Moises Levy Pinto Cristo -...

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós - Graduação em Educação Moises Levy Pinto Cristo Labirintos da m emória: e xperiências e ducativas de e x - i nternos da Colônia de M arituba / PA (1940 - 1970) Belém - PA 2019

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  • Universidade do Estado do Pará

    Centro de Ciências Sociais e Educação

    Programa de Pós - Graduação em Educação

    Moises Levy Pinto Cristo

    Labirintos da m emória: e xperiências e ducativas de

    e x - i nternos da Colônia de M arituba / PA (1940 - 1970) Belém - PA

    2019

  • Moises Levy Pinto Cristo

    Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970)

    Texto de defesa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, da Universidade do Estado do Pará.

    Orientadora Prof.ª Dr. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França.

    BELÉM-PA 2019

  • Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

    Cristo, Moises Levy Pinto Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de

    Marituba/PA (1940-1970) / Moises Levy Pinto; orientador ; 2019

    Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.

    1. Educação-Marituba (PA). 2. Hanseníase-Marituba (PA) 3. Hospital Colônia

    de Marituba (PA). I. França, Maria do Perpétuo S. G. S. A. de (orient.). II.Título. CDD. 23º ed. 371.9

    Moises Levy Pinto Cristo

  • Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970)

    Texto de defesa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre

    em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia

    Data da aprovação: 21/05/2019

    Banca examinadora

    ____________________________________ – Orientadora Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França Doutora em Educação Universidade do Estado do Pará

    __________________________________________ – Examinador Interno Josebel Akel Fares Doutora em Comunicação e Semiótica: Intersemiose na Literatura e nas Artes Universidade do Estado do Pará

    __________________________________________ – Examinador Externo Laura Maria Silva Araújo Alves Doutora em Psicologia da Educação Universidade Federal do Pará

    __________________________________________ – Examinador Externo Tatiana do Socorro Corrêa Pacheco Doutora em Educação Universidade Federal Rural da Amazônia

    À minha eterna mestra, minha mãe, que viu em mim a possibilidade de contar histórias de luta e superação.

    AGRADECIMENTOS

    Diante deste longo tapete púrpura que me pus a caminhar, caminhos

    sinuosos e cheio de desafios contribuíram para a produção desta dissertação.

    Horas de estudo, isolamento, angústias, interpelações e o fazer e refazer,

  • provocavam em mim um sentimento de solidão. Contudo, nunca estive só no

    trilhar parte deste caminho, que a cada passo, revelava-se múltiplo.

    Sou grato a Deus, que permitiu a estada nesse ciclo acadêmico e que

    iluminou a minha chegada até aqui. Que esta vivência impulsione minha vida para

    novos desafios. Haverá pausa somente para tomar fôlego e definir novas metas.

    À minha eterna mestra, Lucidea Cristo, que nunca pôs em dúvida os meus

    sonhos e sempre se dispõe a apoiar qualquer caminho escolhido por mim. Que

    desde a infância veio alimentando-me com histórias que me inspiraram e me

    instigaram a descobrir o lugar de memórias em que cresci.

    Destaco neste percurso minha esposa, Thalyta, e meus filhos, Davi e

    Esther Cristo, que me iluminaram, acreditaram e apoiaram a produção deste

    trabalho. Que aceitaram meu afastamento familiar para a construção deste, e

    dividiram comigo minhas angústias, minha rotina acadêmica, meus “estresses” e

    minhas lamentações. Que sempre me incentivam a caminhar nesta carreira de

    estudos. Obrigado pelo apoio incondicional. Amo vocês.

    À Ruth Almeida, que após suas orientações valiosas em torno do um

    projeto em que me arrastava por três anos, se propôs a contribuir na fase inicial

    da construção do objeto de estudo. Esse apoio, sem dúvida, contribuiu para que

    eu esteja escrevendo este agradecimento.

    Às escolas parceiras: Cooperativa Educacional Invicto, onde todos os

    professores cooperados contribuíram neste percurso; e à Escola M. E. F. Júlio

    Cézar, onde a coordenadora Josilene Rodrigues e professores/funcionários

    amigos, que mesmo sem minha liberação para os estudos, articularam

    meticulosamente minhas saídas para eu cumprir as disciplinas e ser orientado,

    dispensas para reuniões e viagens para apresentações de comunicações orais.

    Sintam todos meu abraço de gratidão pelo apoio dado nesse caminhar.

    Aos meus familiares, que de perto ou mesmo de longe, me acompanham em

    todos meus passos.

    Aos meus amigos que me apoiaram, dividiram dúvidas, frustações e que,

    às vezes, diziam “verdades acadêmicas” duras, mas que me impulsionaram a

    buscar a concretização deste trabalho. Em especial, as amigas – irmãs

  • acadêmicas – que o mestrado me trouxe, Gercina, Jane e Thaís, com quem

    muitas vezes dividi afazeres e projetos da pós-graduação.

    À minha orientadora, Socorro França, que acreditou no embrião do objeto

    de pesquisa, e a meu lado se pôs a me guiar pelo chão púrpura de forma

    magistral. Que me instigou a descobrir os caminhos da pesquisa, que me deu

    liberdade para o amadurecimento intelectual, me orientando de forma segura e

    competente, não se deixando abater pelas adversidades que a vida lhe trouxe.

    Minha eterna gratidão.

    Às professoras avaliadoras, Josebel Fares, Tatiana Pacheco e Laura

    Alves, que avaliaram o trabalho em sua fase inicial e que com seus apontamentos

    me fazeram atentar à outras possibilidades em que o objeto estava envolto. Grato

    pela atenção e contribuição nesta caminhada.

    Não poderia deixar de agradecer aos intérpretes da pesquisa: Conceição

    Silva, Reulina Tavares, Lucidea Cristo, Zé Maria e Geraldo Cascaes, sem os

    quais não seria possível o remontar do Hospital Colônia de Marituba-PA.

    Guardiões de um passado rico e silenciado. Que confiaram em meu trabalho, se

    dispuseram a dividir suas memórias e a me ensinar uma pequena parte de suas

    experiências grandiosas de um período de internação. Dispuseram-se a abrir o

    coração, o baú de recortes e fotos preciosas – que não estão à disposição de

    todos – em que estão registrados momentos singulares de um passado histórico.

    São vencedores.

    Espero que nestas breves linhas eu não tenha sido injusto com ninguém.

    Meu objetivo com estas palavras era expressar como todos contribuíram para

    minha chegada até aqui... mas tenho consciência de que não é suficiente. Eterna

    gratidão a todos.

    Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.

    Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la,

    isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto

    é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela [...]. Por isso se escreve, por isso se

    diz, por isso se publica [...].

  • (Antônio Cícero, Guardar) RESUMO

    CRISTO, Moises Levy Pinto. Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.

    Este estudo trata sobre as experiências educativas de ex-internos da Instituição Colônia de Marituba/PA, criada no ano de 1942, com o objetivo de isolar as pessoas acometidas pela lepra. Ela funcionou em moldes de internação compulsória de pessoas contaminadas pela doença adotando um regime de microcidade, na qual havia pavilhões, casas, hospital, escola, teatro, campo de futebol, cemitério, entre outros. O estudo tem como objetivo geral: analisar como se configuraram as experiências educativas de ex-internos no Hospital Colônia de Marituba/PA, nos anos de 1940-1970. São seus objetivos específicos: apresentar as relações sócio-afetivas que permearam a vida dos internos; reconstruir os múltiplos espaços educativos da instituição; identificar os saberes transmitidos nesses espaços educativos; caracterizar as cerimônias institucionais presentes na instituição. O estudo tem como metodologia a história oral e como técnica a história oral temática híbrida. Os intérpretes da investigação são 05 (cinco) ex-internos, três mulheres e dois homens, que viveram na Colônia de Marituba/PA. Foi realizada com eles uma entrevista semiestruturada com a finalidade de compreender o que vivenciaram, aprenderam e ensinaram naquela instituição total. Juntamente com as fontes orais, foram utilizados os documentos: “A história da Lepra no Brasil” (1950), “O manual de Leprologia” (1960), “História da Lepra no Brasil do período Republicano: Álbum de Organizações antilepróticas” (1948), “Campanha da Solidariedade em prol da construção do Preventório para filhos dos Lázaros, no Pará” (1939), “I Conferência Nacional de Assistência Social aos Leprosos” (1939), “A Prophylaxia da Lepra e Doenças Venéreas do Estado do Pará” (1922), “Lazarópolis do Prata: A primeira Colônia Agrícola de Leprosos Fundada no Brasil” (1924) e jornais locais como “Folha do Norte”, “Folha Vespertina” e “O Estado do Pará” (1942), registros fotográficos, fichas leprológicas, revistas e livros que contemplaram temas como a hanseníase e o lugar a ser pesquisado. O referencial teórico tem por base as obras de Goffman (1974), Halbwachs (2003), Bosi (1994), Burke(2017), Foucault (2014), Castro (2017), Frago (2001), Freitas (2006), Meihy e Holanda (2017), Sanfelice (2007), Stepan (2004),Thompson (1992), Portelli (1996), entre outros. Os intérpretes dessa investigação foram retirados do seio familiar e segregados em um espaço hospitalar politicamente idealizado para o tratamento da lepra. Um hospital que promoveu em seus espaços múltiplas experiências sócio-educativas, como organização de horários das atividades, cursos e oficinas, formação técnica para o interno trabalhar na instituição, cerimônias religiosas e festejos diversos como o carnaval, festa junina, 7 de Setembro e Natal. Os intérpretes permaneceram sob o controle institucional, em que o corpo, a mente e a alma puderam ser educados. Diante do controle e da vigilância, criaram estratégias de sobrevivência que tornaram o hospital-colônia lugar de experiências educativas e de resistência.

