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Mona Gadelha Jornalista e cantora

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Mona GadelhaJornalista e cantora

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·s 'Entrevista

evista com Mona Gadelha, dia 30 de abril de 2016.

Caio - Simone, como surgiu a Mona Ga-_ a em sua vida?

ona - Mona Gadelha... (refletindo).::> nome é Simone. É interessante por-e, quando eu estudava no Colégio João

= tes (atualmente localizado no bairro Bar-;: do Ceará), tinha um professor que toda

z na chamada ele falava: "Simone. Sirno-_ de Beauvoir" (importante escritora, inte-

= ai, filósofa existencialista, ativista poti-a e teórica social nascida na França em

~ 8 e falecida em 1986. *A partir de agora,os os nomes mencionados por Mona es-

- ão referenciados ao final da entrevista). E=~ falava: "Nossa, quem será essa mulher

e esse cara me chama?" Mas eu achavaito: "Simone de Beauvoir". E não foi porsa da Simone de Beauvoir que minha

ãe me deu esse nome. Minha mãe (Rita- exsndre Gadelha, com 87 anos), uma rnu-

_r que foi funcionária pública a vida toda,ascida em Cajazeiras, na Paraíba, e migroura o Ceará ... Minha heroína, minha mãe,irn como a Simone de Beauvoir, se tor-

minha heroína também.Com 14 anos, eu participei do primeiro

= ival de rock do Ceará. Na verdade, cha-ado de "Primeiro Concerto de Rock do

:=ará". E na organização desse concerto,:= o por um programa de rádio, na época

amado Show do Grilo, na rádio Uirapu-_ inaugurada em Fortaleza no dia 16 de

o de 1956 por José Pessoa de Araújo= écio de Borba de Vasconcelos), eu co-

eci vários compositores, músicos. Umes acabou se tornando meu namorado,

su primeiro namorado, que é o Ricardo-~gusto Rocha, grande compositor, rnúsi-_ . E o Ricardo começou a me chamar de

a como apelido. Fez uma música que- a a de uma Mona, de uma personagem

amada Mona. Depois eu vi que têm várioses, acho que o Bo Diddley, pioneiro do

-- , tem uma música chamada "Mona", ecou.

uando eu participei de um festival naa do Sol, na praia da Tabuba (praia 10-

- zada a 30km de Fortaleza, em Caucaia)- aquela época era muito comum ter fes-

a s ao ar livre nas praias - participei com+a banda chamada Kaleidoscópio, que era

a banda formada por mim e pelo artistatirnidia na época, o Siegbert Franklin. A

gente tinha essa banda e fomos participardo Festival da Costa do Sol. Lá eu conheci oAlceu Valença. Eu acabei lidando uma can-ja" (improvisar) participando do show dele,tudo no improviso.

E na época ele perguntou meu nome,eu falei: "Simone". E ele perguntou: "Temum apelido?" e eu falei: "Mona". E ele falou:"Você devia assinar Mona Gadelha, porquejá tem a Simone, famosa, cantora e tal, vocêdevia assinar Mona".

Achei bonita a sonoridade e ficou MonaGadelha. Então, foi assim, um apelido e umtoque de um artista famoso e acabou fican-do Mona Gadelha até hoje. E muita genteme chama de Simone, eu tenho essa duplaidentidade, "Simone, Mona". Na redação dojornal O Povo Uornal fortalezense, fundadoem 1928, pertencente ao Grupo O Povo deComunicação), onde eu trabalhava, era Si-mone Gadelha; quando eu ia pro palco eraMona Gadelha. É interessante isso, essaambiguidade, essas personagens.

Nícolas - Existe algo que a Mona faz quetalvez a Simone não faça?

Mona - Olha ... Acho que a Mona é maisartista. A Simone é mais tímida, mais conti-da. No primeiro disco, eu tenho uma músicachamada "Identidade secreta", porque eusempre fui muito ligada na cultura de qua-drinhos, super-heróis, eu era uma criançaque tanto lia Fernando Pessoa como com-prava revista do Super-Homem. E essa mú-sica fala de um personagem e talvez tenhaa ver com a Simone falando pra Mona, noprimeiro disco.

É uma letra que diz assim: "Nunca quispagar o preço da fama / Nem vender minhaalma ao diabo / Nem sentir a solidão das es-trelas / Ficar sozinha ou mal acompanhada/ Queria ser um personagem / Um persona-gem exposto às multidões / Nada mais queum personagem / Sem coragem pra dizernão".

Talvez você tenha acabado de me darum grande insight, talvez isso seja a Simonefalando da Mona e a Mona cantando. Querdizer, no fundo a Simone sempre foi umacriança muito tímida, mas, quando eu ouvirock pela primeira vez, quando eu ouvi JanisJoplin, quando eu ouvi Beatles, eu pensei:"Eu queria fazer isso aí, é isso que eu querofazer".

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Com ar de quem es-tava satisfeita por estaronde estava, Mona, mo-mentos antes da captaçãoda entrevista, disse que,"antes de mais nada", eraum honra participar daRevista Entrevista.

O interesse em entre-vistar Mona Gadelha par-tiu de Caio Vitor. Tambémmúsico, conheceu Monapessoalmente no PortoIracema das Artes e, aosaber do retorno dela aoambiente acadêmico daUFC, teve o insight.

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Já Diego se interes-sou em acompanhar Caiona equipe de produçãoquando soube que Monacantava rock e jazz, doisdos gêneros musicais fa-voritos dele.

Para a pré-entrevista,Mona escolheu a panifica-dora Delitália, localizadano bairro Meireles, parase reunir com a equipe deprodução. Segundo ela,o motivo de ser lá e nãono apartamento dela eraporque o prédio é muitoquente.

A Simone é mais a leitora. Eu lia sempre,era uma criança que lia muito, lia muito, eulia mais do que brincava. Era até chama-da de "intelectual", era superchato, "ah, lávem a intelectual chata, que só lê, lê". Asbrincadeiras eram todas intelectualizadas,brincava de escrever, inventava coisas paraescrever ...

Claryce - Mona, você citou sua mãe, dis-se que ela era sua heroína.

Mona - Sim.Claryce - Qual foi a influência dos seus

pais na sua carreira artística? Desde o co-meço, quando você era criança ainda, atéhoje?

Mona - Os meus pais se separaram mui-to cedo, eu tinha quatro anos quando minhamãe se separou do meu pai. Então, naque-la época, como eu nasci em 1960, mais oumenos a separação foi em 1964 - incrível,um ano terrível! Então, a influência é mui-to maior da minha mãe, né? A minha mãesempre gostou muito de música, de dançar,e eu ouvia muita música em casa, rádio, ou-via demais. E o rádio era desde às cinco damanhã, quando começavam os programas.Eu ouvia muito.

Eu acho que a influência da minha mãefoi muito tempo depois, depois que eu pas-sei da fase do rock, do blues, porque de-pois que eu fui gostar mais das coisas quea minha mãe gostava, Martinho da Vila, osamba ... O samba eu fui descobrir depois!

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's que eu fui ver: "Poxa, minha mãe jáa , a de coisas muito legais que eu ain-

- ão me ligava, porque o meu negócio naa era o rock, era o blues".eu avô, pai do meu pai - porque eu fui

:; s próxima do meu avô do que do meu-, depois da separação dos meus pais ...

- + I/e muito mais próxima dos meus tios,minhas tias, dos meus irmãos, do que

priamente do meu pai. Então, eu lembromeu avô tinha uma casa no bairro Ben-

a e eu gostava de comprar o jornal pra;:, o jornal O Povo. Eu ia cedo pra banca

=o ornal, comprava, e ficava lendo com ele_ e recitava versos, então eu acho que tem

a formação aí.Diego - Falando propriamente desse co-

- ecinho. Na conversa anterior que Caio,ê e eu tivemos, você mencionou que

sete anos já escrevia pequenas me-_ as, já compunha. Como é que se deu,

---áo, esse seu primeiro contato com a mú-_ a, pegando também essas influências da_ a mãe, do seu avô ...

Mona - Eu acho que vem do rádio. A Jo-:'11 Guarda (movimento cultural brasileirorgido em meados da década de 1960, que

=escteve música, comportamento e moda)_ ava começando a explodir no Brasil, en-: tinham os fã-clubes. O fã-clube do Jerry

~·aniversus o fã-clube do Wanderley Car-Eu já gostava mais do Roberto Carlos,

anções dele, e a Tropicália (movimento~ ptura que sacudiu o ambiente da mú-

opular da cultura brasileira entre 1967, tudo isso. E eu comecei a ler muito

o do rock. O texto do rock me atraiu_ Quando eu falo desse texto, eu tô

o das letras do Bob Dylan, das letrasn Lennon. Isso me atraía demais. Eu

:; a muito de procurar traduções, de ler:ações onde eu pudesse encontrar tra-

- s daquelas letras. Pelas letras do Bobeu era completamente fascinada.

rcolas - Uma curiosidade: como eramletras de uma criança tão nova? Você

s-nbra do que você escrevia, qual o teoressas músicas?

Mona - Com sete anos eu fazia até unsderninhos. Eu recortava, pegava uma folha

_ papel, fazia um desenhozinho, uma capa,rampeava. fazia uns jornaizinhos, "jornaisa rua", ainda tenho isso na minha casa em

- -o Paulo, tenho guardado alguns. E as le-as eram assim um sofrimento (esticando a

:: onação da penúltima sílaba), uma criançae sofria demais. Ouvia Ataulfo Alves (can-

tsrole trecho de uma música de Ataulfo), ou-a Maysa ... Uma criança que curtia Maysa!

- ão, eu já era uma "véia" (risos).Aline - O que teus pais pensavam sobre

MO

essa veia artística e musical, já que aos seteanos você já estava compondo? O que elesachavam disso?

Mona - Ah, minha mãe achava lindo,né? Adorava. Mas, depois, na adolescência,houve aquela preocupação de sempre ter ocuidado de estudar e tudo. Eu era muito es-tudiosa, a primeira da classe. Muito estudio-sa no Ginásio - a gente chamava de Ginásioe Científico. No Ginásio, eu era a primeirada classe, no Científico ... Eu chutei o pau dabarraca (risos).

No Científico, eu entrei no Colégio Cea-rense (Colégio Cearense do Sagrado Cora-ção, fundado em 1913, em Fortaleza, masnão funciona mais) e você tinha uma estru-tura pra fazer arte. A gente tinha auditório,teatro, tinha muito incentivo às artes noColégio Cearense. Eu enveredei por isso aí.Quando eu vi aquele teatro, eu falei: "Puxa,é aqui mesmo". E os irmãos Marista deramessa liberdade pra fazer arte.

Nessa época eu fui muito mal nas Ciên-cias Exatas todas. Eu fui muito mal porqueo meu negócio era ler, era escrever ... Então,era uma ótima aluna de Literatura, mas pés-sima aluna de Matemática. E fui em frente,fui levando.

Caio - Nós nos identificamos. (risos)Caio - Mona, na pré-entrevista você nos

contou que a sua adolescência foi no bairroBenfica. Qual a importância do bairro na suainiciação artística?

