Monografia

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Igreja Presbiteriana do Brasil Junta de Educação Teológica Seminário Presbiteriano do Norte Bacharel em Teologia SOLA SCRIPTURA - A DOUTRINA REFORMADA DA AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS Por: Fúlvio Anderson Pereira Leite Recife, Agosto de 2006

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SOLA SCRIPTURA - A DOUTRINA REFORMADA DA AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS Por:: Fúlvio Anderson Pereira Leite

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Trabalho monográfico realizado sob a

orientação do Professor: Walter Tavares

para cumprir as exigências do Seminário

Presbiteriano do Norte, com o fim de obter

grau do curso: Bacharel em Teologia.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha amada mãe,

Maria José Pereira Leite.

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AGRADECIMENTOS

Sou imensamente grato ao Senhor pela oportunidade de servi-lo, sobretudo de

servi-lo na IPB, uma Igreja séria e comprometida com a Palavra da Verdade e sua

Pregação.

Sou grato ao Presbitério Litorâneo de Pernambuco pela confiança que expressaram

ao outorgar-me trabalhos tão sérios. Senti o peso da atribuição, mas ao mesmo tempo senti

o apoio nas orações. A Comissão Executiva, bem como de todos os conciliares.

Sou grato ao Conselho da Igreja Presbiteriana de Pontezinha, porque são servos de

Deus, são exemplos na Igreja, de pessoas empenhadas e preocupadas com o Reino.

Sou grato ao meu tutor o Rev. Jasom Rodrigues, ao Pastor Adalberon de Carvalho

Garret e ao Pastor Paulo Chagas um grande amigo.

Sou imensamente grato à Congregação Presbiteriana de Prazeres, porque com ela

tenho aprendido muito mais do que em qualquer seminário, e tem me ensinado o que é ser

pastor.

Sou grato aos meus pais e meu irmão porque nas horas de aperto eles sempre

vieram ao meu socorro.

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5

FOLHA DE APROVAÇÃO

__________________________________

Orientador Prof.: Rev.Walter Tavares

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6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................7

BASE CONFECIONAL................................................................................................10

I – AS ESCRITURAS NA HISTÓRIA DA IGREJA.................................................11

1.1. O que é Cânon?.........................................................................................................11

1.2. Critérios para se Reconhecer o Cânon......................................................................14

1.3. Amadurecimento do Cânon......................................................................................15

1.4. O Consenso Quanto ao Cânon..................................................................................17

1.5. A Fixação do Cânon...............................................................................................18

1.6. A Importância das Escrituras para os Pais da Igreja................................................19

1.7. As Escrituras na Igreja: Segunda metade do século II.............................................22

1.8. As Escrituras na Igreja do III e IV Séculos..............................................................23

1.9. As Escrituras no Período medieval...........................................................................25

1.10. O Resgate das Escrituras no Período da Reforma Protestante...............................28

1.11. A Igreja no período do Puritanismo (Westminster)................................................31

1.12. A Doutrina da Autoridade das Escrituras nas Confissões de Fé............................32

II – A DOUTRINA REFORMADA DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS......34

2.1. A Base da Autoridade das Escrituras.......................................................................35

2.2. A Inspiração das Escrituras......................................................................................37

2.3. A Inerrância das Escrituras......................................................................................46

III - AS ESCRITURAS SOB A ÓTICA DO MUNDO CONTEMPORÊNEO........54

3.1. As Escrituras sob a ótica liberal e neo-ortodoxa......................................................56

3.2 As Escrituras sob a ótica do Relativismo e do Pluralismo Pós-Moderno.................65

3.3 As Escrituras Versus “Novas Revelações”................................................................71

CONCLUSÃO................................................................................................................78

APÊNDICE.....................................................................................................................81

REFERÊNCIA...............................................................................................................84

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7

INTRODUÇÃO

“Certamente a Igreja de Cristo esteja atravessando um dos seus mais difíceis períodos da

história, no que diz respeito à acolhida do seu padrão de fé e prática: As Sagradas

Escrituras. No seio do que se conhece como a igreja evangélica, fruto da Reforma do

Século XVI, nunca se citou tanto a Bíblia, como atualmente; nunca se falou tanto da Bíblia,

como atualmente; nunca se divulgou tanto a Bíblia como nos dias atuais. Paradoxalmente,

nas igrejas filhas da Reforma, nunca se desrespeitaram tanto a Palavra de Deus como

atualmente; nunca ela foi colocada como fonte secundária de informação, como

atualmente; nunca ela teve porções inteiras consideradas desatualizadas, ou pertinentes

apenas aos leitores originais, como atualmente; nunca ela foi alvo de tanto questionamento,

quanto aos autores dos livros e aos períodos nos quais foi escrita, quanto nos dias de hoje.

Essas são situações encontradas não no segmento liberal/racionalista, mas dentro da Igreja

Evangélica, das denominações que se auto-intitulam conservadoras na fé e prática e que se

propõem a ser as mais fervorosas e cheias do Espírito Santo de Deus”. 1

Assim em nossos dias, a importância da Autoridade e Suficiência das Escrituras

tem sido abordada por muitos estudiosos. E sempre foi alvo de discurssões ao longo da

história. O historiador Nichols, descrevendo sobre este assunto afirma:

“Mesmo depois da formação do cânon, reconhecido oficialmente pelo concílio de

Catargo em 397 d.c., ocorreram várias discurssões a respeito de acréscimo de livros a

este cânon, e uma supervalorização das tradições igualando-a ao mesmo nível da

autoridade das escrituras”. 2

A resposta dos Reformadores a estas questões foi Sola Scriptura. Essa foi à

doutrina fundamental da reforma do século XVI, em contraposição à doutrina Católica

Romana de uma tradição oral apostólica, a qual na prática havia se igualado a autoridade

das Escrituras.

É nesse sentido que Sola Scriptura - A Doutrina Reformada das Escrituras vem

atender uma necessidade de reafirmação de princípios e ensinamentos fundamentais ao

desenvolvimento de uma igreja sadia em doutrina e que honre, realmente o nome de Cristo.

A doutrina que me proponho a considerar neste trabalho foi de fundamental

importância na Reforma Protestante do Século XVI. Em contraposição, por um lado, à

doutrina católica romana de uma tradição oral apostólica e, por outro lado, ao misticismo

dos assim chamados entusiastas ou reformadores radicais, os Reformadores defenderam a

1 Disponível em: www.solanoportela.net

2 Robet Hastings Nichols, História da Igreja Cristã, São Paulo, Cultura Cristã, 1997, p.41.

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8

doutrina da autoridade suprema das Escrituras. Essa foi, portanto, a resposta deles à

autoridade da tradição eclesiástica e do misticismo pessoal.

A autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-

presbiteriana. A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram

obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana. A Confissão de Fé

de Westminster professa a referida doutrina em três parágrafos do seu primeiro capítulo.

No quarto parágrafo, ela trata da origem ou fundamento da autoridade das Escrituras:

“A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não

depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a

mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de

Deus”. 3

O parágrafo V aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade das

Escrituras:

“Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente

apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua

doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu

todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de

salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa

perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de

Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina

autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a

Palavra, testifica em nossos corações”. 4

O décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do Espírito

Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa, reconhecendo-a como

supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:

“O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por

quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos

escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares; o Juiz Supremo, em cuja

sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na

Escritura”. 5

3 Confissão de Fé Westminster, Cap. I, seção IV, p.6.

4 Confissão de Fé Westminster, Cap. I, seção X, p.11.

5 Ibid.p.11.

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Em dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o

evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise teológica,

eclesiástica e litúrgica, convém considerar novamente essa importante doutrina reformado-

puritana. Convém uma palavra de alerta contra antigas e novas tendências de usurpar ou

limitar a autoridade da Palavra de Deus.

Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a Reforma Protestante tem

a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do

Espírito é olhar para trás”. 6 Tal é o propósito deste Trabalho.

6 D. Martin Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma, p.56.

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BASE CONFECIONAL

Confissão de Fé Westminster

Capítulo I

DA SAGRADA ESCRITURA

Seção - VI. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a

glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na

Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará

em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens;

reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a

salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias,

quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as

quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras

gerais da palavra, que sempre devem ser observadas7.

7 Confissão de Fé de Westminster, Cap. I, seção VI, 1999, p.8.

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CAPÍTULO I

AS ESCRITURAS NA HISTÓRIA DA IGREJA

A Doutrina da Suficiência das Escrituras está diretamente relacionada á Sola

Scriptura, que expressa a Autoridade Suprema das Escrituras, quanto ao conhecimento da

verdade de Deus para salvação. Ideal defendido pelos os reformadores. O compromisso da

reforma para com Escrituras é Enfatizar A Autoridade e Suficiência da Bíblia. Uma vez

que Bíblia é a palavra de Deus tem a autoridade do próprio Deus. Como a firma

Kirschner:

“As palavras de Martinho Lutero ecoam pelos séculos como testemunho, dos mais

eloqüentes, de atitudes de submissão e obediência incondicionais à palavra de Deus

escrita. Ainda homens como Melhancton, Zwínglio, Calvino, Knox e outros, basearam

todos os seus esforços e obra num fundamento comum: Sola Scriptura, - não ao Papa,

Bispos Concílios ou tradição”.

Assim disse agostinho: “O que a Escritura diz, Deus Diz!”. 8

1.1 O que é Cânon?

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra

angular”. 9

A palavra “Cânon” tem raízes tanto na língua hebraica quanto na língua grega. No

Hebraico, era a palavra traduzida por “Cana de medir” (Ez 40.3,5-7) e no Grego é a idéia

de “régua”, “instrumento para medição” e também “regra” (2 Co 10.13,15; Gl 6.16).

Na história da Igreja, essa palavra passou a ser usada para se referir á lista de livros

sagrados como sendo “padrão” ou a “regra” de fé e prática para os cristãos. Isto é, o

instrumento que mede, avalia a Fé e a conduta.

8 John Armstrong, “A Autoridade das Escrituras” em Sola Scriptura, p. 95.

9 Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Atualizada, Sociedade Bíblica do Brasil, São Paulo, 2002.

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A Bíblia usada nas igrejas protestantes é uma coleção de 66 livros. A “Bíblia

Católica”, além dos 66 livros, inclui (no antigo testamento) os livros chamados “apócrifos”

10. Já que a lista que deveria formar o cânon nunca caiu do céu, mas foi resultado de um

processo histórico de seleção, com podemos saber qual das duas está correta?

A Igreja Católica Romana a essa pergunta apelando para a infalibilidade da Igreja.

Sua teologia coloca a igreja no mesmo patamar de autoridade que a Bíblia. Portanto, ela

diz que a igreja criou, estabeleceu o cânon.

Esse argumento parece cômodo porque elimina qualquer dúvida do coração dos seus fiéis.

Se eles confiam na igreja, podem confiar no cânon estabelecido por ela. A igreja

protestante, como só crê na inerência das Escrituras, é contrária a doutrina da infalibilidade

da igreja. Por isso, em vez de firmar com os católicos que a igreja criou ou estabeleceu o

cânon, ela recorda que a igreja a penas identificou, ou seja, reconheceu o cânon. Em outras

palavras, ela não se coloca na posição de quem determina qual livro é inspirado por Deus e

qual não é. Ela apenas reconhece a inspiração. Mas para isso ela depende do senhor.

Não cremos que a igreja tenha errado embora os homens que fazem parte dela

pudessem ter errado por serem falíveis. No entanto, sabemos que a providência divina

dirigiu a escolha da igreja; isto é, assegurou que os livros fossem incluídos sem tornar a

igreja infalível. 11

O fato de havido uma seleção não significa que os livros bíblicos anteriormente não

estivessem agindo como norma ou regra de fé e prática. Há um sentido em que já havia um

cânon dentro da igreja, pois o Antigo Testamento era tido como lei divina (cf. Ef 5.19; Cl

3.16; 2Tm 3. 14-17) e os livros do Novo Testamento, mesmo não compilados, já edificava

o povo de Deus. A Igreja de Cristo Jesus não nasceu e depois resolveu montar uma

10

Apócrifos, significa escondido, mas tecnicamente a expressão se refere a esses livros que têm certo valor

mas não fazem parte do texto sagrado. 11

“Aposição histórica é que o Espírito Santo, que presidiu á formação de cada livro, também lhe dirigiu a

seleção e incorporação, continuando assim a dar cumprimento á promessa do Senhor de que ele guiaria os”.

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enciclopédia de livros edificantes. Ela é um edifício que possui um fundador e um

fundamento. O fundador é Cristo e o fundamento são os escritos dos profetas e apóstolos

(Ef.2.20). Isto significa que a Igreja nasceu alicerçada nesses livros cujos nomes ela

posteriormente reuniu em uma lista, para evitar confusões e heresias.

Conforme afirmado anteriormente, “ao falarmos do cânon bíblico usamos sempre o

termo “reconhecimento”, não “estabelecimento”, isto porque o Cânon não foi estabelecido

por um decreto, ou por vontade de um concílio independentemente de uma visão histórica;

o que de fato aconteceu foi o reconhecimento oficial do que já era prática comum, a

aceitação dos 27 livros do Novo Testamento como palavra de Deus”. 12

Como diz R.C

Sproul: “A Igreja não estabeleceu o Cânon, mas o reconheceu e submeteu-se ao seu

governo”.13

1.2 Critérios para se Reconhecer o Cânon

Reconhecer o Cânon não foi uma tarefa simples. Primeiramente, porque muitos

livros espúrios tinham de ser eliminados, os quais vinham em nome dos apóstolos. 14

Em

segundo lugar, havia os livros edificantes e bem aceitos nas igrejas mas que se colocavam

em posições inferiores aos escritos apostólicos, sendo considerados subcanônicos. 15

Foram usados três critério para manter na lista apenas os livros inspirados:

12

Hermisten Maia Pereira da Costa, A Inspiração Inerência das Escrituras, p. 32. 13

R.C. Sproul, “O Estabelecimento da Escritura” em: Sola Scriptura, p. 70. 14

“Um exemplo de pseudepígrafo do Novo Testamento, O Evangelho de Tomé foi provavelmente escrito no

primeiro século e afirma relatar a vida de Jesus dos 5 aos 12 anos, o qual continha uma relação dos milagres

fúteis realizados pelo menino Jesus, tais como moldar pássaros com barro e, então, fazê-lo voar. Encerando-

se com o episódio do encontro de Jesus com os doutores no templo de Jerusalém. Ele tem ralação com o

Evangelho de Tiago e o de Pedro todos recusado pela igreja cristã como falsos em sua autoria e mensagem.

Apoiada na autoridade apostólica e pala coerência doutrinária a igreja não teve dúvida em recusá-los. 15

E o caso dos escritos dos chamados “pais apostólicos”: Pastor hermas, Didaquê, 1 e2 Epístola de

Clemente aos Coríntios, Epístola de Barnabé, etc.

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1.2.1 Apostolicidade

Este foi o critério mais importante. Para ser reconhecido como parte do cânon do

Novo Testamento, qualquer livro teria de ser escrito por um dos apóstolos ou

alguém que houvesse convivido com eles. Marcos, embora não fosse apóstolo, foi

companheiro de Pedro de quem ouviu o que veio a registrar em seu evangelho.

Lucas fez cuidadosa pesquisa e recebeu a sanção de Paulo, pois este citou o seu

Evangelho como sendo escrituras (1Tm 5.18). Pedro endossa Paulo e as “demais

Escrituras” (2Pe 3.15,16).

A autoridade apostólica era essencial. O historiador Kelly diz que:

“O critério que veio a prevalecer em última instância foi o da apostolicidade. Se

não fosse provado que um livro era de autoria de um apóstolo ou que possuía a sua

aprovação, ele era terminantemente rejeitado, por mais que fosse edificante ou

popular entre os fiéis”. 16

1.2.2 Aceitação e utilização das Igrejas17

Após serem lidos pelas igrejas (Cl 4.16; 1Tm 5.27; 1Tm 4.13), os livros tinham de

receber delas ampla aceitação. Não só aceitação, mas o seu uso na liturgia das

igrejas era evidência de sua canonicidade. Um livro como o Pastor de Hernas

poderia ser considerado bom para leitura individual e privada, mas não era incluído

na liturgia como sendo Palavra Infalível de Deus. Alguns livros passaram

facilmente por este critério devido ao conhecimento e aceitação das igrejas, outros

já não.

16

KELLY, J.N.D. Doutrinas Centrais da fé Cristã, p.44. 17

“Esse critério era secundário em relação ao anterior. Mas era importante porque foi à igreja que Jesus

concedeu [pastore-mestres]”.

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15

1.2.3 Coerência doutrinária

O terceiro critério era que o ensino do livro em questão fosse coeso com o restante

das Escrituras, evidenciando a unidade da mensagem de Salvação. O Espírito de

Deus não se contradiz. Portanto, qualquer livro que ensinasse alguma doutrina

contrária ao ensino dos profetas e apóstolos, era rejeitado.

1.3 Amadurecimento do Cânon

Qual era a lista legítima mais antiga dos livros do Novo Testamento? Alguns

acreditam que o Cânon Muratoriano é o mais antigo, ele data do início de segundo século.

Este cânon exclui a epístola aos Hebreus, Tiago, e as duas Epístolas de Pedro, mais

incluem o Apocalipse de Pedro e Sabedoria de Salomão. O termo composto, Novo

Testamento não é usado até 170-200 depois da morte e ressurreição de Cristo. O termo é

usado pela primeira vez por Tertuliano.

É considerado freqüentemente que Orígenes, que viveu no terceiro século, é o

primeiro teólogo sistemático. Ele questionou a autenticidade de 2 Pedro e 2 João. Ele

também nos fala, baseado em suas viagens que havia igrejas que recusaram usar 2 Timóteo

porque a epístola fala de um “mistério”, ao escrever a respeito de Janes e Jembres,

atribuindo este relato a uma tradição oral judaica (veja 2 Tm 3:8). O livro de Judas também

foi considerado suspeito por alguns, porque inclui uma cota de livros apócrifos, contendo

uma posição a respeito de corpo de Moisés, também derivado de tradição oral judaica

(Judas9) 18

.

18

Dispoível em, www.tradblogs.com.br/filosofante/images/orgenes.pdf

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16

Passando ao quarto século, Eusébio, o Bispo de Cesárea, considerado, o “Pai da

História da Igreja”, lista como livros de autenticidade inspirada duvidosa: Tiago, Judas, 2

Pedro, e 2 e 3 João. Apocalipse de João era totalmente Rejeitado.

O Códice Sinaiticus, é o mais antigo e completo manuscrito do Novo Testamento

que nós temos hoje. Ele foi descoberto no monastério Cristão Ortodoxo de São Catherine

no monte Sinai. É datado como sendo do quarto século e contém os 27 livros pertencentes

ao Novo Testamento moderno e também inclui Barnabé e o Pastor de Hermas.19

Durante o quarto século, o Imperador Constantino, insatisfeito com a controvérsia

entre cristãos e Arianos com relação à Divindade de Cristo. Porque o Novo testamento não

tinha sido definido claramente, ele investiu para se definir a lista de livros e fechar o cânon

do Novo testamento. Crendo que assim ajudaria na resolução do conflito. Destarte traria

unidade religiosa para o império dividido. Porém, no quinto século o códice Alexandrinus

inclui 1ª e 2ª Clemente indicando que as disputas em relação à lista de livros do cânon

ainda não estavam em todos os lugares firmemente resolvidas.

1.4 O Consenso Quanto ao Cânon

Com o passar do tempo a Igreja discerniu quais os livros eram verdadeiramente

inspirados e quais não eram. Esta era uma luta prolongada que aconteceu durante vários

séculos. Como parte do processo de discernimento, a Igreja esteve em vários momentos

junta em concílios. Estes vários concílios da igreja confrontaram uma variedade de

assuntos para decidir e confirmar o qual já foi aceito dentro da igreja. Os concílios não

decidiram como cânon além do que tinha se tornado verdade patente e tinha praticado da

igreja Cristã.

19

Disponível em: www.bl.uk/onlinegallery/themes/asian

africanman/codex.html.

