinas agrícolas no Estado de Minas

Gerais, 1907-1915

108

Tabela 5 Área total e ocupada por plantações nas fazendas-modelo, Minas Gerais,

1907-1914

109

Tabela 6 Receitas e despesas da fazenda-modelo e campo de demonstração de

Aiuruoca, Minas Gerais, 1908-1918

127

Tabela 7 Valores dos serviços executados pelos alunos do Instituto João Pinheiro

na fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1910

150

Tabela 8 Tempo médio de permanência de aprendizes na fazenda-modelo da

Gameleira, Minas Gerais, 1911-1913

160

Tabela 9 Municípios de origem dos aprendizes da fazenda-modelo da Gameleira,

Belo Horizonte, Minas Gerais, 1911-1913

169

Tabela 10 Exportações do Estado de Minas Gerais, 1911-1914 184

Tabela 11 Relação entre despesas e receitas, fazendas-modelo, Minas Gerais,

1907-1914

185

Tabela 12 Discriminação das despesas, fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907;

1910-1912; 1914

186

Tabela 13 Custo por aprendiz, fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914 188

Tabela 14 Custo de manutenção dos aprendizes, fazenda-modelo da Gameleira,

Belo Horizonte, Minas Gerais, 1907-1916

189

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LISTA DE SIGLAS

EMAV Escola Mineira de Agronomia e Veterinária

EMOP Escola de Minas de Ouro Preto

ENA Escola Nacional de Agronomia

ESAV Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais, em Viçosa

IJP Instituto João Pinheiro

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

15

1. A REPÚBLICA EM MINAS GERAIS: a lavoura em agonia 23

1.1. Entre bois e palácios: ensino agrícola, trabalho e modernização da agricultura 24

1.2. Entre enxadas e máquinas: tradição e modernidade na agricultura mineira 35

1.3. A fazenda transformada em escola: ensino e produção agrícolas 40

1.4. Das preleções ao arado: ensino agrícola e a tensão entre teoria e prática 68

2. AS FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS: escolas do trabalho inteligente 78

2.1. Escrevendo por sobre a terra: as fazendas-modelo 79

2.2. Modestas, mas eficazes: as fazendas-modelo do interior 110

2.2.1. Progresso para o norte de Minas: a fazenda-modelo da Fábrica 111

2.2.2. Sem água e sem aprendizes: a fazenda-modelo Retiro do Recreio 115

2.2.3. Aprendendo a ser trabalhador: a fazenda-modelo Diniz 120

2.2.4. Do modelo ao anti-modelo: o campo de demonstração de Aiuruoca 123

2.2.5. Propriedade e resistência: a fazenda-modelo do Bairro Alto 128

3. A FAZENDA-MODELO DA GAMELEIRA: o ABC da agricultura moderna 134

3.1. Nos cerrados de Belo Horizonte: a fazenda-modelo da Gameleira 135

3.2. Uma república escolar na Gameleira: o Instituto João Pinheiro 140

3.3. Adestrando mãos e corpo na lição dos fatos: o ensino intuitivo na Gameleira 151

3.4. Do fazendeiro ilustrado ao simples camarada: os aprendizes da Gameleira 159

3.5. As batatas de João Pinheiro: relação da Gameleira com as esferas pública e

privada

171

4. O FIM DAS FAZENDAS-MODELO: marchas e contramarchas do ensino agrícola 176

4.1. Novos rumos para o ensino agrícola: o fim das fazendas-modelo 177

4.2. Modernização e escolarização: o difícil e lento combate à rotina 197

CONSIDERAÇÕES FINAIS 203

REFERÊNCIAS 208

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Fontes primárias 208

Fontes secundárias 210

ANEXO A AGRICULTURA 216

ANEXO B AGRICULTURA 220

ANEXO C AGRICULTURA II 222

ANEXO D AGRICULTURA - FATOS 224

ANEXO E AGRICULTURA – DESPESAS EFETUADAS 228

ANEXO F AGRICULTURA – Os estudos de irrigação e despesas efetuadas 230

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INTRODUÇÃO

Em 1907, circulou em Minas Gerais uma interessante história, que melhor seria

chamá-la de anedota. Ei-la na íntegra:

“Não sei se o sr. sabe que Santo Antônio um dia assombrou o Diabo com uma incomparável maldade. É certo. Viajavam os dois, estudando um ao outro, e anoiteceu-lhes num sítio, em que só viram a mais infame das mansardas. Pediram contudo e obtiveram pousada amistosamente; mas de cama e de ceia nem figura. Ora, o Diabo não era muito para jejuar, bufou solenemente, reparando na miséria da família. Gente esquálida, andrajosa, sem o menor conforto era aquela. Nem galinhas, nem horta; e a casa esburacada. Entretanto gente boa, resignada à vontade divina, com a pobreza que Deus deu. O Santo gostou muito e, chamando-a toda a si, fez-lhe uma prática e rezou com ela o terço e a ladainha. (Escusado é dizer ao sr. que neste ponto o companheiro foi tomar a fresca). No dia seguinte, ao amanhecer, aí veio uma vaquinha muito magra, e a família toda correu para o terreiro. O pai tirou o leite numa cuia pelo meio e a foi passando de boca em boca. Depois tirou um restinho e bebeu ele mesmo. Estava feita a colação para todo o dia; e agora só no outro. O Santo e o Diabo despediram-se e partiram. A vaca tinha saído e a encontraram. Perto um barranco enorme! Santo Antônio então disse ao Diabo: – Vê, queres fazer uma das tuas? – Pronto, meu Santo. – Atira essa vaca do barranco abaixo. – Eu? Perguntou o Diabo. – Sim, tu. – Não, meu Santo, não sou assim tão mau e aqueles desgraçados me fizeram dó. Admira até que o sr. me tente a desgraçá-los ainda mais. – Pois bem, já que tu não queres, vou eu, e com um empurrão a pobre vaca lá se despedaçou no precipício. Passado o golpe, o Diabo se lavou em águas rosas; o Santo tinha faltado à caridade e ele atribuía o pecado à simples influência de sua amável companhia. Passados dois anos voltaram os dois pelo mesmo caminho. O sítio era diverso. A casinha estava limpa e consertada; uma horta vicejava e florescia bem plantada; o terreiro estava cheio de galinhas e leitões. A dona da casa apresentou-se vestida com asseio, os meninos nédios e brincalhões. Daí a pouco vieram da roça o marido, os rapazes e raparigas bem tratados e alegremente saudaram os bem vindos hóspedes. Acendeu-se a candeia, estendeu-se a tolha na mesinha; e veio uma ceia frugal, mas suculenta e bem feita. O Diabo estava pasmo. Recolhidos ao quarto ambos dormiram em colchões e lençóis alvejados com o aroma fresco da lavagem. O Diabo estava cada vez mais pasmo e nem sabia o que dizer. Quando no dia seguinte se puseram a caminho, o cujo não se conteve: 'Ó sr. Santo Antônio, o sr. viu que diferença? E esta? Não me lembro de ter ajudado esta gente em falcatrua alguma; tão pouco lhes toquei a roda na loteria, que nem podiam comprar bilhete. O sr. viu no céu se despachar algum milagre para eles sem eu saber?' Ora, cale-se, não seja nenhum tolo, disse o Santo, lembre-se da vaca. Botei-a no buraco. A princípio sofreram muito até que tomaram o único expediente: trabalharam, lidaram, e tiveram juízo. O sr. veja na sua conta corrente se lhe devem alguma cousa da preguiça. Foi isto. A princípio quase rebentaram de raiva contra mim; mas agora é como viu: estão fartos, asseados, vivem alegres e são honestos. Muito meus amigos pelo benefício que lhes fiz. Extinta a vaca magra da escravidão, o sr. tem visto a metamorfose. Os próprios prejudicados reconhecem agora o benefício; e nem se entende a feliz comoção, que se nota em toda Minas para uma nova fase francamente aberta

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nas escolas primárias, e nos campos modelos de agricultura...”1

Esta historieta, contada por um mineiro de influente e tradicional família do

centro do Estado, em que pese a sua extensão, é reveladora da representação que parcela

das elites mineiras possuía do trabalhador rural, menos de 20 anos depois de extinta a

escravidão. E é exatamente sobre o trabalhador do campo e seu trabalho agrícola nos

anos iniciais da República em Minas Gerais que me debrucei durante a pesquisa que

relato nesta dissertação.

Procuro tratar da escolarização do trabalho agrícola entrelaçada ao processo de

modernização pelo qual passava a sociedade mineira quando foram instituídas as

fazendas-modelo no Estado de Minas. Estes estabelecimentos de ensino profissional

agrícola prático existiram entre 1906 e 1915 como parte de uma política pública de

modernização e progresso econômicos. As fazendas-modelo enquanto objeto de estudo

situam-se numa dimensão analítica localizada entre a pequena e a grande escala, no

sentido de “favorecer a compreensão das relações entre o particular e aquilo identificado

com o geral e o universal” (VEIGA, 2002, p. 31). Nesse sentido, a história do ensino

agrícola em Minas Gerais, ensino este tomado como estratégia de modernização da

agricultura, pode contribuir para a compreensão desse processo pelo qual ainda passa o

Brasil.

A produção deste objeto de pesquisa iniciou-se em um tempo histórico distinto

daquele que se constituiu no “tempo duro” da dissertação. Iniciei os estudos em história

da educação profissional agrícola a partir de uma investigação sobre a trajetória

institucional da Fazenda-Escola de Florestal, que existiu entre 1939 e 1948 no então

distrito de Florestal, pertencente ao município de Pará de Minas, oeste do Estado. O

estabelecimento de relações entre a Fazenda-Escola de Florestal, uma escola instituída

pelo poder público estadual, com um projeto anterior, o das fazendas-modelo,

configurou-se em um objeto de pesquisa, ainda centrado na primeira instituição.

Contudo, a busca por fontes da própria escola redundou em fracasso, assim como aquela

por documentos oficiais da secretaria da Agricultura produzidos durante o Estado Novo.

Ao contrário, ao procurar conhecer um pouco melhor as fazendas-modelo, a partir da

tese de Maria Auxiliadora Faria (1992), encontrei rico manancial. A documentação

referente à primeira República estava mais acessível, assim como a literatura 1 Trecho de uma carta de Diogo Vasconcelos a Gabriel dos Santos, publicada no jornal Minas Gerais em 14 de novembro de 1907. pp. 5 e 6. Grifos no original. Esta e todas as outras citações de documentos históricos tiveram sua ortografia atualizada.

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concernente ao período estava mais desenvolvida. Esse conjunto de fatores possibilitou

a construção das fazendas-modelo enquanto objeto de pesquisa.

Este objeto relacionou-se no tempo e no espaço com outras instituições de

ensino agrícola que o antecederam e o sucederam: os campos de demonstração de fins

do século XIX (1895-1898). A revisão bibliográfica inicial2, realizada principalmente no

banco de teses e dissertações da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior – em fins de 2008, indicou-me que vários estudos privilegiaram a

investigação historiográfica do ensino agrícola ou de objetos que margeiam esse tema.

Entre esses estudos, encontrei quatorze teses e dissertações que trataram do ensino

agrícola primário-elementar; dezessete que trataram do ensino agrícola técnico-

profissional, sendo que apenas uma considerei como não historiográfica, mas que

utilizou-se da historiografia para compor seu objeto de pesquisa. Em relação ao ensino

superior agrícola, esse sub-tema se relacionou e até mesmo se confundiu com outros

dois, quais sejam o do desenvolvimento histórico das profissões agrícolas e o das

ciências agrárias. Tomados em conjunto, esses três sub-temas perfizeram um total de 22

pesquisas concluídas.

Ainda em relação ao ensino agrícola, selecionei seis pesquisas que trataram o

tema de forma mais ampla, enfocando trajetórias e processos, sendo que dessas

destaquei a tese de doutoramento de Maria Auxiliadora Faria, defendida em 1992, “A

política da gleba: as classes conservadoras mineiras; discurso e prática na Primeira

República”, por tratar especificamente da trajetória do ensino agrícola em Minas Gerais,

período privilegiado nesta dissertação. O diálogo esta autora foi fundamental na

definição do objeto da pesquisa, por ter sido o único relatório a tratar das fazendas-

modelo. Além disso, Maria Auxiliadora Faria captou o vínculo, nos anos iniciais da

República em Minas Gerais, entre modernização e ensino agrícola, o que norteou a

produção da própria dissertação.

Das monografias sobre o ensino primário agrícola destaco a dissertação de

Luciano Mendes de Faria Filho (2001). O autor tratou da trajetória do Instituto João

Pinheiro, instituição educativa voltada a menores órfãos que funcionou na fazenda-

modelo da Gameleira. A relação entre estas duas instituições, a partir da produção

teórica de Faria Filho, constituiu-se parte da análise empreendida nesta dissertação.

De forma mais ampla, a partir da revisão bibliográfica depreendi que a estrutura

2 Conforme VERSIEUX, 2009.

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do ensino profissional, particularmente o agrícola, refletiu-se na escolha dos objetos de

estudo. Constatei um ligeiro predomínio no estudo do ensino superior, seja enfocando a

história das instituições, a formação de profissionais de nível superior ou a história das

ciências agrárias. Seguiu-se o ensino técnico-profissional, enfocando também o ciclo de

vida, ou parte deste, das instituições escolares; a cultura escolar; as dimensões formativa

e política; a relação com a agricultura. Por fim, poucas pesquisas dedicaram-se ao

ensino primário-elementar agrícola e todas elas referiram-se à historiografia de

instituições de proteção à infância dita pobre e desvalida, sendo que uma delas enfocou

uma instituição de amparo a menores excepcionais. Não encontrei estudos que

elegessem o ensino prático de agricultura enquanto objeto de estudo, bem como o

ensino profissional de adultos, em nível elementar ou mesmo secundário.

Esta ausência indicou-me, por sua vez, uma lacuna na produção do

conhecimento historiográfico sobre o ensino agrícola, tanto em Minas Gerais quanto no

restante do país, o que contribuiu decisivamente para a produção do objeto de estudo da

presente dissertação. A partir da revisão bibliográfica evidenciei que não havia, ainda,

pesquisas que tomassem para si as fazendas-modelo da primeira República, em Minas

Gerais, como objetos de estudo. Além disso, Otávio Dulci indicou que a política

econômica da primeira década do século XX, em Minas Gerais, “carece ainda de

estudos sistemáticos, que dêem conta de seu encaminhamento e dos resultados obtidos

(DULCI, 2005, p. 128). Tal assertiva reforçou a minha proposição de estudar as

fazendas-modelo em relação à política pública de progresso econômico alicerçada no

tripé mecanização, diversificação da agricultura e escolarização.

A presente dissertação tem como objetivo elucidar alguns aspectos da

escolarização do trabalho agrícola em Minas Gerais nos anos iniciais da República em

estreita vinculação com a modernização da sociedade mineira. Procurei apreender as

diversas dimensões do tornar escolar o trabalho agrícola: os sujeitos do processo de

escolarização, os tempos, espaços, conhecimentos, materialidades e métodos. Para tal,

foi necessário produzir a história das fazendas-modelo, estabelecendo relações

históricas entre as diversas instituições, no sentido de perceber o movimento político e

econômico mais geral pelo qual passava a sociedade mineira nas décadas iniciais da

República.

Foi preciso também elucidar alguns aspectos da relação entre teoria e prática no

ensino agrícola; fazer emergir alguns conflitos institucionais em relação às fazendas-

modelo; e estabelecer relações entre estas instituições e a modernização da agricultura,

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no sentido de superar as práticas tradicionais, ou rotineiras, que imperavam no meio

rural ainda no século XX. Compreendo o processo de escolarização do trabalho agrícola

como uma das faces do processo de modernização pelo qual passou Minas Gerais no

início do século XX.

Investigar o histórico a partir de uma pergunta que o tempo presente faz a ele

indica que a história é uma construção e não um dado do passado. Nesse sentido, esta

dissertação procurou produzir uma história dentro do campo da História da Educação,

particularmente da História da Educação Profissional.

Ao empreender a pesquisa relatada nesta dissertação, mobilizei um conjunto de

fontes documentais que dão sustentação à proposição de se construir uma história

particular em íntima relação com o geral. Diversifiquei o escopo de fontes tanto como

opção metodológica quanto em função da exiguidade de documentos produzidos pelas

próprias instituições.

A legislação mineira produzida entre 1891 e 1919 foi tomada como ponto de

partida da pesquisa empírica. Busquei por outras fontes produzidas pelos poderes

executivo e legislativo de Minas Gerais: os anais do Congresso Legislativo, mensagens

dos presidentes do Estado, relatórios da diretoria de Agricultura e da secretaria da

Agricultura de Minas Gerais. Os anais do Congresso Legislativo propiciaram analisar as

proposições sobre o ensino agrícola a partir de

“duas direções: uma, na direção do entendimento da trama da produção da legislação, nos aspectos relativos às negociações, defesas de pontos de vista e interesses partidários, do governo e de classes, e a outra, na do conhecimento da produção do projeto de educação por parte dos legisladores mineiros” (GONÇALVES, 2008, p. 1).

As mensagens dos presidentes do Estado serviram como motivação para buscar

nos relatórios dos secretários as fontes das informações prestadas pelos chefes do

executivo mineiro. Dos relatórios da secretaria e diretoria de Agricultura, bem como do

expediente da diretoria de Agricultura publicado com alguma frequência no jornal

Minas Gerais, foi possível destacar alguns conflitos que permearam a trajetória das

fazendas-modelo do Estado. Por meio de alguns indícios, como sugere Carlo Ginzburg

(1990), pude saber algo mais do que os textos oficiais queriam dizer. O expediente da

diretoria, apesar de difícil acompanhamento dada a irregularidade com que era

publicado, constituiu um rico depositário de informações sobre o cotidiano da relação

entre fazendas-modelo e a burocracia do Estado.

Entre os relatórios produzidos pelas pastas da Agricultura, é preciso citar aquele

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elaborado por Henri Gorceix, quando ocupou o cargo de Inspetor Geral do Ensino

Agrícola do Estado de Minas Gerais, e publicado em 1897. Ao que tudo indica, este

relatório foi um guia para as políticas públicas do setor, ao longo da primeira República.

Da imprensa mineira da época, elegi alguns periódicos como fontes primárias: o

Jornal Minas Gerais e a Revista Industrial de Minas Gerais. A minha opção em trazer à

tona o discurso da imprensa contemporânea está em sintonia com John D. Wirth (1982),

segundo o qual “a imprensa foi um pilar para a política, comércio e cultura no centro de

gravidade do estado [de Minas], a nível local” (WIRTH, 1982, p. 131).

Ainda de acordo com o autor, o jornal Minas Gerais era o único de circulação

estadual, o que justificou plenamente a sua consulta. Extraí desse periódico não apenas

o que de oficial era publicado. No início do século XX, o jornal funcionou também

como um veiculador de notícias diversas. Economia, política, educação, notícias da

sociedade (visitantes ilustres, vida pública de presidentes, parlamentares, dentre outros),

utilidades públicas. Tudo era noticiado pelo jornal Minas Gerais. Tanto foi assim que

havia propostas de transformá-lo em um órgão oficial, estritamente (LINHARES,

1995). Por meio dele, foi possível conhecer diversos aspectos das fazendas-modelo,

particularmente da fazenda-modelo da Gameleira, além de perceber que tipos de

modelos de ensino agrícola circulavam em Minas Gerais, e no mundo ocidental.

Consultei todos os números disponíveis nos acervos da Imprensa Oficial de Minas

Gerais e da Hemeroteca Pública do Estado e publicados entre setembro de 1906 e março

de 1915.

A Revista Industrial de Minas Gerais, produzida e publicada com o auxílio do

governo do Estado, foi editada por Alcides Medrado, bibliotecário da Escola de Minas

de Ouro Preto, e circulou entre 1893 e 1897, na antiga Capital da Província e do Estado.

Possui um caráter técnico-científico, apesar de não se eximir de publicar opiniões

políticas. Dos seus artigos, que traziam informações relativas às várias indústrias de

Minas Gerais, abrangendo a mineração, agricultura, pecuária, foi possível extrair

concepções sobre ensino agrícola que permearam a fundação dos campos de

demonstração, instituições que analisei no primeiro capítulo. Muitos dos articulistas da

Revista estavam comprometidos com o processo de modernização da agricultura:

diretores de instituições (Instituto Zootécnico de Uberaba, campo de demonstração de

Oliveira), regentes agrícolas, fazendeiros ditos ilustrados.

Fez parte da pesquisa empírica a transcrição e análise de cartas recebidas e

enviadas por João Pinheiro da Silva. A correspondência recebida por ele está organizada

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e sob a guarda do Arquivo Público Mineiro. Dessas, pouca coisa pude aproveitar. No

Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, compondo o Fundo Afonso Pena, existem diversas

cartas enviadas por João Pinheiro a Afonso Pena, bem como os livros de cópia

(borradores) da correspondência expedida por Afonso Pena. Dessa forma, foi possível

reconstruir a troca de missivas entre os dois políticos no período de 11 de fevereiro a 13

de outubro de 1907, momento em que ambos ocupavam cargos importantes na política

nacional e regional: Afonso Pena era presidente da nação e João Pinheiro presidente do

Estado3. Esta reconstrução do diálogo entre os dois políticos foi importante não apenas

para compreender as opções de João Pinheiro quando fundou a primeira fazenda-

modelo, como também para referendar algumas discussões sobre a autoria de textos

publicados no jornal Minas Gerais, aos quais me deterei em detalhes no texto da

dissertação.

Dessa forma, foi possível cruzar fontes de diversas origens: cartas, relatórios

oficiais, artigos da imprensa. A natureza diversificada das fontes permitiu-me

vislumbrar vários aspectos da mesma realidade, além da problematização das fontes e

uma maior confiabilidade nas informações encontradas. A imersão nessa documentação

levou-me a eleger alguns conceitos que dessem conta de explicar a realidade histórica

como eu a observava. Dessa forma, os conceitos foram sendo mobilizados, como

ferramentas teóricas que são, à medida que a pesquisa empírica o ensejava.

O conceito de escolarização definido por Luciano Mendes de Faria Filho tornou-

se fundamental para compreender o ensino agrícola com o qual eu tratava. Ao entender

que o trabalho agrícola, ensinado tradicionalmente no próprio ambiente de trabalho,

tornou-se escolar, busquei alguns dos caminhos que permitiram essa passagem, de um

ensino que acontecia entre trabalhadores, informalmente, para um ensino

institucionalizado em uma escola, uma fazenda-modelo, com tempos e espaços

próprios, sujeitos e metodologia específicos, conhecimentos selecionados. Os conceitos

de modernização e modernidade desde o início da pesquisa empírica foram relevantes e

ajudaram-me a fazer a necessária vinculação entre o geral e o particular. Os outros

conceitos necessários à produção da dissertação foram tratados nos diferentes capítulos

que a compõe.

Organizei a dissertação em quatro capítulos. No primeiro deles, tratei do ensino

agrícola nos anos iniciais da República em Minas Gerais, relacionando-o à

3 Denominação, à época, do cargo de governador estadual.

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modernização mais ampla por que passava a sociedade mineira. Particularmente,

associo o processo de modernização da agricultura com a escolarização do trabalho

agrícola, elencando como temas: ensino agrícola, trabalho e modernização; a tensão

entre tradição e modernidade na agricultura; a assunção da fazenda como ambiente de

aprendizagem escolar do trabalho agrícola; e a dualidade entre o ensino prático e

teórico-prático.

No Capítulo 2 detive-me à organização geral das fazendas-modelo em Minas

Gerais e especificamente naquelas que existiram no interior do Estado. Procurei fazer

emergir, por meio de conflitos, alguns aspectos da escolarização do trabalho agrícola

que se deu nesses estabelecimentos, aprofundando o entendimento das relações entre

escolarização do trabalho agrícola e modernização e racionalização da agricultura.

Dediquei-me, no terceiro capítulo, à fazenda-modelo da Gameleira, da qual

descrevi e analisei parte da trajetória institucional, o que também contribuiu para a

compreensão do processo de escolarização do trabalho agrícola. Dos aspectos captados

sobre a fazenda, destaco a análise sobre o método intuitivo aplicado aos adultos

trabalhadores e fazendeiros que a frequentaram. Finalmente, o último capítulo objetivou

compreender o fim da política de ensino prático centrada nas fazendas-modelo e sua

relação com o processo de modernização.

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1. A REPÚBLICA EM MINAS GERAIS: a lavoura em agonia

“Sem esse meio [o ensino agrícola], é força confessar, o lavrador primitivo ficará diante dessas máquinas

[agrícolas] fazendo o mesmo papel que o boi a olhar para palácio”

Viriato Diniz Mascarenhas (1894) 1.

A epígrafe que abre este capítulo remete à representação que parte das elites mineiras

possuía do trabalhador rural: como bois que olhavam palácios, pouco se diferenciavam dos

animais usados na lavoura, apenas parte de um processo produtivo. Deveriam ser educados,

instruídos, para que eles próprios fizessem a substituição desejada pelas elites: máquinas, no

lugar de homens. E esta meta, que visava também o aumento da produtividade agrícola, foi

perseguida durante toda a primeira república: substituir por máquinas agrícolas os braços

nacionais que não queriam se submeter ao trabalho racional, metódico, sistematizado e

disciplinado na lavoura.

Constitui-se objetivo deste primeiro capítulo elencar e analisar a partir dos conceitos

de modernização e escolarização, alguns dos primeiros ensaios republicanos de se implantar o

ensino agrícola em Minas Gerais, particularmente aqueles que intentavam associar a forma

escolar com o ambiente da fazenda, ou a produção agrícola, na fazenda, com o tirocínio

profissional, na tentativa de tornar escolar algumas das dimensões do trabalho agrícola.

Utilizo como fontes primárias a legislação do Estado de Minas Gerais, produzida nas

duas primeiras décadas republicanas; artigos da Revista Industrial de Minas Gerais e do jornal

Minas Gerais; bem como alguns textos dos anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais.

Este órgão foi, desde o início da República, bicameral: possuía um senado e uma câmara de

deputados, instituídos pela primeira constituição republicana (GONÇALVES, 2008; MINAS

GERAIS, 1989). A Revista Industrial de Minas Gerais foi publicada entre outubro de 1893 e

dezembro de 1897, assumindo-se enquanto

“o órgão representativo dos interesses industriais [...][e] tratará [...] de desenvolver e dar publicidade todos os assuntos atinentes às industrias do Estado, principalmente àquelas que se prendem à mineração em geral [...]; estudará as condições atuais das indústrias, seu valor e importância, métodos empregados e a empregar, vantagens e defeitos, quantidade e qualidade dos produtos explorados e a explorar, vias de comunicação, agricultura, colonização e imigração, tudo enfim que com elas tiver

1 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1894, p. 347.

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intima aliança”2.

Adoto como ponto de partida a apreensão e análise de uma visão, expressa por alguns

republicanos do final do século XIX e início do XX, que considerava Minas Gerais um Estado

essencialmente agrícola e que passava por uma crise econômica. Tal crise, na perspectiva das

elites mineiras, só poderia ser resolvida enfrentando de forma articulada três questões que

perpassavam a vida social mineira: o povoamento do solo, a capacitação técnica do

trabalhador do campo, e a mudança de hábitos e costumes de lida com a terra, qual seja o

abandono da “rotina” em favor dos novos e modernos métodos e instrumentos de trabalho

agrícola e pecuário. Diante desse diagnóstico, já presente nas primeiras discussões do

Congresso Legislativo Mineiro, ainda no século XIX, o ensino agrícola foi assumido como

uma das estratégias de solucionar politicamente a crise econômica do Estado.

1.1. Entre bois e palácios: ensino agrícola, trabalho e modernização da agricultura

A solução da crise econômica do Estado passava, necessariamente, na perspectiva das

elites contemporâneas, pela instrução técnica e profissional da população mineira e pela

modernização da agricultura. Falar em modernização era, e ainda é, falar em modernidade.

Para Jean Baudrillard

“a modernidade não é nem um conceito sociológico, nem um conceito político, nem propriamente um conceito histórico. Ela é um modo de civilização característico, que se opõe ao modo da tradição, isto é, a todos as outras culturas anteriores ou tradicionais: face à diversidade geográfica e simbólica destas, a modernidade se impõe como una, homogênea, que se irradia mundialmente a partir do Ocidente. No entanto, ela encerra uma noção confusa, que conota globalmente toda uma evolução histórica e uma mudança de mentalidade” (BAUDRILLARD, 1977, p. 139, tradução livre).

A modernidade, por não ser um conceito, não tem leis, existindo somente “traços de

modernidade” (BAUDRILLARD, 1977, p. 139), sendo possível, contudo, indicar algumas de

suas características. A modernidade pode ser vista como “prática social e modo de vida

articulado sobre a mudança, a inovação, mas também sobre a inquietude, a mobilização

contínua, a subjetividade movediça, a tensão, a crise, e como representação ideal ou

mitológica” (BAUDRILLARD, 1977, p. 140). A modernidade é também a “era da

produtividade: intensificação do trabalho humano e da dominação humana sobre a natureza,

um e outro reduzidos ao status de forças produtivas e aos esquemas de eficácia e de

2 Revista Industrial de Minas Gerais, ano I, nº 1, 15 de outubro de 1893, p. 1.

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rendimento máximos” (BAUDRILLARD, 1977, p. 140). Esse é, segundo o autor, o

denominador comum entre as nações modernas.

Minas Gerais, entre 1889 e 1937, era uma sociedade em seus estágios iniciais de

modernização (WIRTH, 1982). Para Baudrillard, a modernização articula-se com a

modernidade enquanto uma ideologia da mesma, enquanto um de seus traços peculiares. Nos

países ditos “em desenvolvimento”, as contradições da modernidade revelam-se com força

brutal, exatamente por se instalar sem um processo de revolução política e industrial, mas

apenas por introduzir seus aspectos mais técnicos, ou exportáveis: os objetos de produção e

consumo industrial, e os mass media, acelerando a desestruturação dos modos de vida nessas

sociedades tradicionais.

Em Minas Gerais, assim como no Brasil, os processos de modernização foram

impulsionados com o fim da escravidão e a proclamação da República, em fins do século

XIX. Segundo Otávio Dulci, “a abolição do sistema escravista [...] havia removido um grande

obstáculo à modernização do país, ensejando a constituição de um efetivo mercado de

trabalho” (DULCI, 2005, p. 109). À época, as elites econômica, política e intelectual mineiras

faziam um diagnóstico de que, após os tempos áureos da mineração, a província de Minas

Gerais, depois o Estado, teve sua economia estagnada durante todo o século XIX e início do

XX, com sua população dispersa geograficamente e voltada para atividades de subsistência

simples, com exceção do limitado surto cafeeiro do oitocentos e de alguns períodos mais

favoráveis dos tempos primeiros da República. A leitura dos anais do Congresso Legislativo

Mineiro, desse período, revelou que este pensamento circulava pelas classes conservadoras3

do Estado.

De acordo com Douglas Cole Libby (1988) este diagnóstico foi, até certo ponto,

repetido pela historiografia. De fato, Celso Furtado entendeu que não foram criadas formas

permanentes de atividades econômicas nas regiões mineiras, que incluíam não apenas o

Estado de Minas, mas também Goiás e Cuiabá, no Mato Grosso,

“– à exceção de alguma agricultura de subsistência –”. Dessa forma, “era natural que, com o declínio da produção de ouro, viesse uma rápida e geral decadência. [...]

3 Maria Auxiliadora Faria considera a expressão “classes conservadoras” como uma categoria historicamente constituída e não necessariamente uma classe socialmente definida, oposta a outra classe fundamental. Em sua tese de doutoramento, justifica o uso deste termo pela frequência com que aparece nos documentos referentes à Primeira República em Minas Gerais, na qual as classes conservadoras não encerravam “apenas os interesses da agro-exportação [...] significava, [...], o conjunto dos agricultores, comerciantes, dos industriais, dos banqueiros e de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, se ligavam ao mundo da produção. A abrangência do termo perpassou o momento crucial de consolidação do novo regime e foi usada por seus representantes até mesmo no pós-30.” (FARIA, 1992, p. 35). É nesse sentido que uso o termo nesta dissertação. Encontrei também a expressão “classes produtoras” com frequência, principalmente nos documentos dos anos de 1920, 1930 e 1940 com os quais lidei e o uso aqui como sinônimo de classes conservadoras.

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a decadência se processava por uma lenta diminuição do capital aplicado no setor mineratório” (FURTADO, 2000, p. 89).

Francisco Iglésias, por seu turno, esforçou-se em demonstrar a “perda de substância da

economia mineira” (IGLÉSIAS, 1982, p. 117). Essa expressão, de acordo com alguns

autores4, foi recorrente nos anos iniciais da República, e traduzia a percepção das classes

conservadoras mineiras do relativo atraso econômico do Estado. Atraso esse percebido em

contraste com o passado de riqueza, advinda do ciclo da mineração do ouro, e também com as

comparações entre o desenvolvimento mineiro e o de São Paulo, sobretudo. Iglésias, contudo,

afirma que Minas, durante a primeira República, continuou “em relativa estagnação. Não

regride, mas perde substância” (IGLÉSIAS, 1982, p. 139). Mas logo em seguida, no mesmo

texto, afirma que, “na sua caracterização geral, contudo, não se deve falar em retrocesso nem

mesmo em estagnação. Houve um crescimento, embora acanhado relativamente a outras

áreas. Este, além de pequeno, apresenta-se irregular” (IGLÉSIAS, 1982, p. 141). De qualquer

forma, o autor parecia repetir a análise tradicional, mas curvando-se aos dados do crescimento

econômico de Minas que ele apresentou.

Otávio Dulci (2005) e John D. Wirth (1982) confirmam que a economia mineira do

período não retrocedeu ou estagnou, a despeito das crises. O diagnóstico das elites era, assim,

exagerado, pois a economia mineira apresentou um crescimento, embora em ritmo lento,

durante o século XIX (DULCI, 2005; WIRTH, 1982). Dessa forma, “o contraste entre esse

crescimento moderado e a rápida expansão de outras áreas é que definiria o declínio na

posição relativa de Minas em termos nacionais” (DULCI, 2005, p. 115).

Douglas Cole Libby utiliza principalmente como fontes primárias mapas de população

gerados entre 1831-1840, e durante o Recenseamento de 1872, elegendo, portanto, a

demografia como principal recurso metodológico para se estudar a transição do trabalho

escravo para o livre em Minas Gerais no século XIX. O autor concorda que a economia de

subsistência foi o grande sustentáculo da economia mineira no período, tanto a destinada ao

autoconsumo quanto aquela que visava o mercado interno, dentro e fora da província. Porém,

longe de considerá-la como decadente, o autor entende

“que seja mais correto pensar na evolução da economia mineira ao longo do século passado como um processo de acomodação às adversidades – que provinham, de início, do gradual retraimento das atividades mineradoras e, mais tarde, do lento desmoronamento do regime escravista – em vez de insistir na ideia de uma prolongada estagnação econômica” (LIBBY, 1988, p. 122-123).

4 Dulci (2005); Faria (1992); Wirth (1982).

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Nesse sentido, Libby consegue perceber que foi a agricultura de subsistência a grande

absorvedora da mão de obra escrava nas Minas oitocentista, o que teria evitado o colapso do

sistema escravista. Esse processo, que ele denominou de “economia de acomodação” (LIBBY,

1988, p. 14), também implicou “o relativo declínio das atividades não-agrícolas. [...] Ao

mesmo tempo, o crescimento do setor agrícola parece ter desencadeado um complexo

processo de proletarização parcial de ampla parcela do elemento livre da população” (LIBBY,

1988, p. 123).

Outro pesquisador que se esforça em demonstrar o dinamismo da economia mineira do

século XIX é Alcir Lenharo. Este autor identifica na historiografia a secundarização da

economia de subsistência, relegando-a a um nível apenas complementar à economia

exportadora. Para ele,

“quase sempre a economia de subsistência é vista como caracterizada por baixa produtividade e rentabilidade; comumente é caracterizada como uma economia de natureza fechada e tendente à auto-suficiência. As formas de trabalho nela empregadas tendem a diferenciá-la da economia de exportação: nesta utiliza-se extensivamente o trabalho escravo; naquele é mais comum o emprego de formas não escravistas de trabalho” (LENHARO, 1993, p. 26).

Apoiando-se em Kenneth Maxweel, Lenharo observa

“a persistência de um comércio ativo entre as comarcas mineiras e a capitania de Minas com o Rio de Janeiro, como também a manutenção dos níveis de arrecadação dos dízimos. A sociedade mineira resguardara seu caráter essencialmente urbano, e sua estrutura econômica demonstrara capacidade de absorver o impacto da crise” (LENHARO, 1993, p. 28).

A esse processo, de absorção do impacto da crise da mineração, entendo que Douglas

Cole Libby denomina de acomodação, conceito já explicitado anteriormente. Lenharo,

restringindo sua análise ao Sul de Minas na primeira metade do século XIX, especifica melhor

a identidade da sua economia de subsistência, caracterizando-a como constituída por “grandes

propriedades escravistas voltadas para o abastecimento interno. Criada para o abastecimento

das Gerais no século XVIII, a economia regional manteria a mesma natureza por meio do

direcionamento do fluxo do seu excedente para o mercado do Rio de Janeiro.” (LENHARO,

1993, p. 29). Além disso, essa região de Minas “conheceu um reforço em sua estrutura

econômica, já alicerçada na produção mercantil de gêneros de subsistência. Atividades de

produção, portanto, que não se relacionavam com tendências de involução ou regressão

econômica” (LENHARO, 1993, p. 60).

Nesse contexto, após a abolição, a preocupação com a formação do trabalhador do e

para o campo no Brasil ganhou contornos mais nítidos. A partir daí percebeu-se uma

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desorganização das relações de produção no campo, assentadas até então no regime

escravista. Como nos lembra Libby, ao longo do século XIX há proporcionalmente uma

diminuição do contingente de escravos nesse período em Minas Gerais. Contudo,

“o contingente mancípio mineiro ainda representava um quinto da província em 1872, e os 367.443 cativos mineiros registrados pelo Recenseamento [de 1872] constituíram o maior plantel de escravos de todas as províncias do Império. Tais cifras demonstram a prolongada importância do trabalho escravo para a Província e afastam qualquer hipótese sugerindo que a escravidão teria se tornado residual ao conjunto sócio-econômico mineiro, após a cessação do tráfico negreiro internacional [em 1850]” (LIBBY, 1988, p. 46).

Sérgio Buarque de Holanda (1995), para o Oeste Paulista de meados do Oitocentos, vê

na “carência de braços para a lavoura” do café um importante determinante da baixa na

produção de alimentos. Para os contemporâneos, e gerações seguintes, a abolição da

escravidão teria aprofundado a crise econômica de Minas Gerais, gerando uma

desorganização do mercado de trabalho e consequente falta de braços para a lavoura. Contudo

Celso Furtado sugere que o “problema da falta de braços”, previsto com o fim do regime

escravocrata, relacionou-se não com a falta de trabalhadores, mas de mão-de-obra

(FURTADO, 2000).

De acordo com John Wirth, em Minas Gerais, “o impacto da abolição foi grave no

início, embora, de modo geral, tenha sido mais um momento político decisivo do que o caos

sócio-econômico que os mineiros a princípio temiam” (WIRTH, 1982, p. 79). Houve queda da

produção, redução das exportações de café, “os cereais apodreceram nos campos, sem ter

quem os colhesse”, fazendas faliram, caiu o valor das propriedades. Mas, já em 1891, a

produção reorganizou-se (WIRTH, 1982, p. 79). Wirth assinala ainda que as reduções de mão-

de-obra nas regiões cafeicultoras do Estado eram devidas não necessariamente à abolição da

escravatura, mas antes aos baixos salários pagos, pois haviam trabalhadores que “aceitavam

parceria, contratos e sistemas de salário parcial em troca de um pagamento à vista”, enquanto

uma parcela migrava ou mudava para a agricultura de subsistência (WIRTH, 1982, p. 79):

“houve uma escassez de mão-de-obra […], mas não uma escassez de mineiros” (WIRTH,

1982, p. 81).

Em São Paulo, também não houve escassez de trabalhadores. Contudo, os braços

nacionais eram considerados inaptos para o trabalho sistemático e racional. Lúcio Kowarick,

estudando a formação do mercado de mão-de-obra livre no Brasil, tendo o caso de São Paulo

como referência, considera que os trabalhadores nacionais livres e libertos foram

marginalizados desde os tempos coloniais e

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“tendem a não passar pela 'escola do trabalho', sendo frequentemente transformados em itinerantes que vagueiam pelos campos e cidades, vistos pelos senhores como a encarnação de uma corja inútil que prefere a vagabundagem, o vício ou o crime à disciplina do trabalho. O importante nesse processo de rejeição causado pela ordem escravocrata é que qualquer trabalho manual passa a ser considerado como coisa de escravo e, portanto, aviltante e repugnante” (KOWARICK, 1994, p. 43, grifos meus).

Naquele Estado, a imigração se constituiu enquanto opção principal para suprir a

demanda por força de trabalho, além de constituir um necessário mercado de reserva,

contornando, dessa forma, o problema da formação do mercado de mão-de-obra livre. Para

Kowarick, “a opção arquitetada pelo grande fazendeiro do café foi a importação em massa da

mão-de-obra, que, empobrecida na Europa, não tinha alternativa senão a de vender, a preços

aviltantes, sua força de trabalho” (KOWARICK, 1994, p. 65).

A desqualificação dos trabalhadores nacionais deu-se, assim, como uma forma de

“retirar-lhes as possibilidades de trabalho recriando as condições materiais de sua marginalização e atribuindo-lhes a pecha de indolentes e indisciplinados. […] Na realidade, [os nacionais] são refratários ao trabalho organizado, porque, sendo mínimas as suas necessidades, não precisam se alugar para outros de forma contínua. Basta, de quando em vez, uma jornada por semana: de resto, a disponibilidade para nada fazer, além da caça, da pesca, do pequeno plantio e da criação, que permitem a sobrevivência na pobreza e, dessa forma – agora introduzo essa nova dimensão da assim chamada vadiagem –, o desamor ao trabalho e a possibilidade do ócio e do festejo.” (KOWARICK, 1994, p. 103-104, grifos meus).

Em que pese essa análise de Kowarick ser válida apenas para São Paulo, o problema

da “vadiação” foi, aqui em Minas, também uma obsessão. Os fazendeiros “consideravam os

trabalhadores volúveis, não confiáveis e desleais, todos querendo viver da terra na ociosidade

– em resumo um problema social para as autoridades” (WIRTH, 1982, p. 80, grifo meu). As

tentativas mineiras de atrair os trabalhadores estrangeiros, em geral, fracassaram, e as classes

conservadoras investiram no aproveitamento do trabalhador nacional (FARIA, 1992; WIRTH,

1982).

A opção pelo trabalhador nacional deu-se, em Minas, no contexto da assunção, pelas

elites política, econômica e intelectual, de um “projeto de desenvolvimento econômico”

pautado no “princípio da união na diversidade”, que garantiria unidade geográfica e política e

evitaria a “perda de substância econômica” por meio da “priorização do incremento à

agropecuária diversificada” (FARIA, 1992, p. 13).

Segundo Otávio Dulci,

“desenvolvimento, no terreno socioeconômico, é uma ideia referente à superação intencional de uma situação de atraso relativo. Envolve, portanto, uma clara dimensão política, que se traduz em ações governamentais – mediante graus

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variáveis de intervenção – e também em articulações de classes e grupos diversos (sobretudo as elites políticas, econômicas e intelectuais) em torno da meta de superação do atraso. Podemos chamar de desenvolvimentismo ao pensamento que focaliza esse processo numa perspectiva de projeto, realçando seu sentido estratégico e seu potencial mobilizador.” (DULCI, 2005, p. 114).

Ainda segundo o Otávio Dulci, no início do século XX, os termos “desenvolvimento”

ou “desenvolvimentismo” não eram usados, mas sim o termo “progresso”, mais difuso e

menos específico. Para o autor, há uma dimensão de “projeto” contida nos discursos das elites

mineiras, e da intervenção indireta do Estado na economia no início do século XX, o que

permitiria tratar do progresso ensejado pelos contemporâneos como desenvolvimento. Este

“projeto de desenvolvimento” foi mais bem formulado e explicitado durante o Congresso

Agrícola, Comercial e Industrial ocorrido entre 13 e 19 de maio de 1903, em Belo Horizonte,

em meio à primeira crise de superprodução do café, que durou de 1897 a 1909 (DULCI, 2005;

FARIA, 1992). Reunindo, pela primeira vez, as classes produtoras e a elite intelectual

mineiras, foi patrocinado pelo governo de Francisco Sales5, e organizado, presidido e liderado

por João Pinheiro da Silva6. Reunião “esmerada”, nos dizeres de John D. Wirth, o Congresso

Agrícola buscou realizar um rigoroso diagnóstico da então realidade regional e nacional, a

partir do qual foi traçado um projeto de desenvolvimento econômico para o Estado (FARIA,

1992; FUNDAÇÃO JP, 1981).

O projeto traçado no Congresso de 1903, e exposto nas teses aprovadas, propôs a

construção de alternativa à primazia e consequente dependência econômica em relação à

agricultura cafeeira. Nas últimas décadas do século XIX esta lavoura já apresentava um

acentuado declínio de produtividade e exportações, principalmente nas antigas zonas

produtoras em Minas – da Mata e Sul. Esse declínio de produtividade foi verificado em Minas

Gerais, nas regiões citadas, e também no Estado do Rio, devido ao esgotamento dos solos

(PIRES, 2004) e pela exiguidade de terras virgens disponíveis para novos cultivos. Essa queda

na produtividade foi vinculada, pelas elites, à manutenção das práticas agrícolas rotineiras, ou

tradicionais.

Essa alternativa à dependência do café explicava-se também pela necessidade de

unificar política e geograficamente o território mineiro, face às disputas que permearam a

5 Político e bacharel, Francisco Antônio de Sales nasceu em Lavras, MG, a 20 de janeiro de 1863. Iniciou sua militância política já na República, na cidade de Lima Duarte. Foi deputado estadual (1891-1895), secretário de Estado das Finanças (1894-1898), eleito senador estadual (não chegou a tomar posse), prefeito de Belo Horizonte (1899), deputado federal (1900-1902) e presidente do Estado (1902-1906). Atuou ainda como senador da República (1906-1910; 1915-1923) e ministro das Finanças (1910-1914). Faleceu em 1933. 6 Político, industrial e bacharel, João Pinheiro nasceu na cidade do Serro, no centro-norte de Minas Gerais. Foi presidente do Estado por duas vezes: em 1891 e entre 1906 e 1908.

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última década do século, desenvolvendo a vocação do Estado para a agricultura de

subsistência, com vistas à conquista do mercado nacional (FARIA, 1992; WIRTH, 1982). De

acordo com Maria Auxiliadora Faria,

“à concretização desse projeto se interpunham inúmeros obstáculos, dentre eles, o estrutural, da organização das relações de produção no campo. Em Minas, ao moroso processo de passagem para o trabalho livre, somaram-se, desde o século XIX, os fracassos de uma política imigrantista pouco consistente, o intenso movimento de dispersão da população trabalhadora tanto para os sertões do Mato Grosso e Goiás, quanto para as lavouras de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nesse quadro, a defesa e o implemento do ensino agrícola, destinado a crianças e adultos, teria emergido, não apenas como forma inovadora de lidar com a agricultura e a pecuária, mas também como mecanismo de controle social dos trabalhadores, garantindo sua presença no campo e assiduidade ao trabalho. Assim concebido, o ensino agrícola integra o projeto de desenvolvimento econômico mineiro da Primeira República como uma de suas principais metas” (FARIA, 1992, p. 13-14, grifos meus).

Assim, Maria Auxiliadora Faria explicita o vínculo estreito entre economia, agricultura

e ensino agrícola. Compreendo a expressão ensino agrícola como uma categoria histórica, que

expressava um caráter profissional e não era necessariamente vinculada a algum nível de

escolaridade. Podia ser um ensino primário-elementar, quando associado à instrução

elementar (ler e contar); médio ou técnico, formando agrônomos de nível médio, técnicos

agrícolas ou mestres de cultura; ou ainda ser ministrado em escolas superiores de agricultura,

formando agrônomos de nível superior. Caracterizou também esse ensino a sua vinculação, ao

menos desde o início da República até meados do século XX, às pastas de Agricultura

(secretarias estaduais, ministério), ficando apartado da educação mais geral (MENDONÇA,

1998).

O ensino agrícola foi compreendido, durante a Primeira República, como “estratégia

utilizada pelo Estado não apenas para a formação profissional dos trabalhadores, mas também

para a sua retenção no campo”. Nesse período, a despeito das várias tentativas do Estado em

implantá-lo, ou seja, de transformar seu discurso em prática, “o insucesso foi, contudo, a

marca principal da maioria [delas]” (FARIA, 1992, p. 269). Maria Auxiliadora Faria segmenta

a trajetória desse ensino em Minas Gerais na Primeira República em três momentos distintos,

nos quais “se superpuseram rupturas e permanências” (FARIA, 1992, p. 309). No QUADRO

1, que apresento na próxima página, expus essa segmentação elaborada por Faria, que

complementei com algumas informações obtidas a partir da documentação7 consultada

durante a pesquisa empírica que empreendi.

Para a autora, o ensino agrícola esteve presente no discurso e na prática dos primeiros

7 Explicitei a documentação consultada no início deste capítulo.

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republicanos mineiros. Contudo, enquanto fundamento da política econômica, só foi

plenamente formulado e implementado a partir do Congresso Agrícola de 1903 e da

administração de João Pinheiro da Silva (FARIA, 1992). Até então “apesar da consciência de

que o ensino agrícola poderia ser utilizado como dinamizador do desenvolvimento, as

tentativas empreendidas foram frustradas, pois de modo geral, o ensino agrícola não saiu da

esfera discursiva.” (FARIA, 1992). Exceção a este quadro parece ter sido o Instituto

Agronômico de Itabira do Mato Dentro, que teve uma existência de 20 anos, desde o final do

Império - como Escola Agrícola do Vale do Piracicaba - à primeira década da República.

Inicialmente concebida como instituição de ensino prático, voltada para o desenvolvimento da

lavoura, a partir da Lei n. 41, de agosto de 1892, “o objetivo do instituto passou a ser o de

formar engenheiros agrônomos e técnicos em práticas agrícolas” (BOTELHO, 2008, p. 15).

Outras exceções foram os Campos de Demonstração, instituídos em 1895 e extintos em 1898.

Apesar da pequena duração dessas experiências, foram relevantes para a formulação da

política a partir do Congresso Agrícola de 1903, como demonstrarei ainda neste capítulo.

QUADRO 1

Fases do ensino agrícola, Minas Gerais, 1889-1930

Primeira fase Segunda fase Terceira fase Período 1889-1903 1903-1920 1920-1930 Tipo de ensino Teórico-prático, em todos os níveis

(superior, médio e elementar)

Prático e elementar Teórico-prático; técnico e superior

Instituições criadas

Institutos Agronômicos, Institutos Zootécnicos e Campos de Demonstração

Fazendas-modelo, fazendas particulares subvencionadas pelo Estado, campos de demonstração e de experiências, institutos primário-agrícolas, aprendizados agrícolas

Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais (ESAV), em Viçosa

Objetivos Fixação dos trabalhadores no campo; reorganização do trabalho e mecanização do campo

Modernização da agricultura

Fonte: FARIA, 1992. Elaboração própria.

Num segundo momento, o ensino agrícola pensado e executado pelo Estado foi

fundamentalmente de dois tipos: o primário-elementar e o prático. O primeiro tipo acontecia

principalmente nos aprendizados e patronatos agrícolas – sob a alçada do Ministério da

Agricultura e do Estado - e nos institutos, sendo o mais representativo da época o Instituto

João Pinheiro, inaugurado em 1909, e que funcionou inicialmente anexado à fazenda-modelo

da Gameleira. O ensino agrícola prático possuiu diversas modalidades e funcionou em

diversas instituições: o ensino ambulante, as fazendas modelo, as fazendas particulares

subvencionadas pelo Estado e os campos de demonstração (FARIA, 1992). O estudo do

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ensino agrícola prático é central para esta dissertação, e ocupar-me-ei dele mais à frente, ainda

neste capítulo, e nos próximos.

Fez parte deste segundo momento do ensino agrícola em Minas Gerais a fundação de

fazendas-modelo. Estas instituições foram uma iniciativa de João Pinheiro da Silva, então

presidente do Estado. A compreensão da instituição das fazendas-modelo imbricou-se à

apreensão de parte da trajetória política deste estadista. João Pinheiro, como já fiz notar, foi

político, bacharel e industrial e nasceu na cidade do Serro, então Província de Minas Gerais.

Tendo ficado órfão muito cedo, filho de imigrante italiano, João Pinheiro teve seus estudos

custeados por parentes e amigos. Iniciou o curso de engenharia na Escola de Minas de Ouro

Preto, que não concluiu, optando por formar-se em Direito pela Faculdade de São Paulo.

Trabalhou como zelador e preparador de aulas da Escola Normal de São Paulo, onde também

lecionou. Militou pela abolição da escravidão e pela República, e liderou, já em Ouro Preto, a

organização do primeiro Partido Republicano Mineiro, dirigindo o seu jornal, O Movimento.

Com a instalação da República foi nomeado pelo Governo Provisório para os cargos de

Secretário e Vice-Governador e, em 11 de fevereiro de 1890, com a nomeação de Cesário

Alvim8 para o Ministério do Interior, chefiou interinamente o Governo de Minas. Deixou o

cargo para assumir uma cadeira na Câmara de Deputados do Congresso Constituinte mineiro,

mas em 1891 renunciou ao mandato, por questões políticas e ideológicas, e retirou-se em

Caeté, onde fundou uma fábrica de cerâmicas e dedicou-se tanto ao negócio quanto à

docência na Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais (MONTEIRO, 1994, p. 647).

Voltou à vida pública em 1899, eleito vereador do município, onde passou a exercer a

função de Agente Executivo e Presidente da Câmara Municipal. Em 1903, presidiu a

Comissão Fundamental do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, a convite de Francisco

Sales, então Presidente do Estado. Logo em seguida foi eleito senador da República (1905) e

Presidente de Minas Gerais, em 1906 (BARBOSA, 1980). Exerceu o mandato de 7 de

setembro daquele ano até a sua morte, ocorrida em 25 de outubro de 1908. Foi nesse segundo

mandato como chefe do executivo mineiro que João Pinheiro pode colocar em prática as

idéias sistematizadas pelo Congresso Agrícola de 1903 e, de resto, durante os anos iniciais da

8 Político, advogado, economista, jornalista e fazendeiro, José Cesário de Faria Alvim nasceu no arraial do Pinheiro, município de Mariana (atual Pinheiros Altos, distrito de Piranga), MG. Foi deputado à Assembleia Provincial (1834-1867), deputado à Câmara Geral do Império (1867-1868; 1877-1880; 1886-1889); presidente da Província do Rio de Janeiro (1884-1886). “Participante do processo que culminou na proclamação da República [...] foi nomeado por Deodoro da Fonseca Governador Provisório de Minas Gerais. Desempenhou o cargo de 25/11/1889 a 10/2/1890, procurando a conciliação entre vencedores e vencidos” (MONTEIRO, 1994, p. 28). Entre outros cargos no legislativo e executivo federais, foi eleito em 15/6/1891 como o primeiro presidente constitucional de Minas Gerais. Renunciou em 1892. Faleceu em 3/12/1903, no Rio de Janeiro, DF. (MONTEIRO, 1994).

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República em Minas Gerais, inclusive fundando fazendas-modelo.

João Pinheiro da Silva reduziu o problema econômico mineiro a três termos: “saber

produzir, poder produzir e colocar a produção” 9. Ao ensino técnico agrícola caberia

exatamente o primeiro destes termos, saber produzir e, para atingir tal objetivo, estabeleceu

uma seção técnica de agricultura – já prevista nas teses do Congresso Agrícola de 1903, com

laboratório de análises químicas; e os campos de demonstração nas fazendas-modelo e

colônias de povoamento. Para ele, era a moderna ciência agrícola que ensinaria

“as condições de proveitosa exploração do solo, a seleção de sementes, o conhecimento dos adubos mais convenientes”. Ensinaria também “a calcular o poder produtivo da terra”, garantindo “as colheitas pela previsão das intempéries, […] indicando com fundamento seguro a especialização de culturas que mais convenham a cada uma das zonas do Estado” 10.

Também coexistiram no período o ensino agrícola médio e o superior, porém

instituídos pela iniciativa privada e muitas vezes subvencionados pelo Estado. Os exemplos

mais significativos foram a Escola Agrícola de Lavras e as Escolas Dom Bosco (Cachoeira do

Campo, município de Ouro Preto), ambas de nível médio, e a Escola Mineira de Agronomia e

Veterinária, de grau superior, que funcionou em Belo Horizonte. A ausência do Estado na

oferta desses níveis de ensino agrícola, aliada à baixa demanda da sociedade, são as razões

encontradas por Faria para justificar aí o predomínio das escolas particulares.

A terceira fase do ensino agrícola na Primeira República foi identificada com o fim das

fazendas modelo e das subvenções aos fazendeiros (fazendas subvencionadas, campos de

demonstração) e a criação, pelo Estado, da ESAV – Escola Superior de Agricultura e

Veterinária, instituída por lei em 1920 e inaugurada em 1926 no município de Viçosa: “nesse

novo momento, mais que instrumento de organização do trabalho no campo, o ensino agrícola

foi percebido como meio de modernização da agropecuária” (FARIA, 1992, p. 310). A partir

de então, ainda de acordo com Faria, o Estado passou a investir mais nos níveis secundário e

superior, sem abrir mão do ensino agrícola primário.

9 Jornal Minas Gerais, 9 de junho de 1907, p. 1, col.1. 10 Jornal Minas Gerais, 9 de junho de 1907, p. 1, col.1.

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1.2. Entre enxadas e máquinas: tradição e modernidade na agricultura mineira

O estudo do ensino agrícola prático na primeira República em Minas Gerais, ligado ao

desenvolvimento do Estado, levou-me a explicitar a relação que se estabelecia, à época, entre

tradição e modernidade na agricultura, pelo viés da modernização. Os chamados métodos

tradicionais ou rotineiros da lida com a terra estavam vinculados aos daqueles dos tempos

coloniais. Estes, por sua vez, foram baseados na derrubada das florestas, na queimada, no

plantio e nas colheitas manuais, trabalho este assentado, sobretudo, na mão-de-obra dos

africanos escravizados (FERRARO, 2005). Sérgio Buarque de Holanda, lamentando o longo

período em que o Brasil ficou aferrado às concepções rotineiras, identificou as origens deste

tipo de relação com a natureza no sincretismo entre técnicas portuguesas e indígenas. Os

portugueses teriam aprendido com os índios suas técnicas rudimentares, sendo que a “técnica

europeia serviu apenas para fazer ainda mais devastadores os métodos rudimentares de que se

valia o indígena em suas plantações” (HOLANDA, 1995, p. 49). Assim, o autor considera que

dever-se-ia

“ter em conta que o meio tropical oferece muitas vezes poderosos e inesperados obstáculos à implantação de tais melhoramentos. Se a técnica agrícola adotada aqui pelos portugueses representou em alguns casos, comparadas às da Europa, um retrocesso, em muitos pontos verdadeiramente milenar, é certo que para isso contribuíram as resistências da natureza, de uma natureza distinta da europeia, não menos que a passividade e a inércia dos colonos. O escasso emprego do arado, por exemplo, em nossa lavoura de feição tradicional, tem sua explicação, em grande parte, nas dificuldades que ofereciam frequentemente ao seu manejo os resíduos da pujante vegetação florestal. É compreensível assim que não se tivesse generalizado esse emprego, muito embora fosse tentado em épocas bem anteriores àquelas que costumam ser mencionadas em geral para sua introdução” (HOLANDA, 1995, p. 50).

Holanda busca algumas causas – a pujante vegetação tropical e a inércia e passividade

do colono português – para compreender o atraso brasileiro na agricultura. Vai ainda

acrescentar a estas o caráter predatório desse mesmo colono, que via na terra não a

propriedade, mas sim um bem que poderia ser usado, explorado, destruído e abandonado logo

em seguida.

Assim, a modernização da agricultura estava associada, pelo menos desde o final do

século XIX e início do século XX, com a mecanização das lavouras - a substituição parcial do

ser humano por máquinas agrícolas – principalmente o arado, e com as técnicas de adubação e

irrigação do solo. As máquinas que se queria introduzir na agricultura, nesse período, eram de

tração animal e mesmo de tração humana. Além do já citado arado, eram capinadeiras,

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estrumeiras, semeadores, pulverizadores, cultivadores, destorroadores, destocadores, dentre

outras, consideradas símbolos da agricultura moderna, em oposição à agricultura tradicional,

herdada dos tempos coloniais. O discurso de Raul Soares11, nesse sentido, é esclarecedor. Em

1915, enquanto secretário da Agricultura de Minas Gerais, Soares considerou o predomínio da

agricultura tradicional no Estado exatamente pela larga utilização do trabalho manual e

“passividade diante das vicissitudes da natureza”, idealizando a modernização agrícola como

uma

“fase de industrialização da Agricultura, em que o homem domina inteiramente a produção, a máquina reduz o braço ao mínimo, a irrigação substitui a chuva, os adubos recompõem os elementos da terra, e os métodos científicos de transformação e conservação dos produtos permitem a procura dos melhores mercados”.12

Entretanto, não pude aceitar a priori que a rotina devesse necessariamente ser

substituída pelos métodos modernos de agricultura. Em fins do século XIX e início do século

XX, as elites mineiras, e penso que de outras partes do país, clamavam pela modernização da

agricultura. Só para citar um exemplo, Bernardino Lima13, deputado mineiro na 1ª legislatura,

entendia que “a lavoura ressente-se da falta de braços, da falta de processos aperfeiçoados de

trabalho, da falta de maquinismo, adotados aos seus diferentes ramos” 14. Vários deputados

mineiros citaram também, em épocas diferentes, uma iniciativa do governo provincial, de

1831, em introduzir máquinas na agricultura mineira, explicitando que essa preocupação era

bem mais antiga, datando do início do século XIX. Relataram também que tal iniciativa não

havia extrapolado o nível das intenções.

Por outro lado, parte da historiografia vem repetindo esta visão construída pelas elites,

da necessidade de mecanização das lavouras. Alguns autores aceitam que a enxada deveria ser

substituída pelas máquinas agrícolas, necessariamente, que este deveria ser o caminho natural

11 Político, jurista, professor e escritor, Raul Soares de Moura nasceu em Ubá, então Província de Minas Gerais, a 7 de agosto de 1877. Iniciou suas atividades políticas em Rio Branco (atual cidade de Visconde do Rio Branco) em 1910, elegendo-se vereador e chefe do executivo municipal. Foi deputado estadual (1911-1914), secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas (1914-1917), Ministro da Marinha (1919-1922) e Presidente do Estado de Minas (1922-1924), cargo que ocupava quando faleceu em Belo Horizonte, a 4 de agosto de 1924 (MONTEIRO, 1994). 12 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro, Presidente do Estado de Minas, pelo Dr. Raul Soares de Moura, Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1915 [e referente a 1914]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, p. 33. 13 Político, advogado e professor, Bernardino Augusto de Lima nasceu em Congonhas do Sabará, na Província de Minas Gerais (hoje Nova Lima). Foi professor na Escola de Minas de Ouro Preto e Deputado ao Congresso Constituinte mineiro e na primeira legislatura (1891-1895), além de senador do Estado (1895-1898). Em 1896 editou um livro, Economia Rural, que reuniu artigos publicados pelo jornal Minas Gerais. Foi considerado por Monteiro (1994) como pioneiro da campanha de mecanização agrícola do Estado. Faleceu em Belo Horizonte a 18 de maio de 1924 (MONTEIRO, 1994). 14 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit, 1894, p. 101.

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do desenvolvimento da agricultura brasileira. Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, além

de lamentar o prolongado estado rotineiro da agricultura brasileira, como expus

anteriormente, defendeu com vigor a adoção dos métodos ditos modernos, que eram já de

largo e antigo uso na Europa, como o arado. Com efeito, afirmou que “na economia agrária,

pode dizer-se que os métodos maus, isto é, rudimentares, danosos e orientados apenas para o

imoderado e imediato proveito de quem os aplica, tendem constantemente a expulsar os bons

métodos.” (HOLANDA, 1995, p. 51).

“Métodos maus”... essa expressão chamou-me a atenção. Holanda considerava uns

métodos melhores do que outros. Apoiando-se nas pesquisas de um alemão, dr. Herbert

Wilhelmy, datadas de 1939, Holanda enfatizou que as queimadas

“além de prejudicar a fertilidade do solo, [...], destruindo facilmente grandes áreas de vegetação natural, trariam outras desvantagens, como a de retirar aos pássaros a possibilidade de construírem seus ninhos. E o desaparecimento dos pássaros acarreta o desaparecimento de um importante fator de extermínio de pragas de toda espécie. O fato é que, nas diversas regiões onde houve grande destruição de florestas, a broca invade as plantações de mate e penetra até a medula nos troncos e galhos, condenando arbustos a morte certa. As próprias lagartas multiplicam-se consideravelmente com a diminuição das matas” (HOLANDA, 1995, p. 68).

Correto. Hoje está muito claro para a comunidade científica, para a opinião pública,

para diversos setores da sociedade, que as queimadas, o desmatamento, a destruição de

habitats trazem sérios danos ao ambiente, e consequentemente à qualidade de vida das

diversas populações, inclusive humanas. Encontrei, para Minas Gerais, vários documentos em

que a queimada aparece como a grande vilã do esgotamento dos solos, sem a profundidade de

análise do dr. Herbert Wilhelmy, citado por Buarque de Holanda, é forçoso reconhecer.

Porém, os esforços das elites mineiras em suprimir os métodos rotineiros não estavam

vinculados à preservação de habitats e à qualidade de vida das populações humanas, diga-se

de passagem. Eram necessidades econômicas que as moviam nessa direção. As queimadas

provocavam o esgotamento dos solos, a mudança no regime de chuvas e, consequentemente, a

diminuição da produção agrícola e dos lucros advindos desta. Por outro lado, o predomínio da

enxada, e, portanto, do trabalhador que a manejava, tornavam os produtores dependentes da

sazonalidade do trabalhador nacional, particularmente em Minas Gerais onde, como já

explicitei, as elites não conseguiram forjar uma imigração europeia massiva, além de

perderem trabalhadores para áreas de economia mais dinâmica. Substituir, na lavoura, os

homens por máquinas agrícolas era uma necessidade do capital que se formava em fins do

século XIX.

Por isso, urgia “arrancar os instrumentos da escravidão – a foice e a enxada – das

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mãos do lavrador e libertá-lo da miséria pelo manejo do arado e irrigação das plantações. A

lavoura precisa ser chamada ao terreno da razão, para daí paulatinamente prosperar” 15. Aqui,

fica mais claro o sentido da modernização da agricultura: a desqualificação dos instrumentos

de trabalho tradicionalmente usados pelos pequenos produtores, pelos trabalhadores errantes,

pelo meeiro, pelo assalariado. A metáfora de “arrancar” a enxada e a foice das mãos dos

lavradores sugere um processo mais violento, mesmo que não tenha se caracterizado como

uma expropriação em sentido restrito. Estes trabalhadores podiam, na agricultura tradicional,

ter a posse dos seus instrumentos de trabalho e, consequentemente, ter uma existência mais

autônoma. Diversamente, na pretendida agricultura moderna, onde as máquinas agrícolas

realizariam boa parte do trabalho, estas eram acessíveis apenas para aqueles que detinham

algum capital. Assim, se para Sérgio Buarque de Holanda, os métodos rotineiros eram

“danosos e orientados para o imoderado e imediato proveito de quem os aplica”, como citei

na página anterior, não seria diferente com os “bons métodos” defendidos pelo mesmo

historiador.

Por outro lado, Luciano Mendes de Faria Filho percebe o ensino agrícola no governo

de João Pinheiro “pensado como elemento central na modernização dos métodos agrícolas e

na renovação da mentalidade dos agricultores.” (FARIA FILHO, 2001, p. 36). Chamou-me a

atenção essa ideia de “renovar mentalidades”. Peter Burke definiu a história das mentalidades

como uma abordagem essencialmente durkheimiana das idéias,

“embora o próprio Durkheime preferisse a expressão ‘representações coletivas’. [...] Os sociólogos e antropólogos contemporâneos falam, às vezes, de ‘modos de pensamento’, ‘sistema de crenças’ ou ‘mapas cognitivos’.” De qualquer forma, o enfoque nas mentalidades atribui “mais destaque a atitudes coletivas do que a individuais; a pressupostos implícitos do que a teorias explícitas, ao ‘senso comum’ ou ao que parece ser senso comum em uma cultura específica; e à estrutura dos sistemas de crenças, incluindo uma preocupação com as categorias usadas para interpretar a experiência e os métodos de prova e persuasão” (BURKE, 2002, p. 129).

A manutenção da rotina entre os fazendeiros e trabalhadores mineiros era creditada à

ignorância do agricultor. Os republicanos mineiros queriam, de fato, mudar costumes, hábitos,

enfim, mudar a cultura do agricultor, do lavrador, do criador, no que se refere à lida com a

terra e com a criação. Pois, de outra forma, o trabalhador nacional não poderia ser empregado

em larga escala. E, para isso, realmente seria necessário mudar a estrutura do sistema de

crenças desses indivíduos, apesar de que, talvez, não se tenha tido esse entendimento à época.

Rosana Soares de Lima Temperini, estudando as concepções de parcela da elite

15 Jornal Minas Gerais, de 6 de maio de 1909, p. 4, col. 1, grifos meus.

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paulista entre 1930 e 1937, expressas na revista O Campo, entende que os cientistas

vinculados a tal revista, “ao enfatizar a importância do conhecimento racional e da utilização

de técnicas na produção agrária, [...] buscavam atuar sobre os indivíduos e suas gerações,

modificando hábitos e imprimindo uma nova forma de trabalho” (TEMPERINI, 2003, p. 55).

Partindo do conceito de civilização de Nobert Elias, e relacionando-o à modernização, a

autora,

“pensando no discurso simbólico dos articulistas da revista O Campo” afirma “que seu pensamento acerca da modernização está precisamente ligado às suas próprias visões sobre civilização/modernização e à percepção dos sertões como a parte não civilizada do nacional. Neste sentido, a cultura do homem do campo, para eles, não possuía uma funcionalidade, ao contrário, ela impedia que o agricultor participasse do processo modernizador do mundo agrário. Nesta conjuntura, o primeiro aspecto da superação da mentalidade tradicional baseava-se na concepção de que era necessário o rompimento do caboclo com o modo de vida amparado no costume de trabalhar apenas na exata medida de suas necessidades mais imediatas. Complementarmente, a defesa da modernização agrícola amparava o princípio de que o mesmo caboclo não repetisse o que lhe ensinara a rotina e passasse a planejar suas atividades a longo prazo. (TEMPERINI, 2003, p. 55).