Mona - Ah, maravilhosa! Porque pertotinha toda uma turma, coincidentemente noBenfica, e ali mais perto do Centro, porquea (Rua) Senador Pompeu é uma rua imensa,né? Era onde eu morava. Eu morava quasechegando na (Avenida) Treze de Maio, umastrês longas quadras da Treze de Maio, até oCentro. Então, eu ia para o colégio a pé, euandava muito a pé. Fortaleza era uma cida-de boa para andar a pé, muito. Eu ia para ocolégio a pé.

Era maravilhoso! Eu saía da SenadorPompeu e ia até o Colégio Cearense. E nes-se caminho eu encontrava vários amigosque já faziam música. Isso foi muito legal!Então, tem essa influência das redondezas,porque tinham muitos artistas que moravamna região. Tinha o próprio Siegbert Franklin,que morava na (Rua) Barão do Rio Branco;o Floriano Martins, na Rua Assunção; o Lú-cio Ricardo, na Rua Assunção ... Todo mun-do morava muito perto. O Nirton Venâncio,cineasta e poeta, morava, se não me enga-no, na (Rua) Solón Pinheiro; Era muito inte-ressante essa confluência de vários artistasnessa região.

E o Benfica com a universidade, a Sca-Ia Publicidade, uma agê c'a e

A artista deu de pre-sente alguns COs da pró-pria discografia à equipede produção. Algumasfaixas, como "JamesOean" e "Cor de Sonho",foram executadas emsala durante a reunião depauta.

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Todos os contatosque a equipe de produçãorealizou com Mona portelefone ou presencial-mente foram facilitadospela gentileza da cantora,que sempre atendeu àdupla de forma bastantegentil e solícita.

Pelo já conhecimentode Caio sobre a carreirade Mona, o material deprodução ficou rapida-mente pronto, em cercade dois dias, o que facili-tou na condução dos pro-cedimentos posterioresda entrevista.

110 texto do rock me atraiu muito. Quando eufalo desse texto, eu tô falando das letras do 80bDylan, das letras do John Lennon. Isso me atraía

demais".

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marcou época, que foi muito ousada, muitopioneira em campanhas publicitárias, umaagência que investia muito em criação, davamuita liberdade de criação.

Dava pra circular a pé por tudo isso, aSenador Pompeu, a Avenida da Universi-dade ... Era muito legal poder andar a pé. Acidade não era tão perigosa assim como éhoje. Podia realmente circular e andar a pé.

É por isso que o meu disco, o último discoque eu fiz, se chama Cidade Blues Rock nasRuas, porque eu me lembro muito da gente irpros shows a pé. O Teatro da Emcetur (atual-mente é o Teatro Carfos Câmara) a gente ia apé, a gente não tinha grana, não tinha carro.Um grupo de gente a pé... (risos).

Julia - Até hoje o Benfica é um bairrobem vivo, né? Tem essa vivacidade que agente sente às vezes mesmo não morandono entorno.

Mona - Tem.Julia - Você ainda tem uma ligação mui-

to forte com o bairro?Mona - Demais, demais! O Benfica tem

toda uma memória afetiva, têm os anos queeu passei na faculdade, que foram anos ma-ravilhosos, o tempo que eu passei na Sca-Ia, eu estudei também dois anos de alemãono Centro de Humanidades. Eu frequentavamuito ali o bosque da universidade (espa-ço pertencente ao Centro de HumanidadesI da Universidade Federal do Ceará), se reu-nia com o pessoal (hoje é o Bosque MoreiraCampos).

Aliás, quando eu fui me inscrever no fes-tival de rock (ao qual ela se referiu no come-ço da entrevista) eu já passeava ali pelo bos-que e cheguei lá pra turma dos rockeiros eeles disseram: "Ah, e você faz o quê?" E eu:"Ah, eu vou muito ao bosque". Eles acha-vam que eu fumava muita maconha, que euera a maior maconheira (risos) e eu não ti-nha nenhuma relação. Por uma questão degosto mesmo, de ser jovem e tudo ...

Engraçado que aquele negócio de quemfrequentava o bosque parecia que era umpasse livre. Era a única mulher do grupochegando com aquele monte de cabeludo- todos usavam cabelos longos - e para meinscrever no festival de rock sem ter música,sem ter nada, queria ir de qualquer forma, e

acabei conhecendo várias pessoas.Diego - Mona, foi a partir daí que come-

çou a "Turma do Rock"?Mona - Foi.Diego - Como é que foi isso, quanto ba-

rulho vocês fizeram na época?Mona - A gente ficava procurando espa-

ço pra tocar. A gente trocava muita infor-mação de discos. Eu lembro quando a gen-te começou a ouvir punk rock. Como todoadolescente que gosta de copiar, a gente ianuma loja do Centro e comprava um montede broche, de alfinete, e compramos umascalças largas, costuramos tudo com alfinetee saímos às ruas. Aquilo era um escândalo(risos), mas era um prazer enorme ser trans-gressor naquela época, sabe? Era um so-frimento pros pais, uma confusão danada,mas a gente era bem transgressor praquelaépoca.

E, tocando, era muito eu e o PerfumeAzul, um grupo liderado pelo Lúcio Ricardo,que era muito transgressor também. O Lú-cio ele já vinha com aquela proposta andró-gina, de cantar de bustiê, cantar com aque-les casaquinhos que nem o Robert Plant, doLed Zeppelin. Era um verdadeiro escândalona cidade tudo isso!

Mas a gente enfrentava esse preconcei-to com um público muito bacana, porque agente tinha um público de jovens que ado-rava os shows da gente e tal, todo mundodançava... Então, tinha esse contra pontoaí. Nós não estávamos sozinhos. A gentetinha um público muito legal que nos acom-panhava, que era a turma toda de jovens,como vocês, na época (risos).

Nícolas - Você também tocava alguminstrumento nessa época?

Mona - Não. Eu ganhei um violão depresente do Ricardo Augusto, que era meunamorado, meu primeiro namorado, meuparceiro. Na verdade, eu e o Ricardo a gentefez nossa primeira música juntos - incrível!- depois que a gente se reencontrou pelofacebook. É muito incrível isso! Porque eufui embora para São Paulo e a gente de vezem quando escrevia uma carta, se falava etudo, mas no facebook a gente se reencon-trou, começou a trocar ideias e pensamos:"Nossa, mas a gente nunca fez uma música

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Ao citar que o livroContagem Depressivaestava totalmente digi-talizado, Caio e Diego seinteressaram pelo ma-terial e pediram à Monaque o enviasse. A artistarapidamente mandou osarquivos para o email dosprodutores.

Pelo tempo corrido,uma das primeiras reu-niões que a equipe deprodução teve foi na áreade alimentação do Super-mercado Pão de Açúcar,localizado na Avenida An-tônio Sales.

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A artista ficou bastan-te empolgada em saberque a edição da revistaseria apenas dedicada àsmulheres. Tal informaçãofoi comemorada por ela.

A empolgação doprofessor Ronaldo com aentrevista de Mona sem-pre foi notável. Durantea reunião de pauta, doisdias antes do encontrocom a cantora, ele acom-panhou, batendo os pésno chão, cada acorde dasmúsicas que os entrevis-tadores ouviram.

juntos, em parceria".A gente fez uma música que tem muito a

ver com a nossa história, chama-se "JamesDean", que era um ícone pra gente. O JamesDean era um cara transgressor por naturezae ao mesmo tempo melancólico. Então, dizmuito da gente aquela música. Eu fiz a letrae ele musicou e a gente começou a fazer umprocesso de mais músicas juntos. Mas vocêtinha perguntado ...

Nícolas - Se você tocava.Mona - Então, o Ricardo me deu meu

primeiro violão e era muito difícil porqueescola de música, tinha o quê? Tinha o Con-servatório (de Música Alberto Nepomuce-no) que eu cheguei a fazer algumas aulascom a grande professora da época, que eraa D'Alva Stella, que me dava aula de cantolírico.

E eu lembro que os meus amigos roquei-ros acharam aquilo um absurdo: "Mas tuvais estudar canto lírico? Pra que, mulher,estudar canto lírico?" "Mas é a forma queeu tenho de tomar conhecimento, de tentarinstruir minha voz". E olha, foi fantástico euter estudado porque eu tinha insegurançacomo cantora, porque os meninos falavam:"Não, porque tua voz é muito assim, tu tensuma voz pequena" ... Tinha essa coisa devoz pequena.

E, quando eu fui estudar com a D'Alva,a primeira coisa que ela fez foi ligar o pianoe dizer: "Deixa eu te mostrar a extensão datua voz. Você é mezzo contralto. Você tantopode cantar soprano como contralto". E eutive umas aulas com ela e aquilo foi fantásti-co pra mim, foi maravilhoso, foi a passagempelo Conservatório de Música. Foi muito rá-pido, mas foi bom.

Depois, eu cheguei a estudar músicatambém na Orquestra do Sesi (Serviço So-cial da Indústria). O Sesi tinha uma orques-tra de cordas, já era música clássica. Porqueeu era muito inquieta. Até hoje eu sou. E fuilá estudar contrabaixo acústico, tive umasaulas de contra baixo, depois de violino, naorquestra, mas sempre foi difícil por causada condição financeira, de ter de estudar,fazer cursinho, trabalhar. Não é uma descul-pa, porque eu sei que têm pessoas que es-tudaram uns instrumentos avidamente, commuito cuidado, mesmo sem condição, masacho que pra mim pesou.

Quando eu estudava lá no Sesi, eu pas-sava o dia todo lá porque é uma escolamuito voltada pra pessoas em situação deexclusão social e tudo, mas eu consegui en-trar, conversei lá com eles, "poxa, me dei-xa entrar, eu gosto tanto de música ..." Masera uma escola muito voltada para pessoascom baixa renda e acabou se tornando um

celeiro de grandes músicos.Theyse - Mona, como é que foi pra essa

mulher tão singular no ambiente em que vi-via à época, como é que foi a participaçãonum evento histórico como a Massafeira?Você tão jovem, ainda com inseguranças,como você mesma mencionou. Como é quefoi a participação nesse evento no ano de1979?

Mona - Na época eu nem tinha dimen-são disso, né? Eu estava ali no momento,eu acho que com muita sorte de estar ali,de muito jovem participar e cantar. Eu meapresentei com o Fernando Marques, pia-nista, só voz e piano, não deixa de ter sidoimpactante porque todo mundo com bandae tudo e eu cheguei lá. Eu lembro que eutinha ido passar o Carnaval em Salvador etinha visto o Caetano Veloso cantar de shor-tinho. Eu falei assim: "Ah, eu também voucantar de short" (risos).

Fui lá, botei um short e cantei no Mas-safeira, piano e voz e eu de short e tal, eeu não esperava ser convidada. Estava alimuito na diversão, vendo aqueles grandesartistas do Ceará, Ednardo, Téti, Rodger,todo mundo, eu não esperava. Convivendocom Petrúcio Maia, com Stélio Valle, comos grandes compositores, eu nem tinha di-mensão do que estava acontecendo.

Quando eu estava no Rio é que eu achoque eu tive noção, "nossa, eu tô aqui noRio". E já imediatamente conheci o Domin-guinhos e ele convidou a gente pra fazeruma gravação dos vocais do disco da mu-lher dele, que estava lançando um disco daGuadalupe, a primeira mulher dele - primei-ra não sei, acho que segunda. Enfim, era amulher do Dominguinhos na época (risos)- e a gente fez, eu, Téti e Ângela linharesfizemos os vocais, meu primeiro trabalhoremunerado em estúdio foi esse contratadopelo Dominguinhos, o que é uma honra.