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17

Os conselhos nos proporcionam registros específicos nos quais a igreja falou

claramente e em uníssono sobre o que constitui Escrituras. Entre os muitos concílios que se

encontraram durante o primeiro quatro séculos, dois são particularmente importantes neste

contexto:

1.3.1 O Conselho de Laodicea se encontrou na Ásia Menor aproximadamente 363

d.c. Este é o primeiro concílio que claramente listou os livros canônicos que temos

no presente, Antigo e novo Testamentos, com exceção do Apocalipse de João. O

concílio de laodicea declarou que deveriam ser lidos só os livros canônicos que a

igreja listou. Suas decisões foram aceitas amplamente na Igreja Oriental.

1.3.2 O terceiro Conselho de Catargo se reuniu no norte da África

aproximadamente 397 d.c. Este concílio, assistido por agostinho, tinha uma lista

extensa dos livros canônicos de ambos os testamentos Antigo e Novo. Os vinte e

sete livros do Novo Testamento atual foram aceitos como canônicos. O concílio

também asseverou que estes livros deveriam ser lidos na igreja como Palavra de

Deus em detrimento de todos os outros. Este concílio foi aceito amplamente como

fidedigno no Ocidente.

1.5 Fixação do Cânon

De acordo com F. F. Bruce:

"Os primeiros passos no sentido da formação de um cânon de livros cristãos havidos como

dotados de autoridade, dignos de figurar ao lado do cânon do Velho Testamento, a Bíblia

do Senhor Jesus e Seus apóstolos, parece haver sido tomados por volta do começo do

segundo século, época em que há evidência da circulação de duas coleções de escritos

cristãos na Igreja”. 20

20

F.F. BRUCE. Merece Confiança o Novo Testamento?, p.31.

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18

O quarto século viu a fixação definitiva do cânon dentro dos limites a que estamos

acostumados, tanto no setor Ocidental como no Oriental da cristandade. Apenas no quarto

século é que o termo cânon passou a designar os escritos sagrados.

Numa carta de Atanásio, a trigésima nona, do ano 367, dirigida a seu bispos, está uma lista

dos livros da Bíblia, a primeira a conter os 27 livros do Novo Testamento como os temos

hoje. Destes ninguém deveria tirar, nem a eles acrescentar coisa alguma. Esta carta foi

muito importante para as igrejas gregas no Oriente, quanto à aceitação do cânon, e sua

influência logo se fez sentir na Igreja Latina, pois sabemos que as Igrejas do Oriente e do

Ocidente divergiam quanto aos livros canônicos. Assim o Apocalipse de João era aceito no

Ocidente, mas não no Oriente, Hebreus e Tiago eram aceitos no Oriente, mas não no

Ocidente. Jerônimo e Agostinho acataram a orientação dada por Atanásio.

O cânon apresentado por Atanásio prevaleceu sobre o de Euzébio de 26 livros e

obteve a vitória final daí por diante.

Os Concílios de Hipona (393) ao norte da África e o de Cartago (397), ratificaram

este cânon, proibindo o uso de outros livros pelas igrejas, como Didaquê, Pastoral de

Hermas e Epístola de Barnabé. Foi a Igreja, que guiada por Deus, formou o cânon,

determinando depois de longos debates que livros deveriam ser rejeitados e que livros

deveriam ser recebidos.

1.6 A Importância das escrituras para os Pais da Igreja

O período que se estende da era apostólica até meados do II século é muito

importante para nosso estudo, pois, embora os livros do Novo Testamento já existissem,

não havia ainda um cânon oficial do Novo Testamento. Compreendendo momo a igreja

retirava seu ensinamento e como ela julgava a validade dos ensinos é necessário voltarmos

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19

para os assim chamados “Pais Apostólicos”. Kelly lista os principais: “Clemente de Roma,

Inácio, Policarpo, o autor de II Clemente, „Barnabé‟, Hermas, e os apologistas gregos

Aristides, Justino, Taciano, Atenágoras, Teófilo” 21

. Para estes homens o cristianismo

implicou em um complexo de fé e prática. Para Clemente os escritos que vieram a formar

o cânon das escrituras era “regra da nossa tradição” 22

, em Justino, “seguindo a Deus e aos

ensinos provenientes d‟Ele”23

, esse ensinos provenientes de Deus estavam contidos

pressupõe Justino, nos escritos apostólicos que remontava aos ensinos do próprio Cristo.

Sendo Ele o mestre supremo, as autoridades imediatas que comprovam fatos sobre Sua

pessoa e Sua mensagem eram: os profetas, que haviam anunciado Seu ministério, e os

apóstolos, que testemunharam tudo que Ele ensinou quando estava aqui na terra ou após

Sua ressurreição. Essa dupla fonte de ensino, os escritos do Antigo Testamento e os

escritos dos apóstolos, eram bem recorridas nesse período. Policarpo, que foi discípulo de

João, exortando aos filipenses para que aceitasse as Escrituras como padrão de fé escreve

“o próprio Cristo, juntamente com os apóstolos que nos pregaram o evangelho e os

profetas que anunciaram com antecedência a vinda de nosso Senhor, foram quem

anunciaram” 24

.

Na época de Justino, conforme Kelly, o Antigo Testamento não pertencia aos

judeus mas aos cristãos, esta idéia era compartilhada universalmente. Aqui os cristãos

estavam utilizando um método de exegese que até hoje é utilizado. “As Escrituras

interpretam as Escrituras”, eles estavam confirmando os ensinamentos da igreja com os

escritos do Antigo Testamento, este precedente foi aberto pelos apóstolos e até pelo

próprio Cristo ao citar o Antigo Testamento em seus ensinos confirmando o cumprimento

de uma profecia ou para citar um fato histórico. Os Pais Apostólicos estavam lendo as

21

KELLY, J.N.D. Doutrinas Centrais da fé Cristã, p.22. 22

Ibid.p.24. 23

Ibid.p.22. 24

Ibid.p.22.

Page 20: Monografia

20

Escrituras (Antigo Testamento) com os olhos cristãos e interpretando-as segundo esta

ótica.

A norma doutrinária na Igreja do segundo século, conforme os Pais Apostólicos

eram as Escrituras (Antigo Testamento) e os ensinos dos apóstolos que veio mais tarde

formar o Novo Testamento. Clemente escreveu:

“Os apóstolos receberam por nós o evangelho da parte do Senhor Jesus Cristo... Portanto,

armados de sua incumbência e estando plenamente assegurados por intermédio da

ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, confirmados na “Palavra de Deus com a plena

convicção do Espírito Santo, eles avançaram com as boas novas””. 25

Na época de Justino, a idéia de que os ensinos de Cristo haviam sido confiados aos

apóstolos e estes tinham a incumbência de proclamá-los, estava explicitamente corrente na

Igreja. Conforme afirmou Hermas, “era mediante os apóstolos que o Filho de Deus era

pregado por todo o mundo”, 26

. Inácio, uma geração antes havia estabelecido a

conformidade ao Senhor e a Seus apóstolos. Papias fez o máximo para se aproximar do

ensino de Cristo indagando aos “anciãos”. Outro indício de que o ensino dos apóstolos era

a regra de fé e prática na Igreja desse período, juntamente com o Antigo Testamento, é o

alto prestígio que é dado as epístolas paulinas e aos evangelhos, material que já estava

escrito e era usado nos cultos e pelos fiéis. Policarpo por exemplo, considerava a carta de

Paulo aos filipenses como: “o alicerce de sua fé”, 27

. Para Justino, “os evangelhos deviam a

sua autoridade ao fato de serem as „memórias‟ dos apóstolos” 28

.

O que estamos vendo reflete, de conformidade com as citações destes pais

apostólicos, que nesse período a Igreja mantinha os ensinos dos apóstolos como sendo a

fiel exposição daquilo que Cristo ensinou. E era esse padrão de ensino, que estabelecido

nas cartas ou nos evangelhos dos apóstolos, que incorporado na proclamação do Antigo

Testamento mencionado acima ou não, eles consideravam o ensino derivado dos apóstolos

25

KELLY, J. N.D. Op. Cit. p. 23. 26

Ibid., p. 23. 27

Ibid., p. 24. 28

Ibid., p. 25.

Page 21: Monografia

21

como sendo originado de Cristo.

Destarte, podemos concluir que a Igreja no período dos Pais Apostólicos,

depositava total confiança naquele ensino derivado do Antigo Testamento, e no ensino dos

escritos apostólicos, tirando daí o fundamento para sua fé.

D. Kelly, afirma que; “reconhecidamente, não há indício algum de crenças ou práticas

existentes no período que não tenham sido comprovados nos livros conhecidos mais tarde

como Novo Testamento”, 29

. Crendo nessa afirmação podemos concluir que nesse período

a pureza da Palavra de Deus era a regra de fé e prática de Sua Igreja, preservada

providencialmente por Deus para que não houvesse contaminação de qualquer outra fonte

que não fosse o próprio Deus se revelando aos “homens”.

1.7 As Escrituras na Igreja: Segunda metade do século II

Na 2ª metade do II século a igreja passou a valorizar o testemunho apostólico como

autoridade de valor elevado, embora o Antigo Testamento continuasse tendo seu prestígio.

Isso aconteceu pelo fato da igreja ter reconhecido os escritos apostólicos como canônicos,

sendo colocados ao lado do Antigo Testamento como Escritura inspirada. A igreja nesse

período, estava fazendo a distinção clara do que era revelação escriturística e o que era

simples tradição. Esse amadurecimento do cânon veio motivado pelas disputas entre a

igreja e as diversas seitas gnósticas. Os gnósticos estavam utilizando as Escrituras de forma

distorcidas para atingir seus próprios fins, e para isso eles recorriam a uma suposta tradição

apostólica misteriosa, para apoiar suas especulações, além de escreverem ensinamentos

pseudoepigrafados dos Apóstolos com a intenção de trazer credibilidade aos mesmos.

Na prática, onde se acharia esse testemunho ou tradição apostólica para representar

29

KELLY, J. N.D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. p. 24.

Page 22: Monografia

22

fielmente os ensinos dos apóstolos? Como fez Papias, recorreu às reminiscências dos

apóstolos. Para Irineu a tradição apostólica também fora depositada em documentos

escritos, conforme escreve: “o que os apóstolos inicialmente proclamaram, mediante a

palavra falada, passou mais tarde, por vontade de Deus, a ser transmitido por eles nas

Escrituras”, 30

. Embora, o cânon não havia sido definido ainda na segunda metade do II

século, a igreja, conforme fica demonstrado acima, nutria a fé nos ensinos dos apóstolos,

tendo a consciência que estes eram normativos pra sua vida porque era a Palavra de Deus

revelada e já escrita, apesar de não estar organizada como hoje.

1.8 As Escrituras na Igreja do III e IV Séculos

No III e IV séculos, embora a autoridade das Escrituras não tenha sido diminuída, a

tradição foi muito valorizada. Em parte pelo fim da ameaça gnóstica, e em parte como

resultado dos desdobramentos na vida institucional da igreja. A autoridade doutrinária da

igreja continuava sendo a revelação original dada por Cristo e comunicada à igreja por

Seus Apóstolos. Essa era a tradição divina ou apostólica. É a este respeito que Cipriano no

IV século se referiu ao dizer: “a raiz e fonte da tradição do dia do Senhor” e da “origem e

fonte da tradição divina”, 31

, e Atanásio, no IV século, apontou para “a tradição... que o

Senhor deu e os apóstolos proclamaram”, 32

. Essa tradição estava incorporada nas

Escrituras que era a pedra fundamental da igreja.

As Escrituras desfrutava de autoridade absoluta na igreja nesse período, como fica

claro nas citações de Kelly:

30

KELLY, J.N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. P.28. 31

Ibid.p.28. 32

Ibid.p.29.

Page 23: Monografia

23

“É praticamente desnecessário deter-se na autoridade absoluta atribuída às

Escrituras como norma doutrinária. Era a Bíblia, declarou Clemente de Alexandria

por volta de 200 A. D., que, conforme interpretada pela igreja, constituía a fonte do

ensino cristão. Seu grande discípulo Orígenes foi um biblicista radical que recorreu

vez após outra às Escrituras, como o critério decisivo para a determinação do

dogma. Ele afirmou que a igreja extraía seu material catequético dos profetas, dos

evangelhos e dos escritos dos apóstolos; também entendia que a fé da igreja era

escorada pelas Sagradas Escrituras, com o apoio do bom senso. „As Escrituras

santas e inspiradas‟, escreveu Atanásio um século depois, „são plenamente

suficientes para a proclamação da verdade‟; enquanto seu contemporâneo, Cirilo de

Jerusalém, formulou: „... com respeito aos mistérios divinos e salvadores da fé,

nenhuma doutrina, por mais banal que seja, pode ser ensinada sem o apoio das

divinas Escrituras... Porque nossa fé salvadora encontra sua força não em

raciocínios fantásticos, mas naquilo que se pode provar a partir da Bíblia‟. Mais

tarde, no mesmo século, João Crisóstomo instou sua congregação a não procurar

qualquer outro ensino que não os oráculos de Deus; tudo era direto e claro na

Bíblia, e era possível extrair dela todo conhecimento necessário. No Ocidente,

Agostinho declarou que „no ensino claro das Escrituras, encontramos tudo o que diz

respeito à nossa crença e conduta moral‟, um pouco depois, Vicente de Lérins (a.C.

450) aceitou como axioma que o cânon das Escrituras era suficiente, aliás, mais do

que suficiente, para todos os propósitos,” 33

.

Destarte, podemos perceber que a igreja desse período está profundamente convicta

de que as Escrituras eram normativas para sua vida, e que os ensinos dos apóstolos

juntamente com o Antigo Testamento e os ensinos de Jesus Cristo eram “a Revelação”

divina.

A importância que foi dada às Escrituras nesse período se evidencia também, pelo

fato do uso que os Pais da Igreja faziam dela. “O próprio credo, de acordo com Cirilo de

Jerusalém, Agostinho e Cassiano, era um compêndio das Escrituras”, 34

, com essa

declaração, Cirilo chama a nossa atenção para o uso exaustivo que Agostinho e Cassiano

faziam das Escrituras. É tão evidente o uso das Escrituras como a regra da igreja nesse

período que Cirilo na controvérsia cristológica usa como recurso final o ensino da Bíblia,

ele diz: “o propósito das Escrituras divinamente inspiradas, como um todo”, 35

. Teodoreto

33

KELLY, J.N.D. Op. Cit., p.31. 34

Ibid.p.34. 35

Ibid.p.36.

Page 24: Monografia

24

patenteou sua posição com a seguinte afirmação: “Devo obediência apenas às Sagradas

Escrituras”, 36

.

O que podemos concluir é que a igreja no período dos séculos III e IV cria que a revelação

em sua plenitude era mantida nas Sagradas Escrituras.

1.9 As Escrituras no Período medieval

As Escrituras Sagradas estavam presentes na igreja desse período como autoridade

máxima e inerrante. Para o Papa Leão Magno, “as Escrituras eram as palavras do Espírito

Santo”, 37

. Gregório Magno, a respeito da inerrância das Escrituras, escreveu: “Seja crido

fielmente que o Espírito Santo é o autor do Livro. Aquele, portanto, que ditou as coisas a

serem escritas, escreveu estas coisas... As Escrituras são as palavras do Espírito Santo”, 38

.

O Escolástico e grande influenciador de Martinho Lutero, Boaventura argumenta que: “a

Bíblia estabelecia a verdade, e sustentava o princípio formal da Reforma; Sola Scriptura”,

39. Com este princípio, ele expressava o lema do movimento no seio da igreja que

começava a nascer, e que depositava nas Escrituras Sagradas a confiança de que ela era a

única fonte fidedigna para reger a vida. Os nominalistas não eram diferentes quanto as

Escrituras, conforme James Boice: “Abelardo, apesar de todas as suas heresias, nunca

questionou as Escrituras canônicas” 40

. Guilherme de Occam escreveu que não devemos

acreditar naquilo que “nem se contém na Bíblia, nem pode ser inferido por necessária

conseqüência manifesta”, 41

. Com essa declaração fica claro que Occam, não cria em outra

fonte normativa para a igreja, senão a Bíblia e somente a Bíblia é que era a fonte de ensino

da igreja e dos fiéis.

36

Ibid.p.36. 37

Ibid.p.36. 38

BOICE. James M. O Alicerce da Autoridade Bíblica. p. 36. 39

Ibid.p.36. 40

Ibid.p.36. 41

Ibid.p.36.

Page 25: Monografia

25

De modo semelhante à Occam, o pré-reformador John Wycliff, chamava a Bíblia

de, “Palavra de Deus explicite e implicite”, 42

. De acordo com Wycliff, na Bíblia estava

contida a revelação de Deus de forma clara, explicita e também por inferência podemos

abstrair os ensinamentos para questões que a Bíblia não trata tão claramente, daí

concluirmos que Wycliff concebia a idéia da doutrina da suficiênéia das Escrituras.

Wycliff, deu ênfase cada vez maior na autoridade das Escrituras em detrimento da do papa

e da tradição eclesiástica. Ele concordava com o que Tertuliano tinha escrito, de que “as

Escrituras pertencem à igreja, e por isto devem ser interpretadas dentro dela e por ela” 43

.

Para Wycliff, “se a verdadeira igreja é composta de predestinados, e não de poderosos

eclesiásticos, e se as Escrituras pertencem a esta igreja, conclui-se que é necessário traduzir

a Bíblia ao vernáculo, à língua comum do povo, devolvendo-a assim a este”, 44

. Wycliff

fez oposição a autoridade papal e o considerava como o anticristo, lutou até o fim de sua

vida para que a Bíblia fosse devolvida aos fiéis. Depois de sua morte, por sua influência a

Bíblia foi traduzida para o inglês. E foi também pela mesma influência que a Inglaterra se

viu invadida pelos “pregadores pobres”, ou lolardos. No começo, os principais lolardos

eram pessoas que tinham estudado com Wycliff em Oxford. Parte da obra destes primeiros

lolardos constituiu-se em traduzir as Escrituras para o inglês, como Wycliff tinha

recomendado, e em percorrer o pais pregando-a. Assim como as de seu mestre, as

doutrinas do lolardismo eram claras, taxativas e revolucionárias. “A Bíblia deveria ser

colocada à disposição do povo no vernáculo, as distinções entre clero e os leigos, com base

no rito de ordenação, eram contrárias às Escrituras”, 45

.

Neste mesmo período surge também John Huss, defendendo a autoridade infalível

da Bíblia, declarando assim como Wycliff que: “a autoridade final é a Bíblia, e que um

42

Ibid.p.36. 43

GONZALEZ, Justos L. A Era dos Sonhos Frustrados - Uma História Ilustrada do Cristianismo. Vol. 5. p.

87. 44

GONZALEZ, Justos L. Op. Cit., p. 87. 45

GONZALEZ, Justos L. Op. Cit., p. 89.

Page 26: Monografia

26

papa que não se conforme a ela não deve ser obedecido” 46

. Concordando com o que

Guilherme de Occam tinha dito, ao declarar que: “nem o papa nem o concílio, mas

somente as Escrituras eram infalíveis”, 47

. Sob a influência de Huss surgiram vários grupos

que seguiram seus ensinos, às vezes divergindo em algum ponto ou ênfase, como por

exemplo: os Taboritas, "insistiam em que tudo o que não estivesse na Bíblia deveria ser

rejeitado" 48

. Contra eles os Hussitas diziam que “somente deveria ser rejeitado o que

contradissesse os ensinos claros das Escrituras”, 49

. Estes grupos e outros lutaram entre si

sempre que era possível, mas diante da ameaça de perseguição, eles tiveram que se unir

contra um inimigo comum. Isto os levou a um acordo em quatro artigos, e o primeiro e

mais importante deles é que, “fossem pregado por todo o reino da Boêmia a Palavra de

Deus”, 50

. As declarações destes pré-reformadores servem, com certeza, para nos mostrar a

evidência de que nesse período as Escrituras Sagradas foram, mais uma vez a base, para

cristãos sinceros no seio da Igreja nortear-se nas verdades bíblicas.