É preciso ainda explicitar a relação entre modernização e posse da propriedade da

terra. O latifúndio constituiu-se em uma herança do sistema de sesmarias adotado pela coroa

portuguesa quando da colonização do território brasileiro. Após a independência, a falta de

uma legislação sobre terras e a manutenção do trabalho escravo estimulou ainda mais a

concentração fundiária. A Lei de Terras de 1850 proibiu as posses, passando a ser a compra o

único instrumento de aquisição de terras no país. Como esta lei legitimou tanto as posses

ocorridas desde 1822 quanto as sesmarias, a estrutura fundiária não foi alterada

(KIRDEIKAS, 2003). Para o autor, “a formação do mercado de terras no Brasil ocorreu sem

um grande processo de expropriação, apesar da expulsão de pequenos posseiros ter sido

comum no século XIX” (KIRDEIKAS, 2003, p. 28). Em outras palavras, “o homem livre

pobre não foi expropriado no sentido próprio do termo (não chegou a ser expulso de sua

propriedade), porém teve o seu acesso a terra negado desde os tempos das sesmarias e

consumado com a lei de terras de 1850.” (KIRDEIKAS, 2003, p. 61).

Após a abolição da escravidão, esse quadro se manteve. Para Lúcio Kowarick,

no processo de transição para o trabalho livre, existe uma condição prévia e fundamental que se refere ao acesso à terra. Enquanto a produção fosse efetuada por escravos, a terra era praticamente destituída de valor, pois sua propriedade só teria significado econômico se seu detentor também possuísse um estoque de cativos. Contudo, a partir do momento que a escravidão começou a apresentar os primeiros sintomas de crise, com o término do tráfico africano, tornou-se necessário impedir que os homens livres tivessem acesso à propriedade da terra (KOWARICK, 1994, p. 75).

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A República inaugurou-se renovando a tradição herdada do Império, mantendo a negação

da posse da propriedade aos homens pobres, livres ou libertos. O processo de modernização, pois,

deu-se assentado no latifúndio. Alargando o sentido do termo expropriação, Kowarick sugere que

“a formação de um mercado de mão-de-obra livre foi um longo e tortuoso percurso histórico, marcado, na maioria das vezes, por intensa coerção e violência. Para tanto foi necessário efetuar maciça expropriação, que residiu em destruir as formas autônomas de subsistência, impedindo o acesso à propriedade da terra e aos instrumentos produtivos, a fim de retirar do trabalhador o controle sobre o processo produtivo. Mas, além disso, foi também necessário proceder a um conjunto de transformações de cunho mais marcadamente cultural, para que os indivíduos despossuídos dos meios materiais de vida não só precisassem como também estivessem dispostos a trabalhar para outros” (KOWARICK, 1994, p. 12, grifos meus).

É necessário reter dessa chave de leitura proposta por Lúcio Kowarick que o processo

de expropriação não se restringiu à posse da propriedade da terra, mas estendeu-se às formas

autônomas de subsistência da população. Considero que o processo de escolarização do

trabalho agrícola pode ter se ligado a algumas das transformações de cunho mais

marcadamente cultural.

1.3. A fazenda transformada em escola: ensino e produção agrícolas

As fazendas nas Minas Gerais do século XIX e início do século XX eram as unidades

produtivas da economia mineira. Se bem que, de acordo com Celso Furtado, era a “roça” a

base da economia de subsistência, estava o pequeno lavrador ligado a uma unidade produtiva

maior, cujo chefe era o proprietário das terras (FURTADO, 2000). As fazendas mineiras

foram caracterizadas por Cid Rebelo Horta, tratando do século XIX, como “vasto latifúndio,

de três a quatro léguas de comprimento por igual medida de largura, com escravaria enorme, a

casa grande, a senzala, as oficinas de carpintaria, as fiandeiras, o alambique, verdadeira

unidade autárquica, onde praticamente o único artigo de consumo importado era o sal”

(HORTA, 1956, p. 49). Irene Nogueira Rezende, em estudo sobre as fazendas da Zona da

Mata na primeira metade do século XIX, apontou que estas produziram tanto mercadorias

quanto meios de vida. Em outras palavras, as fazendas foram locais de sobrevivência e de

produção de bens (REZENDE, 2008), de forma que, não apenas a vida econômica girava em

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torno delas, como também a política, a cultura, a sociedade rural, enfim. Talvez identificadas

com o relativo declínio econômico que sobreveio ao chamado virtuoso ciclo do ouro durante

todo o século XIX, problematizado no primeiro item deste capítulo, elas precisariam de um

modelo para trazer novamente a fartura ao Estado. E esse modelo foi calcado na necessidade

de mecanização da lavoura, símbolo da modernização do campo.

Interessa-me, pois, nesta parte do estudo, compreender a relação entre modernização e

escolarização do trabalho agrícola, a partir da escolarização da fazenda, do ambiente de

produção agrícola-pastoril. E, fundamentalmente, como a política de se fundar fazendas-

modelo esteve imbricada aos processos de modernização do Estado mineiro e do campo, bem

como esta mesma política foi tecida por parte da intelectualidade mineira no poder, a partir da

inauguração da República. Desse processo de escolarização interessam-me as suas “várias

implicações e dimensões” (FARIA FILHO, 2007, p.193).

Luciano Mendes de Faria Filho articula três acepções do escolarizar. Na primeira

delas, “escolarização pretende designar o estabelecimento de processos e políticas

concernentes à 'organização' de uma rede, ou redes, de instituições, mais ou menos formais,

responsáveis seja pelo ensino elementar, […] seja pelo atendimento em níveis posteriores e

mais aprofundados” (FARIA FILHO, 2007, p. 194). Considero o ensino agrícola, tal qual se

deu nas fazendas-modelo em Minas Gerais nos anos iniciais da República como passível de

ser entendido enquanto uma rede menos formal de estabelecimentos agrícolas, apesar desse

enfoque não ser prioritário nesta dissertação.

Em outra acepção, Faria Filho compreende a escolarização como

“a produção de representações sociais que têm na escola o locus fundamental de articulação e divulgação de seus sentidos e significados. Neste caso, a atenção volta-se para o que tenho chamado de implicações/dimensões sociais, culturais e políticas da escolarização, abrangendo questões relacionadas […] ao reconhecimento ou não das competências culturais e políticas dos diversos sujeitos sociais e à emergência da profissão docente no Brasil” (FARIA FILHO, 2007, p. 194).

Nesta acepção, Faria Filho chama a atenção para o conceito de forma escolar, “de uma

forma especificamente escolar de socialização da infância e da juventude” (FARIA FILHO,

2007, p. 194) e, posso dizer, do trabalhador adulto, em se tratando da educação profissional

destinada a esse sujeito. Esta forma escolar estaria relacionada com a crescente influência da

escola para muito além de seus muros.

Por fim, a terceira acepção que Faria Filho atribui à escolarização diz respeito ao “ato

ou efeito de tornar escolar, ou seja, o processo de submetimento de pessoas, conhecimentos,

sensibilidades e valores aos imperativos escolares” (FARIA FILHO, 2001, p. 195, grifos do

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autor). Ao relacionar as três acepções acima expostas, o autor articula a escolarização com a

cultura escolar, o que permite compreender o funcionamento da escola, a um só tempo, como

“uma agência criadora e conservadora da cultura por meio de uma intensa prática de

apropriação em relação às estruturas culturais mais gerais em que ela – a escola – está

situada” (FARIA FILHO, 2007, p. 195).

Essa terceira acepção é de particular importância nesta dissertação, que procura

compreender o processo de escolarização do trabalho agrícola a partir da escolarização dos

trabalhadores para o campo, dos conhecimentos agrícolas que se queria introduzir na prática

laboral, dos métodos de ensino, dos tempos e espaços. No próximo item e nos Capítulos 2 e 3,

procuro abordar essas dimensões da escolarização articuladas com a categoria cultura escolar,

“entendida como a forma como em uma situação histórica concreta e particular são

articuladas e representadas, pelos sujeitos escolares, as dimensões espaço-

temporais do fenômeno educativo escolar, os conhecimentos, as sensibilidades e os

valores a serem transmitidos e a materialidade e os métodos escolares” (FARIA FILHO, 2007, p. 195, grifos do autor).

Retornando à discussão sobre a escolarização da fazenda, encontrei referências de que,

no Brasil, a ideia de conjugar a fazenda – o ambiente produtivo – com a instrução e a

educação para o trabalho remonte ao início do século XIX. Graciela de Souza Oliver, apesar

de e por ter suas atenções voltadas para o ensino superior, fornece algumas indicações sobre o

ensino prático e primário agrícola no Império, no qual a autora percebeu uma preocupação

com o ensino agrícola, de inspiração francesa, baseada em uma agronomia-naturalista. Esta

era uma concepção baseada na crença iluminista de que a ciência está a serviço do progresso

material. A visão naturalista compreendia a agronomia como um ramo das ciências naturais, e

“desde fins do século XVIII buscava nos avanços da História Natural melhorias para a agricultura, unindo a ciência e a arte, a botânica e as práticas de cultivo [...] Esta tradição da agronomia-naturalista teria se estendido nos países imperialistas [...], a partir de 1843, marcando sua presença também no início do século XX, especialmente pela atuação de Sociedades de Agricultura” (OLIVER, 2005, p. 30).

A autora cita como exemplo dessa influência uma iniciativa de 1838, que pretendia

criar uma “escola de agricultura na fazenda nacional da lagoa Rodrigo de Freitas”. O enfoque

desta escola seria dado à botânica e ao aperfeiçoamento da agricultura brasileira, num ensino

do tipo teórico-prático (OLIVER, 2005, p. 31). Em nota, a autora esclarece que

“o decreto sobre a escola agrícola da Lagoa Rodrigo de Freitas foi assinado por Pedro de Araújo Lima e Bernardo Pereira de Vasconcelos. Escrevendo sobre o ensino agrícola em 1926, Arthur Torres Filho vê nessa iniciativa uma "tão elevada compreensão do ensino técnico de agronomia” 16, já existente há quase cem anos e,

16 Esta expressão entre aspas aparece na tese de Oliver, citando Arthur Torres Filho. De acordo com a autora, a

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portanto, não estabelecendo uma clara distinção entre o técnico daquela época e aquele que acreditava ser necessário naquele momento [...]” (OLIVER, 2005, p. 31).

A compreensão de Arthur Torres Filho17 sobre o ensino agrícola em seu tempo pode

fornecer indícios da influência que o pensamento francês exerceu sobre as opções da

República em relação a esse ensino, sem, contudo, descartar outras fontes de inspiração, como

a estadunidense. A leitura e análise de artigos do jornal Minas Gerais e da Revista Industrial

de Minas Gerais indicam que vários modelos de ensino profissional agrícola, em seus

diversos níveis, métodos e finalidades, circulavam pelo mundo ocidental. Esses modelos

estavam vinculados à modernização da agricultura, no intuito de fazer chegar a modernidade a

algumas esferas da vida humana. Nessas fontes encontrei diversas referências às experiências

de outros países em relação ao ensino agrícola: EUA, Inglaterra, França, Índia, México,

Argentina, Bélgica, Austrália, colônias africanas, Portugal, dentre outros.

Na Índia, por exemplo, o governo inglês, no início do século XX, estava empenhado

em impulsionar “o serviço de assistência e fomento oficial aos interesses da lavoura” 18. Fazia

parte desse impulso o plano de erigir “uma fazenda modelo em cada província para a cultura e

distribuição de sementes, ensino prático, campos de experiências, de demonstração e a

propaganda, mediante as preferências rurais” 19.

Com Portugal, o Estado de Minas teve, no final do século XIX, uma colaboração mais

estreita. Vários técnicos, os regentes agrícolas, foram contratados pelo secretário da

Agricultura, Francisco Sá20, por volta de 1896, para percorrer o Estado divulgando os

ensinamentos agrícolas mais modernos. Esses técnicos eram formados por uma das escolas

nacionais portuguesa, a Escola Central de Agricultura Moraes Soares. O ensino agrícola

citação foi extraída de TORRES FILHO, Arthur M. Contribuições para a regulamentação do Ensino Agrícola

no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. 17 Arthur Mangarinos Torres Filho ocupou cargo no Serviço de Inspeção e Fomento Agrícola do Ministério da Agricultura (1921-1931) e chefiou o Serviço de Organização e Defesa Rural. Foi professor catedrático na ENA – Escola Nacional de Agronomia (1933-1940) (MENDONÇA, 1998). Além disso, “foi um dos pioneiros na defesa da implantação do extensionismo rural no país” (MENDONÇA, 1998, p. 35). 18 Jornal Minas Gerais, 02 de setembro de 1906, p. 6, col. 3. 19 Jornal Minas Gerais, 02 de setembro de 1906, p. 6, col. 4. 20 Político, engenheiro, jornalista e escritor, Francisco Sá nasceu em Santo Antônio do Gorotuba, Distrito de Grão-Mogol, em Minas Gerais (hoje Catuni, distrito de Francisco Sá), a 14 de setembro de 1862. Teve participação política de relevo não apenas em Minas, mas também no Ceará, ao qual se ligou pelo casamento com a filha de um chefe político daquele Estado. Foi eleito deputado provincial de Minas Gerais em 1888; engenheiro do Estado, depois Inspetor de Terras e Colonização do governo de Afonso Pena, iniciando então “os trabalhos de levantamento geográfico e geológico e de estatística agrícola e industrial do Estado”. Foi secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no governo de Crispim Jacques Bias Fortes, entre 1894 e 1897. Neste cargo “lançou uma política imigratória e agrícola mediante a celebração dos primeiros contratos com imigrantes estrangeiros e a fundação de núcleos coloniais em várias zonas. Para introduzir processos modernos de cultivo, instituiu os primeiros campos de demonstração agrícola”. Renunciou ao cargo para exercer mandato eletivo no Ceará. Foi ainda Ministro da Viação por dois períodos: 1909-1910 e 1920-1922 (MONTEIRO, 1994, p. 603).

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português seguia a orientação francesa, com seus três níveis de ensino. Os regentes agrícolas

colaboraram na imprensa especializada, produziram relatórios, participando intensamente dos

debates em torno da modernização da agricultura e do ensino agrícola21. Além dos regentes

portugueses, o Estado contratou vários agrônomos franceses para dirigirem os diversos

estabelecimentos agrícolas do Estado, a partir da nomeação de Henri Gorceix22 como inspetor

geral do ensino agrícola de Minas Gerais, em 1896.

A influência francesa foi reiteradamente lembrada pelos contemporâneos, e era tão

“natural” considerá-la que chegava-se mesmo a cometer equívocos. Um artigo do jornal

Minas Gerais sobre o futuro governo do presidente João Pinheiro, por exemplo, afirmou que

“a educação profissional técnica não lhe é indiferente. Muito ao contrário, s. exc. pretende

implantá-la brevemente, sob os moldes mais aperfeiçoados, que são – não há como negá-lo

– os do sistema francês.” 23. Ao explicar o que seria essa educação técnica profissional, o

artigo referiu-se de fato ao sistema francês, teórico-prático, inserido na lógica dos três níveis

de ensino. Esqueceu-se ou desconhecia o articulista, porém, que a proposta de João Pinheiro

não era essa, mas consistiu num ensino essencialmente prático, difícil de ser enquadrado em

algum nível de ensino, como demonstrarei no próximo item desta dissertação e no segundo

capítulo.

É possível afirmar que, na proposição das fazendas-modelo, a influência da

experiência estadunidense tenha sido a mais acentuada, até mesmo do que a francesa24. Os

EUA serviram de exemplo para o desenvolvimento do país, particularmente com relação à sua

política de fomento agrícola. José Murilo de Carvalho relaciona a existência de um

“americanismo” ou a influência dos Estados Unidos sobre os mineiros ainda no século XVIII,

com a inconfidência mineira, identificando, além da liberdade, “a insistência nos valores da

iniciativa individual e do progresso” como parte integrante desse americanismo

(CARVALHO, 2005, p. 58). O autor identifica também alguns mineiros que sofreram forte

21 Revista Industrial de Minas Gerais, diversos números. 22 Francês, Claude Henri Gorceix era filho de pequenos proprietários rurais. Frequentou a École Normale Supérieure de Paris entre 1863 e 1866, formando-se licenciado em ciências físicas e matemáticas.. Em 1867 foi nomeado “agregé-préparateur de geologia e mineração na École Normale, onde fora também aluno de Pasteur” (CARVALHO, 1978, p. 26). Na Escola Francesa de Atenas dedicou-se por dois anos ao estudo de vulcanismo, de onde recebeu o convite para vir para o Brasil. Entre fins de 1874 e julho de 1875, estudou a implantação da EMOP. Permaneceu por 16 anos à frente da instituição, até 1891, quando, “por razões políticas” abandonou a sua obra (CARVALHO, 1978). Em 1896 o governo mineiro contratou-o para reorganizar o ensino agrícola do Estado. Ao menos até 1897, permaneceu como Inspetor Geral do Ensino Agrícola em Minas Gerais. 23 Jornal Minas Gerais, de 8 de setembro de 1906. p. 4, col. 3. Grifos meus. 24 Ver, por exemplo, edições do jornal Minas Gerais dos dias 02 de setembro de 1906, p. 6; 08 de setembro de 1906, p.4; 17 de fevereiro de 1907, p. 3. Ver também textos de João Pinheiro da Silva publicados por Francisco de Assis Barbosa (1980), particularmente o Manifesto-Programa da candidatura à Presidência do Estado de Minas Gerais. Ver ainda os textos de João Pinheiro publicados como anexos a esta dissertação.

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influência do americanismo, como Teófilo Otoni25. Em fins do século XIX, a crise advinda

com a superprodução do café estreitou ainda mais os vínculos entre economia e agricultura,

aproximando as elites de Minas Gerais com o modelo estadunidense de crescimento

econômico.

Um dos exemplos dessa aproximação encontrei em um resumo de uma mensagem de

Roosevelt, então presidente dos Estados Unidos, publicado pelo jornal Minas Gerais. O

resumo compreendeu particularmente a educação profissional e técnica. Segundo o artigo, o

presidente estadunidense defendia que o

“nosso desenvolvimento industrial [o dos Estados Unidos] depende amplamente da educação técnica, incluindo neste termo toda a educação industrial” que deveria “educar a mão, o olho e a mente”. E sobre a agricultura, referia-se que “vários fatores têm colaborado na melhoria da situação do agricultor. Deve-se dar a este a oportunidade de poder educar-se no sentido mais amplo possível, no sentido que tem sempre em vista a íntima relação que existe entre a teoria da educação e os fatos da vida” 26

Como pude inferir, a referência estadunidense estava vinculada, sobretudo, às recentes

experiências daquele país, que colonizava vasta porção de seu território em fins do século

XIX por meio da imigração europeia. A ocupação do oeste, com seu clima excessivamente

árido, foi em parte possibilitada economicamente a partir da experimentação agrícola,

metódica e racional. Experiências com plantas resistentes à seca, por meio do Departamento

de Agricultura e das Estações Experimentais; a invenção e o melhoramento de métodos e

instrumentos que diminuíam a evaporação da água do solo ou tornava seu amanho mais

eficaz, por exemplo, contribuíram para tornar possível a agricultura de cereais em larga

escala27.

Retomando a questão da escolarização da fazenda, Maria Auxiliadora Faria (1992)

afirma que antes da República praticamente não houve a criação de escolas destinadas à

formação técnica e profissional, citando como grande exceção a Escola de Minas de Ouro

Preto. Incluo como exceção a esse quadro exposto por Faria duas instituições, fundadas ainda

25 Descendente de imigrantes estabelecidos no Serro, Teófilo Otoni nasceu nesta cidade em 1807, onde foi tropeiro, junto a seu pai; formou-se engenheiro mecânico pela Academia da Marinha, no Rio de Janeiro. Fundou um jornal de oposição a D. Pedro I, no Serro, Sentinela do Serro,envolveu-se nas lutas liberais da Regência e, em 1842, pegou em armas na revolta liberal de São Paulo e Minas contra os conservadores. Logo depois, afastou-se da política e dedicou-se aos negócios, criando, em 1847, a Companhia de Navegação e Comércio do Vale do Mucuri (CARVALHO, 2005), voltando-se para o “sonho de desbravar o vale do rio Mucuri, em Minas Gerais, região de Mata Atlântica até então habitada por tribos indígenas nômades (HORTA, 2002, P. 177). Em 1852, fundou a cidade de Nova Filadélfia, . que foi denominada mais tarde Teófilo Otoni, em sua homenagem, vindo a falecer em 1869. (CARVALHO, 2005; HORTA, 2002). 26 Jornal Minas Gerais, 24 de janeiro de 1907, p. 2, cols. 2 e 3. 27 Segundo o jornal Minas Gerais, de 24 de abril de 1907, ps. 3 a 5.

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durante o Império: o Jardim Botânico de Ouro Preto e a Escola Agrícola do vale do rio

Piracicaba. Ambas as experiências aliavam o ambiente de fazenda ao ensino do trabalho

agrícola, bem antes das fazendas-modelo. A Escola Agrícola foi prevista em lei em 187528,

como a escola agrícola do vale do rio Piracicaba e fundada em 1880 pelo poder público, mas a

partir de uma iniciativa particular, na cidade de Itabira (BOTELHO, 2009). Uma experiência

bem mais modesta, diga-se de passagem, que foi objeto de pesquisa de uma dissertação

defendida recentemente, e que por isso não me ocuparei dela neste momento.

Sobre o Jardim Botânico, porém, preciso alongar-me, por não haver encontrado

pesquisas sobre ele. Daniel Serapião de Carvalho29, quando secretário de Agricultura do

Estado de Minas Gerais, publicou um relatório em 1926 no qual procurou fazer uma análise

das tentativas de ensino agrícola até então encetadas. Afirmou que “a Monarquia quase nada

fez em Minas pelo ensino agrícola” e “o Jardim Botânico de Ouro Preto, fundado em 1825,

ficou reduzido ao cultivo do chá e se transformou mais tarde em lugar de recreio aos

habitantes da velha capital” 30. Contudo, encontrei outras referências que divergiram um

pouco dessa avaliação. Uma delas referiu-se à criação do estabelecimento antes mesmo da

independência do país, quando a cidade ainda era Vila Rica. Rodolfo Jacob, um articulista do

Jornal do Comércio, em artigo transcrito no jornal Minas Gerais indicou que “o primeiro

estabelecimento de instrução agrícola em Minas data do fim do penúltimo século”, o que me

pareceu pouco provável. No entanto, deu-me a conhecer que o Jardim Botânico de Ouro Preto

tinha por finalidades

“o ensino da cultura e a propagação de plantas úteis indígenas e exóticas. Fundado em Vila Rica (Ouro Preto), […] e tendo tido na sua direção homens capazes como os botânicos mineiros Veloso de Miranda e Fernando de Vasconcelos, o Jardim Botânico […] prestou reais serviços a Minas, introduzindo, principalmente na Província, a cultura do chá, da baunilha e do anil, assim como a criação de abelhas da Europa” 31.

28 Lei 2.166, de 20 de novembro de 1875, que criou três escolas agrícolas industriais nos vales do rio Verde, do rio Piracicaba e no rio das Velhas. Esta lei foi regulamentada em 18 de novembro de 1880. 29 Político, funcionário público, professor, advogado, escritor e economista, Daniel Serapião de Carvalho nasceu em Itabira do Mato Dentro, hoje cidade de Itabira, a 9 de outubro de 1887. Em 1907, “a convite de João Pinheiro da Silva, ingressou no quadro de funcionários da secretaria da Agricultura, na qual exerceu diversas atividades até chegar à chefia da Seção Central e do Ensino Agrícola e Profissional” (MONTEIRO, 1994, p. 154). Foi inspetor da Fazenda Federal, lecionou no Ginásio Mineiro, consultor jurídico da secretaria da Agricultura (1917), dentre outros cargos. Foi secretário da Agricultura nos governos de Raul Soares de Moura e Fernando de Melo Viana (1922-1926). Exerceu diversos mandatos legislativos, estaduais e federais a partir de 1927. Foi revolucionário em 1930 e Ministro da Agricultura entre 1946 e 1950. Neste cargo, incentivou a motomecanização da agricultura e “fixou e regulamentou a rede de estabelecimentos de ensino agrícola, no território nacional” (MONTEIRO, 1994, p. 155). Faleceu no Rio de Janeiro a 30 de maio de 1966. 30 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Fernando de Melo Viana pelo Dr. Daniel de Carvalho, referente aos anos de 1922 a 1926. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926, p. 91. 31 Jornal Minas Gerais, 18 de agosto de 1907, p. 5, col. 1. Artigo transcrito do Jornal do Comércio e assinado por Rodolfo Jacob.

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Outra referência indicou a primeira metade do século XIX como marco de criação

dessa primeira instituição de ensino e propaganda agrícola no Estado, assim como Daniel

Serapião de Carvalho. Encontrei a menção de que o Jardim Botânico havia sido criado por

portaria de 2 de setembro de 1825, e que havia sido organizado bem mais tarde. Entretanto,

“quem lhe deu impulso decisivo e adequado foi o desembargador Quintiliano em sua

Presidência de 1844-45. […] [Ele] encarregou da administração do Jardim Botânico a meu tio

Fernando Pereira de Vasconcelos, um grande talento diplomado na Holanda em ciências

naturais” 32.

Rodolfo Jacob registrou que o uso do arado não havia sido possível devido à natureza

do terreno. Daniel de Carvalho, por seu turno, indicou que “uma máquina enroladora do chá,

[...] foi encontrada nas ruínas do Jardim Botânico e completamente reconstituída nas oficinas

da Escola de Engenharia desta Capital” 33. Tal achado deu-se em função da instalação de um

aprendizado agrícola em 1922 no local onde funcionou o Jardim Botânico de Ouro Preto. Este

fato indica-me que já se usava mecanismos “modernos” naquela instituição, em meados do

século XIX.

Além disso, “a prática que os aprendizes, que ali permaneceram, difundiu na

Província, mostra bem a eficácia do ensino que receberam.”34. Sobre os aprendizes, há

indicações de que

“o governo então mandava para o Jardim, sob tutela, os Africanos, que eram sequestrados aos contrabandistas, proibidos pela Lei abolicionista do tráfico de 1835. Eu conheci no Jardim mais de duzentos homens e mulheres salvos das garras da escravidão (gente vigorosa e boa), que traziam a terra como um brinco. […] O desembargador Quintiliano mandou ali plantar o chá, que rivalizou com o da China; amoreiras, cravo da Índia, canela, frutos, e outras especiarias exóticas de que se espalharam sementes. Criou-se o colmeal de abelhas (apis mellifera), e o bicho da seda” 35.

Ainda sobre o Jardim Botânico, Diogo de Vasconcelos36 acentuou que havia sido “uma

grande oficina de trabalho, de onde se tiraram africanos mestres” e que “Fernando de

32 Jornal Minas Gerais, 14 de novembro de 1907, p. 5, col. 3. O artigo é uma publicação de carta escrita por Diogo de Vasconcelos e endereçada a Gabriel Santos. 33 SECRETARIA DA AGRICULTURA, [...], 1926, op. cit., p. 102. 34 Jornal Minas Gerais, 18 de agosto de 1907, p. 5, col. 1. 35 Jornal Minas Gerais, 14 de novembro de 1907, p. 5, col. 3. Grifo no original. 36 Político, advogado, historiador e acadêmico, Diogo Luis de Almeida Pereira de Vasconcelos nasceu em Mariana, Minas Gerais, a 8 de maio de 1843. Foi deputado provincial por diversos mandatos e deputado da Câmara do Império. A partir do início da República dedicou-se à advocacia e à pesquisa histórica, sendo um dos fundadores e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Depois de 1918, foi senador mineiro até 1927, falecendo no exercício do mandato, em Belo Horizonte, a 17 de junho daquele ano (MONTEIRO, 1994).

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Vasconcelos fechou os olhos em [18]52. O governo emancipou os africanos; e o Jardim

passou à categoria de roupa de francês até que por último está arrasado” 37. Ao que tudo

indica, o estabelecimento foi fechado somente em 1864, o que “testemunha a utilidade que

teve, e a influência benéfica, que, pela proximidade da Capital, lhe veio de uma solicitude

mais imediata dos administradores.” 38.

Assim, concordando com Faria, em que pese essas duas experiências de ensino

agrícola, foi mesmo a República que se apropriou do discurso da modernidade, sendo o setor

agropecuário o destinatário daquele tipo de formação (FARIA, 1992). Em 1891, ao criar as

secretarias de governo39, o Congresso Mineiro estabeleceu a secretaria da Agricultura, que

teria a seu cargo “a agricultura, as minas, o comércio, as obras públicas, as indústrias, terras,

colonização, imigração, catequese dos índios, os correios, telégrafos, privilégios, estatística e

recenseamento da população.” (art. 5º). Quando da sua regulamentação 40, a secretaria teve

sob sua responsabilidade o ensino profissional, agrícola e industrial, enquanto a instrução

pública ficou a cargo da secretaria do Interior e Justiça. Tal fato aponta para a efetiva inserção

do ensino agrícola, “sob a forma declarada de qualificação da mão-de-obra, ao contexto da

produção capitalista” (FARIA, 1992, p. 227).

Em 1892, o então presidente do Estado, Afonso Pena41, reformou a instrução pública42.

Tratou, além da instrução primária e da constituição de um conselho superior, do ensino

profissional, que compreendia, no corpo da lei: as Escolas Normais, o ensino agrícola e

zootécnico, o curso de agrimensura, o ensino comercial e a Escola de Farmácia de Ouro Preto.

No tocante ao ensino agrícola e zootécnico, criou quatro institutos: os agronômicos de Itabira

e de Leopoldina e os zootécnicos de Uberaba e Campanha. Destes, a literatura indica que

apenas os Institutos de Itabira e Uberaba tiveram existência concreta (BOTELHO, 2009;

FARIA, 1992), sendo que o primeiro surgiu da transformação da Escola Agrícola de Itabira,

citada anteriormente. Esta reforma, “com marcas positivistas e nítidas influências

enciclopedistas” colocou o ensino, de maneira geral, “sob o patrocínio do Estado, sem que

fosse privilégio deste” (FARIA, 1992, p. 225).

Em 1893, a lei n. 73, de 27 de julho, autorizou o governo estadual a executar

37 Jornal Minas Gerais, 14 de novembro de 1907, p. 5, col. 3. 38 Jornal Minas Gerais, 18 de agosto de 1907, p. 5, col. 1. 39 Lei n. 6, de 16 de outubro de 1891. 40 Decreto n. 588, de 26 de agosto de 1892. 41 Político do Império, Afonso Augusto Moreira Pena foi professor e advogado, defendendo a causa dos escravos, em Barbacena. Exerceu mandato de deputado provincial, geral, participou de diversos gabinetes, sendo inclusive Ministro da Agricultura. Na República, foi senador do Estado, presidente de Minas Gerais (1892-1894), vice-presidente do país e, finalmente, presidente da Nação (1906-1909), cargo no qual faleceu. 42 Lei n. 41, de 3 de agosto de 1892.

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gradativamente a lei 41/1892, expedindo o regulamento do ensino agrícola e zootécnico. Esta

lei estabeleceu que o governo estadual poderia subvencionar

“estações agronômicas e instituições de ensino agrícola, tais como fazendas-modelo e escolas de agricultura em geral ou de cultivo ou utilização de uma cultura especial como vinho, cana de açúcar, chá, etc, ou destinada à industria pastoril ou especializadas para algum dos seus ramos, gado lanígero, bovino, etc, fundadas e mantidas pelos municípios” (art. 2º).

Portanto, essa primeira iniciativa republicana deixou às municipalidades a promoção

do ensino agrícola, do tipo prático, vinculado à produção agrícola. Isto estava em consonância

com a visão da época de que o ensino técnico e profissional tinha custos muitos elevados.

Alem disso, tendo o governo estadual sancionado uma lei que instituiu estabelecimentos

agrícolas e zootécnicos teórico-práticos, não poderia arcar com o ensino prático, que visava

diretamente o desenvolvimento da produção. Restaria então, à iniciativa municipal, auxiliada

pelo governo estadual, ministrar este tipo de ensino, bem como a pesquisa – a experimentação

agrícola de aclimatação de plantas e animais ao ambiente das Minas Gerais, que poderia dar-

se em estações agronômicas. Não encontrei, contudo, informações sobre a implantação desta

lei.

Em 1894 vários textos legislativos referentes ao ensino agrícola foram publicados,

ainda durante o mandato do presidente Afonso Pena. Quatro leis criaram seis instituições: as

Escolas Agrícolas nas cidades de Oliveira, Entre Rios43, Teófilo Otoni, Ponte Nova44 e em Rio

Manso, município de Diamantina45; e uma Fazenda-Escola, no município de Curvelo46. As

escolas agrícolas foram instituídas legalmente nos moldes dos Institutos Agronômicos criados

com a lei n. 41/1892. Nesse sentido, o ensino ministrado naqueles estabelecimentos deveria

ser também de cunho teórico-prático. Quanto à Fazenda-Escola, deter-me-ei à sua proposição

e elaboração da lei, que explicitou os diferentes interesses que estavam em jogo no Congresso

Legislativo mineiro. Destinada “ao ensino prático da agricultura e indústria pastoril” a

Fazenda-Escola de Curvelo deveria ser “dotada de campo de experiência e estábulos

construídos com as acomodações necessárias para a boa higiene do gado de todo o gênero,

especialmente o vacum e lanígero” (Lei n. 104/1894, art. 1º). Em seu artigo 2.º, era criado

“junto à Fazenda Escola sortido depósito de máquinas agrícolas que serão fornecidas à

lavoura do distrito da mesma escola, pelo custo e carreto”.

Parece-me que já há, aqui, um embrião do que se projetaria para as fazendas-modelo, 43 Lei n. 103, de 24 de junho de 1894. 44 Lei n. 113, de 25 de julho de 1894. 45 Lei n. 114, de 25 de julho de 1894. 46 Lei n. 104, de 24 de junho de 1894.

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para as quais entendo que se previa uma atuação como “polos de desenvolvimento regional”,

como demonstrarei no Capítulo 3. A Fazenda-Escola de Curvelo, além de ministrar o ensino

agrícola, deveria realizar experiências agrícolas, a aclimatação de gado e fornecer aos

fazendeiros da região máquinas agrícolas, constituindo-se um centro irradiador do progresso

na região de Curvelo. Reforça essa minha percepção o art. 3.º, que previa que o diretor da

referida Fazenda Escola teria sob sua responsabilidade um “distrito agronômico onde esse

profissional exercerá ativa propaganda experimental, escrita e verbal”.

Há que se destacar duas assertivas a partir desta discussão. Primeiramente, percebo

que havia um vínculo estreito entre ensino e propaganda ou divulgação agrícola, termos que

ainda por algum tempo serão praticamente sinônimos. De fato, Oliver afirma que

“o ensino agrícola passaria a ser sinônimo da divulgação do progresso nas fazendas. Estaria vinculado a um discurso sobre a falta de conhecimentos dos agricultores sobre a sua prática, dado o progresso já estabelecido pelas investigações agronômicas em fins do século XIX” (OLIVER, 2009, p. 53).

Em segundo lugar, o ensino prático estava vinculado, em fins do século XIX, pelo

menos em Minas Gerais, à produção, e deveria a aprendizagem ocorrer em fazendas-modelo,

estações agronômicas e campos de experiência e de demonstração. Nesse sentido, o estudo da

produção da lei 104/1894 é revelador quanto aos interesses que estavam em jogo na

proposição de uma instituição de ensino agrícola prático na cidade de Curvelo. Pretendo, aqui,

revelar a estreita vinculação entre ensino agrícola, produção e modernização. O projeto que

deu origem à referida lei foi proposto por um deputado da região, Viriato Diniz Mascarenhas47

que, como fazendeiro, introduziu no Estado algumas técnicas modernas de exploração

agropecuária, sendo também pioneiro na importação do gado zebu da Índia. Além disso, esse

deputado figurou “entre os fundadores e primeiros diretores da Companhia de Fiação e Tecido

Cedro e Cachoeira” (MONTEIRO, 1994, p. 402).

Seu projeto previa inicialmente não uma Fazenda-Escola no município, mas sim uma

escola agronômica. Na discussão seguinte, o mesmo deputado apresentou um substitutivo ao

seu projeto, no qual propôs não mais uma escola, mas uma estação agronômica.

Diversamente, porém, o texto aprovado tratou de fundar uma Fazenda-Escola. Pode parecer

enfadonho a enumeração dessas diversas denominações que foram propostas, até obter-se o

nome final do estabelecimento. Contudo, esse rol traz indicações interessantes. Frederico M. 47 “Político, advogado, fazendeiro e industrial, nasceu em Tabuleiro Grande, Município de Curvelo, Província de Minas Gerais (atual cidade de Paraopeba), a 21 de abril de 1862, e faleceu na cidade de Curvelo, a 19 de julho 1910.” (Monteiro, 1994, p. 402). Foi promotor público da Comarca de Sete Lagoas; iniciou-se na carreira política em 1891, como deputado estadual constituinte e depois na 1ª legislatura (1891-1895). Foi também deputado federal da 4ª à 6ª legislaturas (1900-1908). Pertenceu ao PRM (MONTEIRO, 1994).

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Draenert, que foi diretor do Instituto Zootécnico de Uberaba, em artigo publicado na Revista

Industrial de Minas Gerais, afirmou que se confundiam “escolas práticas com estações

agronômicas ou se exigem que estas escolas sejam simultaneamente estações agronômicas,

uma cousa híbrida, cuja existência é impossível” 48. Para este intelectual, os conhecimentos

rudimentares ou elementares não eram suficientes para efetivar a intensificação da produção

agrícola, pois somente nas “escolas teóricas e superiores de agricultura, as agronômicas, se

aprendem” os conhecimentos científicos necessários àquele fim, “e nas estações agronômicas

de uma região se experimentam a sua aplicação ou localização”49.

Ao apresentar o projeto de criação de uma escola agronômica, Viriato Mascarenhas

teria que competir com vários outros projetos em tramitação, que também acabariam por criar

escolas agrícolas em diversos municípios mineiros. Além disso, ele pode ter sofrido algum

tipo de restrição à sua proposta, pois uma escola agronômica poderia significar a mesma coisa

que instituto agronômico, e a lei 41/1892 já havia criado dois. Apresentando, por meio do

substitutivo, a proposta de criação de uma estação agronômica, modificou o cerne de seu

projeto, pois a ênfase recairia agora na pesquisa aplicada. E, finalmente, ao aprovar o texto

legislativo, o Congresso Legislativo optou por uma fazenda-escola, esperando obter o mesmo

resultado da estação agronômica, além da divulgação agrícola, mas com um custeio bem mais

econômico. Nos seus discursos, Viriato Mascarenhas considerava que tal instituição visava

“tão somente acudir a lavoura agonizante e a indústria pastoril nascente entre nós, criando ali

um exemplo vivo dos elementos com que podem contar essas indústrias para a sua

reabilitação, e sacudir para bem longe, esse marasmo de que são presa” 50. Para dar

legitimidade à sua proposição, invocou a pretensão da província mineira de se criar uma

escola agrícola na cidade, quando da aprovação de uma lei, que implantava escolas agrícolas

nos vales dos rios Piracicaba, das Velhas e Verde, em 1875. Assim, afirmou que “as condições

necessárias para a fundação d'uma escola agrícola no município eram conhecidas e estudadas,

sendo como se vê esse ponto uma verdade de que ninguém mais duvida” 51. Porém, essa

retórica escondia outros interesses.

Dando prosseguimento ao seu raciocínio, argumentou que, não sendo a ideia nova,

porém, no momento, mais do que outrora, teria “o município do Curvelo [...] maior

necessidade de meios de vida de outra ordem, compatíveis com as condições da atualidade”52.

48 Revista Industrial de Minas Gerais, 15 de junho de 1894, p. 230. 49 Revista Industrial de Minas Gerais, 15 de junho de 1894, p. 230. 50 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 344. 51 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 345. 52 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 345.

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Fez alusão à necessidade de modernizar a produção agrícola, com vistas a atingir maior

produtividade para as lavouras e também acusou o precário estado das lavouras de cereais, e a

necessidade de importação de gêneros alimentícios, que tinha relações diretas com a

prioridade dada à produção do café. A partir daqui, seu discurso começa a ganhar significado

no contexto produtivo da região.

“Lembrando” da lavoura de algodão no município de Curvelo, considerava-a uma das

principais, por ser a que fornecia matéria-prima para as fábricas de tecidos, que “têm-se

desenvolvido mais do que em parte alguma do Estado [...] com muito bons resultados

práticos” 53. Indicava, porém, uma diminuição dessa lavoura no município, devido a uma

praga de lagartas que atacava os algodoeiros. Isto estaria, segundo Mascarenhas, concorrendo

“para o seu abandono - uns pelo receio de ver completamente frustrados dum dia para outro

os seus esforços e capitais empregados - e outros pela ruína que semelhante praga lhes cause,

a ponto de não poderem mais prosseguir neste ramo de atividade humana” 54.

Astutamente, Viriato Mascarenhas tentou sensibilizar a Câmara, despertando-a para a

necessidade de investimentos em pesquisas localizadas, específicas – e sua divulgação – que

visassem diretamente à produção. Dada a tramitação de diversos projetos de criação de

escolas agrícolas, como já mencionei, o Congresso Mineiro poderia contemplar diversas

cidades mineiras, mas não todas. Comparando o desenvolvimento da lavoura de algodão em

Minas e nos Estados Unidos, e apelando para o progresso do Estado, afirmou ainda o

deputado e industrial que

“no município do Curvelo esse desânimo já vai tocando o seu auge e a lavoura do algodão está quase extinta, de modo que as fabricas ali existentes tem-se visto obrigadas a importarem o algodão como matéria, da Bahia e de Pernambuco em quantidade superior a mais de duas terças partes para o consumo indispensável das mesmas, quando no município a produção do algodão era considerável” 55.

Finalmente, ao comparar o governo mineiro ao do Estado de Pernambuco, que,

realizando experiências agrícolas, havia conseguido debelar a praga dos algodoeiros,

questionou: “Mas, entre nós, qual a providência até hoje tomada? Absolutamente nenhuma. O

governo tem meios para isto? Não, porque até hoje vê-se ele preso ao poste da rotina,

esperando que da Providencia Divina venha o remédio.”56. Para dar sustentação ao seu

discurso, e talvez desviar o foco de atenções da cultura do algodão, da qual sua família era

53 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 345. 54 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 345. 55 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 345. 56 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1894, p. 346.

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diretamente beneficiada, discorreu ainda sobre a necessidade de animar a “indústria sacarina”

e a da extração do polvilho da mandioca, a primeira também atacada por pragas e a outra,

nascente ainda.

Sobre a fazenda-escola, não pude saber se funcionou enquanto tal. Apenas posso

indicar que nada constou sobre ela no relatório de Henri Gorceix, inspetor do ensino agrícola

em Minas Gerais, publicado em 1897. Mas ficou-me evidente, pela fala de Viriato

Mascarenhas, que a sua proposição de unificar o ambiente de produção – a fazenda – com a

escola, estava intimamente comprometida com o desenvolvimento das indústrias mineiras,

especificamente com a indústria têxtil, e que a pesquisa científica era, nessa perspectiva,

fundamental, mas apenas na medida em que traria resultados imediatos aos problemas de

suprimento de matérias-primas para as indústrias da até hoje influente família Mascarenhas,

“tão poderosos em política quanto na indústria, de que se tornaram pioneiros e líderes”

(HORTA, 1956, p. 89). Essa concepção, portanto, estava estreitamente vinculada à produção

econômica, e é reveladora do sentido atribuído ao ensino agrícola, mais prático do que

teórico. Esse sentido é o que eu vejo também na proposição anterior, da lei 73/1893, que

deixou à iniciativa municipal a promoção de fazendas-modelo: um ensino apenas prático, que

produzisse conhecimentos e os divulgasse, conhecimentos estreitamente vinculados à

produção.

Em 1895 Bias Fortes57, que sucedeu a Afonso Pena na presidência do Estado, realizou

uma reforma do ensino profissional, agrícola e zootécnico. Pela lei n. 14058, todas as

instituições criadas por Afonso Pena foram transformadas em Campos de Demonstração ou

campos práticos, com exceção do Instituto Agronômico de Itabira e Zootécnico de Uberaba.

Em 1896, estes campos práticos foram regulamentados59. A análise dessas instituições será

retomada em dois momentos diferentes, neste e no próximo capítulo. Por ora, referir-me-ei

apenas à relação desses campos de demonstração com a modernização, explicitando uma

parte do caminho percorrido pelas elites na tentativa de fazer um ensino agrícola a serviço das

suas necessidades econômicas e políticas.

57 Político, magistrado, advogado, promotor e fazendeiro, Crispim Jacques Bias Fortes nasceu em Livramento, distrito de Barbacena, Província de Minas Gerais (hoje cidade de Oliveira Fortes), a 2 de outubro de 1847. Foi deputado provincial, chefe do Governo Provisório republicano mineiro, senador estadual (1891; 1899-1917) e presidente do Estado (1894-1898). No governo, “procurou, dentro de uma política que definiu como de ‘aplicação econômica do produto do imposto’, desenvolver a agricultura, atraindo imigrantes para a lavoura e para o povoamento das terras incultas, ao mesmo tempo que cuidava de reformar o ensino agrícola e veterinário” (MONTEIRO, 1994, p. 260). Faleceu em Barbacena a 14 de maio de 1917 (MONTEIRO, 1994). 58 Lei n. 140, de 20 de julho de 1895. Reforma o ensino agrícola e zootécnico do Estado e cria três feiras de gado. 59 Decreto n. 960, de 22 de agosto de 1896.

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Apenas três desses campos tiveram uma existência real: o de Oliveira, de Entre Rios e

de Belo Horizonte (GORCEIX, 1897). Esses campos significaram uma orientação política de

se investir num ensino mais prático do que teórico, como será explicitado no próximo item

deste capítulo, revelando que ganhavam força e coerência as proposições que alguns anos

mais tarde seriam o centro do ensino agrícola colocado em prática por João Pinheiro.

Acompanhei algumas discussões que se deram em torno dos campos de demonstração,

por meio da Revista Industrial de Minas Gerais. De acordo com um articulista desta revista,

Paula Cunha, em artigo sobre campos de experiências ou de ensaios e de demonstração, estes

últimos seriam “granja[s] onde um agricultor instruído e prático faz diversas culturas

sujeitando-se às regras emanadas do campo de ensaios, a fim de ensiná-las a quem quiser

aprendê-las, e tornar intuitivas e palpáveis as vantagens que provêem da sua observância” .

Para este autor, “o progresso e o alargamento da exploração agrícola aqui, como em todo o

Brasil, depende de vários e complexos problemas, cuja resolução acha-se completamente fora

do alcance dos lavradores, a quem não é permitido aventurar capital ou tempo” 60.

Os problemas da agricultura eram tidos como complexos, e o lavrador, mesmo aquele

que era instruído ou ilustrado, era incapaz de resolvê-los. Ou porque não possuía tempo nem

capital para “aventurar-se” – o Estado era quem deveria correr riscos, não os particulares –

como dizia o Paula Cunha; ou porque a sua cultura, dita rotineira, não servia à modernização

que se pretendia, e deveria ser substituída pelas luzes do progresso e da ciência agrícola.

Aqui, é mister elucidar a proximidade entre os termos agricultor, lavrador e criador,

bem como sentido atribuído a eles. Em certo sentido, os termos agricultor – lavrador ou

criador –, representavam aqueles que lidavam com a terra ou com a pecuária, independente da

posse ou não da propriedade da terra. Um agricultor tanto podia ser um rico fazendeiro quanto

um médio ou pequeno proprietário, ou até mesmo um posseiro ou meeiro. Observei nas

diversas fontes com as quais lidei durante a pesquisa que esses termos eram usados

indistintamente, nos casos acima referidos. O uso que o articulista Paula Cunha faz do termo

lavrador na citação acima, indicando que eles poderiam possuir capital, exemplifica esse

sentido. Já os trabalhadores agrícolas eram em geral denominados camaradas ou operários

agrícolas.

Retornando aos campos de demonstração, Henri Gorceix indicou que o campo de

Oliveira foi instalado em novembro de 1896, numa propriedade de mais de 150 alqueires

situada a 15 minutos pela estrada de ferro da cidade de Oliveira e que possuía “casas e uma

60 Revista Industrial de Minas Gerais, 15 de março de 1893, p. 44.

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queda d’água”. Durante a sua curta existência, o campo foi dirigido por Emile Masson, um

engenheiro agrônomo francês formado pelo Institute Agronomique de Paris, contratado pelo

próprio Gorceix e que havia sido “professor da escola prática de agricultura de Granjouan”

(GORCEIX, 1897, p. 7). O diretor do campo de demonstração era auxiliado por outro francês,

sr. Dubin, “contratado como chefe de culturas e criação” (GORCEIX, 1897, p. 7).

Sobre o campo de demonstração de Belo Horizonte, Gorceix instalou-o na fazenda

do Leitão, de propriedade do governo estadual que “prestava-se bem à instalação de um

campo prático com o fim especial da viticultura, horticultura e arboricultura podendo-se

desde já instalar viveiros de vinhas e arvores frutíferas” (GORCEIX, 1897, p. 7). Foi

encarregado deste campo o agrônomo Leon Quest, em novembro de 1896, também

contratado por Gorceix na Franca e formado pela Escola de Agricultura de Montepellier. Até

maio de 1897, quando foi publicado o relatório de Gorceix, este campo já tinha admitido três

aprendizes, “dois filhos do laborioso vinhateiro Leandro Arantes e outro filho do finado Dr.

Bernardo Guimarães” (GORCEIX, 1897, p. 7). É sugestivo o comentário que Gorceix fez

dessas três admissões:

“não posso deixar passar a ocasião sem lembrar o exemplo digno de elogios dado pelas famílias desses moços que, rompendo com certos preconceitos que não deveriam existir numa sociedade democratamente organizada, não hesitaram a dar-lhes uma instrução prática adquirida pelo trabalho manual que fará deles operários agrícolas instruídos da qualidade que talvez mais falta faz ao Estado de Minas! Um outro filho do Dr. Bernardo Guimarães já com uma instrução muito superior a exigida pelo regulamento, tendo 4 preparatórios foi também admitido como aprendiz no campo prático de Oliveira” (GORCEIX, 1997, p. 7).

No campo de Belo Horizonte foram feitas diversas plantações como as de milho,

batatas-doce, vinha, feijão, aveia, além de obras como canais de irrigação e drenagens. Henri

Gorceix finalizou o relato dizendo que

“em menos de seis meses o Sr. Agrônomo Léon Quest preparou campos de experiências e de demonstração que já mostram sua proficiência e que certamente são já interessantes e instrutivos e permitem esperar-se que brevemente haverá perto da nova Capital um estabelecimento modelo de horticultura, arboricultura e viticultura, cujos serviços compensarão largamente as despesas efetuadas” (GORCEIX, 1897, p. 10).

O campo de demonstração de Entre Rios, ao contrário dos outros dois, teve vários

problemas no início de sua implantação. Henri Gorceix indicou, por exemplo, que algumas

plantações foram feitas primeiro em caráter de demonstração em detrimento das

experiências, o que redundou em fracasso. O inspetor do ensino agrícola havia apontado, em

relatório,

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“os defeitos que notei na direção dada a certas culturas como da alfafa, trevo, lupulina, serradura e mesmo batatas estrangeiras que antes de serem feitas experimentalmente tinham sido empreendidas em grande escala e como demonstração. O resultado desastroso dessas culturas tem provado quanto bem fundados eram meus receios. Como se vê dos diversos relatórios que vos foram apresentados as batatas colhidas quase em um hectare de terreno não compensaram nem sequer as compras de sementes, a alfafa, o trevo, a serradura e a lupulina que em março se encontrou um pé de cada uma dessas plantas! Este mau sucesso, alem de prejuízo material causado ao Estado, tem ainda o grande inconveniente de ter, desde o principio, lançado um certo descrédito sobre os métodos novos de culturas que precisa-se introduzir no país, aos quais o público, conhecendo incompletamente a questão, pode atribuir, sem razão, os péssimos resultados obtidos” (GORCEIX, 1897, p. 10, grifo do autor).

Este comentário de Gorceix é revelador da concepção que o então inspetor geral do

ensino agrícola possuía da mudança de hábitos e mentalidade da população rural. Não

poderiam haver insucessos nos campos de demonstração, para não serem atribuidos às

modernas técnicas agrícolas. Essa avaliação foi de certa forma incorporada por João Pinheiro

quando este implantou as fazendas-modelo, como mostrarei mais adiante. Como medida que

sanaria os problemas do campo de demonstração, Gorceix considerou

“absolutamente necessário colocar-se na direção definitiva deste estabelecimento um agrônomo prático tendo também uma instrução científica suficiente para dirigir todos os serviços de um modo racional e dar-lhe a importância que ele deve ter para o desenvolvimento da agricultura na região onde se acha localizado” (GORCEIX, 1897, p. 11).

Em relação ao Instituto de Itabira, Gorceix foi contundente: concluiu que “melhor era

fechá-lo imediatamente que deixá-lo continuar nas condições onde se achava desde a sua

criação!” (GORCEIX, 1897, p. 11, grifos do autor). Para o inspetor, “se o ensino deve

limitar-se a lições orais versando a maior parte sobre questões gerais da agricultura na

Europa melhor será transformar o instituto em campo prático de experiências e

demonstração com escola de aprendizes!” (GORCEIX, 1897, p. 11). Henri Gorceix

considerava que os estabelecimentos de ensino prático seriam os únicos “atualmente úteis e

necessários a se organizar no Estado” (GORCEIX, 1897, p. 11).

Pouco tempo depois desse relatório o presidente Silviano Brandão61, por meio de um

ato executivo62, colocou fim às primeiras experiências republicanas de ensino agrícola em

61 Político, médico e professor, Francisco Silviano de Almeida Brandão nasceu em Santana do Sapucaí, Distrito de Campanha, MG (hoje cidade de Silvianópolis). Foi deputado geral do Império (1881-1884), senador constituinte mineiro (1891-1892), secretário do Interior (1892-1894), senador estadual (1895-1898) e presidente do Estado (1898-1902). Foi eleito vice-presidente da República para o quatriênio 1902-1906, mas faleceu antes de tomar posse, em Belo Horizonte, a 25 de setembro de 1902. 62 Decreto nº 1.191, de 4 de outubro de 1898. Dispensa o pessoal docente e administrativo dos estabelecimentos agrícolas do Estado.

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Minas Gerais. No relatório de 1897, Henri Gorceix apontou com muita clareza as dificuldades

de se introduzir em Minas o ensino agrícola tal como ele acreditava ser útil ao Estado. Porém,

mesmo diante das dificuldades, avaliou como necessária a “conservação de dois institutos

com o caráter de Escolas Práticas, a criação de seis campos de experiência e de demonstração

com escolas de aprendizagem, e de um laboratório de análises químicas e microscópicas”

(GORCEIX, 1897, p. 41, grifos do autor).

Contudo, Silviano Brandão justificou a medida pela “urgente necessidade [de]

reorganização do ensino agrícola, dando-se um cunho mais prático e de maior utilidade à

instrução ministrada nos estabelecimentos mantidos pelo Estado” (artigo único). Essa

reorganização não se deu naquele momento, e tal justificativa reforça a minha percepção de

que os campos de demonstração, mesmo enfatizando o aprendizado pelo trabalho, e a despeito

da avaliação de Gorceix, eram ainda “demasiadamente” teóricos para os fins pretendidos

pelas elites mineiras e, talvez, para os recursos do Estado, que estava entrando em uma crise

fiscal, devido sobretudo ao café.

O decreto dispensando os docentes e funcionários administrativos dos campos de

demonstração e institutos agrícola zootécnico pegou de surpresa a cidade de Itabira, sede do

único instituto agrícola em funcionamento, de acordo com Jorge Botelho (2009). Um jornal

da cidade assim se manifestou: “de fato, tão emocionante notícia transmitida pelo telégrafo,

sem que se pudesse então conhecer, os motivos determinativos da supressão, como era

natural, foi um golpe inesperado que a todos levou o desânimo e a descrença” (CORREIO DE

ITABIRA, 1898, p. 1 apud BOTELHO, 2009, p. 96). Assim, pergunto-me sobre quais seriam,

de fato, os motivos de tão abrupta interrupção.

A análise de Jorge Botelho, centrada no Instituto Agronômico de Itabira, não captou de

forma ampla o fim das instituições de ensino agrícola republicanas do século XIX. Mas, por

meio de sua dissertação e a partir de outras fontes e estudos mais aprofundados sobre a

economia e a política mineiras do período, é possível fazer algumas inferências. O secretario

da Agricultura Américo Werneck, em relatório apresentado ao presidente Silviano Brandão

em 1899, justificou o fechamento das instituições de ensino agrícola alegando que a forma

como este estava organizado

“não correspondia de modo algum aos intuitos do governo passado. Nenhum resultado sério deram os campos de experiência e os institutos fundados em Itabira e Uberaba, apesar de dispender anualmente com sua manutenção a quantia de 200.000$000. Conclusões sem caráter comercial, luxuosos laboratórios sem trabalho, cultura mal dirigida no meio da indiferença completa dos lavradores, relatórios cheios de esperanças, organizações de planos gigantescos, muita plantação de hortaliças, receitas fantásticas, despesas não autorizadas, sacrifícios estéreis, indisciplina no professorado, experiências irrisórias – eis tudo quanto se ganhou.

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Com a centésima parte dos recursos, modestos lavradores tem prestado serviços melhores à divulgação do ensino agrícola” (WERNECK, 1899, p. 18-26 apud FARIA, 1992, p. 231).

Já em 1893 um artigo da Revista Industrial de Minas Gerais advertia que “a

experiência tem provado à sociedade que são nulos ou quase nulos os resultados do ensino

ministrado pelas escolas agrícolas ou institutos agronômicos” 63. Botelho (2009) aponta que

as dificuldades financeiras do Estado refletiam no Instituto de Itabira, dificuldades estas

apreendidas com base apenas nos discursos dos políticos mineiros, o que, de resto, foi

recorrente durante todo o período abrangido por esta pesquisa. Contudo, assinala que “no

espaço de tempo compreendido entre 1895 e 1898, poucos alunos se inscreveram e, em

algumas datas, nenhuma inscrição foi feita, mesmo tendo o prazo sido prorrogado”

(BOTELHO, 2009, p. 97). Sem informar o número total de inscritos durante o período, Jorge

Botelho assinala somente que dois foram os engenheiros agrônomos formados pelo Instituto,

durante a sua efêmera existência. Para este autor, “a falta de condições para alojar professores

e alunos - associada à dificuldade em atrair os alunos dos grandes centros - justifica o número

cada vez mais reduzido de candidatos à matrícula.” (BOTELHO, 2009, p. 103). O autor

elenca ainda o rigor dos exames preparatórios e a distância do Instituto em relação à sede do

município, localizado em uma fazenda, como empecilhos à efetivação de matrículas.

Botelho percebe ainda que

“o Instituto Agronômico de Itabira vinha apresentando algumas irregularidades quanto ao prazo de pagamento de funcionários e gastos que não estavam propostos no contrato. Além disso, havia falta de organização quanto ao cumprimento dos prazos para envio das contas a serem pagas”, inferindo que “a causa do fechamento do Instituto não se deveu apenas à falta de êxito na viabilização da proposta, mas também ao fato de que a aposta no ensino teórico trouxe ônus para o governo, cujo retorno era incompatível com os gastos gerados pelo Instituto.” (BOTELHO, 2009, p. 103).

De acordo com Maria Auxiliadora Faria, e conforme pude apurar no documento

original, Daniel Serapião de Carvalho apresentou uma avaliação crítica ao governo mineiro

em 1925, quando era secretário da Agricultura, na qual atribuiu o fechamento dos institutos de

Itabira e Uberaba à crise econômico-financeira e não exatamente aos estabelecimentos. “A

esse fator, se somou o 'severo julgamento' de Américo Werneck, contribuindo, decisivamente,

para a 'desmoralização e abandono total do ensino agrícola', pelo menos até a realização do

Congresso de 1903.” (FARIA, 1992, p. 232).

De resto, é possível pensar em uma conjunção de fatores. Provavelmente o fim da

63 Revista Industrial de Minas Gerais, ano 1, n. 2, 15 de novembro de 1893. Artigo assinado por Paula Cunha.

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política de ensino agrícola relacionou-se às dificuldades econômicas do Estado, que, por sua

vez, estavam ligadas à grave crise econômica do final do século XIX, em que a superprodução

do café aliada às significativas baixas no preço da mercadoria reduziu consideravelmente os

recursos do Estado (WIRTH, 1982). Por outro lado, as dificuldades intrínsecas ao Instituto

Agronômico de Itabira, apontadas por Botelho e por Henri Gorceix para a efetivação do

ensino agronômico naquela instituição, indicam que o julgamento de Werneck pode não ter

sido tão severo e que estas dificuldades podem ter sido, em parte, extensivas aos campos de

demonstração. Alia-se a esses dois fatores a inexperiência do governo em lidar com o ensino

superior estatal, visto o ineditismo da experiência, em nível estadual. Além disso, esses

estabelecimentos – institutos agrícola e zootécnico e campos de demonstração – podem não

ter atendido às demandas dos setores mais dinâmicos da economia mineira. O ensino mais

teórico do que prático era, ainda, uma remota possibilidade em Minas Gerais.

O fim dos campos de demonstração e dos institutos zootécnico e agronômico marcou

também o término do trabalho de propaganda agrícola desenvolvido pelos regentes agrícolas

portugueses, significando uma interrupção da política de ensino agrícola traçada em 1892.

Essa política foi retomada cinco anos depois dessa interrupção, a partir do Congresso

Agrícola, Industrial e Comercial, ocorrido em 1903, ao qual já fiz referência no primeiro item

deste capítulo.

Otávio Dulci, ao estudar diversos documentos relativos ao Congresso Agrícola, se

esforça em “identificar os laços e as tensões que se observavam entre o Estado, a elite política

e o mundo da produção numa fase de grande inquietação econômica no país” (DULCI, 2005,

p. 120). O autor revela ainda que, diante da baixa do café, os congressistas de 1903 defendiam

o estímulo à policultura, à diversificação da economia. E reivindicavam o “auxilio indireto”

do Estado à iniciativa privada, formulando “medidas de política nacional”, não se limitando

ao nível regional (DULCI, 2005, p. 121).

Dulci ressalta ainda, como efeito político do Congresso de 1903, o seu significado de

“marco de uma estratégia da cúpula política mineira para ganhar espaço no cenário nacional”,

alcançando “pela primeira vez a presidência da República, com a candidatura de Afonso

Pena” (DULCI, 2005, p. 122). As proposições de ensino agrícola emanadas desse congresso

apontaram claramente para uma opção mais prática de ensino agrícola, e mais pragmática

também.

As teses aprovadas pela Comissão Fundamental do Congresso Agrícola, Comercial e

Industrial de 1903 indicaram para uma mesma direção, independente de se tratar do café, da

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pecuária ou do desenvolvimento da policultura: a necessidade do ensino profissional e da

mecanização e adoção de processos modernos na lida com as culturas e criações. A comissão

indicava, por exemplo, na conclusão de número 15, “a criação de uma escola prática de

agricultura e zootecnia onde seja dispensada instrução teórica e prática dessas matérias,

adotado o tipo da ‘Escola de Agricultura e Ganaderia prática’ de Córdoba” (FUNDAÇÃO JP,

1981, p. 128). A Comissão indicou também a criação de uma seção técnica de agricultura

(conclusão nº 33), e a criação de uma estação agronômica de viti e vinicultura e de um serviço

de ensino ambulante para essas culturas (conclusões nºs 43 e 44). Um dos membros da

Comissão, encarregado de discutir e apresentar à mesma Comissão Fundamental as teses

sobre ensino profissional e agrícola indicou que este ensino deveria ser organizado

“primeiramente sob o ponto de vista prático, para que possa dar logo os primeiros resultados,

vindo em seguida na forma superior, quando for de noção corrente, entre os agricultores, a

aplicação dos processos mecânicos da cultura” (FUNDAÇÃO JP, 1981, p. 143).

Contudo, as considerações mais interessantes, para esta dissertação, dizem respeito

não ao ensino agrícola, mas ao ensino zootécnico e de veterinária. Carlos Pereira de Sá

Fortes64, responsável por discorrer sobre a indústria pastoril indicou que

“instrução e produção são os fatores da riqueza de um povo. [...] A falta de instrução é o empirismo e a rotina infecundos e estéreis, que muitas vezes degradam e humilham o povo, conduzindo-o às raias do cretinismo e da imbecilidade; a falta de produção vantajosa é a origem da miséria e da pobreza do povo, é o caminho que o leva ao aniquilamento e à absorção pelo mais forte” (FUNDAÇÃO JP, 1981, p. 186).

Carlos de Sá Fortes acreditava também que não estava entre aqueles que

“pensam que tudo deve partir do Governo; porém, no seio de um povo novo, composto em sua grande maioria de analfabetos e semi-analfabetos, que nem ao menos sabem querer, porque ignoti nulla cupido, entendemos que cabe ao Governo o dever de assentar as bases sobre que tem de ser construído, o edifício de sua grandeza futura” (FUNDAÇÃO JP, 1981, p. 186).

O mesmo considerava ainda que a instrução técnica e profissional “deveria ser

ministrada em escolas e institutos à mocidade que tem de formar a futura geração de

agricultores e industriais” (FUNDAÇÃO JP, 1981, p. 186). Ele indicou como medidas

necessárias a criação de uma Escola Superior de Agronomia no Estado; a difusão do ensino

prático por instrutores ambulantes; a implantação de centros criadores, onde seriam

vulgarizadas as noções práticas de veterinária; a criação de uma escola de agricultura e

zootecnia, com ensino teórico-prático.

64 Não consegui obter dados biográficos desse representante das classes conservadoras mineiras.

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As teses aprovadas pelo Congresso Agrícola foram objeto da preocupação do

Congresso Legislativo mineiro. Em junho de 1903, logo em seguida à realização do

Congresso Agrícola, iniciou-se a tramitação de dois projetos que propunham prêmios

agrícolas e pastoris, auxiliando indiretamente a produção, ou seja, a própria elite da qual os

deputados faziam parte. Os dois projetos abarcavam, então, somente pequena parte das

resoluções daquele congresso. De acordo com o deputado proponente dos projetos, Américo

de Macedo65, estes prêmios tinham por finalidade não o incentivo à produção das grandes

propriedades, mas “estimular os verdadeiros produtores, os pequenos proprietários, os

verdadeiros industriais” 66. Um substitutivo apresentado pelo deputado Bernardino de Sena

Figueiredo67 abarcou além dos prêmios de incentivo às indústrias agrícolas e pastoris outras

resoluções do congresso, dentre aquelas que apontavam para a necessidade de incrementar a

policultura e pecuária, incluindo aí o ensino agrícola.

Naquele momento, a lei 363/1903, sancionada em 12 de setembro de 1903, ficou

parecida a uma colcha de retalhos. Tratando de diversos assuntos, desde a concessão de

prêmios de estímulo à produção agrícola e industrial, em sentido lato, até o ensino agrícola,

esse aspecto de partes remendadas reflete, no meu entender, os diversos interesses que

estavam em disputa no Congresso Agrícola daquele ano. Esses interesses, divergentes em

alguns pontos, estavam ligados tanto aos diferentes setores da economia quanto à questão

regional, que refletiam, por sua vez, as diversas frações das classes conservadoras, que tinham

um ainda pequeno nível de organização, posto que haviam acabado de realizar a sua primeira

reunião classista. Dulci caracterizou esta lei como “uma espécie de pacote econômico que

oficializava a política de diversificação produtiva” na linha das recomendações do Congresso

Agrícola (DULCI, 2005, p. 123). Nesse cenário, o nono artigo, referente às fazendas-modelo e

ao ensino agrícola, era só mais uma das medidas reivindicadas pelas classes conservadoras.

Tal artigo, na proposição de Sena Figueiredo, autorizou o governo

“a conceder favores indiretos, a seu juízo, a particulares, empresas ou companhias que se proponham a manter no Estado fazendas-modelo – segundo o plano de organização aprovados pelo Governo com o fim de explorar todos os ramos das indústrias agro-pecuárias e principalmente a criação de ovelhas.

65 Político, engenheiro e jornalista, Américo de Macedo nasceu em Paracatu (MG), em 20 de março de 1864, e faleceu em Belo Horizonte, a 25de junho de 1912. Fez parte da comissão construtora da nova capital; foi deputado estadual (1903 a 1905), renunciando para tornar-se o primeiro prefeito de Caxambu. Depois, foi nomeado Engenheiro do Estado, eleito deputado federal, mas não chegou a assumir a cadeira, por ter falecido antes da posse. (MONTEIRO, 1994, p. 373). 66 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1903, p. 174. 67 Político, farmacêutico, promotor, industrial e professor, Bernardino de Sena Figueiredo nasceu no atual município de Conselheiro Lafaiete, em 1870. Deputado estadual entre 1903 e 1914, líder do governo de Francisco Sales, ascendeu à Câmara Federal, sendo então deputado entre 1915 e 1920 (MONTEIRO, 1994).

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Parágrafo único. Poderá também o Governo subvencionar, se julgar conveniente e quando oportuno, a institutos particulares de instrução que se proponham a manter cursos práticos de Agronomia e Zootecnia, tendo para isso a necessária fiscalização, e também criar, junto dos estabelecimentos oficiais, cursos de igual caráter” 68

Ao justificar a inclusão desse parágrafo, o deputado acreditava que, apesar de

reconhecer a necessidade da instrução agrícola para o desenvolvimento da agricultura e das

indústrias, o orçamento não permitia estabelecer escolas agrícolas. Dessa forma,

“lembrei-me de deixar consignada autorização ao governo para subvencionar institutos particulares que se proponham a manter cursos práticos, e também criá-los junto de estabelecimentos oficiais. Creio que é uma medida salutar e de bons efeitos, e, apesar de limitada, concorrerá para o desenvolvimento das indústrias 69.

Assim, naquele momento, a proposta de ensino agrícola possível de ser formulada era

vista por esse deputado como uma medida limitada, porém necessária. Somente com João

Pinheiro, eleito presidente do Estado e empossado em 1906, o ensino agrícola ganhou maior

relevo, e foi de fato implantado em Minas Gerais, desdobrando-se numa política de longa

duração.

