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0 ISSN 0102-3527 Volume 28 Número 1 jan./jun. 2012 Letras & Letras Revista do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia ESTUDOS EM FONOLOGIA STUDIES IN PHONOLOGY

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ISSN 0102-3527

Volume 28 – Número 1 –jan./jun. 2012

Letras & Letras

Revista do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia

ESTUDOS EM FONOLOGIA

STUDIES IN PHONOLOGY

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Universidade Federal de Uberlândia

Reitor

Prof. Alfredo Júnior Fernandes Neto

Vice-Reitor Prof. Darizon Alves de Andrade

Diretor da EDUFU Prof. Humberto Aparecido de Oliveira Guido

EDUFU – Editora e Livraria da Universidade Federal de Uberlândia

Av. João Naves de Ávila, 2121 – Campus Santa Mônica – Bloco A – Sala 01 Cep 38400-902 – Uberlândia – MG

Tel: (34) 3239-4293

www.edufu.ufu.br | e-mail: [email protected]

Tiragem desta edição: 300 exemplares

LETRAS & LETRAS, V. 28, N. 1, jan./jun. 2012 - Uberlândia,

Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Letras e Linguística.

Semestral (Vol. 1, N. 1, publicado em março de 1985).

1. Língua. 2. Literatura-Crítica, 3. Linguística. 1. Universidade Federal de Uberlândia. Instituto de Letras e Linguística.

CDU 8

Biblioteca da UFU

A Revista aceita contribuições inéditas de estudos, resenhas e outras, dentro da sua especialidade.

Indexação: IBICT

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Letras & Letras – publicação semestral do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia/MG – Brasil

Volume 28 - Número 1 - jan./jun. 2012 - ISSN 0102-3527

Editor

Paulo Fonseca Andrade

Conselho Consultivo Camila da Silva Alavarce Campos - Simone Azevedo Floripi

Organizador deste volume

José S Magalhães

Conselho Editorial Alceu Dias Lima (UNESP-CAr); Alice Cunha de Freitas (UFU); Ana Maria Donnard (UFU); Angela Brambilha Cavenaghi Themudo Lessa (PUC-SP);

Angélica Rodrigues (UFU); Antônio Fernandes Júnior (CAC-UFG); Benice Naves R. Siquierolli (UFU); Betina Rodrigues da Cunha (UFU); Carla

Nunes Vieira Tavares (UFU); Carlos A. M. Gouveia (Universidade de Lisboa); Carlos Piovezani Filho (UNESP-CAr); Carmen Lúcia Hernandes

Agustini (UFU); Cleudemar Alves Fernandes (UFU); Daisy Rodrigues do Vale (UFU); Dilma Maria de Mello (UFU); Douglas Altamiro Consolo

(UNESP-IBILCE); Dulce do Carmo Franceschini (UFU); Dylia Lysardo Dias (UFSJ); Eduardo de Faria Coutinho (UFRJ); Eduardo José Tollendal

(UFU); Elaine Cristina Cintra (UFU); Eliana Dias (UFU); Eliane Mara Silveira (UFU); Elisabeth Brait (PUC-SP); Elisete Maria de Carvalho (UFU);

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Mendes (UFMG); Fabiana Vanessa Gonzalis (UFU); Félix Bugueño Miranda (UFRGS); Fernanda Costas Ribas (UFU); Fernanda Mussalim G. L.

Silveira (UFU); Flavio Benites (UFMS); Frederico de Sousa Silva (UFU); Giovanni Ferreira Pitillo (UFU); Guilherme Fromm (UFU); Ida Lucia

Machado (UFMG); Ingedore V. Koch (UNICAMP); Irenilde Pereira dos Santos (USP - UNICSUL); Ismael Ângelo Cintra (UNESP-CAr); Ivã Carlos

Lopes (UNESP - IBILCE); Ivan Marcos Ribeiro (UFU); Iza Quelhas (UERJ); Jacy Alves de Seixas (UFU); Jair Tadeu da Fonseca (UFSC); Jean-

Jacques Courtine (Université de Paris III/Sorbonne Nouvelle); Joana Luíza Muylaert de Araújo (UFU); João Antônio de Moraes (UFRJ/SJRP); João

Bôsco Cabral dos Santos (UFU); Joaquim Alves de Aguiar (USP); John Milton (USP); José Guillermo Milan Ramos (UNINCOR); José Luiz Meurer

(UFSC); José Olimpio Magalhães (UFMG); José Sueli de Magalhães (UFU); Juliana Santini (UFU); Kênia Maria de Almeida Pereira (UFU); Leila

Bárbara (PUC-SP); Leonardo Francisco Soares (UFU); Lília Maria Eloísa Alphonse de Francis (UFU); Luciana Borges (UFG); Luciana Moura

Colucci de Camargo (UFTM); Luciene Almeida de Azevedo (UFBA); Luísa Helena Borges Finotti (UFU); Luiz Carlos Travaglia (UFU); Luiz

Gonzaga Marchezan (UNESP-CAr); Luiz Paulo da Moita Lopes (UFRJ); Luiz Humberto Arantes (UFU); Luzmara Curcino Ferreira (UNESP-CAr);

Márcio Araújo de Melo (UFU); Márcio Roberto Soares Dias (UESB); Marco Antônio Villarta-Neder (UNITAU); Margarita Correia (Universidade de

Lisboa); Maria Aparecida Caltabiano M. B. da Silva (PUC-SP); Maria Aparecida Resende Ottoni (UFU); Maria Bernadete Gonçalves dos Santos

(UFU); Maria Carmen Knychalla Cunha (UFU); Maria Cecília Camargo Magalhães (PUC-SP); Maria Cecília de Lima (UFU); Maria Clara Barata

(UFU); Maria Clara Carelli Magalhães (UFU); Maria Cristina Damionovic (UFPE); Maria Cristina Martins (UFU); Maria das Graças Fonseca Andrade

(UESB); Maria do Rosário Valencise Gregolin (UNESP-CAr); Maria Francelina Silami Ibrahim Drummond (UFU); Maria Helena de Paula (UFG-

CAC); Maria Imaculada Cavalcanti (UFG-CAC); Maria Inês de Almeida (UFMG); Maria Inês Vasconcelos Felice (UFU); Maria Ivonete Santos Silva

(UFU); Maria José Rodrigues Faria Coracini (UNICAMP); Maria Luiza Braga (UFRJ); Maria Suzana Moreira do Carmo (UFU); Marisa Martins

Gama- Khalil (UFU); Maura Alves de Freitas Rocha (UFU); Mike Scott (Universidade de Liverpool); Moacir Lopes de Camargos (UNIPAMPA);

Nélia Scott (Universidade de Liverpool); Nilton Milanez (UESB); Orlando Nunes de Amorim (UNESP-IBILCE); Orlando Vian Júnior (UFRN);

Osvaldo Freitas de Jesus (UFU); Oziris Borges Filho (UFTM); Paula Godoy Arbex (UFU); Paulo Fonseca Andrade (UFU); Pedro Monteiro (UFU);

Regma Santos (UFG/CA); Regina Igel (University of Maryland College Park); Roberto Acízelo de Souza (UERJ); Roxane Helena Rodrigues Rojo

(UFRJ); Sérgio Ifa (UFAL); Simone Azevedo Floripi (UFU); Simone Tiemi Hashiguti (UFU); Solange Fiuza Cardoso Yokozawa (UFG-CAC); Sueli

Salles Fidalgo (PUC-SP); Susana Borneo Funk (UFSC); Suzi Frankl Sperber (UNICAMP); Valeska Souza (UFTM); Vera Follain de Figueiredo

(PUC/RJ); Vera Lúcia Carvalho Casa Nova (UFMG); Waldenice Moreira Cano (UFU); Waldenor Barros Moraes Filho (UFU); William Augusto de

Menezes (UFOP); William Mineo Tagata (UFU).

Secretário

Fernando Paulino de Oliveira

Projeto gráfico

Eduardo Warpechowski

Diagramação

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SUMÁRIO

Editorial

Apresentação: Estudos em Fonologia: uma homenagem às trilhas desbravadas por Leda

Bisol

José S MAGALHÃES

Sândi vocálico no português brasileiro: como o acento determina sua realização

Gisela COLLISCHONN

Ancient Greek accent windows

Brett HYDE and Brooke HUSIC

O acento secundário no português arcaico

Daniel Soares da COSTA

Productive and unproductive stress patterns in Brazilian Portuguese

Ben HERMANS and W. Leo WETZELS

Condicionamento morfológico em fenômenos fonológicos variáveis do português

brasileiro

Luiz Carlos SCHWINDT

Opaque nasalization in ludlings and the precedence relations of reduplication and

infixation

Maximiliano GUIMARÃES e Andrew NEVINS

O morfema de gerúndio “ndo” no Português Brasileiro: análise fonológica e

sociolinguística

Jesuelem Salvani FERREIRA, Luciani Ester TENANI e Sebastião Carlos Leite

GONÇALVES

Compostos do Português Brasileiro: uma análise da interface fonologia-morfologia-

sintaxe

Taís BOPP DA SILVA

Encontros vocálicos finais átonos na fala carioca: abordagem por ranking de restrições

Carlos Alexandre GONÇALVES e Marisandra Costa RODRIGUES

O apagamento variável de vogais em posições átonas no português brasileiro: o caso de

Flores da Cunha (RS)

Elisa BATTISTI e Natália Brambatti GUZZO

Análise qualitativa das vogais médias postônicas não-finais no português falado no

município de Cametá (PA)

Raquel Maria da Silva COSTA e Regina Célia Fernandes CRUZ

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Vogais médias pretônicas em início de vocábulo na fala do Rio de Janeiro

Silvia Figueiredo BRANDÃO, Fabiane de Mello V. da ROCHA e Elisa Ramalho dos

SANTOS

A realização das vogais médias pretônicas em formas nominais por crianças falantes do

português brasileiro

Tatiana KELLER e Evellyne Patrícia Figueiredo de Sousa COSTA

Fricativa coronal pós-vocálica: descrição e análise

Juliene Lopes Ribeiro PEDROSA e Dermeval da HORA

A epêntese na produção de plosivas em codas mediais do português brasileiro por

colombianos: uma abordagem com base em restrições

Roberta Quintanilha AZEVEDO, Carmen Lúcia MATZENAUER, Ubiratã Kickhöfel

ALVES

Aquisição da linguagem e harmonia vocálica: uma análise via Teoria da Otimidade

Giovana Ferreira GONÇALVES e Miriam Rose BRUM-DE-PAULA

A presença da fonologia na grafia das vogais arredondadas do Francês por brasileiros

Claudia Regina Minossi ROMBALDI, Ana Ruth Moresco MIRANDA e Magda Floriana

DAMIANI

Modelamento teórico de processos variáveis em modelos dinâmicos de fala:

possibilidades de representação do rotacismo no âmbito da fonologia gestual

Luciane COSTA

A formação do ditongo crescente entre palavras em português brasileiro: um estudo-

piloto

Taíse SIMIONI

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EDITORIAL

“O homem não pode falar seu pensamento sem pensar sua palavra.” — roubemos

a Roland Barthes esta frase de Bonald, para fazer dela, aqui, um emblema do nosso

desejo: desde sua primeira publicação, em 1985, a revista Letras & Letras busca

consolidar um percurso de existência como importante periódico acadêmico, na área de

Letras e Linguística, e avançar na divulgação da pesquisa como risco — sabor sem o

qual todo saber se torna vão. É o mesmo Barthes quem nos ensina: “O trabalho (de

pesquisa) deve ser assumido no desejo. Se essa assunção não se dá, o trabalho é moroso,

funcional, alienado, movido apenas pela necessidade de prestar um exame, de obter um

diploma, de garantir uma promoção na carreira.”

Assim, procurando enlaçar o rigor da pesquisa à aventura da palavra, a revista

Letras & Letras — atenta à política editorial da Capes e dos Programas de Pós-

Graduação — ganhou, em 2007, uma versão eletrônica e, em 2008, tornou-se temática,

o que possibilita a constante circulação de diferentes saberes e discursos — bem como o

deslocamento, sempre salutar, dos desejos.

A proposição de temas é de responsabilidade dos professores pesquisadores

vinculados às linhas de pesquisa e aos grupos de pesquisa dos programas de pós-

graduação do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia.

Os proponentes são responsáveis, junto à Direção da revista, pela organização do

número a ser publicado, seguindo diretrizes de avaliação paritária e buscando o diálogo

com as mais diversas instituições de Ensino Superior, nacionais e internacionais.

Todo esse trabalho não se dá sem a cooperação de todos aqueles que, seja por

meio da submissão de artigos, seja pela participação nos Conselhos Editorial e/ou

Consultivo, têm contribuído para o bom andamento da revista.

A Direção.

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APRESENTAÇÃO

Estudos em Fonologia: uma homenagem às trilhas desbravadas por Leda Bisol

Nas últimas décadas, os estudos fonológicos no Brasil têm avançado

sobremaneira. Sejam as pesquisas de cunho descritivo, sejam aquelas que trazem como

foco implementação e aplicação de modelos teóricos, o certo é que a fonologia no Brasil

tem trilhado caminhos que surpreendem positivamente pesquisadores nacionais e

estudiosos de outras nações que visitam nossas pesquisas. Prova mais recente disso foi

testemunhada no último Seminário Internacional de Fonologia realizado em abril de

2012, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob o comando das

Professoras Leda Bisol e Gisela Collischonn, quando o Professor Paul Kiparsky

levantou-se a público para saudar os fonólogos brasileiros ora presentes não apenas pelo

grande número, mas principalmente pela qualidade dos muitos trabalhos lá

apresentados. Diante deste frutífero cenário, não se pode negar destaque, entre os

muitos linguistas que elegeram a fonologia como tema de estudo, ao lugar que a

Professora Leda Bisol ocupa como responsável pela formação de novos fonólogos e

pelo consequente desenvolvimento de inúmeras pesquisas nesta área da linguística.

Acompanhando as correntes de seu tempo, a Revista Letras&Letras pretende, com

este número, prestar sua contribuição à comunidade linguística nacional e internacional,

publicando dezenove artigos de renomados pesquisadores brasileiros e estrangeiros e,

nesta mesma oportunidade, abrir espaço para homenagear a Profa. Leda Bisol pela

importância de seus trabalhos para os estudos fonológicos e pela inquestionável

competência em formar novos fonólogos, a exemplo deste que escreve esta

apresentação e organiza o presente número deste periódico. Vários ex-alunos e

discípulos da Profa. Leda Bisol contribuem com este número, a saber: Gisella

Collischon, Dermeval da Hora, Elisa Battisti, Luiz Carlos Schwindt, Tattiana Keller,

Evellyne Patrícia Figueiredo de Sousa Costa, Ubiratã Kickhöfel Alves, Giovana Ferreira

Gonçalves e Ana Ruth Moresco Miranda. Não interessa se na linha descritiva, se em

trabalhos variacionistas, ou se no viés da construção e aplicação teórica, a Profa. Leda

Bisol tem trilhado caminhos e os deixado abertos para seus discípulos, que hoje também

se destacam com pesquisas de notável relevância na área.

Este número da Letras&Letras é composto por dezenove artigos inéditos que

tratam de diferentes temas em fonologia, os quais abordam análises variacionistas de

processos envolvendo vogais e consoantes, a descrição linguística com dados de

aquisição de fala e de escrita, análises métricas, interações da fonologia com a

morfologia e com a sintaxe, estudos experimentais, além da aplicação de modelos

teóricos seriais e que operam com restrições (Teoria da Otimidade).

Para começar nossa rota, Gisella COLLISCHONN revisita os estudos sobre o

sândi no português brasileiro atentando para sua relação com o acento e como isso pode

ser tratado à luz da Teoria da Otimidade, porém com um olhar para a análise serialista.

Na sequência, também com o acento em foco e valendo-se da Teoria da

Otimidade, Brett HYDE e Brooke HUSIC retomam dados do grego antigo para discutir

o que se denomina em fonologia janela do acento, valendo-se, para isso, de restrições de

alinhamento de relação específica.

Diferentemente dos dois artigos anteriores, Daniel Soares da COSTA retoma a

teoria métrica de grades e constituintes de Hayes (1995) para, a partir de proeminências

musicais de textos poéticos, fazer um estudo do acento secundário no português arcaico.

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Ainda sobre o acento, o trabalho de Leo WETZELS e Ben HERMANS utilizam a

Teoria da Otimidade para sua análise do acento primário em não-verbos do português

brasileiro. Os autores perseguem duas ideias fundamentais para sua análise: a primeira é

que o acento dos não-verbos é sensível ao peso; a segunda é que não existe, na

descrição do acento no português brasileiro, necessidade de referência à restrição de

não-finalidade nem à extrametricidade da mora para dar conta da janela de três sílabas

do acento.

Luiz Carlos SCHWINDT empreende uma reavaliação de três trabalhos de análise

quantitativa, cujos resultados revelaram fatores morfológicos como condicionadores da

variação fonológica. De posse da hipótese neogramática do final do século XIX, o autor

questiona se processos fonológicos variáveis podem acessar informações lexicais, ao

que conclui que a hipótese de acesso lexical por processos de harmonia vocálica,

redução de nasalidade de ditongos finais átonos e vocalização da lateral pós-vocálica

deve, sugestivamente, ser revista, especialmente acerca da estrutura interna das

palavras.

Maximiliano GUIMARÃES e Andrew NEVINS examinam a opacidade da

neutralização a partir de jogos de codificação de palavras em situação de reduplicação

(língua do Pê) e de infixação (língua do Ki). Os dados geraram padrões opacos de

superaplicação da nasalização com reduplicação e de subaplicação no caso da infixação,

o que, para os autores, provoca consequências para certos debates teóricos e para

análises que dizem respeito a regras ativas nos dialetos do português brasileiro falados

na região Nordeste.

Na sequência, Luciani Ester TENANI, Sebastião Carlos Leite GONÇALVES e

Jesuelen Salvani FERREIRA retomam a Fonologia Lexical e, com o suporte da

metodologia variacionista, tratam do apagamento do /d/ no morfema de gerúndio,

argumentando ser esta uma regra de natureza lexical.

O artigo de número oito, de Taís Bopp da SILVA, aborda a relação fonologia-

morfologia-sintaxe na formação de palavras compostas. A autora busca na Fonologia

Prosódica e na Teoria da Otimidade o referencial necessário para, em sua análise,

perseguir a hipótese de que os compostos possuem estrutura própria que os diferencia

de outras unidades prosódicas, morfológicas e sintáticas.

No artigo seguinte, Carlos Alexandre GONÇALVES e Marisandra Costa

RODRIGUES analisam encontros vocálicos finais átonos de palavras produzidas por

falantes da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, utilizando as primeiras

versões da Teoria da Otimidade para averiguar que processos fonológicos atuam contra

a realização de hiatos, nesta variedade do português, em palavras como “lêndea”,

glória”, entre outras.

Também enfocando fenômenos cujo alvo são a vogais do português brasileiro em

posições átonas, Elisa BATTISTI e Natália Brambatti GUZZO utlizam-se da teoria

variacionista para sua análise do apagamento da vogal em casos como antes~na[ts];

desculpe~[ds]culpe; professor~pro[fs]or e conquistar~com[ks]tar, procurando

evidenciar quais fatores favorecem a realização deste fenômeno variável na comunidade

de fala de Flores da Cunha (RS).

Análises quantitativas e o comportamento variável de vogais é também o tema do

artigo de Regina Célia Fernandes CRUZ e Raquel Maria da Silva COSTA. As autoras

analisam a variação das vogais médias altas na posição postônica não final na variedade

de fala de Cametá (PA).

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Sobre vogais também versa o trabalho de Silvia Figueiredo BRANDÃO, Fabiane

de Mello V. da ROCHA e Elisa Ramalho dos SANTOS, em que se analisa o

comportamento variável das vogais médias em posição pretônica na comunidade de fala

da cidade de Nova Iguaçu (RJ).

Ainda a respeito da realização das vogais médias em sílaba pretônica, mas com

dados de crianças em aquisição do português brasileiro, Tatiana KELLER e Evellyne

Patrícia Figueiredo de Sousa COSTA investigam a realização desses segmentos em

formas nominais a partir de corpora constituídos por dados longitudinais de duas

crianças do sexo feminino entre 2:0 e 3:4 e transversais de 24 crianças entre 3:0 e 4:9. A

investigação das autoras visa a verificar se as crianças realizam harmonia vocálica

variável ou se apenas copiam as formas dos adultos.

Trazendo como foco as consoantes, Dermeval da HORA e Juliene Lopes Ribeiro

PEDROSA empreendem uma análise das fricativas coronais em posição pós-vocálica,

guiados por dois nortes, a saber, o comportamento variável deste fenômeno no

português brasileiro a partir de estudos quantitativos já realizados e pela avaliação via

restrições da Teoria da Otimidade, conforme os preceitos de Coetzee (2004, 2006).

Carmen Lúcia MATZENAUER, Ubiratã Kickhöfel ALVES e Roberta

Quintanilha AZEVEDO valem-se, em seu trabalho, da Teoria da Otimidade Estocástica

para descreverem e analisarem a epêntese vocálica após consoantes plosivas em coda

medial nas produções de falantes nativos do espanhol (colombianos) aprendizes do

português brasileiro.

A emergência do sistema vocálico e da harmonia vocálica no caso das pretônicas

é o tema do artigo de Giovana Ferreira GONÇALVES e Miriam Rose BRUM-DE-

PAULA. Observam-se esses fenômenos, quando desencadeados pela presença de vogal

alta na sílaba subsequente, em dados longitudinais de crianças de 1:4 a 3:0 residentes na

cidade de Pelotas (RS).

Na sequência, Ana Ruth Moresco MIRANDA, Claudia Regina Minossi

ROMBALDI e Magda Floriana DAMIANI apresentam resultados de seu estudo sobre a

grafia das vogais arredondadas francesas por brasileiros aprendizes de francês como

língua estrangeira. A análise das autoras é suportada pela Teoria da Marcação de

Calabrese (1995) e intenciona, a partir de dados de aquisição da linguagem, demonstrar

conexão entre o conhecimento linguístico, modelos fonológicos e aquisição da escrita.

Com um viés experimental, o artigo de Luciane COSTA propõe uma

representação do fenômeno do rotacismo – alternância entre consoantes líquidas, lateral

e o rótico em posição de onset complexo – com base na Fonologia Gestual de Browman

e Goldstein (1988, 1992) com especificação bigestual para as líquidas e acoplamento

fásico entre a líquida e a vogal, no contexto em que a consoante encontra-se no onset

complexo.

Finalizando este número, Taíse SIMIONE se propõe a investigar a formação do

ditongo crescente entre palavras no português brasileiro. São abordados casos como

“febre amarela > febr[ja]marela”. O resultado da análise aponta para uma tendência à

realização do ditongo crescente nesses casos.

Finda-se, assim, este número da Revista Letras&Letras na certeza de que todos

estes trabalhos revelam o resultado de árduas pesquisas e surgem como importantes

contribuições não somente para outros estudos que estão em pleno andamento, como

também suporte para futuras investigações linguísticas na área da fonologia e suas

interfaces.

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Encerra-se, contudo, esta apresentação ratificando nossa homenagem à

pesquisadora, educadora e eterna orientadora Professora Leda Bisol.

José Sueli de Magalhães

Julho de 2012.

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SÂNDI VOCÁLICO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: COMO O ACENTO

DETERMINA SUA REALIZAÇÃO

Gisela COLLISCHONN

Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

A análise do sândi no português brasileiro revela que vogais com acento primário

tendem a ser preservadas. A questão que discutimos é o modo como essa precedência

entre acento e sândi pode ser explicada em termos de restrições, em uma perspectiva da

Teoria da Otimalidade. Procuramos explorar aqui uma abordagem proposta em

McCarthy (2008b) para a precedência de acento sobre síncope: o Serialismo

Harmônico. Nessa perspectiva, o mapeamento entre input e output segue em passos,

cada passo sujeitando-se a uma avaliação do mesmo conjunto hierarquizado de

restrições. Apresenta-se uma proposta de análise da interação acento e sândi em

português. O trabalho objetiva contribuir para a discussão de fenômenos que precisam

de uma análise ‘serialista’ em OT.

Palavras-Chave:

acento; sândi vocálico; restrições; serialismo

Introdução

As estratégias de solução de hiato desde sempre despertaram interesse na literatura

fonológica, no que se refere às suas motivações e aos vários elementos implicados

(traços, segmentos, estrutura silábica, constituintes prosódicos superiores, acento, entre

outros). Mais recentemente, no âmbito da Teoria da Otimalidade (OT) foram novamente

destacadas, principalmente por ilustrarem o argumento da ‘homogeneidade de alvo

versus heterogeneidade de processo’ (cf. McCarthy, 2002), já que tudo indica que

apresentem uma mesma motivação, a pressão para que as sílabas tenham

preferencialmente um onset, consistindo em diferentes soluções/estratégias para que

esta configuração seja alcançada.

Entretanto, há, na literatura em OT, questões em aberto no que se refere ao

tratamento dessas estratégias e das restrições implicadas.

Uma dessas é a questão de como o acento interage com as outras motivações. Ao

que nos parece, é o acento que determina o modo de solução do hiato e não o contrário.

Em abordagens derivacionais da fonologia, é o ordenamento entre os estágios de

atribuição de acento lexical e de estruturação da frase que dá conta do privilégio do

acento sobre as estratégias de silabificação. Essa solução de ordenamento, entretanto,

não está disponível para uma abordagem em OT, pelo menos na versão dita clássica

dessa teoria (Prince e Smolensky, 1993, 2004; McCarthy e Prince, 1995). O papel

determinante do acento nas resoluções de hiato nos leva à proposta de Serialismo

Harmônico de McCarthy (2008b), segundo a qual as formas de output são produzidas

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em etapas sucessivas, estando cada etapa derivacional sujeita à avaliação pelas

restrições ranqueadas sempre na mesma ordem de prioridade.

Este artigo1 focaliza a questão no processo de sândi vocálico conhecido como

elisão: o apagamento da vogal baixa /a/ na fronteira de palavra quando seguida por uma

palavra iniciada em vogal, como em casa inteira. Em outro trabalho, analisamos o

problema focalizando a questão da ditongação (Collischonn, 2012). O presente estudo

organiza-se da seguinte forma: na primeira seção, o problema será apresentado

brevemente ainda sem a discussão relativa às restrições envolvidas; em seguida, a

abordagem do Serialismo Harmônico será apresentada; na terceira seção, o problema

será retomado com os dados da elisão em português e sua análise por restrições; na

terceira seção, o Serialismo será aplicado à interação acento e sândi em português; por

fim, a última seção apresenta as nossas considerações finais.

O problema: ordenamento acento > sândi

As tendências contraditórias que se observam nos processos de sândi vocálico

prestam-se muito bem à caracterização através de restrições violáveis, em um modelo

orientado para o output, como atestam trabalhos como Casali (1997), Bakovic (2007),

entre outros.

Entretanto, em virtude do seu caráter tipológico, a teoria das restrições (OT) lança

foco sobre as possibilidades de rankings, o que se tornou conhecido com o nome de

“tipologia fatorial”. Segundo McCarthy (2008a, p.274-275), a exploração da tipologia

fatorial frequentemente revela lacunas, ou seja, fenômenos que não são atestados

embora sejam previstos a partir da livre ordenação das restrições.

Em determinadas interações de processos segmentais com o acento, parece que

não existe variabilidade, parece que o acento sempre tem precedência sobre os outros

processos. Dessa forma, determinados rankings admitidos pela teoria, segundo os quais

o acento deveria ceder a outros aspectos, não são atestados nas línguas.

A revelação de tais estados de coisa é uma contribuição da OT à nossa

compreensão sobre o funcionamento da língua. Não obstante, é preciso encontrar

explicações compatíveis com a arquitetura da OT, caso contrário, a sustentação da

própria teoria passa a ser questionada.

Em português, observa-se o processo de síncope nas formas paroxítonas: a[s]do

para “ácido”, xí[k]ra para “xícara. A síncope é resultado da disputa entre duas forças: a

estrutura de acento e a estrutura silábica. A estrutura de acento quer diminuir o número

de sílabas pós-tônicas, quer que o pé dátilo seja regularizado para um troqueu, ao passo

que a estrutura silábica quer evitar sílabas muito complexas (isto é, com onset

ramificado ou com coda). Na competição entre essas duas forças, é o acento que leva a

melhor e a síncope acontece. Esse é um padrão amplamente atestado; o que não é

atestado, segundo McCarthy (2008b), é que a síncope provoque apagamento da vogal

acentuada e depois o acento seja atribuído a outra vogal.

Em nosso entendimento, a interação entre acento e sândi funciona de forma

semelhante. Outras línguas românicas, como o espanhol e o catalão (Wheeler, 2005;

1 A análise descrita aqui foi apresentada no II Simpósio de Linguística e Semiótica da USP, com o tema Em torno da

prosódia, que teve lugar nos dias 10 e 11 de dezembro de 2009 na FFLCH-USP. Além disso, versão anterior deste

artigo recebeu diversos comentários de revisores anônimos de outra revista. Agradeço a contribuição de participantes do evento e dos revisores para o aprimoramento deste texto.

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Cabré e Prieto, 2005), também mostram que o padrão de acento influencia a escolha da

estratégia de resolução de hiato (ou, mesmo, se há alguma resolução). A mesma

observação é relatada para processos de resolução de hiato no Romeno (Chitoran,2002),

no Espanhol e em Lenakel (Rosenthall, 1997). Com base nestas constatações, buscamos

neste trabalho aplicar a abordagem defendida por McCarthy (2008) para o sândi,

propondo uma análise para o português.

Os dados da elisão nos quais se baseia este estudo fazem parte de um

levantamento realizado por Ludwig-Gayer (2008) sobre os fenômenos de sândi no

português de São Borja (Rio Grande do Sul), amostra do Projeto VARSUL. Naquele

estudo, a fala de 8 informantes (estratificados conforme idade, escolaridade e sexo) foi

analisada em busca de ocorrências de V#V, considerando os seguintes contextos: a#V

(elisão), /Vi#Vi/ (degeminação) e Vi#Vj (ditongação, desde que Vi ou Vj possa tornar-se

glide). Neste artigo, vamos focalizar somente os resultados relativos à elisão,

exemplificados abaixo.

Exemplos;

a. contr[a i]sso /a1#i2/ [i2]

b. agor[a e]u /a1#e2/ [e2]

c. minh[a o]pinião /a1#o2/ [o2]

d. zon[a u]rbana /a1#u2/ [u2]

Embora elisão também possa se aplicar a outras vogais, tais como /o/ e /e/, é

muito mais frequente e menos restrita com /a/, por isso, somente foram consideradas

ocorrências como as exemplificadas acima. No total, foram analisadas 784 ocorrências,

constatando-se que, em 55% destas a elisão se aplicou. Nos demais 45% em que a elisão

não ocorreu, houve 36% de manutenção da vogal e 9% de ditongação (com

semivocalização da segunda vogal, como em está [j]maginando).

Os resultados de Luwig-Gayer (2008) confirmam, em linhas gerais, os

levantamentos feitos por Bisol (2002a, 2002b, 2003) e Tenani (2002), entre outros. O

que se observa é que, no português brasileiro, mesmo que as taxas de elisão possam se

alterar de uma amostra para a outra, os fatores condicionadores como acento, domínio

prosódico e qualidade da vogal seguinte permanecem razoavelmente constantes (Bisol

2002a, 2002b Tenani, 2002, Nogueira, 2007). O sintagma fonológico é domínio

preferencial de aplicação; na fronteira de frases fonológicas, a frequência de aplicação

baixa sensivelmente. Diferentemente de Frota (2000), que constata que no português

europeu o sândi é limitado à frase fonológica, não podemos afirmar que a frase

fonológica seja limitadora categórica do fenômeno no português brasileiro.

Em geral, numa sequência V#V, vogais com acento primário tendem a ser

preservadas. Por isso, um /a/ tônico seguido de outra vogal nunca é elidido (está

imenso), o que é categórico. No entanto, o acento na segunda vogal também tem papel,

conforme se vê na tabela abaixo.

Page 15: Letras & Letras

14

Tabela 1: resultados para a variável acento

Fatores Aplicação/Total % Peso Relativo

V átona + V átona

(guerra econômica)

254/438

57

0,59

V átona + V tônica (não-nuclear)

(contra isso)

162/263

61

0,47

V átona + V tônica (nuclear)

(numa urna)

19/83

22

0,16

Total 435/784 55

Quando a segunda vogal for tônica, a elisão também é menos frequente (contra

isso), especialmente se nesta segunda vogal também incidir o acento nuclear (numa

urna). Esse fato mostra que o acento não tem somente acesso ao acento lexical, mas

também à informação sobre a estrutura de acento da frase. É de se notar, entretanto, que

o bloqueio exercido pelo acento na segunda vogal, diferentemente do acento na primeira

vogal, não é categórico. Na discussão que se seguirá neste artigo, não vamos abordar o

acento na segunda vogal, restringindo-nos ao acento na primeira vogal.

Numa abordagem derivacional baseada em regras, o fato de que o acento seja

referido pelas regras de sândi é algo natural, já que o acento tem de preceder

invariavelmente os outros processos, pois é structure building (construtor da estrutura).

Isso vale tanto para o acento lexical quanto para o frasal. Numa abordagem baseada em

restrições com avaliação simultânea, como a OT, o fato de que o acento seja referido

pelos outros processos precisa ser explicado e a explicação natural repousa no ranking

das restrições.

Estamos propondo neste artigo que o acento tem precedência sobre estrutura

silábica no que se refere aos processos de sândi em geral, embora a nossa explicação

focalize especificamente a elisão. Na próxima seção, vamos apresentar brevemente a

abordagem do Serialismo Harmônico, ilustrando-a com base em outro fenômeno que

interage com o acento: a síncope.

A abordagem da precedência do acento em relação à síncope

McCarthy (2008b) propõe uma abordagem derivacional da OT, Serialismo

Harmônico, para explicar opacidade, entre outras questões problemáticas da OT. Para

apresentarmos as idéias essenciais desta teoria, vamos ilustrá-la aqui com a análise de

Jacobs (2008) sobre a relação entre acento e síncope no latim.2 Jacobs considera dados

de síncope como os abaixo.

sŏlĭdus > soldus ‘sólido’

ārĭdus > ardus ‘seco, árido’

lāmĭnă > lamna ‘chapa’

sōlĭculum > soliclum ‘solzinho’

2 Para uma análise mais detalhada e uma exposição da argumentação em torno da análise, remetemos ao artigo de Jacobs (2008) bem como a uma discussão que fizemos em Collischonn (2011).

Page 16: Letras & Letras

15

A análise de Jacobs (2008) traz argumentos para a discussão a respeito da

precedência do acento em relação à síncope e ilustra bem o problema que McCarthy

(2008b) está buscando responder.

Antes de entrarmos na análise, vamos expor brevemente a proposta do Serialismo

Harmônico, segundo o qual GEN produz outputs em etapas sucessivas, estando cada

etapa derivacional sujeita à avaliação por EVAL.

Três propriedades caracterizam a teoria do Serialismo Harmônico (HS) em OT:

Gradualidade - cada etapa produzida por GEN está limitada à violação de apenas

uma restrição de fidelidade básica (Dep, Max e Ident).

Aprimoramento harmônico – a cada etapa, a forma selecionada por EVAL tem

de ser mais harmônica (= melhor, menos marcada em relação ao ranking da língua) do

que o input para aquela etapa.

Otimalidade local – numa etapa, a forma selecionada por EVAL deve ser o

candidato mais harmônico dentre todos os candidatos válidos daquela etapa.

Diferentemente da OT Clássica, nesta abordagem, os candidatos em avaliação não

são meramente as formas de output para um determinado input, mas, na verdade, cada

candidato é uma cadeia de formas, desde o input até o output, como no exemplo abaixo

(em análises por cadeias, o símbolo ‘>’ estabelece uma relação de precedência/sucessão

entre candidados, i.e., indica os elos da cadeia):

sōlĭcŭlum > sō(lĭ.cŭ)lum > sō(lĭ.)clum

Jacobs (2008) considera que atribuição de acento viole Dep-PR, pois uma

representação que não possuía acento algum recebe a inserção de acento. Esta suposição

tem como implicação que acento e síncope não possam acontecer simultaneamente

numa mesma etapa de GEN, caso contrário haveria duas violações de fidelidade em

uma etapa: Dep-PR e Max V.3 Assim, uma cadeia sōlĭcŭlum > (sō)lĭclum é mal-

formada, pois embora haja aprimoramento harmônico, aconteceram duas mudanças em

uma etapa: inserção de acento e síncope.

A síncope é explicada com base numa restrição que milita contra vogais fracas:

*V-Fraca – atribua uma marca de violação a cada vogal fraca em output. Esta restrição

entra em conflito com Max V, que milita contra o apagamento de vogal. As demais

restrições utilizadas são: FtBin – violada por pés não binários; LXPR – violada por

uma palavra lexical que não tenha acento. .

Com esta restrição, uma cadeia sōlĭcŭlum > sō(lĭ.cŭ)lum > sō(lĭ.)clum é bem

formada, pois as mudanças são graduais e há aperfeiçoamento de uma etapa à outra.

/sōlĭcŭlum/ LXPR *V-Fraca Max-V FtBin Dep-PR

a. sōlĭcŭlum

é menos harmônico que b.sō(lĭ.cŭ)lum

*!

*! *

3 Em geral, considera-se que a atribuição de acento não viole nenhuma restrição de fidelidade básica. A suposição de que atribuição de acento, bem como a estruturação silábica, não violam restrições de fidelidade vem da tradição pré-OT de considerar estes processos structure-building e não structure-changing. Esta suposição é revogada na abordagem de McCarthy (2008b) e de Jacobs (2008). Jacobs (2008) considera que atribuição de acento, remoção de acento e troca de acento violem as restrições Dep-PR, Max-PR e Id-PR, respectivamente. Esta perspectiva baseia-se no fato de que, em muitas línguas o acento é contrastivo. A suposição de que atribuição de acento, bem como a

estruturação silábica, não violam restrições de fidelidade vem da tradição pré-OT de considerar estes processos structure-building e não structure-changing.

Page 17: Letras & Letras

16

que é menos harmônico que

d. sō(lĭ)clum

* *

Tableau 1: aprimoramento harmônico em sōlĭcŭlum > sō(lĭ.cŭ)lum > sō(lĭ.)clum

Por outro lado, outras soluções não são admissíveis, como exposto a seguir:

a) troca de acento, por exemplo, sō(lĭ.)clum > (sō)lĭ.clum viola duas restrições:

Dep-PR e Max-PR, respectivamente, por isso, está automaticamente excluída da

análise;

b) uma cadeia com desacentuação e nova atribuição de acento como sōlĭcŭlum >

sō(lĭ.cŭ)lum > sō(lĭ.)clum > sōlĭclum > (sō)lĭclum é gradual mas não apresenta

aprimoramento harmônico entre a antepenúltima e a penúltima etapa, pois viola uma

restrição mais alta no ranking que exige que uma palavra prosódica tenha acento.

Vê-se, portanto, que a abordagem por ‘cadeias de candidatos’ dos dados de

síncope dá conta da precedência intrínseca entre acento e síncope. A restrição *V-Fraca

faz com que a síncope só resulte em aprimoramento harmônico depois que o acento foi

atribuído. Em suma, ela obriga à sequência acento > síncope na cadeia.4

Para lembrar,

Acento e síncope não podem ser concomitantes, pois isso implicaria duas

violações de fidelidade numa mesma etapa

Síncope não pode preceder acento, pois o apagamento da vogal só faz sentido se

atender a uma restrição como *V-Fraca, cuja satisfação só pode ser avaliada depois que

o acento tiver sido atribuído.

Portanto, acento sempre tem de preceder síncope.

Aqui, um breve desvio de percurso, para entendimento da diferença de

comportamento entre acento e tom. Se ambos forem informações presentes no input,

como explicar o fato de que tom não limita apagamento de vogal e acento limita? Em

muitas línguas tonais, o apagamento de uma vogal em função de resolução de hiato, não

somente não é bloqueado pela presença de tom, como também, não implica o

apagamento do tom. Um exemplo bastante conhecido é o da língua Etsako (Elimelech

1976, apud Hayes, 2009), na qual um tom se mantém quando a vogal portadora do tom

é apagada.

ówà “casa”

ówà+ RED “cada casa” ówà+ ówà > ówø ówà > ówǒwà

Como nota (Kager, 2007, p. 195), o acento é claramente diferente do tom, no

sentido de que acento não assimila, nem localmente entre sílabas adjacentes, nem

através de distâncias maiores. A questão merece discussão mais aprofundada no âmbito

da teoria do Serialismo Harmônico. Neste artigo, vamos considerar que a diferença de

comportamento do tom em relação ao acento está no fato de não existirem contrapartes

tonais para uma restrição como *V-Fraca.

Análise da precedência do acento em relação à elisão no português

4 Nesse tipo de abordagem, esta restrição assume o lugar de restrições como Parse σ (que McCarthy, 2008b, afirma

não existir).

Page 18: Letras & Letras

17

Vemos que os dados do sândi em português e em outras línguas sugerem uma

relação de precedência entre acento e sândi semelhante à relação de precedência entre

acento e síncope.

Essa relação de precedência é tratada em análises como a de Bisol (2003) com a

avaliação em duas etapas, uma no nível do léxico e outra no nível da frase. Em cada

etapa, os rankings são distintos. Deve-se observar, porém, que a análise por etapas não

prediz que acento sempre tenha de ter prioridade sobre a elisão, pois outros rankings no

nível pós-lexical poderiam chegar a resultados distintos.

Nesta análise, buscamos uma explicação baseada na teoria das cadeias de

candidatos (Serialismo Harmônico). Para que a abordagem funcione, a ideia é que elisão

de /a/ em fronteira de palavra não ocorre meramente para satisfazer estrutura silábica,

mas principalmente para atender a uma exigência de acento. Isto significa que a

restrição Onset não pode ser a responsável pela elisão da vogal.

Nas abordagens de McCarthy (2008b) e de Jacobs (2008), há uma restrição que

penaliza a vogal prosodicamente fraca no output: *V-Place fraca ou *V-Fraca.

Essas restrições não são satisfatórias para tratamento dos dados do português,

como explicamos a seguir:

a) *V-Place fraca – milita contra vogal fraca com ponto de articulação próprio.

Consideramos aqui, conforme Abaurre e Sândalo (2008), que /a/ não tem ponto de

articulação, a partir de uma concepção geométrica baseada em Clements (1991).

b) *V-Fraca – milita contra qualquer tipo de vogal fraca. A restrição é muito

genérica e prevê tratamento igual a todas as vogais, quando diversos levantamentos nos

mostraram que o comportamento da vogal /a/ é distinto das demais.

A restrição que propomos, tentativamente, é *V-Abertofraco, que penaliza uma

vogal fraca especificada para Aberto.5 A atuação desta restrição tem o efeito do

apagamento da vogal /a/ em contextos em que ajustes de estrutura silábica o permitem.

A razão por que isso acontece com essa vogal e não com outras é o fato de que a vogal

/a/, diferentemente das outras, não é especificada para ponto. Assim, o apagamento de

Aberto resulta num segmento sem nenhuma especificação. Nas demais vogais, o

apagamento se limita a um alteamento ou uma neutralização de altura vocálica, sem

afetar o segmento como um todo.

É possível que essa restrição faça parte de uma família de restrições que atuam

nos diversos processos de sândi, questão a ser aprofundada em trabalhos posteriores. A

proposição que se faz aqui carece ainda de sustentação funcional e/ou tipológica, que

deixaremos para outro trabalho. O foco da discussão no presente artigo é a idéia de que

o sândi tal como a síncope evidencia privilégio de precedência do acento e que esse fato

sugere a existência de restrição de marcação de segmento sensível ao acento.

Como se dá o mapeamento input-output? Considere-se a forma exemplo zon[a

u]rbana. Primeiro, ocorre a atribuição de acento zona urbana >[(‘zona)] [ur(‘bana)].

(atribuição de pé e constituição de palavra prosódica são ações que acontecem ao

mesmo tempo). Depois ocorre a elisão: zona urbana >[(‘zona)] [ur(‘bana)] > [(‘zona)]

[ur(‘bana)]. No caso da forma exemplo est[a u]sando, com acento no /a/, ocorre a

atribuição de acento - esta usando > [(es‘ta)] [u(‘sando)] (o pé de acento em está é

iâmbico por questões morfológicas) – mas não a elisão, por não ter contexto de

aplicação.

5 Diferentemente de Abaurre e Sandalo (2008), consideramos que /a/ seja caracterizado em altura com os traços de

Aberto, ou seja, consideramos que o segmento não seja plenamente debucalizado, mas apenas não especificado para ponto de articulação.

Page 19: Letras & Letras

18

Para uma verificação do funcionamento da análise, colocamos abaixo as restrições

de acento e as demais restrições aqui consideradas e como elas interagem na seleção da

forma com sândi.6

As restrições de acento aqui consideradas são adotadas da literatura geral sobre

acento em OT (caso das duas primeiras) e dos trabalhos que tratam do Serialismo

Harmônico (caso das outras duas). Como o nosso foco se limitará a dados com acento

final e penúltimo, consideraremos apenas as restrições responsáveis por gerar estas

configurações.

Restrições

FtBin – atribua uma marca de violação a cada pé que não seja binário

LXPR - atribua uma marca de violação a cada palavra lexical que não seja

palavra prosódica (esta restrição não pode ser satisfeita sem a existência de pés)

Dep ac – atribua uma marca de violação a cada acento que não estiver no input

Max V – atribua uma marca de violação a cada vogal que estiver no input e que

não tiver correspondente no output.

Na apresentação das análises de formas como zona urbana e está usando,

chamamos a primeira etapa de etapa do acento e a segunda de etapa do sândi, de

forma a identificar o que está sendo focalizado em cada uma. Note-se que o mesmo

ranking prevalece entre as restrições nas duas etapas. A restrição LXPR domina tanto

*V-Abertofraco quanto Dep ac, caso contrário não haveria atribuição de acento (como

ocorre nos candidatos b e c). O ranking *V-Abertofraco e Dep ac >> FtBin e MaxV

será justificado na próxima etapa.

Dado zona urbana, etapa do acento:

zona urbana LXPR *V-Abertofraco Dep ac FtBin MaxV

a.zona urbana > [(‘zona)] [ur(‘bana)] * * b.zona urbana > zona urbana * c.zona urbana > zon urbana * *

Tableau 2: Etapa de seleção de candidato com acento lexical; input zona urbana

Neste primeiro mapeamento, do input para o output ótimo nesta etapa, a restrição

*V-Abertofraco é satisfeita no vazio; por isso, ela não determina mapeamento infiel no

que se refere à vogal final (v. candidato c.). Nesta primeira etapa, só um mapeamento

infiel ocorre, de atribuição do acento, determinado pelo fato de a restrição LXPR

dominar Dep ac. Uma vez atribuído o acento, a elisão pode acontecer na etapa seguinte.

Dado zona urbana, etapa da elisão:

[(‘zona)] [ur(‘bana)] LXPR *V-Abertofraco Dep ac FtBin MaxV

6 É importante destacar que esta breve apresentação não pretende ser uma análise exaustiva dos dados aqui

apresentados, mas uma ilustração da questão principal deste artigo: a precedência de acento em relação ao sândi vocálico.

Page 20: Letras & Letras

19

a.[(‘zona)] [ur(‘bana)] > [(‘zo)] [nur(‘bana)] * * b.[(‘zona)] [ur(‘bana)]> [(‘zona)] [ur(‘bana)] *

Tableau 3: Etapa de seleção de candidato com elisão; input zona urbana

Observe-se que candidatos sem metrificação já não entram em avaliação nesta

etapa por causa da exigência de aprimoramento entre etapas: como o candidato que

venceu na primeira etapa é aquele que tem o acento atribuído, outros candidatos

perdedores já não se qualificam como input. É nesta etapa que se observa a relação de

dominância *V-Abertofraco >> FtBin e MaxV, caso contrário, o candidato b seria

selecionado.

Vejamos agora o que ocorre quando o acento recai sobre a primeira vogal.

Dado está usando : etapa do acento

esta usando LXPR *V-Abertofraco Dep ac FtBin MaxV

a. esta usando > [(es‘ta)] [u(‘sando)] *

b. esta usando> esta usando *

c. esta usando > est usando * * Tableau 4: Etapa de seleção de candidato com acento lexical; input está usando

Note-se que, neste caso, o acento de está (na vogal final) é determinado por razões

morfológicas (nas diversas análises do português, a vogal temática é considerada locus

privilegiado do acento nos verbos).É por esta razão que consideramos que Dep ac deve

dominar FtBin, caso contrário, o acento seria paroxítono.

Dado está usando : etapa da elisão

[(es‘ta)] [u(‘sando)] LXPR *V-Abertofraco Dep ac FtBin MaxV

a. [(es‘ta)] [u(‘sando)]> [(es‘ta)] [u(‘sando)] b. [(es‘ta)] [u(‘sando)] > [(est)] [u(‘sando)] *

Tableau 5: Etapa de seleção de candidato com elisão; input está usando

Uma vez atribuído o acento, a elisão não mais acontece porque não satisfaz a

restrição *V-Abertofraco. Pelo contrário, a elisão da vogal acentuada não somente viola

Max V, como também LXPR sem obter aprimoramento harmônico.

Considerações finais

A análise do sândi no português brasileiro revela que vogais com acento primário

tendem a ser preservadas. A questão que buscamos explicar aqui é como se daria a

precedência entre acento e sândi. Se tanto o acento quanto o sândi são determinados por

restrições que são avaliadas concomitantemente, como explicar que o acento não é

determinado pelo sândi? Procuramos explorar aqui a solução proposta em McCarthy

(2008): o Serialismo Harmônico. Nesta perspectiva, o mapeamento entre input e output

segue em passos, cada passo sujeitando-se a uma avaliação do mesmo conjunto de

restrições. Na proposta de McCarthy (2008), acento tem precedência sobre síncope por

causa das exigências de gradualidade e de aprimoramento harmônico que este modelo

de OT impõe, acrescido da interpretação de que a estrutura métrica seja determinada por

restrições de tipo top-down, tais como a restrição que exige que toda palavra prosódica

tenha acento) e não restrições do tipo bottom-up, como Parse-σ.

Page 21: Letras & Letras

20

A nossa análise adapta esta proposta para dar conta da interação entre sândi

vocálico e acento. Adotamos a restrição *V-Abertofraco. Essa restrição resulta, no caso

de /a/ no apagamento da vogal. Em contraste com outras vogais que não são apagadas, a

vogal /a/ sofre elisão pelo fato de não possuir nódulo de ponto de V; com a perda do

nódulo Aberto, determinada pela restrição *V-Abertofraco, o resultado é sua inteira

remoção. Portanto, pressupondo a existência de uma restrição como *V-Abertofraco, o

apagamento metricamente condicionado pode ser explicado pelo Serialismo Harmônico.

O Serialismo Harmônico é uma forma de derivacionalismo, que admite a

avaliação em etapas (derivação), ainda que mantenha outros pressupostos fundamentais

da OT Clássica, por exemplo, não há mudança de ranking entre as diversas etapas de

uma derivação. O Serialismo Harmônico distingue-se da OT Clássica pela exigência de

gradualidade, fato que impede que atribuição de acento, bem como apagamento de

vogal por sândi aconteçam na mesma etapa derivacional, e pela exigência de

aprimoramento de uma etapa a outra da derivação. A exigência de aprimoramento é

também uma propriedade da OT Clássica, como defendido em Moreton (2003), pois a

atuação das restrições de Fidelidade impede um candidato infiel de ser selecionado se

ele não for superior, no quesito marcação, a outros candidatos fiéis ao input. Entretanto,

a diferença do Serialismo Harmônico reside no fato de que o aprimoramento tem de ser

gradual, cada etapa derivacional tem de conter aprimoramento, enquanto na OT

Clássica o aprimoramento é global. Com essas duas suposições do Serialismo

Harmônico e uma restrição ‘prosódica’ como *V-Abertofraco, não há possibilidade de o

sândi aplicar-se antes do acento.

Na proposta apresentada aqui, a restrição Onset não tem papel. Se tivesse, ela

poderia determinar o apagamento independentemente do status acentual da vogal. Para

que Onset respeite estrutura métrica, a restrição teria de estar ranqueada abaixo de uma

restrição de fidelidade à estrutura prosódica, por exemplo, IdPR (v. nota 4). O problema

não é este ranking em si, mas sim o fato de que parece ser sempre o mesmo: em

processos de sândi nas mais diversas línguas, o acento sempre determina se sílabas sem

onset são ressilabificadas ou se ficam como estão. Portanto, sugerimos que uma

restrição como *V-Abertofraca, ou similar, assuma o papel de Onset para tratar das

sequências vocálicas em fronteiras de palavras. Note-se que esta sugestão independe da

abordagem serial. Evidentemente, a pertinência dessa restrição precisa ser analisada em

profundidade, em confronto com outros aspectos do sândi, objetivo que extrapola os

propósitos do presente artigo.

O Serialismo Harmônico, proposto por McCarthy (2008) para explicar

precedência de acento em relação à síncope, também foi aplicado para o tratamento da

interação entre acento e epêntese. Elfner (2009) analisou casos em que as vogais

epentéticas parecem invisíveis ao acento, como no árabe do Egito, no árabe Levantino e

no Dakota. Vale lembrar que o Serialismo Harmônico foi primeiramente adotado por

McCarthy (2007) para o tratamento de casos de opacidade. Em Collischonn (2008),

apresentamos uma análise de um fenômeno opaco no português europeu valendo-nos

dessa proposta e comparando-a a alternativas não-seriais. A análise aqui apresentada

pretende ser uma contribuição para a discussão de fenômenos que precisam de uma

abordagem ‘serialista’ em OT.

COLLISCHONN, G. VOWEL SANDHI IN BRAZILIAN PORTUGUESE: HOW

STRESS DETERMINES ITS ACCOMPLISHMENT

Page 22: Letras & Letras

21

Abstract

The analysis of hiatus resolution in Brazilian Portuguese shows that vowels with

primary stress tend to be preserved. The question we approach in this paper is how this

priority between stress and sandhi can be explained in terms of constraints in an

Optimality Theory perspective. We explore here a recent proposal by McCarthy (2008),

which accounts for the priority of stress over syncope: Harmonic Serialism. In this

perspective, the mapping between input and output follows in steps, each step subjected

to the evaluation of the same ranking of restrictions. The ilustration of this version of

OT is made on the basis of the analysis of syncope in Latin, presented by Jacobs (2008).

After that, an analysis of the interaction stress and sandhi in Portuguese is presented.

The aim of this article is to contribute for the understanding of phenomena that urge for

a serialist approach in OT.

Keywords

stress; vowel sandhi; constraints; serialism

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Page 25: Letras & Letras

24

ANCIENT GREEK ACCENT WINDOWS

Brett HYDE

Washington University

Formação: PhD

E-mail: [email protected]

Brooke HUSIC

Washington University

E-mail: [email protected]

Abstract

A significant challenge in metrical stress theory is the restriction of a word accent to a

specific window at one edge of the word. In this article, we argue that there are two

different types of accent window in Ancient Greek. The first of these is the basic

window, which is primarily responsible for restricting the position of word accent in

forms without enclitics. The second type is the enclitic window, which restricts the

position of word accent in forms with enclitics. We demonstrate that both types can be

accounted for under an approach to accent windows based on Relation-Specific

Alignment constraints (Hyde 2008, forthcoming).

Keywords: Accent, Alignment, Greek

One of the most interesting problems in metrical stress theory is the restriction of

word accent to a window of a particular size at the right or left edge of a form. In

Macedonian (Comrie 1976), Maithili (Jha 1940-1944, 1958; Hayes 1995), and Pirahã

(Everett and Everett 1984; Everett 1988), for example, accent must occur on one of the

three final syllables of a word. In Azkoitia Basque (Hualde 1998) and Kashaya

(Buckley 1992, 1994), it must occur on one of the three initial syllables. Though accent

windows are found in a number of languages, a general and uniform account has proven

elusive. The primary difficulty lies in establishing a domain of the appropriate size.

Consider, for example, the trisyllabic accent windows just mentioned. In theories that

exclude ternary feet, as most current theories of metrical stress do, there is no prosodic

category that regularly consists of three syllables, so there is no prosodic category that

might be used to establish a trisyllabic domain directly. Approaches employing devices

such as extrametricality or nonfinality (Prince and Smolensky 1993), as well as

approaches based on various implementations of lapse avoidance (Kager 1994, Green

1995, Green and Kenstowicz 1995, Gordon 2002, Kager 2005), have failed to provide a

general and uniform account.

In this article, we examine two different types of accent window found in Ancient

Greek. The Ancient Greek accent windows support an alternative approach that focuses

on the size of the gap allowed between the accent and the relevant word edge rather than

on the size of the domain itself (Hyde 2008, forthcoming). Under this alternative

approach, a stress window consists of a peripheral instance of a prosodic or

Page 26: Letras & Letras

25

morphological category and a particular position adjacent to that category. As an initial

example, consider again the typical trisyllabic accent window. Since the maximum gap

between accent and word edge is two syllables, the standard disyllabic foot is the

obvious choice to establish it. As illustrated in (1), languages with initial trisyllabic

windows are those that confine accent to a syllable within an initial foot or the syllable

adjacent to the initial foot, and languages with final trisyllabic windows are those that

confine accent to a syllable within a final foot or the syllable adjacent to the final foot.

(1) Peripheral Feet and the Maximal Gap in Stress Windows

Within the Window

Initial Final

è è

è è

è è

Outside the Window

Initial Final

è è

è è

Windows of different sizes can be created by using different categories to

establish the allowable gap between accent and word edge and by using different

categories to specify the relevant adjacent position.

Variation along both dimensions—maximum allowable gap and relevant position

adjacent to the gap—can be seen in the Ancient Greek accent windows. Ancient Greek

words often form a base to which a string of one or more enclitics is attached. When a

word occurs without enclitics, it has single high tone. When a word occurs with an

enclitic, an additional high tone may occur at the end of the base or at the end of the

enclitic itself. The position of the first high tone (the position of the high tone in forms

without enclitics) is restricted by what we will refer to as the basic window. When the

final syllable of the word is light, the high tone may occur on the ultima, as in (2a), the

penult, as in (2b,c), or the final mora of the antepenult, as in (2d,e). It is not a truly

trisyllabic window, however, because the window does not extend all the way through

the antepenult when it happens to be heavy. (In final position, syllables with long

vowels, syllables with dipthongs, and syllables closed with two consonants are heavy.

In nonfinal position, only syllables with long vowels or diphthongs are heavy.) Example

forms are taken from Steriade (1988).

(2) a. hodós ‘road’

b. óikos ‘house’

c. paidískos ‘little child’

d. eépreiros ‘continent’

e. poikilóstolos ‘with variegated prow’

Page 27: Letras & Letras

26

When the final syllable of the word is heavy, the basic window shrinks. The high

tone may occur on the ultima, as in (3a), or the final mora of the penult, as in (3b,c). The

window does not extend all the way through the penult when it happens to be heavy.

(3) a. hodóu ‘road-GEN’

b. patrídoon ‘fatherland-GEN PLUR’

c. daímoon ‘god-GEN PLUR’

In terms of the approach outlined above, the basic window in Ancient Greek

consists of a final foot and the mora adjacent to the final foot. When the final syllable is

light, the final foot is maximally disyllabic, as illustrated in (4), and the high tone may

occur as far to the left as the final mora of the antepenult.

(4) Ancient Greek basic window: final light syllable

Within the window

.CVV.CVè

.CVVè.CV

.CVVè.CV

Outside the window

.CVèV.CV

è.CVV.CV

When the final syllable is heavy, however, the final foot is monosyllabic, as

illustrated in (5), and the high tone may only occur as far to the left as the final mora of

the penult.

(5) Ancient Greek basic window: final heavy syllable

Within the window

.CVVCVVè

.CVVCVèV

.CVVèCVV

Outside the window

.CVèVCVV

è.CVVCVV

The second window, which we will refer to as the enclitic window, arises only

when enclitics are present. If the original high tone of the base falls outside this

window, under certain circumstances, a second high tone will appear within it. When

the enclitic is disyllabic, the enclitic window is effectively trisyllabic. If the original

high tone of the base falls to the left of the base-final syllable, a second high tone may

appear on the base-final syllable or the enclitic-final syllable, depending on the base’s

configuration. (It never occurs on the initial syllable of the enclitic for reasons discussed

in Section 3.)

Page 28: Letras & Letras

27

(6) a. phóos tinos ‘someone’s light’

b. phílos tinós ‘someone’s friend’

c. ángelós tinos ‘someone’s messenger’

When the enclitic is monosyllabic, the enclitic window is smaller, effectively

disyllabic. If the original high tone falls to the left of the base-final syllable, a second

high tone may occur on the base-final syllable, depending on the base’s configuration.

(It never occurs on the monosyllabic enclitic itself for reasons discussed in Section 3.)

(7) a. hodós tis ‘some road’

b. ángelós tis ‘some messenger’

In terms of the proposed approach, the enclitic window consists of the enclitic and

the syllable adjacent to the enclitic. When the enclitic is disyllabic a second high tone

may be added if the original falls to the left of the final three syllables. (“e” denotes an

enclitic syllable in (8, 9) and throughout the article.)

(8) Ancient Greek enclitic window: disyllabic enclitic

Original high tone within the window

è ee

Original high tone outside the window

è eeè

èè ee

When the enclitic is monosyllabic, a second high tone may be added when the

original falls to the left of the final two syllables.

(9) Ancient Greek enclitic window: monosyllabic enclitic

Original high tone within the window

è e

Original high tone outside the window

èè e

Having outlined the basic characteristics of the Ancient Greek accent windows

and having introduced the configurations that define them, we next introduce the core

components of the analysis. In Section 1, we introduce the Weak Bracketing (Hyde

2001, 2002) approach to prosodic and metrical structure. We then outline the general

formulation for Relation Specific Alignment (RSA; Hyde 2008, forthcoming)

constraints and introduce the particular versions that establish the Ancient Greek accent

windows. We present the analysis of the basic window in Section 2 and the analysis of

the enclitic window in Section 3. Section 4 contains a summary and concluding

remarks.

Section 1 Constraints and Structural Assumptions

Page 29: Letras & Letras

28

In the analysis of the Ancient Greek accent below, we adopt the Weak Bracketing

approach to prosodic and metrical structure. In its assumptions concerning the possible

relationships between prosodic categories, the Weak Bracketing approach differs in two

ways from the more familiar Weak Layering (Itô and Mester 1992) approach adopted in

most recent accounts of metrical stress. First, where the Weak Layering approach

requires proper bracketing—it does not allow prosodic categories of the same level to

overlap—the Weak Bracketing approach tolerates improper bracketing. In particular,

feet are allowed to overlap so that they share a syllable, as in (10).

(10) Overlapping feet

hfhf

Second, where the Weak Layering approach tolerates underparsing—it tolerates

instances of prosodic categories on one level that are not parsed into prosodic categories

on the next level higher—the Weak Bracketing approach requires exhaustive parsing. In

particular, all syllables must be parsed into feet; they cannot be incorporated directly

into the prosodic word.

The Weak Bracketing approach also departs from standard assumptions about the

relationship between feet and stress. While it is standardly assumed, following Selkirk

(1980), that there is a one to one correspondence between feet and stress, the Weak

Bracketing approach assumes that feet can remain stressless and that they can even

share a stress when they happen to overlap. Note that the Weak Bracketing approach

maintains a distinction between stress and head. A stress is an entry at the appropriate

level of the metrical grid, where a head is the most prominent constituent of a prosodic

category. Though a foot may occur without a stress (without a grid entry at the foot

level), it may not occur without a head syllable. When stress is present, however, the

stressed syllable must also be a head. In (11) and throughout the article, heads are

denoted with vertical association lines.

(11) a. Stressed trochee b. Stressless trochee

X

gt

gt

The structural assumptions outlined above are crucial to the proposed analysis of

Ancient Greek accent in several respects. Though the Ancient Greek accent was tonal,

we assume, following Steriade (1988), that the high tone corresponds to a word-level

stress. This assumption allows us to account for restrictions on the proximity of accents

in terms of clash avoidance. To capture the connection between word-level stress and

high tone, we assume that the following constraint is undominated in Ancient Greek.

(12) X-HIGH-TONE: Every prosodic word-level grid entry corresponds to a high

tone.

Most of the constraints responsible for positioning the accent are constraints that

refer directly to word-level stress rather than the associated high tone.

Page 30: Letras & Letras

29

In accounting for the Ancient Greek accent windows, two feet are especially

important in each form: the final foot, as this is the foot that helps to establish the

maximal gap between primary stress and the right edge of the word in the basic

window, and the head foot, the foot that actually contains the primary stress and its

associated high tone. When the two are distinct, we assume that the final foot is

stressless, as there is no evidence for secondary stresses in this position. We also assume

that the head foot and the final foot overlap, as in (13), when both are disyllabic.

(13) Overlapping head foot and final foot

X

X

… gtgt

We turn next to the general formulation of Relation-Specific Alignment

constraints and to the particular RSA constraints that establish the Ancient Greek accent

windows.

Section 1. 2 Relation-Specific Alignment

In the proposed analysis, accent windows emerge as restrictions imposed by

Relation Specific Alignment constraints. In the RSA approach to alignment, alignment

constraints have two components, separated by a slash, as in the general schemas in

(14). The set of categories to the left of the slash defines a locus of violation. The

configuration to the right of the slash defines a prohibited configuration of

misalignment. A single violation mark is assessed whenever instances of the categories

specified in the locus of violation to the left of the slash occur in the prohibited

configuration to the right of the slash. In each of the three schemas, the prohibited

configuration is one where a separator category, SCat, intervenes between an edge of

the first aligned category, ACat1, and an edge of the second aligned category, ACat2.

(14) Alignment constraint schemas

a. Left-edge: *ACat1, ACat2, (SCat) [ … SCat … ACat2 … ]ACat1

‘Assess a violation mark for every ACat1, ACat2,

(SCat) such that SCat precedes ACat2 within ACat1.’

b. Right-edge: *ACat1, ACat2, (SCat) [ … ACat2 … SCat … ]ACat1

‘Assess a violation mark for every ACat1, ACat2,

(SCat) such that ACat2 precedes SCat within ACat1.’

c. Opposite-edge: *ACat1, ACat2, (SCat) ACat1 … SCat … ACat2

‘Assess a violation mark for every ACat1, ACat2,

(SCat) such that ACat1 precedes ACat2 with SCat

intervening.’