    Palavras-chave: Experiências educativas. Hospital Colônia de Marituba. Lepra.

    ABSTRACT

  • CRISTO, Moises Levy Pinto. Labyrinths of Memory: Educational experiences of former inmates of the Marituba / PA colony (1940-1970). 2019. 205f. Dissertation (Master in Education) - University of the State of Pará, Belém. 2019.

    This study deals with the educational experiences of former inmates of the Colônia Institution of Marituba / PA, created in 1942, in order to isolate the people affected by leprosy. The same worked in a regime of compulsory hospitalization of people contaminated by the disease in a micro-city, where there were pavilions, houses, hospital, school, theater, soccer field, cemetery, among others. The objective of this study is to analyze how the educational experiences of exinmates were configured in the Marituba / Pa Hospital-Colony, in the years 19401970. Its specific objectives are: to present the socio-affective relations that permeated the life of the inmates; to rebuild the Institution's multiple educational spaces; identify the knowledge transmitted in these educational spaces, characterize the institutional ceremonies present in the institution. The study has as methodology the history as the hybrid oral history. The interpreters are 05 former inmates, three women and two men, who lived in the Marituba / PA Colony. A semi-structured interview was carried out with them in order to understand what they experienced, learned and taught in that total institution. Together with the oral sources I use the documents: The History of Leprosy in Brazil (1950), The Manual of Leprology (1960) History of Leprosy in Brazil from the Republican Period: Album of Antileprotic Organizations (1948), Solidarity Campaign for the Construction of the Preventory for Children of Lazarus, in Pará (1939), 1st National Conference on Social Assistance to Lepers (1939), A Leprosy Prophylaxia and Venereal Diseases of the State of Pará (1922),

    Lazaropolis do Parta: The first Leprosy Agricultural Colony Founded in Brazil (1924) and local newspapers such as Folha do Norte, Folha Vespertina and O Estado do Pará (1942), records photographs, magazines, magazines and books

    that dealt with topics such as leprosy and the place to be researched. The theoretical reference is based on the works of Goffman (1974), Halbwachs (2003),

    Bosi (1994), Burke (2017), Foucault (2014), Castro (2017), Frago (2001), Freitas and Holland (2017), Sanfelice (2007), Stephan (2004), Thompson (1992), Portelli (1996), among others. The interpreters of this investigation were removed from

    the family and segregated in a hospital space politically idealized for the treatment of leprosy. A hospital that promoted in its various spaces socioeducational activities, such as organization of schedules of activities, courses and workshops,

    technical training for the inmate to work in the institution, religious ceremonies and various festivities such as the carnival, Christmas. The interpreters remained

    under institutional control, in which body, mind and soul could be educated. Before the control and the vigilance they created strategies of survival that made the Hospital Colony place of educational experiences and of resistance. Palavras-

    chave: Educational experiences. Hospital Colônia de Marituba. Leprosy. LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1 – Conceição Silva 40

    Imagem 2 – Reulina Tavares 41

    Imagem 3 – Lucidea Cristo 43

    Imagem 4 – Zé Maria 44

    Imagem 5 – Geraldo Cascaes 46

  • Imagem 6 – Moradias de leprosos antes da construção dos modernos

    asilos

    63

    Imagem 7 – Vista geral do Asylo do Tucunduba, inaugurado em 1816 67

    Imagem 8 – Entrada da Colônia do Prata, em 1970 73

    Imagem 9 – Vista aérea do Leprosário de Marituba 75

    Imagem 10 – Mapa da localização do município de Marituba e antigo

    hospital-colônia

    80

    Imagem 11 – Leprosário de Marituba e suas construções em 1938 81

    Imagem 12 – Limpeza do espaço onde foi construído o Hospital Colônia de

    Marituba

    83

    Imagem 13 – Moeda que circulou na Colônia de Marituba 85

    Imagem 14– Passeio de carro pelas ruas do Leprosário de Marituba/PA 92

    Imagem 15 – Vista panorâmica da Colônia de Marituba, pavilhão e casas

    geminadas

    93

    Imagem 16– Grupo de crianças leprosas e pavilhões coletivos 94

    Imagem 17 – Ficha de identificação e recebimento do interno no leprosário

    de Marituba

    105

    Imagem 18 – Ficha leprológica de 1954 106

    Imagem 19 – Ficha de tratamento de 1954 107

    Imagem 20 – I Conferência Nacional de Assistência Social aos Leprosos 115

    Imagem 21 – Cartaz de 1929, utilizado para educação sanitária da

    população

    123

    Imagem 22 – Curso de Formação em técnico em Enfermagem – Colônia de

    Marituba

    131

    Imagem 23 – Formação técnica em Enfermagem 131

    Imagem 24 – Igreja e escola primária do leprosário de Marituba 136

    Imagem 25 – Certificado do Projeto Minerva de 1972 138

    Imagem 26 – Curso de bordado à máquina, década de 70 142

    Imagem 27 – Curso de corte e costura, década de 60 142

    Imagem 28 – Mostra de trabalhos bordados na Colônia de Marituba 144

    Imagem 29 – Pavilhão da administração 150

    Imagem 30 – Casas para enfermeiros 150

    Imagem 31 – Divulgação do trabalho governamental contra a lepra 151

    Imagem 32 – Cassino da Colônia de Marituba, final da década de 70 169

    Imagem 33 – Pavilhão de diversão da Colônia Santa Tereza-SC 170

    Imagem 34 – Time Perseverança 171

    Imagem 35 – Time Nacional 171

    Imagem 36 – Amistoso entre Progresso e 9 de Setembro, em 1951 174

    Imagem 37 – Sambista do carnaval na Colônia de Marituba 179

    Imagem 38 – Apresentação da quadrilha junina, 1970 182

    Imagem 39 – Procissão do Círio de Marituba 183

    Imagem 40 – Cristandade em Marituba, 1970 187

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 – Memórias de hospitais-colônias 24

    Quadro 2 – Saberes e experiências educativas em hospitais-colônias 26

    Quadro 3 – Categoria de análise 52

    Quadro 4 – Quadro de substituição dos nomes lepra/hanseníase 59

  • Quadro 5 – Asilos/hospitais que se destacaram 64

    Quadro 6 – Autorização para sair do hospital-colônia 86

    Quadro 7 – A cadeia 87

    Quadro 8 – Medo, sofrimento e dor no isolamento compulsório 101

    Quadro 9 – O uso da palavra “novato(a)” para novos internos 103

    Quadro 10 – Medicações utilizadas no tratamento da lepra 109

    Quadro 11 – Relação de leprosários regulamentados sob normas profilática

    e regime único, em 1937

    116

    Quadro 12 – As diferentes idades de internação 119

    Quadro 13 – Aceitação da condição de infectado/internado 120

    Quadro 14 – Locais de internação do intérprete 124

    Quadro 15 – Práticas e regras educativas escola/lar e escola/quartel 127

    Quadro 16 – Formação técnica e o trabalho 129

    Quadro 17 – A Escola Renausto Amanajás 134

    Quadro 18 – Os professores que lecionaram no Grupo Escolar Renausto

    Amanajás

    139

    Quadro 19 – Cursos e oficinas 140

    Quadro 20 – Espaços de práticas educativas 143

    Quadro 21 – Prática 143

    Quadro 22 – Professores de arte terapia 145

    Quadro 23 – Moradia dos funcionários sadios do hospital-colônia 148

    Quadro 24 – O autofalante 152

    Quadro 25 – O namoro 155

    Quadro 26 – Prefeitura do hospital-colônia 157

    Quadro 27 – Regras e horários institucionais 159

    Quadro 28 – Alimentação no leprosário 162

    Quadro 29 – Comemorações natalinas 165

    Quadro 30 – Espaço de diversão: cassino 167

    Quadro 31 – Jogos comemorativos 172

    Quadro 32 – Dias de visita 175

    Quadro 33 – Carnaval 178

    Quadro 34 – Festa junina 180

    Quadro 35 – 7 de Setembro 182

    Quadro 36 – Círio 184

    Quadro 37 – Eventos religiosos 185

    SUMÁRIO

    I – INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13

    1.1 CHÃO DE PÚRPURA ............................................................................. 13

    II – PERCURSO METODOLÓGICO..................................................................31

    III – DO VISÍVEL AO INVISÍVEL: PRÁTICA SEGREGATÓRIAS DA HANSENÍASE NO BRASIL E NO PARÁ DO SÉCULO XIX ............................ 55

