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JULIANA CRAVO DOMINGOS

LITERATURA E CINEMAO USO DE PRODUES CINEMATOGRFICAS NAS AULAS DE LITERATURA BRASILEIRA

ITABIRA 2007

JULIANA CRAVO DOMINGOS

LITERATURA E CINEMAO USO DE PRODUES CINEMATOGRFICAS NAS AULAS DE LITERATURA BRASILEIRATrabalho de concluso de curso apresentado ao Instituto Superior de Educao de Itabira da Fundao Comunitria de Ensino Superior de Itabira como requisito para obteno de ttulo de Licenciada em Letras

ITABIRA 20072

A Eloiza Agusto, minha fonte de inspirao e grande incentivadora neste trabalho.

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RESUMO Na atualidade, o cinema configura-se uma arte em evidencia, merecendo ateno dos estudiosos em literatura comparada, que sinalizam que, no que se refere a relao entre o literrio e o cinematogrfico, cada vez mais um empresta do outro elementos constitutivos, seja de enredo ou de estilo. No Brasil, com o processo conhecido como Retomada, na dcada de 90, a produo nacional ganhou impulso e o que se tem observado , cada vez mais, um estreitamento de laos entre as obras da literatura brasileira e a produo flmica, na medida em que a ltima sorve particularidades da primeira para se construir. A partir da perspectiva de interseco entre os dois discursos, este estudo tem por objetivo discorrer sobre a adoo do cinema como instrumento didtico e pedaggico nas aulas de literatura brasileira, bem como as implicaes da instrumentalizao da produo cinematogrfica traduzida e suas possibilidades educativas no que tange os estudos literrios na escola. Palavras-chave: cinema literatura brasileira recurso didtico

ABSTRACT Nowadays, the cinema is a kind of art in evidence, and it attracts attention of the research in comparative literature. These researchers signal that, about the relationship between literature and cinema, more and more one of them imparts to the other its constitutive elements, such as plot and style. In the Brasil, with the Retomada process, in 90s, the national cinematographic production had been incited and its possible to observe the narrowing of the bonds between the brazilian literature and the filmic production, according as the cinema absorb literary particularities for constitute itself. From the perspective of intersection between the two discourses, this study has in view to discussion about the cinema adopt as didactic and pedagogic instrument, as well as the implications of the translated cinematographic production instrumentalization, and its educative possibilities in the literary studies.

Key-words: cinema brazilian literature didactic resource

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SUMRIO 1. Cinema e Educao 2. Adaptaes Cinematogrficas como instrumento didtico-pedaggico 3. Propostas de trabalhos com produes cinematogrficas: exemplos didticos 4. ndice de obras literrias brasileiras adaptadas para o cinema 5. Concluso 6. Referncias Bibliogrficas 7. Anexos

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RELAO DE TABELAS, GRFICOS E ILUSTRAES 1. Esquema 1: Procedimentos didticos 2. Esquema 2: Procedimentos didticos 3. Tabela Anlise de obra cinematogrfica adaptada: O coronel e o lobisomem 4. Tabela Paralelo entre filme e Livro: O coronel e o lobisomem 5. Tabela Anlise de obra cinematogrfica adaptada: O coronel e o lobisomem 6. Tabela Paralelo entre filme e Livro: O coronel e o lobisomem

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1. CINEMA E EDUCAO NO BRASIL O cinema no Brasil surgiu no final do sculo XIX e suscitou discusses sobre suas possveis potencialidades. Conforme CATELLI (2003) a vinculao do cinema a educao no pas no constitui uma discusso recente: j no incio do sculo XX, intelectuais, polticos, educadores e cineastas j discutiam a viabilidade da adoo da produo cinematogrfica como recurso didtico nas escolas. importante ressaltar, nesta perspectiva, que o cinema ganhou um carter instrumental voltado para educao industrial, visto que no perodo de implementao das propostas, os anos 20, vislumbrava-se os filmes literalmente educativos, ou seja, de carter didatizador: a inteno, a priori, no a apreciao do filme enquanto produo artstica, mas sua utilizao como um meio de persuadir e sedimentar nas massas populares certos valores e conceitos defendidos pelas autoridades da poca. De acordo com CATELLI (s/d), a Alemanha Nazista e a Itlia Fascista tambm atriburam um estatuto privilegiado ao cinema como educao das massas e propaganda ideolgica, tendo sido criados departamentos cinematogrficos vinculados diretamente ao Estado. A estes dois modelos de uso do cinema como instrumento poltico e pedaggico que, mais comumente, se referiam os formuladores do cinema educativo no Brasil, aparecendo tambm citaes de experincias realizadas nos Estados Unidos e produo de filmes cientficos franceses. A literatura educativa sobre os anos 20 e 30 sinaliza que, no que tange a relao cinema-educao, o mundo discutia amplamente no incio do sculo XX as possveis analogias entre o comportamento humano em sociedade e as imagens cinematogrficas, de acordo com CATELLI (2003). As diversas reas do conhecimento, como medicina, psicologia, educao, religio e direito, buscavam tratar, como indicam artigos em revistas e peridicos da poca1, o efeito do cinema, o impacto da imagem cinematogrfica, de que modo o homem sorvia e processava essas imagens e de que maneiras isso afetava suas idias e concepes, e consequentemente, seu modo de agir. Aqui, no se fala em arte, imagem, converso e fuso de idias interdisciplinares (a de se frisar que no existiam ainda parmetros e diretrizes curriculares nas diversas reas das cincias), mas do cinema tomado, concretamente, como um recurso metodolgio, ao passo de que, em 1937, o governo Getlio Vargas assina lei n 378, que cria o Instituto Nacional de Cinema Educativo, cujo artigo Art. 40 assinala: "Fica creado o Instituto Nacional de Cinema Educativo, destinado a promover e orientar a utilizao da cinematographia, especialmente1

FERRO, Marc. Cinema e Histria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.27 7

como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educao popular em geral2. Mais tarde, com a criao do Instituto Nacional de Cinema INC, o cinema educativo ganha um departamento especfico, o Departamento de Filmes Educativos, responsvel pela produo e distribuio de filmes s escolas. Portanto, o que se observa que, embora j reconhecida a vocao educativa dos filmes, as produes a que os educadores e as escolas lanam seus olhares no so obras cinematogrficas enquanto arte propriamente dita, mas vdeos fabricados especificamente para os fins instrucionais da escola. O fato que, h um sculo, o cinema j arquejava viabilidade como ferramenta pedaggica atravs de sua instrumentalizao didtico-formativa, mesmo que considerado uma ferramenta cujo valor artstico e crtico era complemente ignorado. No Brasil, as possibilidades didticas e metodolgicas de uso de produes cinematogrficas foram se ampliando, no sculo XX, atravs dos anos, no primeiro momento com a criao e financiamento, por iniciativa do Governo, do INC (Instituto Nacional de Cinema), um departamento especfico cuja atribuio era tratar do cinema no pas, e que posterioriormente, se fundiu a Embrafilme, produtora de cinema financiada pelo governo responsvel, alm da produo, pela distribuio dos filmes brasileiros. Mais tarde, a educao no Brasil daria o salto no sentido de valorizar o cinema como instrumento e contedo de ensino: com a elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais, que preconizam que o cinema - entre outros textos e mdias produzidos na sociedade contempornea - devem fazer parte do currculo de formao dos alunos, tanto como recurso didtico como atividade do discurso, explorada na escola enquanto arte de valor em si mesma. Culturalmente, o Brasil tem tradio na adoo de filmes, mas trata-se de pelculas produzidas especificamente para uso escolar: a adoo de produes cinematogrficas propriamente dita vm ocorrendo nos ltimos 20 anos, a medida em que os recursos tecnolgicos e estruturais, e tambm a disponibilidade de filmes no mercado comum passaram a ser maiores. At 20 anos atrs, o professor de literatura que se propusesse a realizar um trabalho dessa natureza esbarraria em um obstculo intransponvel: a carncia de produes cinematogrficas brasileiras adaptadas de obras literrias. Houveram sim adaptaes cinematogrficas de obras de literatura brasileira nas dcadas anteriores, nos anos 60 e 70, mas o mercado nacional voltou-se para at hoje lembradas pornochanchadas. Isso fez com que as demais produes fossem esquecidas pelo mercado e que consequentemente se tornassem de difcil acesso ao pblico em geral. Contudo, esse quadro vem se revertendo nos2

Ministrio da Cultura, Brasil, 2007. 8

ltimos anos, quando o cinema nacional ganhou flego com parcerias e apoio de produtoras internacionais e ganhando prestgio junto ao espectador brasileiro. Segundo AUGUSTO (2006), filmes de enredo, no Brasil, comearam a ser produzidos a partir de 1908, com Nh Anastcio Chegou de Viagem, de Jlio Ferrez. Ainda na dcada de 10 e cinema se transformou em um tipo de febre nacional, furor causado no s no Brasil nas no mundo inteiro. Nas dcadas seguintes, a produo cinematogrfica no pas ganhou consistncia e caractersticas prprias, mas foi s na dcada de 40, com a fundao da produtora independente Atlntida, que o cinema nacional ganhou fora e vislumbrou um perodo de prosperidade, que declinou na dcada de 60 com a popularizao da TV. O cinema nacional viveu um perodo de hiato quase que total na dcada de 90, provocado pela extino do apoio estatal, medida do ento presidente da repblica Fernando Collor de Mello. A Retomada, nomeao dada ao perodo em filmes no Brasil voltaram a ser produzidos, ocorreu em 1995, com o lanamento de Carlota Joaquina, uma modesta produo de Carla Camuratti, mas que levou os brasileiros de volta ao cinema. De l pra c, mais especificamente de 1995 a 2001, foram produzidos 167 longa-metragens, de acordo com a Secretaria de Audiovisual3. A vitalidade da produo nacional nos ltimos 7 anos notvel, sobretudo no evidente nmero de filmes cujos roteiros so adaptaes de obras literrias, dentre as quais podemos citar Cidade de Deus, Central do Brasil e Lavoura Arcaica, sucessos de pblico e de crtica. Recentes produes tm resgatado tambm obras clssicas de nossa literatura, como Memrias Pstumas e Dom, ambas adaptaes de obras do escritor Machado de Assis. Segundo DINIZ (2005, p. 13) a prtica de transformar uma narrativa literria em narrativa flmica espalhou-se a ponto de boa parte dos filmes ter atualmente, como origem, no um script original, criado especialmente para o cinema, mas uma obra literria. Sendo assim, o professor de literatura dispe na atualidade de um conjunto de obras cinematogrficas que lhe seriam de grande auxlio nas aulas, e que poderiam ser utilizados como instrumentos pedaggicos para um trabalho de formao de leitores. Essa acessibilidade de que goza, atualmente, o professor de literatura que se propuser a trabalhar com cinema em sala de aula, advm de uma srie de fatores que concomitantemente, na ltima dcada, elevaram o cinema nacional a uma produtividade significativa, sendo que grande parte destas produes tm o roteiro adaptado de obras da literatura nacional, clssica ou contempornea. Dentre estes fatores, pode-se citar os investimentos e apoio por parte do governo e entidades pblicas e privadas, o surgimento de produtoras independentes que

