Moira Bianchi - PerSe...Muito mapa astral? Sim, tia. Sorri e recebi o beijo na testa ignorando a...

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Moira Bianchi Rio de Janeiro – 2017 EDIÇÃO ESPECIAL XVIII BIENAL DO RIO

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Moira Bianchi

Rio de Janeiro – 2017

EDIÇÃO ESPECIAL XVIII BIENAL DO RIO

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Copyright DAQUI PARA FRENTE é uma obra de ficção. Nomes, personagens,

lugares e incidentes são produto da imaginação da autora ou são usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, eventos ou locais reais é inteira coincidência.

A autora não tem direitos sobre as obras mencionadas, mas agradece a

inspiração, especialmente vinda dos Contos de Fadas. Graças ao Twitter, Sr. Wahlberg contribui magistralmente com a frase

da introdução. Design de capa e capítulos: Bianchi usando FreePik com olhar estético

de Ideias e Kits – www.ideiasekits.com.br Obra registrada no EDA Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura –

Brasil - 2016. www.moirabianchi.com Copyright © 2016 Moira Bianchi Todos os direitos reservados, incluindo reprodução total ou parcial em

qualquer veículo.

ISBN-13: 978-1540566102

ISBN-10: 1540566102

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.. Sempre há um pouco dos contos de fadas em cada um de

nós, basta olhar com atenção. Bem escondido, essa pitada de fantasia floresce quando nos

distraímos antecipando uma festa, sofrendo com implicâncias de um chefe exigente, em momentos de pouca precaução ou simplesmente fantasiando soluções mágicas para dilemas do coração. Ora se foca em uma característica, ora em outra; depende do momento, da aventura...

Assim como nós, essas seis amigas são um pouco disso, um pouco daquilo... Em BibliLove, Cibele tem muito de ‘A bela e a fera’; Em Noiva em 6 pérolas, Serafina poderia ser ‘Cinderela’; Em Te encontro lá, Anja Ariela lembra ‘A pequena sereia’; Em Daqui para frente, Cecília seria ‘Chapeuzinho vermelho’; Em Maçãs nevadas, Bianca é doce como ‘Branca de Neve’; Em Bem acordada, Melissa resiste à ‘Bela adormecida’. Mas Serafina também tem um pouco de ‘João e Maria’, Cecília de ‘Os três porquinhos’, Ariela de ‘Cinderela’... São princesas modernas do dia-a-dia ocupadas em equilibrar a vida e o coração.

Suas estórias são tão próximas quanto sua amizade, as seis amigas se visitam no desenrolar da descoberta do amor de cada uma, opinam, aconselham e influenciam.

Seriam seis estórias que se unem ou uma estória dividida em seis?

Era uma vez...

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Índice Princesas Possíveis.. .................................................................... 3 Passado, presente, futuro ............................................................ 5

A Festa ........................................................................................ 7 As Amigas .................................................................................. 12 A Namorada .............................................................................. 17 O Incentivo ................................................................................ 23 O Jogo ....................................................................................... 29 A Doação ................................................................................... 37 A Foto ........................................................................................ 49 A Massagem .............................................................................. 58 O Encontro ................................................................................ 67 A Loba ....................................................................................... 73 O Vício ....................................................................................... 87 A Separação ............................................................................... 96 O Passado ................................................................................ 104 O Namoro ................................................................................ 111 A Alucinação ............................................................................ 116 A Visita .................................................................................... 125 O Retorno ................................................................................ 132 O Noivado ............................................................................... 142 O Presente ............................................................................... 151 O Casamento ........................................................................... 158 O Futuro .................................................................................. 166

Sobre a Autora ........................................................................ 175 Da mesma Autora .................................................................... 176

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Passado, presente, futuro O ‘passado’ é um sujeito voluntarioso. Não o tempo verbal mais fácil de ser conjugado, ou a comida

esquecida na geladeira; o passado que todos carregamos e que por vezes cisma que pode ser ‘presente’.

O presente, sujeito de boa-fé, permite a intromissão talvez por medo de se impor. Quando se acovarda, o passado toma conta, se espalha, entranha no dia-a-dia impedindo que o presente tenha personalidade alguma.