Ainda na Idade Média, uma controvérsia serviu para elucidar a autoridade das

Escrituras na Igreja. Essa controvérsia se deu em torno da discussão sobre razão e fé. A

síntese ou harmonização da fé e razão na igreja, não defendia que a filosofia e a teologia ou

a revelação natural e a revelação especial ensinavam a mesma coisa ou estavam em pé de

igualdade em termos de autoridade, mas, apenas que não eram incompatíveis. Tomás de

Aquino ensinava que: “as doutrinas cristãs salvífica se aprendiam somente a partir da

revelação na Bíblia”, 51

.

46

Idem, Ibid.p. 98. 47

GONZALEZ, Justos L. Op. Cit., p. 104. 48

Ibid., p. 105 49

Ibid., p. 105 50

Ibid., p. 105 51

BOICE. James M. O Alicerce da Autoridade Bíblica. p.36.

Page 27: Monografia

27

Essa idéia, a fé e a razão, não são necessariamente opostas entre si. Encontra-se

também em Agostinho e na Igreja Primitiva. Conforme as palavras do próprio Agostinho

“creio a fim de entender” 52

Sem dúvidas a Igreja Medieval cria na inerrância e autoridade

das Escrituras. Conforme vimos nesse ponto a igreja nessa época lutou por convicções que

redundaram em dar mais autoridade às Escrituras, ou melhor em reconhecer a autoridade

que ela já tem.

1.9 O Resgate das Escrituras no Período da Reforma Protestante

Os reformadores adotaram sem questionar e sem reservas as Escrituras como

autoritativas em todas as questões de doutrina e da vida. Crendo que Deus é o autor da

Bíblia, viam em suas páginas o ensino do próprio Deus para Sua Igreja, rejeitando assim a

autoridade papal e dos concílios. Deus, para os reformadores é constatemente descrito

como o autor das Sagradas Escrituras. Para entendermos um pouco a visão que a igreja

estava tendo a respeito das Escrituras, queremos nos deter na compreensão de Lutero e

Calvino, quanto a este assunto.

O nominalismo de Occam exerce influência direta sobre o reformador Lutero. A

separação entre razão e a fé, feita por Guilherme de Occam, capacitou Lutero a romper os

laços do sistema escolástico de salvação que mantiveram o reformador até então cativo. A

exegese nas Escríturas levou Lutero ao despertamento para a fé evangélica. Ele estudara

sob os nominalistas em Erfurt e Wittenberg, mas foi o estudo da Bíblia que produziu a

compreensão evangélica.

52

Ibid.p. 36.

Page 28: Monografia

28

Na Dieta de Worms (1521), acusado de herege e sendo pressionado para se retratar

por causa de suas doutrinas, Martinho Lutero respondeu:

“A não ser que eu seja convencido de erro pelo testemunho da Escritura ou - visto que

não dou valor à autoridade não provada do papa e dos concílios, por ser claro que eles

muitas vezes erraram e freqüentemente se contradisseram - por um raciocínio evidente,

continuo convencido pelas Escrituras, às quais apelei e minha consciência foi feita

cativa pela Palavra de Deus, não posso e não quero retratar-me de qualquer coisa, pois

agir contra a nossa consciência não é coisa segura nem permitida a nós”, 53

.

Por essa declaração fica muito claro que para Lutero a autoridade máxima e

verdadeira é a Palavra de Deus, somente ela é apta para corrigir ou embasa qualquer

posicionamento teológico.

Do relatório de Eck sobre o debate na disputa de Leipzing (1519), são usadas suas

palavras como acusação ao reformador que diz: “...um concílio, visto constar de homens,

pode errar; que não se prova pela Sagrada Escritura a existência de um purgatório”..., 54.

Como fica explicitamente claro, para Lutero, aquilo que não era provado nas Escrituras

não tinha razão de ser como autoritativo, pois, os concílios não eram autoridade para fazer

normativa uma doutrina.

Para Calvino, “os escritos dos apóstolos são oráculos que foram recebidos de Deus.

Logo devemos aceitar tudo quanto foi entregue nas Escrituras, sem exceção. A crença,

Deus é o autor de todas as Escrituras, precede toda doutrina”, 55

.

Em suas Institutas Calvino diz:

“...[a Escritura] mostra que Deus, o Pai, assim como a Si nos reconciliou em Seu Cristo...

A Escritura, porém, tira [sua] exortação da fonte verdadeira, quando não somente preceitua

53

BETIENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. p.304. 54

BETTENSON, h Op. Cit., p. 291. 55

BOICE, James M. Op. Cit., p. 40.

Page 29: Monografia

29

referir nossa vida a Deus, [seu] autor...”, 56

.

Quanto à intercessão atribuída aos chamados santos no Romanismo, que não se

fundamenta no ensino das Escrituras. Calvino escreve, "Ora, na Escritura [não] consta nada

[disso]” 57

.

A respeito da predestinação, Calvino diz “procura outro conhecimento da

predestinação que [aquele] que na Palavra de Deus se expõe, de não menor insânia é que

alguém queira ou avançar por [lugar] sem caminho, ou ver na escuridão” 58

. Esta citação

nos mostra que o juiz da doutrina da predestinação, para Calvino, não era os concílios ou a

igreja ou qualquer outra autoridade, senão a Palavra do Senhor. Calvino, cria que fora do

ensino da Palavra de Deus, era escuridão, era procurar caminho onde não existia, conforme

suas palavra:

"Se junto a nós prevaleça este pensar: que a Palavra do Senhor é o caminho único que nos

conduz a investigar tudo quanto é justo d‟Ele sustentar-se, é a luz única que à frente nos

fulja para bem perceber o que quer que a respeito d‟Ele convém considerar-se, de toda

temeridade facilmente nos conterá e coibirá. Pois [isto] saberemos; onde primeiro os

limites da palavra hajamos excedido, fora do caminho e em trevas nos é o curso, no qual se

haja necessariamente muitas vezes de vagar sem rumo, de resvalar, de tropeçar” 59

.

Calvino, aqui, deixa claro para nós a importância que a palavra de Deus tem, e a

importância que a ela foi atribuída neste período da igreja que compreendeu a Reforma,

cujo um dos lemas principais foi “Sola Scriptura” e concomitantemente o movimento

Iluminista da época proclamava o “ad fontes”, ou seja, um retorno às fontes, um retorno às

Escrituras Sagradas. A “Sola Scriptura” da Reforma assinalou o ensino que a igreja

reformada assimilou que a única fonte de fé e prática eram as Escrituras, o Antigo e o

Novo Testamento.

56

CALVINO, João. As Institutas. V lll, p. 146. 57

Ibid., p. 342. 58

Ibid.p. 386. 59

CALVINO, João. Op. Cit., p. 386.

Page 30: Monografia

30

Verificando a importância que Lutero e Calvino deram as Escrituras, podemos ter

uma boa visão do ensino a respeito da Palavra de Deus nesse período. Embora só tenhamos

nos detido no ensino da igreja reformada, pois é a que nos interessa no presente estudo.

1.11. A Igreja no período do Puritanismo (Westminster)

Reuniu-se na Abadia de Westminister, Inglaterra, pelo Grande Parlamento, uma

grande e ilustre assembléia nacional de teólogos e civis, de 01 de julho de 1643 a 22 de

fevereiro de 1648. Reuniu-se a Assembléia, numa época de terrível efervescência política e

agitação religiosa da história, na Inglaterra e na Europa, época marcada pela luta em prol

da liberdade de consciência, de ambições aberrantes e dolorosas; protestantes e católicos se

empenhavam na Guerra dos Trinta Anos. Na Holanda se desfechava os debates entre

calvinistas e arminianos.

A Assembléia estabeleceu quatro grandes princípios:

a) autoridade das Escrituras;

b) a soberania de Deus;

c) os direitos da consciência; e,

d) a jurisdição exclusiva da Igreja em sua esfera de ação. Tal era a importância das

Escrituras para os teólogos de Westminister, que eles a destacaram com tanta

proeminência.

Guilherme Kerr diz que:

“O primeiro princípio, o da autoridade suprema das Escrituras estabelecido logo no início

da Confissão é um exemplo entre muitos outros de verdades apresentadas com tal

felicidade de expressão e propriedade de termos que dificilmente poderia ser melhorado” 60

.

60

KERR, Guilherme. A Assembléia de Westermister. p.20.

Page 31: Monografia

31

1.12. A Doutrina da Autoridade das Escrituras nas Confissões de Fé

Confissão de Fé de Westminster 61

CAPÍTULO I

DA ESCRITURA SAGRADA

IV. A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não

depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a

mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de

Deus.

A Confissão de Fé Escocesa 62

CAPÍTULO 19º

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

Cremos e confessamos que as Escrituras de Deus são suficientes para instruir e aperfeiçoar

o homem de Deus, e assim afirmamos e declaramos que a sua autoridade vem de Deus e

não depende de homem ou de anjo. Afirmamos, portanto, que os que dizem não terem as

Escrituras outra autoridade a não ser a que elas receberam da Igreja são blasfemos contra

Deus e fazem injustiça à verdadeira Igreja, que sempre ouve e obedece à voz de seu

próprio Esposo e Pastor, mas nunca se arroga o direito de senhora.

Segunda Confissão de Fé Helvética 63

CAPÍTULO 1º

Da Sagrada Escritura como a verdadeira Palavra de Deus

Escritura Canônica. Cremos e confessamos que as Escrituras Canônicas dos santos

profetas e apóstolos de ambos os Testamentos são a verdadeira Palavra de Deus, e têm

suficiente autoridade de si mesmas e não dos homens. O próprio Deus falou aos patriarcas,

aos profetas e aos apóstolos, e ainda nos fala a nós pelas Santas Escrituras.

61

Confissão de Fé de Westminster, 6ª Edição, São Paulo: Editora Cultura Cristã, p.10. 62

A Confissão de Fé Escocesa, disponível em, http://www.luz.eti.br/do_confissaoescocesa1560.html. 63

Elaborada em 1562 por Heinrich Bullinger, publicada em 1566 por Frederico III da Palatina, adotada pelas

Igrejas Reformadas da Suíça, França, Escócia, Hungria, Polônia e outras.

Page 32: Monografia

32

E nesta Escritura Sagrada a Igreja Universal de Cristo tem a mais completa exposição de

tudo o que se refere à fé salvadora e à norma de uma vida aceitável a Deus; e a esse

respeito é expressamente ordenado por Deus que a ela nada se acrescente ou dela nada se

retire. 64

Confissão Belga 65

ARTIGO 5

A AUTORIDADE DA SAGRADA ESCRITURA

Recebemos todos estes livros, e somente estes, como sagrados e canônicos, para regular,

fundamentar e confirmar nossa fé. Acreditamos, sem dúvida nenhuma, em tudo que eles

contêm, não tanto porque a igreja aceita e reconhece estes livros como canônicos, mas

principalmente porque o Espírito Santo testifica em nossos corações que eles vêm de Deus,

como eles mesmos provam. Pois até os cegos podem sentir que as coisas, preditas neles, se

cumprem.

64

Segunda Confissão de Fé Helvética, disponível em,

http://www.unifil.br/teologia/arquivos/segconfihelvetica.doc, 65

Confissão de Fé Belga. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. p. 07.

Page 33: Monografia

33

II CAPÍTULO

A DOUTRINA REFORMADA DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

No ano de 1521, o ex-monge Martinho Lutero foi colocado diante do Imperador, de

vários oficiais importantes do poder temporal, além de um seleto time de altos membros do

clero, durante um concílio na cidade de Worms. As acusações eram contra os seus escritos,

muitos dos quais haviam se tornado polêmicos por combater ensinamentos heréticos do

papa, além de práticas errôneas do clero e do povo. A pergunta que lhe fizeram era simples

e direta (“Estás pronto a se retratar dos livros escritos, ou não?”), mas complexa quanto aos

seus desdobramentos. Será que ele estava disposto a ser banido do império e ser proibido

de imprimir suas obras só para defender os livros que havia escrito?

A sábia e ousada resposta de Lutero àqueles líderes terminou com as seguintes palavras:

A não ser que eu seja convencido de erro pelo testemunho da Escritura ou - visto que

não dou valor à autoridade não provada do papa e dos concílios, por ser claro que eles muitas vezes erraram e freqüentemente se contradisseram - por um raciocínio evidente, continuo convencido pelas Escrituras, às quais apelei e minha consciência foi feita cativa pela palavra de Deus, não Posso e não quero retratar-me de qualquer coisa,

pois agir contra nossa consciência não é coisa segura nem permitida a nós. É esta a minha posição. Não posso agir diversamente. Deus me ajude. Amém.

66

Essas palavras vieram de alguém que compreendia a autoridade das Escrituras.

Alguém que fora convencido pelo Espírito de que a Bíblia é a palavra infalível de Deus, e

único padrão para a nossa vida. Na Reforma Protestante, em geral, a doutrina da autoridade

das Escrituras veio em contraposição à doutrina católico-romana de uma tradição oral

apostólica, a qual, na prática, havia se igualado à autoridade da Bíblia Sagrada. A

expressão Sola Scriptura (Somente as Escrituras) surgiu com a finalidade de afirmar a

autoridade suprema das Escrituras, a única autoridade infalível, à palavra final em questões

de fé e prática.

66

BETIENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. p.304.

Page 34: Monografia

34

O Apóstolo Paulo escrevendo a Timóteo Lembra:

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a

correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). 67

O Princípio cristão da Autoridade bíblica significa que Deus é o autor da Bíblia, e

deu-a para dirigir a crença e o comportamento do seu povo. Nossas idéias a respeito de

Deus e a nossa conduta devem ser medidas, testadas e, onde necessário, corrigidas e

ampliadas de acordo com a Bíblia, como padrão de referência. Autoridade é também o

direito de ordenar. A palavra escrita por Deus, em sua verdade e sabedoria, é o meio que

Deus escolheu para exercer o seu governo sobre nós, e as Escrituras são instrumentos do

Senhorio de Cristo sobre a igreja. A obra das Escrituras na Igreja é ilustrada pelas sete

cartas do Apocalipse (Ap 2.3).

O ponto de vista Católico Romano a respeito da Bíblia tem comprometido sua

autoridade única, combinando-a com a tradição da Igreja. Os Católicos Romanos aceitam a

Bíblia como verdade da por Deus, mas instem em dizer que a Bíblia é incompleta sem a

interpretação oficial da Igreja, conforme esta é dirigida pelo Espírito. No passado, a

autoridade que a Igreja que a Igreja se arrogava sobre a Bíblia, levou-a a desencorajar ou a

proibir que os cristãos comuns lessem as Escrituras. Atualmente a Igreja Católica Romana

encoraja a todos os cristãos a ler a Bíblia.

Muito protestantes consideram a Bíblia como tendo a sua autoridade conteúdo

subjetivo ou na experiência ou intuição de seus autores humanos. A pressuposição central

(neste caso) é a de que a Bíblia permanece fundamentalmente um livro humano e não uma

revelação Divina. A Bíblia é uma guia para suas experiências religiosas, mas não é

claramente distinta de outras fontes, tais como de movimentos políticos e forças sociais.

Muito freqüentemente, a Bíblia é substituída por vozes que se opõem a ela.

67

Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Atualizada, Sociedade Bíblica do Brasil, São Paulo, 2002.

Page 35: Monografia

35

O Protestantismo Histórico aceita as Escrituras como única revelação escrita de

Deus. Elas são inspiradas ou “sopradas” por Deus (2Tm 3.16), o que as distingue de todas

as outras palavras. Como resultado, as Escrituras são infalíveis e verdadeiras em tudo que

afirmam. São suficientes e contém tudo o que é necessário saber para a salvação e a vida

eterna. São claras, de modo que uma pessoa sem preparação especial pode entender aquilo

que Deus exige, sem a intervenção de um intérprete oficial.

As Escrituras Canônicas são a voz de Deus no mundo. Têm a autoridade e o direito

de ordenar, que corresponde ao seu autor divino. Por essa razão, submetemos às Escrituras

nossos pensamentos e padrões morais. Foi através do reconhecimento de que a Bíblia não

pode estar sujeita a qualquer pessoa ou grupo, por nobre que sejam que os Reformadores

libertaram suas consciências das tradições e autoridades humanas.

2.1. A Base da Autoridade das Escrituras

Porque defendemos a autoridade das escrituras? Porque Deus é quem lhe confere a

autoridade. A Confissão de Fé de Westminster afirma que a autoridade bíblica não

depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende só de Deus. Sabemos

que Deus é o autor da Bíblia então ele é base de sua autoridade. Toda a Escritura exala a

autoridade dada por Deus. “Não é possível ler o Antigo Testamento sem sentir que por

toda a parte se declara que ele é a Palavra de Deus. As frases “disse o Senhor”, falou o

Senhor”, “veio a Palavra do Senhor” são de fato usado 3.808 vezes no Antigo

Testamento”. 68

Os escritores do Novo Testamento citaram constantemente o Antigo

Testamento a fim de estabelecer a autoridade deste. E o próprio Novo Testamente foi

elaborado por autores que sabiam que escreviam a palavra vinda de Deus (1Ts 2.13).

68

D. Martin Lloyd-Jones, Autoridade, p.65.

Page 36: Monografia

36

A defesa da autoridade das Escrituras não nos faz bibliólatras. Não enxergamos o

livro como ele fosse nosso Deus, mas como instrumento pelo qual conhecemos esse Deus.

Portanto, o nosso meio de defender a autoridade das Escrituras é para que o conhecimento

de Deus não seja distorcido. Afinal, o retrato de Deus nas Escrituras é correto, nítido. Por

isso reconhecemos a autoridade das Escrituras.

A igreja tanto reconhece essa autoridade, que até dá testemunho de suas evidências.

Seus preceitos morais são perfeitos, existe harmonia dos vários livros, unidade de

propósito, doutrinas não contraditórias, profecias que foram cumpridas por exatidão, a

precisão, clareza e profundidade dentro de um relato, etc. Tudo isto mostra por que depois

de muitos ataques no decorrer dos séculos (pessoas em busca de erros para desacreditá-las)

a Bíblia Sagrada permaneceu intacta na sua veracidade e relevância.

Ainda assim, com todos esses quesitos mencionados no parágrafo acima, não

podemos convencer qualquer incrédulo acerca da autoridade das Escrituras. Os argumentos

poderosos e convincentes da própria Escritura fortalecem a fé daquele que já é Cristão,

mas não tem significado espiritual para o incrédulo. Embora funcionem como aspecto

apologético (de defesa da fé), essas características singulares das Escrituras não são

capazes de fazer pessoas ouvirem o seu ensino. É aí que entra o testemunho interno do

Espírito Santo.

Page 37: Monografia

37

2.2. A Inspiração das Escrituras

A revelação consiste numa verdade absolutamente desconhecida que é transmitida

exclusivamente por Deus e determinados homens, por Ele vocacionados e qualificados,

não somente a transmiti-la como a recebê-las em termos humanos. 69

Difere da inspiração

factual que se fundamenta em algo que aconteceu na história e que é transmitido também

por Deus através da memória do homem, preservando-a, porém de enganos que possa

deturpar a verdade. Assim, pode-se distinguir que a história da criação, registrada no

Gênesis constitui uma revelação feita a Moisés; enquanto os fatos que o mesmo profeta

registra em Êxodo são uma inspiração factual. 70

A plenitude da revelação divina se

verificou em Cristo, quando tomou sobre si mesmo carne humana, e será revelada outra

vez, quando ele voltar em glória (cf. Lucas 2.32; 1 Pedro 1.13) Evidente que se há uma

revelação, a iniciativa deve estar em Deus. Pois mesmo os pensamentos, íntimos do

homem, ninguém, exceto o próprio homem pode comunicar (1 Co. 2.11); e como disse

Irineu: “O Senhor ensinou-nos que ninguém pode conhecer a Deus, a não ser que o próprio

Deus seja seu professor; isto é sem Deus, Deus não pode ser conhecido”. 71

Deus veio de fato em nosso auxílio; abrimos as páginas da Bíblia e nos deparamos

com uma sensação absolutamente distinta de tudo o que experimentamos, lendo os mais

exímios mestres da literatura; Lendo as Escrituras nos deparamos com um mundo de

entidades e valores superiores que nos elevam e nos enchem de contentamento

indescritível, dando-os a conscientização irresistível de veracidade divina que expressam

veracidade que transcendem todo o conhecimento adquirido pelo filosofar do saber

humano, pois nos conduz a avaliação da vida em termos plenos e eternos; descortina-nos

visões deslumbrantes da virtude que enobrece o homem e desenvolve uma equação

69

MELO, Roderick C., Havendo Deus nos Falado, p.13. 70

Idéia defendida por Roderick C. De Melo, Havendo Deus nos Falado, p.84. 71

Ibid.