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buscam trabalhos inovadores e criativos, como a O2 Produes Artsticas e Cinematogrficas e Casa de Cinema de Porto Alegre, a captao de recursos internacionais alm de parcerias com distribuidoras de atuao global, como a Universal , Columbia e Paramount. Alm disso, no que diz respeito ao aspecto pedaggico do cinema, este tipo de trabalho ganhou voz a partir da institucionalizao dos Parmetros Curriculares Nacionais, que enfocam a importncia dos variados tipos de discursos e mdia na aprendizagem. Outro fator importante para facilitao deste tipo de trabalho didtico foi a popularizao do aparelho de DVD player e disponibilizao de obras nacionais para mercado de venda e locao4, alm da crescente equipao das escolas da rede pblica com aparelhos de TV e DVD players5, que tornaram significativamente menor o hiato entre o aluno (sobretudo o aluno carente) e a obra cinematogrfica. Existem tambm hoje uma movimentao, por parte dos profissionais da rea de cinema diretores, roteiristas, produtoras, distribuidoras e atores , no sentido de promover a divulgao e popularizao do cinema, do teatro e da literatura, aes que, em maior ou menor grau, promovam um possvel contato entre alunos e obras cinematogrficas. Exemplos disso so os eventos Ms da Popularizao do Cinema e o Projeto Belocine, ambos institudos em 2006 pela Cmara Municipal de Belo Horizonte, na tentativa de universalizar a cultura cinematogrfica na capital, assim como j acontece com o teatro na tradicional Semana de Popularizao do Teatro de Belo Horizonte. Visto assim, pode-se concluir que o trabalho com cinema em aulas de literatura nas escolas brasileiras j encontra uma srie de fatores facilitadores e otimizadores para sua realizao efetiva nas escolas da rede pblica. Influncia da realidade socioeconmica dos alunos e da escola na realizao de atividades com filmes Fato consideravelmente relevante para o trabalho com cinema, as condies socioeconmicas dos alunos determinam a metodologia do trabalho e podem limitar o leque de explorao da obra. Por outro lado, as diferenas socioculturais podem enriquecer as leituras que os alunos fazem dos filmes. A exposio de uma produo cuja realidade se intercale a do aluno: por exemplo, a exibio de um filme cuja ambincia seja um ambienteORICCHIO, 2003, p. 27 ANEXO V: Pesquisa Data Folha (jul. 2006) 5 Em 2005, o MEC lanou o Projeto DVD Escola que distribuiu cerca de 60 mil aparelhos de DVD em escolas de todo o pas.4 3

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perifrico em uma turma cujos alunos residam ou tenham contato direto com essa realidade de bairros de periferias resulta, provavelmente, em reflexes de identificao, j que os alunos conhecem intrinsecamente a realidade apresentada; o tipo de leitura que acontece, por parte dos alunos, se lhes exibido um filme cuja realidade seja antagonista a que eles vivem a ambincia perifrica apresentada a alunos de classes A e B ou a ambincia elitista apresenta a alunos de classes C, D e E de ordem hipottica e pressuposta, j que eles analisam a histria pelo vis de conhecimentos de mundo que, no plano geral, eles obtm por recursos de mdia e inter-relaes sociais, em suma, realidades que eles no vivenciam. Ambas as leituras so produtivas e ricas, e permitem a explorao da obra em uma srie de aspectos. Por outro lado, se em uma anlise pedaggica as diferenas sociais podem at contribuir para a aquisio de conhecimentos sobre uma nova realidade, em uma esfera tcnica-metodolgica a realidade de uma sala de aula pode limitar, ou at mesmo no permitir, o trabalho com filmes. O fato se deve a uma srie de elementos administrativos, metodolgicos e gerenciais da prpria escola: embora as instituies pblicas de ensino recebam equipamentos de udio e vdeo (Aparelho de Som, TV, DVD player), existem indicaes de que nem sempre possvel lanar mo destes recursos, como por exemplo, a indisponibilidade de um espao na escola para montagem de uma sala de vdeo e elevados ndices de furtos e vandalismo que no permitem a exposio dos recursos sem risco de perda e/ou dano permanente, realidades comuns, sobretudo, s escolas que atendem a alunos residentes em grandes conjuntos perifricos. Nesta perspectiva, ocorre o oposto quando o trabalho realizado em escolas que, embora da rede pblica, atendam alunos de classe mdia (B) e classe mdia baixa (C), pois neste ambiente j existe, por parte de alunos, pais e comunidade, uma conscincia cvica e conservadorista com relao ao patrimnio escolar como um todo. Estas observaes, feitas durante estgio curricular supervisionado, no perodo de setembro de 2006 a junho de 2007, em duas escolas da rede pblica da cidade de ItabiraMG, ilustram a afirmao: ambas as escolas atendem alunos das classes B e C, contudo, a realidade para realizao de sesses de filmes oposta: enquanto na escola A estes trabalhos j fazem parte da rotina dos alunos, que conhecem os procedimentos e qual postura para o trabalho, na escola B este tipo de atividade enfrenta problemas de ordem disciplinar e burocrtica (a liberao dos equipamentos deve ser feita mediante solicitao com justificativa), alm de, segundo relato de professores, episdios de vandalismo, danificao dos equipamentos e at mesmo furtos j ocorrido na escola.

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As inmeras barreiras enfrentadas pelo professor, sobretudo em escolas que apresentem alto ndice de violncia e limitao de recursos, podem lev-lo a conceber como invivel o trabalho nesse tipo de escola e a zonear seu trabalho de forma que ele s acontea em salas de aulas cujas condies (alunos e recursos) sejam totalmente favorveis ao trabalho. Entretanto, tal posicionamento, perpetua um sistema educacional no qual alunos mais carentes so educados margem da sociedade, j que ignorar a carncia de muitos alunos aos meios de cultura e entretenimento no Brasil no s uma imprudncia cvica, tambm um estouvamento didtico porque ao professor e escola est delegada a responsabilidade de formar cidados crticos e utilizar, obrigatoriamente, nesta formao os discursos produzidos em todo o entorno social e global, conforme preconizam os PCNs, que ressaltam a importncia do uso e explorao dos diversos gneros discursivos, dentre eles, o discurso cinematogrfico, na formao acadmica do aluno. Nesta perspectiva, o trabalho com cinema concatena-se diretamente leitura e valorizao da literatura nacional, pois no se trata do estudo de um tipo de discurso, mas da explorao das interaes entre diversos tipos discursivos, em que uso do cinema como instrumento pedaggico tenha como objetivo constituir um provocador do interesse do aluno. A necessidade de instigar interesse no trabalho com leitura advm de discusses e reflexes surgidas a partir de constataes dos graves problemas que o tema enfrenta dentro das escolas brasileiras, sobretudo as pblicas. Pesquisas recentes6 revelam que dois grandes obstculos que tornam a leitura to inacessvel: no que tange o fator econmico, a falta de recursos financeiros, j que um livro custa cerca de 10% do salrio mnimo atual (R$350,007); quanto ao fator cultural, tem-se o estigma dos cnones da literatura brasileira (taxados de chatos pelos estudantes) como resultado no de um contato mal-sucedido entre o aluno e a obra, mas do prprio valor nfimo que o estudante d a literatura, conceito decorrente de formao literria que no instiga o conhecimento de obras artsticas, sejam elas de natureza literria, plstica ou cinematogrfica. neste contexto que se insere o valor do objeto deste trabalho, que tem como objetivo principal discutir como e porque o discurso cinematogrfico se constitui um recurso de importncia e possibilidades variadas no trabalho e resgate da valorizao da literatura brasileira.

Anexo VI: Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2000) Na data da pesquisa, o salrio ainda no havia sido corrigido para R$380,00 (correo em maio/2007). Com o aumento, a proporo do preo do livro cai para 9%, contudo, a queda no constitui fator significativo na observao feita.7

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2. ADAPTAES CINEMATOGRFICAS COMO INSTRUMENTO DIDTICOPEDAGGICO SCORSI (2006) diz que Se o cinema est impregnado da literatura, a literatura moderna sorve os ritmos e modos do fazer cinematogrfico. Linguagens convergentes, cinema e literatura so linguagens do nosso viver urbano, contemporneo, que se fixam em nossa memria e nos educam cotidianamente. A literatura precede em milnios o cinema e por isso compem-se esteticamente de forma distinta: a literatura no se vale da esttica da imagem, enquanto o cinema se constri sob ela. Ambas as linguagens, enquanto produto humano, se influenciam mutuamente. Entre os meios literrio e cinematogrfico existe um paralelo comum, formado pelo dilogo e pela imagem, sendo que no primeiro o texto propriamente dito que acionar os sentidos e, na mente do leitor, se transformar em imagem, enquanto no segundo imagens em movimento que sero expostas aos olhos do espectador, e sero decodificadas atravs das palavras. A imagem (e o prprio conceito de imagem) apresenta-se de maneira distinta entre as duas artes: como explica GUIMARES (1997, p. 68-74) a imagem na literatura texto simblica e projeta-se na mente do leitor como um cinema mental, enquanto no cinema ela icnica e constitui-se de uma terceira dimenso lingstica: o aspecto visual, exterior ao espectador. Nessa transposio do smbolo ao cone, como afirma SAVERNINI (2004, p. 82), a montagem em contraponto entre imagem e narrao sonora potencializa o impacto sobre o espectador. (...) Ao mesmo tempo, o espectador crtico tambm encontra espao para desfrutar o prazer da lngua Essa interface e relao de apreenso entre cinema e literatura seria uma hiptese para justificar o interesse que um desperta sobre o outro no espectador/leitor. Se antes, ao falar de literatura e cinema, a recomendao era Leia o livro, veja o filme, essa ordem hoje se fez inversa. Num pas como o Brasil, onde a maioria esmagadora da populao no l8, notvel o fenmeno de vendagem que ocorre com alguns livros que ganham adaptaes cinematogrficas ou televisivas. Exemplos disso so os fenmenos literrios ocorridos com obras como Hilda Furaco, adaptado para uma minissrie para a TV Globo, e Um copo de clera, de Raduan Nassar, adaptado para o cinema em 2000. Eventos desta natureza mostram que, em maior ou menor grau, a produo cinematogrfica pode levar o espectador condio de leitor interessado. Se pensarmos sob essa tica, porque no levar essa estratgia para as salas de aula?