Antes, porém, João Pinheiro foi eleito senador da República e sua volta ao Rio de

Janeiro

“ensejou a formação do grupo de jovens políticos, de Minas e de outros estados, que ficou conhecido como “Jardim de Infância”. Esse grupo de ideias renovadoras começou a se reunir em torno de João Pinheiro e Carlos Peixoto, outro jovem político mineiro de prestígio. Embora fugaz, o “Jardim de Infância” exerceu considerável influência nos anos seguintes, constituindo um dos pilares do governo de Afonso Pena” (DULCI, 2005, p. 125).

Afonso Pena, quando exerceu o cargo de Ministro da Agricultura, no Império, “tratou

de prestigiar e incentivar a agricultura em todo o território nacional e de proteger o comércio,

principalmente no tocante à exportação de café.” (MONTEIRO, 1994, p. 512). Na

presidência do Estado, entre 1892 e 1894,

“competiu-lhe a tarefa de reorganizar os serviços públicos já existentes e criar outros, no regime de autonomia que a Federação assegurava aos Estados. Como realizações do período destacam-se […] a celebração de numerosos contratos de colonização; a reforma do sistema de instrução pública em todos os graus, com especial atenção para os ensino agrícola e profissional” (MONTEIRO, 1994, p. 512).

Esses dados dão a dimensão do comprometimento de Afonso Pena com a questão

agrícola. De acordo com Monteiro, o “Jardim de Infância”, “se empenhou em manter a

68 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1903, p. 219. 69 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1903, p. 216.

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dignidade e a probidade administrativa, a tolerância política e outros valores republicanos,

dedicando-se à discussão mais profunda dos grandes problemas nacionais” (MONTEIRO,

1994, p. 513). Francisco Iglésias considerou esta organização como sendo “frágil mas

consciente”, uma das formas pelas quais os políticos mineiros atuaram “na denúncia das

distorções” e tentaram atacar a “ordem instituída, oligárquica e discriminadora” (IGLÉSIAS,

1982, p. 115). A julgar pela formação desse grupo, o Jardim de Infância, e pelas

correspondências trocadas entre ambos, às quais tive acesso no Arquivo Nacional do Rio de

Janeiro, Afonso Pena teve sobre João Pinheiro uma influência determinante.

Em 1906, João Pinheiro foi o “candidato da conciliação” na eleição para o governo

executivo do Estado, pois “aglutinou as três facções em que se dividiam os quadros da

política mineira desde a década anterior” (DULCI, 2005, p. 123). Seu programa, que unificou

as diversas frações das elites mineiras e sistematizou a política traçada desde o inicio da

república, teve como cerne, do qual as fazendas-modelo fizeram parte, a “ideia da

modernização agrícola. Tratava-se de diversificar o sistema produtivo, sem descuidar do café,

e de melhorar a qualidade da produção através da sua atualização tecnológica” (DULCI, 2005,

p. 127). A política educacional de João Pinheiro, no que tange ao ensino técnico, foi um

exemplo do “papel articulador que se atribuía ao Estado”, em que estava presente “um certo

pressuposto iluminista, de superar o atraso pelo saber” (DULCI, 2005, p. 130).

Para o jornal Minas Gerais, os princípios e reformas propostos por Pinheiro, quando

da sua eleição para presidente do Estado implicaram

“a mais completa divulgação do ensino profissional técnico, a atração do imigrante, a fixação do colono, a criação de fazendas-modelo e de núcleos coloniais, o desenvolvimento da indústria extrativa e a maior expansão das indústrias pastoril e de laticínios. […] De algumas dessas medidas cogita o Congresso, presentemente, por iniciativa sua, - é bem de ver”70.

O jornal referia-se ao projeto 167/1906, em tramitação no Congresso Legislativo

mineiro, que deu origem à lei 438/1906 e foi apresentado em 14 de agosto de 1906 pelo

deputado Bernardino de Sena Figueiredo, o mesmo que direcionou a legislação das propostas

emanadas do Congresso Agrícola de 1903. A instalação das fazendas-modelo teve início com

a promulgação desta lei n. 438, em 24 de setembro de 1906, que tratou de pôr em prática parte

do programa de governo de João Pinheiro da Silva. A lei autorizou o executivo a fundar seis

fazendas-modelo agrícolas-pastoris, a expensas do Estado, além da criação de seis colônias

agrícolas, um laboratório de análises de terras e o estudo de poços artesianos.

70 Jornal Minas Gerais, de 08 de setembro de 1906. p. 4, col. 2. Grifos meus.

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No que se refere às fazendas-modelo, a lei 438/1906 propunha ainda que esta

ministrasse o ensino técnico profissional secundário, “o mais prático possível” (art. 2º, § 1º),

bem como permitiu que o governo auxiliasse as Câmaras Municipais e particulares que

fundassem estabelecimentos desse tipo. Definiu ainda que as fazendas-modelos tivessem

como finalidades a “sistematização das culturas existentes por processos aperfeiçoados e para

aclimação e seleção, de boas raças de animais” (art. 2º, caput).

O deputado Bernardino de Sena Figueiredo, ao apresentar à Câmara dos Deputados o

projeto de número 167/1906, explicitou a articulação entre ensino profissional agrícola,

povoamento do solo (ou sua colonização por imigrantes) e modificação de costumes agrícolas

com o desenvolvimento econômico do Estado. E, ao fazê-lo, considerou que o projeto

167/1906 era a “chave da relação do problema econômico do Estado” 71. Em outras palavras,

compreender - e solucionar – o problema econômico nas Minas Gerais do início do século XX

passava necessariamente por superar a “falta de braços, a falta de preparo técnico do lavrador

e o povoamento das grandes propriedades” 72.

Como salientei no início deste capítulo, essa fórmula já era defendida pelo menos

desde o início da República. As tentativas de se disseminar o ensino agrícola em Minas Gerais

– incluindo o estabelecimento de institutos agronômicos e zootécnicos, escolas fazendas,

escolas agrícolas, fazendas modelo e campos de demonstração – estavam vinculadas à política

de colonização do solo mineiro, por meio da entrada e fixação de imigrantes no Estado, e à

introdução de novos métodos, processos e hábitos na agricultura, com vistas a superar o então

chamado “método rotineiro”. Diferentemente do início da República, porém, em 1906 essa

ideia estava mais bem acabada, concisa e articulada. Em relação ao povoamento do solo, por

exemplo, Sena Figueiredo entendia que

“o parcelamento dos grandes latifúndios dos Estados Unidos, e em grande parte da Argentina e da Bélgica, foi causa eficiente do desenvolvimento da produção, a ponto do resultado colhido do trigo, milho, linho e alfafa na Argentina causar espanto ao mundo inteiro, seduzindo a imigração para aqueles países” 73.

Esse parlamentar, assim como João Pinheiro, fez uma defesa vigorosa da divisão das

grandes propriedades. Talvez pretendesse uma reforma agrária às avessas, de cima para baixo,

com a intervenção indireta do poder público, sensibilizando os grandes proprietários. Para ele,

“o fazendeiro, vendo o resultado da colonização promovida pelo Estado”, facilmente

71 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1906, p. 307. 72 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 307. 73 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 308.

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entregaria as suas terras aos “colonos, promovendo-lhes os meios” 74. Sena Figueiredo

percebia a imigração como intrinsecamente vinculada ao ensino agrícola: o colono imigrante

daria o exemplo ao lavrador brasileiro do amor ao trabalho, da valorização da terra, da lida

agrícola. Tudo isso por meio da “dedicação à cultura, [...] pela economia, pelo método e

aproveitamento do tempo e das coisas mais insignificantes, a que o nacional não liga a

mínima importância”75. O ensino agrícola, vinculado à colonização, serviria, então, para

impulsionar a adoção dos novos processos agrícolas.

Na visão de Sena Figueiredo, as fazendas-modelo, ou campos de demonstração,

seriam os estabelecimentos que proporcionariam esse sistema de imitação, o locus no qual o

trabalhador agrícola e pastoril veria os novos métodos e processos de cultura a serem

empregados, facultando aos mesmos “o ensino pratico, o modo de conhecer o meio de

cultivar essa ou aquela planta, de acordo com a qualidade do terreno que possui e por

processos que compensem os esforços empregados, e ainda aplicação prática de máquinas,

começando pelas mais simples” 76.

Como porta-voz da política sistematizada por João Pinheiro, este deputado teve papel

destacado na elaboração da política econômica que marcou o Estado desde 1903, pelo menos.

Naquele ano, foi ele quem propôs o substitutivo aos projetos 14 e 15, que deu origem à lei

363/1903; em agosto de 1906, – portanto, após a eleição de João Pinheiro, da divulgação

ampla do seu projeto político, e pouco antes de sua posse como presidente do Estado – foi

novamente Sena Figueiredo quem propôs o projeto que redundou na primeira lei que

executava o programa de João Pinheiro e que tratou exatamente do ensino agrícola e da

colonização – a lei 438/1906.

Já no início do seu mandato, a execução do programa de João Pinheiro se deu por

meio das fazendas-modelo, que significaram um ensino “mais simples e prático, fundado na

experiência dos lavradores” e, por isso, “parecia mais adequado à realidade do início do

século” (Dulci, 2005, p. 131). Estes estabelecimentos contribuíram para a institucionalização

da sua política, transformando-a em política de Estado, para além da política de governo, e de

um governo que durou pouco mais de dois anos. Insisto em lembrar que essa política já vinha

sendo gestada no Estado há alguns anos, que vinha sendo tentada pelo menos desde Afonso

Pena, que não por acaso foi um forte padrinho de João Pinheiro e do chamado “Jardim de

Infância”, como já salientei.

74 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 414. 75 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 310. 76 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 309.

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Por mais que pese o fato dele próprio – João Pinheiro – ter presidido o Congresso

Agrícola, bem como a comissão que elaborou as teses apresentadas, ele não formulou sozinho

a política econômica centrada na mecanização e diversificação da agricultura. Suas ideias,

além de não serem originais, como o próprio João Pinheiro admitiu em carta a Afonso Pena77,

contou com a colaboração de vários políticos. Ressalto a participação dos deputados estaduais

Bernardino de Sena Figueiredo e Américo Macedo. Ambos possuíram em comum uma

formação técnica-profissional: Sena Figueiredo era farmacêutico e Américo de Macedo,

engenheiro. Até mesmo João Pinheiro, formado bacharel, passou dois anos na Escola de

Minas de Ouro Preto antes de se transferir para São Paulo.

De qualquer forma, os documentos escritos por João Pinheiro tornaram-se

fundamentais para se compreender esse projeto de soerguimento da economia mineira. De

acordo com biógrafos e compiladores, a produção intelectual desse estadista mineiro abarcou

os discursos e manifestos pronunciados e/ou publicados ao longo da sua vida pública, além de

cartas a amigos, parentes e figuras públicas da sua época. Vasculhei livros, bibliotecas e

arquivos atrás das suas concepções de ensino agrícola, que me permitissem fazer o vínculo

necessário entre essa política e a fundação das fazendas-modelo.

Um dos compiladores mais reconhecidos dos escritos de João Pinheiro, Francisco de

Assis Barbosa, ao elaborar uma “cronologia” de sua vida cita an passan uma série de artigos

publicados no jornal Minas Gerais entre 25 de novembro de 1906 e 9 de junho de 1907, sob a

forma de editoriais. Os artigos, em número de sete, versavam principalmente sobre as

fazendas-modelo, em especial sobre a da Gameleira, e foram publicados nas edições do jornal

Minas Gerais dos dias 25 de novembro de 1906; 7 e 10 de fevereiro de 1907; 21 de março de

1907; 12 e 19 de maio de 1907 e 9 de junho de 1907. É possível incluir nesta série outro

artigo, publicado meses mais tarde, em 12 de janeiro de 1908, sob o título “A cultura dos

cereais”. Tais artigos, inclusive este último, discorriam sobre

“o programa e os propósitos do Governo de João Pinheiro, no sentido de melhor assistir aos agricultores, com a introdução de máquinas modernas e novos processos de trabalho, além da instalação de fazendas-modelo”. Apesar de não terem sido assinados, “a autoria desses artigos tem sido atribuída ao próprio João Pinheiro” (BARBOSA, 1980, p. 26).

Ao contrapor o conteúdo e forma desses editoriais a algumas cartas de João Pinheiro

endereçadas a Afonso Pena, que estão sob a guarda do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e

77 Assim escreveu João Pinheiro sobre o ensino agrícola que implantava em 1907: “sou o primeiro a reconhecer que o que se está fazendo são coisas vulgaríssimas nos outros países […]” Carta de João Pinheiro a Afonso Pena. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.32, microfilme AN 536-2004, de 9/10/1907, fls. 7 e 8).

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depositadas no Fundo Afonso Pena, encontrei semelhanças entre as informações contidas em

uns e outros, além do mesmo estilo objetivo, “inconfundível […], assertivo, vívido, até

empolgante” (DULCI, 2005, p. 126). Uma carta escrita por Afrânio de Melo Franco78 e

dirigida a João Pinheiro constitui importante evidência de que foi João Pinheiro o autor dos

editoriais do jornal Minas Gerais. Na missiva, Afrânio de Melo Franco afirmou ter “lido neste

momento o seu artigo, publicado no Minas de ontem, sobre a fazenda da Gameleira” 79. A

referência coincide com um dos editoriais citados por Barbosa na sua “cronologia”. Assim,

considero pertinente a atribuição da autoria dos artigos a João Pinheiro, e assim o faço nesta

dissertação. Esses artigos constituem um importante conjunto documental publicado nos

últimos dois anos de sua vida, e alguns não publicados por Francisco de Assis Barbosa vão

transcritos como anexos a esta dissertação80. Neste e nos outros capítulos analisei o conteúdo

desses artigos, cotejando-os com as cartas encontradas no Arquivo Nacional do Rio de

Janeiro, além de entrevistas feitas com João Pinheiro e alguns discursos e manifestos de sua

autoria, estes últimos, documentos já bem conhecidos e estudados.

Por fim, interessa-me salientar duas questões: a duradoura influência que João

Pinheiro exerceu sobre as políticas de recuperação econômica de Minas e relação desta

política com a escolarização da fazenda. Quando assumiu a Presidência do Estado, João

Pinheiro organizou as ideias discutidas e aprovadas no congresso agrícola de 1903 e presentes

na lei 363/1903, sistematizando-as. E, quando o fez, colocou na centralidade da política o

ensino técnico agrícola e as colônias de povoamento. E, de fato, João Pinheiro fundou

diversas fazendas-modelo e deu continuidade à política imigrantista anterior. Quanto ao

sucesso de umas e outras, restringi minha análise às fazendas-modelo, que centralizaram

diversas medidas propostas pelos congressistas de 1903 e pelos deputados e senadores

mineiros de 1906. Mas a relação entre uma e outra faceta da política é evidente: as colônias de

povoamento teriam como objetivo maior a ocupação de terras devolutas, garantindo uma

78 Político, promotor de justiça, advogado, professor e diplomata, Afrânio de Melo Franco nasceu em Paracatu, Minas Gerais, a 25 de fevereiro de 1870. Iniciou-se na vida pública em 1890, como promotor interino da Promotoria de Ouro Preto. Foi deputado estadual (1903-1906), deputado federal (1906-1918; 1921-1923; 1924-1929), secretário das Finanças (1918) e Ministro da Viação e Obras Públicas (1918-1919). Teve intensa participação na vida diplomática do país, durante toda a sua vida. Faleceu no Rio de Janeiro, a 1º de janeiro de 1943. 79 Arquivo Privado de João Pinheiro. Série II – Correspondências. Carta n. 2550, de 13 de maio de 1907. De: Afrânio de Melo Franco. Para: João Pinheiro da Silva. Grifos no original. Arquivo Público Mineiro. 80 Os seguintes editoriais do jornal Minas Gerais vão publicados como anexos: Agricultura, de 25/11/1906; Agricultura, de 07/02/1907; Agricultura II, de 10/02/1907; Agricultura – Fatos, de 21/03/1907; Agricultura – despesas efetuadas, de 12/05/1907; e Agricultura – estudos de irrigação e despesas efetuadas, de 19/05/1907. Os outros dois editoriais que completam o conjunto documental foram publicados por Francisco de Assis Barbosa (1980) e são os seguintes: Regulamento, de 9 de junho de 1907 e Agricultura dos Cereais, de 12 de janeiro de 1908.

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ocupação não por trabalhadores nacionais, que iriam utilizá-los apenas para a sua própria

subsistência, reproduzindo os métodos tradicionais que se queria superar. As colônias seriam

ocupações produtivas, no sentido econômico do termo, que gerassem divisas para o Estado e

garantissem a difusão dos métodos modernos de amanho da terra.

Ao tornar escolar o espaço da fazenda, pretendia-se garantir a racionalização da

empresa, da produção agrícola, forjando um modelo para a exploração da terra, no qual não

cabiam formas autônomas de trabalho agrícola. Assim, João Pinheiro inaugurou uma política

de ensino agrícola essencialmente prático, em molde até então não vivenciado no Estado de

Minas Gerais. É sobre a questão entre teoria e prática que me deterei no próximo item.

1.4. Das preleções ao arado: ensino agrícola e a tensão entre teoria e prática

A produção historiográfica a que tive acesso, das áreas de história da educação e da

história das ciências, no que tange ao ensino agrícola e agronômico, bem como alguns

documentos tais como a legislação mineira e os anais do Congresso Legislativo de Minas

Gerais do início da República, levou-me a enfrentar uma questão que é a um só tempo

empírica e teórica: a tensão existente e as disputas que se deram entre um tipo de ensino

agrícola prático e um tipo de ensino agrícola teórico-prático. Essa tensão expressou-se na

forma de institucionalização do ensino agrícola e permeou todas as proposições políticas a ele

relacionadas, na primeira República.

É mister, ao adentrar esse campo, diferenciar alguns conceitos. Primeiramente,

delimitar o que estou entendo por teoria e prática e, correlativamente, o que chamo de ensino

teórico, ensino teórico-prático e ensino prático. Apesar da proximidade entre aqueles e estes

termos, essa diferenciação é importante porque se trata de objetos diferentes. A teoria e a

prática são dimensões cognitivas humanas inseparáveis, que ganham significado particular ao

serem relacionadas às diversas formas de se ensinar o trabalho agrícola.

O ensino prático, essencialmente prático, descolado do ensino teórico, foi e ainda é

possível, assim como é possível também um ensino eminentemente teórico. Considero ser

possível um ensino descolado do outro, mas não compreendo que seja possível um ensino

prático que não tenha uma dimensão teórica, e um ensino teórico que não tenha uma

dimensão prática. Esse tipo de ensino foi definido, na legislação federal sobre ensino agrícola,

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como um ensino baseado no trabalho realizado em gabinetes, fazendas experimentais,

oficinas, laboratórios e outras instalações similares. Sua parte teórica seria constituída de

noções elementares “que possam guiar os alunos na aprendizagem de suas aplicações à

agricultura e às indústrias rurais” e “professadas em linguagem simples [...], serão

acompanhadas de demonstrações ao alcance dos alunos, de modo a tornar o ensino

meramente objetivo” 81.

É possível delimitar melhor essa definição, pois o ensino agrícola entendido como

prático pelo governo da República, na mesma época em que pesquisei, podia ser confundido

com um ensino aplicado, atrelado à teoria agronômica, constituindo parte do ensino teórico-

prático preconizado para algumas instituições. Contudo, o ensino prático tal como foi

formulado e colocado em prática em Minas Gerais nos anos iniciais da República ganhou um

sentido particular. O ensino prático foi vinculado ao método intuitivo, que ia além do aprender

fazendo, constituindo talvez uma educação total do corpo e dos sentidos. Em relação ao

método intuitivo, irei deter-me a ele com mais profundidade no Capítulo 3. O ensino prático

tal como observei no tempo e espaço históricos pesquisados não previa “dissertações teóricas,

quer orais, quer escritas”. Nas fazendas-modelo, o ensino agrícola foi “ministrado sem

aparatosos programas, mas por meio da pratica diária e da experiência que cada um adquire

na aprendizagem direta dos processos científicos relativos à cultura do solo e ao preparo dos

produtos” 82. E, principalmente, esteve vinculado a uma determinada concepção de progresso

e de modernização do Estado, atrelada à produção racional da agricultura.

Em contraposição, não consegui perceber um ensino agrícola teórico, exclusivamente.

A literatura83 em relação ao ensino superior agronômico aponta como uma das suas

características a aplicação científica dos conhecimentos das ciências básicas. Assim, foi

possível encontrar formas de ensino teórico-prático, ora com predomínio de uma dimensão,

ora de outra. Em relação a este tipo de ensino, percebo que necessitava de maior

institucionalização e escolarização, pois suas proposições incluíam extensos programas,

variadas disciplinas e cadeiras, professores contratados no exterior, maior tempo de dedicação

dos alunos etc. Dessa forma, compreendo os termos ensino agrícola prático e ensino agrícola

teórico-prático como categorias historicamente constituídas, no sentido de que traduzem

81 Decreto federal nº 8.319, de 20 de outubro de 1910, artigos 237 e 239 (BRASIL, 1910). 82 DIRETORIA DE AGRICULTURA, COMÉRCIO, TERRAS E COLONIZAÇÃO. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Juscelino Barbosa, Secretário das Finanças, pelo Engenheiro Carlos Prates, diretor de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de 1908. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1909, p. 7. 83 Ver, por exemplo Oliver (2009;2005).

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experiências que se deram em determinado tempo e espaço históricos.

Durante a primeira República, em Minas Gerais, consegui identificar, pois, uma tensão

entre um tipo de ensino prático e um ensino teórico-prático de agricultura. Em outras

palavras, um investimento maior em um tipo ou em outro de ensino agrícola, dependendo do

momento. Ao criar a secretaria da Agricultura, o governo mineiro estabeleceu também os seus

funcionários, dentre os quais seriam “um consultor técnico, um desenhista e seis engenheiros”

(art. 6º, § 3º, p. 33), sendo “preferidos, tanto quanto possível, os candidatos diplomados por

institutos de ensino superior técnico e profissional, que existirem no Estado.” (art. 7º, p. 33).

Apontava-se assim, desde o início da República, a preferência, ou antes, a necessidade de

profissionais da área técnica nos quadros da secretaria da Agricultura, o que justificou, num

primeiro momento, o investimento no ensino mais teórico do que prático. Um ano mais tarde,

ao criar os Institutos Agronômicos e Zootécnicos, Afonso Pena preconizou o ensino do tipo

teórico-prático, de acordo com a lei n. 41/1892, já citada, em seu art. 259. O caráter teórico-

prático perpassava todo o documento, no que tange ao ensino nos institutos, particularmente

aos agronômicos. Uma das finalidades desses estabelecimentos era

“elevar gradativamente pela instrução técnica o nível intelectual da população rural do Estado, preparando agricultores, veterinários e industriais esclarecidos pela aquisição de conhecimentos especiais imediatamente utilizáveis tomados às ciências em suas aplicações à agricultura, à zootecnia e às indústrias rurais conexas” (art. 254, § 1.º, p. 80, grifo meu).

Nota-se, assim, o viés técnico da instrução que, não desvinculado do ensino teórico,

pois contribuiria para “elevar o nível intelectual da população rural do Estado”, possuía um

caráter eminentemente prático, patente na necessidade de conhecimentos científicos

“imediatamente utilizáveis”. Além disso, o estudo das disciplinas que comporiam o currículo

dos Institutos Agronômicos de Itabira e Leopoldina é revelador desse ensino teórico-prático.

Estas seriam distribuídas por três cadeiras, de acordo com o art. 256 da lei 41/1892, e podem

ser observadas no QUADRO 2.

QUADRO 2

Distribuição das disciplinas por cadeira, dos institutos agronômicos do Estado de Minas Gerais, 1892

Cadeira Disciplinas

1.ª Física, mecânica, meteorologia, química geral e agrícola

2.ª Agrimensura, botânica, zoologia e geologia

3.ª Agronomia, máquinas agrícolas e economia rural

Fonte: Lei n. 41/1892. Elaboração própria.

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A distribuição das cadeiras obedecia a uma lógica cientificista, assim como em outras

experiências de ensino agronômico no país, “propondo o ensino de conhecimentos

introdutórios das ciências em geral no início do curso, e aqueles que tocam diretamente a

agricultura ao final” (Oliver, 2009, p. 58). As disciplinas, agrupadas por cadeiras, eram

regidas por um único professor. Essa era a regra geral para as instituições de ensino superior

agrícola do país, e não foi diferente em Minas Gerais.

A primeira cadeira é um exemplo típico de vinculação entre as aplicações científicas e

o ramo da ciência de que derivavam. A mecânica e a meteorologia seriam aplicações da física,

enquanto a química agrícola seria uma aplicação da química geral. A segunda cadeira era um

agrupamento de ramos científicos, as chamadas ciências naturais (zoologia, botânica e

geologia), arranjo que foi comum em finais do século XIX e início do XX em algumas

instituições de ensino superior agrícola do país, como demonstrou Graciela Oliver (2009;

2005). Fez parte também dessa cadeira a disciplina de agrimensura, de caráter eminentemente

técnico-científico. A terceira cadeira parece-me que derivava de uma aplicação mais prática,

garantida pelas “máquinas agrícolas”, assim como a disciplina de “economia rural”, que traria

para os futuros agrônomos uma perspectiva de atuação mais ampla, que poderia abranger não

somente o trabalho em explorações rurais – fazendas e estâncias, por exemplo – como

também as funções públicas forjadas nos quadros da própria secretaria da Agricultura.

Compunha ainda a terceira cadeira a disciplina de “agronomia”, um tanto

incompreensível, uma vez que este termo possuiu um significado mais abrangente, até o início

do século XX, incorporando “todas as ciências ou partes destas, ou aquelas que podem ser

utilizadas para a racionalização da agricultura” (OLIVER, 2009, p. 33). Esta disciplina não

aparece em nenhuma das principais escolas agrícolas superiores do país, que tiveram seus

currículos analisados por Graciela Oliver (2009; 2005), quais sejam a Escola Agrícola Luiz de

Queiroz, em São Paulo; a Escola Nacional de Agronomia, do Rio de Janeiro; a Escola

Agrícola da Bahia e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa, em Minas Gerais. Contudo,

alguns anos mais tarde esta disciplina reapareceu nos currículos teórico-práticos das escolas

particulares que proliferaram em Minas Gerais nas primeiras décadas do século XX. As

Escolas Dom Bosco, dos Salesianos, em 1911, aplicavam o seguinte programa ao curso

agrícola secundário, de dois anos de duração: religião, português, aritmética, geometria,

desenho, contabilidade, geografia, francês, botânica, física, química, agronomia, culturas

especiais, arboricultura, horticultura, etc. Já a Escola Agrícola de Lavras no mesmo ano

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passava por uma reformulação curricular, aumentando a carga horária tanto das disciplinas

teóricas quanto da parte prática do programa, o que evidencia a opção que se fez por um

currículo mais teórico. Distribuído o programa por quatro anos, a agronomia aparecia no

terceiro ano, compondo a disciplina de fitotecnia, agronomia e máquinas agrícolas, e possuía

uma carga horária elevada, de quatro aulas semanais, enquanto todas as outras possuíam 3 ou

2 aulas por semana84. Parecia, assim, que era uma disciplina de aplicação, e não uma

disciplina de conhecimentos básicos.

O currículo do Instituto de Itabira, questionado pela elite local, principalmente no que

se referia ao pequeno número de cadeiras, que sobrecarregava os professores, revela o

predomínio do ensino teórico-prático na concepção dos Institutos Agronômicos. Essa crítica

foi captada por Jorge Botelho por meio de jornais da cidade de Itabira (BOTELHO, 2009). E

foi o ensino livresco o alvo principal da crítica de Henri Gorceix, como já fiz notar.

Em 1894 foi promulgado o regulamento dos Institutos Agronômicos e Zootécnicos,

por meio de dois decretos distintos85. Como o meu interesse nesta dissertação liga-se ao

ensino agrícola, referir-me-ei apenas ao primeiro dos decretos, a partir do qual foi possível dar

continuidade à análise sobre o currículo, evidenciando algumas mudanças em relação ao

anterior e o rumo do ensino teórico-prático dado a estas instituições.

Por este decreto, o curso superior de engenharia agronômica foi mantido em três anos,

mas aumentou-se o número de disciplinas, e duplicou-se o de cadeiras, o que exigiria a

contratação de mais professores. Os conteúdos das atividades práticas foram, então, melhor

descritos, como pode ser observado no QUADRO 3 (pág. 73).

Um primeiro olhar sobre este quadro revela uma maior complexidade do currículo dos

institutos agrícolas, quando da sua regulamentação, em relação à lei que os instituiu. Ressalto

a preocupação com os conteúdos da parte prática, divida em aulas e exercícios. Essa divisão

correspondeu à divisão entre atividades de laboratório e atividades de campo,

respectivamente.

Uma análise um pouco mais acurada dos desdobramentos das cadeiras iniciais,

reorganização das disciplinas anteriores e inserção de novos conteúdos, notadamente aqueles

de maior aplicabilidade, revelou a passagem para um ensino mais teórico, “uma vez que a

criação de novas cadeiras resultaria no aumento da carga horária semanal, mesmo que ainda

84 As informações sobre as duas escolas agrícolas particulares estão em SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. José Gonçalves de Sousa, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1912 [referente ao ano de 1911]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, p. 433. 85 Decreto n. 737, de 13 de julho de 1894, que regulamentou os Institutos Agronômicos.

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tratassem de aplicações científicas em vez do estudo aprofundado” de algumas disciplinas

(OLIVER, 2009, p. 63).

QUADRO 3 Distribuição das disciplinas, aulas e exercícios práticos dos Institutos Agronômicos do Estado de Minas

Gerais, 1894

1ª cadeira 2ª cadeira Aulas práticas Exercícios práticos

1ª série Física experimental,

Meteorologia e climatologia;

Agrimensura, Trigonometria retilínea e Topografia.

Desenho linear e topográfico;

Nivelamento e levantamento de plantas topográficas;

Química geral e agrícola. Análises físico-químicas dos corpos orgânicos e inorgânicos.

Observações meteorológicas.

2ª série Botânica, arboricultura e

jardinagem Agronomia, estudo geral sobre as plantas tropicais;

Estática e dinâmica;

Desenho de construções rurais e de máquinas industriais e agrícolas;

Herborização e classificação botânica;

Estudo especial sobre a cultura do café, algodão, cana de açúcar, fumo, mandioca, cereais e vinha;

Mecânica aplicada às máquinas industriais e agrícolas;

Análises físico-químicas e micrográficas de plantas, sementes e mais produtos agrícolas de cultura.

Prática do estabelecimento e montagem de máquinas industriais.

Tecnologia agrícola.

3ª série Zoologia;

Geologia e mineralogia;

desenhos de secções de plantas, flores, frutos, com a representação de seus órgãos principais de respiração, nutrição, etc;

Excursões científicas para o estudo do solo, sub-solo, da fauna e flora do Estado de Minas;

Agricultura e sericultura; Hidráulica agrícola; Análises físico-químicas e micrográficas de terras, adubo-se de produtos agrícolas.

Visitas a estabelecimentos industriais e agrícolas.

Estudo especial da criação de animais domésticos e úteis à agricultura;

Drenagem e irrigação;

Indústrias domésticas e agrícolas.

Economia rural, estudo estatístico e comparativo sobre produção e consumo;

Contabilidade;

Medicina Agrícola, estudo especial das moléstias parasitárias dos vegetais.

Fonte: decreto 737, de 13 de julho de 1894, art. 5º. Elaboração própria.

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Há uma evidente ampliação dos conteúdos da física, que passam a ocupar a primeira

cadeira da primeira série e a segunda da segunda série. As disciplinas aplicadas e aquelas

teóricas foram distribuídas mais homogeneamente entre as três séries. A disciplina de

agronomia, que apareceu junto ao “estudo geral sobre as plantas tropicais”, e seguida da

disciplina de “cultura do café, algodão, cana de açúcar, fumo, mandioca, cereais e vinha”, na

mesma cadeira, ganhou um significado regional, de recriação do currículo em consonância

com as expectativas das elites locais. Estas disciplinas evidenciam os vínculos com o sistema

produtivo, a política de diversificação da agricultura – ainda em gestação –, apostando nas

culturas de cereais e outros produtos tropicais, sem relegar a cultura do café, que ainda se

manteve por muitas décadas como importante produto de exportação e fonte de divisas para o

Estado.

Como já foi explicitado, paralelamente ao pequeno desenvolvimento dos institutos

teórico-práticos, foram criados os campos de demonstração, em 1895. Interesso-me

particularmente por estes estabelecimentos, uma vez que eles se relacionam mais diretamente

ao objeto de estudo elaborado nesta pesquisa – as fazendas-modelo – e, por isso, será

necessário ater-me mais demoradamente a eles.

Os campos de demonstração eram destinados ao estudo dos “meios de melhorar a

indústria pastoril e agrícola”, de acordo com a lei nº 140/1895, art. 3º. Previa-se, assim, um

tipo de instituição que intencionava produzir conhecimentos sobre as peculiaridades da

cultura e criação econômicas de Minas Gerais. Em sua regulamentação, há uma mudança em

sua finalidade, passando esta a ser a vulgarização “dos métodos racionais de agricultura e

criação, não só por meio de trabalhos culturais e manutenção de rebanhos modelos, como

também por meio de ensino prático ministrado a aprendizes agrícolas.” (decreto nº 960/1896,

art. 1º). Há uma mudança explícita entre a lei e o decreto. Não mais “estudar”, mas sim,

“vulgarizar”. Pode-se inferir que há uma substituição da pesquisa, mesmo que atrelada à

produção, pela propaganda e o ensino agrícolas, o que reforça o caráter prático de tais

campos.

Os diretores desses estabelecimentos deveriam ser agrônomos (dec. nº 960/1896, art.

3º), podendo ser estrangeiros, ou algum dos funcionários dos institutos agronômico ou

zootécnico do Estado (art. 61). Esta “reserva de mercado” para o profissional da agronomia

corrobora as pesquisas de Graciela Oliver (2009; 2005), que a compreende como parte do

processo de institucionalização das ciências agrícolas no país, e a burocracia do Estado como

espaço importante para a consolidação da própria profissão. Os auxiliares do diretor seriam,

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ampliando a lei n. 140: um caixa-secretário; um professor, que seria o chefe de culturas e

criação; um mestre pastor; um mestre jardineiro; um mestre ferreiro e ferrador; os aprendizes

operários; os serventes e os jornaleiros (art. 4º).

Ao esmiuçar as funções de cada um desses auxiliares, o decreto designou-os, quase

todos, a serem também professores. O diretor teria a função, dentre outras, de “fazer, duas

vezes por semana, aos aprendizes, preleções elementares sobre noções de física, química e

ciências naturais, especialmente nas suas aplicações mais usuais à agricultura” (art. 9º, § 8º).

Além disso, seria tarefa do diretor a propaganda agrícola, devendo este “transportar-se para o

ponto que lhe for designado, a fim de auxiliar a organização de comícios ou explorações

agrícolas, tomar parte nas conferências, pesquisas ou exames relativos à agricultura e ao

desenvolvimento do ensino agrícola” (art. 10). Nota-se aqui a proximidade entre o que se

entendia por ensino agrícola e propaganda agrícola.

O caixa secretário, por sua vez, além de ter sob sua responsabilidade a contabilidade

do campo de demonstração, e sua escrituração de maneira geral – registro de funcionários e

aprendizes, livro de ponto, correspondência oficial, inventário, compras –, deveria ainda

“fazer três vezes por semana para os aprendizes operários preleções elementares de português, corografia do Brasil, aritmética e noções de geometria para as medidas superficiais e de volumes, de conformidade com o programa aprovado pelo governo para as escolas de primeiro grau” (art. 14, § 9º).

Todavia, esta função foi repassada ao diretor, em outro decreto86, por não haver sido

previsto na lei n. 140 o cargo de caixa-secretário. Único designado na categoria de professor

(art. 16), o chefe de cultura e criação deveria “mostrar aos aprendizes e aos operários,

usando-as, o modo de empregarem-se as ferramentas e as máquinas agrícolas” (art. 17, § 2º,

grifo meu); manter atualizado um livro com os nomes dos operários e as tarefas realizadas

diariamente por cada um deles (art. 17, § 4º); informar sobre a ordem e a disciplina, fazendo

com que “sejam executadas as providências tomadas em relação aos delinquentes (art. 17, §

9º, grifo meu); “fiscalizar especialmente os aprendizes operários, ministrando-lhes os

conselhos e as explicações necessárias para iniciá-los nos métodos racionais de cultura, no

uso das máquinas agrícolas e nos cuidados exigidos pelos animais” (art. 17, § 10); e,

finalmente, “fazer, três vezes por semana, para os aprendizes, preleções sobre noções

elementares de agricultura e de criação, de acordo com os programas adotados e as instruções

do diretor” (art. 17, § 11). Estas funções indicam o tipo de ensino preconizado. A ideia do

aprender-fazendo está presente na forma de ensinar, usando as máquinas e ferramentas

86 Decreto n. 1.070, de 20 de setembro de 1897.

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agrícolas. Por outro lado, as preleções garantiriam algumas noções teóricas sobre a agricultura

e a pecuária. Há que se destacar a visão do trabalhador indisciplinado tido como delinquente,

o que está em sintonia com as concepções sobre o trabalhador nacional, discutidas no

primeiro item deste capítulo.

Já o jardineiro, o mestre pastor e o mestre ferreiro deveriam ser auxiliados em seus

trabalhos pelos aprendizes, afim de que estes os aprendessem (artigos 19, 21 e 25). Ao mestre

ferreiro incumbia-lhe “especialmente mostrar aos aprendizes o modo de usar as ferramentas

da ferraria e da oficina, de concertar veículos, ensinando-lhes a executar os trabalhos simples

de concertos mais frequentemente exigidos num serviço agrícola, bem como o modo de

ferrar” (art. 27). O ensino-aprendizagem pelos mestres de profissão reforça a noção de que os

ofícios eram aprendidos pela prática no próprio trabalho. Não mais no próprio local de

trabalho, mas sim em uma instituição específica, a escola.

Este decreto revela-me, assim, que a opção ainda era, nesse momento, pelo ensino

teórico-prático. Menos sistemático do que o ensino ministrado nos institutos agronômicos e

zootécnicos, ainda assim era explícita a preocupação com um mínimo de teoria, traduzida

pelas explanações, conferências e preleções, além de um extenso programa de ensino, que

especifico melhor no QUADRO 4 (pág. 85).

Acompanhei a criação e implantação dos campos de demonstração pela Revista

Industrial de Minas Gerais. Por meio dela foi possível saber que tais campos

“são os substitutos das escolas agrícolas, que, pelo caráter acadêmico, não estavam tanto em harmonia com o fim almejado; mas os Campos de Demonstração não deixam na sua essência de ser escolas, pois que n’eles se ensina, embora sem o caráter acadêmico; são verdadeiras escolas onde o ensino é mais intuitivo, onde o lavrador vai ver como o café não envelhece tão facilmente como na sua fazenda e unicamente porque é adubado e porque se lhe dispensa o cuidado da poda; onde o lavrador vai ver como se planta a vinha, como se poda, como se fazem todos os outros cuidados culturais, como se obtém o bom vinho; vai ver como se trata das vacas de leite, qual a alimentação mais própria para esta função, quais os cuidados com a reprodução; vai ver como é conveniente fazer a especialização das raças por aptidões, em suma, vai ver o que não acreditará se somente ler ou ouvir dizer. Os Campos de Demonstração são a instituição de maior alcance para a propaganda agrícola, porque são as escolas do povo; e estas são de efeitos mais imediatos” 87.

Por esta opinião, vê-se que o caráter mais prático dos campos de demonstração dava-

se pelo ensino intuitivo. Ler e ouvir dizer já não era mais suficiente para propagar o progresso

pelos campos mineiros. Era necessário, sem deixar de ser escola, uma instituição que fizesse

chegar ao povo a propaganda agrícola, por meio do aprender-fazendo. Nesse momento, não é

87 Revista Industrial de Minas Gerais, ano IV, n. 24, 10 de maio de 1897, p. 314, col. 1. Artigo assinado por J. Amandio Sobra, regente agrícola.

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ainda possível fazer uma distinção entre o aprender-fazendo e o método intuitivo. Basta

assinalar que o segundo ia muito além do primeiro, o que tentarei demonstrar no Capítulo 3.

Importa anotar ainda, sobre o Instituto Agronômico de Itabira, que a sua curta

existência, de apenas quatro anos, foi a única iniciativa do poder público estadual no ensino

profissional agrícola superior, durante os 30 primeiros anos da República. O seu fechamento

acarretou um abandono do ensino teórico-prático pelo Estado, tanto de nível médio quanto

superior, deixando espaço para a iniciativa privada investir em seu desenvolvimento. Até a

criação e instalação da Escola Superior de Agricultura de Minas Gerais, em Viçosa, que

entrou em funcionamento em 1927, foram de particulares as únicas escolas agrícolas teórico-

práticas, de ensino médio e/ou superior do início do século XX. As Escolas “Dom Bosco”,

estabelecimento que funcionou desde 1896, em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto,

como pude apurar em alguns números do jornal Minas Gerais e em diversos relatórios da

diretoria de Agricultura; a Escola Agrícola de Lavras, fundada em 1908; a Escola Mineira de

Agronomia e Veterinária, em Belo Horizonte, que funcionou de 1914 a 1942; a Escola São

Joanense, de São João Del Rei, fundada em 1916 e a Escola de Agricultura e Pecuária de

Passa Quatro, que entrou em funcionamento em 1917 (FARIA, 1992). Mesmo particulares,

todas essas iniciativas “auferiram auxílios financeiros [do Estado] e isenção de impostos”

(FARIA, 1992, p. 289).

Em relação ao ensino primário e prático, porém, a história foi diferente, como tenho

tentado demonstrar. O Congresso Agrícola, Comercial e Industrial ocorrido em 1903, e a

ascensão de João Pinheiro à presidência de Minas Gerais, como assinala Maria Auxiliadora

Faria, deram novo impulso à sua institucionalização pelo Estado, contribuindo decisivamente

para sua disseminação, tanto pela iniciativa governamental quanto pela particular,

subvencionada pelo Estado. A lei 438/1906, já citada, implantou através das fazendas-modelo

o ensino prático stricto sensu, poder-se-ia dizer. E é sobre essas instituições que irei me deter

nos próximos capítulos.

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2. AS FAZENDAS-MODELO EM MINAS GERAIS: escolas do trabalho

inteligente

“Essa política prática, modesta, é a política de um homem de governo, que aprofundou e conhece a realidade das coisas e não se deixa iludir pela retórica banal dos que ao mesmo

tempo [tom]bam as incomparáveis riquezas do Brasil e desdenham daqueles que as querem fazer jorrar do trabalho e da inteligência, e as deixar infrutiferamente sepultadas no abandono

das terras e no ócio da gente.” M. 1

João Pinheiro implantou as fazendas-modelo no Estado. Considerada “modesta” pelo

autor das linhas que inauguram este capítulo, sua política, longe de ser unanimidade, sofreu

diversas críticas. Vários vieram em sua defesa, como pode ser lido na epígrafe acima. Neste

capítulo, pude apreender um pouco dessas críticas, além de compreender como as fazendas-

modelo surgiram enquanto instituições de ensino essencialmente prático. Constituiu objetivo

também historicizar a trajetória institucional daquelas que existiram no interior do Estado de

Minas Gerais na primeira República, elencando alguns aspectos de seu funcionamento,

organização e relação com os poderes públicos e a esfera privada.

No primeiro item, ative-me à organização geral das fazendas-modelo e ao

aprofundamento sobre o seu significado em termos de modernização e racionalização da

produção na agricultura, com implicações sobre a escolarização do trabalho agrícola. No

segundo item, subdividido em cinco partes, procurei revelar um pouco da trajetória das

fazendas-modelo que existiram nos municípios do Serro, Santa Bárbara, Itapecerica e

Campanha, bem como a do campo de demonstração de Aiuruoca. Suas trajetórias emergiram

da explicitação de alguns conflitos, geralmente administrativos, mas que propiciaram perceber

alguns aspectos da escolarização do trabalho agrícola que se deu nesses estabelecimentos.

Utilizo como fontes primárias, neste capítulo: a legislação mineira que instituiu as

fazendas-modelo; os anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais do ano de 1906; os

relatórios anuais e expedientes da diretoria de Agricultura2, estes últimos publicados no jornal

1 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907, p. 10, col. 4. 2 A diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização criada e organizada pelo decreto 2.027/1907 esteve subordinada à secretaria de Finanças até 1910, quando a secretaria da Agricultura foi restabelecida após ter sido

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Minas Gerais; os relatórios anuais da secretaria da Agricultura e textos de João Pinheiro da

Silva.

2.1. Escrevendo por sobre a terra: as fazendas-modelo em Minas Gerais

Em relação à política de criar fazendas-modelo pelo Estado de Minas Gerais, Maria

Auxiliadora Faria informa que elas

“foram instituídas por João Pinheiro com o objetivo de absorverem alunos que mais se destacassem nos cursos elementares. Eram, portanto, segundo a Lei nº 444, de 1906, instituições de ensino médio agrícola. O Regulamento de 1911 alterou esse objetivo [...]. [...] as fazendas [modelo] deveriam, de acordo com os artigos 61 e 62 do referido Regulamento, receber, por período de 30 dias, trabalhadores indicados por fazendeiros e pelo Estado para estágio e aquisição de “destreza no manejo de máquinas agrícolas”. Deviam receber também moços nunca menores de 18 anos, “de conduta morigerada”, como aprendizes de técnicas agrícolas e veterinárias, por período mínimo de 10 meses.” (FARIA, 1992, p. 273).

De fato, o presidente de Minas, João Pinheiro da Silva, implantou no Estado as

fazendas-modelo, introduzindo-as como uma iniciativa estatal e gratuita. Contudo, o objetivo

inicial de João Pinheiro, de torná-las estabelecimentos de ensino secundário que absorvessem

os alunos que mais se destacassem nos cursos primários, não se consolidou. Já em 1907 elas

dedicavam-se tanto à formação de mestres de cultura – um tipo de ensino secundário

profissional agrícola apenas prático – quanto à formação aligeirada de “operários agrícolas”,

sem nenhum compromisso com o ensino teórico. Na verdade, o regulamento de 1911, citado

por Faria, referendou a política traçada por João Pinheiro, ampliando-a. Ou, como quer Otávio

Dulci (2005), institucionalizou essa política.

Quanto ao seu caráter secundário, que a proposta inicial previa, foi de fato definido

nas leis 438 e 444, ambas de 1906. Para compreender a opção de João Pinheiro pelas fazendas

modelo, pelo seu caráter estritamente prático e de difícil enquadramento em algum nível de

ensino, tal como hoje se compreende o sentido dessa expressão, optei por fazer uma

comparação entre aquelas instituições e os campos de demonstração instituídos por Crispim

extinguida em 1901. Além disso, até a publicação do decreto 2.207/1907, os serviços de ensino agrícola, incluindo aí as fazendas-modelo estavam a cargo da Inspetoria de Indústria, Minas e Colonização, da Diretoria Geral da Agricultura, Viação e Indústria. A partir daquele decreto, com autorização da lei n. 440, de 2 de outubro de 1906, os serviços da Diretoria Geral da Agricultura foram reorganizados, sendo distribuídos por duas diretorias: uma de Viação, Obras Públicas e Indústrias, e outra de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização. Para simplificar, doravante chamarei esta diretoria simplesmente de diretoria de Agricultura.

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Jacques Bias Fortes em 1895. Contudo, não resumo a análise a esta comparação, e procuro

caracterizar as fazendas-modelo a partir de outros documentos.

Primeiramente, instigou-me a fazê-la – a comparação – um comentário de Carlos

Prates3 em 1911, quando, em mais um de seus relatórios da diretoria de Agricultura, fez um

pequeno retrospecto do ensino agrícola em Minas Gerais. Dizia ele que

“no ano de 1896, sob o governo do exmo. sr. dr. Bias Fortes, foi iniciado o ensino agrícola, mais teórico do que prático, que teve então uma existência efêmera, durando os campos de experiência e de demonstração cerca de um ano e os estabelecimentos de ensino até 1898. Ficou, pois, este serviço paralisado, até que em 1906 foi de novo começado, mas debaixo de outros moldes mais práticos, tendo-se em vista, principalmente, ensinar o manejo de máquinas agrícolas e os processos aperfeiçoados de lavoura, fazendo-se propaganda prática de tais máquinas e processos. Foi para este fim que o governo do benemérito dr. João Pinheiro da Silva estabeleceu, naquele ano e pela primeira vez em nosso Estado, as fazendas modelo e restabeleceu os campos de demonstração”4.

Carlos Prates caracterizou as fazendas-modelo como uma continuação da política

anterior, que ele identificou com Bias Fortes, marcada cronologicamente pelo ano de 1896. A

comparação entre essas duas políticas tornou-se um campo fértil para analisar as próprias

fazendas-modelo. Retomo inicialmente a análise do decreto nº 960/1896, que instituiu os

campos de demonstração. No Capítulo 1 referi-me a alguns pontos daquele decreto,

ressaltando a opção do então presidente do Estado, Bias Fortes, de transformar todas as

instituições de ensino agrícola, exceto os Institutos de Uberaba e Itabira, em campos de

demonstração. Diferentemente de Carlos Prates, entendo que o ensino agrícola “mais teórico

do que prático” foi iniciado não por Bias Fortes, mas por Afonso Pena, em 1892, ainda que

pese a lenta implantação da política de ensino agrícola então instituída por lei. Bias Fortes, ao

contrário, efetivou um ensino mais prático do que teórico, sem abrir mão deste, como

demonstrei anteriormente.

J. Amândio Sobral, um dos regentes agrícolas portugueses contratados por Bias Fortes,

3 Engenheiro, professor e funcionário público, Carlos Leopoldo Prates nasceu no Termo de Montes Claros, em 21 de dezembro de 1864. Graduou-se como engenheiro civil e de minas pela EMOP em 1890, assumindo em seguida o cargo de Químico da Comissão de Estatística, no primeiro mandato de João Pinheiro da Silva como Presidente do Estado. Desenvolveu atividades industriais e dirigiu uma empresa de mineração, em Caeté. Foi engenheiro do Estado, inspetor geral de Terras e Colonização e, em 1907, assumiu a direção da recém-criada diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, organizada por João Pinheiro da Silva. Foi um dos fundadores da Escola Livre de Engenharia da Capital, e seu professor de Química Teórica e Prática (MONTEIRO, 1994). Também atuou como professor de matemática no Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto, em fins do século XIX (Revista Industrial de Minas Gerais, 10 de maio de 1897). Faleceu em 6 de fevereiro de 1914, em Belo Horizonte, quando ainda exercia o cargo de diretor de Agricultura. 4 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. José Gonçalves de Sousa, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústrias, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1911 [referente a 1910]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1911, p. 35.

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afirmou em 1897 que, no governo deste, “a propaganda agrícola continua e passou a tomar

uma feição mais prática, certamente mais compatível com o estado atual da agricultura e

principalmente com a educação do lavrador” 5. Justificou, assim, o ensino agrícola mais

prático tanto pelas necessidades da lavoura quanto pela suposta incapacidade do trabalhador

rural e dos proprietários, em geral, visto que o termo “lavrador”, como discuti no capítulo

anterior, neste momento não se referia somente ao trabalhador que lidava diretamente com a

terra, mas também aos proprietários, que deveriam ser convencidos da necessidade de

modernização da agricultura.

A leitura do decreto, somada à indicação de Carlos Prates, leva-me a afirmar que João

Pinheiro apoiou-se inclusive neste regulamento, e na curta experiência dos campos de

demonstração e das outras instituições de ensino agrícola de fins de século XIX, para elaborar

a sua política baseada nas fazendas-modelo. Mesmo retirado em Caeté, cuidando de sua

fábrica de cerâmica, João Pinheiro deve ter entrado em contato com as discussões que

permearam a criação, implantação e desmonte desses estabelecimentos. Faço esta assertiva

tendo por base a Revista Industrial de Minas Gerais, que publicou em dois de seus números,

artigos referentes à cerâmica de João Pinheiro6, e por onde pude acompanhar aquelas

discussões. É possível, pois, que João Pinheiro tivesse entrado em contato com alguns

números dessa revista, pois que esta o interessava, e, que, portanto pudesse ter acompanhado

as discussões sobre os campos de demonstração por meio desta publicação.

Pode-se dizer, assim, que os campos de demonstração foram precursores das fazendas-

modelo, que João Pinheiro tentou serem de feitio mais moderno, no sentido que venho

atribuindo à modernidade (BAUDRILLARD, 1977), imprimindo-lhes um caráter

acentuadamente prático, suprimindo a parte teórica do currículo e as explicações e preleções

previstos para estes estabelecimentos, além de racionalizar a sua administração. De qualquer

forma, as semelhanças entre aqueles campos de demonstração, do final do século XIX, e as

fazendas-modelo do inicio do século XX, experiências separadas por apenas uma década, são

evidentes, assim como o são também as dessemelhanças.

Retomo a citação que fiz do relatório de Carlos Prates à página 81, que informou ter

sido de pouco mais de um ano a duração dos campos de demonstração, ao passo que as

fazendas-modelo seguiram por quase uma década (1906-1914), enquanto política de ensino

5 Revista Industrial de Minas Gerais, n. 24, 10 de maio de 1897, p. 314. 6 Os artigos publicados foram: “Indústria - Cerâmica Nacional: os produtos da fábrica do Dr. João Pinheiro, em Caeté”. Revista Industrial de Minas Gerais, ano III, nºs 18 e 19, 15 de junho e 15 de julho de 1896, p. 156; e “Indústria: Cerâmica Nacional fundada em Caeté (Estado de Minas) pelo Dr. João Pinheiro”, Revista Industrial de Minas Gerais, ano III, nºs 20 e 21, 15 de agosto e 15 de setembro de 1896, p. 213-218.

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agrícola prático. Evidencia-se, assim, uma crescente institucionalização desse tipo de

estabelecimento, que recriou em Minas Gerais uma determinada forma de escolarização do

trabalho agrícola.

No que diz respeito aos aprendizes, várias considerações são possíveis. Nos campos de

demonstração, estes deveriam ter entre 14 e 20 anos, serem órfãos e pobres, recomendáveis

pelo “seu comportamento e amor ao trabalho” 7. Deveriam ainda saber ler e escrever, além

de dominar as quatro operações aritméticas (dec. 960/1896, art. 31). O número de aprendizes

seria entre seis e doze, anualmente, e deveriam permanecer por dois anos no estabelecimento.

Os aprendizes receberiam complementação da sua instrução primária elementar e

“o ensino prático dos métodos racionais de cultura, uso de instrumentos e máquinas agrícolas, cuidados a dispensar aos animais, de modo a se tornarem operários modelos, administradores aptos para a direção prática das fazendas e chefes de culturas e a serem capazes de vulgarizar os métodos, cujo conhecimento e aplicação têm os campos práticos em vista” (art. 32, grifos meus).

Assim, os aprendizes dos campos de demonstração deveriam se tornar operários

modelos, e serem jovens o suficiente para desenvolver o amor ao trabalho, numa referência

clara à chamada vagabundagem que imperava na massa da população. E, sendo órfãos,

provavelmente não teriam passado pela “escola do trabalho”, não teriam aprendido com seus

pais a lida do campo, pois sendo que “os poucos conhecimentos necessários para a prática da

agricultura extensiva se adquirem pelas lições práticas dos pais […], os órfãos de lavradores

[…] carecem de instrução e de uma educação para o trabalho” 8. Não teriam aprendido, pois, a

rotina, os métodos agrícolas que se queria superar. Além disso, seriam, ao mesmo tempo,

formados para operários e administradores de fazenda. Como se viu no primeiro capítulo, os

únicos aprendizes dos campos de demonstração dos quais tive notícia não se enquadraram

neste perfil.

Nas fazendas-modelo, os alunos deveriam ser trabalhadores agrícolas e moços nunca

menores de 18 anos. Preconizou-se uma instrução técnica voltada para um público adulto e

trabalhador. As fazendas receberiam números variáveis de aprendizes, de acordo com o tipo

em que se enquadravam, sendo de dez a trinta pessoas. Foram previstas duas modalidades de

instrução. Uma mais aligeirada, que durava no máximo 30 dias, que formava trabalhadores ou

operários agrícolas enviados pelos fazendeiros do Estado. A este público ensinar-se-ia o

manejo de máquinas agrícolas, também ministrada nas fazendas subvencionadas, às quais

faço referência mais adiante. O outro tipo de instrução, também prática, poderia durar até 10 7 Decreto 960/1896, art. 30, grifos meus. 8 Revista Industrial de Minas Gerais, 15/06/1894, p. 230, col. 2.

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meses, formando mestres de cultura. Estes deveriam ser agricultores práticos e

“moços de conduta reconhecidamente morigerada, [...] aos quais serão dadas residência e alimentação gratuitas e transporte ferroviário somente no caso de reconhecida pobreza. Estes moços tomarão parte nos trabalhos diários da fazenda, durante o tempo necessário para que possam assistir e executar todas as operações relativas às culturas em exploração na fazenda, desde o amanho dos terrenos até as colheitas e o preparo de seus produtos, sendo instruídos ao mesmo tempo, em todos os detalhes das culturas e da administração.” (Decreto nº 2.027/1907, art. 61, § único).

Esta última formação, de mestres de cultura, mais ampla e aprofundada, era

compatível com aquela prevista para os campos de demonstração. Porém, em se tratando da

legislação, foi muito mais restrita em termos de sujeitos da aprendizagem, visto que foi

dispensada somente a alguns agricultores, e não a todos os trabalhadores. Sobre estes

personagens, os mestres de cultura, tratarei deles mais adiante, no terceiro capítulo, quando

me ocuparei da fazenda-modelo da Gameleira. Em ambos os tipos de aprendizagem, não

previu-se nenhum tipo de instrução teórica – primária ou secundária, propedêutica ou

profissional. Não houve um currículo prescrito, com programas a serem cumpridos. Existiu,

sim, a proposta de se ministrar conhecimentos básicos de agricultura e pecuária, tanto aos

mestres de cultura quanto aos aprendizes operários. O conteúdo foi dado pelo próprio trabalho

agrícola que se pretendeu transformar, e pelos assim chamados novos métodos que se

intencionou disseminar pelo Estado. Tentei captar este currículo utilizando-me de vários

documentos, tais como alguns textos escritos por João Pinheiro, discussões de projetos de lei

ocorridas no Congresso Legislativo mineiro, relatórios da diretoria de Agricultura e artigos

publicados no jornal Minas Gerais. E foi a partir desses fragmentos que pude construir um

currículo para as fazendas-modelo.

O currículo das fazendas-modelo, possível de ser elaborado, o foi tendo por base o que

se ensinava principalmente, mas não somente, na fazenda da Gameleira, em seus anos iniciais

de funcionamento. Como recurso de comparação, elaborei também o currículo dos campos de

demonstração instituídos em 1895, tendo por base unicamente o programa publicado com o

decreto nº 960/1896, que regulamentou o funcionamento de tais campos. Apresento esses dois

currículos nos QUADROS 4 e 5 para evidenciar a passagem de um currículo teórico-prático

para um currículo essencialmente prático, implantado nas fazendas-modelo. Como em ambos

os casos não houve distribuição de disciplinas por cadeiras e destas em séries, optei por outra

organização.

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QUADRO 4

Currículo dos campos de demonstração do Estado de Minas Gerais, 1896

Parte teórica Parte prática � Física � Química � Ciências naturais � Português � Corografia do Brasil � Aritmética � Geometria para as medidas superficiais e de volumes � Agricultura � Criação de animais

� Utilização de ferramentas e máquinas agrícolas � Práticas das culturas, por métodos racionais � Cuidado com os rebanhos � Horticultura e fruticultura: operações de cultura, enxertia e poda. � Ferraria – modo de usar as ferramentas, modo de ferrar animais � Oficina de reparações – concertos mais freqüentes exigidos num serviço agrícola (de instrumentos aratórios, veículos) e boa conservação do material

Fonte: Decreto 960/1896. Elaboração própria.

No QUADRO 4, em que apresento o programa dos campos de demonstração, separei a

parte teórica da parte prática, sem aprofundar nos conteúdos trabalhados, restringindo-me aos

temas que apareceram no texto do decreto nº 960/1896. Estou tratando, então, do currículo

prescrito pela legislação. Já no QUADRO 5 (pág. 86), referente ao currículo das fazendas-

modelo, optei por organizá-lo por temas e conteúdos específicos a serem desenvolvidos em

cada um dos temas, pois o conteúdo foi todo prático, e em nenhum dos documentos

consultados fez-se, implícita ou explicitamente, menção a uma parte teórica. Ao contrário,

todos os documentos consultados referiram-se ao ensino essencialmente prático. A construção

deste currículo não se baseou em um texto legislativo, visto que o decreto 2.027/1907, que

reorganizou a diretoria de Agricultura e regulamentou em parte o ensino agrícola no Estado,

não trouxe esse tipo de informação. As referências que busquei para elaborá-lo, de certa forma

resultaram também em um currículo prescrito, que, contudo, sei que foi implantado, ao menos

parcialmente. Não posso, contudo, fazer essa mesma assertiva em relação ao currículo dos

campos de demonstração.

A análise do QUADRO 4 revela que houve uma extensa parte teórica prevista no

programa dos campos de demonstração do final do século XIX se comparado ao das

fazendas-modelo. Diversas disciplinas, que em geral constavam dos currículos teórico-

práticos, tanto médio quanto superior, lá estavam. Dessa parte teórica, tem-se um núcleo

básico: português, aritmética, corografia do Brasil, que corresponde ao que hoje conhecemos

como geografia física, comum ao programa das escolas primárias de um modo geral, como

pude observar em Gonçalves (2006).

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QUADRO 5

Currículo das fazendas-modelo de Minas Gerais, 1907

Tema Conteúdo específico Lavoura racional e metódica • roçada

• destocamento • aradura • destorroamento • gradeamento • semeadura • capina • chegar terra • colheita • preparo dos produtos

Manejo de máquinas agrícolas

Aratórias • Arados • Destocadores – tira tocos • Destorroadores – desfaz torrões • Grade • Plantadeiras mecânicas • Semeadeiras mecânicas • Carpideiras • Ceifadeiras • Sulcadores

De beneficiamento • Descascadores, batedeiras • Irrigador de forragem • Moinho para cereais • Debulhadoras • Prensa, forno e ralo para o fabrico de farinha de

mandioca • fabrico de açúcar – engenho – cilindro, tachas,

alambiques • Desfibrador • Beneficiamento da mamona – prensa para óleo,

torrador, refinador • Pilão

Irrigação • Diques de inundação, drenos, nivelamento de terrenos

• Açudes • Aproveitamento de águas subterrâneas: moinhos de

vento e poços tubulares Adubação • Orgânica: estercos e adubação verde

• Inorgânica: cal, escoria Thomas, sulfato de potassa, salitre do Chile, nitragina, cinzas

Administração de fazendas • Escrituração agrícola: orçamento do custo de produção por unidade de medida: preço das máquinas, custo de instalação, custo da mão-de-obra, de cada um dos serviços da lavoura, dedução de lucro.

• Produção de relatórios Criação de animais • Animais de serviço – tração para máquinas

agrícolas e de beneficiamento – bois, muares e cavalares

• Melhoramento de raças o Cuidados na manutenção de reprodutores:

forragens, imunização o Inseminação natural assistida

Rudimentos de eletricidade Rudimentos de mecânica • Instalação de máquinas agrícolas

• Pequenos concertos de máquinas agrícolas Fontes: Editoriais e artigos do jornal Minas Gerais, relatórios da diretoria de Agricultura, Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais. Elaboração própria.

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Outra parte, que poderia ser situada num grau médio, foi constituída de conhecimentos

científicos básicos: física, química, ciências naturais. Esta última disciplina em geral envolvia

a botânica, a zoologia e a geologia. E, finalmente, uma parte específica, que dava ao currículo

o seu caráter técnico-agrícola: geometria para as medidas superficiais e de volumes,

agricultura e criação de animais. Quanto à parte prática, esta foi bem próxima do currículo das

fazendas-modelo: o aprendizado do manejo de instrumentos e máquinas agrícolas; a prática

de culturas racionais e de cuidado com os rebanhos; horticultura e fruticultura; ferraria; e um

pouco de mecânica agrícola, implícita na disciplina “oficina de reparações”.

O currículo que pude construir para as fazendas-modelo do início do século XX é bem

mais rico em informações, pelos motivos já explicitados anteriormente. O seu cerne era tornar

conhecidos os métodos da lavoura racional e metódica, em todas as suas fases, principalmente

com a utilização de máquinas agrícolas, que diminuiriam a necessidade de mão-de-obra; de

máquinas de beneficiamento, que agregariam valor aos produtos, melhorando a colocação dos

mesmos nos mercados, aumentando os lucros dos produtores e, consequentemente, a “riqueza

pública”; de adubação orgânica e inorgânica, que tornaria novamente disponível à agricultura

os solos esgotados; a irrigação, que possibilitaria a utilização durante todo o ano de terras em

locais sujeitos à seca periódica, minimizando os efeitos desta, prevenindo o produtor das

variações e intempéries climáticas.

Pode-se dizer que o currículo das fazendas-modelo incluía, de forma ampla, o domínio

de algumas técnicas e métodos agrícolas – manejo de máquinas, irrigação, adubação – e

também de alguns conhecimentos de administração de explorações agrícolas, principalmente

a escrituração da produção. Mais especificamente, os aprendizes e também os fazendeiros que

visitavam as fazendas-modelo poderiam ver

“como se destoca9, como se revolve a terra com o moderno arado […] de disco reversível, como se destorroa10 e como se grada; ver a tirada e condução da água que domina o terreno a plantar, como se faz a irrigação por inundação e como se faz a água atravessar em terreno frouxo as depressões da superfície. Verá mais a plantadeira mecânica e a regularidade e beleza do serviço por ela executado. A lição mais proveitosa é saber por quanto tudo isto fica e verificar que fica por muito pouco dinheiro.”11.

A proposta era habituar os aprendizes a “orçar o custo de produção e a deduzir dele o

9 Refere-se ao ato de destocar, de retirar tocos do solo durante o preparo do mesmo para semeá-lo. 10 Refere-se ao ato de desfazer torrões de terra. 11

Jornal Minas Gerais, 21/03/1907, p. 1, co. 1.

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lucro líquido, tudo por processos simples e práticos” 12. João Pinheiro pretendia, de acordo

com o que pude apurar, estimular um tipo de empreendedorismo, ensinando aos aprendizes e

fazendeiros como “se ganha dinheiro, um dos fins para que foram criadas [as fazendas-

modelo] no interesse geral e instante do povo” 13.

A parte de contabilidade agrícola foi ministrada exclusivamente aos mestres de cultura

que se formaram na fazenda-modelo da Gameleira. Implicou o aprendizado da escrituração

das fazendas, entendidas como explorações ou empresas agrícolas. Assim, era fundamental ao

mestre de cultura conseguir calcular gastos e deduzir lucros das plantações, planejando-as a

partir de uma lógica racionalista e produtivista; e fazer todos esses cálculos por medida de

área, para facilitar a percepção dos visitantes das fazendas-modelo sobre as vantagens dos

métodos modernos sobre os rotineiros.

Na parte de criação de animais, sobressai-se a tentativa de introduzir reprodutores de

raça para o melhoramento dos rebanhos mineiros. Isso compreendia a adaptação dos animais

estrangeiros aos climas de Minas Gerais, processo denominado aclimatação ou aclimação, que

consistia em manter o animal por um período de tempo em uma fazenda, até ele se acostumar

ao novo ambiente e voltar a engordar, dar leite etc.; a produção de resistência a doenças, por

meio da imunização com vacinas; e o que estou considerando como inseminação natural

assistida, que os contemporâneos denominavam lançamentos, ou seja, a reprodução

propriamente dita, ou entre animais puros, ou a partir de cruzamentos com as raças

consideradas “indígenas”. Há que se considerar também o cuidado com a alimentação desses

animais e com a dos animais de serviço das fazendas, os de tração, que em geral eram bois,

muares (burros) e cavalos.

Toda essa discussão, além do propósito de evidenciar a passagem de um currículo

prático-teórico para um currículo essencialmente prático, objetivou elucidar alguns dos

processos agrícolas e pecuários dos quais trato nesta dissertação. Além disso, é oportuno

explicitar que esses métodos, vinculados à ideia geral de progresso, encerravam uma

determinada concepção de natureza, e da relação desta com o ser humano. Esta relação, dizia

respeito, fundamentalmente, à dominação do homem sobre a natureza.

Nos campos de demonstração instituídos em 1895, os aprendizes receberiam uma

gratificação – quase simbólica, diga-se de passagem, pois poderia chegar a 12$000 (doze mil

réis) no primeiro ano e 15$000 (quinze mil réis) no segundo ano, mensais14 – além de

12 Jornal Minas Gerais, 9 de junho de 1907, p1, col. 1. 13 Jornal Minas Gerais, 9 de junho de 1907, p1, col. 1. 14 Pude saber ser essa quantia irrisória comparando-a com o jornal ou diária de outros trabalhadores. Na primeira

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alimentação, casa, roupa lavada e objetos de escritório (dec. 960/1896, art. 33). Esta

gratificação poderia ser acrescida de um prêmio pecuniário, a depender do comportamento e

dos serviços prestados durante a permanência no campo de demonstração. O decreto

960/1896 estipulava ainda uma espécie de certificação, um atestado dado ao final do segundo

ano e

“assinado pelo diretor e rubricado pelo Secretário de Estado da Agricultura, em que virão mencionados a permanência no estabelecimento, o seu comportamento e aptidões especiais, facilitando-lhes assim a entrada nas explorações agrícolas, nos campos práticos ou em instituições análogas.” (art. 38).

As fazendas-modelo davam certificação apenas aos aprendizes a mestres de cultura, e

não aos operários agrícolas. Isso indica que se teve uma característica diferente em relação ao

processo de escolarização sedimentado no país, a ausência de certificação. Os aprendizes de

formação mais rápida deveriam ser empregados dos fazendeiros, dispensando qualquer

formalidade que garantisse ou promovesse-lhes o assalariamento. Além da certificação dada

aos mestres de cultura, havia recompensas a eles, que poderia ser um emprego público na

diretoria de Agricultura. De fato, os primeiros mestres de cultura formados pela fazenda-

modelo da Gameleira se tornaram técnicos a serviço da burocracia do Estado, como

demonstrarei no Capítulo 3. O decreto 2.027/1907 previa um exame oral, prestado junto à

diretoria de Agricultura,

“que versará sobre os diferentes trabalhos de campo com os respectivos instrumentos, e numa exposição sucinta e verbal, por meio de perguntas e respostas, das regras que se devem observar na cultura das espécies exploradas na fazenda, como o modo de plantação, as épocas próprias para as diferentes espécies; o modo de estrumação, irrigação, capina, colheitas etc.; e bem assim, em relação à administração, o modo de escrituração observado na fazenda e mais detalhes que tenham feito parte da sua aprendizagem.” (art. 22).