Because it prohibits SCat from intervening between the left edges of ACat1 and

ACat2, (14a) requires alignment of left edges. Because it prohibits SCat from

intervening between the right edges of ACat1 and ACat2, (14b) requires alignment of

Page 31: Letras & Letras

30

right edges. Finally, because it prohibits SCat from intervening between the right edge

of ACat1 and the left edge of ACat2, (14c) requires alignment of opposite edges.

Notice that both of the aligned categories are always included in the definition of

a locus of violation, but the separator category is only optionally included. The

optionality of the separator category allows the RSA approach to limit itself to

categorical evaluation, where a single violation mark is assessed for each locus of

violation, while still providing the grammar with both distance-insensitive and distance-

sensitive alignment constraints. When an alignment constraint omits the separator

category from the locus of violation, violation assessment is distance-insensitive. The

constraint identifies pairs of misaligned categories and assesses a single violation mark

for each pair, regardless of the number of separator categories that intervene. When the

locus of violation includes the separator category, violation assessment is distance-

sensitive. The constraint looks for triplets consisting of two misaligned categories plus

an intervening separator category and assesses a violation mark for each triplet. The

number of violation marks assessed overall is equal to the number of separator

categories intervening between each pair of misaligned edges.

Section 1.3 Window Constraints

The constraints primarily responsible for establishing stress windows are distance-

insensitive opposite-edge RSA constraints. For the Ancient Greek accent windows in

particular, the relevant constraints are BASIC-WINDOW and ENCLITIC-WINDOW, given in

(15). The BASIC-WINDOW constraint is violated whenever a mora intervenes between a

prosodic word-level grid entry, “x”, and the head syllable of a foot, “Hd” to its right.

The ENCLITIC-WINDOW constraint is violated whenever a syllable intervenes between a

primary stress and an enclitic, “Enc”, to its right.

(15) a. BASIC-WINDOW: *x, Hd x … … Hd

‘Assess a violation mark for every x, Hd such

that x precedes Hd with intervening.’

b. ENCLITIC-WINDOW: *x, Enc x … … Enc

‘Assess a violation mark for every x, Enc such

that x precedes Enc with intervening.’

To illustrate how the two constraints establish stress windows, consider first the

preferences of BASIC-WINDOW. Since BASIC-WINDOW is violated whenever a mora

intervenes between a primary stress and a head syllable to its right, the maximal gap that

can occur between primary stress and word edge depends on the position of the head

syllable within the final foot. When the penult is the head syllable of the final foot, as in

(16), the maximal gap is disyllabic. The primary stress can occur on the penult or the

final mora of the antepenult. Note that it cannot occur over the ultima in this situation,

because primary stress must occur over a head syllable, and the ultima is not a head. (To

emphasize how the window is established, only the positions of the final foot and the

head foot are shown in (16, 17).)

Page 32: Letras & Letras

31

(16) ….CVV. BASIC-WINDOW

X

X

a. C V V gt

X

X

b. C V V g gt

X

X

c. C V V g gt

*!

X

X

d. C V V gr gt

*!

If the ultima is the head syllable of the final foot, as in (17), the maximal gap is

monosyllabic. The primary stress can occur on the ultima, or the final mora of the

penult.

(17) ….CVV. BASIC-WINDOW

X

X

a. C V V g

X

X

b. C V V g g

X

X

c. C V V g g

*!

X

X

d. C V V gr g

*!

Next consider the preferences of ENCLITIC-WINDOW. Since ENCLITIC-WINDOW is

violated whenever a syllable intervenes between the primary stress and an enclitic to its

right, the maximal gap between primary stress and edge depends on the size of the

Page 33: Letras & Letras

32

enclitic. When the enclitic is disyllabic, as in (18), the maximal gap between stress and

edge is also disyllabic, and ENCLITIC-WINDOW allows the primary stress to occur on any

one of the final three syllables. (To emphasize how the window is established, only the

head foot is shown in (18, 19).)

(18) … ee ENCLITIC-WINDOW

X

X

a. e e g

X

X

b. e e gt

X

X

c. e e gt

X

X

d. e e gt

*!

When the enclitic is monosyllabic, as in (19), the maximal gap is also

monosyllabic. ENCLITIC-WINDOW allows the primary stress to occur on either of the

final two syllables.

(19) … e ENCLITIC-WINDOW

X

X

a. e g

X

X

b. e gt

X

X

c. e gt

*!

To this point, then, we have introduced the structural assumptions of Weak

Bracketing, the general formulation of RSA constraints, and the particular RSA

constraints responsible for establishing the Ancient Greek accent windows. We turn

now to the proposed analysis of the Ancient Greek accent pattern. Additional

assumptions and constraints will be introduced at the most relevant points in the

analysis.

Page 34: Letras & Letras

33

Section 2: The basic window

Recall that the basic stress window in Ancient Greek is the domain in which

accent can occur in forms without enclitics. The size of the domain depends on the

weight of the word-final syllable. When the ulitma is light, containing a single short

vowel and closed by at most a single consonant, the high tone may fall on the ultima, as

in (20a), the penult, as in (20b,c), or the final mora of the antepenult, as in (20d-g). It

may not occur further to the left than the final mora of the antepenult.

(20) a. hodós ‘road’

b. óikos ‘house’

c. paidískos ‘little child’

d. ánthroopos ‘man’

e. ángelos ‘messenger’

f. eépreiros ‘continent’

g. poikilóstolos ‘with variegated prow’

When the ultima is heavy, containing a long vowel or diphthong or closed by two

consonants, the basic window shrinks by a syllable, the high tone may fall on the

ultima, as in (21a,b), or the final mora of the penult, as in (21c,d). It may not occur

further to the left than the final mora of the penult.

(21) a. boteér ‘herdsman’

b. hodóu ‘road-GEN’

c. patrídoon ‘fatherland-GEN PLUR’

d. daímoon ‘god-GEN PLUR’

While the accent in verb forms is typically recessive—it occurs as far to the left

within the basic window as possible—the accent in noun forms can be either recessive

or inherent, located on a particular affix or on the root just before the derivational affix.

Inherent accents are also subject to the basic window. When an inherent accent would

fall outside the basic window, it shifts from its underlying position to the leftmost

position within the window.

(22) iskhuurótatoon iskhuurotátoon ‘the most powerful-GEN PLUR’

Having reviewed the key generalizations concerning the basic window in Ancient

Greek, we turn next to the proposed analysis.

Introduced in Section 1.3, the BASIC-WINDOW constraint is responsible for

establishing the basic accent window in Ancient Greek. Since it prohibits a mora from

intervening between the primary stress and a head syllable to its right, the primary stress

can occur no further to the left than the mora adjacent to the head syllable of the final

foot. The distance that can occur between the primary stress and the right edge of the

word, then, depends on the position of the head syllable. If the head syllable of the final

foot is penultimate, then two syllables can separate the primary stress from the right

edge of the word. If the head syllable is ultimate, however, then only a single syllable

may separate the primary stress from the right edge. The position of the head syllable is

Page 35: Letras & Letras

34

determined by the interaction of two constraints, WEIGHT-TO-HEAD, which requires

heavy syllables to be the head syllables of feet, and X-LEFT, which draws primary

stress as far to the left as possible.

(23) a. WEIGHT-TO-HEAD: Every bimoraic syllable is the head syllable of a foot.

b. X-LEFT: *, x, [… … x …]

‘Assess a violation mark for every , x, such

that precedes x within .’

The ranking appropriate for the basic window positions WEIGHT-TO-HEAD with

BASIC-WINDOW above X-LEFT: WEIGHT-TO-HEAD, BASIC-WINDOW >> X-LEFT.

The tableau in (24) illustrates the results of the ranking for recessive forms with a

light ultima: the basic window expands to its maximum size, allowing the primary stress

(and its associated high tone) to fall on the antepenult. The two constraints most active

in producing this result are BASIC-WINDOW and X-LEFT. BASIC-WINDOW prevents the

primary stress from occurring further to the left then the mora adjacent to the final foot.

This is true whether the final foot is disyllabic, as in (24d), or monosyllabic, as in (24e).

Since the ultima is light, however, there is no need to make it a head syllable to satisfy

WEIGHT-TO-HEAD. This allows X-LEFT not only to draw the primary stress as far to the

left within the basic window as possible but also to insist that the head syllable of the

final foot occur as far to the left as possible, expanding the foot that defines the gap

between stress and edge to its maximum size. In other words, it not only excludes

candidates (24a,b), where the primary stress occurs within the final foot rather than on

the adjacent mora, but it also excludes candidate (24c), where the final foot is

monosyllabic, rather than the disyllabic maximum. Candidate (24w), which minimally

violates X-LEFT while remaining within the largest possible basic window, emerges as

the winner.

(24) poikilostolos WEIGHT-TO-HEAD BASIC-WINDOW X-LEFT

X

X

w. poi ki lo sto los gt gt

0

0

2

X

X

a. poi ki lo sto los gt

0

0

W 3

X

X

b. poi ki lo sto los g

0

0

W 4

X

X

c. poi ki lo sto los g g

0

0

W 3

Page 36: Letras & Letras

35

X

X

d. poi ki lo sto los gt gt

0

W 1

L 1

X

X

e. poi ki lo sto los gt g

0

W 1

2

In the tableau in (25), we see the results for recessive forms with a heavy ultima:

the basic window shrinks, forcing the main stress to fall on the penult. In this case,

WEIGHT-TO-HEAD insists that the ultima be a head syllable. It prevents the final foot

from expanding to include the penult, as in (25c), effectively restricting the maximum

gap between stress and edge to a single syllable. Since the final foot must be

monosyllabic, BASIC-WINDOW prevents the primary stress from occurring to the left of

the mora adjacent to the final syllable, as in (25b). Finally, X-Left draws the primary

stress as far to the left within the basic window as possible; it excludes candidate (25a),

where the primary stress occurs within the final foot, allowing candidate (25w), where

the primary stress is adjacent to the final foot, to emerge as the winner.

(25) lipothriks WEIGHT-TO-HEAD BASIC-WINDOW X-LEFT

X

X

w. li po thriks g g

0

0

1

X

X

a. li po thriks g

0

0

W 2

X

X

b. li po thriks gr g

0

W 1

L 0

X

X

c. li po thriks gr gr

W 1

0

L 0

To this point, then, we have seen how BASIC-WINDOW restricts the position of the

primary stress to the appropriate size window at the right edge of the word, how

WEIGHT-TO-HEAD has the effect of shrinking the window in forms with a heavy ultima,

and how X-LEFT can draw the primary stress as far to the left within the window as

possible. There are two additional constraints, however, whose influence on accent

placement can be seen in a number of forms.

(26) a. FIRST-MORA: In a stressed syllable, the foot-level gridmark occurs on the

leftmost mora.

b. IO-FAITH-X: Every prosodic word-level grid entry in the input occurs in

the same position in the output.

Page 37: Letras & Letras

36

When a syllable is stressed, FIRST-MORA insists that stress occur on the syllable’s

initial mora. The preference is well-motivated. In most languages, a syllable’s most

sonorous segment is associated with the initial mora, at least in cases where sonority

distinctions can be made. In the case of Ancient Greek, in particular, the preference is

reflected in the default position of the accent in recessive forms that are not actually

long enough to contain a stress window of the largest possible size. In the form óikos

‘house’, for example, the ultima is light, and the basic window would extend through

the final mora of the antepenult, if there were a sufficient number of syllables. Since

óikos contains only two syllables, the accent can only occur as far left as the penult, and

it always occupies the initial mora in such cases. Similarly, in the form phóos ‘light’, the

ultima is heavy, and the basic window would extend through the final mora of the

penult, if there were a sufficient number of syllables. Since phóos has only a single

syllable, the accent must occur on the ultima, where it occupies the initial mora.

When a form with recessive accent has a sufficient number of syllables that the

basic window can extend to its maximum possible size, the accent always occurs on the

final mora of the syllable at the edge of the window—the final mora of the antepenult

when the ultima is light and the final mora of the penult when the ultima is heavy. This

indicates that the preferences of FIRST-MORA are subject to those of both BASIC-

WINDOW and X-LEFT. The appropriate ranking, then, is BASIC-WINDOW >> X-LEFT

>> FIRST MORA. (The ranking BASIC-WINDOW >> X-LEFT was established in the

tableaux in (24, 25) above.)

Consider the form anthroópoon ‘man-GEN PLUR’ in the tableau in (27). Since the

ultima is heavy, WEIGHT-TO-HEAD requires that it be a head syllable. (The tableau only

contains candidates where WEIGHT-TO-HEAD is satisfied.) As expected, the interaction

between BASIC-WINDOW and X-LEFT results in accent on the final mora of the penult.

While FIRST-MORA would prefer that the primary stess move one mora to the left or one

mora to the right, so it can fall on a syllable-initial mora, these options are ruled out by

the higher ranked constraints. Moving the accent one mora to the left, as in candidate

(27b), violates BASIC-WINDOW. Moving the accent one mora to the right, as in

candidate (27a), incurs an extra violation of X-LEFT.

(27) anthroopoon BASIC-WINDOW X-LEFT FIRST-MORA

X

X

w. an throo poon g g

0

1

1

X

X

a. an throo poon g g

0

W 2

L 0

X

X

b. an throo poon g g

W 1

1

L 0

Page 38: Letras & Letras

37

IO-Faith-x is the constraint responsible for preserving inherent accents on the

surface. It requires that an underlying specified primary stress maintain its position in

the output. Since inherent accents only maintain their position when they occur inside

the basic window, and default to the innermost position within the window when they

do not, it is necessary to rank the constraints that establish the window and its size—

Basic-Window and Weight-to-Head—above IO-Faith-x.

Consider the derivation of iskhuurotátoon ‘the most powerful-gen plur’ in the

tableau in (28). Candidates (28a,b) are faithful to the position of the inherent accent,

which occurs over the antepenult, but are excluded by the constraints establishing the

basic window. Since the ultima is heavy in this case, Weight-to-Head requires that it be

a head syllable. It excludes candidate (28b), which satisfies Basic-Window by making

the penult the head of the final foot rather than the ultima. Candidate (28a) satisfies

Weight-to-Head, but it is excluded by Basic-Window because its accent occurs to the

left of the mora adjacent to the final foot. Although candidate (28w) violates IO-Faith-

x by shifting the primary stress to the penult, it falls within the basic window

established by the higher-ranked constraints and emerges as the winner. Note that the

accent’s position on the penult rather than the ultima is due to x-Left, which, as we

shall see just below, actually ranks below IO-Faith-x.

(

28)

iskhuurótatoon Weight-

to-Hd

Basic-

Wind

IO-

Faith-x

X

X

w. is khuu ro ta toon g g

0

0

1

X

X

a. is khuu ro ta toon gt g

0

W 1

L 0

X

X

b. is khuu ro ta toon gt gr

W 1

0

L 0

To complete this part of the analysis, it is necessary to determine the rankings that

allow an underlying primary stress to maintain its position on the surface when it occurs

within the basic window. The necessary ranking is IO-FAITH-X >> X-LEFT >> FIRST-

MORA. Consider the derivation of boteér ‘herdsman’. Since the form contains a heavy

ultima, the basic window extends only through the final mora of the penult. As (29)

indicates, ranking IO-FAITH-X above X-LEFT prevents the latter from shifting the

inherent primary stress as far to the left as possible within the basic window, in this

case, shifting it from the ultima to the penult, as in (29b). Ranking IO-FAITH-X above

FIRST-MORA prevents the inherent primary stress from shifting to a syllable-initial

mora, in this case, from the final to the initial mora of the ultima, as in (29a). Candidate

Page 39: Letras & Letras

38

(29w), where the primary stress maintains its underlying position, emerges as the

winner. (We showed previously in (27) that X-LEFT must dominate FIRST-MORA.)

(29) boteér IO-FAITH-X X-LEFT FIRST-MORA

X

X

w. bo teer g

0

1

1

X

X

a. bo teer g

W 1

1

L 0

X

X

b. bo teer g g

W 1

L 0

L 0

To this point, we have established the rankings necessary for creating and

enforcing the basic accent window in Ancient Greek. They are summarized in (30).

(30) WEIGHT-TO-HEAD, BASIC WINDOW >> IO-FAITH-X >> X-LEFT >> FIRST-

MORA

Ranking WEIGHT-TO-HEAD and BASIC-WINDOW above IO-FAITH-X and X-

LEFT confines primary stress to an accent window at the right edge of the word, whether

the accent is inherent or recessive. The window consists of a single foot plus an adjacent

mora, but the size of the foot can vary, due to WEIGHT-TO-HEAD, depending on the

weight of the final syllable. When the final syllable is light, the final foot can be

disyllabic, and the primary stress can occur as far to the left as the final mora of the

antepenult. When the final syllable is heavy, however, the final foot must be

monosyllabic, and the primary stress can only occur as far to the left as the final mora of

the penult.

Section 3: The enclitic window

In this section, we analyze the various ways in which an enclitic can affect the

location and presence of accent in Ancient Greek. We examine cases in which an

additional high tone is placed on the base to which the enclitic is attached, cases in

which an additional high tone is placed on the enclitic itself, and cases in which the

addition of the enclitic yields no additional high tone.

Recall from Section 1.3 that the enclitic window differs from the basic window

both in the category that defines the maximum size of the domain between accent and

edge and in the category that defines the position that counts as adjacent to that domain.

Where the foot defined the maximum distance between stress and edge in the basic

window, via its head syllable, and the mora defined the relevant adjacent position, the

enclitic defines the maximum distance in the enclitic window and the syllable defines

the relevant adjacent position. The enclitic window, then, consists of an enclitic and the

syllable of the base adjacent to the enclitic.

Page 40: Letras & Letras

39

When the original high tone of the base falls outside the enclitic window, a second

high tone may occur on the final syllable of the base or the final syllable of a disyllabic

enclitic. (We discuss the circumstances in which it fails to occur in either position just

below.) The preference seems to be for the new high tone to fall on the final syllable of

the base, as in (31), and it will do so unless it would be on the mora adjacent to the

original high tone, as in (32a), would occur on a heavy base-final syllable, as in (32b),

or both, as in (32c). In these situations, the new high tone occurs on the second sylllable

of a disyllabic enclitic.

(31) a. óikós tis ‘some house’

b. óikós tinos ‘someone’s house’

c. eépeirós tis ‘some continent’

d. eépeirós tinos ‘someone’s continent’

e. ángelós tis ‘some messenger’

f. ángelós tinos ‘someone’s messenger’

(32) a. phílos tinós ‘someone’s friend’

b. phóiniks tinós ‘someone’s phoenix’

c. daímoon tinós ‘someone’s god’

No new high tone is added when the original high tone already occurs within the

enclitic window, as in (33), or when it cannot occur on the final syllable of the base and

the enclitic is monosyllabic, as in (34). The circumstances in which a new high tone

cannot occur on a base-final syllable are the same as those mentioned above. The new

high tone would be on the mora adjacent to the original high tone, as in (34a); the new

high tone would occur on a base-final heavy syllable, as in (34b); or both, as in (34c).

Unlike the situation with disyllabic enclitics, however, a new high tone cannot occur on

a monosyllabic enclitic, so the second high tone is absent altogether.

(33) a. phóos tis ‘some light’

b. phóos tinos ‘someone’s light’

c. hodós tis ‘some road’

d. hodós tinos ‘someone’s road’

(34) a. phílos tis ‘some friend’

b. phóiniks tis ‘some phoenix’

c. daímoon tis ‘some god’

In the discussion that follows, we examine the constraint rankings responsible for

introducing or omitting an additional high tone when an enclitic is added to a base form.

We consider first the core constraints that establish enclitic window. We then consider

the rankings that determine the position of any additional high tone. Finally, we

consider the circumstances that result in an additional high tone being omitted.

Additional key constraints will be introduced at relevant points in the analysis.

Section 3.1 Establishing the enclitic window

Page 41: Letras & Letras

40

The key assumption in our analysis of base + enclitic combinations is that the

addition of a second high tone indicates a shift in the position of the word-level stress.

The prosodic word-level gridmark shifts from its original position, leaving the original

high tone in place, and the undominated constraint X-H-TONE ensures that a new high

tone accompanies the word-level stress in its new position. The constraint that is

violated when the prosodic word-level gridmark shifts from its original position is the

output-output faithfulness constraint OO-FAITH-X, given in (35).

(35) OO-FAITH-X: Every prosodic word-level grid entry in the base form occurs

in the same position in the derived form.

Main stress shift is triggered when the original main stress falls outside the

enclitic window, indicating that ENCLITIC-WINDOW, repeated in (36), dominates OO-

FAITH-X.

(36) ENCLITIC-WINDOW: *x, Enc x … … Enc

‘Assess a violation mark for every x, Enc such that

x precedes Enc with intervening.’

To illustrate, consider the derivation of ángelós tinos ‘someone’s messenger’ in

(37). The base form, ángelos, has its primary stress on its antepenultimate syllable,

placing it two syllables outside the enclitic window when tinos is attached. The

candidate that maintains the primary stress in its original position in the base + enclitic

form, candidate (37l), violates ENCLITIC-WINDOW and is excluded. Candidate (37w)

shifts the primary stress to the innermost syllable of the enclitic window. Though it

violates OO-FAITH-X, it satisfies the higher-ranked ENCLITIC-WINDOW and emerges as

the winner.

(37) Base output: ángelos Derived output: ángelós tinos

angelos tinos ENCLITIC-WINDOW OO-FAITH-X

X

X X

w. an ge los ti nos gt gt gt

0

1

X

X

l. an ge los ti nos gt gt gt

W 1

L 0

When main stress shift occurs, as in (37), the high tone of the original main

stress is preserved in its original position and a new high tone accompanies the new

main stress. Preservation of the original high tone is due to the undominated output-

output faithfulness constraint OO-FAITH-HEAD-TONE, which requires that head

syllables present in the base form maintain the same tones in the base + enclitic form.

Page 42: Letras & Letras

41

(38) OO-FAITH-HEAD-TONE: Head syllables in the base form maintain the same

tonal specifications in the derived form.

Though the constraint enforcing the basic window is still active in base + enclitic

forms, main stress does not necessarily shift when its original position lies outside the

basic window. It only shifts if it lies outside the enclitic window. While ENCLITIC-

WINDOW must dominate OO-FAITH-X, then, OO-FAITH-X must in turn dominate

BASIC-WINDOW. Consider a case of the failure of stress shift in the tableau in (39). The

primary stress in the base form, phóos, occurs on the ultima, meaning that it occurs on

the antepenult when tinos is attached. While each of the candidates satisfies ENCLITIC-

WINDOW, candidates (39a,b) shift their primary stresses to satisfy BASIC-WINDOW, as

well, candidate (39a) to the final mora of the base and candidate (39b) to the final

syllable of the enclitic. Both candidates are excluded because they violate the higher-

ranked OO-FAITH-X, and candidate (39w), which preserves the primary stress in its

original position, correctly emerges as the winner.

(39) Base output: phóos Derived output: phóos tinos

phoos tinos ENC-WINDOW OO-FAITH-X BASIC-WINDOW

X

X

w. phoos ti nos g gt

0

0

1

X

X

a. phoos ti nos g gt

0

W 1

L 0

X

X X

b. phoos ti nos g yg

0

W 1

L 0

To this point, then, we have seen that primary stress can shift from its original

position in base + enclitic forms to bring itself within the enclitic window but not to

bring itself within the basic window. This is due the ranking ENCLITIC-WINDOW >>

OO-FAITH-X >> BASIC-WINDOW. Note, however, that there are additional reasons that

main stress shift fails to occur. As we shall see in Section 3.3, even if the original main

stress falls outside the enclitic window, there are restrictions on where main stress can

shift within the window and the shift will not occur if these cannot be met.

Section 3.2 Determining the position of stress shift

When the original position of the accent in a base form falls outside the enclitic

window in a base + enclitic form, the preference is for primary stress to shift to the final

syllable of the base. As the tableau in (40) illustrates, the preference is due to the

requirements of X-LEFT, as constrained by the requirements of ENCLITIC-WINDOW.

When the addition of an enclitic to a base form locates the original primary stress

Page 43: Letras & Letras

42

outside the enclitic window, ENCLITIC-WINDOW is violated if the primary stress does

not shift to a position inside the window, as in candidate (40b). Once it is confined to

the enclitic window, X-LEFT prefers that the primary stress occur as far to the left

within the window as possible. Because the primary stress of candidate (40a), which

occurs on the final syllable of the enclitic, could recede further without violating

ENCLITIC-WINDOW, (40a) loses to candidate (40w), where the primary stress occurs on

the final syllable of the base.

(40) Base output: ángelos Derived output: ángelós tinos

angelos tinos ENCLITIC-WINDOW X-LEFT

X

X X

w. an ge los ti nos gt gt gt

0

2

X

X X

a. an ge los ti nos gt gt yg

0

W 4

X

X

b. an ge los ti nos gt gt gt

W 2

L 0

Despite the preference for primary stress to shift to the final syllable of the base,

there are two circumstances that can prevent it from occurring in this position. First, the

main stress cannot shift to the base-final syllable when its supporting foot-level grid

entry would be in clash with the foot-level entry left in its original location.

(41) X

X X

*phi los ti nos

The constraint that enforces faithfulness to the original foot-level entry is OO-

FAITH-XFT, given in (42a), and the constraint that prevents clash is *CLASH, given in

(42b).

(42) a. OO-FAITH-XFT: Every foot-level grid entry in the base form occurs in the

same position in the derived form.

Page 44: Letras & Letras

43

b. *CLASH: There are no adjacent stressed moras.

For forms with disyllabic enclitics, the conflict is resolved by shifting the main

stress to the final syllable of the enclitic. The main stress shifts to the final syllable of a

disyllabic enclitic, rather than the initial syllable, due to a constraint whose preferences

supercede those of X-LEFT in this context. The constraint, X-ENCLITIC-RIGHT, aligns

the prosodic word-level gridmark with the right edge of the enclitic when it happens to

occur within it.

(43) X-ENCLITIC-RIGHT: *Enc, x, […x … …]Enc

‘Assess a violation mark for every Enc, x, such

that x precedes within Enc.’

The restriction of the alignment requirement to a prosodic word-level gridmark

that occurs within the enclitic is crucial. When the prosodic word-level gridmark is able

to occur on the base-final syllable, as it is in the cases discussed just above, it can occur

outside the enclitic itself. X-Left is free to locate the main stress in this position, so that

it never becomes subject to X-ENC-RIGHT. When the prosodic word-level gridmark

cannot occur on the base-final syllable, however, it must fall within the enclitic itself,

and it then becomes subject to X-ENC-RIGHT. X-ENC-RIGHT can then position it on

the enclitic-final syllable.

In forms with disyllabic enclitics, then, where shifting stress to the final syllable

of the base would result in a clash, the ranking OO-FAITH-XFT, *CLASH, X-ENC-RIGHT

>> X-LEFT ensures that the stress shifts to the final syllable of the enclitic. As the

tableau in (44) illustrates, OO-FAITH-XFT eliminates a candidate like (44c), which shifts

primary stress to the base final syllable without leaving behind the stress’s original foot-

level gridmark. *CLASH eliminates a candidate like (44b), which shifts primary stress to

the base-final syllable, resulting in a clash with the foot-level gridmark left in the

stress’s original position. This leaves candidates (44w,a), where primary stress shifts to

a position within the enclitic itself. Candidate (44a) is disqualified by X-ENC-RIGHT,

because it does not occur as far to the right within the enclitic as possible, and candidate

(44w) emerges as the winner.

(44) Base output: phílos Derived output: phílos tinós

philos tinos OO-FTH-XFT *CLASH X-ENC-RIGHT X-LEFT

X

X X

w. phi los ti nos gt yg

0

0

0

3

Page 45: Letras & Letras

44

X

X X

a. phi los ti nos gt gt

0

0

W 1

L 2

X

X X

b. phi los ti nos gt gt

0

W 1

0

L 1

X

X

c. phi los ti nos gt gt

W 1

0

0

L 1

The second circumstance where main stress cannot shift to the base-final syllable

is when the final syllable happens to be heavy. Heavy syllable are necessarily head

syllables as required by the WEIGHT-TO-HEAD constraint. Since the head syllables of the

base cannot change their tonal specifications, due to OO-FAITH-HD-TONE, and main

stress must be associated with a high tone, due to X-H-TONE, main stress cannot shift

to a base-final heavy syllable. Just as the stress shifts to the final syllable of a disyllabic

enclitic, then, when shifting it to the final syllable of the base would result in clash, it

shifts to the enclitic-final syllable when the base-final syllable is heavy. The necessary

ranking is X-H-TONE, OO-FAITH-HD-TONE, X-ENC-RIGHT >> X-LEFT.

In the tableau in (45), the final syllable of the base form, phóiniks, is heavy, and it

must be a head syllable. In the base output, however, it does not support the primary

stress, so it must be associated with a low tone. OO-FAITH-HD-TONE excludes a

candidate like (45b) since it shifts primary stress to the base-final syllable where it must

be associated with a new high tone. In the remaining candidates, primary stress shifts to

a position within the enclitic itself. X-ENC-RIGHT excludes a candidate like (45a)

because the primary stress does not occur as far to the right as possible within the

enclitic. Candidate (45w), where primary stress occurs on the enclitic-final syllable,

emerges as the winner.

(45) Base output: phóiniks Derived output: phóiniks tinós

phoiniks tinos OO-FAITH-HD-TONE X-ENC-RIGHT X-LEFT

X

X X

w. phoi niks ti nos g g yg

0

0

3

X

X X

a. phoi niks ti nos g g gt

0

W 1

L 2

X

X X

b. phoi niks ti nos g g gt

W 1

0

L 1

Page 46: Letras & Letras

45

In this section, we have examined how the target location for stress shift is

determined in base + enclitic forms. The preference, due to X-LEFT, is for primary

stress to shift to the final syllable of the base, the leftmost syllable in the enclitic

window. When stress cannot shift to the base-final syllable, and must occur within the

enclitic instead, it emerges on the enclitic-final syllable, due the preferences of the

higher-ranked X-ENC-RIGHT. The circumstances in which stress shift must avoid the

base-final syllable are when locating primary stress in this position would result in clash

or when it would mean replacing a low tone from one of the base’s head syllables with a

high tone. As we shall see in the next section, these same circumstances actually prevent

stress from shifting at all when the enclitic is monosyllabic.

Section 3.3 Failure of stress shift

As mentioned above, stress shift fails to occur when the original main stress

already falls within the enclitic window. There are two circumstances, however, where

stress shift fails to occur even when the original main stress falls outside the enclitic

window. These closely parallel the cases described above where stress shifts to the

second syllable of a disyllabic enclitic, except they arise instead with monosyllabic

enclitics. In other words, when stress cannot shift to the final syllable of the base, either

because it would result in clash or result in a change in tone for one of the base’s head

syllables, the shift fails to occur at all when the enclitic is monosyllabic.

The central issue in this situation is why the stress cannot shift onto the

monosyllabic enclitic itself. We propose that the answer is simply that enclitics prefer

not to contain head syllables.

(46) *ENCLITIC-HEAD: No enclitic contains a head syllable of a foot.

When an enclitic is disyllabic, as in the examples analyzed above, Weak

Bracketing’s non-violable exhaustive parsing requirement makes it impossible to satisfy

*ENCLITIC-HEAD. Disyllabic enclitics must contain a head syllable in order for parsing

to be exhaustive. When an enclitic is monosyllabic, however, it can satisfy *ENCLITIC-

HEAD. It can avoid containing a head syllable by sharing the foot into which it is parsed

with the final syllable of the base. The final syllable of the base is the head syllable and

the single syllable of the enclitic is the non-head. It is the ability of monosyllabic

enclitics, then, to avoid containing a head syllable that prevents them from hosting a

shifted primary stress.

Consider, first, the situation where stress shift fails to occur in the context of a

potential clash. The ranking necessary to account for the failure of stress shift in this

case is OO-FAITH-XFT, *CLASH, *ENCLITIC-HEAD >> ENCLITIC-WINDOW. Consider the

tableau for the output phílos tis in (47). First, OO-FAITH-XFT eliminates candidate (47c),

in which primary stress shifts to the base-final syllable without leaving behind its

original foot-level gridmark. Next, *CLASH eliminates candidate (47b), which shifts

primary stress to the base-final syllable, resulting in a clash with the foot-level gridmark

remaining in the stress’s original position. Finally, *ENC-HEAD excludes candidate

(47a). Because it shifts stress to the monosyllabic enclitic, the enclitic is the head of a

foot. Candidate (47w), where stress shift fails to occur at all, emerges as the winner.

Page 47: Letras & Letras

46

(47) Base output: phílos Derived output: phílos tis

philos tis OO-FAITH-XFT *CLASH *ENC-HEAD ENC-WINDOW

X

X

w. phi los tis gt gt

0

0

0

1

X

X X

a. phi los tis gt g

0

0

W 1

L 0

X

X X

b. phi los tis gt gt

0

W 1

0

L 0

X

X

c. phi los tis gt gt

W 1

0

0

L 0

Next, consider the situation where stress shift fails to occur in the context of a

potential tone change for a heavy base-final syllable. To account for the failure of stress

shift in this context, the necessary ranking is X-H-TONE, OO-FAITH-HD-TONE, *ENC-

HEAD >> ENCLITIC-WINDOW. In the tableau in (48), for example, the final syllable of

the base form is heavy. It was a head syllable in the base output, and it was associated

with a low tone in the base output. OO-FAITH-HD-TONE excludes candidate (48b) since

it shifts primary stress to the base-final syllable where it must be associated with a new

high tone,. Next, *ENC-HEAD excludes candidate (48a), where the primary stress shifts

to the monosyllabic enclitic, forcing it to be a head. Candidate (48w), where stress shift

fails to occur at all, emerges as the winner.

(48) Base output: phóiniks Derived output: phóiniks tis

phoiniks tis OO-FAITH-HD-TONE *ENC-HEAD ENC-WINDOW

X

X

w. phoi niks tis g gr

0

0

1

X

X X

a. phoi niks tis g g g

0

W 1

L 0

X

X X

b. phoi niks tis g gr

W 1

0

L 0

In this section, we have accounted for the failure of primary stress to shift to

monosyllabic enclitics. When stress cannot shift to a base-final syllable, either because

it would result in clash or cause a change in tone from one of the base output’s head

syllables, the only other place it might occur to satisfy ENCLITIC-WINDOW is within the

Page 48: Letras & Letras

47

enclitic itself. Because stress shift would force a monosyllabic enclitic to be a head

syllable in violation of *ENC-HEAD, however, a situation that can be avoided if stress

shift fails to occur at all, we never encounter stress shift in this context.

Section 4 Summary and Concluding Remarks

A significant challenge in metrical stress theory is the restriction of a word accent

to a specific window at one edge of the word. There are two different types of accent

window found in Ancient Greek. The first of these windows is the basic window, which

is primarily responsible for restricting the position of word accent in forms without

enclitics. It consists of the word-final foot and the mora adjacent to the word-final foot.

Word accent can occur on any mora within this window. When the final syllable of the

word is light, the final foot can be disyllabic, and the basic window extends from the

right edge of the word through the final mora of the antepenult. When the final syllable

is heavy, the final foot must be monosyllabic, and the basic window can extend only

through the final mora of the penult.

The second type of accent window in Ancient Greek is the enclitic window, which

restricts the position of word accent in forms with enclitics. The enclitic window

consists of the enclitic itself and the final syllable of the base to which it is attached.

When the enclitic is disyllabic, the enclitic window is effectively trisyllabic. If the high

tone of the original base form falls outside this window, it may shift either to the final

syllable of the base or the final syllable of the enclitic, depending on additional factors.

When the enclitic is monosyllabic, the enclitic window is effectively disyllabic. If the

original accent of the base form does not fall in the enclitic window, it may shift to the

base’s final syllable, but will not occur on the monosyllabic enclitic itself.

In Section 1, we introduced the general framework for Relation-Specific

Alignment constraints and examined the preferences of the specific RSA constraints,

BASIC-WINDOW and ENCLITIC-WINDOW, that establish the accent windows in the

proposed analysis. BASIC-WINDOW establishes the appropriate domain for the basic

window in Ancient Greek by prohibiting a primary stress from preceding the head

syllable of a foot with a mora intervening. To satisfy the constraint, the primary stress

must either occur within the final foot or on the mora adjacent to the final foot.

ENCLITIC-WINDOW establishes the appropriate domain for the enclitic window by

prohibiting a primary stress from preceding an enclitic with a syllable intervening. To

satisfy ENCLITIC-WINDOW, the primary stress must occur within the enclitic or on the

syllable adjacent to the enclitic (the final syllable of the base).

In Section 2, we applied BASIC-WINDOW to Ancient Greek forms without enclitics

and determined the rankings of additional constraints—WEIGHT-TO-HEAD, IO-FAITH-

X, X-LEFT, and FIRST-MORA—that position the main stress of the word within the

basic window. WEIGHT-TO-HEAD affects the size of the stress window by requiring a

heavy final syllable to be the head syllable of a foot, preventing primary stress from

occurring further to the left than the mora adjacent to the final syllable. IO-FAITH-X ensures that inherent accents that appear within the window maintain their position, and

X-LEFT dictates that primary stress occurs as far to the left within the window as

possible in the absence of an inherent accent. FIRST-MORA captures the preference for

accent to fall on syllable-initial moras.

Page 49: Letras & Letras

48

In Section 3, we applied the ENCLITIC-WINDOW constraint to Ancient Greek forms

consisting of a base + enclitic combination. When the original primary stress of the

base falls outside the enclitic window, the primary stress may shift to a position within

the enclitic window. In forms with disyllabic enclitics, the primary stress will shift to

the final syllable of the base, due to the preferences of X-LEFT, unless it would result

in clash or fall on a heavy syllable. In these cases, it must shift within the enclitic itself,

occupying the final syllable due to the influence of X-ENC-RIGHT. In forms with

monosyllabic enclitics, primary stress will shift to the final syllable of the base, unless it

would result in clash or fall on a heavy syllable. If it cannot shift to the final syllable of

the base, the shift does not occur at all. We attribute this to the preference to avoid

making monosyllabic enclitics the head syllables of feet.

HYDE, B; HUSIC, B. TÍTULO EM PORTUGUÊS AS JANELAS DO ACENTO

NO GREGO ANTIGO

Resumo: Um grande desafio na teoria métrica de acento é a restrição de um acento de

palavra para um janela específica em uma borda da palavra. Neste artigo, argumentamos

que há dois diferentes tipos de janela de acento no Grego Antigo. A primeira delas é a

janela básica, que é primariamente responsável por restringir a posição do acento de

palavra em formas sem o enclítico. O segundo tipo é a janela enclítica, que restringe a

posição do acento da palavra em forma com a ênclise. Nós demonstramos que os dois

tipos podem ser explicados sob uma abordagem baseada em restrições de alinhamento

de relações específicas (Hyde, 2008 – no prelo)

Palavras-chave:

Acento, alinhamento, Grego

References

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Page 51: Letras & Letras

50

O ACENTO SECUNDÁRIO NO PORTUGUÊS ARCAICO

Daniel Soares da COSTA

Universidade Estadual Paulista

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo sobre o acento secundário no português

arcaico, demonstrando os seus limites de ocorrência e o seu comportamento por meio da

Teoria Métrica de Hayes (1995). Os dados utilizados neste trabalho foram coletados por

meio de uma metodologia inovadora no que diz respeito ao estudo da prosódia de

línguas mortas. Trata-se de uma metodologia baseada na observação das proeminências

musicais de textos poéticos musicados, na observação das proeminências linguísticas do

texto dos poemas, junto com a observação da sua estrutura métrica.

Palavras-chave

Acento secundário; Português arcaico; Teoria Métrica; Música; Linguística.

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise do acento secundário no

português arcaico (de agora em diante PA) por meio da Teoria Métrica na versão de

grades parentetizadas de Hayes (1995).

Tal análise é fruto da pesquisa desenvolvida na elaboração da tese de doutorado

intitulada A interface Música e Linguística como instrumental metodológico para o

estudo da prosódia do português arcaico de Costa (2010a). Nessa tese, o autor propõe

uma metodologia inovadora capaz de localizar proeminências (lexicais – primárias e

secundárias – e frasais) em textos poéticos medievais musicados e metrificados. É

importante dizer que o desenvolvimento da metodologia utilizada nessa tese é fruto de

quatro anos de pesquisa em conjunto com a orientadora do trabalho. Dessa forma, faz-se

necessário nos referenciarmos também aos trabalhos de Massini-Cagliari (2008a;

2008b; 2008c; 2008d; 2009; 2010) e Costa (20071; 2008; 2009; 2010b).

Para a análise desenvolvida a respeito do acento secundário no PA também foi

levado em consideração o trabalho de Collischonn (1994), no qual a autora desenvolve

uma análise sobre o acento secundário no português brasileiro (de agora em diante PB),

tendo como arcabouço teórico também a Teoria Métrica. A nossa intenção é comparar

os resultados e a análise do acento secundário no PA com a análise feita pela autora em

relação ao PB para ver se o comportamento desse fenômeno linguístico é o mesmo nos

dois períodos dessa língua.

Antes de iniciarmos propriamente a apresentação da análise relativa ao acento

secundário no PA, faz-se necessário apresentarmos uma síntese da metodologia

empregada por Costa (2010a) na elaboração da tese supra citada e como essa

1 Trabalho apresentado em forma de comunicação no 55º Seminário do GEL, com o título “Da notação musical às

proeminências da fala: uma proposta metodológica para o estudo do ritmo lingüístico das Cantigas de Santa Maria de Afonso X”, no ano de 2007.

Page 52: Letras & Letras

51

metodologia possibilitou o levantamento de dados sobre esse fenômeno linguístico em

um período da língua do qual não existem mais falantes e nem registros orais.

O corpus utilizado na coleta de dados do referido autor é constituído de um

recorte das cem primeiras Cantigas de Santa Maria (de agora em diante CSM) de

Afonso X, o rei sábio de Leão e Castela.

2. Síntese da metodologia de Costa (2010a)

A metodologia desenvolvida por Costa (2010a) une a Música, a Língua e a

Métrica na busca de dados sobre a prosódia de línguas mortas ou de períodos passados

de línguas vivas dos quais não existem mais falantes nem registros orais. Portanto, tal

metodologia exige, para o seu funcionamento, a existência de textos poéticos musicados

e metrificados representativos da língua (ou o seu período passado) que se deseja

estudar.

Sendo assim, podemos dizer que essa metodologia baseia-se em três tipos de

observações: a observação das proeminências no nível musical (acentuação musical); a

observação das proeminências no nível textual (tonicidade das palavras); e a observação

da estrutura métrico-poética dos poemas analisados.

Parte-se da ideia de que as proeminências musicais e linguísticas tendem a

coincidir, na maioria das vezes, o que possibilita localizar proeminências linguísticas

por meio da observação da acentuação musical.

Jackendoff e Lerdahl (1980) fizeram uma análise comparativa minuciosa entre a

estrutura prosódica da língua inglesa e a estrutura acentual da música e chegaram à

conclusão de que essas duas habilidades cognitivas humanas possuem similaridades

bastante acentuadas. Nesse trabalho, os autores afirmam que, assim como a prosódia da

língua, a música também possui uma hierarquia de constituintes acentuais divididos em

elementos fortes e fracos organizados em níveis. Desse modo, puderam constatar que a

atuação de constituintes prosódicos linguísticos possui um forte paralelo com a

acentuação musical.

Sobre a existência desse paralelismo entre as capacidades musical e linguística

do ser humano, os autores dizem o seguinte:

Given that both theories are attempts to account for human cognitive abilities, the existence

of parallelism between them implies a claim that these areas are a respect in which human

musical and linguistic capacities overlap. In other words, both capacities make use of some of the same organizing principles to impose structure on their respective inputs, no matter

how disparate these inputs are in other respects. (JACKENDOFF, R.; LERDAHL, F. 1980,

p. 41)

Tendo como corpus as cem primeiras CSM, Costa (2010a, p. 121) constata que o

percentual de coincidências entre proeminências musicais e proeminências de palavras é

de 63,32%, o que corrobora a ideia de que a coincidência prosódica entre os dois níveis

(musical e linguístico) é preponderante.

No exemplo 1, abaixo, temos uma pequena amostra de como é organizada uma

ficha de análise por meio da metodologia aqui explicitada. É necessário dizer que foi

utilizada pelo autor a edição das CSM feita por Anglés (1943), a qual apresenta as

partituras transcritas para a notação musical atual, uma vez que, na notação original, não

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52

são demarcados os limites entre os compassos musicais. Trata-se da mais conhecida e

utilizada edição musicológica das CSM até o presente momento.

(1)

Ca e- la et sseu Fi- llo son jun- ta- dos d’a- mor, que par- ti- dos per

Da-quest' a- vẽ- o, tem- pos sson pa- ssa- dos gran- des, que o Con- de de

Poi- los mon- ges fo- ron en- de ti- ra- dos, mui ma- as con- pa- nnas se

Mas hũ- a mo- ller, que por seus pe- ca- dos en- tra- ra na ei- gre- ja,

O ta- fur, quan-d' es-to vyu, con y- ra- dos e- llos a ca- tou, e co-

E deu no Fi- llo, que am- bos al- ça- dos tĩ- i- a seus bra- ços en

May- o- res mi- ra- gres ou- v' y mos- tra- dos Deus, que san- gui cra- ro fez

E de- mais ou- ve os o- llos tor- na- dos tan bra- vos, que quan- tos a

Ou- tros dous ta- fu- res de- mo-ni- a- dos ouv' y, por- que fo- ran a-

O Con-de, quan- do' est'o- yu, con ar- ma- dos ca- va- lei- ros vẽ- o e

Pois es- to di- sse, per- nas e cos- ta- dos e a ca- be- ça foi log'

A partitura musical vem anexada, em cada cantiga, ao refrão e à primeira estrofe.

Como a estrutura composicional apresentada na primeira estrofe da cantiga será

rigorosamente seguida em todas as demais estrofes da mesma cantiga, subentende-se

que a linha melódica indicada na primeira estrofe serve para todas as demais estrofes.

No exemplo 1, acima, podemos notar que a metodologia constitui-se basicamente

em observar a nota mais proeminente do compasso musical (a nota, ou conjunto de

notas que aparecem no primeiro tempo do compasso) e verificar que tipo de sílaba está

anexada a esse tempo. Para cada tipo de sílaba foi estipulada uma cor diferente para

facilitar a visualização da relação de proeminência entre notas e sílabas. Para a

coincidência da proeminência musical com uma sílaba tônica de palavras com mais de

uma sílaba, utilizou-se a cor vermelha; para a coincidência com monossílabos tônicos,

azul; para átonos, utilizou-se a cor verde; para a coincidência com sílabas pretônicas, foi

utilizada a cor amarela; para postônicas finais, a cor rosa; e, para postônica não-final, a

cor roxa, apesar de não aparecer nenhum caso no exemplo citado.

Os resultados do levantamento de dados feito pelo autor a respeito do PA, tendo

como corpus as cem primeiras CSM pode ser visualizado pelas duas tabelas seguintes, a

primeira mostrando o número de coincidências entre a proeminência musical e as

sílabas das palavras, a segunda mostrando o número de palavras analisadas dividas por

pauta acentual.

Tabela 1 Quantificação geral de coincidências

entre proeminências musicais e linguísticas

Coincidências com tônica 12997 39,76%

Coincidências com monossílabo tônico 7703 23,56%

Coincidências com monossílabo átono 2531 7,74%

Coincidências com pretônica 4221 12,91%

Coincidências com postônica final 5189 15,87%

Coincidências com postônica não-final 44 0,13%

Total de proeminências 32685 100%

Page 54: Letras & Letras

53

Tabela 2 Palavras de acordo com a

pauta acentual linguística Oxítonas 4733 12,44%

Paroxítonas 14539 38,24%

Proparoxítonas 113 0,29%

Monossílabos tônicos 12846 33,78%

Monossílabos átonos 5787 15,22%

Total 38018 100%

3. Dados relativos ao acento secundário no PA

Para encontrarmos elementos que nos permitem fazer algumas considerações a

respeito da ocorrência de acentos secundário no PA, devemos observar a relação entre

as proeminências musicais e as sílabas pretônicas das palavras encontradas.

Collischonn (1994), tratando do acento secundário em português, percebe que a

porção postônica da palavra é irrelevante para a análise do acento secundário,

considerando apenas a porção da palavra que vai do acento primário para a esquerda,

analisando, assim, a ocorrência de acento em sílabas pretônicas em relação ao acento

primário. Esta postura também pode ser adotada na análise do acento secundário em

PA, uma vez que as coincidências entre proeminências musicais e sílabas postônicas,

além de representarem um percentual baixo em relação às coincidências entre

proeminências musicais e sílabas tônicas, são, na maioria dos casos, justificadas por

prolongamentos de sílabas condicionados pela música.

De uma maneira geral, verifica-se que os acentos secundários ocorrem em

intervalos regulares no PA, apresentando um padrão preferencialmente binário (97,5%

dos casos), isto é, a cada segunda sílaba, conforme podemos observar na tabela 3,

abaixo, em que, de um total de 1522 palavras em que foi possível observar a ocorrência

do acento secundário, apenas 37 ocorrem com um intervalo maior do que uma sílaba

entre o acento primário e o acento secundário. Também foi encontrado apenas um

possível caso de palavra com um intervalo de três sílabas entre o acento primário e o

acento secundário, o qual discutiremos mais adiante.

Tabela 3 Acento secundário no PA

Com alternância binária 1484 97,50%

Com alternância ternária 37 2,43%

Com alternância quaternária 1 0,06%

Total 1522 100%

Uma constatação desse tipo também foi feita por Abaurre e Svartman (2008) em

relação ao português brasileiro, levando em consideração a análise acústica e processos

fonológicos que interferem na atribuição do acento secundário, tais como processos de

sândi vocálico, redução ou deleção de vogal. As autoras constataram que, em 86% dos

casos analisados no corpus utilizado por elas, o padrão rítmico que se apresentou foi

binário, mais especificamente pés troqueus; o restante constitui 6% de dátilos, 5% de

pés mistos (troqueus e dátilos), e em 3% dos casos não foi possível verificar a

ocorrência do acento secundário.

Page 55: Letras & Letras

54

Em relação ao PA podemos ver a ocorrência de acento secundário por meio do

exemplo 2, com uma pequena amostra de palavras, e pelo exemplo 3, que mostra

diversas palavras, aparecendo com sua respectiva pauta musical, por meio da qual

podemos verificar a ocorrência dos acentos secundários nas suas sílabas pretônicas.

(2)

a.ju.dar; a.pou.sen.tar; Ma.da.le.na; al.ber.ga.ri.a2

(3) CSM 1

beth, que foi dul- tar, é en-d'en- ver- go- nna- da”.

v',e a- pou- sen- tar on- tre bes- tias d'a- ra- da.

que vẽ- es bus- car, re- sur- giu ma- dur- ga- da.”

be- ron pre- e- gar lo- go sen a- lon- ga- da. nos de- v'a- ju- dar, ca x'é no- ss'a- vo- ga- da.

Podemos perceber que há, no PA, três padrões para a atribuição do acento

secundário, dependendo do número de sílabas pretônicas existentes nas palavras.

O primeiro padrão diz respeito a palavras que possuem um número par de sílabas

pretônicas, nas quais o acento secundário ocorre na primeira sílaba da palavra e a cada

segunda sílaba à direita desta, conforme o que está no exemplo 4.

(4)

a.ju.dar; de.mos.trar; desaconsellada3

a- ju- dar de- mos- trar de- sa- con- se- lla- da

Já em palavras que possuem um número ímpar de sílabas pretônicas, encontramos

dois padrões possíveis. No primeiro, o acento secundário ocorre na segunda sílaba da

palavra e a cada segunda sílaba à direita desta. Vejamos o exemplo 5 a seguir.

(5)

a.pou.sen.tar; en.san.de.ceu

a- pou- sen- tar en- san-de- ceu

No segundo, o acento secundário ocorre na primeira sílaba da palavra e há um

intervalo de duas sílabas até o acento primário, saindo do padrão binário geral,

conforme o que podemos ver no exemplo 6.

2 A cor vermelha marca a coincidência entre uma proeminência musical e a sílaba tônica da palavra (acento primário); a cor laranja marca a coincidência entre uma proeminência musical e uma sílaba pretônica da palavra

(acento secundário). 3 A cor rosa marca a coincidência entre uma proeminência musical e a sílaba postônica final da palavra.

Page 56: Letras & Letras

55

(6)

a.vo.rre.cer; Em.pe.ra.dor; fa.le.ce.rán

a- vo-rre- cer Em- pe-ra- dor fa- le-ce- rán

Observamos a ocorrência de um terceiro padrão para o acento secundário, o qual

apareceu em um caso isolado. Trata-se da palavra malaventurados, na CSM 38, cuja

silabação e relação de proeminências linguísticas e musicais apontam para um padrão

em que o acento secundário ocorre na primeira sílaba e tem-se um intervalo de três

sílabas entre este e o acento primário, conforme podemos observar no exemplo 7.

(7)

ma.la.ven.tu.ra.dos

ma- la- ven-tu- ra- dos

No entanto, podemos observar que, no caso de malaventurados, trata-se de uma

palavra composta de um monossílabo tônico (mal) e uma palavra paroxítona com três

sílabas pretônicas (aventurados) e, como tal, mantém os acentos primários de cada

membro (COLLISCHONN, 1994, p. 50).

(8)

mal + a.ven.tu.ra.dos

Apresentados os possíveis padrões de ocorrência do acento secundário no PA e

alguns exemplos de palavras em que esse fenômeno linguístico ocorre, partiremos,

agora, para a sua análise dentro da Teoria Métrica na versão de grades parentetizadas de

Hayes (1995).

4. Análise do acento secundário no PA por meio da Teoria Métrica

Collischonn (1994, p. 43), referindo-se ao português brasileiro, analisa a

ocorrência do acento secundário em palavras com até sete sílabas pretônicas.

No caso da ocorrência do acento secundário no PA, encontramos, no corpus

analisado, apenas palavras com no máximo cinco sílabas pretônicas, sendo que a porção

postônica, por ser irrelevante para a ocorrência do acento secundário, será

desconsiderada. Vejamos, por meio do exemplo 9, algumas palavras encontradas no

corpus com a ocorrência do acento secundário. Nesses casos, o acento primário está

marcado em negrito e os acentos secundários estão sublinhados.

(9)

a.chou

a.bran.ger

con.pri.da.men.te

de.sa.con.se.lla.da

Page 57: Letras & Letras

56

mi.se.ri.cor.di.o.sa

Por meio desses exemplos, podemos notar que os acentos secundários ocorrem em

um intervalo bastante regular, a cada segunda sílaba. Portanto, podemos afirmar que a

ocorrência de acentos secundários nas palavras do PA apresenta um padrão

preferencialmente binário. Demonstramos, por meio da tabela 3, no item 3 deste artigo,

que a recorrência do padrão binário nos casos de acento secundário encontrados no

corpus representa mais de 97% dos casos.

No entanto, também pudemos perceber que esse padrão pode variar, dependendo

do número de sílabas pretônicas que houver na palavra.

Se o número de sílabas pretônicas das palavras for par, ocorre um acento

secundário na primeira sílaba da palavra e a cada segunda sílaba à direita desta,

conforme o que pode ser visto no exemplo 10 abaixo.

(10)

a.ju.dar; de.mos.trar; de.sa.con.se.lla.da

Por outro lado, se o número de sílabas pretônicas das palavras for ímpar, três

padrões podem ser observados. O primeiro padrão mantém a alternância binária, com a

ocorrência de um acento secundário na segunda sílaba da palavra e a cada segunda

sílaba à direita desta, até o acento principal. No segundo padrão, temos a ocorrência de

um acento secundário na primeira sílaba da palavra e tem-se um intervalo de duas

sílabas entre este acento e o acento primário. Já no terceiro padrão, o qual apareceu em

apenas uma palavra, composta, apresenta um acento secundário na primeira sílaba da

palavra e há um intervalo de três sílabas entre este acento e o acento primário. Vejamos,

no exemplo 11, a representação dos três padrões acima explicitados.

(11)

1º padrão: en.lu.mẽ.a.da

2º padrão: a.con.pa.nna.da

3º padrão: ma.la.ven.tu.ra.dos4

Observemos, agora, as palavras apresentadas no exemplo 12.

(12)

a.cos.tu.ma.do

a.fa.zen.da.da

al.ber.ga.ri.a

a.pa.re.çu.do

Essas palavras nos mostram que o peso silábico não exerce nenhum tipo de

influência sobre a ocorrência do acento secundário, uma vez que o mesmo pode recair

tanto em sílabas travadas (a.cos.tu.ma.do, al.ber.ga.ri.a) como em sílabas não travadas

(a.fa.zen.da.da, a.pa.re.çu.do). Conclui-se, então, que apenas o acento primário é atraído

pelo peso silábico, o qual não exerce atração sobre o acento secundário.

4 Trata-se de uma palavra composta de um monossílabo tônico (mal) e uma palavra paroxítona com três sílabas pretônicas (aventurados) e, como tal, mantém os acentos primários de cada membro. (COLLISCHONN, 1994, p. 50).

Page 58: Letras & Letras

57

Collischonn (1994, p. 45), analisando a relação existente entre o acento

secundário e o processo de ressilabação por ditongação no português brasileiro, conclui

que tal processo altera o número de sílabas, gerando consequências para a ocorrência do

acento secundário. O exemplo 13, retirado de Collischonn (1994, p. 45), serve de

ilustração para a análise da relação entre esses dois fenômenos fonéticos. O sinal

apóstrofo ( ’ ) indica a sílaba em que ocorre o acento primário, sucedendo-a, a qual

também aparece sublinhada; as sílabas que recebem o acento secundário aparecem

apenas sublinhadas.

(13)

Ditongação

a. si.be.ri.a’.no b. si.be.r[y]a’.no

ca.xi.en’.se ca.x[y]en'.se

in.vi.á’.vel in.v[y]á’.vel

pe.di.a’.tra pe.d[y]a’.tra

ro.do.vi.á’.rio ro.do.v[y]á’.rio

Observando o comportamento do acento secundário nas palavras exemplificadas

acima, podemos perceber que, se houver ditongação na pronúncia do encontro vocálico,

o acento secundário desloca-se automaticamente para a sílaba anterior. Isso comprova

que a sua posição, no português brasileiro “depende da ocorrência da ditongação,

portanto, o acento secundário é atribuído depois desta” (COLLISCHONN, 1994, p. 45).

Sendo assim, o acento secundário ocorre, no português brasileiro, no componente pós-

lexical.

No corpus aqui analisado, referente ao PA, não pudemos encontrar casos de

palavras que comprovem a ocorrência de ditongação em casos como os representados

no exemplo 13. No entanto, pudemos encontrar alguns casos, mostrados em 14, que se

assemelham aos apresentados por Collischonn (1994, p. 45), os quais, apesar de não

comprovarem a ocorrência da ditongação, mostram-nos que há a possibilidade de

alternância da sílaba em que recai o acento secundário, quando o acento primário está

envolvido em um caso de encontro vocálico.

(14)

de.mo.ni.a.dos

de.mo.ni.a.dos

de.mo.nia.dos (?)

ce.les.ti.al

ce.les.ti.al

ce.les.tial (?)

Outras palavras foram encontradas, cujos acentos primários não estão envolvidos

em casos de encontros vocálicos, porém há a alternância do acento secundário, ora

ocorrendo na segunda sílaba da palavra, mantendo o padrão binário, ora ocorrendo na

primeira, revelando-nos um ritmo ternário excepcional. Vejamos algumas dessas

palavras no exemplo 15 abaixo.

(15)

ma.ra.vi.lla.da

Page 59: Letras & Letras

58

ma.ra.vi.lla.dos

ma.ra.vi.llo.so

Ma.ra.vi.llo.so

a.dor.me.ceu

a.dor.me.ceu

a.pa.re.çer

a.pa.re.cer

Por meio desses dois exemplos de palavras do PA, podemos afirmar que, nessa

língua, o acento secundário também ocorre no componente pós-lexical, uma vez que há

a possibilidade de alternância, numa mesma palavra, da sílaba sobre a qual ele pode

recair.

Cabe aqui fazermos uma comparação entre as conclusões alcançadas por

Collischonn (1994) a respeito da ocorrência do acento secundário no português

brasileiro e as conclusões a que chegamos até aqui a respeito da ocorrência desse

mesmo fenômeno no PA.

Diferentemente do trabalho de Collischonn (1994), no qual a autora afirma ter

analisado o acento secundário em palavras com até sete sílabas pretônicas, encontramos,

no PA, apenas palavras com, no máximo, cinco sílabas pretônicas (cf. exemplo 9).

Apesar disso, podemos notar que as peculiaridades desse fenômeno linguístico se

assemelham no português brasileiro e no PA, uma vez que, em ambos os casos,

percebe-se que a sua ocorrência nos mostra um padrão recorrente binário (cf. exemplo

9), as sílabas pesadas não atraem o acento secundário (cf. exemplo 12) e ele é atribuído

no nível pós-lexical (cf. exemplos 13, 14 e 15).

Sendo assim, podemos estabelecer a regra de atribuição do acento secundário no

PA da seguinte forma:

(16)

Regra de acento secundário no PA:

Construa pés troqueus silábicos, da direita para esquerda a partir do acento

principal (exclusive este)

Dessa forma, afirmamos que o domínio da regra do acento secundário no PA é a

parte da palavra que vai do acento primário para a esquerda, assim como Collischonn

(1994, p. 48) estabeleceu para o português brasileiro. Eventuais choques acentuais serão

resolvidos por reajustes na grade métrica ou por apagamento, conforme veremos a

seguir.

Primeiramente, vejamos, no exemplo 17, como fica a representação do acento

secundário, por meio das grades métricas, no padrão mais recorrente, ou seja, o padrão

binário, que representa mais de 97% dos casos, e ocorre quando há um número par de

sílabas pretônicas. Num primeiro momento, representamos a atribuição do acento

primário, na primeira linha acima da palavra; e, nas linhas seguintes, a representação do

acento secundário.

(17)

(x .) (x .) acento secundário - nível pós-lexical

σ σ σ σ5

5 O símbolo σ representa o constituinte da sílaba sem levar em consideração o seu peso.

Page 60: Letras & Letras

59

(x .) acento primário - nível lexical

de.sa.con.se.lla.da

6

Utilizando o modelo métrico de Halle e Vergnaud (1987) para a sua análise do

acento secundário no português brasileiro, Collischonn (1994, p. 49) diz o seguinte:

Quando o número de sílabas anteriores ao acento primário for ímpar, a regra produz um

constituinte degenerado (com apenas um elemento) na margem esquerda da palavra. Isso

ocorre porque a atribuição de acento de acordo com o modelo de Halle & Vergnaud deve

preencher as seguintes condições: nenhum elemento do domínio deve ficar fora de

constituinte (Condição de Exaustividade); e todo constituinte deve ter um cabeça (Condição

de Sinceridade). Por esta razão, ocorre choque no início da palavra entre o cabeça de um

constituinte binário e o cabeça de um constituinte degenerado. Como não há espaço para

movimento, um dos dois acentos terá de ser apagado.

Observemos, no exemplo 18, a ocorrência desse choque acentual de que fala a

autora. Neste exemplo, utilizaremos uma palavra do PA, colhida no corpus desta

pesquisa. Não apresentaremos, aqui, a linha que representa a atribuição do acento

primário, por ser desnecessário, uma vez que o acento secundário só vai ser atribuído

depois da atribuição deste, a partir da sílaba que o carrega, no entanto, excluindo-a da

formação dos constituintes.

(18)

choque acentual

(x) (x .)

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

Podemos notar, por meio deste exemplo, que não há espaço para o deslocamento

de nenhum dos cabeças dos constituintes, de modo a se evitar o choque acentual,

conforme o que estabelece a Regra Mova x7. Note-se que não há lugar para o

movimento do constituinte degenerado da margem esquerda da palavra. Por outro lado,

se movêssemos o cabeça do troqueu para a direita, ainda assim estaríamos provocando

um choque acentual, desta vez do acento secundário com o primário, como o que está

representado em 19 a seguir.

(19)

(x) ( x) acento secundário – deslocamento do cabeça

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

* choque acentual

(x) ( x) acento secundário

(x .) acento primário

6 O símbolo indica que a sílaba em questão é leve. 7 Regra de Mova x: Mova apenas uma marca da grade por vez ao longo de sua fileira. Quando a operação Mova x tem

a finalidade de resolver uma colisão acentual, o movimento deve acontecer ao longo da fileira em que a colisão ocorre. (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 92).

Page 61: Letras & Letras

60

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

Collischonn (1994, p. 49) busca a solução para esse problema adotando a proposta

de Haraguchi (1990, apud COLLISCHONN, 1994, p. 49).

A solução que adotamos é aquela proposta por Haraguchi (1990, p. 164) para o espanhol,

invocando o princípio Evite Choque, que funciona como um filtro, eliminando estruturas

mal-formadas. Este princípio é operacionalizado pela regra Apague α, que simplesmente

apaga um constituinte, quando o contexto de aplicação determinado pelo princípio, ou seja,

um contexto de choque, for encontrado. Como a regra Apague α não tem uma direção de

aplicação, tanto um como o outro acento em choque pode ser apagado. Deste modo, o

próprio princípio prevê que ora encontraremos acento secundário sobre a sílaba inicial, ora encontraremos acento secundário sobre a segunda sílaba. (COLLISCHONN, 1994, p. 49,

grifos da autora)

Essa solução também pode ser adotada para os mesmos casos de palavras

referentes ao PA encontrados no nosso corpus, o que gera as seguintes possibilidades de

representação em grades parentetizadas mostradas a seguir em 20.

(20)

choque acentual

(x) (x .)

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

aplicação de Apague α, primeira grade métrica

(. x .)

(x) (x .) Apague α

(x) (x .)

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

aplicação de Apague , segunda grade métrica

(x . .)

(x) (x .) Apague α

(x) (x .)

ma.ra.vi.llo.so

σ σ σ

É importante dizer também que, se houver apenas uma sílaba pretônica, somente o

constituinte referente a essa sílaba poderá ser apagado, pois o apagamento do acento

primário implicaria a alteração da relação de proeminência entre os elementos, não

preservando a estrutura (COLLISCHONN, 1994, p. 50).

