Monografia Letras - Literatura e Cinema

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JULIANA CRAVO DOMINGOS LITERATURA E CINEMA O USO DE PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS NAS AULAS DE LITERATURA BRASILEIRA ITABIRA 2007

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JULIANA CRAVO DOMINGOS

LITERATURA E CINEMA

O USO DE PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS NAS AULAS DE LITERATURA BRASILEIRA

ITABIRA 2007

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JULIANA CRAVO DOMINGOS

LITERATURA E CINEMA O USO DE PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS NAS AULAS

DE LITERATURA BRASILEIRA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto Superior de Educação de Itabira da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira como requisito para obtenção de título de Licenciada em Letras

ITABIRA 2007

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A Eloiza Agusto, minha fonte de inspiração e grande incentivadora neste trabalho.

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RESUMO Na atualidade, o cinema configura-se uma arte em evidencia, merecendo atenção dos

estudiosos em literatura comparada, que sinalizam que, no que se refere a relação entre o

literário e o cinematográfico, cada vez mais um empresta do outro elementos constitutivos,

seja de enredo ou de estilo. No Brasil, com o processo conhecido como Retomada, na década

de 90, a produção nacional ganhou impulso e o que se tem observado é, cada vez mais, um

estreitamento de laços entre as obras da literatura brasileira e a produção fílmica, na medida

em que a última sorve particularidades da primeira para se construir. A partir da perspectiva

de intersecção entre os dois discursos, este estudo tem por objetivo discorrer sobre a adoção

do cinema como instrumento didático e pedagógico nas aulas de literatura brasileira, bem

como as implicações da instrumentalização da produção cinematográfica traduzida e suas

possibilidades educativas no que tange os estudos literários na escola.

Palavras-chave: cinema – literatura brasileira – recurso didático

ABSTRACT

Nowadays, the cinema is a kind of art in evidence, and it attracts attention of the research in

comparative literature. These researchers signal that, about the relationship between literature

and cinema, more and more one of them imparts to the other its constitutive elements, such as

plot and style. In the Brasil, with the Retomada process, in 90s, the national cinematographic

production had been incited and its possible to observe the narrowing of the bonds between

the brazilian literature and the filmic production, according as the cinema absorb literary

particularities for constitute itself. From the perspective of intersection between the two

discourses, this study has in view to discussion about the cinema adopt as didactic and

pedagogic instrument, as well as the implications of the translated cinematographic

production instrumentalization, and its educative possibilities in the literary studies.

Key-words: cinema – brazilian literature – didactic resource

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SUMÁRIO

1. Cinema e Educação

2. Adaptações Cinematográficas como instrumento didático-pedagógico

3. Propostas de trabalhos com produções cinematográficas: exemplos didáticos

4. Índice de obras literárias brasileiras adaptadas para o cinema

5. Conclusão

6. Referências Bibliográficas

7. Anexos

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RELAÇÃO DE TABELAS, GRÁFICOS E ILUSTRAÇÕES

1. Esquema 1: Procedimentos didáticos

2. Esquema 2: Procedimentos didáticos

3. Tabela – Análise de obra cinematográfica adaptada: O coronel e o lobisomem

4. Tabela – Paralelo entre filme e Livro: O coronel e o lobisomem

5. Tabela – Análise de obra cinematográfica adaptada: O coronel e o lobisomem

6. Tabela – Paralelo entre filme e Livro: O coronel e o lobisomem

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1. CINEMA E EDUCAÇÃO NO BRASIL

O cinema no Brasil surgiu no final do século XIX e suscitou discussões sobre suas

possíveis potencialidades. Conforme CATELLI (2003) a vinculação do cinema a educação no

país não constitui uma discussão recente: já no início do século XX, intelectuais, políticos,

educadores e cineastas já discutiam a viabilidade da adoção da produção cinematográfica

como recurso didático nas escolas. É importante ressaltar, nesta perspectiva, que o cinema

ganhou um caráter instrumental voltado para “educação industrial”, visto que no período de

implementação das propostas, os anos 20, vislumbrava-se os filmes literalmente educativos,

ou seja, de caráter didatizador: a intenção, a priori, não é a apreciação do filme enquanto

produção artística, mas sua utilização como um meio de persuadir e sedimentar nas massas

populares certos valores e conceitos defendidos pelas autoridades da época. De acordo com

CATELLI (s/d), a Alemanha Nazista e a Itália Fascista também atribuíram um estatuto

privilegiado ao cinema como educação das massas e propaganda ideológica, tendo sido

criados departamentos cinematográficos vinculados diretamente ao Estado. A estes dois

modelos de uso do cinema como instrumento político e pedagógico é que, mais comumente,

se referiam os formuladores do cinema educativo no Brasil, aparecendo também citações de

experiências realizadas nos Estados Unidos e à produção de filmes científicos franceses.

A literatura educativa sobre os anos 20 e 30 sinaliza que, no que tange a relação

cinema-educação, o mundo discutia amplamente no início do século XX as possíveis

analogias entre o comportamento humano em sociedade e as imagens cinematográficas, de

acordo com CATELLI (2003). As diversas áreas do conhecimento, como medicina,

psicologia, educação, religião e direito, buscavam tratar, como indicam artigos em revistas e

periódicos da época1, o “efeito” do cinema, o impacto da imagem cinematográfica, de que

modo o homem sorvia e processava essas imagens e de que maneiras isso afetava suas idéias

e concepções, e consequentemente, seu modo de agir.

Aqui, não se fala em arte, imagem, conversão e fusão de idéias interdisciplinares (a de

se frisar que não existiam ainda parâmetros e diretrizes curriculares nas diversas áreas das

ciências), mas do cinema tomado, concretamente, como um recurso metodológio, ao passo de

que, em 1937, o governo Getúlio Vargas assina lei nº 378, que cria o Instituto Nacional de

Cinema Educativo, cujo artigo Art. 40 assinala: "Fica creado o Instituto Nacional de Cinema

Educativo, destinado a promover e orientar a utilização da cinematographia, especialmente

1 FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.27

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como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral”2. Mais

tarde, com a criação do Instituto Nacional de Cinema – INC, o cinema educativo ganha um

departamento específico, o Departamento de Filmes Educativos, responsável pela produção e

distribuição de filmes às escolas. Portanto, o que se observa é que, embora já reconhecida a

vocação educativa dos filmes, as produções a que os educadores e as escolas lançam seus

olhares não são obras cinematográficas enquanto arte propriamente dita, mas vídeos

fabricados especificamente para os fins instrucionais da escola.

O fato é que, há um século, o cinema já arquejava viabilidade como ferramenta

pedagógica através de sua instrumentalização didático-formativa, mesmo que considerado

uma ferramenta cujo valor artístico e crítico era complemente ignorado. No Brasil, as

possibilidades didáticas e metodológicas de uso de produções cinematográficas foram se

ampliando, no século XX, através dos anos, no primeiro momento com a criação e

financiamento, por iniciativa do Governo, do INC (Instituto Nacional de Cinema), um

departamento específico cuja atribuição era tratar do cinema no país, e que posterioriormente,

se fundiu a Embrafilme, produtora de cinema financiada pelo governo responsável, além da

produção, pela distribuição dos filmes brasileiros. Mais tarde, a educação no Brasil daria o

salto no sentido de valorizar o cinema como instrumento e conteúdo de ensino: com a

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que preconizam que o cinema - entre

outros textos e mídias produzidos na sociedade contemporânea - devem fazer parte do

currículo de formação dos alunos, tanto como recurso didático como atividade do discurso,

explorada na escola enquanto arte de valor em si mesma.

Culturalmente, o Brasil tem tradição na adoção de filmes, mas trata-se de películas

produzidas especificamente para uso escolar: a adoção de produções cinematográficas

propriamente dita vêm ocorrendo nos últimos 20 anos, a medida em que os recursos

tecnológicos e estruturais, e também a disponibilidade de filmes no mercado comum passaram

a ser maiores.

Até 20 anos atrás, o professor de literatura que se propusesse a realizar um trabalho

dessa natureza esbarraria em um obstáculo intransponível: a carência de produções

cinematográficas brasileiras adaptadas de obras literárias. Houveram sim adaptações

cinematográficas de obras de literatura brasileira nas décadas anteriores, nos anos 60 e 70,

mas o mercado nacional voltou-se para até hoje lembradas pornochanchadas. Isso fez com

que as demais produções fossem “esquecidas” pelo mercado e que consequentemente se

tornassem de difícil acesso ao público em geral. Contudo, esse quadro vem se revertendo nos 2 Ministério da Cultura, Brasil, 2007.

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últimos anos, quando o cinema nacional ganhou fôlego com parcerias e apoio de produtoras

internacionais e ganhando prestígio junto ao espectador brasileiro.

Segundo AUGUSTO (2006), filmes de enredo, no Brasil, começaram a ser produzidos

a partir de 1908, com Nhô Anastácio Chegou de Viagem, de Júlio Ferrez. Ainda na década de

10 e cinema se transformou em um tipo de febre nacional, furor causado não só no Brasil nas

no mundo inteiro. Nas décadas seguintes, a produção cinematográfica no país ganhou

consistência e características próprias, mas foi só na década de 40, com a fundação da

produtora independente Atlântida, que o cinema nacional ganhou força e vislumbrou um

período de prosperidade, que declinou na década de 60 com a popularização da TV. O cinema

nacional viveu um período de hiato quase que total na década de 90, provocado pela extinção

do apoio estatal, medida do então presidente da república Fernando Collor de Mello.

A Retomada, nomeação dada ao período em filmes no Brasil voltaram a ser

produzidos, ocorreu em 1995, com o lançamento de Carlota Joaquina, uma modesta

produção de Carla Camuratti, mas que levou os brasileiros de volta ao cinema. De lá pra cá,

mais especificamente de 1995 a 2001, foram produzidos 167 longa-metragens, de acordo com

a Secretaria de Audiovisual3. A vitalidade da produção nacional nos últimos 7 anos é notável,

sobretudo no evidente número de filmes cujos roteiros são adaptações de obras literárias,

dentre as quais podemos citar Cidade de Deus, Central do Brasil e Lavoura Arcaica, sucessos

de público e de crítica.

Recentes produções têm resgatado também obras clássicas de nossa literatura, como

Memórias Póstumas e Dom, ambas adaptações de obras do escritor Machado de Assis.

Segundo DINIZ (2005, p. 13) “a prática de transformar uma narrativa literária em narrativa

fílmica espalhou-se a ponto de boa parte dos filmes ter atualmente, como origem, não um

script original, criado especialmente para o cinema, mas uma obra literária”.

Sendo assim, o professor de literatura dispõe na atualidade de um conjunto de obras

cinematográficas que lhe seriam de grande auxílio nas aulas, e que poderiam ser utilizados

como instrumentos pedagógicos para um trabalho de formação de leitores.

Essa acessibilidade de que goza, atualmente, o professor de literatura que se propuser a

trabalhar com cinema em sala de aula, advém de uma série de fatores que concomitantemente,

na última década, elevaram o cinema nacional a uma produtividade significativa, sendo que

grande parte destas produções têm o roteiro adaptado de obras da literatura nacional, clássica

ou contemporânea. Dentre estes fatores, pode-se citar os investimentos e apoio por parte do

governo e entidades públicas e privadas, o surgimento de produtoras independentes que

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buscam trabalhos inovadores e criativos, como a O2 Produções Artísticas e Cinematográficas

e Casa de Cinema de Porto Alegre, a captação de recursos internacionais além de parcerias

com distribuidoras de atuação global, como a Universal , Columbia e Paramount. Além disso,

no que diz respeito ao aspecto pedagógico do cinema, este tipo de trabalho ganhou voz a

partir da institucionalização dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que enfocam a

importância dos variados tipos de discursos e mídia na aprendizagem.

Outro fator importante para facilitação deste tipo de trabalho didático foi a

popularização do aparelho de DVD player e disponibilização de obras nacionais para mercado

de venda e locação4, além da crescente equipação das escolas da rede pública com aparelhos

de TV e DVD players5, que tornaram significativamente menor o hiato entre o aluno

(sobretudo o aluno carente) e a obra cinematográfica.

Existem também hoje uma movimentação, por parte dos profissionais da área de

cinema – diretores, roteiristas, produtoras, distribuidoras e atores –, no sentido de promover a

divulgação e popularização do cinema, do teatro e da literatura, ações que, em maior ou

menor grau, promovam um possível contato entre alunos e obras cinematográficas. Exemplos

disso são os eventos Mês da Popularização do Cinema e o Projeto Belocine, ambos

instituídos em 2006 pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, na tentativa de universalizar a

cultura cinematográfica na capital, assim como já acontece com o teatro na tradicional

Semana de Popularização do Teatro de Belo Horizonte.

Visto assim, pode-se concluir que o trabalho com cinema em aulas de literatura nas

escolas brasileiras já encontra uma série de fatores facilitadores e otimizadores para sua

realização efetiva nas escolas da rede pública.

Influência da realidade socioeconômica dos alunos e da escola na realização de

atividades com filmes

Fato consideravelmente relevante para o trabalho com cinema, as condições

socioeconômicas dos alunos determinam a metodologia do trabalho e podem limitar o leque

de exploração da obra. Por outro lado, as diferenças socioculturais podem enriquecer as

leituras que os alunos fazem dos filmes. A exposição de uma produção cuja realidade se

intercale a do aluno: por exemplo, a exibição de um filme cuja ambiência seja um ambiente

3 ORICCHIO, 2003, p. 27 4 ANEXO V: Pesquisa Data Folha (jul. 2006) 5 Em 2005, o MEC lançou o Projeto DVD Escola que distribuiu cerca de 60 mil aparelhos de DVD em escolas de todo o país.

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periférico em uma turma cujos alunos residam ou tenham contato direto com essa realidade de

bairros de periferias resulta, provavelmente, em reflexões de identificação, já que os alunos

conhecem intrinsecamente a realidade apresentada; o tipo de leitura que acontece, por parte

dos alunos, se lhes é exibido um filme cuja realidade seja antagonista a que eles vivem – a

ambiência periférica apresentada a alunos de classes A e B ou a ambiência elitista apresenta a

alunos de classes C, D e E – é de ordem hipotética e pressuposta, já que eles analisam a

história pelo viés de conhecimentos de mundo que, no plano geral, eles obtém por recursos de

mídia e inter-relações sociais, em suma, realidades que eles não vivenciam. Ambas as leituras

são produtivas e ricas, e permitem a exploração da obra em uma série de aspectos.

Por outro lado, se em uma análise pedagógica as diferenças sociais podem até

contribuir para a aquisição de conhecimentos sobre uma nova realidade, em uma esfera

técnica-metodológica a realidade de uma sala de aula pode limitar, ou até mesmo não

permitir, o trabalho com filmes. O fato se deve a uma série de elementos administrativos,

metodológicos e gerenciais da própria escola: embora as instituições públicas de ensino

recebam equipamentos de áudio e vídeo (Aparelho de Som, TV, DVD player), existem

indicações de que nem sempre é possível lançar mão destes recursos, como por exemplo, a

indisponibilidade de um espaço na escola para montagem de uma sala de vídeo e elevados

índices de furtos e vandalismo que não permitem a exposição dos recursos sem risco de perda

e/ou dano permanente, realidades comuns, sobretudo, às escolas que atendem a alunos

residentes em grandes conjuntos periféricos. Nesta perspectiva, ocorre o oposto quando o

trabalho é realizado em escolas que, embora da rede pública, atendam alunos de classe média

(B) e classe média baixa (C), pois neste ambiente já existe, por parte de alunos, pais e

comunidade, uma consciência cívica e conservadorista com relação ao patrimônio escolar

como um todo. Estas observações, feitas durante estágio curricular supervisionado, no período

de setembro de 2006 a junho de 2007, em duas escolas da rede pública da cidade de Itabira-

MG, ilustram a afirmação: ambas as escolas atendem alunos das classes B e C, contudo, a

realidade para realização de sessões de filmes é oposta: enquanto na escola A estes trabalhos

já fazem parte da rotina dos alunos, que conhecem os procedimentos e qual postura para o

trabalho, na escola B este tipo de atividade enfrenta problemas de ordem disciplinar e

burocrática (a liberação dos equipamentos deve ser feita mediante solicitação com

justificativa), além de, segundo relato de professores, episódios de vandalismo, danificação

dos equipamentos e até mesmo furtos já ocorrido na escola.

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As inúmeras barreiras enfrentadas pelo professor, sobretudo em escolas que

apresentem alto índice de violência e limitação de recursos, podem levá-lo a conceber como

inviável o trabalho nesse tipo de escola e a zonear seu trabalho de forma que ele só aconteça

em salas de aulas cujas condições (alunos e recursos) sejam totalmente favoráveis ao trabalho.