Page 38: Monografia

38

indubitável que determina a finalidade para qual existe. 72

Quando nos referimos à inspiração das Escrituras, estamos mencionando que elas

são de origem divina. Pessoas a escreveram movida pelo Espírito Santo, e de tal modo

dirigidas por ele, que tudo o que foi registrado por eles nas Escrituras constitui-se em

revelação autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos revelados forma

registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo,

pela livre instrumentalidade dos escritores. Assim, a Bíblia distingue-se de todos os demais

escritos humanos, pois cada palavra é a própria Palavra de Deus; e, portanto infalível e

inerrante. Convém observar que a inspiração distingue-se da revelação especialmente

quanto ao Propósito: enquanto o propósito da revelação é a comunicação de verdades que

aprouve a Deus transmitir, o propósito da inspiração é assegurar a infalibilidade do registro

daquilo que foi revelado. 73

a) Evidências da Inspiração

As evidências da inspiração podem ser dividas em indiretas, fatores externos, e

diretas fatores internos escriturísticos. Uma das evidências indiretas da inspiração das Escrituras é

a singularidade de sua unidade, que é incontestável, principalmente quando se considera a sua

diversidade. Quarenta autores das mais variadas classes, culturas e posições sociais, entre

os quais pastores, pescadores, legisladores, reis, médicos, sacerdotes, governadores e

fariseus, a maioria dos quais nunca viu um ao outro face a face, foram instrumentos para

composição destas Escrituras. Estes autores também viveram em tempos muito diversos,

abrangendo mais de dezesseis séculos. Os tipos de escritos são os mais variados possíveis,

incluindo livros históricos, biográficos, profético, éticos, poéticos, tratando de assuntos

incrivelmente diversificados, abrangendo desde a criação do mundo, até a consumação dos

72

Ibid. Pg 85. 73

Paulo Anglanda, Sola Scriptura, pg 50,51.

Page 39: Monografia

39

séculos. Não obstante de tudo isto, a bíblia é essencialmente um livro. Trata de uma mesma

história, da redenção; converge para uma mesma pessoa: Cristo, e, por mais que se busque,

não se encontra qualquer real contradição ou incoerência entre todos os seus ensinos,

relatos e exortações. Quanto a profundidade do conteúdo das Escrituras é tão sobrenatural

e contrário aos pensamentos do homem que também se constitui forte evidência da sua

origem divina.

Como escreveu Ryle:

“A Bíblia ousadamente trata de assuntos que vão além do conhecimento humano, quando um homem é deixado por conta própria. Trata de coisa que são misteriosas e invisíveis: a alma, o mundo vindouro e a eternidade, profundidades estas que nenhum homem pode sondar. Todos os que têm procurado escrever a respeito destas coisas sem possuir iluminação proveniente da Bíblia, fizeram um pouco mais que provar a sua própria ignorância... Quão obscuros estavam os pontos de vista de Sócrates, Platão. Cícero e Sêneca! Um bom aluno de Escola Dominical de nossos dias conhece mais verdades espirituais do que aqueles sábios juntos”.

74

Apenas as Escrituras fornece explicação razoável a respeito da origem, estado e

propósito do homem e do mundo que vive. O homem não poderia inventar um Deus trino,

santo, justo, soberano, independente, onipotente, onisciente, onipresente, longânimo,

misericordioso e amoroso como o Deus que a Bíblia revela. 75

O homem não conceberia a

si próprio como totalmente corrompido e plenamente culpado por causa do pecado, como a

Bíblia o descreve. As Escrituras são imensuravelmente sobresselente a qualquer outro

escrito religioso. Parece-nos que tais escritos foram permissão de Deus ao surgimento de

tais “revelações”, apenas fortalecem a idéia desta superioridade e inspiração das Escrituras.

76 Paulo Anglada escrevendo sobre as evidências indiretas da inspiração, quanto ao poder

das Escrituras afirma:

74

RYLE, J. C., A Inspiração das Escrituras, IN: Anglada, em seu livro Sola Scriptura, p.51. 75

Ibid, p.51 76

RYLE, J.C., A Inspiração das Escrituras, p.52.

Page 40: Monografia

40

“As Escrituras reivindicam ser o instrumento de uma obra sobrenatural que pode ser efetuada no coração de qualquer ser humano. Ele afirma ser o poder de Deus para a salvação de todo aquele que nela crê. Afirma que a sua mensagem pode vivificar mortos espirituais, regenerando-os em novas criaturas em Cristo Jesus. Ela afirma ainda que tais pessoas são resgatadas não apenas da culpa como também do domínio do pecado, os quais demonstram isso passando a oferecer os seus membros não como instrumento de iniqüidade, como outrora. mas como instrumento de justiça. Pode-se constatar tais asseverações? Em caso positivo, tal livro só pode ser de origem divina, isto é, inspirado por Deus. Qual é a resposta? Basta olhar para a vida de Paulo, de Pedro, de Agostinho. John Bunyan, de John Newton, Whitefield, de Wesley, e de milhares e milhares, os quais, como o endemoninhado gadareno, foram tão radicalmente transformados pela instrumentalidade deste livro, sendo trazidos à sobriedade, que tomam-se irreconhecíveis, quando comparados ao que outrora haviam sido” .

77

Avaliando com cuidado a história ao longo do tempo, percebemos o quanto as

Escrituras tem promovido transformações em pessoas, independente de qualquer que seja a

diferença entre elas. Além destas evidências indiretas da inspiração, a doutrina da

inspiração das Escrituras também se fundamenta nas evidências diretas as quais são

suficientes e incontestáveis. Uma destas evidências encontra-se no ensino de Jesus. Nos é

claro e dissipa qualquer dúvida a reverência do próprio com relação a Palavra de Deus. Em

Mateus 5: 17-18. Ele afirma, referindo-se aos livros do Antigo Testamento, que nem um i

ou til passará da lei, até que tudo se cumpra. Em João 10:35, lê-se que a “Escritura não

pode falhar”. 78

(Lc 24.44). Também, os próprios profetas do Antigo Testamento

reivindicam falar pa1avras de Deus. É por isso que freqüentemente introduzem suas

profecias com as expressões: “assim diz o Senhor”, “ouvi a palavra do Senhor”, ou

“palavra que veio da parte do Senhor”. 79

Vários textos do Antigo Testamento são citados

sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo. (Hb 3.7ss “Assim diz o Espírito Santo...”.) A

inspiração bíblica deveria ser definida nos mesmos termos teológicos que definem a

inspiração profética: a saber, como processo inteiro (multiforme, não há dúvida, em sua

forma psicológica, como foi a inspiração profética), por meio do qual Deus moveu os

homens que havia movido e preparado (cf. Jr 1.5; GI 1.15) para escrever exatamente o que

Ele queria que fosse escrito afim de comunicar as instruções de salvação ao seu povo e,

77

ANGLADA, Paulo, Sola Scriptura, p. 52-53. 78

Evidência utilizada por Paulo Anglada. Em Sola Scriptura, p. 53. 79

Ibid.

Page 41: Monografia

41

através dele, ao mundo. 80

Desse modo, a Escritura inspirada é a revelação escrita, assim

como os sermões dos profetas eram revelação falada. 81

Existem ainda algumas referências

explicitas que fortalece a doutrina da Inspiração divina. Os apóstolos Paulo e Pedro a

ensinam claramente nos dois textos considerados clássicos sobre assunto. Em 2 Timóteo

3.16, Paulo afirma que toda a “Escritura é inspirada por Deus”. E Pedro, em 2 Pedra 1.20-

21, explica que “nenhuma profecia das Escrituras provém de particular elucidação; porque

nunca jamais qualquer profecia foi dada pó vontade humana, entretanto, homens santos

falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”. Deve-se salientar, portanto, que

quando se trata de evidências, o registro bíblico de auto-revelação de Deus na história da

redenção não é meramente testemunho humano a revelação, mas a própria revelação. 82

A

inspiração das Escrituras era parte integral no processo de revelação, pois nelas Deus deu a

Igreja sua obra de salvação na História e sua interpretação autoritária do lugar da Igreja no

plano eterno. 83

As evidências indiretas e diretas, portanto apresentadas nesta seção

demonstram claramente a inspiração das Escrituras e sua importância.

b) Natureza da Inspiração

A idéia da Escritura canônica remonta aos escritos de Moisés sobre a lei de Deus no

deserto (Êx 34.27-28; Dt 31.9,10,24,25). A verdade de todas as declarações - histórias ou

teológicas - que as Escrituras fazem e sua autoridade como palavra de Deus são aceitas

sem discussões ou questionamentos em ambos os Testamentos. O cânon aumentou, mas o

conceito de inspiração, o qual pressupõe a idéia de canonicidade, foi plenamente

desenvolvido desde o início e é imutável ao longo das Sagradas Escrituras. Alguns fatores

devem ser esclarecidos portanto para se afirmar que e toda a Escritura é inspirada por

80

PACKER. J. I., A Origem da Bíblia. p..52. 81

Ibid., p.52. 82

PACKER. J. I., A Origem da Bíblia. p..52. 83

Ibid., p.52.

Page 42: Monografia

42

Deus. Inicialmente asseveremos que os autores bíblicos não escreveram mecanicamente,

pois as Escrituras não foram “psicografadas” ou “pneumagrafadas”. Tais conceitos de

inspiração são encontrados no Talmuld, em Filo e nos Pais da Igreja, mas não na Bíblia. A

direção e controles divinos, sob os quais os autores bíblicos escreveram, não eram uma

força física ou psicológica, e não diminuía - antes, pelo contrário, aumentava - a liberdade,

e espontaneidade e a criatividade daquilo que escreviam. Em alguns casos é possível, que

os autores nem tivesse consciência que estivessem escrevendo inspirados pelo Espírito

Santo. Em outros, os autores bíblicos não foram muito mais do que copistas, visto que

apenas transcreveram as palavras de Deus, como exemplo em Gênesis 22.15-18, Êxodo

20.1-17; e Isaías 43. Os diversos livros bíblicos da Bíblia revelam claramente as

características culturais, intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Os

autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus.

A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as características e

peculiaridades individuais. 84

O fato de que, na inspiração, Deus não obliterou a

personalidade, estilo, perspectiva e condicionamento cultural do escritor não significa que

seu controle sobre eles fosse imperfeito ou que, no processo de registrar por escrito a

verdade que tinha transmitir, inevitavelmente a distorcessem. 85

O extremo oposto de

inspiração mecânica é o que se convencionou chamar de inspiração dinâmica. Trata-se de

um conceito racionalista que influenciou o método histórico crítico de interpretação, e que

reduz a inspiração à iluminação. Segundo este conceito, os autores bíblicos foram apenas

homens iluminados. A excelência dos seus escritos deve ser atribuída à influência

santificadora no caráter, mente e palavras deles, devido à comunhão profunda com Deus

ou pela convivência com Jesus, e não a uma ação sobrenatural e ímpar do Espírito Santo.

Paulo Anglada, mostrando o erro de tal concepção descreve:

84

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura, p. 55. 85

PACKER, J.I., A Origem da Bíblia, p. 57.

Page 43: Monografia

43

“Mas tal concepção reduz as Escrituras à mesma categoria dos livros judaico-cristãos,

distinguindo-se deste meramente quanto ao grau de iluminação. Tal doutrina despoja a

Bíblia do seu caráter sobrenatural e autoritativa. Torna-a falível e admite a possibilidade de

erros no seu conteúdo”. 86

A inspiração dos escritos bíblicos, não deve ser igualada com a inspiração das

grandes obras da literatura. 87

A idéia bíblica da inspiração não se relaciona com a

qualidade literária do que é escrito, mas como sua característica de ser revelação e escrita.

88 A concepção bíblica e genuinamente reformada quanto à natureza da inspiração das

Escrituras é que a inspiração foi orgânica. Este conceito defende que o Espírito Santo, o

autor primário das Escrituras, dirigiu, guiou e supervisionou os autores secundários, a fim

de garantir que tudo quanto escrevessem como canônico fosse isento de erro e

correspondesse perfeitamente à revelação de Deus. A liberdade com a qual os escritores

do Novo Testamento citam o Antigo Testamento é considerada provam que de eles

aceitavam a inspiração destes textos. Assim as palavras das Escrituras são as próprias

palavras de Deus, a parte dos homens na produção das Escrituras foi meramente transmitir

o que havia recebido. 89

A doutrina da inspiração orgânica explica-se do mesmo modo que

outras doutrinas bíblicas, através da sobrenatural harmonia entre a soberania de Deus e a

responsabilidade humana. Nas palavras de Boettner:

“A obra do Espírito Santo na inspiração não deve ser considerada mais misteriosa do que

sua obra nas demais esferas da graça e providência. O primeiro exercício da fé salvadora na

regeneração da alma, por exemplo, é, ao mesmo tempo, uma obra induzida pelo Espírito

Santo e um ato livremente escolhido da pessoa”. 90

c) Extensão da Inspiração

A posição daqueles que declara que as Escrituras contém a palavra de Deus, é que

quanto as Escrituras são de inspiração parcial. Afirmam que nem todo o conteúdo do cânon

é inspirado. Esta é a posição dos teólogos liberais influenciados pelo deísmo e pelo

86

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura, p. 58. 87

PACKER, J.I., A Origem da Bíblia, p. 58. 88

Ibid. 89

Ibid. pp. 53,54. 90

BOETTNER, Loranine, Studies ini Theology, p. 25; Citado por Paulo Anglada, em So1a Scriptura, p.56.

Page 44: Monografia

44

racionalismo do século XVIII. Posição também defendida por Marcião, no segundo século

de nossa era, bem como todos os que rejeitavam o cânon, neste mesmo período. Paulo

Anglada comentando sobre esta posição descreveu:

“O mais grave é que, atribuindo a si próprios o direito de delimitar o que é ou não

inspirados nas Escrituras, as defensores da inspiração pardal, se constituem cama juizes da

palavra de Deus. Contudo, a fragilidade de tais juizes se evidencia na hora de determinarem

sobre que parte das Escrituras são inspiradas. Para uns, só as porções doutrinárias. Para

outros. Só o Novo Testamento. Outros, só reconhecem a inspiração das palavras de Jesus.

Enquanto há os que rejeitam passagens sobrenaturais. Existem outros ainda, que chegaram

a aceitar como inspirado somente o Sermão do Monte”. 91

Conforme observou Gerhard Maier, de Tübingen, depois de cerca de duzentos anos

de pesquisas, a escola histórica-crítica obviamente não conseguiu definir afinal qual seria o

suposto cânon dentro do cânon. 92

Como bem afirmou Berkhof “aceitar quaisquer das

formas de inspiração parcial das Escrituras é, praticamente, ficar sem Bíblia”. 93

Outra forma

distorcida de avaliar a extensão da inspiração é daqueles que defendem a inspiração mental

das Escrituras. Esta é uma tentativa de conciliar a doutrina da inspiração com a suposta

falibilidade das Escrituras. Os que conservam esta posição acreditam que as Escrituras são

inspiradas por Deus, porém isto significa apenas que os pensamentos forma inspirados, não

o registro desses pensamentos. Posição similar são dos que conciliam o criacionismo

bíblico com evolucionismo “científico”. Porém, é vã a tentativa de querer conciliar

incredulidade e fé, é sem dúvida, desesperadora a situação daqueles que, pela

incredulidade, rejeitam a doutrina da inspiração verbal das Escrituras, e tentam inutilmente

construir outra rocha na qual possa agarrar-se. 94

A doutrina verbal das Escrituras equivale à expressão, inspiração plenária.

Doutrina defendida pelos teólogos reformados de Princeton, como Charles e Alexander

Hodge, os quais afirmavam com isto que as Escrituras são completamente inspiradas e,

91

ANGLADA, Paulo, Sola Scriptura. p.57. 92

De acordo com Eino Ronald Muller, O Método Histórico-Crítico; Uma Avaliação, p. 256. 93

BERCKHOF, Luis, introducion a la Teologia Sistemática, p.171. 94

Posição defendida por ANGLADA, Paulo, Sola Scriptura. p.57.

Page 45: Monografia

45

portanto livre de erro. O termo verbal passou a ser usado, explica Barris, para preservar o

mesmo sentido, e evitar deturpações daqueles que querem usar o termo plenária

significando apenas que “todas as partes da bíblia de gênesis a apocalipse, forma de algum

modo produzidas por Deus, sem que contudo sejam necessariamente de origem divina”. 95

A doutrina da inspiração das Escritas de modo verbal se baseia em fatos como estes que

passamos a descrever. Jesus cria na inspiração verbal das Escrituras fica evidente,

especialmente em Mateus 5.17-18, quando afirma, referindo-se aos livros do Antigo

Testamento, que nem um i ou til passará de lei, até que tudo se cumpra. A atitude de Jesus

para com as Escrituras é a mesma em João 10.34 e 35, onde baseia sua argumentação em

apenas duas palavras do Antigo Testamento: Sois Deuses, e conclui afirmando que “as

Escrituras não podem falhar”. O mesmo ocorre em Mateus 22:43-45, quando Jesus

fundamenta toda a sua exegese e conseqüentemente argumento em Salmo 110: 1: Senhor.

E ainda, o apóstolo Paulo também demonstra, na sua prática exegética, a mesma confiança

na doutrina da inspiração verbal das Escrituras. Em Gálatas 3.16, seguindo o mesmo

princípio exegético de Jesus, ele também fundamenta sua argumentação em uma só

palavra, ou melhor no número (singular) de uma palavra: descendente e não descendentes.

As Escrituras, portanto, tem natureza divina humana: são a Palavra de Deus escrita

em linguagem humana, por pessoas em pleno uso de suas faculdades. Mas de tal modo

dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram como canônico foi preservado do

erro, constituindo-se revelação infalível e inerrante de Deus ao homem.

95

HARRlS, R. L., Inspiration and Canonicity of the Bible, p. 19-20.

Page 46: Monografia

46

2.3. A Inerrância das Escrituras

Ao afirmarmos que a Bíblia é inspirada por Deus, que ela é produto divino humano,

que Deus usou homens em sua totalidade, que os levou a registrarem até mesmo as

palavras que deveriam usar, estamos afirmando também que Deus os preservou de

cometerem erros em seus escritos. A isto damos o nome de Inerrância, que é o ensino da

própria Escritura a seu respeito que afirma que nela não há erros ou contradições (cf. João

10.35; 17.17; Colossenses 1.5; 2Timóteo 2.15; Tiago 1.18). Contudo, deve ser esclarecido

que a ausência de erros é sobre os originais hebraicos e gregos. Por mais fiel que seja uma

tradução ou versão das Escrituras ela não pode afirmar ser a última palavra escriturística

isenta de erros ou distorções, pois há traduções que possuem sérios erros. Também não

quer dizer que os escritores sagrados não cometeram erros em suas vidas. Na 1ª carta de

Paulo aos Coríntios, fica evidente que o apóstolo escreveu uma carta anterior chamada de

carta perdida, que certamente não foi inspirada por Deus, pois Ele não a preservou até os

nossos dias (1 Co 5.9). O exemplo clássico de sua inerrância é o fato de ter sido escrita

num período de 1600 anos, por cerca de 40 escritores diferentes, de épocas diferentes, em

lugares diferentes, e que, apesar de tudo isso, ela é toda verdade e nela não há contradição.