E nesses casos, o que resta ao futuro? Quase nada. Ele, valente, tenta se manter firme mesmo sabendo que fica à deriva sem o apoio do presente.

Se dermos chance, o passado leva o presente à ruína e mancha o futuro.

Sem perceber, Cecília dava ao seu passado um poder muito maior do que ele merecia. Sofria de mal ainda mais grave: empoderava o passado com uma ilusão romântica que ele nunca teve, mas que se aproveitava para mantê-la em suspensão.

Era Chapeuzinho Vermelho na floresta, passeando distraída à sombra do lobo-mau. Até chegar seu caçador...

Para Ozzy, a função de protetor caiu como uma luva apesar de ver mais lobo do que Chapeuzinho em Cecília...

E o voluntarioso passado? Bem...

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Este livro é dedicado à força que a gente nem sabe que tem, mas nutre

contando com o apoio das amizades sinceras e seu bullying do bem.

E mais uma vez devo agradecer a paciência e o apoio

do meu marido e filho.

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A Festa Vamos lá. Pensei, respirei fundo, empurrei o portãozinho. Só

o rangido já me trouxe uma corrente de memórias de infância e um tremelique. Os primos brincando juntos na casa do avô com as outras crianças da vizinhança, pique-esconde na vila, bolinho de chuva em dia de sol. Isso nunca fez sentido para mim, não entendia por que faziam ‘bolinho de chuva’ quando não estava chovendo.

Distraída pelas memórias, mal me percebi limpando os pés no capacho da varanda, torcendo a maçaneta da porta da frente e de repente estava na cova dos leões.

‘Cecília!’ Uma tia. ‘Ceci, que bom que veio!’ Outra. ‘Parabéns, tia Vivi.’ Sorri com sinceridade. Sempre chego às

reuniões de família de coração aberto. ‘Cadê sua mãe?’ ‘Trabalhando.’ Respondi. ‘Que pena...’ Pronto, uma janelinha do meu coração se fechou. Todos

sabiam que minha mãe trabalhava aos sábados no spa, era um dia de muito movimento, sempre foi. Mesmo assim, todas as festas de família eram aos sábados, quase nunca no domingo quando ela poderia ir - se quisesse. Acho que ela acharia uma desculpa para não se expor ao massacre.

‘Muito mapa astral?’ ‘Sim, tia.’ Sorri e recebi o beijo na testa ignorando a ironia. ‘E a massagem da sua avó ainda faz sucesso?’ Abri e fechei as mãos esticando os braços na frente do corpo.

‘Muito. Tem dia que fico com as pontas dos dedos dormentes. É a mais pedida no spa.’

‘Para curar dores ou para emagrecer gordinhas?’ ‘A massagem que a vó nos ensinou serve pra tudo.’ ‘Desde quando Mariele aceita o termo spa? Uma voz

amigável. ‘Dindo!’ Sorri aliviada.

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‘Ciça, Ciçoca, Paçoca!’ Ele me abraçou. Meu padrinho é a pessoa que mais confio no mundo, sei que

ele sempre vai jogar no meu time, sempre me entende e não perde tempo com 'o que é melhor para mim'. ‘Ela diz Centro Holístico.’ Sorri recebendo o abraço de Madá, a noiva eterna.

‘O Hope é spa para quem quer aguçar todas as energias!...’ ‘Sua mãe sempre teve essas bobeiras de astrologia,

esoterismo, ocultismo.’ A tia revirou os olhos na minha frente! ‘Ocultismo não tem nada a ver astrologia.’ Respirei fundo. ‘Tem, sim!’ Lá vinha o monólogo de como tudo que meus pais faziam era

equivocado, errado, bobeira. ‘Ceci, a crise não cortou essa coisa de gastar dinheiro com previsões de futuro?’

‘Tem lista de espera para mapa astral com a minha mãe, tem gente que vem de fora da cidade até.’

‘Quanto mais crise, mais as pessoas precisam de uma fonte de esperança.’ Meu dindo explicou.