Entretanto, tal posicionamento, perpetua um sistema educacional no qual alunos mais carentes

são educados à margem da sociedade, já que ignorar a carência de muitos alunos aos meios de

cultura e entretenimento no Brasil não é só uma imprudência cívica, é também um

estouvamento didático porque ao professor e escola está delegada a responsabilidade de

formar cidadãos críticos e utilizar, obrigatoriamente, nesta formação os discursos produzidos

em todo o entorno social e global, conforme preconizam os PCNs, que ressaltam a

importância do uso e exploração dos diversos gêneros discursivos, dentre eles, o discurso

cinematográfico, na formação acadêmica do aluno.

Nesta perspectiva, o trabalho com cinema concatena-se diretamente à leitura e

valorização da literatura nacional, pois não se trata do estudo de um tipo de discurso, mas da

exploração das interações entre diversos tipos discursivos, em que uso do cinema como

instrumento pedagógico tenha como objetivo constituir um provocador do interesse do aluno.

A necessidade de instigar interesse no trabalho com leitura advém de discussões e reflexões

surgidas a partir de constatações dos graves problemas que o tema enfrenta dentro das escolas

brasileiras, sobretudo as públicas. Pesquisas recentes6 revelam que dois grandes obstáculos

que tornam a leitura tão inacessível: no que tange o fator econômico, é a falta de recursos

financeiros, já que um livro custa cerca de 10% do salário mínimo atual (R$350,007); quanto

ao fator cultural, tem-se o estigma dos cânones da literatura brasileira (taxados de “chatos”

pelos estudantes) como resultado não de um contato mal-sucedido entre o aluno e a obra, mas

do próprio valor ínfimo que o estudante dá a literatura, conceito decorrente de formação

literária que não instiga o conhecimento de obras artísticas, sejam elas de natureza literária,

plástica ou cinematográfica. É neste contexto que se insere o valor do objeto deste trabalho,

que tem como objetivo principal discutir como e porque o discurso cinematográfico se

constitui um recurso de importância e possibilidades variadas no trabalho e resgate da

valorização da literatura brasileira.

6 Anexo VI: Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2000) 7 Na data da pesquisa, o salário ainda não havia sido corrigido para R$380,00 (correção em maio/2007). Com o aumento, a proporção do preço do livro cai para 9%, contudo, a queda não constitui fator significativo na observação feita.

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2. ADAPTAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-

PEDAGÓGICO

SCORSI (2006) diz que “Se o cinema está impregnado da literatura, a literatura

moderna sorve os ritmos e modos do fazer cinematográfico. Linguagens convergentes, cinema

e literatura são linguagens do nosso viver urbano, contemporâneo, que se fixam em nossa

memória e nos educam cotidianamente”.

A literatura precede em milênios o cinema e por isso compõem-se esteticamente de

forma distinta: a literatura não se vale da estética da imagem, enquanto o cinema se constrói

sob ela. Ambas as linguagens, enquanto produto humano, se influenciam mutuamente. Entre

os meios literário e cinematográfico existe um paralelo comum, formado pelo diálogo e pela

imagem, sendo que no primeiro o texto propriamente dito é que acionará os sentidos e, na

mente do leitor, se transformará em imagem, enquanto no segundo imagens em movimento é

que serão expostas aos olhos do espectador, e serão decodificadas através das palavras.

A imagem (e o próprio conceito de imagem) apresenta-se de maneira distinta entre as

duas artes: como explica GUIMARÃES (1997, p. 68-74) a imagem na literatura texto é

simbólica e projeta-se na mente do leitor como um “cinema mental”, enquanto no cinema ela

é icônica e constitui-se de uma terceira dimensão lingüística: o aspecto visual, exterior ao

espectador. Nessa transposição do símbolo ao ícone, como afirma SAVERNINI (2004, p. 82),

“ a montagem em contraponto entre imagem e narração sonora potencializa o impacto sobre o

espectador. (...) Ao mesmo tempo, o espectador crítico também encontra espaço para

desfrutar o prazer da língua ” Essa interface e relação de apreensão entre cinema e literatura

seria uma hipótese para justificar o interesse que um desperta sobre o outro no

espectador/leitor.

Se antes, ao falar de literatura e cinema, a recomendação era “Leia o livro, veja o

filme”, essa ordem hoje se fez inversa. Num país como o Brasil, onde a maioria esmagadora

da população não lê8, é notável o fenômeno de vendagem que ocorre com alguns livros que

ganham adaptações cinematográficas ou televisivas. Exemplos disso são os “fenômenos

literários” ocorridos com obras como Hilda Furacão, adaptado para uma minissérie para a TV

Globo, e Um copo de cólera, de Raduan Nassar, adaptado para o cinema em 2000. Eventos

desta natureza mostram que, em maior ou menor grau, a produção cinematográfica pode levar

o espectador à condição de leitor interessado. Se pensarmos sob essa ótica, porque não levar

essa estratégia para as salas de aula?

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Vocação Educativa dos Filmes

Produções cinematográficas cujos roteiros sejam adaptações literárias encejam o

caráter imagético e romanciado próprio a produção fílmica, já que o recurso se vale da

estética das imagens, sendo natural o efeito plástico e fotográfico composto para a narrativa.

Observa-se esse caractere também nos documentários: essa modalidade de produção tem

como ponto referencial uma perspectiva emocional com relação a peça temática cuja obra

trata e não o objeto em si, como é próprio dos filmes educativos e/ou instrumentais.

É importante lembrar que a proposta de fusão entre cinema e educação parte,

inicialmente, do filme documentário, proposta do estudioso John Grierson para reforma

educacional, conforme explica CATELLI (2003). Já no início do século XX, o inglês John

Grierson propôs a renovação do processo educacional por meio de métodos educativos como

o cinema e o rádio. Sobre este primeiro, Grierson (apud Catelli, 2003) afirmava a importância

do seu uso na formação de cidadãos – aqui, é possível construir um ponto com os PCNs que,

entre outras coisas, preconizam a formação do cidadão consciente por meio de métodos e

recursos paradidáticos e tecnológicos presentes no mundo moderno. Na perspectiva de

Grierson, a imagem fílmica funciona como um descortinador aos olhos do homem, de forma e

reeducar seu olhar sobre o mundo, tornando-o crítico, assim como assinalam os PCNs.

O que se entende como educativo em produções cinematográficas germinadas a partir

de uma obra literária é o conjunto de possibilidades didáticas e cognitivas que se pode extrair

a partir de sua adoção como instrumento metodológico. Expandido a análise do caráter

multidisciplinar do cinema, assinala-se que o trabalho com produções cinematográficas tem a

possibilidade de intercalar propostas e atividades de diferentes disciplinas. O professor de

literatura que adote o recurso cinematográfico pode programar as atividades com professores

de outras disciplinas, o que amplia a exploração da obra, que poderá ser estudada em

diferentes perspectivas, daí seu aspecto interdisciplinar.

Há de considerar, também, no trabalho com filmes os conteúdos transversais:

DUARTE (2003, p. 24) afirma que “o cinema é um instrumento precioso, por exemplo, para

ensinar o respeito aos valores, crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades complexas”.

Sendo o cinema uma tradução da realidade remontada sob a base ficcional – assim

como a literatura – a temática transversal é pulsante e, deste modo, própria do texto, já que 8 Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2000)

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tais conteúdos tratam de processos que estão sendo vivenciados no cotidiano das pessoas e de

toda a sociedade.

SCORCI (S/D) considera essa relação entre cinema e literatura uma sintaxe transitiva:

segundo ela “as duas linguagens da arte influenciam-se mutuamente e participam da educação

do homem contemporâneo. Educação que se processa de forma espontânea, natural ou

formalizada nas instituições educacionais”.

Sendo assim, alfabetizar e didatizar na linguagem das imagens e sons em movimento

configuram-se um desafio para a escola que tradicionalmente encarrega-se da alfabetização da

linguagem literária.

Signo e a imagem: das letras à tela

A proposição do uso de filmes nas aulas de literatura não tem por objetivo, de forma

alguma, substituir a forma prosaica pela imagética: trata-se do uso de um em prol do trabalho

com o outro e não da adoção de um em detrimento de outro porque, afirma GUIMARÃES

(1997, p. 67), embora a separação entre o visível e o enunciável não seja algo desprovido de

conflito, nem estabeleça primazia do primeiro sobre o segundo “entre texto e filme já não se

trata da mesma coisa, já não há uma mesma informação. (...). De um signo a outro, do ícone

ao símbolo ou do símbolo ao ícone, abre-se uma zona potencial de significação, regime

instável, indeterminado.”

A exibição e discussão de uma produção cinematográfica são bastante produtivas,

contudo a proscrição da leitura da obra literária neste tipo de trabalho pode dar ao aluno a

falsa idéia de que cinema e literatura possuem a mesma estética e configuração, sendo que

isso de forma alguma é verdade. GUIMARÃES (1997, p. 69) explica que

ao contrário dos pressupostos que orientam esse tipo de comparação entre cinema e

literatura, o que o texto literário faz não é somente substituir a presença da imagem

(essa força que promove a ilusão de que há brecha alguma entre ela e seu objeto

dinâmico) pela sua re-presentação do discurso, mas também exibir a distância que as

separa.

Sendo assim, o professor deve ter clara a idéia de que o conceito de imagem é

diferente dos dois méis: no cinema a imagem emprega o efeito imagético próprio, a fotografia

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( a imagem captada pela visão) enquanto na literatura o signo lingüístico apresenta uma

visibilidade própria, duplamente fracionada:

A linguagem não é um meio homogêneo, ela é fracionada porque exterioriza o

sensível em presença, objeto, e fracionada porque ela integra o icônico ao articulado.

O olho está na palavra já que não há mais linguagem articulada sem a exteriorização

de um “visível”, mas ele ainda está na palavra porque existe uma exterioridade ao

menos gestual, “visível” no interior do discurso que é sua expressão. (LYOTARD

apud GUIMARÃES, 1997, p. 69)

No que tange a noção de imagem, mas especificamente a imagem verbal, Guimarães

(1997, p 79-82) lista diferentes tipos a se considerar:

A imagem perceptiva, aquelas que representam tanto o processo de percepção quanto

os objetos por ele apreendidos;

A imagem descritivo-diferencial, composta pelo narrador, mas sem que a atividade da

percepção seja apresentada, seja através do olhar ou de outro sentido;

A imagem referida, aquela a que o texto faz referência, e cujo suporte não é de

natureza verbal (imagens pictóricas, fotográficas, cinematográficas etc.);

A imagem da memória, aquela do cinema que é constitutiva da experiência do

personagem narrador, formadora de uma daquilo que só se experimenta através do

cinema.

O que se pretende mostrar é que a tradução literária-cinematográfica não se processa

de maneira unilateral: se num primeiro momento o cinema, regime das imagens-movimento,

busca uma forma narrativa a partir do texto literário, a literatura empresta ao cinema

procedimentos e temas que modificam-lhe a própria estrutura narrativa, como explicita ainda

GUIMARÃES (1997, p. 118):

As imagens, possuidoras de alma e voz, cada vez mais próximas do mundo real e

habitável, se viam agora submetidas a uma coordenação linear que, retirando-lhe a

simultaneidade e a descontinuidade, tornavam-nas mais legíveis. Assim fazendo, o

cinema incorporava os traços principais da representação teatral, pictórica e

romanesca clássicas.

DUARTE (2002) afirma que “ver filmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras

literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. Ou seja, uma prática não substitui a outra. É

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necessário que não se perca de vista que se trata de um trabalho de interseção, não de

substituição, entre o discurso literário e o discurso fílmico.

Há de se considerar, sempre, que se trata de duas diferentes manifestações discursivas,

ainda que, no caso da adaptação cinematográfica de uma obra da literatura, o cinema

configure-se uma tradução do texto literário que, na atualidade, conforme explica DINIZ

(1999, p. 15-16) constitui uma tradução cultural, “aquela que incide sobre as unidades

significativas, inseparáveis da transmissão do tema (...) As técnicas usadas pelos cineastas

seguem, evidentemente, o estilo pessoal de cada um, incorporando a respectiva visão de

mundo. Não deixam. Ademais, de acompanhar as tendências de cada época”. Conforme a

autora, a tradução, recurso efetuado desde os tempos romanos, é um “texto alusivo a outros

textos, mantendo com eles uma relação de representatividade”. Trata-se, portanto, da tradução

intersemiótica. Não obstante, uma análise sob o viés da Semiótica, ciência geral dos signos e

da semiose, não será aqui realizada, uma vez que o objeto de estudo deste trabalho não foca a

questão da tradução de obras literárias para o cinema, mas o uso de obras traduzidas.

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3. PROPOSTAS DE TRABALHOS COM PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS:

EXEMPLOS DIDÁTICOS

Com vistas a ilustrar as proposições teóricas apresentadas neste trabalho com relação a

realização de atividades com produções cinematográficas em sala de aula a partir de obras

literárias, seguem duas propostas de trabalho desta natureza: a primeira com uma obra da

literatura contemporânea adaptada para o cinema em 2005, a produção O coronel e o

lobisomem; a segunda proposta é de um clássico da literatura brasileira, o filme A cartomante,

adaptado da obra homônima de Machado de Assis. Contudo, antes de apresentar estas

propostas, alguns pontos teóricos e metodológicos sobre a adoção do cinema como recurso

didático serão levantados.

3.1. Planejamento das atividades com filme

Para que o trabalho com filmes adquira resultados significativos, é necessário, em seu

planejamento, organizar as etapas de sua realização com minúcia, uma vez que lacunas e/ou

procedimentos mal elaborados podem desfigurar a proposta e os propósitos a serem

alcançados, dispersando os alunos e guiando a aula para outro norte, não desejado.

Há de se observar, segundo NUNES (s/d), sobretudo os seguintes procedimentos por

parte do professor:

1. Assistir previamente o filme, anotar aspectos importantes que ele possui, de acordo

com os objetivos traçados para a aula;

2. Estar atento a todas as possibilidades que o filme oferece;

3. Elaborar esquemas sobre o discurso do filme, de forma a possibilitar, mais tarde, um

paralelo mais pontual entre a obra fílmica e a literária;

4. Realizar uma pesquisa informativa sobre o conteúdo do filme, de forma a identificar

lacunas, erros conceituais ou quaisquer outras falhas que o material possa apresentar,

não para fins de exclusão, mas de observação;

5. Esquematizar, previamente, um paralelo completo entre filme e livro

6. Realizar uma preparação dos alunos antes de verem o filme, de forma a despertar

interesse, introduzir alguns aspectos da obra e sondar informações que os alunos já

tenham.

7. Avaliar a atividade em um plano global, nas instâncias oral e escrita, os conteúdos

conceituais, atitudinais e comportamentais.

Page 19: Monografia Letras - Literatura e Cinema

19

3.2. Possibilidades práticas na realização do trabalho

O educador João Luís Almeida Machado (s/d), lista algumas observações sobre o

trabalho com cinema aliado a literatura listados a seguir:

• Detalhes apresentados na leitura e inéditos no filme podem servir como fator

de motivação para as propostas de trabalho com o filme.

• Idéias negadas ou omitidas no filme e apresentadas no livro nos permitem

fazer um trabalho de confrontação entre o escritor e o diretor e o roteirista do

filme.

• Na equiparação entre as idéias projetadas pela leitura e aquelas materializadas

pelo filme pode-se propor uma atividade através da qual se faça um trabalho

de construção de textos ou produções artísticas (story-boards, histórias em

quadrinhos, mangás, desenhos, maquetes) em que a visão do leitor seja

colocada lado a lado com a do cineasta.

• Podem ser pedidas descrições dos trechos dos filmes trabalhados e, numa

etapa posterior, esses trabalhos podem ser colocados lado a lado com a

produção do escritor.

Há outras alternativas, passíveis de utilização, quando se realiza um trabalho conjunto

em que unimos as letras e a sétima arte. Cabe a nós criar novos pontos de encontro, novas

possibilidades. São recursos ricos e exuberantes, que nos convidam a criação, e temos que

fazer com que não sejam perdidas as oportunidades de realização.

3.3. Seleção de filmes para utilização em sala de aula

O processo de seleção de um filme para exibição em sala de aula se articula,

hierarquicamente, com o planejamento de aula para dado conteúdo, uma vez que as obras e

escolas literárias brasileiras são estudadas dentro de um planejamento curricular, geralmente

executado pelos professores em sua seqüência original. Então, o trabalho com filme vai de

encontro aos objetivos específicos que este professor pretende alcançar com estudo de

determinada obra; nesta perspectiva, cabe aqui um questionamento: em que medida a inversão

desta ordem pode ser empregada? O movimento contrário – a definição de objetivos

específicos a partir da análise das possibilidades que a obra fornece – não constitui uma

Page 20: Monografia Letras - Literatura e Cinema

20

metodologia arbitrária, além do fato de ampliar, exponencialmente, o leque de exploração

semântico e discursivo da produção estudada: basta analisar a cadeia que se forma em cada

um dos procedimentos metodológicos.