Nenhum outro livro possui essa característica. A Inspiração do Texto Sagrado é uma

qualidade intrínseca-ela é porque é. 96

A Declaração de Chicago a respeito da Inerrância Bíblica deixa bastante claro a

inerrância das Escrituras. James Montgomery Boice esclarecendo sobre esta declaração

escreveu:

“Declaração durante uma consulta de três dias de duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência

96

PICKERlNG, Wilbur Gilberto Nonnan. Canonicidade do Novo Testamento.

Page 47: Monografia

47

rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias convicções através dos debates que tivemos juntos, e oramos para que esta Declaração que assinamos seja usada para a glória de Deus com vistas a uma nova reforma na Igreja no que tange a sua fé, vida e missão”.

97

Esta declaração sobre a inerrância das Escrituras, esclarece nosso entendimento a respeito

dela e adverte contra sua negação. Declaram estar convencidos de que negá-la, é ignorar o

testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às

reivindicações dá própria palavra de Deus, submissão esta que caracteriza a verdadeira fé

cristã. Ainda declaram entender que é dever de todo o cristão, fazer esta afirmação diante

dos atuais desvios da verdade da inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do

entendimento errôneo que esta doutrina tem tido no mundo em geral. Esta Declaração

consiste de três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação, e uma

Explanação. Porém, destacaremos apenas dois pontos, que consideramos mais propícios a

nosso foco. A primeira parte a destacar na declaração de Chicago é a breve da Doutrina.

1. Deus, sendo Ele Próprio a Verdade e falando somente a verdade. Inspirou as

Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-se à humanidade perdida.

Através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras

Sagradas são o testemunho de Deus sobre Si mesmo.

2. As Escrituras Sagradas, sendo apropria Palavra de Deus, escritas por homens

preparados e supervisionados por Seu Espírito. Possuem autoridade divina infalível

em todos os assuntos que abordam: deve ser cridas, como instrução divina, em tudo

o que afirmam: obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam;

aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem.

3. O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de

Seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.

97

Ibid.

Page 48: Monografia

48

4. Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não

possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito

dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua

própria origem literária sob a direção de Deus, quer no testemunho que dão sobre a

graça salvadora de Deus na vida das pessoas.

5. A autoridade das Escrituras fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância

divina absoluta seja de alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa

de um ponto de vista acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista

da Bíblia; e tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para

a Igreja.

Esta declaração traz consigo princípios que os reformadores defenderam, não

ferindo a integridade das Escrituras. A segunda parte que passamos a destacar na

declaração de Chicago que prossegue com uma explanação da doutrina da Inerrância das

Escrituras, aonde além de afirmá-la, busca explicá-la num conceito mais amplo. A

explanação inicia-se com a seguinte afirmação: Esta explanação apresenta uma descrição

de um esboço da doutrina, na qual se baseia nossa breve declaração e os artigos.

Descreveremos um breve comentário aqui, de apenas parte desta explanação, que trata

especificamente da inerrância: Criação, Revelação e Inspiração; Infalibilidade, e também

inerrância, Interpretação.

No primeiro ponto destaca-se a criação, revelação e Inspiração. E inicia-se

mostrando que o Deus Triúno, que formou todas as coisas, e que a tudo governa pela

Palavra de Sua vontade, criou a humanidade a sua própria imagem para uma vida de

comunhão consigo mesmo, tendo por modelo a eterna comunhão da comunicação dentro

da Divindade. Como portador da imagem de Deus, o homem deve ouvir a Palavra de Deus

dirigida a ele e reagir com a alegria de uma obediência em adoração. Além da auto-

revelação de Deus na ordem criada e na seqüência de acontecimentos dentro dessa ordem,

desde Adão os seres humanos têm recebido mensagens verbais d‟Ele, quer diretamente,

Page 49: Monografia

49

conforme declarado nas Escrituras, quer indiretamente na forma de parte ou totalidade das

próprias Escrituras. A declaração segue ainda, mostrando que quando Adão caiu, o Criador

não abandonou a humanidade ao juízo final, mas prometeu salvação e começou a revelar-

Se como Redentor numa seqüência de acontecimentos históricos centralizados na família

de Abraão e que culminam com a vida, morte, ressurreição, atual ministério celestial e a

prometida volta de Jesus Cristo. Dentro desse arcabouço, de tempos em tempos Deus tem

proferido palavras específicas de juízo e misericórdia, promessa e mandamento, a seres

humanos pecaminosos, de modo a conduzi-los a um relacionamento, uma aliança, de

compromisso Mútuo entre as duas partes, mediante o qual Ele os abençoa com dons da

graça, e eles. A primeira parte da declaração prossegue descrevendo o argumento da

inerrância das Escrituras:

“Moisés, que Deus usou como mediador para transmitir Suas palavras a Seu povo à época do

êxodo, está no início de uma longa linhagem de profetas em cujas bocas e escritos Deus

colocou as Suas palavras para serem entregues a Israel. O propósito de Deus nesta sucessão de

mensagens era manter Sua aliança ao fazer com que Seu povo conhecesse Seu Nome, isto é,

Sua natureza, e tantos preceitos quanto os propósitos de Sua vontade, quer para o presente, que

para o futuro, Essa linhagem de porta-vozes proféticos da parte de Deus culminou em Jesus

Cristo, a Palavra encarnada de Deus. Sendo Ele um profeta (mais do que um profeta, mas não

menos do que isso), e nos apóstolos e profetas da primeira geração de cristãos. Quando a

mensagem final e culminante de Deus. Sua palavra ao mundo a respeito de Jesus Cristo, foi

proferida e esclarecida por aqueles que pertenciam ao círculo apostólico, cessou a seqüência de

mensagens reveladas. Daí por diante, a Igreja devia viver e conhecer a Deus através daquilo

que Ele já havia dito, e dito para todas as épocas. No Sinai, Deus escreveu os termos de Sua

aliança em tábuas de pedra, como Seu testemunho duradouro e para ser permanentemente

acessível, e ao longo do período de revelação profética e apostólica levantou homens para

escreverem as mensagens dadas a eles e através deles. Junto com os registros que celebravam

Seu envolvimento com Seu povo, além de reflexões éticas sobre a vida em aliança e de formas

de louvor e oração em que se pede a misericórdia da aliança”. 98

Este argumento mostra a realidade teológica da inspiração, que a elaboração de

documentos bíblicos corresponde à das profecias faladas: embora as personalidades dos

escritores humanos se manifestassem naquilo que escreveram, as palavras foram

divinamente dadas. Assim, aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz; a autoridade das

Escrituras é a autoridade de Deus, pois Ele é seu derradeiro Autor, tendo entregue as

98

Ibid.

Page 50: Monografia

50

Escrituras através das mentes e palavras dos homens escolhidos e preparados, os quais,

livre e fielmente, “falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21).

Devem-se reconhecer as Escrituras Sagradas como voz autêntica de Deus, e, portanto

inerrânte, em virtude de sua origem divina.

No segundo ponto, a declaração destaca a infalibilidade, inerrância e interpretação

das Escrituras. Inicia-se mostrando que as Escrituras Sagradas, na qualidade de Palavra,

inspirada de Deus que dá testemunho oficial acerca de Jesus Cristo, pode ser

adequadamente chamadas de infalíveis e inerrantes. Estes termos negativos possuem

especial valor, pois salvaguardam explicitamente verdades positivas. A palavra Infalível

significa a qualidade de não desorientar nem ser desorientado e, dessa forma, salvaguarda

em termos categóricos a verdade de que as Santas Escrituras são uma regra e um guia

certo, seguro e confiável em todas as questões. Prossegue ainda que semelhantemente, a

palavra inerrante significa a qualidade de estar livre de toda falsidade ou engano e, dessa

forma, salvaguarda a verdade de que as Santas Escrituras são totalmente verídicas e

fidedignas em todas as suas afirmações. E afirmam:

“Afirmamos que as Escrituras canônicas sempre devem ser interpretadas com base no fato de que são infalíveis e inerrantes. No entanto, ao determinar o que o escritor ensinado por Deus está afirmando em cada passagem, temos de dedicar a mais cuidadosa atenção às afirmações e ao caráter do texto como sendo uma produção humana. Na inspiração Deus utilizou a cultura e os costumes do ambiente de seus escritores, um ambiente que Deus controla em Sua soberana providência; é interpretação errônea imaginar algo diferente. Assim deve-se tratar história como história, poesia como poesia, e hipérbole e metáfora como hipérbole e metáfora, generalização e aproximações como aquilo que são, e assim por diante. Também se deve observar diferenças de práticas literárias entre os períodos bíblicos e o nosso: visto que, por exemplo, naqueles dias, narrativas são cronológicas e citações imprecisas eram habituais e aceitáveis e mio violavam quaisquer expectativas, não devemos considerar tais coisas como falhas, quando as encontramos nos autores bíblicos. Quando não se esperava nem se buscava algum tipo específico de precisão absoluta, não constitui erro o fato de ela existir”.

99

Assim a declaração em seu segundo ponto mostra acertadamente que as Escrituras

são inerrantes, não no sentido de serem totalmente precisas de acordo com os padrões

atuais, mas no sentido de que validam suas afirmações e atingem a medida de verdade que

99

Ibid.

Page 51: Monografia

51

seus autores buscaram alcançar, pois a veracidade das Escrituras não é negada pela

aparição, no texto, de irregularidades gramaticais, ou ortográficas, de descrições

fenomenológicas da natureza, de relatos de afirmações falsas, ou as aparentes

discrepâncias entre uma passagem e outra. Porém, a declaração mostra que não se deve

ignorar aparentes incoerências. Mas a solução delas, onde se possa convincentemente

alcançá-las, estimulará nossa fé, e, onde no momento não houver uma solução convincente

disponível, significativamente daremos honra a Deus, por confiar em sua garantia de

que sua Palavra é verdadeira, apesar das aparências em contrário, e por manter a confiança

de que um dia se verá que elas não eram enganos.

Para os defensores da inerrância bíblica, é relevante, que nesta batalha renomada a

cerca da bíblia, nenhum fato novo a respeito da Bíblia tem levado a questão a reaparecer

em foco. 100

Os opositores de um conceito elevado da Bíblia voltam-se em última análise,

não às novas descobertas da ciência ou na história, nem a novos dados da psicologia ou

astrofísica. 101

Pelo contrário como da boca do liberal Harold De Wolf, em Theology of the

Living Church, que alista uma série de contradições entre uma passagem bíblia e outra,

como prova final da errância das Escrituras.102

De modo semelhante, entre os evangélicos,

Dewey Beegle faz exatamente a mesma coisa com seu argumento clássico contra a

inerrância, tirando das discrepância aparentes entre Reis e Crônicas, e doutras passagens

bíblicas com referências paralelas. 103

Estes conceitos foram cuidadosamente revirados por

Jerônimo e Agostinho na sua correspondência há dezesseis séculos. 104

Os Medievalistas,

Lutero e Calvino, e seus seguidores nas Igrejas da Reforma, bem corno os Escolásticos

100

KANTZER. Kenneth S., O Alicerce da Autoridade Bíblica. p.172. 101

WOLF. L. Harold De, A Theologv of lhe Living Church, p. 68-7. Citado por Kenneth S. Kantzer, em, O

Alicerce da Autoridade Bíblica p. 172. 102

Ibid. 103

BEEGLE, Dewey M., Scripture, Tradition and Infabilitity. p. 97-175. Citado por Kenneth S. Kantzer, em,

O Alicerce da Autoridade Bíblica p. 172. 104

Agostinho, Letters em The Father of the Church, p.98. Citado por Kenneth S. Kantzer, em, O Alicerce da

Autoridade Bíblica p. 172.

Page 52: Monografia

52

Ortodoxos dos Séculos: XVII, XVIII e até XIX renovaram o debate. 105

, A novidade da

questão não reside em qualquer fato novo mas, sim, num modo novo de encarar os dados e

numa renovação contemporânea renovada e intensificada a respeito da inspiração da

Bíblia. 106

Fica-nos claro, portanto, que a Bíblia está livre de erros, uma vez que foi entregue

pelas mãos de Deus. O salmista diz o seguinte: “A lei do Senhor é perfeita... Os estatutos

do Senhor são dignos de confiança... Os preceitos do Senhor são justos... O temor [objeto

de referência, chamado, a Palavra de Deus] do Senhor é puro” (19:7-9). A última

característica significa “sem defeito”. Será que nós imaginávamos de outra forma, sabendo

que a Bíblia é o sopro de Deus? (2 Timóteo. 3: 16), “toda Escritura é inspirada por Deus”

e, “pois a profecia nunca teve sua origem na vontade humana, mas os homens falaram de

Deus sendo levados pelo Espírito Santo” (2 Pedro. 1:21 ). - O verbo grego para “sendo

levados” algumas vezes descreve o efeito que o vento faz em um barco a velas. A Bíblia

não caiu do céu pronta. Homens escreveram, mas com sua forma de escrita, com toda

variedade de vocabulário e estilo próprio, o Espírito Santo, pela sua palavra e exposição,

foi determinante para o resultado da Palavra. Os autores humanos foram levados pelo seu

poder, assegurando que o produto seria sem defeito. Conseqüentemente, como a Fé

Reformada insiste, a Bíblia é infalível e absolutamente digna de confiança. Na medida em

que defendemos aquilo que, segundo cremos, é a instrução do nosso Senhor quanto à

inerrância da autoridade Bíblica, não estamos saindo para conquistar e destruir. 107

105

WALYOORD, John F., lnspiration and lnterpretation e Roberty Preus, lmpiration os Scripture, Citado por

Kenneth S. Kantzer, em, O Alicerce da Autoridade Bíblica p. 172. 106

KANTZER. Kenncth S., O Alicerce da Autoridade Bíblica. p. 173. 107

Ibid.p.181.

Page 53: Monografia

53

Pelo contrário, somos testemunha que procuramos compartilhar, convencer e

persuadir nosso irmão em Cristo a segui-lo, nesta área de obediência á sua palavra escrita,

assim como todas as demais áreas. 108

III CAPÍTULO

AS ESCRITURAS SOB A ÓTICA DO MUNDO CONTEMPORÊNEO

Neste último capítulo, somos levados às necessidades da igreja contemporânea de

resgatar o conceito reformado, e antes disso, bíblico, da Autoridade das Escrituras, pois

mesmo que não seja negado explicitamente à Bíblia a autoridade que lhe é devida na

formulação de fé e na condução da prática eclesiástica, em alguns círculos evangélicos isso

tem sido feito, e quando não se têm negado teologicamente, a prática cotidiana da igreja o

tem feito. Daí o desafio em discorremos sobre três frentes de ataque à Autoridade das

Escrituras presentes na maioria das Igrejas evangélicas brasileiras, frentes estas, que não

têm encontrado resistências em determinadas comunidades e têm sorrateiramente destruído

a base da fé evangélica professada por todos que se dizem integrantes da Igreja do Senhor.

Lembramos somente que não são apenas estes aspectos doutrinários infiltrados nas

igrejas que estão solapando a Autoridade das Escrituras, mas que esses, a nosso ver, têm

um potencial destrutivo maior pelo fato de não se apresentarem de forma alarmante, não

chamando a atenção da igreja e assim, não despertando desconfiança nem adversários

ágeis para combatê-lo os rapidamente. Estou me referindo aqui aos perigos propostos pelo

liberalismo e a neo-ortodoxia; pela filosofia pós-moderna cada vez mais abrangente na

sociedade e por último, o resultado do movimento carismático, onde as “novas revelações”

assumem o papel que é exclusivo das Sagradas Escrituras.

108

KANTZER. Kenncth S., O Alicerce da Autoridade Bíblica. p.181.

Page 54: Monografia

54

3.1. As Escrituras sob a ótica liberal e neo-ortodoxa.

Uma enxurrada de livros de linha teológica controvertida tem surgido nas livrarias

evangélicas brasileiras, sendo uma novidade a ser consumida, mas infelizmente, sem

nenhum senso crítico por parte dos leitores. Refiro-me ao grande numero de publicações de

linha liberal e neo-ortodoxa que têm sido divulgada e fornecida aos membros de nossas

igrejas, que inadvertidamente têm consumindo este material e têm trazido para dentro das

Igrejas Evangélicas brasileiras uma doença que precisa ser erradicada.

Foi com Bacon e Descartes que os alicerces da ciência moderna e o individualismo

foram lançados, e estes se tornaram como pilares importantes da era moderna. A razão

assume o papel de norma de averiguação da verdade para toda a sociedade, e dizia-se,

segundo Alister McGrath citado no livro Pós-modernidade, novos desafios da fé cristã,

que ela “era capaz de nos dizer tudo o que necessitamos saber sobre Deus e sobre o mal”.

109 O período do século XVIII foi marcado por reações ao intelectualismo e formalismo

frios da teologia, mas também, por outro lado houve uma persistente e particularmente

forte reação contra a influência dominante da Escritura e da tradição eclesiástica na

dogmática, e contra as doutrinas que se ensinavam nos credos históricos da igreja; e assim,

a razão se encarregou de abrir novas sendas, não bloqueadas pela autoridade. “Se

derrubaram as antigas barreiras, e a apostasia racionalista apareceu alarmantemente

comum dentro da Igreja”. 110

O problema maior surgiu devido ao ataque paulatino que a

Escritura começou a sofrer, onde “alguns autores diziam que várias partes da Escritura

possuíam diversos graus de inspiração, e podia ser que os graus inferiores (como detalhes

históricos) contivessem erros. Outros escritores, como Schleiermacher, foram além,

109

SALINAS, Daniel; ESCOBAR, Samuel. Pós-modernidade, novos desafios à fé cristã. (São Paulo: ABU,)

1999. p.16. 110

BERKHOF, Louis. Introduccion a Ia teologia sistematica. Michigan: Evangelical Literature League,

1932. p.83.

Page 55: Monografia

55

negando totalmente o caráter sobre natural da inspiração”, 111

e é exatamente por ele que

começaremos nosso estudo aqui.

3. 1. 1. O leitor como norma.

No final do século XVIII, devido à influência de Emanuel Kant, 112

206 o

racionalismo tomou de conta da pregação e das doutrinas básicas da fé cristã como o

pecado original, a expiação substitutiva de Cristo, a justificação pela fé, a trindade, as duas

naturezas de Cristo, tudo isso decorrente da forma como estavam encarando as Escrituras.

Por incrível que pareça, foi contra essa postura filosófica e teológica que Friedrich D. E.

Schleiermacher, 113

da Universidade de Berlim se levantou. Mas, como nos adverte Brian

Schwertley:

“O problema é que SchIeiermacher tinha uma concepção errônea das Escrituras: cria na Bíblia não como auto revelação de Deus aos homens, mas como um registro da experiência religiosa subjetiva de santos preeminentes. O resultado foi a defesa de que a pregação deve derivar da consciência do pregador, identificar-se com a consciência religiosa do povo, apesar de nutrir-se da Escritura, principalmente do NT. Para Schleiermacher, pregar não é expor e aplicar a Escritura, mas transmitir uma consciência religiosa, e o alvo da pregação não é doutrinário, mas o viver cristão (a experiência). Dessa forma, ele concordava com o racionalismo em que o conteúdo da pregação deve ser obtido subjetivamente, mas tendo como ponto de partida, não o racional, mas o religioso”.

114

Schleiermacher tinha um conceito que chamava de Speeches, onde a essência da

religião achava-se no nosso senso de dependência absoluta, “esta idéia fica sendo um tipo

de denominador comum da experiência religiosa e também uma régua para medir todos os

demais ensinamentos cristãos. Armado com ela, Schleiemiacher pôs-se ao trabalho de

111

VIRKLER. Hermenêutica avançada. p.51. 112

Immanuel Kant (1724-1804) foi o fundador teorético do liberalismo religioso, pois foi sobre suas idéias

que grande numero de teólogos liberais edificaram suas teologias. Criou uma nova apologia pela religião na

obra Crítica da Razão Pura (1781) onde a ciência fica muda diante da religião, mas na Crítica da Razão

Prática (1788), somente pela razão, tentou fundamentar os conceitos de Deus, liberdade e imortalidade,

tornando a religião ética, característica básica do liberalismo. 113

Schleiermacher é conhecido como o pai do liberalismo teológico e com ele surgiu à pregação modernista

que vemos hoje onde se substitui a Palavra objetiva de Deus pela experiência religiosa subjetiva. 114

SCHWERTLEY, Brian. O modernismo e a lnerrância Bíblica. São Paulo: Os Puritanos, 2000. p.07.

