Monografia - Intervenção de Terceiros na Propriedade Privada - pronto
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ANDERSON FRANZÃO
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA
Trabalho apresentado à Universidade Norte do Paraná – UNOPAR – como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Orientador Prof. Dr. Paulo César Tieni.
Londrina2004
TERMO DE APROVAÇÃO
ANDERSON FRANZÃO
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA
Monografia apresentada no dia 04 de novembro de 2004, ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Norte do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel, pela seguinte banca examinadora:
__________________________________Prof. Orientador Paulo César Tieni
Universidade Norte do Paraná
__________________________________ Prof. Hideraldo José Real
Faculdade Paranaense
__________________________________Profª. Saadia Borba Martins
Universidade Norte do Paraná
Londrina, 04 de novembro de 2004.
10
DEDICATÓRIA
Aos meus pais que tanto me apoiaram, estimularam e possibilitaram a construção deste sonho. Ao meu irmão que hoje segue meus passos na carreira jurídica. À minha namorada que com muita paciência me acompanhou durante quase todo o curso. E por fim a todos aqueles que me ajudaram, de forma direta ou indireta.
11
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por todas as oportunidades, inclusive a possibilidade de concluir este curso.
Agradeço aos meus pais, Leônidas e Helena, por me estimularem durante esta jornada.
Aos meus professores que tiveram a árdua tarefa de ensinar.
Ao professor Paulo César Tieni que me orientou na confecção deste trabalho de conclusão de curso
Ao Dr. Hideraldo José Real, com quem tive o prazer de estagiar durante dois anos, os quais me proporcionaram conhecimentos e lições imensuráveis.
Ao meu irmão, Eduardo, que contribuiu na medida do possível à confecção desta monografia.
À minha namorada, Débora, que sempre esteve confiante em meu sucesso.
Aos meus amigos de faculdade que contribuíram para que os cinco anos deste curso fossem mais divertidos.
A todos os amigos de rodízios, com quem partilhei o trajeto da faculdade.
E a todos os demais amigos, que com certeza foram fundamentais ao meu desenvolvimento intelectual.
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FRANZÂO, Anderson. Intervenção do Estado na propriedade privada. Monografia (Bacharelado em Direito). Unopar: Londrina, 2004.
RESUMO
O direito à propriedade, como alguns autores ensinam, é um direito por excelência. Se no passado foi tido com um direito absoluto, onde seu titular tinha total direito de usar, gozar e dispor da coisa, como melhor entendesse, hodiernamente tem que se pautar na função social da propriedade. O Estado, como responsável pelo bem estar social, intervem nesse direito, condicionando seu uso no interesse coletivo. Para alcançar esse objetivo, possui diversos instrumentos de intervenção. São eles: desapropriação – transferência do bem particular para o Estado mediante indenização –, requisição – uso de bens particulares pelo Estado em caso de perigo público iminente –, ocupação temporária – uso de bens particulares como meios de apoio à execução de obras e serviços públicos –, limitação administrativa – obrigações positivas, negativas e permissivas, impostas aos particulares pelo Estado –, servidão administrativa – ônus real sobre imóvel para a realização e conservação de obras públicas –, e tombamento – limitação aos direito de propriedade com o fim de proteger o patrimônio cultural nacional. Cada instrumento tem forma de instituição, objetivos primários e procedimentos próprios, entretanto, todos buscam adequar a propriedade à sua função social.
Palavras-chave: Direito à propriedade – propriedade privada – função social da propriedade – intervenção do Estado – instrumentos de intervenção.
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FRANZÃO, Anderson. State Intervention at the Private Property. Monograph (law Bachelor). Unopar – Pr: Londrina, 2004.
ABSTRACT
The right entiled to property, as some authors teach, is a right in excellency. If in the past it was taken for granted as an absolute right, where its owner has total right for using, enjoying and disposing of the thing, as their best understanding, currently it has to be based of the social function of property. The State, as beeing responsable for the society welfare, intervene at this right, conditioning it’s uses to the collective interests. To reach those objectives, there are several instruments of intervention. They are: Dispossession – transference of particular assets to State through indemnitication – Requirement – Private assets used by the State in case of public imminent danger-, Specified Time Occupation – Private assets used as suport at execution of work and public services -, Management limitations – positive obligations, negative or permissiveness, imposed to the private by the State -, Administrative Servitude – real burden over real state to realization and conservation of public work -, and Tumbling – Limits to the right of property with the purpose of protecting the national cultural assets. Each instrument has an institutional form, primarys objectives and own procedures, although, all of them seek to adequate the property at their social function.
Key works: Property Right – Private Property – Property´s Social Function – State Itervienence – Intervienence Instruments.
14
1 INTRODUÇÃO
Pretende-se com esse trabalho expor e explicar os modos de
intervenção do Estado na propriedade privada, e, até mesmo, na propriedade de um
ente público.
Como se sabe, a propriedade é um direito constitucional que, no
caso do sistema jurídico brasileiro, tem raízes no direito romano.
Se antigamente o direito à propriedade era visto como um direito
absoluto, pois era tido como uma extensão natural do ser humano, hodiernamente
tem a característica de ser condicionado.
Visando acabar, ou diminuir, com o abismo das classes sociais, o
Estado, chamando para si o poder/dever de sanar os problemas da sociedade,
começa a intervir na propriedade privada, condicionando o seu uso sempre em prol
do bem estar social, ou seja, vedando qualquer uso da propriedade que tende a
prejudicar, ou deixe de beneficiar, a sociedade.
Assim, almeja-se nesse trabalho explicar as formas de intervenção
do Estado na propriedade, quais sejam: desapropriação, servidão administrativa,
requisição, ocupação temporária, limitação administrativa e tombamento.
Nos primeiros momentos em que o Estado começou a utilizar os
instrumentos de intervenção, percebe-se que muitos atos de autoritarismo foram
cometidos, sendo que, inclusive, a desapropriação teve origem no confisco estatal.
15
Hoje a desapropriação ainda é considerada como a forma mais
agressiva de intervenção do Estado na propriedade do particular, entretanto, exige-
se o pagamento de uma indenização e o respeito dos trâmites legais.
Assim, para dirimir os conflitos e dúvidas na hora em que a
Administração está realizando atos de intervenção, a figura do Judiciário é
extremamente importante.
Doravante, deseja-se também nesse trabalho descrever os
requisitos que devem ser preenchidos para que se possa realizar a intervenção
estatal, e, na presença de qualquer irregularidade, qual medida mais adequada.
Quer-se demonstrar que os atos condicionadores da propriedade
privada não podem ser usados para satisfazerem interesses privados, ou seja, não
podem servir como instrumentos de satisfação dos interesses do administrador ou
do administrado, e sim satisfazer interesses público ou coletivo.
A intervenção do Estado na propriedade privada é assunto de
elevada importância para o Estado, visto ser matéria corriqueira dentro da
Administração Pública.
Toda vez que a Administração for construir uma estrada terá que se
utilizar os meios de intervenção. De igual forma quando realiza eleições, ao instalar
os locais de votação em colégios e escolas.
Assim, sendo um tema cotidiano e de extrema relevância na vida da
Administração e, conseqüentemente do particular, merece muita atenção, podendo
servir como elemento para se classificar o nível de desempenho dos nossos
governantes.
16
2 EVOLUÇÃO DA PROPRIEDADE
Nos primórdios da civilização, a propriedade começou por ser
coletiva, sendo a propriedade privada reservada apenas para objetos de uso
exclusivamente pessoal. Juntamente com o fim do nomadismo, todavia, foi se
transformando paulatinamente em propriedade individual.1
Daí por diante, tanto na Roma Antiga quanto na Idade Média, a
propriedade foi tida como o mais amplo direito real. Além dos poderes de usar, gozar
e dispor da coisa, de forma absoluta, exclusiva e perpétua, possibilitava persegui-la
nas mãos de quem quer que injustamente a detenha. Essa concepção de direito
absoluto aumentava cada vez mais o abismo da desigualdade social.2
Com a Revolução Francesa, numa forma de repúdio ao sistema
feudal - que reviveu de forma exacerbada a concepção puramente individualista do
período romano –, a propriedade foi sendo afetada, principalmente a partir da
segunda metade do século XIX, por crescente número de restrições impostas pelo
Estado.
Enquanto a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", de
1789, proclamava ser a propriedade um "direito inviolável e sagrado", o Código de
Napoleão, de 1804, consagrou como princípio a legitimidade da limitação do Estado
sobre a propriedade, ao definir esse instituto, no artigo 544, como o direito de gozar
e de dispor das coisas de modo absoluto, contanto que isso não se tornasse uso
proibido pelas leis ou pelos regulamentos.1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. 37ª ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2003. p. 80. 2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A.,
2001. p. 118.
17
Naquela época, essas leis e regulamentos limitavam-se, quase
exclusivamente, aos direitos de vizinhança. Aos poucos, o campo da limitação ao
uso e gozo dos bens e riquezas particulares foi se ampliando, condicionando cada
vez mais o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social.
O proprietário não poderia mais fazer um uso anti-social da
propriedade, sob pena de estar agindo sem respaldo jurídico e, ainda, de forma
ilícita.
Tentando compatibilizar o direito individual com os interesses
sociais, exigi-se hodiernamente do particular, usos compatíveis com o bem estar da
coletividade. Tanto é assim que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso
XXIII, logo após consagrar o direito à propriedade a todos, estabelece que a
propriedade tem que atender a função social.
Assim, almejando o bem estar social através da função social da
propriedade, a Administração criou variados instrumentos. São os chamados meios
de intervenção, que são compostos pela desapropriação, servidão administrativa,
requisição, ocupação temporária, limitação administrativa e tombamento.
18
3 COMPETÊNCIA PARA INTERVENÇÃO
A Constituição Federal estabelece a competência para se intervir na
propriedade particular, distribuindo a competência para a elaboração da legislação
geral e competência para execução de atos fiscalizadores e condicionadores à
perfeita adequação da referida norma legal.
Apenas a União tem competência para legislar sobre intervenção na
propriedade, conforme estabelecem os artigos 22, incisos II e III, e 173, ambos da
nossa Carta Magna.
Aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios restou a
competência para executarem as leis criadas pela União, ou seja, medidas de
polícia administrativa e de condicionamento do uso da propriedade ao bem-estar
social (cumprimento da função social da propriedade, artigo 5°, inciso XXIV da
Constituição Federal).
Vale dizer, a União regula materialmente o direito de propriedade
enquanto os outros entes policiam administrativamente o uso desse direito.
Ademais, para que sejam observadas e efetivamente cumpridas as
leis editadas pelo poder federal, os Estados e Municípios podem regular
adjetivamente a matéria, baseando-se sempre nas características pertinentes de
cada ente e respeitando a lei federal.
19
4 DESAPROPRIAÇÃO
Na antiguidade, o monarca, detentor do poder soberano, apropriava-
se das terras que desejasse sem qualquer espécie de indenização. Não havia
qualquer legislação que protegia o particular contra a ação confiscatória do Estado.
Mesmo porquê, o monarca não se sujeitava à lei, “ele era a lei”.
Com o surgimento do Estado de Direito esta situação começa a
mudar. Enquanto outrora a intervenção sobre o bem particular se fazia por mero
capricho do monarca, aqui a intervenção se dá em cumprimento aos anseios sociais,
sendo regulado rigorosamente pela lei. Nesse momento aparece também a
indenização em razão da intervenção do Estado.
4.1 FUNDAMENTOS
O instituto da desapropriação ou também expropriação está previsto
no artigo 5°, inciso XXIV da Constituição Federal:
Artigo 5º. [...]XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos em nesta Constituição;
O Decreto-lei n° 3.365 de 21 de junho de 1941 e legislação posterior
traçam as diretrizes para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública.