Num trabalho cujo objetivo principal seja a alcançar objetivos específicos diretamente

relacionados a conteúdos pré-determinados, os procedimentos seguem as seguintes etapas:

Já numa proposta de trabalho que pretenda explorar a obra como um todo, este

movimento defini-se da seguinte maneira:

Ambos os roteiros são plenamente possíveis, contudo é notável que a exploração da

obra no segundo roteiro requer mais tempo e senso crítico e analítico dos alunos para se

concretizar com êxito. O fator tempo, como já é sabido na comunidade acadêmica, é um

ponto delicado, já que os professores têm cronogramas e planos curriculares a serem

cumpridos e, em certa medida, sabemos que o volume de conteúdo preconizados pelas

matrizes é muito denso e por essa razão fica difícil realizar um trabalho que demande um

pouco mais de tempo.

Obra Literária e/ou conteúdo didático

Definição de objetivos

específicos

Triagem da obra cinematográfica (de

acordo com os objetivos específicos)

Busca de metodologias para exploração dos

objetivos específicos na produção

cinematográfica/literária

Exploração aspectos que remetam a estes

objetivos (exploração fragmentária, objetiva e pontuada da obra)

Obra cinematográfica + obra literária

Exploração das possibilidades

conceituais na obra

Busca-se estabelecer conexão de conteúdos

entre as obras e metodologias que

possibilitem tais exames

Constrói-se o conjunto de objetivos a serem

alcançados a partir daquilo que a obra oferece.

(exploração no sentido hiperônímico - partindo do todo em direção a parte -,

direcionado a partir de conteúdos e em

movimento espiralado)

Estabelecimentos de metodologias que

permitam alcançar os objetivos demarcados

Page 21: Monografia Letras - Literatura e Cinema

21

Conquanto, o objeto da discussão são os critérios relevantes na seleção de um filme, e

aqui se articulada a discussão anterior: o primeiro fator é o tempo. Obviamente, todo

planejamento didático exige cálculo aproximado do tempo a ser destinado a sua realização, e

no caso do uso de filmes o planejamento demanda tempo para realização da atividade. Ter-se-

á de observar, então, como esse planejamento poderia ser encaixado no plano de etapas do

currículo escolar, como disponibilizar o tempo necessário para a atividade. O professor deve

estar atento a duração do filme, bem como a exploração posterior a sessão (caso ela demande

reprise de alguma cena ou fragmento).

Outro critério relevante na seleção de um filme é disponibilidade do material no

mercado. Quanto mais fácil o acesso, mais possibilidades para exploração da obra se abrem.

Se o professor realiza um trabalho com um filme que os próprios alunos possam ter acesso,

por meio de locadoras, por exemplo, ele simultaneamente amplia o leque de trabalho abrindo

possibilidade para trabalhos extra-classe e otimiza o tempo, já que pode solicitar aos alunos

que realizem, fora do horário das aulas, a sessão, em grupos ou individualmente. Por outro

lado, se o professor opta por um filme de acesso mais restrito, como os encontrados para

venda em lojas especializadas do ramo, ele também impossibilita alguns tipos de trabalho,

como o anteriormente citado.

O terceiro fator na seleção de um filme é a relação que a produção cinematográfica

estabelece com o livro. Há de se considerar que, se o filme desvirtua por completo a obra

escrita, deve-se analisar em que medida e, se ainda sim, ele oferece alguma possibilidade de

uso pedagógico. Existem também filmes cujo teor erótico ou exposição genital podem

provocar reações de repulsa ou euforia nos alunos. Deve-se optar, então, no caso de turmas

muito jovens ou imaturas para exposição de tal conteúdo, pela supressão desses fragmentos

ou seleção de outra adaptação do mesmo livro9.

Outro fator na seleção, é a relevância para o trabalho com a obra literária. Não se trata

de desmerecer o filme, até porque o cinema é uma arte com valor em si mesma e como tal, o

professor deve sim explorar o cinematográfico na escola. Mas no caso da Literatura, o

professor deverá atentar para as intersecções que se estabelecem entre obra escrita e sua

tradução para as telas porque o olhar que, tanto o roteirista quanto o diretor dão a uma obra é

o reflexo de uma leitura possível dessa obra. No caso de adaptações que tomem a obra como

base para reinvenção do próprio enredo, esse cuidado deve ser ainda maior, uma vez que a

relação de distanciamento, esse paralelo que será criado de, ora aproximação, ora afastamento

9 Não é incomum encontrar uma mesma obra adaptada para o cinema mais de uma vez: é o caso de Memória Póstumas de Brás Cubas, adaptado para o cinema 3 vezes, nas décadas de 70, 80 e anos 2000.

Page 22: Monografia Letras - Literatura e Cinema

22

volta-se para uma análise crítica comparativa, e não constitutiva. Por outro lado, haverá filmes

cujo trabalho e intento seja reproduzir no cinema a trama escrita, logo, uma relação cuja

aproximação é maior e olhar analítico mais constitutivo, ou seja, como o cinema busca

concretizar as imagens simbólicas do discurso literário. Nesta perspectiva, entende-se a

tradução para as telas de um dado texto literário como uma interpretação e posterior

montagem imagética de uma interpretação do texto traduzido.

3.4. Critérios de Análise de Produções Cinematográficas10

Para elaboração de uma ficha de análise de filme11, foram listados e selecionados os

itens de ordem metodológica, didática e pedagógica mais relevantes a instrumentalização do

filme como recurso escolarizado:

1. Indicação etária: este é um dos primeiros critérios a ser observado pelo professor ao

planejar a aula, uma vez que o filme pode contemplar vários aspectos da obra e

oferecer possibilidade de trabalho amplo, contudo se a produção exigir um

determinado de grau de maturidade do aluno para o seu entendimento e sessão, o filme

se torna adequado. Indicação etária aqui não se refere pura e simplesmente a

classificação indicativa que os próprios filmes apresentam segundo normas da

Associação Brasileira de Cinema, mas todo o contexto sociocultural e emocional em

que se insere a turma em que se pretende desenvolver a aula;

2. Nível de fidelidade a obra original literária: num primeiro momento, poder-se-ia dizer

que um filme só se torna válido como instrumento didático se seu enredo mantém

pontos de encontro com a obra literária na qual se baseia. Contudo, há de se considerar

que, um distanciamento de um filme da versão literária que o originou podem

constituir a leitura que o realizador faz do texto, assim como intenciona traduzir essa

leitura nas imagens fílmicas. O afastamento pode se relacionar com implícitos textuais

que o cineasta que sobrepor a obra, como críticas sociais e questionamentos

psicológicos. Produções reambientadas (mudanças de época, inversão de personagens

e ambiências, por exemplo) não constituem a anulação do filme como objeto de estudo

paralelo a obra porque, em maior ou menor medida, o enredo conserva as

características primárias da obra, como a caracterização composicional específica que

o autor lhe confere e as marcas discursivas que lhe aferem personalidade, uma vez que

10 Anexo II 11 Anexo III: Ficha de avaliação de obra cinematográfica adaptada

Page 23: Monografia Letras - Literatura e Cinema

23

por mais que o roteiro reinvente a enredo literário, a obra fílmica adaptada tem sempre

por base original a obra escrita.

3. Críticas/Resenhas da obra: em um plano geral, este material deve ser usado como

apoio no momento de seleção de filmes (em um planejamento de seqüência didática,

por exemplo), e em um plano mais específico serve de referência de outros olhares sob

uma mesma produção. Resenhas provenientes de revistas e críticos reconhecidos

devem ser a fonte de consulta, uma vez que o meio digital pode oferecer uma

enormidade de informações e resenhas de uma obra, sem contudo, que o analista

responsável pela crítica lance sobre a obra uma opinião profissional, isenta de paixões

(é muito comum encontrar em sites de grupos de interesse específicos, sobretudo da

área de literatura e cinema, críticas e resenhas literárias que engrandecem ou

minimizam a condição verdadeira de uma dado material, não explorando uma série de

aspectos relevantes sobre a produção analisada). Ressalta-se que é interessante coletar

um corpo com 3 a 5 resenhas, e notar a análise de cada resenhista, observando o

veículo para o qual escreve;

4. Temática central: esse critério ao mesmo tempo contempla e associa-se ao segundo

apresentado, a medida que se refere diretamente ao enredo do filme;

5. Temas transversais: de uma forma dialética e flexível, este critério corresponde ao

levantamento de possibilidades de discussão e trabalho de temas transversais

relacionados a obra, conforme os interesses e objetivos do próprio professor traçados

no planejamento didático;

6. Acessibilidade: critério importante a ser observado, a acessibilidade funciona como

um facilitador ou dificultador do trabalho com filmes na medida em que a obra for

mais ou menos disponível. O que o professor deve ter em mente é que quanto mais

acessível o filme, maiores são as possibilidades de exploração da obra (por exemplo,

um filme que pode ser encontrado pelo próprio aluno em uma locadora abre espaço

para um trabalho extra-classe);

7. Pertinência para o trabalho com a obra literária: este critério deve ser utilizada a luz

dos próprios objetivos traçados pelo professor com relação a exploração da obra

literária como uma forma de otimização e pontuação do trabalho e ser realizado;

8. Teor ideológico: não se trata do critério mais relevante, mas o teor ideológico de um

filme é um reflexo claro da leitura que um cineasta faz a um dado enredo e é nesta

perspectiva que se insere nesta análise, uma vez que é essa percepção crítica e pessoal

que se pretende buscar num trabalho de comparação paralela;

Page 24: Monografia Letras - Literatura e Cinema

24

9. Apresentação de convencionalismo com relação a grupos/indivíduos específicos: este

seja talvez o critério mais polêmico da ficha de análise, uma vez que a noção de

preconceito pode variar de acordo com o olhar que é lançado sob a forma como o tema

é retratado no filme. Aqui, me limito a explicar este critério como um filtro para

formas abertas, concisas e marcadas de rotulação e cuja retratação na obra fílmica

possa encerrar um valor emocional específico, mas que esteja além do nível de

entendimento crítico do espectador-aluno. É importante lembrar que

convencionalismo não é sinônimo de preconceito, mas como uma figuração ortodoxa

de imagens sociais, e que merece atenção uma vez que pode ofender direta e

emocionalmente algum aluno e/ou participante da aula.

3.5. Exemplos didáticos

3.5.1. Proposta com o filme O coronel e o lobisomem

Seleção do filme e análise geral

O filme foi selecionado, tendo como objetivo o estudo de uma obra da Literatura

Contemporânea. Direcionando os trabalhos para uma turma do último ano do Ensino Médio,

foi escolhida a obra de João Candido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem: deixados do

Oficial Superior da Guarda Nacional, Ponciano de Azaredo Furtado, natural da Praça de

São Salvador de Campos dos Goitacases, obra lançada em 1967 e adaptada para o cinema em

2005 por Maurício Farias. De modo geral, um dos aspectos que mais atrai atenção no livro é a

linguagem, mas propriamente, como ela é simultaneamente expressão de período histórico,

espaço e constituição dos personagens da obra de João Candido de Carvalho, que transpõem

personagens, espaço e linguagem típicos da cultural nordestina e da literatura de cordel para a

ambiência em que a história se insere, a cidade fluminense de Campo dos Goitacazes.

Representante do realismo fantástico, modalidade literária de origem hispânica, composta

pela fusão do real e do ficcional com elementos fabulares e fantásticos e que volta-se para a

crítica social , a obra funde esse realismo mágico a um retrato da um momento histórico

brasileiro: o da sociedade patriarcal brasileira, que valorizava a idéia de coragem amarrada a

elementos místicos como crendices e superstições.

A manutenção da essência do enredo no filme é outro aspecto a ser ressaltado: a

história de um personagem atípico, Ponciano Azeredo Furtado, oficial da guarda superior,

mentiroso compulsivo que se configura um herói de sua cidade por razão de suas aventuras

Page 25: Monografia Letras - Literatura e Cinema

25

fantásticas, narradas por ele. Ponciano usa a “reinvenção de suas vivencias”, acrescentando a

elas elementos fantásticos e heróicos, como o assustador lobisomem e a encantadora seria

Esmeraldina, como forma de tentar impedir que a posse de sua fazenda, herdade de seu avô

Simeão, caia nas mão de seu maior inimigo, Pernambuco Nogueira.

Análise da obra cinematográfica adaptada

Obra analisada O Coronel e o Lobisomem

Indicação etária

O filme apresenta elementos culturais próprios do momento político

em que se insere, como o poder e influencia política de coronéis e

senhores de terras, crenças e formas de relacionamento parental. O

filme pode ser trabalhado livremente com alunos a partir da 5ª série,

que já estão estudando alguns aspectos geográficos (sociais e

morfológicos) do país. Quanto maior o nível de conhecimento dos

alunos sobre a cultura fluminense do início do século XX, mais

degustado o filme será, embora sua sessão possa ser vista sem maiores

prejuízos de entendimento para estudantes que desconheçam as

especificidades da realidade do espaço apresentado, levando-se em

conta que certos elementos como abuso de poder, malandragem,

agiotagem e o discurso típicos dos conhecidos “contadores de caso”,

pessoas que narram relatos inverídicos de sua vida, são de

conhecimento dos jovens brasileiros.

Page 26: Monografia Letras - Literatura e Cinema

26

Nível de fidelidade a obra literária

O filme concatena-se intimamente com a obra: extraídas as passagens

finais, que na adaptação para o cinema ganhou um desfecho mais sutil

associado a sugestão da morte de Ponciano, mas construído a partir de

elementos do próprio enredo, o filme dá enfoque a temática central do

livro sem alterar o enredo original, que sofre supressões, por questões

ligadas a constituição do próprio suporte do filme (o filme enfoca uma

das histórias fantásticas de Ponciano e se constrói costurando os

demais elementos do enredo a esse ponto selecionado), já que o livro

traz na verdade uma série de histórias da vida do coronel e que não

caberiam no roteiro de um único filme. As supressões se explicam,

coerentemente, no fator tempo que se relaciona a produção de um

filme. Em suma, pode-se dizer que o filme conserva as principais

características da obra original, sendo que um dos pontos mais

marcantes do romance, o intenso trabalho com a linguagem, no filme é

bastante valorizado. Embora o lobisomem citado do título, na versão

literária livro se encaixe na idéia da configuração de Ponciano como

um contador de caso, sendo conteúdo de um dos relatos de façanhas do

coronel, e já no filme ele ganhe um papel de destaque, essa

reconfiguração de elemento não traz prejuízos a obra traduzida.

Críticas/Resenhas da obra

Foram escolhidas, como instrumentos de auxílio de análise, duas

resenhas: uma de Eduardo Simões, da Folha de São Paulo, e outra de

José Geraldo Couto, da revista Bravo12.

Temática central

A crítica social em torna de uma estrutura social hierárquica patriarcal,

movida pela disputa de poder, ganância pela obtenção de propriedades,

inclusive o que pertence ao alheio a partir de um personagem anti-

heróico, que, estereotipada na figura que faz uso do “jeitinho

brasileiro” para resolver seus problemas, conhecida na cultura do

Brasil.

12 Anexo IV

Page 27: Monografia Letras - Literatura e Cinema

27

Temas transversais Pluralidade cultural, Justiça

Nível de Acessibilidade

Fácil acesso (o filme foi encontrado em 4 locadoras, sendo 1 de

grande porte, 1 de médio porte e 2 de pequeno porte, o que releva o

interesse do mercado na distribuição da obra. Foi também encontrado

disponível para compra em lojas de discos, hipermercados e grandes

redes)

Pertinência para o trabalho com a obra literária

A existência de uma intersecção entre os enredos, com enfoque no trato da linguagem,

faz saltar aos olhos do educador crítico que um trabalho mediado por ambos os recursos

enriquece a leitura da obra como um todo. Portanto, em o Coronel e o Lobisomem, o trabalho

com a obra fílmica é essencial para a construção do paralelo comparativo pelo qual o aluno

poderá, caso a sessão do filme seja feita anteriormente a leitura, ser despertado para um

interesse de ler o livro e realizar uma leitura pontuada, ressaltando os pontos de encontro das

obras, os fragmentos e episódios do livro suprimidos no enredo do filme, analisando o olhar

que o diretor lança sobre a história e as conseqüências dessa supressão, e comparando os

fragmentos traduzidos, interpretando como a construção da imagem acontece no filme e no

livro. Pode-se comparar também o desfecho apresentado no filme que, embora se intercale

com o discurso escrito do livro, toma nova forma e é reconstruído no formato

cinematográfico.

