Mônica 2

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48 Sexta-feira, 17 de julho de 2009 CULTURA Jornal de Brasília MAURICIO 50 ANOS "Ninguém pensa como eu" Muitos são os adjetivos que se pode atribuir ao empresário e quadrinista Mauricio de Sousa: gênio, visionário, inovador. Uma boa definicial para tal artista, talvez, seja a de trabalhador incansável com extrema sensibilidade às questões sociais, atento à importância da educação para o crescimento de um povo. Não fosse assim, sua imagem e seus personagens jamais estariam atrelados a organizações como o Fundo das Nações Unidas para Criança e Adolescência (Unicef). Os adjetivos citados, porém, são oportunos quando o assunto diz respeito aos mais de 200 personagens que criou, entre eles, um tiranossauro vegetariano e introspectivo chamado Horácio, que na sua simplicidade de encarar a vida, mostra caminhos alternativos e faz refletir. Horácio foi um dos assuntos, entre vários, nesta entrevista que Mauricio concedeu ao Jornal de Brasília. Mauricio, você poderia enumerar os momentos marcantes de sua carreira ao longo desses 50 anos? Sempre quando se faz alguma coisa pela primeira vez é marcante. Quando criei o meu primeiro personagem e o vi pu- blicado, o Bidu, foi marcante. Quase chorei. Quando vi a minha primeira revista, 10 anos depois, da Mônica, em 1970. Quando vi, 10 anos depois, o meu primeiro desenho animado da Mônica. Põe mais 10 anos aí, e inauguro o Parque da Mônica, em São Paulo. Agora, quan- do vejo outros países publicando nossas revistas, são mais tijolos marcantes na minha história. Houve algum artista que mais o in- fluenciou no seu estilo? Foram diversas influências. O meu estilo é uma sopa de tudo que treinei, copiei, olhei, gostei, e até do que não gostei. Nisso, fui treinando, vendo o que o pessoal fazia, as técnicas que os de- senhistas americanos usavam. Ao passo dessas diversas influências que tive no início da carreira, há a evolução natural do traço, do desenho, dos nossos ro- teiros, e também da equipe que realiza. Então, numa grande equipe como a nossa, com 450 pessoas trabalhando na parte artística, cada um dá um pouco de si. Às vezes chega um para dizer que “um tracinho mais para cá ficou melhor, mais moderninho e arejado”. Então é nisso que fui assimilando uma evolução de traços e do que acontece por aí. É assim que a história em quadrinhos permanece moderna, dinâmica, e em plena evolução. Ao longo destes 50 anos, você deve ter ouvido milhares de artistas dizerem que você é uma referência. O que sente ao ser o mais bem-sucedido artista e quadrinista da história do nosso País? É um sem número. Quase todos eles falam isso que você disse. Mas espero que isso continue a acontecer, para que eu possa continuar influenciando muita gente de forma positiva, não apenas no quadrinho. Tenho recebido comunica- dos e cartas por Orkut e Twitter de pessoas que são arquitetas, engenheiras, que trabalham com computação gráfica. Elas falam a mesma coisa: que foram para a área artística, para a criação, por causa de nossas histórias. Eu fico or- gulhoso com isso e, ao mesmo tempo, com uma responsabilidade danada. Entre todos os personagens que criou, o seu apego com o Horácio é famoso. Você é o único que o de- senha e faz suas historinhas. Con- tinua sendo assim? Ainda não consegui passar para ter- ceiros essas histórias do Horácio. É por isso que saem tão poucas, porque não tenho muito tempo. Mas estou tentando. Alguns outros roteiristas conseguiram passar uma ou duas histórias. Mas é pouco e precisamos de mais. Mas o que te impede em delegar essa tarefa a outros? É que a história do Horácio vai por uma linha filosófica que é muito pessoal. Ninguém pensa como eu. O pessoal pode pegar