Ainda, o artigo 182, § 4º, inciso III da Constituição Federal,
complementado pela Lei n° 10.251/2001 (Estatuto da Cidade) aborda a matéria,
dispondo sobre a desapropriação para observância do Plano Diretor do Município.
20
Já o artigo 184 também da Constituição Federal, complementado
pela Lei n° 4.505/64, Leis Complementares n° 76/93 e n° 88/96 e a Lei n° 8.629/93,
refere-se à desapropriação para fins da Reforma Agrária.
4.2 CONCEITO
José dos Santos Carvalho Filho conceitua desapropriação como
“procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a
propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social,
normalmente mediante o pagamento de indenização.” 3
Para Hely Lopes Meirelles:
[...] desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para a superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.4
Percebe-se assim, que a expropriação é a forma mais drástica de
manifestação do poder de império do Estado, onde é retirado do domínio do
particular o bem, sem ser levado em consideração a sua vontade.
4.3 REQUISITOS
Dos conceitos fornecidos infere-se quais são os requisitos
constitucionais do instituto da desapropriação: ocorrência de necessidade ou
utilidade pública ou de interesse social e; pagamento de justa e prévia indenização.
3 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 1999. p. 510.
4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 573.
21
Primeiramente, vale lembrar que, como todo ato da Administração, a
desapropriação tem que possuir finalidade pública ou interesse social. Em outras
palavras, a expropriação não pode ser feita para satisfazer interesses privados, seja
do administrador ou de um administrado, e sim satisfazer interesses público ou
coletivo.
Diz-se que interesse público ocorre quando interessa ao Poder
Público, sendo que o fundamento da desapropriação será a necessidade ou
utilidade pública. Assim, o bem expropriado será destinado à própria Administração
Pública ou aos seus delegados.
Já o interesse social, ocorre quando o interesse é da coletividade,
sendo que o bem expropriado servirá, normalmente, aos particulares, que irão
explorá-los conforme as exigências da coletividade.
A necessidade pública ocorre quando a Administração se defronta
com situações tais, cuja solução não pode ser outra senão incorporar no domínio do
Estado o bem particular.
Utilidade pública existe quando a transferência de bens de terceiros
para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. Os casos de
utilidade pública estão enumerados em rol exemplificativo do artigo 5º da lei geral
desapropriações.
Interesse Social, como já discutido, e nas palavras do mestre Hely
Lopes Meirelles:
[...] ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em beneficio da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público. 5
5 MEIRELLES, op. cit., p. 582.
22
A desapropriação por interesse social está abrangida pela Lei n°
4.132/62.
Justa e prévia indenização. Nossa Carta Magna, ao prever a justa e
prévia indenização, condiciona e subordina este instituto à condição de que o
patrimônio do expropriado fique inalterado, quer dizer, sem dano. Uma
desapropriação sem indenização, ou com injusto ressarcimento, importa em confisco
ou despojo, carente de qualquer sustentação jurídica.
Primeiramente, “justa indenização é aquela que cobre não só o valor
real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como também, os danos
emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do
seu patrimônio.” 6
Conforme Celso Ribeiro Bastos, para ser justa, a indenização tem
que possui os seguintes elementos: ser integral, objetiva e atual. 7
Integral significa dar ao expropriado tudo aquilo que lhe foi privado.
Compreende o principal, despesas com transporte, fundo de comércio, correção
monetária, honorários advocatícios, juros compensatórios e moratórios e
benfeitorias.
Principal é o valor do bem propriamente dito.
Despesas com transporte de equipamentos ou materiais que
estejam no prédio desapropriado, conforme dispõe a legislação (artigo 25, § 1°, do
Decreto-lei nº 3.365/41).
6 FERRAZ, Sérgio apud MEIRELLES, op. cit., p. 589.7 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002. p.
321.
23
A indenização do fundo de comércio8 está prevista no artigo 26 do
Decreto-lei n° 3.365/41. Se o fundo de comércio for do proprietário do bem
desapropriado, o valor deste fundo será incorporado ao valor da indenização; se o
fundo de comércio for de terceiros (inquilino), estes terão que postular a indenização
em ação direta.
A correção monetária pode ser pedida em qualquer fase do
processo, devendo obedecer aos índices legais (artigo 26, § 2° do Decreto-lei n°
3.365/41).
Os honorários advocatícios são calculados entre o valor oferecido
pelo expropriante e aquele apurado como justo na indenização, acrescido de juros
compensatórios e moratórios (artigo 27 do Decreto-lei n° 3.365/41). Leva-se também
em consideração o artigo 20, § 4° do Código de Processo Civil.
Ademais, conforme Súmula 617 do Supremo Tribunal Federal, “a
base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre
a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente”.
Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda
de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. São na base de doze por cento
ao ano, quer seja em se tratando de desapropriação direta ou indireta, salvo
disposição judicial em contrário (Súmulas 618 do Supremo Tribunal Federal).
A Súmula 69 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “na
desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada
8 Segundo Fábio Ulhoa (1999, p. 44), “fundo de comércio são os bens imateriais ou incorpóreos que integram o estabelecimento comercial e, normalmente, ultrapassam em valor econômico os bens materiais, conferindo-lhe capacidade de produzir lucro, como por exemplo: a clientela, a forma de entendimento, a comodidade, a vizinhança, a confiança na qualidade, etc”.
24
imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do
imóvel”.
Os juros moratórios são devidos apenas quando existe atraso no
pagamento da condenação. Importante salientar que é diferente dos juros
compensatórios, pois que possuem naturezas distintas, possibilitando, então, a
acumulação de ambos os juros.
Consoante a Súmula 70 do Superior Tribunal de Justiça, “os juros
moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em
julgado da sentença”.
Ainda, o valor dos juros moratórios seguirá o disposto no artigo 406
do Código Civil, que assim dispõe:
Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxas estipuladas, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Por fim, as benfeitorias levantaram grandes dúvidas e criaram
interessante celeuma. O parágrafo 1º do artigo 26 do Decreto-lei n° 3.365/41 dispõe
que apenas as benfeitorias necessárias e úteis serão indenizáveis, sendo estas
últimas quando houver autorização do poder expropriante.
Discordando dessa posição, Hely Lopes Meirelles afirma:
[...] só se considera efetivada a desapropriação após o acordo ou a instauração do processo judicial. A simples declaração de utilidade pública não importa ainda desapropriação e, por isso, admite a normal utilização do bem, independentemente de autorização do Poder Público. Enquanto não iniciada a desapropriação por atos de execução do decreto expropriatório, lícito é ao proprietário construir e fazer as benfeitorias que desejar, ficando o expropriante obrigado indenizá-las quando efetivar, realmente a expropriação. Diante do simples decreto declaratório de utilidade pública não poderá ser negado o alvará de edificação nem interditada a atividade lícita que se realizar no imóvel.9
9 MEIRELLES, op. cit., p. 590.
25
Assim sendo, até mesmo benfeitorias voluptuárias realizadas pelo
proprietário, desde que não efetivada a desapropriação, são lícitas e ensejam a
respectiva indenização.
Indenização objetiva é aquela que contempla o verdadeiro valor da
coisa no contexto do mercado de bens da sua espécie. Levando em consideração o
lugar do bem expropriado e o tempo dessa intervenção. “Admitir qualquer fixação
em índices irreais é fugir do objetivo, é fugir do justo. Adotar preço presumido é
contrariar o valor objetivo.”10
Indenização atual ou valor atual é aquele que possui o imóvel no
momento da desapropriação, como se o expropriado tivesse vendido a sua
propriedade. Para a sua obtenção o critério que deve ser seguido é o do custo da
reposição, ou seja, qual a soma que se deve investir para se obter, ao mesmo
tempo, um bem igual ao que está sendo desapropriado. E esta situação se verifica
no momento da privação fática, não na simples transferência jurídica.
Por fim, como já dito, a indenização tem que ser prévia, ou seja,
antes de entrar na posse definitiva do imóvel ou através de imissão provisória o
poder expropriante tem que pagar ou depositar o valor da indenização. O
pagamento tem que ser feito em dinheiro, ou seja, moeda corrente. Entretanto,
existem exceções, como nos casos de pagamento por títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal – desapropriação para
atendimento do plano diretor da cidade – e o pagamento por títulos da dívida agrária
– desapropriação para fins de Reforma Agrária.
10 BASTOS, op. cit., p. 322.
26
4.4 FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
A quantificação da indenização pode ser feita por acordo
administrativo – amigavelmente –, ou por avaliação judicial – litigiosamente. A
primeira ocorre quando a Administração oferece o valor a ser pago e o particular
aceita sem objeções. A segunda faz-se quando existe divergência entre o preço
sugerido pelo expropriante e o pretendido pelo proprietário do bem.
A desapropriação tem por característica ser uma forma originária de
aquisição de propriedade.
Conforme Silvio Rodrigues, “diz-se que se adquiriu a posse de
maneira originária quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a
anterior, visto não ter a aquisição decorrida de anuência do antigo possuidor”.11
Assim sendo, diferentemente da aquisição derivada, não existe
negócio jurídico que precede a aquisição. Como conseqüência, o bem expropriado é
insuscetível de reivindicação, tornando-se isento de qualquer ônus que
eventualmente lhe incidia12. Com relação aos credores, estes se sub-rogam no
preço.
4.5 OBJETOS
O artigo 22 do Decreto-lei n° 3.365/41 dispõe que são objetos da
desapropriação todos os bens e objetos patrimoniais, ou seja, os bens móveis,
11 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 05. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 41.
12 Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos (Artigo 35 do Decreto-lei n° 3.365/41).
27
imóveis, semoventes, corpóreos, incorpóreos e até direitos, desde que tenham valor
econômico, como exemplo, os direitos autorais.
Assim, o espaço aéreo, o subsolo e até mesmo bens de família13 são
passíveis de desapropriação.
Por outro lado, não são passíveis de serem expropriados os direitos
personalíssimos, pois são indestacáveis do indivíduo, não podendo ser retirados de
sua condição cívica. A moeda corrente do país, por lógica, não é expropriável, pois é
ela o próprio meio de pagamento da indenização.
A posse, como direito real e possuindo valor econômico, também é
desapropriável, possuindo, entretanto, valor inferior à propriedade.
A desapropriação de ações, quotas ou direitos de qualquer
sociedade também são objeto de desapropriação, no entanto, consoante o parágrafo
3° do artigo 3º do Decreto-lei n° 3.365/41, quando o funcionamento da empresa
depender de aquiescência do Governo Federal, é necessária a autorização do
Presidente da República.
Os bens públicos também podem ser desapropriados, porém, para
que isso ocorra, é necessário que se observe a hierarquia política dos entes. Esse
tipo de desapropriação só pode ocorrer de forma descendente, pois apenas o ente
hierarquicamente superior poderá se apossar de bem público de ente inferior. A
forma inversa – ascendente – não é possível14.
Os bens da administração indireta, ou seja, bens das autarquias,
fundações públicas, empresas estatais, concessionárias e demais delegadas do
13 O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio (Artigo 1.715 do Código Civil).
14 MEIRELLES, op. cit., p. 576.
28
serviço público também são desapropriáveis, independente de autorização
legislativa.
Quando o bem a ser expropriado estiver vinculado a serviço público,
em respeito ao princípio da continuidade do próprio serviço, dependerá sempre da
autorização da entidade superior que o instituiu e delegou, isso para que a atividade
de ente hierarquicamente superior não seja prejudicada, e até mesmo suprimida
pelos inferiores, mediante processo expropriatório.