Teor ideológico do filme

Numa releitura da figura do brasileiro picareta, eternizada por Macunaíma, “o herói

sem caráter”, o filme trata como esse tipo conhecido faz uso e abuso da força do argumento

fantástico e do convencimento por meio do viés dramático, teatralmente falando, para salvar-

se. A diferença entre Ponciano e outros “heróis às avessas” representados no cinema, é que

dessa vez não se trata de algum gatuno que tenta sobreviver ou explicar seus infortúnios por

meios mirabolantes e mentirosos, mas um estereótipo do brasileiro marginal, representante

legítimo aquele que tenta, por meios alternativos, no caso em estudo, a mentira eufemisada no

Page 28: Monografia Letras - Literatura e Cinema

28

“relato fantasioso”, para acessar aquilo que precisa: o personagem da vez faz parte da elite - é

um coronel. Quanto a exposição da temática, a obra não traz nenhum juízo de valor.

Análise lingüística do discurso do filme

O filme tenta reproduzir, com certo sucesso, o discurso prosódico do livro: a

linguagem própria das figuras, sobretudo do Coronel Ponciano, que é composta por

neologismos reincidentes, evoca a noção de variação lingüística e se associa diretamente a

uma reflexão do valor da linguagem como constituinte e elemento que reflete a identidade

cultural de um indivíduo, como pode-se observar a partir da perspectiva de análise lingüístico

que é lançada sobre a personagem no próximo item desta análise.

Análise das possibilidades de trabalho que a obra oferece

Obra da literatura contemporânea brasileira, O coronel e o lobisomem oferece

múltiplas possibilidades de trabalhos:

• Da perspectiva literária, o Coronel e o Lobisomem pode ser trabalhado através do

paralelo de interpretação de leitura entre filme e livro, ressaltando pontos de encontro

e diferenças; com enfoque para a interpretação textual, a formação e o trabalho com a

imagem, os diferentes olhares que se lançam sobre o valor das obras; com enfoque

para os elementos, do filme e do livro, da literatura contemporânea, bem como quais

elementos são ressaltadas em cada um dos recursos. Destaca-se a possibilidade de

trabalhar os elementos do realismo fantástico, destacados tanto no livro como no

filme, estilo cujas noções podem ser bem pontuados nos textos: características como a

captação, pelos personagen, de elementos mágicos ou fantásticos como parte da

realidade concreta, a presença do sensorial como parte da percepção da realidade, a

percepção do tempo como cíclico, e não como linear, a transformação do comum e do

cotidiano em uma vivência que inclui experiências sobrenaturais ou fantásticas e ,

sobretudo no caso da obra em análise, a preocupação estilística, que toma uma visão

estética da vida, centrada na beleza formas, que não exclui a experiência do real, são

evidenciadas na forma como ambos os enredos – livro e filme – são apresentados. No

filme, aos trechos em que elementos do realismo mágico são ressaltados, não faltam

cuidado quanto aos efeitos especiais – destaque para uma das cenas finais do filme, na

qual Pernambuco se transforma um Lobisomem e trava com Ponciano a luta que o

Page 29: Monografia Letras - Literatura e Cinema

29

coronel tanta ansiava e para tal, arquitetou seu argumento de defesa no julgamento de

maneira que ele se estendesse até o anoitecer e, sendo lua cheia, seu inimigo se

transformasse na besta que ele ansiava derrotar. No filme, diferentemente da literatura

em que constrói-se a figura do lobisomem a partir do acionamento de imagens da

memória, pode-se acompanhar, fotograficamente, o processo de transformação do

lobismomem .

• Da perspectiva lingüística, com enfoque para o trabalho com o discurso prosódico

argumentativo; com enfoque para a morfossintática e semântica, trabalhando os

neologismos, suas construções, valores e significações nas obras. Característica

própria do movimento realista fantástico, o casamento entre argumento ficcional e

linguagem coloquial, presente em toda a obra, é uma das características do movimento

literário que mais se apresenta na tradução fílmica. A subversão dos sufixos e afixos

na formação de expressões como aspecto constituinte do estilo são presentes em toda

obra, as quais pode-se citar, a título de exemplo, construções como vasculhações e

devocioneiro. Ao coloquialismo que predomina na linguagem na obra, ainda é

destacado, na tradução para o cinema, o processo de constituição da linguagem do

personagem Ponciano, que usa e abusa das possibilidades da língua e é autor de

construções e neologismos que dão ao seu personagem caracterização singular: um

exemplo da assertiva, é a forma como Ponciano descreve o lobisomem (no filme e no

livro) “Já um estirão era andado quando, numa roça de mandioca, adveio aquele

figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de pêlo e raiva. (...) Em presença de tal

apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no

longe de dez braças ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o

nome de Ponciano de Azevedo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda,

em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente.” (p. 178). O modo como Ponciano

descreve o Lobisomem evidencia um ponto da linguagem importante para percepção

psicológica do personagem como um todo porque ela reforça a tendência do

personagem ao exagero.

• Da perspectiva cultural, com enfoque para a questão das tradições e constituição social

das hierarquias comandas pelos senhores de terra, bem como esses ambientes são

construídos e apresentados no discurso escrito, no registro e no discurso fotográfico

próprio ao cinema.

A obra oferece ainda possibilidades de trabalha nas áreas do conhecimento da

Geografia e da História, elemento importante para um trabalho de cunho interdisciplinar.

Page 30: Monografia Letras - Literatura e Cinema

30

Valor das resenhas na análise da obra

Ambas as resenhas, sobretudo a segundo, cujo suporte, a revista Bravo, volta-se com

teor e mais intensidade para questões críticas relativas às artes que apresenta ao leitor,

ressaltam três aspectos da obra: a figura do personagem central Ponciano como um anti-herói

e o valor e atenção dados ao discurso. Portanto, se o professor adota a obra com o objetivo de

explorar uma intersecção entre as linguagens, ele já sabe, por meio das resenhas, que o

discurso do filme procura resgatar a linguagem do livro, o que otimiza seu tempo na hora de

analisar o filme.

Paralelo entre filme e livro

É importante realizar o paralelo porque, através deles, os principais pontos de encontro

e afastamento entre os duas artes devem ser pontuados no sentido de estabelecer marcações

sobre o que será ressaltado na comparação:

Livros Filme

Apresentados e descritos na

perspectivos do narrador da história,

Ponciano. A constituição psicológica

dos personagens é feita gradativamente,

de acordo com o relato do narrador, que

expõe, pertinentemente associado ao

acontecimento contado, uma

caracterização do personagem citado.

Personagens

Da mesma maneira como acontece no

livro, são apresentados e descritos na

perspectivos do narrador da história,

Ponciano. A constituição psicológica

dos personagens é feita gradativamente,

de acordo com o relato do narrador, que

expõe, pertinentemente associado ao

acontecimento contado, uma

caracterização do personagem citado.

A história se passa ambiente ruralista

do interior fluminense, nas primeiras

décadas do século XX.

Ambiência Não sofrendo alterações, a história se

mantém ambiente na mesma localidade

onde decorre na obra escrita.

A linguagem prosódica e o idioleto do

Coronel Ponciano de Azevedo Furtado

são dois trabalhos minuciosos de José

Cândido de Carvalho na composição do

Linguagem

No filme, a atenção a linguagem é

mantida, com enfoque aos personagens

Ponciano (prosa fantástica,

neologismos), Pernambuco Nogueira

Page 31: Monografia Letras - Literatura e Cinema

31

livro, sendo que os discursos dos

personagens imprimem, enfaticamente,

marcas de suas personalidades.

(discurso jurídico, argumentação

indutiva) e Seu Juquinha (discurso

melódico, genuíno, ufanista e

essencialista)

Ponciano, personagem narrador, conta

suas peripécias de herói picaresco da

cidade de Sobradinho, sua ascenção ao

ponto de Coronel, sua rivalidade com

Pernambuco Nogueira e a paixão pela

prima Esmeraldina e, claro, suas

bravuras no enfrentamento de bestas e

monstros. Solteirão rico, embora não

muito hábil nas finanças, é partido

cobiçado pelas moças solteiras que

sonham com o um casamento e por

rodeada pelas mães dessas jovens, que

desejam casar suas rebentas. O

triangulo amoroso formado com sua

paixão, a “sereia” Esmeraldina e seu

marido e rival Pernambuco, é que

caberá o desfecho trágico do Coronel

narrador.

Enredo Diante de um tribunal, que executa a

tomada de suas terras por um credor

que as reclama, no caso seu inimigo,

Ponciano, também personagem

narrador, conta suas peripécias na

cidade de sobradinho, onde se torna

herdeiro rico de seu tio e mais tarde

recebe patente de Coronel. A prima

Emeraldina, por quem nutre uma

paixão, quase se casa com Ponciano na

ocasião em que herda as propriedades

do tio, mas a moça simula uma cena e

desiste ao descobrir que seu primo não

está tão rico quanto pensou. Amigo de

Pernambuco, com quem cresceu,

mando-o para a cidade por razão de Seu

Juqunho tê-lo convencido de que o

jovem era o Lobisomem que vinha

aterrorizando suas terras. Reencontra

Pernambuco mais tarde, que além de

casar com Esmeraldina, sua grande

paixão, o leva também a ruína. O

desfecho final é Ponciano derrotando o

Lobisomem em pleno tribunal e

retomando a posse de suas terras,

migrando para o mar com sereia

Esmeraldina.

Propostas didáticas:

Page 32: Monografia Letras - Literatura e Cinema

32

A seguir, serão apresentadas duas propostas didáticas: a primeira enfoca o trabalho

com a linguagem nas obras, tanto original, quanto a traduzida para o cinema; a segunda, mais

extensa, propõe um estudo comparativo, através da análise crítica dos elementos presentes e

ausentes na tradução cinematográfica.

Seqüência didática 1

Conteúdo (s): Construção da Linguagem em O Coronel e o Lobisomem

Tempo necessário: 5h/a

Objetivos:

• Estudo da linguagem a partir do seu valor literário

• Identificação e análise de expressões e neologismos

• Análise da relação entre estilo, valor cultural e significação das expressões e

neologismos na obra

• Trabalho do gênero literário relato fantástico, com destaque a presença da fábula e da

literatura de cordel.

Conteúdo programático

Aulas 1 e 213

• Apresentação da obra aos alunos.

• Sondagem sobre conhecimentos literários que os alunos têm de autor, livro e filme

• Sondagem sobre conhecimentos lingüísticos que os alunos possuem sobre

neologismos

• Sessão do filme

Aula 3

• Estudo de excerto do livro

• Identificação de neologismos e novas expressões e/ou palavras compostas no

fragmento

13 Para início dos trabalhos, parte-se da idéia de que os alunos leram o livro anteriormente, a pedido da professora.

Page 33: Monografia Letras - Literatura e Cinema

33

• Análise da linguagem do fragmento no filme e no livro: elementos e mecanismos no

processo de formação expressões e palavras

• Valor e relação dos neologismos na composição estilística da obra

Aula 4

• Identificação dos elementos do realismo fantástico nas obras

• Análise da apresentação do relato fantástico no filme e no livro

• Oficina de produção textual: transmutação e reescrita – escolha de um fragmento do

filme e reelaboração da história, criando novos acontecimentos, contextos e

expressões e neologismos.

Seqüência didática 2

Conteúdo (s): Estudo literário comparativo da obra O coronel e o Lobisomem, nas versões

literária e fílmica

Tempo necessário: 10h/a

Objetivos:

• Identificar de elementos específicos da obra literária e da obra fílmica

• Observar os pontos de consonância entre as duas obras quanto a enredo, apresentação

dos personagens, linguagem e características da literatura contemporânea.

• Identificar a analisar os pontos de supressão e reconstrução da tradução do literário

para o cinematográfico

Conteúdo programático:

Aulas 1 e 2

• Sessão do filme

Aula 3

• Estudo comparativo: apresentação dos personagens nas duas versões (livro – filme)

Aula 4

Page 34: Monografia Letras - Literatura e Cinema

34

• Estudo comparativo: ambiência e tempo – apresentação, composição e enfoque do

espaço temporal nas duas versões

Aula 5 e 6

• Estudo comparativo: enredo – supressão, releitura e reconstrução no processo da

tradução fílmica

Aula 7

• Estudo comparativo: valor da linguagem como componente estilístico da obra e dos

personagens

Aula 8

• Elaboração conjunta: quadro analítico comparativo entre livro e sua versão traduzida,

bem como elementos específicos da obra literária presentes na obra cinematográfica.

3.5.4. Proposta com o filme A cartomante

Seleção do filme e análise geral

Machado de Assis, um dos cânones da literatura brasileira, é um representante da

escola naturalista/realista da literatura nacional. Tradicionalmente, suas obras se tornaram

referências na educação básica e outros segmentos da vida escolar, como no processo seletivo

de vestibular por exemplo. Seus romances são, muitas vezes, tidos pelos alunos como

“chatos”, “entediantes”. O famoso conto “A cartomante”, que, conforme observações

empíricas feitas durante observação na disciplina de estágio curricular supervisionado em

Língua Portuguesa e Literatura em junho de 2007, geralmente não é trabalhado, apenas

citado. Sendo assim, o trabalho com um gênero textual que oferece um texto de leitura mais

rápida, o que otimiza a questão tempo, e imprime a característica do surpreendente, marca de

Machado de Assis, aparenta ser uma proposta viável de iniciação dos alunos a escola

Machadiana, uma ótima forma de instigar neles o gosto pelo autor. O enredo do filme

reconstrói tempo e espaço, reambientando a história para a realidade contemporânea, e não só

suprime e omite elementos da obra original, como propõe uma reinvenção da história, com a

inserção de subtramas que alteram significativamente o olhar sob a obra como um todo.

Considerando isso, julga-se adequado para esta obra um estudo comparativo entre obra

literária e obra cinematográfica.

Do texto original, pertencente ao gênero textual conto, o roteiro preserva algumas

características inerentes ao gênero, como o número reduzido de personagens (no caso no

Page 35: Monografia Letras - Literatura e Cinema

35

filme, a trama se articulada no eixo formado por Camilo – Rita – Vilela – Antonia). Por outra

lado, por tratar-se de um roteiro que reelabora a história e insere novos elementos, outras

características do conto como a apresentação de um único ângulo dramático, de um único

conflito e a restrição de tempo e espaço são necessariamente suplantadas, já que na versão

proposta pelo roteiro, o acréscimo de elementos gera outros conflitos e, consequentemente,

impele novas situações e espaços. A própria personagem Antonia, que entra no eixo de

conflito principal da obra, é bifacetada nas figuras da cartomante, que aparece no conto

original, e da analista com quem Rita se consulta, e que na verdade manipula a vida de suas

pacientes induzindo-os aos suicídio – daí a interseção entre a figura da cartomante analista

que “prevê” o destino daqueles que a consultam: na verdade, trata-se da utilização do método

da indução para direcionar as pessoas, em geral por meio de suas crenças e pontos fracos, a

tomar determinadas atitudes. O reencontro de Camilo e Vilela, após muitos anos, é uma das

obras do destino despropositadamente arquitetadas por Antonia: Karen, uma de suas

pacientes, seduz Camilo e o leva ao seu apartamento, obrigando-o, com uma arma, antes de

cometer suicídio, a ingerir uma alta dose de esctasy, que termina por levá-lo a uma overdose,

sendo atendido na emergência do Hospital onde Camilo trabalha.

A reambientação da história para a época contemporânea demanda novos cenários: se

no conto tem-se uma ambientação que figura em quatro ambientes específicos apenas, na

versão cinematográfica há uma apresentação de um número maior de cenários, conquanto a

história do filme, se aproximando da restrição de ambientes do conto, se fixa em quatro

espaços: o consultório de Antonia, o hospital onde Vilela trabalha, a casa de Camilo e a casa

de Rita. Quanto a este aspecto, existe uma grande aproximação entre filme e conto: na obra de

Machado a história enfatiza o ambiente de trabalho de Camilo e o a consultoria da

cartomante.

Análise da obra cinematográfica adaptada

Page 36: Monografia Letras - Literatura e Cinema

36

Obra analisada A cartomante (2002)

Indicação etária O filme apresenta uma história que trata e representa uma narrativa

sobre paixão, traição e morte. Há duas cenas eróticas no filme, também

uma cena de uso de drogas e uma cena de suicídio, contudo,

suprimindo-se as cenas de sexo, que apesar de não serem explícitas são

sugestivas demais para serem exibidas na escola, o filme é uma sessão

interessante para alunos na faixa dos 15 anos, portanto uma boa opção

para alunos do ensino médio, que vivem nesta fase conflitos e dúvidas

sobre temas como paixão e drogas.

Nível de fidelidade a

obra literária

O filme apresenta uma oscilação inconstante de ora aproximação, ora

distanciamento do conto. O roteiro busca uma releitura da história, e,

embora a obra cinematográfica, dentro de uma análise crítica de

cinema, deixe a desejar em alguns aspectos, ainda sim configura um

objeto interessante de estudo.

Críticas/Resenhas da

obra

Foram utilizadas uma entrevista concedida e Rodrigo Capella, do site

especializado em cinema Cineminha.com, uma resenha do site

especializado em cinema Cinemaemcena.com e uma resenha da revista

de cinema Contracampo14

Temática central Triangulo amoroso formado por Camilo, Rita e Vilela

Temas transversais Religião, drogas, suicídio, depressão, crenças, ética, relacionamento

Acessibilidade Fácil acesso. O filme pode ser encontrado tanto em locadoras de

grandes redes quanto em estabelecimentos menores, de médio porte.