(21)

(x)

(x) (x) Apague α

(x) (x)

Page 62: Letras & Letras

61

es. to. ri. a

σ

Vimos, no item anterior deste artigo, por meio do exemplo 8, que um suposto

terceiro padrão de acento secundário, com um intervalo de três sílabas entre o acento

primário e o secundário, foi encontrado no nosso corpus. Trata-se da palavra

malaventurados, a qual apresenta proeminência na primeira sílaba e na penúltima.

Podemos perceber que, neste caso, temos um exemplo de palavra composta do

advérbio mal junto com o adjetivo aventurados.

No caso de acento secundário em palavras compostas, Collischonn (1994, p. 50)

nos diz que, como o processo de composição ocorre no nível pós-lexical, “cada membro

do composto traz seu acento do Léxico e não há perda deste acento no processo de

composição”. Sendo assim, os acentos primários dos membros compostos são mantidos,

porém o acento mais forte será o do acento primário do elemento mais à direita. Dessa

forma podemos estabelecer a seguinte grade métrica para o caso da palavra

malaventurados.

(22)

( x )

(x x )

(x .) (x .) (x .)

ma.la.ven.tu.ra.do<s>

σ σ σ σ

Outro caso interessante é o da palavra lealmente, ou outros compostos

semelhantes constituídos por palavra oxítona e sufixos como -mente, -dade, os quais

possuem a penúltima sílaba acentuada, sendo formadores de palavras paroxítonas.

Collischonn (1994, p. 51) diz que casos de palavras formadas por sufixos desse tipo

“apresentam um comportamento morfológico que permite considerá-los como

compostos”. Sendo assim, nesses casos, ocorrerá choque acentual entre a sílaba tônica

do primeiro membro e a tônica do sufixo, conforme podemos ver no exemplo 23.

(23)

(x) (x) (x .)

le. al. men.te

_ _8

( x) (x .) choque acentual

(x) (x) (x .)

le. al. men.te

_ _

Em casos assim, aplica-se a Regra Mova x (cf. nota 4), resultando na seguinte

grade métrica.

8 O símbolo _ indica um sílaba pesada.

Page 63: Letras & Letras

62

(24)

( x) (x .) Regra Mova x

(x) (x) (x .)

le. al. men.te

_ _

( x )

(x ) (x .)

(x) (x) (x .)

le. al. men.te

_ _

5. Conclusões

Por meio do que foi apresentado sobre a análise do acento secundário no PA,

podemos perceber que o comportamento desse fenômeno é igual ao PB, como

apresentado por Collischonn (1994).

Trata-se de um fenômeno que ocorre no nível pós-lexical tendo como pé-básico o

troqueu silábico, uma vez que o peso da sílaba não influencia na atribuição do acento

secundário (diferentemente do que ocorre com o acento primário), com direcionalidade

da direita para a esquerda, a partir do acento principal (excluindo-se este).

Eventuais padrões ternários que foram localizados se devem a choques acentuais,

causados pelo número ímpar de sílabas pretônicas, os quais se resolvem por meio da

aplicação da regra Apague α.

Também foi encontrado um caso de acento secundário em uma palavra composta

(malaventurados = mal + aventurados), em que os acentos primários dos dois membros

são mantidos, porém, no nível pós-lexical, o acento mais forte fica com o membro mais

a direita e os outros acentos tornam-se secundários.

Para finalizar, ressaltamos o ineditismo do presente trabalho por ser o primeiro a

analisar o fenômeno linguístico do acento secundário em um período da língua

portuguesa do qual não existem mais falantes e nem registros orais.

Tal análise só foi possível graças à nova metodologia para a coleta de dados

referentes à prosódia de línguas mortas, desenvolvida por Costa (2010a), a qual leva em

consideração a Música, a Língua e a Métrica em textos poéticos musicados e

metrificados.

COSTA, D. S. DA. SECONDARY STRESS IN ARCHAIC PORTUGUESE

Abstract

This paper aims to study secondary stress in Archaic Portuguese demonstrating its

limits of occurrence and its behavior through the Metrical Theory by Hayes (1995). The

data was collected by means of a new methodology in the study of the prosody of

ancient periods of the language. This methodology is based on the observation of

matching and mismatching of musical and linguistic prominences of poetic texts with

musical notation.

Keywords

Page 64: Letras & Letras

63

Secondary Stress; Archaic Portuguese; Metrical Theory; Music; Linguistics.

Referências bibliográficas

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Page 66: Letras & Letras

65

PRODUCTIVE AND UNPRODUCTIVE STRESS PATTERNS IN BRAZILIAN

PORTUGUESE

Ben HERMANS

Meertens Instituut

Formação: PhD

E-mail: [email protected]

W. Leo WETZELS

Vrije Universiteit Amsterdam

Formação:PhD

E-mail: [email protected]

Abstract

In this paper, we provide a constraint-based analysis of main stress location in Brazilian

Portuguese (BP) non-verbs, departing from the assumption that stress is quantity

sensitive in non-verbal words. Based on the native speakers’ treatment of newly created

vocabulary, we separate productive and unproductive stress patterns. In BP, main stress

respects a three-syllable window, which we interpret at the theoretical level as a left-

dominant main-stress constituent, which must be aligned with the right edge of the

word. Universal conditions on branching structure restrict the maximal size of the main-

stress constituent to three syllables. Within our proposal, there is no need for mora-

extrametricality or non-finality, at least in BP.

Keywords

Productive stress, Unproductive stress, quantity-sensitive stress, Brazilian Portuguese

0. Introduction

In Brazilian Portuguese (henceforth BP), words that do not belong to the class of

verbs - such as nouns, adjectives, and adverbs - normally receive their main-stress on

the penult (caneta ‘pen’) when their final syllable is light, while stress generally falls on

the final syllable, when this syllable is heavy (mulher ‘woman’). The given description

of the BP main-stress rule suggests that this language has a quantity sensitive stress

system that applies to non-verbs, a view that is defended by phonologists such as Bisol

(1992), Magalha es (2004), Massini-Cagliari (2005), Wetzels (1992; 2007), and others,

but see Lee (2007) for a different view. A problematic factor for the hypothesis of a

productive stress rule in BP, regardless of whether it is defined with reference to

syllable weight, is the existence of various types of exceptions. For example, there is an

(albeit limited) class of words in which stress ‘skips’ a final heavy syllable (e.g. útil

‘useful’) and in a handful of words of this type stress is even on the antepenult (ínterim

‘interim’). Furthermore, antepenult stress is relatively common in words ending in two

light syllables (abóbora ‘pumpkin’) and a fairly large class of words, many of which are

Page 67: Letras & Letras

66

borrowings, have stress on their final light syllable (jacaré ‘cayman’). Therefore, one

could ponder whether the existence of these exceptional stresses does not challenge the

idea of a productive stress rule in BP. Câmara (1970: 55), for example, denies the

relevance of the phonological structure of the word for the distribution of stress, when

he states: “…the accent is still free in the sense that its position does not depend on the

phonemic structure of the word. There are no word-final sequences of phonemes in

Portuguese that impose a particular accentuation” (our translation1: LW). Another

property of BP stress is that it respects a three-syllable window, a property that it shares

with a number of other languages (cf. van der Hulst, 1984). We thus find words with

final, penult, and antepenult stress, but there are no words with stress on the pre-

antepenult syllable (or further to the left). In this paper, we will particularly focus on

two aspects. We will explicitly argue in favor of a productive primary stress rule for this

language, as is globally defined in the first lines of this introduction. We will also

discuss the three-syllable window as an attempt to provide at least a partial answer to

the question as to why a stress rule as the one attested in BP can tolerate the exceptional

antepenult pattern, but disallows words that are exceptionally stressed beyond the third

syllable counting from the right word-edge.

In order to settle the productivity problem, we will turn to three sets of vocabulary

items that represent newly created words in BP. One set of examples are acronyms, also

used in Wetzels (1996; 2002; 2007) to argue in favor of the productivity of the main-

stress rule in BP. The other two sets consist of newly coined first names and names for

new drugs. The idea is that these forms, precisely because they are newly created,

cannot be sensitive to lexical idiosyncrasies of existing words. Consequently, if the

distinction between ‘regular’ and ‘exceptional’ patterns is real, it must be the case that

the native speakers’ decisions, when it comes to assigning stress to these words,

systematically favor the ‘regular’ patterns. As we will see below, the stress patterns of

these words overwhelmingly testify to the existence of a productive rule of stress

placement that favors heavy syllables over light ones, such that the penult syllable is

stressed only if the final syllable is light, while, when the final syllable is heavy, it

attracts the main-stress. In the unproductive part of the BP stress system, quantity

sensitivity is overruled by lexically specified stresses. Consequently, it is possible for

syllables to the left of a final heavy syllable to carry main-stress by virtue of their stress

being lexicalized, as it is possible for words to have a stressed open final syllable or to

carry stress on the antepenult syllable in their lexical representation. However, as we

just saw, not any type of idiosyncratic stress is allowed in BP, since an underlying

accent can only surface within the limits of the three syllable window. We account for

the restricted appearance of exceptional and regular primary stress by subjecting

exceptional stresses to the appropriate set of faithfulness constraints, in such a way that

these constraints can only take effect in the domain of the last three syllables.

1 Por outro lado, o acento é livre ainda no sentido de que a sua posição não depende da estrutura fonêmica do vocábulo. Não há em português terminações de fonemas que imponham uma dada acentuação.

Page 68: Letras & Letras

67

This study is structured in the following way. In section 1, we provide evidence

showing that the distinction between productive and unproductive stress patterns in BP

is a relevant one if we wish to explain why BP speakers adopt new vocabulary items

with a clear preference for specific patterns over others. Subsequently, in section 2, we

make explicit our assumptions regarding the formal representation of stress. We will

mold our analysis in the widely accepted tree-cum-grid model, except that we represent

head-dependency relations hierarchically, instead of linearly with brackets. This allows

us to derive the three syllable window without resorting to special devices like

extrametricality or non-finality, as we show in section 3. In section 4, we discuss how

our analysis accounts for the unproductive stress patterns. The main points of our

analysis will be summarized in section 5.

2. Productive stress patterns in Brazilian Portuguese: classes of newly created

words.

The productivity of a given phonological rule is usually visible in words that

speakers have never heard before, and for which they have to decide how they are to be

pronounced. In this section, we will consider three sets of words that have entered BP

recently and which show the preference of BP speakers for specific stress patterns over

others.

2.1. Acronyms

With regard to BP stress, we may use the notion ‘heavy rhyme’ in its most general

interpretation, which is that any syllable that has two filled rhyme positions counts as

heavy. The list of possible rhymes in BP is presented in (1)2 :

(1) BP Heavy Rhymes

Possible rhymes Illustrations

final prefinal

Vl anel ‘ring’ Estocolmo ‘Stockholm’

Vr abajur ‘lampshade’ alerto ‘alert’

Vs cortes ‘courteous’ adestro ‘spare’

oral diphthongs heroi ‘hero’ perfeito ‘perfect’

nasal diphthongs irmão ‘brother’ cãibra ‘cramp’

nasal vowels irmã ‘sister’ macúmba ‘voodoo’

2 We disregard rhymes in which /s/ functions as part of a complex coda. In the syllable coda, <l> is pronounced [w] in most, but not all, dialects of BP. In all dialects, underlying /l/ often is recoverable morpheme-finally through the

existence of alternations, as is the case of anel [anw] ‘ring’: cf. anelão ‘big ring’, anelado ‘curly’, aneleira ‘ring

case’, etc.

Page 69: Letras & Letras

68

Non-sonorant codas, with the exception of /s/, are generally not tolerated and

usually trigger the epenthesis of the high vowel /i/, as can be seen in the word clube

[klubi] ‘club’, borrowed from English. The formation of acronyms is an important

source of new vocabulary in BP. The following examples, taken from Wetzels (2007),

represent only a small sample of the many hundreds of acronyms that are in use:

(2) VN## JOCUM

FEBEM

PROCON

DETRAN

VG## INEI

FUNAI

SUSAU

SENAI

Vs## BENES

REIPLAS

Vr## UFIR

PROER

ALUNOR

CONAR

Vl## VARSUL

ANPOL

UFAL

VC(C)## VAPESP([i])

VALMET([i])

TELERG([i])

TELESP([i])

APRAG([i])

All the possible (as well as many ‘impossible’) codas are represented in the

acronyms provided in (2). As a matter of fact, prefinal stress is extremely rare in

acronyms that end in a heavy syllable3. On the other hand, in acronyms that end in a

3 We have found a single example VÁRIG(i) [várigi], with stress on a non-final closed syllable. In BP, vowel epenthesis after illicit (non-sonorant) codas, although productive, is neutralizing, because words that end in

unstressed /i/ exist: álibi ‘alibi’, cáqui ‘khaki’, júri ‘jury’, míni ‘mini’, ravióli ‘ravioli’, táxi ‘taxi’, etc. One may therefore consider the possibility that word-final [i] is lexicalized in this word. However, under the epenthesis

Page 70: Letras & Letras

69

light syllable stress is systematically prefinal: ONU, OVNI, SIESI, BANESPA,

FINASA, UFBA, CODAMA, TELASA, BRADESCO, TEXACO, etc. The regular

distribution of stress in the words in (2) suggests that there is indeed an unmarked stress

rule for BP non-verbs, despite the relatively large number of exceptions in the existing

vocabulary.

2.2 First names

Brazilian parents sometimes create novel first names for their children. These new

names often consist of a sequence of (first or last) syllables taken from the parents or

other relatives’ first or last names. For example, a couple called Gustavo and Maria,

could call their son Gusmar, with stress on the final syllable (Souto Maior 1991: 22).

An oft-cited example is Tospericargerja, the name given to a boy born in Manaus,

which is composed of the first syllables of the names of six soccer players who were

part of the team that won the world cup in 1970: Tostão, Pelé, Rivelino, Carlos Alberto,

Gerson, Jairzinho, as reported by Souto Maior (1992: 91). Some more examples are

given below. In the left column we present the forms ending in a heavy syllable. The

forms in the right column all end in a light syllable.

(3) VN## Chinem Tospericagerja

Edum Trazibulo

Froin Chananeco

Dieran Ghadadara

Jurupitan Holofontina

Vs## Harpalus Acheropita

Emipas Presolpina

Vulpas Japinobaldo

Yopros Antinarbe

Mesrelaz Etecleife4

Vr## Nabor

Azionor

Hepilazir

account as well as under the underlying account of final [i], stress is exceptional in VÁRIGi, although, under the latter

analysis, it would not constitute a counterexample to the final-heavy-stressed hypothesis. 4 It could be argued that in names like Etecleife the last lexical syllable is kleif instead of fe (see note 2), with final

<e> (= [i]) being epenthetic. Since i-epenthesis is neutralizing, we will assume here that the underlying representation is really with a final vowel. Notice that main-stress would be appropriately assigned under either hypothesis.

Page 71: Letras & Letras

70

Adalgamir

Dolair Fedir

Zarifebarbar

Paltaq(i)mer

Vl## Baruel

Dermeval

Galenogal

Avoal

Idelazil

Francel

Ginestal

In the words in (3) we observe the same distribution of final and prefinal stresses

that we have seen in acronyms, which are selected in function of the weight of the

word-final syllable. Names with stress on a final open syllable sometimes arise when

the last syllable of the newly created name corresponds with the stressed syllable of one

of the model names, as in Marimé from Maria Amélia, or Marichá from Mariano

Chagas. Some other newly made first names with an exceptional final stress look like

compounds of which the right part also carries final stress when used in isolation, such

as Frantomé from Francisco and Tomé. Otherwise, names with stress on a final open

syllable are extremely rare, and so are names with a prefinal stressed syllable followed

by a heavy syllable or names with antepenult stress5. This is to be expected, since these

names being newly created, they should not carry any idiosyncratic markings.

2.3. Drugs

The ever-expanding pharmaceutical market requires a steady influx of new brand

names to enter the BP language. The following is just a small sample of the more than

one hundred examples of commercial names for anesthetic drugs that are sold in Brazil,

gathered from an online corpus.

(4) VN## Arotin Algirona

Fenaren Feldene

Metadon Celestone

5 But see below for names in which a prefinal high vowels stands in hiatus, as in

Amélia.

Page 72: Letras & Letras

71

Ponstan Pondera

Vs## Depress Imipra

Dorless Clopsina

Vr## Efexor Citta

Eufor Cymbalta

Pamelor Levozine

Vl## Beserol Progresse

Legil

Tramal

VC(s)# # Paxtrat(i)

Nisulid(i)

Prozac(i)

Tenotec(i)

Codex(i)

Mirtax(i)

As expected, all the words above that end in a heavy syllable have stress on that

syllable, while the ones that end in a light syllable carry stress on the penult syllable.

The three sets of vocabulary we have considered in order to test whether BP adult

native speakers acquire a default stress rule all exemplify newly-created words without

any obvious internal morphological structuring. A single, weight-based generalization

has allowed us to predict the location of main-stress in all of these classes. We therefore

believe that the words that belong to these classes reveal the productive (default) aspects

of the BP stress system for underived non-verbs. It does not come as a surprise that the

great majority of traditional BP words comply with the stress rules that emerge as the

productive ones in the newly-created vocabulary. In section 3 we propose a formal

analysis of this productive pattern.

2. Assumptions regarding the formal modeling of stress

In most theories of stress, prominence relations are expressed in terms of

bracketed, prominent positions on the grid. Representations of this type have been

proposed in Halle and Vergnaud (1987), where one encounters configurations like the

following:

(5) * Line3 (word)

(* * * ) Line2 (feet)

(* *)(* *)(* *) Line1 (syllables)

Page 73: Letras & Letras

72

σ σ σ σ σ σ

On the basic line, here called Line1, syllables are projected by way of asterisks

which are grouped into headed constituents. In this abstract example, the first asterisk of

each constituent on Line1 is considered the head. The heads are projected onto Line2,

where they create themselves a constituent, of which the rightmost asterisk is defined as

the head, represented on Line3. In this way a prominence profile is created from which

stress can be read off. Phonetically the representation in (5) is realized with main-stress

on the penult syllable and with secondary stresses on the first and third syllable from the

left.

The analysis that we will elaborate in this paper must be understood as part of this

tradition. However, we will express the head-dependency relations in terms of a

hierarchical structure, very much in the way Hammond (1984) proposed in what he

called the ‘Lollipop model’. It must be said, however, that the differences between Halle

and Vergnaud’s representations and those proposed by Hammond are purely notational.

We furthermore assume that the units projecting the basic line are moras. Onsets are

dependents of the mora, as originally proposed in Hyman (1985), rather than being

adjoined to the syllable, as in Hayes (1989), but this is not crucial for the purposes of

this exposition. Leaving the main-stress line aside, we translate the representation in (5)

in the way provided in (6):

* * * Line2

(6) * * * * * * Line1

µ µ µ µ µ µ

CV CV CV CV CV CV

The reason why we represent head-dependency relations in terms of a hierarchical

structure is because conditions on branchingness constitute an important aspect of our

analysis. Since in bracketed representations it is sometimes unclear whether a

constituent branches or not, we prefer the more explicit hierarchical representations of

the kind given in (6).

One example of a condition on branchingness that we will propose controls the

maximal size of prosodic constituents. We assume that every constituent is maximally

binary branching. There are no unbounded constituents, not even at the level of the

main-stress constituent. This means that in our view the main-stress constituent on

Line3 in the representation in (5) is ill-formed. If directly translated into our notation,

we obtain the following structure:

Page 74: Letras & Letras

73

* Line3

* * * Line2

(7) * * * * * * Line1

µ µ µ µ µ µ

CV CV CVCV CV CV

The main-stress (Line3) constituent in (7) has three daughters, which, as we claim,

represents an illicit structure.

It is our hypothesis that, in a language where the main-stress gravitates towards

the right edge of the word, there is no right dominant, unbounded main-stress

constituent, as in (7). Instead, we claim, the constituent containing the main-stress is left

dominant and is aligned with the right edge of the word. Instead of the representation in

(7) we therefore propose:

* Line3

* * * Line2

(8) * * * * * * Line1

µ µ µ µ µ µ

CV CV CVCV CV CV

The above-proposed characteristics of right-edge oriented stress do not exclude by

themselves the possibility of a main-stress constituent that is larger than the one in (8).

Again, the limits on the size of the main-stress constituent are restricted by conditions

on branchingness. One important condition disallows a daughter constituent to branch in

a dependent (i.e. non-head) position. Thus the following representation is illicit:

Page 75: Letras & Letras

74

* Line3

* * * Line2

(9) * * * * * * Line1

µ µ µ µ µ µ

CV CV CVCV CV CV

Although in (9) the main-stress constituent is binary branching on Line3, the

overall structure is ill-formed, because its right daughter, which is in a dependent

position, branches. We assume that this is universally excluded. Therefore, in a Line1

and Line2 configuration as given in (8-9), only a non-branching main-stress constituent

is acceptable, as in (8). Its non-branching nature is a consequence of the fact that it

dominates a single binary foot, which is therefore not in a dependent position.

From the above exposition it follows that any constituent can only have a non-

head daughter if that daughter does not branch. The leaves room for a representation as

in (10), which is well-formed according to the criteria discussed:

* Line3

* * * Line2

(10) * * * * * Line1

µ µ µ µ µ

CV CV CVCV CV

Here the main-stress is located on the antepenult syllable. In a system where the

main-stress constituent is left dominant, this can only happen if the final syllable is

parsed as a non-branching foot. Being non-branching, this foot can occupy a dependent

position in the main-stress constituent.

In the approach outlined here, the maximal left-dominant main-stress constituent

can only dominate three positions on Line1. This, of course, is reminiscent of the three

syllable window. However, we derive the three syllable window without any device that

is specifically designed to account for it, like ternary feet (Rice 1992, Hyde 2001, 2002)

or non-finality (Prince and Smolensky 1993, Hyde 2007, Wetzels 2007). We only need

to stipulate that a dependent daughter cannot branch. As we will show later in this

study, this stipulation can be motivated independently.

Page 76: Letras & Letras

75

In this section we have made explicit our most important assumptions with respect

to the representation of stress in general. Some more assumptions will likewise be made

explicit in the next section, where we develop our analysis of the BP stress system.

3. Productive stress patterns in Brazilian Portuguese: a formal analysis

As was stated above, we assume that in BP the (left dominant) main-stress

constituent (the Line3-constituent) is aligned with the right edge of the word (cf.

McCarthy and Prince 1993a on the family of alignment constraints). We express this

fact with the following constraint:

(11) ALIGN(PrWd,R,Const-Line3,R)

The Right Edge of a Prosodic Word must be aligned with the right edge

of a Constituent on Line3 (= the Main-stress constituent).

This constraint plays a key role in our analysis as it must be satisfied under all

circumstances. We will therefore leave it out from the tableaux, taking it for granted that

there will always be some candidate which harmonically bounds a candidate violating

the alignment constraint. The head of the Line3-constituent is left dominant, so its head

is at its left edge.

The domain of the Line3-constituent is maximally large, but other factors may

reduce its size. Line3’s maximality is induced by a constraint of the PARSE-family (viz.

McCarthy and Prince 1993b for the family of parse constraints).

(12) PARSE-Line1

A Line1-constituent must be parsed by a Line3-constituent

Another important element in our analysis of BP stress is that Line2- constituents

(i.e. feet) are trochaic.

Two representative forms illustrating the productive stress patterns in BP are

Imipra, consisting of three light syllables, and Arotin, consisting of two light syllables

and a final heavy one; both were taken from the list of names for drugs (4). Consider

first the form Imipra, which contains three moras. All three require projection on Line1

by PROJECT-µ.

(13) PROJECT-µ

A µ must occupy the head position of a constituent at Line1

PROJECT-µ creates the following representation:

(14) * * * Line1 (basic line)

Page 77: Letras & Letras

76

µ µ µ

V CVCCV

i mi p r a

PARSE-Line1 requires that the whole word be parsed in a main-stress constituent

at Line3. Since, like all constituents, the main-stress constituent is maximally binary

branching, the correct parsing can only be achieved if two feet are constructed on Line2.

For a word consisting of three light syllables, there appear to be two possible parsings,

as illustrated in (15).

* Line3 *

* * Line2 * *

(15) a. * * * Line1 b. * * *

µ µ µ µ µ µ

V CVCCV V CVCCV

i mi p r a i mi p r a

In both representations every Line1 constituent is dominated by the main-stress

constituent, so PARSE-Line1 is satisfied. In both cases stress is located on the antepenult

syllable.

While antepenult stress is a possible pattern in BP, as we will see in the next

section, it does not correspond with the actual stress pattern of the word under

discussion, which has prefinal stress. Antepenult stress is excluded by two constraints,

one of which was mentioned before, which takes the form of a condition on the well-

formedness of representations. By hypothesis, it therefore holds in all languages and it

controls the structure of all constituents. We formulate it as follows:

(16) NO-STRONG-DEPENDENT

If a constituent C branches, the immediate dependent of C may not branch.

NO-STRONG-DEPENDENT is violated by the representation in (15b), which is

therefore unacceptable.

The following constraint is formally related to NO-STRONG-DEPENDENT, but it

has the status of a violable constraint.

(17) NO-STRONG-HEAD

Page 78: Letras & Letras

77

If a constituent C branches, the immediate head of C may not branch.

NO-STRONG-HEAD is violated in the representation in (15a), because not only is

the main-stress constituent branching, but also its head, which is the leftmost foot at

Line2.

There are good reasons to believe that NO-STRONG-HEAD can be independently

motivated. If applied at the foot level, it has the effect of ruling out an uneven trochee.

Although the uneven trochee was originally declared non-existent (Hayes 1995), it now

has the status of a possible, but marked foot (Alber 1997). In our proposal it is NO-

STRONG-HEAD, applied at the foot level, which gives the uneven trochee a marked

status.

If we now rank NO-STRONG-HEAD above PARSE-Line1, the domain of the main-

stress constituent is limited, so that NO-STRONG-HEAD can be satisfied, whereas

PARSE-Line1 is violated. As the effect of this ranking penult stress is created. The

representation of Imipra now looks as follows:

* Line3

* Line2

(18) * * * Line1

µ µ µ

V CVCCV

i mi p r a

In this representation, the head of the main-stress constituent branches, but not at

its maximal level (Line3). Therefore, NO-STRONG-HEAD is not violated. The tableau in

(19) shows that NO-STRONG-HEAD must dominate PARSE-Line1.

(19) NO-STRONG-HEAD » PARSE-Line1

i mi pra NO-STR-H PARSE-L1

*

* *

* * *

((i mi)Ft (pra)Ft)MSC

*!

*

*

* * *

i ((mi pra)Ft)MSC

*

Page 79: Letras & Letras

78

For reasons of simplicity, in the tableaux we represent hierarchical structure with

brackets. Headedness is indicated with asterisks. The subscript abbreviation MSC used

in the tableaux stands for ‘main-stress constituent’.

The ranking in tableau (19) selects Imipra with penult stress as preferred over the

antepenult pattern. BP word prosody preferably leaves one syllable unparsed by the

main-stress constituent than making the main-stress constituent branching at both the

head level and the maximal level.

Let us now consider the form Arotin, which ends in a heavy syllable. We have

seen that a final heavy syllable attracts the main-stress of the word. It is not so difficult

to understand why this is the case. Since the final syllable is bimoraic, it projects two

positions on the basic line. These two positions behave in exactly the same way as the

last two syllables in the form Imipra, each of which project a single mora. The

representation of Arotin, therefore, is as follows:

* Line3

* Line2

(20) * * * * Line1

µ µ µµ

V CVCVC

a ro t i n

Since, in this study, we do not deal with the issue of secondary stress in BP,

nothing will be said about the structure of the feet to the left of the Main-stress

constituent (see Wetzels 2007 for some discussion of the different nature of primary and

secondary stress in BP).

Words ending in a penult heavy syllable followed by a light final syllable are

interesting, because they show that some of the constraints we have proposed so far

must be ranked with respect to each other. Consider Japinobaldo, one of the forms

occurring in our first name database. Japinobaldo ends in a light syllable, and main-

stress is assigned to the heavy penult. Suppose that all the moras of the last two

syllables would project a position on Line1.

(21) * * * Line1

µµ µ

CVCCV

b a l d o

Page 80: Letras & Letras

79

If all Line1 constituents are parsed in a main-stress constituent, the following

configuration is created.

* Line3

* * Line2

(22) * * * Line1

µµ µ

CVCCV

b a l d o

Here the constraint NO-STRONG-HEAD is violated. As we have seen with regard

to the structure in (19), in BP a main-stress constituent which branches both at the level

of the head and the maximal level is avoided. We propose to solve this problem by

ranking NO-STRONG-HEAD over PROJECT-µ. The effect is that now the syllable bal

receives just one position on Line1, even though it is heavy, which is our way of

formally modeling the observation that syllable weight in BP is generally irrelevant in

prefinal position6. Now the last two syllables of Japinobaldo receive the following

structure:

* Line3

* Line2

(23) * * Line1

µµ µ

CVCCV

b a l d o

The necessity of the ranking STRONG-HEAD » PROJECT-µ is demonstrated in the

tableau in (24).

6 Below, we will extensively discuss the fact that antepenult stress does not precede a heavy penult.

Page 81: Letras & Letras

80

(24) NO-STRONG-HEAD » PROJECT-µ

...baldo NO-STR-H PROJECT-µ

*

* *

** *

((bal)Ft (do)Ft)MSC

*!

*

*

* *

((bal do)Ft)MSC

*!

In the first candidate, the mora in coda position projects a position on Line1,

creating a violation of NO-STRONG-HEAD. In the second candidate, the codaic mora

does not project a constituent on Line1. This violates PROJECT-µ, but not NO-STRONG-

HEAD. Given the ranking between these two constraints, the second candidate is

optimal.

If it is possible to avoid a violation of NO-STRONG-HEAD by creating a violation

of PROJECT-µ, we have to answer the question why the same cannot be done in words

like Imipra. If, for instance, the mora of the second syllable would not project a position

on Line1, then antepenult stress can be created without violating NO-STRONG-HEAD.

* Line3

* Line2

(25) * * Line1

µ µ µ

V CVCCV

i mi p r a

Since the mora of the second syllable is not represented on Line1, it is the

dependent of the first Line1 constituent. As a result, all three syllables of this word can

be integrated in the Main-stress constituent, because there is no violation of NO-

STRONG-HEAD. Clearly this is undesirable, because antepenult stress is an unproductive

pattern in BP.

We propose a different behavior for head moras and dependent moras. Only the

latter can give up projection on Line1 under the pressure of other constraints. The

former always project a Line1 position, and they never concede to the pressure of other

constraints. Since in a word like Imipra all three moras are syllable heads, they must all

Page 82: Letras & Letras

81

project a Line1 position. In terms of constraints and their ranking this means that there

are two projection constraints, which are in a stringency relation: a general constraint

and a specific one. The general one is PROJECT-µ, which, as we have seen, is dominated

by NO-STRONG-HEAD. The specific one is PROJECT-µ(Head), which is always satisfied

in BP. This explains why, in a word like Imipra, all three moras must be projected,

making antepenult stress impossible.

If a dependent mora gives up its position on Line1, the effect will be that the

heavy syllable of which it is a part acts as a light syllable with respect to prosodic

structure. In a word like Japinobaldo, where the heavy syllable is located in penult

position, the penult and the final syllable will therefore be parsed as a single foot, as we

have seen in (23). On the other hand, if the heavy syllable is in final position, the

dependent mora should not give up its position on Line1. If that happened, we would

derive penult stress. Instead of the representation in (20) we would derive the one in

(26).

Page 83: Letras & Letras

82

* Line3

* * Line2

(26) * * * Line1

µ µ µµ

V CVCVC

a ro t i n

The final syllable is itself a foot, because NO-STRONG-DEPENDENT does not

allow it to be parsed as the dependent of the final foot. To the left of the monosyllabic

final foot another monosyllabic foot is built. A polysyllabic foot is not optimal, due to

the fact that NO-STRONG-HEAD dominates PARSE-Line1 in BP, as we have shown in

the tableau in (19).

Although prefinal stress in words with a final heavy syllable is possible in BP, it is

not the productive pattern. The forms in our database indicate that a final heavy syllable

attracts the word stress. Clearly, then, in BP a final heavy syllable is productively

assigned main-stress.

In order to ensure that a final heavy syllable receives main-stress, we have to rank

PROJECT-µ over PARSE-Line1. Under this ranking it is better to give a mora, even a

dependent one, its own position on Line1, then to construct a bisyllabic main stress foot.

We demonstrate this with the following tableau.

(27) PROJECT-µ » PARSE-Line1

a ro tin PROJECT-µ PARSE-L1

*

*

* * *

a ((ro tin)Ft)MSC

*!

*

*

*

* * **

a ro ((tin)Ft)MSC

**

So far we have seen that in BP the productive pattern is to assign main-stress to

the penult syllable, but only if the final syllable is light. If the final syllable is heavy,

then main-stress is on that syllable. There is only one systematic (productive) exception

Page 84: Letras & Letras

83

to this pattern. If the penult syllable contains a high vowel7 immediately followed by

another vowel, then the main-stress is generally on the antepenult. The following words

from our database of first names illustrate this subregularity.

(28) Asifragégio

Exupéria

Orbiélio

Andrália

We propose to account for this pattern with the following constraint:

(29) *[Vhigh].V

A high vowel head position of the foot may not immediately be

followed by another vowel.

The constraint penalizes a stressed high vowel if it is adjacent to a following

vowel. As far as this constraint is concerned a configuration like the one in (30) is ruled

out. This would be the representation of the form pátria ‘homeland’, with stress

incorrectly assigned to the penult syllable *patria.

* Line3

* Line2

(30) * * * Line1

µ µ µ

CV CCV V

p a t r i a

To prevent the creation of representations of this type *[V high].V must be ranked

higher than NO-STRONG-HEAD, because the preferred antepenult stress implies that the

Main-stress constituent has a branching head. The required ranking is motivated in the

tableau in (31).

7 There are quite a few proparoxytonic words in which the first vowel of a word-final VV sequence is a mid-vowel

(variably but frequently pronounced as the corresponding high vowel) mágoa ‘grief’, névoa ‘fog’, aérea ‘air’, áureo

‘golden’, etc. It seems however, that in this case, the tendency to reject the stress in V.V# is much less strong. Our

database did not contain any words ending in {E,O}V. Closer examination of the traditional vocabulary, including the status of (some of) these sequences as a suffix, is necessary to get a clearer picture.

Page 85: Letras & Letras

84

(31) *[V high].V » NO-STRONG-HEAD

pa tri a *V[high] V NO-STR-H

*

*

* (( * *)Ft)MSC

µ µ µ

CV CCV V

pa t r i a

*!

*

* *

((* *)Ft (*)Ft)MSC

µ µ µ

CV CCV V

pa t r i a

*

Forms like pátria have two consonants preceding the high vowel. This is an

important difference with the words we have listed in (28), which have only one

consonant preceding the high vowel. This difference corresponds with a different

pronunciation. Whereas, at a normal rate of speech, a word like Andrália is pronounced

with a final rising diphthong, this is not the case for a word like pátria, in which the

onset preceding the high vowel is complex. These words are more commonly

pronounced with a final hiatus.

If we were to abstract away from the words in which a complex onset precedes the

high vowel in hiatus, it would be possible to provide a different account of the surface

stress in an underlying sequence …VC{i,u}V#, which could be explained as the

consequence of obligatory glide formation of high vowels in hiatus, causing the shift of

the stress to the preceding syllable. However, words like pátria ‘homeland’, bíblia

‘bible’, supérfluo ‘superfluous’, among many others. clearly show that such an analysis

cannot be correct. In these forms, the underlying high vowel is not realized as a glide,

obviously because ternary onsets are ruled out in BP (at least at a normal rate of

speech), but stress nevertheless shifts to the antepenult position. This strongly suggests

that the non-syllabic realization of the underlying high vowel cannot be the cause of the

stress shift8. It is for this reason that we have proposed the constraint *[V high].V in

(29), which must be understood as a specific instance of hiatus avoidance. The general

constraint would be of the form *V.V (cf. Casali 1996), which militates against two

8 See also Wetzels (2007), where arguments are given that characterize post-stress gliding as a postlexical process.

Page 86: Letras & Letras

85

adjacent vowels that both occupy the head position of a syllable. The constraint

*[V high].V, is more stringent in two respects. Firstly, it controls the distribution of high

vowels, and, secondly, it controls the behavior of stressed vowels. These two specific

instances of hiatus avoidance are then amalgamated into the specific instance of hiatus

avoidance we have proposed in (29). Obviously, our given interpretation of the specific

constraint is only possible if the other two, less specific, constraints also exist, in the

grammar of some language. Concretely, we would also predict the existence of

*[Vhigh].V and *V .V. Important though this issue might be, we have to leave it for

further research.

In this section we have analyzed the productive part of the stress system of BP.

Our analysis can be summarized with the constraint hierarchy in (32). The parenthetical

numbers indicate the corresponding tableau in which we motivate the relevant

domination relation.

(32) *[Vhigh].V

(31)

NO-STRONG-HEAD

(24)

PROJECT-µ

(27)

PARSE-Line1

Let us now turn to the unproductive part of the stress system of BP, the subsystem

where lexical idiosyncrasies overrule the default system.

4. Unproductive stress patterns: an analysis

In this section we develop an analysis of the idiosyncratic properties of the BP

stress system. These are the properties forcing the stress of a word to be located on a

syllable not predicted by the constraint grammar proposed in the preceding section. For

the analysis of exceptional stresses, we will proceed from right to left through the word

domain, considering first the rightmost idiosyncratic stress position, and moving

leftwards.

4.1 Stress on a word-final light syllable

Page 87: Letras & Letras

86

One syllable that is beyond the reach of the constraint hierarchy in (32) is a light

syllable in final position. Most words of this type are borrowed from other languages,

mostly indigenous Brazilian languages, but also African languages, English, French,

and others. Here are some examples, of which camelô is a loan from French, canjarê is

probably from African origin, while all the other examples are borrowed from Tupí9.

(33) abacaxi [í] pineapple

urubu [ú] vulture

canjarê [é] voodoo ritual

camelô [ó] street vendor

jacaré [] alligator

igapó [] swampland

maracujá [á] passion fruit

A final light syllable cannot be stressed in the system we have developed so

far, because PARSE-Line1 ensures that a maximally large Main-stress constituent is built

at the right edge, which encompasses two syllables of which the final light syllable

occupies the dependent position in the foot. In order to allow the surfacing of stress on a

word-final light syllable, we must provide words that carry such a stress with the

appropriate lexical marking. A faithfulness constraint (McCarthy and Prince 1995)

ensures that the lexically marked stress is maintained, which must overrule the default

prefinal stress preferred by the constraint set that accounts for the productive system.

The faithfulness constraint we need is formulated in (34).

9 Final stress on an open syllable is indicated in the orthography, where ^ simultaneously marks the upper mid pronunciation of <e, o>. However, final <i, u> do not carry an orthographic stress mark (unless preceded by a vowel: baú ‘trunk’, aí ‘there (with you)’). Indeed, the great majority of words ending with the letters <i, u> have word-final stress, although counterexamples exist: táxi ‘taxi’, ravióli ‘ravioli’, álibi ‘alibi’, júri ‘jury’, cáqui ‘khaki’, etc. Two

considerations seem relevant with regard to the question of how to deal with this part of the stress rule. Traditionally BP nouns, adverbs, and adjectives either end in a consonant or one of the theme vowels /e, o, a/, with few exceptions. The great amount of words ending in stressed /i, u/ that are part of the contemporary BP lexicon were taken from indigenous languages, mostly Tupí. One could wonder whether speakers of BP “feel” these words of indigenous origin as being “different” from the traditional Portuguese vocabulary. Aside from carrying word-final stress, these words have a predominant CV syllable structure and usually refer to toponyms, plants, or animals. A more in depth study of this part of the vocabulary and the way it functions, for example, with regard to the derivational morphology of BP, may point to the existence of a ‘layered’ lexicon, in which case the specific stress behaviour of word-final high

vowels would be part of the ‘Tupí’ layer. Another relevant consideration is that unstressed word-final /e, o/ are raised to /i, u/ in most varieties of BP. Since words ending in <e, o> overwhelmingly carry prefinal stress, word-final unstressed vowel raising would render a rule that assigns stress to word-final /i, u/ opaque. It would also create many exceptions to such a rule to the extent that, for non-alternating word-final /i, u/ from historical /e, o/, the synchronic grammar would set up underlying structures with final high vowels in words that surface with prefinal stress. In our data-base of newly-created words we have found a small number of examples ending in <i, u>, the acronyms CIESI ‘Centro Integrado de Ensino Professora Swely Imbiriba’, encountered in the Yellow Pages of the city of Manaus, OVNI ‘Objeto Voador Não Identificado’, and ONU ‘Organização das Nações Unidas’ which are stressed on the

prefinal syllable. Apparently, ONU is stressed on the final syllable in European Portuguese (cf. Pereira, 2007:70, who also cites IBILI as an acronym with final stress in EP).

Page 88: Letras & Letras

87

(34) MAX-Accent

If a vowel is located in a word’s head position in UR,

it is located in a word’s head position in SR.

This constraint specifies that a vowel which carries the main accent at the

underlying level must also carry the main accent at the surface level. In other words, the

underling accent may not change its position under the pressure of the constraints

accounting for the productive stress patterns. The word urubu, for example, will have a

lexical representation as in (35).

(35) *

u ru bu

It is the task of the faithfulness constraint MAX-Accent to preserve the accent in

the lexically specified position, as in the following surface representation:

* Line3

* Line2

(36) * * * Line1

µ µ µ

V CV CV

u r u b u

The vowel that is in the word’s head position in this representation is also in the

word’s head position at the underlying level. This is in agreement with MAX-Accent. In

order for MAX-Accent to take effect, we have to rank it with respect to all the

constraints that are in conflict with it, one of which is PARSE-Line1, which enforces the

construction of a maximally large Main-stress constituent. In the case of BP this would

lead to a binary foot dominated by a non-branching Main-stress constituent, as we have

shown with the word Imipra in (18). We must therefore rank MAX-Accent above

PARSE-Line1, as is shown with the tableau in (37).

Page 89: Letras & Letras

88

(37) MAX-Accent » PARSE-Line1

*

u ru bu

MAX-Accent PARSE-L1

*

*

* * *

u ((ru bu)Ft)MSC

*!

*

*

*

* * *

u ru ((bu)Ft)MSC

**

The first candidate, which has the bigger Main-stress constituent, incurs a

violation of MAX-Accent. The second candidate has a smaller Main-stress constituent,

which is in conflict with PARSE-L1. Given the ranking we have proposed, the second

candidate will be the optimal candidate.

Another constraint conflicting with MAX-Accent is the requirement on the

maximal foot size. There is general agreement among specialists of prosody that feet in

head position tend to be bimoraic (Hayes 1995, McCarthy and Prince 1993b). Without

wanting to work out the precise formulation of the minimal foot size requirement, it

must be the case that this constraint is relatively low-ranked in the phonological

grammar of BP, which has many words containing a single mora. Examples follow.

(38) pó powder

pá spade

pé foot

fé faith

chá tea

nu naked

Given its relative low position in the constraint ranking of BP, we may safely

assume that MAX-Accent dominates the constraint that defines the minimal foot size.

4.2 Stress on a prefinal syllable followed by a heavy syllable

Another idiosyncratic stress position is the penult syllable in words ending in a

heavy syllable10

. Examples illustrating this pattern are given in (39).

10 Although a number of productive subregularities appear to exist. Among the non-verbs that end in /er/, the nouns

that are derived from verbs carry final stress, as predicted by our analysis (poder ‘power’ (cf. poder ‘to be able’),

parecer ‘review’ (cf. parecer ‘to appear’), saber ‘knowledge’(cf. saber ‘to know’), dever ‘duty’ (cf. dever ‘to

Page 90: Letras & Letras

89

(39) dolar dollar

forum forum

esteril sterile

jovem young

In the system we have developed so far, a penult syllable followed by a final

heavy syllable is not stressable. This is the consequence of the fact that PROJECT-µ

dominates PARSE-Line1. It is more important for a coda consonant to project a position

on Line1 than it is to parse a Line1-constituent in the Main-stress constituent. We have

demonstrated this in the tableau (27).

In order to account for the fact that main-stress does occur on penult syllables

followed by a final heavy syllable, we have to mark the vowel in the relevant position

with an underlying accent. A word like dolar thus has the following structure at the

underlying level.

(40) *

do lar

MAX-Accent requires the vowel of the penult syllable to surface with main-stress.

This, however, conflicts with PROJECT-µ. To see this, consider the representation of this

word at the line2 level.

owe’). Underived words ending in –er either have stress on the final syllable (mulher ‘woman’, sequer ‘even’,

talher ‘flatware’) or on the prefinal syllable (gângster ‘gangster’, cadáver ‘corpse’, caráter ‘character’), with a

statistical preference for prefinal stress. In proper names, however, one exclusively finds prefinal stress Helder,

Wagner, Kleber, Walter, Shuasneguer (Schwarzenegger), Renner, Brenner, Scherer, Sopher, Weber, Peter,

Bohrer, Dreher, Ebenezer, etc. These and other subregularities that exist as part of the BP stress system deserve

further study. Interestingly, BP has two morphemes that are specifically used to form proper names for boys, -son and

–ton, which can be productively added to bases that are used themselves as proper names: Joelson (Joel), Claudison

(Claudio), Cleydson (Cleyde (girl’s name), Elivelton (Elivel)). Since the adjunction of –son/-ton does not alter the

stress pattern of the word that functions as the base, bases with prefinal stress when used without –son/-ton, yield

sequences with antepenult stress when –son or -ton is added. In the case of nouns ending in –er or any other closed syllable, this gives rise to a pattern in which the main stress precedes a prefinal heavy syllable, which is otherwise

disallowed in BP: Kleberson, Vanderson, Erick(i)son. We suppose that names of foreign origin like Anderson,

Thomasson, Jackson, Jefferson, Nelson, Clayton, etc., which one commonly encounters in Brasil, have served as a

model for the Brazilian formations. Clearly, these words require a special formal treatment, which we will not discuss here.

Page 91: Letras & Letras

90

* * Line2

(41) * * * Line1

µ µµ

CVCVC

d o l a r

Both moras of the final syllable project a position on Line1, where they are

grouped into a foot. The underlingly marked position projects to higher lines as well,

because MAX-Accent requires that the word’s head position be located on the syllable

with the underlying accent. Consequently, the branching foot must become a dependent

of the Main-stress constituent, of which the prefinal syllable is the head. We have seen

that such a structure is militated against by NO-STRONG-DEPENDENT. In order to make

the branching foot a dependent in the Main-stress constituent we could think of adding

another line, as in (42) below:

* line 4

* * Line3

* * Line2

(42) * * * Line1

µ µµ

CVCVC

d o l a r

Since the Main-stress constituent must be located on line three, the structure in

(42) is illicit. There is therefore only one possibility to assign main-stress to the syllable

containing the underlyingly marked vowel: the mora in the coda position of the final

syllable should not project a position on Line1. This is shown in the following

representation.

Page 92: Letras & Letras

91

* Line3

* * Line2

(43) * * Line1

µ µµ

CVCVC

d o l a r

In the structure above, the coda of the final mora is represented as a dependent of

the final syllable’s head mora. The branching constituent on Line1 can now be

incorporated in the Main-stress constituent through its intermediate non-branching

mother on Line2, which is a dependent of the Main-stress constituent, in which the head

is located on the syllable containing the underlyingly marked vowel.

It was shown that an underlyingly marked accent on the penult syllable that is

followed by a heavy word-final syllable involves a conflict between MAX-Accent and

PROJECT-µ. In these words the conflict is resolved in favor of MAX-Accent, showing

that MAX-Accent dominates PROJECT-µ. We summarize the argument in the following

tableau:

(44) MAX-Accent » PROJECT-µ

*

do lar

MAX-Accent PROJECT-µ

*

*

* **

do ((lar)Ft)MSC

*!

*

* *

* *

((do)Ft (lar)Ft)MSC

*

4.3 Stress on a prefinal high vowel in hiatus

We have seen in Section 3 that prefinal high vowels in hiatus usually reject the

word stress, as was illustrated with the words in (28). BP has a number of exceptions to

the generalization, some examples of which are given in (45).

(45) terapia therapy

Page 93: Letras & Letras

92

tapua monkey (species)

macio soft

bacia basin

folia revelry

To account for the type of words exemplified above, we have to rank the

constraint MAX-Accent above the constraint *[V high].V. Forms of the type given in

(45) must have an underlying accent on the high vowel. While MAX-Accent preserves

the surface accent in that position, *[V high].V puts the accent on the antepenult

syllable. These constraints therefore conflict, and MAX-Accent must dominate

*[V high].V. We show this in the tableau in (46).

In the first candidate the underlying accent is not realized, in violation of MAX-

Accent. On the other hand, this candidate satisfies *[Vhigh].V, because the stress is

located on the antepenult syllable instead of on the high vowel. In the second candidate

the opposite relation is obtained. Since the second candidate is optimal, the correct

ranking is MAX-Accent » *[V high].V.

4.4 Stress on the antepenult syllable

The system we have developed so far cannot deal with antepenult stress. In our

analysis, this is a consequence of the fact that NO-STRONG-HEAD dominates PARSE-

Line1. We have shown this in the tableaus (18-19). Nevertheless, there are a large

number of words in BP that have stress on the third syllable from the right word-edge,

as exemplified by the words in (47). We have arranged this stress type in four

subclasses, depending on the presence and the position of a heavy syllable (in (47) H

stands for a heavy syllable, whereas L indicates a light syllable).

(46) MAX-Accent »

*[Vhigh]V *

tapua

MAX-Accent *[V high]V

*

* *

* * *

((ta pu)Ft(a)Ft)MSC

*!

*

*

* * *

ta ((pu a)Ft)MSC

*

Page 94: Letras & Letras

93

(47) a) L L L ## (words that end in three light syllables)

abóbora pumpkin

música music

sábado Saturday

b) L L H ## (words that end in two light syllables followed by a heavy

syllable)

cócegas tickle

ônibus bus

Lúcifer Lucifer

c) H L L ## (words that end in a heavy syllable followed by two light syllables)

helicóptero helicopter

lámpada lamp

árvore tree

d) H L H ## (words that end in a sequence of three syllables the first and

last of which are heavy)

bérberis barberry

ínterim interim

Hércules Hercules

All these words are lexically specified with an accent on the antepenult vowel.

The form abóbora, for instance, has the following underlying accent specification:

(48) *

abobora

This accent is subject to the constraint MAX-Accent. It must therefore become the

main accent of the word. In order for an underlying accent in antepenult position to

become the main-stress of the word the following representation must be created:

Page 95: Letras & Letras

94

* Line3

* * Line2

(49) * * * * Line1

µ µ µ µ

V CV CV CV

a b o b o r a

In this representation MAX-Accent is satisfied. However, the constraint which

disfavors antepenult stress, NO-STRONG-HEAD, is not, because both the Main-stress

constituent and its immediate head are branching. We must therefore rank MAX-Accent

above NO-STRONG-HEAD. The argument is made explicit in the tableau in (50).

(50) MAX-Accent » NO-STRONG-HEAD

*

abobora

MAX-Accent NO-STR-H

*

*

* * * *

a bo ((bo ra)Ft)MSC

*!

*

* *

* * * *

a ((bo bo)Ft (ra)Ft))MSC

*

The words in the other three sets confirm our claim that MAX-Accent dominates

PROJECT-µ. Words of the type given in the second set, where only the final syllable is

heavy, are very much like words where the underlying stress is located on the vowel in

the penult syllable. We have seen that in words like dólar the word-final (consonantal)

mora cannot project a position on Line1. If it did, the word-final heavy syllable would

reach all the way to Line3, as a consequence of which it could not be integrated as a

dependent of the Main-stress constituent on Line3 (see the representation in (42) and

compare it to the one in (43)). A word like cócegas has the representation in (51).

Page 96: Letras & Letras

95

* Line3

* * Line2

(51) * * * Line1

µ µ µ µ

CV CV CVC

c o c e g a s

The words in the other two sets further confirm our claim that MAX-Accent

dominates PROJECT-µ. Consider the words with an underlying accent on the vowel in

the antepenult syllable where the antepenult is heavy. The mora in the coda of the

antepenult syllable cannot project a position on Line1. If it did, it would become

impossible to integrate the syllables following the antepenult heavy syllable into the

Main-stress constituent. This is because the last two syllables form a branching foot. We

show this with the representation in (52):

* * Line3

* * Line2

(52) * * * * Line1

µ µ µ µ

CVC CV CV

l a m p a d a

This problem disappears if the second mora of the antepenult syllable does not

project a position on Line1. In (53) we provide the correct representation of lampada.

* Line3

* * Line2

(53) * * * Line1

µ µ µ µ

CVC CV CV

Page 97: Letras & Letras

96

l a mp a d a

Let us finally turn to the words exemplified in set (47d). In order for the main-

stress to be located in antepenult position, the consonantal mora cannot be projected

onto Line1. We show this with the representation of ínterim.

* Line3

* * Line2

(54) * * * Line1

µ µ µ µ µ

VC CV CVC

i n t e rim

It is important to see that the four word-types we have distinguished in (47a-d) all

share the structure given in (55).

* Line3

* * Line2

(55) * * * Line1

The importance of the structure in (55), which is the only one possibility to

account for antepenult stress in our grammar, becomes relevant when we turn to a class

of proparoxytonic words which is conspicuously absent in BP, which is the one with a

heavy syllable in penult position11

. Interestingly, in the system that we have proposed, it

is impossible for the stress to be on the antepenult if the penult is heavy. This is because

a branching penult can only be integrated into a constituent of which the antepenult is

the head, if a higher-level non-branching constituent is built over it. This is necessary in

order to evade the effects of NO-STRONG-DEPENDENT. However, this additional

constituent makes it impossible to construct a Main-stress constituent on Line3, in

which the underlyingly marked vowel corresponds with the word’s head and which is

11 One oft-cited counterexample is pênalti, borrowed from English ‘penalty’. Observe that in this word

final /i/ can be analyzed as the result of epenthesis. Several other examples exist, which lead a solitary

live in dictionaries, and which are not part of the linguistic input of the average BP speaker, such as

cóferdã ‘cofferdam’, mentioned in the Aurélio Dictionary (1986), with more than 100.000 entries, but not,

for example, in the Exitus dictionary by Houaiss and Every (1981), with over 60.000 entries. Others are

morphologically complex, some of which were discussed in footnote 10.

Page 98: Letras & Letras

97

also aligned with the right word edge. In other words, the Main-stress constituent cannot

satisfy MAX-Accent, while simultaneously being aligned with the right edge, without

become ternary branching or allowing a branching structure in a dependent position.

Let us consider how a proparoxytonic word with a heavy syllable in penult

position could be represented. Two representations come to mind. In both

representations the mora in the coda does not project a position on Line1 in order to

ensure the construction of the maximal Main-stress constituent. As it turns out, if the

penult is heavy, it is not possible to build a Main-stress constituent that contains the

antepenult syllable and which is aligned with the right word edge, as part of a structure

that respects the well-formedness conditions as embodied by the partial prosodic

structure in (55).

* Line3 * *

* * * Line2 * *

(56) a) * * * Line1 b) * * *

µ µ µ µ µ µ µ µ

CV CVC CV CV CVC CV

In the representation (56a) the heavy penult is incorporated in a constituent that

also contains the syllable to its left. Due to NO-STRONG-DEPENDENT, this is only

possible if a non-branching foot is built over the heavy penult. Accordingly, a

constituent dominating the antepenult and the penult is constructed on Line3, which is

not aligned with the right word edge as is required by the undominated constraint

ALIGN(PrWd,R,Const-Line3,R). In the representation in (56b) the heavy penult forms a

foot with the syllable on its right. Obviously, this foot branches. Therefore, in order to

evade the effects of NO-STRONG-DEPENDENT, it can only form a constituent with a

preceding head if a non-branching constituent is built over it. Since line3 is the ceiling

for the word-level prosody, there is no level available for building a constituent of

which the antepenult is the head. The representation in (56b) violates MAX-Accent,

because the syllable containing the vowel that is underlyingly marked for accent is not

the head of the word.

We conclude that words with an antepenult accent preceding a heavy penult are

disallowed by our grammar. Either they violate the undominated Align constraint or

they violate MAX-Accent. We believe that this is an interesting result, particularly

because in words with antepenult stress heavy syllables are possible as long as they do

not occur prefinally. The important property of a heavy syllable in the penult position is

that the additional, non-branching constituent that must be built over it to evade NO-

STRONG-DEPENDENT makes it impossible for the Main-stress constituent to

Page 99: Letras & Letras

98

simultaneously satisfy MAX-Accent and alignment. This problem does not arise for the

heavy syllables in the antepenult and final positions, provided the codaic mora does not

project a position on Line1.

Apart from the positions we have surveyed so far there are no other positions

where an underlying accent can surface. There is no way that an underlying accent can

survive further to the left than the last three syllables of the word, at least not in

morphologically simple words of the type under consideration here. BP is one of the

languages where the “three syllable window” holds (Hyde 2001). In principle the

language has “free accent”, but only in the domain of the last three syllables of the

word. How can we express this generalization in our system? Suppose we would have a

form with an underlying accent in the preantepenult syllable. Schematically it would

look as follows at the underlying level:

(57) *

CV CV CV CV

To express the fact that the underlying accent cannot surface if it originates in the

preantepenult position we have to rely again on the distinction between the two types of

mora projection. A mora in head position has a stronger propensity to project than a

mora in the coda of a heavy syllable. In the discussion of the representation of the form

Imipra, we have already seen that it is necessary to make a distinction between two

constraints that are in a stringency relation: PROJECT-µ(Head) and PROJECT-µ. We have

argued that MAX-Accent dominates PROJECT-µ. We now add that the restricted version

of mora projection, PROJECT-µ(Head), is ranked higher than MAX-Accent. With this

ranking it is impossible for an underlying accent that originates to the left of the three

syllable window to survive in the word’s head position. The reason is that there is just

too much structure to the right of the underlying accent. There will always be a

branching constituent to the right of the underlying accent, necessitating an additional

non-branching constituent to escape from the effects of NO-STRONG-DEPENDENT.

Consequently it will be impossible to create a Main-stress constituent on Line3. We

demonstrate this in (58).

* * Line3

* * Line2

(58) * * * * Line1

µ µ µ µ

CV CV CV CV

Page 100: Letras & Letras

99

At the right side there is branching foot. This can only be incorporated as a

dependent in the Main-stress constituent if it is dominated by a non-branching

constituent. This is necessary to escape from the effects of NO-STRONG-DEPENDENT.

However, this non-branching constituent is located on Line3. In order to incorporate the

non-branching constituent as a dependent in the Main-stress constituent, where the

underlying accent is the head, a constituent must be built on a line which supercedes

Line3. In other words, it is impossible to construct a Main-stress constituent where an

underlying accent originating in the preantepenult syllable is the word’s head. Such a

Main-stress constituent can never reach the final edge of the word.

The argument that PROJECT-µ(Head) dominates MAX-Accent is made explicit in

the tableau in (59). In the first candidate the mora of the second syllable does not project

a position on Line1, violating PROJECT-µ(Head). A Main-stress constituent can now be

built in which the underlying accent is the head, and which is still big enough to reach

the final edge of the word. In the second candidate all head moras are projected. It is

now no longer possible to build a Main-stress constituent where the underlying accent is

the head, and which also reaches the final edge of the word. This candidate violates

MAX-Accent. Since PROJECT-µ(Head) dominates MAX-Accent, the second candidate is

optimal.

(59) PROJECT-µ(Head) » MAX-Accent

*

CV CV CV CV

PROJECT-µ(Head) MAX-Accent

*

*

* * *

((CV CV CV)Ft (CV)Ft)) MSC

*!

*

* *

* * * *

CV ((CV CV)Ft (CV)Ft)) MSC

*

In this section we have developed an analysis of the unproductive part of the BP

stress system. We have suggested that BP basically has a free accent system, in which

certain positions are marked with an underlying accent. However, an underlying accent

can only surface within the domain of the three syllable window. Furthermore, within

the three syllable window it can never appear in antepenult position if the penult is

heavy. The constraint system we have argued for is presented in (60).

(60) PROJECT-µ(Head)

(58)

Page 101: Letras & Letras

100

MAX-Accent

(46)

*[Vhigh].V

(31)

NO-STRONG-HEAD

(24)

PROJECT-µ

(27)

PARSE-Line1

Conclusion

In this paper we have provided an analysis of main stress assignment in non-verbs

departing from the assumption that, in this part of the BP lexicon, stress is quantity

sensitive. Based on the native speakers treatment of newly created vocabulary, we have

been able to distinguish productive from unproductive stress patterns. We have then

proposed an analysis of the productive patterns. We have subsequently shown how the

grammar that accounts for the unmarked stresses must be adapted to account for the

unproductive patterns in such a way that, within a sequence containing the last three

syllables of the word, idiosyncratic stress may overrule the productive weight-sensitive

patterns, which are limited to the last two syllables. Within the three syllable window

there is one environment in which an underlying accent in antepenult position cannot

surface: when the penult syllable is heavy, quantity sensitivity overrules an underlying

accent on the antepenult syllable. Beyond the three syllable window an underlying

accent has no chance to surface.

On the theoretical level we have interpreted the three syllable window as a left-

dominant Main-stress constituent, which must be aligned with the right edge of the

word. Universal conditions on branching structure restrict the maximal size of the Main-

stress constituent to three syllables. At least in BP, there is no mora-extrametricality or

Non-finality.

Let us finish with the observation that, even though, in our view, there exists a

default main stress location for BP words, stress attribution clearly is a lexical

phenomenon. The regularities we have found account for default stresses in non-derived

words. Numerous exceptions to the unmarked patterns exist in this class, as we have

seen. Moreover, the proposed generalizations are only valid for non-verbal lexical

categories, with verbs having their own system of main stress distribution (see for

instance, Lee (2007), Wetzels (2007)). Furthermore, morphology creates exceptions of

the kind that exists in the non-derived vocabulary: for example, final stresses in open

syllables are created in hypocoristic reduplication or truncation, prefinal stress in words

with a final heavy syllable are created by pre-accenting suffixes that represent heavy

syllables, proparoxytonic stresses are the result of the suffixation of accentless

Page 102: Letras & Letras

101

dissyllabic suffixes, proparoxytonic suffixes, or neoclassical compounding and there are

even suffixes that create antepenult stress in words with a prefinal heavy syllable, as

discussed in footnote 10. Finally, postlexical vowel epenthesis creates stresses outside

of the three-syllable window. Nevertheless, complex as it is, the stress system of BP as a

whole must be considered part of the adult speakers’ linguistic competence for the

simple reason that BP speakers do not deviate in how they assign main word stress, in

verbs or in non-verbs, where new vocabulary follows the patterns that for derived words

are predicted by the morphology and for non-derived words by a strong frequency-

based preference, as we have shown in this paper.

FALTA TÍTULO EM PORTUGUÊS: Padrões produtivos e não produtivos

de acento no Português Brasileiro

RESUMO

Neste artigo, propomos uma análise baseada em restrições acerca da localização do

acento primário dos não-verbos no Português Brasileiro (PB), partindo da ideia de que o

acento é sensível ao peso nestas palavras. Tomando como base o tratamento dado pelos

falantes nativos às novas palavras inseridas no vocabulário da língua, consideramos

separadamente padrões produtivos e não produtivos de acento. No PB, o acento

primário respeita a janela de três sílabas, interpretado no nível teórico como o

constituinte do acento primário de domínio à esquerda, sempre alinhado com a borda

direita da palavra. Condições universais sobre estrutura de ramificação restringem o

tamanho máximo do constituinte do acento primário a três sílabas. Com esta proposta,

não há necessidade de se fazer referência à extrametricidade da mora nem à não

finalidade (non-finality), pelo menos no PB.

PALAVRAS-CHAVE

Acento produtivo, acento não produtivo, sensibilidade ao peso, Português Brasileiro

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Page 105: Letras & Letras

104

CONDICIONAMENTO MORFOLÓGICO EM FENÔMENOS FONOLÓGICOS

VARIÁVEIS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Luiz Carlos SCHWINDT

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo Neste trabalho, retoma-se uma pergunta clássica em linguística: processos fonológicos

variáveis podem acessar informações lexicais? Perseguindo a hipótese neogramática,

segundo a qual regras fonológicas não estão sujeitas a condicionamento lexical,

empreendemos um reexame quantitativo de três análises em que fatores morfológicos se

mostraram como supostos condicionadores de variação fonológica: harmonia vocálica

(ex. perigo ~ pirigo), cf. Schwindt (1995), redução da nasalidade de ditongos finais

átonos (ex. viagem ~ viagi), cf. Schwindt e Bopp da Silva (2010), e vocalização da

lateral pós-vocálica (ex. maldade ~ mawdade), cf. Collischonn e Quednau (2010). Os

resultados apurados sugeriram a revisão da hipótese de acesso lexical por esses

processos, sobretudo no que diz respeito à estrutura interna de palavras.

Palavras-chave

morfologia; fonologia; variação; hipótese neogramática; arquitetura da gramática

1. Introdução

As teorias linguísticas formalistas estabeleceram uma distinção entre fenômenos

de natureza categórica e fenômenos de natureza variável. Apenas fenômenos

categóricos diziam respeito à língua (na concepção saussuriana) ou à competência (na

concepção chomskiana), ficando a variação relegada à fala ou à performance,

respectivamente.

Nos modelos formalistas modulares/derivacionais, assumiu-se uma configuração

unidirecional de gramática, conforme (1), de tal modo que cada componente era

alimentado pelo componente precedente, sem, em princípio, retornar ao componente

anterior para buscar qualquer tipo de informação.

(1) Arquitetura da Gramática

Léxico/Morfologia/Fonologia (?)1

Sintaxe

1 Os primeiros modelos gerativos ignoraram a existência de um componente morfológico na gramática.

Essa ideia só ganhou corpo a partir da hipótese lexicalista (Chomsky, 1970). Também a ideia de uma

fonologia pré-sintática surgiu mais tarde: a partir da hipótese da Fonologia e Morfologia Lexicais

(Kiparsky, 1982; Mohanan, 1982).

Page 106: Letras & Letras

105

Forma Fonética Forma Lógica

No que respeita à mudança sonora, assumindo a visão neogramática, segundo a

qual a mudança afeta gradualmente os sons e atinge o léxico de forma abrupta, as

propostas teóricas de base gerativa relegaram fenômenos variáveis à superfície dos

modelos, isto é, a um lugar onde não mais se previa acesso à morfologia.