a fórmula de todos os personagens, mas não a minha reação. Acabou de chegar uma história de um bom roteirista que colocou o Horácio em uma his- torinha com reações que não são normais para o personagem nos úl- timos 40 anos. Como é muito difícil passar algo do meu espírito, que vem lá de dentro, eu vou desenhando enquanto isso. Você tem esse cuidado com algum outro personagem? Não tenho. O que gosto de desenhar às vezes e quando tenho tempo, é o Chico Bento. É notável as mudanças da turminha no estilo e na questão da lingua- gem. A Mônica não falava muitas gírias na década de 70 e era fã do Eder Jofre. Hoje ela detesta boxe e adota expressões que a garotada fala hoje em dia. Como são pla- nejadas essas mudanças? Não tenho projetos para mudar as- sim ou assado. São coisas que fazem parte da dinâmica da vida, do que leio e sinto, que vão condicionando o estúdio para falar a língua do dia e da hora. O plano é a gente ficar atento para isso porque eu não sei qual é o momento de mudar. Sobre a lin- guagem, a preocupação é perma- nente desde que comecei a fazer história em quadrinhos. A cada cinco anos, costuma-se mudar gírias, ter- minologias, expressões e semântica. É preciso acompanhar porque fazemos revistas para públicos de diversas ida- des. Metade dele é adulto, então a gente se equilibra muito porque temos de agradar a todos eles. É surpreendente saber que o público adulto ocupa um universo tão grande entre os leitores de uma revista in- fantil. Fizemos duas pesquisas que indicaram isso. Agora fiz uma nova com relação à Turma Jovem. E mais de 50% dos leitores vão de 12 a 17 anos. O in- teressante é que além das crianças, parte dessa porcentagem é de os adul- tos que disseram ter voltado a ler as nossas revistinhas. Já a criançada gosta porque se vê no futuro como a Mônica Jovem. A Turma Jovem foi uma boa aposta, então? Foi uma aposta que eu sabia que ia acontecer alguma coisa boa, mas su- perou todas as minhas expectativas. A Tina é, de certa forma, uma versão adulta da própria Mônica. Foi criada a partir da “dentucinha”. Por que então você não quis uti- lizá-la para a Turma Jovem em vez de “crescer” a Mônica? De certa maneira, existia uma ten- dência para isso, mas eu precisei dar uma separada a fim de ter personagens com características gerenciadas. De- pois, foi preciso reformular a Tina para não misturá-la com a Turma Jovem. Acabamos montando revistas direcio- nadas para crianças, adolescentes e adultos. A Tina entra nesse universo adulto por já ter mais de 18 anos, viaja sozinha, dirige. Isso abre possibili- dade de escrever histórias diferentes da Turma Jovem que não pode fazer nada disso por estar em outra faixa de idade. Você tem planos de consolidar uma revista da Turma da Tina? Na verdade, ela acabou de sair. (No momento em que fazíamos a en- trevista, por telefone, Mauricio contou a reportagem, que a edição número 1 da revista periódica e permanente da Tina acabara de ser “liberada” para as bancas). Como está o desempenho inter- nacional da Turma da Mônica? Nós publicamos revistinhas em 32 idiomas, tanto a Mônica quanto o Ronaldinho Gaúcho, que na verdade é o mais vendido. Ele é o maior sucesso. É outra surpresa saber que Ro- naldinho Gaúcho é mais vendido que a Mônica. Mas é explicável. O Ronaldinho in- depende dos desenhos animados e da mídia. Quando o criei, ele era o maior jogador do mundo, o mais famoso, então eu não precisava explicar quem era. A Mônica, ao contrário, foi pre- cedida de desenhos animados, ex- plicações e outras coisas. Agora nós estamos preenchendo esse espaço, esse vácuo com mais desenhos ani- mados em co-produção com outros estúdios para a Mônica poder acom- panhar o Ronaldinho Gaúcho na in- ternacionalização.