Pertinência para o trabalho com a obra literária

Na medida em que oferece uma releitura do conto de Machado de Assis, a obra

cinematográfica possibilita uma reflexão comparativa entre as duas obras. O estudo da

transposição dos elementos da narrativa realista, como personagens extraídos do cotidiano, do

ordinário, e o jogo entre a aparência e a essência são aspectos interessantes a serem

Page 37: Monografia Letras - Literatura e Cinema

37

observados na tradução cinematográfica de A cartomante. Propostas didáticas como esta

podem servir como propulsor para introdução e estudo com os alunos do discurso narrativo

machadiano, dentro da escola realista/naturalista, assim também como constitui um estudo da

constituição do significado a partir da imagem simbólica e da imagem fotográfica (filme).

Teor ideológico do filme

De acordo com SILVA (1999), a obra literária constitui

Visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas (abolição do final

feliz). Análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens

imprevisíveis, jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e

malícia, sinceridade e hipocrisia.

Crítica humorada e irônica das situações humanas, das relações entre os personagens

e seus padrões de comportamento. Linguagem sóbria que, entretanto, não despreza

os detalhes necessários a uma análise profunda da psicologia humana.

Envolvimento do leitor pela oralidade da linguagem. A historia é repleta de

"conversas" que o narrador estabelece freqüentemente com o leitor, transformando-o

em cúmplice e participante do enredo (metalinguagem).

Citação de um autor clássico (shakespeare) intertextualidade;

Reflexão sobre a mesquinhez humana e a precariedade da sorte humana. Os aspectos

externos (tempo cronológico, espaço, paisagem) são apenas pontos de referência,

sem merecerem maior destaque.

Já no filme, a visão objetiva e pessimista do conto é abolida, assim como crítica e

ironia das situações humanas, proposta por Machado de Assis no conto. O diálogo entre o

espectador e o filme é, por questões inerentes ao próprio gênero, diferente, já que a leitura de

processa de outro modo sus generis. Mas um dos pontos mais fortes da história, a mesquinhez

humana e a precariedade de sua “sorte”, por assim dizer, são elementos constituintes que não

só preservados como são o ponto central do roteiro fílmico.

Análise lingüística do discurso do filme

Em uma perspectiva lingüística, pode-se dizer que, ainda que superficialmente, os

personagens do filme buscam uma adequação de discurso pertinente ao contexto enunciativo

14 Anexo V

Page 38: Monografia Letras - Literatura e Cinema

38

e sua posição enquanto ator social – Camilo, o jovem conquistador, Rita, a noiva leviana,

Antonia, a analista da vida alheia, e Vilela, o médico conselheiro – contudo o filme apresenta

um trabalho não muito minucioso quanto a este ponto: enquanto no conto é dada especial

atenção a questão discursiva que compõe os personagens, no filme esse elemento é delegado

às imagens. A cartomante, por exemplo, no filme, é apresentada em flashbacks rápidos,

desordenados, e suas falas não aparecem. O discurso da crente em mística próprio de Rita é

preservado no filme: ela é, mais que qualquer outro personagem, guiado pela sua crença no

destino, no zodiacal, no místico. Existe condescendência entre o modo de agir da personagem,

que religiosamente lê seu horóscopo todos os dias e age conforme prevê a cartomante (na

verdade, ela age por indução, por crer naquilo que lhe é dito) e seu discurso que flerta com a

questão espiritual. Já Vilela e Camilo são apáticos quanto a este quesito: no conto eles são os

descrentes, que caçoam Rita por crer em previsões de uma cartomante, mas Camilo , na

versão literária, passa a duvidar da existência ou não do destino e do poder da cartomante de

ler o futuro, tanto que, já no fim da narrativa, em estado de angústia por não saber se Vilela

havia ou não descoberto seu caso com Rita, procura pela vidente e tranqüiliza-se quando a

mulher diz que eles ficarão bem. O discurso de Antonia aproxima-se, em alguns momentos do

filme, a fala indutiva própria de atores sociais como videntes, ciganos e bruxas que “lêem o

futuro das pessoas”, mas a inconstância na caracterização da personagem pela fala, torna seu

discurso um elemento secundário na sua caracterização, enquanto no conto ele vem em

primeiro plano.

Análise das possibilidades de trabalho que a obra oferece

Levando em conta a transmutação de gêneros, sinaliza-se aqui um trabalho, com vistas

a literatura, de leitura e análise comparativa, porque, nos diferentes elementos de cada uma

das versões da obra, apresentam-se aspectos cuja leitura e análise concatena-se diretamente ao

gênero discursivo ao qual pertence, enquanto outros aspectos se aproximam e a obra

cinematográfica busca sorver da, obra original estes rudimentos.

Valor das resenhas na análise da obra

A crítica de cinema especializada, de um modo geral, não manifestou apreço ou

desgosto pela obra, limitando-se a simplesmente não falar dela. A maior parte das resenhas

sobre o filme pode ser encontrada em sites especializados em cinema. Alguns críticos, como

Page 39: Monografia Letras - Literatura e Cinema

39

Jorge Tadeu da Silva, consideraram a produção, escrita por Wagner de Assis, como um

produto de mercado que empobrece da obra de Machado de Assis. O roteirista, contudo,

explica que "O conto é um ponto de partida apenas". Mais tarde, Wagner foi convidado a

escrever, para a Coleção Aplauso a escrever sobre a produção do roteiro e da obra, e lançou,

em 2005, o livro A cartomante – roteiro comentado. Os críticos mais ferrenhos, como a

revista de cinema Contracampo, analisam o filme como um produto demasiadamente

anacrônico, cuja falta de propósito tornou a obra insignificante aos olhos cinematográficos

críticos. O anacronismo presente na própria constituição do filme, que filme submerge nos

clichês do próprio tema que se dispõe a tratar – no caso, a mão do destino na vida dos

homens. A idéia de retrocesso, de anacronismo está exatamente na forma chapada como o

roteiro executa a história.

Em bem verdade, as resenhas indicam sempre, em comparação, o bem sucedido

trabalho de adaptação da obra cinematográfica Memórias Póstumas, que consegui transpor

com êxito o romance de Machado de Assis, como forma de mostrar em que medida A

cartomante é uma obra cinematográfica infeliz em sua realização. Por esta perspectiva,

poderia desconsiderar-se a obra como um recurso didático, mas se analisarmos as

possibilidades comparativas que sobressaem da sessão do filme, tem-se de pensar a obra não

sob o olhar de crítica de valor de obra, mas sob o viés da reflexão da obra em diferentes

gêneros. Nesta perspectiva, é importante ressaltar que, como afirma MOISES (2006, p. 325)

Nascida romance ou cinema, uma obra permanecerá romance ou cinema. E se

adaptação se efetua, é inegável que se processa uma traição: a obra adaptada deixa

de ser a original de que partiu, tão-somente posta noutra forma de expressão, para

ser outra obra. Como se, afinal de contas, a obra matriz servisse de pretexto ou

sugestão para a criação de uma outra, que com ela guarda vago parentesco.”

Paralelo entre filme e livro

Livros Filme

Page 40: Monografia Letras - Literatura e Cinema

40

Os personagens deste conto não são heróis: o

narrador os descreve de forma a ser difícil

estabelecer uma identificação com eles. Vilela é o

marido ausente, Camilo o fraco, Rita, a leviana e a

cartomante a manipuladora sem escrúpulos.

Camilo: protagonista (anti-herói), personagem

redondo - Funcionário público, ideologicamente

inconsistente, sentimentalmente dependente e

intelectualmente limitado. Tem 26 anos, é

ingênuo e inexperiente, e fraco de valores.

Rita: protagonista (anti-herói), personagem

redonda - Esposa de Vilela, é bela, superficial,

tola e leviana. Tem trinta anos, é graciosa, viva

nos gestos, olhos cálidos, boca fina e

interrogativa. Moral e intelectualmente fraca, o

narrador a compara a uma serpente, pérfida e

venenosa.

Vilela: personagem secundário, personagem

plano, tipo (o marido traído)

Amigo de infância de Camilo. Advogado, tem 29

anos mas aparenta ser mais velho. Porte grave,

usa óculos de cristal.

A cartomante: antagonista, personagem plano,

tipo (a manipuladora)- incógnita

Uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e

magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Vivia

em um local sombrio e pobre, e aparentava

desapego com o material. Usa de frases de efeito e

metáforas a fim de parecer sábia e dona do

destino

Pers

onag

ens

Assim como no conto, os personagens

não são heróis e a caracterização inicial

é a mesma da apresentada no conto:

Vilela é o amante ausente, Camilo é o

fraco, Rita, a leviana e a

cartomante/analista a manipuladora sem

escrúpulos.

Camilo: protagonista - bom-vivant, vive

com a mãe e freqüenta festas e baladas

conquistando mulheres para casos

rápidos.

Rita: protagonista - desgarrada da

família, bela, está noiva de Camilo, é

superticiosa e influenciável, faz sessões

de análise e ressente-se pela constante

ausência de Vilela.

Augusto Vilela: protagonista – médico,

amigo de Camilo, tem um porte série e

dedica-se ao trabalho. É autoritário com

Rita.

Cartomante/ Psiquiatra Antonia:

antagonista – manipuladora, ela joga

com a vida de seus pacientes. Usa frases

de efeito e parece sábia. É sarcástica e

cínica.

Page 41: Monografia Letras - Literatura e Cinema

41

A narrativa de desenrola no Rio de Janeiro e são

citados quatro lugares específicos no conto: bairro

Botafogo, rua dos Barbonos, rua Guarda Velha e rua

das Mangueiras.

No conto apresentam-se os seguintes ambientes:

- casa do casal Rita e Vilela, situada no bairro

Botafogo

- casa onde Camilo e Rita se encontravam, na rua

dos Barbonos

- casa da cartomante, na rua Velha Guarda

- repartição pública, onde Camilo trabalhava

Am

biên

cia/

Esp

aço

A narrativa também se desenrola no Rio

de Janeiro, centrados em cenários

específicos:

- casa de Rita

- casa de Camilo

- hospital

- consultório de Antonia

Outros espaços aparecem na trama:

- um banheiro público onde Camilo e

Rita fazem sexo

- um Museu

- uma praia

- um bar

- uma boate

A história se passa no século XIX, e coincide com as

características da época em que foi escrito. É possível

se localizar cronologicamente no tempo. A aventura se

inicia no início do ano de 1869 e termina num sábado

à tarde do mês de novembro do mesmo ano. No

entanto o tempo do conto é psicológico, se inicia no

penúltimo dia da história que é contada, faz um flash-

back do período que precede esta sexta-feira e finda no

sábado. O narrador não segue uma ordem linear para

contar a aventura, primeiro fala da visita de Rita a

cartomante, depois fala do fato de Camilo ter cessado

as visitas a casa do amigo Vilela, descreve a despedida

do casal, depois relata como Camilo e Rita de

envolveram e somente depois explica o porque de

Camilo não ir mais à casa do amigo. Deste trecho ele

já parte para o sábado, último dia da história.

Tem

po

A história se passa no século XXI, nos

anos 2000. Localiza-se

cronologicamente a partir de elementos

concretos do ambiente: vestuário, carros,

bares e boates. A característica de tempo

psicológico desaparece no filme. O

recurso de flashbacks é usado no

desfecho da história.

Page 42: Monografia Letras - Literatura e Cinema

42

O narrador mantêm uma posição superior em relação

aos personagens, não tomando parte direta da

seqüência de eventos, apenas relatando-os. Dessa

maneira, ele se encontra onisciente no texto,

fornecendo ao leitor as informações acerca dos

personagens.

O narrador deste conto conduz a narrativa de

forma a jogar com quem lê o conto, ele joga com as

perspectivas, constrói e desconstrói idéias e visões ao

longo do conto. Ele mantêm um certo suspense no ar

durante todo o conto e é no final, surpreendente, que

percebemos porque a cartomante é a personagem

principal do texto.

Um ponto muito interessante é como o

narrador enreda o leitor a ponto de deixá-lo perplexo

com a morte do casal. Na verdade, é uma ironia do

narrador com o leitor. Durante a narrativa o narrador

oferece elementos pelos quais o leitor poderia ter uma

premissa sobre o fim do conto. A citação de Hamlet é

uma boa pista

O narrador, embora não se posicione com

relação aos personagens, constrói deles uma visão

negativa. Eles são caracterizados de forma a não

despertar grande simpatia. A união de Camilo e Rita

subtende-se que trata-se da junção de dois

acomodados, Rita superficial e intelectualmente

limitada, “formosa e tonta”, Camilo um fraco e

moralmente consistente. A Vilela o narrador dá um

caráter distante, indiferente e a cartomante é descrita

de forma obscura.

Nar

rado

r

Os personagens, cada qual, refletem, ao

final da história sobre sua experiência. A

participação não é eletiva, sendo que no

início do filme, quem faz a apresentação

da história é Antonia.

Page 43: Monografia Letras - Literatura e Cinema

43

A cartomante é um conto onde podemos

observar características marcantes do estilo de

Machado de Assis: o uso de metáforas constantes,

o comportamento imprevisível dos personagens e

seu valor filosófico, o uso de comparações

superlativas, bem como a ambigüidade em seus

personagens.

O autor usa intertextualizações literárias, e

o recurso da narrativa onisciente, para dinamizar o

relato da história acentuando os momentos

dramáticos do texto. Usa este recurso que eleva e

prolonga o suspense da história, mantendo o leitor

atento durante todo o desenrolar do conto.

Os personagens criados por Machado de

Assis não são seres extraordinários, mas homens

comuns, que apresentam uma mistura de

sentimentos, muitas vezes contraditórios. Em

Machado, o que interessa não é a descrição do

exterior. O autor penetra na consciência de cada

personagem, descrevendo seu mundo interior,

onde se encontra com freqüência:

- Paixão pelo dinheiro

- Egoísmo

- Medo da opinião alheia

- Dissimulação, principalmente nas personagens

femininas

- Vaidade

Ling

uage

m e

est

ilíst

ica

Linguagem é ordinária, assim como os

personagens, tipos comuns da sociedade

moderna. Os discursos, sem maior

destaque, se encaixam ao papel social

que cada exerce. Características

machadianas como comportamento

imprevisível e metáforas constantes

desaparecem na obra. Há a penetração

na mente dos personagens, no início com

Antonia e sua experiência com o suicídio

da empregada de sua casa e depois com

Rita, Camilo e Vilela, que apresentam

expectativas com relação a vida.

Page 44: Monografia Letras - Literatura e Cinema

44

Enredo: O conto tem foco narrativo em 3o pessoa.

Quanto a natureza ficcional a lógica interna do texto é

próxima da realidade concreta. A história de Camilo,

Rita e Vilela se passa no Rio de Janeiro, o ambiente

retratado é concreto, as ruas citadas existem realmente,

o autor mistura realidade e ficção. Primeiramente

relataríamos A cartomante como uma história sobre os

conflitos de um triângulo amoroso. Essa idéia se

mantém até o final conto, quando a visita de Camilo a

cartomante dá ao leitor uma nova perspectiva com

relação ao texto. A citação de Hamlet no início do

texto poderia nos dar uma idéia de como seria o conto:

Hamlet é uma tragédia e nos faz vir às idéias temáticas

como adultério, vingança e destino trágico. E

nred

o

Enredo: próximo a realidade concreta,

conta a história de uma psiquiatra

(Antonia), que faz-se de cartomante e

inicia com seus pacientes perigosos

jogos de manipulação e indução ao

suicídio. Por obra de um acidente com

Camilo, ela envereda em uma de suas

tramas o triangulo formado por Camilo,

Rita, que é sua paciente, e Vilela, seu

desafeto que trabalho no mesmo hospital

onde clinica.