  • 3.1 MEMÓRIAS DA LEPRA: INVISIBILIDADE AOS DOENTES ................... 56

    3.2 A LEPRA NO BRASIL: LABIRINTOS EM BUSCA DE UMA SOCIEDADE

    IDEAL ........................................................................................................... 60

    3.3 LEPROSÁRIO MODELO: BUSCA POR UM IDEÁRIO DE PÁTRIA

    DESENVOLVIDA.......................................................................................... 69

    3.4 MARITUBA: LUGAR DE HISTÓRIAS PRESENTES............................... 78

    IV – ARTES NO FAZER: AS EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO LEPROSÁRIO DE MARITUBA ................................................................................................ 96

    4.1 MEMÓRIAS DO CORAÇÃO: UM LUGAR DE EXPERIÊNCIAS

    EDUCATIVAS ............................................................................................... 98

    4.2 ESPAÇOS QUE EDUCAM: APROXIMAÇÕES EDUCATIVAS NO

    LEPROSÁRIO DE MARITUBA ................................................................... 113

    4.3 APRENDER A FAZER OU OCUPAR O TEMPO? – PRÁTICAS

    EDUCATIVAS NA COLÔNIA DE MARITUBA ............................................. 133

    V – CERIMÔNIAS INSTITUCIONAIS: ARES DE UMA SOCIEDADE NORMAL ....................................................................................................................... 146

    5.1 CÁRCERE OU SOCIEDADE FICCIONAL? – O HOSPITAL COLÔNIA EM

    MEIO A CERIMÔNIAS INSTITUCIONAIS .................................................. 146

    5.2 FESTEJOS INSTITUCIONAIS: A ARTE DE AMENIZAR AS DORES DA

    EXCLUSÃO ................................................................................................ 164

    VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 188

    FONTES E REFERÊNCIAS ........................................................................... 192

    APÊNDICE .................................................................................................... 199

    APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA TEMÁTICA ............................. 200

    ANEXO .......................................................................................................... 202 ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...... 203 ANEXO II – TERMO DE AUTORIZAÇÃO E USO DE IMAGENS E

    DEPOIMENTOS ........................................................................................ 205

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    I – INTRODUÇÃO

    1.1. CHÃO DE PÚRPURA

    Passei minha infância, nos anos de 1983 a 1990, nos limites espaciais em

    que funcionou o Hospital Colônia de Marituba, localizado a 16,8 quilômetros de

    distância dos limites da cidade de Belém do Pará. Espaços como este, segundo

    Silva (2009), foram criados para a internação compulsória de pessoas acometidas

    com a “lepra”, doença que deixava deformidades físicas no infectado, gerando

    medo e discriminação, ao ponto de muitas delas serem totalmente excluídas,

    perseguidas e segregadas em hospitais-colônias, construídos em lugares de

    difícil acesso.

    Esses locais foram uma das estratégias criadas pelos governantes:

    instituições de isolamento com o objetivo de conter o avanço da endemia. Tais

    instituições foram denominadas de leprosários, hospital de lázaros, lazarópolis,

    sanatórios, hospício de lázaros ou colônias de hansenianos (BRASIL, 1960).

    Muitas foram as brincadeiras que tive oportunidade de compartilhar com

    meus amigos de infância naqueles anos em que vivi no antigo espaço da Colônia

    de Marituba. As brincadeiras aconteciam por entre os corredores imponentes de

    árvores fortes e viçosas, cujas floradas de flores de jambo criavam um longo

    tapete púrpura, flores que talvez estivessem ali com a única função de embelezar

    um lugar repleto de vozes, que ecoam ao longo do tempo. Tapete voador que

    nascia de suas flores abertas em pompons e que bastava uma brisa para

    espalhar os estames cor-de-maravilha para embelezar as ruas com longas

    alcatifas.

    Chão de púrpura, cor que remete a um espaço mítico, significando

    espiritualidade, magia e mistério. Traz em seu bojo um contato espiritual

    individual, proporcionando a purificação do corpo e da mente, e a libertação de

    medos e inquietações outrora vividos, sentido e compartilhado em grupo.

    Referese à transformação individual alcançada para o novo viver.

    O mesmo vento, que salpicava a púrpura por entre os diversos caminhos

    – ora paralelos, ora interligados – insiste em entrecruzar vozes que estão

  • 14

    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    impregnadas em minhas memórias. Foi nesse ambiente cor de púrpura, que

    representa a alquimia, os mistérios, a transformação e introspecção individual

    para a libertação, que cresci. Com os pés nesse chão, palco de tantas vivências,

    e de ouvidos bem atentos – embora nem percebesse o significado real –,

    escutava minha mãe narrar em corriqueiras ou longas conversas, entre familiares

    e amigos, alguns fatos experienciados no Hospital Colônia de Marituba, no que

    se referia à internação, às visitas, oficinas de artes, escolas, festas de casamento

    e cerimônias.

    Então me encontrava a imaginar, tentando criar quadros que pudessem

    contemplar tais histórias de vida e superação. Mesmo ainda pequeno, percebi

    que não era uma história única, apesar de ser individual, mas que estava ligada

    a um grupo ao qual minha mãe também fez parte – e que ainda faz.

    Em si, contempla memórias e recordações, em que a memória transporta o

    narrador aos acontecimentos antigos, fazendo ruir as barreiras que separam o

    presente do passado (VERNANT, 1973). Aprendizados que seus próprios olhos

    viram, e que podem ajudar a recontar um passado singular, transformando a

    memória em história viva, em tons salpicados de púrpura, concedendo a esse

    período vivido a real nobreza e o devido respeito a um passado pouco explorado.

    Com perseverança e superação de vida em um dado período histórico,

    mostrando que, apesar dos obstáculos encontrados em meio ao período de

    tratamento da doença, há possibilidade de se construir histórias ainda melhores

    do que aquelas vividas no passado. História melhores? De certo não sei, pois

    momentos únicos e transformadores foram vividos e experienciados no

    hospitalcolônia ao qual minha mãe pertenceu.

    Fui então crescendo, filho de ex-interna, escutando diversas histórias de

    vida, tentando formular quadros na memória – expressão utilizada por Halbwacs

    (2003) – que talvez pudessem explicar as inúmeras narrações escutada e

    internalizada. Em conversas com minha mãe, sempre fui orientado a tratar bem

    as pessoas com quem convivíamos, porque, apesar de “diferentes” – no sentido

    físico –, todas mereciam respeito. Ela me dizia que eu não precisava ficar olhando

    fixamente para elas, devendo cumprimentá-las, pegar em suas mãos sem medo,

  • 15

    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    afinal, a maioria das pessoas que ali moravam tinham sequelas nos membros

    devido à doença. Ressaltava que as pessoas internadas passaram por momentos

    difíceis por conta da doença e que algumas delas não tinham mais família,

    somente os amigos que lá encontraram.

    Em meio a muitos cuidados e na tentativa de me alfabetizar em casa por

    meio de cópias do meu nome em um pequeno caderno e quadrados em papel

    contendo consoantes, chegou a hora de estudar. Fui então matriculado, aos 6

    anos de idade, na Escola de Ensino Fundamental São José, escola de profissão

    católica, localizada a 800 metros de onde morávamos, na qual cursei parte da

    segunda série do ensino fundamental, tendo sido transferido para outra escola em

    Belém, pois, devido às dificuldades físicas adquiridas pela doença, ficava difícil

    para minha mãe me levar e buscar na escola diariamente.

    Por ela acreditar que a educação é transformadora, oportunizou meus

    estudos. Vim para Belém, morar com os meus avós, para ter a possibilidade de

    estudar, e pude concluir o ensino fundamental no ano de 1998, na Escola Paulino

    de Brito, e o ensino médio no Colégio Impacto. Em 2001, ingressei no Curso de

    Formação de Professores, da Universidade do Estado do Pará, que mais tarde

    seria transformado em Licenciatura Plena em Pedagogia. Ser professor? Ainda

    não tinha certeza.

    Ao longo do curso, fui me encontrando. Participei em 2004 como bolsista

    de iniciação científica do projeto “Carimbó: uma expressão da mestiçagem

    amazônica”, sob orientação da professora Josebel Akel Fares. Nesse projeto, tive

    oportunidade de estudar e pesquisar o ritmo carimbó como uma expressão cultural

    e educacional. A referida professora foi a responsável por estimular o meu

    interesse pelos caminhos da pesquisa acadêmica.

    Essa primeira pesquisa rendeu frutos, pois dela originou-se o meu

    Trabalho de Conclusão de Curso, trabalho este premiado pela Universidade do

    Estado do Pará – UEPA, como Melhor Trabalho de Conclusão de Curso no ano

    de 2008. O reconhecimento incentivou-me ainda mais a me tornar um

    pesquisador, pois o contato com entrevistas realizadas em campo sempre deixa

    marcas e interpelações que nos direcionam para novas investigações.

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    Continuei o percurso no grupo de pesquisa CUMA (Culturas e Memórias

    Amazônicas), no ano de 2005, em que tive a oportunidade de participar e contribuir

    voluntariamente com um projeto de pesquisa coordenado pelas professora

    Josebel Fares e Venize Rodrigues, intitulado “Memórias de Belém em Histórias de

    Velho”, que tinha como objetivo reconstruir a cidade de Belém dos anos 40 a 60

    do século XX, por meio de memórias de idosos do Asilo Pão de Santo Antônio.