‘Mesmo que enganosa!’ Outras duas janelas fechadas. Tudo bem não acreditarem em

mapa astral e alinhamento de chacras para atrair dias melhores. Mas debochar? Na minha frente?

‘O Centro Hope de terapias holísticas é o lugar para reabastecer a esperança, tia.’ Meu dindo, Deus o abençoe.

‘Isso vem desde aquela sua temporada no sítio dos hippies, Gláucio!’ A tia fechou a cara. Lá vinha a bronca de sempre, minha vez de revirar os olhos. ‘Você se enfiou no meio do mato por meses, abandonou sua mãe, um monte de gente suja, comendo frutas e se enchendo de cachaça, uma promiscuidade!’

Meu dindo riu como sempre fazia quando as pessoas criticavam seu modo de vida. ‘Se nunca foi lá, tia, como sabe?’

‘Eu sei.’ Ela levantou o nariz e arrumou os óculos no rosto. ‘E ainda levou um monte de gente para lá. Chico logo se apaixonou pela alemãzinha e Mariele claro que ia pegar barriga!’

Chegou em mim, socorro! Vai estalar a língua já, já. ‘Ainda bem que sua mãe te trouxe menininha para cá.’

Estalou a língua. Ahá! ‘Aquelas crianças correndo nuinhas pelos jardins...’

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Meu dindo abraçou meus ombros e beijou minha testa. ‘Era como no Éden. A gente comia o que plantava, criávamos galinha para ter ovos frescos, pescávamos no rio...’

‘Todos cheirando maconha o tempo todo, safado!’ Dindo riu alto. ‘Só não me encaixo na vida de terno e gravata,

tia, nem Chico.’ ‘Está é vivendo do dinheiro de família, isso sim!’ ‘Todos herdaram igual, só a minha parte deu frutos e rendeu.

Acho que quem está errado são os primos que tem emprego careta.’ Ele riu, realmente não estava magoado com as críticas; eu sempre fico. Meu dindo é o cara mais bacana que conheço, não merece esses ataques.

‘Até quando vai aceitar essa enrolação, Madá?’ A tia fez bico. ‘Não está ficando mais nova...’

‘E falta muito para ficar velha.’ Ela sorriu, dava para ver que estava se controlando. ‘Ainda não tenho o privilégio de falar minhas verdades sem me importar como afeta outras pessoas...’ Piscou para meu Dindo. ‘Temos tempo.’

A tia levantou o nariz e fez um barulho parecido com um engasgo de gato. ‘E seu pai, Ceci? Chico teve mais alguns filhos ultimamente?’

Sacudi a cabeça. ‘Pela última contagem ainda somos três.’ ‘Cada filho de uma mãe. Coitadas, caíram nessa.’ ‘Ele é um ótimo pai, tia. Fala comigo sempre, se interessa, me

ajuda em tudo.’ ‘Fala com você de Mauá, grande coisa.’ A tia estalou a língua

de novo. ‘Ele tinha que estar aqui trabalhando.’ No fundo, bem lá no fundo, eram críticas bem-intencionadas,

mas tão ferinas que doíam. E recorrentes também, toda festa de família era a mesma coisa. Eu cutuquei meu dindo e fomos para perto da janela para arejar a cabeça.

Pelo menos os salgadinhos da quituteira da vila ainda eram ótimos, eu sempre amei o rissole e o quibe bolinha. Uma delícia.

Quando 'as primas gêmeas' chegaram, meu humor já até estava mais leve - o que não impediu que elas me contaminassem. Somos todas da mesma idade, poucos anos de

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diferença entre as quatro netas dos meus avós. Desde pequenas a gente sempre tentou se copiar e competir entre si.

Quadrigêmeas era como a família chamava o grupo, sempre juntas e falando da mesma forma, brincando da mesma coisa, torcendo nariz para as mesmas comidas. Mas eu sempre achei que devia alguma coisa, que tinha que me esforçar mais para acompanhá-las. Fazia esforço para ser aceita no grupo até a adolescência quando cresci menos e fiquei gordinha. Fora de forma, não gorda, entende? E para completar meu cabelo ficou muito encaracolado. Dieta da lua, do alfabeto, do gelo; escova de chocolate, de orquídea, progressiva. Tanto esforço desperdiçado até que me aceitei e, quando passei para faculdade pública no subúrbio, me afastei delas.