Page 45: Monografia Letras - Literatura e Cinema

45

Exposição: O conto inicia-se focalizado em Rita,

esposa de Vilela, grande amigo de Camilo, que está

tendo um caso amoroso com o segundo. Camilo,

temendo ser descoberto pelo amigo, diminui as visitas

a casa dele, deixando Rita insegura quanto ao seu

amor. Esse é o motivo que a leva a cartomante que

“lê” nas cartas que Camilo continuará a amá-la,

tranqüilizando-a. Camilo é cético, repreende e ironiza

a atitude de Rita. Tanto Rita quanto Camilo são fracos

em suas convicções. Ela se apóia nas emoções, ele na

negação total, no entanto nenhum dos dois é capaz de

explicar o embasamento de suas posições,

embasamento este que sequer existe. Iniciado o conto

descrevendo o casal que conversa sobre a visita à

cartomante, segue-se um flash-back que explica como

chegou-se a situação anteriormente relatada. Camilo é

caracterizado como um homem incapaz de tomar

decisões por si mesmo, que arranja um emprego

público graças à mãe. A fraqueza de Camilo é

evidenciado quando o narrador fala da morte da mãe

de Camilo como um “desastre”. Desastre porque o

personagem não apresenta nenhuma autonomia. É

Vilela quem cuida do funeral da mãe de Camilo,

enquanto Rita aparta o coração. Neste trecho o

narrador faz uso de ironia quando diz que “ninguém o

faria melhor”, referindo-se do consolo que Rita

oferece a Camilo. O narrador descreve, sem

pormenores, como Rita e Camilo chegam ao caso,

depois começam a receber cartas anônimas

ameaçadoras, deixando-os receosos e levando Camilo

a rarear e depois cessar por completo as visitas a casa

de Rita e Vilela. O marido de Rita tornou-se sombrio e

calado, e Rita e Camilo temendo as suspeitas de Vilela

divergiam quanto ao que fazer e decidiram por ficarem

algumas semanas sem se ver.

Exposição: inicia-se focalizado na

história de Rita, noiva de Vilela, que

conhece Camilo, por intermédio do

próprio noivo, e num arroubo consulta

uma cartomante, que na verdade é Rita,

que lhe professa que eles se tornarão

amantes. Ela, completamente crédulo,

cai nos braços de Camilo. Rita é frívola

e Camilo um jovem que não possui

metas e rumos para a própria vida.

Embora mantenha cético com relação a

posição de Rita com relação a

cartomante, ele não questiona as atitudes

que levam Rita aos seus braços tão

subitamente.

Page 46: Monografia Letras - Literatura e Cinema

46

Complicação: ocorre quando Camilo, no dia seguinte

ao do encontro com Rita, recebe na repartição pública

onde trabalha bilhete de Vilela: “- Vem já a nossa

casa, preciso falar-te sem demora”. Este é um

momento de forte tensão em que a dúvida desnorteia

Camilo. Teriam sido descobertos ou seria um assunto

de rotina? Neste momento Camilo se encontra incapaz

de assumir uma opinião, a dúvida o corrói enquanto se

dirige a casa de Vilela. O narrador mantém a tensão e

faz com que o leitor se angustie tanto quanto o

personagem. O leitor partilha com Camilo a dúvida, o

receio - eis a maestria machadiana.

Complicação: ocorre quando Antonia

leva Rita a uma boate e a embebeda,

fazendo com que ela alucine e saia atrás

de Camilo e Vilela, acreditando que seu

caso foi descoberto.

Clímax: O momento em que, rumo a casa de Vilela,

Camilo pára ao lado da casa da cartomante é o ponto

alto do conto. Considerando-se o momento em que o

personagem se encontrava o gesto de parar ao lado da

casa da cartomante é impressionante. Como não podia

suportar a dúvida, o desespero o faz ter com a

cartomante. A atitude de Camilo, um cético niilista,

mostra todo o desequilíbrio emocional da situação,

evidenciando também a inconsistência das convicções

de Camilo. A descrição da cena, feita detalhadamente

pelo narrador, dá ao leitor elementos pelos quais é

possível perceber a importância desta cartomante: a

ansiedade de Camilo é perceptível em seus gestos, a

angústia, o medo perceptíveis em cada movimento

dele e é por isso que podemos notar a destreza da

cartomante ao manipular Camilo porque ela percebe

que o medo estampado no rosto dele tem,

provavelmente, causa amorosa. Todo o cenário lhe

confere um tom místico, de desapego ao material, o

que se contradiz na hora em que Camilo faz o

pagamento da consulta.

Clímax: Antonia promove um encontro

entre Camilo, Vilela e Rita em seu

consultório, fazendo com que o noivo

traído descubra a verdade e confronte os

dois amantes. Antonia então se revela

como a cartomante e Rita, num

momento de desespero, é induzida por

Antonia ao suicídio.

Page 47: Monografia Letras - Literatura e Cinema

47

Desfecho: A parte final do conto vai da saída de

Camilo da casa da cartomante, feliz e aliviado até a

morte dele, na casa de Vilela. Fato interessante neste

trecho é que, quando Camilo sai da casa da

cartomante, o leitor também sente um certo “alívio”, a

tensão do momento anterior não existe mais, apenas

resta uma fagulha de curiosidade, uma sensação de

que ainda não acabou. Tanto é verdade que, lendo as

linhas finais, é surpreendente para o leitor o final que

tomam os três personagens. Camilo e Rita,

assassinados e Vilela, vingado na morte fria da esposa

adúltera e do amigo desleal.

Desfecho: Rita não comente o suicídio,

Antonia muda de consultório, o triangulo

se desfaz, mais tarde, Vilela se conforma

com o ocorrido, e Camilo e Rita se

reencontram e ficam juntos.

Propostas didáticas:

Serão apresentadas duas propostas didáticas, ambas voltadas para análise comparativa

das duas obras, sendo a primeira com enfoque na leitura e interpretação e a segunda seqüência

com enfoque o estudo da transmutação texto, por meio de proposta de produção textual.

Seqüências didática 1

Conteúdo (s): Leitura e Sessão de A cartomante pelo método da pausa protolocada

Tempo necessário: 10h/a

Objetivos:

• Realizar leitura as obra A cartomante nas versões literárias e fílmica

• Construir, oralmente, pelo método da pausa protocolada, progressões de texto (no

conto e no filme) a partir dos fragmentos apresentados

• Interpretar, no filme e conto, como o elemento surpresa se apresenta

• Identificar, nos diferentes textos, as diferentes partes do enredo

• Pontuar os pontos de proximação entre o conto e filme

• Evidenciar, no roteiro do filme, os pontos de distanciamento com relação ao conto e

sua interelações aos elementos particulares ao filme.

Conteúdo Programático

Page 48: Monografia Letras - Literatura e Cinema

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Aula 1, 2, 3 e 4

• Sessão (protocolada, dividida em 10 partes) do filme A cartomante

Aula 5 e 6

• Leitura Protocolada (dividida em 6 partes) do conto A cartomante

Aulas 7 e 8

• Identificação das partes do enredo

• Identificação dos pontos de aproximação dos gêneros conto e filme

• Debate: pontos de distanciamento e elementos particulares do filme – a perspectiva da

recriação

Seqüência didática 2 Conteúdo (s): Leitura comparativa dos textos literário e fílmico para A cartomante

Tempo necessário: 10h/a

Objetivos:

• Realizar leitura as obra A cartomante nas versões literárias e fílmica

• Identificar os elementos próprios ao gênero textual conto e ao gênero textual filme

• Identificar as partes do enredo no filme e no conto

• Recriar uma nova versão para A cartomante, recriando tempo, espaço ou personagens

Conteúdo Programático

Aulas 1 e 2

• Leitura do conto A cartomante

Aulas 3 e 4

• Sessão do filme A cartomante

Aulas 5 e 6

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49

• Identificação das partes do enredo no conto e no filme

Aulas 7 e 8

• Produção de texto: recriação do conto A cartomante

• Socialização do texto produzido

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4. ÍNDICE DE OBRAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS ADAPTADAS PARA O

CINEMA

O índice de obras da literatura brasileira adaptadas para o cinema foi feito por meio de

consulta ao site oficial do Cinema Brasileira, www.cinemabrasil.org.br, do Ministério da

Cultura, aos sites especializados, www.adocinemabrasileiro.com.br e www.cineminha.com.br 15. Foram levantadas, a critério de gosto pessoal, um total de 50 títulos do cinema brasileiro

produzidas a partir de produções literárias.

Para a catalogação dos títulos adotou-se o recurso de planilha, com subdivisão por ano

de produção, que permite uma distribuição mais organizada e de mais fácil consulta. Dos

títulos catalogados, consta o título da obra, uma sinopse descritiva com a indicação da obra

literária da qual foi adaptado, tempo de duração e acessibilidade. Os caracteres sinopse e

tempo de duração se justificam no fato de que é de suma importância para o professor, em um

momento de consultar, ter estes dados, pois eles permitiram um análise imediata da

possibilidade de trabalho (se a obra da qual o filme é adaptado é conhecida ou consta no

acervo escolas e se o número de aulas necessárias para sua exibição cabe em seu cronograma

de etapas letivas, por exemplo).

Para este critério acessibilidade foi elaborado um sistema de legendas, que classifica o

acesso dos filmes em 4 níveis: três estrelas para títulos considerados de fácil acesso, que

podem ser encontrados para venda ou locação em livrarias, especializadas ou não, locadoras

de pequeno porte, lojas virtuais e/ou grandes redes como hipermercados; duas estrelas para

títulos cuja aquisição seja possível (classificamos como possível encontrar), e cuja venda

está restrita a lojas e redes especializadas ou grandes lojas e livrarias virtuais e locação seja

possível em grandes redes de locadoras, mas seja incomum encontrar em locadoras de

pequeno porte; uma estrela para os títulos considerados de difícil acesso, cuja disponibilidade

de compra ou locação se restrinja a lojas especializadas; e por fim, um triangulo para os título

não encontrados para venda ou locação, ou seja, títulos que não estão disponíveis no

mercado.

15O índice se encontra no Anexo I

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51

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cinema, como um discurso em evidência na sociedade contemporânea, cuja

constante inovação e renovação tecnológica só têm contribuído para que filmes, de todo e

qualquer gênero, se tornasse um discurso de fácil acesso.

Uma vez adquirido seu estatuto de discurso preconizado nos PCNs como parte

integrante da formação escolar, o cinema tem merecido, por parte de estudiosos em educação,

atenção e a literatura que associa e reflete sobre sua presença na escola tem sido cada vez

mais produzida.

O elo entre o literário e o cinematográfico no Brasil é evidente na quantidade de filmes

que, na última década, tiveram seus roteiros adaptados de obras literárias. Sendo assim, a

partir das considerações fitas durante a análise proposta nesse trabalho, observa-se que o

cinema, enquanto recurso para uma proposta de estudo paralelo a literatura, oferece

possibilidades de estudos comparativos que, em um primeiro plano pode constituir uma forma

de apresentar e instigar o interesse literário por uma obra literária, e em um segundo plano,

assenta-se como forma de instigar nos alunos criticidade em relação a obras literárias a

artísticas, uma vez que, essa análise analógica permite o confronto dos dois discursos.

Nesta perspectiva, o cinema evidencia seu valor didático, a medida que, pensando sua

presença em sala de aula, seu valor volta-se para uma formação crítica do aluno.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, Machado de. A cartomante. In: _________. Várias Histórias. São Paulo: Mérito,

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Referência eletrônica: www.cineduc.org.br www.adorocinema.com.br www.cineminha.com.br

Page 55: Monografia Letras - Literatura e Cinema

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7. ANEXOS Anexo I Índice de Obras Literárias Legenda: Acessibilidade

fácil acesso (livrarias, locadoras, lojas virtuais) possível encontrar (lojas virtuais, livrarias)

difícil acesso (lojas especializadas) não encontrado para compra ou locação

(ano)

(Título da obras) sinopse: Tempo de duração: Acessibilidade:

ANEXO II

Indicação etária Verificar, de acordo com os temas levantados, cenas apresentadas e intencionalidade

explícita ou implícita da produção, a qual faixa etária o filme se adequa.

Nível de fidelidade a

obra literária

Verificar quais características da obra original a transposição literatura/cinema

mantém l e se a tradução estilística não descaracteriza/ desvirtua a obra original.

Críticas/Resenhas da

obra

Analisar, por meio de resenhas feitos sobre o filme, a qualidade de produção e a

relação observada pelos críticos entre produção cinematográfica e literária.

Temática central Listar os temas centrais do filme e fazer um paralelo comparativo com os temas do

livro, observando pontos de convergência e divergência entre eles.

Temas transversais Listar os temas tranversais apresentados na obra e, a partir disso, cogitar possíveis

atividades com literatura que possam ser realizadas tendo os temas como foco.

Acessibilidade Observar em que esferas a obra é acessível (se pode ser encontrada em locadoras,

qual a disponibilidade, se é vendida em lojas próximas ou weblojas e se o valor é

acessível)

Pertinência para o

trabalho com a obra

literária

Verificar quais aspectos da obra cinematográfica podem ser trabalhados em

convergência com a obra literária

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Teor ideológico do

filme

Diagnosticar o conteúdo ideológico do filme e se ele se aproxima ao apresentado no

livro

Apresenta preconceito

com relação a grupos

específicos?

Verificar se a produção cinematográfica, de alguma maneira, denota preconceito

(seja por meio de caricaturas, sátiras ou esteriotipação) de grupos ou minorias

específicas e o grau de improbidade dessa exposição.

ANEXO III

Ficha de avaliação de obra cinematográfica adaptada

Obra analisada

Indicação etária

Nível de fidelidade a obra literária

Críticas/Resenhas da obra

Temática central

Temas transversais

Acessibilidade

Pertinência para o trabalho com a obra literária ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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________________________________________________________________________________________________________________________ Teor ideológico do filme ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Apresenta convencionalismo com relação a grupos específicos? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ANEXO IV Resenha 1 "O Coronel e o Lobisomem" aposta em humor no jeito de falar

EDUARDO SIMÕES

da Folha de S. Paulo

Co-autor com Milton Nascimento da trilha sonora de "O Coronel e o Lobisomem", Caetano

Veloso foi quem melhor apontou, em entrevista coletiva, qual a diferença básica entre esta

adaptação do romance de José Cândido de Carvalho, anunciada como uma "comédia

fantástica", e "O Auto da Compadecida" e "Lisbela e o Prisioneiro", dois bem-sucedidos

produtos que, seja na direção, no roteiro ou na produção, levam a grife Paula Lavigne-Guel

Arraes:

"São filmes baseados em clássicos da literatura moderna brasileira, com uma marca de

comédia e, sem dúvida nenhuma, fazem uma trilogia neste sentido. Mas este filme é baseado

num livro com mais trabalho de linguagem do que mera fabulação de peripécias", disse o

cantor, explicando a ressalva da produção de que o filme não é uma comédia rasgada.

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"A prosódia é belíssima e foi mantida no filme, que, em certa medida, é mais literário. A

literatura é personagem, mais do que em 'O Auto' ou 'Lisbela'."

Usada sobretudo pelo protagonista coronel Ponciano (Diogo Vilela), a tal prosódia de que fala

Caetano é parente próxima da empolada fala do prefeito Odorico Paraguaçu, de "O Bem

Amado", de Dias Gomes, curiosamente o futuro projeto da grife. Para Vilela, que defendeu

uma voz empostada, "envelhecida" para seu personagem, e suou para, de charuto na boca,

pronunciar os neologismos criados, a fala pode ser inteiramente compreendida, apesar do

estranhamento inicial.

"Sem querer ser ufanista, a brasilidade do filme está nessa linguagem. No começo você acha

estranho, mas depois gosta de ouvir aquilo. Quando eu li o roteiro, achei que seria difícil. E é.

Mas é o difícil que emancipa a gente."

Para Selton Mello, que vive o antagonista de Ponciano, o português rebuscado ajuda os atores

a embarcarem na fantasia de Carvalho. Ana Paula Arósio, que vive a mocinha Esmeraldina,

vai além: para ela, o público incorpora o código. "O espectador é um pouco como o leitor do

livro. Você imagina: 'Nossa, eu nunca ouvi essa palavra ou alguém falando isso'. Mas, aos

pouquinhos, você começa a antecipar que palavras essas pessoas vão usar e que colorido elas

vão dar às falas", diz.

Esta é a terceira adaptação do romance de Carvalho --as outras foram feitas respectivamente

por Alcino Diniz, em 1979, para o cinema, e por Chico de Assis, em 1982, para a TV. O

desafio, no entanto, não estava no passado, mas no presente. Veterano na televisão, Maurício

Farias estréia na direção com "O Coronel e o Lobisomem", tentando imprimir uma marca

pessoal numa equipe com vasta capilaridade: dois produtores (Paula Lavigne e Guel Arraes) e

três roteiristas (Arraes, João Falcão e Jorge Furtado).

Segundo ele, a repetição no cinema da parceria com Arraes na TV, que data dos anos 80 com

o humorístico "TV Pirata", teria trazido liberdade. "O Guel é um artista com caminho bem

definido, e os trabalhos de que ele participa como produtor levam a marca dele. Mas o elenco

foi escolhido por mim, não por ele. A discussão com ele e também com a Paula foi de igual

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para igual. Considero o filme meu. O que não é meu é o texto ou a produção. Mas o ritmo, o

enquadramento, a equipe são."

A experiência na TV, conta Farias, tem seus reflexos no seu début em longas. O diretor diz

que a forma de narrar e dirigir de "A Grande Família", por exemplo, e o filme é a mesma. A

diferença é que, em "O Coronel e o Lobisomem", ele teve mais tempo.

"Num certo sentido, a TV é uma forma sintética de fazer a mesma coisa, com

particularidades, mas a linguagem é igual. Uso os mesmos elementos, só vario a escala."