Essa certificação foi, portanto, mais rigorosa, introduzindo uma formalidade, ou uma

característica singular da escolarização do trabalho agrícola nas fazendas-modelo. Esta

medida visou garantir a aferição da capacidade dos técnicos de que o governo precisava para

levar adiante a sua própria política. Há que se enfatizar também a instituição de um prêmio,

no mesmo decreto 2.027/1907, aos cinco aprendizes mais destacados de cada turma, o que

década do século XX, pagava-se nas fazendas-modelos, aos operários agrícolas, que executavam serviços simples, como guias de bois, conhecidos como candeeiros, serviço em geral executados por crianças, diárias em torno de mil a mil e quinhentos réis (1$000 a 1$5000) de acordo com os relatórios da diretoria de Agricultura. É possível também comparar estas gratificações com o menor salário, em 1887, pago pela Fábrica de tecidos da Cachoeira, em Curvelo, que correspondia a cerca de 300 réis ($300) por dia, de acordo com Junia de Souza Lima (2009). Ainda de acordo com a autora, a maioria dos operários desta fábrica “mesmo trabalhando de sol a sol, recebiam salários que variavam de 30.000 a 80.000 réis mensais [30$000 a 80$000], que mal davam para viverem” (Lima, 2009, p. 96).

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seria averiguado pelo exame acima referido. A cada um desses aprendizes o governo poderia

“dar gratuitamente, a título de animação, um dos melhores lotes em qualquer das colônias do

Estado, sempre que seu comportamento, durante todo o tempo de aprendizagem, nenhuma

nota desfavorável tenha merecido” (art. 64). Não encontrei, porém, nenhuma evidência de que

esses prêmios de fato tenham sido atribuídos aos aprendizes.

Assim, nas fazendas-modelo, em relação aos campos de demonstração de fins do

século XIX, substituiu-se o atestado pelo exame oral, mas apenas aplicado aos aprendizes a

mestres de cultura. Substituíram-se também os prêmios pecuniários pela doação de terrenos

nas colônias agrícolas de povoamento. Essas dessemelhanças reforçam a percepção de maior

integração na política de desenvolvimento econômico traçada por João Pinheiro, e a visão

mais pragmática que permeava suas ações.

Prosseguindo na comparação, observei uma maior racionalização na condução prática

da política de ensino agrícola por João Pinheiro. Este adotou como encarregados das direções

das fazendas-modelo, dos campos de demonstração e das colônias de povoamento, pessoas de

formação mais simples, os mestres de cultura, instruídos na própria fazenda-modelo da

Gameleira. Os campos de demonstração, em fins do século XIX, foram, como já visto,

dirigidos por técnicos estrangeiros. Há que se considerar também a diminuição do número de

funcionários técnicos das fazendas-modelo, se comparado com os vários profissionais que o

decreto 960/1896 previa para os campos de demonstração, já citados no primeiro capítulo. As

fazendas-modelo contaram com um encarregado de sua administração, que era também o

mestre de cultura responsável pelo ensino de agricultura; um ou dois auxiliares deste

encarregado; e vários trabalhadores agrícolas, que se empregavam por jornal nos momentos

em que o número de aprendizes era insuficiente para dar continuidade aos serviços da lavoura.

Dessa forma, João Pinheiro tentou criar estruturas que estariam mais de acordo com a visão

contemporânea de restrição orçamentária da máquina burocrática do Estado.

Aqui é preciso explicitar a diferença entre aprendizes a operários agrícolas e

trabalhadores jornaleiros. Os aprendizes eram já trabalhadores agrícolas, enviados pelos

fazendeiros para aprenderem o manejo das máquinas agrícolas. Não percebiam qualquer

rendimento, mas tinham direito à moradia, alimentação e lavagem de roupas. Quanto aos

jornaleiros, que também eram por vezes denominados operários agrícolas, recebiam um

salário, pago na forma de jornal ou diária. Executavam os mesmos serviços que os aprendizes

a operários agrícolas e não tinham direito a outras benesses. Pelo que pude apurar nas fontes

primárias já citadas no início deste capítulo, as fazendas-modelo não puderam prescindir

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desses trabalhadores, devido ao pequeno número de aprendizes. Mesmo no caso da

Gameleira, em que esse número foi via de regra elevado, a extensão das culturas tornou

necessária a contratação de jornaleiros durante todo o período de tempo investigado, mesmo

durante o período em que a fazenda da Gameleira contou com o serviço dos alunos do

Instituto João Pinheiro, como explicito no Capítulo 3.

Outra diferença que sobressai da análise dos dois decretos – o 960/1896 e o

2.027/1907 – diz respeito à produção agrícola e pastoril. No decreto 960/1896 havia

preocupação com a produção dos campos de demonstração, mas isso era secundário e dizia

respeito principalmente à escrituração do estabelecimento e à venda ou consumo dos produtos

produzidos internamente. O cuidado com os aprendizes era mais acentuado, expresso na

necessidade de registrá-los em livros, bem como os trabalhos executados por eles e a emissão

do atestado em que constassem suas habilidades especiais e comportamento, como já foi

explicitado. Houve ainda a possibilidade de que pessoas estranhas ao estabelecimento

assistissem aos trabalhos de cultura e criação (art. 53). Já com João Pinheiro, a vinculação

entre ensino e produção era mais estreita, recriando uma nova forma de aprendizagem dos

métodos agrícolas.

No decreto nº 2.027/1907 não havia uma preocupação explícita com o registro das

aprendizagens e dos trabalhos efetuados pelos aprendizes. Por outro lado, a produção ganhou

relevo, estava-se interessado em mostrar que os métodos mais racionais eram

economicamente viáveis; a escrituração não era somente um instrumento fiscalizador do

Estado, fazia parte da própria aprendizagem, não apenas dos aprendizes, mas também dos

fazendeiros que deveriam visitar as fazendas-modelo. Os fazendeiros passaram, assim, a ser

alvo do ensino agrícola. Com João Pinheiro, as fazendas tornaram-se a própria instituição

estatal de ensino agrícola, às quais se juntaram um pouco mais tarde os institutos primário-

agrícolas15. A fazenda tornou-se o centro da aprendizagem, apenas prática, formando mestres

de cultura, ensinando o manejo de máquinas agrícolas aos aprendizes trabalhadores e

convencendo os fazendeiros e lavradores, pelo exemplo, a adotarem os processos modernos

de cultura.

Ao relegar e até mesmo descartar o ensino teórico, essas instituições estariam voltadas

para a produção: era primordial para o sucesso da política de ensino agrícola de João Pinheiro

15 Em 9 de fevereiro de 1909, pelo decreto 2.416 foi criado o Instituto João Pinheiro, na fazenda-modelo da Gameleira. Nesse mesmo ano, o decreto n. 2.826, de 14 de maio, criou o Instituto Dom Bosco, que foi instalado somente em 30 de maio de 1910, em Itajubá. E, em 1º de agosto de 1911 o decreto 3.261 instituiu o Instituto Bueno Brandão, situado no município de Mar de Espanha.

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que as fazendas-modelo produzissem. E não apenas produzissem, mas que o fizessem em

maior quantidade, melhor qualidade e com custos menores em relação aos métodos

extensivos, ditos rotineiros. O caráter prático do ensino estava diretamente relacionado ao

método de ensino empregado – o ensino intuitivo.

João Pinheiro previa um tipo de ensino primário de agricultura ministrado aos adultos,

que objetivava habituá-los ao manejo das máquinas agrícolas. Para o estadista, este ensino

conteria duas partes essenciais, uma teórica e outra propriamente “industrial”. Este ensino

havia sido

“dividido de modo que uma repartição especial e técnica se incumba da primeira [parte], e a divulgação do trabalho mecânico e dos processos úteis, aconselhados pela teoria, seja feita intuitivamente pelos mestres práticos de cultura, espalhados pelo Estado, operando industrialmente, para que os agricultores possam avaliar das vantagens integrais e da superioridade dos processos novos, comparados com os da velha rotina.”16 .

Esta seção técnica era destinada a satisfazer as consultas dos fazendeiros sobre os

métodos modernos de agricultura e a receber as observações feitas pelos próprios fazendeiros

ilustrados. Ela deveria ser tornar “ao mesmo tempo, um centro de convergência dos esforços

esparsos, e, também, um centro de impulsão esclarecida que auxilie aos que trabalham na

agricultura a remover as dificuldades sempre nascentes em semelhantes serviços” 17

A parte dita industrial do ensino agrícola era reservada às fazendas-modelo,

principalmente. Antes de aprofundar o estudo sobre estas instituições, é mister fazer algumas

considerações sobre outro tipo de instituição de ensino agrícola implantado por João Pinheiro,

as fazendas particulares subvencionadas pelo Estado. Essas fazendas eram estabelecimentos

produtivos, que pertenciam a particulares. Deveriam ser dotadas de maquinismos agrícolas

ditos modernos e as lavouras cultivadas por processos avançados de irrigação e adubação do

solo. Naquelas que cumprissem alguns requisitos poderia ser ministrado o ensino de

agricultura a vários trabalhadores agrícolas, o qual seria subvencionado pelo Estado.

Esta foi uma maneira de incentivar a iniciativa privada a adotar os métodos modernos

de agricultura, e de difundir o ensino agrícola pelo Estado. A subvenção foi instituída pela lei

454, de 6 de setembro de 1907 que, no seu artigo 9º, parágrafo 3º, autorizou o governo

estadual a “subvencionar com 300$ (trezentos mil réis) mensais a particulares que, em

estabelecimentos agrícolas próprios, o instituírem, e mantiverem processos de cultura

mecânica e se prestarem a admitir em os referidos estabelecimentos cinco aprendizes de 16 MENSAGEM dirigida pelo presidente do Estado, dr. João Pinheiro da Silva ao Congresso Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1907, p. 5. 17 Jornal Minas Gerais, 25 de novembro de 1906, p. 1, col. 2.

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mecânica agrícola”. Tal lei foi regulamentada em 18 de fevereiro de 1908 por um ato do

secretário interino das Finanças, Carvalho Brito18. Nas instruções, elaboradas por Carlos

Prates e aprovadas pelo secretário, estipulou-se os seguintes critérios:

“a) possuir, pelo menos, 2 arados, 2 grades, 1 destorroador, 2 semeadores e 2 capinadoras; b) praticar a cultura dos cereais, ainda que a fazenda se destine especialmente á exploração de outra ou outras culturas; c) empregar, mesmo a título de experiências, dos adubos orgânicos, adubos químicos e irrigação; d) admitir e manter permanentemente 5 aprendizes aos quais ministrará, gratuitamente, durante o prazo máximo de 30 dias, o ensino pratica de agricultura e do manejo das máquinas agrícolas, bem como acomodações e sustento; e) permitir que seja verificado o preenchimento das condições especificadas nas letras a e d por um funcionário da Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização.”19.

A diretoria de Agricultura estipulou também que somente poderia ser subvencionada

uma fazenda particular por município, naqueles onde não houvessem fazendas-modelo,

estadual ou municipal. As fazendas particulares foram subvencionadas entre 1908 e 1911,

quando foram regulamentadas pelo decreto 3.356/1911. Este ato executivo limitou a 10 o

número de fazendas que poderiam receber a subvenção, por no máximo 24 meses. Esta

medida foi tomada por já estar conhecido,

“em quase todo o Estado, o manejo das máquinas agrícolas”. Além disso, o governo, “como medidas complementares, aconselhadas pela experiência, estabeleceu [n]o citado decreto a condição de provarem os proprietários de fazendas ter perfeito conhecimento do manejo das máquinas agrícolas, da sua montagem e desmontagem; à elevação, a 60 dias, do período de duração do ensino prático de agricultura que, por ser de 30 dias, era insuficiente para a aprendizagem, a obrigatoriedade do ensino e do manejo de máquinas, ainda mesmo na época das colheitas; a manutenção de uma escrita regular dos trabalhos feitos na fazenda, para mostrar as despesas com cada lavoura ou plantação e o lucro ou prejuízo verificado; apresentação de um minucioso relatório, no qual venham descritos os serviços feitos durante o ano, a natureza das culturas, os processos empregados e os resultados obtidos, bem como o movimento dos aprendizes” 20

Quanto a estar difundido o manejo de máquinas, questionarei esta assertiva no

Capítulo 4. Em relação às medidas práticas implantadas com o decreto 3.356/1911, elas

apontaram para um maior rigor na fiscalização por parte do Estado. Após o decreto, o número

de fazendas subvencionadas diminuiu, e consequentemente dos aprendizes que elas 18 Político, advogado, banqueiro e empresário, Manuel Tomás de Carvalho Brito nasceu em Antônio Dias, município de Itabira do Mato Dentro, Província de Minas Gerais, a 17 de janeiro de 1872. Foi deputado estadual (1899-1903), deputado federal (1903-1908; 1921-1924) e senador estadual (1919-1921). Ocupou o cargo de secretário do Interior e Justiça no governo de João Pinheiro da Silva (1906-1908) e, cumulativamente, foi secretário das Finanças de 1907 a 1908. Após a revolução de 1930, exilou-se na Europa e deixou definitivamente a vida pública. Faleceu no Rio de Janeiro, DF, a 11 de dezembro de 1952. (MONTEIRO, 1994). 19 Jornal Minas Gerais, 22 de fevereiro de 1908, p. 3, cols. 1 e 2. 20 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 24.

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formaram, até que a subvenção foi suspensa, em 1914. Na TAB. 1 relacionei o número de

fazendas subvencionadas e o número de aprendizes que lá se formaram, entre 1908 e 1914.

Os números de aprendizes impressionam principalmente se comparados com os que as

fazendas-modelo conseguiram efetivamente formar – 309, entre 1907 e 1914 (TAB. 2, pág.

107). As fazendas subvencionadas formaram cerca de oito vezes mais aprendizes do que as

fazendas-modelo, praticamente no mesmo período de tempo. Porém, muitas dúvidas pairavam

sobre a real aprendizagem, uma vez que era deficiente a fiscalização sobre as fazendas

particulares. Maria Auxiliadora indica que

“o caráter marcadamente protecionista dessa medida, beneficiava apenas os fazendeiros. Além do recebimento mensal da quantia nada desprezível de 300$000, ainda contavam com o trabalho não remunerado dos alunos-aprendizes, […]. Esse afluxo de mão-de-obra num mercado de trabalho que se caracteriza pela desorganização era altamente benéfico aos proprietários dos meios de produção. Tanto que, em 1911, o Estado teve que limitar o número de fazendas a serem subvencionadas e apresentar uma série de exigências para a concessão dos benefícios. Mesmo assim, o sistema não funcionou e resultou, segundo o governo, em oportunidade para abusos por parte dos beneficiados.” (FARIA, 1992, p. 280).

TABELA 1 Número de fazendas subvencionadas pelo Estado e seus respectivos aprendizes, Minas Gerais, 1908-1914

Ano Número de fazendas subvencionadas

Número de aprendizes

1908 10 203

1909 16 678

1910 22 843

1911 15 490

1912 8 127

1913 5 115

1914 7 85

83(1) 2551

Fonte: relatórios anuais da diretoria de agricultura e da secretaria da Agricultura, publicados entre 1908 e 1915. Elaboração própria.

(1) Esse número não indica 83 fazendas diferentes que receberam a subvenção, já que vários desses estabelecimentos receberam a subvenção por mais de um ano.

Concordo que o recebimento de 300 mil réis e a possibilidade do trabalho não

remunerado beneficiaram sobretudo aos fazendeiros, oportunizando abusos por parte destes.

Contudo, não relaciono as restrições impostas pelo decreto 3.356/1911 como resultado de um

suposto “afluxo de mão-de-obra”. Pois, se a mão-de-obra tivesse afluído para as fazendas para

aprender o manejo de máquinas, a iniciativa de João Pinheiro teria sido um sucesso, e não

teria sido extinguida por “sua comprovada ineficácia” (FARIA, 1992, p. 281), como bem

observou Maria Auxiliadora Faria. É importante ainda ressaltar que considero as fazendas

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subvencionadas como um complemento fundamental à política de se estabelecer fazendas-

modelo porque estes últimos estabelecimentos deveriam servir como exemplos produtivos à

iniciativa particular. Dessa forma, as fazendas subvencionadas, modeladas pelas fazendas do

Estado, ensinariam, tal como estas, os processos modernos de agricultura, em número muito

maior do que as do Estado poderiam ministrar caso os particulares aderissem à proposta do

governo. Se o ensino foi realmente ministrado aos aprendizes que assinavam as listas que os

fazendeiros remetiam à diretoria de Agricultura, base dos dados compilados na TAB.1, não

pude esclarecer.

Retornando às fazendas-modelo, a proposta que João Pinheiro colocou em execução,

em 1906 previu a instalação de três tipos desses estabelecimentos, diferenciados pelo tipo de

motor que preferencialmente empregariam: se motor animal, hidráulico ou até mesmo

elétrico. Diferenciaram-se também pelo tamanho da propriedade e, principalmente, pela

complexidade das atividades que nelas se realizariam: se pequena produção, com máquinas

agrícolas de tração animal; se produção maior; se aptas a beneficiar produtos agrícolas21. O

decreto 2.027, de 8 de junho de 1907 modificou os tipos de fazendas-modelo e enquadrou

esses estabelecimentos conforme descrevo no QUADRO 6.

QUADRO 6

Tipos de fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907

Tipos Tamanho do terreno Máquinas agrícolas Tração Tipos de cultura

A 10 alqueires Aratórias Animal Um

B 25 alqueires Aratórias e de beneficiamento simples Animal Dois ou três

C 40 alqueires Aratórias e de beneficiamento Hidráulica Policultura

D 80 alqueires Aratórias e de beneficiamento Hidráulica ou elétrica Policultura, laticínios e produtos florestais

Fonte: decreto 2.027, 8 de junho de 1907.

Na prática, a divisão entre esses tipos não foi tão clara como previu o regulamento.

Parece-me que nem mesmo chegou-se a implantar uma fazenda-modelo nos moldes do tipo

D. As fazendas-modelo caracterizaram-se, no geral, por depender exclusivamente, ou quase,

da tração animal; possuíam diversas culturas; dedicavam-se à criação de reprodutores de raça;

e variou bastante o tamanho das propriedades.

O referido regulamento deixou claro, também, que as seis fazendas-modelo previstas

pela lei 438/1906 seriam apenas aquelas em que as despesas de instalação ocorressem por 21 De acordo com o editorial “Agricultura”, publicado no jornal Minas Gerais, de 25/11/1906, cuja autoria é atribuída a João Pinheiro.

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conta exclusiva do Estado, excluindo desse número as instaladas por iniciativa dos

particulares e das Câmaras Municipais. Essas últimas, segundo o artigo 55, seriam

“administradas e custeadas pelo Estado diretamente, pertencendo-lhe a propriedade e o

respectivo rendimento”. Dessa forma, o decreto 2.027/1907 ampliou, em relação à lei

438/1906, a possibilidade de instalar-se fazendas-modelo no Estado. Esta ampliação é que

permitiu a criação de algumas fazendas-modelo, sem, contudo, que o seu número fosse mais

significativo do que o previsto na lei 438/1906, como discutirei mais adiante.

A proposta de criação das fazendas-modelo, tanto no que observei no regulamento

promulgado com o decreto 2.207/1907, quanto nas discussões da tramitação do projeto n.

167/1906, que deu origem à lei 438/1906, levou-me a inferir que essas fazendas tinham por

missão agir como “polos de desenvolvimento” para as diferentes regiões do Estado. Vejamos

por que.

Jonh D. Wirth caracterizou o Estado de Minas Gerais, que ele estudou no período

designado como primeira e segunda repúblicas (1889-1937), como um

“mosaico de sete zonas diferentes ou sub-regiões […] Por um lado, este estado heterogêneo, […] refletia o impulso histórico de outras unidades além das fronteiras políticas da região. Por outro lado, cada zona desenvolveu-se numa linha diferente de tempo, dando ao estado uma longa história de crescimentos desarticulados e descontínuos” (WIRTH, 1982, p. 41).

Foi possível ao autor identificar as características decorrentes desse desenvolvimento

desigual. As zonas

“Oeste e o sudoeste, o Triângulo e o Sul são extensões lógicas do interior de São Paulo, ao qual o primeiro esteve ligado juridicamente até 1816, e ao qual todos ainda estão ligados econômica e culturalmente. A maior parte do vale do Rio São Francisco geograficamente faz parte do sertão brasileiro, que se alonga além da Bahia e Pernambuco, atingindo o Ceará. De fato, a parte norte de Minas foi administrada a partir de Salvador, Bahia, até 1750; quase todas as suas exportações atravessam Salvador até o presente século. O Oeste pertencia à fronteira colonial do gado, estendendo-se da Bahia a Goiás. No sudeste, a zona da Mata gravitava para o porto da cidade do Rio de Janeiro, fazendo parte do interior do Rio de Janeiro, desde o início do 'boom' do café em 1830. E, além da fronteira da zona Leste, o pequeno estado do Espírito Santo isolava os mineiros do mar, como era o desejo de Portugal” (WIRTH, 1982, p. 41-42).

Dessa forma, as zonas da Mata, do Sul e Triângulo ligavam-se tradicionalmente aos

polos de desenvolvimento do Rio e São Paulo, enquanto as do Norte e Oeste, menos

desenvolvidas, “eram extensões da Bahia” (WIRTH, 1982, p. 42). Por fim, a zona do Centro,

onde se instalou a sede do governo provincial e, depois, do estadual, isolou-se do resto de

Minas, e na qual “os governantes viram sua autoridade sobre as outras zonas diminuir pela

falta de influência econômica e as parcas comunicações”. Além disso, “com suas cidades

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barrocas do século XVIII, [o Centro] desenvolveu tradições que vieram tipificar a cultura

mineira” (WIRTH, 1982, p. 42). Na Fig. 1, reproduzo um mapa publicado por John D. Wirth

(1982), com a divisão entre as sete zonas mineiras citadas pelo autor.

Figura 1 – As zonas mineiras, segundo o uso corrente, 1889-1930. Fonte: John D. Wirth, 1982, p. 42. Em uma das discussões do projeto n. 167/1906, que deu origem à lei 438/1906, na

Câmara do Congresso Legislativo, o deputado Ignácio Murta sugeriu que as fazendas-

modelos fossem instaladas nas regiões que não eram servidas por estradas de ferro. A

proposição desse parlamentar ligou-se à discussão do primeiro artigo do mesmo projeto, que

previa a instalação de seis colônias agrícolas próximas às estradas de ferro e de navegação

fluvial, com o que ele concordava. E também à defesa da construção de vias de comunicação

no vasto território do norte de Minas, que correspondia ao que hoje conhecemos como

Jequitinhonha, parte do Rio Doce, do Noroeste e do Alto São Francisco. Tal proposição era

mais uma das tentativas legislativas de diminuir o fosso que separava o Norte de outras

regiões mais desenvolvidas do Estado. Ignácio Murta defendeu que, como era

“mais conveniente e de incontestável vantagem o estabelecimento de colônias agrícolas nas proximidades das ferrovias e rios navegáveis, devem as fazendas-

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modelo, de preferência, ser fundadas naquelas zonas longínquas e até agora esquecidas e privadas de viação rápida e, portanto, sem meios de desenvolverem sua lavoura, comércio e indústria” 22.

Para ele, a “vasta e futurosa zona norte - mineira”, banhada pelos rios Jequitinhonha,

Doce, Mucuri, Araçuaí, Pardo e São Francisco, possuía inesgotáveis riquezas minerais e terras

de superior qualidade para todos os tipos de cultura. Assim, “a fundação ali de alguma das

fazendas-modelo será de intuitiva vantagem, tanto para a indústria agrícola-pastoril, como a

conservação das matas, necessárias para a regularidade das estações, conservação das águas e

salubridade do clima” 23.

Na visão desse parlamentar, as fazendas-modelo iriam preparando a zona do norte para

receber a “suspirada visita da estrada de ferro”, concorrendo para “o desenvolvimento da

lavoura e da indústria” 24. De certa forma seu pedido foi atendido, com a instalação, em

setembro de 1907, de uma fazenda-modelo no município do Serro. O regulamento contido no

decreto 2.207/1907 previa, em seu artigo 49, que as seis fazendas-modelo instaladas às

expensas exclusivas do Estado, deveriam localizar-se: “uma no centro, uma no norte, uma no

sul, uma na zona da mata, uma no triangulo mineiro e uma na zona do oeste.” Previa também

que a atividade predominante das fazendas-modelo deveria estar de acordo com a

competência de cada área: o ensino para o cultivo da terra, nas regiões agrícolas, e o ensino da

pecuária, nas regiões pastoris. Vale dizer que a zona do Leste, de ainda incipiente

povoamento, foi excluída do regulamento.

Mais significativo e em sintonia com o discurso – e com o desejo – do deputado

Ignácio Murta, foram as prescrições contidas nos artigos 57, 58 e 59 do referido regulamento.

Tais artigos determinavam que o governo mantivesse reprodutores de diversos animais para

que os criadores levassem suas fêmeas para cruzamento, melhorando o rebanho do Estado;

que mantivesse um estoque de máquinas agrícolas e de beneficiamento, a serem cedidas a

preço de custo aos agricultores e colonos das colônias anexas às fazendas-modelo; e que as

fazendas-modelo cedessem, por empreitada, trabalhadores agrícolas às fazendas vizinhas,

numa tentativa de suprir a falta de mão-de-obra para a lavoura. Em outras palavras, um centro

irradiador de progresso e oportunidades para os lavradores e criadores que se situavam

distantes dos polos mais dinâmicos economicamente do Estado. Dessas finalidades, as

fazendas-modelo conseguiram, de fato, realizar ao menos uma, a de manter reprodutores de

22 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 284. 23 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 284. 24 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS, op. cit., 1906, p. 286.

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raça, ao serem instalados em seus terrenos os postos zootécnicos, a partir de novembro de

1908, quando foi inaugurado o da Gameleira. A tudo isso se somava o propósito central das

fazendas-modelo, que era ministrar o ensino agrícola prático aos trabalhadores nacionais,

mais uma característica potencialmente geradora de progresso regional.

Assim, mesmo não aparecendo a expressão “polos de desenvolvimento” nas

discussões da lei 438/1906, nem no seu texto legislativo, o fato dos parlamentares usarem a

expressão “desenvolvimento”, no sentido de progresso econômico das regiões menos

adiantadas do Estado, como o próprio norte de Minas, me autoriza a utilizar a expressão

acima. Contudo, é preciso assinalar que, a despeito dessas discussões encetadas na Câmara

dos Deputados mineiros, as fazendas-modelo foram instaladas em cidades em geral bem

antigas, servidas por estradas de ferro e, portanto, com algum grau de desenvolvimento. Além

disso, nem todas as zonas tiveram suas fazendas-modelo, como pode ser observado no

QUADRO 7 e na Fig. 2. Ao que tudo indica, a escolha dos locais de instalação das fazendas-

modelo obedeceu a critérios antes políticos do que econômicos. Dessa forma, a sua atuação

como “polos de desenvolvimento regional” ficou comprometida desde muito cedo.

QUADRO 7

Localização, data e instrumento de criação das fazendas-modelo, Minas Gerais, 1906-1914

Fazendas-modelo

Localização Data de criação

Instrumento de criação

Município Região

Gameleira Belo Horizonte Centro 26/11/06 Compra de terrenos pelo governo estadual.

Fábrica Serro Centro/Norte 25/09/07 Decreto 2.099/1907. Compra de terrenos pelo governo estadual.

Retiro do Recreio Santa Bárbara Centro 27/11/07 Decreto 2.129/1907. Doação de terrenos pela Câmara Municipal de Santa Bárbara.

Diniz Itapecerica Oeste 04/12/07 Decreto 2.131/1907. Doação de terrenos por particulares.

Aiuruoca Aiuruoca Sul 11/mar/1908 Decreto 2.201/1908. Doação de terrenos pela Câmara Municipal de Aiuruoca.

Bairro Alto Campanha Sul 27/11/08 Decreto 2.309/1908. Transferência de propriedade da União para o Estado.

Fontes: Relatórios da diretoria de Agricultura, op. cit., 1908 e 1909, legislação mineira, jornal Minas Gerais (1907-1909). Elaboração própria.

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Figura 2 - Localização dos municípios que abrigaram fazendas-modelo e o campo de demonstração de Aiuruoca, Minas Gerais, 1908-1915. Fonte: Adaptado de John D. Wirth (1982). Este mapa tem por objetivo apresentar de forma aproximada a

localização das instituições pesquisadas, visto não ter sido possível conseguir uma fonte segura para realizar tal empreendimento com exatidão.

Entre 1906 e 1909 foram várias as tentativas de se criarem fazendas-modelo, tanto por

parte do Estado, quanto pelas municipalidades e até mesmo por particulares. Maria

Auxiliadora Faria indica que

pela lei nº 438, de 24 de setembro de 1906, o governo foi autorizado a criar 6 fazendas modelo, das quais só 5 foram efetivamente instaladas: Fazenda Modelo da Gameleira, em Belo Horizonte; da Fábrica, no Serro; do Retiro do Recreio, em Sta. Bárbara; Diniz, em Itapecerica e Bairro Alto, em Campanha. O regulamento de 1911 ampliou a possibilidade de criação de novas fazendas, desde que conveniadas com os governos municipais. Apesar dos incentivos do Estado às eventuais iniciativas dos municípios, nenhum deles manifestou interesse e o número das fazendas modelo não foi alterado. (FARIA, 1992, p. 273).

Apurei que, por iniciativa do governo estadual, foram criadas somente três das

fazendas-modelo citadas por Maria Auxiliadora Faria: a da Gameleira, a da Fábrica, e a do

Bairro Alto (ver QUADRO 7, pág. 99). As duas primeiras tiveram seus terrenos escolhidos

por João Pinheiro e a última foi criada a partir de uma doação de terras feita pelo governo

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federal. A localização, por zona e por município, destas e das outras fazendas-modelos que

existiram durante o período estudado, estão descritas no QUADRO 7 e representadas na Fig.

2.

Como já visto, a lei 438/1906, promulgada cinco anos antes do regulamento de 1911,

citado por Faria, já previa arranjos entre Câmaras Municipais e particulares com o governo

estadual. Contudo, o decreto que regulamentou esta lei, o 2.027/1907, não determinou como

seriam os acordos entre particulares e Estado. Em todo caso, os municípios poderiam ceder

terrenos para que o Estado implantasse as fazendas-modelo. Os entendimentos entre governo

estadual e proprietários particulares eram incentivados pela imprensa oficial e a diretoria de

Agricultura terminou por enquadrar as iniciativas particulares de se fundar fazendas-modelo

no mesmo artigo 55, do decreto 2.027/1907. Ressalvo, novamente, o caráter de

institucionalização do ensino agrícola, e não apenas de implantação, que teve o decreto

3.356/1911.

Um daqueles editoriais do jornal Minas Gerais que considero terem sido escritos por

João Pinheiro explicava que o Congresso Mineiro havia votado verba de 500 contos de réis

para auxiliar as municipalidades que quisessem fundar fazendas-modelo. Assim,

“por este meio e com tão pequeno sacrifício, o povo verá o que é um arado, um rolo, uma grade e como estas máquinas trabalham e que imensas vantagens as da sua aplicação, e, estabelecido este pequeno núcleo em cada município, não será difícil que a ação se irradie pelos distritos.” 25.

João Pinheiro acreditava que, dessa forma, o ensino agrícola se espalharia pelo Estado,

utilizando-se poucos recursos. Considero que esta sua concepção, de que o progresso do

Estado viria necessariamente com a contribuição e, mais do que isso, com a participação ativa

das municipalidades, vinculou-se à sua experiência na Câmara Municipal de Caeté, no

período em que esteve afastado da política mais ampla do Estado. João Pinheiro assumiu a

presidência da Câmara Municipal e as funções de agente executivo de Caeté em 1º de janeiro

de 1899 (BARBOSA, 1980), implantando a partir de então uma série de medidas que

apareceriam depois tanto nas teses do Congresso Agrícola de 1903 quanto no seu manifesto-

programa, como candidato à presidência do Estado de Minas Gerais. Instituiu, por exemplo,

prêmios de produção agrícola e pastoril à iniciativa privada e organizou a I Feira Municipal de

Caeté, ocorrida em setembro de 1902 (BARBOSA, 1980). No manifesto-programa de sua

candidatura à presidência de Minas, declarou que esperava ser

“eficazmente auxiliado pelos governos municipais. Eles gozam na República e

25 Jornal Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1907, p. 1, col. 1.

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principalmente em Minas, de ampla liberdade de ação; acham-se em contato direto com o povo, e, portanto, devendo realizar, em menor esfera, o mesmo pensamento que inspira o Governo do Estado, cuidando mais de administração e menos de política, ou seguindo a verdadeira política. […] Que a renda municipal seja aplicada em obras públicas, […]; que se estabeleçam prêmios para o incentivo e aumento da produção; que se reduza ao mínimo o funcionalismo municipal; […] Semelhante política fará que as localidades prosperem, sendo resultante a prosperidade do Estado.” 26.

As andanças de João Pinheiro pelo interior do Estado, principalmente durante os anos

de 1906 e 1907, corroboram essa minha percepção. João Pinheiro, antes da sua posse como

presidente do Estado empreendeu uma excursão, em junho de 1906, “por diversos municípios

da Zona da Mata, sem aviso prévio, sem se fazer acompanhar de comitiva e sem qualquer

protocolo” (BARBOSA, 1980, p. 22). E, após tornar-se chefe do executivo mineiro,

participou de todos os congressos das municipalidades, ocorridos nas zonas mineiras do Sul,

Norte e da Mata27. Em um editorial do jornal Minas Gerais conclamou as municipalidades a

se unirem ao Governo nessa empreitada, solicitando a elas que concorressem “com o mínimo

de terras e subvenção […] e se terá generalizado por todo Estado o ensino e o emprego das

máquinas agrícolas. Não vale a pena o sacrifício por parte das municipalidades?”28

De alguma forma, as municipalidades atenderam a esta convocação de João Pinheiro.

Consegui mapear, no jornal Minas Gerais, que houve pelo menos quinze iniciativas

municipais para a fundação de fazendas-modelo que não se efetivaram, sendo doze tentativas

por parte das Câmaras Municipais e três iniciativas particulares (ver QUADRO 8). Mas,

apesar da verba ter sido votada, e as terras terem sido oferecidas pelas municipalidades e por

particulares, as iniciativas não foram transformadas em realidade, em boa parte dos casos. De

fato, a maioria das tentativas de se implantar fazendas-modelo, por essa via, não resultou em

efetivação deste tipo de estabelecimento, e fracassaram.

Além dessas, houve mais três iniciativas municipais, e que obtiveram sucesso. A

fazenda-modelo Diniz, em Itapecerica, instituída por decreto, foi criada a partir da doação de

terrenos por particulares da cidade. Já a fazenda Retiro do Recreio, em Santa Bárbara, e o

campo de demonstração de Aiuruoca, situado nos arredores da cidade de mesmo nome, foram

instituídos, também por decreto, mas tendo como ponto de partida os terrenos doados pelas

26 PINHEIRO da Silva, João. Ao povo mineiro. In: BARBOSA, 1980, p. 195. 27 O Congresso das Municipalidades do Sul ocorreu em Itajubá, entre os dias 26 e 28 de abril de 1907; o das Municipalidades do Norte reuniu-se na cidade de Diamantina, entre 20 e 22 de setembro do mesmo ano; já o Congresso da Mata foi instalado na cidade de Leopoldina, entre os dias 12 e 14 de outubro de 1907 (BARBOSA, 1980). 28 Jornal Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1907, p.1, col. 2.

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respectivas Câmaras municipais. Ver também QUADRO 7 (pág. 99).

QUADRO 8

Iniciativas municipais de se criar fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1909

Município Iniciativa Data da edição do jornal Minas Gerais

Santa Luzia do Rio das Velhas Particular. Grupo Agrícola de Traíras 19/10/1906

Ouro Fino Câmara Municipal 22/02/1907

Santa Bárbara(1) Câmara Municipal Junho/1907

Cataguases Câmara Municipal 10/07/1907

Cambuí Câmara Municipal 10/07/1907

Itapecerica Particular – Lamounier Godofredo 03/08/1907

Aiuruoca (1) Câmara Municipal Novembro/1907

Itapecerica (2) Particular – Major Ignácio Ferreira Diniz e Beralda Rita Diniz

08/11/1907

Cristina Câmara Municipal 02/11/1907

Uberaba Câmara Municipal 02/11/1907

__ Particular. Coronel Francisco de Oliveira 02/12/1907

Dores do Indaiá Câmara Municipal 30-31/12/1907

Araguari Câmara Municipal 26/03 e 21/12/1908

Ponte Nova Câmara Municipal 11-12/05/1908

Santa Rita da Extrema Câmara Municipal 09/07/1908

Alvinópolis Câmara Municipal 12/08/1908

Juiz de Fora Câmara Municipal 21-22/12/1908

Peçanha Câmara Municipal 04/06/1909

Fonte: Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria. (1) As datas apresentadas para as duas iniciativas referem-se ao início do processo de doação das terras pelas municipalidades, que culminaram na criação de duas fazendas-modelo. (2) Esta data refere-se ao dia em que os terrenos foram efetivamente doados.

O jornal Minas Gerais noticiou, em 19 de setembro de 1906, menos de 15 dias após a

posse de João Pinheiro, que havia chegado às mãos do novo presidente do Estado “as

propostas de sete municipalidades mineiras, no sentido de se estabelecerem nos respectivos

municípios as fazendas modelo” 29. Isso elevou para vinte e cinco as tentativas municipais de

se instalar fazendas-modelos, incluindo aí aquelas que efetivamente foram implantadas. Esse

dado indicou que a criação de fazendas-modelo no Estado despertou senão o entusiasmo, mas

ao menos o interesse das autoridades municipais. Esse interesse ficou explícito, por exemplo,

29 Jornal Minas Gerais, 19 de setembro de 1906, p. 6, col. 3.

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na notícia divulgada por um jornal de Uberaba e transcrita pelo jornal Minas Gerais:

“a notícia, que fomos os primeiros a dar, de instalação de uma fazenda-modelo em Uberaba, parece que caminha para uma brilhante realidade. Há poucos dias esteve aqui o sr. Nunzio Gianatazio, mestre de cultura do Estado, […] [que] visitou demoradamente o ex-Instituto Zootécnico […] [Ele] teve agradável impressão do local, apenas considerando ser pequena a extensão de terra cedida, que é de 10 alqueires apenas”30.

Levando-se em consideração essa última afirmação, a proposta não se consolidou por

não ser suficiente o tamanho da propriedade oferecida pela municipalidade. Outra proposta, a

da Câmara de Dores do Indaiá, previu até mesmo dotação orçamentária, mas não consegui

saber por que não foi aceita. Pude averiguar que outras tentativas não deram resultados

concretos devido aos terrenos oferecidos não satisfazerem as condições necessárias para a

fundação de uma fazenda-modelo. Porém, nem sempre se indicou qual ou quais condições

não foram satisfeitas. De maneira geral, a diretoria de Agricultura, ao aprovar a instalação de

fazendas-modelo em terrenos cedidos por particulares ou Câmaras Municipais, avaliou que

estes possuíam uma parte de terrenos planos ou pouco inclinados, o que permitiria a utilização

de máquinas agrícolas aratórias, e dispunham de água suficiente para irrigação de lavouras.

Após 1909, mesmo antes, portanto, do regulamento aprovado em 1911, não mais foram

criadas fazendas-modelo, apesar das inúmeras tentativas que relatei.

Daquelas que chegaram a ser criadas, em lei ou de fato, identifiquei sete. Dessas,

apenas a fazenda-modelo D. Antônia Augusta, instituída pelo decreto n. 2.113, de 14 de

outubro de 1907, no município de Leopoldina, não deve ter sido de fato instalada. Das poucas

referências encontradas sobre esta fazenda, consegui apurar que sua área, pertencente à

Câmara Municipal de Leopoldina, foi adquirida por 6:000$000 (seis contos de réis). Em

seguida, foi anexada à colônia de povoamento Barão de Aiuruoca, situada no município de

Mar de Espanha, pela necessidade de se aumentar os terrenos da mesma.

A fazenda-modelo de Aiuruoca, citada no QUADRO 7 (pág. 99) e criada num distrito

do município do mesmo nome, foi transformada, pelo decreto n. 2.262 de 12 de agosto de

1908 em campo de demonstração, tendo uma existência efêmera enquanto fazenda-modelo.

Entretanto, o campo de demonstração existiu até 1919, e escapou mesmo de ser arrendado ou

vendido por não ser mais uma fazenda-modelo, apesar de em tudo similar. Aqui, é necessário

demarcar os limites entre fazendas-modelo e os campos de demonstração, justificando a

inclusão do campo de demonstração de Aiuruoca nesta pesquisa, que se concentra nas

fazendas-modelo. Esta justificativa extrapolou o fato de ele ter sido criado como fazenda-

30 Jornal Minas Gerais, de 08 de novembro de 1907, p. 6, col. 2.

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modelo.

A legislação dos primeiros anos republicanos; as proposições dos deputados e

senadores quando das discussões no Congresso Legislativo Mineiro, no que toca ao ensino

agrícola; e as opiniões veiculadas pela Revista Industrial de Minas Gerais, consentem em uma

indistinção entre os termos fazenda-modelo e campo de demonstração. Maria Auxiliadora

Faria (1992) distingue esses dois tipos de estabelecimentos, mas descrevendo-os de maneira

muito próxima, sendo ambos definidos como instituições de ensino agrícola prático. Os

campos de demonstração eram, de acordo com Maria Auxiliadora Faria, responsabilidade das

municipalidades, pois, “segundo o Regulamento de 1911, elas deviam concorrer com terrenos

apropriados e significativas quantias financeiras, cabendo ao governo estadual a supervisão

técnica” (FARIA, 1992, p. 282). Porém, já fiz perceber que os campos de demonstração

existiram muito antes desse regulamento, e que foram instalados por iniciativa do Estado.

Ao comparar esses tipos de estabelecimentos que existiram em fins do século XIX e as

fazendas-modelo do início do século XX, pude elencar diversas diferenças entre eles. O tipo

de organização, estrutura de ensino, o currículo ora mais ora menos prático. Contudo, o que

diferenciou as fazendas-modelo dos campos de demonstração foram as singularidades de cada

uma dessas experiências históricas que, mesmo próximas no tempo, foram resultado de

políticas distintas, mesmo que complementares.

Identifico os campos de demonstração como uma política de ensino agrícola centrada

na aprendizagem por meio da demonstração das técnicas e processos modernos de agricultura;

e, nas fazendas-modelo, a aprendizagem centrava-se na demonstração da viabilidade

produtiva das mesmas técnicas. Além disso, os campos de demonstração que existiram a partir

da assunção de João Pinheiro à presidência do Estado foram, com exceção do de Aiuruoca,

instalados como anexos a colônias de povoamento. Posso citar como exemplos aqueles que

existiram nas colônias de Nova Baden, Itambacuri e Francisco Sales.

Dessa forma, por compreender que no campo de demonstração de Aiuruoca a

aprendizagem tinha por base a produção, incluí este estabelecimento na presente dissertação.

E acabei por excluir os campos de demonstração das colônias de povoamento, que

funionaram na mesma época que o de Aiuruoca visto que, para pesquisá-los, eu teria que

estudar as colônias de povoamento, o que se tornou inviável dentro dos estreitos limites de

uma pesquisa de mestrado.

As fazendas-modelo que de fato existiram o foram até 1914/1915 quando foram

suprimidas por uma lei orçamentária. A partir de 1915, algumas foram vendidas, outras

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arrendadas, sendo que apenas a fazenda da Gameleira continuou existindo enquanto tal,

vinculada que estava ao Instituto João Pinheiro. O campo de demonstração de Aiuruoca

funcionou ainda por alguns anos, como já salientei, e a fazenda Diniz prestou serviços por

mais de uma década ao Estado, após sucessivos contratos de arrendamento. O que importa

assinalar é que a política de ensino agrícola tendo por base as fazendas-modelo encerrou-se

em 1915.

Estas instituições tiveram uma existência de fato, e não apenas nos textos emanados do

legislativo ou do executivo. Foram administradas pela diretoria de Agricultura, e não tinham

uma existência isolada umas das outras. Ao contrário, tudo indica que a diretoria de

Agricultura imprimiu um caráter de rede entre as fazendas-modelos, e destas com outros

estabelecimentos, como os campos de demonstração, de experiências, os institutos,

aprendizados e colônias agrícolas. Assim, é possível compreendê-las nessa rede, por onde

circulavam funcionários da diretoria, fazendeiros, aprendizes, informações, conhecimentos e

produtos agrícolas e pastoris.

Mesmo integradas a uma rede de propaganda e ensino agrícola primário e elementar,

as fazendas-modelo não obedeceram, do mesmo modo, às orientações político-administrativas

emanadas da diretoria de Agricultura. De todas elas, ao que tudo indica, somente a fazenda-

modelo da Gameleira formou mestres de cultura. As demais receberam aprendizes

trabalhadores e deu-lhes instrução técnica aligeirada. Receberam também diversos visitantes,

umas mais, outras menos. Do que foi possível apurar, foi pequena a frequência de aprendizes

e talvez de fazendeiros que as visitaram, em comparação com a fazenda-modelo da

Gameleira. Assim era que, em fins de 1911, a diretoria de Agricultura declarou aos

encarregados das fazendas Diniz, Fábrica, Retiro do Recreio e Bairro Alto, que “devem

admitir aprendizes nas fazendas que respectivamente administram e, bem assim, tomar

sempre nota das pessoas que as visitarem” 31. Se as ordens foram seguidas, os documentos se

perderam. Quanto aos visitantes, não me foi possível mensurá-los ou qualificá-los, a não ser

aqueles que frequentaram a fazenda-modelo da Gameleira, assim mesmo de forma precária.

Por tudo isso, a questão da aprendizagem, da formação de mestres de cultura e do ensino

intuitivo está quase que restrita ao terceiro capítulo, que versa sobre a fazenda-modelo da

Gameleira.

31 Jornal Minas Gerais, 31 de dezembro de 1911, p.2, col. 1.

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TABELA 2 Número de aprendizes das fazendas-modelo do Estado de Minas Gerais, 1907-1914

Anos

FAZENDAS-MODELO Total anual

Gameleira Fábrica Retiro do Recreio Aiuruoca Diniz Bairro Alto

1907 51 __ 7 __ 4 __ 62

1908 50 __ __ __ __ __ 50

1909 30 __ __ __ 18 __ 48

1910 23 3 __ 7 13 __ 46

1911 14 3 .... ___ 1 __ 16

1912 29 4 1 40(1) __ 4 38

1913 19 2 __ 5 __ 2 28

1914 17 __ 4 __ __ __ 21

233 12 12 12 36 6 309

Fontes: Relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura entre os anos de 1908 e 1915. Elaboração própria. (1) Este número não é exato, pois se refere aos lavradores que visitaram o campo de demonstração e também àqueles que lá estiveram para aprenderem os aperfeiçoados métodos agrícolas. Por esse motivo não foi computado no total de aprendizes daquele ano, e nem naquele referente à Aiuruoca.

Na TAB. 2 relacionei o número de aprendizes em cada fazenda-modelo e no campo de

Aiuruoca, entre 1907 e 1914. Como já salientei, o número de aprendizes no período, nas

fazendas-modelo, foi cerca de oito vezes menor se comparado com a aprendizagem nas

fazendas subvencionadas. Retomarei os dados exibidos neste quadro algumas vezes, quando

tratar isoladamente de cada uma dessas instituições, ainda neste capítulo e no próximo.

Importa assinalar que as informações desse quadro diferem um pouco daquelas elencadas por

Maria Auxiliadora Faria (1992, p. 276). Assim, para os anos de 1910 a 1914, Faria apurou o

número de 103 aprendizes para a Gameleira, treze para a Fábrica e nenhum para as outras

fazendas-modelo. De acordo com a TAB. 2, para o mesmo período considerado por Faria,

encontrei também 103 aprendizes na Gameleira, doze na Fábrica, cinco na Retiro do Recreio,

treze na fazenda-modelo Diniz e seis na do Bairro Alto, além de ter incluído o campo de

demonstração de Aiuruoca. Esta diferença eu atribuo às fontes utilizadas, pois Faria cita

apenas os relatórios da secretaria de Agricultura, enquanto eu consultei também os relatórios

da diretoria de Agricultura, que se revelaram em geral mais completos.

Em todas as fazendas-modelo fez-se alto investimento, de forma a dotá-las da infra-

estrutura necessária para os fins a que se dedicaram, o que nem sempre aconteceu. A TAB. 3

mostra o dispêndio, em moeda da época, com a instalação, manutenção e obras de adaptação

da infra-estrutura, e o valor das receitas de cada fazenda-modelo.

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TABELA 3 Receitas e despesas das fazendas-modelo, Minas Gerais, 1906-1914

FAZENDAS-MODELO TOTAL ANUAL GAMELEIRA FÁBRICA RETIRO DO

RECREIO DINIZ AIURUOCA BAIRRO ALTO

Anos Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1) Receitas Despesas (1)

1906 __ 8:000$000 __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ 8:000$000

1907 20:221$200 156:249$732 __ 6:744$130 __ 3:754$770 __ 2:520$075 __ __ __ __ 20:221$200 169:169$707

1908 20:183$369 37:691$569 __ 5:638$500 400$000 13:226$060 375$100 4:842$875 __ 14:153$280 __ __ 20:958$469 75:552$284

1909 24:123$827 46:882$297 2:760$999 6:206$270 7:671$560 25:256$176 9:886$460 9:756$710 1:408$273 4:333$003 4:862$000 16:635$977 50:713$119 109:070$433

1910 13:739$187 20:617$300 2:841$840 6:973$230 937$300 31:739$086 4:279$399 18:705$350 3:579$980 5:132$040 1:948$836 23:312$160 27:326$542 106:479$166

1911 10:494$560 12:853$870 2:755$500 8:242$782 4:155$330 13:316$965 5:922$620 8:975$525 1:027$945 5:532$225 1:792$000 22:842$586 26:147$955 71:763$953

1912 10:169$867 15:879$067 1:581$400 11:296$548 3:278$946 9:471$050 3:477$239 14:385$855 1:241$430 2:067$140 3:015$768 15:358$176 22:764$650 68:457$836

1913 9:445$300 27:467$300 1:264$175 12:304$060 1:213$260 8:454$100 6:562$253 10:615$149 735$000 2:722$316 3:555$400 12:657$955 22:775$388 74:220$880

1914 6:925$997 16:560$137 1:441$075 6:986$020 1:622$860 5:230$298 3:316$887 10:405$135 1:156$590 1:876$000 1:478$600 9:362$650 15:952$009 50:420$240

115:303$307 342:201$272 12:644$989 64:391$540 19:279$256 110:448$505 33:819$958 80:206$674 9:149$218 35:816$004 16:652$604 100:169$504 206:859$332 733:134$499

Fontes: Relatórios da diretoria de Agricultura e da Secretaria de Agricultura publicados entre 1908 e 1915. Para o ano de 1906, jornal Minas Gerais. Elaboração própria.

(1) Nas despesas, incluí, além do custeio e manutenção do estabelecimento, as despesas com obras de melhoria e ampliação da estrutura, além do custo de aquisição dos terrenos, quando foi o caso. Pelos dados disponíveis, nem sempre foi possível separar as despesas de custeio e

manutenção das despesas de obras de infra-estrutura, o que melhor demonstraria o custo de

cada fazenda, e a relação com a produção agrícola. Por isso, agrupei todas as despesas em

uma coluna apenas. Esta tabela não é exata, fornecendo informações apenas aproximadas,

apesar dos dados utilizados terem sido coletados de fontes oficiais. Isso porque algumas das

despesas feitas com as fazendas-modelo e campo de demonstração de Aiuruoca foram

diluídas em outras rubricas. Isso aconteceu, por exemplo, em relação aos pagamentos dos

encarregados de suas direções e à rubrica Máquinas Agrícolas.

A partir de 1907, estas máquinas, que já eram compradas diretamente pelo Estado,

passam a ser sistematicamente adquiridas pelo almoxarifado da diretoria de Agricultura, com

a finalidade de serem revendidas a particulares pelo preço de custo, com o frete subsidiado

pelo governo. Porém, na contabilidade final dessas máquinas, estão incluídas também aquelas

que eram enviadas para os diversos estabelecimentos agrícolas pertencentes ao Estado, tais

como as colônias de povoamento, as fazendas-modelo e campos de experiências e

demonstrações. Para se ter uma base de comparação, somente em 1907, a despesa com a

compra desses maquinismos elevou-se a 99:474$490 (noventa e nove contos, quatrocentos e

setenta e quatro mil, quatrocentos e noventa réis), do que não foi possível discriminar o que se

gastou com as fazendas-modelo.

A introdução de máquinas agrícolas no Estado, por iniciativa governamental, deu-se a

partir do governo do presidente estadual Crispim Jacques Bias Fortes, entre 1894 e 1898,

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quando Francisco Sá era o secretário da Agricultura (CARNEIRO, s/d). De 1907 até 1915,

foram 14.108 máquinas adquiridas e cedidas pela diretoria de Agricultura, tanto aos

estabelecimentos mantidos pelo Estado, quanto a particulares, além de 813 que foram

adquiridas diretamente pelos fazendeiros e transportadas gratuitamente pela mesma diretoria,

como pode ser averiguado na TAB. 4.

TABELA 4

Movimento de introdução de máquinas agrícolas no Estado de Minas Gerais, 1907-1915

Anos Adquiridas e cedidas pela diretoria de Agricultura

Adquiridas pelo agricultor e transportadas pela diretoria de

Agricultura

Total

1907 799 __ 799 1908 1.743 87 1.830 1909 1.874 218 2.092 1910 1.636 72 1.708 1911 1.304 95 1.399 1912 1.240 54 1.294 1913 1.304 140 1.414 1914 1.965 122 2.087 1915 2.243 55 2.298 14.108 813 14.921

Fonte: DIRETORIA DE AGRICULTURA Relatório apresentado ao Sr. Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas pelo Diretor de Agricultura, Indústria, Terras e Colonização e referente ao ano de 1918. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1919, p. 8. Adaptada.

Esses números foram usados em diversos documentos para comprovar a eficácia do

ensino prático de agricultura ministrado nas fazendas-modelo do Estado, particularmente na

da Gameleira. Tanto é assim que, em fins de 1907, um artigo do jornal Minas Gerais dava a

conhecer que “nos anos anteriores [a 1907], apesar de ser antiga a medida da venda de

máquinas pelo Governo, não chegou a ser vendida a vigésima parte da quantidade saída este

ano” 32. Um número talvez exagerado, a confiar em outro artigo do mesmo jornal, que

publicou os seguintes números em relação à venda dessas máquinas pelo governo: 169

unidades em 1904, 116 em 1905 e 160 em 190633, perfazendo um total de 445 máquinas em

três anos. Em outras palavras, era a propaganda agrícola a responsável pela introdução

massiva, para a realidade da época, de maquinários agrícolas, substituindo homens por

máquinas. Essa avaliação é questionável, visto relacionar apenas duas variáveis do problema:

o ensino técnico e a introdução de máquinas, desconsiderando, por exemplo, o esforço pessoal

de João Pinheiro em disseminar pelos municípios sua política de fomento à produção. De

qualquer forma, a informação é interessante, mas faltam-me subsídios para avançar em

relação à avaliação feita pelos contemporâneos.

32 Jornal Minas Gerais, 5 de dezembro de 1907, p. 2, col. 2. 33 Jornal Minas Gerais, 22 e 23 de junho de 1908. p. 5, col. 3.

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Algumas fazendas-modelo tiveram sua atuação ampliada, a partir do final de 1908.

Passaram a contar com postos zootécnicos, destinados à aclimatação e reprodução de animais

de raça. Esses animais destinavam-se à venda a particulares, como forma de melhorar os

rebanhos do Estado, atingindo, assim, melhores preços nos mercados. Também algumas

dificuldades se prolongaram, como o abastecimento de água. Consequentemente as obras de

adaptação das fazendas à exploração agrícola e/ou pecuária prolongaram-se por anos, não

ficando restritas aos seus primeiros tempos de instalação, como previa o governo de João

Pinheiro.

Algumas dessas dificuldades consegui captar por meio dos documentos produzidos

pela própria diretoria. Os problemas administrativos foram comuns. Em algumas fazendas-

modelo teve-se uma alta rotatividade de administradores, em outras, mais estabilidade. De

forma geral, essas trocas de administradores foram efetuadas depois da expedição de vários

ofícios, solicitando cuidados com a prestação de contas, o envio de documentos

comprobatórios dos gastos efetuados, proibindo gastos não autorizados. Outra questão

administrativa dizia respeito às dificuldades de pagamentos. Houve coletores estaduais, da

secretaria das Finanças, que se recusavam a repassar a verba autorizada para as fazendas-

modelo. Até 1910, as fazendas-modelo possuíam dois ou mais auxiliares de administração,

mas vários foram demitidos então, em setembro/outubro, quando da restauração da secretaria

da Agricultura. Também foram recomendadas contenções de despesas em fins de 1910.

TABELA 5

Área total e ocupada por plantações nas fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914

Fazendas-modelo Gameleira Fábrica Retiro do Recreio

Diniz Aiuruoca Bairro Alto

Tamanho da propriedade (em alqueires(1)) 44 25 100 15 15 300

Área ocupada com plantações (em alqueires)

10,33 6,6 6,6 5,57 2,52 6,2

Área ocupada com plantações em relação à área total do terreno

23,50% 26,40% 6,60% 37,13% 16,80% 2,06%

Fontes: Relatórios da diretoria de Agricultura e da secretaria de Agricultura publicados entre os anos de 1908 e 1915, referentes aos exercícios de 1907 a 1914. Os valores apresentados sofreram alterações de ano para ano e correspondem à maior área ocupada entre os anos de 1907 e 1914. Elaboração própria. (1) O alqueire mineiro, ainda hoje utilizado, corresponde a 48.400 metros quadrados. Há variações dessa medida, mas assumi a medida oficial como base de comparação neste estudo. As diferentes unidades de medida usadas para um mesmo terreno – hectares, alqueires e metros quadrados, quando convertidas de acordo com a medida do “alqueire mineiro”, corroboram esse uso.

Contudo, a despeito dessas semelhanças, muitas eram as diferenças, que ressalto na

TAB. 5. Esses dados também serão retomados quando da análise de cada uma das fazendas-

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modelo, no próximo item e no Capítulo 3.

Há um maior desenvolvimento referente à fazenda-modelo da Gameleira, em

comparação com os outros estabelecimentos. A fazenda constituiu-se em uma referência para

este estudo, pois era ela a mais bem instalada – na Capital -, documentada, fiscalizada e

concentrava maiores somas de investimento público (ver TAB. 3, pág. 108). Além disso, a

Gameleira teve uma maior relevância em termos de formação de aprendizes agrícolas (TAB.

2, pág. 107). Esta fazenda ministrou o ensino agrícola prático a um número muito superior de

aprendizes em relação às outras quatro fazendas-modelo e ao campo de Aiuruoca. Em que

pese ter sido maior a quantidade de aprendizes formados na Gameleira, qualitativamente

houve uma diferenciação na formação que lá se ministrou, pois foi nesta fazenda que se

formaram os mestres de cultura, elementos fundamentais para a institucionalização das

fazendas-modelo e da política de João Pinheiro.

Procurei explorar os conflitos que apareceram – explicitamente ou não – nos

documentos produzidos pelo poder público, uma vez que não encontrei nos arquivos aqueles

produzidos pelas próprias fazendas-modelo, ou, quando os encontrava, estavam mediados

pela diretoria de Agricultura, que publicava o que lhe era de maior interesse. Dessa forma,

procuro demonstrar que as fazendas-modelo do interior do Estado tiveram distintas origens e

trajetórias, e por isso serão tratadas em suas singularidades, nos itens que se seguem.

2.2. As fazendas-modelo do interior do Estado: modestas, mas eficazes

As fazendas-modelo do interior do Estado guardavam algumas peculiaridades, por

estarem afastadas do centro administrativo do governo estadual. A fiscalização era deficitária;

os problemas administrativos eram recorrentes; a falta de infra-estrutura tornou-se

problemática em algumas delas. Enfim, eram realmente, modestas, quando comparadas à

fazenda da Gameleira, mas nem sempre eficazes, como queria a diretoria de Agricultura. É

sobre elas que me deterei neste item, analisando uma documentação esparsa e escassa,

tentando apreender através dos conflitos um pouco de suas trajetórias.

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2.2.1. Progresso para o norte de Minas: a fazenda-modelo da Fábrica

A fazenda-modelo da Fábrica situava-se a cerca de seis quilômetros, da cidade

colonial do Serro, “uma das mais antigas do Estado” (SENA, 1907, p. 302). Antiga Vila do

Príncipe, elevada a esta condição administrativa em 1714, o Serro foi transformado em cidade

em 1838, e era considerado, em 1906, como “grande zona agrícola e criadora” (SENA, 1906,

p. 183). Nelson de Sena registrou, em 1907, as seguintes atividades econômicas para o

município: criação de gado bovino, cavalar e muar; a lavoura de cana de açúcar; fábricas de

ferro; minas de diamante, platina e ouro; outras lavouras menos importantes tais como as de

fumo, café, cereais; além de “indústrias” de aguardente, toucinho, farinhas de mandioca e de

milho. O mesmo autor indicou uma população de 75.270 habitantes, no mesmo ano. A cidade

possuía, à época, uma Escola Normal, agência do correio, estação telegráfica, mercado, Santa

Casa e hospital, encanamento de água potável e já havia abrigado, em fins do século XIX, um

Liceu de Artes e Ofícios. Por estas características, vê-se que a segunda fazenda-modelo foi

instalada num município relativamente próspero, considerado por Nelson de Sena como

“importante centro agrícola e comercial” e “um dos primeiros pela extensão e uberdade do

seu território, opulência de suas jazidas de ouro e grande população” (SENA, 1907, p. 303).

Contudo, não figurava entre os doze municípios mais desenvolvidos do Estado, entre 1889 e

1937, segundo John D. Wirth (1982).

Ainda em 1907, a comarca do Serro fazia divisa: “a oeste [com] o município de

Diamantina, ao norte [com] o de S. João Batista, a leste [com] os de Peçanha e de S. Miguel

de Guanhães, ao sul [com] o da Conceição do Serro.” (SENA, 1907, p. 302). Era um

município banhado por diversos rios, região montanhosa e de clima frio.

Os terrenos nos quais fundou-se a fazenda-modelo da Fábrica foram adquiridos em 25

de setembro de 1907, durante uma visita de João Pinheiro àquela cidade, quando regressava

do Congresso das Municipalidades do Norte34. Este Congresso fez parte da política de João

Pinheiro de incentivar as diversas zonas do Estado a aderirem à sua política econômica, como

já salientei em outro momento desta dissertação. Reunindo as classes produtoras da extensa

zona do norte mineiro, em fins de setembro de 1907, os municípios do Norte de Minas

votaram, como a primeira de suas conclusões: “em relação ao ensino técnico agrícola,

comprarem as municipalidades as terras necessárias para a fundação de fazendas modelo que

34 De acordo com uma notícia do jornal Minas Gerais, de 28 de setembro de 1907.

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o Estado custeará”35. Apesar disso, não encontrei nenhuma referência quanto ao oferecimento

de terras ao governo estadual por parte dos municípios do Norte mineiro (ver QUADRO 8,

pág. 103).

Parece-me que há duas razões ligadas à fundação de uma fazenda-modelo no Serro:

uma, de caráter político, ligava-se à necessidade, expressa tanto pelo decreto 2.207/1907

quanto pelo deputado Ignácio Murta, durante as discussões que culminaram na lei n.

438/1906, de regionalizar as fazendas-modelo. Essa era, então, a fazenda-modelo do norte

mineiro, pois a cidade situava-se “ao centro do Estado, mais para a zona do N[orte].” (SENA,

1907, p. 302). Outra razão, também política, para a criação desta fazenda é o fato de ter sido

localizada na cidade natal de João Pinheiro. Este estabelecimento, juntamente à Gameleira,

constituem as duas únicas fazendas-modelo cujos terrenos foram adquiridos diretamente pelo

então presidente do Estado.

Sobre aquela mesma viagem que fez ao Congresso do Norte de Minas, em

Diamantina, João Pinheiro afirmou, em relação a esta região, que

“a suave declividade dos cerrados e as suas extensões imensas, adaptam-se otimamente para o trabalho das máquinas agrícolas aperfeiçoadas. A questão do aproveitamento da água subterrânea para a irrigação está sendo intensamente estudada”. Além disso, “as grandes proporções de terras planas do sapé dos serros são facilmente irrigáveis pela açudagem. Já há uma agricultura; a introdução dos maquinismos agrícolas facilita a ampliação da existente e permite criar novos, por preços mínimos. […] A falta de meios de comunicação determinou, para a extensa zona do Norte de Minas, o natural desenvolvimento da indústria da criação – o gado vacum e o suíno, o primeiro representando a mercadoria que anda e o segundo, a transformação dos cereais para a exportação. Esses dois elementos são os principais valores econômicos de troca, no norte. Torna-se preciso desenvolver estas riquezas existentes”36

Em carta a Afonso Pena, João Pinheiro pintou com cores vivas as vantagens de se

estabelecer uma fazenda-modelo na região de Diamantina:

“nas campinas diamantinenses, em grande parte dessas, com muita água, há também belíssimas extensões de chão argiloso, prestando-se à cultura. Campos limpos, sem tocos, água abundante, [...], altitudes de mil metros o que tudo, em tempo que não será muito longe, dará lugar a centros de população abundante. É de cerrados a grande extensão percorrida, até o planalto. […] No Serro as terras são magníficas. Relativamente há poucas vargens. Mas a antiga cultura converteu as mesmas em belas pastagens, e a indústria de criação é generalizada, tendo eu visto belos espécimes do cruzamento zebu. São planas as margens do Rio do Peixe e lá vou fundar uma fazenda-modelo, do tipo da Gameleira.

35 De acordo com o jornal Minas Gerais, publicado em 25 de setembro de 1907. 36 Resumo do discurso de João Pinheiro da Silva pronunciado em Diamantina, na instalação do Congresso das Municipalidades do Norte, segundo a versão publicada no jornal Minas Gerais de 23 de setembro de 1907. In BARBOSA, 1980, p. 255.

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Terá principalmente reprodutores de raça para levantamento ali da criação.”37

O decreto da criação da fazenda-modelo da Fábrica foi expedido em 26 de setembro

de 1907, um dia após a visita do presidente do Estado ao município do Serro, sob no número

2.099. Segundo Carlos Prates38, esta fazenda era do tipo B, o que significava que deveria ter

ao menos 25 alqueires de área; possuir instrumentos aratórios e máquinas simples de

beneficiamento, movidas a tração animal; e produzir dois ou três tipos de culturas diferentes.

Ao que tudo indica, essa fazenda cumpriu todos esses requisitos. Seus terrenos mediam os

necessários 25 alqueires de área. Possuiu diversos instrumentos aratórios movidos a tração

animal, tais como arados de diversos tipos, grades, semeadeiras, cultivadores, carpideiras,

dentre outras, além de máquinas de beneficiar arroz e mandioca. Quanto às culturas, estas

foram bem mais diversificadas do que regia o regulamento baixado com o decreto

2.027/1907. Lá se plantou arroz, mandioca, milho, feijão, cebolas, cana, batatas, ou seja,

cereais de diversos tipos, além de forragens para animais, como a alfafa.

A fazenda-modelo da Fábrica foi instalada em 6 de novembro de 1907, sob a direção

do mestre de cultura Joaquim Mortimer Dayrell, formado pela fazenda-modelo da Gameleira.

Durante o ano de 1907 e início de 1908, apenas fizeram-se obras de instalação da fazenda,

incluindo aí o preparo dos terrenos para as plantações, não se colhendo nenhum grão neste

período. Suas terras eram “pobres e arenosas”39, o que pode ter dificultado a instalação da

fazenda, no que concerne à produção agrícola. Da sua área de 25 alqueires, apenas uma parte

foi ocupada por plantações entre 1907 e 1914. Os 6,6 alqueires cultivados corresponderam a

pouco mais de 26% da área total da fazenda (TAB. 5, pág. 110).

O primeiro encarregado da administração da fazenda-modelo da Fábrica, Joaquim

Mortimer Dayrell, provavelmente não era um simples operário agrícola. Pude saber que um

provável parente seu, dada a coincidência entre os sobrenomes, José Mortmer Dayrell, era

comerciante na cidade do Serro, e arregimentava operárias para a Companhia de tecidos

Cedro e Cachoeira, em 1896 (Lima, 2009, p. 106). Além disso, um José Mortimer Dayrell

tentou comprar a fazenda-modelo do Serro, quando Raul Soares de Moura pôs fim a estes

estabelecimentos, em 191540. Esses dados ajudam-me a inferir que Joaquim Mortimer Dayrell

37 Carta de João Pinheiro da Silva a Afonso Pena, fls 4-6. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.32, microfilme AN 536-2004, de 9 de outubro de 1907. 38 DIRETORIA DE AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Manoel Tomaz de Carvalho Brito, Secretário interino das Finanças, pelo Engenheiro Carlos Prates, Diretor de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de 1907. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1908, 39 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 12. 40 De acordo com relatório, 1915.

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provinha das camadas médias da população, ou que pelo menos sua família não era de todo

despossuída de meios materiais, ou de influências nas camadas mais elevadas da população,

que lhes garantissem uma sobrevivência mais cômoda.

Este administrador manteve-se no cargo ate 16 de abril de 1909, quando, a pedido,

saiu. Sua saída relacionou-se à repreensão que ele sofreu por ter se dirigido em termos

impróprios ou considerados ofensivos à diretoria de Agricultura41. Sua saída, somente dez

dias depois de ter sido encaminhado o ofício no qual a referida diretoria ameaçava-o de

demissão do cargo que ocupava na fazenda-modelo da Fábrica, indica que o mestre de cultura

possuía meios de se manter de outras formas, reforçando a minha percepção de que ele

provinha das camadas medianas da população.

QUADRO 9

Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo da Fábrica, Serro, Minas Gerais, 1907-1914

Administradores Período (1) Auxiliares Período (1)

Joaquim Mortimer Dayrell 6/11/1907-16/04/1909 Raimundo Mota 10/1908-?

Raimundo Mota 16/04 - 22/05/1909 Olímpio Rodrigues Lima 08/1910-14/11/1911

Alonso Barros Leite 22/05/1909-30/04/1912 Joaquim Junqueira 22/09/1910-?

Rodrigo do Pombal Pimenta 23/03/1912-1913 José Júlio Vieira Sena 10/08/1912-?