Page 56: Monografia

56

reinterpretar a gama total da doutrina cristã”. 115

Já Roger Olson declara: “sem dúvida, Schleiermacher tinha na mais alta estima as

Escrituras e a grande tradição dos ensinos da Igreja. Mas também considerava que a

experiência religiosa tinha muito mais autoridade”. 116

Para Schleiermacher, a Bíblia não

passa do registro das experiências religiosas das comunidades cristãs primitivas; servindo

somente para fornecer um padrão para os interpretes modernos entenderem a relevância de

Jesus Cristo para aquele determinado momento da história. A Bíblia não é

sobrenaturalmente inspirada e muito menos infalível.

Uma das implicações da teologia de Schleiermacher, afirma Stanley Gundry, foi

que: “A localização da fé já não se acha naquilo que Deus diz (a revelação divina) nem

naquilo que Deus faz (a redenção na história), mas primariamente naquilo que o homem

experimenta”. 117

É interessante vermos a crítica feita por Colin Brown, pois conforme ele,

“Schleiermacher nem sequer ensaiou qualquer discussão detalhada da experiência religiosa

do Novo Testamento. Pelo contrário, pressupõe que o senso de dependência absoluta é o

fator comum da experiência religiosa, sem mais nem menos”. 118

Na realidade a teologia

liberal relocaliza a autoridade da Escrituras para experiências religiosas que a Bíblia

inspirava e não no seu conteúdo dogmático ou na sua inspiração nem ainda na natureza

corno revelação especial da parte de Deus. 119

Em reação a esta onda de ataques contra a Inspiração das Escrituras, foi que A. A.

Hodge e Benjamim Warfield escreveram um famoso ensaio sobre a inspiração da Bíblia

onde a doutrina da inspiração é colocada como a linha divisória entre a teologia ortodoxa e

a liberal. Eles “defendiam a inerrância das Escrituras que eram verbalmente inspiradas”. 120

115

BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 28 edição, 1999. p. 79. 116

OLSON, Roger. História da teologia cristã. São Paulo: Vida, 2001. p. 562. 117

GUNDRY, Stanley. Teologia Contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1983. p. 18. 118

BROWN. Filosofia e Fé Cristã. p. 82. (Grifo do autor) 119

GUNDRY. Teologia Contemporânea. p. 28 120

Ibid.p.29.

Page 57: Monografia

57

Hodge destaca o erro de Schleiermacher, onde a conclusão lógica da teoria de

Schleiermacher é de que:

“A Bíblia não tem autoridade normativa como regra de fé. Ela não contém nenhuma doutrina revelada por Deus e deve ser recebida como verdadeira em seu testemunho. Contém apenas os pensamentos de homens santo; as formas nas quais suas percepções, sem auxilio supranatural, revestem as instruções devido a seus sentimentos Religiosos”.

121

Desta forma, o AT é produto da “consciência religiosa” de homens que viveram sob

uma rude condição cultural, e não tem nenhuma autoridade para nós. O NT é produto da

“consciência religiosa” de homens que experimentaram a influência santificadora da

presença de Cristo entre eles. 122

Estes, porém, eram judeus e pensavam de maneira

judaica. Familiarizados com as cerimônias da antiga dispensação, habituados a pensar em

Deus como acessível somente através do sacerdócio, demandar expiação pelo pecado e

regeneração de coração a prometer certas recompensas e formas de bem-aventuranças num

futuro estado de existência. A proposta liberal é que a base da fé deixe de ser a revelação

objetiva para ser experiência pessoal. Hodge conclui sua exposição sobre Schleiermacher

afirmando:

“Na Igreja, pois, o cristianismo sempre foi considerado um sistema de doutrina. Os que crêem nessas doutrinas são cristãos; os que rejeitam são, segundo o critério da Igreja, infiéis ou hereges. Se nossa fé é formal ou especulativa, assim será nosso cristianismo; se ela é espiritual e viva, assim será nossa religião. Mas nenhum equívoco pode ser maior do que divorciar religião da verdade e fazer do cristianismo um espírito ou vida distinto das doutrinas que as Escrituras apresentam como objetos da fé”.

123

E é exatamente por isso que Gresham Machen afirma não se surpreender que o

liberalismo seja totalmente diferente do cristianismo, pois a base deste não é a mesma do

outro. Um é baseado na Bíblia tanto no seu pensamento quanto na sua vida, o outro é

baseado nas emoções diversificadas de homens pecadores, 124

e com certeza, as emoções

humanas não é o alicerce sólido sobre o qual construiríamos nossas casas doutrinárias e

éticas.

121

HODGE. Teologia Sistemática. p. 133. (Grifo do autor). 122

Ibid.p.133. 123

Ibid.p. 134. 124

MACHEN, J. Gresham. Cristianismo e liberalismo. p.83.

Page 58: Monografia

58

3.1.2. O mito da desmitologização.

Um outro representante liberal que levou às ultimas conseqüências a sua disposição

em “contextualizar” a mensagem das Escrituras, e “dar uma mãozinha” para que ela seja

aceita pelo homem moderno foi Rudolf Bultmann. 125

Ele “elaborou a sua teologia a partir

de premissas de que o homem moderno não crê em milagres, e portanto a Bíblia deve ser

desmistificada”. 126

Para Batista Mondin, Bultmann é atormentado pelas exigências da fé e

da razão, e que nesta dialética, a primeira sai sistematicamente derrotada, 127

ou como

explica Colin Brown: “Ele combina um ceticismo radical com um existencialismo pouco

diluído”. 128

Bultmann difere dos liberais em desmitificação não significar eliminação do

mito, mas a sua interpretação através de uma hermenêutica particular, onde este é utilizado

como instrumento auxiliar na compreensão da existência humana. 129

Se para Schleiermacher exigir que o homem moderno aceite o relato bíblico sem

que este seja um mito é exigir um sacrificium intellectus, 130

e é nisto que se constitui o

problema das pessoas não aceitarem a pregação, crê ele. Já Bultmann propõe sua própria

definição sobre o que venha a ser mito de forma que na sua concepção: “a mitologia é

aquela forma de linguagem figurada em que aquilo que não é deste mundo, aquilo que é

divino, é representado como se fosse deste mundo, e humano; „ além‟ representado como o

„aqui e agora‟” 131

ou seja, mito é a descrição do transcendente com um invólucro terreno,

das coisas divinas em categorias de linguagem humana. 132

A desmitologização é então:

“um método de hermenêutica que procura extrair a noz da significância compreensiva da

125

Rudolf Bultmann nasceu em 20 de agosto de 1884, em Wiefeldstede em Oldenburgo, Alemanha. Ensinou

em Marburgo desde 1912 até 1916 e depois em Breslau até 1920, passando por Giessen e voltando para

Marburgo em 1921 onde ficou até 1951. Há quem considere Bultmann um neo-ortodoxo, e não um liberal no

sentido estrito do termo. 126

SALINAS; ESCOBAR. Pós-modemidade, novos desafios à fé cristã. p.19. 127

MONDIN, Batista. Os grandes teólogos do século XX. São Paulo: Paulinas, 1979-1980. p.

134. 128

BROWN. Filosofia e Fé Cristã. p.126. 129

ALMEIDA, Abraão Pereira de. Tratado de teologia contemporânea. Rio de Janeiro: CP AD, 1980. p. 84. 130

GUNDRY. Teologia Contemporânea. p.50. 131

Ibid.p. 50. 132

MONDIN. Os grandes teólogos do século XX. p.131.

Page 59: Monografia

59

casca de uma cosmovisão antiquada”. 133

Sproul comenta que: “ele oferece-nos um cânon aqui e agora, que reduz o cânon

original pelo método crítico radical da tesoura e da cola. Para que o Evangelho seja

relevante para o homem moderno, deve o intérprete vir ao texto com uma compreensão

prévia que Bultmann descobriu por conveniência na filosofia de Martin Heidegger”. 134

Esse pensamento de Bultmann de que a Bíblia não possui uma linguagem

„atualizada‟ se infiltrou nos mais distintos círculos teológicos, como vemos expresso em

um encarte distribuído pela editora católica Paulus, quanto o autor comenta:

“É preciso estar atento para não cair no fundamentalismo, ou seja, tomar a Bíblia ao pé da letra. A idéia que os judeus tinham de história, por exemplo, não é a mesma que nós temos; quando lemos os livros históricos, não é o caso de buscar neles descrições históricas dos fatos como encontramos nos livros de historia atuais. A narrativa da criação do mundo em seis dias, assim, não pode ser lida como relato histórico: trata-se de um mito usado para descrever a presença amorosa e poderosa de Deus na criação e sustentação do universo”. 135

Esta tentativa de reinterpretar, ou reescrever as Escritura para ajustá-la ao

pensamento da época, faz com que as pessoas deixem à autoridade inerente a ela e se

agarrem na autoridade espúria de terceiros, como afirma Brian Schwertley: “as pessoas não

estão mais seguindo o dogmatismo das Escrituras, mas o dogmatismo dos teólogos

incrédulos”. 136

O ataque de Bultmann à Autoridade das Escrituras se dá quando ao examinar

os documentos do Novo Testamento com o pressuposto de que milagres são impossíveis,

ele fez da história matéria de especulação, onde toda a história de Cristo e dos apóstolos

toma-se impossível porque as testemunhas que depuseram declarando acontecimentos

milagrosos são desacreditadas, não mais consideradas dignas de crédito no relato da vida e

doutrina de Cristo. E assim, por não termos nenhuma testemunha digna de confiança para

133

GUNDRY. Teologia Contemporânea. p.50. 134

BEEKE; ARMSTRONG; HORTON. Sola Scriptura. p. 79. (Grifo do autor) 135

BAZAGLIA, Paulo. Primeiros passos com a Bíblia. São Paulo: Paulus, 2001. p.31. (Grifos meus). 136

SCHWERTLEY. O modernismo e a lnerrância Bíblica. p.16.

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60

nos informar o que realmente aconteceu, não sobra nada na Bíblia que a Igreja possa

confiar como autoritativo.

Harvie Conn não titubeia ao declarar que “a desmitologização destrói o fundamento

do cristianismo na história. A religião da Bíblia se converte em uma religião baseada em

mitos”, 137

e uma religião baseada em mitos não pode requerer para si a possessão da

verdade revelada quando a fonte destes mitos é esta revelação. Bultmann mina a autoridade

das Escrituras, mas destrói todo o cristianismo como conseqüência.

3.1.3. Ortodoxo, mas nem tanto.

O último destes teólogos racionalistas não é um liberal, pelo contrário, era

considerado pelos próprios liberais muito mais ortodoxo; no entanto, a teologia de Karl

Barth 138

possui falhas seriíssimas, pois “A Bíblia não é a palavra de Deus, apenas a

contém. Por isso ela pode ser criticada à vontade”. 139

Barth foi o precursor do movimento

chamado neo-ortodoxia, um fenômeno do século XX caracterizado pela posição

intermediária entre os pontos de vista liberal e ortodoxo. Ela “rompe com a opinião liberal

de que a Escritura é tão-só produto do aprofundamento da consciência religiosa do homem,

mas detém-se antes de chegar à perspectiva ortodoxa da revelação”. 140

Segundo Abraão de

Almeida, este movimento, a exemplo do liberalismo, “nega verdades básicas do

cristianismo, a começar pela rejeição das Escrituras como divinamente inspiradas por

Deus”. 141

No entanto, há quem veja pontos positivos na teologia de Barth, pois para

Batista Mondin, o que se destaca como o grande mérito da teologia barthiana “é o de

137

CONN, Harvie M. Teologia contemporanea en el mundo. Subcomision Literatura cristiana de la iglesia

cristiana reformada. p.41 (a tradução do espanhol é minha). 138

Karl Barth nasceu na Suíça, lecionou teologia nas universidades de Gottingen, Munique e Bonn, mas foi

demitido desse ultimo posto pelo governo de Hitler em 1935 e ainda teve seus diplomas de teologia anulados.

Com a derrota de Hitler ele recupera a cátedra em Bonn, e depois vai para Basiléia, aposentando-se em 1961. 139

ALMEIDA. Tratado de teologia contemporânea. p. 63. 140

VIRKLER. Hermenêutica Avançada. p. 52. 141

ALMEIDA. Tratado de teologia contemporânea. p. 75.

Page 61: Monografia

61

reconhecer como única norma absoluta, tanto da reflexão teológica quanto da pregação e

da ação, a revelação divina tal como foi conservada na Sagrada Escritura”. 142

Já Pierre

Courthial discorda diametralmente dele ao declarar que “o defeito maior e radical do

pensamento de Karl Barth reside por certo exatamente neste ponto; sua doutrina não-

escriturística da Escritura”. 143

“Segundo Barth”, diz Pierre Courthial, “quando estudamos

a Bíblia, temos haver primeiramente com um testemunho escrito, que não coincide

automaticamente com a revelação, que apenas a atesta, e é nisso que consiste o limite”. 144

O estudo da Bíblia para Barth não nos garante o contato direto com a revelação,

visto que a Escritura não é esta revelação, mas o testemunho dela, ou ainda nas palavras do

próprio Barth:

“Os profetas e os apóstolos são aí “primeiras testemunhas” ou as “testemunhas diretas da

revelação”. Sua função passiva consiste no fato de que, diferentemente de todos nós e de

todos os demais homens, eles viram e perceberam de maneira única o evento sem igual da

revelação em seu contexto histórico. Em seu aspecto ativo a função das primeiras

testemunhas consiste no fato de que, diferentemente de todos nós e de todos os demais

homens, foram eles incumbidos de dar a público a revelação - tal como a receberam - ao

resto do mundo, isto é, a nós mesmos e a todos os outros homens”. 145

Assim, de acordo com Barth, praticamente não existe diferença entre o nosso

testemunho e o testemunho dos apóstolos. A única diferença é que os profetas e apóstolos

foram testemunhas primárias, ou “testemunhas diretas da revelação” assim como o fato de

que este testemunho é obra do Espírito Santo, que guiou, dirigiu, inspirou os autores

bíblicos, mas o “testemunho do Espírito nos é dado nas testemunhas humanas e por meio

das testemunhas humanas escolhidas por ele (Mt 10.19-20; Jo 14.26)”. 146

A alegação está

no fato de que se o testemunho foi dado por homens, à linguagem usada foi humana, e

como tudo que vem do homem, esta linguagem não pode ser considerada infalível, assim o

142

MONDIN. Os grandes teólogos do século XX. p. 46. 143

COURTHIAL, Pierre. O conceito Bartiano das Escrituras. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. p. 06. 144

Ibid.p. 07 145

Ibid.p. 07. 146

Ibid.p.08.

Page 62: Monografia

62

testemunho pode muito bem conter erros, devido à influência humana no registro.

Cremos que a Bíblia não é o cenário onde a revelação se pode produzir, ao

contrário, a Bíblia faz parte da revelação de Deus; ela é a revelação. Ricardo Gondim

citando Shaeffer nos adverte para a realidade de que:

“Algo está profundamente errado quando professores de seminários evangélicos usam os métodos da alta crítica para estudar as Escrituras... Algo está profundamente errado quando um líder evangélico muda suas posições quanto à inteira autoridade das Escrituras, endossa os métodos da neo-ortodoxia existencialista e ridiculariza aqueles que sustentam a inteira autoridade das Escrituras chamando-os de “fundamentalistas obscurantistas””.

147

Talvez a principal crítica que Colin Brown faz a doutrina pregada por Barth é que

“na própria natureza do caso, quando se trata da questão do conhecimento de Deus,

devemos, começar com o dado primário da fé cristã - a revelação que Deus fez de si

mesmo na Sua Palavra. É à luz da Palavra de Deus que devemos julgar nossas idéias

preconcebidas, e não vice-versa”. 148

E por fim, John F. MacArthur chega à conclusão que

exprime exatamente a nossa posição, de que “quando a inspiração das Escrituras depende

de experiências subjetivas, e quando a Bíblia não é a última palavra, o que acontece? Não

há autoridade bíblica! Você pode receber tanta „revelação‟ das coisas que estão sendo

escritas e ditas hoje, quanto se recebe da Bíblia”. 149

A neo-ortodoxia contradiz a

autoridade da Palavra pela autoridade da razão, ou da consciência e ainda da experiência, e

assim, usurpa de Deus a prerrogativa única de ser Ele mesmo Deus Soberano.

147

GONDIM, Ricardo. Fariseus e Saduceus, hoje, 23. 148

BROWN. Filosofia e Fé Cristã. p. 164. 149

MACARTHUR, John F., Jr. Os Carismáticos. Um panorama doutrinário. São Jose dos Campos: Fiel,

1998.

Page 63: Monografia

63

3.2 O Relativismo e o Pluralismo Pós-Moderno

Pode parecer que este assunto contradiga o anterior, pois não poderíamos colocar o

modernismo e o pós-modernismo de forma que coexistam no mesmo tempo, mas é

exatamente isto que está acontecendo, visto que mesmo que ainda estejamos sofrendo

algumas conseqüências do modernismo, no mundo, em especial entre os jovens, os

conceitos modernos não têm tanto valor assim para o pensamento deles. O que acontece é

que estamos vivendo um período de transição, onde o moderno e pós-moderno

compartilham e disputam espaço na sociedade. Mas estes dois pensamentos não são em

nada compatíveis, já que o pós modernismo surge, justamente, para contrapor o

pensamento moderno, como afirma Héber Campos:

“O mundo pré-moderno e o moderno possuíam uma verdade objetiva. O primeiro cria em

verdades transcendentais, enquanto que o segundo não; mas ambos criam em padrões,

mesmo que diferentes. O pós-modernismo luta contra a verdade objetiva. Para ele não

existe padrão absoluto de verdades”. 150

A melhor definição de pós-modernismo, se é que podemos falar em definição no

contexto pós-moderno, é a dada no livro Pós-modernismo, de Salinas e Escobar, onde

juntam o pós-modernismo e o comparam ao modernismo, dizendo:

“Ao passo que a modernidade era um manifesto de auto-suficiência humana e de

autogratificação, o pós-modernismo é uma confissão de modéstia e até de desesperança.

Não há verdade, há apenas verdades. Não existe a razão suprema, somente há razões. Não

há uma civilização privilegiada (nem cultura, crença, norma e estilo), há somente uma

multidão de culturas, de crenças, de normas e de estilos. Não há uma justiça universal, há

apenas interesses de grupos. Não existe uma grande narrativa do progresso humano, há

apenas histórias incontáveis, nas quais as culturas e os povos se encontram hoje. Não existe

a realidade simples nem uma grande realidade de um conhecimento universal e objetivo,

existe uma incessante representação de todas as coisas em função de tudo o mais”. 151

Ao entendermos tal afirmação, não há como negar a diferença, onde no período

anterior, era a razão a base para todo o conhecimento, e agora, esta razão é questionada

como válida e até negada em seus aspectos. As conseqüências desta mudança de

150

CAMPOS, Héber Carlos de. O pluralismo pós-moderno. Em, Fides Reformata, vol 2, n° 1, jan/jun, 1997.

p.25. 151

SALINAS; ESCOBAR. Pós-modernidade, novos desafios à fé cristã. p. 25.