    A partir desse projeto sobre memórias, comecei a ter alguns insights de

    como registrar a história da comunidade em que passei praticamente toda a minha

    infância. Trazer à tona um passado rico, silenciado e pouco explorado, de espaços

    e experiência de vida das pessoas que habitaram e ainda habitam o lugar em que

    funcionou o Hospital Colônia de Marituba/PA. Esse desejo passou a se intensificar

    na minha vida profissional.

    Depois de formado, ao retornar ao espaço da antiga Colônia de Marituba,

    onde resido atualmente, o interesse em realizar um estudo sobre a antiga colônia

    como lugar de memória se intensificou. O termo antiga é usado pelos exinternos,

    e cabe ressaltar que o nome popularmente dado ao espaço é Colônia, referindo-

    se à antiga instituição. Esse lugar poderia ser classificado, segundo Goffman

    (1974), como uma instituição total, por abrigar centenas de vidas com situações

    semelhantes, segregadas em um viver fechado, excluindo-as da sociedade

    aberta.

    Com o passar do tempo, o espaço que recebia o nome Colônia, referindose

    à antiga instituição de tratamento da lepra, passou a ser denominado Bairro Dom

    Aristides – em homenagem a um padre que dedicou parte de sua vida aos

    hansenianos, na década de 70 –, contudo, a marca cultural deixada pela

    instituição ainda persiste, pois a linha de ônibus, que atende ao referido lugar,

    recebe o nome de “Marituba Colônia”, trazendo implicitamente o desejo de situar

    o visitante ao espaço em que chegará.

    Hoje, ao me deparar com o novo espaço, menos árvores de jambeiros que

    embelezavam certos períodos do ano, com suas longas alcatifas púrpuras, casas

    e prédios modificados, menos amigos de infância, e o descaso com a história da

    instituição, me senti angustiado e desafiado a não deixar de registrar momentos

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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    vividos pelos ex-pacientes naquele lugar. Mais angustiado fiquei ao começar a

    trabalhar como coordenador pedagógico, em 2013, em algumas escolas

    municipais de bairros próximos ao local do Hospital Colônia de Marituba, e

    perceber que os alunos em sua maioria, na faixa etária entre 6 a 20 anos, não

    tinham conhecimento sobre a história dessa instituição.

    Em uma das escolas do município, Escola Municipal de Ensino

    Fundamental Dr. Renausto Amanajás, certa manhã, em arrumações de livros e

    papéis amontoados, deparei-me com um impresso do Diário do Pará (2010), que

    trazia uma matéria sobre a situação em que se encontravam os ex-hansenianos

    do Hospital Colônia de Marituba.

    Ao ler a matéria fiquei extremante tocado com o seguinte depoimento de

    um ex-hanseniano: “[...] a doença levou-lhe as pernas, as mãos, a visão [...]. Só

    não a memória”. Tais linhas me permitiram olhar para a instituição como lugar

    mítico, repleto de memórias, de saberes e de práticas culturais e educacionais que

    resistem ao tempo, que precisam ser reconstituídas. Memórias que tragam o olhar

    do outro lado, o olhar do interno, trazendo reflexões sobre as políticas

    isolacionistas.

    A narrativa despertou em mim memórias de infância, falas internalizadas,

    espaços que convivi, lembranças de pessoas que me viram crescer, prédios que

    eram conservados e que hoje se esvaem com o passar do tempo. Memórias que

    permeiam o sujeito, ligado a um coletivo vivido que teme em completar um ciclo,

    memórias que parecem névoa que se condensam, passando do virtual ao real,

    que aos poucos vêm à tona e ganham a cor (BERGSON, 2006).

    Assim como o chão de púrpura, que vem e vai, completando o ciclo natural

    da vida, os anos passam, mas permanece o silêncio, e junto a ele as memórias

    são soterradas, ficam subterrâneas, e até podem trazer em seu bojo,

    adormecidas, lembranças traumatizantes, lembranças que esperam o momento

    propício para serem expressas (POLLAK, 1989) sobre a história da Colônia de

    Marituba. Tempo implacável, que insiste em levar consigo as mais ricas memórias

    que possam proporcionar a reescrita da história sobre o espaço do Hospital

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    Colônia de Marituba/PA em seus múltiplos espaços de vivências e experiências

    educativas.

    Ingressei no Grupo de Pesquisa História da Educação da Amazônia em

    fevereiro de 2017. Os estudos realizados nesse grupo sobre instituições

    educativas, intelectuais e os processos educativos em ambientes não escolares

    ampliaram minha visão sobre as instituições e seus aspectos como a idealização

    e os espaços que educam. Dentre os autores estudados, destaco Frago (2001)

    que, em seu trabalho sobre instituições, destaca que o espaço se projeta ou se

    imagina, como foi o caso dos hospitais-colônia, criados com a finalidade de

    controle da lepra, mas que se reconstruíram a partir das múltiplas experiências

    vividas no seu interior. Múltiplos foram os espaços que educaram, ao longo do

    tempo, cada interno. Este pensamento reflete que a educação pode ocorrer não

    somente em um espaço específico construído para tal fim, mas que ela pode ser

    experienciada em qualquer lugar.

    A palavra experiência, em sua etimologia, como trata Bondía (2002, p.

    21), em espanhol, teria o sentido de “o que nos passa”, e em português, seria “o

    que nos acontece”, ou no latim experiri, o provar, experimentar, desvelando o

    encontro e as relações com algo que se experimentou. O hospital-colônia, como

    um lugar de relações experienciáveis, adquiridas na troca entre as pessoas, um

    saber único e singular, guardado nas memórias de pessoas que experimentaram

    o aprender a viver em um determinado tempo e um espaço.

    O espaço, impregnado de memórias, de um tempo vivido, não é algo

    objetivo e pensado fixamente, mas trata-se de uma realidade psicológica viva, que

    foi experimentada ao longo de décadas. Espaço que traz em si um tempo

    comprimido, repleto de vivências e experimentos, espaço que em si imprime o

    valor de lugar. Lugar que contribuiu diretamente na formação da personalidade a

    da mentalidade dos sujeitos que ali experimentaram viver no isolamento, marcado

    por símbolos e vestígios de relações sociais daqueles que habitaram o hospital-

    colônia. Nesse sentido, Frago (2001, p. 63) destaca que

    O conhecimento de si mesmo, a história interior, a memória, em suma, é um depósito de imagens. De imagens de espaços que, para nós,

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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    foram, alguma vez durante algum tempo, lugares. Lugares nos quais algo de nós ali ficou e que, portanto, nos pertencem; que são, portanto, nossa história.

    Rememorações de uma história vêm a mim e me remetem a um grupo de

    internos que aprendiam crochê, pintura, costura, culinária, marcenaria, curso de

    enfermagem, entre outras atividades. O ponto de encontro para que ocorressem

    trocas de aprendizagem e ensino eram nos “pavilhões” – prédios térreos,

    agrupados em certos espaços, com várias salas e com entradas tanto pela direita,

    quanto pela esquerda. Um exemplo disso seria uma sala que abrigava um

    pequeno grupo de ex-internas da Colônia que realizava um fazer artístico,

    costume herdado das políticas de instalação profiláticas, como aponta Heráclides

    C. Souza-Araújo, médico profilático, em trabalho publicado sobre a lepra no Pará

    (SOUZA-ARAÚJO,1922, p. 15), no qual destaca “addccionem-selhes a pecuária

    e algumas officinas de artes e officios”, o que mostra a presença e a circulação de

    práticas e saberes desenvolvidas dentro das colônias que abrigavam os

    hansenianos.

    A pesquisa consiste em muito mais do que a irrupção de ressentimentos

    acumulados de um determinado tempo e de uma memória de dominação e

    sofrimento que não puderam ser expressadas publicamente (POLLAK, 1989,

    p.5); o que se quer é reconstituir as experiências educativas que marcaram a vida

    de ex-internos da Colônia de Marituba, possibilitando assim esclarecimento

    quanto ao período histórico de funcionamento dessa instituição.

    Quando se trata do Hospital Colônia de Marituba, muitas são as lacunas

    sobre o período em que ocorreu o funcionamento, pois não houve – e até o

    presente momento não há –, maneiras de resguardar a história local. Nesse

    sentido, reconstituir a história de uma instituição que proporcionou inúmeras

    experiências educativas – mesmo não estando projetada para este fim –,

    possibilitará a compreensão e a possibilidade de alargamento de estudo

    (dimensão social, cultural, literária etc.) de possíveis descontinuidades históricas

    de uma instituição, como coloca Magalhães (1999, p. 49):

    A história da educação é um domínio do saber capaz de proporcionar uma compreensão simultânea das descontinuidades de cada tempo e

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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    das permanências e sobrevivências – a história é a construção de relações, de intenções complexas no tempo e no espaço.

    Dessa forma, o Hospital Colônia de Marituba, objeto desse estudo, é aqui

    considerado como lugar de formação, de troca de experiências educativas de

    pessoas que lá viveram em sistema de isolamento. Lugar que envolveu seus

    internos em múltiplas trocas de saberes, não ficando restrito somente ao controle

    da saúde pública em suas dependências – outrora destacado por Frago (2001) –

    , mas também como lugar de convivência e construção social.