Os estudos variacionistas, porém, encararam a heterogeneidade como propriedade

do sistema (cf. Weinreich; Labov; Herzog, 2006[1968]). Isso motivou a inclusão de

variáveis morfológicas em grande parte das análises. Tais variáveis podem ser de

diferentes naturezas: morfemas específicos caracterizando alvos ou gatilhos de

processos, classes de palavras mais suscetíveis a determinados processos ou mesmo

itens lexicais mais ou menos frequentes (cf. Coetzee, 2008).

Neste artigo, objetivamos contribuir para a discussão acerca da influência da

morfologia sobre fenômenos fonológicos variáveis. A primeira pergunta que se coloca é

fatores morfológicos podem de fato atuar como motivadores de variação? Se a resposta

for afirmativa, uma outra pergunta surge: que tipo de fator morfológico pode exercer

essa influência (morfemas específicos, classe de palavra, item lexical – ou, ainda,

frequência de uso)? ou algum desses tipos influencia mais? em que ordem?

A resposta a essas perguntas pode dizer sobre a arquitetura da gramática: (i) se

modular ou não-modular; (ii) se concebendo separação entre léxico / morfologia /

fonologia; (iii) se concebendo uma morfologia pré ou pós-sintática.

No intuito de reabrir essa velha discussão, começamos pela tentativa de responder

parcialmente à segunda pergunta. Procedemos, então, a um levantamento de análises em

que condicionadores morfológicos foram considerados relevantes.

Realizamos, numa primeira etapa, um levantamento qualitativo em 17 trabalhos

sobre diversos fenômenos fonológicos variáveis em português brasileiro e, considerando

seus resultados relativos à motivação morfológica, chegamos à seguinte escala de

acessibilidade da morfologia à variação.

(2) Escala de acessibilidade à morfologia por fenômenos fonológicos variáveis

(QUADROS & BARBA, 2009).

tipo de afixo > afixos específicos > posição > classe de palavra

Essa escala, paradoxalmente, coloca o acesso à estrutura mais interna da palavra

acima de classe – o que vem de encontro, em princípio, aos modelos que consideram

um desenho de gramática semelhante ao apresentado em (1). Esse paradoxo motivou a

etapa seguinte da pesquisa, em que se observamos com maior acurácia variáveis

envolvidas em três entre os estudos referidos, todos relativos a dialetos falados na região

sul do Brasil:

(i) harmonia vocálica – HV (ex. menino ~ m[i]nino), dados de Schwindt (1995);

(ii) redução da nasalidade de ditongos finais átonos – RN (ex. ontem ~ ont[i]),

dados de Schwindt & Bopp da Silva (2010);

(iii) vocalização da lateral pós-vocálica – VL (ex. terrível ~ teríve[w]), dados de

Page 107: Letras & Letras

106

Collischonn & Quednau (2010).2

O objetivo, nessa fase da pesquisa, foi problematizar a validade dos fatores

morfológicos empregados nessas análises enquanto reais motivadores da variação.

Nas seções 2, 3 e 4, a seguir, apresentamos os resultados alcançados na reanálise

de cada um desses fenômenos, na ordem em que os apresentamos acima; na seção 4,

procuramos retomar as questões que apresentamos nessa introdução a partir dessas

reanálises.

2. Harmonia vocálica

Em Schwindt (1995), constatou-se, à semelhança de Bisol (1981), que HV tem

maior aplicação quando o gatilho do processo – a vogal alta – encontra-se em

terminações verbais (ex. d[u]rmi) ou dentro da raiz (ex. p[i]rigoso) do que em sufixos

nominais.

(3) Contexto morfológico do gatilho da HV (Schwindt,1995)

Fatores /e/ /o/

Posição do gatilho % Ocorrências % Ocorrências

Sufixos verbais (seguir) 48 314/654 52 174/337

Dentro da raiz (menino) 36 769/2110 36 579/1600

Sufixos nominais

(modernice)

26 57/221 13 24/183

Total 38 1140/2985 37 777/2120

Por outro lado, os estudos são unânimes em afirmar que se o gatilho de HV for

contíguo à sílaba afetada, o processo tem maior força de aplicação. Essa força aumenta

ainda mais se esse gatilho for tônico. Os efeitos separados de contiguidade e

tonicidade, respectivamente, estão demonstrados nos gráficos apresentados em (4).

(4) Gráficos HV – contiguidade e tonicidade

2 Esta reanálise foi realizada com a importante contribuição das bolsistas de iniciação científica Camila Witt Ulrich (CNPq) e Thiely Andressa Schwingel (PIBIC-CNPq).

Page 108: Letras & Letras

107

Diante dessa constatação, reanalisamos os dados, a fim de explorar a hipótese de

que a influência da HV viria, a rigor, da contiguidade e da tonicidade das vogais

envolvidas e não do locus morfológico dessas vogais. A suspeita se baseia nas

seguintes regularidades: (i) no caso dos verbos, na maior parte dos sufixos envolvidos,

a vogal alta em questão é uma vogal temática, que, na maioria dos casos, é tônica; (ii)

no caso da raiz, há grandes chances de a vogal alta envolvida ser contígua à sílaba

afetada pelo processo, o que poderia ser um efeito muito mais de localidade fonológica

do que de localidade morfológica.

Para verificar isso, recodificamos os dados, separando todos os sufixos

envolvidos, e cruzamos esses resultados com as variáveis contiguidade e tonicidade.

Considerando os resultados obtidos para o alvo [e], observados os diversos

potenciais condicionadores morfológicos, o cruzamento apontou para 60% de

aplicação em contextos de vogal temática verbal contígua (ex. si.gui.ríamos) e 57% em

contextos de vogal temática tônica (ex. si.guimos). Combinando-se, evidentemente,

muitas vezes, essas duas propriedades no mesmo contexto.3

Em relação à aplicação com gatilho presente dentro da raiz, o cruzamento

apontou para 41% de vogal-gatilho contígua (ex. mininada) e 48% de tônica (ex.

minin+o). Aqui, também, propriedades muitas vezes combinadas.

No que concerne aos sufixos nominais, observou-se aplicação muito baixa: em

torno de 8% para vogal-gatilho contígua (ex. vilhice) e 5% para vogal-gatilho tônica

(ex. (ex. mudernidade). Constatou-se, ainda, certa resistência de aplicação com sufixos

que são PWs independentes, como inho e zinho (ex. corzinha; não curzinha),

confirmando a hipótese de que HV é um processo do domínio da palavra prosódica,

isto é, que não se aplica se alvo e gatilho estiverem em palavras independentes.

Como pudemos ver, a julgar pelos dados aqui reexaminados, não se pode falar

em qualquer evidência de acesso à morfologia interna da palavra por parte do processo

de harmonia vocálica variável, podendo seu condicionamento explicar-se na base de

restrições fonológicas, envolvendo contiguidade, tonicidade e, possivelmente,

homorganicidade de alvo e gatilho.

3. Redução da nasalidade de ditongos finais átonos

Em Schwindt & Bopp da Silva (2010), à semelhança de Battisti (2002),

3 Restringimo-nos, neste ponto da exposição, aos dados do alvo [e], já que é ali que se acha a maioria dos verbos de

terceira conjugação envolvidos na HV. O principal papel da variável homorganicidade de alvo e gatilho (se pares de anteriores ou pares de posteriores), aliás, está nesse âmbito.

Page 109: Letras & Letras

108

verificou-se que a redução da nasalidade em ditongos finais átonos é preponderante em

vocábulos terminados pelo sufixo -(a)gem4 e bastante reduzida em terminações verbais.

A tabela em (5) traz esses resultados.

(5) Contexto morfológico do alvo de RN (Schwindt & Bopp da Silva, 2010)

Fatores PR % Ocorrências

Nomes em -(a)gem (camaradagem) 0,81 68 119/174

Nomes (homem)5 0,71 53 347/652

Verbos (compraram) 0,48 32 2678/8487

Total 34 3144/9313

Para explicar a alta aplicação com o sufixo –(a)gem, entre outros argumentos,

aventa-se a hipótese de reanálise da forma subjacente do sufixo, ou mesmo a de

alomorfia, isto é, o léxico já poderia ter muitas das palavras portuguesas já

configuradas com a terminação (a)gi em lugar de (a)gem (ex. bobagi em vez de

bobagem) em seu inventário, ou mesmo operar com dois sufixos alternantes, -(a)gem e

-(a)gi.

A explicação/hipótese para a baixa aplicação em verbos é bastante morfológica:

terminações verbais, por carregarem informação flexional, seriam mais resistentes a

apagamentos.

Mais uma vez suspeitando do condicionamento morfológico apriorístico,

decidimos perseguir a hipótese de influência puramente fonológica (assimilatória ou

fonotática).

Como a análise original da qual nos valemos contava com uma classificação

muito ampla dos tipos de consoantes que podiam preceder o alvo da RN, optamos por

recodificar esses dados, de forma a explorar com maior detalhe nossa hipótese.

4 Grafamos, aqui, a vogal inicial do sufixo -(a)gem entre parênteses, por não ser nosso objetivo discutir o

status dessa vogal – se parte do sufixo, se elemento de ligação. Nosso intuito é apenas comparar o

comportamento da terminação gem desse sufixo com a terminação equivalente da raiz sobre o fenômeno

em questão e suas implicações fonológicas. 5 É no grupo 'nomes' que se encontra a maior incidência de palavras repetidas (como homem, viagem

etc.), o que pode estar sugerindo uma reanálise de natureza lexical neste caso.

Page 110: Letras & Letras

109

(6) Ponto da consoante precedente para RN em nomes

Esse resultado nos impôs um cruzamento com as categorias morfológicas

apontadas na análise original.

De acordo com o cruzamento realizado, considerando a consoante precedente,

observou-se que, nos nomes, a aplicação está concentrada em contextos de palatais

(onde se localiza preponderantemente o sufixo –(a)gem) e em contexto de nasal (dada a

recorrência da palavra homem).

Em relação a –(a)gem, apenas para ratificar essa ideia, o que se viu foi que,

independentemente de se tratar de um sufixo (pilantragem) ou de parte da raiz

(viagem), a aplicação se equipara. É o que mostra o gráfico em (7).

(7) Comparação entre o peso para RN em nomes com gem na raiz e –(a)gem no sufixo

No que respeita aos verbos, o que se observa é uma distribuição mais ou menos

equânime entre os diversos contextos, como mostra o gráfico em (8).

Page 111: Letras & Letras

110

(8) Consoante precedente na RN em verbos

Considerando o equilíbrio de aplicação nos diversos contextos fonológicos

precedendo ditongos nasais em terminações verbais, não parece ser possível sustentar a

tese de influência puramente fonológica nesse caso.

Assumida a constatação de que o processo evita verbos, diversos testes foram

empreendidos (cf. Schwindt, Bopp da Silva e Quadros, 2012) com o objetivo de

verificar se havia, então, diferença de aplicação de RN entre as diversas formas verbais

flexionadas terminadas em ditongo nasal. Esses testes conseguiram mostrar

maximamente alguma diferença entre o perfeito do indicativo e o imperfeito do

subjuntivo, de um lado, e as demais formas verbais envolvendo ditongo nasal final, de

outro. A explicação para a maior aplicação no perfeito do indicativo poderia estar no

fato de que este é o único tempo em que a nasalidade não carrega sozinha a informação

flexional, já que, mesmo após a redução, preserva-se parte do sufixo (a terminação ram

em geral se converte em ru, como em cantaram ~ cantaru); para o imperfeito do

subjuntivo, todavia, a motivação não restou evidente.

Em suma, diferentemente de HV, RN sugere algum acesso à informação de

caráter lexical/morfológico. Esse acesso, sobretudo, diz respeito à distinção entre

categorias (rótulos) gramaticais, isto é, à distinção entre verbos e não-verbos, ou, ainda,

à distinção entre palavras flexionadas e não-flexionadas. Não se encontrou, porém,

evidência robusta que sustentasse acesso do fenômeno à estrutura interna da palavra

propriamente dita. O reexame da terminação gem mostrou tratar-se de fenômeno

influenciado, em especial, pela presença de uma consoante palatal precedendo o

ditongo; a análise dos tempos verbais em separado, especialmente pela aplicação, ainda

que apenas timidamente favorável, no imperfeito do subjuntivo, não permitiu assegurar

a hipótese de preservação de morfemas constituídos de apenas um som.6

4. Vocalização da lateral pós-vocálica

6 A ideia de que morfemas constituídos de apenas um som (ex. m em come+m) são mais preservados de apagamento do que morfemas constituídos de mais segmentos (ex. ram em come+ram) parece muito bem motivada em linguística. O acesso à morfologia, porém, que essa 'proteção' sugere pode ser de natureza diferente daquele em que se concebe que um processo fonológico variável olha para os colchetes internos da palavra (como alvo na raiz,

gatilho no sufixo etc.) ou ainda daquele em que se distinguem diversos tipos de um mesmo morfema (...aplica-se mais se o gatilho for o sufixo X ou Y etc.).

Page 112: Letras & Letras

111

Collischonn & Quednau (2010) observaram que o fenômeno de VL é mais

frequente quando a sílaba-alvo do processo se encontra em final de palavra do que

quando se encontra no meio da palavra. O processo tem também alta aplicação quando

se dá na fronteira interna de um composto.

(9) Posição do segmento-alvo na VL (Collischonn & Quednau, 2010)

Fatores PR % Ocorrências

Interior da palavra morfema (fatalmente) 0,39 57 263/461

Interior da palavra raiz (alguma) 0,41 60 1403/2329

Final de palavra na raiz (catedral) 0,57 57 1609/2811

Final de palavra em sufixo (razoável) 0,59 74 620/836

Fronteira interna de composto (papel higiênico) 0,73 65 112/171

Total 61 4007/6608

Esse resultado relativo à preferência pelo alvo na posição final da palavra, apesar

de não referendar a hipótese de influência da morfologia sobre o fenômeno, já que não

houve diferença significativa para a oposição raiz/sufixo, exige que se explique o

privilégio da sílaba final sobre a medial como domínio do processo.

Em nosso exercício de reanálise, num primeiro momento, separamos cada um

dos sufixos envolvidos no processo (-vel, -il, -al), a fim de verificar se algum desses

morfemas tinha comportamento especial.

Os resultados exigiram, de partida, algumas amalgamações, uma vez que alguns

contextos tiveram aplicação categórica ou nenhuma aplicação do processo. Todas as

combinações apontaram para o binômio interior de palavra, com baixa aplicação,

versus fronteira de palavra, com alta aplicação.

Nossa conclusão é de que VL é um fenômeno do domínio da sílaba, mas que

deve ser circunscrito ao contexto de fronteira de palavra fonológica. É isso que

confirma, inclusive, o único resultado de meio de palavra com valor acima de 0,50: o do

sufixo –vel, que, na totalidade dos dados vem seguido por –mente, um sufixo com

possível status de palavra independente em português. Isso pode ser observado no

gráfico apresentado em (10).

Page 113: Letras & Letras

112

(10) Papel do contexto morfológico de VL reanalisado

Decidimos, ainda, cruzar este grupo com a variável acento, considerando que

Collischonn & Quednau (2010) observaram maior aplicação do processo em sílabas

pretônicas e tônicas e aplicação mais baixa em postônicas e monossílabos – estes

independentemente da tonicidade.7 Esse resultado poderia parecer estranho,

considerando a preferência de aplicação do processo na fronteira da palavra fonológica

– que, em geral, coincide com uma posição postônica. O cruzamento, porém, de acento

com posição / tipo de afixo mostrou grande incidência de sufixos que atraem acento –

ou autoacentuados – em posição final de palavra fonológica, como maternal, juvenil –

ou maternalmente. Formas como esta última, por sua vez, foram, como parece natural,

consideradas pretônicas na análise mencionada, o que justificaria o resultado alcançado

pelas autoras para esses dois padrões de acento. Se, por outro lado, admitirmos que há

duas palavras fonológicas envolvidas aí (maternal e mente), preserva-se a hipótese de

fronteira de palavra e explica-se a aplicação significativa nesse contexto. Também

formas sufixadas opacas, mas que herdaram acento na posição final, como catedral ou

sutil, podem receber esse tratamento.

Considerando esse ponto da reanálise, a pergunta seria: trata-se, então, de

influência da morfologia nesse caso? Em nossa opinião, não. Afixos autoacentuados em

geral conservam este traço fonológico independemente de suas propriedades

morfológicas ou do 'acesso à informação morfológica propriamente dita'.

Resta explicar a baixa aplicação em monossílabos. Uma hipótese seria a de que a

incidência de palavras gramaticais nessa categoria (mal – advérbio, tal – determinante,

etc.) poderia frear o processo. Essa hipótese carece de investigação, contudo, já que

palavras monossilábicas lexicais também estão menos sujeitas a VL. Um caminho a ser

explorado é o de “minimalidade prosódica”, ou seja, talvez uma restrição que milite

pela preservação de traços de palavras curtas tenha algum papel em PB.

7 Problematizando a expectativa de que VL se aplicasse preferencialmente em posições pouco proeminentes, como sói ocorrer em processos de natureza neogramática, Collischonn & Quednau (2010) procuram explicar a baixa

aplicação em sílabas postônicas e monossílabos argumentando serem esses os contextos preferidos de apagamento, o que se sobreporia à semivocalização.

Page 114: Letras & Letras

113

É preciso dizer, por fim, que o resultado encontrado para compostos permite

confirmar a hipótese de favorecimento do processo na borda direita da palavra

fonológica, já que admitimos que cada parte do composto é uma PWd independente.

A reanálise desses dados de VL, como vimos, não licencia a hipótese de

condicionamento morfológico. Não há qualquer evidência segura que permita associar o

processo a classes gramaticais específicas ou mesmo a determinados tipos de morfemas.

Como se afirmou, estamos convencidos de que se trata de um fenômeno silábico que

tem clara preferência pela fronteira de palavras prosódicas. Essa preferência se

sobrepõe, inclusive, à proeminência acentual dessa posição (no caso dos sufixos

autoacentuados). Ademais, há que se registrar que VL não parece ser um fenômeno

caracterizado por grande recorrência de itens lexicais, apesar da grande incidência do

vocábulo pessoal, que ocorre em quase 50% dos contextos de final de palavra terminada

em –al.

Conclusões e perspectivas

Em relação à pergunta inicial - fatores morfológicos podem de fato atuar como

motivadores de variação? -, os dados até aqui analisados, permitem as considerações

que seguem.

O estudo da HV não permite sustentar a hipótese de influência de fatores de

natureza morfológica, já que se chegaria aos mesmos resultados, fazendo uso apenas de

expedientes prosódicos (como contiguidade fonológica de alvo e gatilho e tonicidade

do gatilho). Esse processo figuraria como a autêntica variação nos moldes

neogramáticos e poderia ser tratado como fenômeno de fala. Por outro lado, há ainda

que se explorarem as diferenças entre os resultados encontrados para [e] e para [o].

Muito, porém, já se sabe, deve-se ao fato de que o par e-ir (ex. pedir) é homorgânico

em relação ao avanço-recuo da língua, em oposição a o-ir (ex. dormir). Isso produz

efeitos que podem sugerir, num olhar precipitado, comportamento diferenciado do

sistema verbal em relação ao fenômeno.

No que respeita à RN, a situação é um tanto diversa. Nossa reanálise sugere que o

processo “enxerga” a distinção entre nomes e verbos, sustentando-se a hipótese de

preservação de algum tipo de informação morfológica, ao menos morfossintática: a que

diz respeito à categoria gramatical. Quanto aos colchetes morfológicos internos,

contudo, não se encontraram evidências consistentes que permitissem garantir

transparência de RN nesse sentido.

Sobre a VL, nossa reanálise nos leva a crer que sua principal motivação está na

configuração prosódica: o processo prefere a fronteira de palavra fonológica. Esse

contexto se confunde com posições mais proeminentes fonologicamente meramente

por uma herança acentual, que nada tem a ver com morfologia transparente. Contudo, a

preservação de palavras monossilábicas pode estar indicando que o processo tem

acesso a alguma informação envolvendo morfologia. Esse ponto da análise, porém,

precisa de refinamento.

Poderíamos dizer, então, que esses três fenômenos não licenciam um sim

categórico à pergunta inicial; por outro lado, também não excluem por completo a

possibilidade de algum tipo de influência morfológica em sua ocorrência. Essa

constatação nos direciona para a segunda questão: existindo influência da morfologia

sobre a variação fonológica, que tipo de fator morfológico pode exercê-la?

Page 115: Letras & Letras

114

Essa etapa de nossa pesquisa aponta para o fator categoria gramatical (ou para a

fronteira flexional vs não-flexional) como elemento transparente à variação fonológica.

Esse resultado, salvaguardados detalhes analíticos, em muito se assemelha àquele

encontrado por Guy (1981) para o apagamento de t/d em inglês (que se aplica menos

quando essas consoantes são morfema de passado – missed – e se aplica

consideravelmente em monomorfemas – mist).

No que toca aos modelos teóricos dispostos a lidar com o problema abordado

nesta pesquisa, podemos por ora dizer que esses resultados são menos problemáticos

para a arquitetura em (1) do que os refletidos na escala em (2). Isso porque, apesar de

se esperar que colchetes morfossintáticos sejam apagados antes da interface fonológica,

esses são “mais locais” do que as fronteiras internas das palavras.

Por outro lado, se assumirmos a perspectiva de Kiparsky (1988/1995), podemos

admitir que um tipo de subsistema (nos termos de Labov, 1981) pode se alocar num

nível muito inicial do léxico (nível 1, nos termos da LPM), caracterizando fenômenos

difusionistas. Nesse caso, a motivação morfológica – e, em especial, o acesso à

estrutura mais interna do vocábulo – encontraria sustentação. A questão é dizer que

fenômenos são esses, já que nem toda variação se perfila nesses termos.

Um último aspecto que ainda precisa ser mencionado diz respeito à frequência

lexical. Em outras palavras, acesso à frequência lexical pode ser considerado acesso à

morfologia? Coetzee (2008), em discussão semelhante à travada aqui, defende que sim,

assumindo uma perspectiva analítica baseada em restrições. Essa questão, obviamente,

depende de uma discussão maior, que foge à pretensão deste artigo, mas que é objeto

de nossa investigação, qual seja, a que concerne à arquitetura de gramática: se

contendo léxico (enquanto componente) ou não, e se contendo morfologia combinada

diretamente ao léxico.

SCHWINDT, L. C. MORPHOLOGICAL CONDITIONING IN VARIABLE

PHONOLOGY

Abstract

In this paper, we discuss a classic question in linguistics: can variable phonological

processes access lexical information? Pursuing the neogrammarian hypothesis,

according to which phonological rules are not subject to lexical conditioning, we

revisited three quantitative studies that showed that morphological factors have

influence on the phonological variation: vowel harmony (ex. perigo ~ pirigo), cf.

Schwindt (1995), reduction of nasality in unstressed word-final diphthongs (ex. viagem

~ viagi), cf. Schwindt and Bopp da Silva (2010), and post-vocalic lateral vocalization

(ex. maldade ~ mawdade), cf. Collischonn and Quednau (2010). Our results suggested

the revision of the thesis that these processes have access to the lexical information,

especially in relation to internal word structure.

Keywords

morphology; phonology; variation; neogrammarian hypothesis; architecture of grammar

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117

OPAQUE NASALIZATION IN LUDLINGS AND THE PRECEDENCE

RELATIONS OF REDUPLICATION AND INFIXATION*

Maximiliano GUIMARÃES (Universidade Federal do Paraná)

Formação: PhD

E-mail: [email protected]

Andrew Nevins (University College London)

Formação: PhD

E-mail: [email protected]

Abstract

We examine the pattern of opaque nasalization in two invented language games

(ludlings), as played by volunteers who were native speakers of the dialect of Brazilian

Portuguese spoken in the city of Salvador. One group of speakers showed an opaque

pattern, in which nasalization over-applied in the reduplicative language game Língua

do Pê but under-applied in the infixing language game Língua do Ki. These results have

three consequences: (i) they provide further support for an abstract Multiprecedence-

and-Linearization representation (Raimy, 2000a,b) for reduplication and infixation, such

that infixation starts and ends between two segments that transitively precede each

other, while reduplication does not; (ii) they demonstrate that, for a significant subgroup

of our experimental participants, nasalization in Northeastern Brazilian Portuguese is an

active rule, and not simply a lexicalized pattern; (iii) they provide support for a novel

condition on rule application: the iota-operator of Russell (1905), which imposes a

uniqueness condition on structural descriptions.

Keywords

over/under-application; multiprecedence; nasalization; ludlings; Brazilian Portuguese

1. Nasalization in Brazilian Portuguese

Pretonic nasalization is a shibboleth of Northeastern dialects of Brazilian

Portuguese. Thus, pronunciation of the name of the fruit banana as , rather

than ], is a give-away that the talker is from that region, because talkers from

other regions only nasalize vowels in open syllables when they are stressed. In this

section, we provide an overview of these nasalization processes. One of our goals in this

paper is to use invented language games (ludlings) to investigate the empirical status of

this process and subsequently present a formal model of its application.

1.1 Nasalization Patterns in All Dialects of BP (“Standard BP”)

Nasalization of vowels in stressed syllables exists in all dialects of Brazilian

Portuguese (BP), and can be schematized as in the following rule:

Page 119: Letras & Letras

118

(1) V[+stress] [+nasal] / __C[+nasal]

Importantly, the rule in (2) operates even when the following consonant is

heterosyllabic, as can be seen in the following examples:

(2) Tonic heterosyllabic regressive nasalization in BP:

a: ‘banana’ f: ‘password’

b: ‘spider g: ‘foam’

c: ‘easy chair’ h: ‘fingernail’

d: ‘aroma’ i: ‘horn-honk’

e: ‘antenna’ j: ‘hen’

Nasalization also occurs if the following consononant is tautosyllabic, as in (3).

(3) Tonic tautosyllabic regressive nasalization in BP:

a: ‘samba dance’ b: ‘(female) saint’

c: ‘pigeon’ d: ‘point’

e: ‘time’ f: ‘farm’

g: ‘grave’ h: ‘world’

i: ‘know-how’ j: ‘tamarind’

There is some variation in whether the nasal consonant in the coda of the stressed

syllable in (3) involves a distinct consonantal closure between the nasalized vowel and

the following obstruent. Phonetic studies on Brazilian Portuguese, such as those of

Shosted (2003), have revealed a brief and variable period of closure. The phonetic

situation of fleeting/epenthetic coda nasals is similar to that of other languages with

nasal vowels, such as Hindi, as studied by M. Ohala (1983) and Ohala & Ohala (1991),

and Polish, as studied by Rubach (1977) and Bethin (1995). In terms of the traditional

phonological understanding of BP, structuralist studies such as Mattoso Câmara Jr.

(1970) have proposed that all nasal consonants are deleted in coda position1:

(4) C[+nasal] / __ ]

(5) // [] (by (1)) [] (by (4))

Evidence for the rule in (4) comes not only from the pronunciation of word-

internal coda consonants in BP, but from alternations involving word-final syllables2:

(6) a: [] ‘wool’ b: [] ‘wool maker’

1 Nobiling (1903) was perhaps the first to posit underlying nasal glide elements in coda position. The rule in (4) is

motivated by the fact that all sonorant codas lenite in Brazilian Portuguese. Lateral [l] in onset position alternates

with the glide [w] in codas: [] / [] ‘newspaper/journalist’. The tap [] in onset alternates with the

fricative [] (and its homorganic []) in codas: [floh]/[flo.] ‘flower/flowers’. Other than nasals, laterals, and

rhotics, the only other segments allowed in BP codas are the fricatives // and //, and even these are subject to

deletion/lenition, as can be found in high-frequency words such as mesmo ‘same’, often realized as [me.m]. 2 Lipski (1975: 64) cites evidence for the psychological reality of a coda from illiterate speakers who reduce

/re.zaN.do /‘praying’ to [re.z.n], rather than [re.z.n] or [re.z].

Page 120: Letras & Letras

119

The deletion rule in (4) thus does not apply in cases of resyllabification, as in (6b).

In this respect, the behavior of word-final nasal consonants in BP is reminiscent of

Chomsky & Halle’s (1968) treatment of word-final nasal consonants in English

alternations such as damn [] ~ damnation [], which they analyzed as the

result of a deletion rule applying to the coda nasal in damn but which fails to apply

under resyllabification.

The distribution of nasalized vowels in BP extends beyond (1)-(6), however.

Words with a coda nasal consonant in a non-stressed syllable still yield nasalization of

the preceding vowel, as can be seen in the examples in (7).3

(7) Tautosyllabic regressive nasalization in BP:

a: // [] ‘tambourine’

b: // [] ‘trombone’

c: // [] ‘dentist’

d: // [] ‘depth’

e: // [] ‘waist’

Unlike [] and the examples in (3), the nasalization of the pre-tonic vowels by

a tautosyllabic coda nasal does not fall under the rule in (1). Thus, to maintain the

analysis of all nasalized vowels as the result of a rule of nasalization, (1) needs to be

split into two rules: a heterosyllabic rule of nasalization, applying only in stressed

syllables, and a tautosyllabic rule of nasalization, applying everywhere:

(8) a: V[+stress] _ [+nasal] / __ ] . C[+nasal]

b: V [+nasal] / __ C[+nasal] ]

We will note here that some researchers reject the treatment of vowel nasalization

through two separate, formally similar rules, and prefer instead to analyze the vowels of

[] and [] as underlyingly [+nasal], with the orthography simply reflecting two

different conventions for indicating nasalization: <ã> for word-final [], and <am> for

word-internal []. When we turn to the pattern of nasalization in Northeastern BP

(focusing in particular on the dialect spoken in Salvador, the capital of the state of

Bahia, and the third largest city in Brazil), we will revisit the issue of the formal

complexity of (8) and the question of underlying nasal vowels.

1.2 Nasalization patterns in Salvador BP

In addition to nasalization of stressed vowels by a heterosyllabic following nasal

and nasalization of all vowels by a tautosyllabic coda consonant, Salvador BP has

unstressed vowels undergo nasalization when preceding a heterosyllabic nasal. In (9) we

compare the behavior of unstressed vowels in open syllables in Salvador BP with their

pronunciations elsewhere in Brazil (i.e. “Standard BP”, insofar as such a term represents

an idealization based on the features of the language more commonly used in politics

3 Brazilian Portuguese has a fully productive and predictable rule of vowel reduction, raising post-tonic /o/ to [] and

post-tonic /e/ to [].

Page 121: Letras & Letras

120

and mass-media entertainment). All of the following words have penultimate stress, and

demonstrate pretonic nasalization:4

(9) Orthography Salvador BP Standard BP Gloss

caneta ‘pen’

familia ‘family’

começo ‘beginning’

fonema

‘phoneme’

demora ‘delay’

cenoura ‘carrot’

fumaça

‘smoke’

luneta ‘spyglass’

cinema ‘movie theater’

limite ‘limit’

Salvador BP thus includes a process which may schematized by the following

rule, which may be contrasted with (8a) above, repeated as (11) below:

(10) Salvador pre-tonic nasalization:

V [+nasal] / __ ] . C[+nasal]

(11) Standard BP tonic nasalization:

V[+stress] [+nasal] / __ ] . C[+nasal]

As Salvador BP also contains rules (8a) and (8b), these may all be collapsed:

(12) Salvador nasalization:

V [+nasal] / __ C[+nasal]

The arguments for underlying nasal vowels based on the redundancy of the

structural change in (8a) and (8b) are thus no longer valid for Salvador BP, which only

has the single nasalization rule in (12). However, a potential argument for underlying

nasalized vowels based on the existence of minimal pairs such as (13) remains:

(13) a: [la] <lá> ‘there’ b: [] <sim> ‘yes’

[] <lã> ‘wool’ [si] <se> ‘if’

Notably, minimal pairs such as (13) only exist in word-final position, which led

Mattoso Câmara to propose the deletion rule in (4), which was partially supported by

alternations such as <lã>/<laneiro>. However, such pairs are admittedly few, and the

4 At this point and various subsequent junctures throughout the paper we will mention that this allophonic rule does not apply 100% of the time, and that the pattern here represents an idealization of the actual pattern, which we estimate as highly regular. We venture that this is true of many allophonic rules in many languages, often described in categorical format, such as s-palatalization of codas in Rio de Janeiro BP (which Guy (1981) has shown to be variable), unstressed vowel reduction in BP, and flapping in English, all of which apply stochastically under the general model of variable rules proposed in Cedergren & Sankoff (1974). As the stochastic and almost-but-not-quite

fully consistent nature of the application of these rules is independent of their formal expression, we abstract away from this issue.

Page 122: Letras & Letras

121

possibility that some learners of BP may have lexically specified nasal vowels remains

not only an open analytical option for a description of the language, but also an open

option for the child learning which phonemes are contrastive. Importantly, if the

explanation of (13) is based on underlying [+nasal] vowels, rather than nasalization by

an underlying word-final nasal consonant, then the possibility of contrastive [+nasal]

vowels becomes a potential option for other positions within the word.

The structure of this paper is as follows. In Section 2, we will introduce the two

invented language games that we asked our volunteers to play: Língua do Pê and

Língua do Ki. In Section 3, we will discuss the results of Língua do Pê, in which many

of our volunteers exhibited overapplication of nasalization in reduplicative structures

based on []. We will discuss four possible analyses of the overapplication facts:

(a) underlying [+nasal] specification, (b) Base-Reduplicant Identity as implemented in

Correspondence Theory, (c) two cycles of nasalization, and (d) a Multiprecedence-and-

Linearization structure for reduplication. In Section 4, we discuss the results of Língua

do Ki, in which many of our volunteers exhibited underapplication of nasalization in

infixation structures based on []. We will demonstrate that none of the analyses

in (a)-(c) provide adequate models of the facts, and conclude that underapplication and

overapplication of nasalization in Salvador BP are best handled by an active rule of

nasalization similar to that in (12) above, but with the addition of a novel condition on

rule application that becomes necessary for multiprecedence representations. Section 5

concludes the paper.

2. Língua do Pê and Língua do Ki

In drawing on evidence for phonological representations through observing the

output of invented language games, we follow a rich tradition in the literature, including

Sherzer (1970), Campbell (1980), Vago (1985), and Bagemihl (1995). Our specific

interest here is in reduplicative and infixing language games, which require fundamental

alteration of the basic precedence structure of words submitted to the game, and in so

doing, may disrupt adjacency relations between segments and thereby destroy potential

environments for rule application. We will describe each game in turn, and then

describe our methodology for teaching volunteers the game and subsequently recording

their productions for certain inputs of interest.

2.1. Língua do Pê

Língua do Pê (LdP) is widespread as a children’s language game throughout

Brazil, although many different variants of it exist. The variant we are dealing with

(which is the most popular in Salvador) has an iterative infixing reduplicative pattern: it

adds the syllable -pV(C)- after every syllable, where V(C) is a copy of the vowel and the

coda consonant (if any) of the preceding syllable.

We present an informal characterization in (14):

(14) After each syllable , insert a copy of in which the onset consists of /p/

Page 123: Letras & Letras

122

We will delay a formal characterization of the process yielding LdP until Section

3.4. At this point, it is worth noting that LdP bears a high resemblance to other forms of

iterative infixation found in language games, such as -pV- reduplication in Jerigonza

(played in Colombian Spanish (PIÑEROS, 1999)), -ub- infixation in the North

American English game Ubbi Dubbi (popularized in the 1970s children’s television

show Zoom) and -Vv- reduplication (played in Hungarian (HARRISON; KAUN, 2000).

The default stress pattern for LdP is binary iambic footing, with greater emphasis on the

reduplicative syllable.

In (15), we provide sample inputs and outputs for LdP, indicating the added

syllable by underlining. Note that /p/ replaces the entire onset, and not just the first

member of a complex onset.5

(15) a: ‘ball’

b: mah mah.pah ‘sea’

c: ah.t ah.pah.te.pe ‘art’

d: ‘trail’

e: d ‘truth’

f: ‘boy’

2.2 Língua do Ki

Língua do Ki (LdK) has an iterative infixing pattern: it adds the syllable –ki- after

every syllable. We present an informal characterization in (16):

(16) After each syllable , insert the syllable -ki-

The default stress pattern for LdK is binary iambic footing, with greater emphasis

on the infixed syllable. In (17), we provide sample inputs and outputs for LdP,

indicating the added syllable by underlining.

(17) a: ‘ball’

b: mah mah ‘sea’

c: ah.t ah.t ‘art’

d: ‘trail’

e: d ‘truth’

f: ‘boy’

Língua do Ki does not, to our knowledge, exist already as a language game among

children in Brazil. We invented it for the purposes of contrasting iterative reduplication

with iterative infixation, with the goal of keeping the fixed segmental material simple

and distinct from that of LdP.

2.3 Training and Testing Methodology

5 LdP and LdK’s stress pattern of successive iambic feet makes the final syllable stressed, hence immune from

reduction. This explains why [o] and [e] can show up in the last syllable (rather than [] and []).

Page 124: Letras & Letras

123

We recruited eleven volunteers among undergraduate students from the Federal

University of Bahia, located in Salvador city. Interviewing volunteers one at a time, we

made sure that all of them were native speakers of the local dialect through a pretest of

questions designed to elicit words with pretonic nasal syllables, such as showing them a

picture of a pen and asking what it was, and ensuring that the response was []

and not []; or asking questions such as “What do you call the place you go to

watch movies?” and ensuring that the answer was [] and not [].

We taught each volunteer LdP and LdK in two different sessions, randomizing

which game was taught first. For each game, we first gave the volunteer the explicit rule

for playing the game as formulated in (14) or (16). Then we trained each volunteer on

25 words, increasing in complexity from monosyllabic words to bisyllabic to trisyllabic

words. Finally, we assessed each volunteer’s fluency by asking them to transform entire

phrases into LdP or LdK, such as Feliz natal e um próspero ano novo (‘Merry

Christmas and a Happy New Year’) into Fe.pe.liz.piz na.pa.tal.pal e.pe .p pros.pos.pe.pe.ro.po a.pa.no.po no.po.vo.po or Fe.ki.liz.ki na.ki.tal.ki e.ki .ki.

pros.ki.pe.ki.ro.ki. a.ki.no.ki. no.ki.vo.ki. During this training period, we observed each

volunteer’s fluency in the game and ensured that by the end of the training period they

produced each phrase with a minimal amount of hesitation between each syllable.

Volunteers who were not fluent enough in LdP or LdK after this training period were

dismissed from further participation.

After training each volunteer to the point of fluency in LdP and LdK, we

presented nine test items to be transformed into the game (cf. (18)), intermixed with

nine filler items. The nine test items all contained vowels in open syllables that

immediately preceded a heterosyllabic nasal consonant, such as []. Eight of the

items contained the vowel in question in a pretonic syllable, and one of the items

contained the vowel in question in a stressed syllable. Seven of the nine test items had

/a/ as the vowel of interest, because the effect of nasalization on /a/ also has a

centralizing effect on the height of this vowel, thus making it extremely simple to

perceive in real-time and with the naked ear whether nasalization occurred or not.

(18) a: ‘shirt’ f: ‘camel’

b: ‘cannibal’ g: ‘pannetone bread’

c: ‘family’ h: ‘taxi-meter’

d: ‘window’ i:6 ‘system’

e: ka. ‘caress’

All responses were recorded for further inspection and were checked and

subsequently verified by the first author, a native speaker of the Salvador BP dialect. At

the conclusion of each testing period, we asked our volunteers if they noticed a

predominance of any particular type of word structure in the test items. None reported

having noticed the existence of words with pretonic nasalization.

2.4: Classification of Results into Patterns

6 In Salvador BP, coronal sibilants are palatalized when they precede coronal segments (cf. footnote 8).

Page 125: Letras & Letras

124

Based on their responses for the LdP and LdK versions of the test items, the

informants can be divided into three groups,7 which we call the always-nasalizing, the

never-nasalizing, and the opaque-pattern groups, as shown in (19) and (20).

(19) Always-Nasalizing Never-Nasalizing Opaque-Pattern

a:

b:

c:

d:

e: ka.pa. ka.pa. ka.pa.

f:

g:

h:

i:

(20) Always-Nasalizing Never-Nasalizing Opaque-Pattern

a: b: c: d: e: ka ka ka f: g: h: i:

2.4.1: Always-Nasalizing Subjects

Three of our eleven volunteers consistently retained a nasalized vowel in words in

both LdP and LdK. Thus, given an input word such as [], the transformation

into LdP yielded the result []. This sort of output represents apparent

“overapplication” because the vowel in the initial syllable is nasalized, even though it

does not immediately precede a nasal consonant.

(21) Always-Nasalizers, LdP: a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted nonetheless shows

nasalization.

The volunteers who we group under the Always-Nasalizing pattern exhibited the

7 As mentioned in footnote 2 there is always variable performance in allophonic rules, especially when they are characteristic of a “dialect”. Our grouping here represents careful analysis in which volunteers are only said to “nasalize” or “not nasalize” if they did so more than 77% of the time (e.g. 7 out of the 9 test items). Volunteers who nasalized anywhere above two but below seven of the experimental items for each condition were excluded from study in this article, due to uncertainty on our part on how to analyze their results. There were two such volunteers who we excluded on this basis. We judged these thresholds to be representative enough of a consistent pattern of rule application (which nevertheless may fire with a stochastic pattern of variable rule execution due to social, stylistic,

and individual factors, following the model of Cedergren & Sankoff (1974)). A post-hoc item-analysis of the test stimuli revealed that there was little if any effect of lexical factors on the variable application of nasalization.

Page 126: Letras & Letras

125

following pattern in Língua do Ki: the lexical vowel remained nasalized, but the infix

did not undergo nasalization:

(22) Always-Nasalizers (LdK): a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted shows nasalization, but the

infix which now precedes the nasal consonant does not.

Despite consistently producing a nasalized vowel in pretonic pre-nasal open

syllables such as [], these volunteers were clearly not applying an active

nasalization rule, as they did not nasalize the infix -ki- in LdK (cf. (20)), even though

the vowel of the infix meets the structural description for the nasalization rule.

The simplest explanation for the Always-Nasalizing pattern is that these subjects

have indeed recorded a lexical specification of [+nasal] for pretonic prenasal vowels

such as that in []. There is no evidence from the performance on these invented

language games that these volunteers have generalized an active rule of nasalization. In

the remainder of this article, we will not discuss this group’s results any further, as they

do not bear on the nature of the nasalization rule, nor on a dissociation in performance

for reduplication versus infixation.

2.4.2: Never-Nasalizing Subjects

Two of our eleven volunteers never produced a nasalized vowel in words in either

LdP or LdK. Thus, given an input word such as [], the transformation into LdP

yielded the result []. This sort of output represents apparent

“underapplication” because the vowel in the reduplicated syllable is not nasalized, even

though it immediately precedes a nasal consonant.

(23) Never-Nasalizers, LdP: a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted does not show

nasalization, and nor does a pretonic open syllable which suddenly precedes a

nasal consonant.

The volunteers who we group under the Never-Nasalizing pattern exhibited the

following pattern in Língua do Ki: the lexical vowel did not become nor did the infix

did not undergo nasalization:

(24) Never-Nasalizers, LdK: a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted does not show

nasalization, and nor does the infix which suddenly precedes a nasal consonant.

Given the fact that these volunteers consistenly applied pretonic nasalization for

all of the words in question when presented in isolation, it was rather surprising to us

that they did not apply nasalization at all when these same words underwent conversion

to LdP and LdK. We offer a tentative explanation for this pattern of results.

The pretonic nasalization rule of Salvador BP has one consistent exception: it

does not apply across morpheme boundaries that would traditionally be classified as

Level 2 boundaries. For instance, consider the prefixes ad- and re- which behave as if

Page 127: Letras & Letras

126

they constitute a separate domain from stems to which they attach. To demonstrate this,

let us take a brief detour into syllabification and syllable-position allophony.

In general, stop-liquid sequences in BP are syllabified as complex onsets; thus,

ladrão ‘thief’ is syllabified as [. There are two sources of evidence to support

this syllabification. The first involves the realization of the rhotic. In Standard and

Salvador BP, /r/ is realized as the fricative [h]~[] in the position of a simplex onset,

and as a tap [] in the second position of a branching onset or in intervocalic position. In

[] it is realized as a tap. The second source of evidence comes from Língua do

Pê itself, in which ladrão is produced as []. In contrast, words formed by the prefix ad- and re- do not show evidence of

resyllabification. Thus ad- + rogar [] results in [] and not

*[] ‘to accept someone for adoption’, and re- + rasgar [] results in

[], and not *[] ‘to re-rip’.

Importantly, the prefix re- is ineligible for pretonic nasalization, even in Salvador

BP. Thus re+nomear ‘to re-name’ does not surface as *[], but as

[]. Similarly, anormal ‘abnormal’ does not surface as *[] but as

[]. We take this as evidence that Level 2 affixes are ineligible for pretonic

nasalization, and for stem-level phonological processes quite generally.

Returning to a possible explanation for the Never-Nasalizing pattern exhibited by

two of our volunteers, we suggest that these volunteers analyzed the reduplicative and

fixed infixes -pV- and -ki- as Level 2 morphemes, ineligible for nasalization. Indeed, it

seems likely that these volunteers may have understood iterative infixation with the

metalinguistic awareness that it constitutes an “interruption” of the ordinary sequence of

syllables within a word.

The simplest explanation for the Never-Nasalizing pattern is thus that these

informants have induced a morphological structure for LdP and LdK that inhibits the

application of pretonic nasalization, to the point where even words like [],

which normally display nasalization, surface with oral vowels in the context of the

ludling. In fact, the failure of the nasalization rule to apply under such conditions

provides an interesting yet indirect way for diagnosing the fact that such a rule indeed

exists, and that the vowel of [] is not underlyingly specified as [+nasal].8

Given that there is a potential unified explanation for the failure of nasalization to

apply in either LdP or LdK, in the remainder of this article, we will not discuss this

group’s results any further. Our focus in this paper is on the nature of the nasalization

rule, and on a dissociation in performance for reduplication versus infixation, and the

Never-Nasalizers do not shed any light on this question.

2.4.3: Overapplication in LdP, Underapplication in LdK

8 We cannot altogether rule out the additional hypothesis that the Never-Nasalizers were relying on orthographic representations as an aid in producing LdP and LdK forms in real-time. However, one line of evidence speaks against this possibility. Many speakers of BP, particularly those from Rio de Janeiro, but, to a lesser extent, some from

Salvador, palatalize all instances of /s/ in a coda position, producing [] for the word dois ‘two’ [] for the word sistema ‘system’. This palatalization is an allophonic process that is not indicated by the orthography. If the Never-Nasalizers were relying on orthographic representations, and essentially “reading off” the pronunciation of

LdP from a mental image of the written word, we would expect that coda-palatalization of /s/ would never take place for these speakers. However, one of our two Never-Nasalizers produced instances of s-palatalization.

Page 128: Letras & Letras

127

Six of our eleven volunteers produced a distinct pattern of nasalization in LdP

from that of LdK, which will occupy the focus of our discussion of the representation of

the nasalization rule in subsequent sections of this article.

We cluster these informants under the label of Opaque-Pattern Group. In LdP,

they consistenly produced an overapplication pattern of nasalization, in which both the

original lexical pretonic vowel and its reduplicated copy underwent nasalization.

(25) Opaque-Pattern, LdP: a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted nonetheless shows

nasalization.

At first blush, these results recall the pattern of the Always-Nasalizers, for whom

we concluded that the specification of the pretonic vowels was underlyingly [+nasal].

However, the behavior of the Opaque-Pattern group on LdK speaks against such an

interpretation. A pre-theoretical statement of the observed pattern is that the nasalization

rule is over-applying in the Opaque-Pattern group, as its structural description is not met

by the vowel in the first syllable of kã.pã.mi.pi.za.pa, which stands two syllables away

from a nasal consonant. This behavior of overapplication in LdP stands in contrast to

the pattern observed for these same speakers in LdK.

(26) Opaque-Pattern, LdK: a pretonic open syllable whose adjacency with a

heterosyllabic following nasal consonant is disrupted does not show

nasalization, and nor does the infix which suddenly precedes a nasal consonant.

What is most interesting about this group of speakers is that they did not apply the

nasalization rule to either the lexical syllable or to the infixed syllable, even though the

infixed syllable stands in a position eligible for application of the nasalization rule. This

behavior in LdK thus constitutes a case of “underapplication”, as the nasalization rule

does not apply to the infixes, even though they meet the structural description.

Speakers of the Opaque-Pattern thus show overapplication in LdP, while showing

underapplication in LdK, as schematized below:

(27) Overapplication in Reduplication (LdP): Nasalization applies to the first

syllable of kã.pã.mi.pi.za.pa, even though it shouldn’t.

(28) Underapplication in Infixation (LdK): Nasalization fails to apply to the

second syllable of ka.ki.mi.ki.za.ki, even though it should.

(27) and (28) constitute two types of opacity, where the surface representation

does not contain the environments for application of the rule or lack thereof. The

juxtaposition of overapplication in reduplication alongside underapplication in

infixation constitutes the puzzle to be discussed and solved in the remainder of this

paper. Section 3 discusses four possible approaches to overapplication in LdP. Section 4

examines the compatibility of these approaches to underapplication in LdK, concluding

that a Multiprecedence-and-Linearization model best captures this difference between

reduplication and infixation. Section 5 concludes the paper.

Page 129: Letras & Letras

128

3. Overapplication in Língua do Pê

In the following four subsections, we discuss four possible analyses compatible

with the pattern of overapplication of nasalization in LdP.

3.1 Lexical specification of [+nasal]

It is compatible with the facts of overapplication in LdP to simply say that, in the

relevant dialect, words like [] have a [+nasal] specification for the vowel in the

initial syllable. On this view, there is no overapplication going on at all. There is simply

reduplication of a nasal vowel.

(29) /kã.mi.za/ []

Under this approach, nasalization of the vowel in both the lexical and reduplicant

syllable will occur, regardless of one’s theory of reduplication. Given an underlying

[+nasal] pretonic vowel, any theory of reduplication that makes an exact copy of the

rime of each syllable for LdK would predict those vowels to be nasal.

In the following three subsections, we explore the consequences of models that do

not include an underlying nasal specification for the pretonic vowel. All three of these

models assume that an active process of nasalization is responsible for the pattern of

overapplication in LdP, but they differ in their representations of reduplication and in

their models of the morphology-phonology interface more generally.

3.2 Base-Reduplicant Correspondence

In the framework of Base-Reduplicant Correspondence (MCCARTHY; PRINCE,

1995), overapplication in LdP can be conceived as the result of a highly-ranked

faithfulness constraint, demanding identity between the original lexical syllable and its

copy in the reduplicant. For instance, in /ka.pa.mi.pi.za.pa/, the second syllable will

become nasalized by virtue of preceding a nasal consonant, by the regular process of

nasalization in Salvador BP. However, given that ka and pa are related by a Base-

Reduplicant relation, they should strive to look as alike as possible in the output, even if

this goes against what the regular phonology would predict. The following output-

oriented constraints are crucial in understanding overapplication under this model:

(30) a: *Oral-V / __Nasal-C

A vowel immediately preceding a nasal consonant may not be oral

b: Ident-IO-[nasal]

The output form must not have a different value for [nasal] from the

underlying representation

c: Ident-BR-[nasal]

The reduplicant and base must not have different values for [nasal] from

each other

Page 130: Letras & Letras

129

The interaction between these constraints that yields overapplication is depicted in

the following tableau. Horizontal rows represent possible output candidates (where top-

to-bottom order is irrelevant), and vertical columns represent constraint evaluation,

where left-to-right order represents the extrinisic ordering of constraint evaluation. Each

“*” in cell x,y in the tableau indicates that the output candidate in row x has incurred a

single violation of the constraint in column y.

(31)

/ka.pa.mi.pi.za.pa/ *Oral-V/__N Ident-BR-[nas] Ident-IO-[nas]

a. * *

b. **

c. * * *

d. *

The candidates (c) and (d) are excluded from surfacing, as they violate the most

highly-ranked constraint. The candidate in (b) is preferred to the candidate in (a), as the

latter violates the second-highest ranked constraint. The candidate in (b), which shows

overapplication, is thus the optimal choice out of these four options.

The Base-Reduplicant Correspondence model thus provides an explanation for

Overapplication in LdP under the ranking shown in (31). The crucial factor in the model

which enables overapplication is the constraint Ident-BR-[nasal], which requires

identity for [nasal] between the two syllables in a reduplication relation. We have

abstracted away from the constraints that yield the actual iterative infixing reduplication

pattern that constitutes the LdP game itself here.

3.3 Two Cycles of Nasalization

In the framework of Lexical Phonology (e.g., KIPARSKY, 1982), and in cyclic

models of phonology more generally (e.g. HALLE; VERGNAUD, 1987), certain rules

may apply more than once in the course of a phonological derivation. This is also called

the “Persistent Serial Model” in McCarthy & Prince (1995), who discuss a version of

Myers’ (1991) proposal that certain rules that may apply any time their structural

description is satisfied. For example, suppose that the rule of nasalization in Salvador

BP in (32) – repeated from (12) – is able to apply both before and after the process of

reduplication yielding LdP. This derivation is shown in (33).

(32) V [+nasal] / __ C[+nasal]

(33) Derivation for /kamiza/ in LdP:

a: /ka.mi.za/ (Underlying Representation)

b: (application of (32))

c: (application of LdP formation)

d: (application of (32) again)

Under this view, the apparent overapplication in [] is simply the

result of the fact that the rule of nasalization had the chance to apply twice: once to the

Page 131: Letras & Letras

130

lexical syllable when it was immediately adjacent to the nasal consonant, and then again

to the reduplicative infix when it in turn became adjacent to the nasal consonant.

3.4 A Multiprecedence-and-Linearization Representation

In this section we provide an analysis of overapplication in LdP in terms of the

Multiprecedence-and-Linearization theory, pioneered by Raimy (2000a,b) for the study

of reduplication, and subsequently developed in the works by Fitzpatrick & Nevins

(2002, 2004), Iba & Nevins (2004), Nevins (2005a,b), Idsardi & Raimy (2005), inter

alia. What follows is not meant to be a current overview of all aspects of the theory, but

will provide a complete exposition of the analysis of the iterative reduplication of LdP.

3.4.1 Overview of Overapplication in Multiprecedence

Raimy (2000a,b) treats overapplication of nasalization in Malay as the result of a

nasalization rule that applies to a structure which has multiple precedence relations

between segments. Malay has a rule of nasalization that is progressive (rather than

regressive, as in Salvador BP) in (34). The overapplication pattern can be seen in total

reduplication, as shown in (35).

(34) V [+nasal] / C[+nasal] __

(35) // [] ‘wind’ [] ‘unconfirmed news’

In the Base-Reduplicant Correspondence analysis of McCarthy & Prince (1995),

the overapplication of nasalization in the initial syllable is the result of constraint

interaction that is essentially identical to that in (31), with the replacement of *Oral-V/

__N with *Oral-V/ N__.

Raimy (2000a,b), on the other hand, analyzes the overapplication in (35) as the

result of the nasalization rule in (34) applying at a level of representation before there

are two surface copies of the word //, but where the immediate precedence relation

between the final /n/ of the root and the initial /a/ has already been established (arrows

denote immediate precedence, whereas and denote initial and final word

boundaries, respectively):

(36) a e n

If the nasalization rule in (34) is interpreted in terms of immediate precedence,

then the immediate precedence relation between /n/ and /a/ meets its structural

description, and the structural change of nasalization is applied. Subsequent

linearization of (36) into a structure without multiple-precedence yields (37), where the

nasalization on both occurrences of /a/ is the result of two linearized occurrences of a

single nasalized token in the pre-linearization structure. For additional discussion of this

case, see Raimy (2000a,b). Crucially, nasalization occurs prior to linearization.

Page 132: Letras & Letras

131

(37) ã1 1 1 n1 ã 2 2 n2

We state that nasalization applies prior to linearization as the consequence of (38),

which is inspired by the rule-ordering division between cyclic rules prior to tier

conflation and post-cyclic rules after tier conflation in the parafixation theory of Mester

(1988).

(38) All stem-level phonological rules apply to multiprecedence (i.e. pre-linearized)

structures

We hold (38) as a working hypothesis, in need of further investigation, but

eminently falsifiable. As the nasalization rule of Salvador BP does not apply across

word boundaries (e.g. a menina, *[] ‘the girl’), we will assume that it applies

at the level of multiprecedence.

The next four sections are organized as follows. Section 3.4.1 discusses the

introduction of multiple precedence into phonological representations and the

distinction between immediate precedence and global precedence. Section 3.4.2

discusses the morphological operations that build a LdP structure. Section 3.4.3

discusses the linearization axioms that govern linearization of multiprecedence

structures. Finally, Section 3.4.4 discusses the rule of Salvador BP nasalization in terms

of immediate precedence and shows how its application to /kamiza/ yields

overapplication in the output.

3.4.1. Immediate Precedence, Global Procedence, and Multiprecedence

Given that speech takes place over time, any phonological theory based on a

combinatorial system that concatenates discrete units must assume that representations

somehow encode precedence relations among those building blocks, so that the

A(rticulatory)-P(erceptual) interpretive system can properly produce/recognize physical

events in real time and relate them with grammatical representations through some

mapping function. We take the standard view that such building blocks are segments

associated with timing slots arranged on a skeleton representing the temporal axis.

All Multiprecedence-and-Linearization representations must incorporate the

notions of initial and final word boundaries, which should be formally encoded in the

input structure in a simple way. Defining initial and final boundaries as explicit symbols

allows them to be trivially read off during linearization, given that the mapping

procedure can be defined as a finite-state machine, which requires that a starting-point

and a termination-point be deterministically defined.

There are, in principle, different ways of encoding the notions of beginning and

end of a word in the representation. Following previous work in the Multiprecedence-

and-Linearization framework, we assume that this is done simply through two

formatives, which we denote here alpha and omega , that are inherently specified

always to be the first and the last symbols in the string, respectively.9

9 The choice of this formalization with abstract symbols in immediate-precedence relations with the first and last

segment of the word, instead of any other formalization, can be taken for now as just a notational convenience. In section 4.5, however, this formalism will reveal itself as crucial, and empirically motivated.

Page 133: Letras & Letras

132

Thus, the underlying form of the word [ v.la] ‘candle’ would be as in (39). For

the sake of exposition alone, we omit timing slots from the notation throughout the

paper, as if precedence relations held directly of segments themselves, like in (40).

(39) X1 X2 X3 X4

| | | |

v l a

(40) = { <,v>, <,>, <,l>, <,a>, <,>, <v,>, <v,l>, <v,a>, <v,>,

<,l>, <,a>, <,>, <l,a>, <l,>, <a,> }

Following Raimy (2000a,b), we assume that the grammar encodes only immediate

precedence relations among segments (or, more precisely, timing slots) in phonological

representations, and that global precedence relations (as in (40)) emerge during the

mapping from ‘deep’ morpho-phonological structures (which constitute the input to

cyclic rule application (cf. (37)) to ‘surface’ morpho-phonological structures (which

constitute the input to phonetic implementation), coming for free from the transitivity

inherent to real time. That is, global precedence is simply the transitive closure of the

immediate precedence. From that perspective, the set of precedence relations in (40)

actually reduces to the set of immediate precedence relations in (41).

(41) I = { <,v>, <v,>, <,l>, <l,a>, <a,> }

The ordered-pair notation in (41) emphasizes the fact that immediate precedence

is a binary and asymmetric relation. We can also represent immediate precedence by

means of a set of conjoined boolean predicates that are true if the first argument

immediately precedes the second argument, as in (42).

(42) I = { P(,v) & P(v,) & P(,l) & P(l,a) & P(a,) }

Finally, we can also denote immediate precedence by means of the tail and head

of an arrow, as in (43). This notation is perhaps the easiest one to read, which is why we

will systematically adopt it throughout the paper.

(43) v l a

Since the role of the arrangement of timing slots in is to provide instructions for

the A(rticulatory)-P(erceptual) system to sequence segments in real time, should in

principle specify a linear order holding of all segments. That is, for any word W, given

the set S of all segments of W, the relation R (which, in this case, is global precedence)

holding of all segments of W must be a linear order on S. That is: R must have the

properties in (44) (PARTEE; ter MEULEN; WALL, 1993: pp. 206-211).

(44) Defining Properties of Linear Order

a: transitivity =def x, y, z [[[<x,y> R]&[<y,z> R]][<x,z> R]]

b: asymmetry =def x, y [[<x,y> R][<y,x> R]]

c: totality/connectedness =def x, y [[<x,y> R] [<y,x> R]]

Page 134: Letras & Letras

133

However, as a matter of logic, nothing prevents the possibility that morpho-

phonological representations far removed from the surface are not strictly linear, since it

is not necessarily this structure which becomes phonetically implemented. As long as

there is some mapping function that eventually converts it into a strictly linear

representation fully interpretable by the A-P system, there is nothing wrong with

structures like (45) – repeated from (36) – violating the asymmetry property in (44b),

since, for instance, /a/ globaly precedes /e/ whereas /e/ globally precedes /a/.10

(45) a e n

Once this structure is properly mapped into (46) – repeated from (37) –, the

relevant relations hold of distinct occurrences of those tokens in (45), such that a strict

linear order is achieved (i.e. /a/1 precedes /e/1 but not vice versa, while /e/1 precedes /a/2.

but not vice versa, while /a/2 precedes /e/2 but not vice versa).

(46) ã1 1 1 n1 ã 2 2 n2

This set of mappings entails that morpho-phonology is conceived as a complex

system involving two levels of representation. Both of them consist, roughly speaking,

of immediate precedence relations holding of segments. The first one, which we can call

deep morpho-phonological structure (or, alternatively, multiprecedence structure), does

not need to exhibit a linear order for the transitive closure of its immediate precedence

relations. The second one, which we can call surface morpho-phonological structure

(or, alternatively, linearized structure), does.

Our claim is that breaking down the morpho-phonological representation in two

levels (one of which exhibits a linear order among segments while the other one does

not) is indeed an adequate way of offering explanations on formal grounds for the

speaker’s linguistic intuitions when it comes to phenomena like reduplication and

infixation, which show patterns of underapplication and overapplication of rules.

As for LdP, specifically, the deep and surface morpho-phonological structures

will be like in (47) and (48), exemplified for the word [ vla] ‘candle’.

(47) v l a

p1 p2

(48) v1 1 p1 2 l1 a1 p2 a2

We pursue the strong hypothesis in (38) that all cyclic phonological rules apply

only to deep morphophonological structures (which may contain multiprecedence

patterns in some cases, like in (47)), and that the purpose of surface structures such as

(48) is to feed the system of phonetic implementation. This makes the strong prediction

that whenever a segment is involved in multiple precedence relations at deep

10 Notice that reflexivity is also violated in (48). For instance, given the loop, /e/ ends up preceding itself (which is true of all segments in cases of total reduplication like this).

Page 135: Letras & Letras

134

morphophonological structure, all of its occurrences in the linearized surface structure

will show up with the very same feature specification, since there was only one segment

at the point where any rule may have applied. Whatever the feature specification of that

segment was, it becomes multiplied into as many occurrences as necessary at the

surface.11

3.4.2 How to Build a Língua do Pê Structure

We assume that the following morphological operations allow the building of a

multiprecedence representation that will eventually yield LdP.

(49) For every syllable :

a: Add a new immediate precedence relation between the last segment of

and /p/;

b: Add a new immediate precedence relation between /p/ and the nucleus of

In other words: , p | P(last(), p) & P(p,(nucleus()), where last(__) and

nucleus(__) are functions that return the last element and nucleus, respectively, of the

syllable that is their argument. The use of last(__) is crucial as LdP copies the coda of

each syllable. Note that for each syllable, there must be a token of the segment /p/ that is

“available” for the application of rule (49). We assume that there is a new token of /p/

for each syllable in the word.

3.4.3 Linearization of Multiprecedence Structures

The following notation is necessary to understand the linearization algorithm:

(50) I = The input to the linearization algorithm, defined as a set of ordered

pairs encoding immediate-precedence relations.

O = The output from the linearization algorithm, also defined as a set of

ordered pairs encoding immediate-precedence relations.

I’ = The transitive closure of I.

O’ = The transitive closure of O.

P(x,y) = x immediately precedes y

P’(x,y) = x transitively precedes y

11 Notice, however, that such a prediction is not incompatible with phenomena of apparent normal application of rules in reduplicative structures. Take, for instance, the phenomena of voicing of fricative codas in between two voiced segments, as in (i).

(i) /s/ [z] / ___ [+voiced]

a: fisgar [fiz.gah] ‘to bait’ b: fispisgarpar [fis.piz.gah.pah]

Note that unlike regressive nasalization, voicing assimilation in Brazilian Portuguese occurs across word-

boundaries as well (e.g. /as duas/ [az duas] (‘the two-pl.’)). Regular application of allophonic rules of this type follows from their post-lexical status.

Page 136: Letras & Letras

135

The linearization algorithm can be characterized as a mapping from I to O, in

which ordered pairs may only be added to O in accordance with the Axioms below.

(51) Starting Axiom: The first ordered pair to be added to O must contain as its

first member.

(52) Termination Axiom: The last ordered pair to be added to O must contain as

its last member.

(53) Continuity Axiom: If x is the second member of the ordered pair most recently

added to O, then the next ordered pair to be added to O must contain a y such

that [ P(x,y) I ].

(54) Axiom of Choice of Path: x,y,z, whenever [ [ P(x,y) I ] & [ P(x,z) I ] ]

then [ P(x,y) O ] if and only if either (i) or (ii):

i: [ P(x,y) O ] & [ [ P’(y,z) I’ ] & [ P’(z,y) I’ ] ]

ii: [ P(x,z) O ]

While Axioms (51-54) should be fairly clear, brief discussion is necessary on the

properties of Axiom (54). This axiom determines what the linearization procedure must

do whenever it reaches a state where there is a ‘splitting point’ in the path of immediate

precedence relations in the input, i.e. right before a reduplicant or an infix.

Condition (i) of Axiom (54) is how the system formally encodes the general

design property that every segment of the input must be represented onto the output (cf.

Fitzpatrick & Nevins’ (2002) Completeness Condition). Without this condition,

whenever there is a choice between and , there would be no way to prevent the

system randomly choosing . If were randomly chosen and there was no path that,

from a graph-based representation, had ‘a way back’ to the original choice point, then

there would be no way to map the other segment not chosen in the first pass though that

bifurcation (i.e. ). Ultimately, this ‘no segment left behind’ condition is the way full

interpretation is achieved in a strictly local fashion.