Page 64: Monografia

64

pensamento são as mais variadas possíveis, e dentre tantas, Campos destaca que com a

chegada do pós modernismo “houve a queda dos padrões morais anteriormente

estabelecidos e começou a questionar-se de maneira muito mais clara a necessidade de

haver uma verdade objetiva”. 152

3.2.1. Tudo é verdade, nada é verdade.

Como já declarei anteriormente, o pensamento pós-moderno surge em reação ao

modernismo, mas surge especificamente em reação aos estruturalistas, 153

e que daí o

descontrucionismo que pregam, segundo Stanley Grenz, “o significado não é inerente ao

texto em si”, e acrescenta que para os desconstrucionistas ou pós-estruturalistas, este

significado “emerge apenas à medida que o interprete dialoga com o texto”. 154

Stanley

traça sua analise afirmando que “uma vez que o significado de um texto depende da

perspectiva de quem dialoga com ele, são muitos os seus significados, como são muitos

também os seus leitores (ou leituras)”, 155

dessa forma, a propostas é abandonar a busca

pela verdade e nos contentarmos com a interpretação, e as interpretaçôes e verdade obtidas

são tantas quantos os leitores. Ao discorrer sobre o método de desconstrução de textos

onde todas as interpretações são igualmente válidas, ou igualmente sem significado

(dependendo do seu ponto de vista),

Salinas e Escobar esclarecem:

152

CAMPOS. O pluralismo pós-moderno. p. 06. 153

Os estruturalistas pregam que a linguagem é uma construção social e as pessoas desenvolvem textos na

tentativa de prover estruturas de significado que as ajudarão a dar sentido ao vazio de sua experiência, assim,

a literatura nos equipa com categorias que nos auxiliam a organizar e compreender nossa experiência da

realidade. 154

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida

Nova, 1997. p. 22. 155

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida

Nova, 1997. p. 22.

Page 65: Monografia

65

“Isto tem repercussões importantes no campo da hermenêutica bíblica. Se toda

interpretação está condicionada culturalmente, então nenhuma interpretação pode ser

descartada, e a nenhuma interpretação se deve dar o status de uma verdade objetiva.

Rechaçar uma interpretação pressupõe que se tenha algum critério que permite fazer

isso, mas se uma interpretação é apenas uma entre muitas possíveis outras

interpretações, não têm sentido argumentar em favor de seu valor único ou

contrariamente à validade (ou falsidade) da interpretação de outra pessoa”. 156

Em um aspecto mais amplo, a rejeição de absolutos levou o mundo pós-moderno a

repudiar qualquer conceito de verdade que pretenda ser universal. Eles reagem a qualquer

proclamação de verdade com cautela e desconfiança, pois encaram a verdade como um

instrumento de apoio para sistemas repressivos, e assim, qualquer verdade que pretenda ser

absoluta deve ser erradicada, incluindo-se o que na terminologia pós-modernista se

conhece como metanarrativas. 157

As metanarrativas são marcos de referência gerais que

dão sentido à totalidade da vida e que dão um significado ao lugar que ocupamos no amplo

sistema das coisas. Também podem ser entendidas como narrativas generalizantes que

asseguram a provisão de marcos universais para o discernimento de significado. Exemplos

de metanarrativas são o marxismo, a democracia liberal capitalista e o mito moderno do

progresso autônomo, é um sistema que abrange completamente o pensar e o viver uma

concepção total do mundo e da humanidade. 158

Neste caso, a Bíblia pode ser considerada uma metanarrativa em que os cristãos

afirmam basear a sua fé. Uma metanarrativa com pretensões universais, que pretende

contar a verdadeira história do mundo e impor a todos uma forma de crer, agir e pensar.

Isto não é aceito pelo mundo pós-moderno, pois as metanarrativas são rejeitadas como

autoritárias, porque “impõem o seu próprio significado de forma fascista”. 159

Os pós-

modernos se lançam em oposição à teoria da correspondência da verdade, 160

e com isso,

156

SALINAS; ESCOBAR. Pós-modernidade, novos desafios à fé cristã. p.28. 157

Ibid. p. 30. 158

Ibid.p.30. 159

Ibid.p.31. 160

A teoria da correspondência da verdade é a crença de que a verdade consiste na correspondência entre

proposições e o mundo “lá fora” (GRENZ. Pós-modernismo. p. 237).

Page 66: Monografia

66

essa rejeição “conduz não somente ao ceticismo, que solapa o conceito de verdade objetivo

de modo geral; ele mina também as reivindicações cristãs de que nossas formulações

doutrinárias apresentam a verdade objetiva”. 161

Em hipótese alguma pretendemos fazer

apologia aos métodos e concepções modernas, e esta forma de pensar pós-moderna, tem

corroído o princípio bíblico e cristão da autoridade das Escrituras. A forma como se pode

combater este pensamento em voga não é um retomo ao racionalismo, pois como vimos

antes, ele também pode ser bastante pernicioso, nem é o momento de ser saudosista,

achando que “o modernismo é que era bom”, mas somos desafiados diante dessa nova

realidade a dar respostas.

Campo nos mostra uma saída para vivermos neste mundo pluralista, quando

conclama todos os cristãos a “educar seus filhos e o povo de Deus a não terem medo de

expressar a sua fé na verdade da Palavra de Deus”, pois, segundo ele, “estaremos minando

o conceito de verdade se todas as verdades são igualmente verdadeiras”. 162

3.2.2. Opinião ao invés da norma.

No entanto, o problema do pluralismo nos conduz a outro problema pós-moderno

que igualmente ameaça a autoridade das Escrituras, ele é um parente próximo do

pluralismo, anteriormente descrito, chamado relativismo. Esta posição nos diz que tudo o

que podemos saber acerca das realidades são, unicamente, as relações entre suas diferentes

partes, o que assim quer dizer que todo conhecimento é relativo. Não existem absolutos,

normas ou critérios objetivos e independentes para a verdade. Tudo é relativo ao momento

e à pessoa. 163

Afirmam eles que partindo do fato de que a verdade é um fenômeno coletivo

e que encontra sua concretude somente na comunidade onde ela está inserida, não podemos

161

GRENZ. Pós-modernismo. p. 237. 162

CAMPOS. O pluralismo pós-moderno. p. 26. 163

SALINAS; ESCOBAR. Pós-modernidade, novos desafios à fé cristã. p. 37.

Page 67: Monografia

67

falar em verdade, mas verdades, e não podemos falar em verdade superior a outra verdade,

mas todas são colocadas em pé de igualdade diante da sociedade.

Na era pós-moderna, devido este conceito de verdade relativa, nenhuma religião

tem o direito de declarar-se detentora da verdade reguladora, diante da qual, as outras

podem ser avaliadas e declaradas falsas, nem muito menos inferiorizá-Ias. No entanto, o

pós modernismo se gaba de atribuir a todas as religiões o mesmo sentimento presunçoso de

possuidora da verdade, mas que, no final das contas, todas são igualmente nulas, pois todas

as religiões foram criadas iguais. 164

Stanley Grenz no ensina que a verdade pós-moderna está intimamente ligada à

comunidade de que participa o indivíduo e uma vez que são muitas as comunidades, as

verdades existentes serão iguais a esse número. Ele ainda alega que a conseqüência desta

filosofia é que ela “implica um tipo radical de relativismo e pluralismo”. 165

Não há mais

no período pós-moderno padrões comuns para os quais as pessoas possam apelar em seus

esforços para medir, julgar ou valorizar idéias, opiniões ou opções de estilo de vida.

Extinguiu-se a lealdade a uma fonte única de autoridade e a um poder abalizador de

pensamentos ao qual todos poderiam recorrer. Isto toma os pós-modernos tão desconfiados

diante da verdade universal ao ponto deles ficarem convencidos de que não há mais nada a

descobrir, e que o máximo a que ainda se pode chegar é a uma miríade de interpretações,

que na sua maioria são conflitantes, e/ou “uma infinidade de mundos criados pela

linguagem”. 166

O abandono da crença na verdade universal implica, inevitavelmente, na perda de todo

critério final, para, usando esta norma, avaliarmos a realidade e ainda a interpretação feita

dela. 167

164

Ibid.p. 35. 165

GRENZ. Pós-modernismo. p. 33 166

Ibid. p. 238. 167

Ibid. p. 238.

Page 68: Monografia

68

Héber Campos adverte sobre algo sério no que diz respeito a muitos segmentos do

cristianismo pós-moderno ter mudado o paradigma básico da busca pela verdade objetiva

da Palavra de Deus para a “verdade” da experiência. Segundo ele, “Se o paradigma da

verdade de Deus não é levado em conta, e aceitamos o paradigma da experiência, não

poderemos negar as experiências de outros grupos religiosos não-cristãos como válidas e

como fonte de autoridade”. 168

Não podemos nos deixar enfeitiçar pela proposta relativista

e pluralista do pós-modernismo, e negarmos com isso a autoridade suprema da Escritura.

Em determinar o que cremos e praticamos em nossas comunidades eclesiásticas, pois ao

abandonarmos à Sagrada Escrituras, trocando-as por experiências, ou qualquer outra fonte

de autoridade, estaremos dando margem para que outros grupos, igualmente, conclamem

suas fontes de autoridade, e caiamos assim na armadilha pós-moderna do relativismo

teológico. 169

Assim, o desafio cristão diante do pós-modernismo, não é o retomo ao

racionalismo, como já foi afirmado anteriormente, mas vivenciar a Bíblia como verdade

que o mundo pressupõe não mais existir, ou que pelo menos não pode ser mais encontrada.

A autoridade Bíblica precisa não somente ser defendida, pregada, mas vivenciada nesta

sociedade, para que a solução da angustia provocada pela falta de paradigmas seja sanada

no encontro com a Palavra de Deus.

168

CAMPOS. O pluralismo pós-moderno. p. 15. 169

SALINAS; ESCOBAR. Pós-modemidade, novos desafios à fé cristã. p. 47. E ainda GRENZ. Pós-

modernismo. p. 239.

Page 69: Monografia

69

3.3 As Escrituras Versus "Novas Revelações"

Na atualidade percebemos que alguns fatos tem influenciado a vida da Igreja, e um

desses fatos, é a ênfase em “Novas Revelações”. Fato este, que tem comprometido os

princípios já revelados por Deus, nas Escrituras, e trazendo questionamentos a verdades

como a suficiência e a autoridade das Escrituras. Esta é a realidade do panorama religioso

brasileiro, que tem passado por grandes transformações. Evidentemente entre os

evangélicos, os que defendem um sistema doutrinário que se conflita com o que as

Escrituras pregam. Neste ponto nosso enfoque concentra-se nas “novas revelações”, que

são tendências doutrinárias que encontram espaço e aceitação dentro das igrejas

evangélicas e têm provocado uma mudança substancial na mentalidade dos cristãos em

relação a aspectos importantes da doutrina e da vida cristã. Aqui não estamos diretamente

preocupados com as teologias liberais e neo-ortodoxas que têm dominado o cenário

contemporâneo das igrejas européias e americanas, mas especificamente alguns grupos de

Neopentecostais. Necessário faz-se destacar que todas estas Igrejas trazem consigo

verdades bíblicas, e algumas delas até negligenciadas por cristãos mais conservadores. 170

Contudo, a abordagem bereana de avaliar tudo por meio das Escrituras deve sempre

governar toda a análise cristã de doutrinas que se apresentem como bíblicas. 171

As igrejas

neopentecostais têm certas semelhanças com as igrejas de qual eles surgiram, as Igrejas

pentecostais, mas com características peculiares. 172

Quanto à avaliação do

neopentecostalismo, Jorge Noda em um de seus artigos, falando sobre avaliar estas

revelações descreve:

Muitos cristãos sinceros recebem com reservas a iniciativa de se fazer uma análise do

neopentecostalismo. Talvez seja o receio de se empreender uma perseguição

“preconceituosa ou até mesmo promover oposição à própria obra de Deus. Esse receio não

é infundado, pois perseguição, preconceito e intolerância têm sido promovidas em nome da

170

NODA, Jorge Issao, Artigo: Reforma Protestante e as Escrituras. 171

Ibid. 172

SAYÃO, Luiz Alberto T., Uma Avaliação Sociológica do Pentecostalismo e do Neopentecostalismo.

Page 70: Monografia

70

verdade religiosas. Mas isso não deve nos levar ao extremo, fazendo-nos crer que não

existe necessidade de identificar e denunciar o erro. De fato, há diversas razões que nos

levam a estudar de forma crítica o neopentecostalismo. Uma atitude de completa abertura

não é recomendada nas Escrituras. Pelo contrário, as advertências são tantas e tão fortes

que não podem de maneira nenhuma deixar de ser ouvidas. Antes de tudo, é importante

lembrar as advertências da própria Palavra de Deus. Todos os textos a seguir demonstram a

necessidade do povo de Deus estar atento aos desvios que podem acontecer realmente

acontecem: Mt 7:15-23; Mt 24:11; Mt 11:32; At 17:11; Jd 3; 1 Jo 4:1: 2 Pe 2:1-3; FI 4:17-

19. Todas estas advertências, e muitas outras, foram inspiradas por um Deus onisciente,

conhecedor das inclinações do coração humano e dos desígnios malignos e destruidores de

Satanás. Tal ênfase bíblica torna injustificável a negligência de uma boa parte dos líderes

responsáveis pelo rebanho do Senhor no que se refere à infiltração de falsos ensinos”. 173

Apesar do crescimento numérico espantoso dos evangélicos no Brasil, poucos

ousariam afirmar que a igreja goza de maturidade espiritual. É perceptível dentro da

comunidade evangélica a mesma dicotomia entre religião estabelecida e religião popular

observada na Igreja Católica Romana. 174

Enquanto as chamadas denominações históricas

confessam oficialmente a fidelidade à ortodoxia e ortopraxia, a crença e prática nas

milhares de comunidades ditas evangélicas brasileiras, apresentam um considerável desvio

para tendências mais liberais e místicas 175

A ausência quase que completa de doutrina

bíblica sólida, discipulado, disciplina, orientação ética, tem dado à igreja brasileira uma

reputação de igreja do “jeitinho” 176

O relativismo parece estar afetando radicalmente a

identidade evangélica, pois tem incluído aos ensinamentos bíblicos, outros obtidos através

de “revelações” que contradizem os conceitos bíblicos. As novas Igrejas são como alguns

se autodenominam “pronto socorro espiritual”. 177

As Igrejas são grandes, feitas para

multidões abertas o dia inteiro em locais movimentados, onde não há relação comunitária e

o fiel vai apenas para buscar “a benção”, ou talvez dizer “comprar” a benção já que a

relação não meritória diante de Deus, tão enfatizada no protestantismo histórico, foi

173

NODA, Jorge Issao, Artigo: Reforma Protestante e as Escrituras. 174

Ibid. 175

Ibid. 176

Ibid. 177

SAYÃO, Luiz Alberto T., Uma Avaliação Sociológica do Pentecostalismo e do Neopentecostalismo

Contemporâneo, p. 92.

Page 71: Monografia

71

substituída por uma relação do tipo “toma lá e dá cá,” 178

, tornando-se difícil encontrar uma

igreja evangélica onde não exista influência das doutrinas neopentecostais. Nenhuma das

doutrinas neopentecostais, como a de “novas revelações”, ganharia tanto espaço dentro das

igrejas evangélicas se estas estivessem bem nutridas com a Palavra de Deus. 179

Os falsos

ensinos e as novas revelações tentam oferecer aos homens um meio fácil e rápido de

resolver seus problemas. Entretanto o neopentecostalismo não deixa de ter seus pontos

positivos, mas no cômputo geral, tem trazido sérios prejuízos para a vida individual dos

crentes e para a igreja como comunidade. 180

Deve se destacar, portanto, que as “novas

revelações” com seus novos conceitos, ameaçam a autoridade e suficiência das Escrituras,

conceitos estes inegociáveis a Igreja contemporânea, trazendo sérios prejuízos aos cristãos

pelo fato de por em dúvida a revelação escriturística. E, além disto, a igreja tem sofrido

outro mal, que tem se apresentado como outra fonte de autoridade divina fora do âmbito

das Escrituras, e tem se alastrado. É a emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto

quase inevitavelmente conduz ao misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado

um valor exagerado à intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo, Quando tal

ênfase ocorre, facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é

explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina direta, fato

este que este diretamente ligado as “novas revelações”. Faz-se necessário, entretanto

destacar que Deus outrora tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em

parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e registrada no

cânon pelo processo de inspiração. Por isso agora não precisamos mais desse meios para

entendermos quais os conceitos de Deus para o homem. O que deve observar é que este

misticismo hoje copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para reivindicar

178

Ibid, p. 92. 179

Ibid. 180

NODA, Jorge Issao, Artigo: Reforma Protestante e as Escrituras.

Page 72: Monografia

72

autoridade que na verdade não é divina, mas humana, quando não diabólica. Estas

tendências não são de modo algum novas? Eis as palavras do Senhor através do profeta

Jeremias:

“Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?. O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra. fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28)”.

181

Séculos depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi

instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas

cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões,

revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos Colossenses, dizendo:

“Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos,

baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal” (Cl 2:18). Tanto

Jesus como os apóstolos advertem a Igreja repetidamente contra falsos profetas que trazem

“novas revelações” fora do âmbito das Escrituras, os quais ensinam como se fossem

apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores. Sempre que tal coisa ocorre, a

autoridade das Escrituras é ameaçada bem como a sua suficiência. Quanto à degeneração

das emoções, não se pode esquecer que pelo fato das emoções terem também sido

corrompidas pelo pecado, tende sempre a usurpar, a competir com a autoridade das

Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la 182

. Na época dos Reformadores

não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por eles chamados de entusiastas, que

reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais adicionais

que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras. 183

Esta tem sido

igualmente uma das características mais comuns das seitas modernas, tais como

181

NODA, Jorge Issao, Artigo: Reforma Protestante e as Escrituras.

182

Ibid. 183

NODA, Jorge Issao, Antigo: Reforma Protestante e as Escrituras.

Page 73: Monografia

73

mormonismo, testemunhas de Jeová, adventista do sétimo dia, etc. Entre os movimentos

pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em

emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade e a suficiência das

Escrituras. 184

Fenômenos sobrenaturais destes tipos estão sendo relatados a todo o

momento na Igreja. Ouve-se muito sobre sinais e maravilhas e novas revelações, o que

levam cristãos a os buscarem, como comprovação da presença de Deus entre os homens.

185 Surgem líderes, religiosos com a capacidade de realizar esses fenômenos e curas e

milagres praticados, bem como as palavras de revelação proferidas, são colocados como

atestados inequívocos de que procedem de Deus. Podemos definir fenômeno como;

maravilha; ou pessoa ou coisa que tem algo de anormal ou extraordinário. Faremos neste

ponto uma fenomenologia, que seria então o estudo do que é extraordinário de maravilhas.

Fenômenos sobrenaturais fazem parte da história revelada e registrada das intenções de

Deus como o homem, nas Escrituras. 186

A aceitação deles como realidade faz parte de

uma compreensão correta da vida, sem a qual caímos em um falso racionalismo, que

caracterizam as pessoas que não temem a Deus. 187

Contudo deve-se entender que a

simples conotação de um fenômeno não é prova da presença da aprovação de Deus na vida

dos realizadores ou recebedores, somos conscientizados, pela Palavra de Deus, de que é

necessário exercer julgamento, examinar essas coisas com muito mais profundidade e

termos discernimento quanto aos fenômenos e quanto aos operadores de maravilhas. 188

Discernir os espíritos, novas revelações, verificar se a fenomenologia observada provém de

Deus ou não, é procurar aferir a questão do ponto de vista de Deus. 189

Este é o grande

184

De autoria de Paulo Anglada em seu livro Sola Scriptura, p. 65-66. 185

PORTELA, F. Solano, Avaliando as Manifestações Sobrenaturais, p. 21. 186

Id. 187

Id. 188

PORTELA, F. Solano, Avaliando as Manifestações Sobrenaturais, p. 41. 189

Ibid, p.50.

Page 74: Monografia

74

alicerce da fé cristã. 190

A palavra de Deus é verdade proposicional e objetiva. Fazendo a

avaliação das manifestações sobrenaturais, Solano Portela descreveu:

“A aplicação e iluminação subjetiva do Espírito Santo de Deus, no coração de cada crente. complementa, mas não anula ou sobrepõe à objetividade das Escrituras. Certas verdades bíblicas mostram a âncora de conhecimento que temos em Deus: Ele não é contraditório (2 Tm 2.13) e é impossível que ele venha a mentir (Hb 6.18; Tt 1.2). Podemos considerar que o teste é válido até hoje. No último livro da Bíblia, e no seu último capítulo (22.18-21), temos um aviso já antes dado em Dt 4.2 - nada deve ser subitraído nem pode ser adicionado à palavra de Deus. Será que vamos rotular apenas como uma “coincidência”, o fato de essa declaração ocorrer no final das Escrituras, nos últimos versículos de Apocalipse, ou temos aqui uma declaração oportuna da parte de Deus? Se alguém se propõe a ensinar alguma “nova revelação” ou a palavra “recebida do espírito”, muito cuidado, pois apesar de poder estar fazendo maravilhas, até predizendo o futuro, sua “conexão direta” esta em desacordo com a própria palavra, que se coloca como auto suficiente e final para a nossa instrução. Deus pode nos estar testando, mas, pelos seus próprios critérios, o profeta é falso”.