    Logo, compreender esses processos e experiências educativas presentes

    na instituição proporcionará o repensar sobre o modo de viver dos internos, que,

    de algum modo, puderam ressignificar a própria vida no lugar em que

    permaneceram longos anos. E com o sentido de investigar um espaço complexo

    de vidas, sentimentos, experiências, aprendizados e memórias da instituição é o

    que me propus a realizar este estudo.

    Espaço que esteve envolto em muito mais que um simples tratamento

    médico, mas na elaboração de um plano governamental de instalação de um

    lugar adequado para o tratamento da lepra. Um projeto que foi minuciosamente

    pensado, em modelos de microcidades, como relata Souza-Araújo (1924), no

    trabalho “Lepra no Pará”, nos termos “O plano do novo Leprosário”, que seria

    implantado na cidade de Belém/PA e que evidencia a presença de múltiplos

    espaços que contribuíram na formação dos sujeitos que ali habitariam.

    Os lotes A, B, C, F, G, H, I e K... ficam reservados para as construções das várias dependências do futuro leprosário. Pela cópia photográphica do projeto do leprosário posso descrever a séde de cada uma das secções importantes do futuro asylo... 1 posto policial, 1 casa de machinas, 1 hospital para homens, e a zona dos solteiros... A portaria, o posto médico e o laboratório, a capella, o refeitório geral e a habitação de mulheres... A pedreira, a rezidencia do pessoal administrativo e empregados, o hospital para mulheres e zona dos casados, zona dos menores, as terras da lavanderia, o isolamento, mais um posto policial e o necrotério... O leproso só se sentirá feliz, vivendo livremente, em colônias amplas, onde tenha, além de assistência medica efficiente,trabalho e distracções (SOUZA-ARAÚJO, 1924, p. 14-15).

    A obra de Souza-Araújo (1924) aponta para os diversos espaços pensados

    para uma boa implantação de um modelo de instituição de tratamento

    compulsório da lepra. Um lugar que atendesse a todas as necessidades do

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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    interno, onde poderia se “conviver livremente”. Esse dado intensifica ainda mais

    a necessidade de desdobramentos de pesquisas que revelem as experiências

    que circularam dentro desses locais.

    Experiências essas escutadas por meio de memórias de minha mãe em

    relação aos aprendizados adquiridos em seu período de internação na Colônia

    de Marituba/PA, como experiências/saberes aprendidos em costura, crochê,

    pintura, culinária, religião, eventos, cursos, entre outros, que reforçam ainda mais

    a presença desses espaços de aprendizagem, declarados por SouzaAraújo

    (1924).

    Dessa forma, a problemática que busco responder nesta investigação é:

    Como se configuraram as experiências educativas de ex-internos no Hospital

    Colônia de Marituba/PA, no período de 1940 a 1970? O estudo tem como objetivo

    geral: analisar como se configuraram as experiências educativas de exinternos no

    Hospital Colônia de Marituba/PA, nos anos de 1940-1970. Dele derivam-se estes

    objetivos específicos: apresentar as relações sócio-afetivas que permearam a vida

    dos internos; reconstruir os múltiplos espaços educativos da instituição; identificar

    os saberes transmitidos nesses espaços educativos; caracterizar as cerimônias

    institucionais presentes na instituição.

    O estudo ainda é marcado por tempos opacos, por uma história turva, com

    lacunas e com memórias silenciadas sobre o período. E quando essa história vem

    à tona, a instituição é registrada somente pelo foco da História oficial, trazendo

    em seu bojo apenas o olhar do Estado. Clarificar esses espaços distantes e

    labirínticos, com a história contada do outro lado, pelo interno, impregnada de

    sentimentos, símbolos e desejos do sujeito que viveu e conviveu de perto com a

    Instituição da Colônia de Marituba/PA, é contribuir no sentido de

    “falta de um pequeno nada, um pingo de algo, um resto que se tornou precioso

    [...] e que o invisível tesouro da memória vai fornecer” (CERTEAU, 1998, p. 162).

    O arvorar sobre a temática foi organizado primeiramente na seleção de

    autores bases que poderiam contribuir com a investigação do objeto. Dessa

    maneira, selecionei por referenciais de análise, como: História oral, Thompson

    (1992), Freitas (2006) e Meihy e Holanda (2017); Memória, Halbwacs (2003) e

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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    Bosi (1994); Instituições educativas, Frago (2001) e Sanfelice (2007); Instituições totais, Goffman (1974), Foucault (2014) e Castro (2017); dentre outros autores que permeiam o trabalho.

    Destaco também os trabalhos já produzidos sobre o objeto de estudo, com

    a finalidade de conhecer o campo de pesquisa. O levantamento foi feito em 2017,

    no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aproveitamento de

    Pessoal de Nível Superior (CAPES), nos Programas de Pós-Graduação em

    Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado

    do Pará (UEPA). Ao iniciar a busca por produções voltadas ao tema, utilizei

    inicialmente os descritores “Lepra e Educação” e “Hanseníase e Educação”, e

    pude localizar aproximadamente 953.136 trabalhos sobre a temática, ligados aos

    mais variados campos do conhecimento.

    A maioria dos trabalhos pertence ao campo da saúde – medicina e

    enfermagem. Eles trazem debates sobre os aspectos clínicos da doença.

    Identifiquei generoso número de trabalhos no campo da história, que traça um

    registro histórico de espaços em que funcionaram os leprosários e políticas dos

    mesmos; e em outros campos, como geografia, arquitetura e educação, os

    números encontrados foram tímidos, e no que se refere à educação, são

    destinados à campanhas educativas sobre a hanseníase.

    Por essa amostra de trabalhos apresentarem como foco outros aspectos

    da doença como o estudo da epiderme, visão, medicamentos, entre outros ligados

    ao campo da medicina, optei por utilizar os descritores “Leprosário de Marituba” e

    “Colônia de Marituba”. Durante o levantamento não foram encontrados estudos na

    base de dados da CAPES, referentes a esses descritores.

    Como os descritores utilizados anteriormente não permitiram localizar

    trabalhos que pudessem contribuir com a pesquisa, decidi utilizar o descritor

    “Lepra”, especificando assim a doença e locais onde ela foi motivo de isolamento

    e tratamento. Ao usar esse descritor, localizei 166 trabalhos diretamente ligados

    a instituições que trataram a doença.

    Dos 166 trabalhos que abordam a temática da lepra/hanseníase, foram

    localizadas 124 dissertações de mestrado e 42 teses de doutorado, defendidas no

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    marco temporal dos anos de 1990 a 2016, com expressiva defesa nos Programas

    de Pós-Graduação da região sudeste.

    O levantamento das produções permitiu verificar que os trabalhos

    produzidos sobre a temática “lepra” aparecem timidamente nos anos 90. Contudo,

    é nos anos 2000 que estudos sobre os hospitais-colônias ganham projeção no

    cenário nacional, revelando o tema “lepra” em variados campos de estudos, como

    a história, geografia, medicina, sociologia, psicologia, enfermagem e educação.

    Esses campos de estudo corroboram, consideravelmente, com o processo de

    discussão quanto ao contexto das instituições que cuidaram da “lepra”. Cabe

    ressaltar que é nos anos 2000 que a temática ganha maior expressão,

    continuando a região sudeste como maior produtora de estudos voltados para

    essa temática.

    Diante das 124 dissertações de mestrado e 42 teses de doutorado, optei

    por realizar mais um recorte temporal e temático, restringindo ainda mais o foco

    em relação ao campo de levantamento – outrora de 1990 a 2016. Defini o marco

    temporal entre os anos 2000 a 2017, buscando estudos que usaram os

    descritores “Memórias de hospital-colônia” e “Saberes e experiências educativas

    em hospitais-colônia”, analisando os resumos de cada uma dessas pesquisas.

    Esse levantamento de dados priorizou a seleção de estudos que tratassem

    sobre memórias de ex-internos de colônias de hansenianos no sentido de

    reconstrução da história local e que tratassem as experiências educativas

    ocorridas nessas instituições que abrigaram os sujeitos infectados pela lepra.

    Dentre esses trabalhos, destaco:

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    Quadro 01 – Memórias de hospitais-colônias

    ANO PRODUÇÃO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO

    2005 Dissertação Auto-imagem, Fotografia e Memória: Contribuições de Ex-internos do

    AsiloColônia Aimorés-SP

    Daniela Lemos de

    Moraes Universidade Estadual de

    Campinas-SP

    2009 Tese Memórias do Isolamento: Trajetórias marcadas pela experiência de vida no

    hospital colônia Itapuã

    Juliane Conceição

    Primon Serres Universidade do Vale

    do Rio dos Sinos-RS

    2013 Dissertação Memórias na Pele: um processo de experimentação em dança com idosos remanescentes da Colônia de Hansenianos de Marituba-PA

    Leda Maria Wellot

    Pereira Universidade Federal

    do Pará-PA

    2013 Tese Memórias do Isolamento Compulsório no Hospital-Colônia Tavares de

    Macedo-RJ (1936-1986)

    Ivonete Alves de

    Lima Cavaliere Universidade Federal

    Fluminense-SP

    2014 Dissertação Crianças e a Memória do Confinamento Patrícia da Silva Costa

    Universidade Federal

    de São Paulo-SP 2014 Dissertação Trajetos de Exclusão e Reclusão:

    História Oral Temática de Familiares Atingidos pelo Tratamento Asilar da Hanseníase

    Monica Gisele Costa Pinheiro

    Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte-RN

    Total: 06

    Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.