Condition (ii) of Axiom (54) is how the system formally encodes the general

design property that segments from the input should not be unnecessarily

overrepresented in the output (cf. Fitzpatrick & Nevins’ (2002) Economy Condition).

Segments may be represented more than once (yielding multiple occurrences out of the

same token) only if necessary. Without this condition, the system could take a loop

indefinitely many times, therefore overgenerating. Ultimately, this is an economy

condition built into the system in a strictly local fashion.

These two conditions work together, so that the only situation where a segment is

represented more than once are those where this is the only way to guarantee that

(an)other segment(s) is also represented in the output.

An example derivation of the LdP for the input in (55) is provided in (56a-i).12

(55) v l a

12 We adopt a graph-theoretic representation in the derivation rather than a set of ordered pairs simply as a means of

making each step more perspicuous. Thus statements such as “concatenation of an occurrence of x at the end of a string” are equivalent to addition of an ordered pair whose second member is x.

Page 137: Letras & Letras

136

p1 p2

(56) Derivation of [v.p.la.pa]

a: By Axiom (51), the relation P(,v) is identified

and mapped into the output, through the

concatenation of an occurrence of /v/ at the end of

the string, as dictated by Axiom (53).

v

b: By (53), P(v,) is mapped in the output. v

c: The relations P(,l) and P(,p1) are both read off

the input structure. At this point the system has to

decide whether /l/ or /p1/ will immediately follow

// in the output. Axiom (54) – Choice of Path –

demands that the next segment be the candidate

/p1/, because it transitively precedes /l/ (cf. the

sub-path /p1i1l/) and not vice-versa.13

v p1

d: By (53), P(p1,) is mapped in the output. v 1 p1 2

e: The system then comes back to the same

bifurcation point of step (c). Axiom (54) demands

that the next segment be /l/, because, at this point,

concatenating another occurrence of /p1/ at the

end of the string would violate both conditions of

Axiom (54), since P(,p1) has already been

mapped onto the output (contrary to what the first

conjunct of condition (i) demands), and P(,l) has

not yet been mapped onto the output (contrary to

what condition (ii) demands). P(,l) is read off the

input and it is represented in the output by the

concatenation of an occurrence of /l/ at the end of

the string being, as dictated by Axiom (53).

v 1 p1 2 l

f: By (53), P(l,a1) is mapped in the output. v 1 p1 2 l

a1

g: The relations P(a,) and P(a,p2) are both read off

the input structure. At this point the system has to

decide whether or /p2/ will immediately follow

/a/ in the output. Axiom (54) demands that the

next segment be the candidate /p2/, because it

transitively precedes (cf. the sub-path

/p2a/) and not vice-versa.

v 1 p1 2 l

a1 p2

h: By (53), P(p2,a) is mapped in the output. v 1 p1 2 l

a1 p2 a2

i: Again, the system faces a bifurcation point. Since

P(a,p2) has already been mapped into the output

and P(a,) has not, the next segment must be ,

by (54). By (53), is concatenated to the string.

v 1 p1 2 l

a1 p2 a2

13 Since neither /l/ nor /p1/ are in the output yet, all other requirements of (54) are trivially met.

Page 138: Letras & Letras

137

By (52), the derivation terminates. The resulting

structure then feeds the interpretive component.

The reader can verify that this linearization algorithm will succesfully yield the

output structures of any LdP input created by the rule in (49).

3.4.4 Salvador BP Nasalization in terms of Immediate Precedence

The rule of nasalization thus far has been written in terms of an SPE-style

structural description and structural change. Let us replace it with the following:

(57) Salvador BP Nasalization, general definition

Structural Description: y, x | [P(x,y) I ] & V(x) & C[+nasal](y),

Structural Change: x becomes [+nasal]

When applied to (58a), this rule yields (58b).

(58) a: k a1 m i z a2

b: k ã1 m i z a2

Those simple cases are compatible with another formulation of the rule: (59).

(59) Salvador BP Nasalization, uniqueness-based definition

Structural Description: y, x | [P(x,y) I ] & V(x) & C[+nasal](y),

Structural Change: x becomes [+nasal]

The difference between (57) and (59) is that the segment affected by the rule is

tied to the iota operator (RUSSELL, 1905), rather than the universal quantifier. The iota

operator encodes uniqueness (i.e. “there exists a unique x”). In a nutshell, (57) states

that “AN immediate preceder of the nasal consonant becomes nasalized” whereas (59)

states that “THE immediate preceder of the nasal consonant becomes nasalized”.

These different formalizations will not make any different predictions when it

comes to simple cases like [], since there is only one preceder of the nasal

consonant anyway. In fact, for the majority of primary linguistic data that do not involve

infixation or reduplication, the learner could in principle choose either. Our assumption

here is that in accordance with the Subset Principle (BERWICK, 1985; MANZINI;

WEXLER, 1987), the learner will by default choose the more restrictive rule, which is

clearly the one with in (59) with iota, as it applies in a subset of the environments in

with (57) applies.

Either (57) or (59) could generate forms like [ ] ‘bed’. But when more

complex structures involving multiprecedence arise, (57) and (59) are not equivalent, as

the nasal consonant could have more than one preceder. In Section 4.4, we will show

that the facts of underapplication in LdK additionally favor (59) over (57).

Adopting (63), the rule in (49) for producing LdP multiprecedence structures, and

the linearization algorithm above, we now provide the derivation for /kamiza/ to the

form [], which shows overapplication.

(60) Derivation of []

a: input to LdP rule (49) k a1 m i z a2

b: output from LdP rule (49) k a1 m i z a2

Page 139: Letras & Letras

138

p1 p2 p3

c: Next, the nasalization rule in (59)

applies. Notice that there is only one

preceder of /m/, so the iota condition

is met in this case.

k ã1 m i z a2

p1 p2 p3

d: Importantly, at the point of

application of the nasalization rule to

/a1/, there is only a single token of /a1/

that becomes nasalized.

k ã1 p1 ã2 m i1 p2

i2 z a4 p3 a4

This account has successfully captured overapplication of nasalization in LdP.

Both the vowel in kã and the vowel in pã are nasal because, at the time the rule applied,

they were both the same vowel. Linearization yielded two distinct occurrences of /ã/.

The opacity of [] is thus the result of the nasalization rule applying at a

more abstract level of representation than the surface, namely one in which there is a

single token of /a/ in two different immediate-precedence relations, one being P(a,m).

4. Underapplication in Língua do Ki

In this section we discuss analyses of the underapplication pattern in LdK as

produced by the opaque group. Recall that the opaque group showed overapplication in

LdP and underapplication in LdK. In Section 3, we discussed four possible analyses

compatible with overapplication in LdP. In this section, we will examine whether they

are compatible with Underapplication in LdK.

4.1 Lexical specification of [+nasal]

The analysis of overapplication in LdP as the result of lexical specification of

vowels such as that of the initial syllable in kãmiza as underlyingly [+nasal] can not

explain why that same vowel does not surface as [+nasal] in ka.ki.mi.ki.za.ki. If the

vowel of kãmiza were lexically [+nasal], it should surface as such regardless of whether

it is followed by an infix, a reduplicant, or its normal subsequent lexical syllable. This

hypothesis is therefore untenable for explaining the behavior of the opaque group and as

such insufficient in constituting a complete theory of the mental representation of

pretonic nasal vowels in Salvador BP.

4.2 Base-Reduplicant Correspondence

The explanation for overapplication in LdP in terms of Base-Reduplicant

Correspondence that was developed in Section 3 cannot be extended to the LdK results

here, as infixation does not involve Base-Reduplicant Correspondence.

Since the opaque group is, by definition, composed of the same speakers applying

overapplication in LdP and underapplication in LdK, we must assume that they are

Page 140: Letras & Letras

139

using the same constraint ranking for both games. Recall that the Correspondence

model of LdP involved the following output-oriented constraints:

(61) a: *Oral-V / __Nasal-C

A vowel immediately preceding a nasal consonant may not be oral

b: Ident-IO-[nasal]

The output form must not have a different value for [nasal] from the

underlying representation

c: Ident-BR-[nasal]

The reduplicant and base must not have different values for [nasal] from

each other

The interaction between these constraints for the input /ka.ki.mi.ki.za.ki/ is

depicted in the following tableau. Horizontal rows represent possible output candidates

(where top-to-bottom order is irrelevant), and vertical columns represent constraint

evaluation, where left-to-right order represents the extrinisic ordering of constraint

evaluation. Each “*” in cell x,y in the tableau indicates that the output candidate in row

x has incurred a single violation of the constraint in column y.

(62)

/ka.ki.mi.ki.za.ki/ *Oral-V/_N Ident-BR-[nas] Ident-IO-[nas]

a. *

b. * *

c. *

d. **

The candidates (a) and (b) are excluded from surfacing, as they violate the most

highly-ranked constraint. The candidate in (c) is preferred to the candidate in (d), as the

latter violates the third-highest ranked constraint twice, while the former violates it only

once. This constraint ranking thus predicts that ka.k.mi.ki.za.ki should be the optimal

output among these four candidates, counter to fact. Recall that the actual output for the

opaque group was ka.ki.mi.ki.za.ki, which is excluded by the high-ranked surface

constraint *Oral-V / __N. The fact that this constraint wrongly excludes the actual

output suggests that the process of nasalization is not well-modeled by a simple surface

constraint of this form that applies only to an output representation.

The Base-Reduplicant Correspondence model, while successful for LdP

overapplication, falls short as an explanation for underapplication in LdK under the

ranking shown in (62). The real problem is not with Base-Reduplicant Correspondence,

which is trivially satisfied and hence irrelevant in the case of infixation, but with the

underapplication of nasalization even in a vowel contiguous to a nasal.

4.3 Two Cycles of Nasalization

In the Section 3.3 we discussed an implementation of a Persistent Serial Model in

which the rule of nasalization in Salvador BP ((63), repeated from (12)) is able to apply

Page 141: Letras & Letras

140

both before and after the process of reduplication yielding LdP. The derivation for

overapplication in LdP is repeated in (64).

(63) Salvador BP nasalization:

V [+nasal] / __ C[+nasal]

(64) Derivation for /kamiza/ in LdP:

a: /ka.mi.za/ (Underlying Representation)

b: (application of (63))

c: (application of LdP formation)

d: (application of (63) again)

Under this view, the apparent overapplication in [] is simply the

result of the fact that the rule of nasalization had the chance to apply twice: once to the

lexical syllable when it was immediately adjacent to the nasal consonant, and then again

to the reduplicative infix when it in turn became adjacent to the nasal consonant. This

hypothesis predicts “overapplication” for the infixation pattern of LdK as well:

(65) Derivation for /kamiza/ in LdK:

a: /ka.mi.za/ (Underlying Representation)

b: (application of (63))

c: (application of LdK formation)

d: * (application of (63) again)

Recall that speakers who fall into the Opaque group produce ka.ki.mi.ki.za.ki, with

no nasalization of either the infix or the lexical syllable in LdK. The persistent-

application hypotheses is therefore untenable for explaining the behavior of the opaque

group and thereby insufficient on its own in constituting a complete theory of the mental

representation of pretonic nasal vowels in Salvador BP.

4.4 A Multiprecedence-and-Linearization Representation for LdK

Having provided a Multiprecedence account of overapplication in LdP, we

demonstrate in this section how it extends to explain underapplication in LdK. In

Section 4.4.1, we review the morphological operations of iterative infixation that yield

LdK. In Section 4.4.2 we show how the linearization axioms from Section 3.4.3 apply

to infixation. In Section 4.4.3 we show how the interpretation of the nasalization rule

developed in Section 3.4.4 leads to underapplication in LdK. Section 4.4.4 provides a

side demonstration of how the same iota operator leads to underapplication in a very

different context, namely in the case of Javanese low-vowel rounding.

4.4.1 How to Build Língua do Ki Structures

Under the system we have adopted (as introduced in Section 3.4), the

morphophonological operations constituting LdK are formally defined as follows:

Page 142: Letras & Letras

141

(66) For every syllable :

a: Add a new immediate precedence relation between x (x = the last

segment of ), and /k/ (which already immediately precedes /i/);

b: Add a new immediate precedence relation between /i/ and the segment

that x immediately precedes.

When applied to the input (67a), the rule (66) yields the structure in (67b).

(67) a: v l a

b: v l a

k1 i1 k2 i2

This is a case where it becomes clear why the edge symbols ( and ) are

crucial. At first blush, it seems that word boundaries can be defined without such

primitives. For instance, the first segment can be defined in relational terms, as the only

segment x for which there is no segment y such that y immediately precedes x.

Similarly, the last segment can be defined as the only segment x for which there is no

segment y such that x immediately precedes y. However, if word boundaries are defined

in that way, iterative-infixation rules like the one in (66) above cannot be defined in a

trivial fashion, as the infixation of the last instance of /ki/ in a structure like (68) would

require a different (and most likely disjunctive) rule than the one above in (66), given

that there is no “segment that /a/ immediately precedes” in the structure.

(68) a: v l a

b: v l a

k1i1 k2i2

The same reasoning applies to the starting symbol . For instance, consider

another dialect of LdP (cf. Section 2.1) which involves the insertion of the fixed syllable

/pe/ right before each syllable, so that [] becomes [pe.v.pe.la]. In a system with

boundary symbols, the rule can be trivially formalized as follows:

(69) For every syllable :

a: Add a new immediate precedence relation between /e/ (which is already

immediately preceded by /p/) and x (x = the first segment of )

b: Add a new immediate precedence relation between /p/ and the segment

that immediately precedes x

(70) a: v l a

b: v l a

p1 e1 p2 e2

Without and , the infixation of the first instance of /pe/ would require a

different rule, since there is no “segment that immediately precedes /v/” in the input.

Page 143: Letras & Letras

142

(71) a: v l a

b: v l a

p1 e1 p2 e2

We thus adopt the formalization of LdK in (66), which explicitly includes

boundary symbols as participants in immediate-precedence relations.

4.4.2 The Linearization of Infixes

A sample derivation of the LdK output in (67b) from (67a) is provided below.

(72) Derivation of [v.ki.la.ki]

a: By Axiom (51), the relation P(,v) is identified.

By (53), P(,v) is read off the input and

represented in the output.

v

b: By (53), P(v,) is mapped in the output. v

c: P(,l) and P(,k1) are both read off the input

structure. At this point the system has to decide

whether /l/ or /k1/ will immediately follow // in

the output. By Axiom (54), the path k1 is

chosen, because /k1/ transitively precedes /l/ (cf.

the sub-path /k1i1l/) and not vice-versa.

v k1

d: By (53), P(k1,i1) is mapped in the output. v k1 i1

e: By (53), P(i1,l) is mapped in the output. v k1 i1 l

f: By (53), P(l,a) is mapped in the output. v k1 i1 l

a

g: P(a,) and P(a,k2) are both read off the input.

Axiom (54) demands that the next segment be

/k2/, because it transitively precedes (cf. the

sub-path /k2i2/) and not vice-versa.

v k1 i1 l

a k2

h: By (53), P(k2,i2) is mapped in the output. v k1 i1 l

a k2 i2

i By (53), P(i2,) is mapped in the output. By

(52), the derivation terminates. The resulting

structure then feeds the interpretive component.

v k1 i1 l

a k2 i2

When the mapping is complete, there have been two immediate precedence

relations left unmapped, namely P(,l) and P(a,). This is not “harmful” at all since (i)

all segments have been mapped, and (ii) the correct predictions are made, as far as both

order of segments and rule application are concerned. Infixation thus provides a crucial

case in which the axioms of linearization yield unmapped immediate precedence

relations from a multiprecedence input.

The reader can verify that this Linearization algorithm will succesfully yield the

Page 144: Letras & Letras

143

output structures of any LdK input created by the rule in (66).

4.4.3 The Failure of Nasalization

Given the nasalization rule in (59) above, defined in terms of a unique preceder, it

now becomes clear why underapplication occurs in LdK structures, as shown below.

(73) Derivation of [a: input k a1 m i4 z a2

b: infixation k a1 m i4 z a2

k1 i1 k2 i2 k3 i3

c: nasalization fails to apply, since

both/a1/ and /i1/ precede /n/ k a1 m i4 z a2

k1 i1 k2 i2 k3 i3

d: linearization k a1 k1 i1 m i4 k2 i2

z a2 k3 i3

The crucial step is step (73c): the multiprecedence representation of infixes is

such that both the lexical segment /a/ (which undergoes ordinarily nasalization in

[] and the infix vowel /i1/ (which should undergo nasalization based on looking

at the surface) immediately precede the nasal consonant /m/. As the structural

description of the rule requires a unique preceder, it fails to apply and neither segment is

nasalized.

4.4.4 Extensions of the Iota Operator

At this point we deem it useful to demonstrate that the iota operator is not simply

an artifact designed for underapplication in LdK, and that it plays a role in the

interpretation of structural descriptions of rules in situations with no infixation at all.

4.4.1 Underapplication of Low Vowel Rounding in Javanese

A concrete case can be found in Javanese14

, which exhibits a rule of low-vowel

rounding in word-final position (DUDAS, 1976, p. 206).

(74) a. me ‘table’ mea-ku ‘my table’ mea-ne ‘his table’

b. iw ‘soul’ iwa-ku ‘my soul’ iwa-ne ‘his soul’

c. dng ‘color’ dnga-ku ‘my color’ dnga-ne ‘his color’

Dudas (1976) provides the rule in (75), which we formulate in precedence-based

terms in (76).

14 We heartily thank Eric Raimy and William Idsardi for bringing the relevance of this case to our attention.

Page 145: Letras & Letras

144

(75) a / __

(76) Structural Description: y such that (y), x | [P(x,y) I ] & low(x)

Structural Change: x becomes [+round]

In reduplication, the rule in (76) overapplies, as shown in (77). This is a

consequence of the graph in (78)

(77) a: me ‘table’

b: me-me ‘tables’

c. dngo ‘prayer’

d. dngo-dngo ‘prayers’

(78) m e a

Since /a/ remains the unique preceder of in (78), it is expected that the low-

vowel rounding rule of (76) should apply. Interestingly, when reduplication and

suffixation interact, the rule of low-vowel rounding underapplies, as shown in (79):

(79) a: mea-mea-ne ‘his tables’.

b: dnga-dnga-ne ‘his prayers’

When one examines the multiprecedence representation of (80), which contains

both reduplication and suffixation, the underapplication of low-vowel rounding is in fact

entirely to be expected, given the rule in (76).

(80) m e a

n e

The rule in (76) cannot apply to (80), as there is no unique preceder of : both /e/

and /a/ are in immediate precedence relations with . Just like nasalization in LdK,

underapplication here too results from the interaction of the iota operator with a

multiprecedence representation. The parallel between overapplication in reduplication

and underapplication in affixation in these two unrelated languages is striking

confirmation for the iota operator as a condition on rules in multiprecedence structures.

Before concluding, we will note that the cases of total reduplication such as

(77b,d) provide additional evidence for defining word boundaries in terms of abstract

symbols (‘first’ and ‘last’), that are in bona-fide immediate-precedence relations.

Consider again the structure in (80) above, but without the boundary symbols.

(81) a: input to total reduplication

m e a

b: output from total reduplication

m e a

Page 146: Letras & Letras

145

Let us briefly consider the consequences of assuming that the first and the last

segment can be defined in relational terms, respectively, as (i) the only segment which

is not preceded by anything and (ii) the only segment which does not precede anything.

Given this relational definition, it is true that in (81a), /m/ and /a/ can be identified

as the first and the last segments, respectively. However, the same doesn’t hold for

(81b). Once the morphology of total reduplication demands that an immediate-

precedence loop from /m/ to /a/ is created, there is simply no first segment and no last

segment in the structure. An immediate problem thus arises with respect to linearization.

There is no way to identify a segment not preceded by anything.

Also, even if the first segment could be identified, a problem arises with respect to

the loop. After the linearization procedure reaches the state /a/, Axiom (53) requires that

the next state be /m/ again, since the relation P(m,a) still needs to be mapped. But after

the second occurrence of /m/ is written in the output, the linearization algorithm would

have no way to stop: since there is no ‘last segment’ in the path anymore. The

linearization procedure would fall into an infinite loop. One could argue that the infinite

loop can be avoided if the system incorporates some principle requiring that

segments/relations from the input be mapped into the output only when necessary.

Going through all the segments of the loop indefinitely many times would violate this

general economy principle. However, this is not enough to derive the facts. If that were

true, then we would expect the linearized form of (81b) to be (82b) rather than (82a),

since (82b) realizes all the segments and relations from the input.

(82) potential outputs from the rule of low-vowel rounding, given input (81b)

a: m e a m e a (actually attested form)

b: m e a m (wrongly predicted form)

In summary, Javanese total reduplication constitutes further evidence for the

necessity of abstract boundary symbols as crucial to a coherent linearization algorithm.

4.5 Summary of Approaches to Underapplication in LdK

We conclude this section by considering again the essential fact of

underapplication in LdK, as repeated in (83):

(83) ka.ki.mi.ki.za.ki

While it may not be surprising that nasalization does not apply to the original

lexical syllable, as its adjacency to the nasal consonant has been disrupted, it is

extremely surprising from the surface representation that the infix –ki– should not be

nasalized in a dialect of Portuguese in which all pre-nasal vowels are nasalized, and

moreover for speakers for whom infixes that are reduplicants do undergo nasalization. It

is difficult to imagine any output constraint that would block nasalization in this case.

Indeed, we hope to have shown that only through appealing to a more abstract level of

representation can one find a natural explanation for underapplication: the triggering

Page 147: Letras & Letras

146

segment (the nasal) is in two immediate-precedence relations at once, and the rule of

nasalization cannot apply under those conditions.

5. Conclusion

While there have been a few recent proposals as to the proper representation of

infixation (e.g. Halle (2001) proposes that infixation is the result of metathesis; and Yu

(2003) proposes that an infix “subcategorizes” for a particular position in the word), our

proposal here is the first to address the treatment of iterative infixation. We have treated

iterative infixation, of the type found in LdK, as requiring universal quantification

within the structural description and structural change of the rule that adds the infix and

the corresponding immediate precedence relations. Up until now, there has been little

reason, aside from theory-internal grounds, to suppose that a multiprecedence

representation for infixation is correct. In particular, when the word /kamiza/ comes out

as [kakimikizaki], it is not obvious that the immediate-precedence link between /a/ and

the following /m/ still exists once the prefix ki is inserted. However, we have discovered

a way to diagnose the presence of this link: the fact that it blocks application of a rule

requiring a unique preceder. In particular, we know that the immediate precedence

relation between /a/ and the following /m/ still exists at the level of multiprecedence in

[kakimikizaki] because its presence leads to failure of the /m/ to have a unique preceder,

and hence underapplication of nasalization.

More generally, we have pointed to a difference between infixation and

reduplication. They do not differ in overapplying or underapplying due to any

differences in morphological status. Both Língua do Pê and Língua do Ki involve fixed

segmental material inserted into the precedence structure of a word. The difference is

that infixation starts and ends between two segments that transitively precede each

other, while reduplication does not. This is a basic consequence of the precedence

structures and is independent of any diacritic facts or privileged constraints about the

morphological status of these items.

We would like to point out that, having taught our volunteers these two invented

language games, and observing overapplication in LdP and underapplication in LdK,

there is the pretheoretically imaginable possibility that some speaker might have yielded

the opposite pattern, as schematized in (84):

(84) Unattested Pattern across the Two Games

a. Overapplication of LdK output: b. Underapplication of LdP output: ka.pa.mi.pi.za.pa

The unnatested response pattern is ruled out by our representations. (84a) would

be a case in which there was no iota operator on the nasalization rule, and both

immediate preceders of the nasal /m/ should undergo nasalization, yielding surface

application of nasalization to both the infix and the lexically-preceding /a/ of the first

syllable. While it is logically possible that speakers could entertain a rule of nasalization

without the iota operator (and hence apply nasalization to any or all vowels satisfying

the structural description of immediately preceding a nasal consonant in (84a)), if this

were the case, these same speakers would not be able to underapply in LdP, as the

Page 148: Letras & Letras

147

single vowel /a/ satisfies the condition on immediate precedence as well in (84b). This

pattern is thus impossible under any conditions on the rule of nasalization.

However, the attested opposite pattern, of overapplication in LdP and

underapplication in LdK, finds a natural explanation in the theory here, given that

infixation always involves a situation with two immediate precedence relations pointing

to the same endpoint (the lexical immediate-preceder, and the newly-introduced

immediate precedence from the last segment of the infix), while reduplication need not

involve two immediate precedence relations pointing to the same endpoint. Hence, if a

uniqueness condition, imposed by the iota operator, will apply, it must necessarily cause

rule-blocking for the case of infixation.

In terms of our contribution to the understanding of dialect-specific phonotactics,

we hope to have shown that pretonic nasalization in Salvador BP is, at least for some

speakers, the consequence of a rule-governed process, and not simply the result of

memorizing static patterns in the lexicon. The fact that two invented language games

reveal very different results for whether nasalization is kept or not demonstrate that (at

least some) speakers cannot simply have recorded nasalization in the underlying

representation, but must be applying nasalization by a rule which can be diagnosed by

the very fact that it fails to apply under certain conditions. Thus, while the word

[] happens to have a pretonic nasal vowel in its un-infixed and un-reduplicated

form, it ain’t necessarily so.

TÍTULO EM PORTUGUES Nasalização Opaca em Jogos de Linguagem e as

Relações de Precedência na Reduplicação e na Infixação

Resumo

Investigamos o padrão de nasalização opaca obtido quando solicitamos informantes

voluntários (falantes nativos de Português Brasileiro (PB), dialeto de Salvador-BA) a

traduzirem estímulos de PB para versões codificadas em dois jogos de codificação de

linguagem: Língua do Pê (reduplicativo) e Língua do Ki (infixativo). Um grupo de

informantes exibiu um padrão opaco, no qual houve sobre-aplicação de nasalização com

reduplicação, e sub-aplicação com infixação. Tais resultados têm três consequências: (i)

eles corroboram a tese de que há uma representação abstrata em termos de

Multiprecedência-&-Linearização (RAIMY, 2000a,b) para reduplicação e infixação, em

que a infixação (mas não a reduplicação) começa e termina entre dois segmentos que

precedem um ao outro transitivamente; (ii) eles evidenciam que, para um subgrupo

significativo dos participantes em nosso experimento, a nasalização é uma regra ativa

dos dialetos nordestinos do PB, e não simplesmente um padrão lexicalizado; (iii) eles

dão suporte adicional para uma ‘nova’ condição sobre aplicação de regras: o operador

iota, de Russell (1905), que impõe uma condição de unicidade às descrições estruturais.

Palavras-chave

sobre/sub-aplicação; multiprecedência; nasalização; jogos lingüísticos; português

brasileiro

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Page 149: Letras & Letras

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O MORFEMA DE GERÚNDIO “ndo” NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

ANÁLISE FONOLÓGICA E SOCIOLINGUISTICA

Jesuelem Salvani Ferreira

Mestre em Estudos Linguísticos – Universidade Estadual Paulista – CJSRP

E-mail: [email protected]

Luciani Ester Tenani

Doutor Universidade Estadual Paulista – CJSRP

E-mail: [email protected]

Sebastião Carlos Leite Gonçalves

Doutor Universidade Estadual Paulista – CSJRP

E-mail: [email protected]

Resumo

Neste artigo, tratamos do processo fonológico de apagamento do /d/ no morfema de

gerúndio “ndo” em uma variedade do Português Brasileiro. Com base em análise

acústica e perceptual, verificamos que, quando /d/ tem seus parâmetros acústicos

alterados, os ouvintes percebem seu apagamento no morfema de gerúndio. Essa

correlação, porém, não é categórica. A regra de apagamento do /d/ é variável e se aplica

somente a formas de gerúndio. Esses fatos levam ao desafio de interpretar o processo ou

como regra lexical ou como poslexical. Fundamentados nos pressupostos da Fonologia

Lexical, defendemos que se trata de regra lexical. Na análise variacionista do fenômeno,

analisamos 76 amostras de fala constituídas a partir do controle das variáveis sociais

sexo/gênero, idade e escolaridade. Constatamos que homens jovens e com poucos anos

de escolaridade são os que mais aplicam o apagamento de /d/ nas formas de gerúndio, o

que nos permite concluir, com base em hipóteses clássicas da atuação de variáveis

sociais, que tal fenômeno é estigmatizado na comunidade de fala estudada.

Palavras-chave

gerúndio; fonética; fonologia; sociolinguística; Português Brasileiro

0. Introdução

Este artigo trata do morfema de gerúndio “ndo” que pode ser realizado como [no],

por meio de um processo fonológico aqui denominado apagamento do /d/, o qual é

recorrente na variedade do Português falado na região paulista de São José do Rio Preto

(SP), Brasil. Assim, formas como “falando”, “comendo”, “pondo” e “partindo” podem

ser realizadas, respectivamente, como “fala[no]”, “come[no]”, “po[no]” e “parti[no]”. O

estudo apenas das formas de gerúndio justifica-se por esse fenômeno ser recorrente

somente nesse tipo de morfema no córpus da variedade estudada, não atingindo demais

palavras que tenham “ndo”, como “Fernando”, “segundo”. Essa constatação já

particulariza a variedade paulista frente ao que é relatado, por Mollica e Mattos (1992),

sobre a variedade carioca, que apresenta ocorrências de redução de “ndo” em “mundo”,

Page 153: Letras & Letras

152

por exemplo. O objetivo, neste texto, é o de caracterizar o apagamento do /d/ na

variedade do Português do noroeste paulista, problematizando o fato de ser uma regra

lexical, mas de natureza variável, e o de buscar, ainda, identificar as variáveis sociais

que condicionam sua aplicação.

A maioria dos trabalhos já realizados sobre o gerúndio em Português do Brasil

(doravante, PB) trata-o a partir de uma perspectiva morfossintática (cf. LEMLE 1984), e

outros poucos tecem considerações acerca da possibilidade de redução da forma “ndo”

(por meio do processo de apagamento do /d/), mas sem aprofundamento do estatuto

morfofonológico de tal redução (cf. MOLLICA, 1989; CRISTÓFARO SILVA, 1996;

MARTINS, 2006). Frente a produtividade do apagamento de /d/ em contextos de

gerúndio, no PB, pode-se considerar que poucos são também os trabalhos que se

dedicam exclusivamente à investigação do fenômeno, sob perspectiva sociolinguística

(cf. MARTINS, 2001, 2004; MOLLICA; MATTOS, 1992). Assim, este artigo se

diferencia, frente a esses trabalhos, por conjugar essas duas perspectivas, ou seja,

apresentar características fonético-fonológicas do processo de apagamento de /d/ e

descrevê-lo de uma perspectiva sociolinguística.

Apresentamos, aqui, parte dos resultados de Ferreira (2010), que discute, com

detalhes em que medida o fenômeno em análise suscita uma questão de natureza

fonológica, que diz respeito à interpretação de a regra ser de natureza lexical por se

aplicar somente a morfemas de gerúndio, embora se comporte como regra variável (o

que por definição, é de natureza pós-lexical), condicionada por fatores de natureza

interna (linguísticos) e externa (extralinguísticos). Neste artigo, descrevemos esse

problema sem, no entanto, constituir nosso objetivo tratar da adequada interpretação

fonológica do fenômeno.

Para o desenvolvimento do tema aqui delimitado, este texto está organizado do

seguinte modo: na seção 1., apresentamos as questões e os pressupostos teóricos que

embasam o fenômeno e os resultados aqui expostos; na seção 2., problematizamos, com

base em dados acústicos, a possibilidade de haver ou não o apagamento do /d/ na forma

“ndo” do gerúndio, e, na seção seguinte, a possibilidade de o fenômeno ser visto como

regra lexical, mesmo apresentando característica de regra variável. Descritas as

características fonético-fonológicas do fenômeno, passamos, na seção 4., a tratar da

análise das variáveis sociais investigadas. Finalizamos o artigo sistematizando os

resultados tratados nas seções anteriores.

1. Definindo questões e abordagens teóricas

A redução de “ndo” é, há muito tempo, abordada por alguns autores que

descrevem as variedades do PB. Segundo os trabalhos de dialetologia, o apagamento de

/d/ em morfema de gerúndio no PB é registrado desde o trabalho de Amaral (1920).

Assim, encontram-se sobre o tema vários estudos dialetológicos, como os de

Marroquim (1934) e de Teixeira (1938), variacionistas, como os de Mollica (1989) e de

Martins (2001, 2004), fonético-fonológicos, como os de Dalpian e Méa (2002) e de

Cristófaro Silva (1996), dentre outros. O presente trabalho se particulariza por articular

uma abordagem fonético-fonológica a uma variacionista, na investigação do

apagamento do /d/ de morfema “-ndo” de gerúndio.

Cristófaro Silva (1996) investiga alguns aspectos de mudanças na organização da

sequência sonora do PB de Belo Horizonte, para mostrar a interação existente entre

Page 154: Letras & Letras

153

processos fonológicos e componentes morfológicos e sintáticos da gramática.

Relativamente ao morfema de gerúndio, a autora constata que, em algumas variedades

do PB ocorrem formas como “fala[nu]” e “menti[nu]” (para “falando” e “mentindo”,

respectivamente), em que a sequência de vogal nasal acentuada seguida de [do] passa a

[no]. Segundo suas palavras:

Quando temos [falãdu] a consoante nasal cumpre o seu papel de nasalizar a vogal

precedente e /do/ ocorre como a sílaba final. Quando temos [falãnu] a consoante nasal

cumpre o seu papel de nasalizar a vogal precedente, mas a consoante nasal irá também

ocupar a posição de consoante inicial da sílaba final. (CRISTÓFARO SILVA, 1996, p. 61)

Cristófaro Silva salienta que esse processo de redução: (i) se aplica apenas às

formas de gerúndio; (ii) se aplica com informação morfológica dada pelo componente

fonológico e morfológico (forma de gerúndio); (iii) não leva à reorganização lexical, ou

seja, não há mudança de organização interna do léxico, visto que palavras contendo o

mesmo contexto favorável à redução e que não portam informação morfológica de

gerúndio não são afetadas pelo processo. Antecipamos que essa caracterização também

se aplica para a variedade do noroeste paulista em foco neste trabalho.

Neste artigo, seguindo Cagliari (2002), empregamos o termo “apagamento” para

designar o processo de eliminação do [d] no morfema de gerúndio “ndo”, pois, segundo

o autor, uma regra de eliminação/apagamento ocorre quando há supressão de segmento

da forma básica de um morfema. Assim, a forma nominal do gerúndio do verbo “falar”

(“falando”) tem a oclusiva /d/ apagada na variedade estudada, como em (1):

(1) falando [falãndo] ou [falãno]

Para Ohala (1979), os casos que envolvem alternância de som na fala ocorrem por

meio de variações alofônicas, mudanças de som e/ou variação morfofonêmicas. Ainda

segundo Ohala (1979, p. 360), os estudos de cunho acústico são de suma importância

para a prática da Fonologia, porque nos ensinam a buscar hipóteses explicativas para a

resolução de problemas de interpretação de fenômenos fonéticos.

Além de investigar aspectos acústicos relativos à realização ou não do segmento

/d/, quando parte do morfema de gerúndio “ndo”, consideramos também a natureza

fonológica do processo estudado. Dado que o fenômeno ocorre em contexto

morfológico, este trabalho considera, também, estudos sobre o PB que se fundamentam

na Fonologia Lexical (doravante, FL), em cujo modelo clássico

os componentes da fonologia e da morfologia se intermisturam, de modo que as regras fonológicas relevantes se aplicam à saída de toda regra morfológica, criando uma forma

que é entrada para outra regra morfológica (LEE, 1995, p. 05).

A FL é caracterizada pela interação entre a morfologia e a fonologia. Kiparsky

(1982), ao analisar o inglês, diz que o léxico de uma língua está organizado em uma

série de níveis, que são os domínios para regras fonológicas e morfológicas. Lee (1995),

ao analisar dados do PB, assume que há dois níveis ordenados: nível derivacional (α) e

nível flexional (β), que funcionam como domínios da aplicação de regras fonológicas e

morfológicas. Segundo Lee (1995), o nível 1 (α) inclui todos os processos derivacionais,

a flexão irregular e alguns processos de composição aos quais se podem acrescentar os

sufixos derivacionais; o nível 2 (β) inclui a flexão regular do verbo e do não-verbo e a

formação de palavras produtivas do português, como as formações de diminutivo (“-

Page 155: Letras & Letras

154

inho”, “-zinho”), de advérbio em “-mente” e de grau (“-íssimo”). O nível ω (palavra

prosódica), saída do léxico e entrada para a sintaxe, compreende o componente pós-

lexical e prevê que a aplicação da regra é não-cíclica e não afeta as operações

morfológicas. Além disso, na FL, há dois tipos de regras fonológicas: as regras lexicais

e as pós-lexicais. Estas são caracterizadas por terem aplicação variável, e entre palavras,

além de serem condicionadas foneticamente e poderem introduzir no léxico novos

segmentos. Aquelas são caracterizadas por possuírem aplicação categórica dentro do

léxico; além disso, preservam a estrutura da palavra, por serem sensíveis à informação

morfológica.

Como observado anteriormente, o fenômeno em estudo também pode ser

condicionado por variáveis estruturais e sociais, motivação que nos levou à realização

também de uma investigação sob perspectiva variacionista.

Os estudos que se referem ao contexto social em que a língua é usada defendem a

ideia de que elementos da estrutura linguística submetem-se a uma variação sistemática.

Um dos estudiosos principais nessa área de investigação é Labov (1972), por seu

pioneirismo em buscar explicação para fenômenos linguísticos variáveis na correlação

com diferentes aspectos sociais, como classe social, sexo/gênero, atitude profissional,

etnia etc. É também sob tal perspectiva teórico-metodológica que erigimos as bases de

nossa investigação sobre a realização do morfema de gerúndio, com a finalidade de

mostrar qual o julgamento social de seu uso como regra variável. Por exemplo,

Wolfram e Fasold (1974) argumentam que existe uma espécie de julgamento das

características sociais de um indivíduo por seu modo de falar; logo, para esses autores,

do mesmo modo que há classes sociais, também há dialetos sociais, o que implica dizer

que não há uma variedade melhor ou pior. Alkmim (2001) também discute essa

valoração das variedades linguísticas, a qual reflete a hierarquia dos grupos sociais. Para

a autora, há variedades prestigiadas e estigmatizadas. Na primeira, há uma variedade

padrão, que é socialmente mais valorizada, variedade que estabelece um conjunto de

normas que definem o modo “certo” de falar.

Para Labov (1972, p. 290), háalgum suporte empírico para postular a oposição entre

dois conjuntos de valores quanto ao correlato normativo de marcadores sociolingüísticos estáveis (…) [e] o objeto apropriado de estudo não deve ser só o comportamento, ou só as

normas, mas sim o grau em que (e as regras das quais) as pessoas se desviam das normas

explícitas que elas sustentam. Feitas essas breves considerações sobre os aspectos

fonético-fonológicos e sociolinguísticos que fundamentam a descrição do fenômeno

linguístico que investigamos, adotamos, então, três arcabouços teóricos para a

investigação do apagamento do /d/ em morfema de gerúndio. A relação entre eles se

justifica devido à proposta de análise dos diferentes aspectos que envolvem o fenômeno

ora focalizado. Assim é que recorremos aos pressupostos da Fonética Acústica para

responder, por meio de uma inspeção acústica, ao questionamento de se há ou não a

realização do /d/ em “ndo”, aos da Fonologia Lexical, para descrever e interpretar

fonologicamente o processo, visto que envolve questões fonológicas e morfológicas, e,

por fim, aos da teoria variacionista, para analisar o fenômeno em seu contexto

sociocultural, por meio de uma investigação empírica, considerando tanto variáveis

extralinguísticas quanto linguísticas.

2. Quando há apagamento ou realização de /d/ em “ndo”?

Page 156: Letras & Letras

155

A fim de responder a questão que dá título a esta seção, Ferreira (2010) fez um

experimento para proceder a uma avaliação perceptual da realização do morfema de

gerúndio, seguida de uma inspeção acústica dos mesmos arquivos sonoros. Neste artigo,

trazemos um resultado, dentre aqueles obtidos por meio do experimento fonético e da

inspeção acústica, relevante para a caracterização do processo.

Para a elaboração do experimento fonético, foram controladas três variáveis: (i)

conjugação verbal (1ª, 2ª, 3ª); (ii) regularidade/irregularidade morfológica do verbo

(REG, não-REG); (iii) estrutura sintática (Perífrase, Oração reduzida, Frase foco sem

redução e com redução da forma do morfema). A partir dessas variáveis foram

construídas 24 sentenças, as quais foram gravadas por 3 informantes (mulheres com

idade entre 24 e 25 anos, de nível superior e natural de São José do Rio Preto), que

repetiram três vezes cada sentença, resultando em 216 ocorrências de sentenças com

formas de gerúndio. Esses arquivos sonoros serviram para a inspeção acústica do

apagamento do /d/ e também para realização de um teste de percepção.

Durante o teste de percepção, os ouvintes-juízes foram orientados a indicar a

presença ou a ausência do /d/ quando em morfema de gerúndio. A presença é

caracterizada quando se percebe, de oitiva, a realização do segmento em contexto de

gerúndio, como, por exemplo, em “sain[d]o”; a ausência é caracterizada quando não é

possível, de oitiva, detectar a realização do segmento /d/ em contexto de gerúndio,

como, por exemplo, em “sain[Ø]o”. Na inspeção acústica, realizada por meio do

programa PRAAT, adotamos os critérios de quantificação da closura, burst, transição

formântica e duração relativa da consoante /d/. Esses parâmetros dão pistas para

caracterizar a presença da consoante, segundo Kent e Read (1992), por exemplo.

Dentre os resultados da inspeção acústica dos dados, verificamos que um mesmo

informante alterna a velocidade de fala ao fazer a repetição das frases do experimento, o

que leva a diferenças na realização do morfema de gerúndio. Isso nos remete às

considerações de Labov (1972), segundo o qual não existe falante de estilo único. Ainda

é possível afirmar, resgatando a discussão de Ohala (1979), que, a partir de inspeção

acústica, também podemos descrever os fenômenos linguísticos, uma vez que nem

sempre o que ouvimos é exatamente aquilo que produzimos, como podemos notar na

análise comparativa dos resultados do experimento de base perceptual e o de base

acústica, por meio do quadro 1.

Quadro 1. Comparação entre análise perceptual e inspeção acústica, por aplicação (1) ou

não aplicação (0) do apagamento da consoante /d/

Estrutura Perífrase Frase foco

Análise Perceptiva Acústica Perceptiva Acústica

Repetição 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª

Verbo Inf. Verbo Inf.

brincar 2 0 0 0 1 0 0 Brincar 2 0 0 0 1 0 0

3 1 0 1 1 1 1 Dar 3 0 0 0 1 1 1

morrer 2 0 0 1 0 1 1 Morrer 3 1 1 1 1 1 0

perder 2 0 0 0 0 1 0 Perder 3 1 0 0 1 1 0

sair 2 1 0 1 1 1 1 Sair 3 0 0 0 1 0 0

Ao compararmos a análise perceptual e a acústica, observamos que a divergência

ocorreu entre sentenças com as estruturas Perífrase e Frase foco. No quadro, estão

sombreadas as ocorrências divergentes quanto ao que foi percebido e realizado para três

Page 157: Letras & Letras

156

repetições (1, 2 e 3) produzidas pelos informantes (inf. 2 e inf. 3) ao lerem as frases do

experimento acústico que apresentavam estrutura de Perífrase, como em “Pedro está

brincando pela rua”, e de Frase Foco, como em “Diga “brincando” para ele”, formadas

com os verbos “dar, brincar, morrer, perder, sair”. No que se refere à ausência ou

presença do [d] em morfema de gerúndio, houve apenas 12 ocorrências (células

sombreada no quadro) que apresentaram divergências do total de 216 ocorrências do

experimento.

Observamos, ainda, que a maioria das divergências refere-se à não-aplicação do

apagamento, na análise perceptual, em que reconhecemos, por exemplo, a realização

‘brinca[ndo]’, mas que a inspeção acústica revelou, na verdade, tratar-se de variante

com o apagamento, como, por exemplo, ‘brinca[no]’. O fato de um segmento percebido

como realizado não ser atestado por meio da inspeção acústica pode ser motivado pela

percepção de algum parâmetro caracterizador da consoante [d]; no entanto, esse

segmento pode, de fato, não ter sido produzido com todos os parâmetros suficientes

para caracterizá-lo na inspeção acústica. Se considerados os resultados do experimento

de base perceptual, observamos que, na Frase Foco com o verbo “morrer”, a forma de

gerúndio foi percebida como tendo sofrido apagamento, mas, na inspeção acústica, não

se constatou a ausência de /d/, não se confirmando, portanto, a redução.

Exemplificamos, na tabela 1, as pistas acústicas caracterizadoras da consoante /d/ em

morfema de gerúndio.

Tabela1. Parâmetros acústicos para [d], no verbo “morrendo”, realizado pela informante

3 na terceira repetição

Frase Foco

Repetição Closura (ms) Burst (ms) F1 (Hz) F2 (Hz)

3 18 9 449 1556

Dos resultados da inspeção acústica realizada para caracterizar a presença de /d/,

destacamos as evidências a favor da – ou contra à – hipótese que formulamos de que a

redução de gerúndio esteja relacionada apenas à informação de morfema de gerúndio e

de que seja uma regra de aplicação variável condicionada pela estrutura sintática.

A partir dos parâmetros acústicos do /d/ em contexto de morfema de gerúndio,

encontramos argumentos para concluir que a percepção do apagamento do morfema de

gerúndio está relacionada a uma perda de qualidade da consoante /d/, pois os valores de

closura, burst, transição formântica e duração relativa dessa consoante demonstram

frequências médias diferentes dos postulados pela literatura. Constatamos, por exemplo,

realizações da consoante /d/ com uma closura de 18ms, o que indica uma perda de sua

qualidade, já que na literatura esse parâmetro seria de 50 a 100ms. Mesmo tendo sido

identificado que os demais parâmetros se encontram dentro do que é definido na

literatura (cf. Tabela 1), essa realização de /d/ com closura de 18ms foi percebida como

uma forma reduzida do morfema de gerúndio.

A inspeção acústica revelou ainda que, de modo geral, a estrutura sintática

perífrase, como em “Maria está dando um jantar”, é o ambiente que propicia a aplicação

da regra de apagamento do /d/ em morfema de gerúndio, enquanto frase foco, como em

“Diga ‘morrendo’ para ele”, é o ambiente que tende a desfavorecer a aplicação da regra.

Esses resultados revelam que, em um teste de percepção, a estratégia de frase-foco

captura um estilo mais formal do falante do que a construção de sentenças com formas

de gerúndio.

Page 158: Letras & Letras

157

Foi possível constatar uma sistemática diferença entre percepção e produção de

uma mesma forma linguística, que, no mínimo, permite corroborar a afirmação de

Labov, já questionada na literatura sociolinguística, de que uma comunidade de fala não

se resume a pessoas que falam do mesmo modo, mas que compartilham as mesmas

regras com respeito à variedade adotada. Assim, a inspeção acústica converge com a

análise variacionista no aspecto de que os processos fonológicos variáveis geram

diferenças entre percepção e produção com alta frequência.

3. Regra lexical ou pós-lexical?

Conforme prevê o modelo da Fonologia Lexical, a flexão de gerúndio está no

nível 2 (β) do léxico, pois aí inclui-se a flexão regular do verbo. Seguindo esse modelo,

procuramos tratar das características dos domínios de aplicação do fenômeno de

redução do gerúndio. Além disso, pretendemos, abordar a questão sobre a regra de

redução de gerúndio ser lexical ou pós-lexical no PB.1

Em (2), apresentamos a regra de apagamento do /d/, que se aplica apenas às

formas de gerúndio e não a outras formas verbais. Os vários processos fonológicos

pelos quais as formas verbais passam também são apresentados a seguir:

(2) /manda+ndo/ /mand+o/

Nível β

mandando mando sufixação de β mãndãndo mãndo nasalização

mãndãno _____ apagamento do d

Nível ω

mãndãnu mandu neutralização Representação fonética

[mãdãnu] [mãdu]

Com as representações em (2), queremos mostrar que, em um primeiro momento,

os itens lexicais são atingidos pela sufixação, ou seja, a flexão regular dos verbos; em

um segundo momento, os itens lexicais são atingidos pelo processo de nasalização; em

um terceiro momento, a regra de apagamento aplica-se somente à forma de gerúndio.

Dessa forma, a regra não se aplica aos termos do nível β que não teriam preservada a

estrutura do léxico, como explicitado em (3). Logo, demonstramos que o domínio da

aplicação dessa regra lexical é o nível β.

(3) [falar]

[fal[a[ndo]]] sufixação [fal[ã[ndo]]] nasalização

[fal[ã[no]]] apagamento do “d”

[falãnu] representação fonética

Defendemos, portanto, que o fenômeno de apagamento do /d/ – na variedade

estudada – não se aplica aos itens do nível α nem a todos os itens do nível β do léxico,

pois, nos dois casos, a regra é bloqueada pelo princípio de Preservação de Estrutura

1 Uma discussão mais detalhada se encontra em Ferreira e Tenani (2009).

Page 159: Letras & Letras

158

(SP), o qual prevê que somente segmentos contrastivos de cada língua podem ocorrer

durante as operações lexicais, determinando os tipos de regras fonológicas que podem

se aplicar no léxico de modo a preservar a sua estrutura. Além disso, a aplicação do

fenômeno também é condicionada pelo princípio de Condição de Ciclo Estrito (SCC), já

que o verbo no gerúndio ocorre somente no nível β, e esse princípio bloqueia a regra em

ambientes não derivados, isto é, aplica-se a regra somente a “ndo” que este seja

morfema e não quando parte de raiz de palavra. Logo, segundo esses princípios, não

ocorrem formas como *[lĩnu] para “lindo”, no nível α, nem *[mãnu] para “mando”, no

nível β, porque a aplicação da regra alteraria a estrutura da palavra e atingiria outro

nível do léxico. Portanto, a fronteira de morfema de gerúndio é fundamental na

definição da regra.

Para a variedade em estudo, essa regra de redução de gerúndio é variável,

característica que a faria ser interpretada como uma regra pós-lexical. No entanto, a

regra não se caracteriza como pós-cíclica porque atinge somente as formas verbais de

gerúndio e não outros itens lexicais (uma vez que se sujeita aos princípios de SP e SCC,

princípios aos quais as regras pós-cíclicas não se sujeitam, já que estas regras

desconhecem as informações morfológicas). Desse modo, o apagamento de /d/ em

morfema de gerúndio é, aqui, interpretado como regra lexical por ser aplicável apenas

aos morfemas de gerúndio e não a outras formas lexicais ou entre palavras2. A

comparação entre as possíveis realizações do par “vendo” (1ª pessoa, singular, do

presente do indicativo de “vender”) e “vendo” (forma do gerúndio do verbo “ver”)

atesta essa afirmação: a forma [] só pode ser interpretada como a forma do

gerúndio do verbo “ver” e nunca como a forma “vendo” do verbo “vender”. Em outras

palavras, para “vend+o” apenas a realização [ ] é possível, enquanto para

“ve+ndo” é possível haver duas realizações [] ~ []. Diante da constatação

de essa regra de apagamento de /d/ ser variável, passamos, na próxima seção, a tratar de

variáveis que podem estar condicionando esse comportamento.

4. Regra variável e estigmatizada?

Nesta seção, apresentamos o banco de dados utilizado, os grupos de fatores

investigados e os resultados obtidos, por meio do programa GoldVarb, na análise

variacionista da regra de redução do morfema de gerúndio na comunidade de fala3 de

São José do Rio Preto, Brasil.

O grupo de informantes que participam de nossa investigação foi selecionado do

banco de dados Iboruna, que, reunindo inquéritos de fala do interior do Estado de São

Paulo, coletados sob rigoroso controle de variáveis sociais, compõe-se dois tipos de

amostra de fala: Amostra Comunidade (ou Amostra Censo) e Amostra de Interação

Dialógica. Nesta pesquisa, utilizamos apenas inquéritos da Amostra Censo (doravante,

AC), provenientes da cidade de São José do Rio Preto e de seis cidades fronteiriças, a

2 Em outras variedades do PB, o fenômeno já está atingindo outros níveis. Por exemplo, Mollica (1989) apresenta dados do tipo ‘qua[no]’ e ‘fala[no]’ para o dialeto carioca, em que a primeira forma pertence ao nível α e a segunda ao nível β. Podemos dizer que, nesse dialeto, o apagamento está atingindo várias classes gramaticais e que a sua aplicação é opcional. Uma vez que a regra tem o comportamento variável, esta é de natureza poslexical. 3 O conceito de comunidade de fala adotado é o mesmo formulado por Labov (1972). Nesta pesquisa, a comunidade

de fala estudada é representada por um grupo de falantes que compartilha as mesmas normas da língua na região investigada.

Page 160: Letras & Letras

159

saber: Bady Bassit, Cedral, Guapiaçu, Ipiguá, Mirassol e Onda Verde. Para a coleta das

amostras, os informantes foram estratificados em: (i) sexo/gênero (masculino/feminino),

(ii) faixa etária (de 7 a 15 anos; de 16 a 25 anos; de 26 a 35 anos; de 36 a 55 anos; mais

de 55 anos), (iii) nível de escolaridade (1º Ciclo do Ensino Fundamental; 2º Ciclo de

Ensino Fundamental; Ensino Médio; Ensino Superior); e (iv) renda familiar (mais de 25

salários mínimos (SM); de 11 a 24 SM; de 6 a 10 SM; até 5 SM).

Para o presente estudo, selecionamos os seguintes perfis sociais de informantes:

de sexo feminino e masculino, pertencentes às cinco faixas etárias, aos quatro níveis de

escolaridade e a duas faixas de renda familiar (de até 5 SM e de 6 a 10 SM). Do nosso

interesse na investigação dessas variantes sociais, selecionamos do banco de dados 76

amostras de fala4. Dessas 76 amostras, investigamos apenas o trecho que corresponde às

narrativas de experiência pessoal, escolha que se fundamenta na minimização do

paradoxo do observador (LABOV, 1972), que prevê o desvio da atenção do falante com

assuntos e perguntas que possibilitem fortes emoções devido a alguma experiência do

passado. Dessa forma, partimos da premissa já estabelecida de que, ao produzir esse

tipo de narrativa, o informante, em geral, está menos atento à monitoração de sua fala, e,

portanto, afrouxando a preocupação com a norma padrão da língua.

A escolha das faixas etárias investigadas se baseia nos resultados apresentados por

Mollica (1989), que mostrou que informantes de 16 a 25 anos tendem a realizar mais o

gerúndio na sua forma em “-ndo” do que informantes mais velhos, contrariando, assim,

resultados esperados para a atuação variável faixa etária em fenômenos variáveis

(LABOV, 1972), comportamento inesperado que pode vir também a atingir outras

variáveis sociais, como, por exemplo, o nível de escolarização do informante.

Entretanto, essas são apenas hipóteses a serem testadas em nossa investigação. Além de

faixa etária, consideramos o nível de escolaridade, em razão de esta variável ser sempre

considerada nos estudos variacionistas de extrema relevância para explicar processos

variáveis como o que aqui estamos investigando. Assim, ao considerarmos essas duas

variáveis, poderemos esclarecer se ambas ou se somente uma delas atuam de modo

relevante na aplicação da regra variável em questão. A consideração de informantes do

sexo feminino e masculino se deve à obtenção de uma amostra heterogênea

representativa da comunidade de fala estudada. A variável renda familiar, embora tenha

participado da composição da subamostra do banco de dados, não foi considerada na

tabulação dos dados, por conta de seu estatuto controverso como variável de

enquadramento socioeconômico.

Estudos como os de Mollica (1989) e Martins (2001), entre outros, já

consideraram como regra variável o fenômeno de apagamento do /d/ em morfema de

gerúndio, em que o falante, ao realizar o gerúndio, alterna entre a forma reduzida [no] e

forma não-reduzida [ndo]. Na presente pesquisa, a regra variável é entendida como uma

afirmação da probabilidade de que um falante irá aplicar o mapeamento de algumas

regras mais abstratas em um conjunto menos abstrato. Assim, o falante exibe seu

conhecimento sobre o sufixo de gerúndio, reduzindo esse morfema, porém tudo o que o

ouvinte tem de saber é se a forma [no] é opcional ou não, já que ele interpreta cada

realização de gerúndio à medida que a recebe e, a partir disso, passa a fazer uma

avaliação para aceitar, interpretar ou rejeitar essa regra, por meio de restrições variáveis

(cf. LABOV, 1972).

4 Cabe observar que, da impossibilidade do preenchimento de células sociais resultantes do cruzamento da faixa

etária de 7 a 15 anos e do nível de escolaridade superior, resultam quatro inquéritos a menos do total de combinatórias possíveis.

Page 161: Letras & Letras

160

Para explicar uma regra variável, muitos aspectos linguísticos e extralinguísticos

podem afetar a probabilidade de aplicação da regra, o que demandaria uma quantidade

de dados imensa para calcular sua probabilidade de aplicação. A partir do método

estatístico de probabilidade, é possível confirmar ou rejeitar a hipótese de independência

de condicionamentos variáveis em qualquer instância particular e, assim, oferecer dados

fundamentais para validar a operação linguística básica de composição de esquemas de

regras. Assim, a pesquisa quantitativa que adotamos justifica-se na asserção de que a

escolha do falante entre uma ou outra forma obedece a um padrão sistemático regulado

por regras variáveis que “expressam a covariação entre elementos do ambiente

linguístico e do contexto social” (cf. BRESCANCINI, 2002, p. 15).

Para a análise quantitativa, selecionamos na subamostra as ocorrências que

apresentavam forma nominal de gerúndio e consideramos como variável dependente

binária a aplicação e a não-aplicação do processo de redução do gerúndio, como

mostrado em (4a) e (4b), respectivamente..

(4) a. eu ficava conversan(d)o o tempo todo [AC-014:NE:L.75]

b. ai professora tô entendendo tudo agora [AC-014:NE:L.73]

Das 999 ocorrências de formas verbais no gerúndio analisadas, verificamos que é

alta a aplicação da regra de redução na variedade estudada, atingindo 72% das

ocorrências. Esse elevado percentual evidencia que o fenômeno é uma característica

marcante da variedade falada em São José do Rio Preto, interior paulista.

Muitos autores, como Amaral (1920), Marroquim (1934), Coutinho (1967), Melo

(1971), dentre outros, descreveram o apagamento do [d] em morfema de gerúndio como

característica do falar “caipira” ou “roceiro”, típico de falantes “incultos” e “rústicos”,

caracterização que revela certo estigma em torno desse fenômeno. No entanto, nossos

resultados demonstram que o apagamento do [d] está ganhando força na variedade

riopretense. Ao longo desta análise, procuramos descrever de que modo esse índice de

aplicação do apagamento está estratificado nessa comunidade e verificar em quais

segmentos sociais ele está mais presente.5 A discussão dos resultados seguirá a ordem

de relevância dos grupos de fatores sociais apontada pelo programa GoldVarb.

A faixa etária foi a primeira variável selecionada pelo programa como relevante

para a aplicação da regra. O Gráfico 1 demonstra os resultados desse grupo de fatores.

Input 0.764

5 Em Ferreira (2010), há uma discussão de todas as variáveis linguísticas e extralinguísticas investigadas.

Page 162: Letras & Letras

161

Sig. 0.042

Gráfico 1. Peso relativo da redução do gerúndio a partir da variável Faixa etária

De acordo com o gráfico acima, informantes de 7 a 15, de 16 a 25 e os de 26 e 35

anos são os que mais aplicam a regra de apagamento do [d] em morfema de gerúndio,

com PR (peso relativo), respectivamente, de .63, de .56 e de .64; já os informantes de 36

a 55 anos e os de mais de 55 anos, respectivamente, apresentam PR de .44 e de .17.

Assim, em relação ao apagamento do [d] em morfema de gerúndio, a aplicação da regra

torna-se menos produtiva a partir da faixa etária de 36 a 55 anos e coloca de um lado os

mais jovens (7 a 15, 16 a 25 e 26 a 35 anos) e de outro os mais velhos. Podemos

verificar também o comportamento decrescente da aplicação do apagamento do [d] em

morfema de gerúndio em relação à faixa etária, uma vez que o Gráfico 1 ilustra que a

aplicação da regra é inversamente proporcional à idade, pois quanto maior a faixa etária

do informante, menor é a probabilidade de aplicação da redução do gerúndio. Tais

resultados indicam claramente que estamos diante de um processo de mudança em

progresso, visto que os PRs para informantes mais jovens indicam que a forma

inovadora está suplantando a forma padrão. Verifica-se, então, que os dados da

variedade da região de São José do Rio Preto confirmam a hipótese de Labov (1972),

que prevê que falantes mais velhos preservam a variante padrão, contrariamente ao que

observa Mollica (1989) para fenômeno semelhante.

Quanto à variável escolaridade, essa foi a segunda mais significativa selecionada

pelo GoldVarb em nosso estudo. O Gráfico 2 mostra os resultados obtidos.

Input 0.764

Sig. 0.042

Gráfico 2. Peso relativo da redução do gerúndio a partir da variável Escolaridade

Segundo os dados do Gráfico 2, o nível de escolaridade que mais favorece o

apagamento do [d] em morfemas de gerúndio é o de informantes de 1º ciclo do EF,

seguido pelo de informantes de 2º ciclo do EF, que levemente favorece a aplicação da

regra, enquanto os níveis de ensino médio e superior claramente atuam na preservação

do [d], com PRs abaixo de 0.5. Assim, esses resultados indicam que a regra de

apagamento do [d] em contexto de morfema de gerúndio é inversamente proporcional

Page 163: Letras & Letras

162

ao aumento do nível de escolaridade, ou seja, quanto mais escolarizado menor a

probabilidade da aplicação da regra. Esses resultados demonstram que há uma

ratificação das correlações confirmadas em outros trabalhos variacionistas (como os de

Votre (1994, 2003), Martins (2001), dentre outros) de que maiores níveis de

escolarização estão sempre associados ao uso mais frequente da forma padrão e

menores níveis de escolarização ao uso mais frequente da forma não-padrão. Devido à

aplicação da regra apresentar-se inversamente proporcional ao aumento do grau de

escolaridade, comprova-se o pouco prestígio da forma inovadora. Assim, concluímos

que essa possa ser a tendência para o fenômeno em questão, e uma possível explicação

para esses resultados seria o fato de os informantes mais escolarizados terem maior

conhecimento da gramática normativa e dos seus valores sociais, uma vez que as formas

privilegiadas são aquelas provindas da gramática e dos grupos sociais de maior

prestígio, que, consequentemente, na maioria das vezes, compõem-se de indivíduos com

maior grau de escolaridade.

Dos fatores extralinguísticos, a variável sexo/gênero foi a última selecionada

como significativa. O Gráfico 3 mostra os resultados para essa variável.

Input 0.764

Sig. 0.042

Gráfico 3. Peso relativo da redução do gerúndio a partir da variável Escolaridade

Demonstramos, no Gráfico 3, que indivíduos do gênero Masculino favorecem a

aplicação da regra, pois, para esse fator, o PR é de .59, enquanto para o fator gênero

Feminino, o PR é de .40, levemente desfavorável. Os resultados apresentados para a

variedade riopretense confirmam a premissa variacionista de que mulheres são

relativamente mais sensíveis às formas de prestígio (forma padrão). Segundo Labov

(1972), essa diferença linguística ocorre porque as mulheres têm mais percepção dos

sinais de estratificação social. A esse respeito, o autor afirma ainda que homens e

mulheres são socialmente diferentes, no sentido de que a sociedade lhes confere papéis

distintos e, por isso, espera deles comportamentos linguísticos também distintos, uma

vez que a linguagem reflete esse fato social.

A partir dos resultados apresentados até o momento, podemos dizer que a forma

reduzida do gerúndio está mais presente na fala dos mais novos, na dos menos

escolarizados e na dos homens. Tais indícios apontam, então, para a tendência de

Page 164: Letras & Letras

163

considerá-la como uma forma desprestigiada, o que leva a um quadro típico de variante

inovadora e aponta para a sua estigmatização. Esses resultados assinalam também que a

variante inovadora está espraiada socialmente, e, desse modo, com o intuito de detectar

focos sociais de uso, passamos ao cruzamento dos fatores sociais, com o objetivo de

melhor descrever a aplicação do fenômeno em relação a essas variáveis. Inicialmente,

apresentamos o cruzamento dos grupos de fatores idade e sexo dos informantes. Os

resultados são dados no Gráfico 4.

Input 0.745

Sig. 0.000

Gráfico 4. Cruzamento das variáveis faixa etária e sexo/gênero: aplicação do

apagamento do [d] do morfema de gerúndio (em P.R.).

Observamos, no Gráfico 4, que informantes masculinos mais jovens são os que

mais favorecem o apagamento do [d] de gerúndio, e informantes do sexo feminino, de

modo geral, os que mais desfavorecem-no, independentemente da faixa etária, sempre

com PR próximo ou abaixo de 0.5. Relativamente ao fenômeno em questão, o

comportamento diferenciado de gênero se neutraliza na faixa de 16 a 25 anos, e se

acentua na faixa seguinte, de 26 a 35 anos, na qual o perfil masculino fortemente se

associa à forma não padrão. Nas duas últimas faixas etárias, o comportamento entre os

dois gêneros não é tão díspar, ambos desfavorecem o apagamento do [d], embora

informantes do gênero feminino estejam sempre na dianteira do uso da forma padrão.

Observe-se, entretanto, que, no tocante ao gênero feminino, mulheres de faixas etárias

mais avançadas são mais conservadoras do que as de faixa etária mais nova. Fica claro,

ainda, que os informantes masculinos de 7 a 15 anos e os de 26 a 35 anos têm o mesmo

comportamento favorecedor da regra6.