191

O resultado de movimentos como o neopentecostalismo, é a subordinação das

Escrituras à experiência e a relegação da Bíblia a uma posição de fonte secundária do

conhecimento. Pois onde impera o ávido desejo pelo inusitado e pelo extraordinário, as

Escrituras vão ficando pra trás. Isto não significa que Deus não se manifeste de forma

extraordinária, mas que estas manifestações não devem ser buscadas de forma que venham

a suprimir as Escrituras Sagradas e nem mesmo contradizer à mesma. A hermenêutica do

neopentecostalismo, não é nova, pois ela representa o aproveitamento desintelectualizado

de velhas idéias místicas que sempre flutuaram destrutivamente no seio da Igreja. 192

A

descrição que René Pache faz do pensamento Quaker do século XVI, e como parece uma

descrição contemporânea de movimentos como este:

“A “luz interior” dos Quakers representa uma dissociação das Escrituras da ação iluminada do Espírito Santo, nos corações. Este é um perigo que temos que enfatizar... Os Quakers consideravam a “luz interior” como sendo o testemunho final do Espírito Santo à experiência individual. Esta atitude praticamente predispôs alguns a diminuir o papel e autoridade das Escrituras. Alguns chegaram a dizer que as escrituras não eram na realidade necessárias. Além disso, uma “inspirada” declaração de um irmão em uma congregação, recebida à mesma validade que a do texto sagrado”.

193

Pache continua a sua exposição apontando os grupos que, nos dias de hoje, emitem

190

Id. 191

Ibid, p.51. 192

Ibid, p.59. 193

PACHE, René, The Inspiration and Authority of Scripture (Chicago: Moody Press, 1969) pp. 318-319.

Page 75: Monografia

75

pronunciamentos semelhantes, dando “proeminência excessiva ao Espírito Santo em suas

devoções, demonstrando intensa preocupação com os dons, com situações de êxtase e com

profecias. Estes têm a conseqüente tendência de negligenciar as Escrituras”. 194

É inegável

que a experiência é um dos fatores determinantes da hermenêutica do neopentecostalismo,

em adição às Escrituras Sagradas. 195

Conseqüentemente, a teologia é construída não

apenas nos dados das Escrituras, mas na apreensão dos fenômenos e na interpretação do

que Deus estaria revelando por meio desses. 196

O Teólogo C. Peter Wagner, que abraçou

com igual fervor tanto o movimento neopentecostal, como as proposições

pseudocientíficas do movimento de crescimento das Igrejas, aconselha a Igreja a “...

reexaminar as escrituras à luz da experiência e reavaliar sua teologia de acordo com a

mesma”. 197

Esta ousada afirmação que coloca as Escrituras na subordinação total à

experiência e em segundo plano como fonte da teologia sã, coloca em dúvida a sua

suficiência e abre a porta a uma visão meramente pragmática determinantes do conteúdo e

dos métodos a serem utilizados. Nas palavras de Wagner, como aplicação prática dessa

hermenêutica no campo de crescimento das Igrejas e seus entrelaçamentos com a visão

neopentecostal da epistemologia espiritual, convicções fluidas e posições mutantes, de

acordo com as situações experimentadas: “A teoria de crescimento da Igreja se apóia em

uma abordagem fenomelógica que sustentam as suas conclusões teológicas um pouco mais

em tentativas experimentais, estando aberto para reavaliá-las quando necessário à luz do

que for aprendido por meio das experiências.” 198

Não são apenas as novas revelações e a

experiência que são determinantes da hermenêutica neopentecostal. Mesmo sendo estes

fatos inadequados e destrutivos e assim ofensivos à igreja contemporânea, mas também, o

fato de uma vez aberto a porta para que novos fatos sejam recebidos e para que aplicações

194

Ibid.p. 319. 195

PORTELA, F. Solano, Avaliando as manifestações Sobrenaturais, p. 59. 196

Ibid. 197

WAGNER, C. Peter, estratégias Para o Crescimento da Igreja, p. 41, citado por Solano Portela, p. 59. 198

Ibid.

Page 76: Monografia

76

sejam retiradas do texto e do contexto bíblico temos também o surgimento de inferência

que levam as conclusões totalmente destituídas de base bíblicas, para as questões do

cotidiano. 199

A proliferação de heresias é evidente ao se tornar volúvel o conhecimento

bíblico, e as Escrituras perdem a exclusividade como única fonte de vida. Entretanto, a

autoridade final para o cristão deve ser a Palavra de Deus, que vem do Criador como

palavra unificadora da sua aliança. 200

Ainda, percebemos que Deus se mostra através de

seus atributos. A criação: a revelação natural (cf. SI 19: 1-4 e Rm 1: 18-20). Uma versão da

sua lei moral foi registrada em nosso coração: a consciência (cf. Rm 2: 14-15), “uma espiã

de Deus em nosso peito”, “uma embaixadora de Deus em nossa alma”, como os puritanos

costumavam chamá-la. 201

A própria pessoa de Deus, o ser de Deus, revela-se de modo

especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da Trindade (cf. Jo 14.19; CI 1.15 e

3.9). Mas, visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e que

as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem suficientes por

causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra final, suficiente e

autoritativa de Deus para esta dispensação são as Escrituras Sagradas. 202

Deve-se salientar

que a autoridade e a suficiência das Escrituras são inerentes. Elas não dependem de homem

ou mesmo do testemunho da Igreja, estes apenas a evidenciam. Porém como vimos na vida

da Igreja contemporânea alguns fatores que tem tentado suplementar esta verdade.

Poderíamos resumir e identificar algumas fontes usurpadoras da autoridade e suficiência

das Escrituras: a tradição (degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em

emocionalismo e profecias), a razão (degenerada no racionalismo). 203

Aqui destacamos as

novas revelações, que tem sido um elemento bastante enfatizado, que fazem com que a

autoridade e a suficiência das Escrituras sejam questionadas, diminuídas e até mesmo

199

PORTELA, F. Solano, Avaliando as Manifestações Sobrenaturais, p. 60. 200

ARMSTRONG, John H., em, Sola Scripture, p. 94. 201

PACKER, I. J., Entre os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã, p. 115. 202

Ibid. 203

Ibid.p. 63.

Page 77: Monografia

77

suplantadas. 204

Os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das Escrituras

evidenciaram que por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas as suas

afirmativas. Segundo a doutrina da Autoridade Bíblia, as Escrituras são a fonte infalível de

informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a única regra

infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao qual a Igreja pode apelar para

a resolução de qualquer controvérsia religiosa. Não havendo espaço para novas revelações,

pois as Escrituras são suficientes para conhecimento da Salvação. A palavra de Deus é a

suficiente comunicação verbalizada Dele às criaturas pensantes, e disto provém a sua

autoridade, por isso não precisamos de novas revelações. John H. Armstrong falando as

Escrituras descreve:

“Ela é verbalizada tanto no modo indicativo como no modo imperativo e particularizada em relação a cada pessoa a quem ela é enviada. As analogias humanas mais próxima a estas são as autoridades de legislação decretada por regente absoluto, e as ordens emitidas por um comandante militar supremo, pois em ambos os casos o que é pronunciado, é ao mesmo tempo, o que a pessoa com autoridade disse (na ocasião em que as leis ou ordens foram anunciadas inicialmente) e também o que ele diz e no presente momento desde que suas leis, ou ordens continuem a ser aplicadas a todo aquele que se mantém sob autoridade aqui e agora”.

205

204

Ibid. 205

PACKER, J, I., The Authority the Bible, p.3, citado, por: John Armstrong, em Sola Scriptura. 93.

Page 78: Monografia

78

CONCLUSÃO

Ao término deste trabalho monográfico sobre a Autoridade e Suficiência das

Escrituras chegamos a algumas conclusões, aos quais resumimos expressando o resultado

de nossa pesquisa e argumentação:

1) É verdade que a Igreja Católica Romana baseia sua fé e prática na Tradição, mas não é

verdadeira a sua reivindicação de que esta Tradição é o que os Pais da Igreja criam. Pois

eles não tinham o conceito de Tradição como Igreja Católica Apostólica Romana tem hoje,

mas sim, tinha o conceito de tradição como sendo a doutrina pregada pelos apóstolos.

Assim, a Igreja Católica Apostólica Romana baseia sua fé não nos escritos dos Pais, mas

no Magistério Eclesiástico e na palavra Papal que é assim como a Bíblia, infalível.

2) Não existe nada mais salutar do que termos símbolos de fé para transmitir as doutrinas

sempre cridas pela Igreja, mas o lugar deles é corno sempre foi desde sua confecção, sob a

autoridade bíblica e eles só têm autoridade na medida em que ref1etêm a luz das

Escrituras, do contrário, não têm autoridade normativa na igreja. Dessa forma, não

podemos ir a Bíblia para encontrar base para nossos símbolos de fé, mas o contrário,

encontramos nossos símbolos de fé na verdade bíblica.

3) A autoridade das Escrituras foi afirmada e defendida por Jesus e pelos apóstolos, de

forma que Jesus transferiu seu prestígio e autoridade para os escritos do VT e para seus

ensinamentos no NT investiu de autoridade os apóstolos para transmitirem sua mensagem.

Igualmente os apóstolos viam o A T como norma de fé e prática da Igreja e testemunharam

da autoridade dos seus escritos dentre eles mesmos.

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79

4) A Bíblia tem autoridade porque se deriva de Deus, seu autor primário, e não de

doutrinas criadas pela igreja. A implicação lógica e direta da autoria divina é que o texto

não contém erro em nenhum aspecto que se proponha a tratar, pois do contrário, teríamos

dificuldades em reconhecer o que seria ou não autoritativo para a comunidade cristã.

Diante de todos os argumentos é somente através do testemunho interno do Espírito Santo

aos nossos corações que somos convencidos da autoridade escriturística para nossas vidas

e para o que devemos crer.

5) Reconhecemos os avanços hermenêuticos do racionalismo, mas igualmente, não

podemos deixar de destacar que ele se tomou “urna espada” dúbia, pois usurpou a

autoridade escriturística relocando-a para o leitor, onde ele interpreta existencialmente, ou

até se acha no direito de retocar a Bíblia, retirando os “mitos” nela contidos. Por mais que

a teologia neo-ortodoxa possa parecer correta, ela se toma ainda mais perigosa, pois

negando a inspiração bíblica, retira dela o que a autentica corno a autoritativa Palavra de

Deus.

6) Advertimos do perigo de se adaptar ao pensamento pós-moderno, pois mesmo que tenha

seu lado positivo, as suas teorias de desconstrução, metanarrativas e a sua visão relativista

e pluralista da verdade põem em risco a autoridade das Escrituras.

7) Mesmo sem julgarmos se os dons são contemporâneos ou não, as profecias como

descritas pelos carismáticos não condizem com o modelo bíblico, e mesmo que estes não

neguem a autoridade Bíblica para a Igreja como a única regra de fé e prática, baseiam suas

doutrinas muito mais nestas “novas revelações” do que nas Escrituras, e por fim, crendo

nestas doutrinas, buscam nas Escrituras a base para fundamenta-1a:, posição que gera uma

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teologia enferma e de muita confusão. Com vista a contribuir a um retomo à crença na

Autoridade das Escrituras corno foi pregado pelos apóstolos e por Cristo, e defendida até

com a própria vida pelos reformadores, recomendamos:

Tomar cuidado para não cair no engano de pensar que o modelo liberal e neo-

ortodoxo não é tão pernicioso assim, mas procurar combatê-lo veementemente pois ele

ainda não está morto, mas tem ressurgido disfarçadamente em nossas comunidades, e a

única maneira de combatê-lo é através da própria Escritura, de forma racional, mas

encarando-a como a única fonte de autoridade disponível na Igreja para reclamarmos

diante de qualquer tribunal teológico. Mesmo que o pensamento pós-moderno negue uma

verdade universal e objetiva, confessar a Verdade bíblica como autoritativa para todos e

não somente para a Igreja, isto implica no compromisso cristão de vivenciar esta Verdade

de forma prática, não somente de aparência, pois somente assim, o indivíduo pós-moderno

irá reconhecer a autoridade bíblica para sua vida.

Olhando para a situação de muitas Igrejas em nossos dias, percebemos a

necessidade de uma volta à Palavra de Deus como autoridade máxima e única e suficiente

fonte de vida. A questão crucial que se apresenta diante da igreja evangélica brasileira é: se

ela confessará e lutará pelo princípio da reforma protestante: Sola Scriptura, que significa

ter as Escrituras como a revelação definitiva de Deus para o homem, onde Ele (Deus)

registra a sua vontade para toda a sua criação. Este princípio fundamental entre os cristãos,

tem sido negociado e em muitas ocasiões substituídos, e ainda acrescentados por princípios

extraídos de experiências como percebemos ao longo deste trabalho. Assim, a única

maneira de se reaver o conceito bíblico da sua autoridade no contexto pós-moderno é tão

somente educarmos nossos crentes a continuarem crendo na Verdade revelada nas

Escrituras. Que Deus, pois, tenha misericórdia de nós e continue nos abençoando, falando-

o através desta que é a única fonte autoritativa para a Sua Igreja, a Sagrada Escritura.

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81

APÊNDICE

A Igreja Brasileira na Pós-modernidade206

O pensamento Pós-Moderno esvaziou a religião formal. Na Pós-Modernidade, a religião

deixou a dimensão pública e restringiu-se à esfera privada. Na tentativa de se libertar de

uma cultura religiosa com padrões morais absolutos, o indivíduo pós-moderno criou uma

religiosidade interiorizada, subjetiva e sem culpa.

As pessoas querem optar pela sua “preferência” religiosa sem ser importunadas por

opiniões contrárias. Os critérios que orientam essas escolhas são todos íntimos e

subjetivos. Semelhantemente, também não tentarão impor sua nova opção de fé a ninguém.

Na Igreja, o que antes era convicção, hoje é opção. Os mandamentos divinos passaram a

ser sugestões divinas. A igreja é orientada por aquilo que dá certo e não por aquilo que é

certo. O pragmatismo missionário e o “novo poder” da igreja (político, econômico,

tecnológico, etc) esvaziou o significado da oração e seu espaço na tarefa da igreja.

Confiamos mais em nossos recursos e menos em Deus, superestimamos o poder de César e

subestimamos o poder de Deus. As ferramentas ideológicas e tecnológicas tornaram-se

mais eficientes que a comunidade e a comunhão.

Entendo que a versão evangélica da pós-modernidade seja o neopentecostalismo e seus

famigerados congêneres. O neopentecostalismo possui diversos traços de continuidade

cultural com o catolicismo popular latino-americano. Continuidade que muitas vezes

desemboca em sincretismo e no reforço de práticas e concepções corporativistas. O

protestantismo, por sua vez, é a religião da escrita, da educação cívica e racional. Favorece

uma cultura política democrática e promove uma pedagogia da vontade individual.

Entende-se por “protestante” ou “protestantismo” todo o conjunto de instituições

religiosas surgidas em conseqüência da Reforma Religiosa do século XVI nas suas

principais vertentes que são a luterana e a calvinista e que procuram manter os princípios

básicos que formam o princípio protestante da liberdade: a justificação pela fé, a “sola

scriptura”, o livre exame da Bíblia e o sacerdócio universal de todos os crentes.

Hoje em dia é difícil incluir entre os protestantes alguns setores do pentecostalismo e,

principalmente, do neopentecostalismo brasileiro. Esta é a opinião do Dr. Ricardo Mariano

207que analisou os modernos movimentos neopentecostais e segundo ele:

206

Isaías Lobão Pereira Júnior Pastor da Igreja Batista Independente no Planalto. Professor da Faculdade

Teológica Cristã do Brasil (FTCB) e da Faculdade Teológica das Assembléias de Deus (FATAD). Bacharel

em História pela Universidade de Brasília, é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana, setor

Brasil (FTL-B).

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82

O neopentecostalismo, o responsável pela “explosão protestante”, à medida que passa a

formar sincretismos, a se autonomizar em relação à influência das matrizes religiosas

norte-americanas, a promover sucessivas acomodações sociais, a abandonar práticas

ascéticas e sectárias, a penetrar em novos e inusitados espaços sociais e a assumir o status

de uma grande minoria religiosa, cada vez menos tende a representar uma ruptura com a

cultura ambiente. Tende, pelo contrário, a mostrar-se menos distintivo, mais aculturado,

mais vulnerável à antropofagia brasileira e, portanto, cada vez menos capaz de modificar a

cultura que o acolheu e na qual vem se acomodando.

O neopentecostalismo, pelo contrário, provêm da cultura religiosa do catolicismo popular,

corporativista e autoritário. É a religião da lábia, do engano e da corrupção. Ele favorece

o analfabetismo bíblico. Esta nova religiosidade evangélica é um tipo de ocultismo,

recheado de citações bíblicas. O Neopentecostalismo há muito deixou de ser evangélico,

tornando uma outra forma de expressão religiosa, distante do pensamento protestante e

reformado.

Uma das rupturas mais sérias do Neopentecostalismo com o pensamento protestante, é o

uso da Bíblia. No Protestantismo a Bíblia é sua última autoridade, não a tradição ou

personalidades importantes ou mesmo a experiência espiritual, enquanto que o

Neopentecostalismo enfatiza o uso mágico da Escritura. Para os neopentecostais, a Bíblia é

mais um oráculo a ser consultado do que a única regra de fé e prática.

Em Brasília, um jornal local publica semanalmente um anúncio estranho: “Revela-se por

Professia” (sic). A promessa por trás dessa mensagem é a solução imediata dos problemas,

dos encostos e das maldições, tal como as inúmeras videntes que infestam os grandes

centros urbanos. Normalmente nestas sessões, a vidente se posta diante do pedinte com

uma Bíblia aberta. A intenção é encontrar “na palavra” a solução para os problemas. Os

versos bíblicos são interpretados fora de contexto, sempre na busca de uma “palavra de

bênção”.

No neopentecostalismo, as doutrinas bíblicas foram rejeitadas e substituídas por um falso

evangelho centralizado no homem. Boa parte da pregação neopentecostal é um mero

exercício de auto-ajuda, com a intenção principal de acalmar a consciência pecaminosa

com promessas de riqueza e bem-estar. Contudo, o mandamento para todos os ministros

cristãos, ainda continua sendo, prega a palavra (I Timóteo 4:1), em lugar disso, os

pregadores se transformaram em animadores de auditório.

207

MARIANO, Ricardo. O futuro não será protestante. Comunicação apresentada na USP na Jornada

sobre Alternativas Religiosas na América Latina. 1998.

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83

Nossa tarefa apologética para esta era pós-moderna é restaurar a confiança na verdade. A

Bíblia continua sendo a Palavra de Deus. A Bíblia é um documento inspirado da revelação

divina, quer este ou aquele indivíduo receba ou não o seu testemunho. Devemos, pois,

respeito e obediência à Bíblia, não por ser letra fixa e estática, mas porque, sob a

orientação do Espírito Santo, essa letra é a Palavra viva do Deus vivo dirigida não só ao

crente individual, mas à Igreja em geral.

A igreja precisa rever sua atuação, olhando para o Senhor Jesus e lançando-se

humildemente de volta às Escrituras, resgatando sua identidade e o seu chamado. Se

abrirmos mão da Palavra de Deus como verdade absoluta, correremos sérios riscos diante

de uma sociedade sem referenciais, mas principalmente diante de um Senhor zeloso que

rege a história e têm em suas mãos todo o domínio e todo o poder.

Page 84: Monografia

84

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