Caio - Viajar pela primeira vez para o Riode Janeiro, participar da gravação do his-tórico álbum duplo Massafeira, ao lado de

liA minha música, .

era uma rnusicamelancólica, mas eraensolarada, era cheia

de 5011 E eu cheguei nodark. Falei: 'Pronto, me

lasquei"'. (risos)

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11( ... ) onde eu trabalhava, era Simone Gadelha;,quando eu ia pro palco, era Mona Gadelha.E interessante isso, essa ambiguidade, essas

personagens" .

nomes já consagrados como Ednardo, Rod-ger Rogério, Téti e Petrúcio Maia. Tudo issoantes de completar 20 anos de idade. Comosentiu essa experiência?

Mona - Nossa, incrível, né? Eu não ti-nha ideia do que estava acontecendo, aimportância disso eu só fui sacar muitosanos depois, a felicidade de estar dividindoum quarto lá no Rio com grandes artistas,grandes cantoras, né? Com Ana Fonteles,que era jovem, mas a gente já sabia que erauma grande cantora, um prestígio entre osautores. Conviver ali com Petrúcio Maia eouvir ele dizer que gostava dos blues queeu fazia.

Existia uma situação: como eu não erauma música, tecnicamente falando, eu nãoera uma instrumentista, tinha essa coisade achar que o que eu fazia não tinha essasegurança. Até porque os meninos brinca-vam muito dizendo: "Ah, mas blues são sóquatro acordes, blues é muito fácil". E, iro-nicamente, o blues fácil, o blues de quatroacordes, foi um dos grandes fenômenos dodisco Massafeira.

E hoje as pessoas adoram a música e pramim ainda é engraçado isso porque aindatá na minha cabeça os músicos falando:"Mas é muito fácil de tocar, é muito simplesisso aí que ela fez". E na época eu não ti-nha amadurecimento pra sacar que coisassimples podem ser muito complexas e so-fisticadas. E difíceis! "Ah, mas são quatroacordes". Mas, se você não souber colocaralma, feeling, naqueles quatro acordes, nãovai adiantar nada. E eu tinha no meu senti-mento, na minha emoção, eu tinha o bluesmuito dentro de mim. Porque eu comeceiouvindo Janis Joplin, Muddy Watter, essesblueseiros todos, John Hooker, eu tinhauma afeição, uma identidade com o blues,essa melancolia, esse modo de comporcom o blues, eu tinha uma afinidade que éaté inexplicável, uma menina do Ceará queé ligada em blues, só se explica mesmo pelolado de emoção e afetividade.

E eu amava Janis Joplin, como eu amavaouvir e me influenciar. Então, eu tinha essasituação de ser jovem e reverenciar as pes-soas todas. Eles é quem sabiam fazer rnú-

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Diego chegou a visitaro Porto Iracema das Artesapós o primeiro contatocom Mona. No entanto,a cantora ainda não haviachegado ao local de tra-balho, o que o impossi-bilitou de cumprimentá-Iapessoalmente de novo.

Durante varras ve-zes até mesmo antes dareunião de pauta, Ronal-do Salgado comentou oquanto o professor Gil-mar de Carvalho era ami-go de Mona, algo que seconfirmou quando con-versamos com ela.

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Na reunião de pauta,Aline sugeriu que seriabacana se houvesse umapergunta que enfocasseas dificuldades que Monateria passado para se fir-mar como uma artistamulher. O questionamen-to acabou fechando todaa entrevista.

Theyse ficou encan-tada com a música deMona, "Cor de Sonho".Antes da reunião de pau-ta, ela chegou a repetirvárias vezes que estavaadmirada com o verso"posso até te matar comum beijo na boca".

"Dava pra circular a pé por tudo isso, a (Rua)Senador Pompeu, a Avenida da Universidade ...Era muito legal poder andar a pé. A cidade não

era tão perigosa assim como é hoje".

sica; eu, não. Eu tava ali de aprendiz, né?Com meus acordes simples, com as minhascanções singelas, e foi um susto quando agente ouviu na audição, quando chegou odisco pra gente ouvir na primeira audição,o disco Massafeira, na casa do pai do Ed-nardo, eu acho, e tava lá todo mundo senta-do, convidamos vários artistas da cidade naépoca, eu lembro que tava o Mino - eu nãovou lembrar de todo mundo -, mas todomundo ali sentado e colocamos o disco praouvir, era uma audição dos dois LPs.

Quando começou a tocar a "Cor de So-nho", que era a minha música, todo mun-do se levantou e aplaudiu de pé. E eu falei:"Nossa, que loucura, que ironia! Porqueera a música simples, era a música fácil". Efoi impactante, foi espontâneo as pessoasaplaudirem aquilo. E depois foi a música dodisco que tocou no rádio.

E até hoje é uma música que as pesso-as gostam e gravam e pedem pra eu can-tar. Eu até às vezes falo: "Pessoal, essa denovo não, de novo ... Vamos cantar outra?"(risos). Mas toda vez eu canto e pra mimé muito engraçado, muito interessante, é

curioso como as pessoas me escrevem,pessoas jovens, de todas as idades, falandoque se identificam, que acham bonito, quetambém passam noites sem dormir, é en-graçado isso.

Rute - Ainda sobre a viagem. Você so-freu algum tipo de preconceito por ser tãonova e mulher, convivendo com pessoasmais experientes, mais velhas? Você tevealguma divergência com alguém, você sen-tiu isso?

Mona - Não ... Na viagem, não. Por incrí-vel que pareça, a gente lá no Rio, conviven-do esses artistas todos, todos eram muitosamigos. Tinham as brincadeiras bestas desempre, né? Eu lembro que uma vez, eu ea Ângela Linhares chegamos pra sair comdois músicos de fora, a gente levou umavaia na frente quando a gente chegou por-que éramos cearenses. Os músicos deramuma vaia na gente ... Essas besteiras tinham,essas coisinhas. Tinham muito essas coisasde cearenses, que não perdem a piada pornada, tinha essa esculhambação toda.

Então, tinham essas coisas, mas com re-lação à música, não. Foi um momento de

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~ ita uruao. o que havia era um clima no_ da questão mercadológica: se o disco ia- 'r, se o disco ia ser divulgado, existia esse- ma pesado no ar, isso existia. O que ia_ ontecer. .. Era muito mais essa preocupa-çáo mercadológica da nossa situação com~eação ao disco do que entre nós. Entre nóse a um clima muito bacana, muito de amiza-

e, muito legal.Nícolas - Então, de certa forma, você

achou que estar inserida nesse momento,essa cena musical, com nomes tão legaisue abraçaram, que apadrinharam você, foi

sorte?Mona - Eu acho que sorte, né? Ali foi.

Sorte de estar naquele lugar, naquele mo-mento, ter essa chance de estar com essaspessoas. Etambém teve a ousadia de ter idoprocurar. Eu acho que a ousadia da meninaímida que foi lá cantar rock e conhecer os

músicos e começou a lidar com essas pes-soas até chegar ali ... Muita ousadia.

Sempre fui muito ousada e muito co-rajosa. Eu nem sabia que eu era corajosa.Hoje eu vejo que tinha muita coragem. Sefosse analisar na época, eu não sabia, masfoi muita coragem de ser nova e estar ali, nomeio daquelas pessoas, e ter um compor-tamento transgressor, um comportamentoanticonvencional pra uma menina.

Caio - Só retomando um pouco da via-gem, pra finalizar esta passagem. Qual a in-fluência do Pessoal do Ceará em você comoartista e na sua geração, que é pós-Pessoaldo Ceará? Qual a importância desse movi-mento musical pra arte de vocês?

Mona - Uma influência literalmente li-terária. A poética do Pessoal do Ceará é oque mais me fascina. Eu sei porque musi-calmente eles são incríveis. Se você pegaros artistas da chamada geração Pessoal doCeará, cada um tem uma singularidade nomodo de compor e ao mesmo tempo umaidentidade ... Você sabe que é o pessoal doCeará, que é daquela geração cearense.

Mas o que me pega mesmo, o que mecomove demais é a grande poética. É a po-esia, são as letras, o modo de cantar, é tudolírico. E eu sempre tive essa admiração poressas canções. Nós somos cancionistas,grandes cancionistas, um cancioneiro fa-

buloso, e isso me motivou até a fazer umdisco chamado Praia Lírica - Um tributo àcanção cearense dos anos 1970, em que euselecionei algumas músicas e cantei só comvoz e piano, que foi uma atitude nostálgica eao mesmo tempo também ousada, em 2009e 2010, quando eu morava em São Paulo eparticipava de muitos seminários, de mui-tos eventos para analisar a Música PopularBrasileira, e a música do Ceará não existia,nunca existiu, não se fala.

Eu dizia assim: "Que coisa mais estra-nha! Não se fala da música do Ceará, nãose fala dos grandes letristas do Ceará", pelomenos onde eu morava, em São Paulo. Eusentia essa dificuldade.

Eu lembro de uma grande ocupação do(banco) Itaú sobre os anos 1970 e não tinhauma menção sequer ao Ceará. E a geraçãodo Pessoal do Ceará, na década de 1970, éimportantíssima para a música brasileira. Éuma geração de ouro e aquela ocupação doItaú sem uma menção ao Pessoal do Cea-rá. Aquilo me deixava assim ... Chateada. Efalava: "Pelo menos eu vou tentar fazer al-guma coisa que é muito pouco, porque eunão sou uma artista do mainstream (ligadaao consumo de massa), eu sou uma artistaindependente, mas eu vou pelo menos mecolocar diante dessa história toda".

E eu fiz o disco, Praia Lírica, que dividiua crítica, né? Eu percebi que não foi muitobem recebido por alguns críticos que nãoaceitam releituras de outro modo, porquevocê tem essa dificuldade no Brasil. Vocêchega nos Estados Unidos, na Inglaterra,você pega uma canção dos Beatles e ela éregravada 50 mil vezes. Aqui (no Brasil) temum negócio de interpretação definitiva. En-tão, aquela música é gravada por um artistatal e não pode mais, porque "não, porque aínão pode mudar e tudo".

Até hoje, a música que eu gravei praesse disco que se chama "Paralelas", doBelchior, é a minha música mais ouvida. Eutenho quase setenta músicas disponíveisna internet e a mais ouvida é a gravação doBelchior, "Paralelas".

Theyse - E essa Mona tão ligada no tex-to, na letra, como você falou, essa sua es-sência na literatura que a acompanha nas

1/( ... ) Uma influência literalmente literária. Apoética do Pessoal do Ceará é o que mais mefascina. Eu sei porque musicalmente eles são

incríveis".

MONA GADELHA I 17

A entrevista com a ar-tista estava marcada paraser no dia 28 de abril. Noentanto, devido a algu-mas atividades no PortoIracema das Artes, Monasó pôde estar disponívelno dia 30 de abril.