José Rodrigues da Silva 1914

Fontes: relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura, entre os anos de 1908 e 1915. Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria. (1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de funcionários, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

Como pode ser observado no QUADRO 9, foram cinco os administradores da fazenda

da Fábrica durante os seus sete anos de existência, um número alto, que nos fornece uma

média de 1 ano e 5 meses de permanência para cada administrador. Essa alta rotatividade

pode explicar os insucessos da fazenda, que foram alvo de críticas da secretaria da Agricultura

em 1915, como discutirei no Capítulo 4.

Esta fazenda, ao ser adquirida, possuía algumas benfeitorias. O governo realizou, ao

longo dos anos, uma série de obras no intuito de dotá-la da infra-estrutura necessária ao seu

funcionamento, de acordo com os propósitos do Estado. Foram feitos canais de drenagem,

esgoto simples, cercas de arame, estrumeira, barracão para máquinas beneficiadoras em 1910,

além de concertos na casa da fazenda. Em 1911, construíram-se uma casa da administração,

estábulos, chiqueiros. E ainda realizou-se novas obras em 1912, com o intuito de dotá-la de

41 De acordo com o jornal Minas Gerais, de 16 de abril de 1909.

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um posto zootécnico, para a criação e reprodução de animais de raça. Projetada por João

Pinheiro para ser uma fazenda de criação, que mantivesse animais reprodutores de raça, como

ficou explícito no trecho de uma das cartas a Afonso Pena que citei anteriormente, a fazenda

da Fábrica não se constituiu enquanto tal. Somente em 1912 iniciaram-se as obras para

construir um posto zootécnico na fazenda. Porém, em nenhum dos relatórios da Agricultura,

posteriores a essa data, encontrei referências à instalação ou funcionamento de tal posto.

Uma questão problemática, nesta e em outras fazendas do Estado, como já salientei,

foi o ensino dos aprendizes. Ou antes, a quase inexistência de aprendizes. Em 1909, o

encarregado da direção da fazenda foi autorizado a admiti-los, possivelmente a partir de um

ofício deste à diretoria de Agricultura. Mas, ao longo dos anos, de 1907 a 1914, esta fazenda

possuiu apenas 12 aprendizes, um número quase insignificante perto dos 233 aprendizes que a

fazenda da Gameleira manteve ao longo do mesmo período (ver TAB. 2, pág. 107).

Não foi possível apurar, pelas fontes que tive a minha disposição, o motivo de tão

pequeno número de aprendizes. Como também não foi possível saber se esta fazenda recebia

visitas de fazendeiros para averiguarem os modernos processos de amanho da terra, como era

desejável. Posso concluir, em relação a esta fazenda-modelo, que ela representou uma mal

sucedida experiência administrativa e em termos de aprendizagem. Os seus péssimos terrenos

nos quais deveriam verdejar plantações de cereais e multiplicar-se o gado, foram a

justificativa para a sua extinção.

2.2.2. Sem água e sem aprendizes: a fazenda-modelo “Retiro do Recreio”

A fazenda-modelo “Retiro do Recreio” situava-se em Santa Bárbara, no vale do Rio

Piracicaba, centro do Estado. A paróquia (ou distrito de paz) de Santa Bárbara foi criada em

1714 (SENA, 1906) e até o princípio do século XIX era intensa a mineração. Nelson Coelho

de Sena assinalou uma população de 62.423 habitantes, de acordo com o censo de 1900, e

como principais produtos de exportação do município: o café, cereais, gado e ouro. (SENA,

1907).

A fazenda-modelo surgiu da doação de terrenos para o Estado pela Câmara Municipal

de Santa Bárbara, com a finalidade de se criar no município um estabelecimento deste tipo. A

negociação com a Câmara municipal começou em junho de 1907, com a visita do engenheiro

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Antônio Tavares e do encarregado da fazenda da Gameleira, Francisco de Paula Guimarães,

aos terrenos oferecidos pela municipalidade local42 e terminou em novembro do mesmo ano,

com a entrega da escritura de doação.

A cidade de Santa Bárbara era a terra natal do então presidente da República, Afonso

Moreira Pena, cujos vínculos com João Pinheiro já foram explicitados. Não me é possível

afirmar que o estadista teve alguma influência na determinação da localização desta fazenda-

modelo, mas é possível especular. De acordo com Cid Rebelo Horta, a família Moreira Pena

controlava a situação política do município “numa continuidade de mando que vem desde

Manuel Pereira Pena, eleito presidente da Câmara em 1861” (HORTA, 1956, p. 74). É

possível, pois, que a doação de terras para a fundação de uma fazenda-modelo próxima à

cidade tenha tido alguma influência dessa família, numa demonstração de fidelidade política a

Afonso Pena e ao seu “afilhado” político, João Pinheiro da Silva. E o fato da diretoria de

Agricultura ter aceitado os terrenos oferecidos pode também indicar a mesma lealdade, mas

em sentido inverso: de João Pinheiro em relação à Afonso Pena.

O decreto de sua criação, de nº 2.129, datou de 27 de novembro de 1907. De acordo

com Carlos Prates43, os terrenos doados possuíam uma área de 100 alqueires e algumas

benfeitorias, como casa e moinhos. A doação foi enquadrada no artigo 55 do decreto 2.027 de

1907, que previa a criação de fazendas-modelo por iniciativa das Câmaras Municipais e

manutenção pelo Estado. Portanto, não figurava esta fazenda-modelo entre as seis que foi o

Estado autorizado a fundar.

Tal como na fazenda-modelo da Fábrica, no Serro, esta também teve seus primeiros

meses de fundação dedicados à sua instalação, incluindo aí não apenas a construção de casas e

outras acomodações, como também o preparo do terreno. Igualmente, não foram para ela

enviados aprendizes nos primeiros meses de sua existência. Esta fazenda, em consonância

com a política de diversificação produtiva, também se dedicou à policultura: arroz, milho,

feijão, algodão, fumo, cana de açúcar, abacaxi, diversas forragens – teosinto, alfafa, consolida,

cana cavalo – foram as culturas mais comuns. Dos 100 alqueires de terreno, apenas 6,6

alqueires foram efetivamente ocupados com estas plantações (TAB. 5, página 110), uma das

menores ocupações relativamente às outras fazendas-modelo.

Durante a sua existência enquanto fazenda-modelo, várias obras foram realizadas:

ampliação da casa do administrador, para comportar os aprendizes, em maio/junho de 1908,

cercas de arame farpado, construção e concerto de rego d'água (1909), casa do administrador, 42 De acordo com o jornal Minas Gerais, de 23 de julho de 1907. 43 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1908.

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esterqueira, estábulo, estrebaria, chiqueiro, celeiro (1910), aprisco, abrigo de máquinas

beneficiadoras, instalação de água (1911), cercas de arame, calçamento de cocheiras,

esterqueira, (1912); abrigo de animais (1913). As despesas com a fazenda foram altas (TAB.

3, pág. 108), muito em parte devido a essas obras.

O primeiro encarregado de sua direção, o mestre de cultura Firmino Garcia, foi

formado também pela fazenda-modelo da Gameleira e designado para a função em 29 de

novembro de 1907. Interessante notar que este mestre de cultura, quando da compra da

Fazenda da Gameleira, era seu arrendatário44 e portanto um agricultor. Firmino Garcia

também teve uma passagem pelo recentemente criado campo de experiências da diretoria de

agricultura, ainda em 1907, como seu encarregado45. Foi designado como seu auxiliar, em 24

de março de 1908, Francisco Xavier Alcântara, que era agrimensor. Diferentemente das outras

fazendas-modelo, esta de Santa Bárbara não conviveu com a rotatividade de seus

funcionários, encarregados e auxiliares de administração, como pode ser observado no

QUADRO 10.

QUADRO 10

Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo Retiro do Recreio, Santa Bárbara, Minas

Gerais, 1907-1914

Administradores Período (1) Auxiliares Período (1)

Firmino Garcia 29/11/1907-09/1910 Francisco Xavier Alcântara 24/03/1908-?

Fernando Ricardo Pessoa 11/1910-1914 Manoel Junqueira Sobrinho 9/10/1908-06/1912

Philadelpho Moreira 06/1912-?

Fontes: relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura, entre os anos de 1908 e 1915. Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria.

(1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de funcionários, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

Mas a estabilidade administrativa, contudo, não a eximiu de dificuldades. Logo em

1908, pouco menos de um ano após a sua instalação, tiveram início os problemas de

abastecimento de água na fazenda. Nesse ano, houve uma reclamação de um padre, Lucin

José de Sousa Coutinho, de que a fazenda-modelo Retiro do Recreio retirava indevidamente

água do córrego Quebra-Ossos, que pertencia à fazenda do Brumado, do qual era o referido

padre um dos condôminos46. Em meados de 1910 a fazenda-modelo firmou um acordo com

os proprietários do córrego para cessão de água. 44 Segundo o jornal Minas Gerais, de 31 de dezembro de 1906 e 01 de janeiro de 1907. 45 Também de acordo com o jornal Minas Gerais, de 26 de outubro de 1907, p. 5, col. 3. 46 De acordo com o jornal Minas Gerais, de 21 e 22 de dezembro de 1908.

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Mesmo com o acordo, Carlos Prates asseverou que

“não sendo suficiente para a irrigação dos arrozais a água tirada do córrego ‘Quebra Ossos’, foi, por isso, pequena, em relação aos demais produtos, a safra do arroz, a qual, este ano, será aumentada com a nova captação d’água que se vai fazer. Tendo-se verificado que os terrenos desta fazenda são em geral mais próprios para pastagens, vai ser a mesma transformada, principalmente, em fazenda de criação, tendo entretanto, um pequeno campo de cultura nos lugares mais próprios e que podem ser irrigados.” 47.

De fato, em 1912 foi instalado o posto zootécnico anexo à fazenda Retiro do Recreio,

que serviu como posto de monta, ou seja, destinado à inseminação natural das criações de

fazendeiros particulares. Nesse mesmo ano, o posto chegou a abrigar 29 animais, realizando

46 lançamentos, ou seja, cruzamentos. E em 1913, com o mesmo número de animais,

realizou-se somente 29 lançamentos. É possível perceber por estes dados que a fazenda-

modelo foi efetivamente visitada e utilizada pelos fazendeiros locais, ao menos nesses dois

anos.

Retornando à questão do abastecimento de água, esse continuou a ser um impedimento

ao desenvolvimento das plantações. Em 1912, as culturas foram “bastante prejudicadas,

devido à grande seca que assolou aquela região. […] A água que abastece a fazenda foi

insuficiente para a irrigação de todas as culturas que assim ficaram prejudicadas” 48. Tanto

que, dos 484 hectares que a fazenda possuía (correspondente a 100 alqueires), apenas 22 eram

aproveitados nas plantações (TAB. 5, pág. 110), incluindo aí a de forragens para os animais de

raça do posto.

Em 1913, o encarregado desta fazenda-modelo, Fernando Ricardo Pessoa, avaliava

que

“como uma medida que se impõe, reclamando providências urgentes e inadiáveis de vossa parte está [...] a de canalização da água para o abastecimento da população d’esta fazenda, precioso líquido indispensável á vida. Não preciso dizer-vos o quanto de prejudicial poderá trazer à higiene, a falta que se sente até agora, desse importantíssimo melhoramento que vos reclamo, inspirado pelos interesses do Estado do que de meu próprio.”49.

A falta de água para as irrigações prejudicou o ensino intuitivo nesta fazenda, pois,

como demonstrarei no Capítulo 3, este se baseava na demonstração das máquinas, dos

processos modernos de irrigação e adubação, e na lucratividade das plantações cultivadas com

estes métodos. Porém, a reivindicação de canalização de água não era a única medida que o

funcionário solicitava. Pedia também a edificação de prédios para aprendizes e colonos. Até o

47 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.., 1911, p. 45. 48 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.,1913, p. 46. 49 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.,1913, p. 234.

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início de 1913 esta fazenda não possuía estrutura para abrigar os possíveis aprendizes,

residindo aí, possivelmente, uma justificativa para o pequeno número de trabalhadores-

aprendizes que se dirigiam a ela para receber o ensino dos métodos modernos de agricultura –

apenas 12, entre 1907 e 1914 (TAB. 2, pág. 107). Ligada à questão da falta de aprendizes, que

dessem conta do trabalho na fazenda, Fernando Ricardo Pessoa lembrava

“outra providência que, por ser de inteira justiça, acredito encontrará abrigo no vosso esclarecido juízo: é o de aumento dos salários dos operários da fazenda, de cujos esforços e dedicação deve-se a prosperidade deste próprio do Estado. Ainda outra providência e esta de maior alcance prático é o estabelecimento de colonos estrangeiros na Fazenda. Tão importante é esta medida para a qual solicito todo o vosso empenho. Não preciso de me alongar sobre isto para demonstrar a sua utilidade. Inteligente como sois, bem compreendereis que sem o concurso de braços estrangeiros, é quase impossível o desenvolvimento d’esta fazenda, uma vez que o operário brasileiro, em que pese as suas qualidades, se não sujeita às inclemências do sol, ou as vicissitudes dos tempos, sem o mais elevado salário e outras exigências descabidas.”50.

Este trecho evidencia como a questão da falta de mão-de-obra, mas não de

trabalhadores, foi percebida pelo encarregado: os trabalhadores nacionais eram de qualidade,

era à sua dedicação e esforços que se devia a prosperidade da fazenda-modelo. Mas não se

subordinavam aos baixos salários e às péssimas condições de trabalho, não se sujeitando “às

inclemências do sol ou às vicissitudes dos tempos”. Suas exigências eram, então, descabidas.

Somente o trabalhador estrangeiro, expropriado de terras, de instrumentos, longe de sua

pátria, sem ter a que outros expedientes recorrer, poderia suportar o trabalho agrícola no

Estado, tal como era imposto.

Assim, o problema da aprendizagem, aliado ao da não submissão dos trabalhadores

nacionais às condições de trabalho, levou este encarregado a solicitar a transformação da

fazenda-modelo Retiro do Recreio em colônia de povoamento. Sua área era

significativamente grande, se comparada com a de outras fazendas-modelo (TAB. 5, pág.

110). Vê-se que os problemas enfrentados pelo Estado, em suas fazendas-modelo, não

diferiam daqueles enfrentados pelos fazendeiros particulares. Nesse sentido, as fazendas

estaduais foram modelos de problemas, e não necessariamente de soluções, apesar de algumas

saídas criativas, como mostrarei no próximo item.

50 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.,1913, p. 234.

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2.2.3. Aprendendo a ser trabalhador: a fazenda-modelo Diniz

A fazenda-modelo Diniz foi criada pelo decreto n. 2.131, de 4 de dezembro de 1907.

Inicialmente denominada fazenda-modelo da Barra, por situar-se em um povoado com esse

mesmo nome, pertencente ao município de Itapecerica, teve sua designação mudada para

fazenda-modelo Diniz pelo decreto n. 2.260, de 18 de julho de 1908. A cidade de Itapecerica

foi criada primeiramente como vila Tamanduá, em 1791, e localizava-se na zona oeste do

Estado. Em 1906, era servida já por estrada de ferro, a Oeste de Minas, e situava-se entre os

municípios de Formiga, Oliveira, São João Del Rei e Lavras. Possuía, em 1890, 23.868

habitantes (SENA, 1906; 1907). Era, portanto, uma cidade também antiga, mas bem menor

que Serro e Santa Bárbara. Quanto às atividades econômicas, o produto mais importante de

sua economia era o café, seguido do milho, feijão, gado bovino, cana de açúcar, além de

possuir também fábricas de cutelaria e de manteiga. Interessante notar que, antes da chegada

do café, eram os cereais os principais meios de subsistência no município51. Este município

era, assim, um caso típico do que as elites vinham diagnosticando para todo o Estado de

Minas Gerais: a cultura do café havia tomado o espaço da produção de cereais. A instalação

neste município de uma fazenda-modelo dedicada à policultura revestiu-se, pois, de um

significado econômico regional: ela deveria contribuir para que a cultura dos cereais fosse

retomada em novas bases.

As terras de aproximadamente 15 alqueires que originaram esta fazenda foram doadas

pelo major Ignácio Ferreira Diniz e sua mulher, Beralda Rita Diniz, em 8 de novembro de

190752. A mudança do nome da fazenda-modelo, assinalada anteriormente, deveu-se a uma

homenagem que a diretoria de Agricultura quis prestar aos doadores do terreno. Assim como a

fazenda-modelo Retiro do Recreio, em Santa Bárbara, também esta não entrou no rol das seis

fazendas-modelo que o Estado foi autorizado a criar pela lei 438, de 1906. Ela foi enquadrada

no artigo 55 do decreto 2.027/1907, apesar deste não fazer menção a fazendas-modelo criadas

a partir da iniciativa particular.

Houve uma tentativa anterior a esta, de se fundar uma fazenda-modelo em Itapecerica,

como assinalei no QUADRO 8 (pág. 103). Em 3 de agosto de 1907, o jornal Minas Gerais

noticiou a doação de terrenos por Lamounier Godofredo, um “líder republicano e deputado”

(HORTA, 1956, p. 74), importante chefe político da cidade. Mesmo depois de não ter se 51 De acordo com SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.,1912. 52 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op.cit., 1908.

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confirmado a doação dos terrenos, e de se ter fundado uma fazenda-modelo em terrenos de

outro particular, esse político continuou auxiliando a fazenda. Em 1911 houve uma doação de

postes de ferro para cercar a fazenda, que “foram obtidos na Estrada de Ferro Oeste de Minas

pelo exmo. sr. dr. Lamounier Godofredo, que deseja muito ver esta fazenda bem organizada”53

Assim como as anteriores, esta fazenda-modelo teve seus primeiros meses dedicados à

construção de obras e preparo dos terrenos, trabalhos conduzidos pelo encarregado, o mestre

de cultura Américo de Sousa Barbosa, também formado pela Gameleira e designado para a

função em 5 de dezembro de 1907. Este mestre de cultura permaneceu por longo tempo à

frente da administração da fazenda, de dezembro de 1907 a 1912, tendo sido substituído por

Francisco E. Silveira por alguns meses, para assumir a direção de outra fazenda-modelo, a do

Bairro Alto, em Campanha. Ao que pude apurar, particularmente pela leitura do expediente da

diretoria da Agricultura, esta troca de encarregados se deu em função da má administração por

que passava a fazenda de Campanha, e da alta consideração que a diretoria de Agricultura

tinha pelo trabalho de Américo de Sousa Barbosa.

Em vários relatórios encontrei referências à capacidade administrativa deste

funcionário. Em 1912 a sua direção foi considerada “zelosa e criteriosa” 54. No mesmo ano, o

diretor de Agricultura observou que, “estabelecida uma comparação entre a despesa efetuada

para custear os serviços da fazenda e a renda produzida, chega-se à conclusão de que esta

atingiu quase ao algarismo daquela” 55. Observando a TAB. 3 (pág. 108), verifica-se que a

diferença entre despesas e receitas para o ano de 1912 ficou próxima dos três contos de réis

(3:000$000), enquanto que na fazenda do Bairro Alto, por exemplo, esta diferença ficou em

torno dos 20 contos (20:000$000), no mesmo ano.

Em 1913, a diretoria de Agricultura voltou a afirmar que “ao seu zelo e critério [de

Américo de Sousa Barbosa], auxiliados por uma longa prática de administração, deve-se o

desenvolvimento desta fazenda, que é uma das que melhor preenchem o fim a que se

destinam os estabelecimentos deste gênero” 56. Dessa forma, os problemas de administração,

que foram comuns em algumas fazendas-modelo, não o foram aqui. Como pode ser observado

no QUADRO 11, situado na próxima página, ela teve apenas três administradores, sendo que

um deles, Francisco E. Silveira, apenas permaneceu por alguns meses, no período em que

53 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 318. 54 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 15. 55 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 15. 56 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. José Gonçalves de Sousa, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1913 [referente a 1912]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1913, p. 44.

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Américo de Sousa Barbosa esteve ocupado reorganizando a fazenda-modelo do Bairro Alto.

O outro, o mestre de cultura Olegário Costa, era auxiliar de administração, e substituiu

Américo de Sousa, permanecendo até o fim desta fazenda-modelo, em 1914.

Como nas demais fazendas-modelo, as obras de adaptação de sua estrutura às

finalidades da diretoria de Agricultura perpassaram todo o período em que ela existiu. Em

1911, construiu-se a casa do administrador, depósito de máquinas, tulhas, chiqueiro,

esterqueira. Em 1912, as obras continuaram e, em 1913, realizaram-se serviços de canalização

de água para irrigação de cultura e construiu-se um celeiro. Muitas dessas obras foram

realizadas para implantar um posto zootécnico na fazenda que começou a funcionar em 1912.

Nesse ano, o posto abrigou somente dois animais, realizando sete cruzamentos. Em 1913,

foram três os animais estabulados, que realizaram, contudo, apenas duas inseminações. Este

posto era, assim como os demais postos, exceto o da Gameleira, apenas de monta, não se

dedicando à reprodução de animais de raças puras.

QUADRO 11

Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo Diniz, Itapecerica, Minas Gerais, 1907-1914

Administradores Período (1) Auxiliares Período (1)

Américo de Sousa Barbosa 5/12/1907-06/1910 Francisco Tavares Dias 24/03/1908-?

Francisco E. Silveira 06/1910-01/1911 Américo Pires do Couto 06/1909- 16/11/1910

Américo de Sousa Barbosa 02/1911-24/04/1913 Olegário Costa 1911-1913

Olegário Costa 1913-1915 João Vieira da Silva 02/07/1913-?

Fontes: relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura, entre os anos de 1908 e 1915. Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria. (1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de funcionários, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

Para finalizar, é mister uma referência aos aprendizes, visitantes e trabalhadores desta

fazenda. Assim como todas as outras, com exceção da Gameleira, o número de aprendizes foi

pequeno, apenas 36 entre 1908 e 1914 (TAB. 2, pág. 107). Mesmo assim, foi a segunda

fazenda-modelo que mais instruiu trabalhadores. Quanto aos visitantes, pelos relatórios da

Agricultura foi possível saber que vários fazendeiros e lavradores visitavam-na, mas não pude

mensurar a dimensão dessas visitas. Em relação aos trabalhadores jornaleiros, Américo de

Sousa Barbosa assim se referiu:

“o pessoal admitido nesta fazenda para os serviços de lavoura, parte maior é de meninos que ganham 1$000 e 1$200 por dia. Pois isto é de alguma utilidade não só pelo lado econômico mas também pelo que se faz a estes meninos que em parte são desvalidos. Assim, pois, é claro que estes pequenos satisfeitos porque gozam de suas diárias, pouco a pouco irão tomando amor ao trabalho e ao mesmo tempo alguma

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prática no manejo de máquinas agrícolas e preparo da terra, futuramente serão úteis particularmente como lavradores. O pessoal mais idoso que tenho é somente para serviços mais pesados e ganham 1$800 a 2$00 por dia.” 57.

Dessa forma, Américo de Sousa Barbosa criou uma saída para o problema da mão-de-

obra: contratou meninos, que venderam sua força de trabalho por preço até 50% menor em

relação aos adultos. E ainda realizou o que o Estado buscou realizar nos institutos primário-

agrícolas: formar crianças desvalidas por meio da escola do trabalho, de forma bem diversa

daquela implantada no Instituto João Pinheiro, como demonstrarei no segundo item do

Capítulo 3. A fazenda-modelo Diniz cumpriu, pois, de forma diversa, os objetivos para os

quais havia sido criada.

2.2.4. Do modelo ao anti-modelo: o campo de demonstração de Aiuruoca

Este estabelecimento de ensino agrícola foi fundado como fazenda-modelo em 11 de

março de 1908, por meio do decreto nº 2.201, na cidade de Aiuruoca. O município era

localizado na região sul do Estado, entre os de Baependi, Caxambu, Turvo e Cristina (SENA,

1906). A freguesia de Aiuruoca tornou-se vila em 1834, e transformou-se em cidade em 1868.

Nelson Coelho de Sena registrou, em 1907, ser o município dotado de importantes jazidas de

“ouro, plombagina, antimônio, salitre, manganês, mica, […], granito e malacacheta” (SENA,

1907, p. 149).

Ainda de acordo com Sena “o rio Aiuruoca […] banha a cidade a que deu o nome, e

que é cercada de montanhas, estando situada na encosta de um monte, em meio de grandes

escavações, que atestam antigos trabalhos de mineração” (SENA, 1907, p. 148). Por época da

fundação da fazenda-modelo, era ainda uma pequena cidade, com 25.798 habitantes, três

praças, 10 ruas, “quase todas calçadas” e 170 casas, além de possuir água encanada. Era

servida por uma estrada de rodagem e uma de ferro, a Sapucaí, e estava sendo construído o

trecho da Estrada de Ferro Oeste de Minas que passaria pelo município. A sua principal

atividade econômica era a agricultura, sendo as principais culturas as de cereais, como o

feijão, o milho, arroz, batatas inglesas; a fruticultura, compreendendo a cultura de maçãs,

“iguais às da Europa”, peras, ameixas, nozes, castanhas, marmelos e uvas. Assinalava Nelson

57 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 317-318.

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de Sena ainda que os terrenos dos municípios prestavam-se “admiravelmente à cultura do

trigo, que já se colheu muito há alguns anos” (SENA, 1907, p. 149).

As negociações com a Câmara Municipal de Aiuruoca, e com um coronel do local,

Francisco de Oliveira, começaram em novembro de 1907, no sentido de doar terrenos ao

governo estadual para a fundação de uma fazenda-modelo58. A negociação culminou alguns

meses depois, com a fundação da fazenda, em 11 de março de 1908. O estabelecimento foi

criado para ser uma fazenda-modelo do tipo A, o que significou que deveria possuir terrenos

de pelo menos 10 alqueires, instrumentos aratórios para o ensino do manejo dos mesmos, sem

máquinas de beneficiar produtos, e que deveria produzir apenas um tipo de cultura.

Antônio de Sousa de Vila Lobos, formado pela fazenda da Gameleira, foi designado

em 17 de março de 1908 para assumir a direção da fazenda-modelo. Foi admitido como seu

auxiliar Guilherme Augusto Moreira, em 24/3/1908. Ambos passaram pelo ensino prático na

Gameleira, formando-se mestres de cultura. De seus terrenos, de 15 alqueires, foram

plantados apenas 2,5 alqueires, que corresponderam a pouco mais de 16% da área total da

fazenda (TAB. 5, pág. 110). A área foi ocupada com as seguintes plantações: milho, feijão,

mandioca, arroz, batatas, cebolas, centeio, trigo, aveia, cevada, amendoim e forragens. No

primeiro ano de funcionamento, em 1908, as culturas não renderam quase nada, devido ao

fato de terem sido pequenas e também por não terem sido empregados os adubos químicos,

sendo o solo de má qualidade. Dessa forma, esse campo atuou inicialmente como uma

demonstração dos métodos tradicionais, e não dos modernos processos agrícolas.

Em 12 de maio de 1908, apenas dois meses depois de instituída a fazenda-modelo, a

diretoria de Agricultura comunicou-se com a Câmara de Aiuruoca solicitando que a mesma

informasse se existia “próximo àquela cidade, terreno que sirva para uma fazenda-modelo e

de adquiri-lo a Câmara para trocá-lo pelo que doara ao Estado, nele estabelecerá o governo

uma fazenda-modelo, caso contrário, será fundado um campo de demonstração nas terras já

doadas ao Estado.”59. Não encontrei informações do por que a diretoria de Agricultura avaliou

serem os terrenos impróprios para fazenda-modelo, mas adequados a um campo de

demonstração. A área ocupada era, de fato, pequena, mas não menor do que aquela da

fazenda-modelo Diniz, em Itapecerica, ambas tendo 15 alqueires e satisfazendo a exigência

do decreto 2.027/1907, que previa um mínimo de 10 alqueires de terreno para fundação de

uma fazenda-modelo do tipo mais simples.

Os seus terrenos eram pobres, o que não constituía um empecilho à manutenção de 58 Jornal Minas Gerais, 02-03 de dezembro de 1907, p. 3, col. 4. 59 Jornal Minas Gerais, 18-19 de maio de 1908, p. 3, col. 1.

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uma fazenda-modelo, visto que este era um requisito estabelecido pelo próprio João Pinheiro

para que se pudesse demonstrar a viabilidade do uso dos processos de adubagem. Encontrei

indicações de que o estabelecimento teve problemas com o abastecimento de água e, como era

necessário realizar demonstrações de irrigação nas fazendas-modelo, é possível que residiu aí

a razão de ter-se considerado os terrenos como impróprios ao fim a que haviam sido

destinados. O que, por sua vez, pode explicar parcialmente a sua transformação em campo de

demonstração, uma vez que as culturas ali produzidas poderiam ser feitas em menor escala,

apenas para se demonstrar o uso das técnicas, mas não a demonstração produtiva. Contudo, já

observei que a falta de água para irrigação não foi impedimento para a existência de outra

fazenda-modelo, a de Santa Bárbara. De qualquer forma, esse foi o destino dos terrenos de

Aiuruoca.

Nesse mesmo dia, 12 de maio de 1908, a diretoria de Agricultura encarregou um

funcionário de fazer a procura que solicitava à Câmara de Aiuruoca e designou um novo

encarregado dos serviços agrícolas, recomendando que o antigo encarregado regressasse à

Capital. O novo encarregado da administração dos terrenos em Aiuruoca passou a ser o

General Caldeira Brant. Esse sobrenome era de família importante na região de Diamantina,

“tronco [familiar] de legenda muito prestigiosa desde a Colônia” (HORTA, 1956, p. 79).

Como não possuo registros sobre a sua cidade de origem, não posso considerar esse mestre de

cultura, também formado pela Gameleira, como fazendo parte dessa família. Mas o título de

general, que não devia ser muito comum à época, aponta para uma origem vinculada aos

setores menos “desvalidos” da população.

A procura por outros terrenos mais adequados não teve resultados práticos e a fazenda-

modelo de Aiuruoca foi transformada, cinco meses após a sua criação, no campo de

demonstração de Aiuruoca, pelo decreto n. 2.262, de 12 de agosto de 1908. A justificativa,

contida no ato executivo, era de que os terrenos não preenchiam os requisitos contidos no

decreto 2.027, de 8 de junho de 1907. O campo foi administrado inicialmente pelo referido

General Caldeira Brant e, após este, por Luiz da Fonseca, que se manteve como encarregado

até a extinção do campo, em 191960, como pode ser observado no QUADRO 12. Este

funcionário foi um dos que permaneceram por mais tempo à frente de um estabelecimento

deste tipo.

A questão do abastecimento de água permeou toda a trajetória institucional deste

estabelecimento. Em 1910, o governo do Estado firmou um acordo com a Câmara Municipal

60 Decreto nº 5.251, de 18 de outubro de 1919.

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de Aiuruoca, a fim de que esta se encarregasse de tal abastecimento. Porém, os problemas

persistiram. Em 1914, assim se referiu a secretaria da Agricultura:

“por ainda não ter a Câmara Municipal de Aiuruoca cumprido a obrigação que, em 1910, contraiu com o Estado, de fornecer a água necessária à irrigação das culturas do campo, em troca do auxílio de 3:000$000 [três contos de réis] pelo mesmo concedido para a canalização d’água daquela cidade, o encarregado do referido campo não dispôs de recursos para atenuar os efeitos da seca que muito prejudicou as plantações, pouco produzindo o milho, o arroz e o algodão e não tendo as demais dado resultado”61.

QUADRO 12

Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo/campo de demonstração de Aiuruoca, Minas

Gerais, 1908-1919

Administradores Período (1) Auxiliares Período (1)

Antônio de Sousa de Vila Lobos 17/03/1908-05/1908 Guilherme Augusto Moreira 24/03/1908-?

General Caldeira Brant 12/05/1908-? __ __

Luiz da Fonseca 1909-1919 __ __

Fontes: relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura, entre os anos de 1909 e 1919. Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria. (1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de funcionários, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

Em 1914, quando a lei do orçamento para 1915 extinguiu as fazendas-modelo, com

exceção da Gameleira, este campo continuou existindo, com uma pequena produção, mas

também com um pequeno dispêndio pecuniário. A partir de então, manteve-se o mesmo

quadro: poucas despesas, poucas receitas, de acordo com a TAB. 6, o que indica que este

campo foi paulatinamente deixado de lado, visto que não se tinha autorização legislativa para

extingui-lo. A sua extinção foi sugerida em 1915 por Raul Soares e em 1918 por Álvaro

Astolfo da Silveira, então diretor de Agricultura. Naquele momento, haviam sido feitas

"experiências da cultura do trigo, pelo, sr. Mathias Voitille, que se acha neste Estado comissionado pelo Ministério da Agricultura. Nas experiências feitas (numa área de um hectare apenas), foram empregados 90 litros de sementes. Os resultados obtidos deixaram muito a desejar, devido as más qualidades do terreno e à falta d'água, que até hoje não foi fornecida pela Câmara municipal de Aiuruoca, a despeito do compromisso assumido em 1910 e em troca do auxilio de 3:000$000 concedido pelo Governo do Estado para as obras de abastecimento d'água á referida cidade.” 62

61 Relatório de 1914, ref a 1913, p. 7 62 DIRETORIA DE AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Sr. Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1918 [referente a 1917]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1918, p. 9.

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Como se vê, a paulatina desativação do campo de demonstração de Aiuruoca produziu

o seu malogro, que por sua vez também produziu a sua desativação. Assim, em 1919, a

diretoria de Agricultura declarou que

“o Campo de demonstração de Aiuruoca, situado nas proximidades da cidade que lhe dá o nome, está paralisado desde os fins de 1917, depois de uma tentativa baldada da cultura do trigo nas suas terras. Cuida-se atualmente da sua extinção, já se tendo resolvido que o respectivo encarregado vá prestar serviços no Aprendizado “Borges Sampaio”, como mestre de cultura.”63

TABELA 6

Receitas e despesas do campo de demonstração de Aiuruoca, Minas Gerais, 1908-1918

Ano Receitas Despesas

1908 __ 14:153$280

1909 1:408$273 4:333$003

1910 3:579$980 5:132$040

1911 1:027$945 5:532$225

1912 1:241$430 2:067$140

1913 735$000 2:722$316

1914 1:156$590 1:876$000

1915 400$000 1:019$100

1916 120$000 475$000

1917 __ 106$750

1918 __ 250$000

9:811$218 37:310$104

Fontes: Relatórios da diretoria de Agricultura e da secretaria da Agricultura publicados entre os anos de 1909 e 1919. Nos dois últimos anos abarcados pela tabela, não houve produção agrícola no campo de demonstração de Aiuruoca, não havendo, portanto, despesas de custeio e manutenção, apenas registrando-se como despesas os vencimentos do encarregado da administração do campo, que não foram contabilizados nos anos anteriores pela diretoria de Agricultura e por isso não aparecem nos anos de 1917 e 1918.

Por fim, vale a pena algumas reflexões. O campo de demonstração de Aiuruoca não

ficou restrito à experimentação agrícola, de aclimatação de variedades e espécies vegetais,

mas abarcou também o ensino agrícola, compreendido como demonstração, como uma

educação sensorial, e um pouco da agricultura racional, que se dava neste estabelecimento

pelo uso de máquinas aratórias, principalmente. Em que pese a avaliação da secretaria de

Agricultura, afirmando que “apesar de serem as suas terras pobres de elementos fertilizantes,

tem entretanto, apresentado bom resultado, preenchendo, assim, os fins para que foi criado”64,

63 DIRETORIA DE AGRICULTURA op. cit., 1919, p.189. 64 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 17.

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em verdade, foi uma experiência pequena, mal sucedida, que não teve vínculos diretos com os

campos de demonstração do final do XIX, mas sim com as próprias fazendas-modelo. Além

disso, todos os campos de demonstração instalados a partir do governo de João Pinheiro, até

meados da década de 1910 o foram como anexos das colônias de povoamento ou vinculados

aos institutos de ensino agrícola primário. Somente o campo de Aiuruoca teve uma trajetória

distinta, um tanto deslocada da proposta inicial de João Pinheiro.

2.2.5. Propriedade e resistência: a fazenda-modelo do Bairro Alto

A fazenda-modelo do Bairro Alto, situada no município de Campanha, foi a última a

ser criada, já depois do falecimento de João Pinheiro. A cidade de Campanha era a mais

antiga cidade da região Sul de Minas, sendo elevada à vila em 1798 e à cidade em 1840, com

o nome de Campanha da Princesa do Rio Verde. Possuía, no ano de 1890, 16.185 habitantes e,

à época da criação da fazenda-modelo, era dotada de um hospital (de caridade), uma praça de

mercado, teatro, biblioteca pública (com cerca de 5.000 volumes), estação ferroviária da

Companhia Muzambinho, cemitério público e vários templos religiosos. Os principais

produtos de exportação eram: vinhos, frutas, café, cereais, águas, laticínios (SENA, 1907).

Durante o século XIX, a cidade “foi o grande centro político e o núcleo irradiador do

povoamento e colonização de enorme área do Sul de Minas” (HORTA, 1956, p. 70).

Os terrenos que compuseram a fazenda-modelo eram vastos, mediam cerca de 300

alqueires de área – foi a maior fazenda-modelo – e estavam situados no local denominado

“Bairro Alto”, distantes cerca de três quilômetros da cidade de Campanha. Os terrenos

pertenciam ao governo da União e, em setembro de 1907, a diretoria de Agricultura já os

visitava, a fim de averiguar se preenchiam as condições exigidas pelo decreto 2.027/1907,

“para a fundação de uma fazenda-modelo ou de uma colônia agrícola” 65. Após essa

verificação, que deve ter sido favorável, a diretoria de Agricultura consultou a secretaria das

Finanças sobre a propriedade do imóvel, se do Estado ou da União66. De 15 de maio a 20 de

junho de 1908, os terrenos ficaram a venda pelo Tesouro Federal67, e em 28 de junho de 1908,

a diretoria de Agricultura pediu ao “sr. Ministro da Industria, Viação e Obras Públicas a

65 Jornal Minas Gerais, 25 de setembro de 1907, p. 5, col. 3. 66 De acordo com o jornal Minas Gerais, de 26 de outubro de 1907, p. 5, col. 3. 67 Jornal Minas Gerais, 30 de maio de 1908.

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cessão dos terrenos denominados 'Bairro Alto' para o estabelecimento de uma fazenda-modelo

no município da Campanha”68. Em novembro desse mesmo ano o governo do Estado tomou

posse dos terrenos69, após entendimentos com o mesmo Ministério, por cessão. A fazenda-

modelo do Bairro Alto foi, então, criada por decreto, de nº 2.309, de 27 de novembro de 1908.

Esta fazenda-modelo talvez tenha sido a que mais problemas administrativos

enfrentou, que puderam ser captados pela alta rotatividade de seus encarregados, como

evidencio no QUADRO 13.

QUADRO 13

Administradores e auxiliares de administração da fazenda-modelo Bairro Alto, Campanha, Minas Gerais, 1908-

1915

Administradores Período (1) Auxiliares Período (1)

Francisco F. Veloso 11/1908-04/1909 Simão Maduro ?-05/1910 Augusto Aires 04/1909-? Philadelpho Moreira 1911-02/1912 Francisco F. Veloso ?-06/1910 Manoel Junqueira 06/1912-? Américo de Sousa Barbosa 06-09/1910 Francisco Lopes Beltrão 20/09-31/10/1910 Augusto Aires da Gama Bastos 31/10t/1910-11/02/1912 Philadelpho Moreira 02-06/1912 Manoel Aires da Gama Bastos 06/1912-31/12/1914 Guilherme Prates Jan/1915-?/1915

Fontes: relatórios publicados pela diretoria de Agricultura e pela secretaria da Agricultura, entre os anos de 1909 e 1916. Jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915. Elaboração própria. (1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de funcionários, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

O primeiro encarregado, Francisco F. Veloso permaneceu no cargo pouco menos de

dois anos, se não se contar um período em que esteve afastado, substituído interinamente por

Augusto Aires da Gama Bastos. Não consegui precisar o tempo em que este se manteve como

interino. Quando Francisco Veloso saiu definitivamente da administração da fazenda,

substitui-o Américo de Sousa Barbosa, que era o administrador da fazenda-modelo Diniz, em

Itapecerica. Este funcionário era tido como zeloso e competente, como já salientei, e foi

designado para o Bairro Alto para resolver questões administrativas, relacionadas à prestação

de contas. O mestre de cultura Francisco Veloso foi dispensado do cargo em 4 de outubro de

1910 e, em setembro de 1911, quase um ano após seu desligamento definitivo da diretoria de

Agricultura, haviam comerciantes reclamando o pagamento de materiais fornecidos à fazenda

de Campanha, quando da sua administração.

Logo após Américo Barbosa, que deve ter colocado em ordem a administração da

68 Jornal Minas Gerais, 12 de agosto de 1908, p. 2, col. 2. 69 Jornal Minas Gerais, 04 de dezembro de 1908.

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fazenda, assumiu interinamente a sua administração o chefe de agricultura prática, Francisco

Lopes Beltrão. E, em outubro de 1910, ficou sendo encarregado o mestre de cultura Augusto

Aires, formado pela Gameleira. Com este encarregado, a fazenda pareceu encontrar a

normalidade administrativa. Contudo, o mesmo faleceu no exercício do cargo, em fevereiro

de 1912 e, logo após um período de interinidade exercido pelo então auxiliar administrativo,

Philadelpho Moreira, assumiu a direção da fazenda-modelo o pai de Augusto Aires, Manoel

Aires da Gama Bastos. Este permaneceu na função até 31 de dezembro de 1914, pouco antes

de a fazenda ser arrendada. Ele abandonou a função por “haver passado a exercer o cargo de

contador da sub-Administração dos Correios da Campanha” 70. Este dado indica-me, mais

uma vez, que o pai teve uma origem menos humilde, das camadas medianas da população e

estava em busca de mobilidade social. Suponho a mesma origem para o filho.

Mesmo com tantos problemas administrativos, a fazenda-modelo do Bairro Alto

conseguiu plantar alguma coisa, principalmente cereais e forragens: arroz, batatas, feijão,

milho, cebolas, inhame, forragens como consolida, cana forrageira. Porém, a área plantada foi

muito pequena, cerca de 2% do terreno da fazenda (TAB. 5, pág. 110). Em 1910, talvez

devido às dificuldades de se estabelecer plantações lucrativas no Bairro Alto, estava-se

preparando mudanças, pois “vai esta fazenda [ser] destinada, principalmente, para criação,

tendo também um campo de demonstração” 71. Em outras palavras, intentava-se aproveitar a

imensa área com pastagens, mantendo a pequena parte destina à lavoura apenas como campo

de demonstração agrícola, e não necessariamente como modelo de produção.

Ao longo da existência da fazenda-modelo Bairro Alto várias obras foram construídas:

barracão de máquinas, em 1909; casa do administrador, esterqueira, estábulo, estribaria,

chiqueiro, celeiro, em 1910; tulha, cocheira, casa para máquinas e ferramentas, casa para

empregados, cercas de arame farpado, ponte, porteiras, olaria, ruas, drenagens, estradas em

1911; complemento de estábulo e estribaria, além de caixa d'água, em 1912. Estas obras

relacionaram-se às adaptações da fazenda aos novos moldes planejados para ela. Com efeito,

em 1912 já estava funcionando um posto zootécnico anexo a ela, com oito animais

reprodutores, responsáveis que foram por 24 lançamentos ou inseminações em fêmeas de

criadores particulares. Em 1913, ainda funcionava o posto de monta, com a mesma

quantidade de animais e de cruzamentos, indicando que aqui também houve visitas por

fazendeiros da região, que utilizaram esta fazenda ao menos nos dois anos citados.

A questão mais interessante, contudo, que envolveu a fazenda-modelo do Bairro Alto 70 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 6. 71 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 48.

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referiu-se à sua ocupação. A área era ocupada, quando ainda pertencia à União, por vários

sitiantes, que lá plantavam e criavam animais, não se sabe há quanto tempo. É significativa,

neste contexto, a denominação de “Bairro” que o vasto terreno possuía. Ao realizar a

transferência de propriedade, do governo federal para o estadual, para a criação da fazenda-

modelo, os seus ocupantes se viram obrigados a abandonar as terras que cultivavam, mas não

sem alguma resistência, que foi enfrentada pelo primeiro encarregado da administração da

fazenda, Francisco F. Veloso.

A diretoria de Agricultura empreendeu, então, uma disputa com os sitiantes mais

resistentes, pelo que pude inferir da leitura do seu expediente publicado no jornal Minas

Gerais. De fato, no dia 2 de março de 1909, pouco mais de três meses após a criação da

fazenda-modelo, esta diretoria declarou

“ao sr. encarregado da fazenda-modelo “Bairro Alto” que fica autorizado a conceder aos moradores em terrenos da dita fazenda, um prazo necessário à conclusão dos trabalhos de colheita das plantações feitas anteriormente à aquisição dos mesmos terrenos pelo governo, não devendo permitir, d’ora avante, sejam feitas novas plantações por pessoas estranhas aos serviços da referida fazenda modelo.”72.

Assim, mesmo depois de tomar posse dos terrenos, ainda havia moradores vivendo e

plantando na área da fazenda. Contudo, em 29 de abril do mesmo ano, a diretoria de

Agricultura autorizou o encarregado da fazenda Bairro Alto a adquirir roças de milho

existentes dentro dos limites da fazenda, o que indica duas coisas: primeiro, que os sitiantes

plantavam naquela fazenda gêneros de subsistência – se para autoconsumo ou para o

mercado, não é possível saber. Segundo, que existiu algum tipo de conflito, cuja solução

proposta foi a compra das plantações. Mas esta solução não deve ter satisfeito a todos os

sitiantes. Uma contenda com um dos ocupantes dos terrenos durou alguns meses, devido,

aparentemente, à resistência deste. Pude acompanhar esta disputa também pelo expediente da

diretoria de Agricultura publicado no jornal Minas Gerais. Em 11 de maio de 1909, poucos

dias depois de autorizar o encarregado a adquirir as roças dos particulares, a diretoria de

Agricultura informou

“ao sr. encarregado da fazenda-modelo da Campanha que, por despacho do sr. Secretario das Finanças, de 10 do corrente [mês de maio],foi autorizado a intimar o sr. Ismael de Paula Viana a retirar-se dos terrenos da mesma fazenda, dentro do prazo de 30 dias.”73.

Mas o sitiante não se intimidou, e continuou ocupando as terras. E terminou de alguma

72 Jornal Minas Gerais, 11 de março de 1909, p. 2, col. 3. 73 Jornal Minas Gerais, 30 de maio 1909, p. 3, col. 2.

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forma favorável ao ocupante, mesmo após as intimações oficiais. Mais uma vez por ofício, a

diretoria de Agricultura declarou

“ao sr. encarregado da Fazenda-modelo “Bairro Alto”, Campanha, que foi autorizado, por despacho de 27 do corrente [mês de julho], a efetuar o pagamento de 200$000 [duzentos mil réis], ao sr. Ismael de Paula Viana, como indenização pelas benfeitorias deixadas pelo mesmo em terrenos da fazenda”74.

Se esse valor era superior ao anteriormente oferecido pela diretoria de Agricultura não

consegui apurar, mas é de se supor que o tenha sido. Em primeiro lugar pelo tempo

transcorrido desde a primeira ordem de desocupar os terrenos mediante o pagamento das

plantações – três meses, o que indica a possibilidade de negociações. Em segundo lugar pela

referência às “benfeitorias” – que traduzem a ideia de bens duráveis – e não apenas às roças,

naquele último ofício. É possível, então, que o valor pago tenha ao menos contemplado mais

do que as plantações, favorecendo o ocupante/sitiante.

Contudo, os problemas com a ocupação dos terrenos não terminaram com esse caso.

Em agosto de 1910, um particular – Francisco Lentz de Araújo - requereu a posse de terrenos

situados dentro da fazenda-modelo. Em abril de 1911, esse mesmo senhor tentou comprar 100

alqueires da área da fazenda, o equivalente a um terço dos seus terrenos, o que evidencia que

a requisição de posse não foi aceita pelo Estado, e a insistência desse senhor.

Em 14 de novembro de 1910, por ofício, a diretoria de Agricultura recomendou “ao

encarregado da direção da fazenda-modelo do Bairro Alto que não consinta a entrada nos

pastos da fazenda de animais pertencentes a particulares, devendo ser deles retirados os que

tenham ali sido colocados antes de ter assumido a direção da referida fazenda” 75. O novo

encarregado, Augusto Aires da Gama Bastos, havia assumido o posto há poucos dias, e deve

ter encontrado muitos bois pelos pastos da fazenda, o que indica que outras pessoas

continuavam a utilizar a sua imensa área improdutiva.

As dúvidas em relação à posse da fazenda, e às suas finalidades, não eram apenas dos

sitiantes e vizinhos do local. Até mesmo outros departamentos do governo estadual as

possuíam, como ficou evidenciado numa minuta de um ofício enviado pela diretoria de

Agricultura à diretoria de Viação e Obras Públicas:

“Ao sr. diretor de Viação, Obras Públicas e Indústrias declarou-se, em resposta ao seu ofício n. 452, de 16 de dezembro do ano passado, que a doação da fazenda-modelo 'Bairro Alto' foi feita ao Estado pelo governo da União para ser ali criada uma colônia agrícola, tendo sido, porém, fundada uma fazenda-modelo por se haver verificado que os respectivos terrenos não se prestavam à criação da colônia, não podendo, por isso, ser distraída parte de seus terrenos para fins diferentes do que foi

74 Jornal Minas Gerais, 16-17 de agosto de 1909, p. 2, col. 1. 75 Jornal Minas Gerais, 21de dezembro de 1910, p. 2, col. 4.

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estabelecido pelo referido governo”76.

De toda essa discussão, sobressai uma contradição: a política estadual de se promover

a colonização e parcelamento do solo estava em franca oposição, pelo menos na fazenda-

modelo do Bairro Alto, com a política de se fundar fazendas-modelo. A maior integração que

percebi na política econômica de João Pinheiro não aconteceu aqui. Sendo a fazenda já

ocupada por sitiantes, que lá plantavam cereais, o que o governo estadual fez, vale dizer após

a morte de João Pinheiro, foi transformar uma área parcelada em propriedades menores em

um latifúndio improdutivo.

76 Jornal Minas Gerais, 09 de julho de 1911, p.3, col. 2.

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3. A FAZENDA-MODELO DA GAMELEIRA: o ABC da agricultura

moderna 1

“Com a minha experiência de 14 anos de lutas práticas industriais, pelo exame atento de como foi conduzido o problema do ensino agrícola primário como se está praticando na fazenda da

Gameleira, tenho plena, absoluta confiança de que, o que falta ao brasileiro é isto simplesmente: ver como o trabalho se sistematiza e ver como o trabalho sistematizado, nas

nossas terras fertilíssimas, é amplamente remunerado. A questão, pois, está reduzida a isto: - fazer que em todo o município haja uma fazenda à

semelhança da da Gameleira” […] João Pinheiro da Silva2.

A epígrafe que abre este capítulo justificaria por si só o relevo que esta pesquisa dá à

fazenda-modelo da Gameleira. Dentre todas as que funcionaram, ela realmente merecia a

denominação de modelo. E não apenas um modelo para a iniciativa privada, mas também aos

estabelecimentos congêneres mantidos pelo Estado. Além disso, ou como resultado dessa

opção republicana, encontrei maior disponibilidade de documentos sobre esta fazenda, o que

possibilitou uma narrativa mais complexa e rica em relação à Gameleira. Pude acompanhar

um pouco de sua instalação, organização e funcionamento, que foi o mais importante

estabelecimento de instrução profissional agrícola do Estado durante a primeira república, em

conjunto com o anexo Instituto João Pinheiro, até a instalação da ESAV – Escola Superior de

Agricultura e Veterinária, em Viçosa. Além da descrição de parte de sua trajetória

institucional, foi meu intento analisar esta trajetória, tendo como referência alguns conflitos

que a permearam.

O objetivo deste capítulo é, de forma ampla, contribuir para a compreensão do

processo de escolarização do trabalho agrícola, na forma que este assumiu nas fazendas-

modelo do Estado. Este capítulo, totalmente dedicado à fazenda-modelo da Gameleira, está

subdividido em cinco partes, nas quais procuro: descrever alguns aspectos gerais do seu

funcionamento e organização; relacionar a fazenda da Gameleira com o Instituto João

Pinheiro; elucidar a forma pela qual o método intuitivo funcionou na fazenda, para além do

aprender-fazendo; descrever os sujeitos da aprendizagem; e, finalmente, trazer à tona algumas

1 Os resultados apresentados neste capítulo foram parcialmente publicados por Gonçalves e Versieux (2009) e vão aqui revistos e ampliados. 2 CARTA de João Pinheiro a Afonso Pena. Belo Horizonte, 16 de março de 1907. Fundo Afonso Pena, microfilme AN 563-2004, notação 26.16, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Grifos meus.

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das relações que a mesma fazenda estabeleceu com diversos segmentos da sociedade mineira.

As fontes primárias mobilizadas neste capítulo foram principalmente: textos de João

Pinheiro da Silva (cartas e editoriais do jornal Minas Gerais); relatórios anuais da diretoria e

da secretaria da Agricultura; expedientes da diretoria de Agricultura e diversos artigos

publicados no jornal Minas Gerais; assim como algumas fotografias publicadas nesses

mesmos documentos.

3.1. Nos cerrados de Belo Horizonte: a fazenda-modelo da Gameleira

Belo Horizonte era, em 1906, uma cidade ainda muito jovem, em construção, pois fora

fundada em fins de 1897. Mesmo com uma população, e eleitorado, ainda incipiente, a capital

do Estado funcionou, já por esse período, “como centro de gravidade político do estado”

(WIRTH, 1982, p. 206). Segundo o mesmo autor, “Belo Horizonte era a cidade burocrática

por excelência […]. A capital não tinha uma base comercial-industrial antes do final da

década de [19]20.” (WIRTH, 1982, p. 210-11).

A fazenda situava-se acerca de seis km de Belo Horizonte, à margem esquerda do

Ribeirão Arrudas, na zona rural da cidade. Contudo, a zona suburbana era muito próxima,

tendo sido definida por decreto em 1902 como “a parte urbana da cidade, compreendida pelas

avenidas Cristóvão Colombo, Contorno, Itacolomy e Amazonas”3.

A Gameleira foi a primeira fazenda-modelo a ser criada e seus terrenos foram

escolhidos e adquiridos diretamente por João Pinheiro, em 26 de novembro de 19064. Suas

terras eram sabidamente de má qualidade, constituintes de campos e cerrados, pobres em

diversos minerais e, por isso, necessitavam de adubação. Essa era uma “qualidade” requerida

pelo próprio João Pinheiro, visto que ele queria demonstrar a superioridade da cultura dita

racional exatamente em terrenos piores, inférteis. Segundo um artigo publicado no jornal

Minas Gerais, era uma “terra árida, uma vegetação raquítica”, um “terreno pouco acidentado.

É uma extensa planície inclinada, ondulando norte a sul, salvas umas leves elevações, quase

imperceptíveis à primeira vista”.5

A instalação da fazenda-modelo da Gameleira foi feita em cerca de quatro meses, entre

3 Decreto nº 1.516, de 2 de maio de 1902, art. 11. 4 Segundo DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1908, e o expediente da Inspetoria de Indústria, Minas e Colonização, da Diretoria Geral da Agricultura, publicado no jornal Minas Gerais de 3-4 de dezembro de 1906. 5 Jornal Minas Gerais, de 16 de junho de 1907. p. 10, col. 1.

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fins de novembro de 1906 e março de 1907 e realizou-se “sob a direção pessoal do

Presidente” João Pinheiro6. Nesse período,

“foi lavrada a área total de 6 alqueires geométricos, incluídos os serviços de roçada, destocamento, remoção de tocos e lavra propriamente com máquinas agrícolas” Assim, acreditava João Pinheiro que “os elementos que devem constituir o ensino primário agrícola pelo emprego da mecânica no trabalho da terra estão definitivamente organizados na fazenda da Gameleira”7 .

O próprio Pinheiro deixou claro, em carta a Afonso Pena, que ele dirigia os trabalhos

de cultura na fazenda, de tal forma que:

“especifiquei por unidade de serviço, acostumando este trabalhador a pequenas empreitadas, o custo das cercas de arame farpado por metro, o custo da remoção da terra para os regos de irrigação, o custo da destocação por hectare, o custo da lâmina do arado, do destocador e da gradagem” 8.

A fazenda-modelo da Gameleira formou-se a partir da antiga Fazenda da Gameleira,

que pertencia a Aurélio Lobo e estava arrendada a Firmino Garcia, que em fins de 1907 se

tornou mestre de cultura e encarregado de dirigir a fazenda-modelo Retiro do Recreio,

localizada no município de Santa Bárbara. Logo em seguida foi anexado à Gameleira um

sítio, denominado Madeiro, adquirido “por se haver verificado a necessidade de elevar-se o

rego d’água que a fazenda possuía, para poder irrigar maior área de terrenos”9. Mais tarde,

novos terrenos vizinhos foram adquiridos, sempre devido aos problemas de abastecimento

d'água, perfazendo 135, 52 hectares, ou 28 alqueires. Outros terrenos foram incorporados à

Gameleira e, em 1912, o Estado adquiriu terrenos de Joaquim José dos Santos, e desapropriou

os mananciais do córrego Bom Sucesso e terrenos marginais, perfazendo um total de,

aproximadamente, 44 alqueires. Ao longo do tempo, pouco a pouco, sua área foi sendo

ocupada por outras instituições públicas, como mostrarei ainda neste capítulo.

No primeiro ano de funcionamento da Gameleira, foram executadas vultosas obras de

infra-estrutura. Construíram-se casas de administração, do guarda e dos aprendizes; estábulos

de bois, estrebarias de cavalos, chiqueiros de porcos de engorda e de porcos reprodutores e

cozinha de porcos; depósito para máquinas agrícolas, paiol e esterqueira. Em 1908,

ultimaram-se as instalações desta fazenda-modelo, com a finalização das cocheiras para os

reprodutores de raça, o galinheiro e o silo para forragens verdes. Nesse momento, a convicção

de Carlos Prates era de que o estabelecimento havia entrado em sua vida normal “devendo

6 Jornal Minas Gerais, 18 de agosto de 1907, p. 5, col. 2. 7 Jornal Minas Gerais, 21 de março de 1907, p. 1, col. 1. 8 CARTA, de João Pinheiro da Silva a Afonso Pena. Belo Horizonte, 16 de março de 1907, Fundo Afonso Pena, microfilme AN 563-2004, notação 26.16, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 9 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1908, p. 13.

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haver, por isso, considerável diminuição das despesas” 10. Os edifícios foram “projetados de

acordo com as exigências da ciência agronômica, tendo em vista as nossas condições

especiais de clima e situação dos terrenos, aliando o bom gosto arquitetônico à economia

indispensável ao fim que se destina aquela propriedade rural”11. Contudo, as obras de

melhoramento da infra-estrutura desta fazenda-modelo continuaram por vários anos.

Nas fotografias abaixo (Figs. 3, 4 e 5), procuro mostrar essas instalações. Apesar de

terem sido publicadas alguns anos depois, em 1912 e 1913, dão uma boa ideia das edificações

da fazenda. A Fig. 3, uma fotografia panorâmica, revela que a fazenda-modelo da Gameleira

era mesmo uma fazenda típica, um ambiente de produção agrícola. Seus edifícios foram

construídos em uma planície, num vale cercado por montanhas e suas instalações eram

modestas, como pode ser visto nesta mesma figura e, com mais detalhes, nas Figs. 4 e 5,

situadas na próxima página. Na Fig. 4, uma fotografia tirada por Álvaro Astolfo da Silveira12,

que então era o chefe da seção técnica da diretoria de Agricultura, pode-se perceber que os

edifícios eram típicas construções rurais. Na Fig. 5 mostro um aprisco, ou curral.

Figura 3 – Vista panorâmica da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1913. Fonte: jornal Minas Gerais, suplemento à edição do dia 26 de fevereiro de 1913. Legenda: “Uma vista da

fazenda da Gameleira”. Não encontrei referências quanto à autoria da fotografia.

10 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 9. 11 Jornal Minas Gerais, 22 de maio de 1907, p. 6, col. 1. 12 Engenheiro, geólogo, geógrafo, botânico, professor e acadêmico, Álvaro Astolfo da Silveira nasceu em Passos, Minas Gerais, a 23 de setembro de 1867. Foi engenheiro-chefe da Estrada de Ferro Central do Brasil (1895-1898); Fiscal de Colônias do Estado (1900-1904); diretor da Imprensa Oficial (1904-1907); chefe da Seção Técnica da diretoria da Agricultura (1907-1913); diretor da diretoria de Agricultura (1914-?), sucedendo a Carlos Prates quando do seu falecimento; e chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais (1921-1931). Foi um dos fundadores da Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte. Faleceu a 26 de novembro de 1945. (MONTEIRO, 1994).

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Figura 4 – Detalhe de edificações da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1912. Fonte: DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1912. Legenda: “Fazenda da Gameleira. - Cavalo

Oldenburgo”. Autor da fotografia: Álvaro Astolfo da Silveira.

Figura 5 – Aprisco, fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1912 Fonte: DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1912. Não encontrei referências quanto à autoria da

fotografia.

Em relação ao primeiro ano de funcionamento da Gameleira, Carlos Prates avaliava

como sendo de grandes vantagens a manutenção desse estabelecimento pelo Estado, pois

“muitos agricultores mineiros, arraigados aos antigos processos de lavoura, hoje condenados por não serem econômicos, têm visitado a fazenda-modelo da Gameleira, voltando convencidos da necessidade de adotarem os processos modernos de agricultura, ali empregados, com os quais se tem conseguido, como verificaram, os melhores resultados, apesar da inferioridade do terreno. Para provar o que fica dito, basta imaginar-se que só por esta Diretoria, depois da existência da Gameleira, já foram cedidas a diversos lavradores do Estado 799 máquinas, algarismo este que mostra exuberantemente a grande aceitação que elas

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vão tendo da parte dos fazendeiros.” 13.

Mas a diretoria de Agricultura enfrentava vários problemas na administração do

estabelecimento. Um deles esteve ligado à alta rotatividade de administradores da fazenda,

nos quatro primeiros anos de funcionamento. Consegui mapear, pelo expediente desta

diretoria publicado no jornal Minas Gerais, que seis funcionários se revezaram na

administração da Gameleira entre fins de 1906 e agosto de 1910, quando assumiu a direção da

mesma Leon Renault, diretor também do Instituto João Pinheiro, estabelecimento que passou,

então, à subordinação da diretoria da Agricultura. Ver QUADRO 14. Leon Renault

permaneceu à frente da direção do Instituto João Pinheiro até 1934, de acordo com Faria Filho

(2001). Durante todo o período de sua administração, foi substituído algumas vezes, em

caráter interino.

QUADRO 14

Administradores da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1906-1909

Administrador Entrada(1)

Francisco Lopes Beltrão Novembro de 1906

Francisco de Paula Guimarães Junho de 1907

Luiz Beltrão Março de 1908

Antônio de Souza de Vila Lobos 1 de Junho de 1908

Oto Neuenschwander 10 de maio de 1909

Leon Renault 03 de agosto de 1910

Fonte: jornal Minas Gerais, setembro/1906-março/1915; SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, 1913. Elaboração própria. (1) Estas datas são aproximadas, e correspondem, em geral, às datas das edições do jornal Minas Gerais, ou da expedição dos ofícios que formalizaram a troca de administradores, podendo não corresponder à data real em que a troca foi efetivada.

Há que se mencionar ainda o posto zootécnico que funcionou na fazenda-modelo da

Gameleira. Ele foi o primeiro a ser instalado no Estado, em fins de 1908, seguido por outros,

em diversos pontos do interior, anexados ou não às fazendas-modelo. Destinava-se

“especialmente à aclimação de reprodutores recém-importados e de experiências metódicas de

diversas raças, servindo, também, para o ensino prático de zootecnia aos aprendizes da mesma

fazenda e aos educandos do Instituto 'João Pinheiro'.” 14. Ao receber os reprodutores de raça, o

posto da Gameleira também imunizava os animais, para depois serem enviados a outros

13 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1908, p. 14. 14 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 259.

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postos, que eram fundamentalmente de monta, destinados à inseminação natural de fêmeas

dos criadores particulares. Ou então eram os animais vendidos e remetidos a fazendeiros

pecuaristas. Ele funcionou, portanto, como um posto central, no qual se produziam novos

animais de raças e se “aclimatava” os recém-chegados do exterior. Em menor escala,

funcionou como posto de monta. Em 1912, passou por ele 113 animais; em 1913, cerca de 40.

As despesas com este posto eram elevadas, pois Leon Renault, em diversos relatórios,

fez questão de frisar que o eram, mas, apesar disso, necessárias. E afirmou que “é vezo antigo,

entre nós, criticar-se a despesa feita com cousas sérias, por pessoas que julgam e apreciam os

fatos sem conhecimento deles. Posso garantir a v. exc. que se gastou muito com o custeio do

Posto Zootécnico, mas, afirmo, não se podia gastar menos, nem tão bem” 15. Explicitadas

estas questões mais gerais, é necessário passar para questões mais específicas. Começo, então,

pela relação entre a fazenda-modelo da Gameleira e o Instituto João Pinheiro.

3.2. Uma república escolar na Gameleira: o Instituto João Pinheiro

O Instituto João Pinheiro – IJP – era uma instituição de ensino agrícola destinada a

abrigar crianças e adolescentes órfãos e desvalidos. Foi criado por decreto16 em 1909 e teve

seu nome dado em homenagem ao recém falecido João Pinheiro da Silva. O IJP foi objeto de

estudo da dissertação de mestrado de Luciano Mendes de Faria Filho, defendida em 1991, e

também foi estudado, no contexto do ensino agrícola na primeira República, por Maria

Auxiliadora Faria, em sua tese de doutoramento defendida em 1992. Faria (1992) também

tratou das fazendas-modelo, e dentre elas da Gameleira, porém relacionando esta instituição

com o IJP apenas ao espaço físico que a instituição ocupou. Já Faria Filho (2001), ao

concentrar-se no Instituto João Pinheiro, relacionou-o com a Gameleira sob a ótica do IJP,

como não podia deixar de ser. Faria Filho estudou o Instituto particularmente a partir da

assistência a crianças pobres e marginalizadas, articulada à questão da repressão à vadiagem

do trabalhador nacional e do ensino agrícola, como forma de educar o trabalhador, adulto ou

criança. Assim, o autor entende que

“a temática de incorporação dos 'pobres', dos trabalhadores, do povo à República será uma constante durante todo o período estudado [1909-1934]. Ela é apresentada como uma das principais justificativas, ao lado da formação do trabalhador e do

15 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 278. 16 Decreto n. 2.416, de 9 de fevereiro de 1909.

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combate à criminalidade, para a maioria das reformas na área da educação e dos diversos documentos referentes à assistência à criança abandonada.” (FARIA FILHO, 2001, p. 17).

O que proponho nesta parte da dissertação é tratar do IJP a partir dos interesses da

fazenda-modelo da Gameleira, elencando alguns aspectos pouco explorados pelos dois

autores citados, retomando aqueles que considerei mais pertinentes. Tomo de empréstimo a

expressão “república escolar”, utilizada por Maria Auxiliadora Faria, e que encontrei também

em diversas fontes primárias, para referir-me ao Instituto João Pinheiro (IJP). Esta expressão

traduzia um dos objetivos do Instituto: formar novos cidadãos para a ainda jovem República,

por meio da sua estrutura física e organizacional que “reproduzia, de forma inédita no Brasil,

o regime republicano vigente. […] Como numa miniatura da República, foram postos em

prática o federalismo, a representatividade do poder executivo, e um poder judiciário com

relativa autonomia” (FARIA, 1992, p. 249). Na Fig. 6, reproduzo uma fotografia, que

procurava representar os membros dessa “república escolar”. Nela, os meninos aparecem

descalços, mas vestidos com algum conforto. Os escolhidos para comporem os poderes da

República em miniatura eram os de melhores condutas disciplinares e esta escolha era feita

pelos próprios pares.

Figura 6 – Membros da República escolar do Instituto João Pinheiro, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1913. Fonte: jornal Minas Gerais, suplemento à edição do dia 26 de fevereiro de 1913. Legenda: “Membros da

República Escolar”. Não há referências sobre a autoria da fotografia.

A localização do IJP na Fazenda da Gameleira foi determinada por vários motivos. Era

recorrente à época, como salientou Faria Filho, a ideia de que a internação no campo era o

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melhor meio para se regenerar crianças e adolescentes vistos como marginalizados ou impedir

que os meninos pobres, citadinos, se tornassem avessos ao trabalho disciplinado, indo unir-se

a outros meninos “viciados, criminosos” que enchiam as ruas das cidades. Isso porque o

“regime higiênico é aí muito melhor assegurado que na cidade, […] a solicitação da rua, do

meio deletério em que crescia o abandonado é muito menos intensa, […] a ação educativa do

trabalho agrícola é reconhecida como a mais eficaz, [e] o sistema de internato em pequenos

grupos de regime familiar (cottagem system), preconizado pelos educadores modernos, só é

viável no campo”17.

Especificamente em relação à instalação do IJP na Gameleira, o mesmo editorial, uma

exposição de motivos do decreto que criou o Instituto, apresentava outras vantagens: o

completo aparelhamento e instalação da Gameleira, para o fim a que se destinava o Instituto,

qual seja, o ensino agrícola; a proximidade com a Capital, o que facilitaria a sua inspeção e

execução do plano traçado para o Instituto; e, finalmente, a complementariedade entre as duas

instituições, visto que

“ao Instituto de educandos desvalidos oferece a terra da Gameleira o campo de ensino prático, para a perfeita aprendizagem do manejo de instrumentos agrários, de amanho do terreno para as mais variadas culturas, de irrigação, de criação e tratamento de animais de utilização agrícola; à estação agro-pecuária o internato proporciona o seminário de trabalhadores para a constante movimentação agrícola, assegura o consumo de toda a produção, fornece o auxílio de suas oficinas, e possibilita a realização do fim econômico de transformação progressiva dos processos, ainda rotineiros, de exploração da indústria agrícola” 18.

A Gameleira era, pois, o local ideal para a instalação do Instituto, por ser próxima da

burocracia estatal para permitir a fiscalização e longe o suficiente da cidade. Vale ressaltar

que, tendo sido a Gameleira fundada pelo próprio João Pinheiro, o morto que se queria

homenagear, era quase “natural” que se escolhesse esta fazenda como local para coroar essa

homenagem. Por outro lado, o regulamento publicado juntamente com o decreto que criou o

IJP estabelecia, além da localização do Instituto na Gameleira, que a administração daquele

seria da secretaria do Interior, visto que ministrava o ensino primário, além do agrícola, e que

a Gameleira continuaria subordinada à diretoria de Agricultura, sendo que esta deveria

inspecionar “o ensino prático de agricultura e de criação e tratamento de animais, dirigindo e

facilitando a ação do mestre de cultura” (dec. nº 2.416/1909, art. 6.º) do IJP. Além disso, o

artigo 27 do mesmo regulamento previa que “o ensino agro-pecuário será dado, diariamente e

conforme as necessidades das plantações e da criação de animais, da fazenda-modelo da

17 Jornal Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1909, p. 1, col. 3. 18 Jornal Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1909, p. 1, col. 3.