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Entrevista com Mauricio de Sousa - Jornal de Brasília

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48 Sexta-feira, 17 de julho de 2009C U LT U R A Jornal de Brasília

MAURICIO 50 ANOS

"Ninguém pensa como eu"Muitos são os adjetivos que se pode atribuir ao empresário e quadrinista Mauricio de Sousa:

gênio, visionário, inovador. Uma boa definicial para tal artista, talvez, seja a de trabalhadorincansável com extrema sensibilidade às questões sociais, atento à importância da educação para ocrescimento de um povo. Não fosse assim, sua imagem e seus personagens jamais estariamatrelados a organizações como o Fundo das Nações Unidas para Criança e Adolescência (Unicef).Os adjetivos citados, porém, são oportunos quando o assunto diz respeito aos mais de 200personagens que criou, entre eles, um tiranossauro vegetariano e introspectivo chamado Horácio,que na sua simplicidade de encarar a vida, mostra caminhos alternativos e faz refletir. Horácio foium dos assuntos, entre vários, nesta entrevista que Mauricio concedeu ao Jornal de Brasília.

Mauricio, você poderia enumerar osmomentos marcantes de sua carreiraao longo desses 50 anos?

Sempre quando se faz alguma coisa pelaprimeira vez é marcante. Quando criei omeu primeiro personagem e o vi pu-blicado, o Bidu, foi marcante. Quasechorei. Quando vi a minha primeirarevista, 10 anos depois, da Mônica, em1970. Quando vi, 10 anos depois, o meuprimeiro desenho animado da Mônica.Põe mais 10 anos aí, e inauguro o Parqueda Mônica, em São Paulo. Agora, quan-do vejo outros países publicando nossasrevistas, são mais tijolos marcantes naminha história.

Houve algum artista que mais o in-fluenciou no seu estilo?

Foram diversas influências. O meu estiloé uma sopa de tudo que treinei, copiei,olhei, gostei, e até do que não gostei.Nisso, fui treinando, vendo o que opessoal fazia, as técnicas que os de-senhistas americanos usavam. Ao passodessas diversas influências que tive noinício da carreira, há a evolução naturaldo traço, do desenho, dos nossos ro-teiros, e também da equipe que realiza.Então, numa grande equipe como anossa, com 450 pessoas trabalhando naparte artística, cada um dá um pouco desi. Às vezes chega um para dizer que“um tracinho mais para cá ficou melhor,mais moderninho e arejado”. Então énisso que fui assimilando uma evoluçãode traços e do que acontece por aí. Éassim que a história em quadrinhospermanece moderna, dinâmica, e emplena evolução.

Ao longo destes 50 anos, você deve terouvido milhares de artistas dizeremque você é uma referência. O que senteao ser o mais bem-sucedido artista equadrinista da história do nosso País?

É um sem número. Quase todos elesfalam isso que você disse. Mas esperoque isso continue a acontecer, para queeu possa continuar influenciando muitagente de forma positiva, não apenas noquadrinho. Tenho recebido comunica-dos e cartas por Orkut e Twitter depessoas que são arquitetas, engenheiras,que trabalham com computação gráfica.Elas falam a mesma coisa: que forampara a área artística, para a criação, porcausa de nossas histórias. Eu fico or-gulhoso com isso e, ao mesmo tempo,

com uma responsabilidade danada.

Entre todos os personagens quecriou, o seu apego com o Horácio éfamoso. Você é o único que o de-senha e faz suas historinhas. Con-tinua sendo assim?

Ainda não consegui passar para ter-ceiros essas histórias do Horácio. Épor isso que saem tão poucas, porquenão tenho muito tempo. Mas estoutentando. Alguns outros roteiristasconseguiram passar uma ou duashistórias. Mas é pouco e precisamosde mais.

Mas o que te impede em delegaressa tarefa a outros?