O local escolhido paraa entrevista deu-se pelosmesmos motivos da pré-entrevista. O apartamen-to de Mona, segundo aprópria artista, é quente.Então, o professor Ronal-do sugeriu que fosse naprópria residência dele.Assim o foi.

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Sem exceção, todosos entrevistadores elo-giaram o estilo da casado professor Ronaldo,com uma arquitetura quedá espaço tanto para oclássico como para o mo-derno.

Alguns estudanteschegaram a visitar o fa-moso jardim do profes-sor Ronaldo Salgado, quefez questão de apresentarcada espécie de flor pre-sente no ambiente.

USe você não soubercolocar alma, feeling,

naqueles quatroacordes (de blues),

não vai adiantar nada.E eu tinha no meu

sentimento, na minhaemoção, eu tinha o

blues muito dentro demim".

composições também ... Como é o proces-so criativo da Mona Gadelha, das canções,como a "Cor de Sonho" e "A dor" também,ambas com uma letra bem significativa? Pa-rece que a Mona escreve pra alguém às ve-zes... Como é esse processo criativo?

Mona - É com muita base nas coisas queeu leio mesmo. Têm duas influências for-tes, que é a Literatura e o Cinema. Tem umamúsica chamada "Crepúsculo de uma deu-sa" que eu escrevi depois que eu vi aquelefilme ... Crepúsculo dos deuses, acho queo nome original é Sunset Boulevard (filmeamericano lançado em 1950)... Que é doBilly Wilder, né? E tem a Norma Desmond eeu assisti àquele filme e eu sou muito liga-da nesse conceito da solidão, nessa situa-ção de solidão do artista, e ali eu acho que apersonagem ela vive uma solidão, uma de-cadência, uma atriz de Hollywood que entraem um processo de decadência.

Eu terminei de ver o filme e escrevi essaletra, "Crepúsculo de uma deusa", baseadano filme, que diz: "Quem vai te acalentarnessa noite fria? / Quem vai te beijar nessacama vazia?" e faço um grande mix. Eu pe-guei a situação do filme, coloquei situaçõesminhas também. Acho que toda letra minhaé autobiográfica.

Ao mesmo tempo, estava lendo muito oZygmunt Bauman, sociólogo polonês. Eu ti-nha feito uma pós-graduação em São Pauloem Sociologia, em Globalização e Cultura, eestava lendo muito o Bauman e ele falandodas relações líquidas, dessa liquidez, dessascoisas difíceis. Juntei tudo isso numa únicamúsica, e acho que ela tem muita influênciada Patti Smith, no modo dela cantar.

Eu fiz até uma versão em inglês, porque

REVISTA ENTREVISTA I 20

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..em sabe, né? Eu mando pro espaço eeqa na Patti Smith. Seria um sonho, eu

eria me jogar e morrer porque ... (risos).Theyse - Então, até que ponto é bom e

;:-'" que ponto é ruim ser essa artista inde-'" dente, não fazer parte do mainstream,

ma indústria musical assim tão forte?Mona - É bom esse lado da falta de com-

'omisso com a novidade, com o mercado,cê ser muito sincero com o seu trabalho.as, sem dúvida, é ruim porque você não

_ nsegue chegar nas pessoas. Todo show_ e eu faço eu encontro pessoas que estão

e vendo pela primeira vez e eu já com setescos lançados. Às vezes eu sou entrevista-a por um jornalista jovem, que nem vocês,

e a pessoa não sabe da minha história. Nãocorno vocês que fizeram o dever de casa,

esquisaram ... (risos)Eu lembro que nas aulas da Adísia Sá,

a UFC, ela dizia: "Vocês não podem ir parama entrevista sem saber a história das pes-

soas, gente. Pra entrevistar você tem de sa-ber". Acho que ela tava puta porque alguém"oi entrevistá-Ia e não sabia quem era ela eela ficava invocadíssima.

Diego - Mona, voltando para o lado daliteratura, me interessa também saber comoé que foi produzir literatura na época daditadura militar. A gente soube que teve apublicação do "O Homem Padrão", que foiesse conto ...

Mona - (corrigindo) Foi um poema.Diego - Sim, um poema. Conta pra gente

como é que estava esse clima, como é quefoi produzir nessa época.

Mona - A minha forma de se expressar,de ser adolescente solitária, melancólica,era escrevendo, o meu negócio era escre-ver. Escrevia, tinha os meus caderninhos, eera tudo muito espontâneo, né? Eu lia muitoClarice Lispector, lia muito Fernando Pes-soa, lia José de Alencar também, lia tudo.

Quando eu tive a chance de receberjornais alternativos e eles aceitavam cola-boração, comecei a mandar meus poemastambém. E teve um chamado "O HomemPadrão", que foi publicado na capa de umjornal, Cogumelo Atômico, e eu recebi, fi-quei contente e ao mesmo tempo morrendode medo, eu falei: "A Polícia Federal vai meprender, esse poema aqui é muito forte".

E eu lembro que na época os meus ami-gos começaram a me botar medo também,"teu poema aí na capa do jornal, isso aípode dar problema". Eu tinha 15 anos (ri-sos). Fiquei apavorada com aquilo! Porquefalava do homem padrão, falava da relaçãodo operário que trabalha, que cumpre a jor-nada de trabalho. Olha a maluquice, né?

Porque existia um clima muito grande

de medo. Todo mundo tinha muito medo.Eu lembro que a publicação disso me deumuito medo. Eu comecei a ficar preocupa-da com aqueles jornais chegando e eu achoque eu nem mandei nada depois, também.Fiquei com medo.

Julia - Mona, abre aspas: "Aquela ado-lescente melancólica que escrevia", fechaaspas. E hoje, a Mona Gadelha não temmais essa necessidade de colocar pra forao que sente?

Mona - Sim. Eu escrevo, mas escrevo deuma forma muito mais autocrítica, né? Euescrevo e vou editando. Eu acho que, quan-do eu era adolescente, escrevia no fluxo,sem tanto autocrítica. Hoje, não.

Escrever eu acho que é o ato mais mara-vilhoso e mais difícil. Eu acho que a grandearte é escrever. Escrever um romance pramim é a grande arte. "Escrever um roman-ce" (enfatizando a expressão), né? Vocêtem um romance publicado e esse romancepode inclusive ser transposto para outraslinguagens, pra filme, pra música ... Escreveré o grande ápice da arte.

Carol - E você, tendo ganhado um con-curso, inclusive com um júri presidido peloMoreira Campos, tendo publicado algunspoemas ... Por que você não enveredou pelacarreira literária? Por que você não investiumais, já que teve um reconhecimento no iní-cio? Por que você não continuou?

Mona - Acho que a mesma coragem queeu tinha pra fazer música eu não tinha cora-gem pra literatura. Eu acho que eu sacralizeimuito a literatura, eu achei uma coisa muitosagrada. "Ah, isso aqui é uma coisa muitodifícil", me senti mais frágil. Pra música eusempre tive muito ímpeto, muita coragem,mas na literatura ...

Também não tive muito incentivo. Naverdade, não é bem incentivo. O Mino, porexemplo, me ajudou a lançar um livro que eunem pensava. Fui na casa dele, eu frequen-tava muito o estúdio lá, passava as tardes lávendo ele desenhando, era muito bom. Issofoi uma coisa muito bacana pra mim, que eutinha na adolescência, essa sacada, de con-viver com pessoas mais velhas, com artistasque pudessem me trazer experiências, meindicar livros.

Eu era jovem e era amiga do Gilmar deCarvalho, era amiga do Mino, era amiga daÂngela Borges, do Augusto Pontes, isso foimuito legal pra mim, eu não tinha essa bar-reira de idade. Eu era amiga deles.

Então, o Mino era um artista em que eufrequentava o ateliê e via ele desenhando etudo. Um dia ele chegou e disse: "Traga osseus contos". Teve um conto premiado quefoi premiado e tal. Então, eu levei os contos

MONA GADELHA I 21

A experiência artísti-ca e jornalística de Monacertamente contribuiupara a fluidez e a coerên-cia de conteúdos duranteuma entrevista que du-rou, ao todo, exatamenteduas horas, 12 minutos e36 segundos.

Um grande dilemaque acompanhou toda aequipe de entrevistado-res durante o estudo dahistória de vida de Mona,exatamente pelo amploleque de conhecimentosque ela possuía, foi comoé que iam começar e fina-lizar a entrevista.

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A entre ista '0- e -rompida por um nus ta-do motivo: sabendo queum avião estava passan-do, o professor Ronaldofez questão que todosfizessem silêncio e espe-rassem ele sobrevoar acasa.

o mesmo dia da en-trevista foi também o diado aniversário de 21 anosda Carol Meio, feito quegerou muitos abraços efelicitações à moça porparte de toda a equipe deentrevistadores, do pro-fessor e da entrevistada.

e ele guardou ali e no outro dia ele me ligou:"Moninha, venha aqui no estúdio hoje à tar-de que eu quero te mostrar um negócio".

Quando eu cheguei lá, ele tinha desenha-do o livro inteiro. Desenhou em pranchas,porque naquela época não tinha computa-dor, ele desenhou, deixou naquelas pran-chas, eu olhei e falei assim: "Mino, que coi-sa brilhante". "Agora a gente vai publicar"."Publicar como?" (risos). "Não, pera aí... "Eram umas loucuras que só tinha naquelaépoca. "Vou ligar aqui pro Valtinho. Vamosfazer o livro da Mona, vamos publicar e tal".Eu: "Então tá, e a gente lança junto com umshow no Teatro Universitário, com RodgerRogério, Ricardo Bezerra, Téti, Jorge Hél-der, Lúcio Ricardo".

Lançamos um livro no Teatro Universitá-rio. O Mino lá defendendo, eu me lembroque ele quebrou um maior pau com um ra-paz lá porque o rapaz chegou e disse: "Ah,eu acho que têm uns contos muito ingênu-os". E ele: "Ingênuo o quê?" (risos) E foi omaior quebra pau lá, me defendendo e tudo.E eu senti isso no lançamento: "Rapaz, lite-ratura é mais complicado que música. Seinão, se eu vou encarar isso agora, quemsabe um dia, isso é barra pesada, a turma jávem com tudo, parece que a patrulha é piorainda, hein?" (risos). Porque, quando vocêcanta, você extravasa lá e tudo, agora a li-teratura, né?

Então, já teve essas polêmicas e aquelasituação de fazer faculdade, trabalhar, can-tando, eu fui deixando realmente em segun-do plano, continuei lendo, mas deixandoem segundo plano.

A literatura era uma coisa que eu ficavasempre pensando: "Ah, mas tem de se pre-

parar, tem de ler cinco mil livros" ... Foi porisso. De certa forma, eu acabei me arrepen-dendo um pouco de ter deixado, porque euvinha num fluxo tão ativo ...

Julia - Você disse mesmo que era in-quieta. E talvez por isso tenha sido tão revo-lucionária ... Como está esse espírito revolu-cionário hoje?

Mona - Eu costumo dizer que a minhageração ficou "emparedada", porque hojevocê tem uma geração da nova música bra-sileira, que são as pessoas na faixa de 25a 30 anos que conseguem um público mui-to interessante através dos meios digitais.Você tem os artistas com nomes consagra-dos que têm público a vida toda, que tive-ram hits executados no rádio. E tem a minhageração, que fica no meio ali, que não foinem para um lado nem para o outro, tentan-

"Então, eu tinha essasituação de ser jovem ereverenciar as pessoas

todas. Eles é quemsabiam fazer música;eu, não. Eu tava ali deaprendiz. Com meusacordes simples, com

as minhas cançõessingelas".