Mesmo assim, sempre que nos encontramos me sinto inferior. Risos falsos, perguntas chatas, elas contaram vantagem e eu comi. Finalmente chegaram as bolinhas de quibe, enfiei uma na boca e fiquei triste: o gosto não era o mesmo.

Levantei outra para analisar com atenção, tudo parecia igual. Mesma cor, tamanho, pedacinhos de hortelã. Será que é minha falta de paciência? Má vontade para a festa de família teria se estendido até à comida?

Desisti de comer, levantei do grupo das gêmeas e fui me esconder na varanda dos fundos para refrescar.

Pela porta da cozinha eu vi quando ele chegou. Gato, tranquilo, cabelo grande, barbudão, chinelo e bermuda. Meu coração acelerou.

Desde os dezesseis eu tenho essa paixão por Pitico, amiguinho da vila, também afilhado do meu dindo. Ele é dois anos mais velho que eu, foi meu primeiro namorico, meu primeiro amor e primeira transa. Temos uma relação simbiótica, a gente se ama à distância, às vezes fica junto, às vezes passa messes sem se ver. Mas no mínimo duas vezes por ano, no aniversário da minha tia que herdou a casa do meu avô e no do Dindo, a gente se encontra.

Não saí da varanda por vergonha de correr para Pitico, era melhor esperar que ele viesse para falar comigo. Todos sabiam do nosso caso longo, nem as gêmeas se metiam com ele.

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Nessas horas, é sempre a mesma coisa: tudo que ensaiei falar com ele desaparece da minha cabeça. Às vezes penso em me declarar de vez e dizer que quero ficar junto, que esse chiclete me deixa assim... tipo... sei lá, é ruim. Até virei de costas quando ele olhou diretamente para mim, acho que ele acenou, mas não respondi. Senti o rosto pegar fogo, coração enlouquecido.

Com os anos, desenvolvemos uma linguagem de dicas. Se ele chegava cedo à festa, passava tempo comigo ou batendo papo com a família era sinal que sairíamos juntos depois. Um chope, motelzinho baratinho do bairro, praia ou Paineiras no dia seguinte. Se ele chegasse tarde e ficasse pouco era porque estava com alguém e para mim só restaria um beijo no rosto.

E quando ele me abraçou forte e beijou minha testa antes de ir embora, percebi que meu coração já estava completamente fechado desde as gêmeas. O quibe bolinha foi como a campainha avisando da derrota e Pitico trancou à chave.

Li em algum lugar que tem gente que nasceu para se amar, mas não para ficar junto. Outros vivem bem no vai-e-vem pacífico como minha amiga Mel.... Pelo menos é assim que ela conta.

Nosso caso, Pitico e eu somos um caso especial, complicado. Nessas horas em que fico assim tão triste penso que se

pudesse escolher não queria nada disso, queria algo mais simples tipo pá-pum, preto no branco, um cara bacana que goste de mim e que valha à pena eu gostar de volta.

Mas aí seria um príncipe encantando e eu nunca achei que esses nem existissem de verdade até minhas amigas acharem alguns pelo caminho. De onde se conclui que se existem os míticos príncipes, existem os encantamentos mantendo-os escondidos. Pitico pode ser um desses. Olha o que aconteceu com Bele... E Ari. E Bia então? Nossa, Bia!

Nem todo mundo entende, mas muita gente já viveu um caso complicado, teve que dar duro. Minhas amigas mais queridas torcem o nariz quando toco no assunto e por isso fico na minha...

Ah, sabe de uma coisa? Quem disse que contos de fadas não são moleza mentiu!

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As Amigas ‘Foi assim.’ Jogadas nas almofadas da sala de kundalini ioga do ‘Centro

Hope de terapias holísticas’ as seis amigas ficaram em silêncio. Foram segundos de constrangimento até Ariela sacudir a cabeça.