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Vocao Educativa dos Filmes Produes cinematogrficas cujos roteiros sejam adaptaes literrias encejam o carter imagtico e romanciado prprio a produo flmica, j que o recurso se vale da esttica das imagens, sendo natural o efeito plstico e fotogrfico composto para a narrativa. Observa-se esse caractere tambm nos documentrios: essa modalidade de produo tem como ponto referencial uma perspectiva emocional com relao a pea temtica cuja obra trata e no o objeto em si, como prprio dos filmes educativos e/ou instrumentais. importante lembrar que a proposta de fuso entre cinema e educao parte, inicialmente, do filme documentrio, proposta do estudioso John Grierson para reforma educacional, conforme explica CATELLI (2003). J no incio do sculo XX, o ingls John Grierson props a renovao do processo educacional por meio de mtodos educativos como o cinema e o rdio. Sobre este primeiro, Grierson (apud Catelli, 2003) afirmava a importncia do seu uso na formao de cidados aqui, possvel construir um ponto com os PCNs que, entre outras coisas, preconizam a formao do cidado consciente por meio de mtodos e recursos paradidticos e tecnolgicos presentes no mundo moderno. Na perspectiva de Grierson, a imagem flmica funciona como um descortinador aos olhos do homem, de forma e reeducar seu olhar sobre o mundo, tornando-o crtico, assim como assinalam os PCNs. O que se entende como educativo em produes cinematogrficas germinadas a partir de uma obra literria o conjunto de possibilidades didticas e cognitivas que se pode extrair a partir de sua adoo como instrumento metodolgico. Expandido a anlise do carter multidisciplinar do cinema, assinala-se que o trabalho com produes cinematogrficas tem a possibilidade de intercalar propostas e atividades de diferentes disciplinas. O professor de literatura que adote o recurso cinematogrfico pode programar as atividades com professores de outras disciplinas, o que amplia a explorao da obra, que poder ser estudada em diferentes perspectivas, da seu aspecto interdisciplinar. H de considerar, tambm, no trabalho com filmes os contedos transversais: DUARTE (2003, p. 24) afirma que o cinema um instrumento precioso, por exemplo, para ensinar o respeito aos valores, crenas e vises de mundo que orientam as prticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades complexas. Sendo o cinema uma traduo da realidade remontada sob a base ficcional assim como a literatura a temtica transversal pulsante e, deste modo, prpria do texto, j que8

Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2000) 14

tais contedos tratam de processos que esto sendo vivenciados no cotidiano das pessoas e de toda a sociedade. SCORCI (S/D) considera essa relao entre cinema e literatura uma sintaxe transitiva: segundo ela as duas linguagens da arte influenciam-se mutuamente e participam da educao do homem contemporneo. Educao que se processa de forma espontnea, natural ou formalizada nas instituies educacionais. Sendo assim, alfabetizar e didatizar na linguagem das imagens e sons em movimento configuram-se um desafio para a escola que tradicionalmente encarrega-se da alfabetizao da linguagem literria.

Signo e a imagem: das letras tela A proposio do uso de filmes nas aulas de literatura no tem por objetivo, de forma alguma, substituir a forma prosaica pela imagtica: trata-se do uso de um em prol do trabalho com o outro e no da adoo de um em detrimento de outro porque, afirma GUIMARES (1997, p. 67), embora a separao entre o visvel e o enuncivel no seja algo desprovido de conflito, nem estabelea primazia do primeiro sobre o segundo entre texto e filme j no se trata da mesma coisa, j no h uma mesma informao. (...). De um signo a outro, do cone ao smbolo ou do smbolo ao cone, abre-se uma zona potencial de significao, regime instvel, indeterminado. A exibio e discusso de uma produo cinematogrfica so bastante produtivas, contudo a proscrio da leitura da obra literria neste tipo de trabalho pode dar ao aluno a falsa idia de que cinema e literatura possuem a mesma esttica e configurao, sendo que isso de forma alguma verdade. GUIMARES (1997, p. 69) explica queao contrrio dos pressupostos que orientam esse tipo de comparao entre cinema e literatura, o que o texto literrio faz no somente substituir a presena da imagem (essa fora que promove a iluso de que h brecha alguma entre ela e seu objeto dinmico) pela sua re-presentao do discurso, mas tambm exibir a distncia que as separa.

Sendo assim, o professor deve ter clara a idia de que o conceito de imagem diferente dos dois mis: no cinema a imagem emprega o efeito imagtico prprio, a fotografia

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( a imagem captada pela viso) enquanto na literatura o signo lingstico apresenta uma visibilidade prpria, duplamente fracionada:A linguagem no um meio homogneo, ela fracionada porque exterioriza o sensvel em presena, objeto, e fracionada porque ela integra o icnico ao articulado. O olho est na palavra j que no h mais linguagem articulada sem a exteriorizao de um visvel, mas ele ainda est na palavra porque existe uma exterioridade ao menos gestual, visvel no interior do discurso que sua expresso. (LYOTARD apud GUIMARES, 1997, p. 69)

No que tange a noo de imagem, mas especificamente a imagem verbal, Guimares (1997, p 79-82) lista diferentes tipos a se considerar: A imagem perceptiva, aquelas que representam tanto o processo de percepo quanto os objetos por ele apreendidos; A imagem descritivo-diferencial, composta pelo narrador, mas sem que a atividade da percepo seja apresentada, seja atravs do olhar ou de outro sentido; A imagem referida, aquela a que o texto faz referncia, e cujo suporte no de natureza verbal (imagens pictricas, fotogrficas, cinematogrficas etc.); A imagem da memria, aquela do cinema que constitutiva da experincia do personagem narrador, formadora de uma daquilo que s se experimenta atravs do cinema. O que se pretende mostrar que a traduo literria-cinematogrfica no se processa de maneira unilateral: se num primeiro momento o cinema, regime das imagens-movimento, busca uma forma narrativa a partir do texto literrio, a literatura empresta ao cinema procedimentos e temas que modificam-lhe a prpria estrutura narrativa, como explicita ainda GUIMARES (1997, p. 118):As imagens, possuidoras de alma e voz, cada vez mais prximas do mundo real e habitvel, se viam agora submetidas a uma coordenao linear que, retirando-lhe a simultaneidade e a descontinuidade, tornavam-nas mais legveis. Assim fazendo, o cinema incorporava os traos principais da representao teatral, pictrica e romanesca clssicas.

DUARTE (2002) afirma que ver filmes, uma prtica social to importante, do ponto de vista da formao cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literrias, filosficas, sociolgicas e tantas mais. Ou seja, uma prtica no substitui a outra. 16

necessrio que no se perca de vista que se trata de um trabalho de interseo, no de substituio, entre o discurso literrio e o discurso flmico. H de se considerar, sempre, que se trata de duas diferentes manifestaes discursivas, ainda que, no caso da adaptao cinematogrfica de uma obra da literatura, o cinema configure-se uma traduo do texto literrio que, na atualidade, conforme explica DINIZ (1999, p. 15-16) constitui uma traduo cultural, aquela que incide sobre as unidades significativas, inseparveis da transmisso do tema (...) As tcnicas usadas pelos cineastas seguem, evidentemente, o estilo pessoal de cada um, incorporando a respectiva viso de mundo. No deixam. Ademais, de acompanhar as tendncias de cada poca. Conforme a autora, a traduo, recurso efetuado desde os tempos romanos, um texto alusivo a outros textos, mantendo com eles uma relao de representatividade. Trata-se, portanto, da traduo intersemitica. No obstante, uma anlise sob o vis da Semitica, cincia geral dos signos e da semiose, no ser aqui realizada, uma vez que o objeto de estudo deste trabalho no foca a questo da traduo de obras literrias para o cinema, mas o uso de obras traduzidas.

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3. PROPOSTAS DE TRABALHOS COM PRODUES CINEMATOGRFICAS: EXEMPLOS DIDTICOS Com vistas a ilustrar as proposies tericas apresentadas neste trabalho com relao a realizao de atividades com produes cinematogrficas em sala de aula a partir de obras literrias, seguem duas propostas de trabalho desta natureza: a primeira com uma obra da literatura contempornea adaptada para o cinema em 2005, a produo O coronel e o lobisomem; a segunda proposta de um clssico da literatura brasileira, o filme A cartomante, adaptado da obra homnima de Machado de Assis. Contudo, antes de apresentar estas propostas, alguns pontos tericos e metodolgicos sobre a adoo do cinema como recurso didtico sero levantados. 3.1. Planejamento das atividades com filme Para que o trabalho com filmes adquira resultados significativos, necessrio, em seu planejamento, organizar as etapas de sua realizao com mincia, uma vez que lacunas e/ou procedimentos mal elaborados podem desfigurar a proposta e os propsitos a serem alcanados, dispersando os alunos e guiando a aula para outro norte, no desejado. H de se observar, segundo NUNES (s/d), sobretudo os seguintes procedimentos por parte do professor: 1. Assistir previamente o filme, anotar aspectos importantes que ele possui, de acordo com os objetivos traados para a aula; 2. Estar atento a todas as possibilidades que o filme oferece; 3. Elaborar esquemas sobre o discurso do filme, de forma a possibilitar, mais tarde, um paralelo mais pontual entre a obra flmica e a literria; 4. Realizar uma pesquisa informativa sobre o contedo do filme, de forma a identificar lacunas, erros conceituais ou quaisquer outras falhas que o material possa apresentar, no para fins de excluso, mas de observao; 5. Esquematizar, previamente, um paralelo completo entre filme e livro 6. Realizar uma preparao dos alunos antes de verem o filme, de forma a despertar interesse, introduzir alguns aspectos da obra e sondar informaes que os alunos j tenham. 7. Avaliar a atividade em um plano global, nas instncias oral e escrita, os contedos conceituais, atitudinais e comportamentais.18

3.2. Possibilidades prticas na realizao do trabalho O educador Joo Lus Almeida Machado (s/d), lista algumas observaes sobre o trabalho com cinema aliado a literatura listados a seguir: Detalhes apresentados na leitura e inditos no filme podem servir como fator de motivao para as propostas de trabalho com o filme. Idias negadas ou omitidas no filme e apresentadas no livro nos permitem fazer um trabalho de confrontao entre o escritor e o diretor e o roteirista do filme. Na equiparao entre as idias projetadas pela leitura e aquelas materializadas pelo filme pode-se propor uma atividade atravs da qual se faa um trabalho de construo de textos ou produes artsticas (story-boards, histrias em quadrinhos, mangs, desenhos, maquetes) em que a viso do leitor seja colocada lado a lado com a do cineasta. Podem ser pedidas descries dos trechos dos filmes trabalhados e, numa etapa posterior, esses trabalhos podem ser colocados lado a lado com a produo do escritor. H outras alternativas, passveis de utilizao, quando se realiza um trabalho conjunto em que unimos as letras e a stima arte. Cabe a ns criar novos pontos de encontro, novas possibilidades. So recursos ricos e exuberantes, que nos convidam a criao, e temos que fazer com que no sejam perdidas as oportunidades de realizao. 3.3. Seleo de filmes para utilizao em sala de aula O processo de seleo de um filme para exibio em sala de aula se articula, hierarquicamente, com o planejamento de aula para dado contedo, uma vez que as obras e escolas literrias brasileiras so estudadas dentro de um planejamento curricular, geralmente executado pelos professores em sua seqncia original. Ento, o trabalho com filme vai de encontro aos objetivos especficos que este professor pretende alcanar com estudo de determinada obra; nesta perspectiva, cabe aqui um questionamento: em que medida a inverso desta ordem pode ser empregada? O movimento contrrio a definio de objetivos especficos a partir da anlise das possibilidades que a obra fornece no constitui uma