REVISTA ENTREVISTA I 22

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do ... Têm muitos artistas, se eu for falar vãoser muitos!

Quando a Internet surgiu, a gente aindaficou pensando: "lh, será que isso vai darcerto? Esse negócio de MP3?" Eu lembrodemais, a gente tinha reuniões para discutir."Mas esse MP3 vai dar certo? As pessoasvão 'baixar' músicas?" E quem nasceu jácom essa linguagem, já dominou, já domi-nou ... (enfatizando a repetição da expres-são). Então, é mais difícil pra gente. A gentecontinua sendo os transgressores e os mar-ginais dessa história. É engraçado isso.

Diego - Mona, você fala muito a respeitodesse comportamento transgressor, libertá-rio. Você teve muito contato com a Literatu-ra Beat, como mencionou antes. Você achaque ter contato com esse tipo de leitura re-almente realçou esse seu comportamento,esse seu espírito?

Mona - Sim, o rock, essa literatura ... Erauma literatura também muito combatida. Nafaculdade, gostar de Literatura Beat era pe-cado, não podia. Tinha muitas brigas no pá-tio (do curso) Comunicação porque eu gos-tava de Jack Kerouac, muitos quebra-paus.Não podia gostar de Jack Kerouac, de AllenGinsberg, era uma confusão.

Você pode gostar de Allen Ginsberg egostar de Carlos Orummond de Andrade, eusempre tive essa questão comigo. A minhagrande pergunta era: "Por que tem que li-mitar as coisas? Por que eu só posso gostarde uma coisa?" Essa coisa segmentada, eusempre tive muita dificuldade. "Ai, só podeandar com a turma do rock, com a turma daMPB". Esse negócio das turmas ...

Eu, quando cheguei em São Paulo, que-ria saber como as coisas se davam, como as

coisas funcionavam na rnusrca. E teve umprodutor que falou assim: "Olhe, você temalguma turma? Faz parte de alguma turma?"E eu disse: "Não". E ele falou: "Pois vocêvai ter de ter uma turma". E eu falei: "Fudeu,porque eu não vou ter turma. Eu não tenhoturma. Eu gosto de tudo, eu gosto de sam-ba, eu gosto de rock, de MPB, de literatura ...Como é que eu vou fazer? Eu vou me lascarnessa história. Eu não tenho turma".

Eu me lembro demais disso ... "Você tem(enfatizando a palavra) de achar sua turma".Eu nunca esqueci isso. Ele estava falandouma verdade mesmo, né? Esse negócio daturma.

Eu tinha turma quando era adolescente,acho que turma tem a ver com adolescên-cia. Na adolescência você precisa de umaturma, até para se fortalecer e enfrentar ascoisas. "A minha turma", isso eu tinha, naadolescência. Mas depois eu descobri umhorizonte que não tem limite.

Eu tinha um programa na Rádio Universi-

110 jornalismo foi muitoo trabalho pesado

de redação, operária.Escrever matéria, fecharjornal. O que eu tentava

fazer era sempre umtrabalho com toda

excelência possível".

Devido a um contra-tempo com o ônibus, Ka-mylla Karen chegou umpouco atrasada, nada, noentanto, que atrapalhasseo decurso da entrevista.

Por outro lado, CaioVitor, apesar de ter com-parecido ao Maloca Dra-gão e ainda ter se apre-sentado na noite com asua banda, A.R.S., foi oprimeiro a chegar na casade Ronaldo Salgado.

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Além da movimenta-ção das mãos no cabe-lo, Mona estava com umóculos na mão que oradeixava descansando naspernas ora colocava-onos olhos.

Os momentos em queMona falava sobre seucomportamento trans-gressorforam os que maisrenderam risadas à equipede entrevistadores.

tária (equipamento pertencente à Universi-dade Federal do Ceará (UFC), de frequênciaFM 107,9, inaugurado no dia 15 de outubrode 1981), quando eu fiz o curso de comu-nicação. O Rodger Rogério me perguntouse eu queria apresentar um programa naRádio Universitária. Eu falei: "Ah, eu quero.Eu produzo, eu levo meus discos ... Possofazer?" "Vá lá". Fiz um programa que era aosdomingos, eram três horas, ao vivo. Eu saíada praia direto pra rádio, às vezes eu ia demaiô e tudo, com a toalha amarrada e che-gava na rádio com meus discos debaixo dobraço (risos).

E fazia o programa. Exatamente pra co-locar essa maluquice que eu tô falando degostar de tudo e não ter limite, o nome doprograma era "Música do Planeta Terra". Eutocava tudo! Eu tocava Janis Jopplin, ArrigoBarnabé ...

Eu sempre tive essa vontade de conhe-cer mais coisas e fazer mais coisas. Não melimitar a um negócio só. Agora isso semprefoi problemático, as pessoas não aceitammuito. "Ah, é cantora e escreve também?Como assim?" Tinha essa coisa, não sei seainda tem, mas tinha isso. "Ela é cantora epassou no vestibular?" (risos) Era assim, eraassim.

Claryce - Você citou os anos 1980, enessa época o pensamento vigente, entreos músicos cearenses, era que eles tinhamde se descolar até o Rio de Janeiro ou SãoPaulo para fazer a carreira decolar, aconte-cer de fato. Por que tinha esse pensamentona época?

Mona - Tinha mesmo. Todo mundo di-zia: "Você tem de ir embora! Você tem deir embora!" Todo mundo. Eu fui expulsa!(risos) "Você tem de ir embora!" "Você temde mostrar seu talento lá fora, tem de ir em-bora!"

Sabe, eu fui muito maluca, acho que nãopensei direito, porque, quando cheguei emSão Paulo, tive um impacto. Eu tinha tantasaudade, eu sofria tanto de saudade, dosamigos, de casa, do almoço de domingo nacasa da minha mãe ... Aquilo foi di-fí-cil de-mais!

Caio - Como fazer para manter o contatocom a família?

Mona - Ligava, passava horas. E eu acha-va, na minha cabeça: "Não, eu vou, mas euvou voltar. Vou ficar morando em São Pauloe em Fortaleza". Bem louca, né? Porque eraimpossível!

Evocê chega e tem logo um encontro coma realidade. Quando eu cheguei em São Pau-lo, a música alternativa que estava predomi-nando era a dark gótica (gênero em que asmúsicas possuem uma sonoridade sombria).

A minha música era uma música melan-cólica, mas era ensolarada, era cheia de sol!E eu cheguei no dark. Falei: "Pronto, melasquei". (risos) Era tudo muito cada um nasua. lembro-me demais, a gente não podiadançar junto. Aquilo foi um primeiro impac-to em São Paulo. Eu, com meu disco, umdisco que falava de céu, "será que o céu éazul, .." Eu simplesmente guardei.

Mas o que ocorre? Quando eu chegueiem São Paulo, comecei a ter uma sorte mui-to grande no jornalismo. Eu mandava meucurrículo e era chamada. Folha de São PauloUornal brasileiro editado na cidade de SãoPaulo e o segundo maior jornal de circulaçãodo Brasil, segundo dados do Instituto Veri-ficador de Circulação (lVC)), Estadão (codi-nome do jornal O Estado de São Paulo. Foifundado com base nos ideais de um grupode republicanos, em 4 de janeiro de 1875.Hoje, é um dos periódicos mais influentesno país) ... Era entrevistada nesses locais.

Era incrível porque isso foi muito inte-ressante. Quando cheguei na cidade, o meucurrículo era avaliado, os textos lidos. En-tão, todo emprego que eu chegava, as pes-soas diziam: "Seu texto é muito bom!" E euficava: "Olha, que legal! Eles leem mesmoo texto e chamam". E eu acabei indo traba-lhar em uma revista de moda, que era umarevista que eu recebia na Scala e achava in-crível.

Então, eu vi esse nascimento da modabrasileira, foi muito interessante. Mas aqui-lo ali era o meu trabalho do dia a dia, eu iater de escolher. Porque achava que dava prafazer música e jornalismo ao mesmo tempo,mas, em São Paulo, eu confesso que nãodava, era complicado ...

Kamylla - Mona, você começou a carrei-ra musical no Ceará e deu continuidade a elaem São Paulo. Quero saber como você vê oreconhecimento dentro do Estado, na cida-de natal, e fora. Como você enxerga essereconhecimento, tanto no Ceará quanto emSão Paulo, como nos países lá fora?

Mona - No Ceará, eu vejo um reconhe-cimento muito interessante. Fui convidadapara ser coordenadora do laboratório deMúsica do Porto Iracema das Artes (inaugu-rada em 2013, é uma escola de formação ecriação cultural, ligada ao Centro Dragão doMar de Arte e Cultura (CDMAC)), acho queisso é um reconhecimento muito bacana.Sou tratada com muita cordialidade peloscolegas. Os colegas me tratam com muitareverência, muito bacana. Ainda há uma di-ficuldade de chegar em um público maior.Do ponto de vista do mercado, é complica-do, continua complicado. Ainda sou uma ar-tista dentro de um âmbito alternativo.

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Eu percebo porque eu tenho cinco milpessoas na minha página no facebook e eupercebo pessoas das mais variadas áreas,é incrível! Acho muito bacana chegar emum hotel e o cara que é manobrista falar:"Gosto muito do seu trabalho". Como é queesse cara chegou? (à música dela). Porqueeu imagino que ele tenha dificuldade, eunão toco no rádio. Então, como é que elechegou? É difícil, pra mim, pensar que eunão tenho oportunidade de chegar nessesgrandes meios de comunicação. Porque eusei que a minha música é própria pra isso,ela chega nas pessoas.

A prova é a "Cor de Sonho", que é umamúsica de 30 anos que até hoje as pessoasescutam e gostam. Então, tem essa dificul-dade, sim. Agora, do ponto de vista de his-tória, é muito bacana ter uma história reco-nhecida. Agora mesmo o professor Gilmarde Carvalho lançou um livro chamado Músi-ca de Fortaleza, e eu sou um dos ensaios dolivro. Pra mim, isso é um reconhecimentomaravilhoso!

O Aquiles Reis, que é crítico e é do GrupoMPB4, fez um texto lindo falando que eu eraa voz feminina de uma geração. Achei lindoisso. Eu tenho esse reconhecimento pontualque é muito bacana. Agora, eu gostaria dechegar para um público muito maior, queminha música chegasse a um público maior.Porque é uma música, é canção com refrão,com parte A, parte B, e poderia chegar a um

público muito maior. Mas há uma dificul-dade, ainda muito grande, desses grandesmeios de comunicação.

Nícolas - Em algum momento você pen-sou em desistir da carreira?

Mona - Não, nunca. Até porque eu achoque música é uma necessidade. Eu não pos-so deixar de cantar nunca. Pra mim cantaré... Cada vez mais ... (em tom de admiração)

Eu cantava muito mais, eu fazia muitomais shows quando estava morando em SãoPaulo. Eu fiz muito mais shows. Eu acho queo número de shows foi diminuindo, porqueno meu primeiro disco eu fiz muitos shows,o disco foi muito bem recebido pela crítica.