‘Minha querida, que coisa... Achei que estava tristonha, mas você está deprimida.’

Cecília deu de ombros. ‘Vai ter que lutar contra isso, Ceci.’ Cibele franziu o rosto. ‘Deixa ela em paz, gente.’ Melissa reclamou. ‘Acabou de

chegar desse martírio, está nos contando em primeira mão. Ela vai dar a volta por cima.’

‘E nós perguntamos.’ Bianca balançou a cabeça. ‘Vai dar a volta por cima agora!’ Serafina colocou a câmera

no colo e bateu palmas. ‘Já, já! Ariela casa amanhã, ninguém vai ficar deprimida.’ Jogou almofadas na cara da irmã, de Bianca e duas em Cecília. ‘Não admito bico! Temos que celebrar, passa o vinho!’

Brindaram de novo. ‘Agora são três casadas e três solteiras. Empatamos.’ ‘Nada mudou, Cecizinha.’ Ari mexeu no cabelo longo e

encaracolado de Cecília deitada ao seu lado. ‘Eu já era casada, sempre fui.’

‘Era mal casada. Se livrou do encosto, agora vai casar bem.’ Cibele levantou o copo e todas se uniram no brinde silencioso.

‘Do velhinho para o novinho.’ Bianca debochou do noivo 45 dias mais jovem que a noiva. ‘Papa anjo!’ Riram alto as seis amigas.

‘Mas vai casar bem agora, não é amiga?’ Serafina perguntou abaixando sua máquina fotográfica enorme e refinadíssima.

Ariela sorriu, olhos vidrados. ‘Sim, é um lindo. ’ ‘Somos todas chocólatras...’ Suspiro coletivo. ‘E como é charmoso, benzadeus.’ Melissa se abanou. ‘Deus de ébano...’

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‘Imagino aquilo tudo em um cruzeiro!’ ‘Foi um sonho!’ Ariela ainda estava sorrindo. ‘Da primeira

vez; depois acabamos na enfermaria!’ Riu. ‘Conto de fadas!’ Bianca sorriu. ‘Só que bem real. Como ele me deu força para sair do círculo

destrutivo onde estava, como me dá umas canseiras na cama de vez em quando... Uau!’

‘Conta!’ ‘Conta!’ Pediram em meio à risadaria. ‘Tem uma coisa que ele faz, logo depois da natação, é

assim...’ Quando Ariela acabou de contar, sorridente e corada,

estavam todas se abanando. ‘Pelo amor de Deus!’ ‘Como vou olhar para ele amanhã?’ ‘Tomara que esteja muito feio.’ Ariela riu com a taça de vinho gelado na testa para se

refrescar. ‘Vai estar lindo, busquei o terno dele na loja antes de vir para cá, está no carro. Querem ver?’

‘Terno em casamento no cartório? Que bom, um corta onda.’ ‘Terno bege sem gravata, camisa azul bebê.’ Houve outro suspiro coletivo. ‘Vai lá, amiga, pega para gente ir se preparando.’ Ariela riu feliz e cutucou Cecília que apesar de participar da

conversa estava amuada no canto. ‘Dou essa chance a elas?’ Cecília sacudiu a cabeça fazendo careta. ‘Não merecem. Traz

ele para uma massagem, dou um trato naquela pele bronzeada toda como presente de casamento.’ Disse rindo. ‘Despedida de solteiro!’ Se encolheu quando levou um beliscão. ‘Ai, Ari!’

‘Vocês são piriguetes olho grande! Peçam para os seus fazerem o que o meu faz, ué!’

‘Se eu falar, o meu vai me desafiar a provar que a grama do vizinho é mais verde.’

‘O meu vai ficar puto. É capaz de fazer greve até!’ ‘O meu vai me mandar bater na sua casa.’ ‘O meu que não existe nem vai ligar.’