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metodologia arbitrria, alm do fato de ampliar, exponencialmente, o leque de explorao semntico e discursivo da produo estudada: basta analisar a cadeia que se forma em cada um dos procedimentos metodolgicos. Num trabalho cujo objetivo principal seja a alcanar objetivos especficos diretamente relacionados a contedos pr-determinados, os procedimentos seguem as seguintes etapas:

Obra Literria e/ou contedo didtico

Definio de objetivos especficos

Triagem da obra cinematogrfica (de acordo com os objetivos especficos)

Busca de metodologias para explorao dos objetivos especficos na produo cinematogrfica/literria

Explorao aspectos que remetam a estes objetivos (explorao fragmentria, objetiva e pontuada da obra)

J numa proposta de trabalho que pretenda explorar a obra como um todo, este movimento defini-se da seguinte maneira:Obra cinematogrfica + obra literria

Explorao das possibilidades conceituais na obra

Busca-se estabelecer conexo de contedos entre as obras e metodologias que possibilitem tais exames

Constri-se o conjunto de objetivos a serem alcanados a partir daquilo que a obra oferece. (explorao no sentido hipernmico - partindo do todo em direo a parte -, direcionado a partir de contedos e em movimento espiralado)

Estabelecimentos de metodologias que permitam alcanar os objetivos demarcados

Ambos os roteiros so plenamente possveis, contudo notvel que a explorao da obra no segundo roteiro requer mais tempo e senso crtico e analtico dos alunos para se concretizar com xito. O fator tempo, como j sabido na comunidade acadmica, um ponto delicado, j que os professores tm cronogramas e planos curriculares a serem cumpridos e, em certa medida, sabemos que o volume de contedo preconizados pelas matrizes muito denso e por essa razo fica difcil realizar um trabalho que demande um pouco mais de tempo.20

Conquanto, o objeto da discusso so os critrios relevantes na seleo de um filme, e aqui se articulada a discusso anterior: o primeiro fator o tempo. Obviamente, todo planejamento didtico exige clculo aproximado do tempo a ser destinado a sua realizao, e no caso do uso de filmes o planejamento demanda tempo para realizao da atividade. Ter-se de observar, ento, como esse planejamento poderia ser encaixado no plano de etapas do currculo escolar, como disponibilizar o tempo necessrio para a atividade. O professor deve estar atento a durao do filme, bem como a explorao posterior a sesso (caso ela demande reprise de alguma cena ou fragmento). Outro critrio relevante na seleo de um filme disponibilidade do material no mercado. Quanto mais fcil o acesso, mais possibilidades para explorao da obra se abrem. Se o professor realiza um trabalho com um filme que os prprios alunos possam ter acesso, por meio de locadoras, por exemplo, ele simultaneamente amplia o leque de trabalho abrindo possibilidade para trabalhos extra-classe e otimiza o tempo, j que pode solicitar aos alunos que realizem, fora do horrio das aulas, a sesso, em grupos ou individualmente. Por outro lado, se o professor opta por um filme de acesso mais restrito, como os encontrados para venda em lojas especializadas do ramo, ele tambm impossibilita alguns tipos de trabalho, como o anteriormente citado. O terceiro fator na seleo de um filme a relao que a produo cinematogrfica estabelece com o livro. H de se considerar que, se o filme desvirtua por completo a obra escrita, deve-se analisar em que medida e, se ainda sim, ele oferece alguma possibilidade de uso pedaggico. Existem tambm filmes cujo teor ertico ou exposio genital podem provocar reaes de repulsa ou euforia nos alunos. Deve-se optar, ento, no caso de turmas muito jovens ou imaturas para exposio de tal contedo, pela supresso desses fragmentos ou seleo de outra adaptao do mesmo livro9. Outro fator na seleo, a relevncia para o trabalho com a obra literria. No se trata de desmerecer o filme, at porque o cinema uma arte com valor em si mesma e como tal, o professor deve sim explorar o cinematogrfico na escola. Mas no caso da Literatura, o professor dever atentar para as interseces que se estabelecem entre obra escrita e sua traduo para as telas porque o olhar que, tanto o roteirista quanto o diretor do a uma obra o reflexo de uma leitura possvel dessa obra. No caso de adaptaes que tomem a obra como base para reinveno do prprio enredo, esse cuidado deve ser ainda maior, uma vez que a relao de distanciamento, esse paralelo que ser criado de, ora aproximao, ora afastamentoNo incomum encontrar uma mesma obra adaptada para o cinema mais de uma vez: o caso de Memria Pstumas de Brs Cubas, adaptado para o cinema 3 vezes, nas dcadas de 70, 80 e anos 2000. 219

volta-se para uma anlise crtica comparativa, e no constitutiva. Por outro lado, haver filmes cujo trabalho e intento seja reproduzir no cinema a trama escrita, logo, uma relao cuja aproximao maior e olhar analtico mais constitutivo, ou seja, como o cinema busca concretizar as imagens simblicas do discurso literrio. Nesta perspectiva, entende-se a traduo para as telas de um dado texto literrio como uma interpretao e posterior montagem imagtica de uma interpretao do texto traduzido. 3.4. Critrios de Anlise de Produes Cinematogrficas10 Para elaborao de uma ficha de anlise de filme11, foram listados e selecionados os itens de ordem metodolgica, didtica e pedaggica mais relevantes a instrumentalizao do filme como recurso escolarizado: 1. Indicao etria: este um dos primeiros critrios a ser observado pelo professor ao planejar a aula, uma vez que o filme pode contemplar vrios aspectos da obra e oferecer possibilidade de trabalho amplo, contudo se a produo exigir um determinado de grau de maturidade do aluno para o seu entendimento e sesso, o filme se torna adequado. Indicao etria aqui no se refere pura e simplesmente a classificao indicativa que os prprios filmes apresentam segundo normas da Associao Brasileira de Cinema, mas todo o contexto sociocultural e emocional em que se insere a turma em que se pretende desenvolver a aula; 2. Nvel de fidelidade a obra original literria: num primeiro momento, poder-se-ia dizer que um filme s se torna vlido como instrumento didtico se seu enredo mantm pontos de encontro com a obra literria na qual se baseia. Contudo, h de se considerar que, um distanciamento de um filme da verso literria que o originou podem constituir a leitura que o realizador faz do texto, assim como intenciona traduzir essa leitura nas imagens flmicas. O afastamento pode se relacionar com implcitos textuais que o cineasta que sobrepor a obra, como crticas sociais e questionamentos psicolgicos. Produes reambientadas (mudanas de poca, inverso de personagens e ambincias, por exemplo) no constituem a anulao do filme como objeto de estudo paralelo a obra porque, em maior ou menor medida, o enredo conserva as caractersticas primrias da obra, como a caracterizao composicional especfica que o autor lhe confere e as marcas discursivas que lhe aferem personalidade, uma vez que

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Anexo II Anexo III: Ficha de avaliao de obra cinematogrfica adaptada 22

por mais que o roteiro reinvente a enredo literrio, a obra flmica adaptada tem sempre por base original a obra escrita. 3. Crticas/Resenhas da obra: em um plano geral, este material deve ser usado como apoio no momento de seleo de filmes (em um planejamento de seqncia didtica, por exemplo), e em um plano mais especfico serve de referncia de outros olhares sob uma mesma produo. Resenhas provenientes de revistas e crticos reconhecidos devem ser a fonte de consulta, uma vez que o meio digital pode oferecer uma enormidade de informaes e resenhas de uma obra, sem contudo, que o analista responsvel pela crtica lance sobre a obra uma opinio profissional, isenta de paixes ( muito comum encontrar em sites de grupos de interesse especficos, sobretudo da rea de literatura e cinema, crticas e resenhas literrias que engrandecem ou minimizam a condio verdadeira de uma dado material, no explorando uma srie de aspectos relevantes sobre a produo analisada). Ressalta-se que interessante coletar um corpo com 3 a 5 resenhas, e notar a anlise de cada resenhista, observando o veculo para o qual escreve; 4. Temtica central: esse critrio ao mesmo tempo contempla e associa-se ao segundo apresentado, a medida que se refere diretamente ao enredo do filme; 5. Temas transversais: de uma forma dialtica e flexvel, este critrio corresponde ao levantamento de possibilidades de discusso e trabalho de temas transversais relacionados a obra, conforme os interesses e objetivos do prprio professor traados no planejamento didtico; 6. Acessibilidade: critrio importante a ser observado, a acessibilidade funciona como um facilitador ou dificultador do trabalho com filmes na medida em que a obra for mais ou menos disponvel. O que o professor deve ter em mente que quanto mais acessvel o filme, maiores so as possibilidades de explorao da obra (por exemplo, um filme que pode ser encontrado pelo prprio aluno em uma locadora abre espao para um trabalho extra-classe); 7. Pertinncia para o trabalho com a obra literria: este critrio deve ser utilizada a luz dos prprios objetivos traados pelo professor com relao a explorao da obra literria como uma forma de otimizao e pontuao do trabalho e ser realizado; 8. Teor ideolgico: no se trata do critrio mais relevante, mas o teor ideolgico de um filme um reflexo claro da leitura que um cineasta faz a um dado enredo e nesta perspectiva que se insere nesta anlise, uma vez que essa percepo crtica e pessoal que se pretende buscar num trabalho de comparao paralela;23

9. Apresentao de convencionalismo com relao a grupos/indivduos especficos: este seja talvez o critrio mais polmico da ficha de anlise, uma vez que a noo de preconceito pode variar de acordo com o olhar que lanado sob a forma como o tema retratado no filme. Aqui, me limito a explicar este critrio como um filtro para formas abertas, concisas e marcadas de rotulao e cuja retratao na obra flmica possa encerrar um valor emocional especfico, mas que esteja alm do nvel de entendimento crtico do espectador-aluno. importante lembrar que convencionalismo no sinnimo de preconceito, mas como uma figurao ortodoxa de imagens sociais, e que merece ateno uma vez que pode ofender direta e emocionalmente algum aluno e/ou participante da aula. 3.5. Exemplos didticos 3.5.1. Proposta com o filme O coronel e o lobisomem Seleo do filme e anlise geral O filme foi selecionado, tendo como objetivo o estudo de uma obra da Literatura Contempornea. Direcionando os trabalhos para uma turma do ltimo ano do Ensino Mdio, foi escolhida a obra de Joo Candido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem: deixados do Oficial Superior da Guarda Nacional, Ponciano de Azaredo Furtado, natural da Praa de So Salvador de Campos dos Goitacases, obra lanada em 1967 e adaptada para o cinema em 2005 por Maurcio Farias. De modo geral, um dos aspectos que mais atrai ateno no livro a linguagem, mas propriamente, como ela simultaneamente expresso de perodo histrico, espao e constituio dos personagens da obra de Joo Candido de Carvalho, que transpem personagens, espao e linguagem tpicos da cultural nordestina e da literatura de cordel para a ambincia em que a histria se insere, a cidade fluminense de Campo dos Goitacazes. Representante do realismo fantstico, modalidade literria de origem hispnica, composta pela fuso do real e do ficcional com elementos fabulares e fantsticos e que volta-se para a crtica social , a obra funde esse realismo mgico a um retrato da um momento histrico brasileiro: o da sociedade patriarcal brasileira, que valorizava a idia de coragem amarrada a elementos msticos como crendices e supersties. A manuteno da essncia do enredo no filme outro aspecto a ser ressaltado: a histria de um personagem atpico, Ponciano Azeredo Furtado, oficial da guarda superior, mentiroso compulsivo que se configura um heri de sua cidade por razo de suas aventuras24

fantsticas, narradas por ele. Ponciano usa a reinveno de suas vivencias, acrescentando a elas elementos fantsticos e hericos, como o assustador lobisomem e a encantadora seria Esmeraldina, como forma de tentar impedir que a posse de sua fazenda, herdade de seu av Simeo, caia nas mo de seu maior inimigo, Pernambuco Nogueira. Anlise da obra cinematogrfica adaptada