A desapropriação das áreas de jazidas com autorização, concessão
ou licenciamento de pesquisa ou lavra só será permitida quando houver prévia e
expressa concordância da União, para evitar que a atividade minerária seja
suprimida por ente inferior.15
4.6 SUJEITOS DA DESAPROPRIAÇÃO
O sujeito ativo na desapropriação é o Poder Público, denominado
poder desapropriante e/ou expropriante, sendo o particular o sujeito passivo,
denominado desapropriado e/ou expropriado. Os destinatários são, geralmente, o
próprio Poder Público, pois é ele quem detém o interesse público.
Contudo, existem ocasiões em que o próprio particular é destinatário
do bem expropriado, ocorrendo assim nos casos de desapropriação por zona, na
desapropriação para urbanização e nas desapropriações por interesse social, as
quais se justificam com o condicionamento da propriedade com a sua função social.
15 MEIRELLES, ibid.
29
4.7 FASES DA DESAPROPRIAÇÃO
O processo expropriatório começa sempre com a declaração de
desapropriação, onde o Poder Público (ente expropriante) declara a necessidade ou
utilidade pública ou interesse social no bem a ser expropriado.
A declaração de desapropriação pode ser feita por lei ou decreto,
devendo o ato especificar o bem a ser expropriado, sua destinação e os motivos que
levaram o ato, ou seja, o dispositivo legal que autorizou a intervenção.
Quando a declaração é feita através de lei, observa-se que ocorre
uma anomalia no nosso sistema legislativo, pois que uma das características da lei é
o caráter geral e abstrato. No entanto, nesse caso a lei que declara a
desapropriação terá efeito concreto, podendo-se dizer, específica e de caráter
individual.
O ato declaratório deve indicar o sujeito ativo da desapropriação, a
descrição do bem, a declaração de utilidade pública ou interesse social, a
destinação específica a ser dada ao bem, o fundamento legal e os recursos
orçamentários destinados ao atendimento da despesa.
Maria Sylvia di Pietro ensina que a declaração de utilidade pública
possui os seguintes efeitos: submete o bem à força expropriatória do Estado; fixa o
estado do bem, isto é, suas condições, melhoramentos, benfeitorias existentes;
confere ao poder público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e
medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem
excesso de poder e; começa a contar o prazo de caducidade da declaração. 16
Assim, infere-se que os efeitos são:
16 DI PIETRO, op. cit., p. 157.
30
Submissão do bem à força expropriatória do Estado. Melhor
dizendo, trata-se de decisão executória do poder público, no sentido de que não é
necessário título fornecido pelo Poder Judiciário para subjulgar o bem. Este,
inexoravelmente será desapropriável. Entretanto, caso o particular sinta-se lesado
por vício de ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato, poderá impugnar
judicialmente a ação do Estado pelas vias ordinárias ou mesmo mandado de
segurança;
Fixação do estado do bem, isto é, suas condições, melhoramentos,
benfeitorias existentes. Assim, as benfeitorias realizadas posteriormente à
declaração de desapropriação só serão indenizadas se necessárias forem, ou se
úteis, quando houverem sido autorizadas pelo poder expropriante (Artigo 26, § 1º do
Decreto-lei n° 3.365/41).
Neste ponto, calha relembrar que, segundo parte da doutrina, só é
considerada iniciada a desapropriação com o acordo administrativo ou com a citação
judicial, acompanhada da oferta do preço provisoriamente estimado para o depósito.
Hely Lopes Meirelles entende ser possível a normal utilização e
disponibilização do bem, independentemente de autorização do Poder Público. Não
podendo, então, a Administração negar alvará de construção ao particular. Se forem
realizadas benfeitorias, o expropriante tem a obrigação de indenizá-las no momento
em que efetivar a expropriação; 17
Confere ao poder público o direito de penetrar no bem a fim de fazer
verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com
moderação e sem excesso de poder. O Decreto-lei das desapropriações por
utilidade pública, em seu artigo 7°, autoriza à Administração penetrar nos prédios
17 MEIRELLES, op. cit., p. 590.
31
para fazer levantamentos topográficos, avaliações do imóvel e quaisquer outros atos
de identificação do imóvel. Em caso de oposição às autoridades expropriantes, é
possível o auxílio de força policial. Se porventura forem causados danos pela
Administração no momento de realizar as medições, ficará o Estado responsável
pelos prejuízos;
Início da contagem do prazo de caducidade da declaração. Reflete
principalmente sobre a autoridade expropriante, pois que fixa o prazo para que inicie
a expropriação. É um prazo de decadência ante a inércia do expropriante. O prazo
varia de cinco ou dois anos – o primeiro quando tratar de interesse público (artigo 10
do Decreto-lei n° 3.365/41) e segundo quando for por interesse social (artigo 3° da
Lei n° 4.132/62). Em ambas as hipóteses, outro ato declaratório só poderá ser
renovar decorrido um ano da decadência.
A desapropriação pode ser realizada administrativamente –
amigavelmente - ou judicialmente - contenciosamente.
A primeira forma ocorre quando a Administração declara o bem
como objeto de utilidade ou necessidade pública ou interesse coletivo e oferece o
valor da indenização. A apuração do valor da indenização é realizada por uma
Comissão de Avaliação, sendo esta formada por três membros, os quais são
escolhidos pelo chefe do executivo, que no caso de Município, é o prefeito. Se o
proprietário do bem concordar com os termos e valor da indenização, efetiva-se a
expropriação com a transferência da escritura pública no cartório de registro de
imóveis competente.
A desapropriação via processo judicial segue rito especial
estabelecido nos artigos 11 e seguintes do Decreto-lei n° 3.365/41, admitindo-se, no
32
que for pertinente, as regras do Código de Processo Civil. Ocorre, na maioria das
vezes, quando existir divergência entre o preço sugerido pelo expropriante e o
pretendido pelo particular a ser expropriado. Pode ocorrer também, quando o
proprietário quiser apontar alguma falha no processo expropriatório.
Compete à Justiça Comum o julgamento pertinente às ações de
desapropriações, sendo foro competente o local onde se situa o bem a ser
expropriado. Entretanto, quando houver interesse da União na desapropriação, a
competência para análise da questão será da Justiça Federal, com sede na Capital
do respectivo Estado, conforme dispõem o artigo 109, I da Constituição Federal;
artigo 13, inciso I da Lei n° 5.010/66; artigo 11 do Decreto-lei n° 3.365/41 e; Súmula
218 do STF.18
Quando a desapropriação for para fins de Reforma Agrária, o rito
seguirá o estabelecido na Lei Complementar n° 76/93, alterada posteriormente pela
Lei n° 88/96.
O Poder Judiciário limitar-se-á ao exame extrínseco e formal do ato
expropriatório, sendo lhe vedado o exame dos motivos que ensejaram a pretensão
de desapropriar aquele bem (artigo 9º da lei das desapropriações). Ainda, além da
quantificação da indenização, pode o magistrado decidir sobre questões de
competência para a expropriação, formalidades e caducidades.
Se houver dúvidas quanto aos motivos da desapropriação, é
possível averiguar tais questões em ação autônoma, denominada ação direta,
conforme artigo 20 da lei geral sobre desapropriações.
18 Súmula 218. - É competente o Juízo da Fazenda Nacional da capital do Estado, e não o da situação da coisa, para a desapropriação promovida por empresa de energia elétrica, se a União Federal intervém como assistente.
33
A imissão provisória da posse é outra questão que merece ênfase,
tendo em vista decisões contrárias entre o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal.
Antes da promulgação da nossa Carta Magna, em 1988, era
permitida, com base no §1° do artigo 15 da Lei das Desapropriações, a imissão da
posse pela Administração antes mesmo da citação do proprietário, mediante a
declaração de urgência19 da medida e a realização do depósito.
Com a Constituição Federal agindo de forma mais protecionista para
com os direitos individuais, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o referido
dispositivo não foi recepcionado, pois que o depósito feito pelo ente expropriante, na
maioria das vezes, era irrisório, não atendendo ao conceito de prévia e justa
indenização, prevista no artigo 5º, XXIV da Constituição Federal.
Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal, entendendo que a
Constituição de 1988 recepcionou o §1° do artigo 15 do Decreto-lei n° 3.365/41,
dispôs que só é devida a justa e prévia indenização quando do momento da perda
definitiva da propriedade, e, não apenas, pela simples imissão provisória.
Com a devida vênia, o entendimento do Supremo faz criar uma
dúvida, e também um problema: como fica o caso de uma família que só tinha
aquele imóvel e se viu despojado do mesmo em razão da imissão provisória, sendo
que o depósito realizado não lhe possibilita restabelecer o mesmo padrão de vida
que possuía?
É claro que nesse caso o particular restará prejudicado. Não terá
mais sua casa própria e nem dinheiro para comprar outra.
19 A alegação de urgência pode ser feita no ato de declaração de desapropriação ou ato subseqüente, mas a imissão deve ser requerida dentro de cento e vinte dias da alegação, sob pena de caducidade, com impossibilidade de renovação (artigo 15, § 2° do Decreto –lei n° 3.365/41).
34
Feito o depósito provisório, o particular poderá levantar oitenta por
cento do seu montante, ainda que discorde do preço ofertado ou arbitrado, desde
que atendidas as exigências do artigo 34 do Decreto-lei n° 3.365/41. São elas:
comprovação da propriedade e da quitação de débitos fiscais incidentes sobre o
bem até a data da imissão na posse, assim como a publicação dos editais para
conhecimento de terceiros.
Por fim, a imissão definitiva da posse ocorre quando existe a efetiva
transferência do bem ao Poder Público e o integral pagamento do preço, seja fixado
pelo acordo administrativo ou o arbitrado em sentença judicial.
Quando não se desapropriar um terreno na sua totalidade, o
proprietário assiste ao direito de extensão, ou seja, exigir que se desaproprie o
restante da terra, pois que aquela porção tornou-se inútil ou de difícil utilização
(artigo 12 do Decreto Federal n° 4.956/03).
Para que se exercite esse direito de extensão, deve o proprietário se
manifestar interessado, sendo momento oportuno a hora do acordo administrativo
e/ou na ação judicial. Caso permaneça em silêncio, supõe-se que foi renunciado
esse direito, e não haverá oportunidade ulterior para exercitá-lo.
4.8 DESVIO DE FINALIDADE
Da leitura do artigo 37, caput, da nossa Constituição Federal,
percebe-se que todos os atos da Administração Pública têm que guardar
observância ao princípio da impessoalidade, que na verdade é o próprio princípio da
finalidade. Assim, nota-se que em todo ato administrativo juridicamente válido existe
a presença da finalidade pública.
35
O princípio da finalidade veda a prática de ato administrativo sem
interesse público ou conveniência para a Administração. Atos que visam unicamente
satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais, estão contaminados por vício sob a forma de desvio de finalidade.
Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui um das mais insidiosas
modalidades de abuso do poder.
A finalidade é pública quando satisfaz interesse público e interesse
social. O primeiro ocorre quando interessa ao Poder Público, sendo que, no caso
das desapropriações, o fundamento será necessidade ou utilidade pública. O bem
expropriado será destinado à própria Administração ou aos seus delegados. Por sua
vez, o segundo é quando o interesse advém da coletividade, sendo que o bem
expropriado servirá, normalmente, aos particulares, que irão explorá-los conforme as
exigências da coletividade.
Em outras palavras, a desapropriação por necessidade ou utilidade
pública visa o atendimento das necessidades do próprio ente expropriante, enquanto
que a desapropriação por interesse social visa solucionar problemas de bem-estar
social.