Resenha 2

Cinema

A ELITE PICARESCA

O Coronel e o Lobisomem traz de volta às telas a figura do malandro brasileiro. Só que,

desta vez, ele está ligado à classe dominante

Por José Geraldo Couto

Melhor definição do coronel Ponciano de Azeredo Furtado, protagonista de O Coronel e o

Lobisomem, talvez seja aquela encontrada pelo ator Diogo Vilela: “Ele é um barão de

Münchhausen da roça”. De fato, assim como o nobre alemão do século 18, cujas aventuras

mirabolantes fizeram a delícia de gerações de jovens leitores em todo o mundo, o anti-herói

do romance de José Cândido de Carvalho, inicialmente publicado em 1964, é um mentiroso

contumaz, que em suas fantasiosas memórias enfrenta feras e assombrações com destemor e

galhardia.

Mas o coronel Ponciano faz parte também de outra longa linhagem, a dos personagens

picarescos, aqueles irresistíveis patifes que se viram na vida à custa de imaginação,

fingimento e astúcia. Nascido na literatura burlesca que floresceu na Espanha nos séculos 16 e

17, com a novela anônima Lazarillo de Tormes, o pícaro, por alguma razão, deu-se muito bem

no Brasil. Memórias de um Sargento de Milícias (1854), de Manuel Antônio de Almeida, é

tido como o primeiro romance brasileiro do gênero. O protagonista, sargento Leonardo, é um

jovem delinqüente que se vê forçado a integrar a força pública ao deixar a cadeia no Rio de

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Janeiro da época de dom João 6º. Depois dele, vieram outros malandros, muitos aproveitados

pelo cinema.

A singularidade de Ponciano é a de pertencer, ao contrário do pícaro típico, à classe

dominante: ele mesmo se define como um “proprietário de terras e coronel de patente por

herança e valentia”. Na novela burlesca clássica, segundo o professor Alfredo Bosi em sua

História Concisa da Literatura Brasileira, contam-se as “aventuras de um pobre que vê com

desencanto e malícia, isto é, de baixo, as mazelas de uma sociedade em decadência”. A

astúcia e a amoralidade do pícaro, nesses casos, são um mecanismo de defesa contra uma

ordem social que o exclui.

O protagonista de O Coronel e o Lobisomem, porém, faz parte da elite brasileira, com tudo de

cômico e paródico que a caracteriza. Isso diz muito sobre a especificidade da nossa formação

social e cultural, em que florescem, conforme o crítico Roberto Schwartz, as “idéias fora do

lugar”. Não é difícil reconhecer traços das atitudes de Ponciano em personagens fictícios

como o coronel Odorico Paraguaçu, de Dias Gomes, ou reais, como os políticos Severino

Cavalcanti e Roberto Jefferson.

O desafio de transpor para as telas de cinema o realismo mágico do livro de José Cândido de

Carvalho, com Diogo Vilela no papel de Ponciano, foi enfrentado pelo diretor Maurício

Farias. Trata-se do primeiro longa-metragem do cineasta, o mais novo representante do “clã”

Farias (é filho de Roberto, sobrinho de Reginaldo e irmão de Lui e Mauro, todos ligados ao

cinema). Com experiência na direção de minisséries de TV, ele comanda atualmente na Rede

Globo o seriado A Grande Família.

Para realizar a adaptação, o diretor cercou-se dos roteiristas Guel Arraes, Jorge Furtado e João

Falcão, os mesmos que transformaram o livro em um Caso Especial da Globo em 1994. O

diretor de arte é o inglês radicado no Brasil Adrian Cooper e a fotografia ficou a cargo de José

Roberto Eliezer, o Zé Bob, que trabalhou em Cafundó, entre outros títulos. A todos, Maurício

Farias pediu ajuda para “criar um universo que fosse compatível com o personagem central,

um sujeito fantasioso, contador de ‘causos’, que acredita no que inventa”. Segundo o diretor,

tudo na arte e no figurino foi feito para descolar o filme do mundo concreto, criando uma

ponte entre a realidade e a fantasia. Para isso, a equipe recorreu também a efeitos especiais

que dão vida aos seres fantásticos que povoam a fértil imaginação de Ponciano, a exemplo da

prima Esmeraldina (Ana Paula Arósio), idealizada como sereia, e — é lógico — do

lobisomem do título.

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O roteiro teve como base o trabalho feito para o Caso Especial. “Buscamos dar unidade a um

relato que, originalmente, era um romance episódico, uma coleção de aventuras com escassa

ligação entre si, algo que no livro funciona muito bem, mas que no cinema não daria certo”,

afirma Jorge Furtado. A solução foi narrar a história retrospectivamente, a partir de um

julgamento em que Ponciano se defronta no tribunal com Pernambuco Nogueira (Selton

Mello), o sujeito que lhe tomou as terras e que ele acusa de ser um lobisomem. “Essa

mudança também satisfez minha queda por filmes de tribunal”, brinca Furtado.

Severino Cavalcanti

Visando à síntese e à comunicação com o público de hoje, o trio de roteiristas tomou inúmeras

liberdades frente ao texto do romance, fundindo personagens, inventando episódios, alterando

a ordem dos fatos, colocando palavras de um personagem na boca de outro, etc. O resultado, a

bem da verdade, é às vezes um pouco confuso, especialmente para quem leu o livro e fica

buscando suas referências na tela. Em todo caso, tentou-se preservar ao máximo o sabor da

linguagem original de Carvalho, plena de achados e invenções que depois se tornariam

correntes (os “emboramente”, as “defeituras”, os “pratrasmente” de tantos coronéis de novelas

globais).

Assim, O Coronel e o Lobisomem se insere num filão de comédias picarescas baseadas em

obras literárias que têm obtido considerável êxito de público no Brasil. Os exemplos mais

célebres são O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, ambos dirigidos por Guel

Arraes. Maurício Farias é o primeiro a reconhecer o parentesco do seu Ponciano com os

protagonistas dos dois filmes, João Grilo e Leléu, mas faz questão de ampliar o grupo de

pícaros. “Há muitos heróis dessa mesma linhagem na história do cinema brasileiro: Renato

Aragão e os Trapalhões, Oscarito, Grande Otelo, Mazzaropi, Zé Trindade e outros grande

atores, que fizeram inúmeras comédias picarescas”.

E o que O Coronel e o Lobisomem tem a dizer ao cidadão brasileiro de hoje? Farias enfatiza o

otimismo do protagonista: “Ponciano é um herói gauche, um sujeito sonhador, ingênuo e

inábil, que, apesar das voltas que a vida lhe dá, encara o futuro sempre com esperança e não

perde a capacidade de sonhar”. Já Jorge Furtado, conhecido por sua militância de esquerda

(dirigiu campanhas para o PT), prefere destacar o que o livro e o filme revelam sobre a

natureza da “nossa elite capenga”. “Quando ligo a televisão e vejo o Severino Cavalcanti, no

plenário da Câmara, dizer: ‘Vossa Excelência recolha-se à sua insignificância’, vejo que é

puro coronel Ponciano”, afirma ele.

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Para Diogo Vilela, a atual crise política propicia “muita reflexão sobre a loucura brasileira” e

o personagem de Ponciano seria um prato cheio para essa ponderação — juntamente com suas

assombrações imaginárias. Parece fantástico demais? Leia o livro, veja o filme e tire a prova.

Bravo, outubro/2005

ANEXO V

Coincidência, Destino, Futuro. Clique para desvendar A Cartomante

Luigi Baricelli, Deborah Secco e Mel Lisboa num filme que trata de futuro, coincidência e destino. A Cartomante, de Wagner de Assis, é uma história inspirada (apenas

inspirada) no conto homônimo de Machado de Assis. “Eu quis contar uma história onde o ponderável e o imponderável convivessem juntos”, avisa o diretor.

Wagner de Assis concedeu com exclusividade uma entrevista ao repórter do Cineminha e falou sobre o elenco do filme, sobre a mensagem do longa-metragem e sobre o roteiro dele. Confira e visite A Cartomante. As cartas estão abaixo:

Cineminha: No elenco de A Cartomante, estão nomes como Luigi Baricelli, Deborah Secco e Mel Lisboa. Como foi o trabalho com eles? Eles enriqueceram o filme?

Wagner de Assis: Todo ator que se apaixona por um projeto sempre traz contribuições criativas para ele. No nosso caso não foi diferente. Uma das principais razões que fizeram os atores participaram deste filme foi a história e mais especificamente a trajetória de seus personagens - mesmo no caso da Mel Lisboa, que é uma participação especial pequena.Eles enriqueceram a história porque vivenciaram com muitas verdades o que estava acontecendo. O Luigi assumiu aquele conquistador bem a fim de qualquer aventura, sem riscos, e, depois, deu uma curva dramática ao personagem maravilhosa em função da "roubada" em que ele se mete ao se apaixonar pela mulher do amigo que salvou sua vida. E por aí foi. Silvia Pfeifer estava gravando uma novela onde seu personagem era super cômico, histriônico. E, na Cartomante, como aquela médica, ela trouxe uma outra seriedade, um tom contido que acho que ajuda muito no final, quando a história é toda revelada. E por aí vai. Tem ainda a Giovanna Antonelli, que leu o roteiro e me ligou dizendo querer fazer a empresária Karen. Tempos depois ela declarou que se tratava de um dos melhores personagens que ela já fez. Isso é resultado de trabalho em equipe. aliás, cinema é a conjunção de muitas artes e uma delas é também a arte da equipe.

Cineminha: A Cartomante brinca com a coincidência ou propõe uma analise sobre o destino? Ou ainda discute os dois temas paralelamente? Qual foi a proposta do roteiro que você fez?

Wagner de Assis: O roteiro partiu do conto do Machado de Assis. E só. Um dos sentimentos que o conto me deixa é de imponderabilidade, imprevisibilidade, de como nosso livre arbítrio não é tão livre assim. Eu quis contar uma história onde o ponderável e o imponderável convivessem juntos. A história da menina que se apaixona pelo melhor amigo do noivo e vai na cartomante saber o que vai acontecer enquanto, ao mesmo tempo, faz análise para tentar entender suas vontades era a proposta. Quando nós lemos o horóscopo do jornal estamos

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mesmo preocupados com o que está escrito ali ou queremos apenas ler palavras que nos confortem a respeito de um destino sobre o qual não temos o menor conhecimento? Você acredita em coincidência? era outra proposta. Porque tudo na vida pode ser coincidência ou obra do destino, certo? Acho que foi daí que o roteiro nasceu.

Cineminha: Obtive a informação de que você considera o filme um "thriller romântico". Quais parâmetros você leva em conta para classificá-lo assim?

Wagner de Assis: Porque, em primeira instância, estamos contando a história de um romance. Em segunda instância, o romance não ganha o colorido da comédia, a leveza dos romances de costumes. É um romance que vai ganhando tensão à medida que a personagem da Deborah Secco vai se enrolando entre as previsões da cartomante e as "coisas certas a serem feitas". E acho que a tensão aumenta mais ainda quando percebemos uma iminência de morte, através das loucuras que a personagem da Giovanna Antonelli vai cometendo.

Cineminha: Você roterizou filmes como “Xuxa Popstar”, “Xuxa e os Duendes” e “Xuxa e os Duendes no Caminho das Fadas”. Diferente dessas produções, A Cartomante busca atingir um público adulto?

Wagner de Assis: As propostas dos roteiros da Xuxa são totalmente diferente da Cartomante. Mas isso é o bom de termos produção constante de cinema. Pode-se fazer filmes infantis como adultos, pode-se inpirar-se num conto do nosso maior escritor como criar histórias originais. Espero que o público brasileiro reconheça na tela um pouco de sua identidade com tantas propostas diferentes. Rodrigo Capella

Cineminha.com

Cartomante, A - Cartomante, A, 2004

Dirigido por Pablo Uranga e Wagner de Assis. Com: Deborah Secco, Ilya São Paulo, Luigi Baricelli, Cristiane Alves, Silvia Pfeifer, Silvio Guindane, Giovanna Antonelli, Mel Lisboa.

A boa notícia: A Cartomante é uma produção capaz de gerar boas risadas. A má: o filme não é uma comédia, mas sim uma espécie de 'drama romântico com toques de thriller psicológico'. Honestamente? A única forma deste desastre em película funcionar como 'drama romântico' seria através de sua exibição compulsória para casais em início de namoro. E 'thriller psicológico' seria obrigar os espectadores a permanecerem no cinema para mais uma sessão.

Levemente inspirado em um conto de Machado de Assis (ênfase na palavra 'levemente'), A Cartomante já se compromete na seqüência que precede o título: em uma boate lotada, o jovem Camilo (Baricelli) se aproxima de uma garota (Antonelli) a fim de seduzi-la. Depois de conversarem através de quase sussurros (apesar do altíssimo som que toma conta do ambiente), os dois partem rumo ao apartamento da moça, que realmente parece ser bem atraente: bêbada e viciada em ecstasy, ela não apenas é extremamente vulgar como ainda agride o rapaz, dizendo que este deve 'fazer o que ela mandar'. Quem não gostaria de uma mulher assim? Surpreendentemente (ênfase no cinismo), a noite acaba mal e Camilo é hospitalizado vítima de overdose tendo sua vida salva por um amigo de infância o médico

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Antônio Vilela. O que ocorre em seguida é previsível: Vilela apresenta o amigo para sua noiva, Rita (Secco), e, pouco tempo depois, já está sendo traído pela dupla.

A primeira grande incoerência de A Cartomante reside na postura do casal de amantes, que age como se não tivesse outra opção a não ser fazer de tudo para manter o romance em segredo – embora eles queiram ficar juntos. Ora, o que impede Rita de romper com Vilela - principalmente depois que este se revela um sujeito agressivo e dominador? No conto, as condições eram totalmente diferentes: Vilela e Rita eram casados e a história se passava no conservador século 19. Já o roteiro não se preocupa em apresentar justificativas para os temores dos amantes.

Mas este talvez seja o menor dos pecados desta adaptação, que tortura o público com diálogos absurdamente ruins: em certo momento, por exemplo, a personagem de Giovanna Antonelli (que faz pouco mais que uma ponta no filme) diz: 'Quero fazer sexo. Quero fazer muito sexo!', enquanto Deborah Secco, em outra cena, afirma para o noivo: 'Eu quero ser o seu almoço!'. Aliás, não sei o que é mais vergonhoso: ouvir um ator (talentoso ou não) dizer falas como estas ou constatar que Machado de Assis, sempre tão cuidadoso na construção impecável de seus textos, tenha servido de inspiração para este projeto. Ah, quase esqueço de mencionar meu instante favorito: ao atender um paciente no pronto-socorro, o dr. Vilela ausculta o coração do sujeito e faz o diagnóstico: 'Parou!'. Só faltava ele dizer que iria 'precisar dar umas pancadas no peito da vítima pra ver se ela acorda' – mas, felizmente, a cena chega ao fim antes que isso aconteça.

O desenvolvimento dos personagens também é interessante, variando de acordo com as necessidades imediatas do roteiro: inicialmente, Vilela é um sujeito bacana, transformando-se instantaneamente em vilão quando Rita e Camilo se tornam o casal central da trama. Depois de cumprir o papel de antagonista, no entanto, ele volta a apresentar indícios de bondade. Da mesma forma, Camilo alterna seu comportamento entre o de um garotão inconseqüente, um conquistador barato e um amante apaixonado, sem maiores explicações. De modo geral, no entanto, é justo dizer que o triângulo amoroso visto em A Cartomante é formado por um babaca, uma mulher medíocre e um egocêntrico. Difícil é entender porque o espectador deveria se importar com três personagens tão detestáveis.

Por incrível que pareça, a direção do projeto consegue competir com a mediocridade do roteiro: os 'cineastas' Pablo Uranga e Wagner de Assis parecem incapazes de compor um quadro sequer com a mínima elegância e demonstram desconhecer os princípios básicos da linguagem cinematográfica, como podemos observar em algumas cenas em que os planos e contraplanos são realizados em eixos de sentido diferentes (o resultado é que os dois interlocutores visto na seqüência parecem olhar para a mesma direção, e não um para o outro). Apelando para clichês mais do que batidos (como ao realizar um zoom nos rostos de Rita e Camilo quando estes se vêem pela primeira vez, a fim de estabelecer o 'amor à primeira vista'), a dupla de diretores cria alguns planos tão ridículos que chegam a provocar o riso, como no close 'sensual' da orelha de Deborah Secco e na tomada em que Vilela aperta dramaticamente um copinho de plástico cheio de café. A impressão final é a de que A Cartomante é um filme amador, e não uma produção supostamente profissional (observe a seqüência que se passa em um bar, envolvendo dois homens e uma arma, e perceberá a falta de veracidade que domina toda a narrativa).