Obra analisada

O Coronel e o Lobisomem O filme apresenta elementos culturais prprios do momento poltico em que se insere, como o poder e influencia poltica de coronis e senhores de terras, crenas e formas de relacionamento parental. O

Indicao etria

filme pode ser trabalhado livremente com alunos a partir da 5 srie, que j esto estudando alguns aspectos geogrficos (sociais e morfolgicos) do pas. Quanto maior o nvel de conhecimento dos alunos sobre a cultura fluminense do incio do sculo XX, mais degustado o filme ser, embora sua sesso possa ser vista sem maiores prejuzos de entendimento para estudantes que desconheam as especificidades da realidade do espao apresentado, levando-se em conta que certos elementos como abuso de poder, malandragem, agiotagem e o discurso tpicos dos conhecidos contadores de caso, pessoas que narram relatos inverdicos de sua vida, so de conhecimento dos jovens brasileiros.

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O filme concatena-se intimamente com a obra: extradas as passagens finais, que na adaptao para o cinema ganhou um desfecho mais sutil associado a sugesto da morte de Ponciano, mas construdo a partir de elementos do prprio enredo, o filme d enfoque a temtica central do Nvel de fidelidade ligadas a constituio do prprio suporte do filme (o filme enfoca uma a obra literria das histrias fantsticas de Ponciano e se constri costurando os demais elementos do enredo a esse ponto selecionado), j que o livro traz na verdade uma srie de histrias da vida do coronel e que no caberiam no roteiro de um nico filme. As supresses se explicam, coerentemente, no fator tempo que se relaciona a produo de um filme. Em suma, pode-se dizer que o filme conserva as principais caractersticas da obra original, sendo que um dos pontos mais marcantes do romance, o intenso trabalho com a linguagem, no filme bastante valorizado. Embora o lobisomem citado do ttulo, na verso literria livro se encaixe na idia da configurao de Ponciano como um contador de caso, sendo contedo de um dos relatos de faanhas do coronel, e j no filme ele ganhe um papel de destaque, essa reconfigurao de elemento no traz prejuzos a obra traduzida. Crticas/Resenhas da obra Foram escolhidas, como instrumentos de auxlio de anlise, duas resenhas: uma de Eduardo Simes, da Folha de So Paulo, e outra de Jos Geraldo Couto, da revista Bravo12. A crtica social em torna de uma estrutura social hierrquica patriarcal, Temtica central movida pela disputa de poder, ganncia pela obteno de propriedades, inclusive o que pertence ao alheio a partir de um personagem antiherico, que, estereotipada na figura que faz uso do jeitinho brasileiro para resolver seus problemas, conhecida na cultura do Brasil. livro sem alterar o enredo original, que sofre supresses, por questes

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Anexo IV 26

Temas transversais Pluralidade cultural, Justia Fcil acesso (o filme foi encontrado em 4 locadoras, sendo 1 de Nvel de Acessibilidade grande porte, 1 de mdio porte e 2 de pequeno porte, o que releva o interesse do mercado na distribuio da obra. Foi tambm encontrado disponvel para compra em lojas de discos, hipermercados e grandes redes)

Pertinncia para o trabalho com a obra literria A existncia de uma interseco entre os enredos, com enfoque no trato da linguagem, faz saltar aos olhos do educador crtico que um trabalho mediado por ambos os recursos enriquece a leitura da obra como um todo. Portanto, em o Coronel e o Lobisomem, o trabalho com a obra flmica essencial para a construo do paralelo comparativo pelo qual o aluno poder, caso a sesso do filme seja feita anteriormente a leitura, ser despertado para um interesse de ler o livro e realizar uma leitura pontuada, ressaltando os pontos de encontro das obras, os fragmentos e episdios do livro suprimidos no enredo do filme, analisando o olhar que o diretor lana sobre a histria e as conseqncias dessa supresso, e comparando os fragmentos traduzidos, interpretando como a construo da imagem acontece no filme e no livro. Pode-se comparar tambm o desfecho apresentado no filme que, embora se intercale com o discurso escrito do livro, toma nova forma e reconstrudo no formato cinematogrfico. Teor ideolgico do filme Numa releitura da figura do brasileiro picareta, eternizada por Macunama, o heri sem carter, o filme trata como esse tipo conhecido faz uso e abuso da fora do argumento fantstico e do convencimento por meio do vis dramtico, teatralmente falando, para salvarse. A diferena entre Ponciano e outros heris s avessas representados no cinema, que dessa vez no se trata de algum gatuno que tenta sobreviver ou explicar seus infortnios por meios mirabolantes e mentirosos, mas um esteretipo do brasileiro marginal, representante legtimo aquele que tenta, por meios alternativos, no caso em estudo, a mentira eufemisada no

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relato fantasioso, para acessar aquilo que precisa: o personagem da vez faz parte da elite - um coronel. Quanto a exposio da temtica, a obra no traz nenhum juzo de valor. Anlise lingstica do discurso do filme O filme tenta reproduzir, com certo sucesso, o discurso prosdico do livro: a linguagem prpria das figuras, sobretudo do Coronel Ponciano, que composta por neologismos reincidentes, evoca a noo de variao lingstica e se associa diretamente a uma reflexo do valor da linguagem como constituinte e elemento que reflete a identidade cultural de um indivduo, como pode-se observar a partir da perspectiva de anlise lingstico que lanada sobre a personagem no prximo item desta anlise. Anlise das possibilidades de trabalho que a obra oferece Obra da literatura contempornea brasileira, O coronel e o lobisomem oferece mltiplas possibilidades de trabalhos: Da perspectiva literria, o Coronel e o Lobisomem pode ser trabalhado atravs do paralelo de interpretao de leitura entre filme e livro, ressaltando pontos de encontro e diferenas; com enfoque para a interpretao textual, a formao e o trabalho com a imagem, os diferentes olhares que se lanam sobre o valor das obras; com enfoque para os elementos, do filme e do livro, da literatura contempornea, bem como quais elementos so ressaltadas em cada um dos recursos. Destaca-se a possibilidade de trabalhar os elementos do realismo fantstico, destacados tanto no livro como no filme, estilo cujas noes podem ser bem pontuados nos textos: caractersticas como a captao, pelos personagen, de elementos mgicos ou fantsticos como parte da realidade concreta, a presena do sensorial como parte da percepo da realidade, a percepo do tempo como cclico, e no como linear, a transformao do comum e do cotidiano em uma vivncia que inclui experincias sobrenaturais ou fantsticas e , sobretudo no caso da obra em anlise, a preocupao estilstica, que toma uma viso esttica da vida, centrada na beleza formas, que no exclui a experincia do real, so evidenciadas na forma como ambos os enredos livro e filme so apresentados. No filme, aos trechos em que elementos do realismo mgico so ressaltados, no faltam cuidado quanto aos efeitos especiais destaque para uma das cenas finais do filme, na qual Pernambuco se transforma um Lobisomem e trava com Ponciano a luta que o28

coronel tanta ansiava e para tal, arquitetou seu argumento de defesa no julgamento de maneira que ele se estendesse at o anoitecer e, sendo lua cheia, seu inimigo se transformasse na besta que ele ansiava derrotar. No filme, diferentemente da literatura em que constri-se a figura do lobisomem a partir do acionamento de imagens da memria, pode-se acompanhar, fotograficamente, o processo de transformao do lobismomem . Da perspectiva lingstica, com enfoque para o trabalho com o discurso prosdico argumentativo; com enfoque para a morfossinttica e semntica, trabalhando os neologismos, suas construes, valores e significaes nas obras. Caracterstica prpria do movimento realista fantstico, o casamento entre argumento ficcional e linguagem coloquial, presente em toda a obra, uma das caractersticas do movimento literrio que mais se apresenta na traduo flmica. A subverso dos sufixos e afixos na formao de expresses como aspecto constituinte do estilo so presentes em toda obra, as quais pode-se citar, a ttulo de exemplo, construes como vasculhaes e devocioneiro. Ao coloquialismo que predomina na linguagem na obra, ainda destacado, na traduo para o cinema, o processo de constituio da linguagem do personagem Ponciano, que usa e abusa das possibilidades da lngua e autor de construes e neologismos que do ao seu personagem caracterizao singular: um exemplo da assertiva, a forma como Ponciano descreve o lobisomem (no filme e no livro) J um estiro era andado quando, numa roa de mandioca, adveio aquele figuro de cachorro, uma pea de vinte palmos de plo e raiva. (...) Em presena de tal apelao, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o cho de soltar terra e macega no longe de dez braas ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristo que no levasse o nome de Ponciano de Azevedo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. (p. 178). O modo como Ponciano descreve o Lobisomem evidencia um ponto da linguagem importante para percepo psicolgica do personagem como um todo porque ela refora a tendncia do personagem ao exagero. Da perspectiva cultural, com enfoque para a questo das tradies e constituio social das hierarquias comandas pelos senhores de terra, bem como esses ambientes so construdos e apresentados no discurso escrito, no registro e no discurso fotogrfico prprio ao cinema. A obra oferece ainda possibilidades de trabalha nas reas do conhecimento da Geografia e da Histria, elemento importante para um trabalho de cunho interdisciplinar.29

Valor das resenhas na anlise da obra Ambas as resenhas, sobretudo a segundo, cujo suporte, a revista Bravo, volta-se com teor e mais intensidade para questes crticas relativas s artes que apresenta ao leitor, ressaltam trs aspectos da obra: a figura do personagem central Ponciano como um anti-heri e o valor e ateno dados ao discurso. Portanto, se o professor adota a obra com o objetivo de explorar uma interseco entre as linguagens, ele j sabe, por meio das resenhas, que o discurso do filme procura resgatar a linguagem do livro, o que otimiza seu tempo na hora de analisar o filme. Paralelo entre filme e livro importante realizar o paralelo porque, atravs deles, os principais pontos de encontro e afastamento entre os duas artes devem ser pontuados no sentido de estabelecer marcaes sobre o que ser ressaltado na comparao: Livros Apresentados e descritos na perspectivos do narrador da histria, Ponciano. A constituio psicolgica dos personagens feita gradativamente, de acordo com o relato do narrador, que expe, pertinentemente associado ao acontecimento contado, uma caracterizao do personagem citado. A histria se passa ambiente ruralista do interior fluminense, nas primeiras dcadas do sculo XX. A linguagem prosdica e o idioleto do Coronel Ponciano de Azevedo Furtado so dois trabalhos minuciosos de Jos Cndido de Carvalho na composio doLinguagem Ambincia Personagens