Assim sendo, caso um ato administrativo não atenda a finalidade
pública, seja de interesse da Administração ou da coletividade, estará contaminado
por nulidade, e, portanto, atacável por ação popular.
Aliás, a lei da ação popular (lei n° 4.717/65), em seu artigo 2°,
parágrafo único, alínea “e”, conceituou como desvio de finalidade o ato que possui
“fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”
36
No caso de desvio de finalidade em matéria de desapropriação,
chama-se esse desvio de tresdestinação, ou nas palavras de Celso Ribeiro Bastos,
predestinação.20 Consiste, exemplificando, no emprego do bem expropriado num fim
que não satisfaça qualquer finalidade pública, muito menos na qual foi motivadora
do processo expropriatório.
Entretanto, cumpre lembrar que quando o bem expropriado é
empregado num fim que não seja àquele declarado, mas que mesmo assim
satisfaça a finalidade pública, não ocorre tresdestinação, pois finalidade pública é
um termo genérico.
Da mesma forma em que o particular tem que adequar sua
propriedade conforme o plano diretor da cidade, o Município também o deve fazer
com relação ao bem expropriado por esse motivo. Possui o prazo de cinco anos,
contados da data de incorporação do bem, para adequar às exigências do plano
diretor e, caso assim não proceda, incorrerá em improbidade administrativa (artigo
8º, § 4° da Lei n° 10.257/2001).
Por fim, havendo tresdestinação, ficará o ato expropriatório sujeito à
anulação e a retrocessão.
4.9 ANULAÇÃO DA DESAPROPRIAÇÃO
Contendo ilegalidade os atos da Administração serão considerados
nulos. Os atos administrativos nulos ficam sujeitos a invalidação não só pela própria
Administração como também pelo Poder Judiciário, desde que levados à sua
20 BASTOS, op. cit., p. 350.
37
apreciação pelos meios processuais cabíveis que possibilitem o pronunciamento
anulatório.21
Ocorrerá anulação da desapropriação toda vez que o procedimento
expropriatório conter ilegalidade, seja formal ou substancial. Será ilegalidade formal
quando, por exemplo, resultar da incompetência da autoridade expropriante ou
qualquer outro vício na forma do ato. Por sua vez, ocorrerá ilegalidade substancial
quando a expropriação não estiver motivada pela finalidade pública, ocorrendo
desvio de finalidade, caracterizadora do abuso de poder.
A Justiça somente anula atos ilegais, não podendo revogar atos
inconvenientes ou inoportunos, mas formal e substancialmente ilegítimos, porque
isto é atribuição exclusiva da Administração.
Assim sendo, caberá ao Judiciário anular os atos de
desapropriações contaminados por ilegalidade.
O artigo 20 da lei geral das desapropriações dispõe que a anulação
dos atos expropriatórios far-se-á por meio de ação direta, ou seja, pelas vias
judiciais comuns e especiais, inclusive por meio de mandado de segurança (artigo 5°
, XXXV da Constituição Federal). Neste caso, o mandado de segurança terá efeito
restaurador – se após de iniciada a execução – ou efeito preventivo – antes da
execução.
Ainda, é possível atacar os atos de desapropriação ilegais por meio
de ação popular, quando estes revelarem ser lesivos ao patrimônio público,
conforme Lei n° 4.717/65, artigos 1°, 2° e 6°.
21 FAGUNDES, Miguel Seabra apud MEIRELLES, op. cit., p. 202.
38
Em fim, calha esclarecer que a ação de anulação da desapropriação
prescreve em cinco anos. Acaso seja tempestivamente ajuizada a ação, mas no
curso do processo o bem se incorporou ao patrimônio do expropriante, resolve-se
em perdas e danos, em virtude dos bens púbicos serem insuscetíveis de
reivindicações (artigo 35 do Decreto-lei n° 3.365/41).
4.10 RETROCESSÃO
A retrocessão é um direito de preferência que assiste ao proprietário
expropriado. Está prevista no artigo 519 do Código Civil e consiste de mesma forma
em que o inquilino tem preferência para comprar o imóvel locado. Em outras
palavras, quando o poder expropriante não utilizar o bem desapropriado para
empregar na alegada necessidade pública ou utilidade pública, ou interesse social,
nem ser utilizado em obras ou serviços públicos, deverá ofertá-lo primeiramente ao
proprietário expropriado, que por sua vez, pagará o preço atual da coisa.
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que esse direito de
preferência é um direito real, marcando a existência da coisa. Entretanto,
acertadamente posiciona-se o ilustre professor Hely Lopes Meirelles em enquadrar o
direito de preferência com uma obrigação pessoal:
A retrocessão é, pois, uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado, e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. Daí o conseqüente entendimento de que a retrocessão só é devida ao antigo proprietário, mas não a seus herdeiros, sucessores e cessionários.22
Esse posicionamento é ainda corroborado pelo artigo 520 do Código
Civil, que dispõe: “O direito de preferência não se pode ceder nem passar aos
herdeiros.”
22 MEIRELLES, op. cit., p. 597.
39
Acaso o expropriante não cumpra essa obrigação, o direito de
preferência resolve-se em perdas e danos.
4.11 DESISTÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO
A desistência da desapropriação funda-se no poder discricionário de
que dispõe a Administração para rever seus atos e adequá-los em benefícios de
seus fins específicos. Em outras palavras, a Administração avalia a conveniência,
oportunidade e razoabilidade de seus próprios atos, para mantê-los ou invalidá-los
segundos as exigências do interesse público.
Diferencia-se da anulação e da retrocessão. No primeiro caso
pressupõe-se a existência de alguma ilegalidade do ato - formal ou substancial -,
sendo que na desistência, por ser revogação de ato, pressupõe sua validade. No
segundo caso, a transferência do bem ao patrimônio público já se concretizou,
sendo que na desistência ainda não houve tal incorporação.
Assim sendo, quando a desapropriação se mostrar inconveniente e
contrária aos interesses públicos, poderá a Administração desistir de continuar com
o procedimento expropriatório.
Porém, como tudo nessa vida tem um prazo, a desistência só é
possível até a incorporação do bem ao patrimônio do expropriante. Quando se tratar
de bem móvel, é possível até o momento da tradição. Quando for bem imóvel, até a
sentença transitada em julgado ou o registro do título resultante de acordo.
A desistência faz-se através da revogação do ato expropriatório
(decreto ou lei) e devolução do bem expropriado, acarretando, conseqüentemente, a
invalidação do acordo ou a extinção do processo.
40
Por ser ato decorrente do poder discricionário da Administração, não
existe a necessidade do contraditório, vale dizer, não pode o expropriado opor-se à
desistência.
TJMS-002806) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO - DESAPROPRIAÇÃO DO IMÓVEL QUE DEIXOU DE SER ÚTIL E NECESSÁRIO - PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR - RECURSO PROVIDO.
Desaparecendo o interesse público em desapropriar certa área, em virtude da limitação da cota de operação e com o não-alcance do mesmo imóvel pelas águas da represa, deve ser deferido o pedido de desistência da ação, já que não se pode obrigar a agravante a adquirir um bem imóvel com dinheiro público e, tampouco, condená-la a pagar indenização por algo que não precisa nem deve integrar seu patrimônio, visto que prevalece o interesse coletivo sobre o particular.(Agravo nº 2002.007781-0, 2ª Turma Cível do TJMS, Três Lagoas, Rel. Des. Luiz Carlos Santini. j. 11.03.2003, unânime).
Entretanto, embora não poder se opor à desapropriação, o particular
poder exigir o ressarcimento dos prejuízos suportados com a expropriação iniciada e
não concluída.
4.12 TIPOS DE DESAPROPRIAÇÃO
Celso Ribeiro Bastos entende que existem dois tipos de
desapropriação: a clássica e a especial. 23
Desapropriação clássica, comum ou ordinária é aquela que tem por
fundamento a necessidade ou utilidade pública e interesse social. Exige indenização
prévia, justa e em dinheiro.
Por sua vez, a desapropriação especial ou extraordinária é aquela
que tem caráter sancionador, pois que a propriedade está sendo utilizada em
desconformidade com o interesse público. Acontece, por exemplo, com a
23 BASTOS, op. cit., p. 320.
41
desapropriação por descumprimento do plano diretor da cidade, em que a
indenização não é realizada de forma prévia e em dinheiro, sendo respeitado
apenas o caráter do preço justo.
É possível também classificar a desapropriação tendo em vista a
destinação de seus bens e/ou pela sua motivação.
Hely Lopes Meirelles classifica as desapropriações em:
desapropriação por zona; desapropriação para urbanização ou reurbanização;
desapropriação por observância do plano diretor; desapropriação por interesse
social; desapropriação para fins de reforma agrária e; desapropriação indireta ou
apossamento administrativo.24
Desapropriação por zona está prevista no artigo 4º do Decreto-lei n°
3.365/41. Sobre este tipo de desapropriação, Hely Lopes Meirelles ensina:
[...] na ampliação da expropriação às áreas que se valorizem extraordinariamente em conseqüência da realização da obra ou de serviço público. Estas obras excedentes e desnecessárias ao Poder Público podem ser vendidas a terceiros, para obtenção de recursos financeiros.25
Propriamente, pode-se dizer que a desapropriação por zona é um
sucedâneo da contribuição de melhoria.26
No ato declaratório de utilidade pública, é necessário que esteja
explicitado a área que será utilizada para a realização das obras ou serviços, e a
zona excedente que será posteriormente desapropriada e futuramente alienada.
Desapropriação para urbanização ou reurbanização ocorre quando o
Poder Público, especialmente o Município, decreta e promove correta implantação
24 MEIRELLES, op. cit., p. 577.25 MEIRELLES, op. cit., pp. 577 e seq.26 ATALIBA, Geraldo. Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria. São Paulo: RT, 1964. pp. 180 e
seq.
42
de novos núcleos urbanos, novos zoneamentos ou a renovação de bairros velhos e
obsoletos, que estejam a exigir remanejamento de áreas livres, remoção de
indústrias, modificação do traçado viário e demais obras públicas ou edificações que
dêem ao bairro a funcionalidade compatível com sua nova destinação no complexo
da cidade.
Tal modalidade de desapropriação está prevista no artigo 5º, alínea
“i”, do Decreto-lei n° 3.365/41, com redação da Lei n° 6.602/78, sendo
complementada pelo artigo 44 da Lei n° 6.766/79.
Pode ainda ocorrer alienação de áreas desapropriadas quando o
Poder Público pretende implantar um distrito industrial, necessitando, no entanto,
que a Administração planeje a área e promova sua urbanização com atenção à
finalidade que foi criada.
Esse planejamento deve ser aprovado por lei municipal que
estabelece as condições de urbanização e os requisitos para instituição das
indústrias.
Desapropriação por observância do plano diretor ocorre em razão da
política de desenvolvimento urbano dos Municípios. Está prevista no artigo 182, § 4°,
III da nossa Carta Magna e estabelece que o solo urbano não-edificado, sub-
utilizado ou não utilizado, poderá ser desapropriado se não forem atendidas as
reivindicações do Município, pelo proprietário, quanto à adequação de sua
propriedade ao plano diretor municipal.
O pagamento da indenização será feito mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
43
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.
Neste vértice, percebe-se que essa modalidade de desapropriação é
a mais drástica forma de intervenção do Estado na propriedade privada. Essa
atividade que o Estado desempenha é uma forma preventiva de evitar que a cidade
cresça por si mesma, criando grandes problemas e de custosas resoluções.