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Gameleira, pelos mestres de cultura que serão dirigidos pelo diretor de agricultura.” Dessa

forma, estabeleceu-se uma separação de poderes e funções entre a Gameleira e o Instituto, e

dentro do próprio instituto.

O IJP, “com o intuito de formar o trabalhador apto física, ideológica, moral e

disciplinarmente para o trabalho assalariado” (FARIA FILHO, 2001, p. 87), organizava o

trabalho dos alunos em quatro modalidades: o trabalho manual, o trabalho agrícola, o trabalho

nas oficinas e o trabalho interno (FARIA FILHO, 2001). Interessa-me, particularmente, o

trabalho agrícola realizado pelos alunos do IJP, visto que realizou-se na fazenda da Gameleira;

foi a base prática do ensino agrícola ministrado pelo Instituto; e deu-se por longos anos sob

supervisão de um mestre de cultura, formado pela própria Gameleira, João Estrela de

Waterloo. O ensino agrícola foi o ponto de interseção entre o Instituto João Pinheiro e a

fazenda-modelo da Gameleira.

O trabalho agrícola era “responsável pela formação de trabalhadores agrícolas e pela

produção de gêneros alimentícios para a própria instituição” (FARIA FILHO, 2001, p. 87).

Era de caráter obrigatório, pois garantiria o “amor pela terra”, a disciplina no trabalho regular

e contribuiria para a consagração de Minas Gerais como o “celeiro do país” (FARIA FILHO,

2001, p. 92). Faria Filho faz notar que, “já durante o primeiro ano de funcionamento do

Instituto, […], o pequeno grupo de alunos executava as mais diversas atividades ligadas ao

plantio e colheita de pequenas plantações” (FARIA FILHO, 2001, p. 93). O que tornou

possível a realização destas atividades agrícolas, desde a fundação do Instituto foi a estrutura

instalada e posta em movimento na fazenda da Gameleira desde fins de 1906.

O mesmo autor observa também que houve, pelo menos por parte da direção do

Instituto, uma preocupação em formar tecnicamente os futuros trabalhadores, refletindo o que

“à época acreditava-se ser uma necessidade premente para a agricultura mineira: o

conhecimento e o emprego de novas técnicas de cultivo e criação” (FARIA FILHO, 2001, p.

94). Leon Renault, defendendo o ensino agrícola para crianças, em contraposição ao ensino

aos adultos que a fazenda da Gameleira ministrava, acreditava que “o hábito do trabalho, o

conhecimento e emprego dos processos modernos de cultura se radicarão em crianças que a

eles se habituam desde oito anos, o que com segurança e eficácia não se leva ao entendimento

do lavrador já feito e radicado à rotina tradicional” 19.

O trabalho dos alunos deveria ser desenvolvido de forma que estes compreendessem

a razão de ser de todas as operações realizadas no terreno; que conheçam e saibam manejar todos os instrumentos que a mecânica agrícola tem introduzido na prática

19 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 432.

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rural; que saibam como devem ser tratados e alimentados os animais de trabalho e os destinados à reprodução; que sejam capaz de utilizar inteligentemente todos os detritos que possam concorrer para a formação de adubos; que tenham a instrução elementar e profissional indispensável a qualquer homem20.

O trabalho dos meninos do Instituto deveria ser remunerado, inclusive o trabalho

agrícola (FARIA FILHO, 2001; FARIA, 1992). Esta remuneração visava contribuir para a

“formação, nas crianças, de valores, hábitos, atitudes e de capacidades técnicas necessárias

àqueles que deverão viver do próprio trabalho” (FARIA FILHO, 2001, p. 88). O princípio

fundamental era, ainda de acordo com Faria Filho,

“o valor do trabalho na vida humana”, ao qual ligava-se “algumas preocupações como a de mostrar a utilidade e necessidade do trabalho; que o trabalho enobrece e dignifica; que só é digno de si e da sociedade quem trabalha; que a vida sem o trabalho torna-se impossível; que é preciso viver pelo trabalho; enfim, que o trabalho afasta do ócio e dos vícios” (FARIA FILHO, 2001, p. 88).

Com a remuneração, eles aprenderiam que “a vivência, sua subsistência, deveriam ser

garantidas pelo salário conseguido com seu trabalho, e não mediante meios escusos” (FARIA

FILHO, 2001, p. 101). Além disso, por meio do seu salário, “o futuro trabalhador deve

aprender alguns elementos fundamentais para sua incorporação, sem conflitos, ao mercado de

trabalho capitalista tal qual ele vinha se organizando em Minas Gerais” (FARIA FILHO,

2001, p. 102). A remuneração, porém, não seria dada nem imediatamente nem integralmente

ao educando. Somente depois de dois anos no Instituto é que seu trabalho passaria a ser

avaliado e remunerado. Em relação ao valor que deveria receber, 70% seria recolhido como

renda do estabelecimento, o que era justificado como uma ação pedagógica que ensinaria ao

aluno que ele próprio começava a prover a sua educação e subsistência; 15% era destinado à

formação de um pecúlio, depositado em conta em nome do educando, na Caixa Econômica

Estadual, e que lhe seria repassado quando atingisse a maioridade, ajudando-o nos primeiros

tempos de vida independente; 10% constituiria um fundo de reserva do IJP; e 5% ficariam já

disponíveis ao educando (FARIA FILHO, 2001; FARIA, 1992).

Como já se viu, parte significativa dos serviços agrícolas da Gameleira era executada

pelos alunos do IJP. O próprio Leon Renault usou este recurso como argumento para justificar

a economia que fizera, ao assumir a direção também da fazenda. Leon Renault esforçou-se em

demonstrar que esse trabalho trazia economias ao governo estadual. Em 1910, afirmou que “é

um erro acreditar-se que o serviço destes [educandos] ficam mais caros à Fazenda”21,

20 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 431. 21 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 315.

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provavelmente rebatendo críticas que sofria. E, com uma conta simples, demonstrou que o

trabalho de dez meninos era mais vantajoso financeiramente do que o de um homem, pois

sendo o serviço de um homem remunerado em 2$500 (dois mil e quinhentos réis) e o de dez

alunos remunerado em 10$000 (dez mil réis), este último ainda sairia mais barato, pois apenas

20% ficariam com os meninos, ou seja, 2$000 (dois mil réis), permanecendo os restantes

8$000 (oito mil réis) com o Estado. A economia seria, portanto, de $500 (quinhentos réis)22. E

afirmou que muitos dos serviços executados pelos meninos eram qualitativamente melhores

do que aqueles executados por trabalhadores agrícolas jornaleiros.

Porém, mesmo Renault, que defendia o trabalho dos meninos e a substituição de

adultos por eles, teve problemas em 1911 com a restrição econômica que sofreu os serviços da

secretaria da Agricultura. Em minuta de um ofício enviado em 13 de setembro de 1911 para

Leon Renault, a secretaria lembrava “a conveniência de substituir por um menor um operário

que trabalha no […] posto” zootécnico da fazenda da Gameleira23. Infelizmente não tenho a

resposta de Renault, mas o ofício seguinte, datado de 21 de setembro de 1911, a cuja minuta

tive acesso, dá uma noção do que enfrentava o diretor do IJP, e do teor de sua resposta,

possivelmente contundente. Neste segundo ofício, a secretaria declarou que “não é intuito

desta Diretoria [de Agricultura] fazer com que todo o serviço do posto zootécnico seja

executado pelos alunos do Instituto, e, sim, como medida de economia e de aprendizagem,

substituir um dos trabalhadores por um educando de maior idade, em serviço que esteja de

acordo com suas forças e idade” 24.

Leon Renault defendia o caráter prático do ensino agrícola, em contraposição ao

ensino teórico. Isso por que

“aquele que aprendeu agricultura nas escolas, nos “laboratórios", fica sabendo como o solo é formado e funciona; como é readquirida a energia criadora do solo cansado; como se transforma o pântano pestilencial numa fonte de rendimentos; como as plantas e os animais vivem e as raças são aperfeiçoadas; como os fermentos colaboram nas indústrias agrícolas; como a luz do sol fornece matéria prima para o fabrico das colheitas, etc. O que aprendeu agricultura no meio agrícola, nas propriedades rurais, fica sabendo como se fiscalizam os serviços; como se sabe o custo e o valor deles, no dia, no mês e no ano; quais os animais e plantas mais convenientes à sua fazenda; na distribuição dos serviços, quais os mais urgentes e inadiáveis; quais as causas mais importantes beneficiando ou prejudicando as colheitas, sobretudo quanto se ganha ou perde no ano agrícola. A sua instrução é adquirida nos “carreadores” da fazenda, fiscalizando e recebendo colheitas; nas máquinas de beneficiar mercadorias agrícolas, no preparo do solo; no tratamento dos animais de trabalho e reprodução; na conservação das

22 De acordo com SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911. 23 Jornal Minas Gerais, 07 de outubro de 1911, p. 4, col. 2. 24 Jornal Minas Gerais, 12 de outubro de 1911, p. 1, col. 2.

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casas, caminhos e veículos; na organização dos serviços agrícolas; na venda dos produtos da fazenda e no conhecimento exato do que despende e do que produz. Sabe quanto lhe custa o desbravamento de uma área, não ignora os benefícios resultantes dos admiráveis aparelhos de mecânica agrícola, o benefício dos adubos.”

25.

Apesar de defender a adoção do ensino prático, Renault não abriu mão do ensino “de

laboratório”. Como o ensino agrícola era conjugado ao ensino primário, lá o ensino era

teórico-prático, o que o diferenciava do ensino agrícola da fazenda da Gameleira que foi

essencialmente prático. Além disso, os alunos tinham aula de desenho; a biblioteca do

Instituto possuía livros sobre agricultura; “o ensino das matérias do curso primário é sempre

feito de modo que envolve, quando possível, nas questões e problemas, a agricultura”26; e

havia o ensino de contabilidade agrícola, dado aos alunos na classe primária de aritmética, “de

maneira a fazerem ideia exata do valor econômico da produção da Fazenda da Gameleira”27.

Assim, apesar da declaração de Leon Renault, de que o ensino agrícola praticado junto aos

menores do IJP era prático28, em verdade, pelas razões aqui elencadas, considero-o teórico-

prático.

Há que se destacar, ainda em relação ao ensino agrícola, a percepção de Faria Filho

sobre a recusa dos alunos ao trabalho agrícola. E, para ilustrar, este autor cita um trecho de

uma entrevista feita com um ex-aluno do IJP, na qual contou que,

“por ocasião da visita do Embaixador da Itália ao Instituto, L. Renault teria afirmado o seguinte em seu discurso de recepção: 'Aqui nós não estamos criando funcionários

públicos, doutores, engenheiros. Não, nós estamos trabalhando (formando)

trabalhadores do campo, na enxada.' A essa declaração de L. Renault, ter-se-ia seguido a seguinte reação de um aluno: 'Trabalhador de enxada é a vó!'.” (FARIA FILHO, 2001, p. 95, grifos do autor).

Com esse caso, Faria Filho ilustrou a tensão que marcou o IJP durante o período por

ele estudado, entre 1909 e 1934: a tentativa de formar trabalhadores agrícolas frente à negação

desse trabalho pelos alunos. Esse relato deixa claro que o trabalho na enxada era mal visto

pelos alunos do Instituto. O autor esclarece ainda que houve vários níveis de trabalho

agrícola, de acordo com o merecimento do aluno: o trabalho na enxada, a capina, que era o

menos digno de todos; estudos mais aprofundados, que envolviam qualidade dos solos,

25 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 432. 26 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 369. 27 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo Sr. Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. José Gonçalves de Sousa, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1914 [referente a 1913]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1914, p. 253. 28 De acordo com SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911.

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épocas de plantio, seleção de animais de raça; e o trabalho com as máquinas agrícolas. A

partir dessas informações, pergunto-me se o aluno, ao declarar que “trabalhador de enxada é a

vó!” estaria recusando o trabalho agrícola de forma geral, ou se já teria assimilado a recusa a

um determinado tipo de trabalho agrícola, o rotineiro, que as elites combatiam com tanto

vigor pelo menos desde o início da República, como pude observar no primeiro capítulo.

Uma questão que deve ser mencionada relacionou-se com a anexação do Instituto

João Pinheiro à fazenda-modelo da Gameleira29. Nesse momento, o Instituto passou da

subordinação da secretaria do Interior para a da diretoria de Agricultura, nesta data ainda

vinculada à secretaria das Finanças. As direções dos estabelecimentos foram unificadas, sendo

nomeado para a direção única Leon Renault. A diretoria de Agricultura manteve as diferentes

finalidades de cada instituição, com contabilidade e administração separadas.

Antes da anexação, durante os primeiros meses de funcionamento do IJP, entre 1909 e

1910, captei um conflito entre os administradores dos dois estabelecimentos: Leon Renault,

que havia assumido a instalação e direção do Instituto, e o encarregado da administração da

Fazenda da Gameleira, Oto Neuenschwander, que havia sido transferido da direção da colônia

Nova Baden, em Águas Virtuosas, sul do Estado, para a da Gameleira em maio de 1909, em

substituição a Antônio de Sousa de Vila Lobos. Leon Renault estava, portanto, há apenas três

meses à frente do IJP quando Neuenschwander chegou. Se já ocorriam conflitos entre as duas

diretorias, antes da chegada de Oto Neuenschwander, não consegui apurar, da mesma forma

que não consegui saber o motivo da troca de encarregados entre Nova Baden e Gameleira,

uma vez que Antônio Souza de Vila Lobos foi assumir a direção daquela colônia, ao sair da

Gameleira.

Em abril de 1909, ao designar um mestre de cultura para acompanhar os serviços de

agricultura junto aos alunos do Instituto, a diretoria de Agricultura declarou que, ao

administrador da fazenda da Gameleira competia determinar os trabalhos a serem executados

pelos menores internados no instituto, que deveriam realizar, de forma completa, todos os

trabalhos agrícolas. Porém, sendo “a direção da fazenda e a do instituto […] completamente

separadas e distintas; apesar disso o trabalho que os meninos tem de executar diariamente na

fazenda deverá realizar-se nas horas prefixadas pelo diretor do Instituto, afim de não ser

prejudicado o ensino daquele estabelecimento.”30. Este trecho do expediente da diretoria de

Agricultura é apenas um indício de que problemas hierárquicos poderiam estar ocorrendo.

Havia, nessas ordens, uma superposição entre as esferas de exercício de poder de cada um dos 29 Decreto nº 2.898, de 2 de agosto de 1910. 30 Jornal Minas Gerais, 28 de abril de 1909, p. 3, col. 1.

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funcionários: um funcionário, o administrador da Gameleira, tinha como função determinar

quais os serviços seriam diariamente executados pelos meninos do Instituto; e ao diretor do

IJP, cabia determinar os horários dessas mesmas atividades. Se não houvesse sintonia entre os

dois diretores, problemas poderiam acontecer.

De qualquer forma, o conflito entre os dois – Renault e Neuenschwander – tornou-se

explícito em meados de 1910, e teve resolução em agosto do mesmo ano, com a anexação do

IJP à Gameleira. No relatório de Carlos Prates encontrei alguns indícios do conflito. Dizia ele,

em ofício transcrito na íntegra, fato raro nos relatórios do período, e enviado a Leon Renault,

que “a instalação do Instituto na fazenda já teve como principal justificativa os seus campos

de cultura para os meninos trabalharem e, ao mesmo tempo, aprenderem os processos

aperfeiçoados de cultura” 31. Explicava ainda que a anexação do Instituto à Fazenda “teve por

fim dar a estes estabelecimentos uma administração geral e harmônica, de modo que o

segundo possa prestar maiores e melhores serviços ao primeiro, ensinando aos educandos

o manejo de instrumentos agrícolas e os processos da lavoura aperfeiçoados.” 32. Três

questões ficaram evidentes no ofício. A localização do Instituto João Pinheiro na fazenda-

modelo da Gameleira, pouco mais de um ano após a instalação do IJP, havia ultrapassado os

objetivos iniciais. Outra questão referiu-se à falta de harmonia entre as direções das duas

instituições, o que instigou-me a entender o porquê da desarmonia. E houve também uma

crítica à direção da fazenda da Gameleira, que não estaria prestando os serviços da forma

como o Instituto necessitava. Pode-se inferir que a fazenda talvez não estivesse conseguindo

ensinar os métodos modernos de agricultura. Nesse mesmo ofício, Carlos Prates deu ordens

precisas sobre a transmissão de cargos entre Oto Neuenschwander e Leon Renault.

Leon Renault assumiu, pois, a direção dos dois estabelecimentos em 18 de agosto de

1910, após a anexação do Instituto à Gameleira. Ao final daquele ano, afirmou que

“o período de minha direção foi curto demais para que a inspeção pessoal se fizesse sentir em todos os serviços. Procurei, tanto quanto possível, reduzir a despesa, que é, hoje, metade da que foi em períodos anteriores. Creio firmemente que a Fazenda da Gameleira não pesará, no ano vindouro, aos cofres públicos” 33.

Há aqui uma crítica às administrações anteriores. De acordo com Maria Auxiliadora

Faria, esta anexação relacionou-se à racionalização administrativa, e “a unificação dos

estabelecimentos favoreceu o sistema de remuneração do trabalho dos alunos absorvidos

profissionalmente pela fazenda.” (FARIA, 1992, p. 257). De fato, Leon Renault afirmou que

31 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 38, grifos meus. 32 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 38, grifos meus. 33 Relatório de 1911, p. 341.

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“a anexação do Instituto e da Fazenda da Gameleira trouxe reais vantagens a ambos, pelo

melhor aproveitamento que esta pode tirar dos serviços dos menores e que estes podem ter na

exploração da importante estação agro-pecuária” 34. Isto indica-me que o conflito poderia

estar relacionado ao trabalho dos educandos.

Nesse mesmo relatório, Leon Renault apresentou todos os trabalhos realizados durante

aquele ano (QUADRO 15), desde janeiro até dezembro, e, ao apresentar a receita do

estabelecimento, acusou o recebimento dos valores referentes ao trabalho dos mesmos

também durante todo aquele ano, como pode ser visualizado na TAB. 7.

QUADRO 15

Serviços agrícolas executados pelos alunos do Instituto João Pinheiro na fazenda-modelo da Gameleira, Belo

Horizonte, Minas Gerais, 1910.

Meses Natureza dos serviços

Janeiro Colheita de batatas – Serviço no paiol e na casa de máquinas. Fevereiro Preparo de terra para plantação de feijão – Plantio do mesmo – Serviços no paiol e na - casa de máquinas. Março Colheita de arroz. Abril Corte do teosinto. – Colheita de arroz. – Idem de milho. Maio Corte de feno do capim gordura. – Continuação da colheita de milho. Junho Preparo do terreno. – Plantio de cebolas. – Idem de batatas. – Corte e capina de alfafas. Julho Continuação do plantio de cebolas. Agosto Preparo de terreno. – Distribuição de adubo. Setembro Plantação de milho. – Idem de feijão. – Idem de batata. Outubro Capina dos arrozais. Novembro Colheita de cebolas. – Idem de batatas. – Preparo das cebolas para o mercado. – Corte da alfafa. Dezembro Capina da alfafa. – Colheita de batatas. – Preparo do terreno e plantação de batatas. – Capina do milho.

Fonte: SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 433.

A análise desta tabela revela que os valores pagos nos primeiros sete meses do ano de

1910 (1:682$600) foram bem inferiores àqueles pagos nos últimos cinco meses do mesmo

ano (2:309$860), que coincidiram com a assunção de Leon Renault à direção da fazenda-

modelo. De janeiro a julho, o valor médio pago pela fazenda da Gameleira ao Instituto foi de

240$371 (duzentos e quarenta mil, trezentos e setenta e um réis), enquanto que, de agosto a

dezembro, foi de 461$915 (quatrocentos e sessenta e um mil, novecentos e quinze réis). Se

não for considerado o mês de agosto, pois Renault assumiu em 18 daquele mês, as diferenças

foram ainda mais significativas. O valor médio daquele mesmo trabalho sobe a 509$915

(quinhentos e nove mil, novecentos e quinze réis), de setembro a dezembro, mais do que o

dobro da média entre janeiro e julho. Essas comparações são possíveis devido à estabilidade

do número de matrículas no IJP, durante aquele ano, pois que “continuam em número

34 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 430.

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excessivo os pedidos de internação, estando os pavilhões com lotação completa” 35 e também

à pouca variação no tipo de trabalho que se executava: preparo de terrenos, plantio, colheitas,

adubação, capina, entre outros (QUADRO 15).

TABELA 7

Valor dos serviços executados pelos educandos do IJP na fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas

Gerais, 1910.

Meses Valor dos serviços executados pelos educandos

e pagos ao I.J.P.

Janeiro 188$560 Fevereiro 127$980 Março 158$980 Abril 246$320 Maio 375$620 Junho 311$680 Julho 273$460 Total parcial 1.682$600 Agosto 270$020 Setembro 578$300 Outubro 488$320 Novembro 524$440 Dezembro 448$780 Total parcial 2.309$860 Total anual 3.992$460

Fonte: SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911. Adaptado dos quadros das páginas 435 e 437. Valores em mil réis.

Além desses dados, há que se considerar a indicação de Leon Renault de que, no

período de janeiro a julho de 1910, a renda do IJP proveniente da “venda de produtos e

serviços na Fazenda da Gameleira” 36 chegou a 2:079$407, pois incluiu, além dos serviços

dos menores internados no Instituto, carretos para obras, venda de galinhas, mel, cera e

abacaxis. Contudo, “dessa importância somente foi recebida a quantia de 981$947, sendo

585$140 dos serviços dos menores (que somente de junho em diante começaram a ser pagos

em dinheiro) e 396$807 (produtos e outros serviços explorados pelo Instituto)” 37.

Dessa forma, é possível afirmar que o conflito entre Leon Renault e Oto

Neuenschwander relacionou-se à remuneração dos alunos do IJP, devido ao não pagamento

em moeda pelos serviços que estes prestaram à fazenda. Tal conflito foi solucionado com a

direção única dos estabelecimentos, corroborando as críticas de Leon Renault. Além de

remunerar convenientemente o trabalho agrícola dos educandos, algumas despesas da fazenda

começaram a ser revertidas como renda do Instituto. Além do próprio trabalho agrícola, o

35 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 426. 36 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 425, 37 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 435.

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fornecimento de alimentação aos aprendizes da Gameleira era feito também pelo Instituto,

tendo sido arbitrado o valor de 1$500 (mil e quinhentos réis) diários a cada praticante, no ano

de 1913. Tendo em vista que, nesse mesmo ano, a despesa total de cada educando do Instituto,

incluindo alimentação, assistência médica e fornecimento de medicamentos, foi de 34 réis

diários ($034) vê-se que era muito alta a despesa com alimentação dos aprendizes da

Gameleira cobrada pelo IJP.

Em fins da década de 1910, a fazenda-modelo da Gameleira foi anexada ao Instituto

João Pinheiro, deixando em alguns momentos da década seguinte de ministrar o ensino

agrícola aos aprendizes práticos, recebendo apenas os alunos do IJP. Dessa forma, entendo

que Leon Renault, ao assumir a direção da fazenda-modelo, subordinou-a na prática aos

interesses do Instituto João Pinheiro. A fazenda da Gameleira foi, então, em diversos sentidos,

fundamental para o sucesso do IJP. Pelo que pude apurar, a recíproca também foi verdadeira.

Em diversos momentos a instalação do Instituto justificou a existência da própria fazenda-

modelo, como em 1914, quando todas as fazendas-modelo foram supridas, com exceção da

Gameleira. Além disso, de acordo com Leon Renault, foram os educandos do IJP que

“dirigiram e fizeram os serviços, complexos e variados, da 'Gameleira” 38. No próximo item,

dedico-me ao tipo de ensino que foi ministrado na Gameleira aos fazendeiros e aprendizes a

operários agrícolas e mestres de cultura.

3.3. Adestrando mãos e corpo na lição dos fatos: o ensino intuitivo na Gameleira

Em alguns momentos indiquei que o ensino prático das fazendas-modelo estava

vinculado ao método de ensino que João Pinheiro escolhera como o mais eficaz para a

efetivação de sua política de ensino agrícola: o método intuitivo. O estadista mineiro

considerava o seu “plano de ensino intuitivo, feito com muito pouca despesa”39, o que

convinha à situação econômica do Estado. O pragmatismo que revestiu a opção pelo ensino

intuitivo não era apenas conjuntural. O método intuitivo, defendido e implantado por João

Pinheiro, o foi não apenas para o ensino profissional agrícola como também para o ensino

primário, e fazia parte de suas concepções de educação e instrução:

38 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 174. 39 Carta de João Pinheiro a Afonso Pena, fl. 6, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.22, microfilme AN 536-2004, de 26 de maio de 1907.

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“o menino da roça, no tempo que aprende a ler, a escrever e a contar, aprende praticamente todas as coisas que se fazem mister para que ele seja amanhã um inteligente operário rural: verá o que é uma máquina agrícola, o que se obtém com ela; ensinar-lhe-ão, não por teoria, mas com modelos de madeira que se armam e desarmam, a maneira pela qual se constrói uma casa, como se arma uma tesoura, como se apruma um pé direito, e esse rapazinho, que sai da escola com uma soma de conhecimentos práticos que o armam para a luta da vida, no dia seguinte, aprende insensivelmente no ensino concreto que lhe servirá pouco depois se tiver, como sucede na roça, de construir a própria casa, uma série de noções de geometria que não lhe serviriam de nada se lhe fossem dadas de modo abstrato, por um ensino teórico” 40.

Teresa Valdemarin compreende o ensino intuitivo como uma proposta política e

educacional surgida em meados do século XIX. Também denominado “método intuitivo”,

“lições de coisas” ou “ensino pelo aspecto”, este método de ensino estava estreitamente

vinculado à difusão do ideário liberal republicano. De acordo com a autora,

“este novo método pode ser sintetizado com dois termos – observar e trabalhar [...]. Observar significa progredir da percepção para a ideia, do concreto para o abstrato, dos sentidos para a inteligência, dos dados para o julgamento. Trabalhar [...] consiste em fazer [...] atividades concretas, similares àquelas do mundo adulto [no caso da educação da criança]. Aliando observação e trabalho numa mesma atividade, o método intuitivo pretende direcionar o desenvolvimento [...] de modo que a observação gere o raciocínio e o trabalho prepare o futuro produtor, tornando indissociáveis pensar e construir.” (VALDEMARIN, 1998, p. 69, grifos meus).

O princípio fundamental deste método consistia em instruir “pelas próprias coisas e

não acerca das coisas” (VALDEMARIN, 1998, p. 77, grifos da autora). Vários documentos

dão conta da opção pelo método intuitivo nas fazendas-modelo, em especial na da Gameleira.

João Pinheiro referiu-se diversas vezes a esta forma de ensino. Em um dos editoriais do jornal

Minas Gerais, o presidente de Minas afirmou que, na fazenda da Gameleira, já se podia fazer

observações, “raciocinando com os fatos, concluindo pela inspeção material das cousas,

recebendo o conforto incomparável que se traduz depois no 'posso fazer, porque sei como se

faz' e 'porque vi fazer' [...]” 41.

Carlos Prates confiava no ensino intuitivo, por que

“ninguém hoje ignora que, para o fomento da agricultura racional em nosso país, de quase nada têm valido as dissertações teóricas, quer orais, quer descritas. Todas as tentativas feitas por esse meio no sentido de disseminar o uso de máquinas e instrumentos agrícolas aperfeiçoados, nenhum resultado apreciável deram, porque além de ficarem limitadas em um círculo por demais restrito, não traziam o principal elemento da convicção que é a aplicação prática. O nosso povo, de espírito essencialmente conservador e prático, não se deixa levar

40 João Pinheiro da Silva. Entrevista concedida ao jornal O País, e transcrita por Israel Pinheiro da Silva, no prefácio ao livro organizado por Ângela de Castro Gomes (SILVA, 2005), p. 19-20. 41 Jornal Minas Gerais, 7 de fevereiro de 1907, p. 1, col. 1, grifos no original.

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somente por palavras; ele quer ver o exemplo e observar o resultado” 42.

Entendo esta crítica direcionada às experiências anteriores de ensino agrícola em

Minas Gerais, ou seja, ao Instituto Agronômico de Itabira, que sofreu severos julgamentos em

relação ao seu ensino por demais teórico, como fiz notar no Capítulo 1, e aos campos de

demonstração, de ensino teórico-prático, que tiveram efêmera trajetória. Nestes últimos

estabelecimentos, o ensino preconizado era alicerçado no aprender-fazendo. Nas fazendas-

modelo, preconizou-se um tipo de ensino ancorado no método intuitivo.

Mas como, na prática, dava-se esse ensino? A preocupação em demonstrar a

produtividade das fazendas-modelo, incluindo aí a da Gameleira, orientou a produção de

documentos oficiais que davam conta, sobretudo, desse aspecto de tais estabelecimentos. A

diretoria de Agricultura, ao final de cada ano, precisava produzir um relatório informando

suas ações. Então, dirigia-se aos encarregados das fazendas-modelo, solicitando

esclarecimentos. Em nenhum desses pedidos li algo referente aos aprendizes. Em geral,

solicitavam:

“1º Qual a área total lavrada; 2º qual o preço da aradura de um hectare; 3º qual o preço da gradagem de um hectare; 4º qual o preço da plantação, do destorroamento e da capina mecânica de um hectare; 5º quais as espécies e o número de animais existentes no estabelecimento e qual a quantidade de cada semente semeada por hectare” 43.

Isto dificultou, inicialmente, o entendimento de como teria se dado o ensino intuitivo,

já que os citados documentos não faziam referência à forma pela qual se ensinava os

aprendizes. Quase nada se dizia também quanto ao desenvolvimento de cada aprendiz, suas

aprendizagens. Em alguns documentos dizia-se somente se o seu “rendimento” havia sido

bom, ruim, nulo. Eu estava compreendendo, então, que havia uma primazia da produção sobre

a aprendizagem, o que dificultava relacionar essas duas dimensões do ensino agrícola. Esta

dificuldade expressou-se, por exemplo, em um editorial do jornal Minas Gerais, no qual lia-se

que “a fazenda-modelo não foi feita para ser descrita, mas para ser examinada”44, o que

provavelmente também influenciou a produção de documentos sobre essas instituições.

Contudo, e felizmente para a pesquisa, ao menos a fazenda-modelo da Gameleira foi

descrita, principalmente por visitantes que publicaram artigos em diversos periódicos do país,

e que foram reproduzidos pelo jornal Minas Gerais. Ao mergulhar nesta documentação,

42 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 7. 43 Jornal Minas Gerais, 16 de abril de 1909, p. 3, col. 2. 44 Jornal Minas Gerais, 12 de janeiro de 1908, p. 1, col. 2.

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incluindo aí os editoriais escritos por João Pinheiro, compreendi que não havia uma primazia

da produção sobre a aprendizagem. A primeira era a forma pela qual se efetivava a segunda. A

produção, portanto, constituiu parte intrínseca ao método preconizado por João Pinheiro e

levado a cabo pelos seus mestres de cultura formados na Gameleira. Alguns indícios ajudam a

elucidar essa forma específica que o ensino intuitivo assumiu nas fazendas-modelo.

Havia uma preocupação em demonstrar todos os custos da produção. Desde o custo

das cercas de arame, da construção das casas, passando por cada etapa da lavoura, tudo era

objeto de aprendizagem. Um dos editoriais do jornal Minas Gerais, cuja autoria atribuo a João

Pinheiro, explicita esse comprometimento com a produção, consoante com um determinado

tipo de aprendizagem:

“na primeira fazenda-modelo, tipo n. 1, que está sendo instalada nas proximidades desta Capital, começará amanhã o serviço de roçada, que vai preceder ao do desbravamento do solo. [...] Com o intuito de ser uma lição permanente, podendo ser acompanhada com interesse por todos que estão longe e queiram aprender a grande utilidade dos orçamentos especificados – publicaremos periodicamente a despesa feita e o serviço obtido. Nesta publicação se especificará o custo das roçadas por unidade de serviço, o custo do trabalho da terra pelos arados, também por unidade de serviço, a natureza dos arados empregados, número de trabalhadores lidando com os mesmos, número de bois ou muares empregados, numa palavra, toda a despesa feita por quinzena e todo o serviço obtido nesta mesma quinzena “45.

Ao que tudo indica, João Pinheiro conduzia ele próprio os trabalhos na fazenda da

Gameleira, com já fiz notar em outro momento desta dissertação. Em março de 1907,

portanto há pouco mais de quatro meses de instalação e funcionamento da fazenda-modelo da

Gameleira, João Pinheiro declarou a Afonso Pena que

“o fazendeiro visitante, todo o dia, de relógio em mãos, ouve a exposição do chefe pratico dos serviços e verifica [so]mente, pela inspeção do trabalho das máquinas a verdade da afirmação. Que, um ensino assim intuitivo, feito em larga escala, feito industrialmente, sem livros sem assinaturas, constitui para quem observa uma lição [violenta] e impressionante” 46.

Um visitante da Gameleira assim se expressou, um ano mais tarde:

“Ao passarmos pela espécie de rancho onde se guardam esses aparelhos [agrícolas], já nos interessara a declaração que se lê numa das máquinas destinadas ao preparo da terra: 'Esta máquina faz uma despesa diária de 5$000 e produz o trabalho de 40 homens'.” Intencionava-se, assim, mostrar “o aproveitamento maior pela aplicação inteligente de cada coisa” 47.

45 Jornal Minas Gerais, 25 de novembro de 1906, p. 1, col. 2. 46 Carta de João Pinheiro a Afonso Pena, folhas 3 e 4. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.16, microfilme AN 536-2004, de 16 de março de 1907. 47 Jornal Minas Gerais, 8 de março de 1908, p. 5, col. 3.

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Essas placas estavam em todas as máquinas, segundo outro visitante da fazenda-

modelo da Gameleira, como ficou atestado na seguinte passagem de um artigo do Jornal do

Comércio, transcrito pelo jornal Minas Gerais:

“torna-se também, muito instrutivo para o lavrador impor-se, por meio de uma declaração escrita em uma placa colocada em cada instrumento e que designa o trabalho de quantos homens suprem as respectivas máquinas, qual a economia que cada uma delas representa e que pode ser verificado por qualquer visitante” 48.

Em outras palavras, “a questão não era e não é de ensino de livros: - é de ver como as

máquinas trabalham e como se trabalha com elas, e tudo caminhará depressa.” 49. Assim,

“a verificação para os que lá vão, para os que lá forem [na fazenda da Gameleira], não é feita mostrando-se cálculos no papel, mas fazendo-se as máquinas trabalharem à luz do sol, sob a inspeção do interessado; e no fim do exame basta medir a área trabalhada, reparar para o pessoal que executou o serviço, para concluir pela economia assombrosa de semelhante serviço, comparado com o da enxada” 50.

Pode parecer que, para o visitante, principalmente o fazendeiro, o ensino intuitivo não

poderia ser sintetizado em “observar e trabalhar”, como indicou Vera Teresa Valdemarin. Para

eles, posso dizer que o método resumia-se a observar o trabalho de outrem – máquinas,

animais e homens, sendo estes trabalhadores ou aprendizes. Os visitantes letrados aprendiam

verificando o trabalho das máquinas - lendo não em livros, mas em placas colocadas nas

máquinas, que mostravam sua produtividade em relação ao trabalho manual, e também

marcando o tempo, com relógio em mãos, para averiguar a veracidade das informações

prestadas pelas placas. Dessa forma, aprenderiam “sem teorias, sem dar lições de livros, com

um homem prático à frente do serviço e com os próprios trabalhadores comuns, quer dizer,

executando a demonstração” 51.

Para os fazendeiros havia também os editoriais do jornal Minas Gerais, que estavam

sendo escritos para aqueles que ainda não haviam visitado a fazenda da Gameleira.

Compreendo esses editoriais como uma espécie de complementação ao método intuitivo. Um

tanto “livresco”, é verdade, mas que cumpria também o objetivo de rebater críticas sofridas

por João Pinheiro quando da execução do seu programa de governo, das quais tratarei mais

adiante. Em um desses editoriais, João Pinheiro considerou que:

“estas linhas são um convite útil aos senhores agricultores, para examinarem um negócio que é o deles; verem como as máquinas trabalham, o seu rendimento; o

48 Jornal Minas Gerais, 18-19 de maio de 1908, p. 4, col. 3. 49 Carta de João Pinheiro a Afonso Pena, fl. 9, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.32, microfilme AN 536-2004, de 9 de outubro de 1907. 50 Jornal Minas Gerais, 21 de março de 1907, p. 1, col. 1. 51 Jornal Minas Gerais, 12 de janeiro de 1908, p. 1, col. 2.

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custo mínimo deste trabalho; como se planta; como se carpe; qual o estado das plantações obtidas; verem com a sua prática, que colheita as plantações estão prometendo, porque, para eles, é feito o ensinamento” 52.

Há uma aparente separação entre o pensar e o fazer no discurso de João Pinheiro. Ele

relegava a teoria ao mínimo indispensável, como por exemplo, a leitura das placas, ou a

leitura dos editoriais no jornal Minas Gerais, pelos que tinham acesso ao periódico. E confiou

a produção de conhecimentos à seção técnica da diretoria da Agricultura, e não às fazendas-

modelo, particularmente aos seus aprendizes. Contudo, João Pinheiro acreditava que era

exatamente o ensino essencialmente prático que garantiria a formação de operários agrícolas

inteligentes, pois os conhecimentos estariam a serviço da vida prática daqueles que fossem

formados pelo método intuitivo. Retomando o que diz Teresa Valdemarin, o método consistia

em observar e trabalhar. A observação garantiria progressivamente a abstração, o

desenvolvimento da inteligência, das faculdades mentais, em suma. A autora destaca que,

neste método, há uma indissociabilidade entre “pensar e construir”. Porém, os fazendeiros

apenas observavam, como destaquei anteriormente. Então, estaria rompida a unidade entre

pensar e construir no método intuitivo proposto por João Pinheiro? Creio que não. Mesmo

sem trabalhar, essa dimensão integradora entre pensar e fazer não foi rompida, no caso do

ensino aos agricultores e criadores que visitavam a fazenda. No trecho destacado por mim da

citação acima isto fica evidente. “Ver com a sua prática” é uma expressão que revela como o

observar era compreendido por João Pinheiro. Significava que a observação era conformada

pela experiência do sujeito aprendiz – fazendeiro ou trabalhador; a observação não se reduzia

a apenas ver, mas ver a partir de seus múltiplos sentidos, das suas práticas cotidianas, da sua

existência no mundo. Os fazendeiros apenas estavam dispensados do fazer na fazenda-modelo

da Gameleira, por que a sua experiência de vida, o seu fazer anterior era mais valorizado, a

sua cultura, das classes conservadoras, os autorizava a simplesmente observar.

Quanto aos aprendizes práticos de agricultura, além de observar, também trabalhavam.

Eles precisavam trabalhar. Posso dizer que sua cultura, a cultura da rotina, dos “métodos

maus” – utilizando a expressão de Sérgio Buarque de Holanda – que eles carregavam como se

carrega um fardo, fazia deles, na representação das elites, indivíduos destituídos dos requisitos

mínimos e indispensáveis a qualquer cidadão da República. Percebo, dessa forma, a negação

da cultura dos trabalhadores e dos próprios trabalhadores como parte do processo de

escolarização do trabalho agrícola. A cultura do povo, de um povo recém-liberto da

52 Jornal Minas Gerais, 12 de janeiro de 1908, p. 1, col. 2, grifos meus.

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escravidão, de um povo avesso ao trabalho manual, não poderia ser levada em conta. Ela

deveria ser negada, subsumida aos trabalhadores. Estes, como tábulas rasas, poderiam ser

moldados na nova cultura que se queria difundir, a dos processos modernos de exploração

agrícola. Por que, sendo de outra forma, não afirmaria João Pinheiro que

“foi longo o nosso sofrimento, longo e pesado. A maldição do trabalho escravo nos legou este quinhão de dores que a geração atual está sofrendo, como todas as que vivem em época de transição. Do mesmo modo que nas longas invernadas, depois de chuvas contínuas com o céu turvo e triste, em uma clara manhã costuma levantar-se o sol radiante, enchendo de luz e de alegria os campos, os vales e as casas, – a reorganização agora do trabalho é esta manhã do dia novo para a terra querida, que deve, que pode, que se há de libertar do grande mal que a oprime” 53.

Contudo, o ensino intuitivo não se resumia a placas, a cronometragem do tempo de

serviço ou ao trabalho com as máquinas agrícolas. Um artigo do jornal Minas Gerais, que

reproduzia outro publicado no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, é revelador.

Descrevendo o articulista o que vira em visita à fazenda da Gameleira, dizia ele que haviam

alguns campos já preparados, em abril de 1907. Um desses campos

“era um dos pedaços de terra menos férteis. O arado o havia cortado com o seu disco uma primeira vez. Sobre o terreno revolvido lançaram-se os adubos químicos […]. Nas costas dos sulcos alinhados, o feijão começava a despontar tisicamente, mas não era preciso muita prática para compreender que não medraria. Nada importa, porque nesta fase de preparo do terreno para o cultivo o feijão só é plantado para os fins da fertilização” 54.

Em outro campo, igualmente ordinário,

“as batatas semeadas […] acenavam a crescer e a desenvolver-se com todo o êxito. […] Mais adiante vê-se outro campo em terra não melhor mas que já gozou do beneficiamento de uma segunda aradura e de uma primeira estrumação vegetal pelo mesmo processo. As batatas apareciam com uma vegetação incomparavelmente mais rica e por sua vez o aspecto do feijão nada tinha de comum com o do primeiro feijão plantado no primeiro pedaço de terra observado” 55.

Assim, os campos eram dispostos de modo a permitir aos lavradores e demais

visitantes da Gameleira, uma visão de conjunto, em que cada pedaço de terra representava

uma parte do processo de cultivo da terra: a adubagem química, a adubagem verde, a aração,

o benefício de duas arações, e assim por diante. Outro exemplo, desse mesmo artigo do Minas

Gerais, dizia respeito à água. Nessa época, acreditava-se que, por ser a Gameleira banhada por

53 Jornal Minas Gerais, 12 de janeiro de 1908, p. 1, cols. 2 e 3. 54 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907, p. 10, col. 2. 55 Idem, 16 de junho de 1907, p. 10, col. 2.

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dois ribeirões, o Arrudas e o Tijuco, esse precioso líquido não faltaria às explorações

agrícolas. Mesmo assim, “no intuito de mostrar que também a água pode ser obtida sem

excessos de despesas, o governo mandou instalar na parte mais elevada da fazenda um poço

tubular que será movido por um moinho de vento cujo preço é baratíssimo” 56. Mostrava-se

assim, intuitivamente, as diversas maneiras de se obter água em uma fazenda: os açudes, mais

conhecidos dos lavradores do Estado; a irrigação por diques de inundação, que nesse

momento ainda não estavam prontos, mas que de fato foram instalados; e a retirada de água

diretamente dos lençóis freáticos, por poços tubulares e moinhos de vento.

As máquinas postas em funcionamento eram também uma forma de se ensinar

intuitivamente, como já foi dito algumas vezes nesta dissertação. Interessante notar é que, “só

às quintas-feiras trabalham todas e quase sempre nesse dia lá se acha s. exc. o sr. dr. João

Pinheiro” 57. Podia-se, assim, observar várias máquinas funcionando ao mesmo tempo, o que

com certeza era muito mais convincente ao fazendeiro. Até mesmo a construção de uma casa,

para aprendizes e jornaleiros, foi motivo de aprendizagem: “o dr. João Pinheiro […] deu

ordem para construir uma casa de aspecto mais gracioso [em relação à que já existia na

fazenda, quando da sua compra] e que possa servir de modelo para os fazendeiros que vão por

em prática as ideias e o plano constantes da organização da Gameleira”58.

Também constituiu parte do ensino intuitivo a demonstração prática da policultura.

Num Estado em que a maior parte das receitas públicas, assim como boa parte da “riqueza

particular”, provinham de uma única cultura, a do café, era para João Pinheiro essencial que

se mostrasse aos fazendeiros as vantagens da diversificação produtiva, alicerçada no fomento

à produção de cereais e forragens, principalmente. Assim era que, na Gameleira, eram

plantados o arroz, o feijão, a batata, o milho, o centeio, a alfafa, a cana – sacarina e forrageira

–, o teosinto, a mandioca, a mamona, dentre outros produtos.

Em suma, posso dizer que foi possível perceber o ensino intuitivo em cada parte da

fazenda da Gameleira, em cada ação de João Pinheiro que me foi dada a conhecer. Mas,

afinal, quem eram os sujeitos instruídos para o trabalho no campo por meio do método

intuitivo? É essa pergunta que tentarei responder no próximo item.

56 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907, p. 10, col. 3. 57 Jornal Minas Gerais, 8 de dezembro de 1907, p. 3, col. 3. 58 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907, p. 10, col. 3.

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3.4. Do fazendeiro ilustrado ao simples camarada: os aprendizes da Gameleira

Como já foi ressaltado em outro momento desta dissertação, o ensino de agricultura

prática nas fazendas-modelo destinava-se a dois tipos diferentes de formação: uma mais

aligeirada, formando operários agrícolas e outra mais longa, formando mestres de cultura.

Além desses dois tipos de aprendizagem, a Gameleira fez parte do ensino de agricultura dos

alunos do Instituto João Pinheiro, como demonstrei no item anterior. A fazenda dedicou-se

também aos agricultores, lavradores e criadores, como um campo de demonstração dos

modernos processos agrícolas e criatórios a fim de convencê-los da superioridade desses

métodos sobre os tradicionais, rotineiros. Na Fig. 7, situada na próxima página, vê-se alguns

dos aprendizes da fazenda, utilizando instrumentos aratórios de tração animal. Ao fundo e à

direita, pode-se observar o aprisco.

Figura 7 – Aprendizes de agricultura, fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1913. Fonte: jornal Minas Gerais, suplemento ao número de 26 de fevereiro de 1913. Legenda: “Instituto – Meninos

nos campos de cultura, servindo-se de instrumentos aratórios e outros”. Não há referência sobre a autoria da fotografia.

A fazenda-modelo da Gameleira teve um número muito superior de aprendizes em

relação às outras fazendas-modelo (TAB. 2, pág. 107) e parece-me ter sido a única a formar

mestres de cultura. Entre 1907 e 1914, passaram pela Gameleira 233 aprendizes, de um total

de 309, o que significou que esta fazenda concentrou 75% dos aprendizes das fazendas-

modelo e campo de demonstração de Aiuruoca, no período acima indicado. Além dos dois

tipos de aprendizes, entendo que os fazendeiros e demais visitantes das fazendas,

principalmente da fazenda da Gameleira, eram também instruídos nos modernos processos de

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produção agrícola e pastoril. Nesse sentido, a Gameleira atuava como divulgadora desses

processos, ou seja, na propaganda agrícola. Ocupei-me aqui, especificamente em relação à

Gameleira, desses três públicos diferenciados: os aprendizes a mestre de cultura; os

aprendizes a operários agrícolas; e os fazendeiros e demais visitantes.

O decreto 2.027/1907 estabeleceu o tempo de aprendizagem dos diferentes aprendizes

das fazendas-modelo. Como já foi dito em outro momento desta dissertação, os aprendizes a

mestres de cultura deveriam permanecer por até 10 meses na fazenda da Gameleira e os

trabalhadores enviados pelos fazendeiros poderiam permanecer nos estabelecimentos por até

30 dias. Contudo, pude perceber que o tempo de formação de cada aprendiz variou muito,

havendo até mesmo mestres de cultura que assumiram cargos na burocracia do Estado estando

na fazenda da Gameleira por apenas alguns dias como foi o caso de Fernando Pessoa, que

permaneceu neste estabelecimento por um dia, entre aquele em que foi contratado para a

direção de uma fazenda-modelo e o dia em que realmente assumiu a direção da fazenda

Bairro Alto, em Campanha.

TABELA 8

Tempo médio de permanência de aprendizes na fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1911-1913

Ano 1911 1912 1913 Total

Número total de aprendizes 14 29 19 62

Tempo médio de permanência na Gameleira (em dias) 91 54 50 __

Tempo médio de permanência na Gameleira – 1911-1913 (em dias) 61

Número de aprendizes que permaneceram por até 30 dias na fazenda 4 14 10 28

Mínimo de dias 5 1 1 __

Máximo de dias 26 30 11 __

Tempo médio de permanência na Gameleira 15,5 9 6,7 __

Tempo médio de permanência na Gameleira - 1911-1913 10

Número de aprendizes que permaneceram por mais de 30 dias na fazenda 10 15 9 34

Mínimo de dias 59 33 33 __

Máximo de dias 191 217 216 __

Tempo médio de permanência na Gameleira 120,6 95,5 98,4 __

Tempo médio de permanência na Gameleira – 1911-1913 (em dias) 105

Fonte: Relatórios da secretaria da Agricultura e da diretoria de Agricultura, 1912-1914. Os dados de que dispunha não me permitiram separar os aprendizes a mestres de cultura dos aprendizes a operários agrícolas. Elaboração própria.

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Na TAB. 8 indico o tempo de permanência dos aprendizes na fazenda-modelo da

Gameleira, entre os anos de 1911 e 1913. Em relação aos demais anos, não encontrei

referências sobre o tempo de permanência na fazenda, com exceção de 1910, cujos dados

sobre os aprendizes constavam somente a partir de agosto desse ano, e por isso não foram

usados nesta tabela. Separei os aprendizes, nesta tabela, entre aqueles que permaneceram por

até 30 dias na fazenda e aqueles que se instruíram por períodos superiores a 30 dias. Dentre os

primeiros, provavelmente existiram aprendizes a mestres de cultura e trabalhadores enviados

para os fazendeiros. No segundo grupo, predominaram os mestres de cultura.

Como se vê, os aprendizes ficaram de um a 217 dias na fazenda, entre os anos de 1911 e

1913. Nesse período, o tempo médio de permanência na Gameleira foi de 61 dias, ou dois

meses. Contudo, há que se destacar que os aprendizes que ficavam por mais de 30 dias na

fazenda-modelo da Gameleira, ficavam em torno de 100 dias, média bem superior do que os

61 dias. Os aprendizes que permaneceram por mais de 30 dias na fazenda estavam, via de

regra, se instruindo para mestres de cultura. Isso me permite afirmar que, para se formar

mestre de cultura, o aprendizado durava em torno de 100 dias, na Gameleira. Um tempo

relativamente curto, se considerar a legislação, que permitia a estadia por até dez meses.

Infelizmente, não pude apurar os motivos que levaram esses aprendizes a permanecerem por

tão pouco tempo na fazenda.

Nos dois primeiros anos de seu funcionamento pude perceber que a fazenda-modelo

da Gameleira exerceu papel importante como formadora de mestres de cultura. Estes

deveriam ali “trabalhar com as máquinas agrícolas [e] irão formar, em geral, outros tantos

centros de aprendizagem, que prestarão, por certo, soma de benefícios igual à que tem

prestado a fazenda da Gameleira” 59. Os mestres de cultura, como já salientado anteriormente,

deveriam aprender a ganhar dinheiro: “previsão, cálculo, economia e lucro” 60 eram

habilidades a serem conseguidas durante a formação na Gameleira.

É possível também que esses primeiros técnicos formados pela Gameleira o foram

diretamente – ao menos em parte – pelo presidente João Pinheiro. Encontrei em alguns artigos

publicados no jornal Minas Gerais a informação de que o presidente visitava regularmente a

fazenda, geralmente às quintas-feiras. Além disso, em carta escrita a Afonso Pena, João

Pinheiro revelou que,

“tendo dirigido pessoalmente a execução da lavoura da terra, do emprego das modernas máquinas, da tiragem da água e irrigação, empregamos o trabalhador mineiro comum, gratifico o trabalhador mineiro comum, por que esta circunstância

59 Jornal Minas Gerais, 10 de julho de 1907, p. 5, col. 4. 60 Jornal Minas Gerais, 09 de junho de 1907, p. 1, col. 1.

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demonstra que o que se vai empregar é o trabalhador atual da enxada e por conseguinte um elemento existente.” 61.

Para sustentar a minha afirmação, do papel decisivo de João Pinheiro na formação dos

mestres de cultura, invoco um “conselho” dado por Afonso Pena em mais uma missiva.

Comentando uma ideia de João Pinheiro, de preparar os lotes das colônias de povoamento,

para que, quando chegasse o imigrante, este já pudesse plantar, Afonso Pena considerou

“boa a ideia de preparo de uma parte do terreno destinado a colonos. O difícil é encontrar quem faça o serviço de preparo economicamente. Nas suas deliberações sobre tais assuntos, meu Amigo, não se esqueça de que, uma cousa é ver o serviço feito debaixo das suas vistas e [sob] direta administração, pode-se dizer, e outra ter de comutá-lo a agentes, trabalhando em lugares distantes. Encontrar o pessoal é dever [...] de sua responsabilidade – é o grande embaraço para quem governa.” 62.

É possível que João Pinheiro tivesse seguido o conselho do amigo, acompanhando

“debaixo de suas vistas” o serviço feito na Gameleira e a formação dos mestres de cultura.

Encontrei outra evidência da participação direta de João Pinheiro no ensino agrícola da

Gameleira no jornal Minas Gerais, que transcreveu um artigo do Diário de Notícias, do Rio de

Janeiro. Neste artigo afirmava-se que

“o dr. João Pinheiro, com uma satisfação radiante, agachado à terra desfazendo torrões por entre os dedos, em palestra cordial com o administrador da fazenda, dirigia experiências de aragem e de plantio, enquanto dava informações sobre a qualidade das terras e os processos de cultivo”

63.

É bem verdade que, neste caso, João Pinheiro dava informações não a aprendizes, mas

a uma comitiva ministerial que visitava a cidade de Belo Horizonte, por ocasião da primeira

exposição pecuária da cidade. De qualquer forma, foram esses mestres de cultura, formados

na Gameleira e dirigidos por Carlos Prates, por meio da diretoria de Agricultura, que

colocaram em prática a política de ensino agrícola de João Pinheiro.

O regulamento aprovado com o decreto 2.027/1907 previa que aos mestres de cultura

incumbiria “a administração imediata das fazendas-modelo e colônias” (art. 25), sendo

“imediatamente subordinados ao chefe de agricultura prática” (art. 25). Além do vencimento

que teriam direito como encarregados das fazendas e colônias, eles receberiam “5% do lucro

líquido total anual verificado na fazenda-modelo em que eles prestarem os seus serviços”,

61 Carta de João Pinheiro da Silva a Afonso Pena, datada de 16 de março de 1907. folhas 1 e 2. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 26.16, microfilme AN 536-2004, 13 fl. Grifo no original. 62 Carta minuta de Afonso Pena a João Pinheiro, folha 29, verso. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, documento ON 11.40, microfilme AN 523-2004, 03 de junho de 1907. Do livro-borrador (livro de cópias). A numeração das folhas corresponde à do livro, e não da minuta. 63 Jornal Minas Gerais, 08 de março de 1908, p. 5, col. 3.

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levando-se em conta, para o cálculo da porcentagem, “a amortização anual de 10% do capital

efetivo empregado na fazenda-modelo” (art. 27, § único). Com isso, João Pinheiro

intencionava dar um “incentivo à carreira agrícola [...], abonando-lhes uma gratificação sobre

os lucros líquidos das Fazendas” 64.

De acordo com o mesmo decreto, o mestre de cultura deveria ser “um agricultor

prático, conhecedor da agricultura do país, [d]os processos de cultura aratória e que os tenha

praticado habitualmente e com sucesso por conta própria ou de terceiros, ou que os tenha

aprendido, obtendo um certificado de mestre de cultura, em alguma fazenda-modelo do

Estado” (art. 66). Além disso, em situações de concorrência entre agricultores práticos, a

diretoria de Agricultura deveria dar preferência aos formados pelas fazendas-modelo.

Entre 1907 e 1908 passaram pela fazenda da Gameleira 101 aprendizes de agricultura

prática (TAB. 2, pág. 107), nem todos formados mestres de cultura, é necessário dizer. Desses

101, obtive o nome de 83, mas não consegui apurar quantos formaram-se mestres de cultura e

quantos eram trabalhadores agrícolas enviados pelos fazendeiros. Considerando o número

total de aprendizes, a obtenção dos nomes da maioria deles possibilitou cruzar esses dados

com os de registro de funcionários, publicados pela diretoria da Agricultura. De 83 aprendizes

que passaram pela Gameleira em 1907 e 1908, pelo menos 13, até 1909, foram aproveitados

pela burocracia do Estado de Minas Gerais, na própria diretoria de Agricultura, exercendo o

cargo de mestre de cultura, e um aprendiz tornou-se mestre de cultura do vizinho Estado do

Espírito Santo, onde foi encarregado de instalar e dirigir a fazenda-modelo Sapucaia65. Além

desses, consegui saber apenas que outros dois aprendizes, de 1909 e um de 1910 foram

contratados pela pasta da Agricultura. Na diretoria de Agricultura de Minas Gerais, os mestres

de cultura atuaram como encarregados da direção de fazendas-modelo, campos de experiência

e de demonstração; auxiliares dos serviços das fazendas-modelo; professor de agricultura

prática do Instituto João Pinheiro, feitor e encarregado de máquinas agrícolas da Gameleira.

Os mestres de cultura também viajavam por todo o Estado, prestando algum tipo de

assistência aos estabelecimentos agrícolas do Estado (fazendas-modelo, colônias), como

mestres de cultura ambulantes.

Visto de outra forma, cerca de 13% dos aprendizes práticos formados pela Gameleira

entre 1907 e 1908 conseguiram um emprego público, depois de passarem pela fazenda-

modelo. Essa porcentagem pode ter sido ainda maior, pois não consegui apurar o nome de

todos os 101 que passaram por esta fazenda entre 1907 e 1908, e nem pude precisar quantos 64 Jornal Minas Gerais, 09 de junho de 1907, p.1, col. 1. 65 De acordo com o relatório da Diretoria da Agricultura, 1910.

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dos 83 aprendizes se formaram mestres de cultura, separando os aprendizes a operários

agrícolas.

Além disso, Plínio Carneiro, ao coordenar a elaboração de uma história da

agropecuária mineira, centrada na secretaria da Agricultura, indicou que, no período do

governo de João Pinheiro (entre setembro de 1906 e outubro de 1908), praticamente o mesmo

que estou considerando nesta discussão, “receberam instrução agrícola prática nesta fazenda

[da Gameleira] 50 aprendizes, sendo todos eles aproveitados como mestres de culturas e

auxiliares na direção de outros estabelecimentos da mesma espécie” (CARNEIRO, s/d, p. 29).

Observei (TAB. 2, pág. 107), contudo, um número maior de aprendizes (101), e não considero

ter sido provável o aproveitamento de 50 mestres de cultura na máquina burocrática da

diretoria de agricultura, mesmo porque à época este órgão não possuía tantos funcionários

assim. Obtive dados sobre o número de funcionários desta diretoria referentes a 1907, 1909 e

1910. Em 1907, a diretoria possuía, entre nomeados, empregados e colaboradores, 46

funcionários, incluindo o diretor e chefes de seção. Dos 46 funcionários, 7 eram mestres de

cultura e 1 era o chefe prático de agricultura. Em 1909, eram, respectivamente, 57, 13 e 2; e

em 1910, 69, 16 e 2. Em 1912, foram registrados apenas 42 funcionários da diretoria de

Agricultura, nenhum deles sendo mestre de cultura ou chefe de agricultura prática, apesar de

que, naquele momento, vários mestres de cultura exerciam diversas funções naquele órgão. A

partir de 1913, não mais foram publicadas estas listas. Mesmo não tendo obtido os dados para

1908, é possível afirmar que o número de mestres de cultura não chegou a ser tão elevado

quanto indicou Carneiro (s/d).

De qualquer forma, mesmo não sendo exata, a informação de Plínio Carneiro

corrobora aquelas encontradas por mim. É significativa a quantidade de mestres de cultura

absorvidos pela máquina estatal. A sua efetiva formação deu-se apenas a partir da inauguração

da República e no início do século XX a burocracia mineira era ainda bem reduzida.

Considero que ter sido aprendiz a mestre de cultura na fazenda-modelo da Gameleira

representou uma possibilidade real de ascensão ou mobilidade social. Esta, porém, restrita aos

segmentos sociais que possuíam alguma escolaridade, que eram alfabetizados, dada a natureza

das funções que exerceram no Estado, e que possuíam alguma inserção na excludente

sociedade mineira.

Maria Auxiliadora Faria (1992) afirma ter sido o ensino agrícola secundário particular

– teórico-prático –, em especial as Escolas Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, município

de Ouro Preto, e a Escola Agrícola de Lavras, o grande formador “de técnicos absorvidos pelo

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Estado para atuarem nos estabelecimentos de ensino agrícola e nas diversas diretorias da

Secretaria de Agricultura” (FARIA, 1992, p. 268). Contudo, os dados por mim encontrados

apontam em outra direção, pelo menos em um período restrito da primeira República, entre

1906 e 1915. Infelizmente, não foi possível comparar com a inserção dos ex-alunos das

escolas particulares na máquina estatal, pois Faria não apresentou números que a revelassem.

E também por ter se referido de forma genérica à primeira República. Além disso, é sabido

que a Escola Agrícola de Lavras foi fundada somente em 1908 (FARIA, 1992). No mesmo

ano, a fazenda da Gameleira já estava formando quase uma centena de aprendizes de ensino

agrícola. Quanto às Escolas Dom Bosco, fundadas em 1896 e subsidiadas pelo menos desde

1906 pelo poder público, não consegui avaliar a dimensão daquela inserção. Pude averiguar a

existência de um funcionário da diretoria da Agricultura, José Jacinto Junior, formado nessa

escola, que ocupou o cargo de auxiliar de trabalhos agrícolas da colônia indígena do

Itambacuri. O que me é possível concluir dessa discussão é que a fazenda-modelo da

Gameleira forneceu vários dos técnicos necessários à institucionalização das políticas de

ensino agrícola em fins da década de 1900.

Encontrei evidências de que os mestres de cultura devem ter sido empregados também

em fazendas particulares. Ao menos de um obtive a informação de que trabalhou na fazenda

Canta Galo, do sr. Capitão Martinho Pereira de Azevedo, em município que não consegui

precisar66. A diretoria de Agricultura registrou que “terminada a aprendizagem, esses

praticantes, que são de diversas zonas do Estado, empregam-se nas fazendas, divulgando os

métodos da cultura racional” 67. Como já asseverei, os mestres de cultura formados pela

Gameleira, e principalmente aqueles contratados pela diretoria de Agricultura, não faziam

parte da massa iletrada da população. Porém, não obtive dados sobre o seu pertencimento de

classe ou extrato social de que provinham. Sei que era desejável que fossem agricultores

práticos, como preconizou o regulamento aprovado com o decreto 2.027/1907.

Mas, será que eles eram realmente agricultores? Já fiz observar, no início do Capítulo

2, que os termos agricultor, lavrador e criador eram usados tanto para se referir aos pequenos

quanto aos grandes proprietários, ou mesmo a simples arrendatários ou posseiros. Entendo

que o decreto 2.027/1907, ao determinar que os mestres de cultura deveriam ser “agricultores

práticos”, restringiu o significado do termo, considerando aqueles que realmente lidavam com

a terra, excluindo, portanto, os grandes fazendeiros.

Um dos mestres de cultura formados pela Gameleira, Firmino Garcia, com já 66 Jornal Minas Gerais, 13 de março de 1908. 67 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 41.

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explicitei, era arrendatário da fazenda Gameleira, quando da sua compra pelo Estado, sendo,

portanto, agricultor. Outro, Joaquim Mortimer Dayrell, era provavelmente de família que

possuía alguma inserção na sociedade, não sendo, possivelmente, destituído de posses, como

mostrei no Capítulo 2, mas não pude saber se era agricultor ou não. Dois outros mestres de

cultura, Manoel Aires da Gama Bastos e seu filho, pertenceram às classes medianas do

município de Campanha, como fiz observar também no segundo capítulo.

Um mestre de cultura, como afirmei, deveria possuir “alguma instrução” 68, que pode

ser traduzida num rol de conhecimentos que não eram adquiridos facilmente, tais como saber

ler, escrever, contar e, mais do que isso, fazer tudo isso de forma a poder elaborar relatórios e

cuidar da contabilidade das fazendas-modelo, colônias e campos de experiência e

demonstração. É verdade que um dos principais problemas enfrentados pela diretoria de

Agricultura relacionou-se à prestação de contas dos estabelecimentos, o que revela que nem

todo mestre de cultura realmente possuía os conhecimentos que dele se esperava possuir.

Ainda em relação aos mestres de cultura, julgo pertinente algumas considerações, de

caráter mais geral. O número de aprendizes nas fazendas-modelo foi pequeno, como salientou

Maria Auxiliadora Faria (1992) e como pude perceber no trato com as fontes. E esse número

diminuiu ao longo do tempo (TAB. 2, pág. 107) em relação aos aprendizes da Gameleira, que

foram 51 em 1907 e apenas 17 em 1914, sendo o menor número – 14 – registrado em 1911.

Há que se considerar, porém, a informação de que, nesse ano de 1911, todos os aprendizes se

formaram mestres de cultura, mesmo que quatro deles tenham passado menos de 30 dias na

Gameleira (TAB. 8, pág. 161). Além disso, como já salientei, não encontrei evidências de que

as outras fazendas-modelo tenham formado mestres de cultura. Procuro explicar essa

diminuição do número de aprendizes nas fazendas-modelo, bem como a exclusividade dada à

Gameleira na formação de mestres de cultura, por meio da lógica imposta pelo governo de

João Pinheiro.

A fazenda da Gameleira, por situar-se na capital, podia – como de fato o foi – ser mais

bem fiscalizada. Consequentemente, a formação dos mestres de cultura – que seriam os

executores práticos da política de João Pinheiro – também poderia ser acompanhada de perto,

o que o governo possivelmente não daria conta de fazer nas outras fazendas espalhadas pelo

Estado. Além disso, os mestres de cultura eram contratados pelo Estado, e não nomeados,

podendo ser dispensados a qualquer momento, se assim julgasse o governo. Por outro lado, o

decreto 2.027/1907 previa a possibilidade de esses aprendizes ascenderem à máquina estatal,

68 Jornal Minas Gerais, de 5 de dezembro de 1907, p. 2, col. 2.

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e então eles seriam concorrentes dos que lá já estavam. Reforça essa minha percepção as

algumas ameaças que os encarregados sofriam de demissão, e as demissões que de fato

aconteceram. Como exemplo, cito a minuta de um ofício, datado de 6 de abril de 1909,

dirigido a um dos encarregados da fazenda-modelo do Serro, Joaquim Mortimer Dayrell que

fora alertado que “se dirigir outro ofício a esta repartição nos termos do de 14 de março findo,

será dispensado do cargo de mestre de cultura”69. Não pude saber quais termos foram esses,

mas, com efeito, 10 dias depois daquele ofício, o mestre de cultura foi dispensado do cargo, a

seu pedido, possivelmente por não ter aceito ou suportado as pressões que sofrera. Dessa

forma, entendo que o próprio mecanismo elaborado por João Pinheiro para garantir a

fiscalização do Estado sobre a formação dos mestres de cultura, somado ao incentivo à

carreira agrícola que se queria difundir, acabaram por minar o processo de formação desses

mesmos mestres de cultura.

Em relação aos demais aprendizes que a Gameleira, e as demais fazendas-modelo,

deveriam formar, o decreto 2.027/1907 exigia que fossem trabalhadores enviados pelos

fazendeiros. No caso de fazendas-modelo instituídas pelas Câmaras Municipais, a preferência

seria dada àqueles trabalhadores indicados pela respectiva Câmara. O decreto previa também

que, sendo a formação de no máximo 30 dias, os aprendizes receberiam casa e alimentação

gratuitas. Contudo pouco consegui apurar sobre esses trabalhadores-aprendizes.

O relatório de Antônio de Souza de Vila Lobos70, encarregado da direção da fazenda

da Gameleira durante parte do ano de 1908, foi o documento mais rico sobre os aprendizes.

Para ele, o aprendiz,

“esse moço ou velho, que, dos confins do Estado, sabe Deus que de sacrifícios, vem a esta Fazenda, em procura dos conhecimentos práticos ou mesmo um pouco teóricos, que lhe faltam para complemento de um desejo, para satisfação de uma necessidade, para obedecer, enfim, a uma ordem”

71.

Dessa forma, o encarregado informou que os aprendizes eram de várias idades,

vinham de diversas partes do Estado, ou mesmo de outros locais, como “um engenheiro do

Estado do Piauí” 72, e várias causas os moviam a frequentar a fazenda da Gameleira: a

iniciativa individual (desejo ou a necessidade) ou a ordem de outrem, possivelmente o

fazendeiro que o empregava. Vila Lobos assinalou ainda que o aprendiz “não é em regra um

compelido, antes um voluntário que vem submeter-se a uma aprendizagem de dois ou três

69 Jornal Minas Gerais, 16 de abril de 1909, p. 3, col. 1. 70 In: DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909. 71 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 378, grifos meus. 72 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 378.

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meses”. E indicou que “não é raro encontrar aqui filhos de famílias abastadas, homens de

fortuna própria, lavradores experimentados” 73.

O mais interessante, porém, deste relatório, é a resposta que Antônio de Vila Lobos

deu a algumas críticas que possivelmente a Gameleira sofrera. Ele disse que o aprendiz não

era,

“como ainda alguém o pensa, um homem que vem passar dois ou três meses nesta fazenda, veraneando, de casa como de mesa gratuitas, gozando um dolce-farniente até que obtenha uma colocação na lavoura do Estado ou se aborreça do que desconhecia e parecia encontrá-lo pela novidade; não, não é tal. O aprendiz é um dos bons elementos que a Fazenda possui, porque trabalha, produz, aprende, para mais tarde, finda a aprendizagem, ir para bem longe, levar os conhecimentos que adquiriu, o do manejo das máquinas e do aproveitamento racional de um terreno”

74.