É que a história do Horácio vai poruma linha filosófica que é muitopessoal. Ninguém pensa como eu. Opessoal pode pegar a fórmula detodos os personagens, mas não aminha reação. Acabou de chegaruma história de um bom roteiristaque colocou o Horácio em uma his-torinha com reações que não sãonormais para o personagem nos úl-timos 40 anos. Como é muito difícilpassar algo do meu espírito, que vemlá de dentro, eu vou desenhandoenquanto isso.

Você tem esse cuidado com algumoutro personagem?

Não tenho. O que gosto de desenharàs vezes e quando tenho tempo, é oChico Bento.

É notável as mudanças da turminhano estilo e na questão da lingua-gem. A Mônica não falava muitasgírias na década de 70 e era fã doEder Jofre. Hoje ela detesta boxe eadota expressões que a garotadafala hoje em dia. Como são pla-nejadas essas mudanças?

Não tenho projetos para mudar as-sim ou assado. São coisas que fazemparte da dinâmica da vida, do queleio e sinto, que vão condicionando oestúdio para falar a língua do dia e dahora. O plano é a gente ficar atentopara isso porque eu não sei qual é omomento de mudar. Sobre a lin-guagem, a preocupação é perma-nente desde que comecei a fazerhistória em quadrinhos. A cada cincoanos, costuma-se mudar gírias, ter-minologias, expressões e semântica.

É preciso acompanhar porque fazemosrevistas para públicos de diversas ida-des. Metade dele é adulto, então a gentese equilibra muito porque temos deagradar a todos eles.

É surpreendente saber que o públicoadulto ocupa um universo tão grandeentre os leitores de uma revista in-fa n t i l .

Fizemos duas pesquisas que indicaramisso. Agora fiz uma nova com relação àTurma Jovem. E mais de 50% dosleitores vão de 12 a 17 anos. O in-teressante é que além das crianças,parte dessa porcentagem é de os adul-tos que disseram ter voltado a ler asnossas revistinhas. Já a criançada gostaporque se vê no futuro como aMônica Jovem.

A Turma Jovem foi uma boa aposta,e n t ã o?

Foi uma aposta que eu sabia que iaacontecer alguma coisa boa, mas su-perou todas as minhas expectativas.

A Tina é, de certa forma, umaversão adulta da própria Mônica.Foi criada a partir da “dentucinha”.Por que então você não quis uti-lizá-la para a Turma Jovem em vezde “crescer” a Mônica?

De certa maneira, existia uma ten-dência para isso, mas eu precisei daruma separada a fim de ter personagenscom características gerenciadas. De-pois, foi preciso reformular a Tina paranão misturá-la com a Turma Jovem.Acabamos montando revistas direcio-nadas para crianças, adolescentes eadultos. A Tina entra nesse universo

adulto por já ter mais de 18 anos, viajasozinha, dirige. Isso abre possibili-dade de escrever histórias diferentesda Turma Jovem que não pode fazernada disso por estar em outra faixade idade.

Você tem planos de consolidar umarevista da Turma da Tina?

Na verdade, ela acabou de sair. (Nomomento em que fazíamos a en-trevista, por telefone, Mauricio contoua reportagem, que a edição número 1da revista periódica e permanente daTina acabara de ser “liberada” paraas bancas).

Como está o desempenho inter-nacional da Turma da Mônica?

Nós publicamos revistinhas em 32idiomas, tanto a Mônica quanto oRonaldinho Gaúcho, que na verdadeé o mais vendido. Ele é omaior sucesso.

É outra surpresa saber que Ro-naldinho Gaúcho é mais vendido quea Mônica.

Mas é explicável. O Ronaldinho in-depende dos desenhos animados e damídia. Quando o criei, ele era o maiorjogador do mundo, o mais famoso,então eu não precisava explicar quemera. A Mônica, ao contrário, foi pre-cedida de desenhos animados, ex-plicações e outras coisas. Agora nósestamos preenchendo esse espaço,esse vácuo com mais desenhos ani-mados em co-produção com outrosestúdios para a Mônica poder acom-panhar o Ronaldinho Gaúcho na in-ternacionalização.