É engraçado, porque o primeiro disco éo que dá mais nos nervos, né? É o primeiroe eu fiquei apavorada! Foram muitos músi-cos, sofri muito com a mixagem, foi um par-to! (risos) E quando lançou eu falei assim:"Seja o que Deus quiser!" Porque eu estavaapavorada. Pra minha surpresa, foi um discosuperbem recebido pela crítica, a crítica sófalou bem desse disco, impressionante! Foium momento muito legal, fiz muitos shows,muitos shows ... E fui indo para uma maturi-dade, eu acho, de voz.

Cada vez hoje que eu estou no palco, queeu estou cantando, eu penso assim: "Poxa,isso aqui é um momento único!" Como élegal cantar ... Parece que a pessoa está le-vitando, é um negócio impressionante, debom e de prazeroso.

"Podia escrever em um outro âmbito, mas escreverpra jornal, fazer crítica de música, fazer resenha de

um disco... Eu sempre fiquei fora disso",

MO A GADELHA I 25

Quando Mona falouque se sentia um poucosolitária porque lia JackKerouac na universidade,Diego e Theyse se entre-olharam. Motivo: Diegogosta bastante do escritor.

De sorriso fácil, a en-trevistada respondeu comprontidão a todas as per-guntas, sem hesitar ou re-cuar em momento algum.O que era mais notávelem sua comunicação cor-pora era o quanto mexianos cabelos.

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Sempre quando cita-va sua mãe, lembrandoda influência dela na vidada artista, Mona deixavaa fala mais tranquila ebranda.

Dois gravadores es-tavam registrando a en-trevista: um pertencenteao professor Ronaldo eo outro ao GRUPPE TV,projeto de extensão docurso de Jornalismo.

Claryce - Falando agora da questão dojornalismo: por que você decidiu cursar Co-municação Social e não Música?

Mona - Boa pergunta. Eu pensei muitoem fazer Música, mas sou uma pessoa quetudo que eu vou fazer eu consulto, assim,uma assembleia de amigos, de pessoas. Etodo mundo me falou: "Olha, não tem umcurso que vai lhe oferecer o que você quer."Pensei: "Puxa, a área mais próxima do atode escrever, de fazer letras, é Comunica-ção." Então, eu fui pra Comunicação pelaescrita, pelo escrever. E foi bacana, foi umadescoberta legal. Depois que eu fui pra SãoPaulo, eu fiz vários cursos de música, eu es-tudei música.

Rute - Como é que foi a trajetória acadê-mica no jornalismo?

Mona - No jornalismo eu trabalhei em to-dos os veículos. Eu trabalhei em televisão,que eu acho mais difícil de todos; como edi-tora de revista, de jornais. Lá em São Paulo,eu editei um jornal que se chamava Meio eMensagem Uornal semanal lançado em SãoPaulo em abril de 1978), que era um jornalque eu lia muito na época da (agência de pu-blicidade) Scala, onde eu trabalhava comopublicitária. Fui editora desse jornal. Faziamuito freelance ... Sempre escrevi muito so-bre moda.

Também trabalhei muito sobre marketinge negócios. Escrevi nos primeiros veículossobre informática e tecnologia. Escrevia

IIEu acho que é ummomento fantástico.

Fazia tempo que eu nãovia, nos últimos dois outrês anos, um momento

tão interessante namúsica do Ceará.Principalmente

contemplando as váriasvertentes, a músicainstrumental, commúsicos virtuosos,

incríveis, talentosos".

REVISTA ENTREVISTA 126-------

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"Escrever eu achoque é o ato mais

maravilhoso e maisdifícil. Você tem umromance publicado

e esse romancepode inclusive sertransposto para

outras linguagens,pra filme, pra

música ... Escrever é ogrande ápice da arte".

muito sobre tecnologia, adorava, era muitoligada. As primeiras revistas sobre tecnolo-gia no Brasil fui eu que escrevi, no Cadernode Informática do Estadão. Eu sempre fugida escrita sobre música. De crítica e anali-sar ... Eu nunca me senti à vontade comocantora, como artista, para escrever sobreo trabalho de outro colega. Como crítica,sabe? Podia escrever em um outro âmbito,mas escrever pra jornal, fazer crítica de mú-sica, fazer resenha de um disco ... Eu sem-pre fiquei fora disso.

Rute - Ainda hoje é assim?

Mona - Ainda hoje. Prefiro não. Se eutiver de escrever vai ser pra algum texto es-pecífico, pra um livro, pra uma coisa mais ...(prolongando a fala). Mas pra fazer uma re-senha de disco, eu nunca me senti à vonta-de pra fazer isso.

Aline - Qual experiência mais a marcoucomo jornalista?

Mona - Uau, teve tantas ... Teve muitas.Eu lembro da cobertura que eu fiz, com aTV Manchete (rede de televisão brasilei-ra fundada no Rio de Janeiro de 1983 pelojornalista e empresário ucraniano naturali-zado brasileiro Adolpho Bloch. A emissorapermaneceu no ar até 10 de maio de 1999),das romarias de Juazeiro. Eu fui com muitomedo, com muita má vontade. "Ah, vai seruma trabalheira, não vou saber fazer". Foiinteressante porque a TV Manchete era na-cional, então a gente fazia matérias aqui praver se entrava no nacional. E foi uma ma-téria que entrou. Infelizmente eu não tenhoessa. Naquela época era tudo naquelas fitasgigantes. Mas foi uma matéria que entrounacionalmente, isso foi muito marcante.

E ser editora do Meio e Mensagem foimarcante. Na experiência como editora,eu aprendi muito. Muito de tudo, de rela-ções humanas, da síntese do texto ... Foi umaprendizado incrível e sofrido, muito sofridoporque não tinha tecnologia, a gente escre-via naquelas máquinas pesadas, as Olivettis(marca de máquinas de datilografia), e edi-tar naquelas máquinas sem o editor de textofoi "paulêra" (difícil, forte). Então, pra mim,foi marcante isso.

MONA GADELHA I 27

O fotógrafo Filipe Pe-reira, já tendo registradooutras entrevistas, não ti-tubeou ao ser convidadopara fotografar a conver-sa com Mona Gadelha.Respondeu com um so-noro "sim",

Horas depois daentrevista, Diego eTheyse continuaraminseridos na dinâmicade produção jornalística.Ambos tiveram plantão:ele no jornal Diário doNordeste, e ela na RádioVerdes Mares.

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De acordo com al-guns colegas, Nícolas,assim que chegou emcasa, para não perder ainspiração, procurou logoescrever as primeiras li-nhas do texto do perfil deMona Gadelha.

o vasto e ecléticorepertório musical e cul-tural de Mona rendeuelogios à artista por par-te dos entrevistadores,já que muitos puderamconhecer alguns grandesnomes durante o diálogocom a cantora.

Ah, e o caderno de domingo. Marcantedemais! Foi o primeiro veículo que eu traba-lhei, o jornal O Povo. Trabalhar em um ca-derno com profissionais incríveis dos quaiseu era fã, Nonato Albuquerque, Isabel Pi-nheiro, Luís Sergio Santos ... Eu era novinha,chegando para trabalhar com esses caras.Foi demais!

Julia - Falando um pouco do seu espí-rito transgressor, revolucionário. Você seencontrou dentro do jornalismo? Porque agente percebe que na sua trajetória vocêdisse: "Ah, eu vou pra São Paulo porque eunão estou me encontrando aqui em Fortale-za". Você se encontrou no jornalismo? Comoera ter esse espírito transgressor dentro deveículos tão tradicionais?

Mona - Olha, você falou que eu tinha idopra São Paulo porque eu não tinha me en-contrado. Na verdade, não foi bem assim.Eu fui pra São Paulo porque eu comecei aperceber que eu já tinha conquistado tudoaqui. Tinha um público bacana que meacompanhava, tinha uma cumplicidade dosintelectuais, das pessoas formadoras deopinião da cidade, eu tinha feito shows in-críveis.

Então, eu cheguei no ponto que, bom,pelo menos as pessoas achavam isso: "Ouvocê sai daqui para tentar uma coisa maiorou então ... " Né? Foi muito no desafio e noimpulso.

Julia - É dessa questão de inquietudeque eu falava mesmo ...

Mona - Ah, tá certo! Exatamente. Ago-ra, no jornalismo não teve muito espaçopra essa transgressão, não. O jornalismo foimuito o trabalho pesado de redação, operá-ria. Escrever matéria, fechar jornal. O que eutentava fazer era sempre um trabalho comtoda excelência possível. Eu era uma edi-tora que lia todos os releases (materiais in-formativos sobre eventos jornalísticos) quechegavam na minha mão, todos!

Eu ficava até altas horas da noite lendoos releases no "papelzinho", marcando commarcador de texto. Eu dava toda importân-cia. E também todo jornalista que chegavana redação pedindo uma chance para fazerum freelance (trabalho remunerado sem li-gação com empresas de comunicação), eudava. Todos. Eu sempre nesse ponto erauma colega muito solidária.

O cara chegava querendo fazer um fre-elance, eu: "Ah, tá aqui. Vá fazer essa ma-téria" e, se fosse um texto legal, aquilo alificava constante. Tinha esse lado legal. Masmuito de operária mesmo, de trabalhar mui-to, até chegar um ponto de não aguentarmais redação.

Theyse - Já no que diz respeito à atuação

no campo da produção cultural: qual é a im-portância da Brazilbizz Music e como foi quesurgiu a ideia de montar essa produtora?

Mona - Surgiu de forma muito espontâ-nea porque hoje os artistas se auto produzemmuito, né? Os artistas independentes foramquase que levados a ter de se autoprodu-zir e os meios tecnológicos ajudaram muitonisso, então você faz seu cartaz em casa,você faz o seu site, você grava em casa.

Eu lembro demais quando eu trabalhavano Meio e Mensagem, que o Roberto Duaili-bi, da DPZ ("DPZ&T", agência de publicidadepaulista), numa entrevista pra mim ele falouassim: "Ah, no futuro você vai poder fazera revolução na sua casa. Porque você faziaa revolução com mimeógrafo, mas você vaipoder fazer com impressoras, vai poder fa-zer seu jornal em casa".

E eu fiquei com aquilo na cabeça. Que in-teressante, não tinha muita dimensão disso,hoje você pode fazer tudo se autoproduzin-do, tem muitos artistas que são verdadeirosempreendedores. Eu acho que, para o beme para o mal, quem tem a vocação pra serempreendedor, ótimo. Mas quem não temfica perdido também. Então, o mercado seexpandiu muito, isso facilitou muito.

Tem muita gente fazendo música, fazen-do arte, produzindo cultura. E foram surgin-do as produtoras culturais, e nos juntamoseu e a Maira Sales, quando ela produziu umshow meu aqui no Dragão do Mar, que foi olançamento do disco Cenas e Dramas, quefoi lindo, a Praça Verde (espaço pertencenteao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura(CDMAC)) lotada!

Foi muito bonito, foi uma ousadia dela.Eu morava em São Paulo e falei: "Maira,isso não vai dar certo, não. Como é que vaiser esse público na Praça Verde, cara? Te-nho público pra isso não. Faz muitos anosque eu saí de Fortaleza. Tô achando issouma loucura".