O plano diretor - que todas as cidades maiores de vinte mil
habitantes têm que ter - estabelece as condições para que a propriedade exerça a
sua função social. Entretanto não pode ser totalmente vinculante, tem que deixar
grandes margens à vontade do proprietário, sob pena de inconstitucionalidade.
Conforme Celso Ribeiro Bastos, para a ocorrência desse tipo de
desapropriação, necessário se faz a ocorrência de quatro requisitos:27
O primeiro requisito é a existência de uma lei federal integradora do
preceito constitucional, que no caso é a lei n° 10.257 de 10.07.2001, denominada de
Estatuto da Cidade. Esta lei regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição e
estabelece diretrizes gerais da política urbana. É necessária, pois que, apesar do
Município ser o único sujeito ativo para promover esse tipo de desapropriação, tem
que respeitar os limites estabelecidos nessa lei.
O segundo é a necessidade de uma lei municipal que defina, dentro
do espaço coberto pelo plano diretor, qual a região ou porção do território urbano
que estará sujeita à aplicação dos instrumentos de coerção da propriedade privada.
Em terceiro lugar, é necessário um decreto do prefeito impondo, em
caráter individual, ao proprietário do imóvel a medida prevista. Trata-se de ato
27 BASTOS, op. cit., p. 328.
44
administrativo indispensável para que o proprietário possa sentir-se atingido pela
sorte de coerção que está a sofrer.
Por fim, o último requisito é a ocorrência de não edificação, a sub-
utilização ou a não utilização do bem imóvel. Esses termos merecerem maior
precisão por parte da legislação federal, os quais, estabelecidos criam duas
situações: a possibilidade da desapropriação em razão do não atendimento ao plano
diretor, e o direito do particular de não se ver despojado de seus bens quando tiver
cumprido as exigências legais.
Quando o proprietário for notificado para adequar seu imóvel
conforme os padrões estabelecidos na política de desenvolvimento do Município,
terá um prazo não inferior a um ano para que protocole um projeto de construção,
tendo então, o prazo de dois anos, a partir da aprovação do projeto, para dar início
às obras, adequando assim, o seu terreno.
Caso tal exigência não seja cumprida, ocorrerá tributação
progressiva através do IPTU (imposto predial sobre terreno urbano), pelo prazo de
cinco anos sucessivos, respeitando a alíquota máxima de quinze por cento. Se
passados os anos e o proprietário se manteve inerte, não cumprindo a obrigação de
parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá desapropriar o imóvel
através do pagamento de títulos da dívida pública de emissão do Senado Federal.
Calha dispor, entretanto, que o valor real da indenização refletirá o
valor de base de cálculo do IPTU, descontando do valor de eventuais incorporações
por obras realizadas pelo Poder Público após a notificação feita ao proprietário.
Também não se computará ao valor da indenização, por uma
questão de lógica, expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios,
45
pois que, quem não construiu e não fez produzir o bem num prazo de cinco anos,
não irá produzir no momento da desapropriação.
Por fim, em se tratando de desapropriação de imóveis urbanos, para
a sua realização, é necessária que exista a prévia estimativa do impacto
orçamentário-financeiro, sob pena de responsabilidade fiscal (lei complementar n°
101/00, artigo 16, § 4º, inciso II).
Desapropriação por interesse social, no bem dizer de Hely Lopes
Meirelles, “é aquela que se decreta para promover a justa distribuição da
propriedade ou condicionar seu uso ao bem estar social (lei n° 4.132/62, artigo 1º).”28
A primeira hipótese é privativa da União e específica da Reforma Agrária; a segunda
é permitida a todas as entidades constitucionais – União, Estados-membros, Distrito
Federal, Municípios e Territórios – que têm a incumbência de adequar o uso da
propriedade às exigências da coletividade.
Portanto, nos limites da competência, cada entidade estatal pode
desapropriar por interesse social, desde que o objeto expropriado e sua destinação
se contenham na alçada da Administração expropriante.
Interesse social não é interesse da Administração, mas sim da
coletividade administrativa. Daí porque os bens expropriados por interesse social, na
maioria das vezes, o são para traspasse aos particulares para que lhes possam dar
melhor aproveitamento ou utilização em prol da comunidade.
Desapropriação para fins de reforma agrária. Primeiramente,
“considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor
distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de
28 MEIRELLES, op. cit., p. 580.
46
atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade” (artigo 1°, §
1° da lei n° 4.504/64 – Estatuto da Terra).
Assim, visando melhor distribuir as terras, o Poder Público
desapropria os imóveis rurais.
Esse tipo de desapropriação é de competência privativa da União,
sendo que os atos expropriantes são executados pelo seu órgão executor, o INCRA
– Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Quando a propriedade rural não estiver cumprindo sua função social,
ou seja, não estiver produzindo, será passível de expropriação para Reforma
Agrária, conforme disposições constitucionais, artigos 184 a 186.
São objetos da desapropriação por Reforma Agrária apenas as
grandes propriedades rurais. As pequenas e médias propriedades rurais, conforme
artigo 185 da Constituição Federal, não podem ser expropriadas.
O ato declaratório da desapropriação será feito pelo Presidente da
República ou por quem este delegar tais poderes.
A forma de pagamento da indenização será feita em títulos da dívida
agrária, com prazo de resgate de até vinte anos para a terra nua, e em dinheiro,
para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais
(artigo 184, § 1° da Constituição Federal, e Lei Complementar n° 76/93, artigo 14).
O valor da indenização será fixado conforme os critérios
estabelecidos na Lei n° 8.629/93 (modificada pela MP n° 2.183-56 de 24.8.2001), e
nas Leis Complementares n° 76 de 6.7.93, e n° 88 de 23.12.96.
Cumpre ressaltar que aquele que faz sua propriedade rural cumprir a
função social, não corre o risco de vê-la desapropriada. E para cumprir a função
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social da terra rural, ela deve favorecer o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; manter níveis
satisfatórios de produtividade; assegurar a conservação dos recursos naturais e;
observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os
que a possuem e a cultivem (artigo 2°, § 1º do Estatuto da Terra).
Desapropriação indireta ou apossamento administrativo é o
apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que
não obedeceu ao procedimento previsto pela lei. Não passa de esbulho da
propriedade privada, a qual não encontra respaldo legal e nem possui declaração de
utilidade pública. Possibilita assim, o uso dos interditos possessórios, pelo particular,
na defesa de seu bem.
Entretanto, consumado o apossamento dos bens e integrados no
domínio público, tais bens tornam-se insuscetíveis de reintegração ou reivindicação,
tal como ocorre com a desapropriação legal, restando ao proprietário do bem
esbulhado haver indenização correspondente (artigo 35 da lei geral das
desapropriações).
A desapropriação indireta, por se tratar de ato ilícito da
Administração, cogita uma indenização de maneira mais completa possível, a qual
inclua correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e
honorários de advogado.
ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO – 1. Ação de Desapropriação Indireta. Prescrição. Súmula nº 119, STJ. Prazo: 20 anos. 2. Cumulação de juros de mora com juros compensatórios. Possibilidade. Súmulas nºs 69, 102 e 114, do STJ. 3. Juros compensatórios. Taxa de 6%. Adin nº 2.332-2 (Medida Liminar). Suspensão da expressão ‘de até 6% ao ano’ constante na MP nº 2.183-56, de 24.08.01. 4. Recurso improvido. (STJ – RESP 411675 – PR – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU 06.05.2002).
48
Ademais, convém distinguir a desapropriação indireta –
apossamento sem declaração de utilidade pública – dos regularmente decretados
que, por tolerância do particular, fica retardada a indenização pelo bem expropriado.
O primeiro caso configura-se esbulho, sendo, portanto ato ilícito da Administração. O
segundo caso ocorre uma irregularidade no processo expropriatório, não
configurando ilícito civil por parte da Administração.
Finalmente, calha dispor sobre desapropriação de glebas onde
forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Na verdade, não se trata
de desapropriação, e sim de confisco, pois que, ao tomar para si essas glebas, o
Poder Público não promove qualquer tipo de indenização ao proprietário. Essa
atitude da Administração se justifica em razão dos malefícios causados pela droga à
saúde pública. O confisco das glebas onde há produção de plantas psicotrópicas
está previsto no artigo 243, caput, da Constituição Federal.
49
5 SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
5.1 NOTAS INICIAIS SOBRE O INSTITUTO
Hely Lopes Meirelles conceitua servidão administrativa:
[...] servidão administrativa ou pública é ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário.29
Rafael Bielsa, por sua vez, define servidão administrativa como: “um
direito real constituído por uma entidade pública sobre um bem privado, como o
objeto de que é servir ao uso público, como uma extensão ou dependência do
domínio privado.”30
Ainda, José dos Santos Carvalho Filho entende servidão pública
como “o direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade
imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo.”31
Assim sendo, dos conceitos expostos extrai-se as principais
características desse instituto, quais sejam, ônus real incidente sobre um bem
particular, com a finalidade de permitir uma utilização pública.
Para melhor entender a natureza e finalidade desse instituto, cumpre
diferenciá-lo dos demais institutos afins, ou seja, das servidões civis de Direito
Privado, limitações administrativas de Direito Público e também das
desapropriações.
29 MEIRELLES, op. cit., p. 598.30 BIELSA, Rafael apud DE FARIA, Edimur Ferreira. Curso de direito administrativo positivo. 2ª ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 433.31 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 478.
50
A servidão administrativa é um ônus real do Poder Publico sobre a
propriedade particular, com finalidade de serventia pública – publicae utilitatis. Por
sua vez, a servidão civil é um direito real de um prédio particular sobre outro, com
finalidade de serventia privada – uti singuli.
A limitação administrativa é uma restrição pessoal, geral e gratuita,
imposta genericamente pelo Poder Público ao exercício de direitos individuais, em
benefício da coletividade. Por sua vez, a servidão administrativa é um ônus real de
uso, imposto especificamente pela Administração a determinados imóveis
particulares, para possibilitar a realização de obras e serviços públicos, sendo que o
Estado indenizará os prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário.
Exemplificando, a restrição de se construir além de certa altura é uma limitação
administrativa ao direito de construir. A obrigação de suportar a passagem de fios de
energia elétrica sobre determinadas propriedades privadas, como serviço público, é
uma servidão administrativa, pois que onera diretamente os imóveis particulares
com uma serventia pública.
Como asseverou Hely Lopes Meirelles, “a limitação administrativa,
em geral, impõe a obrigação de não fazer, enquanto que a servidão administrativa
impõe um ônus de suportar que se faça. Aquele incide sobre o proprietário
(obrigação pessoal); esta incide sobre a propriedade (ônus real).”32
Por fim, a diferença entre a servidão administrativa e a
desapropriação é facilmente observada. Enquanto que a primeira mantém a
propriedade ao particular, impondo o ônus de suportar um uso público; a segunda
retira o bem do domínio do cidadão. Aquela indeniza apenas prejuízos efetivamente
32 MEIRELLES, op. cit., p. 599.
51
suportados pelo proprietário causados pelo uso público; enquanto que nesta sempre
haverá indenização em razão do despojamento da propriedade.
Calha dispor que acontecerá desapropriação ao invés de simples
servidão pública toda vez que uma obra ou serviço público, ou ainda o interesse
social necessitar que exproprie o bem do particular.
Quando a obra pública for passível de realização sem que haja
desapropriação, ou seja, não atrapalhando o normal uso e fruição do bem, o instituto
adequado será a servidão pública.