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Uma bate palmas, as outras acompanham. ‘Ele não existe mesmo, Ceci!’ Serafina puxou o coro. ‘Pitico

não é para você, ele é um merda! Viva!’ ‘Tive uma ideia, Ceci...’ Cibele franziu as sobrancelhas bem

desenhadas. ‘Mmmm?’ ‘Envenenar a cerveja dos barzinhos da praça onde o merda

bate ponto toda noite? ’ Bianca planejou maléfica. ‘Não, esquece ele de vez. Muda de ares.’ ‘Isso!’ Serafina sentou mais próxima do círculo. ‘Olha, Ceci,

vou ficar aqui uns dias, minha casa está sozinha em Londres... Não quer ir ser babá?’

‘Da Peppa? Sua filhinha é uma fofa.’ ‘Da casa.’ Serafina disse sorrindo, as amigas franziram as

testas. ‘Meus sogros sempre quiseram vir para o Nordeste, mas não gostam de deixar tudo fechado. Se você estiver lá, eles podem vir e ficamos mais aqui.’ O sorriso de Serafina ia crescendo conforme o plano ia tomando corpo na sua cabeça. ‘Meus pais quase não ficam com Peppa, eu posso fugir com Nico...’

‘Mas não falo inglês.’ Cecília mordeu o lábio. ‘Fluente, não. Mas fala alemão.’ ‘Ando tão dura...’ ‘A gente combina um salário.’ Serafina ofereceu. ‘Vai ficar

tomando conta das casas...’ Cecília sacudiu a cabeça. ‘Esmola grande à beça, Rafí.’ ‘Jura? Que isso... Acha que estou pensando só em você? Vai

ser bom pra todos.’ ‘É uma ótima oportunidade, Ceci.’ Ariela balançava a cabeça

devagar. ‘Quem sabe você não fica os seis meses permitidos para qualquer turista?’

‘E largo o spa?’ Bianca deu de ombros. ‘Pode continuar a fazer massagem...’ ‘Que tipo de massagem?’ Gritinhos. Risos. ‘Tem sempre trabalho para isso, imagino.’ Mais risos.

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‘Sério.’ Melissa sorriu. ‘Londres é um lugar mágico. Vai ter tempo para explorar a cidade...’

‘Sozinha.’ Cibele bufou. ‘Você é sua melhor companhia, sempre.’ Serafina apontou. ‘Concordo.’ Ariela levantou os ombros. ‘Eu também.’ ‘Gente, que aventura! Adoro!’ Cibele piscou animada. ‘Fizemos juntas, lembra? No casamento de Rafí?’ ‘E ela vive mandando vídeos... Você já conhece a cidade,

querida. Está com pena de quebrar o seu círculo destrutivo.’ Ariela fez cafuné na amiga.

Cecília olhou para cima focando na amiga. ‘Jonas te ajudou.’ ‘Precisei de alguém de fora para fazer. Você é mais forte.’ Cecília mordeu o lábio inferior indecisa. Era mesmo? ‘Se quiser, encontra minhas amigas lá.’ Serafina estava

pronta para oferecer qualquer ajuda à amiga querida. ‘Elas vão te adorar.’

‘Nos substituiu?’ A indignação coletiva foi instantânea. ‘Que cachorra!’

Desviou da primeira almofada, mas a segunda lhe pegou no meio da testa. ‘Não...’ Serafina tentou se explicar, e foi preciso muito esforço. Ao final do ataque de almofadas voadoras, voltou à Cecília. ‘Pensa bem, depois a gente conversa. Vou falar com Nico.’

‘Está tão quieta, Mel.’ ‘Pensando. Ontem li nossos livrinhos de criança para Peppa e

estou pensando que Ceci entrou na floresta sozinha para visitar a tiazinha e virou porquinha. É tipo Chapeuzinho vermelho e Três porquinhos juntos.’

‘Cala a boca!’ A almofada que Cecília lançou à distância passou de raspão na sua cabeça. ‘Até andei emagrecendo!’

A risadaria recomeçou. ‘Não foi isso que eu disse!’ Melissa ainda ria arrumando o

cabelo despenteado pela almofada. ‘Está em forma, miga, mas ainda é seu próprio lobo mau, Ceci.’

Ariela balançou a cabeça. ‘Fiz análise tanto tempo, dá para identificar sua casinha de palha frágil demais, feita às pressas...’