    No quadro 01, temos quatro dissertações de mestrado e duas teses de

    doutorado voltadas para a temática memórias de ex-internos de hospitaiscolônias,

    entre os séculos XIX e XX; cinco estudos foram produzidos em programas de pós-

    graduação de universidades públicas e um estudo foi produzido em programa de

    pós-graduação de universidade particular. Esses estudos trazem como foco

    central as instituições que trataram a lepra em regime compulsório, revelando as

    múltiplas facetas dos hospitais-colônias.

    O primeiro estudo é de Daniela Lemos de Moraes, com o título

    “Autoimagem, Fotografia e Memória: Contribuições de Ex-internos do Asilo-

    Colônia

    Aimorés-SP”, dissertação de mestrado em multimeios, defendida em 2005, no

    Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas-SP. O

    trabalho consiste em um estudo antropológico-visual de ex-internos do antigo

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    Asilo-Colônia Aimorés-SP, na década de 30 e 60, utilizando dois recursos

    humanos (voz e imagem), compondo o trabalho com fragmentos verbais e

    imagens, compondo o lugar do estudo.

    O segundo trabalho, de Juliane Conceição Primon Serres, com o título

    “Memórias do Isolamento: Trajetórias marcadas pela experiência de vida no hospital colônia Itapuã”, tese de doutorado em história, defendida em 2009 no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-RS, trata do isolamento compulsório na Colônia de Itapuã, discutindo o processo de isolamento, exclusão e reconstrução de vida na instituição na década de 40.

    A terceira pesquisa, de Leda Maria Wellot Pereira, com o título “Memórias

    na Pele: um processo de experimentação em dança com idosos remanescentes

    da Colônia de Hansenianos de Marituba-PA”, dissertação de mestrado em artes

    no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Pará-PA, defendida

    em 2013, apresentou o Abrigo João Paulo II – como um dos espaços readaptados

    do antigo Hospital Colônia de Marituba. Seu estudo tem como foco de análise a

    dança com idosos acometidos com a hanseníase e as memórias dos mesmos

    sobre um bloco carnavalesco que ocorria no local no período de internação. O

    trabalho utilizou a etnometodologia como percurso metodológico.

    O quarto estudo destacado, com o título “Memórias do Isolamento

    Compulsório no Hospital-Colônia Tavares de Macedo-RJ (1936-1986)”, tese de

    doutoramento em política social, defendido no Programa de Pós-Graduação da

    Universidade Federal Fluminense-SP, de Ivonete Alves de Lima Cavaliere, situa

    sua pesquisa dos anos 30, período inicial da colônia, aos anos 80, época da

    extinção da mesma. Aborda as políticas públicas do Brasil de combate à lepra, as

    ações sanitárias e vidas cotidianas, utilizando fontes orais para a visibilidade do

    tema.

    O penúltimo estudo, de Patrícia da Silva Costa, com o título “Crianças e a

    memória do confinamento”, dissertação de mestrado em educação e saúde na

    infância e adolescência, defendida em 2014 no Programa de Pós-Graduação da

    Universidade Federal de São Paulo-SP, aborda as memórias de infância de

    pessoas que foram internadas no período do isolamento compulsório no Estado

    de São Paulo.

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    E, o trabalho de Mônica Gisele Costa Pinheiro, que traz o título “Trajetos de

    Exclusão e Reclusão: História Oral Temática de Familiares Atingidos pelo

    Tratamento Asilar da Hanseníase” é a dissertação de mestrado em enfermagem

    defendida em 2014, no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte-RN. Utiliza narrativas de familiares de pessoas que foram

    internadas no período compulsório, verificando o processo de exclusão e

    marginalização da família, observando se os laços familiares permaneceram, qual

    a compreensão da família em relação à doença e como ex-internos estão sendo

    reintegrados na sociedade.

    O segundo descritor a ser utilizado foi “Saberes/experiências educativas

    em Hospitais Colônia”. Utilizando esse descritor, identifiquei três dissertações de

    mestrado e uma tese de doutorado, que utilizaram a temática para abordar o

    processo histórico de internação e memórias de ex-internos. Os trabalhos

    elencados são:

    Quadro 02 – Saberes e experiências educativas em hospitais-colônias

    ANO PRODUÇÃO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO

    2008 Dissertação Redes Sociais: Saberes e Práticas no cotidiano de Ex- Hansenianos

    Ana Carolina Rocha

    Peixoto Universidade de

    Fortaleza-CE

    2009 Dissertação Hanseníase, experiências de sofrimento e vida cotidiana num

    ex-leprosário

    Amanda Rodrigues Farias

    Universidade de

    Brasília-BR

    2013 Dissertação Práticas Sociais, Memórias e Vivências no Combate à Lepra: Isolamento Compulsório em Asilos-Colônias e Preventórios Brasileiro – 1935 a 1986

    Bruna Alves Silveira Universidade Federal de

    Uberlândia-MG

    2013 Tese A Educação como Transgressão: Nos horizontes da escolarização de Hansenianos no Pará do século

    XX a (re) criação da experiência

    de si

    Ghislaine Dias

    da Costa Universidade

    Federal do Pará-PA

    2017 Tese Infância, Crianças e Experiências educativas no Educandário Eunice Weaver em Belém do Pará (1942-1980)

    Tatiana do Socorro

    Corrêa Pacheco Universidade

    Federal do Pará-PA

    Total: 05

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.

    A primeira dissertação é em saúde coletiva, de Ana Carolina Rocha

    Peixoto, defendida em 2008, no Programa de Pós-Graduação, da Universidade

    de Fortaleza, denominada “Redes Sociais: Saberes e Práticas no cotidiano de

    Ex-Hansenianos”, e registra a história de saúde-doença dos ex-hansenianos,

    focando os saberes, as experiências vividas e a práxis dos atores sociais

    envolvidos desde os momentos iniciais da colonização até os dias de hoje.

    A segunda dissertação, de Amanda Rodrigues Farias, intitulada

    “Hanseníase, experiências de sofrimento e vida cotidiana num ex-leprosário”,

    defendida em 2008, no Programa de Pós-Graduação de antropologia da

    Universidade de Brasília-BR, e a terceira dissertação, de Bruna Alves Silva,

    “Práticas Sociais, Memórias e Vivências no Combate à Lepra: Isolamento

    Compulsório em Asilos-Colônias e Preventórios Brasileiro – 1935 a 1986”,

    defendida em 2013, no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade

    Federal de Uberlândia-MG, tratam sobre as práticas sociais relacionais que

    ocorreram nos hospitais-colônias. Experiências de sofrimento e dor gerados por

    meio das internações compulsórias para o tratamento da lepra.

    O penúltimo trabalho, de Ghislaine Dias da Costa, com o título “A

    Educação como Transgressão: Nos horizontes da escolarização de Hansenianos

    no Pará do século XX a (re)criação da experiência de si”, tese de doutorado

    defendida em 2013, no Programa de Pós-Graduação em Educação, da

    Universidade Federal do Pará-PA, registrou, por meio de memórias de exinternos,

    as experiências escolares que ocorreram no Grupo Escolar Renausto Amanajás,

    grupo que funcionou dentro do antigo Hospital Colônia de Marituba/PA,

    apresentando a educação como processo de transgressão ao sistema implantado

    de isolamento compulsório nas colônias de hansenianos.

    O último trabalho, a tese de doutorado do Programa de Pós-Graduação da

    Universidade Federal do Pará-PA, de Tatiana do Socorro Corrêa Pacheco,

    intitulada “Infância, Crianças e Experiências educativas no Educandário Eunice

    Weaver em Belém do Pará (1942-1980)”. Nesse estudo, a pesquisadora analisa

    o preventório como um espaço de controle, de instrução, de educação e de

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    resistência de crianças acometidas por hanseníase nos anos de 1942 a 1980, em

    Belém do Pará.

    Destaco duas teses: a de Costa (2013), que analisa a educação no grupo

    escolar que havia no espaço Hospital Colônia de Marituba, no qual os educadores

    eram os próprios internos com mais instrução. A autora destaca as experiências

    de escolarização que ocorreram no referido local de isolamento; e a pesquisa de

    Pacheco (2017), que traça um cenário político-regional isolacionista, sobre os

    moldes profiláticos que vinham sendo implantados na primeira metade do século

    XX, para assim se alcançar o controle da lepra no Brasil.

    Não foram encontrados no banco de dados da Universidade do Estado do

    Pará estudos sobre o Hospital Colônia de Marituba/PA como espaço de saberes

    e experiências educativas.

    O levantamento revela que o espaço a ser pesquisado não é visto somente

    como espaço que funcionou para tratamento da lepra – como estava disposto na

    maioria das teses e dissertações publicadas na década de 90 –, e sim que os

    hospitais-colônias, a partir dos anos 2000, ganharam novos olhares quanto a

    objetos de pesquisa, olhares como o da história, geografia, psicologia, sociologia,

    arquitetura entre muitos outros campos científicos.