De acordo com o mesmo relatório, havia aprendizes que provinham de famílias

abastadas. Mesmo estes praticavam

“todos os serviços de lavoura, montando, desmontando, limpando e lubrificando máquinas e instrumentos agrícolas, aprendendo assim uma técnica, por esses processos, ao alcance das mais mesquinhas inteligências. É ainda o aprendiz um dos fatores que, dentro da sua órbita, mais serviços presta ao desenvolvimento da lavoura do Estado, mais concorre para que um amigo, um parente, um simples conhecido de ocasião abandonem um principio já caquético, o da rotina e venham por sua vez fazer a sua aprendizagem ou adquirir máquinas e instrumentos agrícolas, [...]. Não é, portanto, o aprendiz, um pesado encargo para a Fazenda, antes será sempre um dos seus bons amigos, um propagandista que procurará torná-la conhecida daqueles que, por acaso, ainda a não conheçam. – Como negar, pois, fatos que poderosamente concorrem com a sua quota parte para o acabamento de uma obra de tamanho alcance como esta, a do rejuvenescimento da lavoura do Estado? Ninguém, certamente, o fará”

75.

Mas provavelmente alguns o fizeram pois, de outra forma, não seria necessário a esse

encarregado afirmá-lo tão longamente, desviando-se das ordens que recebera e que guiavam a

elaboração do seu relatório. Carlos Prates registrou que muitos dos aprendizes, quando

voltavam do aprendizado na Gameleira,

“fazem aquisição de máquinas agrícolas para o trabalho nas fazendas de sua propriedade ou de seus parentes: é assim que em pontos longínquos desta Capital, como em Montes Claros e Manhuaçu, já se acham em trabalho, levadas por aprendizes da Gameleira, todas as principais máquinas agrícolas. Igualmente têm recebido ali o ensino agrícola prático os trabalhadores enviados pelos fazendeiros”

76.

73 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 378. 74 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 378. 75 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 378. 76 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1909, p. 8.

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TABELA 9

Municípios de origem dos aprendizes da fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1911-

1913

Município de origem 1911 1912 1913 Total

Belo Horizonte 1 4 3 8

Conceição do Serro 1 3 1 5

Sabará 2 2 __ 4

Montes Claros 2 __ 2 4

Santa Luzia do Rio das Velhas __ 2 1 3

Ouro Preto 1 1 1 3

Itapecerica __ 1 2 3

Diamantina 1 2 __ 3

Origem desconhecida 1 1 2

Outros países __ 1 (Itália) 1 (Portugal) 2

Piranga __ 2 __ 2

Itajubá 1 1 __ 2

Bocaiúva __ 2 __ 2

Outros Estados __ 1 (Rio de Janeiro) __ 1

Villa Brasilia __ __ 1 1

Ubá __ 1 __ 1

Sete Lagoas __ 1 __ 1

S. Manoel do Piracicaba __ 1 __ 1

S. Gonçalo do Sapucahy __ __ 1 1

S. Domingos do Prata __ 1 __ 1

S. Caetano __ 1 __ 1

Pirapora 1 __ __ 1

Peçanha __ __ 1 1

Mar de Hespanha 1 __ __ 1

Laranjal 1 __ __ 1

Lafayette __ __ 1 1

Januaria __ __ 1 1

Itabira do Campo __ __ 1 1

Entre Rios __ 1 __ 1

Cattas Altas __ __ 1 1

Cataguazes __ __ 1 1

Campanha 1 1

Fontes: SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit.,1912-1914.

A TAB. 9 (pág. 170), na qual evidencio as cidades de origem dos aprendizes, revela

que eles realmente vinham de vários pontos do Estado. O mapeamento das cidades das quais

provinham os aprendizes que frequentaram a Gameleira entre 1911 e 1913 registrou 29

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municípios de Minas Gerais situados nas diversas zonas do Estado. Os aprendizes vindos de

Belo Horizonte foram os mais numerosos (oito). Em seguida, os de Conceição do Serro (cinco

aprendizes); Sabará e Montes Claros (quatro); e Santa Luzia, Ouro Preto, Itapecerica e

Diamantina (três aprendizes). Vale citar que um aprendiz era do Estado do Rio de Janeiro e

dois eram estrangeiros, um português e um italiano. Esses dados revelam a importância

estadual que teve a fazenda-modelo da Gameleira na formação de aprendizes práticos de

agricultura.

Em relação aos visitantes – fazendeiros ou não – foi possível também apurar alguma

coisa. Nos primeiros anos de funcionamento da Gameleira, foram centenas as pessoas que a

visitaram. O jornal Minas Gerais publicava, de quando em vez, algumas relações de visitantes

ilustres. Por este jornal pude saber que,

“de vários pontos do Estado têm afluído à fazenda-modelo da Gameleira fazendeiros e emissários destes, que ali vão afim de assistir aos trabalhos de amanho da terra, realizados utilmente com o emprego de máquinas agrícolas.[...] Pessoas de classes diversas, desde o fazendeiro ilustrado até o simples camarada, têm recebido a mesma impressão da fazenda da Gameleira – a impressão do trabalho fecundo”

77.

Muitos desses visitantes eram de outros Estados, como um representante do Sindicato

Agrícola regional de Pernambuco, outro do Instituto Pasteur, do Rio de Janeiro 78, e ainda

mais um do Estado de Alagoas79 e funcionários do Ministério da Agricultura, em 1911.

Também figuravam nas relações alguns estrangeiros, como E. Vliebergh, “lente de economia

rural da Universidade de Louvain, Bélgica” 80, Frank Brainard e Gilbert Hanseen, agricultores

americanos, de acordo com o mesmo jornal.

De acordo com o relato de um fazendeiro publicado no Jornal do Comércio de Juiz de

Fora e transcrito pelo jornal Minas Gerais, a fazenda da Gameleira deveria ser visitada por

todos os agricultores: “fazendeiro que vai a Belo Horizonte deve forçosamente ir à

Gameleira... será – ir a Roma e não ver o Papa” 81.

Ao elencar as maravilhas que havia visto na fazenda-modelo, o fazendeiro intentava

convencer seus colegas de classe a adotar os métodos racionais e metódicos preconizados pela

ciência. Finalizando seu artigo, afirmou que já ia “deixando a rotina de lado, e, com muita

alegria e satisfação, vou empregando as modernas máquinas e hoje é o meu – lema mais

máquinas e menos braços. Num país essencialmente agrícola, a Gameleira é uma

77 Jornal Minas Gerais, 10 de julho de 1907, p. 5, col. 4. 78 Jornal Minas Gerais, 16 de julho de 1908. 79 Jornal Minas Gerais, 13 de agosto de 1908. 80 Jornal Minas Gerais, 16 e julho de 1908, p. 4, col. 3. 81 Jornal Minas Gerais, 08 de dezembro de 1907, p. 3, col. 3.

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revolução”82.

Nas listagens publicadas pelo jornal Minas Gerais, constavam vários coronéis e

fazendeiros importantes do Estado, além de deputados e senadores mineiros estaduais e

federais, e outros políticos: presidentes e ministros do país, presidentes e secretários do

Estado, além de autoridades de escalões inferiores. Visitar a Gameleira pode ter significado

algo além da aprendizagem dos métodos modernos de agricultura. Pode ter representado uma

possibilidade de ver seu nome estampado no principal jornal do Estado, um agradável passeio

com a família nos arredores da nova Capital, ou ainda um eventual encontro com o presidente

de Minas. Dessa forma, a fazenda da Gameleira teve uma importância que extrapolou o

ensino agrícola, como tentarei demonstrar a seguir.

3.5. “As batatas de João Pinheiro”: relação da Gameleira com as esferas pública e

privada

A fazenda da Gameleira constituiu um importante órgão de apoio do governo estadual:

fornecia carvão à ferraria do Estado e à prefeitura da Capital; mudas e sementes aos

lavradores; feno e capim para as estrebarias da polícia, só para citar alguns exemplos. Por

outro lado, recebia doações particulares de animais de raça para reprodução; de máquinas

agrícolas e de animais de raça, feitas por firmas comerciais, que eram experimentados na

Gameleira, com objetivo de vendê-los aos produtores do Estado e ao próprio Estado, para

suprir seus estabelecimentos, ou então, como “presentes”. Nesse caso, vários eram os

“presentes” recebidos de empresas que já mantinham intensa relação comercial com a

diretoria de Agricultura, talvez uma forma de continuar a prestar os seus serviços ao Estado,

possivelmente fonte de significativos lucros.

Estas relações com as esferas pública e privada não eram destituídas de conflitos,

geralmente administrativos. A prefeitura, por exemplo, custava a pagar o carvão que recebia.

Eram comuns também os pedidos de envio de informações sobre as fazendas-modelo, em

especial sobre a Gameleira, por parte de várias entidades: classistas (sindicatos e sociedades

de agricultura), embaixadas e consulados de países como Inglaterra e Itália; educacionais

(Instituto Agrícola do Estado da Bahia) e outras.

82 Jornal Minas Gerais, 08 de dezembro de 1907, p. 3, col. 4.

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A fazenda da Gameleira teve diversos funcionários, trabalhadores e prestadores de

serviços. Além dos administradores, houve encarregados de serviços de agricultura, auxiliar

de mecânica, veterinários, feitores e, principalmente, operários agrícolas que trabalhavam nos

serviços de lavoura. Sobre esses nada consegui saber. Um nome ou outro e nada mais. Não

eram considerados como aprendizes de agricultura, mas sim jornaleiros contratados para

realizar os serviços da lavoura que, após 1909, os alunos do Instituto João Pinheiro não

podiam realizar. Penso na invisibilidade desses trabalhadores, dos quais não se deixou

nenhum registro.

A vizinhança da Gameleira era constituída de “pobres e modestos sítios de campônios

que vivem mais da indústria da lenha do que da produção agrícola” 83. Estes vizinhos

insistiam em ocupá-la, utilizando os pastos da fazenda para nutrir seus próprios animais 84. De

fato, a maior parte da fazenda não era utilizada na lavoura, sendo destinada a pastagens

naturais. Apenas 10,33 alqueires, ou 23,5% da área da fazenda destinavam-se ao cultivo

(TAB. 5, pág. 110) e, como o número e animais não era muito grande – a fazenda chegou a ter

pouco mais de 100 animais de raça, que ficavam em estábulos, e poucos animais de tração –

os vizinhos aproveitavam a área para usos particulares. Agravava essa situação a percepção de

Leon Renault, diretor da Gameleira e do IJP, de que

“os pequenos sitiantes, moradores nos arredores da Capital, com 6, 8 ou 10 cabeças de gado, não cuidam do aperfeiçoamento de sua raça, não sendo, pois os reprodutores da Fazenda devidamente aproveitados, o que é inconveniente à constituição, à vida do animal, que jaz estabulando, pastando, sem prestar serviço de ordem alguma” 85.

Para Renault, em relatório apresentado em 1912 sobre o IJP, a questão com os vizinhos

era séria. Neste documento o diretor relatou uma reclamação de um vizinho quando da

aquisição de uns terrenos para o Instituto e a sua incorporação à fazenda. O vizinho, de acordo

com Renault “deles [dos terrenos] se diz senhor e possuidor”. Na ocasião, o diretor afirmou

que a vizinhança era “moral e materialmente, muito prejudicial ao Instituto” 86.

Além disso, o espaço da Gameleira, por ser vasto e se encontrar em uma área em plena

expansão urbana, qual seja, a periferia próxima à Capital, foi sendo aos poucos ocupado.

Consegui captar apenas a ocupação feita por outras instituições, em sua maioria estaduais,

mas também federais e municipais. A construção da estrada de rodagem de BH a Bonfim,

cortando a fazenda, sem cercas, facilitava a introdução de animais de particulares nos pastos 83 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907. p. 9, col. 4. 84 De acordo com o jornal Minas Gerais, de 8-9 de fevereiro de 1909. 85 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1911, p. 455. 86 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 371.

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da fazenda, o que complicava a relação com os vizinhos. Essa mesma estrada, em 1913,

provocou outro estrago: os funcionários da “Empresa de Transporte por Automóveis”, que

deveriam estar fazendo algum tipo de manutenção na mesma, arrombaram as cercas da

fazenda para retirar dos seus terrenos pedras para os seus serviços87.

A construção da Estrada de Ferro Oeste de Minas também trouxe problemas: destruiu

plantações, provocou a interrupção de passagem da água para os arrozais da parte de baixo do

leito da estrada e até a morte de um animal da fazenda, em 1912. Em relação à Estrada de

Ferro Central do Brasil, que também acabaria por passar nos terrenos da fazenda, o diretor da

Gameleira, Leon Renault, chegou a solicitar, em 1912, que a estrada não construísse uma

estação na Gameleira, em que não foi atendido.

O próprio Instituto João Pinheiro, em 1909, ocupou parte significativa da fazenda:

pavilhões de internação dos menores, casa de administração, pomares, jardins e outras obras.

Em 1912 foi construído um posto meteorológico e, em 1913, parte da área da Gameleira foi

ocupada pelo Campo de Experiências da diretoria de Agricultura e pela Comissão de Novo

Abastecimento d'Água à Capital. Ao longo do tempo, foram sendo instaladas novas

edificações: o Instituto Ezequiel Dias, pavilhões para as exposições agropecuárias. Na década

de 1940, foi construída a Escola Superior de Veterinária de Minas Gerais, também nos

terrenos da Gameleira. Sinteticamente, é possível afirmar que “o acelerado crescimento da

cidade para o oeste foi gradativamente mutilando a imensa área verde do complexo

Gameleira-IJP, até ser definitivamente devassada para dar passagem à Avenida Amazonas que,

nos anos quarenta, ligaria a capital à região Oeste do Estado.” (FARIA, 1992, p. 247).

Apesar de, em nenhum momento, ter encontrado no jornal Minas Gerais e nos

relatórios publicados pela diretoria e secretaria da Agricultura críticas às fazendas-modelo, foi

possível, de forma indiciária, percebê-las. Em uma passagem de um dos editoriais publicados

no jornal Minas Gerais, que considero de autoria de João Pinheiro, consegui captar como que

uma resposta do presidente do Estado a críticas que estava sofrendo em relação à instalação

da Gameleira. Dizia ele que

“desde o primeiro dia em que pelo Governo foram encetados estes serviços, ele desejou, fez questão que todos os acompanhassem assim nos preços de conjunto como nos de detalhe. Mais de uma vez esta coluna tem publicado preços até por unidades de serviço. O Governo comprou 68 bois […], animais escolhidos e de primeira qualidade. Fez esta compra porque a lei autorizou a criar 5 fazendas-modelo. As dificuldades na iniciação desses serviços estão na imperícia dos trabalhadores e também na imperícia e falta de hábito dos animais em conduzirem estas

87 Jornal Minas Gerais, 04 de maio de 1913.

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máquinas”88.

Assim, após anunciar como que estavam definitivamente resolvidos os elementos que

permitiriam iniciar o ensino agrícola na Gameleira89, provavelmente sofria críticas por não ter

ainda feito o ensino agrícola em larga escala, tendo que justificar a compra de bois, e a

imperícia dos mesmos, além da falta de preparo do pessoal contratado para instalar as

primeiras plantações. De fato, defendeu-se dizendo que

“há, efetivamente, lá [na Gameleira] um pessoal adido; já chegou mesmo a ter 7, de uma só vez, trabalhadores ou feitores que não ganham cousa alguma. Querem saber que pessoal é este? É o mais vivo documento da utilidade destes institutos; é a irradiação do ensino; o produto da iniciativa particular que acorda em Minas. É o pessoal mandado pelos fazendeiros de diversos pontos de Minas” 90.

E, finalmente, incitou os adversários, a que chamou de céticos, a visitarem a fazenda

da Gameleira, pois,

“não é uma questão de presunções; é uma questão de fatos materiais, dependentes de simples visão. Serão informados dos preços até por unidade de cada serviço e, o que é principal, para verificarem a exatidão destes preços, devem exigir, de relógio em mão, a medição em metros quadrados do trabalho que, à vista do visitante de pior vontade, será efetuado. As outras despesas, constantes de escrituração rigorosa na Secretaria da Agricultura, podem ser verificadas por quem desejar e serão dadas certidões até de faturas de compras, se o quiserem exigir” 91·.

Em outro editorial, referindo-se aos custos de irrigação da fazenda-modelo da

Gameleira, João Pinheiro explicou que “a compra de materiais para as instalações definitivas

foi relativamente grande, porque, para o Brasil, somente, é que estas cousas poderão ainda

parecer do domínio das discussões” 92. As críticas a João Pinheiro e sua política de ensino

agrícola eram rebatidas não apenas no Estado, mas também nacionalmente. Uma matéria

publicada pelo Diário de Noticias, do Rio de Janeiro, e transcrita pelo jornal Minas Gerais,

proclamava o sucesso do plano de João Pinheiro para o ensino agrícola sistemático. E

indagava:

“pensam que faltam os céticos e os motejadores? Seria preciso que outro de que ela é fosse a natureza humana e depois é tão fácil zombar de esforços feitos em semelhantes e tão pungentes condições e é agradável sentenciar escarnecedoramente a respeito daquilo que não se conhece. Há gente que fala com ironia das ‘batatas do dr. Pinheiro’.” 93.

88 Jornal Minas Gerais, 12 de maio de 1907, p. 1, col. 2. 89 Jornal Minas Gerais, 21 de março de 1907. 90 Jornal Minas Gerais, 12 de maio de 1907, p.1, col. 2. 91 Jornal Minas Gerais, 12 de maio de 1907, p. 1, col. 2. 92 Jornal Minas Gerais, 19 de maio de 1907, p. 1, col. 3. 93 Jornal Minas Gerais, 16 de junho de 1907, p. 10, cols. 2 e 3.

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A referência às batatas deu-se em razão de ter sido esta a única cultura feita

“industrialmente” no primeiro ano de funcionamento da Gameleira94. As críticas que

certamente foram feitas, como procurei demonstrar aqui, apontam para uma questão que não é

possível aprofundar nesta dissertação: a construção da representação do político João

Pinheiro. Tido como exemplo de cidadão e de probidade administrativa, e autêntico

republicano por diversos contemporâneos e seguidores, além de historiadores, João Pinheiro

da Silva é hoje um mito. Entendo que este mito não foi construído sem conflitos e

divergências. João Pinheiro não era unanimidade no seu tempo. A sua imagem foi construída

tanto no seio familiar, como demonstrou Ângela de Castro Gomes (2005), quanto por

políticos e amigos. Sua morte precoce, aliada à sua meteórica carreira política, ensejou a

produção de artigos e livros sobre ele. É curiosa também a realização de procissões e cortejos,

nos primeiros aniversários de sua morte, tanto em Belo Horizonte, quanto em Caeté, cidade

onde fora enterrado, como pude acompanhar pelo jornal Minas Gerais. Dessa forma,

compreendo as críticas feitas à fazenda-modelo como críticas à própria política de João

Pinheiro, o que poderá contribuir para a desmitificação de sua imagem, a partir de pesquisas

mais aprofundadas.

94 De acordo com artigo publicado no jornal Minas Gerais, de 5 de dezembro de 1907, p. 2.

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4. O FIM DAS FAZENDAS-MODELO: marchas e contramarchas do

ensino agrícola

“O estabelecimento de escolas práticas e técnicas sem um instituto de altos estudos agronômicos e zootécnicos o mesmo é que fazer correr arroios secando os mananciais donde

nascem” 1

A epígrafe que abre este capítulo representa o pensamento que dominou a burocracia

da Agricultura de Minas Gerais em fins dos anos de 1910 e na década de 1920: a necessidade

de, por meio do ensino superior de agricultura, forjar novas inteligências para a burocracia

estatal e para levar adiante o processo de modernização do Estado. A partir desse

entendimento, da mudança de rumos que se operou no ensino agrícola em Minas Gerais em

fins da primeira República, este capítulo objetiva compreender o fim da política de ensino

prático gestada nos anos iniciais da República, melhor formulada durante o Congresso

Agrícola de 1903 e posta efetivamente em execução por João Pinheiro da Silva.

Num segundo momento, pretendo elucidar alguns aspectos da relação entre a

necessidade e os esforços de se superar os métodos rotineiros que dominaram a agricultura

mineira durante séculos e o processo de escolarização do trabalho agrícola, analisando

algumas contradições inerentes ao processo histórico de superação dos métodos rotineiros em

alguns estabelecimentos de ensino agrícola.

Utilizo como fontes primárias aquelas mesmas já elencadas nos capítulos precedentes:

a legislação mineira, os anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais, alguns relatórios da

diretoria de Agricultura e da secretaria da Agricultura e o jornal Minas Gerais. Utilizo também

a Revista Ceres, uma publicação da ESAV, Escola Superior de Agricultura de Viçosa, editada

a partir do final da década de 1930.

1 Frase citada por Clodomiro Augusto de Oliveira. SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1922, p. 154.

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4.1. Novos rumos para o ensino agrícola: o fim das fazendas-modelo

Com um simples artigo inserido na lei de orçamento votada em 1914 para o exercício

de 19152, o governo de Delfim Moreira da Costa Ribeiro3, que havia iniciado há cerca de um

mês, tendo por seu secretário da Agricultura Raul Soares de Moura, pôs fim à política de

fazendas-modelo no Estado de Minas Gerais. Na ocasião, foi o governo “autorizado a

arrendar, quando julgar oportuno, as fazendas-modelo do Estado, excetuando a da Gameleira”

(Lei 646/1914, art. 32). Esta lei referendou uma mudança de rumos nessa política que veio se

efetivando desde 1910, com o restabelecimento da secretaria da Agricultura.

Em 1911 a aprovação do decreto 3.356, de 11 de novembro, ao mesmo tempo em que

institucionalizou a política de João Pinheiro, encetou mudanças significativas. Essas

mudanças, acentuadas na administração de Raul Soares, culminaram com a aprovação,

construção e instalação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais –

ESAV, entre os anos de 1920 e 1926. Em 1920 o governo estadual de Artur Bernardes obteve

autorização legislativa para construir a ESAV, no município de Viçosa, que iniciou suas

atividades em 1926/1927, inaugurando um novo momento no ensino agrícola no Estado. Sem

desconsiderar o ensino primário-elementar, bem como a necessidade de reorganização do

mercado de trabalho e de fixar o trabalhador nacional no campo, deslocou esses eixos para o

ensino de caráter teórico-prático, ministrado principalmente nos níveis médio e superior e

para a necessidade da modernização da agricultura diversificada (FARIA, 1992). Vejamos

como essa mudança ocorreu.

Após a morte de João Pinheiro em fins de 1908, o vice-presidente Júlio Bueno

Brandão4 assumiu a presidência, não alterando a linha de ação traçada pelo recente finado. O

2 Lei nº 646, de 8 de outubro de 1914, art. 32 3 Político, magistrado e advogado, Delfim Moreira da Costa Ribeiro nasceu na fazenda da Pedra, município de Cristina, Minas Gerais, a 7 de novembro de 1868. Foi deputado estadual (1895-1902), secretário do Interior e Justiça (1902-1906; 1910-1913), senador estadual (1907-1909), deputado federal (1909-1910) e presidente do Estado de Minas entre 1914 e 1918. Foi eleito vice-presidente da República, mas devido à morte do titular, Rodrigues Alves, tomou posse como presidente do país em 15 de novembro de 1918, permanecendo no cargo até 25 de julho de 1919. Presidiu, após esta data, o senado federal até o seu falecimento, ocorrido em Santa Rita do Sapucaí, MG, a 1º de julho de 1920. (MONTEIRO, 1994). 4 Político, magistrado, advogado e jornalista, Júlio Bueno Brandão nasceu em Ouro Fino, Minas Gerais, a 11 de junho de 1858. Foi vereador e chefe do executivo na já citada cidade por diversos mandatos; deputado estadual (1891-1897), senador federal (1897-1908), acumulando, por algum tempo, a senatoria e a vice-presidência do Estado (1906-1908). Com a morte de João Pinheiro da Silva, renunciou ao mandato parlamentar e assumiu a presidência do executivo mineiro, de 27 de outubro de 1908 a 3 de abril de 1909, quando então tomou posse o novo presidente eleito, Venceslau Brás Pereira Gomes. Foi eleito presidente de Minas Gerais para o quatriênio 1910-1914. Exerceu após este cargo vários mandatos parlamentares, estaduais e federais, falecendo no Rio de

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novo presidente eleito para terminar o mandato de João Pinheiro, Venceslau Brás5, também

seguiu o programa de João Pinheiro. Carlos Prates, mantido como diretor da diretoria de

Agricultura nas duas presidências, foi a meu ver fundamental na manutenção dessa política,

não apenas por ser diretamente responsável por sua execução, mas pela maneira eufórica

como assumiu essa tarefa. Ele foi um seguidor fervoroso de João Pinheiro e talvez um dos

mais importantes devido à posição-chave que ocupou em seu mandato.

Há que se considerar a avaliação de Álvaro Astolfo da Silveira, quando assumiu

interinamente a diretoria de Agricultura de que

“a difusão do ensino agrícola pratico pelos diversos pontos do Estado a que pertencem os aprendizes e o aproveitamento destes para mestres de cultura que se encarregam da direção das fazendas-modelo, campos de demonstração e experiências estaduais ou municipais, são as principais vantagens que advém deste ensino” 6.

Porém, em que pese esta avaliação, na mesma época, como salientei no capítulo

anterior, as críticas às fazendas-modelo não foram poucas. Quando da criação do Instituto

João Pinheiro em 1909, um editorial do jornal Minas Gerais afirmou que, “de fato, seria

irrealizável multiplicar [n]o Estado, na medida do desejável, estabelecimentos modelares,

como o da Gameleira, o qual, dadas a vastidão do território mineiro e a dificuldade dos meios

de transporte, presta serviços relativamente exíguos como meio de propaganda pelo fato” 7.

Há nesta passagem um prenúncio de que não mais se fundariam fazendas-modelo a partir de

1909, e uma crítica ao próprio João Pinheiro e à Gameleira.

Após novas eleições, Júlio Bueno Brandão assumiu novamente a presidência do

Estado e restabeleceu a secretaria da Agricultura, que havia sido suprimida em 1901. Indicou

para a nova pasta José Gonçalves de Sousa8 que, apesar de manter tanto a política de ensino

Janeiro, a 21 de março de 1931 (MONTEIRO, 1994). 5 Político, promotor e advogado, Venceslau Brás Pereira Gomes nasceu em São Caetano da Vargem Grande, distrito de São José do Paraíso, MG (hoje cidade de Brasópolis) a 26 de fevereiro de 1868. Foi vereador, Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal de Monte Santo (MG) em 1892; deputado à Câmara Estadual (1892-1898), secretário do Interior (7/9/1898-7/9/1902), deputado federal (1903-1908). Após o falecimento de João Pinheiro da Silva, foi eleito presidente de Minas Gerais para completar o seu mandato, entre 3/4/1909 e 7/9/1910. Foi também vice-presidente (1910-1914) e Presidente da República (1914-1918). Faleceu em Itajubá, a 15 de maio de 1966. 6 DIRETORIA DE AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Juscelino Barbosa, Secretário das Finanças pelo Engenheiro Álvaro A. da Silveira, Diretor Interino de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de 1909. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, de 1910, p. 88. 7 Jornal Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1909, p. 1, col. 3. 8 Político, magistrado, promotor, industrial e professor, José Gonçalves de Sousa nasceu no arraial de Santana de São João Acima, província de Minas Gerais (hoje cidade de Itaúna). Foi vereador e Agente Executivo de Pintangui, deputado estadual (1899-1902), senador estadual (1903-1910), secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas (1910-1914), deputado federal (1912-1926). Foi ainda um dos fundadores da

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agrícola como Carlos Prates na sua condução, deu um novo direcionamento à mesma, por

meio do decreto 3.356, de 11 de novembro de 1911, que reorganizou o ensino agrícola do

Estado. Compreender esse decreto e suas implicações possibilitou revelar o movimento mais

geral do ensino agrícola, do qual fez parte o fim das fazendas-modelo. De acordo com Daniel

de Carvalho, quando secretário da Agricultura,

“o movimento [iniciado por João Pinheiro continuou nos governos Venceslau Braz e Bueno Brandão, que alargaram o ensino agrícola elementar com a criação dos institutos e aprendizados nos moldes do Instituto João Pinheiro e ensaiaram os mestres ambulantes de cultura. Por outro lado, animaram a iniciativa particular no ensino teórico-prático da agricultura, subvencionando estabelecimentos idôneos, entre os quais as Escolas Agrícolas de Lavras e Cachoeira do Campo” 9.

. O decreto 3.356/1911, que aprovou o regulamento geral do ensino agrícola, manteve

este ensino como vinha sendo praticado nos anos anteriores, desde 1907. Porém, procurou

“especializá-lo e ampliar a sua ação” 10, passando a ser formulado como um ensino teórico-

prático, distribuído em três níveis: primário, médio e ambulante. De acordo com o referido

regulamento

“o ensino agrícola, que terá feição mais prática do que teórica, será ministrado no Estado aos menores de dezoito anos que frequentarem ou não as escolas públicas, sob a forma elementar, nos grupos escolares, escolas rurais, aprendizados agrícolas e nos institutos mantidos ou subvencionados pelo Estado; - aos lavradores por meio de professores ambulantes e também nas fazendas-modelo, fazendas subvencionadas e campos de demonstração; - e aos moços que queiram dedicar-se à vida agrícola, nos estabelecimentos particulares existentes ou que se fundarem no Estado, subvencionados para o ensino médio ou teórico prático de agricultura” (art. 1º).

O ensino primário agrícola, já ministrado nos institutos estaduais, passou a ser

ministrado também nos aprendizados criados pelo governo do Estado e nos particulares, por

meio de subvenções. Durante o período foram criados dois Aprendizados Agrícolas estatais: o

“José Gonçalves”, que funcionou em Ouro Fino; e o “Borges Sampaio”, que foi instalado em

Uberaba, nos terrenos do antigo Instituto Zootécnico daquela cidade. Sobre o ensino nos

grupos escolares e escolas rurais, me deterei no próximo item da dissertação.

O ensino ambulante foi criado a partir da experiência da propaganda da cultura do

fumo em folha, iniciada em 1909 com um mestre de cultura específico – Francisco José de

Faria Sobrinho -, destinado ao sul de Minas. Naquele ano, o Estado contratou dois técnicos

vindos do Estado da Bahia, onde aquele havia ido aprender os modernos processos de cultura

Escola Livre de Engenharia, de Belo Horizonte, sendo um de seus professores e diretor. Faleceu em 9 se setembro de 1937 (MONTEIRO, 1994). 9 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1926, p. 93. 10 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 39.

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do tabaco. Vale lembrar que Francisco Sá, quando secretário da Agricultura, contratou

diversos regentes agrícolas de Portugal, que atuaram como mestres ambulantes em fins do

século XIX. De acordo com o regulamento baixado com o decreto 3.356/1911 o ensino

ambulante destinava-se “à instrução dos lavradores cujas fazendas se acham situadas a

grandes distâncias dos estabelecimentos onde se ensine regularmente a agricultura, e fica a

cargo dos mestres ambulantes de cultura” (art. 22). Como se vê, o ensino ambulante estava,

naquele momento, harmonizado ao ensino prático ministrado nas fazendas-modelo e demais

instituições de ensino agrícola dirigidas aos trabalhadores adultos.

O ensino ambulante era teórico-prático, pois previa dois tipos de atuação para os

mestres de cultura. Eles poderiam atender às solicitações dos fazendeiros, prestando

“instruções práticas sobre o funcionamento e montagem das máquinas agrícolas, lançamento

de adubos à terra, tratamento de plantas e de animais, etc.” (art. 25). E também fariam

“demonstrações práticas de trabalho com as máquinas agrícolas” (art. 29), que deveriam

constar “das principais operações da mecânica agrícola” (art. 31, caput) e de exposições, em

forma de palestras, “em que ponham em relevo as vantagens do emprego dos processos

mecânicos auxiliares da agricultura, citando preços de custo das operações agrícolas e de

produtos colhidos” (art. 31, § único).

O ensino agrícola médio foi consentido à iniciativa particular, bem como ensejou-se

que o governo federal assumisse uma instituição desse tipo no Estado. O governo de Minas

deveria promover “desde já que o governo federal [...] estabeleça no Estado um curso médio

ou teórico prático de agricultura” (Decreto 3.356/1911, art. 38, § único). A União não assumiu

esse nível de ensino, mas a iniciativa privada, sim. Em relação ao ensino particular, o

regulamento definiu diversos critérios para a concessão das subvenções, bem como definiu

valores, formas de se preencher as vagas gratuitas a que o Estado tinha direito, além de

estabelecer a fiscalização das instituições particulares pelo governo e a necessidade de se

produzir um relatório anual, dando conta das suas atividades.

O ensino particular de agricultura teórico-prático foi uma opção do governo mineiro,

como fica patente nesta fala de José Gonçalves de Sousa, então secretário da Agricultura de

Minas Gerais:

“a exemplo do que se dá na Inglaterra, nenhum meio se me afigura mais profícuo, para o desenvolvimento do ensino profissional do que o de subvencionar a iniciativa particular, quando bem orientada. Este sistema, além de suavizar os ônus dos cofres públicos com a manutenção de muitos e custosos estabelecimentos, concorre para que estes se multipliquem, com relativa facilidade, nas diferentes zonas do Estado, satisfazendo plenamente os fins

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que a administração pública tem em vista” 11.

Em relação ao ensino prático, que me interessa mais de perto, houve uma restrição às

fazendas particulares subvencionadas. Estas, como já explicitei no Capítulo 2, foram

reduzidas ao máximo de dez, sendo que a subvenção só poderia ser dada por no máximo dois

anos a cada fazenda. E, em relação às fazendas-modelo, o decreto 3.356/1911 foi uma

reedição do decreto 2.027/1907, expedido por João Pinheiro da Silva. Manteve os mesmos

tipos de fazendas-modelo, de A a D; a possibilidade de acordo com as Câmaras Municipais; a

atuação desses estabelecimentos como polos de desenvolvimento regional, como discuti no

Capítulo 2; e os dois tipo de aprendizagem: aos trabalhadores e aos “moços que queiram

habilitar-se para a profissão de mestre de cultura” (art. 61), sem alterar os critérios de ingresso

e a certificação. Mantiveram-se também as competências dos mestres de cultura.

Poucas, mas importantes modificações foram introduzidas. A principal delas referiu-se

à restrição desses estabelecimentos ao ensino agrícola elementar, como ficou claro no

primeiro artigo do regulamento, uma vez que o ensino médio estaria reservado apenas à

iniciativa privada, sendo teórico-prático e não apenas prático, como preconizou João Pinheiro.

No decreto 3.356/1911, as fazendas-modelo não foram mais consideradas como

estabelecimentos de ensino médio, secundário. Dessa forma, a percepção de Maria

Auxiliadora Faria de que as escolas particulares foram as grandes fornecedoras de técnicos

para a burocracia do Estado durante a primeira República pode ter sido influenciada pelo

Estudo detalhado que a autora fez do decreto 3.356/1911. Vale lembrar que essa assertiva

deve ser relativizada, como fiz no terceiro capítulo, redimensionando o papel do ensino

agrícola estatal na inserção de profissionais qualificados na máquina estadual.

Outra novidade do decreto, em relação às fazendas-modelo, foi a regulamentação de

da lei nº 564, de 11 de setembro de 1911, que autorizou o governo a “criar duas fazendas de

criação e seleção de gado vacum, nas quais mantenha as melhores raças de gado nacional e

europeu”, o que ampliou a autorização legislativa de 1906, que previa a criação de seis

fazendas-modelo às expensas do Estado.

Retomando o fim das fazendas-modelo, é interessante deter-se nas discussões do

Congresso Legislativo mineiro sobre a lei do orçamento para 1915. A emenda que suprimiu

estes estabelecimentos foi justificada considerando-se que

“estão sendo custeadas com dificuldade as fazendas-modelo da Fábrica, no município do Serro, do Diniz, no município de Itapecerica, de Santa Bárbara e

11 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 6.

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outras. Não convém ao Estado, neste momento, derramar a sua receita em serviços de ordem perfeitamente adiável, bastando que haja aqui, como escola acessível aos srs. Lavradores, que frequentemente visitam Belo Horizonte, o Instituto da Gameleira, único que deve ser conservado pela natureza que o governo imprimiu aos seus serviços, de ótima fazenda-modelo que é para o que diz respeito à agro-pecuária. Acresce que o produto do arrendamento das outras fazendas-modelo vem se incorporar à receita publica, aliviando de algum modo os compromissos do Estado com a manutenção de outros serviços de caráter mais urgente.” 12.

Ao por fim às fazendas-modelo, fortaleceu-se uma concepção de que o Estado deveria

fornecer uma instrução profissional e técnica exemplar, modelar. A análise das fontes a que

tive acesso e da literatura da área indica que a primeira República em nenhum momento foi

favorável a uma ampla disseminação do ensino agrícola, por meio de instituições estatais e

gratuitas. As fazendas-modelo, como o próprio nome indica, deveriam servir de exemplo à

iniciativa particular, e não suprir a demanda por operários agrícolas qualificados nos

modernos processos de agricultura. O Estado preferiu investir em uns poucos

estabelecimentos e subvencionar as iniciativas particulares. Estes últimos estabelecimentos se

avolumaram ao longo da primeira República em Minas Gerais.

Há que se considerar também o momento de retração econômica pelo qual passava o

Estado, a confiar nos dados apresentados pela secretaria da Agricultura. Dessa forma, ao

arrendar as fazendas-modelo, o Minas Gerais conseguiria suprimir gastos “perfeitamente

adiáveis” e ainda apurar alguma quantia. Mais adiante retomarei a discussão financeira. Por

ora, é importante assinalar que Raul Soares, ao assumir a secretaria de Agricultura, tentou

aprofundar essa mesma diretriz, de corte de gastos, dando mais um passo na modernização

dos serviços do Estado, no que concerne à agricultura. Esta diretriz tornou-se perceptível pela

reorganização da secretaria, por decreto13. É possível, pois, compreender o fim das fazendas-

modelo no bojo da política de re-estruturação empreendida por Raul Soares, a partir de 1914.

Na exposição de motivos do decreto 4.351/1915, que reorganizou a secretaria da

Agricultura, Raul Soares pretendeu “descentralizar os serviços dando aos diretores maior

autonomia em assuntos técnicos e no despache do expediente ordinário”; “diminuir […] o

expediente burocrático proscrevendo o papelório inútil”; reorganizar os serviços internos à

secretaria; “estabelecer […] um regime preciso de responsabilidade não sucessiva mas

pessoal, única que não se nulifica e que, como se sabe, é uma das condições que fazem a

12 CONGRESSO LEGISLATIVO DE MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1914, p. 423. 13 Decreto n. 4.351, de 27 de março de 1915. “Reorganiza os serviços da Secretaria da Agricultura”.

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fortuna das empresas particulares” e obviamente, o corte de despesas14. Nessa reorganização,

o secretário criou uma seção do Ensino Agrícola e Profissional, que se tornou responsável

pelas fazendas-modelo que ainda existiam, campos de experiência e demonstração; os

institutos, aprendizados agrícolas, aprendizes no estrangeiro e estabelecimentos

subvencionados; e o ensino agrícola ambulante. A mesma reforma suprimiu a Seção Técnica

da Agricultura que tinha por finalidade responder às consultas dos fazendeiros sobre os

processos modernos de agricultura. Como salientei no Capítulo 3, esta seção imprimiu um

caráter de produção do conhecimento agrícola à pasta da Agricultura. Com a supressão da

maior parte das fazendas-modelo e das fazendas subvencionadas, houve um paulatino

abandono do ensino prático, que já vinha acontecendo desde o decreto 3.356/1911, e a seção

técnica perdeu o sentido de existir. A opção por um ensino de agricultura téorico-prático

transferiu para as escolas agrícolas particulares de níveis médio e superior a função de se

produzir novos conhecimentos agrícolas e pecuários.

O fim das fazendas-modelo, que Daniel Serapião de Carvalho considerou apenas como

uma “redução”15, reforçou o ensino agrícola atrelado à assistência aos meninos órfãos,

abandonados ou pobres, em detrimento da educação do trabalhador do campo, jovem ou

adulto. O ensino aos lavradores e criadores, por meio das fazendas-modelo e fazendas

particulares subvencionadas, foi substituído pelo ensino ambulante. Durante a gestão de Raul

Soares, este ensino teve uma significativa expansão.

A justificativa financeira, que embasou a decisão de encerrar as atividades das

fazendas-modelo, parecia séria naquele momento. As exportações de café, do ano de 1914,

haviam caído consideravelmente, em valores, sendo a mais baixa desde 1911, como pode ser

visto na TAB. 10 (pág. 185).

De acordo com os dados da secretaria da Agricultura o peso do café na economia

mineira era significativamente menor do que em outras épocas e a pecuária era já em 1911 um

produto importante para as finanças do Estado. Contudo os mesmos dados revelam que o

café, representando cerca de 40% do total das exportações do período, ainda influía

decisivamente, pois suas variações eram mais significativas do que a de outros produtos. A

queda nas exportações de café repercutiu negativamente nas finanças do Estado, fortemente

apoiada nos impostos sobre exportação. Parecia ao então secretário que a política seguida de

forma mais sistemática desde o Congresso Agrícola de 1903 era ainda a mais acertada, pois

“é certo que a situação do café em nossa economia se tem modificado. Ele, que já

14 “Exposição de Motivos”, que precedeu o decreto 4.351/1915. 15 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1926, p. 94.

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representeou 78%, chegou a descer a 38% sobre uma exportação total sempre crescente. A política econômica desde muito seguida no Estado no sentido de animar a policultura, incrementando a produção do fumo, cereais, batatas, cana de açúcar, frutas etc., não deve ter desfalecimentos” 16.

TABELA 10

Exportações do Estado de Minas Gerais, 1911-1914

Anos

Valor oficial da

exportação

Agricultura e indústrias

conexas

Pecuária

Indústria

extrativa

Indústria

manufatureira

Porcen

tagem

café

Café Outros

gêneros

Total

1911 197.196 78.241 19.991 113.095 71.743 14.829 3.353 39,70% 1912 327.443 111.826 20.868 132.694 73.799 14.304 5.181 34,20% 1913 222.131 103.139 21.889 125.028 83.148 14.299 4.412 46,40% 1914 164.385 65.241 16.386 93.993 66.554 12.675 3.894 39,70%

Fonte: Relatório da secretaria da Agricultura, 1915 referente a 1914, p. 31. Os valores estão expressos em contos de réis. Adaptada.

Raul Soares concordava, pois, com a política de diversificação da produção agrícola.

Contudo, parece-me que o secretário não aderiu à forma de se estimular a policultura,

executada pelos seus antecessores, particularmente com as fazendas-modelo. Apresentando o

movimento de receita e despesa das fazendas-modelo durante o exercício fiscal de 1914, ele

encontrou um “déficit” de mais de 33 contos de réis. O secretário da Agricultura considerava,

assim, que

“já temos uma experiência suficiente para julgar as nossas fazendas-modelo. Fora erro condenar a instituição, que tão bons resultados têm dado em outros países. Mesmo entre nós não se pode negar que elas prestaram serviços. Mas a verdade é que os resultados obtidos não correspondem aos sacrifícios feitos. Os lavradores,

cujo ensinamento elas especialmente visam, não as frequentam, nem lhes

enviam seus trabalhadores. À exceção da Gameleira, onde durante o ano receberam ensino 17 aprendizes, além dos alunos do Instituto João Pinheiro, em boa hora nela instalado, pode-se dizer que nas fazendas modelo não há aprendizagem, pois foi de 4 o número de aprendizes nas restantes fazendas. O ensino aos lavradores não se pode ainda ministrar eficazmente por meio de fazendas modelo, que supõem da parte deles certa orientação e vontade. Podem obter-se maiores resultados sem grandes sacrifícios, com a remodelação do ensino ambulante.” 17.

Em relação ao dispêndio financeiro, não pude aceitar a priori que a despesa com as

16 Relatório de 1915, p. 32. 17 Relatório de 1915, p. 34, grifos meus.

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fazendas-modelo pudesse ser encarada como déficit e procurei problematizar esta questão.

Para ajudar na compreensão do que Raul Soares chamou de déficit elaborei a TAB. 11 a partir

dos dados da TAB. 3 (p. 108), relacionando as diferenças entre despesas e receitas para os

anos de 1907 a 1914.

Como pode ser visto na TAB. 11 o gasto com as fazendas-modelo em 1914 foi muito

alto, como argumentou o secretário Raul Soares. Contudo, foi o menor “déficit” anual

apresentado no período analisado, que correspondeu àquele em que as fazendas-modelo foram

instaladas, entraram em funcionamento e foram extintas. Maria Auxiliadora Faria fez os

mesmos cálculos para anos de 1910 a 1914, por fazenda-modelo, agrupando os custos com

manutenção e obras realizadas, confirmando o alto custo, que a autora denominou de “saldo

devedor”. De acordo com esta autora, os dados apresentados “indicam as razões da descrença

do Secretário Raul Soares de Moura em relação às fazendas modelo […]. Conforme

enfatizado pelo Secretário, o Estado não visava lucros com as fazendas modelo, ainda assim,

algumas delas podiam minimizar suas despesas com a venda do excedente da produção”

(FARIA, 1992, p. 275).

TABELA 11

Relação entre despesas e receitas, fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914

Anos Receitas Despesas (1)

Despesas – receitas

(“déficit”)

1907 20:221$200 169:169$707 148:948$507

1908 20:958$469 61:399$004 40:440$535

1909 49:304$846 104:737$430 55:432$584

1910 23:746$562 101:347$026 77:600$464

1911 25:120$010 66:231$728 41:111$718

1912 21:523$220 66:390$696 44:867$476

1913 22:040$388 71:498$564 49:458$176

1914 14:795$419 48:544$240 33:748$821

197:710$114 689:318$395 491:608$281

Fonte: TAB. 3 (p. 108). Subtrai dos totais encontrados naquela tabela os valores referentes ao campo de demonstração de Aiuruoca, para poder subsidiar a crítica que faço à avaliação de Raul Soares, que não extinguiu os campos de demonstração, somente as fazendas-modelo. Elaboração própria. (1) Nas despesas, estão incluídas, além do custeio e manutenção do estabelecimento, as despesas com obras de melhoria e ampliação da estrutura, além do custo de aquisição dos terrenos, quando foi o caso.

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A análise dos dados por mim organizados indica que há uma sobrevalorização das

quantias gastas com a manutenção das fazendas-modelo, pois Raul Soares colocou como

manutenção todas as despesas das fazendas. Isso foi importante para a sustentação da

argumentação do secretário, mas escamoteou o investimento feito pelo Estado, que foi mais

tarde ignorado na ânsia de vender os próprios estaduais. Infelizmente, não pude separar para

todos os anos as rubricas de instalação, custeio e manutenção e obras de melhoramentos de

infra-estrutura. Consegui apenas para alguns anos, em algumas fazendas-modelo, como pode

ser visto na TAB. 12.

TABELA 12

Discriminação das despesas, fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907; 1910-1912; 1914

Fazendas-modelo

Ano

Despesas

Manutenção Obras de infra-estrutura Total

Gameleira (1) 1907 41:951$970 129:128$923 169:169$707

Fábrica 1912 8:254$118 3:042$530 11:296$548

Retiro do Recreio 1911 11:812$850 1:504$115 13:316$965

Diniz 1907 1:785$175 734$900 2:520$075

1910 15:727$950 2:977$400 18:705$350

1911 6:753$075 2:222$450 8:975$525

1912 6:270$680 8:115$175 14:385$855

1914 9:237$435 267$700 10:405$135

Bairro Alto 1912 9:917$831

5:440$345 15:358$176

Fontes: Relatórios da diretoria de Agricultura e secretaria da Agricultura publicados entre os anos de 1908 e 1915. Apresento aqui apenas as despesas que apareceram discriminadas. Valores em mil-réis. Elaboração própria. (1) O valor de manutenção que apresento para a fazenda da Gameleira, para o ano de 1907, inclui a despesa com aprendizes, para efeito de comparação.

Os dados da tabela revelam, mesmo que precariamente, um gasto que extrapolava o

custeio, pois as obras de melhoramento de infra-estrutura nas fazendas-modelo prolongaram-

se pelo menos até 1913. Quando as fazendas-modelos foram extintas, algumas dessas obras,

como as de montagem dos postos zootécnicos, eram muito recentes e significaram um

investimento por parte do governo estadual. É possível perceber que as despesas com obras de

melhoramento da infra-estrutura das fazendas variaram bastante. Sobressaem, na TAB. 12, os

gastos com a fazenda-modelo da Gameleira, em 1907. Durante este ano, fez-se a instalação da

fazenda, e um número muito grande de edifícios foram construídos. A série mais completa

que consegui obter correspondeu à fazenda-modelo Diniz. Nesta fazenda, em 1912, a despesa

com obras foi maior do que aquela gasta com a manutenção e custeio da produção do

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estabelecimento. Isso e significativo, pois indica que não se pode tomar como custeio e

manutenção das fazendas os valores apresentados na TAB. 3 (pág. 108), que revelam as

despesas totais.

Ainda sobre a questão, posso dizer que encarar os custos de instrução ou educação

profissional como déficit revelou uma determinada concepção de educação profissional,

conforme será visto adiante. Maria Auxiliadora Faria anexou aos dados que ela compilou

referentes às receitas e despesas das fazendas-modelo, a área cultivada e o número de

aprendizes, entre 1910 e 1914. Para o período, Faria encontrou dados somente para as

fazendas da Gameleira e do Serro, entendendo que apenas estas haviam sido frequentadas por

aprendizes. A autora calculou o gasto médio por aprendiz nas duas fazendas, a partir do valor

total das despesas efetuadas nas respectivas fazendas-modelo. Faria encontrou os valores por

aprendiz de 229$179, para 1910, e 94$372, para 1911, na fazenda-modelo da Gameleira. Já

em relação à fazenda-modelo da Fábrica, a autora encontrou os valores de 2:342$410 e

2:747$694, para 1910 e 1911, respectivamente, que correspondiam ao custo médio de cada

aprendiz, naquela fazenda. Esses valores indicariam “pelo menos no período de dois anos, as

razões da desativação das fazendas modelo e a decisão do Estado em manter a da Gameleira”

(FARIA, 1992, p. 276). Mesmo considerando a correção que fiz em sua tabela, no que

concerne ao número de aprendizes encontrado para o período, conforme discuti no Capítulo 2,

TAB. 2 (p. 107), os valores continuavam elevados, para todas as fazendas-modelo, como

mostro na TAB. 13 (pág. 189).

Contudo, há que se tomar cuidado nesse tipo de avaliação. A TAB. 13 confirma um

alto custo por aprendiz em todas as fazendas-modelo, inclusive na Gameleira. Em relação a

esta fazenda, encontrei um valor médio por aprendiz, entre os anos de 1907 e 1914, bem

próximo daquele encontrado para a fazenda-modelo Retiro do Recreio e superior àquele

encontrado para a fazenda Diniz (973$811, 1:129$526 e 551$921, respectivamente). Dessa

forma, o alto custo por aprendiz das outras fazendas-modelo não pode ter subsidiado a

justificativa para se manter a fazenda-modelo da Gameleira, pelo menos quando se analisa um

tempo mais alargado.

Além disso, os diretores da fazenda-modelo da Gameleira, particularmente Leon

Renault, calcularam de outra forma o custo por aprendiz naquela fazenda. Eles separaram das

despesas, ano a ano, os custos com a manutenção da fazenda da Gameleira e o valor gasto

com os aprendizes, que incluía alimentação, lavagem de roupas e alguma despesa

extraordinária, como remédios e médicos, por exemplo. Dessa forma, além de encontrar

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custos muito inferiores aos que Faria e eu calculamos, como pode ser visualizado na TAB. 14

(pág. 190), há uma mudança de enfoque da questão.

TABELA 13

Custo por aprendiz, fazendas-modelo, Minas Gerais, 1907-1914

Anos

FAZENDAS-MODELO

Gameleira Fábrica (2) Retiro do

Recreio (3) Diniz(4) Bairro Alto(5)

1907 2:667$722 __ 536$395 630$019 __

1908 350$164 __ __ __ __

1909 758$615 1:147$090 __ -7$208 __

1910 299$048 1:377$130 __ 1:109$688 __

1911 168$522 1:371$820 __ 3:052$905 __

1912 196$869 4:857$574 6:192$104 __ 3:085$602

1913 948$526 __ __ __ 4:551$277

1914 566$714 __ 901$859 __ __

Valor médio(1) 973$811 1:588$091 1:129$526 551$921 3:574$160

Fonte: esta tabela foi obtida cruzando-se os dados das TAB. 2 e 3 (páginas 107 e 108, respectivamente). Dividi o valor encontrado para o custo das fazendas-modelo (despesa – receita) pelo número de aprendizes de cada fazenda, a cada ano. Valores em mil-réis. Elaboração própria. (1) Este valor corresponde a: despesas - receitas/número total de aprendizes de cada fazenda. Calculei apenas os valores de (despesas - receitas) dos anos em que houve aprendizes. (2) Nos anos de 1907, 1908, 1913 e 1914 não foi registrado nenhum aprendiz na fazenda-modelo da Fábrica. (3) Nos anos de 1908 a 1910 e 1913 não foram registrados aprendizes na fazenda-modelo Retiro do Recreio. No ano de 1911 houve aprendizes, não sendo mencionado o número deles. (4) Nos anos de 1908 e 1912-1914 não foram registrados aprendizes na fazenda-modelo Diniz. Quanto ao ano de 1909, as receitas da fazenda superaram os gastos em 129$750, por isso apresento o custo negativo por aprendiz, naquele ano. (5) Nos anos de 1908, quando foi instalada, a 1911 e 1914, a fazenda-modelo do Bairro Alto não registrou nenhum aprendiz.

Ao separar a produção agrícola da aprendizagem, há uma indicação de que, por mais

que a primeira fosse fundamental à consecução da segunda, eram aspectos diferenciados das

fazendas-modelo. Elas eram estabelecimentos produtivos, verdadeiras “explorações

agrícolas”. Em outras palavras, empresas. Leon Renault preocupou-se, dessa forma, com a

lucratividade da fazenda-modelo da Gameleira, desconsiderando nesses cálculos de produção,

as obras de melhoria e o custo dos aprendizes.

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TABELA 14

Custo de manutenção dos aprendizes, fazenda-modelo da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1907-1916

Ano Nº de aprendizes Custo total com os aprendizes Custo por aprendiz

1907 51 2:656$825 52$094

1908(1) 32 2:456$100 76$753

1909 30 __ __

1910(2) 6 827$200 137$866

1911 14 1:734$600 123$900

1912 29 2:438$000 84$069

1913 19 2:094$600 110$242

1914 17 __ __

1915 7 657$000 93$857

1916 7 418$600 59$800

Valor médio no período (3) 80$503

Fontes: Relatórios da diretoria da Agricultura e secretaria da Agricultura publicados entre os anos de 1908 e 1917. Os relatórios de 1910 e 1915 não publicaram os valores gastos somente com a manutenção dos aprendizes relativos aos anos de 1909 e 1914, respectivamente. Valores em mil-réis. Elaboração própria. (1) Os dados de 1908 referem-se apenas ao período de 1º de junho a 31 de dezembro, que correspondeu ao período em que Antônio de Souza Vila Lobos esteve à frente da direção do estabelecimento. (2) Os dados do ano de 1911 referem-se apenas ao período de 18 de agosto a 31 de dezembro, que correspondeu ao período em que Leon Renault esteve à frente da direção do estabelecimento. (3) Excluí desse cálculo os anos de 1909 e 1914.

Não pude calcular os gastos com os aprendizes de todas as fazendas-modelo, devido a

não discriminação dessa despesa nos relatórios da Agricultura. Por isso essa análise restringe-

se à Gameleira. As diferenças entre as TAB. 13 e 14 são grandes para esta fazenda. O valor

médio entre 1907 e 1914, calculando-se o custo por aprendiz e levando-se em consideração as

despesas totais da fazenda, foi de 973$811. Considerando-se apenas as despesas feitas

diretamente com os aprendizes entre 1907 e 1916 e descartando-se os anos de 1909 e 1904, o

custo por aprendiz cai para 80$503, um valor cerca de dez vezes menor. Pode-se questionar

que essa forma de apresentar os dados seria uma manobra contábil, para mostrar uma despesa

menor do que aquela de fato realizada. Não descarto esta consideração, principalmente por

que Leon Renault, em 1910, como já discuti no terceiro capítulo, assumiu a direção unificada

do Instituto João Pinheiro e da fazenda-modelo da Gameleira com o compromisso de reduzir

despesas desta última instituição.

Contudo, esta forma de apresentar a despesas da Gameleira pode não ter se resumido a

mera contabilidade. Considero que essa decisão, de separar os custos de produção dos custos

com os aprendizes, reforça a ideia da aprendizagem centrada na produção. Além disso, Maria

Auxiliadora Faria, ao tomar como base todas as despesas do estabelecimento como custo de

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manutenção de alunos pode ter feito subsumir as finalidades mais gerais das fazendas-modelo.

Ao se calcular o custo médio por aprendiz a partir dos custos globais, não se levou em

consideração, por exemplo, a instrução dos lavradores que apenas passavam um dia nas

fazendas, conhecendo os métodos modernos de lida com a terra.

Por outro lado, entendo que as fazendas-modelo foram criadas para serem modelos

produtivos e o sucesso ou fracasso desses estabelecimentos dependia do sucesso ou do

fracasso dos métodos de cultivo empregados, vinculados à modernização da produção.

Considero que as fazendas-modelo não foram avaliadas – se bem ou mal sucedidas – a partir

do objetivo para o qual haviam sido criadas: demonstrar a maior viabilidade econômica dos

métodos modernos de agricultura em comparação com os métodos rotineiros.

Apresentar esta problemática, ou as diferentes formas de se encarar os custos de

aprendizagem, tornou-se útil para demonstrar as opções de Raul Soares ao extinguir tais

estabelecimentos. E também para compreender a história explorando-se as contradições

daqueles que detinham o poder, considerando-se outras perspectivas. Como ele foi o primeiro

autor dos relatórios da Agricultura, desde 1907, a considerar os gastos com o ensino agrícola

como “déficit”, toda esta discussão contribui no entendimento da mudança de direcionamento

que processou-se naquela secretaria, predominando novas concepções de ensino agrícola.

Raul Soares afirmou que

“é preocupação do governo encaminhar a solução do problema do ensino agrícola, tendo em vista as condições do nosso meio e o estado da nossa educação. Com uma visão prática do assunto, e com um senso preciso das realidades, está a administração a salva da sedução de fantasias administrativas mais ou menos brilhantes e experiências falazes.” 18.

Em outras palavras: as experiências anteriores foram ilusórias, enganadoras, e o senso

de realidade, a visão prática sobre o ensino agrícola, que Raul Soares se arvorava possuir, não

permitia gastos com este mesmo tipo de ensino. Mas, de fato, os antecessores de Raul Soares

haviam se enganado? Talvez sim. Em relação às trajetórias das fazendas-modelo pude

perceber que as dificuldades foram grandes: abastecimento precário de água, ausência de

aprendizes, dificuldades em se conseguir trabalhadores, ocupações de seus terrenos por

vizinhos, má administração. E desses problemas não esteve isenta a fazenda-modelo da

Gameleira, que deve ter tido suas dificuldades minimizadas pelas altas quantias investidas e

pela fiscalização mais intensa que sofreu, devido à proximidade com a Capital do Estado. Em 18 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro, Presidente do Estado de Minas, pelo Dr. Raul Soares de Moura, Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no ano de 1916 [referente ao ano de 1915]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1916, p. 10.

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suma, as fazendas-modelo apresentaram dificuldades inerentes ao seu tempo, ao contexto no

qual estavam inseridas.

Além disso, a despeito de todos os problemas enfrentados pelas fazendas-modelo, a

busca pelo equilíbrio econômico fez jogar por terra anos de investimento estadual. Mesmo

porque os arrendamentos foram um fiasco. Para realizar tais arredamentos, o governo exigiu

“além do depósito de uma caução para garantia das multas e dos moveis e de uma anuidade em dinheiro, fixadas ambas pelo proponente na concorrência, obrigações relativas à demonstração do manejo de instrumentos agrícolas, ao ensino de trabalhadores, ao emprego de processos aperfeiçoados de cultura, de modo a não perderem o caráter de fazendas-modelo.” 19.

Entendo que se queria manter a política sem o ônus financeiro que ela custava aos

cofres do Estado, pois os recursos estatais deveriam estar mais diretamente disponíveis àws

escolas particulares e ao ensino ambulante. Buscou-se, a meu ver, outras formas de incentivar

as classes produtoras a diversificarem a sua produção e a produzirem mais, melhor e mais

barato.

Até meados de 1915 havia sido arrendada apenas a fazenda-modelo Diniz, uma das

mais bem organizadas e administradas, como assinalei no segundo capítulo. Daquelas

fazendas que foram colocadas à venda ou disponibilizadas para arrendamento, esta era a mais

bem equipada, com terrenos mais férteis. Mesmo assim, o governo teve problemas. Em

março de 1915 ela foi arrendada para o sr. Lincoln Ribeiro, sendo o contrato assinado em

junho de 1915, no valor de 600$00 (seiscentos mil réis) anuais. Houve rescisão contratual

pouco mais de um ano depois do arrendamento, em novembro de 1916, por motivos que não

pude esclarecer. Com o novo arrendatário, Teodoro Fernandes Lima, foi assinado contrato em

janeiro de 1917, pelo prazo de quatro anos. Mas este não cumpriu o contrato, sendo multado

em 100$000 (cem mil réis). Em 24 de agosto de 1918, mais uma vez, foi a fazenda arrendada

a outro particular, sr. José Leonel de Morais. Neste novo contrato, a fazenda Diniz deveria

ficar “arrendada por 10 anos, ao preço de 200$000 [duzentos mil réis] anuais, cessando,

então, a despesa que ali se fazia com o seu zelador” 20. Ela permaneceu nesta condição por

algum tempo, mas este arrendamento não se efetivou pelo período contratado. O que foi

possível saber é que este estabelecimento de exploração agrícola pertenceu ainda por longos

anos ao Estado, mas assumindo outras funções.

Em 1924 a fazenda Diniz foi reorganizada, fornecendo à secretaria da Agricultura “e

aos lavradores vizinhos mudas de essências florestais, árvores frutíferas, sementes de

19 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 35. 20 DIRETORIA DE AGRICULTURA, op. cit., 1919, p. 15.

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hortaliças, além de colher regular produção de cereais”. Em 1926, havia na fazenda um

campo de experiências agrícolas, um horto florestal e seções de apicultura e sericultura.

Funcionavam também, nesse mesmo ano, “um posto de profilaxia rural, grandemente

frequentado, para combate da opilação e da malária, e uma escola rural que ministra aos seus

alunos rudimentar ensino prático de agricultura” 21. Já em 1927, o estabelecimento estava

sendo cultivado, “esforçando-se o encarregado para transformar essa fazenda em um bom

campo de úteis demonstrações práticas de cultura” 22. Em 1929, a secretaria da Agricultura

assinou um contrato com a Câmara Municipal de Itapecerica para que esta explorasse “a

plantação de amoreiras e a criação do bicho da seda, em terrenos da Fazenda Diniz, de

propriedade do Estado” 23. Contudo, por não haver a Câmara cumprido o contrato, o Estado

retomou a posse do imóvel. A partir de 1930, não encontrei os relatórios da secretaria,

cessando as notícias sobre o estabelecimento.

Quanto à fazenda-modelo da Fábrica, no Serro, não se conseguiu arrendá-la,

atribuindo-se o malogro aos péssimos terrenos. Em fins de 1915, após algumas tentativas de

arrendamento, a fazenda foi colocada a venda. Apareceram três compradores: Emilio da

Rocha Freire, dr. Antonio Tolentino e José Mortimer Dayrell. Este último eu suspeito ter

algum parentesco com Joaquim Mortimer Dayrell, o primeiro encarregado da administração

desta fazenda-modelo, como já explicitei no Capítulo 2. A venda se consolidou em novembro

do mesmo ano e

“apesar de haver sido a fazenda avaliada em 11:475$, foi determinada a venda ao sr. Emílio da Rocha Freire [por 4:000$], porque estava patente que, no caso de nova praça, não se conseguiriam maiores vantagens e ficava, assim, o Estado obrigado à continuação de dispêndios sem nenhum resultado” 24.

Dessa forma, mesmo tendo sido grande o investimento do Estado naquela fazenda – o

que pode ser mensurado tanto pelo valor avaliado de venda, quanto pela quantidade de obras e

benfeitorias realizadas durante seus quase oito anos de funcionamento –, o secretário da

Agricultura via vantagens nesse negócio, principalmente por ter sido o imóvel adquirido por

três contos de réis (3:000$000) em 1907. Afinal de contas,

21 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1926, p. 111-112. 22 DIRETORIA DE AGRICULTURA/DIRETORIA DE INDÚSTRIA E COMÉRCIO. Relatórios apresentados ao Exmo. Sr. Dr. Djalma Pinheiro Chagas, Secretário da Agricultura, sobre os trabalhos referentes ao ano de 1927. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1928, p. 71. 23 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Presidente do Estado de Minas Gerais, pelo Sr. Dr. Djalma Pinheiro Chagas, Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas, referente ao período administrativo de 1929-1930. Belo Horizonte: Secretaria da Agricultura, 1930, p. 16. 24 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 24.

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“de área muito reduzida e de terrenos que não ofereciam grandes vantagens para a cultura, só servindo mesmo para experiências de adubos, não se podia mesmo esperar que, por maior importância, se achassem compradores, mormente nesta época difícil que atravessamos” 25.

Raul Soares vendeu apressadamente a fazenda-modelo do Serro por um valor quase

três vezes menor em relação ao preço avaliado pela secretaria de Agricultura. O prejuízo foi,

então, de mais de sete contos de réis.

Em relação à fazenda-modelo Retiro do Recreio, localizada em Santa Bárbara, o

Estado se viu às voltas com uma reivindicação da Câmara Municipal daquela cidade, que

havia doado a fazenda ao Estado. A Câmara, quando da autorização legislativa sobre o

arrendamento, reclamou para si o imóvel, invocando nulidade da doação feita por ela ao

Estado, “em virtude de infração da lei n. 2 26 na votação da lei municipal que autorizou a

doação feita pela [mesma] Câmara”. A fazenda não foi, então, arrendada, “por não ser líquido

o título de propriedade do Estado, que ora invoca esta nulidade para pedir revogação da

doação” 27. O governo entrou em acordo com a Câmara Municipal de Santa Bárbara,

“mediante o qual foi ela [a fazenda Retiro do Recreio] vendida, recebendo o Estado a parte do

preço correspondente às benfeitorias” 28. O Estado recebeu metade do valor correspondente

às benfeitorias, devolvendo ao município o imóvel, como pude esclarecer no relatório do

diretor de Agricultura, anexo ao relatório da secretaria.

A fazenda-modelo do Bairro Alto foi arrendada em dezembro de 1915, sendo seu

arrendatário o sr. Lino Viana da Silva, pelo valor de 700$000 (setecentos mil réis) anuais. Em

1916, ela continuou arrendada para o mesmo senhor, ao qual foi aplicada multa de 100$000

(cem ml réis) por inobservância ao contrato. Em 1918 a fazenda foi colocada à venda em

hasta pública. Na ocasião, apareceram cinco propostas,

“sendo aceita a do sr. Albertino Maia da Silva, a mais vantajosa, e vendida por 61:200$000. Ao ser entregue esse imóvel, o seu arrematante recusou-se a esse ato, alegando a existência de intrusos no mesmo. Esta Repartição, verificando a procedência dessa reclamação, providenciou imediatamente a efeito de ser resolvida a questão da melhor forma possível.” 29.

25 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 24. 26 Lei nº 2, de 14 de setembro de 1891. Contém a organização municipal. No seu artigo 42, § 4º, determinou que “as deliberações sobre alienação e troca de bens imóveis também passarão por três discussões, mediando entre uma e outra pelo menos 24 horas, devendo essas deliberações ser tomadas em duas reuniões anuais consecutivas da Câmara”. 27 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 34. 28 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 10. 29 DIRETORIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1919, p. 15.

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A ocupação das terras da fazenda-modelo Bairro Alto por “intrusos”, dez anos após a

sua aquisição pelo Estado, indica-me a resistência dos ocupantes, num contexto de restrição

da posse da propriedade. Como a diretoria de Agricultura não mais se referiu à fazenda Bairro

Alto, nos anos seguintes, posso inferir que o novo proprietário deve ter conseguido entrar em

posse dos seus terrenos, em detrimento dos ocupantes.

Como ficou dito anteriormente, a subvenção à iniciativa privada foi consolidada e

ampliada com o decreto 3.356/1911. Raul Soares, a partir de 1914, modificou a forma de

subvenção aos estabelecimentos particulares. Ele manteve as subvenções às escolas

particulares de agricultura, além de ampliar o número de estabelecimentos subsidiados. Além

disso, a política de subvenção a fazendas particulares, instituída por João Pinheiro, também

foi também suprimida por Raul Soares, por ter “verificado a ineficiência deste processo, que

se prestava a abusos e não correspondia aos intuitos do governo” 30. Em seu lugar, investiu na

instituição de lavouras experimentais em terrenos particulares.

Em relação às fazendas particulares subvencionadas, já em 1913 afirmou o então

secretário da Agricultura, José Gonçalves de Sousa, que

“nas fazendas-modelo dá-se o mesmo ensino prático de agricultura, mas com maior amplitude e maior perfeição [em relação às fazendas subvencionadas], não só porque são mantidas e custeadas pelo Estado, como porque se acham bem montadas e suficientemente aparelhadas para esse fim” 31.

Os problemas com as fazendas-subvencionadas foram percebidos pelo secretário

anterior a Raul Soares. Este, como forma de incentivar a policultura e a adoção de métodos

modernos de agricultura, desenvolveu o ensino ambulante e instituiu vários campos de

experiências em terrenos particulares, que seriam mais tarde adotados pelo governo federal

com o nome de campos de cooperação32. Raul Soares entendia que “o meio seguro, infalível,

único de atingir o equilíbrio é o incremento da produção. É portanto na ação desta Secretaria

que está a solução do nosso problema econômico e financeiro”33.

O ensino ambulante foi considerado por Raul Soares como a forma de ensino agrícola

ideal para substituir as fazendas-modelo. Para ele,

“só este pode ser eficaz para arrancar os lavradores à rotina e introduzir os modernos processos de trabalho. Compreende-se o estabelecimento de instituições destinadas a formar gerações novas, ensinando-lhes tirar da terra o máximo de resultado com o mínimo de despesa.

30 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 35. 31 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 5. 32 De acordo com SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1926. 33 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 4.

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Mas de lavradores, modelados à feição antiga, inimigos de experiências, não se pode exigir que, por vontade própria, rompam com os hábitos tradicionais, fora dos quais não compreendem a lavoura, e vão assimilar em estabelecimentos oficiais os novos métodos de trabalho. O único processo racional em tais condições é levar o ensino a suas próprias fazendas e demonstrar-lhes os resultados praticamente. É a escola que deve procurá-los, se se quer que eles aprendam.” 34.