Filme Da mesma maneira como acontece no livro, so apresentados e descritos na perspectivos do narrador da histria, Ponciano. A constituio psicolgica dos personagens feita gradativamente, de acordo com o relato do narrador, que expe, pertinentemente associado ao acontecimento contado, uma caracterizao do personagem citado. No sofrendo alteraes, a histria se mantm ambiente na mesma localidade onde decorre na obra escrita. No filme, a ateno a linguagem mantida, com enfoque aos personagens Ponciano (prosa fantstica, neologismos), Pernambuco Nogueira

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livro, sendo que os discursos dos personagens imprimem, enfaticamente, marcas de suas personalidades. Ponciano, personagem narrador, conta suas peripcias de heri picaresco da cidade de Sobradinho, sua asceno ao ponto de Coronel, sua rivalidade com Pernambuco Nogueira e a paixo pela prima Esmeraldina e, claro, suas bravuras no enfrentamento de bestas e monstros. Solteiro rico, embora no muito hbil nas finanas, partido cobiado pelas moas solteiras que sonham com o um casamento e por rodeada pelas mes dessas jovens, que desejam casar suas rebentas. O triangulo amoroso formado com sua paixo, a sereia Esmeraldina e seu marido e rival Pernambuco, que caber o desfecho trgico do Coronel narrador.Enredo

(discurso meldico, essencialista)

jurdico, genuno,

argumentao ufanista e

indutiva) e Seu Juquinha (discurso

Diante de um tribunal, que executa a tomada de suas terras por um credor que as reclama, no caso seu inimigo, Ponciano, tambm personagem narrador, conta suas peripcias na cidade de sobradinho, onde se torna herdeiro rico de seu tio e mais tarde recebe patente de Coronel. A prima Emeraldina, por quem nutre uma paixo, quase se casa com Ponciano na ocasio em que herda as propriedades do tio, mas a moa simula uma cena e desiste ao descobrir que seu primo no est to rico quanto pensou. Amigo de Pernambuco, com quem cresceu, mando-o para a cidade por razo de Seu Juqunho t-lo convencido de que o jovem era o Lobisomem que vinha aterrorizando suas terras. Reencontra Pernambuco mais tarde, que alm de casar com Esmeraldina, sua grande paixo, o leva tambm a runa. Lobisomem em pleno tribunal O e desfecho final Ponciano derrotando o retomando a posse de suas terras, migrando para o mar com sereia Esmeraldina.

Propostas didticas:

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A seguir, sero apresentadas duas propostas didticas: a primeira enfoca o trabalho com a linguagem nas obras, tanto original, quanto a traduzida para o cinema; a segunda, mais extensa, prope um estudo comparativo, atravs da anlise crtica dos elementos presentes e ausentes na traduo cinematogrfica. Seqncia didtica 1 Contedo (s): Construo da Linguagem em O Coronel e o Lobisomem Tempo necessrio: 5h/a Objetivos: Estudo da linguagem a partir do seu valor literrio Identificao e anlise de expresses e neologismos Anlise da relao entre estilo, valor cultural e significao das expresses e neologismos na obra Trabalho do gnero literrio relato fantstico, com destaque a presena da fbula e da literatura de cordel. Contedo programtico Aulas 1 e 213 Aula 3 Estudo de excerto do livro Identificao de neologismos e novas expresses e/ou palavras compostas no fragmento Apresentao da obra aos alunos. Sondagem sobre conhecimentos literrios que os alunos tm de autor, livro e filme Sondagem sobre conhecimentos lingsticos que os alunos possuem sobre neologismos Sesso do filme

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Para incio dos trabalhos, parte-se da idia de que os alunos leram o livro anteriormente, a pedido da professora. 32

Aula 4

Anlise da linguagem do fragmento no filme e no livro: elementos e mecanismos no processo de formao expresses e palavras Valor e relao dos neologismos na composio estilstica da obra

Identificao dos elementos do realismo fantstico nas obras Anlise da apresentao do relato fantstico no filme e no livro Oficina de produo textual: transmutao e reescrita escolha de um fragmento do filme e reelaborao da histria, criando novos acontecimentos, contextos e expresses e neologismos.

Seqncia didtica 2 Contedo (s): Estudo literrio comparativo da obra O coronel e o Lobisomem, nas verses literria e flmica Tempo necessrio: 10h/a Objetivos: Identificar de elementos especficos da obra literria e da obra flmica Observar os pontos de consonncia entre as duas obras quanto a enredo, apresentao dos personagens, linguagem e caractersticas da literatura contempornea. Identificar a analisar os pontos de supresso e reconstruo da traduo do literrio para o cinematogrfico Contedo programtico: Aulas 1 e 2 Aula 3 Aula 4 Estudo comparativo: apresentao dos personagens nas duas verses (livro filme) Sesso do filme

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Estudo comparativo: ambincia e tempo apresentao, composio e enfoque do espao temporal nas duas verses

Aula 5 e 6 Estudo comparativo: enredo supresso, releitura e reconstruo no processo da traduo flmica Aula 7 Aula 8 Elaborao conjunta: quadro analtico comparativo entre livro e sua verso traduzida, bem como elementos especficos da obra literria presentes na obra cinematogrfica. 3.5.4. Proposta com o filme A cartomante Seleo do filme e anlise geral Machado de Assis, um dos cnones da literatura brasileira, um representante da escola naturalista/realista da literatura nacional. Tradicionalmente, suas obras se tornaram referncias na educao bsica e outros segmentos da vida escolar, como no processo seletivo de vestibular por exemplo. Seus romances so, muitas vezes, tidos pelos alunos como chatos, entediantes. O famoso conto A cartomante, que, conforme observaes empricas feitas durante observao na disciplina de estgio curricular supervisionado em Lngua Portuguesa e Literatura em junho de 2007, geralmente no trabalhado, apenas citado. Sendo assim, o trabalho com um gnero textual que oferece um texto de leitura mais rpida, o que otimiza a questo tempo, e imprime a caracterstica do surpreendente, marca de Machado de Assis, aparenta ser uma proposta vivel de iniciao dos alunos a escola Machadiana, uma tima forma de instigar neles o gosto pelo autor. O enredo do filme reconstri tempo e espao, reambientando a histria para a realidade contempornea, e no s suprime e omite elementos da obra original, como prope uma reinveno da histria, com a insero de subtramas que alteram significativamente o olhar sob a obra como um todo. Considerando isso, julga-se adequado para esta obra um estudo comparativo entre obra literria e obra cinematogrfica. Do texto original, pertencente ao gnero textual conto, o roteiro preserva algumas caractersticas inerentes ao gnero, como o nmero reduzido de personagens (no caso no34

Estudo comparativo: valor da linguagem como componente estilstico da obra e dos personagens

filme, a trama se articulada no eixo formado por Camilo Rita Vilela Antonia). Por outra lado, por tratar-se de um roteiro que reelabora a histria e insere novos elementos, outras caractersticas do conto como a apresentao de um nico ngulo dramtico, de um nico conflito e a restrio de tempo e espao so necessariamente suplantadas, j que na verso proposta pelo roteiro, o acrscimo de elementos gera outros conflitos e, consequentemente, impele novas situaes e espaos. A prpria personagem Antonia, que entra no eixo de conflito principal da obra, bifacetada nas figuras da cartomante, que aparece no conto original, e da analista com quem Rita se consulta, e que na verdade manipula a vida de suas pacientes induzindo-os aos suicdio da a interseo entre a figura da cartomante analista que prev o destino daqueles que a consultam: na verdade, trata-se da utilizao do mtodo da induo para direcionar as pessoas, em geral por meio de suas crenas e pontos fracos, a tomar determinadas atitudes. O reencontro de Camilo e Vilela, aps muitos anos, uma das obras do destino despropositadamente arquitetadas por Antonia: Karen, uma de suas pacientes, seduz Camilo e o leva ao seu apartamento, obrigando-o, com uma arma, antes de cometer suicdio, a ingerir uma alta dose de esctasy, que termina por lev-lo a uma overdose, sendo atendido na emergncia do Hospital onde Camilo trabalha. A reambientao da histria para a poca contempornea demanda novos cenrios: se no conto tem-se uma ambientao que figura em quatro ambientes especficos apenas, na verso cinematogrfica h uma apresentao de um nmero maior de cenrios, conquanto a histria do filme, se aproximando da restrio de ambientes do conto, se fixa em quatro espaos: o consultrio de Antonia, o hospital onde Vilela trabalha, a casa de Camilo e a casa de Rita. Quanto a este aspecto, existe uma grande aproximao entre filme e conto: na obra de Machado a histria enfatiza o ambiente de trabalho de Camilo e o a consultoria da cartomante.

Anlise da obra cinematogrfica adaptada

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Obra analisada Indicao etria

A cartomante (2002) O filme apresenta uma histria que trata e representa uma narrativa sobre paixo, traio e morte. H duas cenas erticas no filme, tambm uma cena de uso de drogas e uma cena de suicdio, contudo, suprimindo-se as cenas de sexo, que apesar de no serem explcitas so sugestivas demais para serem exibidas na escola, o filme uma sesso interessante para alunos na faixa dos 15 anos, portanto uma boa opo para alunos do ensino mdio, que vivem nesta fase conflitos e dvidas sobre temas como paixo e drogas.

Nvel de fidelidade a O filme apresenta uma oscilao inconstante de ora aproximao, ora obra literria distanciamento do conto. O roteiro busca uma releitura da histria, e, embora a obra cinematogrfica, dentro de uma anlise crtica de cinema, deixe a desejar em alguns aspectos, ainda sim configura um objeto interessante de estudo. Crticas/Resenhas da Foram utilizadas uma entrevista concedida e Rodrigo Capella, do site obra especializado em cinema Cineminha.com, uma resenha do site especializado em cinema Cinemaemcena.com e uma resenha da revista de cinema Contracampo14 Temtica central Temas transversais Acessibilidade Triangulo amoroso formado por Camilo, Rita e Vilela Religio, drogas, suicdio, depresso, crenas, tica, relacionamento Fcil acesso. O filme pode ser encontrado tanto em locadoras de grandes redes quanto em estabelecimentos menores, de mdio porte. Pertinncia para o trabalho com a obra literria Na medida em que oferece uma releitura do conto de Machado de Assis, a obra cinematogrfica possibilita uma reflexo comparativa entre as duas obras. O estudo da transposio dos elementos da narrativa realista, como personagens extrados do cotidiano, do ordinrio, e o jogo entre a aparncia e a essncia so aspectos interessantes a serem

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observados na traduo cinematogrfica de A cartomante. Propostas didticas como esta podem servir como propulsor para introduo e estudo com os alunos do discurso narrativo machadiano, dentro da escola realista/naturalista, assim tambm como constitui um estudo da constituio do significado a partir da imagem simblica e da imagem fotogrfica (filme). Teor ideolgico do filme De acordo com SILVA (1999), a obra literria constituiViso objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas (abolio do final feliz). Anlise psicolgica das contradies humanas na criao de personagens imprevisveis, jogando com insinuaes em que se misturam a ingenuidade e malcia, sinceridade e hipocrisia. Crtica humorada e irnica das situaes humanas, das relaes entre os personagens e seus padres de comportamento. Linguagem sbria que, entretanto, no despreza os detalhes necessrios a uma anlise profunda da psicologia humana. Envolvimento do leitor pela oralidade da linguagem. A historia repleta de "conversas" que o narrador estabelece freqentemente com o leitor, transformando-o em cmplice e participante do enredo (metalinguagem). Citao de um autor clssico (shakespeare) intertextualidade; Reflexo sobre a mesquinhez humana e a precariedade da sorte humana. Os aspectos externos (tempo cronolgico, espao, paisagem) so apenas pontos de referncia, sem merecerem maior destaque.