    Ainda existem 33 ex-hospitais-colônia no país (MORHAN, 2005) que lutam

    por estabelecer memórias e direitos das pessoas que lá viveram. Em meio a esse

    imaginário, muitas coisas perderam-se ao longo do caminho. A palavra perder é

    utilizada com o significado de apagar da história/memória quaisquer

    possibilidades de contágio da lepra. E esse imaginário foi alimentado em todo país

    por uma política segregacionista, que também se fez presente em Marituba.

    Quando a Colônia de Marituba foi extinta oficialmente no ano de 1980,

    após 38 anos de funcionamento, um grande atentado contra a história local foi

    cometido, como relata Castro (2017, p. 203):

    As pessoas encarregadas pela de mobilização da instituição, recolheram prontuários dos doentes, encaminhamentos e registros médicos e escolares e fizeram uma grande fogueira. Quase todo registro histórico foi transformado em fumaça e cinzas. Ali, naquele fogaréu, certamente havia uma rica documentação que, se decifrada

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    por historiadores, seria capaz de contar um dos episódios mais cruéis da história do país.

    Incinerar esses documentos fora, talvez, um ato de crueldade para 2.000

    pessoas que por lá passaram (CASTRO, 2017). O fogo que consumiu esses

    documentos consumiu em parte o direito à memória histórica e de sofrimento que

    aqueles doentes passaram. O fogo transformou em cinzas somente uma parte

    documental, pois as pessoas que lá foram segregadas, trazem seus testemunhos

    como “documentação viva” (MEYHY; HOLANDA, 2017, p. 43) para o desvendar

    desse período que se torna labiríntico. Os mesmos autores colocam a História

    oral como

    [...] produtora de documentos e episódios em que em que a censura e as políticas governamentais não promoveram “outros registros” .[...] vale-se de artifícios quando se destroem notas de alguns processos históricos – como a queima de documentos sobre a “subversão” promovida por autoridades instruídas no poder com o intuito de apagar a presença da oposição (MEYHY; HOLANDA, 2017, p. 25).

    Dos documentos oficiais poucos sobraram, e estes foram espalhados por

    várias instituições, algumas pertencentes ao estado do Pará, igrejas e, quem

    sabe, casas de pessoas comuns (CASTRO, 2017). Reunir informações,

    possibilitando uma clarificação do período histórico dessa dada microcidade, é o

    que a pesquisa realizou durante seu percurso, para assim, contribuir com o

    preenchimento de mais uma lacuna histórica, que foi o Hospital Colônia de

    Marituba/PA.

    Muitos são os estudos sobre a lepra, em especial os da área da saúde.

    Contudo, ainda são poucos os estudos na área da educação, em específico no

    campo das instituições educativas, que estejam voltados para os múltiplos

    espaços sociais que existiram dentro do Hospital Colônia de Marituba – análise a

    que se propõe a presente pesquisa –,desvelando a instituição como um lugar de

    intensas relações sociais e de aprendizagens, entre os sujeitos, experiências

    singulares e educativas.

    Dessa maneira, destacamos a relevância deste estudo sob o ângulo das

    experiências educativas que ocorreram no Hospital Colônia de Marituba (1940 a

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    1970), pois nos programas de pós-graduação do país, entre 2000 a 2017, estudos

    pela ótica educativa sobre hospitais-colônias ainda são poucos.

    Revelar um hospital que cuidou e cerceou centenas de vidas amazônicas,

    caracterizando-o de forma a proporcionar uma visão de como o mesmo

    funcionou, seus mecanismos de controles, a educação e a formação imposta aos

    diversos sujeitos, sem dúvida será um estudo que contribuirá com a preservação

    da memória local, assim como contribuirá para uma possível elucidação de como

    se deu esse período histórico do tratamento compulsório da lepra.

    Este estudo traz para discussão as múltiplas faces do antigo

    HospitalColônia de Marituba/PA, microcidade que abrigou centenas de pessoas

    acometidas pela lepra. Um lugar repleto de experiências que educaram o corpo,

    a mente e a alma. Lugar de memórias que precisam ser resguardadas; espaço

    que também foi responsável por educar centenas de vidas internadas, no qual

    “os historiadores não podem esquecer que são os cidadãos que fazem realmente

    a história – os historiadores apenas as dizem” (RICOEUR, 2003, p. 5).

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    II – PERCURSO METODOLÓGICO

    O presente estudo está assentado no campo da História das Instituições

    Educativas na Amazônia, e apresenta o Leprosário de Marituba/PA como um lugar

    educativo. Espaço que foi projetado para o controle da saúde pública, mas que

    em si, tornou-se lugar... lugar de ensinamentos e de diversas relações humanas

    que puderam educar o corpo, a alma, as relações sociais cotidianas, o viver de

    centenas de pessoas, que em meio a relações diárias, absorveram e promoveram

    um leque de ensinamentos (FRAGO, 2001).

    Instituição que se tornou lugar educativo e foi analisada com um conceito

    ampliado de educação, proposto por Magalhães (1999, p. 50), em que a

    educação seja traduzida como um processo multivetorial e ininterrupto de

    formação e desenvolvimento do indivíduo. Processos de formação que marcaram

    e moldaram historicamente o lugar e os internos que ali permaneceram

    internados compulsoriamente, o que Foucault (2014, p. 137) chamou de “a arte

    de talhar pedras”.

    A História da educação tem se voltado a investigar instituições que

    existiram e que por algum motivo cessaram seu funcionamento, buscando assim

    uma história do passado (SANFELICE, 2007) como um domínio do saber capaz

    de proporcionar a compreensão das descontinuidades de cada tempo,

    permanências e sobrevivências de um determinado período, permitindo reflexões

    sobre um determinado tempo e espaço a ser pesquisado (MAGALHÃES, 1999).

    Ao buscar a compreensão de um determinado tempo, espaço social,

    pensamento em que está inserida a instituição, faz-se necessário percorrer por

    diferentes caminhos que levem a indícios que possibilitem a organização de

    dados sobre o objeto em questão. Sanfelice (2007) aborda o trabalho minucioso

    do pesquisador de escavar fontes que possibilitem o remontar institucional.

    No interior das instituições educativas há um quebra-cabeça a ser decifrado. Uma vez dentro da instituição, trata-se de se fazer o jogo das peças em busca dos seus respectivos lugares. Legislações padrões disciplinares, conteúdos escolares, relações de poder, ordenamento do cotidiano, uso dos espaços docentes, alunos e infinitas outras coisas ali se cruzam. Pode-se dizer que uma instituição escolar ou educativa é a

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    síntese de múltiplas determinações de variadíssimas instâncias (políticas, econômicas, cultural, religiosa, da educação geral, moral, ideológica, etc.) que agem entre si, acomodando-se dialeticamente de maneira tal que daí resulte uma identidade (SANFELICE, 2007, p. 77).

    Em meio ao quebra-cabeça colocado por Sanfelice (2007), busquei reunir

    dados sobre a vida dos ex-internos e as relações sociais presentes no corpo da

    instituição Hospital Colônia de Marituba que possibilitassem reconstituir os

    múltiplos espaços e instâncias que compuseram o lugar. O recorte temporal

    escolhido compreende os anos de 1940 a 1970, período que abarca a década

    inicial da construção e inauguração, 1938-1942, e décadas finais, 1970, do

    funcionamento da Colônia de Marituba.

    O estudo também assume um papel mediador entre o passado e presente,

    tendo como parâmetro quatro orientações metodológicas proposta por Magalhães

    (1999). A primeira orientação seria a inventabilidade do triângulo espaço, tempo e

    ação, que correspondem à inscrição do local ao universal, destacando o contexto

    em que o objeto se inscreve, tomando por base a não ideia de um tempo, período

    restrito, mas a um tempo que se inscreve em um contexto; o segundo parâmetro

    seria o alargamento do objeto revelando a multiplicidade de espaços educativos

    escolares e não escolares, havendo sempre a necessidade de se renovar as

    abordagens historiográficas educacionais – apresentando o hospital-colônia como

    uma das possibilidades dessa abordagem; o terceiro parâmetro, o alargamento do

    conceito de fonte histórica, não ficando restrito somente a documentos escritos,

    como se deu na historiografia clássica, que se preocupava somente por análise

    de documentos historicamente hegemônicos (livros, revistas, relatórios etc.), mas

    avançar, usando também as narrativas, documentos pessoais, iconografias e

    outros, quando for um passado próximo, no qual o historiador deve buscar as mais

    variadas fontes; e como último parâmetro, temos a abertura à interdisciplinaridade,

    em que se deve estabelecer o uso dos mais variados conhecimentos que possam

    versar sobre o interesse da pesquisa, alargando ainda mais o número de

    conhecimentos, permitindo a interação dos diversos campos como forma de

    contribuição para a pesquisa.

    Em meio a variadas instâncias de uma instituição (SANFELICE, 2007),

    busco compreender o hospital-colônia como espaço de educação, pensamento

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    que vai ao encontro de Frago (2001), que destaca a escola não como espaço,

    mas como um lugar que se constrói a partir do fluir da vida. O hospital foi um

    espaço criado para realizar o tratamento e controle endêmico da lepra, todavia,

    em sua estrutura, apresentou parlatório, pavilhões, enfermarias, cemitério, prisão,

    igreja, teatro, lavanderia, horários de acordar e recolher, músicas que

    identificavam a chegada do médico, horários para aprender/ensinar um ofício. Ou

    seja, foi criada uma estrutura para tratar uma doença, mas o lugar pôde ser

    ressignificado pelo interno como um lugar de aprendizagens.