Ela falou assim: "Não, mais eu vou" (pro-duzir o show). A Maira é muito empreen-dedora, uma produtora muito movida pelapaixão. Para o bem e para o mal também.Porque paixão às vezes é complicado ... Masela saiu, dizendo: "Vou conseguir chamadana Verdes Mares (emissora de televisãocearense, pertencente ao Sistema VerdesMares), vou botar no rádio!" E conseguiu. Agente na Verdes Mares, tinha um cara incrí-vel chamado Mansueto, Mansueto Barbosa,falecido. Ele abria as portas pra cultura, elenos cedia chamadas gratuitas na emissora.

A Maira simplesmente conseguiu cha-madas lá, pra esse show. E o resultado oque foi? A Praça Verde lotada! Eu fiquei dequeixo caído. Não acreditava nessa loucu-

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ra. Eu digo: "Meu segundo disco, faz tempoque eu não canto no Ceará, Dragão do Mar,Praça Verde ... Vai ser barra cantar pra essaPraça Verde vazia!" Fui com muito medo,muito medo mesmo.

E quando eu cheguei foi uma surpresa.Ela chamou outros artistas também pra par-ticipar, participou Isaac Cândido, Lily Alca-lay, saudosa, querida Lily, grande cantora,falecida. Juntaram-se várias pessoas queabriram o show, cada um cantou.

E eu entrei e fiz um show que eu nuncaesqueci, pra uma Praça Verde lotada, lan-çando disco Cenas e Dramas. E a partir dalia gente pensou: "Poxa, eu acho que dá liga(certo) isso aí. Vamos montar uma empre-sa de shows e projetos." Aí, as sonhadorasloucas, já com esse disco Cenas e Dramas,já com essa ponte com a Europa. Ele tinhaentrado em uma compilação internacional.

Eu cheguei pra Maira e falei: "Olha, o dis-co tem uma música chamada 'Johnny VaiPra Guerra' que vai entrar ... {para a compi-lação internscioneh", Ela falou: "Rapaz, euacho que a gente tem de lançar é lá". "Mai-ra, deixa de loucura, como é que a gente vaipra Espanha, cara? Sério".

Quer dizer, isso é aquela produtora da-nada, que vai. E a Maira: "Não, eu vou ligarpro cara que tá lançando". Ligou já falan-do em espanhol, "portunhol", falou com ocara, conseguimos as passagens, fomos lá,ela negociou, conseguiu um apoio da Varig(Viação Aérea Riograndense, empresa quenão existe mais).

A gente foi pra Espanha e, quando agente chegou foi em Zaragoza (municípiolocalizado na província de Saragoça, na Es-panha), onde teve essa Feira Strict Mundial,lá eles falaram assim: "Olha, a música bra-sileira tem muita entrada na Europa, vocêsdeviam começar a pensar em fazer coisas".E fizemos isso. Durante três anos, a genteparticipou do Midem, que é a maior Feirade Música do mundo. O Brasil ainda estavaengatinhado e a música independente bra-sileira já estava chegando nesses eventos.Hoje está consolidada.

A gente fez coisas bem incríveis com aBrazilbizz. Depois a Maira voltou pra cá, porquestões familiares. O pai dela ficou muitodoente e chegou a falecer. Hoje nós estamosaqui, atuando de outra forma. Não como agente atuava tanto em São Paulo, porque láo mercado é muito maior.

Aline - Como é que se deu o convite paraser coordenadora do Laboratório de Músi-ca, do Porto Iracema das Artes?

Mona - Eu vim, em 2014, cantar duasmúsicas em show especial sobre a GeraçãoMassafeira. Já estava preparando minha ba-

gagem para voltar pra São Paulo e recebio convite da Bete Jaguaribe e foi incrível,porque eu pensei assim: "Poxa, é um mo-mento .. ." Eu tinha feito o disco Praia Lírica,que teve uma receptividade muito bacanaem Fortaleza, as pessoas me falavam muitocomovidas. Fizemos um lançamento lindono Theatro José de Alencar. Muito lindo oespetáculo ...

O outro disco, Cidade Blues ... , já tinhamuito a ver com a cidade. Eu acho que es-tava tudo confluindo pra voltar para Forta-leza. Também a situação de saúde da mi-nha mãe, minha mãe está com 87 anos. Eupensei: "Poxa, tá no momento de ficar maisperto da família".

As parcerias com os amigos que esta-vam sendo feitas pelo facebook, agora po-dem ser feitas ao vivo e a cores. Eu achoque juntou tudo isso. O convite da Bete foio ponto principal pra ficar em Fortaleza. E éum trabalho desafiador, tem sido incrível otrabalho no Porto.

Diego - Mona, você coordenando umlaboratório que tem tanta importância parao Ceará, com uma envergadura grande ...Como analisa a cena musical cearensehoje? Esses novos cantores e compositores,como você vê? Agora como analista, comocoordenadora.

Mona - Eu acho que tá em ebulição. Eutenho visto trabalhos incríveis, alguns artis-tas que me surpreendem na criatividade,com postura. Muitos artistas interessantes.Alguns eu fico até com vontade de escrever.Eu fico vendo o artista: "Pô, que vontade defazer um perfil desse cara, dessa menina .. .'Porque são artistas incríveis! Eu acho queé um momento fantástico. Fazia tempo queeu não via, nos últimos dois ou três anos,um momento tão interessante na música doCeará. Principalmente contemplando as vá-rias vertentes, a música instrumental, commúsicos virtuosos, incríveis, talentosos. Agente sempre teve essa vocação, mas euacho que agora a gente tá vendo mais ain-da. Cancionistas, gente fazendo canção ma-ravilhosamente bem. Eu acho que é um mo-mento interessante, e é importante a genteter sempre atenção pra essa diversidade,não ficar só numa onda. Porque a músicabrasileira vive muito de onda (referindo-seaos modismos). "Agora a onda é tal .. .' "ai,é só aquela onda .. ." Essas ondas são com-plicadas. E elas não podem chegar nas cura-dorias, nas pessoas que são responsáveispela formação de plateia. Elas não podemdeixar que essas ondas prevaleçam sobre adiversidade de talentos que a gente tem.

Nícolas - Os artistas que chegam atévocê, você enxerga um pouquinho da Mona

Após o encerramen-to da entrevista, por voltade 11 horas da manhã,entrevistadores e entrevis-tada se serviram em fartarefeição oferecida peloanfitrião. Diversos doces,salgados, refrigerantes,cervejas e cachaça esta-vam à mesa.

Na reunião pós-entre-vista, parte dos entrevista-dores confessou somenteter se sentido à vontadecom a entrevista após sen-tir pessoalmente a leveza ea profundidade de tão fáciltransmissão inerentes àentrevistada.

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Apesar de afirmar queão tinha problema al-

gu em voltar para casade ônibus, o professor

onaldo Salgado, mesmodoente com uma gripe,foi deixar Mona em casade carro.

Diego chegou a co-mentar em sala o quan-to foi exaustivo, mas aomesmo tempo gratifican-te, participar de todo oprocesso de captação edesdobramento da entre-vista com Mona Gadelha.

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"Acho que as mulheres enfrentam isso comuita garra, com muita paixão. E nós mulheres,eu sempre digo: 'A gente tem de ser muito

melhor, o tempo todo em tudo'''.

início da carreira, cheia de sonhos?Mona - Demais! Demais! Eu vi um pro-

_ o agora que entrou, que a Comissão (do-8boratório de Música do Porto Iracema das

rtes) escolheu pra ser um dos projetos do.aboratório de Música, que é uma banda

ue eu não conhecia, chamada Rivera (ban-da cearense formada em 2012), que falei,

ossa, é incrível como parece!". O som pa-ece com o som que eu fazia, que eu faço.

Eu digo: "Fazia ..." Parece até que não faço-nals. Mas tem muito a ver, a música comrefrão, a música pop com refrão, com umaetra mais trabalhada. Então, me identificomulto com essa vontade das pessoas demostrar seus trabalhos.

Aline - Mona, para encerrar ... Esta revis-a, a gente escolheu fazer toda com mulhe-

res, é uma edição bem especial que só vaier mulheres. Sobre isso, eu quero pergun-ar se você enfrentou alguma dificuldade, al-

gum preconceito na carreira por ser mulher,por ser mulher que canta rock, mulher inde-pendente que foi atrás do sonho de cantar emudou de cidade. Aconteceu alguma coisado tipo?

Mona - Sim, com certeza. Eu sempre fuiuma pessoa muito sonhadora e acho queàs vezes eu nem percebia o preconceito, àsvezes a gente nem percebe. No próprio Mi-den, quando eu participei lá, eu e a Maira,duas mulheres nordestinas ali, ousadas, le-vando disco de vários artistas e apresentan-do ali, eu percebi. A gente sempre percebe,depois que passa é que a gente percebe.Umas atitudes, que a gente falava: "Ah, aliera preconceito e eu nem tinha sacado" Opreconceito ele é muito ... O preconceito eletem essa forma cruel, ele é sutil, você nãosaca. Você saca só depois, você fala: "Ah ...Aquilo ali eu nem sacava ... " Então, tevesim, mas a gente sempre enfrentou, a genteenfrenta. Acho que as mulheres enfrentamisso com muita garra, com muita paixão. Enós, mulheres, eu sempre digo: "A gentetem de ser muito melhor, o tempo todo emtudo" (silêncio)

Até hoje é um negócio impressionante, agente tem de ser ótima. Uma vez eu vi umdepoimento incrível de um, não vou lembraro nome dele agora, de um dramaturgo sur-

gido no morro, lá do Rio (de Janeiro), achoque ele era do "Nós do morro" (grupo tea-tral carioca) e ele falava assim: "Por eu sernegro, por eu morar no morro e me tornardramaturgo, eu lia todo dia uma peça de te-atro no meu transporte. Eu lia, porque tinhade ler tudo, porque tinha de ser melhor emtudo".

Você vê que, quando você fala nos gran-des compositores, as pessoas não citammuito as mulheres, as grandes composito-ras. E têm grandes compositoras que nãosão muito citadas. É engraçado isso. Porque existe "Literatura Feminina"? Separama Literatura Feminina. E o resto, como é? Li-teratura Feminina e... Ficam separando mui-to, por causa dessas questões.

E é incrível como a questão do machis-mo e do feminismo voltou de novo à ordemdo dia. Eu que nasci nos anos 60 e achavaque estava vivendo em um mundo cada vezmais progressista, estou pasma, horroriza-da, com a onda conservadora que vem to-mando de conta do mundo. Nunca penseique ia viver essa época.

* Nomes citados por Mona durante aentrevista

Ricardo Augusto Rocha - Músico e com-positor cearense. Fez parceria com MonaGadelha na faixa "James Dean", presenteno CD Cidade Blues Rock nas Ruas.

80 Diddley - Nascido em 1928, foi uminfluente cantor, compositor e guitarrista deblues norte-americano.

Siegbert Franklin - Artista plástico e ilus-trador fortalezense, falecido.

Alceu Valença - Cantor e compositorpernambucano.