Representando: para instalação de uma estação de tratamento de
água em terreno particular, a desapropriação torna-se inevitável. Em contrapartida, a
passagem de fios elétricos pelo mesmo terreno não necessita de desapropriação,
pois que a obra pública não mitigará o direito de normal fruição do bem pelo
proprietário.
5.2 INSTITUIÇÃO
Assim como a desapropriação, a servidão administrativa faz-se por
acordo administrativo ou por sentença judicial, precedida sempre de ato declaratório
da servidão (artigo 40 do Decreto-lei n° 3.365/41 – essa lei aplica-se no que couber
nas servidões públicas).
Grande celeuma ocorre quanto à necessidade de registro imobiliário
das servidões públicas impostas. Walter T. Álvares, citado por Hely Lopes, sustenta
que as servidões públicas independem do respectivo registro, pois que sua eficácia
resulta diretamente dos atos de instituição.33
33 ÁLVARES, Walter T. apud MEIRELLES, op. cit., p. 600.
52
Já o próprio Hely, contrariando tal posicionamento, aduz que apenas
se torna efetiva a servidão se for devidamente registrada no cartório de imóveis. Tal
entendimento é ainda corroborado pelo artigo 168, I, alínea “f” da lei n° 6.015/73 (lei
de registros públicos).
As faixas marginais das águas públicas internas – rios e lagos –
denominadas terrenos reservados (Código de Águas, artigos 11, 12 e 14), subsistem
hoje com a finalidade de simples policiamento das águas. É uma servidão sui
generis, pois que ao contrário da servidão convencional, deriva da lei, tendo,
portanto, caráter geral e impessoal. Essa servidão veda as construções que
impeçam o trânsito das pessoas incumbidas de fiscalizarem os rios e lagos. A
Administração não indeniza essa servidão.
Não se trata de desapropriação dessas faixas marginais, pois a
servidão não as retira da propriedade do particular e nem impede sua normal
utilização em culturas e pastagens, ou a extração de areia, argila e cascalho.
Conforme Súmula 479 do Supremo Tribunal Federal, tais faixas não
são indenizáveis, pois que estão excluídas do domínio do particular. Entretanto, tal
posicionamento é rebatido pela doutrina majoritária. O argumento mais convincente
é de que, quem compra e vende terras ribeirinhas, no Brasil, o faz em toda a sua
extensão, até as margens do rio, ou seja, até o leito normal das águas, e com essa
extensão transcreve o titulo aquisitivo no registro imobiliário. São essas terras
altamente produtivas e valorizadas em razão de se localizarem às margens do rio.
Por isso, equivocado e injusto o posicionamento do Supremo.
53
5.3 FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO
A Administração só irá indenizar os danos efetivamente causados
pela obra pública, sendo que, se não houver prejuízo, nada deverá a Administração
indenizar. Só o exame específico de cada caso concreto poderá indicar se haverá ou
não prejuízos a compor na servidão pública a ser instituída.
Por fim, se a servidão inutilizou a propriedade para a sua exploração
econômica normal, pode ser convertida em desapropriação indireta com o
pagamento da indenização da forma mais completa possível.34
A seguinte jurisprudência corrobora com essa posição:
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – COPEL – CONSTRUÇÃO DE TORRES DE ALTA TENSÃO, ATINGINDO TODA A EXTENSÃO DO IMÓVEL DOS EXPROPRIADOS – SERVIDÃO DE PASSAGEM QUE SE TRANSFORMOU EM DESAPROPRIAÇÃO – Indenização devida, nos moldes fixados pela sentença. Inexistência de excesso no valor indenizatório. Comprovação através de nova perícia. Jazidas de argila. Possibilidade de serem indenizadas quando há alvará permitindo a exploração. Os juros compensatórios tem natureza distinta da indenização pela cessação de exploração de jazidas. Verbas que podem ser acumuladas. Recurso improvido. (TJPR – AC 0066279-7 – (18238) – 4ª C.Cív – Rel. Des. Dilmar Kessler – DJPR 19.03.2001).
34 Cf. STJ, Resp 5.741-RS, j. 8.5.91; TJSP, RJSP 130/44.
54
6 REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA
José dos Santos Carvalho Filho conceitua requisição administrativa
como: “modalidade de intervenção estatal através da qual o Estado utiliza bens
móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo público iminente.”35
Para Hely Lopes Meirelles:
“Requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias.”36
Esse instrumento de intervenção do Estado na propriedade privada
está previsto no artigo 5°, inciso XXV da Constituição Federal, que autoriza a
autoridade competente, no caso de iminente perigo público, usar a propriedade
particular, assegurado ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
Assim como a maioria da doutrina expõe, a requisição teve origens
bélicas, evoluindo com o tempo e se dividindo em requisição civil ou administrativa e
requisição militar.
Requisição civil objetiva evitar danos à vida, à saúde e aos bens da
coletividade, ou seja, em casos de inundação, incêndio, etc. Por sua vez, a
requisição militar visa o resguardo da segurança interna e a manutenção da
Soberania Nacional, como por exemplo, em casos de conflitos armados, comoção
intestina, etc.
35 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 484.36 MEIRELLES, op. cit., p. 601.
55
Ambas são cabíveis em tempo de paz, conquanto que satisfeitos os
pressupostos do inciso XXV do artigo 5°. Quando em tempo de guerra, qualquer tipo
de requisição tem que atender os preceitos de lei federal (Decreto-lei n° 4.812/42).
A requisição tem como característica ser ato de império do Poder
Público, sendo ato discricionário quanto ao objeto e oportunidade. Com relação à
competência da autoridade requisitante, à finalidade do ato e ao procedimento
adequado, será ato vinculado, obedecendo sempre os mandamentos da lei. Ainda, a
requisição está condicionada à existência de perigo público iminente, e por esse
caráter de urgência, não necessita de autorização do Poder Judiciário para sua
execução.
São objetos da requisição os bens móveis, imóveis, semoventes e
até serviços. Entretanto, a indenização pelo uso desses bens e serviços é
condicionada. Vale dizer, o proprietário somente fará jus à indenização se a
atividade estatal lhe tiver provocado danos. Inexistindo danos, nenhuma indenização
será devida.
Doravante, deve ficar claro que a indenização, caso devida, será
sempre a posteriori, ou ulterior, como consigna a Constituição. E a regra é explicável
pela situação de urgência que gera a requisição, urgência naturalmente incompatível
com o processo moroso de apuração prévia do quantum indenizatório.
56
7 OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA
7.1 CONCEITO
A ocupação temporária está prevista no artigo 36 do Decreto-lei n°
3.365/41 e possui os mesmo fundamentos constitucionais das demais intervenções
estatais na propriedade, qual seja, função social exercida pelo Poder Público,
visando executar atividade de interesse coletivo.
Tem como conceito ser ato de império do Poder Público, exercido
quando a Administração necessitar de local para depósito de equipamentos e
materiais destinados à realização de obras e serviços públicos nas vizinhanças da
propriedade particular. Em outras palavras, os bens particulares são usados como
meios de apoio à execução de obras e serviços públicos.
Maria Sylvia di Pietro entende como passíveis de ocupação
temporária apenas os bens imóveis. A razão é simples. O objetivo desse instituto é
permitir que o Poder Público deixe alocados, em algum terreno desocupado,
máquinas, equipamentos, barracões de operários, por pequeno espaço de tempo.37
Assim sendo, os bens móveis são incompatíveis com esse objetivo.
Quando se colocam máquinas e materiais para alargamento de
asfalto em terreno particular contíguos a estradas, trata-se de ocupação temporária.
A ocupação de colégios para a realização de eleições também é ocupação
temporária.
37 DI PIETRO, op. cit., p. 128.
57
7.2 MODALIDADES, INDENIZAÇÃO E INSTITUIÇÃO
Para uma melhor compreensão do presente instituto, tanto para a
forma de instituição quanto para a fixação da indenização, cumpre distinguir a
ocupação temporária em duas modalidades.
Uma delas é a ocupação temporária para obras públicas vinculadas
ao processo expropriatório. Assim é em razão da expressa vontade da lei (artigo 36
do Decreto-lei n° 3.365/41). Neste caso, o uso temporário do imóvel pelo Poder
Público garante ao proprietário uma indenização, como se fosse um arrendamento,
porém, forçado.
O valor da indenização deve ser estabelecido de comum acordo
pelas partes envolvidas. Não havendo acordo, a fixação do quantum indenizatório
será de competência do Judiciário por provocação de qualquer das partes. Ainda, a
lei prevê ao proprietário a possibilidade de caução (garantia), por parte da
Administração, vez que o pagamento da indenização se efetiva depois da ocupação,
por ocasião da liberação do bem.
Como se trata de ocupação provisória em virtude de processo
expropriatório, o ato formal de instituição é indispensável. Faz-se mediante decreto
específico do Chefe do Executivo ou no mesmo decreto da desapropriação. A razão
para o formalismo é duas: a ocupação se estenderá por período superior à breve
ocupação; essa ocupação será indenizada.
A outra modalidade de ocupação temporária engloba as demais
obras e serviços públicos em geral, sem qualquer vínculo com o processo de
desapropriação.
58
A princípio, não será indenizável, como nos casos de obras em
estradas e de eleições em colégio. Entretanto, se por ventura a ocupação provisória
causar algum dano na propriedade privada, sob o manto da responsabilidade
objetiva a Administração terá que indenizar, restando ao particular provar apenas o
dano e o nexo de causalidade.
A instituição de ocupação provisória desvinculada de procedimento
expropriatório é auto-executória e dispensa ato formal. É o caso da ocupação de
colégios para a realização de eleições.
59
8 LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
8.1 NOÇÕES GERAIS
Na tentativa de adequar o uso da propriedade privada de maneira
mais benéfica à comunidade, o Estado faz uso de sua Soberania interna e impõem
algumas obrigações – positivas, negativas ou permissivas – aos proprietários. São
as chamadas limitações administrativas.
Segundo o conceito de Hely Lopes Meirelles, “limitação
administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública
condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências
do bem estar social.” 38
As limitações administrativas são de ordem pública, derivadas, na
maioria das vezes, do poder de polícia. São exercidas pelo particular como
obrigação de fazer (positiva – como no caso de limpar os terrenos baldios), não
fazer (negativa – a exemplo de não construir determinado número de pavimento, os
chamados “gabaritos de prédios”) ou suportar que se faça algo (permissiva – tolerar
e autorizar o ingresso de agentes sanitários para vistoria em um estabelecimento).
É imposição geral, pois não individualiza os seus destinatários,
apenas os indicando de forma genérica. Como exemplo, tem-se que todos os
proprietários de terrenos de certo bairro não podem ali instalar indústrias, por se
tratar de uma área residencial.
38 MEIRELLES, op. cit., p. 605.
60
Por ser uma imposição geral, assim como as leis – gerais e
abstratas –, não são passiveis de indenização, por não causarem prejuízos aos
individualizados.
Tem caráter unilateral, pois não cabe ao particular aceitar ou não a
imposição, e sim apenas cumpri-la. Não existe um acordo entre a Administração e
os particulares.
O seu fundamento encontra-se nos interesses coletivos e esbarra
nos direitos individuais constitucionais. Assim sendo, uma limitação administrativa
não pode ser tão arbitrária a ponto de inviabilizar o direito de propriedade.
É por meio das limitações administrativas - imposições urbanísticas,
sanitárias, de segurança, etc. – que o Estado visa transformar a propriedade-direito
na propriedade-função.
Apesar de não serem passíveis de indenização pelo Poder Público,
as limitações administrativas podem ser fontes de direitos subjetivos entre os
particulares, como por exemplo, entre vizinhos de um bairro residencial com relação
ao proprietário de um terreno naquele local que deseja instalar uma indústria. Os
primeiros podem exigir do segundo o atendimento das limitações administrativas,
qual seja uma, naquele bairro só existe construção de cunho residencial, e não
industrial.