Eu ainda poderia citar a trilha sonora caótica, que jamais se define por um tom, ou as péssimas atuações (com destaque para Antonelli, cuja performance chegou a me deixar constrangido), mas isto seria como chutar cachorro morto. Pensei, também, em discutir a

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65

'revelação' final, mas não vejo razão para isso: se nem mesmo os cineastas parecem levar a tal reviravolta a sério, por que eu deveria fazê-lo? Por outro lado, não posso deixar de observar que praticamente todo o elenco é citado nos créditos de 'produtores associados', o que significa, na prática, que Baricelli, Secco e cia. aceitaram receber menos do que o habitual para participar do projeto. A pergunta é: por que?

Ah, sim: talvez seja interessante informar que o roteiro de A Cartomante foi escrito por Wagner de Assis, responsável por obras como Xuxa Popstar e Xuxa e os Duendes. Seja como for, A Cartomante já é sério candidato a um prêmio que criei de maneira informal este ano: o troféu Histórias do Olhar 2004.

28 de Janeiro de 2004

A CARTOMANTE Wagner de Assis e Pablo Uranga - Brasil, 2004

Se você quer saber tudo que há para se conhecer de A Cartomante em uma breve descrição, é

fácil: trata-se de um filme onde um personagem irritado amassa um copo de café, que se espalha

por sua mão; onde um casal de personagens se encontra na praia, correndo em câmera lenta, de

branco; e onde um personagem diz a frase "Você acha que controla o seu destino, já se perguntou

ao seu destino o que ele acha disto?". Mas, atenção: nada disso é paródico, e sim levado a sério

pelo filme. Ora, qualquer filme que leve a sério clichês tão radicais, que já se tornaram paródias

em tantos outros filmes, sofre de um tal anacronismo que chega a ser difícil discutir qualquer outro

aspecto dele - anacrônico mesmo pela apreensão do que seja "ser moderno", com truquezinhos

banais de edição e fotografia, ou trilha sonora eletrônica. De fato, como se dizia naquelas piadas, A

Cartomante é o cúmulo do filme anacrônico - tanto assim que cria um novo tipo de anacronismo

não visto antes: o anacronismo cirúrgico. O filme é tão velho no nascedouro que Deborah Secco e

Sabrina Sato (a do Big Brother) aparecem no filme com, digamos, qualidade toráxicas bastante

diferentes das que fazem sua fama atualmente. Não restam dúvidas: o filme envelheceu.

Mas, muito mais chocante que seu anacronismo é perceber a completa falta de propósito de uma

produção como esta: sobre o quê querem seus diretores falar, afinal? Não parece que sobre muita

coisa, nada há no filme que indique qualquer urgência de fato, mesmo que inconsciente. Se um

Sexo, Amor e Traição serve de discussão na mesa de bar pelo seu retrato da compreensão

contemporânea das relações amorosas, ou entre cinema e TV, ou mesmo de um Brasil que se

revela no que ele propõe como modelos de ambições e desejos, A Cartomante não permite nada

disso. Sua realização é de tal forma desprovida de relações com a atualidade, que nem seu

conteúdo reflete nada de muito interessante sobre o país, sobre hoje; nem sua forma faz isso

sobre uma visualidade contemporânea, uma vez que também parece velha, equivocada. Se o filme

de Jorge Fernando pode ser discutido dentro do arquétipo do "mau filme safra 2004", o que faz de

A Cartomante um mau filme é absolutamente atemporal: o completo equívoco de projeto de todas

as partes envolvidas. De contemporâneo e comum com alguns destes filmes, só mesmo a preguiça

Page 66: Monografia Letras - Literatura e Cinema

66

estilística que cria uma mise-en-scène absurdamente truncada, e que mais do que simplesmente

feia, atrapalha o andamento do filme o tempo todo.

O que mais surpreende no filme é saber que um de seus diretores (Assis) tem carreira,

eminentemente, como roteirista. Ou melhor, talvez seja menos surpreendente do que revelador do

processo de produção de roteiros nas fábricas da nossa tal "indústria" (seja Rede Globo, seja Diler

e Associados, locais onde trabalhou Assis). Roteiros viram equivalentes de acúmulos de clichês,

golpes narrativos fáceis e simplórios (usar uma psicóloga como forma dos personagens falarem

sobre o que são e porque fazem o que fazem - nunca isso se vê em ações e sim em diálogos que

fazem a narrativa andar ou explicar os personagens); em suma, a redução da experiência humana

(e sentimental, principalmente) a um jogo que necessita, mais do que tudo, de uma certa

debilidade mental dos participantes. Não há resquício de vida humana em A Cartomante - o roteiro

parece ter sido escrito por um software, o filme dirigido da mesma forma, os atores escalados

assim também. Só que, neste caso, o software já está, além de tudo, desatualizado.

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ANEXO VI Questionário de entrevista aos professores

Nome: ________________________________________________________________ Área de formação: _______________________________________________________ Área de atuação: ________________________________________________________ Escola onde atua: _______________________________________________________ 1. Faz uso de produções cinematográficas (filmes) em suas aulas? não sim

Por quê? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Com que freqüência? ________________________________

2. Na sua percepção, quais as vantagens do uso de filmes nas aulas de literatura?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3. Que dificuldades didáticas e metodológicas você percebe na realização desse trabalho?

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________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4. Que tipo de atividade você desenvolve a partir da exibição? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5. Em geral, como os alunos respondem a essa proposta de trabalho? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ANEXO V

AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA

PESQUISA MOSTRA AMPLIAÇÃO DA CLASSE C

Aparelhos de telefone celular e televisores lideram lista de produtos mais comprados de 2003 para cá

O Datafolha indagou os eleitores brasileiros a respeito da compra de alguns itens de conforto de 2003 para cá. Os produtos que lideram a lista como os mais comprados são aparelhos de telefone celular e televisores: 49% dizem ter comprado ou trocado de celular nesse período. Desses, 24% afirmam que já tinham um aparelho e 25% dizem que se tratou do primeiro que compraram. No caso de aparelhos de TV, 47% declaram ter comprado, sendo que 31% compraram modelos com menos de 29 polegadas e 16% adquiriram televisores com tela acima deste tamanho.

Aparelho de DVD e móveis também empatam, citados por, respectivamente, 38% e 36%. No caso do DVD, 32% dos que compraram afirmam que não tinham um aparelho desses em casa antes. Vêm a seguir, com percentuais acima de 20%, CD players (28%), fogões, liquidificadores (27%, cada) e máquinas de lavar roupa (23%).

Compraram carro de 2003 para cá 15%; levaram computadores para casa 14%, mesma taxa dos que adquiriram aparelhos de telefone sem fio. Câmeras digitais foram citadas por 11%, fornos microondas por 10%, freezers e aparelhos tocadores de mp3 por 8%, cada. A decadência dos aparelhos de videocassete fica patente, quando se verifica que apenas 7% compraram um desses produtos de 2003 para cá, taxa 31 pontos menor do que a dos

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que dizem ter comprado aparelho de DVD. Os itens menos adquiridos foram câmeras de vídeo (3%), secadoras de roupa (2%) e lavadoras de louça (1%).

COMPRA DE ITENS DE CONFORTO DE 2003 PARA CÁ

sim, comprou / trocou

não, comprou / trocou sim, já havia não havia não sabe

Aparelho de telefone celular para seu uso pessoal

49 51 24 25 0

Aparelho de TV 47 53 25 22 0 TV de tela abaixo de 29 polegadas

31 69 21 10 0

TV de tela de 29 polegadas ou mais

16 84 4 12 -

Aparelho de DVD 38 62 6 32 - Móveis 36 64 29 8 0 Aparelho de CD (CD Player)

28 72 12 17 0

Fogão 27 73 23 4 - Liquidificador 27 73 20 7 - Máquina de lavar roupa

23 77 10 12 0

Carro 15 85 9 5 - Computador 14 86 5 9 - Aparelho de telefone sem fio

14 86 5 8 0

Câmera fotográfica digital

11 89 2 9 0

Forno microondas 10 90 3 6 0 Freezer 8 92 3 5 - Aparelho tocador de MP3

8 92 1 6 -

Videocassete 7 93 4 4 - Câmera de vídeo 3 97 1 2 0 Secadora de roupa 2 98 1 2 - Lavadora de roupa 1 99 0 1 -

Fonte: P. 17. Nos últimos três anos, do começo de 2003 para cá, você ou alguém da sua casa comprou ou trocou de ____________: P.17a. (SE SIM) Já havia___________ em sua casa antes? (...)

No caso dos DVDs, 18% dizem que o consumo de produtos de origem pirata aumentou; em relação a DVDs originais essa taxa é de 11% (18% dizem que têm comprado menos).

COMPARAÇÃO DO CONSUMO DE ALGUNS ITENS HOJE COM O DE 2003 aumentou diminuiu continua o mesmo não sabe, não lembra Alimentos em geral 37 13 49 1 CDs piratas 29 13 46 12 Refrigerantes 27 20 51 2 Perfume 25 15 56 3 Cosméticos 25 14 57 4 Frios 22 18 57 3 Iogurte 21 21 55 4 Artigos de cama, mesa e banho

21 13 62 4

Doces/chocolates 19 22 56 3 DVDs piratas 18 13 53 16 Brinquedos 17 23 52 8 Salgadinhos 17 21 58 4 CDs originais 12 24 53 11 DVDs originais 11 18 57 14

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69

Fonte: P.18. Em relação há três anos atrás, você diria que o consumo de _________ na sua casa aumentou, diminuiu ou continua o mesmo? Folha de São Paulo. Data Folha. 7. jul. 2006.

ANEXO VI Pesquisa Retrato da Leitura No Brasil16 16 Apresentação de dados oficiais extraídos da pesquisa Retrato da leitura no Brasil, encomendada pelo grupo CBL/ BRACELPA/ SNEL/ ABRELIVROS. São Paulo, 2001. Documento PPT.

51%

49%

Masc.Fem.

Amostra Representa 86* milhões de adultos brasileiros alfabetizados: 42 milhões de homens e 44 milhões de mulheres

* Universo estimado em 2000, com a distribuição real de sexos na população estudada

PERFIL DA AMOSTRA - BRASILPERFIL DA AMOSTRA - BRASIL

27%9%31%

33%1ª a 4ª série 5ª a 8ª série Ensino Médio Superior

SEXO (ponderado)SEXO (ponderado)

ESCOLARIDADE ESCOLARIDADE

IDADEIDADE

38%

30% 25%7%

A B C D/E

CLASSE ECONÔMICACLASSE ECONÔMICA

23%

21%16%

22%

18%

14 a 1920 a 2930 a 3940 a 49Mais de 50

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

PopulaPopulaçção ão alfabetizada com alfabetizada com mais de 14 anosmais de 14 anos

20%20%

LEITURA DE LIVROS NO BRASILLEITURA DE LIVROS NO BRASIL

Compradores Compradores de Livros de Livros

14%14%

Leitor Leitor CorrenteCorrente

1549 21

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Representa atualmente 20% da população brasileira alfabetizada com 14 ou mais anos

PENETRAÇÃO DE COMPRAS DE LIVROSPENETRAÇÃO DE COMPRAS DE LIVROS

* 3 anos de instrução completa

Mercado Comprador

Em São Paulo Em São Paulo 22%22% da populada populaçção alfabetizada ão alfabetizada éé compradora de livros, compradora de livros, estimados aproximadamente em 1,5 milhões de compradoresestimados aproximadamente em 1,5 milhões de compradores

Estimados em 17,2 milhões de pessoas alfabetizadas* acima de

14 anos que compraram pelo menos um livro em 2000

1549 35

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

57% Maior bloqueio atual

Bloqueios para Maior Aquisição de Livros

Custo do Custo do livro = 34 %livro = 34 %

Falta de Falta de $ $ = = 23%23%

Falta de estimulaFalta de estimulaççãoão 31%31%

InformaInformaçção ão IndicaIndicaçção ão

SolicitaSolicitaçção formal ão formal de escola / empresa de escola / empresa

+

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Pequena parcela da população lembra-se de ter adquirido livros nos últimos 12 meses

Compra de Livros

Compra mCompra méédia declaradadia declarada

20%20%

5,925,92 livros livros ao anoao ano

Apenas 1,21 livros por adulto alfabetizadoApenas 1,21 livros por adulto alfabetizado

1549 28

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

36%33%

17%14%

A B C D/E

O comprador típico pertence às classes B e C: somam 12 milhões de compradores

PERFIL DO COMPRADORPERFIL DO COMPRADOR

Participação de Compradores por Classe Econômica

Base Real / Ponderado : 1473 / 1642 compradores de livros nos últimos 12 meses

Classe Econômica

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

2.00016Não Identificado114346

%

120120480360480602

Pop. Est. Em MilBRASIL

Educação BásicaArtes, Lazer e DesportosCiências PurasLínguasLiteratura Infanto-JuvenilGeografia e HistóriaLivros que estão

sendo lidos fora da escola

1,3 gêneros lidos em média

por leitor

GÊNEROS DE LEITURA CORRENTEGÊNEROS DE LEITURA CORRENTE

Leitura Atual

Gêneros Lidos Gêneros Lidos –– Brasil Brasil -Continuação-

Page 70: Monografia Letras - Literatura e Cinema

70

1549 73

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

62% 62%

LEITURA HABITUALLEITURA HABITUAL

dos brasileiros alfabetizados com mais de 14 anos declaram que “costumam ler livros”

30% 30% efetivamente leram nos últimos 3 meses

XX

1549 52

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Quanto mais baixo o estrato econômico maior é a penetração de leitura da bíblia

8182235403

18A *

779

23371119B *

44

1117241822C *

4569

193618

D/E *

Generalidades

GÊNEROS LIDOS

Ciências AplicadasCiências SociaisFilosofia e PsicologiaLiteratura AdultaBíblia (apenas)Religião

GÊNEROS DE LEITURA CORRENTEGÊNEROS DE LEITURA CORRENTE

Classe Econômica

Gêneros Lidos por Classe Econômica Gêneros Lidos por Classe Econômica –– Brasil Brasil

*Porcentagem do total de leitores Base Real / Ponderada : 1241/1152 entrevistados que leram algum livro nos últimos 30 dias

Quanto mais alto o estrato econômico

maior a penetração de

literatura adulta e livros de formação

científica

1549 67

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

PERFIL DO LEITORPERFIL DO LEITOR

São Paulo

Base Real / Ponderada : 2591/2425 no BrasilEntrevistados que leram algum livros nos últimos 3 meses

Brasil

39%

33%

17%

11%

Classe Econômica

Perfil do Leitor por Escolaridade – São Paulo

Outras Metrópoles

Perfil do Leitor por Classe Econômica

29%

33%

19%

19%

34%

31%

14%

21%

Classes com melhor poder aquisitivotêm maior presença entre os leitores das metrópoles

ABCD/E

1549 59

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

30% da população alfabetizada no Brasil com mais de 14 anos

Leitor Efetivo

26 milhões de leitores no País

PENETRAÇÃO DE LEITURA EFETIVA DE LIVROSPENETRAÇÃO DE LEITURA EFETIVA DE LIVROS

Leu pelo menos um livro nos últimos 3 meses

SP 36%36% 2,4 milhões de leitores

14% da população alfabetizada no Brasil com mais de 14 anosdeclara não ter hábito de ler nada

12 milhões de alfabetizados no País

1549 57

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Baixa Posse de Livros

Necessidade de criar programas Necessidade de criar programas que facilitem o acesso a livrosque facilitem o acesso a livros

++ Baixo poder aquisitivo da maioria dos leitores

Poucas alternativas de leitura dentro de casa

Presente / ganhou da escolaEmprestado de amigo/parenteEmprestado de biblioteca

Ampliação do número de bibliotecas

Busca de opções para acesso a livros

ACESSO AO LIVROACESSO AO LIVRO

1549 83

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Imagem do do Livro

POSICIONAMENTO DO LIVROPOSICIONAMENTO DO LIVRO

69%69%

ModernidadeModernidade

Estratos econômicos mais baixos

Estratos econômicos mais altos

Declaram ter formas mais modernas de se atualizar

Comparam com rádio / TV / jornal e revistas

Comparam com Internet / TV paga

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Baixa presença das bibliotecascomo forma de acesso ao livro 8%

CONCLUSÕESCONCLUSÕES

Barreiras ao incremento

da leitura no estrato

médio da

ACESSO AO LIVRO

Baixo poder aquisitivo

COMUNICAÇÃO E MARKETING

Estratégias para modernizar a

CBL/BRACELPA/SNEL/ABRELIVROSRetrato da Leitura no Brasil

Imagem do do Livro

POSICIONAMENTO DO LIVROPOSICIONAMENTO DO LIVRO

EntretenimentoEntretenimento(25%)(25%)

PrazerPrazer(39%)(39%)

É nulo para os que são leitores obrigatórios

“Só leio para o meu

Ausência de prazer com a leitura se dá mesmo nos

estratos mais altos:

Classe A 33%33%