Esses resultados confirmam as correlações vistas em outros trabalhos de que

mulheres, de modo geral, e falantes de mais idade, quer homens, quer mulheres,

preservam mais as formas de prestígio. A aplicação da regra é maior entre os

informantes masculinos mais jovens, apresentando queda gradativa do apagamento do

[d] entre falantes mais velhos (acima de 35 anos). Assim, podemos dizer, a partir desses

6 Os picos dos informantes masculinos de 7 a 15 anos e de 26 a 35 anos apresentados nesse gráfico podem sugerir explicações que remetam à aplicação categórica da regra por algum informante dessas faixas etárias, mas, verificando as taxas de aplicação de cada indivíduo da Amostra Censo, constatamos não ser este o caso. Um único indivíduo

masculino da faixa de 26 a 35 anos que apresentava aplicação praticamente categórica da redução de gerúndio foi retirado das rodadas.

Page 165: Letras & Letras

164

resultados, que o apagamento do [d] em morfema de gerúndio está indicando mudança

em progresso, na comunidade de fala investigada, sobretudo quando se considera a

primeira faixa etária. Em razão de esta mudança ser liderada pelos homens, podemos

esperar, com base em Labov (1972), que ela ocorra de forma mais lenta, pois, segundo o

autor, a maioria das crianças adquirirem a sua primeira língua por meio das mulheres

que transmitem uma forma relativamente conservadora a seus filhos, e as mudanças

dirigidas pelos homens se implementam de forma mais lenta na comunidade. Na medida

em que os principais transmissores de uma variedade linguística, no caso as mulheres,

apresentam comportamento aproximadamente linear em relação ao uso das formas

inovadoras, a mudança em progresso tende a ser enfraquecida ou mesmo refreada.

Pode-se dizer, ainda em relação ao Gráfico 4, que as mulheres parecem mesmo inibir o

apagamento do [d], por utilizarem mais as formas de prestígio, embora as mais jovens

apresentem um avanço na utilização da forma inovadora, seguindo exatamente a

tendência de fortalecimento liderada pelos homens.

Também cruzamos as variáveis escolaridade e sexo/gênero. O resultado está

demonstrado no Gráfico 5.

Input 0.732

Sig .049

Gráfico 5. Cruzamento das variáveis Escolaridade e Sexo: aplicação do apagamento

do [d] do morfema de gerúndio.

O cruzamento das variáveis demonstra que os informantes do gênero masculino

aplicam mais o apagamento do [d] do que as mulheres, independentemente da

escolaridade. Além disso, o Gráfico 5 mostra que o comportamento dos gêneros difere

quanto à regressão da aplicação da regra, pois as mulheres apresentam uma queda

discreta e os homens uma queda relativamente brusca, em termos de peso relativo, à

medida que aumenta o nível de escolaridade, uma vez que a linha desce no sentido de

favorecimento da regra até o ensino médio. Esses resultados ratificam a afirmação de

Labov (1972) de que o uso das formas inovadoras pelas mulheres apresenta um

comportamento mais linear do que pelos homens em relação à implementação dessas

formas. Observamos ainda que mulheres que possuem o primeiro e o segundo ciclo do

ensino fundamental apresentam pesos relativos bem próximos, enquanto os homens

Page 166: Letras & Letras

165

desses mesmos níveis de escolaridade demonstram valores probabilísticos bastante

diferenciados. Todavia, quando observamos os dois extremos de escolaridade (1ºEF e

ES), os dados mostram que a diferença de PR entre homens e mulheres é exatamente a

mesma, isto é, uma diferença de 38 pontos para os dois fatores. Por fim, verificamos

claramente que tanto os homens quanto as mulheres menos escolarizados usam mais o

apagamento do que os mais escolarizados. A linha dos homens indica favorecimento

maior do que a das mulheres e é indicativa de favorecimento até o EM e a linha das

mulheres, até o 2º EF. Além disso, os resultados indicam que as mulheres mais

escolarizadas (EM e ES) são ainda mais sensíveis do que os homens à forma de

prestígio, o que confirma uma tendência geral dos estudos variacionistas.

A partir dos resultados apresentados até o momento, confirmamos que a forma

inovadora apresenta-se estigmatizada na comunidade, em razão de as mulheres e os

mais escolarizados fazerem uso mais frequente da forma padrão, isto é, da variante

prestigiada.

O cruzamento demonstrado no Gráfico 6 traz o comportamento dos falantes

quanto à faixa etária e à escolaridade.

Input 0.744

Sig. 0.000

Gráfico 6. Cruzamento das variáveis Faixa etária e escolaridade: aplicação do

apagamento do [d] do morfema de gerúndio (em P.R.).

Os resultados do Gráfico 6 mostram que, de modo geral, o fator 1º ciclo do ensino

fundamental é o mais favorecedor da aplicação do apagamento do [d] em morfema de

gerúndio, enquanto o fator nível superior é o que mais refreia essa mesma regra nas

diferentes faixas etárias. Nas faixas etárias extremas, entretanto, informantes com

ensino médio respondem pela menor taxa de aplicação da regra. Apesar da queda do PR

ao longo das faixas etárias, se comparados esses resultados aos do Gráfico 5, que mostra

uma atuação francamente positiva da escolarização para ambos os gêneros em direção

ao uso da forma de prestígio, verifica-se que a atuação dessa mesma variável não se

reflete da mesma forma equilibrada na diferenciação de indivíduos pertencentes a cada

uma das faixas etárias consideradas. Isso equivale a dizer que o aumento de

escolaridade entre indivíduos de uma dada faixa etária nem sempre significará menor

taxa de apagamento do [d] do morfema de gerúndio, principalmente entre indivíduos

Page 167: Letras & Letras

166

dos dois níveis intermediários de escolaridade nas faixas de 16 a 25, 26 a 35 e 36 a 55

anos e entre os indivíduos de mais de 55 anos, para os quais indivíduos com ensino

médio preserva mais o [d] do que os de nível superior, assim como os de 1o. ciclo do EF

em relação aos de 2o. ciclo do EF. Essa observação pode sugerir que na comunidade de

fala em questão, o fator idade atua mais fortemente na identidade dos indivíduos do que

o fator escolaridade.

Qualquer que seja a interpretação em termos de identidade social para o fenômeno

em análise, o certo é que a estigmatização da forma inovadora é sempre perceptível,

uma vez que falantes do gênero feminino, falantes mais escolarizados e falantes mais

velhos tendem a inibir o apagamento do [d] de morfemas de gerúndio, o que significa

que perfis sociais com essa combinação constituem foco de resistência da mudança.

5. Considerações finais

Neste artigo, apresentamos os principais resultados de pesquisa sobre o fenômeno

de redução de gerúndio em uma variedade do PB falada no interior paulista. A partir da

inspeção acústica, verificamos que ocorre uma perda de qualidade da consoante /d/, o

que leva a uma percepção de que tenha ocorrido a queda dessa consoante. Essa

investigação mostrou uma diferença recorrente entre percepção e produção que permite

corroborar uma afirmação de Labov (1972) de que uma comunidade de fala não se

resume a pessoas que falam do mesmo modo, mas que compartilham as mesmas regras

com respeito à variedade adotada. Assim, a análise acústica converge com a análise

variacionista no aspecto de que os processos fonológicos variáveis geram diferenças de

percepção e produção com muito mais frequência. Por fim, essa inspeção acústica

revelou também que, de modo geral, a estrutura sintática perífrase é o ambiente que

mais tende à aplicação da regra de apagamento do /d/ em morfema de gerúndio.

Do ponto de vista fonológico, com base nos pressupostos da Fonologia Lexical,

mostramos, em termos de organização do léxico, por que esse processo fonológico não

ocorre em todas as palavras terminadas em “ndo, mas apenas no morfema de gerúndio.

Propusemos que a regra de apagamento de /d/ tem como domínio de aplicação o nível β,

em razão de o gerúndio ocorrer somente nesse nível, que é regido por regra lexical. Esse

tipo de regra se sujeita aos princípios de Condição de Ciclo Estrito, que impede a

aplicação das regras lexicais nos ambientes não derivados, e ao de Preservação da

Estrutura, que bloqueia a regra quando a sequência “ndo” se encontra na raiz do item

lexical.

Valendo-nos de análises acústicas, afirmamos que o apagamento do /d/ em

morfema de gerúndio é regra variável, uma vez que o processo pode não se aplicar

mesmo havendo contexto para seu apagamento, evidenciando, assim, que a aplicação da

regra é opcional, uma característica de natureza pós-lexical. Diante desse cenário,

assumimos que, para a comunidade estudada, a regra é de natureza lexical por atingir

somente as formas de gerúndio e não outras formas lexicais.

Sob a perspectiva da Sociolinguística variacionista, mostramos que a forma não-

padrão (ausência do /d/ no morfema de gerúndio) é a mais utilizada do que a forma

padrão (presença do /d/), uma caracteriza marcante da comunidade pesquisada.

Constatamos que a variável sexo/gênero é a mais relevante, pois informantes do gênero

masculino tiveram comportamento favorável à aplicação da regra de modo sistemático

na correlação com as variáveis faixa etária e escolaridade, cujos resultados também

Page 168: Letras & Letras

167

permitiram comprovar as hipóteses variacionistas clássicas, quais sejam: a de que

quanto maior o grau de escolaridade do indivíduo menor a probabilidade de uso da

forma não-padrão e a de que informantes mais velhos tendem a usar com menor

frequência a variante não-padrão do que os informantes mais jovens. Na ausência de

testes de avaliação social em torno das formas variantes, os resultados para as variáveis

investigadas permitem concluir que o apagamento do [d] em morfema de gerúndio é

forma socialmente estigmatizada na comunidade de fala, uma vez que,

probabilisticamente, ocorre com menor frequência entre indivíduos com o seguinte

perfil social: gênero feminino, de nível elevado de escolaridade e de faixa etária mais

avançada.

Diante dos resultados aqui apresentados, concluímos, então, que variantes com

morfemas de gerúndio reduzido podem ser consideradas formas inovadoras e sua

estratificação na comunidade de fala de São José do Rio Preto aponta para uma

mudança em progresso, apreensível em tempo aparente.

FERREIRA, J. S.; TENANI, L. E.; GONÇALVES, S. C. L. THE GERUND

MORPHEME “ndo” OF BRAZILIAN PORTUGUESE: PHONOLOGICAL AND

SOCIOLINGUISTICS ANALYZIS

Abstract

In this paper, we deal with the phonological process of d-deletion in gerund morpheme

“ndo” in a Brazilian Portuguese variety. Based on acoustic and perceptual analysis of

gerund forms, we found that when /d/ has its acoustic parameters changed, listeners

perceive the d-deletion of morpheme. This correlation, however, is not categorical. This

d-deletion process is a variable rule and applies only to gerund morpheme. These facts

lead us to face a phonological puzzle of interpreting the process or as a lexical or as a

poslexical rule. Based on the assumptions of Lexical Phonology Theory, we argued that

it is a lexical rule. Under perspective of variationist analysis, we analized 76 samples of

speech recorded from the control social variables of sex/gender, age and education

level. We found that young men with fewer years of formal education are the ones who

the most apply the rule. We concluded that d-deletion in gerund form is a stigmatized

rule in the speech community studied.

Keywords gerund; phonetics; phonology; sociolinguistics; Brazilian Portuguese

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Page 172: Letras & Letras

171

COMPOSTOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DA

INTERFACE FONOLOGIA-MORFOLOGIA-SINTAXE

Taís BOPP DA SILVA

Universidade Federal de Pelotas

Formação. Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

No presente artigo, trabalhamos a partir da ideia de que a formação de palavras

compostas é um fenômeno de interface, na medida em que envolve informação de

natureza fonológica, morfológica e sintática. Nosso objetivo geral é prover uma

gramática não modular dos compostos, mostrando a interação entre fatores dos

diferentes componentes. Utilizamos como referencial teórico a Fonologia Prosódica e a

Teoria da Otimidade, que nos permitem fazer algum grau de referência simultânea aos

três componentes gramaticais supracitados. Em âmbito mais específico, examinaremos:

(1) o modo como o composto se distingue prosodicamente de uma sequência de

palavras que forma um constituinte maior que o vocábulo; (2) o custo para a Fonologia

Prosódica acarretado pela inclusão de novos elementos na hierarquia; (3) a distinção

entre composição e derivação; (4) a diferença entre compostos e sintagmas, do ponto de

vista sintático e (5) as restrições envolvidas em uma análise em paralelo dos compostos.

A hipótese que norteia nossa pesquisa é de que os compostos possuem estrutura própria

que os diferencia de outras unidades prosódicas, morfológicas e sintáticas. Essa

estrutura é formalizada por meio da violação de uma restrição que proíbe a

recursividade de categorias prosódicas e de outras restrições que demandam

alinhamento entre categorias prosódicas e morfossintáticas.

Palavras-chave compostos; formação de palavras; hierarquia prosódica; restrições de dominância

prosódica; restrições de alinhamento

1 Introdução

Dentro do campo de estudos sobre formação de palavras, o fenômeno

composicional, tradicionalmente, é aquele que recebe menor atenção dos pesquisadores.

Estudos sobre prefixação e sufixação representam a tônica desse campo. Aos

compostos, em geral, é destinado papel de coadjuvante em trabalhos que têm como foco

fenômenos de outra natureza.

Ainda que esse quadro venha, aos poucos, se modificando internacionalmente,

com a recente e crescente publicação de trabalhos que tratam exclusivamente da

composição nas mais variadas línguas, o conjunto de análises sobre compostos no

português brasileiro (doravante PB) é ainda pouco robusto.

Tendo em vista esse quadro, pretendemos, primeiramente, debater o fenômeno

composicional, dedicando a ele espaço exclusivo e, ao mesmo tempo, contribuir para

ampliar a literatura sobre a formação do composto no PB.

Entendemos que o escasso número de estudos acerca das palavras compostas se

deva principalmente à natureza desse processo de formação. Na composição, estão

Page 173: Letras & Letras

172

implicados fenômenos de natureza fonológica, morfológica e sintática. Acontece, no

entanto, que muitos estudos privilegiam apenas um dos componentes gramaticais,

desconsiderando os efeitos das fronteiras entre esses componentes para a descrição das

palavras compostas.

Nesse estudo, consideramos a formação de palavras compostas como um processo

em que estão envolvidos aspectos dos componentes fonológico, morfológico e

sintático1. Não postulamos, contudo, que, nessa interação, os diferentes constructos

sejam isomórficos, ou seja, não pressupomos relação de um para um entre palavra

morfológica, palavra fonológica e palavra sintática. Do contrário, temos como

pressuposto a não correspondência entre essas categorias, mas entendemos que em

algum ponto elas revelam interação.

Tendo, pois, como objetivo empreender uma análise da composição que leve em

conta a simultaneidade de fenômenos correspondentes aos três componentes acima

citados, a pergunta que colocamos é: como formalizar uma gramática dos compostos,

considerando a interação entre fonologia, morfologia e sintaxe?

2 Ponto de partida

Perseguindo o objetivo de implementar uma análise para os compostos do PB que

permita visualizar a interface entre fonologia, morfologia e sintaxe, buscamos, na

literatura, outros estudos sobre composição pautados na relação que a morfologia

estabelece com a fonologia e a sintaxe.

Lee (1995, 1997), ao discutir a interface entre a fonologia e a morfologia no PB,

dedica atenção às palavras compostas dessa língua. A partir da concepção de um léxico

ordenado em níveis, Lee postula dois diferentes tipos de compostos: os compostos

lexicais, aqueles que nascem no léxico, e os compostos pós-lexicais, os quais se

originam na sintaxe. Um dos fatores que definem cada tipo de composto é a natureza

das operações flexionais e derivacionais que se aplicam às formações. Os compostos

lexicais são aqueles cujas marcas de flexão e de derivação são anexadas na periferia da

palavra. Postula Lee que o sufixo na borda do composto é um indício de que a

construção funciona como um objeto lexical quando do recebimento dos morfemas.

Nesse sentido, por exemplo, a anexação do morfema de plural na borda direita, como

em rádio-táxis, em vez de rádios-táxis, seria explicada porque essa palavra tem sua

origem no léxico e não na sintaxe. Compostos pós-lexicais, por sua vez, são aqueles que

surgem na sintaxe. Evidência trazida por Lee para estabelecer origem sintática para

esses compostos toma como base a localização de seus morfemas de flexão e derivação,

que podem aparecer internamente, como em guardinha-noturno, ou multiplicadamente,

conforme cachorros-quentes, refletindo comportamento sintático.

O trabalho de Lee representa um grande passo em direção ao reconhecimento da

interação de diferentes componentes na formação dos compostos. Contudo, o fato de

sua análise ser filiada à perspectiva da Fonologia Lexical – que concebe um léxico

estratificado e a separação entre morfologia e sintaxe – traz todo o inconveniente da

postulação de níveis para o exame dos compostos.

Uma análise alternativa é a de Moreno (2002). Contestando o postulado de Lee,

de que compostos se originam em lugares diferentes na gramática, Moreno elenca uma

série de evidências para sustentar que os compostos têm origem unicamente no

1 Questões da ordem semântica não constituem foco em nosso trabalho, mas serão abordadas quando necessárias.

Page 174: Letras & Letras

173

componente sintático. Entretanto, por não conseguir enquadrar em uma classificação

regular os compostos que apresentam oscilação em seu comportamento, o autor lança

mão de um mecanismo especial, o loop.

Compostos com duplo comportamento, ou seja, aqueles que evidenciam origem

sintática, porque apresentam flexão interna, e, ao mesmo tempo, possuem caráter

lexical, por apresentarem derivação periférica, são tratados como “compostos

lexicalizados” por Lee. É caso, por exemplo, de pão-duro, que, de acordo com o autor,

se pluraliza como pães-duros e forma o substantivo pão-durismo. Moreno, a fim de

sustentar sua análise, mantém os chamados compostos lexicalizados na sintaxe, onde

recebem as regras de flexão, interna e, para explicar o fenômeno de derivação periférica,

se utiliza do loop, mecanismo através do qual o composto, depois de ser gerado na

sintaxe, é alçado ao léxico para receber afixação como palavra.

O estudo de Moreno, se logra alcançar uma análise mais uniforme, na medida em

que postula para todos os compostos uma origem sintática, o faz utilizando um

dispositivo muito particular para dar conta de compostos com duplo comportamento.

Tal dispositivo repete, na análise do autor, o problema da referência a níveis.

Outros estudos que representam avanços no exame da composição são Peperkamp

(1997) e Vigário (1999, 2003, 2006). O estudo de Peperkamp é um dos pioneiros no

tratamento da composição sem fazer referência a níveis ordenados. Ao tratar dos

compostos do italiano, a autora apresenta rankings de restrições que avaliam a sua

prosodização. Os compostos a que a autora denomina “familiares” são aqueles que se

reestruturaram como uma única palavra prosódica, perdendo vestígio de acento de um

de seus elementos, como r[]ggiseno (“sutiã”), que passa a r[e]ggiseno, com

levantamento da vogal média baixa. Ainda que a interação entre morfologia e fonologia

seja muito bem explicitada por Peperkamp, a fronteira entre objetos puramente

sintáticos e composição é um ponto que fica por explorar em seu trabalho.

Vigário (1999, 2003, 2006), que, tal como Peperkamp, também trata da

prosodização dos compostos, propõe uma análise que discute, entre outros aspectos, os

limites entre composição e construções sintagmáticas, buscando um lugar para os

compostos dentro da hierarquia prosódica. Para isso, a autora recorre à criação de novos

constituinte prosódicos. Nos trabalhos de 1999 e 2003, Vigário propõe a Palavra

Prosódica Máxima, que constitui uma categoria recursiva – diferente da palavra

prosódica regular – onde se enquadram os compostos. Já no estudo de 2006, esse grupo

é revisto e, então, é proposto o Grupo de Palavra Prosódica, que contempla, em uma

mesma categoria, a palavra prosódica regular, o grupo clítico e o composto. A

motivação que leva a autora a postular um novo constituinte na hierarquia é a

observância ao princípio regulador que proíbe a recursividade de seus constituintes. A

questão da recursividade, de que trata Vigário, é uma questão que também nos é cara. A

solução trazida pela autora, contudo, suscita uma pergunta: até que ponto a necessidade

de obediência a um princípio de boa formação da hierarquia prosódica justifica a

criação de uma nova categoria cuja evidência é atestada em poucas línguas?

3 Pressupostos teóricos

A análise que propomos é, primeiramente, uma análise morfofonológica.

Buscamos verificar como se dá a interação entre os processos morfológicos e

fonológicos na formação do composto. Uma vez que temos em mente que a composição

Page 175: Letras & Letras

174

também traz reflexos da sintaxe, buscamos, do mesmo modo, lançar um olhar sobre esse

componente.

Isso posto, fica evidenciado que concebemos o composto como uma formação

híbrida, da qual participam fonologia, morfologia e sintaxe. Nosso objetivo, nesse

artigo, é tentar captar os pontos de intersecção entre esses três componentes,

formalizando uma análise de interfaces da palavra composta.

A Fonologia Prosódica (Nespor e Vogel, 1986) e a Teoria da Otimidade (Prince e

Smolensky, 1993; McCarthy e Prince, 1993) nos parecem modelos bastante adequados

para os nossos fins.

A primeira das duas teorias nos permite olhar para fenômenos atinentes ao acento

no âmbito de constituintes que podem coincidir com categorias morfossintáticas. O

isomorfismo entre categorias prosódicas e categorias morfossintáticas não é uma

premissa dessa teoria; contudo, há casos, por exemplo, em que a categoria sílaba pode

vir a coincidir com morfemas (a exemplo de pré- e pós-), ou em que morfemas venham

a coincidir com a categoria palavra prosódica (caso de -mente, -zinho). A hierarquia

prosódica é regulada por princípios de boa formação. Dentre esses, destacamos aqui o

princípio de exaustividade – segundo o qual uma dada categoria na hierarquia deve estar

exaustivamente contida dentro da categoria superordenada – e o princípio de não

recursividade – que prevê que uma determinada categoria seja composta apenas por

unidades da categoria imediatamente mais baixa, sendo proibidos elementos contidos

dentro da mesma categoria de que fazem parte ou dentro de categorias mais baixas. A

questão da violabilidade desses princípios é ponto fundamental em nossa discussão.

A utilização da Fonologia Prosódica não é novidade na análise dos compostos.

Peperkamp e Vigário, mencionadas anteriormente, discutiram, sobretudo, a questão da

recursividade da palavra prosódica na tentativa de representar prosodicamente os

compostos.

A Teoria da Otimidade (TO), de que também fazemos uso, busca formalizar

fenômenos gramaticais sem utilizar passos derivacionais entre o input e o output, ou

seja, permite a formalização em paralelo.

Na formalização de um fenômeno no âmbito da TO, não pressupõe a manipulação

de regras seriadas. Passa-se, agora, a operar com restrições co-atuantes, cuja função é

banir estruturas marcadas na língua ou muito distantes da forma de input. Juntamente

com o pressuposto de paralelismo, que avalia a um só tempo candidatos a uma forma de

output, está a ideia de não modularidade. Por essa ideia, entende-se que fonologia,

morfologia e sintaxe deixam de ser módulos independentes, ou mesmo níveis, passando

a ser concebidos como componentes que estão em interação. Dentro da Teoria da

Otimidade, as restrições de alinhamento generalizado refletem de modo especial a

interação entre unidades de natureza prosódica com outras de natureza morfossintática.

Assim, por exemplo, uma restrição como Align (Stem-L; Foot, L), proposta por Kager

(1997), demanda que a borda esquerda de um dado radical esteja alinhada com a borda

esquerda de um pé, fazendo referência aos componentes morfológico e fonológico

simultaneamente.

Dado que a concepção de palavra não se esgota no terreno de um único

componente da gramática, ou seja, tendo em vista que definir palavra implica olhar

simultaneamente para aspectos não apenas morfológicos, mas fonológicos e sintáticos,

essas duas teorias trazem instrumentais que permitem grandes avanços para a análise da

formação dos compostos, que é um processo híbrido por excelência.

Page 176: Letras & Letras

175

4 Objetivos específicos

O problema da representação prosódica do composto e a questão da interação

entre fonologia, morfologia e sintaxe são os pontos que norteiam nosso trabalho. A

partir daí, desdobram-se as questões abaixo listadas, as quais traduzem nossos objetivos

específicos.

(a) A partir da perspectiva da hierarquia prosódica, como diferenciar uma

sequência de palavras que formam juntas um composto de uma sequência idêntica que

forma um sintagma?

(b) Como sustentar uma análise do composto na hierarquia prosódica, tendo em

vista os princípios reguladores de tal hierarquia?

(c) Em que medida o processo de composição e o processo de derivação se

aproximam e se afastam?

(d) Como distinguir composição e sintagmas, do ponto de vista da sintaxe?

5 Os compostos sob a perspectiva dos diferentes componentes gramaticais

Na presente seção, apresentamos problemas de formalização da estrutura

composicional. Serão abordadas questões que perturbam as representações do composto

dentro dos diferentes componentes da gramática e na interação entre eles.

5.1 Problemas fonológicos

Antes de adentrarmos na fonologia, convém lembrar que, do ponto de vista

morfológico, o composto é formado por duas bases2, a exemplo de pão-duro. Cada uma

das bases, em pão-duro ou em outros tantos compostos, é portadora de um acento

primário, constituindo, assim, palavras prosódicas independentes. Ora, a palavra, sob o

prisma da fonologia, se caracteriza por ser portadora de, no máximo, um acento, e o

composto em questão apresenta dois acentos. Apesar das duas proeminências, pão-duro

constitui uma única palavra do ponto de vista morfossintático, ou seja, é um único

átomo sintático.

A questão que se levanta, então, é como dar conta da diferenciação entre

sequências sintagmáticas e compostos dotados de dois acentos:

(1)

(a) É impossível mastigar este pão duro. GRUPO SINTÁTICO

i. [ [pão] [duro] ]

ii. [ [pão]N [duro]A ]NP

(b) João é pão-duro quando a questão é finanças. PALAVRA COMPOSTA

i. [ [pão] [duro] ]

ii. [ [pão]N [duro]A ]A

2 Adotamos como notação o símbolo para representar a base.

Page 177: Letras & Letras

176

Nosso objetivo, aqui, é prover uma formalização prosódica para elementos que se

caracterizam como um átomo sintático, na medida em que ocupam uma única posição

na cadeia sintagmática, e que, ao mesmo tempo, caracterizam-se como duas palavras

prosódicas por apresentarem dois acentos – caso de 1 (b).

Esse tipo de estrutura não está previsto na hierarquia prosódica. Elementos

adjacentes dotados de acento, em geral, se filiam a frases fonológicas (), como é o caso

de 1 (a.i). Morfossintaticamente, no entanto, pão duro em 1 (a) e em 1 (b) são

diferentes. Pensamos que essa diferença deveria estar refletida na hierarquia prosódica;

contudo, sabemos que não há, nessa hierarquia, uma categoria que possa refletir a

prosodização de 1 (b), o composto.

Uma solução seria agrupar os integrantes da palavra composta como palavras

prosódicas dentro de um constituinte rotulado por outra palavra prosódica, como em 1

(b.i). No entanto, o princípio de não recursividade, que não admite constituintes

formados recursivamente, nos impede, por ora, de tomar essa decisão para a

caracterização desses compostos.

5.2 Problemas morfológicos

A questão da recursividade, que se relaciona aos compostos que apresentam dois

acentos, também tem ligação com a caracterização de algumas palavras derivadas.

A maior parte dos derivados do PB se estrutura sob um único acento, constituindo

uma única palavra prosódica. Evidencia-se, nesses casos, uma relação de um para um

entre o átomo sintático e a palavra prosódica. Em outros casos, porém, essa relação

isomórfica não é encontrada; é o caso de palavras derivadas a partir de sufixos

acentuados. Vejamos os exemplos abaixo, a título de ilustração.

(2)

(a) [beleza] DERIVADOS DOTADOS DE UM ACENTO

(b) [bela] [mente] DERIVADOS DOTADOS DE DOIS ACENTOS

A estrutura 2 (b) apresenta acento na base e no sufixo. A evidência para o acento

da base encontra-se na manutenção da sua vogal média. Em 2 (a), diferentemente, a

vogal média sofre um levantamento, indicando que o acento deslocou-se dali para a

vogal seguinte.

Sob a perspectiva morfológica, 2 (b) é uma palavra derivada. Não constitui um

composto porque não se trata de junção de bases, mas de acréscimo de um sufixo a uma

base3. Pela via da fonologia, entretanto, esse mesmo vocábulo é um vocábulo composto,

pois é formado por dois acentos. Trata-se de um composto fonológico que evidencia

uma relação não isomórfica com sua descrição morfossintática, uma vez que apresenta

duas palavras fonológicas para uma única palavra morfossintática.

Temos aqui, novamente, o problema da ordem da delimitação de terrenos;

problema esse que, agora, está relacionado com questões de representação dos

diferentes derivados na hierarquia prosódica. A primeira questão é sobre como podemos

formalizar a diferença entre os derivados fonologicamente simples, caso de 2 (a), e

3 Consideramos que a interpretação de -mente como substantivo mente (do latim “mens”) é informação puramente

diacrônica. Palavras formada com esse sufixo, portanto, constituem, do ponto de vista morfológico, derivados e não compostos.

Page 178: Letras & Letras

177

derivados fonologicamente compostos, representados por 2 (b). Essa questão implica a

busca de uma solução para representar prosodicamente os compostos como 2 (b),

solução que não nos parece simples, visto que, novamente, temos de lidar com a

estruturação recursiva do vocábulo. O segundo problema nos é apresentado quando

confrontamos a composição regular, caracterizada pela união de diferentes bases, nos

casos em que são dotadas de dois acentos, (como pão-duro ou mesa-redonda), e a

composição puramente fonológica (caso de belamente ou cafezinho). Prosodicamente,

ambas as formações têm a mesma estrutura; que aspecto seria, então, responsável pela

sua diferenciação?

5.3 Problemas sintáticos

Compostos apresentam, na cadeia sintagmática, distribuição de átomo sintático,

ou seja, de palavras independentes. O composto constitui um conjunto permutável por

qualquer outro átomo sintático no eixo paradigmático. Isso quer dizer que ele pode ser

substituído, observando o contexto, por palavras simples:

(3)

Participaremos da mesa-redonda.

palestra

aula

Dada a distribuição equivalente à do vocábulo simples, esperar-se-ia que

compostos estivessem sujeitos apenas a regras características da palavra. Assim, toda

operação de flexão e de derivação seria efetuada na periferia da formação composta. É

fato, contudo, que um número considerável de compostos evidencia morfemas

flexionais e derivacionais em seu interior e casos de dupla flexão.

(4)

(a) Foi uma mesinha-redonda medíocre. DERIVAÇÃO INTERNA

(b) O evento está repleto de mesas-redondas. DUPLA FLEXÃO

O que os exemplos acima nos mostram é que há compostos que são transparentes

para regras sintáticas. Isso tem como consequência uma duplicidade em seu

comportamento: sua distribuição na cadeia sintagmática espelha comportamento de

palavra, mas, ao mesmo tempo, sua constituição interna reflete similaridade com a

estrutura sintática porque operam, entre seus constituintes, regras de flexão e de

derivação.

(5)

(a) [mesas] X0 [redondas] X

0

(b) [ [mesas] [redondas] ]X0

Quanto a operações morfológicas, temos em 5 (a) duas palavras independentes e,

em 5 (b), um composto. No primeiro caso, é possível observar que, em cada átomo

sintático, uma operação de flexão foi realizada em contexto periférico. Já no segundo

caso, em que temos um composto, o átomo sintático apresenta duas marcas de flexão,

Page 179: Letras & Letras

178

uma na borda esquerda da unidade e outra interna a ela. A representação em 5 (b)

apresenta-se ambígua, pois, enquanto o X0 indica que o composto tem distribuição de

uma única palavra, as marcas de plural evidenciam característica de sintagma.

Tendo em conta, pois, essa ambiguidade, devemos buscar um meio de formalizar

a diferença entre compostos e estruturas sintagmáticas. Nesse ponto, é importante

lembrar que trata-se, aqui, de buscar uma distinção do ponto de vista sintático; a questão

da caracterização prosódica já foi apresentada na seção sobre problemas fonológicos.

6 Análise

Nossa proposta de análise é baseada numa concepção de palavra composta como

formação híbrida, em que interagem fonologia, morfologia e sintaxe. A partir dos

pontos problemáticos apresentados na seção anterior, ficou evidenciado que não existe

isomorfismo entre esses três componentes no processo de composição.

Nosso estudo não se propõe a solucionar o problema da falta de isomorfismo entre

os três componentes, mas sim formalizá-lo. Nosso objetivo maior é demonstrar os

pontos de convergência entre fonologia, morfologia e sintaxe, ou seja, a interface entre

esses três componentes na formação das palavras compostas.

Para tanto, é necessário que façamos uso de modelos teóricos que nos possibilitem

conceber uma gramática sem a separação total de seus componentes. Vimos que a

Teoria da Otimidade é adequada aos nossos objetivos, por romper com a noção de

modularidade. Além disso, a TO apresenta mais três características, já apontadas por

Collischonn e Schwindt (2003), que serão fundamentais para o desenvolvimento de

nossas ideias. Uma dessas características é a universalidade; ou seja, as restrições por

meio das quais os candidatos a uma forma de output são avaliados devem ter caráter

universal, tendo validade para analisar fenômenos de todas as línguas, e não apenas de

línguas particulares. As restrições, ao contrário das regras, são igualitariamente

violáveis, o que confere uniformidade às análises empreendidas pela TO. O

pesquisador, ao manipular modelos que se utilizavam de regras, tinha de lidar com o

embaraço de prover explicações ad hoc para casos em que regras não se aplicavam.

Restrições, ao contrário de regras, têm sua não atuação prevista dentro mesmo de sua

natureza.

Todas restrições, porque universais, estão presentes em toda e qualquer língua e

todas, uniformemente, são passíveis de serem obedecidas ou violadas. Sua atuação em

uma determinada gramática vai ser determinada pelo lugar em que ocupa perante outras

restrições, com relação a um determinado fenômeno. Essa concepção é importante

porque o que passa a caracterizar as diferentes línguas é o estatuto das restrições em sua

gramática (se ativas, inativas; se obedecidas ou violadas), e não mais uma maquinaria

composta por regras, restrições, e princípios de boa formação. Esse aspecto é

fundamental porque confere economia descritiva às analises empreendidas pela TO.

Universalidade, uniformidade de análise e economia descritiva são aspectos

importantes a se considerar na proposta de uma análise dos compostos. Princípios de

boa formação que, como regras, pressupõem obediência, nem sempre são respeitados

universalmente. Se fossem concebidos como restrições violáveis, contudo, o fato de não

serem obedecidos em algumas línguas seria previsível.

Tendo isso em mente, Selkirk (1995) redesenhou os princípios de boa formação

da hierarquia prosódica, a fim de fazê-los atuar como restrições violáveis para a análise

Page 180: Letras & Letras

179

das palavras funcionais do inglês e do servo-croata. O conjunto de restrições

fundamentadas nesses princípios de boa formação foi denominado por Selkirk de

Restrições de Dominância Prosódica (RDPs). Para os objetivos de nossa análise,

faremos uso das restrições Exaustividade e Não Recursividade4. Enquanto restrição,

Exaustividade requer que categorias prosódicas tenham filiação, e Não Recursividade

traz a exigência de que uma dada categoria não domine elementos da mesma categoria

prosódica. Tomaremos emprestadas essas restrições para nossa análise, visto o nosso

propósito de descrever prosodicamente os compostos tendo em mente os problemas que

os princípios de boa formação nos apresentam.

Juntamente com as RDPs, faremos uso das restrições de alinhamento, já

mencionadas em seção anterior. Esse tipo de restrição, que demanda alinhamento de

bordas de categorias prosódicas e morfossintáticas, nos permite espelhar a relação da

fonologia com a morfologia e com a sintaxe, nos casos, por exemplo, de palavras que

são composicionais apenas do ponto de vista prosódico e não morfossintático.

Passemos, então, à análise propriamente dita. Por uma questão de organização,

exploraremos aspectos da fonologia, da morfologia e da sintaxe, nessa ordem.

Comecemos, pois, pela fonologia.

Na fonologia, a grande questão que se coloca é sobre o estatuto prosódico dos

compostos dotados de dois acentos. O princípio de exaustividade demanda que os

membros do composto, que são individualmente mapeados como palavras prosódicas,

sejam rotulados em conjunto, sob um constituinte maior. Para suprir essa demanda, há

duas opções: uma delas é agrupar esses elementos dentro da categoria imediatamente

maior, a frase fonológica; a outra opção é agrupá-los dentro de um constituinte rotulado

como palavra prosódica. O problema, no primeiro caso, é que a estrutura rotulada sob a

frase fonológica serviria para refletir, por igual, elementos relacionados sintaticamente.

E justamente a diferenciação entre sintagmas e compostos é o que buscamos formalizar.

Na segunda opção, o composto se diferencia da estrutura sintagmática, mas sob o custo

de ferir a exigência de não recursividade.

Descartamos a primeira opção porque não podemos admitir estrutura idêntica para

o composto e o sintagma. Resta-nos considerar os dois princípios de boa formação,

agora em forma de restrições violáveis, e decidir o que é menos grave: estruturas não

escandidas ou estruturas recursivas. Vejamos o tableau abaixo.

(6)

Palavra Composta: Palavra Prosódica Recursiva

/[pão] [duro]/ Exaustividade Não Recursividade

a. [pão] [duro] *!

b. [ [pão] [duro] ] *

O tableau nos mostra que a estrutura recursiva é preferível à estrutura não

escandida, ou seja, com elementos sem filiação. Ora, um constituinte prosódico não

terminal sem filiação alguma perde a característica da dominância, que é o que faz da

hierarquia prosódica, de fato, uma hierarquia. Isso reserva lugar mais alto no ranking à

restrição Exaustividade comparativamente à restrição Não Recursividade.

4 O conjunto das chamadas Restrições de Dominância Prosódica, proposto por Selkirk (1995), é composto pelas

restrições Layeredness, Headedness, Exhaustivity e Nonrecursivity. Para nossa análise, apenas as duas últimas serão relevantes.

Page 181: Letras & Letras

180

A fim de driblarmos o já mencionado problema da identidade de estrutura entre

sintagma e composto – com que nos depararíamos ao agruparmos os membros do

composto sob o nó de frase fonológica – e também o problema da falta de filiação

prosódica de 6 (a) – caso propuséssemos obediência a Não Recursividade –, assumimos

que a palavra composta em PB constitui-se como uma palavra prosódica recursiva. Uma

vez que passamos a conceber Não Recursividade não mais como um princípio a ser

obedecido, mas como uma restrição passível de ser violada, uma estrutura recursiva já

não representa um grande problema para a formalização dos compostos.

A palavra prosódica recursiva também é realidade presente no universo das

palavras derivadas. Formações contendo sufixos acentuados, tal como os compostos

vistos acima, constituem formações recursivas. Esses casos representam palavras

fonologicamente compostas porque base e sufixo são acentuados; a base mantém a sua

independência prosódica a despeito do acento do sufixo. São exemplos de compostos

fonológicos palavras formadas com os sufixos -mente e -(z)inho, tais como belamente,

singelamente, cafezinho, rosinha, entre outras. Os derivados fonologicamente simples,

por sua vez, apresentam uma única proeminência. Se o sufixo recebe o acento, a base

deixa de ser acentuada (como em cafezal).

A diferenciação entre o que constitui um derivado fonologicamente simples e um

derivado fonologicamente composto pode ser formalizada por meio de uma restrição de

alinhamento. Uma vez que o segundo tipo de formação se caracteriza pela presença do

acento na base, ao contrário do que acontece com o primeiro, uma restrição que

demanda o alinhamento à direita, entre base e palavra prosódica, poderia estar atuante

na distinção entre essas formações.

Vejamos o tableau que compara a avaliação dos dois tipos de derivados frente a

essa restrição de alinhamento.

(7)

Emergência do Composto Fonológico

/[so] [mente]/ Align (, R; PW, R)

a. [s] [mente]

b. [so] [mente] *

O tableau acima não evidencia competição via ranking. Serve unicamente para

demonstrar como a restrição avalia os dois candidatos. O candidato (b), que é

eliminado, não apresenta mais acento na base, de acordo com sua vogal média alta.

Nesse caso, a base não está alinhada com uma palavra prosódica. Já o candidato (a) é

vencedor porque cumpre a exigência da restrição de alinhamento, uma vez que sua base

se alinha com uma palavra prosódica, pois é acentuada. A diferença entre os derivados e

os compostos fonológicos é, portanto, a obediência à restrição de alinhamento,

observada nos últimos. Para a emergência dos derivados fonologicamente simples, a

restrição de alinhamento deve estar inativa.

Passemos, agora, à comparação entre os compostos fonológicos (a palavra

derivada que contém dois acentos, como belamente) e os compostos regulares

(formados de duas bases, e também dotados de dois acentos, como pão-duro). Ambos

constituem palavras prosódicas recursivas; o que os distingue é o fato de que compostos

regulares mantêm uma relação de um para um entre a base e a palavra prosódica

enquanto os compostos puramente fonológicos não apresentam essa relação isomórfica.

Observa-se, assim, nos compostos regulares, uma relação de um para um entre a palavra

Page 182: Letras & Letras

181

prosódica () e a palavra morfossintática representada pelas bases (), o que não se

observa no composto fonológico.

(8)

(a) [pão] [duro]

(b) [s] [zinho]

A questão do isomorfismo entre constituinte prosódico e constituinte

morfossintático está presente também na descrição sintática dos compostos. No

mapeamento sintático, palavras simples têm correspondência de um para um entre

elementos da estrutura profunda e da estrutura de superfície, como podemos ver abaixo.

(9)

Comprei uma mesa redonda muito bonita.

[N] [A] ESTRUTURA PROFUNDA

| |

[N] [A] ESTRUTURA DE SUPERFÍCIE

No caso de palavras formadas por processo de composição, diferentemente, o

mapeamento entre elementos da estrutura profunda e da estrutura de superfície mostra

uma relação de dois para um, já que os vocábulos da estrutura profunda são reanalisados

como um único vocábulo na estrutura superficial.

(10)

A mesa-redonda com o neurocientista foi o ponto alto do evento.

[N] [A] ESTRUTURA PROFUNDA

[N] ESTRUTURA DE SUPERFÍCIE

Os vocábulos rotulados como [N] e [A], no processo composicional, formam um

terceiro elemento rotulado como [N] que, na cadeia sintagmática, ocupará uma única

posição X0. Esse elemento, no entanto, apesar de representar um único átomo sintático,

é constituído por duas palavras fonológicas, pois ambos os seus elementos são

portadores de acento. Apresenta-se, pois, uma situação de falta de isomorfismo entre

categorias; no caso, categoria prosódica e categoria sintática. Vejamos como os

elementos são rotulados.

(11)

[mesa] x0 [redonda] x

0 ELEMENTOS INDEPENDENTES

[[mesa] [redonda] ] x0 ELEMENTOS EM COMPOSIÇÃO

No primeiro caso, temos os elementos mesa e redonda constituindo átomos

sintáticos independentes. A cada átomo, corresponde uma palavra prosódica, numa

situação de isomorfismo entre categoria prosódica e categoria morfossintática. No caso

seguinte, a situação de não isomorfismo se apresenta porque para o átomo sintático que

constitui toda a palavra composta, temos duas palavras prosódicas.

Nesse aspecto, enquanto, no primeiro caso, o alinhamento entre categorias é

mantido, no segundo caso, verifica-se um desalinhamento entre categoria prosódica e

Page 183: Letras & Letras

182

categoria sintática. Uma restrição de alinhamento pode ser um mecanismo adequado

para capturar a relação entre a fonologia e a sintaxe na delimitação da fronteira entre

palavras simples e palavras compostas. Essa restrição, segundo supomos, demanda que

à direita de uma palavra prosódica esteja alinhado um átomo sintático:

(12)

Align (PW, R; X0, R)

Alinhe a borda direita de uma palavra prosódica com a borda direita de um

átomo sintático.

Abaixo, ilustramos a avaliação das duas estruturas apresentadas em (11) frente

essa restrição de alinhamento.

(13)

Representação do Composto

/ [mesa]N [redonda]A / Align (PW, R; X0, R)

a. [[[mesa] [redonda] ] x0

*

b. [[mesa] x0 [redonda] x

0 ]

A restrição de alinhamento, quando ativa, é responsável por banir a estrutura (a),

que representa o composto. Isso implica dizer que a palavra composta é formada a partir

do desalinhamento entre as bordas das categorias prosódica e sintática. O candidato (b),

que não viola alinhamento, representa os vocábulos dispostos em uma estrutura frasal,

onde cada palavra prosódica está alinhada a um átomo sintático. Nesse último

candidato, a relação de isomorfismo é evidenciada, o que não se verifica no primeiro:

(14)

(a) mesa redonda ESTRUTURA COMPOSICIONAL

[] []

[X0]

(b) mesa redonda ESTRUTURA SINTAGMÁTICA

[] []

[X0] [X

0]

7 Conclusões

Nossa análise buscou representar uma alternativa aos estudos que lançam mão de

níveis para a descrição da palavra composta em PB. Com base no pressuposto de que

fonologia, morfologia e sintaxe atuam conjuntamente na composição, buscamos mostrar

os pontos de convergência entre esses três componentes.

Na busca desse objetivo, o arsenal teórico de nossa análise foi ponto fundamental.

A perspectiva otimalista, que rompe com a ideia de modularidade e que passa a

relativizar o poder de princípios de boa formação, foi fundamental para que pudéssemos

demonstrar as fronteiras entre a composição, de um lado, e estruturas maiores

(sintagmas) e menores (derivados), de outro.

Page 184: Letras & Letras

183

As restrições de alinhamento mostraram que podem refletir muito bem essas

diferenças, caracterizando-se como um elo que liga fonologia, morfologia e sintaxe,

uma vez que estão aptas a fazer referência a um e outro componente a um só tempo.

Além das restrições de alinhamento, as RDPs foram capazes de caracterizar as

palavras compostas em nosso estudo. Nesse sentido, a grande questão girava em torno

da caracterização prosódica dos compostos – construções que não estão previstas na

hierarquia prosódica. A solução por nós adotada vai ao encontro da tendência atual, que

busca afrouxar os princípios de boa formação da hierarquia, transformando-os

alternativamente em restrições violáveis (Selkirk, 1995; Ito e Mester, 2003). Essa

alternativa abre a possibilidade de ampliar a gama de formações que podem ser

descritas dentro da hierarquia prosódica, sem a adição de novas categorias, além de

poder explicar fatos de línguas particulares que aparentemente constituem violação aos

princípios de boa formação. Pensamos que a criação de um novo grupo na hierarquia

para dar conta da prosodização dos compostos seria um mecanismo por demais

particularista, o que contraria a busca por universalidade em qualquer teoria linguística.

Nossos resultados, por fim, podem ser sumarizados nas linhas abaixo.

- Prosodicamente, compostos se caracterizam como uma palavra prosódica

recursiva, violando a exigência de não recursividade das categorias prosódicas. Essa

análise tem como pressuposto a decisão de conceber os princípios reguladores da

hierarquia como restrições violáveis, passíveis de serem desobedecidas, portanto;

- No âmbito da morfologia, algumas palavras derivadas se caracterizam

fonologicamente como compostas, uma vez que são dotadas de dois acentos. Esse tipo

de formação se diferencia da derivação prosodicamente simples porque obedece à

restrição de alinhamento Align (β, R; PW, R), apresentando uma relação isomórfica

entre base e palavra prosódica;

- Os derivados fonologicamente compostos se diferenciam dos compostos

regulares (que apresentam duas bases) pelo fato de que, nesses últimos, há

complexidade morfológica e fonológica. Ou seja, para cada palavra fonológica, tem-se

uma base, o que aponta para o isomorfismo entre morfologia e fonologia nesses

compostos.

- A diferenciação entre compostos e sequências relacionadas sintagmaticamente

pode ser formalizada pela restrição Align (PW, R; X0, R), que é desobedecida pelo

composto e observada na relação entre elementos nos sintagmas.

Fechamos aqui este artigo, mas não este trabalho. Nossa pesquisa segue em

andamento, explorando outras questões, e esses resultados são apenas parte de uma

investigação mais ampla, que busca ampliar o entendimento sobre a relação entre

formação de palavras e os constituintes prosódicos. Esperamos, com essas páginas, ter

contribuído um pouco para a discussão acerca dos compostos em português brasileiro.

BRAZILIAN PORTUGUESE COMPOUND WORDS: A PHONOLOGY-

MORPHOLOGY-SYNTAX ANALYSIS

Abstract Compounding is an interface phenomenon, since it involves phonological,

morphological and syntactic information. Our general goal is to formalize this

interaction in order to provide a non modular grammar of compounds, that is, a

grammar which can show the interaction between phonological, morphological and

Page 185: Letras & Letras

184

syntactic factors. We make use of Prosodic Phonology and Optimality Theory as

theoretical background in order to provide an answer the following questions: (1) from

the point of view of the prosodic hierarchy, to what extent a sequence of words that

forms a compound is different from a sequence of words that forms a bigger domain?

(2) how can compounds be formally integrated in this hierarchy with a minimal cost to

the theory? (3) how can compounding and derivation be differentiated? (4) from a

syntactic point of view, how can compounds and phrases be differentiated? (5) which

constraints are involved in the formalization of the grammar of compounds? The

hypothesis which guides our study is that compounds have their own structure that

differentiates them from other units. From the phonological point of view compounding

will be defined as recursive prosodic word; their difference from syntactic phrases will

be expressed as a violation of a specific alignment constraint. Equally, their structural

difference as compared with derived words will be shown to be consequence of

misalignment.

Keywords

compound words; word formation; prosodic hierarchy; prosodic domain constraints;

alignment constraints

8 Referências bibliográficas:

COLLISCHONN, G. & SCHWINDT, L. C. (2003) Teoria da Otimidade em fonologia.

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Page 187: Letras & Letras

186

ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS ÁTONOS NA FALA CARIOCA:

ABORDAGEM POR RANKING DE RESTRIÇÕES

Carlos Alexandre GONÇALVES

Professor Associado III do Departamento de Letras Vernáculas da UFRJ, Pesquisador-

bolsista do CNPq

E-mail: [email protected]

Marisandra Costa RODRIGUES

Doutora em Letras Vernáculas pela UFRJ, professora da Pós-graduação em Língua

Portuguesa da FEUC (Fundação de Educação Unificada Campograndense)

E-mail: [email protected]

Resumo

Neste trabalho, observamos como se realizam, na fala carioca (região metropolitana do

estado do Rio de Janeiro), os encontros vocálicos finais átonos de palavras como

‘lêndea’, ‘glória’, ‘vácuo’ e ‘tênue’ em corpora especificamente constituídos para esse

fim. Temos, com isso, o propósito de checar que processos fonológicos conspiram

contra a realização de hiatos nessa variedade. O referencial teórico adotado na análise é

a Teoria da Otimalidade (TO), em sua versão dita clássica (Prince & Smolensky, 1993;

McCarthy & Prince, 1993).

Palavras-chave

Conspiração; hiato; otimalidade; variação.

1. Introdução

Neste trabalho, observamos como se realizam, na fala carioca (região

metropolitana do estado do Rio de Janeiro), os encontros vocálicos finais átonos de

palavras como ‘lêndea’, ‘vácuo’ e ‘tênue’ em corpora especificamente constituídos para

esse fim. Temos, com isso, o propósito de checar que processos fonológicos conspiram

contra a realização de hiatos nessa variedade. O referencial adotado na análise é a

Teoria da Otimalidade (TO), em sua versão dita clássica (Prince & Smolensky, 1993;

McCarthy & Prince, 1993).

Com base na TO, buscamos (a) estabelecer hierarquias que traduzam as forças em

conflito na gramática para que hiatos não cheguem à superfície e (b) explicar a atuação

de diferentes fenômenos militando para um mesmo propósito – o que se convencionou

chamar, na literatura em fonologia, de conspiração (Jakobson, 1962; Kisseberth, 1970).

Para alcançar os objetivos propostos, o trabalho é dividido em quatro seções.

Na seção 2, mapeamos os encontros vocálicos finais investigados e checamos o

estatuto fonológico de tais sequências, considerando, para tanto, propostas de

gramáticos tradicionais, como Bechara (2003), Cunha & Cintra (1985) e Rocha Lima

(1976), e de fonólogos do português que se dedicaram ao assunto: Mattoso Câmara Jr.

(1970), Lopez (1979), Silva (1999), Bisol (1989, 1994 e 1999) e Mateus & D’Andrade

(2000).

Page 188: Letras & Letras

187

A seção 3 apresenta os fundamentos teóricos que sustentam a análise. Com base

em Prince & Smolensky (1993) e Kager (1999), são apresentados os conceitos básicos

da TO e suas premissas. O tratamento da variação na TO é abordado com base nas

propostas de Hammond (1994) e Antilla (1995).

Na seção 4, descrevemos a metodologia utilizada no controle dos dados,

destacando as dificuldades de abordar a variedade de encontros finais átonos que o

português apresenta a partir de amostras estratificadas, como o NURC, o PEUL e o

D&G. Com base na leitura e na produção espontânea de informantes masculinos e

femininos de diferentes idades e graus de escolarização, mostramos, na seção 5, como

se realizam os encontros vocálicos finais átonos na fala carioca. Através da

identificação das forças que entram em conflito para que hiatos não cheguem à

superfície, procuramos estabelecer a(s) hierarquia(s) relevante(s) na produção das

formas que compõem o corpus.

2. Mapeamento dos encontros vocálicos considerados e revisão da literatura

Tomando por base os dicionários eletrônicos Ferreira (2002) e Houaiss (2009),

procedemos ao levantamento dos encontros vocálicos átonos que o português apresenta

em final de palavra1. Utilizando as ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras,

que possibilitam rastrear as formas ali listadas a partir de sua terminação, constatamos

que são relativamente numerosas as palavras finalizadas em duas vogais não-

acentuadas, como se observa em (01), a seguir2:

(01) -ea: orquídea, rédea, área, lêndea, fêmea -io: armário, próprio, glossário, sério, mistério

-ia: glória, séria, média, prévia, miséria -uo: mútuo, vácuo, ingênuo, contínuo,

indivíduo

-oa: mágoa, nódoa, amêndoa, páscoa, névoa -ie: calvície, série, cárie, espécie, imundície

-ua: mútua, ingênua, ambígua, tábua, estátua -ue: tênue

-eo: óleo, ósseo, vídeo, glúteo, pétreo, páreo

Tendo em vista que o vocalismo postônico se caracteriza (a) por dois diferentes

tipos de neutralização, a depender da existência de uma ou duas sílabas posteriores à

acentuada (Mattoso Câmara Jr., 1970), (b) pela ausência de médias abertas na átona

imediatamente contígua à tônica de proparoxítonos (Lopez, 1979) e (c) pela existência

de apenas três vogais átonas finais, [ɪ, ʊ, ɐ] (Cristófaro-Silva, 1999), o número de

encontros vocálicos orais possíveis é limitado, restringindo-se a nove combinações.

Como se observa em (01), quando a segunda vogal é baixa, médias e altas podem

aparecer na primeira posição (doravante V1). No caso de palavras terminadas em -e

(fonologicamente /I/), só ocorrem combinações com V1 alta: várias palavras com alta

anterior (‘espécie’, ‘cárie’, ‘série’) e apenas uma com alta posterior (‘tênue’). Por fim,

em encontros finalizados em -o (fonologicamente /U/), V1 pode ser alta (‘mútuo’,

‘próprio’) ou média anterior (‘vídeo’).

1 Como estamos interessados em observar a possível alternância entre hiatos e ditongos, descartamos os encontros vocálicos com nasais, a exemplo de ‘órgão’, em função da realização como ditongo nasal (ou monotongo oral). Do mesmo modo, não foram considerados casos como ‘pônei’ e ‘vôlei, também produzidos como ditongos decrescentes (ou monotongos). 2 Nesse primeiro momento, optamos por representar graficamente as terminações focalizadas para melhor referenciar os encontros que constituem nosso objeto de investigação.

Page 189: Letras & Letras

188

Duas questões imediatamente se colocam em relação às formas listadas em (01): a

produção das sequências finais e a interpretação fonológica do encontro. A seguir,

apresentamos diferentes visões sobre a oscilação entre ditongos e hiatos em português,

focalizando, na medida do possível, o contexto investigado (posição postônica).

Observamos, em primeiro lugar, o tratamento dispensado pela tradição gramatical e,

logo após, por fonólogos de diferentes filiações teóricas.

A maior parte dos gramáticos tradicionais (Cunha & Cintra, 1985; Cegalla, 1990;

Bechara, 2003) considera que as formas em (01) podem ser produzidas como ditongos

ou como hiatos. Além disso, a maioria concorda com a preferência pela realização do

ditongo. Rocha Lima (1976) divide os ditongos crescentes em dois grupos: um estável e

outro instável. Os primeiros apresentam o glide /w/ e são precedidos por /k/ ou /g/, a

exemplo de ‘água’ e ‘légua’. Os últimos aparecem em duas diferentes posições em

relação ao acento. Os do primeiro grupo são -ia (‘ausência’), -ie (‘série’), -io (‘pátio’), -

ua (‘árdua’), -ue (‘tênue’), -uo (‘vácuo’), átonos finais, e os do segundo são os encontros

com /i/ e /u/ átonos não-finais (‘piegas’, ‘fiel’, ‘suor’, ‘violento’). O autor condiciona a

instabilidade desses encontros a questões de ordem regional, social e cultural, afirmando

que os postônicos tendem a se realizar como ditongos e os pretônicos, como hiatos.

Cunha & Cintra (1985) também consideram verdadeiros os ditongos crescentes

que apresentam o glide /w/ e são precedidos de /k/ ou /g/. Quantos às terminações em

exame, os autores acreditam na predominância do ditongo, mas alertam para a

possibilidade de ocorrer o hiato, “sobretudo na fala cuidada” (p. 89). Cegalla (1990),

por sua vez, afirma que (a) as sequências vocálicas átonas finais, apesar de variáveis,

são preferencialmente realizadas como ditongos; (b) as terminações -ea (‘rédea’), -eo

(‘róseo’) e -oa (‘nódoa’) apresentam maior oscilação na pronúncia, pois são produzidas

ora como ditongos crescentes, ora como hiatos; (c) os encontros presentes em palavras

como ‘quiabo’, ‘piada’, ‘cordial’, ‘miolo’ e ‘poeta’, entre inúmeras outras, são os

verdadeiros hiatos do português.

Bechara (2003) também apresenta um posicionamento sobre o assunto. Afirma

que alguns ditongos crescentes são discutíveis quanto à realização, mas não especifica

quais. O autor menciona a tendência de a língua portuguesa evitar o hiato, através da

ditongação e da crase; diverge dos demais gramáticos por considerar como ditongos

crescentes os encontros de ‘coelho’, ‘diabo’ e ‘criança’.

Como se vê, a questão é controversa mesmo entre os gramáticos tradicionais, que

apresentam diferentes interpretações sobre os encontros vocálicos orais átonos – tanto

os finais quanto os não-finais. Passemos, a seguir, às análises apresentadas por alguns

fonólogos do português.

Mattoso Câmara Jr. (1970), com base no dialeto do Rio de Janeiro, defende a ideia

de que só há hiato quando uma das vogais do encontro é acentuada (‘baú’, ‘caolha’,

‘saúde’). Quando os dois elementos são átonos, há, nas palavras do autor, “variação

livre entre ditongos e hiatos” (p. 65). Quanto à posição dos encontros em relação ao

acento, o autor apresenta três contextos em que a alternância ditongo-hiato pode ocorrer

sem oposição distintiva: (a) quando /i/ e /u/ são precedidos ou seguidos de vogal átona,

como em ‘vaidade’ e ‘ansiedade’, nessa ordem; (b) quando /i/ e /u/ são seguidos de

vogal tônica (‘suar’, ‘fiel’, ‘miolo’); (c) quando /i/ e /u/ aparecem seguidos de vogal

átona em posição final (‘glória’, ‘ócio’).

Cristófaro-Silva (1999) divide os ditongos crescentes em postônicos e pretônicos.

Os primeiros, segundo a autora, apresentam “variação livre de pronúncia”, enquanto os

últimos são categoricamente produzidos como ditongos apenas quando fazem parte do

Page 190: Letras & Letras

189

sufixo alomórfico de -ção, -cion- (‘estacionamento’). Callou & Leite (1989) também

destacam a instabilidade dos ditongos crescentes, sobretudo em posições átonas, não

opinando, no entanto, sobre a produção mais frequente das sequências vocálicas em

exame.

Em resumo, os autores concordam quanto à instabilidade dos encontros vocálicos

átonos finais. Quanto à realização, os gramáticos tradicionais, embora bastante flexíveis

nesse aspecto, tendem a preferir a produção do ditongo, em dados como ‘miséria’ e

‘tênue’. Linguistas como Mattoso Câmara Jr. (1970) e Callou & Leite (1989)

concordam com a ideia de que apenas os ditongos que apresentam /w/ precedido de /k/ e

/g/ são categoricamente crescentes. Já Christófaro-Silva (1999) admite a oscilação entre

ditongos crescentes e hiatos em contextos pretônicos e postônicos. Resenhamos, a

seguir, duas propostas de inflexão gerativista, com o objetivo de checar o que os autores

consideram estar presente no nível fonológico.

Segundo Bisol (1984), (a) não há glides na representação subjacente; (b) os

ditongos decrescentes surgem no nível lexical e os crescentes, no pós-lexical; (c) os

ditongos que oscilam com vogais simples podem ser considerados falsos e os que não

apresentam tal oscilação, verdadeiros e (d) as sequências formadas por /kw, gw/ e as

vogais /a, o/ devem receber, por explicações históricas, tratamento diferenciado3.

A autora defende que não há glide na estrutura subjacente, ou seja, tanto os

ditongos crescentes quanto os decrescentes surgem de vogais heterossilábicas,

ocorrendo a formação dos decrescentes no nível lexical e a dos crescentes, no pós-

lexical. Assim, todos os ditongos, segundo a autora, “são oriundos de hiatos”. Nos

ditongos decrescentes, durante o processo de silabificação, a vogal de maior sonoridade

passa a núcleo, devido ao Princípio de Sequenciação de Sonoridade (PSS), e a vogal de

menor sonoridade passa a glide. Já nos crescentes, a sequência de duas vogais

heterossilábicas se mantém até o final do nível lexical e é no pós-léxico que a vogal alta

pode ou não tornar-se glide e, por isso, ditongos crescentes oscilam livremente com

hiatos.

Lopez (1979), assim como Bisol (1989), propõe que a distinção entre os dois

encontros vocálicos seja feita por meio da diferença de sonoridade. Diferentemente

dessa autora, sugere que o elemento marginal do encontro seja interpretado como

semivogal ou semiconsoante, a depender da ordem dos segmentos vocálicos. Lopez

(1979) ainda discute se vogais e semivogais são distintas no nível subjacente.

Segundo Lopez (op. cit.), nos ditongos decrescentes, o glide é classificado como

semivogal. Já nos crescentes, o glide deve ser visto como semiconsoante. Lopez (1979)

observa que a formação do ditongo no nível superficial só é categórica quando o

elemento alto está no final da sílaba e é precedido de núcleo vocálico. Tal proposta nos

leva a interpretar que apenas os ditongos decrescentes são formados imediatamente

durante a silabificação, enquanto os crescentes, por não se enquadrarem totalmente nas

condições apresentadas, não são imediatamente formados no nível superficial e, devido

a isso, são realizados em variação com os hiatos. Também é possível, com base na

proposta de Lopez (op. cit.), interpretar que no nível subjacente nunca ocorrerá um

ditongo.

3 Segundo Bisol, os únicos ditongos crescentes que não oscilam com hiatos são os de palavras como ‘água’ e ‘quociente’. São duas as explicações apresentadas. A primeira é que tais ditongos são lexicalizados (já estão no nível

subjacente) e a segunda é que, nesses casos, kw e gw são consoantes complexas (/kw/ e /gw/), o que, mais uma vez, ocasionaria a formação do ditongo no pós-léxico.

Page 191: Letras & Letras

190

Além de defender a variação livre entre ditongos crescentes e hiatos, Lopez

acredita que sempre é possível que vogais altas não acentuadas se tornem

semiconsoantes quando seguidas de outro elemento vocálico, independentemente da sua

natureza e tonicidade, a exemplo de ‘quiabo’ e ‘mágoa’. Outra questão interessante,

levada em consideração pela autora, é a de que, em alguns casos, vogais médias átonas

sofrem alçamento, dando origem a ditongos (‘teatro’, ‘joelho’), o que mostra a

alternância das semiconsoantes com vogais altas e médias.

Há, ainda, um adendo importante sobre os ditongos crescentes. Segundo Lopez

(op. cit.), os ditongos crescentes não atendem às duas condições que tornam a formação

do ditongo categórica no nível superficial, pois o glide não aparece em posição de final

de sílaba e pode ser precedido de ataque silábico, sendo este simples ou complexo,

como em ‘leão’ e ‘criança’, respectivamente.

Mateus & D’Andrade (2000) desenvolvem seus estudos com base no português

europeu (especificamente na variedade utilizada em Lisboa), mas também mencionam o

português brasileiro. Ao tratar dos encontros vocálicos, os autores defendem que os

glides surgem no plano fonético, sendo oriundos de vogais altas subjacentes, mas os

argumentos utilizados para defender o glide fonético e justificar a modificação do

elemento vocálico durante sua chegada à superfície diferem dos utilizados por Lopez

(1979). Segundo Mateus & D’Andrade (2000), não há ditongos no nível subjacente

porque não existem pares mínimos que comprovem a distinção entre vogais altas e

glides. Em casos como [´pajʃ] e [pa.´iʃ], o acento recai em sílabas diferentes, o que

impede a formação de um par mínimo. Os autores ainda estabelecem alguns requisitos

que a vogal subjacente deve preencher para passar a glide no nível superficial.

De acordo com os autores, os ditongos crescentes também surgem no nível

fonético, mas exigem estudo diferenciado por apresentar características próprias. No

caso dos decrescentes, o glide é interpretado como parte do núcleo; já nos crescentes, é

visto como constituinte do ataque. O principal argumento utilizado é o seguinte: nos

ditongos crescentes, o glide não é nasalizado (‘quando’ – [‘kwɐ n.du]), como ocorre nos

decrescentes nasais (‘mãe’ – [‘mɐ j ]). Os exemplos utilizados para confirmar essa análise

são ‘criança’ e ‘pião’. Para Mateus & D’Andrade (2000), se o glide fizesse parte da

rima, teria de ser nasalizado, assim como a vogal.