Houve tempos quem negasse esse direito de ação ao vizinho que
quisesse, por exemplo, embargar obra alheia, com fundamento à distinção
romanística entre norma de direito público e de interesse privado. Entretanto, o
direito de vizinhança, que se encontra no Direito Civil (artigos 1.277 a 1.281 do
61
Código Civil) – e, portanto Direito Privado -, dispõe que as normas administrativas –
limitações administrativas – regulamentarão o direito de vizinhança.
De outra forma não poderia ser, com o intuito de melhor atender as
peculiaridades de cada cidade, o poder municipal lançar suas próprias limitações
administrativas.
Percebe-se então que as limitações administrativas - atos de Direito
Público – complementam as normas civis – normas de Direito Privado.
Neste diapasão, hoje se entende que “o proprietário lesado por obra
vizinha, erguida com infração de normas edilícias, tem ação contra o dono da obra e
contra a entidade pública que autorizou ilegalmente.”39 Esse também é o
entendimento do acórdão prolatado pelo STF.
8.2 DIFERENÇAS ENTRE A LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA E INSTITUTOS AFINS
Explicada a limitação pública calha dispor as diferenças entre esta e
os vários institutos afins, como por exemplo, o direito de vizinhança, a servidão
predial e servidão administrativa.
Enquanto que as restrições de vizinhança são estabelecidas nas leis
civis, resguardando apenas os direitos dos vizinhos, ou seja, uti singuli, as limitações
administrativas são normas de ordem pública, em benefício do bem estar social,
destinando a toda coletividade, inclusive entre vizinhos, ou seja, uti universi.40
Com relação à servidão predial, também não se confunde, pois é um
direito real sobre coisa alheia, enquadrando-se no ramo do direito civil, é ônus real
39 Cf. STF, RE 49.042-São Paulo.40 MEIRELLES, op. cit., p. 611.
62
que grava o prédio particular em beneficio de outro. Não existe a participação do
Poder Público e nem interesse coletivo.
Por fim, a servidão pública é ônus real imposto a específico imóvel,
mediante prévio ato declaratório, e com indenização nos casos necessários. Aqui se
visa a realização de uma obra ou serviço público, enquanto que a limitação visa
transformar a propriedade-direito na propriedade-função, além de ter caráter geral e
sempre gratuito.
63
9 TOMBAMENTO
9.1 CONCEITO
O último instituto de estudo de intervenção do Estado na
propriedade privada é o Tombamento. A justificativa continua sendo a função social
da propriedade, porém, neste caso ela se faz através da proteção ao patrimônio
cultural brasileiro.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto conceitua tombamento como:
[...] a intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico. 41
Para José Afonso da Silva:
Tombamento é, enfim, ato do poder público que, reconhecendo o valor cultural (histórico, arqueológico, etnográfico, artístico ou paisagístico) de um bem, mediante sua inscrição no livro próprio, subordina-o a um regime especial que lhe impõe vínculos de destinação de modificabilidade e de relativa inalienabilidade.42
Desse modo, com o intuito de preservar a memória nacional –
aspecto histórico de um país reconhecido por todos, que faz parte da cultura desse
povo e representa a fonte sociológica de identificação dos vários fenômenos sociais,
políticos e econômicos – o Estado restringe o direito de propriedade do particular.
A palavra tombamento é de origem lusitana, sendo que o verbo
tombar, no direito português, tem o sentido de inventariar, registrar ou inscrever 41 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1989. p.
318.42 DA SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 16ª ed., São Paulo: RT, 1991. p. 479.
64
bens. O inventário dos bens era feito no Livro do Tombo, o qual assim se
denominava porque guardado na Torre do Tombo. Neste local ficam depositados os
arquivos de Portugal.43
A idéia de proteção aos bens de interesse nacional está estampada
logo na Constituição Federal, onde dispõe que é dever do Estado garantir a todos o
exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional.
Conforme artigo 216 da Constituição Federal, constituem patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, portadores de referência
à identidade, à nação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
Assim, para proteger esse tipo de patrimônio extremamente
relevante para o interesse público e coletivo foram criados instrumentos que fossem
eficazes. O §1°, do referido artigo especifica quais são esses meios:
§ 1º. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (grifo nosso).
Ainda, regulamentando o instituto do tombamento, existe a
legislação infraconstitucional, como por exemplo, o Decreto-lei n° 25/37, que traça
as regras básicas e a fisionomia jurídica do instituto.
A lei geral do tombamento, propriamente dita, classifica quatro tipos
de documentos de registro: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Belas-Artes; e o
Livro do Tombo das Artes Aplicadas, cada um deles com um tipo de inscrição.
43AULETE, Caudas. Dicionário Contemporâneo da Língua portuguesa. 5 v., Rio,1958. p. 4994.
65
9.2 FUNDAMENTO JURÍDICO
Encontra fundamento o instituto do tombamento na Constituição
Federal. De forma implícita, está condicionada no dever de função social da
propriedade particular e, conseqüentemente, supremacia do interesse público sobre
o privado. De maneira mais clara, está previsto no artigo 216, § 1° da Carta Magna.
Desse modo, percebe-se que o tombamento é fundado na
necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social.
9.3 OBJETO
O alvo do tombamento, os bens considerados pelo valor histórico,
paisagístico, artístico etc., podem ser tanto bem móvel quanto bem imóvel.
Cumpre realçar, no entanto, que esses bens devem traduzir
aspectos de relevância para a noção de patrimônio cultural brasileiro.
Um ponto suscetível de dúvida é a possibilidade de florestas,
reservas naturais e parques ecológicos serem objetos de tombamento. Entretanto,
parece claro que não existe esta possibilidade, pois que, embora necessitarem de
institutos e medidas eficazes para a sua proteção, o tombamento não parece o mais
adequado. Para a proteção desses interesses difusos da coletividade existe, por
exemplo, a ação civil pública, regulada pela lei n° 7.347/85.
66
9.4 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica do tombamento também é questão não pacífica
pela doutrina. Celso Antonio Bandeira de Mello e Lucia Valle Figueiredo44 sustentam
a natureza de servidão administrativa. Paulo Affonso Leme Machado45, por sua vez,
defende que o bem tombado é um bem de domínio público. Há também, quem
defenda ser o tombamento um instituto de limitação administrativa, como Cretella
Junior. (rda 112/55).
Não pode ser considerada servidão administrativa, pois esta é um
direito real que incide sobre o bem, diversamente do que ocorre no tombamento.
Ademais, neste não existem as figuras de dominante e serviente. A noção de bem
de interesse público é muito vaga, não tendo efeito nem para justificar a intervenção
do Estado. Por fim, o tombamento não é limitação administrativa, pois esta oriunda
do poder de polícia e reveste de caráter geral, ao contrário do tombamento que tem
caráter específico e atinge bens determinados.
Assim sendo, sem embargos a existência de opiniões diversas,
assiste razão a corrente que sustenta ser o tombamento um instituto autônomo, que
a classifica como meio de intervenção do Estado consistente na restrição do uso de
propriedades determinadas.46
Pode-se também classificar a natureza jurídica dos atos do
tombamento, ou seja, vinculados ou discricionários. O ato será vinculado em razão
de só poder ser objeto de tombamento os bens que são relevantes do patrimônio
cultural brasileiro, não podendo tombar bens alheios ao interesse da nação. Em 44 DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 363;
e FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, 1995. p. 200.45 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento. São Paulo, 1986. p. 71.46 DI PIETRO, op. cit., p. 142; CARVALHO FILHO, op. cit., p. 497.
67
contrapartida, para se saber se o bem é ou não relevante para a cultura nacional, a
Administração realiza uma avaliação que é puramente discricionária.
9.5 INSTITUIÇÃO
Certo é que o tombamento deriva da manifestação da pessoa que
tem o dever de bem cuidar do patrimônio cultural brasileiro, ou seja, o Estado.
Contudo, o que não está pacífico entre os doutrinadores é o meio pelo qual se
institui essa medida de intervenção na propriedade privada.
Paulo Afonso Leme Machado e Pontes de Miranda entendem que
pode ser decretado o tombamento tanto por ato administrativo quanto por lei, sendo,
doravante, competentes o Executivo e o Legislativo.47
Entretanto, essa posição vem recebendo inúmeras críticas por parte
de demais estudiosos.
Assuntam primeiramente que a lei não pode instituir um
tombamento, pois que se assim fosse, perderia seu caráter de geral, abstrato e
impessoal, alcançando, portanto, bens determinados numa situação concreta. O que
a lei pode é legislar sobre as regras gerais desse instituto, ou seja, como a
Administração irá agir quando for intervir na propriedade privada alegando interesse
nacional na proteção de bens do patrimônio brasileiro.
Ademais, sendo o Legislativo competente para decretar o
tombamento, fica o particular totalmente prejudicado de discutir a questão, sendo
que, na seara administrativa existe um procedimento prévio em que há o conflito de
47 MACHADO, op. cit., p. 75; DE MIRANDA, Pontes apud CARVALHO FILHO, op. cit. p. 498.
68
interesses do Estado e do particular, onde, apenas quando não ocorrer acordo
amigável é que se procurará a via judicial.
Em razão dos motivos expostos, Hely Lopes Meirelles e Lúcia Valle
Figueiredo entendem, e parece estarem com a razão, que a instituição do
tombamento só pode ser formalizado por ato administrativo típico praticado pelo
Poder Executivo.48
9.6 PROCESSO ADMINISTRATIVO
O processo não tem rito pré-definido, podendo sua tramitação e os
atos que o compõem variar conforme a espécie do tombamento. Há, porém, alguns
atos que devem integrá-lo necessariamente. Um deles é o parecer do órgão técnico
cultural, que a nível federal é o IBPC – Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural.
Outro ato imprescindível é a notificação do proprietário, que, por sua vez, poderá
consentir com o tombamento ou impugnar a intenção de decretá-lo. Após, o
Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento define o processo,
podendo anulá-lo se houver ilegalidade; rejeitar a proposta do órgão técnico; ou
homologá-lo, se necessário o tombamento. Este se torna definitivo com a inscrição
no respectivo Livro do tombo.49
Calha dispor que durante todo o procedimento do tombamento, é
assegurado ao proprietário o princípio do devido processo legal, incluindo o direito
ao contraditório e a ampla defesa.
48 MEIRELLES, op. cit., p. 547; FIGUEIREDO, Lucia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. São Paulo, 1980. p. 16.
49 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 499.
69
Anote-se que ao proprietário do bem tombado é conferido o direito
de recorrer contra o ato de tombamento através de recurso impróprio, que tem
previsão no Decreto-lei n° 3.866/41, e é dirigido ao Presidente da República.
9.7 EFEITOS
De certo, sendo o tombamento uma medida intervencionista do
Estado na propriedade particular, importando ao particular restrições de uso e gozo
do bem tombado, produz, conseqüentemente, alguns efeitos importantes.
Conforme artigo 13 do Decreto-lei n° 25/37, o tombamento deve ser
registrado no Ofício de Registro de Imóveis, sendo averbado ao lado da transcrição
do Imóvel. Em caso de alienação do imóvel, o adquirente tem obrigação de levar ao
Registro de Imóveis a escritura pública ou o termo de contrato, bem como comunicar
a transferência ao órgão público cultural competente, sob pena de multa de dez por
cento sobre o valor do negócio.