J no filme, a viso objetiva e pessimista do conto abolida, assim como crtica e ironia das situaes humanas, proposta por Machado de Assis no conto. O dilogo entre o espectador e o filme , por questes inerentes ao prprio gnero, diferente, j que a leitura de processa de outro modo sus generis. Mas um dos pontos mais fortes da histria, a mesquinhez humana e a precariedade de sua sorte, por assim dizer, so elementos constituintes que no s preservados como so o ponto central do roteiro flmico. Anlise lingstica do discurso do filme Em uma perspectiva lingstica, pode-se dizer que, ainda que superficialmente, os personagens do filme buscam uma adequao de discurso pertinente ao contexto enunciativo14

Anexo V 37

e sua posio enquanto ator social Camilo, o jovem conquistador, Rita, a noiva leviana, Antonia, a analista da vida alheia, e Vilela, o mdico conselheiro contudo o filme apresenta um trabalho no muito minucioso quanto a este ponto: enquanto no conto dada especial ateno a questo discursiva que compe os personagens, no filme esse elemento delegado s imagens. A cartomante, por exemplo, no filme, apresentada em flashbacks rpidos, desordenados, e suas falas no aparecem. O discurso da crente em mstica prprio de Rita preservado no filme: ela , mais que qualquer outro personagem, guiado pela sua crena no destino, no zodiacal, no mstico. Existe condescendncia entre o modo de agir da personagem, que religiosamente l seu horscopo todos os dias e age conforme prev a cartomante (na verdade, ela age por induo, por crer naquilo que lhe dito) e seu discurso que flerta com a questo espiritual. J Vilela e Camilo so apticos quanto a este quesito: no conto eles so os descrentes, que caoam Rita por crer em previses de uma cartomante, mas Camilo , na verso literria, passa a duvidar da existncia ou no do destino e do poder da cartomante de ler o futuro, tanto que, j no fim da narrativa, em estado de angstia por no saber se Vilela havia ou no descoberto seu caso com Rita, procura pela vidente e tranqiliza-se quando a mulher diz que eles ficaro bem. O discurso de Antonia aproxima-se, em alguns momentos do filme, a fala indutiva prpria de atores sociais como videntes, ciganos e bruxas que lem o futuro das pessoas, mas a inconstncia na caracterizao da personagem pela fala, torna seu discurso um elemento secundrio na sua caracterizao, enquanto no conto ele vem em primeiro plano. Anlise das possibilidades de trabalho que a obra oferece Levando em conta a transmutao de gneros, sinaliza-se aqui um trabalho, com vistas a literatura, de leitura e anlise comparativa, porque, nos diferentes elementos de cada uma das verses da obra, apresentam-se aspectos cuja leitura e anlise concatena-se diretamente ao gnero discursivo ao qual pertence, enquanto outros aspectos se aproximam e a obra cinematogrfica busca sorver da, obra original estes rudimentos. Valor das resenhas na anlise da obra A crtica de cinema especializada, de um modo geral, no manifestou apreo ou desgosto pela obra, limitando-se a simplesmente no falar dela. A maior parte das resenhas sobre o filme pode ser encontrada em sites especializados em cinema. Alguns crticos, como38

Jorge Tadeu da Silva, consideraram a produo, escrita por Wagner de Assis, como um produto de mercado que empobrece da obra de Machado de Assis. O roteirista, contudo, explica que "O conto um ponto de partida apenas". Mais tarde, Wagner foi convidado a escrever, para a Coleo Aplauso a escrever sobre a produo do roteiro e da obra, e lanou, em 2005, o livro A cartomante roteiro comentado. Os crticos mais ferrenhos, como a revista de cinema Contracampo, analisam o filme como um produto demasiadamente anacrnico, cuja falta de propsito tornou a obra insignificante aos olhos cinematogrficos crticos. O anacronismo presente na prpria constituio do filme, que filme submerge nos clichs do prprio tema que se dispe a tratar no caso, a mo do destino na vida dos homens. A idia de retrocesso, de anacronismo est exatamente na forma chapada como o roteiro executa a histria. Em bem verdade, as resenhas indicam sempre, em comparao, o bem sucedido trabalho de adaptao da obra cinematogrfica Memrias Pstumas, que consegui transpor com xito o romance de Machado de Assis, como forma de mostrar em que medida A cartomante uma obra cinematogrfica infeliz em sua realizao. Por esta perspectiva, poderia desconsiderar-se a obra como um recurso didtico, mas se analisarmos as possibilidades comparativas que sobressaem da sesso do filme, tem-se de pensar a obra no sob o olhar de crtica de valor de obra, mas sob o vis da reflexo da obra em diferentes gneros. Nesta perspectiva, importante ressaltar que, como afirma MOISES (2006, p. 325)Nascida romance ou cinema, uma obra permanecer romance ou cinema. E se adaptao se efetua, inegvel que se processa uma traio: a obra adaptada deixa de ser a original de que partiu, to-somente posta noutra forma de expresso, para ser outra obra. Como se, afinal de contas, a obra matriz servisse de pretexto ou sugesto para a criao de uma outra, que com ela guarda vago parentesco.

Paralelo entre filme e livro Livros Filme

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Os personagens deste conto no so heris: o narrador os descreve de forma a ser difcil estabelecer uma identificao com eles. Vilela o marido ausente, Camilo o fraco, Rita, a leviana e a cartomante a manipuladora sem escrpulos. Camilo: protagonista (anti-heri), personagem redondo - Funcionrio pblico, ideologicamente inconsistente, sentimentalmente dependente e intelectualmente limitado. Tem 26 anos, ingnuo e inexperiente, e fraco de valores. Rita: protagonista (anti-heri), personagem redonda - Esposa de Vilela, bela, superficial, tola e leviana. Tem trinta anos, graciosa, viva nos gestos, olhos clidos, boca fina ePersonagens

Assim como no conto, os personagens no so heris e a caracterizao inicial a mesma da apresentada no conto: Vilela o amante ausente, Camilo o fraco, Rita, a leviana e a cartomante/analista a manipuladora sem escrpulos. Camilo: protagonista - bom-vivant, vive com a me e freqenta festas e baladas conquistando rpidos. Rita: protagonista desgarrada da mulheres para casos

famlia, bela, est noiva de Camilo, superticiosa e influencivel, faz sesses de anlise e ressente-se pela constante ausncia de Vilela. Augusto Vilela: protagonista mdico, amigo de Camilo, tem um porte srie e dedica-se ao trabalho. autoritrio com Rita. Cartomante/ Psiquiatra Antonia:

interrogativa. Moral e intelectualmente fraca, o narrador a compara a uma serpente, prfida e venenosa. Vilela: personagem secundrio, personagem plano, tipo (o marido trado) Amigo de infncia de Camilo. Advogado, tem 29 anos mas aparenta ser mais velho. Porte grave, usa culos de cristal. A cartomante: antagonista, personagem plano, tipo (a manipuladora)- incgnita Uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Vivia em um local sombrio e pobre, e aparentava desapego com o material. Usa de frases de efeito e metforas a fim de parecer sbia e dona do destino

antagonista manipuladora, ela joga com a vida de seus pacientes. Usa frases de efeito e parece sbia. sarcstica e cnica.

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A narrativa de desenrola no Rio de Janeiro e so citados quatro lugares especficos no conto: bairro Botafogo, rua dos Barbonos, rua Guarda Velha e rua das Mangueiras. No conto apresentam-se os seguintes ambientes: Botafogo casa onde Camilo e Rita se encontravam, na rua dos Barbonos casa da cartomante, na rua Velha Guarda repartio pblica, onde Camilo trabalhavaAmbincia/ Espao

A narrativa tambm se desenrola no Rio de Janeiro, centrados em cenrios especficos: - casa de Rita - casa de Camilo - hospital - consultrio de Antonia Outros espaos aparecem na trama: - um banheiro pblico onde Camilo e Rita fazem sexo - um Museu - uma praia - um bar - uma boate

-

casa do casal Rita e Vilela, situada no bairro

A histria se passa no sculo XIX, e coincide com as caractersticas da poca em que foi escrito. possvel se localizar cronologicamente no tempo. A aventura se inicia no incio do ano de 1869 e termina num sbado tarde do ms de novembro do mesmo ano. No entanto o tempo do conto psicolgico, se inicia no penltimo dia da histria que contada, faz um flashback do perodo que precede esta sexta-feira e finda no sbado. O narrador no segue uma ordem linear para contar a aventura, primeiro fala da visita de Rita a cartomante, depois fala do fato de Camilo ter cessado as visitas a casa do amigo Vilela, descreve a despedida do casal, depois relata como Camilo e Rita de envolveram e somente depois explica o porque de Camilo no ir mais casa do amigo. Deste trecho ele j parte para o sbado, ltimo dia da histria.Tempo

A histria se passa no sculo XXI, nos anos 2000. Localiza-se cronologicamente a partir de elementos concretos do ambiente: vesturio, carros, bares e boates. A caracterstica de tempo psicolgico desaparece no filme. O recurso de flashbacks usado no desfecho da histria.

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O narrador mantm uma posio superior em relao aos personagens, no tomando parte direta da seqncia de eventos, apenas relatando-os. Dessa maneira, ele se encontra onisciente no texto, fornecendo ao leitor as informaes acerca dos personagens. O narrador deste conto conduz a narrativa de forma a jogar com quem l o conto, ele joga com as perspectivas, constri e desconstri idias e vises ao longo do conto. Ele mantm um certo suspense no ar durante todo o conto e no final, surpreendente, que percebemos porque a cartomante a personagem principal do texto. Um ponto muito interessante como o narrador enreda o leitor a ponto de deix-lo perplexo com a morte do casal. Na verdade, uma ironia do narrador com o leitor. Durante a narrativa o narrador oferece elementos pelos quais o leitor poderia ter uma premissa sobre o fim do conto. A citao de Hamlet uma boa pista O narrador, embora no se posicione com relao aos personagens, constri deles uma viso negativa. subtende-se Eles so caracterizados de forma a no que trata-se da juno de dois despertar grande simpatia. A unio de Camilo e Rita acomodados, Rita superficial e intelectualmente limitada, formosa e tonta, Camilo um fraco e moralmente consistente. A Vilela o narrador d um carter distante, indiferente e a cartomante descrita de forma obscura.Narrador

Os personagens, cada qual, refletem, ao final da histria sobre sua experincia. A participao no eletiva, sendo que no incio do filme, quem faz a apresentao da histria Antonia.