Com base no que foi apresentado nesta seção, o nível subjacente contém duas

vogais que, após a silabificação, são reinterpretadas e uma delas passa a ocupar a

posição de margem silábica. É importante ressaltar que a possível ressilabificação se dá

com base (a) no acento, (b) na altura vocálica e (c) na ordem das vogais no encontro. A

seguir, apresentamos os fundamentos do modelo teórico adotado na análise, a TO, para,

logo após, descrever as sequências vocálicas em (01) com base nessa perspectiva

teórica.

3. Teoria da Otimalidade (TO)

A TO difere das abordagens gerativas precedentes em dois aspectos,

fundamentalmente. Em primeiro lugar, propostas ditas derivacionais assumem que a

tarefa da teoria linguística é definir, a partir de uma forma subjacente (input), a

representação superficial (output) de um objeto linguístico. Nesses enfoques, o

emparelhamento do input com o output é implementado por um conjunto bem definido

de regras ordenadas.

Page 192: Letras & Letras

191

Desenvolvimentos paralelos na teoria fonológica foram importantes para definir o

lugar das restrições na Gramática Universal, levando à emergência da TO (Prince &

Smolensky, 1993; McCarthy & Prince, 1993), que rejeita a ideia de um mapeamento

input-output governado por um conjunto de regras. No lugar dessa função, Gen

(abreviação de Generator) produz, para cada input, um contingente de análises

candidatas.

Um segundo aspecto que distingue a TO das demais propostas de orientação

gerativista é o abandono da visão, anteriormente defendida, de que restrições são

imposições de línguas particulares sobre padrões fonotáticos. Em vez disso, a TO

propõe que restrições são universais e de formulação geral. Prince & Smolensky (1993)

defendem que uma gramática consiste de um ranking de restrições universais.

A proposta central da TO é a de que restrições são violáveis e ranqueadas numa

escala de relevância. Os candidatos a output produzidos por Gen são checados por Eval

(componente avaliador), de acordo com um conjunto de restrições hierarquicamente

ranqueadas (1 >> 2 >> ... >> n) que potencialmente podem eliminar algum concorrente.

O esquema em (02), extraído de Kager (1999: 8), representa o processo de eliminação

na TO:

(02)

C1 >> C2 >> Cn

Candidato a ——> ——> ——>

Candidato b ——>

Input Candidato c ——> ——>

Candidato d ——> ——> ——> ——> Output

Candidato ... ——> ——>

A função Eval é responsável pela avaliação de todos os possíveis candidatos e

então escolhe o mais harmônico em relação ao ranking de restrições, i. e., o output real

(forma ótima). No caso de (02), a forma (d) é escolhida, após descartes progressivos dos

demais oponentes pelas exigências mais altas do sistema de prioridades4. Dois

princípios da TO são diretamente relevantes à análise dos encontros vocálicos átonos

finais, feita na seção 5: O Princípio da Riqueza do Input e Princípio de Otimização do

Léxico, descritos a seguir.

3.1 Riqueza do Input e Princípio de Otimização do Léxico

A relação existente entre a Riqueza do Input (ou base) e o Princípio da

Otimização do Léxico é importante porque o primeiro princípio permite a liberdade de

colocação de material linguístico no input. Collischonn & Schwindt (2003: 35) definem

a Riqueza do Input da seguinte maneira: “ausência de proibição a determinados

segmentos ou a determinadas propriedades prosódicas no input”.

4 Uma apresentação geral da teoria, em português, encontra-se em textos como Costa (2001), Collischonn & Schwindt (2003), Gonçalves & Piza (2009) e Schwindt & Bisol (2010); um glossário com a definição e a

exemplificação de mais de 100 restrições é apresentado em Gonçalves, Andrade & Rondinini (2009). Remetemos o leitor interessado em maiores detalhes sobre o modelo a esses textos.

Page 193: Letras & Letras

192

A Otimização do Léxico, por sua vez, limita o material colocado na estrutura

subjacente. Segundo esse princípio, diante da possível variação de formas subjacentes

para um mesmo output, o input escolhido é o que mais se assemelha à forma de

realização. O Princípio de Otimização do Léxico, portanto, controla a Riqueza do Input

para que não haja discrepâncias desnecessárias entre forma subjacente e forma de

superfície. Esses princípios são de grande importância para a análise proposta na seção

5, pois contribuem para a escolha da forma subjacente.

3.2 A tese da conspiração

De acordo com Adam (2002: 24), “o termo conspiração refere-se a instâncias às

quais um número de regras diferentes conspiram para o mesmo objetivo fonológico,

apesar de não requererem exatamente o mesmo ambiente”. Como mostram Hora &

Lucena (2008), a ideia de conspiração não é nova em fonologia. Em seus primeiros

estudos, no final da década de 1920, Jakobson (1962) observou que regras diacrônicas

do eslavônio apresentam evidente direcionalidade: a eliminação das codas silábicas. O

entendimento mais sistemático do fenômeno da conspiração, ainda de acordo com Hora

& Lucena (2008: 352), se dá com o texto de Kisseberth (1970). Nesse trabalho,

Kisseberth (op. cit.) observou que várias regras fonológicas em yawelmâni possuem um

propósito semelhante: eliminam ou deixam de criar sequências de três consoantes

adjacentes (do tipo CCC).

McCarthy (2002) afirma que a mesma configuração do output pode ser alcançada

por estratégias distintas em diferentes línguas ou dentro de uma mesma língua. O termo

conspiração tem sido usado na TO sempre que demandas atuem no sentido de alcançar

a realização ou não-realização de determinada estrutura. Como a TO prioriza os outputs,

preferencialmente os não-marcados, pode haver interação entre homogeneidade dos

alvos e heterogeneidade dos processos:

“Na OT, a ênfase está nos alvos (outputs não-marcados) que esses processos têm em

comum, como, por exemplo, evitar codas ou ataques complexos, buscar seqüências de

sonoridade harmônicas etc. O processo que determinada língua utiliza para chegar ao alvo é

resultante da interação específica de restrições de marcação com outras restrições nessa

língua. O que importa, então, é o que se chama de homogeneidade de alvo

independentemente do processo (heterogeneidade de processo)” {(...)]. “Quando temos

heterogeneidade de processos com alvo comum numa mesma língua, falamos em

conspiração” (COLLISCHONN & SCHWINDT, 2003: 26-27).

3.3 O tratamento da variação

Na TO, a relação entre input (forma subjacente) e output (forma de superfície) é

mediada por um conjunto de restrições universais passíveis de violação. Com essa nova

concepção sobre o funcionamento da gramática, muitos fonólogos resgatam uma

discussão que, segundo Kager (1999), é residual na versão clássica da TO – o

tratamento da variação. De acordo com esse autor, a emergência de mais de um output

ótimo para uma única forma de input é um desafio para a gramática da TO, que é

determinística, no sentido de que cada input é mapeado em um único output, o

candidato mais harmônico (Kager, 1999: 404).

Page 194: Letras & Letras

193

Com o objetivo de refletir sobre a variação, mas, ao mesmo tempo, atender aos

princípios básicos da teoria, alguns autores propõem abordagens sobre a emergência de

mais de um output ótimo, como é o caso, entre outros, de Hammond (1994), Antilla

(1995), Antilla (1997), McCarthy (2002) e Coetzee (2006).

O primeiro trabalho de que se tem notícia acerca da interpretação da variação na

TO é o de Hammond (1994). O autor observa que é possível trazer à superfície mais de

um output ótimo. A emergência de múltiplos outputs decorre da satisfação a todas as

demandas da hierarquia, como ilustram os tableaux5 em (03) e (04), a seguir:

(03) /input/ RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

[cand1]

[cand2] *!

[cand3] *!

(04) /input/ RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

[cand1]

[cand2] *!

[cand3]

Em (03) e em (04), consideramos um fenômeno hipotético e, para sua análise,

uma hierarquia composta por três restritores, numa relação de dominância do tipo A >>

B >> C. Em (03), temos regularidade na forma de saída e, com isso, apenas um

candidato ótimo; em (04), o mesmo fenômeno apresenta variação, resultando em dois

outputs. No tableau em (03), [cand2] viola a primeira restrição do ranking e é

sumariamente eliminado da disputa. Das formas restantes, [cand1] e [cand3], [cand3]

infringe o restritor B, permitindo a emergência de [cand1] como forma ótima. Em (04),

em contrapartida, [cand2] infringe a restrição mais bem cotada da hierarquia e é

eliminado. As formas ainda no páreo, [cand1] e [cand3], passam ilesas por B e C e,

portanto, vêm à superfície. Desse modo, a própria hierarquia consegue trazer à tona

dados variáveis, como representado em (04), e não-variáveis, como em (03).

A proposta de Hammond (op. cit.), contudo, é capaz de trazer à superfície apenas

dados referentes a fenômenos altamente regulares. Para casos em que há conflito entre

demandas, outras perspectivas acerca do tratamento da variação mostram-se mais

consistentes, como a de Antilla (1995). Esse autor baseia-se na existência de restritores

móveis. De acordo com essa abordagem, restritores são móveis quando ainda não têm

posição estável na hierarquia e, por isso, permitem que candidatos diferentes, porém

igualmente ótimos, cheguem à superfície. Dessa maneira, a variação consiste em uma

competição entre “rankings parciais”, que pode ou não resultar em mudança. Essa

proposta é sistematizada nos tableaux em (05) e (06):

(05) /input/ RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C RESTRIÇÃO D

[cand1] * *! *

[cand2] * *

(06) /input/ RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO C RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO D

5 Nesta e nas demais tabelas, o símbolo * marca uma violação a um restritor da hierarquia (quanto mais *, mais violação) e *! indica que a violação é fatal (elimina o candidato da disputa). Linhas sólidas representam hierarquização crucial e linhas pontilhadas, hierarquização parcial. O sombreado representa que as restrições

seguintes são irrelevantes para o candidato, já eliminado por um restritor mais alto na hierarquia. Por fim, indica o candidato vencedor.

Page 195: Letras & Letras

194

[cand1] * * *

[cand2] * *!

Como se observa, os restritores B e C estão alternando posições nos tableaux, ou

seja, não apresentam lugar fixo na hierarquia. Em (05), [cand1] e [cand2] passam pelo

restritor A, mas [cand1] viola B e é eliminado. Já em (06), os restritores B e C mudam

de lugar na hierarquia e C, que antes era dominado por B, passa a dominá-lo, fazendo

com que [cand2] vença a disputa. Assim, a alternância entre as restrições B e C é

responsável pela escolha de dois candidatos e pela competição entre dois rankings.

Lee & Oliveira (2006), retomando Antilla (1997), discutem a possibilidade de a

variação ser resolvida em um único tableau, com alguns restritores não-hierarquizados

num ranqueamento total, como se ilustra em (07):

Em (07), [cand1] e [cand2] violam o restritor A e, apesar de [cand1] violar B, a

disputa continua porque B e C não estão hierarquizados. Em seguida, [cand2] viola C e

ambos os candidatos são escolhidos como ótimos. Como é possível perceber, a não-

hierarquização entre B e C permite que dois outputs cheguem à superfície sem que se

utilizem vários tableaux. Em resumo, Antilla (1995) defende que a possibilidade de

alguns restritores (ou mesmo famílias de restrições) alternarem seus lugares na

hierarquia faz com que existam rankings parciais. Esses rankings co-ocorrem em um

dado momento e essa coexistência faz com que mais de um candidato chegue à

superfície.

4. Bases metodológicas

Tendo em vista a dificuldade de conseguir analisar a totalidade de encontros finais

átonos que o português apresenta por meio de amostras estratificadas, como o NURC e

o PEUL, por exemplo, o controle dos dados foi feito a partir da leitura de textos escritos

por diferentes grupos de falantes. Foram elaborados três diferentes textos, de modo a

controlar a ampla gama de encontros vocálicos finais átonos referenciados na seção 2

(especialmente na relação exemplificada em 01). Cada texto foi lido por quatro

informantes: dois homens e duas mulheres de faixas etárias e graus de escolaridade

variados, todos nascidos na região metropolitana do Rio de Janeiro, radicados na região

e filhos de pais cariocas6. A cada grupo de informantes, foi apresentado um texto com

diferentes estruturas, agrupadas em função do contexto e das possíveis realizações.

Desse modo, cada grupo de três encontros – (1) -ia, -io, -ie; (2) -ue, -uo, -ua; (3) -oa, -

ea, -eo – foi analisado por meio de um texto específico.

De modo geral, foram criados textos curtos e informais em que aparecesse o

maior número possível de dados com as sequências de interesse. Para garantir

realizações mais espontâneas, foi solicitado que os informantes fizessem resumos orais

6 As idades e os graus de escolarização de cada um dos informantes serão explicitados na seção 5, quando da análise de cada conjunto de encontros finais átonos.

(07) /input/ RESTRIÇÃO A RESTRIÇÃO B RESTRIÇÃO C

[cand1] * *

[cand2] * *

Page 196: Letras & Letras

195

dos textos lidos e respondessem a perguntas que os induzissem a produzir as formas sob

controle, que, depois de gravadas, foram devidamente transcritas e, por fim,

quantificadas.

Após a observação dos dados, as realizações foram contabilizadas e traduzidas em

gráficos e tabelas. Em seguida, foi feito o levantamento dos restritores atuantes na

produção das sequências vocálicas em exame, o que possibilitou o estabelecimento da

hierarquia de relevância. Como destacam Gonçalves & Piza (2009: 48), “são os dados

reais que permitem o estabelecimento da hierarquia, pois é com base neles que

observamos (i) o que a língua permite, (ii) o que efetivamente rejeita e (iii) o que é

prioridade na manifestação de um fenômeno”. Desse modo, foi com base na produção

pelos informantes que participaram do teste (ou seja, a partir dos outputs reais) que

chegamos ao conjunto de restrições atuantes e à ordenação dessas demandas em uma

escala.

5. Descrição e análise dos encontros átonos

No primeiro texto que serviu à análise dos encontros finais átonos, os dados

envolvem as terminações -ia, -ie e -io. Também nesse texto, foram incluídas palavras

como ‘ágil’, a fim de controlar a semelhança de produção com formas finalizadas em

-io, a exemplo de ‘ágio’. Participaram do teste quatro informantes, de idades e níveis de

escolaridade diferentes. Um homem e uma mulher tinham apenas o ensino médio e

apresentavam idades entre trinta e cinquenta anos (ele, trinta e oito anos e ela, quarenta

e nove). Os outros dois informantes tinham pós-graduação e idades entre trinta e

sessenta anos (ele, cinquenta e dois anos, ela, trinta). Eis o texto que serviu de base à

investigação das sequências7:

(08)

Na última 4ª feira, uma assembléia, formada por 20 médicos paulistas, reuniu-se para discutir o

processo inflamatório (consequência infecciosa) causado por uma espécie de bactéria que já

afetou os ovários de mais de duzentas mulheres no Brasil, entre elas, Márcia “Ceborréia”, ex-

esposa do atual dono da boate Babilônia. A empresária foi acusada recentemente de adultério pelo próprio marido e, ao mesmo tempo, sócio na extensa rede de laboratórios ADVERSÁRIO

ÁGIL LTDA.

O grave estado de saúde de Márcia mobilizou os médicos. O assunto, esta semana, garantiu a

grande audiência de muitas emissoras de tv, que abordaram os malefícios causados pela bactéria

oriunda do réptil mais temido pela humanidade e o menos dócil de todos os animais, a cobra.

Desconfia-se que a doença veio da Índia por meio de cobras importadas para estudo e que pode

estar presente nos mais variados tipos de superfície por onde o réptil tenha passado e deixado

sua imundície.

A assembléia decidiu começar as investigações analisando a areia das praias próximas aos

laboratórios que receberam os répteis indianos para estudo. Também farão biópsia nas duas

pacientes de mais fácil acesso, as que residem no edifício Empório do Luxo, localizado ao lado

do hospital responsável pela pesquisa. As pacientes farão a biópsia e serão acompanhadas diariamente em suas residências por médicos especialistas. Pelo que tudo indica, já há, inclusive,

uma emissora de tv querendo produzir uma minissérie sobre o tema.

Foram analisadas 276 produções: 166 resultantes da leitura e 110, da fala mais

espontânea, elicitada a partir de perguntas sobre o texto. Após a transcrição fonética dos

dados, constatamos que as produções apresentaram pouquíssima variação em relação ao

7 No texto, as formas de interesse para a pesquisa aparecem em negrito para facilitar a identificação, mas o texto original apresentado aos informantes obviamente não teve qualquer marcação dessa natureza.

Page 197: Letras & Letras

196

agrupamento das vogais finais em sílabas. As 98 ocorrências da sequência -ia se

distribuem como em (09) a seguir, todas produzidas com ditongo crescente ([jɐ]). Já as

dados de -io, listados em (10), apresentaram pequena variação, como se vê no gráfico

em (11):

(09) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

consequência 4 0 4 empresária 4 9 13

bactéria 8 9 17 audiência 4 0 4

Márcia 8 6 14 índia 4 9 13

babilônia 4 8 12 praia 4 5 9

biópsia 8 0 8 residência 4 0 4

(10) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

malefício 8 1 9 ovário 4 6 10

inflamatório 8 0 8 adversário 4 5 9

laboratório 8 10 18 veio 4 0 4

adultério 4 4 8 meio 4 0 4

próprio 4 0 4 edifício 4 1 5

sócio 4 4 8 empório 4 5 9

(11)

0

20

40

60

80 Realização como ditongo

decrescente

Realização como hiato

Realização como ditongo

crescente

Realização de monotongo

No gráfico acima, é possível perceber que, em apenas 2,3% dos casos, o hiato é

produzido. A realização do hiato foi observada durante a leitura do texto. Quando os

informantes foram induzidos a repetir os mesmos vocábulos em fala mais espontânea, o

hiato não ocorreu. Assim, de 87 dados em -io, apenas 2, em leitura, apresentaram o

encontro vocálico heterossilábico: ‘ovário’ e ‘empório’.

Na sequência -ie, não houve variação ditongo-hiato: em nenhuma das 20

ocorrências, listadas em (12), houve produção de hiatos. Apenas um dado (‘imundície’)

foi realizado como ditongo crescente ([je]); todos os demais envolveram a produção de

uma vogal simples, [I], que tende a ser realizada mais longa:

(12) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

espécie 4 0 4 minissérie 4 4 8

imundície 4 0 4 superfície 4 0 4

Os resultados comprovam a tendência à não-produção de hiatos no contexto átono

final (Cristófaro-Silva, 1999; Mattoso Câmara Jr., 1970). Na linguagem da TO, essa

tendência é gerada por forças que entram em conflito, militando por diferentes

prioridades na língua. Uma restrição como *HIATUS, encontrada, por exemplo, em Kager

(1999), certamente poderia ser proposta e ocuparia alta posição no ranking, já que tende a

Page 198: Letras & Letras

197

ser sistematicamente respeitada no contexto em exame. No entanto, assim como Hernandez

(2008), consideramos esse restritor muito geral e, por isso mesmo, incapaz de expressar

maiores generalizações quanto às reais motivações para a não-emergência de hiatos numa

língua.

No nosso entendimento, duas grandes tendências do português conspiram contra a

heterossilabificação das vogais: (a) o desfavorecimento da acentuação proparoxítona e

(b) a preferência pelo preenchimento da posição de ataque silábico. Em decorrência,

optamos por descrever o fenômeno por meio da dominância das duas restrições

formuladas a seguir:

(13) ONSET: Sílabas têm ataque (PRINCE & SMOLENSKY, 1993: 25). Atribua uma marca de

violação toda vez que uma sílaba não apresentar onset.

NO-PROP: palavras não são acentuadas na antepenúltima sílaba (HERNÁNDEZ, 2008: 44).

Marque um sinal de violação quando o output apresentar acento na terceira sílaba da direita para a

esquerda.8

Duas outras restrições são igualmente relevantes na realização das sequências

vocálicas por nossos informantes: *MID, formulada com base em LEE (2006), favorece

a realização de vogais altas para impedir que médias postônicas cheguem à superfície,

uma vez que, após o acento nuclear, o português tende a apresentar apenas três vogais

átonas: [ɪ, ʊ, ɐ] (Cristófaro-Silva, 1999). Essas três forças atuam em favor de

MARCAÇÃO e, apesar militarem por diferentes objetivos, acarretam um mesmo

resultado: a violação da identidade input-output, aqui representada genericamente por

FAITH-IO9, para que vogais não heterossilabifiquem:

(14) FAITH-IO (Fidelidade Input-Output): O output é inteiramente fiel ao input. (COSTA, 2001: 16).

Atribua uma marca de violação para cada diferença na dimensão input-output.

*MID (LEE, 2006): Vogais médias são desfavorecidas. Marque uma violação cada vez que o

output apresentar vogal média.

Se devidamente respeitado, o restritor NO-PROP impede a acentuação proparoxítona,

que, assim como os hiatos, consiste em uma estrutura marcada na língua. ONSET milita

em favor do preenchimento do ataque, o que significa dizer que esse restritor também

favorece, quando bem cotado, a emergência do não-marcado. Essas duas demandas

encontram-se no topo da hierarquia. Já *MID (Lee & Oliveira, 2006; Lee, 2006)

trabalha em favor de que vogais médias sejam evitadas. A inclusão de *MID na

hierarquia corresponde à interpretação de Mattoso Câmara Jr. (1970) sobre o vocalismo

postônico. Mostra o autor que o quadro de vogais reduz drasticamente nessa posição,

uma vez que somente três segmentos são contrastivos nesse ambiente: as altas e a baixa

central. Desse modo, a restrição *MID, se atendida e bem cotada no ranking de

prioridades, impede a realização de postônicas como médias, refletindo, com isso, o

esquema vocálico [ɪ, ʊ, ɐ].

8 Para simplificar a análise, optamos por trabalhar com a restrição de marcação NO-PROP, na linha de Hernández (2008). É óbvio que está em jogo, aqui, a formação dos pés métricos e poderíamos justificar a não-emergência de proparoxítonas através da ação conjunta de três restrições: ALL-FOOT(Right), que favorece a coincidência, à direita, dos constituintes prosódicos Pé e Palavra; FOOT-BIN, que milita em favor de pés necessariamente binários; e PARSE-SILL, que privilegia a integração de sílabas a pés. 9 Estamos utilizando FAITH-IO para sinalizar qualquer tipo de desvio na relação entre o input e o output, entendendo

FAITH-IO, da mesma forma que, por exemplo, Prince & Smolensky (1993) e Costa (2001), como uma restrição genérica que representa toda uma família.

Page 199: Letras & Letras

198

Se, por um lado, as restrições NO-PROP, ONSET e *MID atuam em favor do

não-marcado, por outro, a de fidelidade busca manter o máximo de identidade na

dimensão input-output. FAITH, nesse caso, deve ser interpretada como uma família na

qual qualquer alteração no material do input significa violação. Assim, apagamento,

inserção e alteração nos elementos devem ser computados como infração. Como base

no que foi exposto, propomos a seguinte hierarquia: NO-PROP, ONSET >> *MID >>

FAITH-IO.

Antes de iniciar a descrição, convém esclarecer que nossas representações

fonológicas sempre contam com elementos plenamente especificados, não fazendo uso,

portanto, do procedimento da subespecificação, como as análises que lançam mão de

arquifonemas10

. No caso das vogais finais, optamos por considerar como subjacentes

médias (‘ósseo’) e altas (‘ócio’), conforme a representação ortográfica, deixando a

cargo de *MID a realização das vogais postônicas como altas11

. Com isso em mente,

passemos, então, à análise dos dados, começando com ‘empresária’, representante da

terminação -ia:

(15) /empɾeʹzaɾia / NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- [e m.pɾe.ʹza.ɾi.ɐ] * *!* **

b- [e m.pɾe.ʹza.ɾɐ] * ** *!

c. [e m.pɾe.ʹza.ɾjɐ] * **

d- [e m.pɾe.ʹza.ɾe.ɐ] * *!* *** *

Em (15), dos quatro candidatos, dois são eliminados de imediato, pois, além de

apresentar acentuação proparoxítona, com isso, violando NO-PROP, infringem ONSET

mais de uma vez. Assim, (a) e (d) são descartados e seguem na disputa apenas (b) e (c).

A restrição *MID é violada pelo menos duas vezes por todos os candidatos, já que as

sílabas iniciais apresentam vogais médias. O candidato (b) viola FAITH e é eliminado12

por deletar a vogal alta.

Como se pode observar, o candidato (a) e o candidato (d) trazem à superfície duas

estruturas marcadas: acentuação proparoxítona e hiato. Sempre que possível, a língua

desfaz o acento na antepenúltima sílaba (COUTO, 2006) e as estruturas que fogem ao

padrão CV (GIANGOLA, 1997). Já o candidato (b), apesar de respeitar a tendência da

língua de evitar proparoxítonas e heterossilabificação de vogais, é infiel ao input, pois

apaga um segmento. Dessa forma, o tableau em (15) nos revela que, apesar de

MARCAÇÃO estar muito bem cotada na hierarquia, a identidade entre o input e o

output precisa ser respeitada, ainda que minimamente: é importante evitar proparoxítonas,

mas também é relevante que a forma de entrada e a de saída sejam maximamente

semelhantes. É com base nas tendências naturais da língua que o candidato (c) é

escolhido como ótimo, pois evita o acento proparoxítono e a estrutura de hiato, sendo

10 Isso porque objetivamos tornar a análise mais econômica, como já enfatizamos, sem a necessidade de utilizar restrições como HAVE PLACE (TENHA PONTO), naturalmente colocadas num alto nível hierárquico, se considerássemos elementos parcialmente especificados. 11 É importante ressaltar que, de acordo com o Princípio de Riqueza do Input, a colocação de material fonológico nas

representações subjacentes é, em princípio, livre, já que a TO está mais voltada para o que chega à superfície. 12 A forma com [i] na sílaba inicial, [ĩm.pɾe.ʹza.ɾjɐ], sem dúvida alguma é a mais harmônica, por violar *MID apenas uma vez. Tal realização caracterizou cerca de 90% dos dados. Deixamos as formas com [e] na posição inicial porque não estamos focalizando o comportamento de pretônicas. Outro fato digno de nota é a possível realização sem o

glide, representada pelo candidato (c) e característica de formas mais estigmatizadas (Lemle, 1978). Não levamos em conta a possível superficialização desse candidato, por não ocorrer tal produção em nosso corpus.

Page 200: Letras & Letras

199

mínimas suas violações aos demais restritores relevantes. Nesse caso, portanto, as

vogais do input se realizam na mesma sílaba, mas a primeira emerge como glide,

formando, com a vogal de maior sonoridade, [ɐ], um ditongo crescente. No tableau a

seguir, são avaliados os candidatos a output de uma forma com a sequência final -ie:

(16) /esʹpℇsie/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- [iʃ.ʹpℇ.si.e] * *!* ** **

b- [iʃ.ʹpℇ.si.I] * *!* * ***

c- [iʃ.ʹpℇ.sI] * * ***

d- [iʃ.ʹpℇ.se] * **! ***

No tableau em (16), os candidatos (a) e (b) violam NO-PROP e duas vezes

ONSET, sendo, com isso, sumariamente eliminados. Dessa forma, (c) e (d) seguem na

disputa, mas o restritor *MID escolhe (c) como output, por realizar apenas a tônica

como média. Atender, da melhor maneira possível, as demandas mais importantes da

hierarquia tem um custo: apagar uma das vogais do encontro. O candidato vencedor,

portanto, é infiel à representação subjacente, já que desfaz a adjacência de vogais

através do apagamento de uma delas.

Como se vê, a hierarquia proposta consegue dar conta de duas estratégias para não

heterossilabificar as vogais do input, a ditongação (15) e o apagamento (16), traduzindo

bem o esquema da conspiração contra os hiatos, uma vez que vários processos levam a

um mesmo resultado. Vejamos, por fim, a situação dos encontros finalizados em -io:

(17) /ʹaʒio/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- [ʹa.ʒiw] * *

b- [ʹa.ʒi.ʊ] * *!* *

c- [ʹa.ʒjʊ] * *

d. [‘a.ʒʊ] * *

Na avaliação em (17), apenas um candidato é descartado, (b), o único que realiza

as vogais em sílabas diferentes, já que viola NO-PROP e ONSET. Temos, em (19), uma

situação típica de variação, pois três candidatos atendem, da mesma maneira, a

hierarquia de relevância proposta, caracterizando o esquema de alternância previsto por

Hammond (1994) que apresentamos em 3.3.3. Em nosso corpus, a forma com maior

frequência de realização foi [´a.ʒiw], com ditongo decrescente, produzida da mesma

maneira que o adjetivo ‘ágil’, forma caracterizada pela vocalização da lateral em coda.

Num trabalho futuro, investigaremos, com base em um corpus maior e a partir dos

estudos de Coetzee (2006), o efeito da frequência na realização de formas variáveis. Por

ora, destacamos que a gramática fonológica do português licencia as três formas

selecionadas em (17), que, em comum, violam FIDELIDADE para não

heterossilabificar as vogais do input.

Em resumo, os encontros -ia, -ie e -io não são produzidos com hiatos (pelo menos

pelos informantes cariocas que participaram do teste)13

. Quanto às forças envolvidas na

13 É importante ressaltar que não levamos em consideração os dois únicos casos em que as vogais foram

heterossilabificadas. Isso porque o hiato ocorreu durante a leitura cuidada e, em um deles, o informante produziu primeiro o ditongo e, após algum tempo, voltou ao vocábulo e fez a correção, produzindo o hiato.

Page 201: Letras & Letras

200

realização dos encontros, é possível afirmar que a hierarquia proposta é adequada e traz

à superfície as formas efetivamente produzidas. A mesma hierarquia foi aplicada aos

dados do segundo texto, que envolve as terminações -oa, -eo e -ea:

(18)

Era páscoa e a névoa invadia o térreo do prédio. A temperatura cutânea mal era percebida

devido ao frio, as pessoas pareciam estátuas feitas apenas de material ósseo. A tábua, que dividia

a área arbórea do jardim, da matéria férrea, que formava o depósito de lixo na várzea, já não

era vista, tudo estava homogêneo, a névoa havia coberto tudo, até mesmo a rédea do cavalo que

estava sobre a mesa do corredor.

A família Pádua, em seu momento de ócio, estava reunida, observando a orquídea que decorava

a casa de frente e, ao mesmo tempo, reparando o aspecto cutâneo desagradável da menina que,

junto à orquídea, comia amêndoa. Não era possível perceber se o foco era a flor ou a menina

que, com o glúteo apegado a um banco, parecia uma frágil fêmea pedindo trégua, depois de

tantos problemas enfrentados com os membros daquela família.

No final da noite, depois que todos perceberam a áurea sensação de paz, a triste menina foi convidada para entrar e participar da ceia, juntamente com os convidados da família. Naquele

momento, a mágoa, antes indissolúvel, sumiu e a nódoa, que marcava o coração de todos, foi

desfeita.

O texto em (18) foi lido por cinco informantes, três mulheres e dois homens com

idades e níveis de escolaridade distintos. Nesse caso, um homem e uma mulher possuem

o ensino médio (ela tem vinte e um anos e ele, vinte e seis), enquanto os demais

informantes têm o nível superior completo (uma mulher com vinte e quatro anos, outra

com cinquenta e seis e o homem com trinta e seis). Esses informantes também foram

submetidos a perguntas, após a leitura, com vistas a garantir realizações mais

espontâneas.

No caso das sequências -oa, -eo e -ea, representadas por palavras como ‘mágoa’,

‘ósseo’ e ‘lêndea, nessa ordem, o alçamento da média foi praticamente categórico. Em

99,5% das produções, houve ditongação por alçamento de V1 e em apenas em 0,5%, o

hiato foi realizado. Também aqui, a produção do hiato ocorreu durante a leitura e, nesse

caso, a informante não conhecia a palavra ‘várzea’ e, por isso, a produziu sem

segurança, praticamente soletrando a palavra.

Assim como foi feito no grupo anterior, cada encontro foi analisado

separadamente. A terminação -oa foi descrita por meio da observação de 5 vocábulos,

cujas 83 ocorrências aparecem em (19). Em 100% dos casos, foi produzido o ditongo

crescente [wɐ]. As realizações do encontro -eo podem ser conferidas em (20):

(19) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

páscoa 10 19 29 nódoa 5 5 10

névoa 10 3 13 mágoa 10 12 22

amêndoa 5 4 9

(20) térreo 4 0 4 arbóreo 5 0 5

cutâneo 5 4 9 homogêneo 5 0 5

ósseo 3 4 7 glúteo 5 0 5

O encontro -eo foi produzido como [jʊ] em 80% dos casos e como [iw], em 20%,

caracterizando, assim como a sequência -io, um caso de variação. Já o encontro -ea

apresentou, como mencionamos anteriormente, uma única realização como hiato

(‘várzea’). As 81 produções dos vocábulos com -ea (80 com o ditongo [jɐ]) estão

distribuídas em (21):

Page 202: Letras & Letras

201

(21) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

cutânea 5 0 5 férrea 5 10 15

área 5 5 10 orquídea 10 6 16

arbórea 5 5 10 fêmea 5 0 5

várzea 5 0 5 áurea 5 0 5

rédea 5 5 10

Os dados foram submetidos à hierarquia proposta para o grupo anterior. Foi

possível perceber que os restritores atuantes são os mesmos, bem como a hierarquia

proposta, como se pode comprovar nos tableaux a seguir:

(22) /'magoa/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- ['ma.go.ɐ] *! * *

b- ['ma.gwɐ] *

c- ['ma.gu.ɐ] *! * *

d- ['ma.gu.wɐ] *! **

(23) /'aɾea/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- ['a.ɾe.ɐ] * *!* *

b- ['a.ɾi.ɐ] * *!* *

c- ['a.ɾjɐ] * *

d- ['a.ɾi.jɐ] * *! **

(24) /'ɔseo/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- ['ɔ.se.o] * *!* ***

b- ['ɔ.si.o] * *!* ** *

c- ['ɔ.se.ʊ] * *!* ** *

d- ['ɔ.siw] * * **

e- ['ɔ.sjʊ] * * **

f- ['ɔ.sew] * **! *

Em (22), o candidato vencedor, ['ma.gwɐ], cometeu apenas uma violação –

violação essa que, embora distorça um pouco a relação de identidade input-output,

impede a emergência de uma proparoxítona e de uma sílaba sem ataque. Dito de outra

maneira, o alçamento da vogal média – e sua consequente passagem a glide – faz com

que seja realizada uma forma paroxítona sem hiato. O mesmo raciocínio é válido para o

candidato ótimo em (23), ['a.ɾjɐ]. No caso de ‘ósseo’, duas formas em (24), (d) e (e), são

licenciadas pela hierarquia, por comportarem-se da mesma maneira frente aos

restritores.

Pode-se concluir, portanto, que as formas ‘ósseo’ e ‘ócio’ são homófonas, já que

realizam da mesma maneira os encontros finais átonos. São também homófonas

palavras como ‘área’ e ‘ária’. As sequênicas finais -oa e -ua são produzidas da mesma

maneira (com ditongo crescente, [wɐ]), tanto é que aparecem em rimas ou em jogos de

palavras, como se vê nos excertos de letras de música em (25):

Page 203: Letras & Letras

202

(25) Então sai, deixa correr. Toda mágoa velada é agua parada. (Pitty)

A espessura do seu vidro. É mágoa. O que eu choro é água. (Ana Carolina)

Que mágoa é água que não leva. Que mágoa é água que não lava (Otro Plano)

A hierarquia proposta é adequada às seis sequências já analisadas. Para encerrar,

resta-nos descrever as combinações finais com V1 alta posterior: -ue, -ua e -uo. O texto

utilizado para o controle dos dados é transcrito em (26):

(26)

Certa vez, em um município chamado Santo Antônio de Pádua, no Rio de Janeiro, um homem

ingênuo e inócuo, chamado Jerônimo, deparou-se, em seu árduo trabalho de confeccionar estátuas em tábuas de madeira maciça, com um sentimento muito ambíguo de gratidão e ódio.

Seu patrão, antes considerado um indivíduo caridoso e honesto, agora manifestava, por meio de

uma língua nócua e ferina, o desejo que seus funcionários trabalhassem de forma “perpétua”,

sem trégua e sem remuneração extra.

Jerônimo, apesar de manter um esforço contínuo em seu trabalho e de não deixar de ser assíduo,

não conseguia entender como um homem tão bom como o seu patrão pudesse apresentar tal

comportamento. O humilde trabalhador sempre pensava, em sua jornada árdua de trabalho, que

apesar de ser muito agradecido àquele homem, não poderia caminhar nem mais uma légua com

ele, pois seu orgulho de homem não lhe permitia deixar que a ambígua sensação, que envolvia

gratidão e ódio, fosse administrada.

Após alguns meses, o sentimento ambíguo experimentado por aquele homem foi eliminado,

assim como a tênue linha entre o amor e o ódio que o deixava confuso quanto ao seu patrão. Jerônimo, aos poucos, deixou de trabalhar de forma contínua naquela empresa. Em seguida,

conseguiu outro emprego e abandonou o árduo trabalho que fazia, deixando seu patrão no

“vácuo”. Dessa forma, aquele pobre trabalhador aprendeu que na vida tudo pode mudar!!!

O texto em (26) foi lido por quatro informantes, duas mulheres e dois homens.

Uma mulher e um homem possuem apenas o ensino médio, enquanto os dois outros têm

nível superior completo. Uma das mulheres, a com nível superior completo, possui

cinquenta e dois anos e a outra, apenas dezessete. O informante masculino com nível

superior completo tem vinte e sete anos e o outro, trinta e nove. No texto, foram

analisadas 143 produções, sendo 8 do encontro -ue, 75 do encontro -ua e 60 de -uo. Em

94% realizações, ocorreu a produção de ditongos e em apenas 6% o hiato foi realizado.

A alocação das vogais em sílabas diferentes ocorreu na produção de ‘tênue’, ‘inócua’,

‘ambíguo’ ‘assíduo’ e ‘vácuo’, todas em leitura. A quantificação dos dados que

serviram para a observação dos encontros aparece em (27), (28) e (29), para -ua, -uo e

-ue, respectivamente:

(27) vocábulo leitura fala total vocábulo leitura fala total

pádua 4 4 8 perpétua 4 5 9

estátua 4 5 9 trégua 4 3 7

tábua 4 4 8 árdua 4 0 4

língua 4 2 6 légua 4 0 4

inócua 4 2 6

(28) ingênuo 4 2 6 indivíduo 4 1 5

inócuo 4 2 6 contínuo 4 0 4

árduo 8 0 8 assíduo 4 1 5

ambíguo 12 6 18 vácuo 4 4 8

(29) tênue 4 4 8

Page 204: Letras & Letras

203

Todas as 75 produções da sequência -ua foram realizadas como [wɐ], ou seja, com

ditongo crescente. Das 70 produções de -uo, quatro foram realizadas como hiato; as

demais foram produzidas como [wʊ] (65%), com ditongo crescente, ou como [ʊ] (35%),

ou seja, com apenas uma vogal (muitas vezes realizada mais longa). Em relação ao

encontro -ue, foi controlado apenas o item lexical ‘tênue’ – ao que tudo indica único na

língua com tal sequência. Essa palavra foi produzida com [u.e] duas vezes e [uj], quatro.

É importante ressaltar que um dos informantes produziu duas vezes o encontro como

[wɐ], realizações obviamente descartadas na análise. Passemos aos tableaux, nos quais,

a exemplo dos demais, desconsideramos as pouquíssimas realizações de hiatos:

(30) /an'bigua/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- [a m.'bi.gwɐ] *

b- [a m.'bi.gu.ɐ] * *!*

c-[a m.'bi.guw.ɐ] * *!* *

d-[a m.'bi.go.ɐ] * *!* * *

(31) /'vakuo/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- ['va.ku.o] *! * *

b- ['va.ko.o] *! * ** *

c- ['va.ku.ʊ] *! * *

d- ['va.kʊ] *

e- ['va.kwʊ] *

(32) /'tenue/ NO-PROP ONSET *MID FAITH

a- ['te.nu.e] *! * **

b- ['te.nuj] * *

c- ['te.nu.i] *! * * *

d- ['te.no.e] *! * *** *

Pode-se concluir, portanto, que há uma conspiração generalizada contra a

heterossilabificação das vogais finais. Nessa empreitada, as estratégias para não realizar

o hiato vão desde o simples arranjo das duas vogais na mesma sílaba, como em (30), até

o apagamento (31) ou a modificação de uma delas (32). Desse modo, a conspiração

contra os hiatos é assegurada pelo atendimento às demandas mais altas, mesmo que

haja, para isso, uma violação da identidade input-output.

6. Palavras finais

Procuramos mostrar, ao longo deste trabalho, que os encontros vocálicos finais

átonos são preferencialmente produzidos como ditongos. A realização do ditongo como

crescente ou decrescente está diretamente relacionada à sonoridade das vogais, como

previram, entre outros Lopez (1979) e Mateus e D’Andrade (2000). Desse modo, se a

segunda vogal é [ɐ], a primeira é sempre silabificada no onset, comportando-se como

glide (ou semiconsoante, nos termos de Lopez, 1979). Nos demais casos, podem ser

formados ditongos crescentes ou decrescentes, o que caracteriza a variação.

Page 205: Letras & Letras

204

Além da ditongação, outra estratégia utilizada para evitar o hiato é a degeminação.

Tanto nos casos de -ie (‘série’, ‘cárie’) quanto nos de -uo (‘vácuo’, ‘ambíguo’), a

sequência final pode se superficializar com apenas uma vogal, que, na grande maioria

das vezes, foi percebida como longa. Uma mesma hierarquia de restrições consegue dar

conta das variadas estratégias contra a emergência de hiatos, o que faz da TO um

modelo bastante interessante para descrever o que se convencionou chamar de

conspiração em fonologia.

Sem dúvida alguma, os resultados deste ensaio precisam de maior refinamento,

pois requerem controle mais sistemático da variação e certamente carecem de uma

análise acústica para validar os alongamentos percebidos em casos como ‘espécie’ e

‘árduo’. Nosso objetivo, no entanto, foi dar um passo inicial no estudo dessas

sequências, mostrando as vantagens do tratamento por rankings de restrições.

GONÇALVES, C. A.; RODRIGUES, M. C. OPTIMALIST APPROACH TO

FINAL UNSTRESSED VOWELS MEETINGS IN THE DIALECT OF RIO DE

JANEIRO

Abstract

In this study, we observe how emerge, in the dialect of Rio de Janeiro (metropolitan

region), the final clusters of unstressed vowels in words like ‘lêndea’, ‘glória’, ‘vácuo’

and ‘tênue’. For this, we build a corpus specifically for this purpose, in order to check

the phonological processes that conspire against the realization of hiatus in this variety.

The work is based on classical Optimality Theory (Prince & Smolensky, 1993,

McCarthy & Prince, 1993).

Keywords

Conspiracy; hiatus; optimality; variation.

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208

O APAGAMENTO VARIÁVEL DE VOGAIS EM POSIÇÕES ÁTONAS

NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: O CASO DE FLORES DA CUNHA (RS)

Elisa BATTISTI (UFRGS, CNPq)

Formação: Doutor

E:mail: [email protected]

Natália Brambatti GUZZO (UFRGS)

Formação: doutoranda

E:mail: [email protected]

Resumo O apagamento vocálico variável em posições átonas no português brasileiro

(antes~an[ts], desculpe~[ds]culpe, professor~pro[fs]or, conquistar~con[ks]tar) afeta

diferentes vogais precedidas de obstruintes e seguidas de sibilante. Na comunidade de

fala de Flores da Cunha (RS), a proporção total de aplicação é de 18,5%, e o processo é

favorecido pelas vogais /i/ e /e/, obstruintes /t/ e /d/ precedentes, polissílabos, posição

inicial com clíticos, falantes jovens, moradores da zona urbana, e tende a progredir na

comunidade.

Palavras-chave

português brasileiro; redução e apagamento vocálico; análise de regra variável.

1 Introdução

Estudos sobre realizações vocálicas em posições átonas no português brasileiro

em geral referem-se aos processos de elevação ou alçamento (teatro~t[i]atro,

boneca~b[u]neca), harmonia vocálica (pepino~p[i]pino, coruja~c[u]ruja) e

abaixamento (gelado~g[]lado, coluna~c[]luna, helicóptero~helicópt[]ro,

brócoli~bróc[]li). O apagamento (cabeceira~ka[bs]eira, lápis~lá[ps]), objeto da

presente análise, é pouco tratado.

Todos esses são processos variáveis que, como afirma Câmara Jr. (1984, p.22),

"são consequência da posição átona da vogal", em que as oposições vocálicas

verificadas na posição tônica1 são suprimidas ou neutralizadas. A neutralização afeta as

vogais médias /e / e /o /, fazendo com que os contrastes se reduzam a cinco na

posição pretônica (b[]lo>b[e]leza, f[]lga>f[o]lgado), e a três na posição átona final

(lide~lid[], lido~lid[], lida).

Diferentemente da elevação e do abaixamento, mas também resultante da

atonicidade de certas posições da palavra, o apagamento pode afetar outras vogais que

não apenas as médias. É possível pensar, como propõe Crosswhite (2000) para

neutralização e redução vocálica em dialetos do russo, que a sonoridade intrínseca das

vogais átonas e das vogais tônicas em um dado domínio possam ter efeitos sobre o

1 Sete são as vogais ou fonemas vocálicos do português, cujo valor contrastivo ou opositivo é verificado na posição

tônica: s/u/co, s/o/co (subst.), s//co (verbo 'socar', 1ps Pres.Ind.), s/ /co, s//co (verbo 'secar', 1ps Pres.Ind.), s/e/co

(adj.), s/i/co.

Page 210: Letras & Letras

209

apagamento, como também os segmentos que antecedem e seguem a vogal candidata ao

apagamento. Esse último aspecto é a sugestão de Bisol (1986) para contextos como

antes~ an[ts], medicina~me[ds]ina: o vínculo entre oclusiva e fricativa é estreitado com

a supressão da vogal, pelo que se formam as africadas [t s d z], realizações fonéticas que

não fazem parte do sistema da língua.

O objetivo deste trabalho é o de testar essas hipóteses com a exploração de dados

de fala de uma comunidade do sul do Brasil. Queremos verificar que vogais são

apagadas, e em que proporção; e que segmentos precedem e seguem a vogal apagada, e

em que proporção. Realizaremos análise de regra variável (LABOV, 1972, 1994, 2001),

com o que poderemos verificar, também, as variáveis linguísticas e extralinguísticas que

condicionam o processo de apagamento, assim como seu status na comunidade de fala

em estudo, se variação na mudança em progresso, em regressão ou se variação estável

no sistema da comunidade.

Iniciaremos o trabalho com um aprofundamento do processo de apagamento, na

comparação com sua ocorrência no português europeu (doravante PE), e também na

interação com outro processo variável do português brasileiro (doravante PB), a

palatalização. Esse aprofundamento contribuirá para esclarecer as variáveis controladas

na análise de regra variável abordada na seção seguinte, que trará também informações

sobre o desenho da análise – comunidade de fala, fonte de dados, perfil dos informantes,

manejo dos programas computacionais no tratamento estatístico, aperfeiçoamento da

análise estatística. Na seção subsequente, os resultados serão apresentados e discutidos.

2 O apagamento de vogais em posições átonas

Consideramos apagamento o que é entendido como tal pelo falante-ouvinte de

português brasileiro, do ponto de vista da percepção e de modo impressionístico. Os

espectrogramas nas Figuras de 1 a 4, dos vocábulos antes e lambuzado com e sem

apagamento, auxiliam a visualizar de que decorre tal percepção.

Figura 1 – Vocábulo antes, sem apagamento

Figura 2 – Vocábulo antes, com apagamento (an[ts])

Page 211: Letras & Letras

210

Figura 3 – Vocábulo lambuzado, sem apagamento

Figura 4 – Vocábulo lambuzado, com apagamento (lam[bz]ado)

Nas Figuras 2 e 4, vê-se que a duração da vogal é perdida e que não há

vozeamento, o componente articulatório por excelência das vogais. Matos e Sandalo

(2004) distinguem a não existência de formantes de vogal (apagamento) da existência

de formantes com inexistência de som (redução drástica). O falante-ouvinte não percebe

Page 212: Letras & Letras

211

a realização da vogal em ambos os casos, o que reunimos aqui sob um único rótulo, o de

apagamento.

Essas autoras, investigando a influência do padrão rítmico do PB na síncope

vocálica, verificam que o processo não atinge apenas /i/ e /e/, conforme afirmam

Sandalo, Abaurre, Mandel e Galves (2006), mas todas as vogais. Dos sete contextos de

apagamento identificados por Matos e Sandalo (2004), quatro são de vogal seguida de

fricativa /s/ ou /z/. O apagamento e a redução drástica operam de modo a manter o ritmo

binário da língua, manifesto predominantemente em palavras com número par de

sílabas.

No PE, o apagamento de vogais átonas relaciona-se à redução vocálica. Num

estudo sobre ritmo e aquisição da estrutura silábica do PE, Vigário, Frota e Freitas

(2003) afirmam que o apagamento de vogais reduzidas é produtivo e que, por essa

razão, se poderia esperar que as crianças portuguesas adquirissem esse processo

fonológico bastante cedo. Exemplos das autoras (p.4):

professor [pufsó] [pfsó] espelho [pu] [p]

cortes [kót] [kot] ordenar [odná] [odná] avestruz [vtú] [vtú] flores [fló] [flo] meninos [mnínu] [mnin]

No entanto, as crianças portuguesas são fiéis às sílabas CV e V no processo de

aquisição: produções com [], por exemplo, claramente precedem produções com

apagamento de []. Isso evidencia que o PE é um sistema com propriedades rítmicas do

tipo silábico (syllable-timed), embora a redução vocálica e o próprio apagamento sejam

características de sistemas de ritmo acentual (stress-timed).

Silva (1997), em análise de regra variável sobre o apagamento de vogais átonas no

português da ilha de Faial, Açores, verifica que [u] e [] são as vogais que têm maior

probabilidade de ser apagadas; em terceiro lugar está [i]. /e/ não aparece nesse ranking

porque o autor entende ser [] o resultado da redução de /e/ e outras vogais na pauta

átona. Há uma relação entre apagamento e redução. Silva (1997) afirma que o

apagamento vocálico em português é essencialmente um processo variável baseado na

palavra, favorecido pela posição final, tanto da palavra quanto do enunciado.

Os dados e os resultados de Silva (1997) foram mais tarde retomados por Coetzee

(2004). Embora o apagamento tenha sido usado para ilustrar a proposta do autor de uma

gramática pela Teoria da Otimidade (do inglês Optimality Theory, doravante OT) em

que, avaliados também os candidatos sub-ótimos gerados por Gen, se desse origem a

formas variáveis, o processo é abordado de modo a explicitar as restrições que

interagem e originam as formas com vogais átonas apagadas. Coetzee (2004) entende

que a redução vocálica no PE seja um processo de redução de proeminência, “um

esforço de fazer com que elementos de proeminência similar co-ocorram (p.139)”.

O apagamento variável de vogais átonas no português de Faial conforma-se ao

seguinte padrão, segundo Coetzee (2004):

(i) Em posição não final de palavra prosódica, as vogais átonas [u , , ] são mais

frequentemente mantidas do que apagadas.

Page 213: Letras & Letras

212

(ii) Em posição final de palavra prosódica, as vogais átonas [u , , ] são mais

frequentemente apagadas do que mantidas.

(iii) A vogal átona [] é categoricamente mantida.

(iv) [] apaga mais frequentemente, depois [u ], e depois []. A comparação entre

candidatos a não apagamento para essas vogais mostra que [] é mais marcado do que

[u ] que, por sua vez, é mais marcado do que []. Prevê-se mais apagamento de formas

mais marcadas.

(v) A comparação entre vogais átonas em final de palavra prosódica e vogais

átonas em qualquer outra posição da palavra prosódica mostra que as vogais finais são

mais marcadas. Isso explica por que essa posição está associada a taxas mais altas de

apagamento.

(vi) Vogais átonas seguidas de sílaba átona são mais propensas a apagamento do

que vogais átonas seguidas de uma sílaba tônica. A comparação de candidatos desses

dois contextos mostra que o apagamento em posição pré-átona leva a estruturas rítmicas

mais bem formadas, enquanto o apagamento em sílabas pré-acentuadas poderia criar

estruturas ritmicamente mais marcadas. Isso explica por que vogais pré-átonas são mais

propensas a apagamento.

Esse padrão revela influência de considerações fonológicas: certos contextos

prosódicos são associados a taxas mais altas de apagamentos do que outros, certas

vogais apagam mais frequentemente do que outras. As considerações fonológicas em

questão dizem respeito, segundo Coetzee (2004), à proeminência silábica e à sonoridade

das vogais. Concebendo duas escalas, de proeminência silábica e de sonoridade vocálica, e

alinhando-as de acordo com a noção de alinhamento harmônico de Prince e Smolensky

(1993/2004), de modo que elementos proeminentes de uma escala co-ocorram com

elementos proeminentes de outra, Coetzee (2004) deriva restrições de marcação que, em

linhas gerais, vão militar contra vogais de alta sonoridade em sílabas átonas, e vice-versa.

Assim, a vogal de mais alta sonoridade [a] é banida de sílabas átonas por conta dessas

restrições. Já vogais de baixa sonoridade como [u], [], [] satisfazem essas restrições, sendo

as favorecidas em sílabas átonas, e candidatas naturais ao apagamento.

As considerações de Coetzee (2004) sobre proeminência relativa, sonoridade

vocálica, redução e apagamento inspiram-se nas análises de Crosswhite sobre neutralização

e redução em dialetos do russo. Em Crosswhite (2000), por exemplo, a autora defende que

as diferenças dialetais correspondem a dois padrões de redução, a extrema e a moderada.

No primeiro padrão, a redução é mais provável em sílabas não acentuadas que não fazem

parte do pé métrico do russo, o iambo. Isso se incrementa se a vogal tônica tiver sonoridade

alta. Vogais tônicas sonoras condicionam o aparecimento de pés monossilábicos e, assim, a

redução extrema (uma sílaba átona imediatamente precedente fica fora do pé). Já no

segundo padrão, o de redução moderada, as sílabas átonas que fazem parte do pé, mas que

são o membro não cabeça, são as afetadas. Ao abordar o português brasileiro como

evidência adicional de sua proposta, Crosswhite (2000) afirma que os dois padrões de

redução estariam em jogo na língua, em função do diferente comportamento das vogais na

pauta pretônica e postônica. A redução moderada ocorreria nas sílabas pretônicas entre

acentos secundários, a extrema, nas postônicas2.

2 Na breve análise que faz do PB, a autora adota o troqueu moraico e admite pé degenerado

(monossilábico e monomoraico) em paroxítonos, o que, acreditamos, é discutível.

Page 214: Letras & Letras

213

Das análises até aqui revisadas, percebemos no PE a existência de uma relação

estreita entre redução vocálica e apagamento, uma preferência pelo apagamento das

vogais [u, , ] e um predomínio da aplicação do processo em posições átonas finais de

palavra. A proeminência relativa das vogais e sua sonoridade intrínseca têm papel. Daí

vêm algumas perguntas norteadoras deste trabalho:

a) no PB o apagamento não é tão expressivo quanto no PE, mas há apagamento.

Em que proporção o processo se aplica no PB?

b) há um padrão de apagamento no PE. E no PB, qual é esse padrão? Quais são as

vogais apagadas, e em que posição?

Outras perguntas derivam da interação do processo de apagamento com o da

palatalização variável das oclusivas alveolares /t d/ no português brasileiro, que tem

como manifestação fonética as africadas palatais [t d] (time~time, dica~dica,

gente~genti, onde~ondi). As sibilantes /s z/ seguintes à vogal alta figuram como

inibidoras da aplicação do processo. Segundo Bisol (1986, 1991), a inibição tem uma

explicação de base fonética: as consoantes /t/ e /s/, /d/ e /z/ são similares, produzidas

com o corpo da língua baixo e a parte da frente levantada, razão por que são

caracterizadas pelo traço [-alto]. “É, pois, o traço [-alto], por elas compartilhado, que

fortifica a oclusiva coronal, tendendo a preservá-la da ação assimilatória da vogal alta”

(BISOL, 1986, p.165). No contexto inibidor, pode-se também verificar o apagamento da

vogal interveniente, o que faz surgirem as africadas não palatalizadas [ts dz].

Bisol (1986, 1991) aborda a interação das regras de neutralização com a

palatalização das oclusivas alveolares, elisão da vogal e consequente africação: se a

elevação vocálica (por neutralização) se aplica, ela alimenta a palatalização; se ela não

se aplica, sangra a palatalização. Nesse caso, a vogal não elevada fica sujeita ao

apagamento, principalmente se seguida de sibilante; apagada a vogal, cria-se a africada

alveolar. Mais tarde, Bisol e Hora (1995) abordam a interação e o ordenamento dessas

regras pela Fonologia Lexical: a neutralização é regra lexical pós-cíclica, a palatalização

e o apagamento, com consequente ressilabação e surgimento da africada alveolar, pós-

lexicais. Uma sibilante seguida à vogal, na mesma sílaba (partes) ou na sílaba seguinte

(pode ser), restringe a aplicação da palatalização. Tem-se contexto para a aplicação de

apagamento: segundo os autores, o apagamento da vogal acarreta ressilabação porque a

unidade temporal da vogal-núcleo é perdida; a sibilante é preservada e incorporada à

sílaba, formando com a oclusiva uma rima superpesada (parts). Tanto a rima como a

africada resultante não fazem parte do sistema da língua, escapam ao controle do

Princípio de Preservação da Estrutura porque resultam de processos aplicados no nível

pós-lexical.

Quando tratam da neutralização, Bisol e Hora (1995) registram o fato de que, na

coda de uma sílaba final átona, posição afetada pela neutralização, a consoante /S/ não

previne a regra (antes~antis), como fazem as líquidas /l r/ na mesma posição (nível, não

*nívil; líder, não *lídir). Assim, além da invisibilidade ao acento (por peso), /S/ na coda

permite o alçamento da vogal. Bisol e Magalhães (2004), numa análise da neutralização

vocálica pela OT, entendem que o papel inibidor do alçamento desempenhado pelas

líquidas resulte da ação de uma restrição de Fidelidade, que milita pela preservação dos

valores de altura do input no contexto de líquida e vogal. A restrição não é específica

para as líquidas em coda: conforme os autores, já em Viana (1973) aponta-se o papel

preservador dessas consoantes em vocábulos como legista, não *ligista; gelar, não

*gilar , com líquida em início de sílaba.

Page 215: Letras & Letras

214

Para o trabalho aqui desenvolvido, a revisão de estudos sobre apagamento e

palatalização sugere o papel relevante da sibilante seguinte à vogal, como também da

consoante precedente. A sibilante parece fazer parte da própria regra variável, que seria

a de apagamento de vogais átonas no contexto de sibilante, com que se produz

africação. Por essa razão, ela passará a integrar a variável dependente em nossa

exploração de dados, como se verá a seguir. Além disso, as consoantes /t/ e /d/, não

atingidas pela palatalização quando a vogal é apagada, apontam a necessidade de

controlar o tipo de obstruinte nesse contexto, principalmente porque há casos de

apagamento de vogal seguida de sibilante com outras consoantes precedentes que não /t/

e /d/: chaves~cha[vs], conquistar~con[ks]tar, angustiado~an[gs]tiado. Às perguntas

que buscamos responder somam-se, então, as seguintes, encabeçadas por (c) e (d) em

respeito ao elenco já iniciado acima:

c) em relação à sibilante seguinte, há efeito diferenciado de /s/, /z/, // ou // no

condicionamento da regra?

d) das obstruintes precedentes, quais condicionam o apagamento?

Nossa exploração de dados iniciará com esclarecimentos sobre o método de

análise, a partir de informações sobre a comunidade de fala considerada, a de Flores da

Cunha (RS).

3 Método

3.1 A comunidade

Flores da Cunha localiza-se na Serra Gaúcha, na antiga Região de Colonização

Italiana (RCI-RS). Segundo dados de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), o município possui 27.126 habitantes e uma área de 278 km². Flores

da Cunha limita-se a sul/sudeste com Caxias do Sul, da qual dista cerca de 15 km, a

sul/sudoeste com Farroupilha, a norte/nordeste com São Marcos e a norte/oeste com

Antônio Prado, Nova Roma do Sul e Nova Pádua. Da capital gaúcha, Porto Alegre,

dista cerca de 150 km.

Page 216: Letras & Letras

215

Figura 5 – Flores da Cunha no Rio Grande do Sul e no Brasil

(disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Flores_da_cunha.

Acesso em 10 de janeiro de 2010)

Flores da Cunha foi fundada por imigrantes italianos por volta do ano de 1877,

cerca de dois anos depois do início da colonização italiana no Rio Grande do Sul.

Segundo Molon (2002), as primeiras famílias que se instalaram na nova colônia eram

provenientes principalmente das regiões do Vêneto, da Lombardia e do Piemonte,

localizadas no norte da Itália.

A ocupação da RCI-RS foi empreendida pelo governo brasileiro por meio da

distribuição de lotes às famílias de imigrantes. Desse modo, os imigrantes recebiam sua

porção de terra à medida que chegavam ao Rio Grande do Sul. Segundo Frosi e

Mioranza (1975), tal fato fez com que famílias provenientes de diversas regiões

italianas acabassem na mesma linha ou travessão (conjunto de terrenos) e com que os

dialetos falados por esses indivíduos se mesclassem a ponto de formar um outro falar

dialetal, com características predominantemente vênetas.

O relativo isolamento ao qual se submetiam os imigrantes, causado especialmente

pelas dificuldades de deslocamento para outras regiões do Estado, permitiu a

manutenção de certos hábitos da vida na Itália, relacionados, por exemplo, aos tipos de

vestimenta, à culinária e às práticas religiosas. Além disso, permitiu o desenvolvimento

de culturas agrícolas, como o plantio de uva, por exemplo, que mais tarde se tornariam

um dos símbolos da região.

Atualmente, Flores da Cunha, assim como outros municípios da RCI-RS, destaca-

se pela produção de uva. No entanto, Flores da Cunha é a maior produtora de vinho do

Brasil. Outra atividade econômica de grande expressão na localidade é a indústria

moveleira. Segundo Molon (2002), o município é o segundo maior produtor de móveis

do Estado, chegando a exportar grande parte de sua produção.

Não apenas as culturas agrícolas se mantiveram em Flores da Cunha desde o

início da imigração. O falar dialetal italiano ainda é praticado no município, em especial

Page 217: Letras & Letras

216

na sua zona rural. Além disso, muitos moradores da localidade, inclusive aqueles que

residem na zona urbana, se não falam essa língua, ao menos conseguem entendê-la.

Dessa forma, é possível que algumas características da fala dialetal italiana estejam

presentes na fala em língua portuguesa dos informantes de Flores da Cunha.

Relativamente ao apagamento, espera-se que os moradores da zona rural, mais expostos

à fala dialetal, apliquem menos a regra do que os informantes da zona urbana. Tal

tendência preservadora foi verificada por Guzzo (2010) no estudo da elevação de /e/

átono nessa mesma comunidade. A autora atribuiu essa tendência ao valor morfêmico

que as vogais do italiano têm em certas posições.

3.2 Análise de regra variável

A análise de regra variável (LABOV, 1972, 1994, 2001) utilizada em nossa

exploração de dados tem como variável dependente o apagamento de vogais em

posições átonas seguidas de sibilante. Os dados provêm de entrevistas sociolinguísticas

de 12 informantes do BDSer (Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, Universidade

de Caxias do Sul) de Flores da Cunha (RS). Esses informantes dividem-se igualmente

entre zona urbana e rural e entre os gêneros masculino e feminino, e distribuem-se em

quatro faixas etárias distintas.

Dentre as variáveis independentes, há três variáveis extralinguísticas e cinco

variáveis linguísticas. As variáveis extralinguísticas são: Gênero (masculino e

feminino), Idade (18 a 30 anos, 31 a 50 anos, 51 a 70 anos e 71 ou mais anos) e Local

de residência (zona urbana e zona rural). Considerando-se que o apagamento das vogais

átonas possa ser um fenômeno inovador na comunidade, espera-se que seja favorecido

pelas mulheres, por falantes das faixas etárias mais jovens e por moradores da zona

urbana.

As variáveis linguísticas são: Vogal candidata ao apagamento, Obstruinte pré-

vocálica, Posição da sílaba na palavra, Número de sílabas da palavra e Qualidade da

sibilante.

A variável Vogal candidata ao apagamento possui os fatores /a/ (marcas), /e/

(dezenove), /o/ (muitos), /i/ (participa) e /u/ (duzentos), ou seja, o tipo de vogal

fonológica suscetível ao apagamento. Espera-se, considerando-se a sonoridade

intrínseca das vogais e à semelhança do que ocorre no PE3, que as vogais a

apresentarem maior índice de apagamento sejam /i/ e /u/, seguidas de /e/ e /o/, sujeitas à

elevação em posições átonas.

Na variável Obstruinte pré-vocálica, estão os fatores /t/ (antes), /d/ (dezenove), /k/

(marcas), /g/ (angustiado), /p/ (pessoa), /b/ (bicicleta), /f/ (professor) e /v/ (chaves).

Levando-se em conta a afirmação de Bisol (1986, 1991) sobre a aproximação

fonológica e articulatória das obstruintes /t/ e /d/ e a sibilante, espera-se que essas sejam

as favorecedoras do apagamento.

Já a variável Posição da sílaba na palavra contém os fatores inicial (dezenove),

inicial clítico (de semana), medial pré-acento (professor), medial pós-acento (pode ser)

e final (antes). Pensa-se que caiba à posição final favorecer o apagamento, visto que sua

3 O PB não apresenta um quadro de redução vocálica para schwa, como o PE. Se apresentasse, a

expectativa seria a de que [] apagasse mais do que as outras vogais, porque é o segmento vocálico menos

sonoro.

Page 218: Letras & Letras

217

proeminência é menor do que a das demais posições átonas. Além disso, dados os

resultados obtidos por Guzzo (2010) para o fator clítico, o qual se mostrou altamente

favorecedor à aplicação da elevação de /e/, espera-se que esse fator repita seu papel

condicionador.

Em Número de sílabas da palavra, estão os fatores dissílabo (dizer), trissílabo

(dezoito) e polissílabo (dezenove). Acredita-se que o apagamento seja condicionado por

polissílabos em razão da estrutura métrica com um maior número de sílabas, que deixa

as sílabas átonas distantes da tônica mais vulneráveis ao apagamento.