Assim, a justificativa para substituir fazendas-modelo pelo ensino ambulante

encontrava-se na dificuldade de mudar hábitos e costumes por meio da escola. Seria mais

fácil, então, que a escola fosse até os seus aprendizes, os fazendeiros. E isso se deu de duas

formas, sendo uma delas o próprio ensino ambulante, do qual em 1915 o Estado possuía um

“esboço rudimentar”: “são 4 mestres de cultura que ensinam nas fazendas, em várias zonas, o

manejo dos instrumentos agrários”. Era “preciso alargar este pequeno quadro, espalhando

maior número de mestres de cultura para o mesmo fim” 35. Esse era o “ensino

elementaríssimo ministrado por mestres ambulantes em relação ao manejo dos instrumentos

agrícolas, sementes, tratamento de plantas e animais” 36. Como já me referi anteriormente,

esse tipo de ensino teve um largo desenvolvimento com Raul Soares e foi extinto anos depois,

em 27 de dezembro de 1927, por uma portaria37.

Contudo, para Raul Soares o ensino ambulante não era suficiente:

“utilizar máquinas agrícolas é um grande passo, mas não é tudo. Convém instituir nas fazendas em zonas diferentes campos práticos, em que se lavre a sua própria terra, se plante a boa semente, se mostrem os processos aperfeiçoados de cultura, associando o lavrador nos resultados das colheitas. É indubitável que o lavrador entenderá e assimilará os processos que ele assim tenha visto e de cujos resultados tenha participado. E o modesto campo prático se alargará naturalmente sem mais despesa para o governo, e assim teremos tantas escolas permanentes quantas tenham sido os campos criados.” 38.

Estes campos eram a “forma de ensino destinada [...] a dar os mais brilhantes

resultados, [pois] é a que concilia as vantagens do ensino ambulante com as da fazenda-

modelo, sem os inconvenientes desta” 39. O proprietário deveria fornecer apenas “a terra e o

pessoal operário, ficando a cargo do Estado as máquinas, adubos, remédios e direção

técnica”40. Até meados de 1916, Raul Soares havia instalado dois campos práticos, preparados

34 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 39-40. 35 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 40. 36 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 11. 37 DIRETORIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1928, p. 73. 38 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1915, p. 40, grifos meus. 39 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 11-12. 40 SECRETARIA DA AGRICULTURA. Introdução ao Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro, Presidente do Estado de Minas, pelo Dr. Arthur da Costa Guimarães, Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917. Belo Horizonte: 1918, p. 17.

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por técnicos estrangeiros. Esperava-se que estes campos viessem a “constituir escolas

permanentes e inteiramente despidas de caráter oficial” 41. Em 1918, o número de campos

práticos chegou a onze. Mas em 1921, apenas um campo existia. É possível inferir que essa

ideia de escolas “despidas de caráter oficial” constituiu outra tentativa de escolarização do

trabalho agrícola encetada pelo governo de Minas.

Além dos campos práticos, Raul Soares manteve as subvenções à iniciativa privada, no

que tange ao ensino agrícola de nível médio. Estas subvenções foram ampliadas ao longo dos

anos, atingindo também o ensino superior. No terceiro capítulo, demonstrei a importância da

fazenda-modelo da Gameleira na formação de trabalhadores especializados que suprissem a

demanda por pessoal técnico na pasta da Agricultura. Quanto ao fato da iniciativa privada tê-

lo feito, dado o investimento que o Estado empreendeu, subvencionando as escolas

particulares de agricultura, pouco pude apurar. Em 1913, quando já a fazenda da Gameleira

não mais formava aprendizes com caráter secundário – a julgar pelo decreto 3.356/1911 –

José Gonçalves de Sousa afirmou ser

“certo que ainda não possuímos pessoal inteiramente habilitado para o ensino ambulante, mas com vagar poder-se-á preparar um corpo de professores de reconhecida idoneidade, maximé se os mestres de cultura forem nomeados de entre agrônomos titulados, ou então mediante concurso na Secretaria” 42.

Por vários anos esta foi uma reclamação constante. Em 1918, o secretário da

Agricultura, Arthur da Costa Guimarães43 mencionou a dificuldade de se conseguir técnicos

agrícolas para servirem de mestres de cultura ambulantes44. Em alguns poucos relatórios da

Agricultura pude ler referências à contratação de técnicos advindos das escolas particulares.

Foi o caso de um mestre de cultura formado pelas Escolas Dom Bosco, de Cachoeira do

Campo, Ouro Preto, citado no Capítulo 3, e de dois agrônomos, formados pela Escola

Agrícola de Lavras, após o reconhecimento desta pela secretaria da Agricultura. Além desses,

há uma vaga menção em relação à Escola Mineira de Agronomia e Veterinária, que funcionou

na Capital. Álvaro da Silveira, em seu relatório referente a 1920 afirmou que na instituição,

naquele ano, estavam matriculados 88 alunos, sendo 11 de agronomia. Além disso, a Escola, 41 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1916, p. 12. 42 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 6. 43 Político, engenheiro e professor, Arthur Napoleão da Costa Guimarães nasceu em Ouro Preto, MG, a 2 de maio de 1867. Foi professor substituto na EMOP (1891-1894), onde formara-se engenheiro. Republicano histórico, foi diretor da Inspetoria de Indústria da Diretoria Geral da Agricultura até 1907, quando esta foi extinta e criada a Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização. Permaneceu em cargos de direção na Secretaria das Finanças, depois na Secretaria da Agricultura, como diretor da Diretoria de Viação e Obras Públicas (1914-1917, quando assumiu o cargo de Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas (11/1917-9/1908). Foi também professor da Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte, um dos seus fundadores e diretor. Faleceu no Rio de Janeiro, DF, a 8 de março de 1946. (MONTEIRO, 1994). 44 De acordo com SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1918.

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“que já se acha fundada há seis anos, também se tem desenvolvido bastante, chegando a formar profissionais que vão sendo colocados pelo Estado, pela União e em diversas propriedades particulares, tendo sido vários deles escolhidos pelo Ministério da Agricultura para irem aperfeiçoar seus estudos no estrangeiro” 45.

Mas, o reconhecimento da Escola Agrícola de Lavras e o bom número de alunos da

Escola Mineira de Agronomia e Veterinária não fizeram cessar as queixas da pasta da

Agricultura. Em 1926, o diagnóstico foi repetido por Daniel Serapião de Carvalho, que

depositou suas esperanças de resolução do problema de pessoal especializado para a

agricultura na Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. De qualquer modo,

como os dados são insuficientes para mensurar e qualificar a forma como a iniciativa privada

conseguiu lidar com essa demanda, retomo a conclusão a que cheguei anteriormente:

juntamente com a fazenda-modelo da Gameleira, o ensino teórico-prático ministrados pelas

escolas particulares forneceu os técnicos necessários ao Estado para implantar sua política de

modernização agrícola, ao menos entre 1907 e 1931, ano a partir do qual a ESAV começou a

formar suas primeiras turmas, de acordo com Oliver (2009).

Entendo que o fim da política de fazendas-modelo fez parte do processo de

transferência de responsabilidade do Estado para a iniciativa privada, no que tange ao ensino

agrícola de forma geral. Esse processo não ficou restrito ao ensino médio e superior teórico-

prático, mas abrangeu o ensino elementar, “mais prático do que teórico”, com a subvenção a

instituições particulares, e também o ensino apenas prático, com o ensino ambulante e os

campos práticos. Tudo isso provavelmente repercutiu no processo de escolarização do

trabalho agrícola em Minas Gerais. Além disso, posso concluir que a política de Raul Soares

para o ensino agrícola e profissional, ao mesmo tempo que corroborou a política traçada em

1903, rompeu com a forma pela qual João Pinheiro implementou essa mesma política, que

envolveu a construção e institucionalização da educação profissional pelo Estado, não sem

contradições, é mister explicitar. Contudo, resta ainda compreender a questão da superação da

rotina em estreita ligação ao processo de escolarização.

45 DIRETORIA DE AGRICULTURA. Relatório referente ao ano de 1920. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1921, p. 46.

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4.2. Modernização e escolarização: o difícil e lento combate à rotina

A rotina, ou a tradição na agricultura, foi duramente combatida durante décadas,

chegando ao menos até meados do século XX. Em fins do século XIX afirmava-se que “a

cultura do solo, tal qual o nosso fazendeiro a faz é a mesma que foi descrita por Auguste Saint

Hilare quando fez a sua visita ao Brasil” 46. Até mesmo nos estabelecimentos modelares, a

rotina foi difícil de ser vencida. Dos espaços-modelo dos quais ela deveria ser banida –

fazendas-modelo, institutos primário-agrícolas, colônias de povoamento – encontrei registros,

consternados às vezes, de que ainda se fazia necessário o uso da enxada, da capina feita à

mão, ou de que não havia sido possível adotar métodos modernos, como a irrigação e o uso de

adubos químicos, por motivos diversos. Atenho-me a seguir a alguns exemplos desse tipo.

Sócrates Brasileiro, que foi diretor do Instituto Dom Bosco, em Itajubá, nos anos

iniciais de implantação desse estabelecimento, entre 1910 e 1912, referiu-se às contradições

observadas no Instituto, no qual havia, por um lado, uma abundância de água que chegava a

prejudicar as culturas, nas épocas das cheias, e por outro a escassez desse mesmo recurso, não

aproveitado nas épocas em que abundava. E se lamentava, dizendo que “a cultura de arroz

pelos processos primitivos de irrigação nada pode assegurar, aqui” 47.

Na fazenda-modelo Diniz, em Itapecerica, a falta de infra-estrutura impedia o avanço

da aplicação dos métodos modernos. Segundo seu encarregado, tornava-se “urgente a

necessidade de fazer-se uma adubação nos terrenos de cultura desta Fazenda, que são

geralmente fracos. Só tenho aplicado esterco nas culturas de batatas e cebolas, nos demais

terrenos nenhuma adubação tenho feito por falta de material” 48. Na fazenda-modelo do

Bairro Alto, no começo de 1911, se fazia serviços a enxada49, conforme o jornal Minas

Gerais, de 18 de janeiro de 1911. Em 1912, nova indicação da manutenção da rotina: “as

plantações, de milho e arroz foram feitas à máquina e bem assim o preparo do terreno; a

capina do milho e do arroz foi auxiliada com a capina a enxada e o mais a irrigação” 50.

Mesmo na Gameleira, tida como um centro do ensino aperfeiçoado, em fins de 1911

Leon Renault foi autorizado a adquirir 30 enxadas para os serviços dos alunos do IJP naquela

fazenda. De acordo com um articulista da Revista Industrial de Minas Gerais, “os poucos

46 Revista Industrial de Minas Gerais, 10 de maio de 1897, p. 313. 47 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1912, p. 390. 48 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 197. 49 Jornal Minas Gerais, 18 de janeiro de 1911. 50 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 219.

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conhecimentos necessários para a prática da agricultura extensiva se adquirem pelas lições

práticas dos pais; órfãos de lavradores, porém, carecem de instrução e de uma educação para o

trabalho, e para eles se destinam os asilos [agrícolas]” 51 Dessa forma, posso entender que os

institutos tais como o IJP, ensinariam o que os pais não o fizeram, ou seja, a rotina.

Contudo, de forma geral, as fazendas-modelo conseguiram demonstrar, pelo menos

por algum tempo, a viabilidade das técnicas modernas. Já o campo de demonstração de

Aiuruoca, talvez não o tenha conseguido. Este estabelecimento foi o exemplo mais

expressivo, dentre as fazendas-modelo, de como a rotina atuou tensionando o processo de

modernização. Criado como fazenda-modelo, foi logo transformado em um tipo de

estabelecimento que não tinha congêneres no período analisado. As experiências fracassadas

transformaram-no num modelo às avessas, uma fazenda anti-modelo, pois lá se demonstrou o

quanto a generalização dos métodos aperfeiçoados, modernos, estavam distantes da realidade

mineira, ou como a rotina estava arraigada.

Mas a rotina não foi combatida apenas nos espaços da instrução técnica, da produção.

Teve outros vínculos com o processo de escolarização que se processava de forma

generalizada na sociedade mineira do início da República. Com a instituição dos grupos

escolares por João Pinheiro, tentou-se mudar os hábitos rotineiros também no ensino

primário. A reforma de 1906 previa o ensino profissional, que anos mais tarde foi

compreendido como ensino complementar. Nos grupos escolares, segundo João Pinheiro,

deveria “o menino da roça, no tempo que aprende a ler, a escrever e a contar, aprende[r]

praticamente todas as coisas que se fazem mister para que ele seja amanhã um inteligente

operário rural [...]52.

Chegou-se mesmo a tentar o ensino agrícola nos grupos escolares. Assim foi que

“ensaios de ensino agrícola se podem encontrar no 2º Grupo da Capital, nos de Lavras,

Pitangui, S. João Evangelista, escolas do Calafate e Cardoso, etc.” 53. A partir do final do

primeiro semestre de 1909, a diretoria de Agricultura passou a receber solicitações de

máquinas e instrumentos agrícolas para grupos escolares. E esta diretoria forneceu tais

objetos, alguns especializados para crianças, adaptados ao seu tamanho e vigor físico.

Contudo, para se efetivar o ensino agrícola nos grupos escolares, era necessário o

preparo de “professores capazes de ministrarem nas escolas os primeiros rudimentos de

51 Revista Industrial de Minas Gerais, 15 de junho de 1894, p. 230. 52 João Pinheiro da Silva. Entrevista concedida ao jornal O País, e transcrita por Israel Pinheiro da Silva, no prefácio ao livro organizado por Ângela de Castro Gomes (2005), p. 19-20. 53 Jornal Minas Gerais, 14 de julho de 1909, p. 4, col. 1.

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agricultura e professores especialistas que percorram o Estado, localizando-se

provisoriamente em cada ponto, afim de ensinarem os elementos de agronomia nas escolas de

cada comunidade”54. Um estudo do currículo das escolas normais, por exemplo, certamente

revelaria o que se tentou no período, para suprir a necessidade apontada pelo jornal oficial.

Como se viu na primeira parte deste capítulo, o decreto 3.356/1911 institucionalizou o

ensino agrícola nas escolas primárias, particularmente nos grupos escolares e escolas rurais.

Um decreto anterior, nº 3.191, de 9 de junho do mesmo ano (1911), criou o curso

complementar nos grupos escolares. Nesses cursos as lições de agricultura deveriam ser de

“caráter principalmente experimental, [...], podendo, todavia, o professor aliá-las a noções

teóricas que as completem” (Dec. nº 3.356/1911, art. 4º). Ainda aqui percebe-se a marca do

tipo de ensino defendido por João Pinheiro: o ensino deveria incluir “os preços das máquinas,

beneficiamento dos produtos, matérias primas, etc., tudo, porém, de modo simples e

intuitivo” (art. 5º). Deveria também ser ministrado “o ensino relativo a todas as operações

mais importantes praticadas com as máquinas agrícolas, como aradura, destorroamento,

gradagem, semeadura, capinação, bem como mostrar praticamente como se lançam à terra os

adubos químicos e orgânicos” (art. 6º). A experiência com a cultura dos cereais também

estava presente, assim como a das forragens.

Em vários momentos, os governantes afirmaram ter Minas Gerais superado a rotina.

Em 1913, por exemplo, o secretário da Agricultura, José Gonçalves de Sousa, chegou a

asseverar que “a cultura da terra não obedece mais a princípios empíricos, mas sim a

princípios científicos e a métodos racionais, que vieram transformar os trabalhos do campo,

em proveito da exploração das indústrias rurais” 55. Seria apenas retórica? Ou estava José

Gonçalves convencido dessa assertiva? Para ele, como para outros, em diversos momentos, a

quantidade de máquinas agrícolas vendidas aos particulares, por intermédio do governo

estadual “prova que a nossa lavoura, devido ao ensino, vai substituindo a foice e a enxada

pela cultura mecânica” 56.

Com o fim das fazendas-modelo, e a sua substituição pelo ensino ambulante e campos

práticos de agricultura, o mesmo critério foi usado para se avaliar o desenvolvimento do

ensino agrícola no Estado: a venda de máquinas agrícolas. Se os discursos foram apenas

retóricos ou se expressaram as limitações nas análises, o fato é que, anos depois, a cantilena

não havia cessado. Daniel Serapião de Carvalho, em 1926, avaliava que

54 Jornal Minas Gerais, 14 de julho de 1909, p. 4, col. 1. 55 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 6. 56 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1913, p. 7.

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“a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa virá inaugurar uma nova fase do nosso desenvolvimento rural com a formação de técnicos agrícolas, de que carecemos urgentemente para a campanha decisiva de transformação dos nossos processos agrários, acentuadamente tradicionais, em instrumentos de competição econômica com países adiantados” 57.

Contudo, ainda mais uma vez, não foi a ESAV a redentora da agricultura. Como

explicitei no primeiro capítulo, percebo que a questão da superação da rotina em favor dos

métodos ditos modernos de lida com a terra estava relacionada com a negação da cultura, do

sistema de crenças das populações rurais. E alterar mentalidades não foi algo fácil. Raul

Soares, ao assumir a secretaria da Agricultura, avaliou que foi exatamente a resistência dos

lavradores e agricultores à mudança, à experimentação agrícola que logrou o sucesso das

fazendas-modelo.

Anos mais tarde, em fins da década de 1930, a Revista Ceres,um dos periódicos

publicados pela Escola de Viçosa, publicou diversos artigos nos quais ficou patente o esforço

da Escola em superar o sistema de crenças da população rural. Em alguns artigos e palestras,

publicados ou somente anunciados pela revista, há um vigoroso combate em relação aos

“curandeiros”, “charlatães”, “patifes” que atentavam “à saúde e à economia do nosso pobre

homem do campo” 58.

Os exemplos mostrados na revista centraram-se particularmente no que posso chamar,

hoje, de medicina popular, em que os “curandeiros” utilizavam-se principalmente de plantas e

preparados naturais. Mas também diziam respeito a curas de enfermidades em animais de

criação e em plantas de cultura. Os professores da ESAV, que combatiam essas práticas,

publicavam exemplos do que se chamava de “charlatanice”, colocando no mesmo bojo

curandeiros espirituais e outros que produziam remédios diversos, com produtos amplamente

conhecidos, como as ervas medicinais. Esses professores, mostrando que essas práticas não

eram respaldadas pelas comunidades científicas, desqualificavam todas elas, sem exceção.

Compreendo que essa foi uma tentativa de modificar costumes, hábitos e valores da

população rural, considerados improdutivos, equivocados e em desacordo com a

modernização do campo, ainda pretendida por esse período.

A superação da rotina, por outro lado, esteve vinculada à determinada concepção de

natureza, de ser humano e da relação entre ambos. A natureza era vista como algo a ser

dominado pelo homem. O homem, externo a ela, deveria mobilizar esforços, inteligências e

recursos para dominar a natureza. Em diversos momentos deparei-me com textos que

57 SECRETARIA DA AGRICULTURA, op. cit., 1926, p. 95. 58 Revista Ceres, janeiro-julho de 1948, p. 354. Grifos meus.

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explicitavam essa concepção da relação entre ser humano e natureza.

A partir dessa discussão, é possível compreender que a superação da rotina e, portanto,

a modernização da agricultura, esteve na base dos processos de ensino-aprendizagem dos

diferentes estabelecimentos de ensino agrícola, ao menos até o final da década de 1930,

quando a rotina era ainda um desafio a ser vencido pelo Estado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O esforço necessário nessas considerações finais consiste em sintetizar e sistematizar o

legado das fazendas-modelo para o processo de escolarização do trabalho e dos trabalhadores

agrícolas, dos conhecimentos, do tempo da agricultura, do plantar e do colher, dos espaços

onde se tentou disciplinar e sistematizar o trabalho rural. Cada uma dessas dimensões foram

apreendidas, umas de forma mais densa, pintando-lhes detalhes, outras somente recebendo

leves pinceladas, que mal tocaram no quadro que intencionei esboçar.

As fazendas-modelo, enquanto instituições de ensino agrícola profissional, voltadas

para um público adulto e trabalhador, conseguiram cumprir alguns papéis que delas esperou o

poder público, funcionando como campos de experimentação agrícola e pecuária. Em

algumas usou-se sistematicamente adubos orgânicos e inorgânicos; tentou-se, algumas vezes

com sucesso, a irrigação; experimentou-se diversas culturas, aproveitando-se as experiências

que já se sabiam terem existido durante o século XIX ou tentando introduzir cereais que não

eram da tradição plantar-se em Minas. Onde existiram também postos zootécnicos, houve um

pequeno trabalho de melhoramento dos rebanhos de particulares, por meio da inseminação

artificial de diversos animais criados pelos pecuaristas mineiros. Essas experiências revelam

que as fazendas-modelo de algum modo contribuíram com a disseminação dos tão propalados

progresso e modernização da agricultura mineira. Houve, para os contemporâneos da

burocracia da Agricultura, uma vinculação positiva entre a demonstração e ensino agrícola

que ocorreu na fazenda-modelo da Gameleira e o aumento das importações de máquinas

agrícolas pelo Estado, ao menos nos anos iniciais de seu funcionamento.

Por outro lado, as fazendas-modelo foram extintas por terem sido avaliadas pelo

governo estadual como experiências fracassadas: os lavradores não a frequentavam e nem

enviavam a elas os seus trabalhadores, para se tornarem aprendizes dos métodos

aperfeiçoados de agricultura. Com exceção da Gameleira, as fazendas-modelo tiveram vida

curta, menos de uma década de existência, e formaram entre 1907 e 1915 pouco mais de

trezentos trabalhadores agrícolas e mestres de cultura. Seu fracasso, contudo, relacionou-se ao

contexto da época: por mais que o Estado investisse nos estabelecimentos, e o fez em diversos

momentos, estava-se lidando com a formação e conformação de um mercado de trabalho

livre, experiência marcada pelo recente passado da escravidão. Os trabalhadores, de forma

geral, se recusaram a trabalhar diante das condições de trabalho existentes. A repulsa pelo

trabalho manual, mal remunerado, com longas jornadas, desgastante e aviltante revelou-se

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inclusive dentro desses estabelecimentos públicos.

Os métodos que se queria introduzir eram ainda muito pouco conhecidos pelos

mineiros, mesmo os ditos ilustrados. As experiências estavam todas por fazer, como afirmou

Henri Gorceix, no seu relatório de 1897. Como saber quais os melhores métodos, máquinas,

adubos, formas de irrigação sem experimentar, sem experenciar? E isso as fazendas-modelo

fizeram: concretizaram experiências em território mineiro na agricultura e pecuária, dentro

dos padrões dominantes das ciências agrárias no país. Tal como Gorceix pretendeu nos

campos de demonstração de fins do século XIX.

Avalio que o processo de escolarização, tal como foi captado nas fazendas-modelo da

primeira República em Minas Gerais, inseriu-se no processo mais geral de institucionalização

do ensino agrícola. As fazendas-modelo, juntamente com os institutos e aprendizados

agrícolas, campos de demonstração, institutos agronômicos e zootécnicos, esses últimos de

fins do século XIX, foram parte do processo de institucionalização das ciências agrárias em

Minas Gerais. Mas fizeram parte também desse processo os periódicos ligados à agricultura,

como a Revista Industrial de Minas Gerais (1893-1897), a Revista Agrícola de Minas Gerais

(1904-1925) e o próprio jornal Minas Gerais, amplamente usado nesta pesquisa como fonte

historiográfica. Acompanhando o desenvolvimento do ensino agrícola no Estado, durante o

período pesquisado, percebo que foi o acúmulo de experiências com o ensino primário e

médio, prático ou teórico-prático, que possibilitou o surgimento da Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa. Visto dessa forma, Graciela Oliver (2009; 2005) tem

razão quando afirma que o surgimento de escolas superiores não são o início mas sim a

consolidação de um processo de institucionalização, ao menos para o caso das ciências

agrárias no Brasil.

Do processo de institucionalização das ciências agrárias e escolarização do trabalho

agrícola, consegui perceber conflitos, vozes dissonantes, vozes orquestradas também. Percebi

olhares, uns atentos, outros deslumbrados para o que se passava no restante do mundo. Ao

trilhar pelos caminhos que as elites mineiras da primeira República construíram, entrevi

diversas formas de se escolarizar o trabalho agrícola. Formas essas nem sempre consoantes

com aquelas predominantes no pós-1930. Percebi uma preocupação explícita, durante todo o

período analisado, com uma instrução aligeirada, de apenas alguns dias ou meses, suficiente

para dotar os trabalhadores do campo de conhecimentos agrícolas indispensáveis à

modernização da agricultura, Além disso, os professores forma mestres práticos de

agricultura, que careceram de uma formação pedagógica. A instrução desses mestres também

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era rápida, não passando de um ano. Ressalto ainda o baixo ou nulo grau de especialização,

uma vez que os aprendizes de agricultura deveriam possuir noções gerais de todas as

disciplinas agrícolas e pecuárias.

Estas características do ensino prático em Minas Gerais nos primeiros anos

republicanos apontam para a produção de um tipo diferente de escolarização do trabalho

agrícola. Talvez por isso o que conhecemos hoje como ensino agrícola não revele toda a

diversidade de formas de se ensinar a lida no campo. As fazendas-modelo foram experiências

concretas de ensino profissional anterior à década de 1930, ainda pouco exploradas pela

literatura da área. E por isso não posso falar ainda em dualidade na educação profissional

agrícola em fins do século XIX e início do século XX. Mas é possível considerar a

compreensão do método intuitivo estritamente vinculado ao ensino prático e à produção

agropecuária uma singularidade do processo de escolarização da educação profissional

agrícola daqueles tempos. Além disso, a produção desta dissertação levou-me a compreender

este método como uma maneira de se apropriar das formas antigas e tradicionais de

aprendizagem por meio do trabalho agrícola, dando a elas outro lugar, o lugar da

modernidade.

Lúcio Kowarick, ao estudar a transição do trabalho escravo para o trabalho livre no

século XIX, compreende o processo de expropriação não apenas em relação à posse da

propriedade da terra, mas como destruição das formas autônomas de subsistência, incluindo aí

a negação a essa mesma propriedade. É possível, pois, afirmar que a proposição de ensino

agrícola como forma de superar os métodos rotineiros de lida com a terra vinculou-se a essa

destruição de formas autônomas de sobrevivência. Uma determinada forma de aprendizagem

não poderia mais (ou não era mais desejável) que se desse de pai pra filho, no ambiente de

trabalho, pois se queria negar, ou superar as formas de trabalho predominantes no campo. A

enxada e a foice significaram, para as elites, o atraso cultural, a possibilidade do ócio, o

trabalho incerto e a recusa do trabalhador em ingressar regularmente no mercado de trabalho.

Para o trabalhador do campo, por seu turno, esses instrumentos poderiam ter significado a

liberdade, a autonomia, a possibilidade de ter a sua propriedade, a propriedade da terra, ao

ocupar terras ainda devolutas. Não é por acaso que até hoje, pelos campos do Brasil, esses

instrumentos são símbolos da luta contra a grande propriedade, pela reforma agrária, pela

autonomia do homem do campo.

Dessa forma, a escolarização da fazenda, a empresa que precisava ser disciplinada,

reforçou a concentração fundiária e a negação da terra aos trabalhadores. Sem alterar a

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estrutura fundiária que chegou à República como herança colonial, o governo estadual, apesar

de, em alguns momentos, ter seu discurso favorável ao parcelamento das grandes

propriedades, não fez mais do que reforçar a lógica dominante. Ao escolarizar o ambiente da

fazenda, tentando torná-lo produtivo, por exemplo na fazenda-modelo do Bairro Alto, em

Campanha, o Estado mineiro contribuiu para legitimar o latifúndio improdutivo e o caráter

excludente do processo de modernização pelo qual passava a sociedade mineira do início do

século XX.

A escolarização da fazenda ligou-se intimamente à escolarização dos instrumentos

agrícolas. Houve uma necessidade das classes conservadoras mineiras em introduzir máquinas

nos trabalhos da lavoura, seja para diminuir a dependência dos grandes proprietários em

relação à mão-de-obra nacional, seja para aumentar a produtividade das lavouras. Para que a

substituição do trabalho vivo por trabalho morto pudesse ocorrer, era preciso desqualificar os

instrumentos de trabalho tradicionais, simbolizados pela enxada. Assim, entendo que a

escolarização das máquinas, que já não mais poderiam pertencer ao trabalhador, mas sim ao

fazendeiro, correspondeu à expropriação dos instrumentos tradicionais de trabalho,

contribuindo em alguma medida para a necessária destruição de formas de vida autônomas

dos trabalhadores do campo, do ponto de vista do capital que se formava.

A institucionalização de um tempo de aprendizagem contribuiu também para a

disciplinarização do trabalhador agrícola. Ao trazer para dentro da escola o trabalhador, este

não podia mais dispor livremente do seu tempo. Controlar o tempo da “vagabundagem”, na

representação das elites, ou o tempo do ócio e do lazer, assim compreendido por Lúcio

Kowarick, foi uma meta perseguida pelas elites durante todo o período abarcado por esta

dissertação. Não foi possível, contudo, qualificar a contribuição da escolarização do tempo de

aprendizagem para a transformação do tempo do ócio em tempo de produção.

A negação e desqualificação dos conhecimentos populares se deu pari passu à

escolarização de novos conhecimentos produzidos pela ciência. Métodos e técnicas

tradicionais, ou rotineiros, faziam parte do repertório de saberes populares e estavam também

relacionados às formas autônomas de sobrevivência dos trabalhadores rurais. A qualificação

de alguns trabalhadores por meio da escolarização do trabalho agrícola, da prática de um

trabalho que não lhes pertencia, que lhes foi imposto, negou-lhes tanto a sua experiência

quanto a teoria que informava as práticas novas que se queria introduzir. Essa

(des)qualificação, aliada à substituição de homens por máquinas, significou a expropriação do

trabalhador de si mesmo, de sua cultura, de suas tradições, de seu sistema de crenças e

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valores. E contraditoriamente, daquela modernidade que as elites queriam construir. . O duro

combate à rotina, em favor da ciência e do progresso material, inseriu-se, pois, nesse quadro

mais amplo de formação de um mercado de trabalho livre em Minas Gerais.

Por fim, preciso mencionar algumas perspectivas de pesquisa possíveis a partir da

elaboração desta dissertação. Como mencionei na introdução, a pesquisa teve como ponto de

partida a tentativa de construir a Fazenda-Escola de Florestal como objeto de pesquisa. Hoje,

ao estudar as fazendas-modelo, posso afirmar que esta construção é possível. O ensino

profissional em Minas Gerais, entre 1930 e 1945, períodos que se convencionou chamar

segunda República e Estado Novo, é um campo aberto para a produção de novos

conhecimentos, principalmente se tiver em vista o processo de escolarização do trabalho

agrícola em suas diversas dimensões.

A história do ensino agrícola em Minas Gerais durante o Império constitui-se outro

campo aberto para a pesquisa historiográfica. Nesse sentido, é possível estudar

particularmente o Jardim Botânico de Ouro Preto, ao qual só tive acesso por meio de fontes

marginais, se assim posso dizer. É possível investigar se foi realmente apenas a República a

assumir o discurso da modernidade em relação à agricultura, ou se o Império também o fez, e

de que forma, e com qual significado.

Merece ainda aprofundamento historiográfico a relação entre modernidade e

República a partir da escolarização do trabalho agrícola tal como foi captado nesta

dissertação. Algumas questões, apenas apontadas nestas considerações finais, carecem de

mais estudos. O significado da escolarização do trabalho agrícola, em suas diversas

dimensões, em relação à formação do mercado de trabalho livre no Brasil constitui uma

dessas questões.

Fazendo uma interseção entre o ensino agrícola e a história das ciências, é possível

estudar o primeiro a partir de alguns referenciais teóricos da segunda, assim como fez

Graciela Oliver (2009; 2005). Durante a realização da pesquisa empírica, pude “conhecer”

vários mineiros que foram referências, ou talvez até pioneiros, em estudos sobre botânica e

ecologia de ecossistemas muito particulares que dominam a paisagem de nosso Estado, como

os cerrados da Serra do Cipó. Um nome importante foi Álvaro Astolfo da Silveira, que deixou

uma significativa produção na área e que segue até hoje, ao que me parece, sem estudos

aprofundados. Considero que esta percepção só me foi possível por eu ser uma bióloga que se

arvorou o direito de ser também uma historiadora da educação.

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ANEXO A – AGRICULTURA1

O fim que o governo tem em vista com a instalação das fazendas agrícolas-modelo, é o

ensino prático de Agricultura, sistematizando e procurando o mais possível melhorar os

nossos próprios elementos e os recursos atualmente existentes.

Neste ponto de vista muito há que se fazer antes de serem tentadas culturas novas.

Com tal intuito já foram feitas três plantas de instalações agrícolas para servirem de

tipo, sendo:

1.º TIPO – instalação, empregando motor animal.

Este tipo de fazenda, o mais modesto, sem dúvida, e por isto mesmo o mais

generalizado, exige uma área de mais ou menos 15 alqueires destinada à exploração agrícola.

Deve ter debulhador de milho, moinho para fubá, pilões e tachas para o fabrico de

farinha de milho, ralos, prensas e tachas para farinha de mandioca, máquina de beneficiar

arroz, máquina de beneficiar café, moendas para cana e tacha de evaporação, descaroçador de

algodão e prensa para o fabrico de óleos.

Todas essas máquinas serão movidas por um manejo, barato e simples, em que o único

motor é o animal – muar ou vacum – que os nossos pequenos agricultores já estão habituados

a empregar em seus engenhos para a moagem de cana de açúcar.

2.º TIPO – empregando motor hidráulico.

Exige uma área cultivada de 30 a 40 alqueires empregando uma roda de madeira ou de

ferro, turbina ou roda “Pelton”, conforme as circunstâncias, devendo ter os mesmos

mecanismos do primeiro tipo com maior capacidade de produção.

Terá a mais uma serraria.

3.º TIPO – É o da grande fazenda empregando poderoso motor hidráulico, destinada

principalmente a ser uma usina central de tratamento de produtos agrícolas, que devem ser

produzidos, em grande escala, em seus arredores, podendo ser o centro para uma grande

colônia de beneficiamento dos cereais ou outros produtos agrícolas da colheita dos colonos ou

pequenos lavradores. Na hipótese de haver perto das duas últimas instalações usina elétrica

poderá ser utilizada esta força para motor.

As plantas destas três fazendas tipo, já foram mandadas litografar e serão amplamente

distribuídas.

As plantas serão acompanhadas dos orçamentos do custo da casa, que será feita sem

1 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 25 de novembro de 1906, p. 1, cols. 1 a 4. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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luxos desnecessários, com simplicidade e segurança, prestando-se ao agricultor que desejar

aproveitar-se destes estudos e ensinamentos, onde a economia, sem prejuízo da solidez da

instalação, é a preocupação dominante.

O preço das máquinas em conjunto e em separado, nos mínimos detalhes, como sejam

– preço dos eixos, das polias, dos mancais, das correias, etc, etc. – tudo isto é especificado nos

orçamentos que acompanham as plantas, de modo que os interessados possam acompanhar os

estudos feitos no intuito de dar todo o esclarecimento prático desejável.

--

O governo instituirá, na Secretaria da Agricultura, uma seção para consultas técnicas a

respeito de tudo que se refira à montagem de máquinas agrícolas e direção de semelhantes

estabelecimentos; e a ela os srs. agricultores poderão pedir esclarecimentos, dar o resultado

das próprias observações, de modo que se torne, ao mesmo tempo, um centro de convergência

dos esforços esparsos, e, também, um centro de impulsão esclarecida que auxilie aos que

trabalham na agricultura a remover as dificuldades sempre nascentes em semelhantes

serviços.

__

Na primeira fazenda-modelo, tipo n. 1, que se está instalando nas proximidades desta

Capital, começará amanhã o serviço de roçada, que vai preceder ao do desbravamento do

solo.

Contém esta pequena instalação cerca de quinze alqueires de terra – metade campo do

chamado de capim redondo (quase cerrado), e a outra metade de terras baixas, mas não

alagadiças.

Com o intuito de ser uma lição permanente, podendo ser acompanhada com interesse

por todos que estão longe e queiram aprender a grande utilidade dos orçamentos especificados

– publicaremos periodicamente a despesa feita e o serviço obtido. Nesta publicação se

especificará o custo de roçadas por unidade de serviço, o custo do trabalho da terra pelos

arados, também por unidade de serviço, a natureza dos arados empregados, número de

trabalhadores lidando com os mesmos, número de bois ou muares empregados, numa palavra,

toda a despesa feita por quinzena e todo o serviço obtido nesta mesma quinzena.

É claro que os interessados muito lucrarão acompanhando a sequência destes fatos,

que serão expostos com lealdade em publicação oficial, de modo a ficarem habilitados a

julgar se os processos que estão empregando e as despesas que estão fazendo dão-lhe um

serviço mais custoso e mais caro do que pelo processo que o governo aconselha e vai

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empregar.

Os srs. agricultores, que vierem a Belo Horizonte, poderão de ora em diante ir

examinar pessoalmente como o serviço está sendo praticado.

Chega de a ser desolador que entre nós seja ainda necessário proclamar-se a utilidade e

as vantagens do emprego das máquinas agrícolas aratórias.

Infelizmente, esta é ainda a situação.

Levando à boa parte semelhantes dúvidas, injustificáveis quanto à vantagem do

emprego de máquinas agrícolas, essas dúvidas devem ser atribuídas à ignorância do que seja

uma máquina agrícola aratória, e como com ela se pode trabalhar e como com ela se trabalha.

Não há fazendeiro ou agricultor que, tendo sofridos os prejuízos ocasionados pelo

trabalhador de enxada, incerto, desigual, muitas vezes mau, produzindo um trabalho penoso e

pequeno, não há fazendeiro, repetimos, que ao ver o moderno arado de disco com uma junta

de bois, correndo na terra sem tropeços, produzindo serviço barato e abundante, depois deste

exame, não se incline pelo seu emprego.

__

O governo pensa em oferecer aos srs. agricultores um meio barato, simples e ao

mesmo tempo eficaz de ajuizarem da utilidade dessas máquinas e, mais do que isso, de

tirarem delas imediata utilidade fazendo que trabalhadores de sua confiança se possam

exercitar no seu manejo.

Para tal efeito, isto é, para o exame das máquinas e para a correspondente

aprendizagem do trabalho com elas, o governo contratou com a Escola D. Bosco, de

Cachoeira do Campo, deste Estado, a manutenção ali de três arados reversíveis trabalhando

constantemente para serem exercitados neles os operários que o governo indicar.

A diretoria daquele estabelecimento aceitará por mês até 10 trabalhadores que os srs.

fazendeiros poderão mandar para aquele estabelecimento, em aprendizagem gratuita, uma vez

que o pedido seja feito por intermédio do Governo do Estado.

Em 30 dias um trabalhador, que o fazendeiro deverá escolher entre os mais

inteligentes, ordeiros e assíduos no serviço, poderá ir habilitar-se naquele estabelecimento

para o fim de auxiliá-lo eficazmente na própria lavoura.

Este trabalhador assistirá primeiro o funcionamento da máquina, trabalhando ele

mesmo com ela depois, de modo que ao regressar para a casa do patrão levará uma

aprendizagem útil e eficaz.

Quanto à aquisição das máquinas que deverão ser empregadas, o Governo vai adquiri-

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las em grande porção com o fim de revendê-las pelo preço do custo.

Com uma despesa mínima, com rapidez de tempo e sem hesitações por parte do patrão

e do operário se poderá iniciar em grande escala, e desde já, o emprego útil das máquinas

agrícolas.

Esta medida simples, de imediato alcance prático, reputa o Governo do Estado como

um grande passo na direção pronta dos meios práticos para a agricultura mecânica.

Apenas iniciados os serviços aratórios nas fazendas modelo será nelas adotada esta

mesma medida da aceitação, sem ônus para o fazendeiro, de trabalhadores por eles indicados

para semelhante aprendizagem.

Terminamos repetindo mais uma vez que a utilidade do emprego das máquinas

agrícolas aratórias – é uma verdade tão generalizada, tão aceita por todo o mundo, tão clara e

tão simples, que é de se admirar seja ainda necessário, entre nós, fazer dela objeto de

propaganda.

Semelhante estado de cousas, repetimos ainda, deve ser atribuído ao fato dos srs.

fazendeiros não terem visto uma destas máquinas funcionar e não terem depois pessoal

habilitado para o seu manejo.

São as dificuldades que precisam ser removidas e se estão tentando remover com os

recursos do tempo e do meio.

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ANEXO B – AGRICULTURA2

O Governo, no empenho de realizar as reformas que prometeu, não tem descansado.

Regulamentada e em adiantada execução a lei da Instrução Pública primária, cuja

seriedade na sua aplicação o Estado testemunha e cuja eficácia, para o aumento das matrículas

e para tornar o ensino uma realidade, todos presenciam, já se pode ver bem claramente a

grande diferença do que era e do que virá a ser este ramo do serviço público – o da instrução

primária, de importância excepcional.

Com prazer pode-se anunciar que o Governo está aparelhado com máquinas

necessárias, pessoal e animais de serviço, plantas e mais detalhes, para começar a execução do

ensino técnico agrícola nas 6 fazendas-modelo criadas por lei.

Também estão prontos os regulamentos, mais filhos da observação e das necessidades

do meio mineiro, do que da pura ciência livresca ou das cópias de trabalhos semelhantes

inadaptáveis às nossas circunstâncias.

Tendo instalado o governo o primeiro tipo destes institutos nas proximidades da

Capital, com pessoal subalterno inexperiente, animais de serviço não educados, terras

julgadas imprestáveis para a agricultura, apesar da magnífica feição de superfícies planas, - as

observações que já se podem fazer, raciocinando com fatos, concluindo pela inspeção material

das cousas, recebendo o conforto incomparável que se traduz depois no “posso fazer, porque

sei como se faz” e “por que vi fazer”, as observações que se podem fazer, repetimos, visitando

o Campo da Gameleira é a do extraordinário alcance deste ensino quando disseminado pelo

Estado.

Lá, o visitante, de relógio na mão, pode calcular por si a área que um arado reversível

desbrava num dia e por que preço mínimo fica este serviço magnífico; o preço do

destorroamento e da gradagem; e o preço da destocação.

Um grande cuidado tem sido mantido e selo-á até o fim, como questão que o governo

reputa essencial aos seus fins – e é o de tudo se fazer, tudo se dispor de modo que os senhores

agricultores e fazendeiros do interior possam, sem demora, sem dificuldades aplicar nos seus

estabelecimentos o que tiverem visto nos do Governo ou das municipalidades.

A questão da análise das terras já está resolvida. O Governo comissionou o engenheiro

do Estado sr. dr. Joaquim Michaeli que na Escola de Minas, por enquanto, até que se instale o

2 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 07 de fevereiro de 1907, p. 1, cols. 1 e 2. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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laboratório na Capital, já está cuidando do serviço.

O estudo da irrigação por poços artesianos, elevação d’água por bombas e moinhos,

não está tão adiantado como fora de desejar, devido às dificuldades do próprio problema que,

entretanto, continua a ser conduzido com energia no ponto de vista prático.

A irrigação por açudagem, de larga aplicação em Minas, esta, nenhuma dificuldade

oferece e satisfará em grande parte uma necessidade essencial à agricultura.

Em resumo: os senhores agricultores podem, desde já, visitando o campo agrícola da

Gameleira, a uma légua da Capital – examinar, todos os dias, como trabalham os arados

reversíveis, que serviço fazem, como se tira uma amostra de terra para ser mandada ao

químico do Governo, o que é adubo químico e como ele se coloca no solo, e, acompanhando

o desenvolvimento desses interessantes trabalhos, podem ver que eles são simples, eficazes,

muito próprios para fazerem a prosperidade particular e com ela a prosperidade pública.

O Governo já está aparelhado para agir no sentido do problema agrícola e vai fazê-lo

desde já.

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ANEXO C – AGRICULTURA II3

Não são, já foi dito, os grandes trabalhos industriais, as usinas poderosas, que formam

e representam a riqueza de um povo, mas a soma das pequenas fortunas, da energia extensa e

generalizada do trabalho parcelado, do pequeno sítio, da roça pequena, das culturas médias a

formarem, na soma resultante, e no mundo agrícola, as riquezas colossais que a exportação de

cereais dos Estados Unidos, por exemplo, atinge para agricultores, cultivando em média 50

hectares daquele solo inferior ao nosso em fertilidade.

O grande segredo deste êxito é o emprego de máquinas agrícolas na arroteação do

solo.

Com o fim de generalizar o mais possível a útil demonstração da excelência de

semelhante trabalho, o Governo resolveu estabelecer 4 tipos de instalações agrícolas-modelo,

a saber:

1º. tipo . Estabelecimento Agrícola, visando somente o ensino e prática do trabalho da

terra por máquinas agrícolas: arado, rolo, grade, plantador e capinador, e emprego de adubos

químicos;

2º. tipo. Esta instalação acrescentada de máquinas, para beneficiamento de produtos

agrícolas, movidas por animais;

3º. tipo. Maior extensão de terreno, maior possança de máquinas, empregando motor

hidráulico;

4º. Grande Usina para tratamento de cereais e outros produtos agrícolas, com força

hidráulica poderosa.

A generalidade destes tipos diminui na proporção da sua importância e complicação

crescentes, e, enquanto nem um deles pode prescindir do tipo mais usual e mais geral que é o

do simples trabalho da terra por máquinas, este, que forma o primeiro tipo, prescindindo das

máquinas dos 3 grupos ulteriores, pode ser o pão de muita família, a abastança de muitos

lares, a base da riqueza pública e o sólido fundamento para o rápido aumento da produção em

Minas.

Cumpre aspirar, como todo o Brasil, além da exportação do café que já atingiu o

máximo, no equilíbrio da produção com o consumo exterior, à exportação dos cereais,

notando-se que a produção atual nem chega para o consumo interno.

3 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 10 de fevereiro de 1907, p. 1, cols. 1 e 2. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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O regulamento para o estabelecimento destes serviços está feito com o pensamento de

que nenhum município, mesmo dos mais pobres do Estado, nem um, por pequeno que seja o

seu orçamento, fique isento de aspirar a ter uma escola do trabalho.

A lei permitiu que o Governo estabelecesse 6 fazendas-modelo por sua conta e

auxiliasse as municipalidades que o quisessem fazer de modo a tornar este ensino o mais

generalizado que fosse possível.

Para tal fim basta que uma Municipalidade compre um terreno com 10 alqueires de

terra no mínimo, cercados, dos quais 6 sejam aráveis, quer dizer, planos ou de ligeiro declive,

tendo o terreno uma casa qualquer, e vote para este serviço, e por uma só vez, 3 contos de

réis, e o governo instalará nesse município o 1º. tipo rudimentar do trabalho agrícola que,

entretanto, sendo o mais simples, o mais barato e ao alcance de todo o mundo, é por isto

mesmo o mais eficaz, o de efeito mais pronto e imediato para o levantamento das forças

produtoras do Estado.

Por este meio e com tão pequenos sacrifícios, o povo verá o que é um arado, um rolo,

uma grade e como estas máquinas trabalham e que imensas vantagens as da sua aplicação, e,

estabelecido este pequeno núcleo em cada município, não será difícil que a ação se irradie

pelos distritos.

Para estes serviços o patriótico Congresso Mineiro votou 500 contos; concorram as

municipalidades com o mínimo de terras e subvenção acima indicados e se terá generalizado

por todo o Estado o ensino e o emprego das máquinas agrícolas.

Não vale a pena o sacrifício por parte das municipalidades?

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ANEXO D – AGRICULTURA - FATOS4

Os elementos que devem constituir o ensino primário agrícola pelo emprego da

mecânica no trabalho da terra estão definitivamente organizados na fazenda da Gameleira.

Este serviço foi realizado em 4 meses.

Lá o agricultor pode ver como se destoca, como se revolve a terra com o moderno

arado “Chatanooga” de disco reversível, como se destorroa e como se grada; ver a tirada e

condução da água que domina o terreno a plantar, como se faz a irrigação por inundação e

como se faz a água atravessar em terreno frouxo as depressões da superfície.

Verá mais a plantadeira mecânica e a regularidade e beleza do serviço por ela

executado.

A lição mais proveitosa é saber por quanto tudo isto fica e verificar que fica por muito

pouco dinheiro.

A verificação para os que lá vão, para os que lá forem, não é feita mostrando-se

cálculos no papel, mas fazendo-se as máquinas trabalharem à luz do sol, sob a inspeção do

interessado; e no fim do exame basta medir a área trabalhada, reparar para o pessoal que

executou o serviço, para concluir pela economia assombrosa de semelhante serviço,

comparado com o da enxada.

Os senhores fazendeiros, e têm sido muitos os que têm visitado o ensino primário

agrícola da Gameleira, estão disto convencidos: para os que o não fizeram ainda é escrito este

artigo.

Outra circunstância importante: o pessoal operário que está fazendo trabalhar estas

máquinas é o operário comum, o enxadeiro que se encontra por toda a parte, muitos

analfabetos infelizmente, e a direção do mesmo serviço, depois do exame atento de como se

sistematiza o trabalho (e na Gameleira vê-se o trabalhador sistematizado) – está ao alcance da

maioria dos agricultores atuais.

Este primeiro instituto, que o governo acaba de organizar, é barato na instalação, fácil

na execução pelo emprego do trabalhador agrícola atual, evidente nos resultados por que o

terreno arado produz evidentemente muito mais que o trabalho à enxada, e as máquinas são

vendidas pelo governo, que as tem em stock, pelo preço do custo.

Teve-se todo o cuidado em trazer os diferentes serviços diferentemente especificados e

4 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 21 de março de 1907, p. 1, cols. 1 a 4. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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assim pode-se informar o preço por hectare de destocamento, o preço por hectare do

destorroamento e gradagem e o preço por metro das cercas de arame, que se fizeram, e do

rego para a tirada d’água. Especificar unidades de preço em serviço industrial é um progresso

positivo: permite as empreitadas, diminui a fiscalização permanente e autoriza os orçamentos

de previsão.

Tudo isto feito autoriza a afirmação do começo deste artigo: - está organizado pelo

Governo o primeiro instituto de ensino primário agrícola, e organizado com êxito.

Damos a seguir o custo total da mão de obra dos trabalhos ali executados e a extensão

total dos serviços.

Fazemos a exposição com lealdade.

A preocupação da economia foi grande, pois a primeira lição a dar-se é a da menor

despesa possível para o maior resultado desejável.

Mas é o primeiro serviço deste gênero que se instala, e todo o mundo sabe que o

primeiro esforço, em tudo, é sempre o mais difícil e o mais custoso. As outras instalações, que

o Governo vai fazer por todo o Estado, custarão um pouco menos.

Não haverá nenhuma hesitação agora na sua organização.

Com o que vamos dizer adiante, sobre qualidades de terra, análises e adubação

química, não se devem perturbar os senhores fazendeiros.

A eles cumpre somente saber tirar uma amostra de terras para ser analisada e saber

depois colocar na terra os fertilizantes químicos.

São duas cousas simplicíssimas que em meia hora, se tanto, eles aprenderão em

qualquer instituto destes.

A questão científica de analisar a terra, verificar se o adubo comercial tem as

qualidades anunciadas ou foi falsificado, determinar, à vista da análise, a qualidade e

quantidade do adubo a empregar-se, tendo em consideração a terra e a natureza da planta que

se quer cultivar – tudo isto será feito pelo químico do governo, que já está trabalhando há dois

meses e em condições de satisfazer esta delicada e essencial questão.

Será muito módica para o fazendeiro a despesa com o pagamento destes estudos: e só

pagará a análise da sua terra, talvez 20$000 por análise.

___

SERVIÇOS EXECUTADOS NA FAZENDA MODELO DA “GAMELEIRA”, A

PARTIR DE FINS DE NOVEMBRO DO ANO PASSADO, DATA DE SUA INSTALAÇÃO.

Nesse período foi lavrada a área total de 6 alqueires geométricos, incluídos os serviços

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de roçada, destocamento, remoção de tocos e lavra propriamente com máquinas agrícolas

(arado, destorroador e grade).

O arado empregado é o de disco reversível “Chatanooga” que, além do grande

rendimento de trabalho (mais do duplo do que faz o americano), tem a grande vantagem do

pequeno gasto do disco. Em um arado que trabalha há cerca de 4 meses, verificou-se na

circunferência do disco um gasto de 1cent.,5 apenas.

Para caminhos de serviço, dividindo essa área em hectares, foram abertos 5.955m de

ruas, sendo 3.735m, com 4 metros de largura e 2.220m com 2 metros.

Como experiência, foram plantados 4 hectares com batatas inglesas e feijão.

Essa área foi lavrada duas vezes com o arado, destorroada, gradada e adubada com

escoria Thomas e sulfato de potassa e cal, tendo de se empregar o salitre do Chile, se se tornar

necessário.

As terras dessa fazenda foram analisadas no laboratório da Escola de Minas de Ouro

Preto. Para esse fim, em três lugares diferentes, foram, com as precauções aconselhadas,

tiradas três amostras de terra. Essas análises deram o seguinte resultado, por quilograma de

terra:

Amostra n. 1 Amostra n. 2 Amostra n. 3 gr. gr. gr. Azoto 0,80 1,05 1,11 Ac. fosfórico 0,23 0,32 0,58 Potassa 0,10 0,43 0,24 Cal 1,0 1,10 1,78

Sendo a composição de uma terra regular a seguinte:

gr. Azoto........................................................................................................................... 1,0 Ácido fosfórico........................................................................................................... 1,0 Potassa......................................................................................................................... 1,0 Cal............................................................................................................................... 10,0

Verifica-se que as terras da fazenda são pobres em ácido fosfórico, potassa e cal,

tornando necessário ajuntar esses elementos.

Baseados nesses dados e nos elementos fertilizantes retirados em colheitas regulares

de batatas (20.000 kg) e de feijão (1.257 kg) por hectare, é que se calcularam os adubos

empregados. Assim, foram empregados por hectare os seguintes adubos:

Batatas Feijão Escoria Thomas 300 kg. 100kg. Sulfato de potassa 252 kg. 100 kg.

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A cal foi empregada em pequena quantidade, apenas cerca de 100 kg por hectare,

quando se poderia empregar até 700 kg na mesma área. A escoria faz que se diminua a

necessidade da cal.

Para separar o terreno de cultura do destinado à pastagem, foram feitos 790 metros de

cerca de arame farpado com 5 fios e esteios de 1,m60 acima do solo, diâmetro médio de

0,m20, espaçados de dois metros.

A despesa com esse serviço foi a seguinte:

Pago por 22 rolos de arame farpado............................................................................ 271$700 Idem por 20 ½ dúzias de dormentes tirados a fazenda................................................ 102$500 Feitio da cerca por empreitada, incluindo o fornecimento do restante dos moirões, a 250 réis por metro.....................................................................................................

197$500

_______ Soma................................................................................ 571$700

d'onde se vê que o metro corrente de cerca custa 723 réis.

Tirada da água. Para a irrigação das culturas foi aberto um rego de 1.500 metros com seção média de 0,m50 X 0,m60.

Esse serviço feito, parte por empreitada, a 100 e 150 réis o metro corrente, e parte a salário diário, de 2$500, custou 251$000; d’onde se verifica que o metro corrente do rego saiu por 167 réis.

A despesa total feita com o pessoal operário da fazenda, até o dia 28 de fevereiro último, monta a 3:931$610, assim descriminada por mês: Novembro............................................................................................................ 31$250 Dezembro............................................................................................................. 656$500 Janeiro.................................................................................................................. 1:613$970 Fevereiro.............................................................................................................. 1:622$900 _________ Soma...................................................................... 3:924$900

Os senhores fazendeiros são convidados a visitar a fazenda da Gameleira, para onde poderão mandar trabalhadores da sua confiança, que aprenderão em pouco tempo, uns 8 dias, a trabalhar com as máquinas. O Governo as tem em stock e pode fazer o fornecimento imediato delas.

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ANEXO E – AGRICULTURA – DESPESAS EFETUADAS5

A Fazenda da Gameleira, com o situo anexo adquirido pelo Governo, tem uma superfície de 28 alqueires de terras, de 4,h.84, medidas a trânsito de engenharia e reduzidos à planta.

Destes são irrigáveis 12 por um rego d’água com a vazão de 60 litros por segundo. Estava cercada com cerca de arame e valos. Tinha um moinho, 3 casas de vivenda e um telheiro. Está a 1.500 metros distante do último arrabalde da Capital, que é o Calafate.

O preço total do custo dos dois sítios foi de...................................................... (escrituras passadas no cartório do 2º. escrivão sr. Raimundo Nonato da Silva)

13:700$000

Cerca de arame farpado, na extensão de 790 metros, porteiras e serviço de carpintaria...............................................................................................................

1:260$900

3 arados reversíveis................................................................................................ 660$000 1 semeador............................................................................................................. 70$000 2 grades. ................................................................................................................. 370$000 1 arranca-tocos....................................................................................................... 205$100 1 quebra torrões...................................................................................................... 200$000 1 cultivador............................................................................................................. 50$000 16 bois.................................................................................................................... 1:606$400 Rego novo na extensão de 1.500 metros, feito para aumento da área irrigável,.................................................................................................................

251$000

1 moinho de vento no ponto mais alto irrigável, levantando água subterrânea..............................................................................................................

1:800$000

Ferramentas e utensílios......................................................................................... 991$480 Temos assim imóvel, semoventes, máquinas e utensílios com capacidade de trabalhar toda a área...............................................................................................

21:164$880

Capital do custeio, administração e operários até esta data................................... 6:303$670 Adubos químicos.................................................................................................... 316$500

Na verba de 6:303$670 está incluído o custo do destocamento de 8 alqueires de terra, à

razão de 400$000 por alqueire, o que dá 3:200$000, quantia esta que deve ser computada como capital de instalação por que valoriza permanentemente o imóvel.

O capital do destocamento é relativamente grande; mas é feito uma só vez para os períodos indefinidos da cultura.

O destocamento de um alqueire de terreno, que custa 400$000 uma só vez e, no primeiro ano somente, tem esta vantagem: - reduz nos anos subsequentes o trabalho total da preparação do terreno, lavra, destorroamento e gradagem para um alqueire à pequena quantia de 50$000.

Quem seria capaz de preparar por este preço e pelos métodos antigos um alqueire para o plantio de cerais?

Um exemplo esclarecerá perfeitamente o assunto. Um monjolo pode beneficiar e beneficia café. Um monjolo custa 100$000. Uma máquina Arens ou Lidgerwood pode beneficiar e também beneficia café. Uma

destas máquinas aperfeiçoadas custa 10 contos de réis; o adotar para a conclusão o critério do preço sairia triunfante o monjolo. Pois o símile é absolutamente idêntico.

Argumentar com o elevado preço do destocamento para aplicação dos modernos

5 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 12 de maio de 1907, p. 1, cols. 1 e 2. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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processos de cultura para concluir pela superioridade dos processos antigos da roçada, queimada e enxada é um argumento que tem o valor do outro, devendo-se denominar argumento-monjolo.

Os serviços feitos na Gameleira, que se devem chamar propriamente de custeio, custaram 3:103$670.

Desde o primeiro dia em que pelo Governo forma encetados estes serviços, ele desejou fez questão que todos os acompanhassem assim nos preços de conjunto como nos de detalhes. Mais de uma vez esta coluna tem publicado preços até por unidades de serviço.

O Governo comprou 68 bois ao preço total de 6:827$800, o que dá para cada unidade 100$400.

São animais escolhidos e de primeira qualidade. Fez esta compra porque a lei autorizou a criar 5 fazendas-modelo. As dificuldades na iniciação desses serviços estão na imperícia dos trabalhadores e

também na imperícia e falta de hábito dos animais em conduzirem estas máquinas. Para habituá-los a semelhante trabalho e se iniciarem estes serviços nos outros institutos de ensino agrícola, sem tropeços, foram eles adquiridos e estão sendo exercitados.

Pessoal estranho à economia da Fazenda. Há, efetivamente, lá um pessoal adido; já chegou mesmo a ter 7, de uma só vez,

trabalhadores ou feitores que não ganham cousa alguma. Querem saber que pessoal é este? É o mais vivo documento da utilidade destes institutos; é a irradiação do ensino; o produto da iniciativa particular que acorda em Minas. É o pessoal mandado pelos fazendeiros de diversos pontos de Minas, que tendo visitado a Fazenda da Gameleira, visto a extraordinária vantagem do arado reversível e das outras máquinas, mandam os homens da sua confiança para vê-los trabalhar, para trabalharem com elas representantes dos que compram depois na Secretaria da Agricultura as máquinas que vão ser aplicadas sem hesitação por operários que vão trabalhar com elas, também sem incertezas.

Os trabalhos da Fazenda da Gameleira com as máquinas modernas, com terra de ruim qualidade, com plantações já efetuadas, devem ser visitados por todos, pelos céticos principalmente. Não é uma questão de presunções; é uma questão de fatos materiais, dependentes da simples visão. Serão informados dos preços até por unidade de cada serviço e, o que é principal, para verificarem a exatidão destes preços, devem exigir, de relógio em mão, a medição em metros quadrados do trabalho que, à vista do visitante de pior vontade, será efetuado. As outras despesas, constantes de escrituração rigorosa na Secretaria da Agricultura, podem ser verificadas por quem o desejar e serão dadas certidões até de faturas de compras, se o quiserem exigir.

O preço dos estudos de irrigação por poços tubulares, custo de máquinas, custeio e resultados obtidos daremos em próximo artigo.

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ANEXO F – AGRICULTURA – Os estudos de irrigação e despesas

efetuadas6

Ao problema da Agricultura moderna, pelos processos aperfeiçoados, está intimamente ligado o da Irrigação.

Que os senhores fazendeiros respondam – quanto trabalho perdido, que de colheitas miseráveis ou falhas, quanta amargura, que as chuvas não vieram ou não vêm a tempo?

Quanta terra, que imensas pastagens abandonadas, porque são secas as primeiras e não têm bebedouros as segundas?

A estes males enormes da agricultura ou da criação a ciência moderna e o trabalho moderno dão remédios. Quais eles sejam, em que condições devam ser aplicados, qual o sistema preferido em cada caso particular, qual o custo da instalação, como funcionam as máquinas, que resultados dão – eis as questões integrais do problema da irrigação, cujo ensino prático o Governo está instituindo, para ser examinado no domínio dos fatos, para ser visto pelos srs. produtores, ao lado da cultura intensiva, que também quer que seja vista pelos srs. fazendeiros.

Não se trata de presunções, repetiremos sempre, trata-se da ação, cuida-se dos fatos. Todo o serviço industrial deve ser examinado nestes pontos de vista: Custo da instalação, Despesa de custeio, Lucros líquidos. Todo o homem de bom senso, todo o produtor prático deve pôr estas questões: Que vantagens o novo processo aconselhado trará, que lucro proporcionará ao meu

serviço? Quanto à irrigação, são as seguintes vantagens: Fica livre dos prejuízos resultantes da demora ou da falta das chuvas; Plantará em tempo certo e colherá em tempo certo; Poderá antecipar o tempo da planta e, conseguintemente, antecipar a oferta de

produtos aos mercados, conseguindo por isso mesmo, e sempre, preços mais elevados; Empregado o sistema de diques, atenuará muito o prejuízo por excesso de chuvas,

bastando tê-los abertos para o esgotamento do excesso da água, drenada pelos regos de esgotos, ao longo da cultura.

Os processos de levantamento d’água, para irrigação, são por açudagem, sistema muito conhecido, e o de mais fácil aplicação; carneiro hidráulico, empregando esta máquina que levanta a 5.ª parte da capacidade da vazão a 5 vezes a altura da queda e, proporcionalmente, à maior ou menor altura, para menor ou maior quantidade de água; bombas hidráulicas, acionadas por um motor qualquer e principalmente por motor aéreo gratuito, que é o vento.

O Governo, nas fazendas-modelo, fará, em todas, a irrigação, tendo de optar por qualquer destes processos, conforme a natureza do terreno.

O mais interessante de todos eles é o do levantamento d’água dos lençóis subterrâneos, por poços tubulares e bombas com o motor aéreo.

Todo o Far-West dos Estados Unidos nos territórios do Nevada, do Montana e do Idaho, os Pampas da República Argentina, até bem pouco tempo julgados imprestáveis para a produção agrícola e pecuária, do mesmo modo que os nossos extensos sertões e cerrados áridos, toda aquela imensa superfície, graças aos poços tubulares, é grande produtora de cerais para o largo mercado do mundo.

6 Artigo publicado pelo jornal Minas Gerais, em 19 de maio de 1907, p. 1, cols. 1 a 4; p. 2, col. 1. Autoria atribuída a João Pinheiro da Silva.

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Para estes estudos, cuja importância fora absurdo negar, o Congresso Estadual votou a verba de 50 contos.

O Governo, com o fim de fazer o ensino intuitivo, fez as encomendas do material necessário, parte comprada no Rio e a outra parte mandada vir dos Estados Unidos e da Europa.

São estas as despesas: Aparelho de sondagem n. 3, de Keystone Driller Company, com os respectivos

pertences, 8:914$000; 3 sondas absynias, 750$000 – total 9:664$000. É este exclusivamente o capital da instalação do serviço. Comprou mais diversas faturas no Rio e fez encomendas para os Estados Unidos e

Europa de canos de diversos diâmetros, bombas correspondentes, carneiros hidráulicos e motores aéreos, 27:916$350.

Estas mercadorias não são acessórios, são as próprias máquinas e pertences, que devem ser instalados, para produzirem o trabalho definitivo.

Despesas de custeio até esta data, salário do pessoal, combustível para a máquina a vapor, transportes, 8:661$910.

É a totalidade da despesa efetuada. A compra de materiais para as instalações definitivas foi relativamente grande, porque,

para o Brasil, somente, é que estas cousas poderão ainda parecer do domínio das discussões. A irrigação por açudagem, o levantamento d’água por carneiros hidráulicos, pelas

bombas nos poços tubulares, ou mesmo da correnteza dos rios, por bombas a vapor, é cousa conhecida, amplamente praticada em todos os países, que não estão como o Brasil ainda so o domínio do trabalho da cultura colonial, e as colheitas são custosamente conduzidas à mercê dos grandes sóis ou das grandes chuvas.

Uma consideração necessária: As experiências tanto da cultura aperfeiçoada, como as da irrigação com água

subterrânea, são feitas nas proximidades de Belo Horizonte, nas piores condições possíveis. A terra é muito má, as bacias e lençóis subterrâneos, por causa da conformação do terreno, muito estreitos. Por isso mesmo as experiências são as melhores possíveis, como demonstração.

É este o raciocínio: se em terras más e áridas as colheitas são tais, que seria em terras boas? (é evidente que o particular, que tenha terras boas ou possa adquiri-las, deve fazê-lo para o emprego das máquinas aperfeiçoadas).

Se em bacias estreitas se obtém dos lençóis subterrâneos tal quantidade d’água, que seria nos largos chapadões com grandes bacias?

Têm sido as seguintes as sondagens já praticadas com estes resultados. O serviço só dispõe de duas bombas de sucção – as que foram encontradas no Rio –

não tendo ainda chegado as que se encomendaram dos Estados Unidos. A quantidade da vazão aumenta sempre até que, estabelecido o dreno natural na

extremidade do tubo, fique igualmente estabelecido o regime da filtração. É assim que, das duas bombas já colocadas, a do poço no cerrado do Calafate ( 3ª

sondagem feita) tinha inicialmente a vazão de 4 metros cúbicos em 21 horas, subindo depois a 12 e dando atualmente 24 metros cúbicos d’água.

A segunda bomba (no pasto da Gameleira, é a 7ª sondagem) acusou inicialmente uma vazão de (1 ½ m3) de água; hoje dá 36 metros cúbicos. Sobre este poço está colocado um motor aéreo, levantando de 25 metros de profundidade a água límpida e puríssima, que todos devem examinar, podendo-se ver agora, completo, o instrumento que deve lutar com a aridez dos cerrados e sertões.

Está-se esperando uma sonda à mão, que, mais fácil de ser conduzida, facilitará igualmente este interessantíssimo estudo nos nossos extensos e desertos chapadões.

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Localidade

Profundidade atingida

Nível em

que

a água foi

encontrada

Nível em que se acha

Diâmetro do poço

Vazão determ

inada

por 24

horas

Observações

1º) Lote n. 6 da Colônia Carlos Prates

21,m00 (Keyst.Dr.) 9,00 4,30 15 c/s m e depois 8,c25

5.760 litros No lote n. 6 foram abertas duas cisternas, uma perto do furo da sonda, com 9,m5, e a outra com 4,00 na vargem

2º) Na estrada da Colonia C. Prates, perto da casa do sr. Torello

27,00 (Keyst.Dr.) 2,50 2,50 15 c/s m e depois 8,c25

16.000 litros

3º) No Calafate, terreno do sr. Antonio Baptista

37,00 (Keyst.Dr.) 6,50 2,20 15 c/s m 12.000 litros Deve fornecer mais água que a verificada, o poço do Calafate.

4º) Na Fazenda da Gameleira

7,00 (Abyssinia) 0,50 0,50 15 c/s m a

5º) Lote n.. da Colônia Carlos Prates

17,00 (Abyssinia) 14,00 14,00 7 c/s m B B. – não foi determinada a vazão deste poço.

6º) Lote n.. da Colônia Carlos Prates

18,80 (Abyssinia) 10,00 10,00 8 c/s m V V – Está em expurgação de areia e lama. Neste lote três poços tubados deram resultados negativos.

7º) Na Fazenda da Gameleira, no pasto

13,00 (Abyssinia) 10,00 10,00 8 c/s m 1.576 litros

8º) Na Fazenda da Gameleira

7,50 (Abyssinia) 3,20 3,20 8 c/s m 192 litros Deve atingir maior profundidade o poço n. 8.

9º) Na Fazenda da Gameleira

7,50 (Abyssinia) 3,00 3,00 8 c/s m 6.000 litros

10º) Na Fazenda do Barreiro

14,00 (Abyssinia) 10,00 10,00 8 c/s m d d. – Está em expurgação de areia e lama.

11º) Na Fazenda do Barreiro

13,00 (Abyssinia) 9,00 9,00 8 c/s m d’ d'. – Está em expurgação de areia e lama.

12º) Na Fazenda do Barreiro

8,50 (Abyssinia) 8,30 8,30 8 c/s m e e – Perdeu-se este poço.

13º) Na Fazenda do Barreiro

8,50 (Abyssinia) 5,50 5,50 8 c/s m 12.000 litros

14º) Na Fazenda do Barreiro

22,00 (Abyssinia) 10,00 10,00 8 c/s m __ Está em expurgação de areia e lama. Deve ter vazão considerável.