Já o artigo 17 do mesmo Decreto-lei dispõe que é vedado ao
proprietário a demolição ou qualquer forma de destruição do bem tombado. Para a
realização de qualquer tipo de reforma é imprescindível autorização especial do
órgão competente.
Ademais, é dever do proprietário a conservação do bem dentro de
suas características culturais. Em caso de não prover de recursos para a
conservação, deverá o particular comunicar o órgão que efetuou o tombamento,
sendo que neste caso, a manutenção será arcada por este órgão.
O artigo 22 e parágrafos do Decreto-lei fala sobre o direito de
preferência, onde o particular deverá, necessariamente, ao alienar o bem, oferecer
70
por primeiro a União, ao Estado ou ao Município. Em caso de não respeitado o
direito de preferência, a lei culmina nulidade ao negócio, autoriza o seqüestro do
bem e pune com multa de vinte por cento sobre o valor do negócio ao alienante e
adquirente.
Calha dispor que a condição de bem tombado não impede ao
proprietário de gravá-lo livremente através de penhor, anticrese ou hipoteca.
Por fim, a restrição ao proprietário de usar e gozar o bem tombado
não pode ser absoluta, sendo que, se assim for, o instrumento de intervenção mais
adequado é a desapropriação, com sua respectiva indenização.
9.8 CONTROLE
Como todo ato administrativo, o ato de tombamento também se
sujeita a controle, sendo esse exercido na esfera administrativa e também judicial.
Na esfera administrativa, é lícito discutir questões de legalidade ou
conveniência dos atos. Será legalidade quando se referir aos vícios relativos aos
requisitos de validade do ato, como competência, forma e finalidade. Será questão
de conveniência quando se referir ao mérito do tombamento, ou seja, as razões
pelas quais levaram a intenção de tombar o respectivo bem.
Na esfera judicial, como ocorre com os demais atos administrativos,
é lícita, apenas, a discussão sobre a legalidade dos atos – competência, forma e
finalidade -, ficando vedada a apreciação de questões de mérito, sob pena de
interferência da autonomia dos três Poderes.
71
10 CONCLUSÃO
Tema de imensa relevância no sistema jurídico brasileiro, mais
atinente à Administração Pública, a Intervenção do Estado na Propriedade privada é
instrumento eficaz para que a função social da propriedade seja atendida.
Assim que as civilizações deixaram de lado o nomadismo, a
propriedade privada teve sua gênese. De primeiro plano começou por ser coletiva,
tornando-se posteriormente particular.
Na Roma Antiga era um direito absoluto, onde o proprietário tinha
total poder sobre a coisa. Hodiernamente, esse direito é relativo e condicionado.
Além de não poder fazer com o bem um uso anti-social, a propriedade tem que ser
produtiva.
Entretanto, o poder de intervenção do Estado está condicionado à
competência de cada ente estatal.
A Constituição Federal estabelece que compete à União legislar
sobre intervenção na propriedade. Já aos demais entes – Estados-membros, Distrito
Federal e Município – restou o poder/dever de executar as leis emanadas pela
União, podendo, em cada caso, em razão das diversidades de cada ente, legislarem
adjetivamente.
Os instrumentos que o Estado dispõe para condicionar a
propriedade de forma mais benéfica à coletividade são: desapropriação, servidão
administrativa, requisição, ocupação temporária, limitação administrativa e
tombamento.
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Desapropriação é a forma mais drástica de manifestação do poder
de Império do Estado. Está previsto constitucionalmente no artigo 5°, inciso XXIV.
José dos Santos Carvalho Filho conceitua desapropriação como
“procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a
propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social,
normalmente mediante o pagamento de indenização.” 50
Quando o Estado está diante da necessidade de promover uma
desapropriação, terá que respeitar os seguintes requisitos: ocorrência de
necessidade ou utilidade pública ou de interesse social e; pagamento de justa e
prévia indenização em dinheiro (salvo no caso de desapropriação para observância
do plano diretor do Município e desapropriação para fins de reforma agrária).
São objetos da desapropriação todos os bens e objetos patrimoniais,
ou seja, os bens móveis, imóveis, semoventes, corpóreos, incorpóreos e até direitos,
desde que tenham valor econômico. Por outro lado, os direitos personalíssimos e a
moeda corrente do país não são passíveis de desapropriação.
O sujeito ativo da desapropriação é o Poder Público – União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Já o sujeito passivo pode ser o
particular – o que ocorre freqüentemente – ou um outro ente público, porém, este
deve ser hierarquicamente inferior ao ente expropriante. O destinatário, da mesma
forma, pode ser tanto o particular, quanto um outro ente público - e suas autarquias
–, dependendo da motivação da desapropriação.
A desapropriação começa sempre com a declaração de
desapropriação. Daí por diante, se o particular concordar com o valor da indenização
ofertado, homologar-se-á a transferência da propriedade, sendo então, um acordo
50 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 510.
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amigável, administrativo. Caso o particular não aceite o valor da indenização, ou
perceba a existência de qualquer vício no procedimento, poderá recorrer ao
Judiciário para que solucione o impasse.
Quando o bem desapropriado não for utilizado para satisfazer
qualquer finalidade pública, ocorrerá desvio de finalidade, que nas palavras de Celso
Ribeiro Bastos, chama-se predestinação.51
Assim, havendo desvio de finalidade, ficará o ato expropriatório
sujeito à anulação e a retrocessão.
Ocorrerá anulação da desapropriação toda vez que o procedimento
expropriatório conter ilegalidade, seja formal ou substancial. Será ilegalidade formal
quando, por exemplo, resultar da incompetência da autoridade expropriante ou
qualquer outro vício na forma do ato. Por sua vez, ocorrerá ilegalidade substancial
quando a expropriação não estiver motivada pela finalidade pública, ocorrendo
desvio de finalidade, caracterizadora do abuso de poder.
Calha ainda dispor, que a anulação da desapropriação só é possível
se o bem não tiver sido transferido ao patrimônio público, em virtude dos bens
púbicos serem insuscetíveis de reivindicações (artigo 35 do Decreto-lei n° 3.365/41).
Retrocessão é um direito de preferência que assiste ao proprietário
em ser consultado primeiramente sobre sua intenção de readquirir o bem que
outrora lhe foi expropriado. Caso tenha vontade de readquirir o bem, terá que pagar
pelo preço atual e de mercado do mesmo.
A Administração pode ainda desistir da desapropriação. Toda vez
que ao avaliar a conveniência, oportunidade e razoabilidade de seus atos, poderá
51 BASTOS, op. cit., p. 350.
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mantê-los ou invalidá-los segundos as exigências do interesse público. Esse poder
de desistência funda-se no poder discricionário de que dispõe a Administração para
rever seus atos e adequá-los em benefícios de seus fins específicos.
A desapropriação é um instituto tão amplo e complexo, abrangendo
imóveis rurais e urbanos, que se considera a existência de vários tipos, a saber:
desapropriação por zona, desapropriação para urbanização ou reurbanização,
desapropriação para atendimento do plano diretor da cidade, desapropriação por
interesse social, desapropriação para reforma agrária, desapropriação indireta e
“desapropriação” de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas.
A servidão administrativa também é outro instrumento de
intervenção do Estado na propriedade privada.
José dos Santos Carvalho Filho conceitua servidão pública como “o
direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para
permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo.”52
Suas características são: ônus real incidente sobre um bem
particular com a finalidade de permitir uma utilização pública.
Pelo ônus suportado pelo particular, a Administração só irá indenizar
os danos efetivamente causados pela obra pública. Assim, se não houver prejuízo,
não haverá indenização.
Por fim, calha dispor que para a servidão pública ser formalmente
perfeita, é necessária o respectivo registro no Cartório competente.
52 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 478.
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Requisição administrativa é a utilização coativa de bens ou serviços
particulares pelo Poder Público, com eventual indenização ulterior, para atendimento
de necessidades coletivas urgentes e transitórias.
A requisição tem como característica ser ato de império do Poder
Público, sendo ato discricionário quanto ao objeto e oportunidade. Com relação à
competência da autoridade requisitante, à finalidade do ato e ao procedimento
adequado, será ato vinculado, obedecendo sempre os mandamentos da lei. Ainda, a
requisição está condicionada à existência de perigo público iminente, e por esse
caráter de urgência, não necessita de autorização do Poder Judiciário para sua
execução.
A indenização é eventual pois que, na inexistência de dano ao
particular, inexistirá o direito de indenização.
A ocupação temporária é ato de império do Poder Público, exercido
quando a Administração necessitar de local para depósito de equipamentos e
materiais destinados à realização de obras e serviços públicos nas vizinhanças da
propriedade particular.
Apenas são passíveis de ocupação temporária os bens imóveis.
Existem dois tipos de ocupação temporária. Uma é quando as obras
públicas estão vinculadas a um processo expropriatório, sendo, então, devida a
indenização. Outra é quando a ocupação temporária que não tem qualquer vínculo
com um processo de desapropriação. Nesse caso, geralmente não é indenizável.
Entretanto, caso o uso pelo Estado cause danos ao patrimônio, a indenização será
devida.
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Outro instrumento intervencionista é a limitação administrativa. Tem
a característica de ser uma imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública,
visando condicionar o exercício de direitos ou de atividades particulares às
exigências do bem estar social. 53
Pode ser substancializada por uma obrigação do particular de fazer
(limpar o terreno baldio), não fazer (não construir uma indústria numa área
residencial) ou suportar que se faça (suportar a vistoria da vigilância sanitária).
Por ser uma imposição geral, assim como as leis – gerais e
abstratas –, não são passiveis de indenização por não causarem prejuízos aos
particulares.
Difere-se das restrições de vizinhança, pois estas são estabelecidas
nas leis civis, resguardando apenas os direitos dos vizinhos, enquanto que as
limitações administrativas são normas de ordem pública, em benefício do bem estar
social de toda a coletividade.
Por fim, último instrumento do Estado que visa o bem estar da
sociedade, é o tombamento.
Visando preservar a memória nacional, o Estado restringe o direito
de propriedade do particular. Trata-se de uma medida de proteção.
Além de estar previsto constitucionalmente no artigo 216, § 1°, está
previsto no Decreto-lei n° 25/37.
A lei geral do tombamento, propriamente dita, classifica quatro tipos
de documentos de registro: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
53 MEIRELLES, op. cit., p. 605.
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Paisagístico; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Belas-Artes; e o
Livro do Tombo das Artes Aplicadas, cada um deles com um tipo de inscrição.
São objetos de tombamento os bens móveis e bens imóveis, desde
que possuam relevância para a noção de patrimônio cultural brasileiro.
O procedimento do tombamento não tem rito pré-definido, podendo
sua tramitação e os atos que o compõem variar conforme a espécie do tombamento.
Sua instituição, entretanto, deve ser feita sempre por ato administrativo típico
praticado pelo Poder Executivo.
Ademais, alguns atos devem necessariamente integrar o
procedimento: parecer do órgão técnico cultural, que a nível federal é o IBPC.,
notificação do proprietário e reavaliação do procedimento pelo Conselho Consultivo,
o qual poderá anulá-lo ou homologá-lo.
Consumado o procedimento do tombamento, produzirá então efeitos
que importarão ao particular restrições de uso e gozo do bem tombado.
Assim, explicadas as causas, os instrumentos e formas que
autorizam o Estado intervir na propriedade particular, cabe a ele usufruir-se do seu
poder/dever para bem adequar as propriedades à função social, lutando sempre
para o fim do grande abismo entre as classes sociais. Se a finalidade da intervenção
não for pública, o ato é manifestamente ilegal e enseja o uso dos remédios
constitucionais pelo particular.
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