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A cartomante um conto onde podemos observar caractersticas marcantes do estilo de Machado de Assis: o uso de metforas constantes, o comportamento imprevisvel dos personagens e seu valor filosfico, o uso de comparaes superlativas, bem como a ambigidade em seus personagens. O autor usa intertextualizaes literrias, e o recurso da narrativa onisciente, para dinamizar o relato da histria acentuando os momentos dramticos do texto. Usa este recurso que eleva e prolonga o suspense da histria, mantendo o leitor Os personagens criados por Machado de Assis no so seres extraordinrios, mas homens comuns, que apresentam uma mistura de sentimentos, muitas vezes contraditrios. Em Machado, o que interessa no a descrio do exterior. O autor penetra na conscincia de cada personagem, descrevendo seu mundo interior, onde se encontra com freqncia: Paixo pelo dinheiro Egosmo Medo da opinio alheia Dissimulao, principalmente nas personagens femininas VaidadeLinguagem e estilstica

Linguagem ordinria, assim como os personagens, tipos comuns da sociedade moderna. Os discursos, sem maior destaque, se encaixam ao papel social que cada exerce. como Caractersticas comportamento machadianas

imprevisvel e metforas constantes desaparecem na obra. H a penetrao na mente dos personagens, no incio com Antonia e sua experincia com o suicdio da empregada de sua casa e depois com Rita, Camilo e Vilela, que apresentam expectativas com relao a vida.

atento durante todo o desenrolar do conto.

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Enredo: O conto tem foco narrativo em 3o pessoa. Quanto a natureza ficcional a lgica interna do texto prxima da realidade concreta. A histria de Camilo, Rita e Vilela se passa no Rio de Janeiro, o ambiente retratado concreto, as ruas citadas existem realmente, o autor mistura realidade e fico. PrimeiramenteEnredo

Enredo: prximo a realidade concreta, conta a histria de uma psiquiatra (Antonia), que faz-se de cartomante e inicia com seus pacientes perigosos jogos de manipulao e induo ao suicdio. Por obra de um acidente com Camilo, ela envereda em uma de suas tramas o triangulo formado por Camilo, Rita, que sua paciente, e Vilela, seu desafeto que trabalho no mesmo hospital onde clinica.

relataramos A cartomante como uma histria sobre os conflitos de um tringulo amoroso. Essa idia se mantm at o final conto, quando a visita de Camilo a cartomante d ao leitor uma nova perspectiva com relao ao texto. A citao de Hamlet no incio do texto poderia nos dar uma idia de como seria o conto: Hamlet uma tragdia e nos faz vir s idias temticas como adultrio, vingana e destino trgico.

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Exposio: O conto inicia-se focalizado em Rita,esposa de Vilela, grande amigo de Camilo, que est tendo um caso amoroso com o segundo. Camilo, temendo ser descoberto pelo amigo, diminui as visitas a casa dele, deixando Rita insegura quanto ao seu amor. Esse o motivo que a leva a cartomante que l nas cartas que Camilo continuar a am-la, tranqilizando-a. Camilo ctico, repreende e ironiza a atitude de Rita. Tanto Rita quanto Camilo so fracos em suas convices. Ela se apia nas emoes, ele na negao total, no entanto nenhum dos dois capaz de explicar o embasamento de suas posies, embasamento este que sequer existe. Iniciado o conto descrevendo o casal que conversa sobre a visita cartomante, segue-se um flash-back que explica como chegou-se a situao anteriormente relatada. Camilo caracterizado como um homem incapaz de tomar decises por si mesmo, que arranja um emprego pblico graas me. A fraqueza de Camilo evidenciado quando o narrador fala da morte da me de Camilo como um desastre. Desastre porque o personagem no apresenta nenhuma autonomia. Vilela quem cuida do funeral da me de Camilo, enquanto Rita aparta o corao. Neste trecho o narrador faz uso de ironia quando diz que ningum o faria melhor, referindo-se do consolo que Rita oferece depois a Camilo. a O narrador receber descreve, sem pormenores, como Rita e Camilo chegam ao caso, comeam cartas annimas ameaadoras, deixando-os receosos e levando Camilo a rarear e depois cessar por completo as visitas a casa de Rita e Vilela. O marido de Rita tornou-se sombrio e calado, e Rita e Camilo temendo as suspeitas de Vilela divergiam quanto ao que fazer e decidiram por ficarem algumas semanas sem se ver.

Exposio:

inicia-se

focalizado

na

histria de Rita, noiva de Vilela, que conhece Camilo, por intermdio do prprio noivo, e num arroubo consulta uma cartomante, que na verdade Rita, que lhe professa que eles se tornaro amantes. Ela, completamente crdulo, cai nos braos de Camilo. Rita frvola e Camilo um jovem que no possui metas e rumos para a prpria vida. Embora mantenha ctico com relao a posio de Rita com relao a cartomante, ele no questiona as atitudes que levam Rita aos seus braos to subitamente.

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Complicao: ocorre quando Camilo, no dia seguinteao do encontro com Rita, recebe na repartio pblica onde trabalha bilhete de Vilela: - Vem j a nossa casa, preciso falar-te sem demora. Este um momento de forte tenso em que a dvida desnorteia Camilo. Teriam sido descobertos ou seria um assunto de rotina? Neste momento Camilo se encontra incapaz de assumir uma opinio, a dvida o corri enquanto se dirige a casa de Vilela. O narrador mantm a tenso e faz com que o leitor se angustie tanto quanto o personagem. O leitor partilha com Camilo a dvida, o receio - eis a maestria machadiana.

Complicao: ocorre quando Antonia leva Rita a uma boate e a embebeda, fazendo com que ela alucine e saia atrs de Camilo e Vilela, acreditando que seu caso foi descoberto.

Clmax: O momento em que, rumo a casa de Vilela,Camilo pra ao lado da casa da cartomante o ponto alto do conto. Considerando-se o momento em que o personagem se encontrava o gesto de parar ao lado da casa da cartomante impressionante. Como no podia suportar a dvida, o desespero o faz ter com a cartomante. A atitude de Camilo, um ctico niilista, mostra todo o desequilbrio emocional da situao, evidenciando tambm a inconsistncia das convices de Camilo. A descrio da cena, feita detalhadamente pelo narrador, d ao leitor elementos pelos quais possvel perceber a importncia desta cartomante: a ansiedade de Camilo perceptvel em seus gestos, a angstia, o medo perceptveis em cada movimento dele e por isso que podemos notar a destreza da cartomante ao manipular Camilo porque ela percebe que o medo estampado no rosto dele tem, provavelmente, causa amorosa. Todo o cenrio lhe confere um tom mstico, de desapego ao material, o que se contradiz na hora em que Camilo faz o pagamento da consulta.

Clmax: Antonia promove um encontro entre Camilo, Vilela e Rita em seu consultrio, fazendo com que o noivo trado descubra a verdade e confronte os dois amantes. Antonia ento se revela como a cartomante e Rita, num momento de desespero, induzida por Antonia ao suicdio.

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Desfecho: A parte final do conto vai da sada deCamilo da casa da cartomante, feliz e aliviado at a morte dele, na casa de Vilela. Fato interessante neste trecho que, quando Camilo sai da casa da cartomante, o leitor tambm sente um certo alvio, a tenso do momento anterior no existe mais, apenas resta uma fagulha de curiosidade, uma sensao de que ainda no acabou. Tanto verdade que, lendo as linhas finais, surpreendente para o leitor o final que tomam os trs personagens. Camilo e Rita, assassinados e Vilela, vingado na morte fria da esposa adltera e do amigo desleal.

Desfecho: Rita no comente o suicdio, Antonia muda de consultrio, o triangulo se desfaz, mais tarde, Vilela se conforma com o ocorrido, e Camilo e Rita se reencontram e ficam juntos.

Propostas didticas: Sero apresentadas duas propostas didticas, ambas voltadas para anlise comparativa das duas obras, sendo a primeira com enfoque na leitura e interpretao e a segunda seqncia com enfoque o estudo da transmutao texto, por meio de proposta de produo textual. Seqncias didtica 1 Contedo (s): Leitura e Sesso de A cartomante pelo mtodo da pausa protolocada Tempo necessrio: 10h/a Objetivos: Realizar leitura as obra A cartomante nas verses literrias e flmica Construir, oralmente, pelo mtodo da pausa protocolada, progresses de texto (no conto e no filme) a partir dos fragmentos apresentados Interpretar, no filme e conto, como o elemento surpresa se apresenta Identificar, nos diferentes textos, as diferentes partes do enredo Pontuar os pontos de proximao entre o conto e filme Evidenciar, no roteiro do filme, os pontos de distanciamento com relao ao conto e sua interelaes aos elementos particulares ao filme. Contedo Programtico47

Aula 1, 2, 3 e 4 Sesso (protocolada, dividida em 10 partes) do filme A cartomante

Aula 5 e 6 Leitura Protocolada (dividida em 6 partes) do conto A cartomante

Aulas 7 e 8 Identificao das partes do enredo Identificao dos pontos de aproximao dos gneros conto e filme Debate: pontos de distanciamento e elementos particulares do filme a perspectiva da recriao Seqncia didtica 2 Contedo (s): Leitura comparativa dos textos literrio e flmico para A cartomante Tempo necessrio: 10h/a Objetivos: Realizar leitura as obra A cartomante nas verses literrias e flmica Identificar os elementos prprios ao gnero textual conto e ao gnero textual filme Identificar as partes do enredo no filme e no conto Recriar uma nova verso para A cartomante, recriando tempo, espao ou personagens

Contedo Programtico Aulas 1 e 2 Leitura do conto A cartomante

Aulas 3 e 4 Sesso do filme A cartomante

Aulas 5 e 648

Identificao das partes do enredo no conto e no filme

Aulas 7 e 8

Produo de texto: recriao do conto A cartomante Socializao do texto produzido

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4. NDICE DE OBRAS LITERRIAS BRASILEIRAS ADAPTADAS PARA O CINEMA O ndice de obras da literatura brasileira adaptadas para o cinema foi feito por meio de consulta ao site oficial do Cinema Brasileira, www.cinemabrasil.org.br, do Ministrio da Cultura, aos sites especializados, www.adocinemabrasileiro.com.br e www.cineminha.com.br15

. Foram levantadas, a critrio de gosto pessoal, um total de 50 ttulos do cinema brasileiro Para a catalogao dos ttulos adotou-se o recurso de planilha, com subdiviso p