    A educação, como premissa básica, necessita de uma dimensão espacial

    e temporal, em que o espaço pode dar um salto qualitativo, possibilitando a

    transformação do espaço em lugar. De acordo com Frago (2001, p. 61),

    O espaço se projeta, se imagina; o lugar se constrói. Constrói-se a partir do fruir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto a se converter em lugar, para ser construído [...]. Há muitas maneiras de se impedir ou de proibir, mesmo sem fazê-lo de forma expressa. Basta que se ocupem todos os espaços e todos os tempos. Um projeto totalitário seria aquele em que os indivíduos, isolados ou em grupos, não dispusesse de espaços ou de tempos. De espaços aos quais lhe dessem sentido fazendo deles um lugar.

    O hospital foi o espaço, e pôde se converter em lugar, onde as vidas que

    estiveram inscritas nele, a Colônia de Marituba/PA, realizaram um diálogo e trocas

    de experiências em seus múltiplos espaços. Sendo essas experiências

    cronometradas por um regime institucional, o hospital foi considerado uma

    instituição total, por possuir seu cotidiano organizado pela direção, em que todas

    as necessidades essenciais do interno eram planejadas minuciosamente

    (GOFFMAN, 1974).

    Essas organizações impostas à vida do doente ocasionaram inúmeras

    experiências educativas para quem experienciou a internação. É importante que

    sejam resguardadas e organizadas como uma proposta de reflexão e registro de

    uma instituição que funcionou na Amazônia, e que, ao longo dos anos, nem os

    órgãos governamentais locais nem a comunidades desenvolveram mecanismos

    que viabilizassem manter o registro de uma instituição como o Hospital Colônia;

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    registro este que vem compor a própria história do município, pois o leprosário foi

    um dos primeiros espaços a ser ocupado na Vila de Marituba.

    É por meio da memória coletiva, a partir dos pressupostos de Halbwacs

    (2003), que pretendo alcançar parâmetros para compreender a vida no regime de

    internação compulsória dos internos no hospital-colônia e as suas experiências

    educativas. Esse autor aponta que “uma ou muitas pessoas juntando suas

    lembranças conseguem descrever com muita exatidão fatos ou objetos [...]”

    (HALBWACS, 2003, p. 31).

    Deve-se tratar a lembrança e “a memória não como matriz da história, mas

    como (re)apropriação do passado por uma memória que a história instruiu e

    muitas vezes feriu” (RICOEUR, 2003, p. 1), tratando a memória e a história de

    modo não linear, mas circular; como se fosse nessas antigas coreografias de

    dança, em que mudamos sempre de par – grupos sociais –, mas voltamos sempre

    a encontrar o mesmo par em intervalos bem próximos – grupos de origem

    (HALBWACS, 2003).

    A memória assume a sua função de conhecimento do passado, como

    Bresciane e Naxara (2004, p. 42) apresentam:

    Toda memória é fundamentalmente “criação do passado”: uma reconstrução engajada no passado (muitas vezes subversiva, resgatando a periferia e os marginalizados) e que desempenha um papel fundamental na maneira como os grupos sociais mais heterogêneos apreendem o mundo presente e reconstroem sua identidade [...]. A memória é ativada visando, de alguma forma, ao controle do passado (e, portanto, do presente). Reformar o passado em função do presente via gestão das memórias significa, antes de mais nada, controlar a materialidade em que a memória se expressa (das relíquias aos monumentos, aos arquivos, aos símbolos, rituais datas, comemorações...). Noção de que a memória torna poderoso(s) aquele(s) que a gere(m) e a controla(m).

    As memórias expressam o remontar de experiências vividas e possibilitam

    a presentificação do passado (HALBWACS, 2003). Esta presentificação pode ser

    alcançada por meio de narrativas de memórias de quem esteve internado e pôde

    participar ativamente do cotidiano institucional. Logo, essas memórias contribuem

    para o recompor do cenário social da Colônia de Marituba nas décadas de 1940

    a 1970.

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    As memórias se constroem e se organizam a fim de incursionar o sentido das vivências do passado e, para tanto, é necessário expô-las seletivamente, publicamente e coerentemente para dar conta da trajetória de vida pessoal em sociedade. Por isso, conceber a memória como algo por construir, mais que mostrar uma lembrança, é um giro heurístico importante que beneficia a reflexão e traz à luz uma história silenciada (TEDESHI, 2015, p. 335).

    O período histórico dessa investigação é um tempo marcado por

    continuidades e rupturas, e a História, por ser um conjunto de fatos múltiplos, que

    necessitam de recortes para que a mesma possa focalizar determinada

    sociedade, permite a (re)construção social, proporcionando assim o

    reconhecimento de valores, vivências e significados de um período precedente.

    Assentado na Nova História, em que os sistemas de relações são tão reais

    quanto os dados materiais que permearam o lugar aqui pesquisado, os espaços

    serão ocupados por sujeitos anônimos e espontâneos, tornando-se um dos focos

    da pesquisa, para rememorar a antiga instituição, com o seu olhar de interno.

    Espaço não mais ocupado somente por grandes “heróis da narrativa” (CHARTIER,

    2002).

    O Hospital Colônia de Marituba/PA será analisado não somente pela sua

    estrutura socialmente imposta e pelas relações de poder, mas será também

    analisado pelo viés educativo, recorrendo a documentos no sentido amplo da

    palavra. Para tanto, houve a necessidade de romper com as barreiras criadas em

    torno de métodos de pesquisa historiográficos hegemônicos, que se limitavam

    apenas a documentos “livrescos”, expressão usada por Le Goff (2013) para

    designar documentos impressos, ditos oficiais, dessa forma, na pesquisa é

    possível buscar sempre novas fontes, como, por exemplo, som e imagem, para

    assim agregar mais possibilidades que contribuam com as pesquisas históricas.

    Ressalto que a palavra documento traz em sua etimologia latina a palavra

    documentum, derivado de docere, ensinar, que pôde evoluir para o significado de

    prova. Considerarei o documento no sentido amplo, da Nova História,

    diferentemente da História positivista, fundada somente em documento = texto;

    usarei a palavra documento no sentido liberto da palavra, considerando, além dos

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    textos, a imaginação e a memória coletiva outrora esmagada pela História

    positivista, como testemunho de uma determinada periodização (LE GOFF, 2013).

    Diante das relações sociais, não destacarei somente as relações de poder

    estabelecidas dentro da instituição, pois as mesmas não são únicas e centrais,

    “mas de relações estabelecidas entre indivíduos ou grupos” (CHARTIER, 2002, p.

    190) que permaneceram internados no leprosário, no qual as relações de poder

    também proporcionaram a “aquisição e a coleção interminável dos seus

    conhecimentos particulares” (CERTEAU, 1998, p. 158), um saber construído ao

    longo da vida por meio de muitas experiências adquiridas durante o período de

    internação compulsória.

    Para alcançar essas experiências, utilizei a História oral, que traz em si a

    possibilidade de se materializar tudo o que existe em estado oral retido na

    memória, períodos que foram abafados, silenciados, e a própria comunidade se

    desafia a não deixar morrer determinadas experiências, e que para isso reinventa

    situações nas quais o tempo presente possibilita a reinvenção do passado não

    resolvido, no qual a história passada presentifica-se (MEIHY; HOLANDA, 2017).

    Por meio das narrativas de memórias, deverão ser reconstruídos os

    espaços de sociabilidades, saberes e experiências sócio-educativas. A História

    oral proporcionou a “reconstrução mais realista do passado” (THOMPSON, 1992,

    p. 25), em que as experiências de vida das pessoas passam a ser utilizadas como

    matéria-prima, proporcionando uma nova dimensão para a história.

    Adoto a História oral como metodologia. Meihy e Holanda (2017, p. 72)

    destacam que os testemunhos são o epicentro da busca por informações:

    Como método, a história oral se ergue segundo alternativas que privilegiam as entrevistas como atenção essencial aos estudos. Tratase de centralizar os testemunhos como ponto fundamental, privilegiado, básico, de análises. A história oral como metodologia implica em formular as entrevistas como epicentro da pesquisa.

    A História oral tem a função social de compreensão de certos períodos com

    o olhar de quem o viveu, fazendo ruir barreiras sobre determinados assuntos e até

    mesmo contribuir com possíveis novos campos de pesquisa (THOMPSON, 1992).

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    CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da

    Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –

    Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________

    A partir de seus pressupostos, a História oral será utilizada, não somente

    como um instrumento de mudança, mas no sentido acrescentar ou transformar a

    história, pois, ao alterar o enfoque histórico, ela poderá revelar novos campos de

    investigação.

    A história oral tem a função social a compreensão de certos períodos com o olhar de quem viveu determinado fato, fazendo ruir barreiras sobre determinados assuntos e até mesmo contribuir com possíveis novos campos de pesquisa (THOMPSON, 1992, p. 22).

    Neste estudo, a narração também se revestiu de fonte histórica, pois, por

    meio do discurso da memória, foi evid