Simone - Simone Bittencourt de Oliveira.Cantora nascida na Bahia em 1949, conheci-da simplesmente por Simone.

Janis Joplin - Cantora e compositoranorte-americana, considerada por impor-tantes publicações como "A rainha do Rockand RolI". Falecida.

8eatles - Icônico grupo britânico forma-do por John Lennon, Paul McCartney, RingoStarr e George Harrison. Fizeram um estron-doso sucesso desde a década de 1960.

Martinho da Vila - Cantor, compositor e

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O processo de decu-pagem foi longo, apesarde ser dividido em tem-pos iguais para a duplada produção: tanto Caiocomo Diego ficaram cadaum com uma hora e seisminutos de decupagem.

O trabalho de ediçãofinal desta entrevista sedeu através de animadae trabalhosa conferênciaonline realizada pela equi-pe de produção.

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o clima de parceriae amizade entre Caio eDiego permaneceu firmeem todos os processosde desenvolvimento daentrevista com Mona,algo que contribuiu paraa fluidez no trabalho deambos.

Mona fez parte dacoordenação de produ-ção da inauguração doCUCA Barra do Ceará, emsetembro de 2009, o quetambém lhe fez volvermais seu olhar sobre a ju-ventude de Fortaleza.

músico carioca.Jerry Adriani - Cantor paulista que InI-

ciou a carreira na TV Tupi de São Paulocomo vocalista do conjunto "Os Rebeldes".

Wanderley Cardoso - Artista paulistaque ao longo da carreira gravou mais de 900músicas e vendeu cerca de 16 milhões decópias de seus 84 discos.

Roberto Carlos - Cantor, compositor eempresário capixaba, um dos maiores no-mes da Música Popular Brasileira.

Bob Oylan - Compositor, cantor, pintor,ator e escritor norte-americano. Influencioudiretamente grandes nomes do rock ameri-cano e britânico dos anos de 1960 e 1970.

John Lennon - Foi um músico, guitar-rista, cantor, compositor, escritor e ativistabritânico. Um dos fundadores da banda bri-tânica The Beatles. Falecido.

Belchior - Cantor e compositor cearen-se, um dos primeiros cantores de MPB do

ordeste brasileiro a fazer sucesso nacio-nal, em meados da década de 1970.

Patti Smith - Poetisa, cantora e musicis-ta norte-americana. Tornou-se proeminentedurante o movimento punk com seu álbumde estréia, Horses, em 1975.

Geração Beat - Termo usado tanto paradescrever um grupo de norte-americanos,principalmente escritores e poetas, que vie-ram a se tornar conhecidos no final da dé-cada de 1950 e no começo da década de1960, quanto ao fenômeno cultural que elesinspiraram, a contracultura.

Ataulfo Alves - Foi um compositor e can-tor de samba mineiro.

Maysa - Foi uma cantora, compositora eatriz brasileira.

Floriano Martins - Poeta, editor, ensaístae tradutor fortalezense.

Lúcio Ricardo - Surgiu na cena musicalcearense no final da década de 1970. Partici-pou do histórico evento multimídia Massa-feira, no Theatro José de Alencar. Na época,era líder da banda Perfume Azul.

Nirton Venâncio - Além de escritor, é ro-teirista e diretor de filmes cearense.

Augusto Pontes - Foi filósofo, composi-tor, publicitário e secretário de Cultura doCeará. Também participou do importanteevento Massafeira, em 1979.

Robert Plant - Músico, cantor e compo-sitor britânico mais conhecido por seu tra-balho como vocalista da banda de rock LedZeppelin.

Led Zeppelin - Foi uma banda britânicade rock, formada em Londres em setembrode 1968, cuja formação consistia no guitar-rista Jimmy Page, o vocalista Robert Plant,o baixista e tecladista John Paul Jones e obaterista John Bonham.

James Oean - Ator norte-americano con-siderado um ícone cultural, como a melhopersonificação da rebeldia e angústias pró-prias da juventude da década de 1950.

O'Alva Stella - Solista, regente, compo-sitora e arranjadora cearense, membro daAcademia Cearense de Música.

Caetano Veloso - Músico, produtor, ar-ranjador e escritor baiano.

Ednardo - Cantor e compositor cearen-se, idealizado r da famosa canção "PavãoMisterioso".

Téti - Nascida em Quixadá (CE), foi in-tegrante do movimento musical denomina-do "Pessoal do Ceará", na década de 1970,além de ter sido a voz feminina do impor-tante álbum Meu corpo minha embalagemtodo gasto na viagem.

Rodger - Cantor, compositor, professorde Física da Universidade Federal do Ceará(UFC), ator de teatro e de cinema, radialistae roteirista.

Petrúcio Maia - Tornou-se um dos prin-cipais protagonistas do cenário musicalformado no Ceará nos anos 1960 e 1970,gestado a partir dos espaços universitários,teatros, bares e da TV Ceará, canal 2. Deixoupoucos discos-solo, mas de grande relevân-cia para a cultura do Estado. Falecido.

Stélio Valle - Além de músico, era for-mado em Administração de Empresas. Foiparceiro de compositores como Alano Frei-tas, Chico Pio, Fausto Nilo e Francis Vale.Gravou os discos-solo Brilho (1979) e Serfeliz (1999).

Ângela Unhares - Participou do históricoevento Massafeira Livre, em 1979, e possuivárias composições inéditas. Antes do Mas-safeira, fazia parte do Grupo Raízes, que lan-çou dois LPs, onde a artista participou comocompositora e integrante do grupo.

Ana Fonteles - Piauiense de Parnaíba,fez-se cantora no Ceará, onde chegou aindana década de 1970. Além de ter participadodo Massafeira, sua reconhecida versatilida-de musical a levou a gravar participaçõesem discos de Petrúcio Maia, Stélio do Vallee Alano e Francis Valle.

Muddy Watter - Foi um músico de bluesnorte-americano, considerado o pai do Chi-cago blues.

John Hooker - Foi um influente cantor eguitarrista de blues norte-americano, nasci-do no condado de Coahoma, no Mississipi.

Mino - Cartunista, ilustrador, artista plás-tico e escritor cearense. Trabalhou em agên-cias de publicidade, participou de diversossalões de humor nacionais e internacionais.Como cartunista, é criador do super-heróicearense Capitão Rapadura. Ilustrou o livroContagem Regressiva, de Mona Gadelha.

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Billy Wilder - Foi um realizador de cine-a norte-americano. A carreira de roteirista,

cmeasta e produtor estendeu-se por maise 50 anos em mais de 60 filmes.

Norma Desmond - Personagem vividaela atriz Gloria Swanson no filme Crepús-ulo dos Deuses (Sunset Boulevard), de

-950.Zygmunt Bauman - Premiado sociólogo

polaco, autor do importante livro Moderni-dade Líquida. É professor emérito de so-ciologia das universidades de Leeds e Var-sóvia.

Adísia Sá - É radialista, apresentadora deelevisão, escritora, professora e jornalista

cearense, fundadora do curso de Comuni-cação Social - Jornalismo da UniversidadeFederal do Ceará (UFC).

Clarice Lispector - Foi uma premiadaescritora e jornalista nascida na Ucrânia enaturalizada brasileira, autora de romances,contos e ensaios.

Fernando Pessoa - Foi um poeta, escri-tor, astrólogo, crítico e tradutor português.

José de Alencar - Foi um escritor e polí-tico cearense, fundador do romance de te-mática nacional.

Gilmar de Carvalho - Graduado em Di-reito e Comunicação Social pela Universida-de Federal do Ceará (UFC), é também au-tor, organizador e co-autor de mais de trintalivros, possuindo artigos publicados pelasprincipais revistas acadêmicas brasileiras ealgumas do exterior.

Ângela Borges - Renomada publicitáriacearense, trabalhou como repórter do jor-nal O Povo na década de 1970. Também foicoordenadora de imprensa do Governo doEstado do Ceará na gestão Ciro Gomes. Fa-lecida.

Ricardo Bezerra - Arquiteto e músicoque, a partir da convivência com o Pessoaldo Ceará, na década de 1970, fez parceriacom Fausto Nilo, Augusto Pontes, RodgerRogério e Petrúcio Maia. É compositor devários discos.

Jorge Hélder - Cearense instalado noRio de Janeiro há três décadas, o baixistaconseguiu um lugar de destaque na músicabrasileira popular ou erudita, fruto principal-mente de sua parceria com artistas comoMaria Bethânia e Sandra de Sá.

Luís Sérgio Santos - É bacharel em Co-municação Social pela Universidade Federaldo Ceará (UFC), onde ainda ministra aulas.Assumiu importantes cargos nos principaisveículos de comunicação do Ceará, além deter ganhado o Prêmio Esso, em 1979.

Isabel Pinheiro - Jornalista, tendo pas-sado pelos principais veículos de comuni-cação do Ceará, sendo também assessora

da então Fundação da Ação Social, hojeSecretaria do Trabalho e DesenvolvimentoSocial.

Literatura Beat - Produção literária pro-veniente do movimento Geração Beat.

Jack Kerouac - Escritor norte-americano.Um dos expoentes da Geração Beat, tendoescrito o clássico On The Road (1957).

Allen Ginsberg - Foi um poeta america-no da Geração Beat, mais conhecido pelolivro de poesia Howl (1956).

Carlos Drummond de Andrade - Foi umpoeta, contista e cronista brasileiro, consi-derado por muitos o mais influente poetabrasileiro do século xx.

Arrigo Barnabé - Músico e ator brasileirocujo reconhecimento para o grande públicoveio logo com o primeiro disco, Clara Cro-codilo (1980).

Aquiles Reis - Cantor do grupo MPB-4 eescritor. Em 2004, lançou o livro O Gogó deAquiles, pela Editora Girafa. Assina colunassemanais nas publicações Meio Norte, deTeresina, e Jornal da Cidade, de Poços deCaldas, e no sítio oficial do MPB-4.

Nonato Albuquerque - Radialista, jorna-lista e apresentador de televisão cearense.

Roberto Duailibi - Considerado um dosprincipais publicitários brasileiros. Funda-dor da agência DPZ&T, agência de publici-dade paulista.

Maira Sales - Produtora cultural. Junta-mente com Mona Gadelha, fundou a Brazil-bizz Music.

Mansueto Barbosa - Comunicador cea-rense fundador da Associação Cearense deEmissoras de Rádio e Televisão (ACERT).

Isaac Cândido - Músico, cantor e com-positor e produtor cultural. Primo do cantore compositor Fagner.

Lily Alcalay - De cidadania venezuelana,morou em vários países até fixar residênciaem Fortaleza, onde cantava na noite. Foivocalista da banda Marajazz e em 2002 gra-vou o primeiro e único CD - que teve comotítulo seu nome - já que viria a falecer noano seguinte.

Bete Jaguaribe - Diretora da Escola Por-to Iracema das Artes

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A cantora tambémchegou a se apresentarem várias unidades doSesc, em 2008, com oespetáculo "O Dom doCiúme, Uma Interpreta-ção Musical de Dom Cas-murro, de Machado deAssis". O show lembravao centenário de morte deMachado.

Uma semana após aentrevista, Mona Gadelhapostou uma foto com todaa equipe de produção napágina dela no facebookcom o agradecimento:"Obrigada, queridos!"