A variável Qualidade da sibilante abriga os fatores /s/ (participa), /z/ (dezenove),

// (de chuva) e // (digestão). A atonicidade do contexto em estudo favorece a redução,

razão pela qual se prevê que os segmentos surdos /s/ e // sejam as sibilantes

condicionadoras da regra.

São, portanto, oito as variáveis controladas neste estudo, reunidas no quadro a

seguir, com os fatores que as compõem:

Quadro 1 – Variáveis independentes controladas na análise do apagamento variável

Linguísticas Extralinguísticas

Vogal candidata ao apagamento

/a/: marcas

/e/: dezessete

/o/: costume

/i/: tradição

/u/: lambuzado

Gênero

Homem

Mulher

Obstruinte pré-vocálica

/t/: antes

/d/: descobrir

/f/: professor

/v/: chaves

/k/: conquistar

/g/: angustiado

/p/: lápis

/b/: lambuzado

Idade

18 a 30 anos

31 a 50 anos

51 a 70 anos

71 ou mais anos

Posição da sílaba na palavra

Inicial: descobrir

Inicial clítico: de semana

Medial pré-acento: professor

Medial pós-acento: pode ser

Final: antes

Local de Residência

Zona Urbana

Zona Rural

Número de sílabas da palavra

Dissílabo: antes

Trissílabo: professor

Polissílabo: dezessete

Qualidade da sibilante

/s/: professor

/z/: deslizar

//: de chuva

//: digestão

Page 219: Letras & Letras

218

Para o tratamento estatístico ou quantitativo previsto na análise de regra variável,

os contextos de apagamento – sequências de obstruinte, vogal e sibilante em sílabas

átonas – levantados das entrevistas são codificados conforme os fatores das variáveis

linguísticas e extralinguísticas e submetidos ao pacote de programas computacionais

VARBRUL, versão Goldvarb X, para ambiente Windows.

4 Resultados

Das doze entrevistas sociolinguísticas de Flores da Cunha (RS), foram levantados

2.179 contextos de apagamento. A solução de um knockout4, porém, fez com que o

número total de contextos considerados na análise posteriormente se reduzisse a 1.467.

Nesses dados, a frequência total de aplicação da regra foi de 18,5%. É um índice baixo,

mas confirma que o apagamento é uma regra variável na fala da comunidade5.

O programa excluiu as variáveis Gênero e Qualidade da sibilante, e selecionou,

nesta ordem, Obstruinte pré-vocálica, Vogal candidata ao apagamento, Idade, Número

de sílabas da palavra, Posição da sílaba na palavra e Local de residência. Apenas os

resultados das variáveis selecionadas serão apresentados e discutidos aqui.

Com relação à variável Idade, mostraram-se favorecedores à aplicação da regra os

fatores 18 a 30 anos (peso relativo 0,60) e 31 a 50 anos (peso relativo 0,56). Conforme

se esperava, os indivíduos das faixas etárias mais jovens apagam mais a vogal átona, ao

passo que aqueles com 71 anos ou mais têm tendência a preservá-la (peso relativo 0,24).

Falantes com idade entre 51 e 70 anos podem ser considerados neutros (peso relativo

0,49). O apagamento parece estar sendo incrementado a cada geração, o que, em termos

de tendências, confirma a hipótese de variação na mudança em progresso.

Como se esperava, o fator zona urbana, da variável Local de residência,

condiciona a aplicação do apagamento, com peso relativo de 0,55. Já o fator zona rural

desfavorece o processo, com peso relativo de 0,44. Como afirmamos anteriormente, a

zona rural de Flores da Cunha (RS) mostra-se mais conservadora, menos afetada por

processos inovadores do português, como a elevação de vogal /e/ em sílabas átonas

(GUZZO, 2010) e palatalização de /t/ e /d/ (BATTISTI, 2011). Isso se explica, por um

lado, pelo contato mais intenso do português com a fala dialetal italiana na zona rural;

por outro, pelas práticas sociais diárias dos habitantes da zona urbana, que os põem em

contato com indivíduos de outras localidades e tornam seu falar suscetível a inovações.

O Gráfico 1 a seguir apresenta os resultados (em pesos relativos) para essas duas

variáveis. O input dessa rodada é 0,110 e a significância é de 0,000.

4 O knockout de um fator ocorre quando este apresenta 0% ou 100% de frequência para um dos valores da variável dependente (GUY e ZILLES, 2007). 5 Uma frequência de 95% ou mais indicaria aplicação categórica do apagamento; uma frequência de 5% ou menos, de que não haveria uma regra variável de apagamento na comunidade.

Page 220: Letras & Letras

219

Gráfico 1 – Resultados (em pesos relativos) das variáveis Idade e Local

de residência.

Em termos sociais, o apagamento mostra ser, então, um processo inovador e

urbano em Flores da Cunha (RS). Mas, haja vista a ordem de seleção das variáveis

estabelecida na análise estatística, as variáveis linguísticas é que têm maior efeito sobre

o apagamento.

Conforme se previa, os fatores /t/ e /d/, da variável Obstruinte pré-vocálica,

condicionam a aplicação da regra, com pesos relativos de 0,74 e 0,68, respectivamente.

Outro fator que tem efeito sobre o apagamento é /k g/, com peso relativo de 0,57. Já os

fatores /f v/ e /p b/ desfavorecem o apagamento, pois ambos apresentam peso relativo de

apenas 0,13. Observe-se a Tabela 1:

Tabela 1 – Obstruinte pré-vocálica

Fatores Aplicação/Total Frequência Peso Relativo

/t/ (antes) 61/228 26,8 0,74

/d/ (dezoito) 153/489 31,3 0,68

/k g/ (conquistar,

angustiado)

47/358 13,1 0,57

/f v/ (professor, visita) 6/191 3,1 0,13

/p b/ (pessoa, bicicleta) 4/201 2 0,13

TOTAL 271/1467 18,5

Input 0.110 Significância 0.000

Nesta variável, alguns fatores foram amalgamados devido à escassez de contextos.

Assim, /k/ e /g/ foram unidos num só fator, bem como /p/ e /b/ e /f/ e /v/. Os resultados

apresentados na Tabela 1 mostram não só o papel favorecedor de /t/ e /d/, mas o fato de

que essas são as obstruintes que mais ocorrem no contexto em estudo, de obstruinte-

vogal-sibilante em sílaba átona.

Na linha de Bisol (1986, 1991), pensamos que o comportamento favorecedor de

/t/ e /d/ possa ter relação com o fato de esses segmentos partilharem características com

a sibilante. Acreditamos que essas características estejam resumidas, em termos

Page 221: Letras & Letras

220

fonológicos, no traço [coronal]. A variável Qualidade da sibilante foi desconsiderada da

análise, o que não nos permite fazer afirmações sobre efeitos de diferenças como

vozeamento e anterioridade da sibilante na aplicação do apagamento. Mas vimos que /S/

em coda não previne a elevação das vogais médias no PB e, nos casos de apagamento

vocálico, a sibilante permanece, podendo-se com ela criar rimas superpesadas, o que lhe

confere um caráter especial, potencializado por /t/ e /d/.

Relativamente à variável Vogal candidata ao apagamento, /i/ e /e/ condicionam o

apagamento, o primeiro com peso relativo de 0,73, e o segundo, com 0,60. Já o fator /o

u/, resultado da amalgamação de dois fatores, apresenta peso relativo de 0,24, sendo,

portanto, desfavorecedor do fenômeno. Os resultados dessa variável podem ser

observados na tabela a seguir:

Tabela 2 – Vogal candidata ao apagamento

Fatores Aplicação/Total Frequência Peso Relativo

/i/ (tradição) 63/254 24,8 0,73

/e/ (dezenove) 175/719 24,3 0,60

/o u/ (costume, duzentos) 33/494 6,7 0,24

TOTAL 271/1467 18,5

Input 0.110 Significância 0.000

Houve knockout do fator /a/, que teve de ser excluído da análise, uma vez que foi

de 100% a não aplicação da regra nesse contexto. A exclusão desse fator acarretou a

diminuição do número total de contextos, de 2.179 para 1.467. A maioria dos contextos

com /a/ eram ocorrências das palavras bastante, todas, muitas, em que não houve

apagamento. Já em todos e muitos, ocorrências de nosso corpus, o processo se aplicou,

o que mostra o comportamento diferenciado de /a/ em relação à redução e ao

apagamento. Em termos de sonoridade, /a/ ocupa o topo da escala, é a vogal mais

sonora e menos propensa à redução e desaparecimento, como vimos em Crosswhite

(2000) e Coetzee (2004). Nosso resultado confirma a previsão desses estudos, como

também nossa própria hipótese de análise.

Confirmam também nossas expectativas os resultados dos fatores /i/ e /e/: os dois

têm efeito sobre o apagamento, mas o de /i/ é mais forte, como se espera de vogais altas,

menos sonoras do que as médias. Não podemos fazer a mesma afirmação sobre /u/

relativamente a /o/, porque os dois fatores foram amalgamados. Mas vale dizer que o

apagamento é maior com as vogais anteriores do que com as posteriores.

Um exame pontual dos dados mostra que o apagamento com /e/ fonológico ocorre

em palavras em que a elevação também é frequente (cf. GUZZO, 2010). É o caso de

ocorrências como antes, cidades, dezenove, dezoito, dezessete, dezesseis, entre outras.

Isso comprova a relação entre redução e apagamento referida na literatura.

Quanto à variável Número de sílabas da palavra, é possível afirmar que o fator

polissílabo condiciona o apagamento (com peso relativo de 0,63), enquanto o fator

dissílabo é neutro (peso relativo de 0,49) e o fator trissílabo é desfavorecedor (peso

relativo de 0,41). A tabela 3 apresenta os resultados dessa variável:

Tabela 3 – Número de sílabas da palavra

Fatores Aplicação/Total Frequência Peso Relativo

Polissílabo (dezessete) 118/433 27,3 0,63

Page 222: Letras & Letras

221

Dissílabo (antes) 81/372 21,8 0,49

Trissílabo (professor) 72/662 10,9 0,41

TOTAL 271/1467 18,5

Input 0.110 Significância 0.000

O papel condicionador de polissílabo, neutro de dissílabo e desfavorecedor de

trissílabo não permite construir generalizações como a de que a tendência de aplicação

do apagamento aumentaria à medida que crescesse o número de sílabas da palavra. Se,

como a literatura sugere, há uma relação entre a estrutura prosódica e o apagamento,

entendemos que é preciso relacionar os resultados da variável Número de sílabas da

palavra com os de Posição da sílaba na palavra. Apresentaremos os resultados obtidos

para essa última variável e, depois, o cruzamento desses dois grupos de fatores.

Na variável Posição da sílaba na palavra, foram amalgamados os fatores final e

medial pós-acento, devido à escassez de contextos de apagamento em posição medial

pós-acento. Foi considerado favorecedor o fator inicial clítico, com peso relativo de

0,59. Já os fatores inicial e final/medial pós-acento foram considerados neutros (com

pesos relativos de 0,53 e 0,50, respectivamente). Com peso relativo de 0,26, o fator

medial pré-acento mostrou-se desfavorecedor à aplicação do apagamento. A Tabela 4

traz esses resultados:

Tabela 4 – Posição da sílaba na palavra

Fatores Aplicação/Total Frequência Peso Relativo

Inicial clítico (de semana) 87/267 32,6 0,59

Inicial (dezoito) 97/651 14,9 0,53

Final, Medial pós-acento

(antes, pode ser)

67/364 18,4 0,50

Medial pré-acento

(professor)

20/185 10,8 0,26

TOTAL 271/1467 18,5

Input 0.110 Significância 0.000

Também em Guzzo (2010) a elevação foi maior em clíticos, por isso não nos

surpreende o resultado desse fator para apagamento. Mas o comportamento dos clíticos

é bastante interessante, principalmente se levarmos em conta a proposta de Crosswhite

(2000), de redução moderada e redução extrema na pauta pretônica e postônica,

respectivamente, e a prosodização dos clíticos. Em termos de apagamento, os clíticos

mostram ser prosodizados como sílabas pretônicas ou átonas finais? O cruzamento de

Número de sílabas da palavra com Posição da sílaba na palavra ajuda a responder essa

questão, bem como a compreender o papel dos polissílabos frente ao apagamento.

Tabela 5 – Cruzamento de Número de sílabas da palavra com Posição da sílaba na

palavra

Posição da sílaba /

Número de sílabas

Inicial clítico Inicial Final/Medial

pós-acento

Medial pré-

acento

Dissílabo 35% 27% 12% -

Trissílabo 24% 8% 13% 2%

Page 223: Letras & Letras

222

Polissílabo 39% 27% 34% 13%

O cruzamento mostra que o apagamento na posição inicial clítico é mais frequente

do que nas outras posições, independentemente do número de sílabas da palavra, mas

maior em polissílabos do que em dissílabos e, nesses, do que em trissílabos. É

importante esclarecer que, na codificação dos dados, o clítico foi somado ao número de

sílabas da palavra hospedeira: contextos como de semana, de janeiro e que sabia foram

codificados como polissílabos, que sim e de ser, como dissílabos, e de chuva e te serve,

como trissílabos. Nosso pressuposto foi o de que os clíticos seriam prosodizados à

esquerda do hospedeiro, funcionando como sílabas pretônicas, mas o comportamento da

vogal em posição inicial e da vogal em posição inicial clítico é bastante distinto, como

também da vogal em posição final/medial pós-acento. Ainda não temos explicação para

o comportamento peculiar dos clíticos, fato que deverá receber nossa atenção futura.

Em termos de estrutura métrica, e diferentemente do que propõe Crosswhite

(2000), nossos resultados parecem apontar para a ausência de pés métricos nas sílabas

pretônicas, o que as tornaria suscetíveis à redução extrema e ao apagamento, em que os

clíticos desempenham papel importante.

5 Conclusão

Com a exploração de dados que realizamos neste trabalho, conseguimos alcançar

os objetivos de verificar que vogais são apagadas no português brasileiro falado na

comunidade de Flores da Cunha (RS), e a proporção de apagamento; os segmentos que

precedem e seguem a vogal apagada, e em que proporção; as variáveis linguísticas e

extralinguísticas que condicionam o processo, como também seu status na comunidade

de fala em estudo, se variação na mudança em progresso, em regressão ou se variação

estável no sistema da comunidade.

A variável dependente do estudo foi o apagamento de vogais seguidas de sibilante

em posição átona, o que nos eximiu do controle do tipo de consoante seguinte. A

frequência total de aplicação é de 18,5%. Verificamos que não há apagamento de /a/

átono. O processo afeta a vogal /i/, mais do que /e/ e essas, mais do que /o u/, o que se

relaciona à sonoridade intrínseca da vogal. As consoantes /t/ e /d/ precedentes são

aquelas que figuram nos contextos em que há mais apagamento, bem como a sílaba

inicial clítica de polissílabos, evidenciando a influência segmental e prosódica sobre o

fenômeno. O processo é condicionado pelos jovens, com o que se confirma seu status

de variação na mudança em progresso.

O apagamento deve merecer investigações fonológicas futuras, que expliquem o

papel das configurações consonantais e vocálicas frente ao apagamento, como também

o da estrutura prosódica, a que se relaciona a prosodização dos clíticos .

BATTISTI, E.; GUZZO, N. B. THE VARIABLE VOWEL DELETION IN

UNSTRESSED POSITIONS IN BRAZILIAN PORTUGUESE: THE CASE OF

FLORES DA CUNHA (RS)

Abstract

Page 224: Letras & Letras

223

The variable vowel deletion in unstressed positions in Brazilian Portuguese

(antes~an[ts], desculpe~[ds]culpe, professor~pro[fs]or, conquistar~con[ks]tar) affects

different vowels preceded by obstruints and followed by sibilants. In the speech

community of Flores da Cunha (RS), the rule applies at a rate of 18,5%, and the process

is conditioned by vowels /i/ and /e/, preceded by obstruints /t/ and /d/, in the first

syllable (clitics) of polysyllabic words. People who live in the urban area and

youngsters favor the deletion, and the process tends to progress in the community.

Keywords

Brazilian Portuguese; vowel reduction and deletion; variable rule analysis.

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Cascadilla Press, p.809-821, 2003.

Page 226: Letras & Letras

225

ANÁLISE QUALITATIVA DAS VOGAIS MÉDIAS POSTÔNICAS NÃO-

FINAIS NO PORTUGUÊS FALADO NO MUNICÍPIO DE CAMETÁ (PA)

Raquel Maria da Silva Costa (UFPA)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Regina Célia Fernandes Cruz (UFPA/CNPq)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

Este trabalho apresenta uma análise qualitativa do comportamento das vogais médias -

/e/ e /o/ - postônicas não-finais, na variedade do português falada no município de

Cametá (PA), as quais apresentam quatro variantes possíveis: manutenção [e]/[o],

alteamento [i]/[u], apagamento [ø] e abaixamento [E]/[O]. O corpus foi constituído com

amostras de fala de 96 informantes estratificados em sexo, faixa etária, nível de

escolaridade e procedência (COSTA, 2010). Dois procedimentos diferentes foram

utilizados para a coleta dos dados: uma entrevista livre e um teste ou nomeação de

figuras. O corpus apresenta 2.177 dados. Os contextos fonéticos favorecedores de cada

uma das variantes identificadas são explicados à luz da geometria dos traços

(CLEMENTS, 2004). Aplica-se particularmente a proposta de Wetzels (1991) para

explicar a neutralização ocorridas com as átonas mediais no português brasileiro (PB).

De forma geral os dados confirmam o quadro vocálico proposto por Câmara Jr. (1970)

para as vogais átonas mediais do PB.

Palavras-chave

vogais médias postônicas; variação fonológica; neutralização.

1. Introdução

O presente trabalho compreende uma descrição fonológica das vogais médias

postônicas - /e/ e /o/ - não-finais no português falado na cidade de Cametá (PA). Mais

especificamente, analisa-se qualitativamente a variação das vogais médias postônicas

mediais, de forma a verificar como o ambiente fonético é determinante no

comportamento das quatro variantes identificadas, a saber: manutenção (abób[o]ra /

velocíp[e]de), alteamento (abób[u]ra / velocíp[i]de), abaixamento (abób[O]ra /

cér[E]bro) e apagamento (abób[ø]ra / velocíp[ø]i).

Para explicação dos contextos fonéticos favorecedores de cada variante, lançou-se

mão dos pressupostos teóricos da Geometria do Traços de Clements & Humes (1995).

Aplica-se igualmente a proposta de Wetzels (1991) para explicar o processo de

neutralização das vogais átonas não-finais decorrentes de alteamento das mesmas. Por

último verifica-se se o inventário de vogais átonas não-finais coincide com o quadro

Page 227: Letras & Letras

226

fonético proposto por Câmara Jr. (1970) para as átonas mediais do português brasileiro

(PB).

Para que fique claro ao leitor a análise empreendida das vogais médias postônicas

mediais da variedade do português falada em Cametá (PA), recupera-se a origem dos

dados na secção 4, a qual contem uma resenha da descrição sociolinguística realizada do

fenômeno de variação em escopo (COSTA, 2010). Uma breve apresentação da teoria da

Geometria dos Traços é feita na próxima secção (secção 2), apresenta-se

exclusivamente a sua proposta de descrição das vogais. Antes da apresentação da

análise qualitativa dos dados (secção 5), destaca-se a contribuição de Wetzels (1991)

para a explicação, com base na teoria autossegmental, do fenômeno de neutralização das

vogais médias átonas não-finais do PB (secção 3) para finalmente apresentarmos o

sistema vocálico átono postônico não-final da variedade do PB falada em Cametá

(secção 6).

2. As vogais na visão da Geometria dos Traços

Elegeu-se para abordar os processos fonológicos detectados no processo de

variação das vogais médias postônicas não-finais do português falado em Cametá (PA)

a teoria fonológica da geometria dos traços proposta por Clements & Humes (1995),

uma vez que, quando aplicada, esta teoria tem dado conta de processos de assimilação,

dissimilação, epêntese, apagamento, propagação harmônica, alguns dos quais foram

detectados no proceso de variação das vogais médias postônicas mediais da variedade

do português falada em Cametá (PA).

Na Fonologia da Geometria dos traços, as vogais são caracterizadas pelos traços

de ponto e de abertura, assim como registra a existência de um nódulo de abertura

independente para as vogais, o que é considerado, no âmbito das teorias fonológicas

modernas, uma inovação na proposta por Clements (2004). O nódulo de abertura das

vogais domina o traço [aberto], composto de uma ou mais fileiras de abertura, cujo

número preciso desse traço, depende das distinções de graus de altura que a língua

possui em seu sistema vocálico e por isso pode organizar-se em série de registros e sub-

registros. Wetzels (1991, p. 29), partindo da proposta de Clements (2004), argumenta

que “somente as vogais apresentam o traço [aberto] constrativamente”, embora isso não

seja consenso na literatura. Dessa forma a altura dos segmentos vocálicos é especificada

como o traço [- aberto] para as vogais altas e o traço [+aberto] para as vogais baixas.

Assim, Clements (2004) passou a representar o sistema vocálico através de traços,

organizados hierarquicamente em fileiras ou tiers, sendo que cada traço deveria ser

marcado positivo [+] ou negativamente [-], criando dessa forma dois registros de altura

vocálica. Wetzels (1991) insere a noção de traço de abertura para o PB, adotando a

teoria de Geometria dos traços de Clements & Humes (1995) e estabelece o sistema de

quatro alturas, obtendo-se primeiro duas alturas /i a/ e /i u a/, três alturas /i e a/, e quatro

/i e E a/. É importante salientar que tal representação resulta do agrupamento dos

fonemas vocálicos em classes naturais. Assim tem-se respectivamente a seguinte

divisão dos níveis de altura para os segmentos vocálicos:

Page 228: Letras & Letras

227

Fonte: Matzenauer (2005, p. 59)

Verifica-se na representação acima, que os diferentes traços caracterizadores do

grau de abertura das vogais, estão dispostos em um sistema hierárquico e vinculados a

um único nó de abertura, possibilitando um espraiamento, como uma unidade, dos

diferentes graus de abertura.

3. A neutralização das vogais médias do PB: uma visão autossegmental

O sistema vocálico do português proposto por Câmara Jr. (1970) possui uma

representação triangular de sete vogais em posição tônica, que se reduzem a cinco em

posição pretônica, a quatro vogais postônicas não-finais e a três postônicas finais. Essa

redução vocálica nas posições átonas, principalmente na postônica não-final, objeto

deste estudo, dá-se pela perda do contraste existente entre as vogais médias e as vogais

altas. Câmara Jr. (op.cit) denominou o processo em questão de neutralização. Wetzels

(1991) reinterpreta a proposta de Câmara Jr. (op.cit), levando em consideração os

princípios da teoria autossegmental e explica o processo de neutralização das vogais

médias como “definidas as vogais em termos da geometria de Clements, com altura

vinculada a traços de abertura, aberto1, aberto2 e aberto3, o traço neutralizado é

desligado e substituído pelo valor oposto” (WETZELS apud BISOL, 2003, p. 274).

Dessa forma, na passagem da posição tônica para a posição postônica não-final as

vogais médias sofrem, nos termos de Câmara Jr. (op.cit), uma neutralização, pois o

traço que as diferencia das vogais altas é apagado.

Pelo modelo autossegmental, a altura do sistema vocálico do PB, é delimitada por

traços de abertura, por conseguinte as vogais tônicas subdividem-se hierarquicamente

em um sistema de quatro alturas, formado por três níveis de abertura, conforme a

representação a seguir:

Figura 3.1 - Sistema de quatro alturas do PB

Fonte: Wetzels (1991, p. 30)

Como observado na figura 3.1, os fonemas vocálicos do PB /e, o/ e /E, O/

possuem os mesmos graus de abertura e são agrupadas em uma mesma classe natural

por estarem mais estreitamente ligadas entre si do que com as vogais médias altas, com

Page 229: Letras & Letras

228

as vogais altas e as vogais baixas. Observa-se na figura 3.1 que a distinção realizada

entre as vogais médias altas e vogais médias baixas faz-se somente no tier [aberto 3],

pois em [aberto 1] e [aberto 2], os traços são idênticos para ambos os fonemas. Para

Vieira (1994), essa oposição ocasionada somente no tier [aberto 3] pode ser

caracterizada como menos básica do que a oposição existente entre as vogais altas e

baixas, atribuindo maior importância à distância que há entre vogais não baixas e vogais

baixas expressa no tier [-aberto 1]. Isso ocasiona na língua, na passagem da tônica para

a átona, a eliminação da distinção entre as duas séries de vogais médias.

Para Bisol (2003), essa é a primeira distinção a ser abandonada entre as vogais

médias /e, E/ e /o, O/, causando a mudança diretamente de um registro terciário para

secundário. Para a autora “regras de neutralização são processos naturais e seu resultado

é sempre um sistema mais simples, já contido na própria língua e encontrado em muitas

outras línguas do mundo” (BISOL, 2003, p. 276). A neutralização, portanto, entre as

vogais médias ocorre por meio do desligamento do tier [+aberto 3] e pode ser observada

na figura 3.2 abaixo:

Figura 3.2 - Neutralização da vogal não acentuada

Fonte: Wetzels (1991, p. 39)

No diagrama exposto na figura 3.2 é explicado o desligamento do tier [+ aberto

3], isso ocasiona a distinção entre as vogais médias altas e baixas, e gera um subsistema

vocálico formado por cinco vogais /a, e, i, o, u/. Assim uma vogal que não possui o

acento primário (tônico) na palavra fonológica, é desassociada de [aberto 3], como em

b[E]lo →b[e]leza; p[O]rta → p[o] rteiro.

Para a vogal postônica não-final, Wetzels (1991), em uma releitura de Câmara Jr.

(1970), constata que a regra de neutralização que ocorre sobre as vogais médias

postônicas não-finais elimina apenas o contraste existente entre os fonemas /o/ e /u/,

como em côm[o]da → côm[u]da, o que gera, segundo a visão do autor, um subsistema

vocálico formado por quatro vogais: /a e i u/. A regra de neutralização que atinge as

vogais médias postônicas não-finais encontra-se representada na figura 3.3:

Figura 3.3 - Representação arbórea da Neutralização da vogal postônica não-final.

Page 230: Letras & Letras

229

Fonte: Wetzels (1991, p. 23-27)

4. Problematização – origem dos dados analisados

Costa (2010) apresenta uma descrição sociolinguística quantitativa das vogais

médias postônicas não-finais - /e/ e /o/ - no português falado no município de Cametá

(PA). Em decorrência da rara frequência do contexto de realização das vogais alvos -

vocábulos proparoxítonos -, por seu número reduzido no léxico da língua portuguesa

quando comparados aos vocábulos oxítonos e paroxítonos, a autora foi levada a realizar

dois protocolos diferentes de coleta de dados: a) uma entrevista livre1 e; b) um teste de

nomeação de imagens (RIBEIRO, 2007). Para este último tipo de coleta de dados em

particular – o teste de nomeação de imagens -, foram utilizadas 56 figuras cujos nomes

correspondiam a vocábulos proparoxítonos alvos, os quais encontram-se em anexo. Ao

todo foram obtidos 2.177 dados em que a variável dependente do fenômeno estudado se

manifestou.

Costa (2010) identificou quatro variantes das vogais médias postônicas mediais na

variedade do português analisada, as quais estão descritas abaixo no quadro 4.1.

Quadro 4.1 - Variantes da Vogais médias Postônicas identificadas por Costa (op.cit)

Variável Dependente Variantes

vogal postônica não-final

alteamento da vogal postônica não-final

bússola > búss[u]la

Manutenção da vogal postônica não-final

véspera / vésp[e]ra

Abaixamento da vogal postônica não-final

cômoda > côm[a]da

Apagamento da vogal postônica não-final

árvore > arv[ø]ri

O programa Varbrul selecionou cinco variáveis linguísticas - natureza da vogal

tônica, natureza do segmento precedente, natureza do segmento seguinte, ponto de

articulação da vogal da variável dependente e tipo de entrevista – e quatro variáveis

sociais – escolaridade, sexo, faixa etária e procedência do informante – como fatores

1 Na entrevista livre encontraram-se apenas 277 ocorrências do fenômeno.

Page 231: Letras & Letras

230

condicionadores dos processo de variação das médias postônicas não-finais na

variedade investigada.

A análise seguiu várias etapas. Primeiramente, Costa (2010) verificou como se

comportam as variantes detectadas quando confrontadas, considerando-se apenas a

manutenção das médias postônicas não-finais e a sua modificação em alteamento

(centím[i]tru), apagamento (abób[ø]ra) e abaixamento, este último em dois níveis,

primeiro para média baixa (cér[E]bro) e depois para uma vogal baixa (côm[a]da). Os

dados de Costa (op.cit) demonstraram que há uma tendência maior à modificação da

postônica não-final (52%) face a sua manutenção (48%) no português falado em Cametá

(PA).

Uma vez constatado que a modificação tem uma percentual de frequência maior

de ocorrência na variedade investigada, Costa (op.cit) verificou qual o percentual de

ocorrência de cada uma das variantes identificadas como sendo modificação da

postônica não-final. A tabela 4.1 abaixo contem a frequência de ocorrência de cada

variante identificada.

Tabela 4.1 – Percentual de realização das variantes das vogais médias postônicas não-

finais.

Modificações da vogal postônica não-final Exemplos Aplicação Percentual

Apagamento áv[ø]re 38/38 100%

alteamento ép[u]ca 910/922 99%

Abaixamento para vogal média cé[lE]bro 77/82 94%

Abaixamento para vogal baixa asp[a]ra 108/108 100%

Ausência de modificação núm[e]ro 04/1027 0%

Total 1137/2177 52%

Como verificado na tabela 4.1, o alteamento é uns dos fatores mais significativos

em nível de ocorrência para a aplicação da regra de modificação das vogais médias

postônicas não-finais, pois muito embora os percentuais obtidos para o fator

abaixamento para vogal média sejam elevados, o que gera um grau de significância

expressiva, os dados nos mostram que esse processo fonológico é pouco frequente,

manifestando-se apenas no corpus com 82 ocorrências. Por essa razão, Costa (op.cit)

optou por realizar uma segunda rodada no Varbrul, em que o fator alteamento é tomado

como uma variante da variável dependente, juntamente com a variante preservação da

vogal postônica, por esse dois fatores apresentarem-se como os dois mais expressivos

em números de ocorrências, uma vez que de acordo com os seus dados é mais provável

em posição postônica não-final as vogais médias - /e/ e /o/ - elevarem o seu traço de

altura para [i] e [u], como também o abaixarem para [E] e [O] ou o apagarem [ø], do

que manterem seu mesmo grau de altura.

São portanto os processos fonológicos de alteamento, apagamento, abaixamento

para a vogal média baixa e vogal baixa que escolhemos para analisar qualitativamente

neste trabalho a luz da geometria dos traços.

5. Análise Qualitativa dos Dados

Page 232: Letras & Letras

231

Nessa secção serão apresentados os processos fonológicos que sofreram as vogais

médias postônicas não-finais, assim como os itens lexicais que manifestaram cada um

desses processos, a luz dos pressupostos teóricos da teoria Autossegmental (WETZELS,

1991) e da Geometria dos Traços (CLEMENTS, 2004; CLEMENTS & HUME, 1995)

as quais foram escolhidas para explicar o processo de neutralização sofrido pelas vogais

médias em posição postônica não-final no português falado em Cametá (PA).

Acabamos de verificar no item anterior algumas possibilidades de realizações

fonético-fonológicas da vogal postônica não-final na variedade do português falada no

município de Cametá (PA), como: a) o processo de abaixamento; b) a queda da vogal

postônica não-final, caracterizada como síncope; c) o processo de alteamento e; d) o

processo de manutenção da vogal postônica (COSTA, 2010).

Quando se analisa individualmente os itens lexicais presentes no corpus de Costa

(op.cit), observa-se que os vocábulos com a vogal média anterior /e/, que manifestaram

apenas uma forma – cronôm[e]tro, nád[e]gas, núm[e]ro, pálp[e]bras, út[e]ro -, isto é,

não apresentaram variação, tenderam sempre à preservação da vogal postônica, não se

encontrou, portanto nenhum vocábulo que somente alteasse, apagasse ou abaixasse o

traço de altura da vogal anterior /e/.

Ao contrário da série anterior cujos vocábulos que apresentaram só uma forma

tenderam sempre a manutenção, o único item lexical da série posterior, que demonstrou

apenas uma variante, foi o apóst[u]lo, no caso o alteamento.

Por outro lado, nenhum vocábulo com a postônica não-final /o/ admitiu somente a

variante manutenção, isso indica que, seja com maior ou menor frequência, os

vocábulos sempre apresentaram o alteamento da média. Não se encontrou também nos

dados itens lexicais com a vogal anterior /e/, que tenham apresentado as quatro

realizações fonético-fonológicas previstas, na sílaba alvo. Todos os vocábulos que

regitram variação manifestaram somente duas variações na fala, sendo que a maioria

dessas tendeu sempre para o processo de preservação da vogal postônica /e/, muito

embora tenha apresentado outra variante.

Resultado diferente foi o obtido para a série posterior /o/, pois quatro vocábulos -

'abóbora', 'catálogo', 'cócoras' e 'odontólogo' - apresentaram as quatro variantes, isto

é, realizaram o processo de alteamento, preservação, abaixamento e apagamento da

vogal postônica não-final. Assim encontraram-se na pesquisa:

Tabela 5.1 - Itens lexicais que apresentaram as quatro variantes para a vogal /o/

Vocábulos Variantes

alteamento manutenção abaixamento apagamento

catálogo catál[u]go catál[o]go catál[a]go catál[ø]go

abóbora abób[u]ra abób[o]ra abób[a]ra abób[ø]ra

cócoras cóc[u]ras cóc[o]ras cóc[a]ras cóc[ø]ras

odontólogo odontól[u]go odontól[o]go odontól[O]go odontól[ø]go

Fonte: Costa (2010, p. 136)

Observa-se a partir dos dados acima a sensibilidade da vogal posterior ao processo

de modificação da postônica. Costa (2010) na análise quantitava também comprovou

Page 233: Letras & Letras

232

uma forte tendências das vogais médias posteriores na posição postônica não-final ao

alteamento (.90).

Mais uma vez os resultados reforçam a análise de Câmara Jr (1970) de que as

vogais médias posteriores em posição postônica medial encontram-se em posição fraca,

sendo, portanto vulneráveis à variação.

Vejamos com maiores detalhes como cada uma dessas variantes foi realizada

considerando cada item lexical do corpus de Costa (op.cit).

5.1 Abaixamento

Foram inúmeros os vocábulos com a vogal postônica /o/ que realizaram o

fenômeno de abaixamento no dialeto falado no município de Cametá.

Os vocábulos 'catálogo', 'cômoda' e 'semáforo' com a média postônica /o/ foram

os que mais tiveram o traço de altura da vogal postônica abaixado para a vogal baixa

[a]. Nos item 'catálogo' e 'semáforo', o fenômeno de abaixamento da vogal média /o/

foi realizado por falantes de todos os níveis de escolaridade controlados por Costa

(op.cit), tanto da zona urbana quanto da zona rural. Enquanto que em 'cômoda' somente

os falantes de nível superior não realizaram o abaixamento.

Tabela 5.1.1 - Itens lexicais que apresentaram abaixamento da vogal média /o/.

Vocábulo Abaixamento Frequência

cátalogo cátal[a]go 41

cômodo côm[a]do 30

semáforo semáf[a]ro 20

psicólogo psicól[O]go 10

odontólogo odontól[O]go 9

abóbora abób[O]ra / abób[a]ra 3

Época Ép[O]ca 3

cócoras cóc[O]ras 3

horóscopo horósc[O]po / horósc[O]pio 2

mármore márm[a]re 1

pérola pér[O]la 1

Fonte: Costa (2010, p. 143)

Os vocábulos 'cômoda‟, 'época' e 'catálogo' apresentaram alta freqüência na fala,

sendo que os demais itens lexicais não são usados com tal frequência, alguns vocábulos

inclusive, no dialeto em estudo, são desconhecidos dos informantes de baixa

escolaridade como 'horóscopo', 'odontólogo' e 'semáforo'.

No caso da vogal / e /, o abaixamento ocorreu no corpus em análise apenas em

quatro itens lexicais - 'áspera', 'câmera', 'cérebro' e 'vértebras' -, chegando mesmo a

apresentar um nível de freqüência bastante significativo na fala dos informantes de

todos os níveis de escolaridade, tanto da zona urbana como da rural.

Page 234: Letras & Letras

233

Tabela 5.1.2 - Itens lexicais que apresentaram abaixamento da vogal média /e/.

Vocábulo Abaixamento Frequência

cérebro cér[E]bro 30

vértebras vért[E]bras 12

câmera câm[a]ra 8

áspera ásp[a]ra 5

Fonte: Costa (2010, p. 144)

No processo de abaixamento, observado com as vogais médias nos vocábulos

acima, observa-se que o abaixamento da vogal média pode atingir o grau mais baixo

com a realização da variante [a]. Da mesma forma observa-se uma tendência à harmonia

vocálica, uma vez que a variante escolhida, seja uma vogal média baixa, seja um vogal

baixa, acompanha o mesmo traço de altura da vogal tônica do vocábulo.

5.2 Apagamento

Os vocábulos que realizaram o processo de apagamento da vogal postônica tanto

para /e/ como para /o/ foram bastante raros na variedade analisada, obtendo-se para a

vogal postônica /e/ três vocábulos - 'helicóptero', 'hóspede' e 'velocípede' - e para a

postônica /o/, um número maior de seis vocábulos, 'abóbora', 'árvore', 'cócoras',

'método' e 'odontólogo'.

O vocábulo 'árvore' foi o item lexical que apresentou o maior número de

realizações do fenômeno de apagamento da postônica /o/. De fato, os informantes, que

realizaram a síncope das postônicas não-finais seja de /o/ seja de /e/, são na maioria os

de baixa escolaridade. Identificaram-se apenas dois informantes de nível superior que

pronunciaram o vocábulo velocíp[Ø]i com supressão da postônica /e/. Vale ressaltar

igualmente que nenhum informante de nível superior realizou a supressão da postônica

/o/. Na tabela 5.2.1, pode-se visualizar os vocábulos que registraram apagamento da

vogal média postônica não-final.

Tabela 5.2.1 - Vocábulos que apresentaram apagamento da vogal média posterior /o/.

vocábulo Vogal alvo Apagamento Frequência

abóbora /o/ abób[Ø]ra 2

bób[Ø]ri 2

abób[Ø]a 2

árvore /o/ árv[Ø]i 1

árv[Ø]ri 2

áv[Ø]re 1

áv[Ø]ri 2

cócoras /o/ cóc[Ø]a 10

odontólogo /o/ odontól[Ø]u 1

Page 235: Letras & Letras

234

método /o/ met[Ø]u 1

helicóptero /e/ h[a]licóp[eØ]ro 1

h[a]licóp[Ø]i 2

helicóp[i]t[Ø]u 1

h[a]licóp[i]t[Ø]u 2

hóspede /e/ hósp[Ø]i 2

velocípede /e/ velocíp[Ø]i 8

Fonte: Costa (2010, p. 145)

Em relação ao apagamento das postônicas /o/ e /e/, observa-se que há dois

processos que operam nos vocábulos, um que se dá ao nível do segmento, quando há a

supressão de um segmento, no caso a vogal postônica, e outro no nível da palavra

quando há a síncope de dois segmentos, ocasionando reestruturação silábica do

vocábulo, como pode ser visualizado na figura 5.2.1 abaixo.

Figura 5.2.1 - Representação arbórea do apagamento de um segmento vocálico na

posição postônica medial dos vocábulos (abó)bora e (ár)vore.

Fonte: Costa (2010, p. 146)

A primeira regra descrita acima refere-se à supressão somente da vogal média

postônica não-final, o que ocasiona uma reorganização na estrutura da sílaba, mudando

o padrão CV para o padrão CCV. É o que acontece com os vocábulos 'abóbora' que na

fala são pronunciados como 'abobra' ou 'bobri' e 'arvore' > arvri > avri. Essa

ressilabação é possível porque o encontro consonantal obtido em decorrência do

apagamento da vogal média postônica (com a segunda posição do ataque complexo

sendo ocupado por uma consoante líquida) é aceitável na língua portuguesa.

A segunda forma de ocorrência de síncope acontece quando além da queda da

vogal postônica, há a supressão da consoante da sílaba seguinte. Isso ocorre em

obediência ao Princípio de Sequenciamento de Soância (CLEMENTS, 2004), que não

permite sílabas com sequências do tipo 'pdi', 'tdu', 'rca' ocorrerem no português, por isso

além da supressão da vogal postônica, há a supressão também da consoante da sílaba

seguinte, o que ocasiona a formação de uma nova sílaba do tipo CV, padrão silábico

Page 236: Letras & Letras

235

canônico do português brasileiro. Assim que surgem pronúncias do tipo hospi <

hóspede, metu < métudo, coca < cócoras, arvi < árvore, boba < abóbora, velocipi >

velocípede. É o que se observa na figura 5.2.2.

Convém ressaltar que tanto na síncope da vogal postônica, como da vogal e

consoante, há perdas no vocábulo de uma sílaba o que ocasiona a necessidade de uma

ressilabação.

Figura 5.2.2 - Representação arbórea do apagamento da sílaba postônica não-final do

vocábulo '(hós)pede'.

Fonte: Costa (2010, p. 147)

5.3 Alteamento

Em se tratando dos itens lexicais que apresentaram o processo de alteamento das

médias postônicas não-finais, o número de vocábulos que admitem alteamento foi bem

mais expressivo, tanto para a vogal posterior quanto para a vogal anterior. No geral os

falantes de todos os níveis de escolaridade, seja da zona urbana ou da rural utilizaram

formas alteadas na vogal média postônica não-final.

Tabela 5.3.1 - Vocábulos que apresentaram alteamento da vogal média posterior /o/.

Vocábulo alteamento Frequência

Época ép[u]ca 147

Autódromo autódr[u]mo 62

Fósforo fósf[u]ro 55

Bússola búss[u]la 53

Árvore árv[u]re 51

Ídolo íd[u]lo 50

Símbolo símb[u]lo 49

Abóbora abób[u]ra 36

Pérola pér[u]la 36

Âncora ânc[u]ra 31

Page 237: Letras & Letras

236

Psicólogo psicól[u]go 31

Carnívoro carnív[u]ro 29

Horóscopo horósc[u]po 27

Método mét[u]do 23

Metrópole métrop[u]le 18

Odontólogo odontól[u]go 11

Cômoda côm[u]da 10

Semáforo semáf[u]ro 10

Brócolis bróc[u]lis 8

Cócoras cóc[u]ras 4

Mármore márm[u]re 4

Catálogo catál[u]go 1

Fonte: Costa (2010, p. 148)

Figura 5.3.2 - Representação arbórea da neutralização da postônica não-final, segundo

Wetzels (1991).

Fonte: Wetzels (1991, p.27)

A regra de neutralização exposta acima demonstra o desligamento do traço

[+aberto 2] do vocóide, o que ocasiona a perda do traço distintivo das vogais posteriores

média e alta.

Page 238: Letras & Letras

237

Com a perda deste traço distintivo, as vogais médias /e/ e /o/, principalmente a

média posterior /o/, passam a compartilhar os mesmos traços de abertura das vogais

altas /i/ e /u/ respectivamente os quais são [- aberto 1] e [- aberto3].

De acordo com a regra proposta por Wetzels (1991) o domínio da regra de

neutralização da postônica não-final é o pé métrico. Assim nos vocábulos

proparoxítonos, as vogais que estiverem à borda direita de um pé métrico tenderão a

tornar-se mais fracas. É o que se observa neste estudo, quanto ao alteamento

significativo de /o/ e não de /e/, como representado na figura 5.3.3 abaixo.

Figura 5.3.3 - neutralização da vogal que se encontra a borda direita de um pé métrico

Fonte: Costa (2010, p. 150)

A frequência de alteamento dos vocábulos com a vogal postônica /e/ é menor que

a dos vocábulos com a média posterior /o/. E muito embora haja o alteamento de /e/

para /i/, verifica-se que o número de ocorrências dos vocábulos com a vogal anterior

postônica alteada é bem mais inferior do que ocorre com a série posterior. Os falantes

de todos os níveis de escolaridade realizam o alteamento da vogal /e/, pertencentes tanto

a zona urbana quanto a rural.

Tabela 5.3.1- Vocábulos que apresentaram alteamento da vogal média posterior /e/

Vocábulo alteamento Frequência

Quilômetros quilôm[i]tros 45

Indígena indíg[i]na 11

Hóspede hósp[i]de 8

Alienígena alieníg[i]na 7

Fenômeno fenôm[i]no 6

Taxímetro taxím[i]tro 6

Velocípede velocíp[i]de 5

Termômetro termôm[i]tro 4

Gênesis gên[i]sis 3

Frutífera frutíf[i]ra 1

Mamíferos mamíf[i]ros 1

Parênteses parênt[i]ses 1

Page 239: Letras & Letras

238

6. Sistema Vocálico Átono Postônico Não-Final

De acordo com Costa (2010), o processo de alteamento, /e/ > [i] e /o/ > [u]

apresenta-se como variante de menor ocorrência, evidenciado através do peso relativo

.46 para a sua presença e .54 para a ausência, sendo que de 1949 dados efetivamente

verificados 921 aplicaram a regra variável de alteamento, enquanto que em 1031 dos

dados, não se aplicou, mantendo dessa forma as vogais postônicas não-finais.

Os resultados de Costa (2010) apontaram também nas rodadas para as médias /e/ e

/o/, que a média posterior possui maior propensão ao alteamento (/o/ > /u/), peso

relativo de .90 e a média anterior (/e/ > /i/), peso relativo de .04. Verifica-se, portanto no

que diz respeito principalmente a média /o/ mais propensa ao alteamento, que os fatores

linguísticos selecionados como significativos não possuem muitos traços articulatórios

comuns à variável dependente em estudo, o que nos leva a interpretar esse fenômeno de

alteamento como neutralização, entre outras justificativas, principalmente porque é a

própria vogal /o/ independente dos segmentos consonantais que a acercam, que

apresenta maior sensibilidade para elevar seu traço de altura.

Ao confrontar o sistema vocálico postônico medial da variedade do português

falada em Cametá (PA) com o sistema proposto por Câmara Jr. (1970), Costa (2010)

inferi a partir de seus dados que existe um sistema postônico não-final variável no falar

do município de Cametá, que se manifesta ora com cinco vogais (a, i, o, e, u) e ora com

quatro vogais (a, i, e, u).

Este último sistema vocálico é decorrente da neutralização que ocorre entre a

vogal média /e/ e /i/ e principalmente entre /o/ e /u/, pois Costa (2010) observou que ao

contrário do que ocorre com a série anterior cujos vocábulos que apresentaram só uma

forma tenderam sempre a manutenção da postônica, na série posterior o único item

lexical que demonstrou apenas uma variante, foi 'apóstolo', e esta variante foi o

alteamento (apóst[u]lo). Tal resultado corrobora a hipótese levantada por Câmara Jr.

(1970) que defende haver sobre as vogais médias não-finais um processo de

neutralização entre /o/ e /u/, uma vez que o /o/ não se mantem ao lado do /u/ no sistema

vocálico da língua, ao contrário do /e/ que permanece ao lado do /i/. E embora o /o/

conviva ainda no dialeto do município de Cametá (PA) com /u/, aquele tenderá com o

tempo a deixar de existir. Diferentemente da média /e/ que se mantém resistente ao

processo de alteamento.

Figura 6.1 - Sistema Vocálico do PB na Posição Postônica Medial, segundo Câmara Jr.

(1970).

Fonte: Costa (2010, p. 134)

Page 240: Letras & Letras

239

Para Wetzels (1991), essa regra de neutralização é condicionada pelo traço de

labialidade dos segmentos consonantais precedentes e não existe de fato uma

diferenciação entre /o/ e /u/ na língua falada. Uma das conclusões obtida foi a de que a

neutralização não é ocasionada somente pelo traço labial, dos segmentos que cercam a

vogal /o/, muito embora se tenha observado que os segmentos labiais precedentes e

seguintes em sua maioria aparecem sempre como um dos mais favorecedores do

alteamento de /o/. Verificou-se também que essa regra atinge variavelmente não

somente a posterior /o/, mas a vogal anterior /e/ no município de Cametá (PA). Para

Wetzels (1991) a regra que neutraliza a oposição existente entre /o/ e /u/ é a mesma

expressa na figura 6.2 abaixo.

A regra de neutralização exposta abaixo demonstra o desligamento do traço

[+aberto 2] do vocóide, o que ocasiona a perda do traço distintivo das vogais posteriores

média e alta.

Figura 6.2 – Regra de neutralização da oposição existente entre medias postônicas não

finais no PB.

Fonte: Wetzels apud Costa (2010, p. 149)

Com a perda deste traço distintivo as vogais médias /e/ e /o/, principalmente a

média posterior /o/, passam a compartilhar os mesmos traços de abertura das vogais

altas /i/ e /u/ respectivamente os quais são [- aberto 1] e [- aberto3].

O alteamento de /o/ ocorre principalmente quando a vogal alvo encontra-se

precedida ou seguida de sons labiais. Clements & Humes (1995) ressaltam que tanto as

vogais posteriores /o/ e /u/ compartilham o mesmo traço [+ labial] com as consoantes

fricativas labiodentais e obstruintes labiais, as mesmas que favorecem o alteamento da

média posterior na posição postônica não-final.

Umas das explicações mais plausíveis que se tem para o fato da série posterior

alçar mais advêm de Bisol (2003) que acredita que a explicação desse fenômeno esteja

no fato de que a série posterior /o/ tenha uma motivação fisiológica que consiste na

proximidade entre a articulação da média /o/ com a alta /u/, tornando-a mais sensível a

aplicação da regra variável, ao contrário da média / e / que apresenta em alguns

contextos uma maior resistência.

Convém salientar também que essa maior frequência de alteamento da média

posterior do que a anterior /e/ resulta do fato de que palavras que contêm a vogal

posterior /o/ em posição postônica serem mais recorrentes na fala popular como fósforo

ao passo que palavras como cátedra são termos mais técnicos não sendo frequentes na

fala popular.

O que se observa, portanto, é que os resultados obtidos para a natureza da variável

dependente reforçam a tese de Câmara Jr. (1970) de que em posição postônica não-final

a média posterior /o/ é neutralizada pela alta /u/, de modo a desaparecer a oposição entre

Page 241: Letras & Letras

240

ambas, proporcionando somente quatro vogais em posição postônica não-final. Nesse

ponto Bisol (1981) relembra estudos anteriores como o de Daniel Jones (1957 apud

BISOL, 1981, p. 114) que atribui menos espaço bucal às posteriores argumentando que

“o espaço na cavidade bucal para a emissão das vogais anteriores é maior do que o

espaço destinado à emissão das vogais posteriores”.

Conclusão

O estudo do processo de modificação da vogal postônica não-final das médias

anterior e posterior, em vocábulos nominais proparoxítonos no português falado no

município de Cametá (PA) possibilitou-nos verificar o comportamento linguístico da

presença > modificação da postônica, para observarmos se o fenômeno linguístico em

questão sofre ou não interferências de fatores linguísticos. Sendo que o processo de

alteamento, analisado a partir de uma análise variacionista, foi norteado pelos

pressupostos teóricos da Teoria Autossegmental e da Geometria dos traços.

Identificou-se nos dados um fenômeno de neutralização das médias postônicas

não-finais, principalmente causado por uma forte probabilidade de alteamento das

vogais alvos, dentre os processos de modificação destas mesmas vogais, por implicar na

perda do traço distintivo que as vogais altas e as vogais médias possuem, segundo

Câmara Jr. (1970). Desta forma o sistema vocálico átono não-final da variedade do

português falada em Cametá (PA) confirma o quadro vocálico estabelecido por Câmara

Jr. (op.cit) para as postônicas mediais. Para Wetzels (1991), ocorre o desligamento do

traço [aberto 2], o que gera um sistema vocálico para o dialeto de Cametá (PA) de cinco

vogais, haja vista que observamos, embora de ocorrência menor no que tange a

realização de /o/, todos os fonemas vocálicos do subsistema da postônica não-final

realizam-se. Os processos de abaixamento e apagamento da vogal postônica não-final não são

frequentes na fala investigada, admitindo, diante do alteamento, baixo índice de

ocorrências. O apagamento é mais recorrente nas vogais médias posteriores e o nível de

escolaridade é um fator que o influencia, pois quanto maior a escolaridade, menor a

probabilidade de sua realização. Com relação ao apagamento - 'abobra' - a vogal média

com o traço [+ posterior] ocupa a posição acentual de menor proeminência, ou a mais

fraca acentualmente na palavra, por isso tenderá a apagar, favorecendo a redução

silábica e gerando a sílaba CCV aceitável na língua. No que diz respeito ao abaixamento muito embora os percentuais obtidos para esse

processo gere um grau de significância expressiva, os dados nos mostram que esse processo

fonológico é pouco frequente, manifestando apenas no corpus 82 ocorrências. Apesar de ter

sido realizado por falantes de todas as faixas etárias e níveis de escolaridade.

Os resultados aqui expostos não devem ser esgotados no presente artigo, pois

reconhece-se que ainda há muito a verificar sobre o comportamento variável das vogais

médias postônicas, principalmente o da postônica /o/, cuja análise deixou evidente um

alto índice de vogal postônica [u] ocupando sozinha a posição postônica da série

posterior. Outros estudos poderão confirmar tais resultados, questioná-los ou refutá-los.

COSTA, R. M. S.; CRUZ, R. C. F.; SOCIOLINGUISTIC DESCRIPTION OF

POSTONIC MID VOWELS - /O/ AND /E/ - AT WORD NO FINAL POSITION

IN BRAZILIAN PORTUGUESE SPOKEN IN CAMETA, NORTH OF BRAZIL.

Page 242: Letras & Letras

241

Abstract

This paper describes a qualitative analysis of the behavior of mid vowels - /e/ and /o/ -

at non-final postonic position, in Amazon Brazilian Portuguese spoken in Cametá (PA).

There have noted four variants: mid [e]/[o], high [i]/[u], delete [ø] and low [E]/[O]. The

corpus was formed with speech samples of 96 speakers stratified in sex, age, school

level and origin (COSTA, 2010). Two different protocols were used during fieldwork: a

free interview and a test of picture naming. The corpus has 2.177 data. The strong

phonetic contexts for each variant identified are explied with by the Feature Geometry

theory (CLEMENTS, 2004). Particularly applies in this work to the Wetzels's approach

(1991) to explain the unstressed medial neutralization of Brazilian Portuguese. Overall

the data confirm the vocalic framework suggested by Câmara Jr. (1970) for the

unstressed medial vowels of Brazilian Portuguese.

Keywords

postonic mid vowels; phonological variation; neutralization.

Referências bibliográficas

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Lingüística e Filologia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981.

BISOL, L. A Neutralização das Átonas. Revista Letras. Curitiba, nº 61, especial, p. 273-

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CLEMENTS, G. N. Feature Organization. In The Encyclopedia of Language and

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GOLDSMITH, J. A. (ed.) The Handbook of Phonological Theory. Cambridge:

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COSTA, R. Descrição sociolinguística das vogais médias postônicas não-finais /o/ e /e/

no português falado no município de Cametá-PA. 2010. Dissertação (Mestrado em

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2010.

MATZENAUER, C. L. Introdução à Teoria Fonológica. In: BISOL, L. (org.).

Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro, 4ª edição. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2005, pag. 11-81.

RIBEIRO, D. Alçamento de vogais postônicas não finais no português de Belo

Horizonte – Minas Gerais: uma abordagem difusionista. 2007. Dissertação (Mestrado

em Língua Portuguesa e Linguística). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Horizonte (MG), 2007.

Page 243: Letras & Letras

242

WETZELS, L. Harmonização vocálica, truncamento, abaixamento e neutralização no

sistema verbal do português: uma análise autossegmental. Caderno de Estudos

Linguísticos, Campinas (SP), 21, p. 25-58, 1991.

Page 244: Letras & Letras

243

ANEXO

/e/ /o/

Alienígena Abóbora

Almôndegas Apóstolos

Áspera Árvore

Câmera Autódromo

Cérebro Brócolis

Cócegas Bússola

Cronômetro Carnívoro

Fenômeno Catálogo

Fôlego Catástrofe

Frutífera Cócoras

Gênesis Cômoda

Helicóptero Época

Hóspede Êxodo

Indígena Fósforo

Mamífero Hipódromo

Nádegas Horóscopo

Número Ídolo

Pálpebras Mármore

Paralelepípedo Método

Parênteses Metrópole

Pêssego Odontólogo

Prótese Pentágono

Quilômetro Pérola

Taxímetro Psicólogo

Termômetro Semáforo

Tráfego Símbolo

Útero Víbora

Velocípede

Vértebras

Page 245: Letras & Letras

244

VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM INÍCIO DE VOCÁBULO NA FALA

DO RIO DE JANEIRO

Silvia Figueiredo BRANDÃO

Professora Associada III da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Professora

Permanente do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas/Área de Língua

Portuguesa/ Pesquisadora do CNPq.

E-mail: [email protected]

Fabiane de Mello V. da ROCHA

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Área de Língua Portuguesa.

E-mail: [email protected]

Elisa Ramalho dos SANTOS

Aluna de Iniciação Científica do Curso de Graduação em Português-Literaturas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo analisa o comportamento das vogais médias em posição pretônica na fala de

Nova Iguaçu, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Com base nos

pressupostos da Teoria da Variação e Mudança, levam-se em conta apenas vogais

médias que ocorrem em estruturas silábicas do tipo #V(C)$, em palavras como

eleição/obeso, escuta/hospital, enfermo/ondulado, ervilha/orvalho, com o objetivo de

determinar os fatores que condicionam seu alteamento. A análise baseia-se em amostra

de perfil sociolinguístico e é complementada com dados de um atlas fonético que tem

Nova Iguaçu entre seus pontos de inquérito.

Palavras chave

vogais médias; alteamento; posição pretônica; início de vocábulo; Rio de Janeiro.

1. Introdução

Entre os tópicos mais focalizados no âmbito do Português do Brasil, as vogais

médias em contexto pretônico têm suscitado diversos trabalhos e fomentado debates,

tendo em vista, entre outros aspectos, a atuação do alteamento, cujo caráter variável

vem se mantendo estável ao longo do tempo.

Bisol (2009), que trata o tema mencionando a questão sobre a natureza

neogramática ou difusionista do processo, caracteriza como (i) do tipo neogramático, o

alçamento (a) que redunda em harmonização vocálica e decorre de assimilação ou

espraiamento do traço [+alto] de vogal em sílaba subsequente, e (b) o que se observa

quando a média anterior está seguida de /S/ ou de /N/; e como (ii) do tipo difusionista,

casos que implicam redução vocálica, como em b[u]neca, g[u]verno, s[i]nhora,

Page 246: Letras & Letras

245

decorrentes de neutralização entre médias e altas, e que ela considera “alçamento da

pretônica sem motivação aparente”, embora trabalhos com base em outros dialetos que

não os do Sul do Brasil (CALLOU, 1995, entre vários outros) e a própria Bisol (1981),

tenham indicado o ponto de articulação da consoante ora antecedente ora subsequente

como o provável condicionador fonético do processo.

Bisol (1981) não incluiu /e o/ em sílabas de ataque vazio na amostra que lhe

serviu de base por considerar “que os princípios que regem a elevação da vogal inicial

não se identificam com os que elevam uma vogal média pretônica interna, mas devem

estar em consonância com outros” (p. 33), o que, consequentemente, implicaria,

conforme ela observa, estudar esse contexto “à parte” (p. 35).

Partindo-se, assim, do princípio de que o comportamento das médias pretônicas,

devido à sua complexidade, requer uma análise atomística, isto é, que leve em conta

contextos específicos, realizou-se, com base na fala de Nova Iguaçu-RJ, um estudo

piloto focalizando essas vogais em sílabas com a estrutura #V(C)$1, como se

exemplifica de (1a) a (4b). Determinou, ainda, o desenvolvimento deste trabalho a

constatação de que, na fala da mencionada localidade, predomina a preservação das

médias em sílabas com o ataque e a coda simultaneamente vazios (casos de (1a) e (1b).

(1a) <e>xército (1b) <o>beso

(2a) <eS>cuta (2b) <hoS>pital

(3a) <eN>fermo (3b) <oN>dulado

(4a) <eR>vilha (4b) <oR>valho

Sobre as médias pretônicas especificamente em início de vocábulo, conhece-se

apenas a dissertação de Battisti (1993), que as abordou, na linha sociolinguística

variacionista, em sílabas não só com ataque vazio, mas também preenchido2. Ela chega,

entre outras, à conclusão de que, nesses contextos, a vogal anterior tende a elevar-se

mais do que a posterior, sobretudo quando seguida de /S/ ou /N/, em que considera o

alteamento “uma regra em vias de tornar-se categórica, de perder seu caráter variável”

(p. 119).

Para justificar o alto índice de [i] nos mencionados contextos, a autora tece uma

série de considerações de natureza histórica com base em Naro (1973, p. 39-40), que

afirma que se podem observar – em documentos antigos, pelo menos até o século XVII

– quatro casos em que se tem i para <e> inicial, dois deles relevantes para as

considerações de Battisti sobre os contextos hoje grafados <en/m> e <es>: (1)

alternâncias do tipo en- ~ in- e es- ~ ens- ~ ins- ~ is-, que se explicariam pelos seguintes

passos evolutivos: (a) confusão ou contaminação da evolução normal ĭn- > en-, com a

erudita in-; (b) confusão adicional de eis- ou es- provenientes de ex- com ens- advindo

de ĭns, (c) que resultou em nova forma grafada como ens- ou enz-, (d) que,

opcionalmente, tomou o lugar de ex- e, assim, entrou na alternância en- ~ in-; (2) –e

ortográfico como vogal protética em grupos iniciados por –s impuro (ex: spiritu): até o

século VII, a vogal que se acrescenta diante de –s é, usualmente, <i>, o que atestaria a

pronúncia alta nesse contexto.

1 Leia-se V (vogal) em início de vocábulo (#), seguida ou não ( ) de C (consoante), em fronteira de sílaba: $. 2 Battisti, além das médias em sílabas com ataque vazio, inclui em sua amostra as médias em hiato e em prefixo, que também não foram contempladas na amostra de Bisol (1981).

Page 247: Letras & Letras

246

Para Naro, “estas considerações mostram que o português do século XVI tinha e-

como [i] em en- e es- (através de ens-) e talvez em esC-, mas não em outras iniciais”

(op. cit.: 40).

2. Objetivos, metodologia e breve perfil da comunidade

Busca-se averiguar, entre outros aspectos, se, na fala de Nova Iguaçu-RJ: (a) o

alteamento da vogal anterior em sílaba travada por /S/ ou /N/ já poderia ser considerado

uma regra categórica; (b) a sílaba aberta seria um contexto altamente favorável à

preservação da média posterior, diferentemente do que ocorreria com a anterior, que

apresentaria maior tendência ao alçamento, embora com índices bem inferiores aos que

se observam nos contextos descritos em (a) em alguns dialetos brasileiros; (c) /R/ em

coda silábica inibiria a atuação do alteamento; (d) no que se refere a (b), o alçamento da

vogal anterior também poderia decorrer de espraiamento do traço [+alto] de vogal

contígua;

Para a análise, realizada segundo os pressupostos da Teoria da Variação e

Mudança (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968), organizou-se uma amostra

reduzida, selecionada de inquéritos, do tipo DID, do Acervo das Variedades

Linguísticas Fluminenses – AVAL-RJ e referentes à fala de Nova Iguaçu, município da

Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, concentram-se 76% dos cerca de

onze milhões de habitantes do Estado, em função do crescente processo de migração

para os grandes centros urbanos que teve início, no Brasil, a partir da década de 40 do

século passado. Dentre os 20 municípios que a constituem, Nova Iguaçu, com 865.089

habitantes (IBGE3), é, depois da capital, um dos que apresenta maior contingente

populacional, em sua grande maioria oriundo de outras zonas do país, sobretudo da

Região Nordeste e do Estado de Minas Gerais, o que o torna uma área de significativo

contato interdialetal e de fortes contrastes sócio-econômicos. Por outro lado, seus

habitantes estão em cotidiana interação com os moradores da cidade do Rio de Janeiro

em função de a maioria deles ali desenvolver suas atividades profissionais.

Foram considerados doze informantes, distribuídos por sexo, três faixas etárias

(A=18-35 anos; B = 36-55 anos; C= 56-75 anos) e dois níveis de escolaridade

(1=Fundamental (segundo segmento) e 3 = Superior). Também reduzido foi o número

de variáveis controladas: as três de caráter extralinguístico decorrentes do perfil dos

informantes acima delineado e seis de caráter estrutural: (i) tipo de vogal subsequente;

(ii) contexto subsequente; (iii) estrutura da sílaba, (iv) distância da tônica e (v) vogal

alvo como parte de prefixo.

Utilizaram-se, ainda, para melhor compreender o comportamento das vogais

médias nesses contextos e testar algumas das hipóteses, cartas do Atlas Fonético do

Entorno da Baía de Guanabara – AFEBG (LIMA, 2004), que abarca quatro municípios

da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Magé e

Itaboraí.

3. Análise dos dados

3http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2010/default_tab.shtm. Acesso em 15 de setembro de 2010.

Page 248: Letras & Letras

247

3.1 Média Anterior

A amostra compõe-se de 1375 dados, que apresentam a média anterior nos

contextos #V(C)$, já referidos. Para não enviesar os resultados, não se levou em conta a

vogal que ocorre em <en>tendeu, <en>tende e <en>tão, quando estes funcionam

como marcadores conversacionais ou elementos fáticos – cf. (5) e (6). Nesses

vocábulos, extremamente recorrentes na fala de todos os informantes, o alteamento da

pretônica inicial é praticamente categórico.

(5) Então...parecia que você não tinha escutado, entende?” (NIG A3m)4.

(6) Lutando por um ideal...entendeu? (NIG B1h).

No conjunto dos 1375 dados, registraram-se 73% de alteamento, mas, tomando-se

em consideração cada contexto, obtêm-se, por tipo de estrutura silábica, os índices

indicados na tabela 1.

Tabela 1- Índices de alteamento da vogal média anterior por tipo de estrutura silábica

Contextos

Ocos Perc.

#VS$

estranho

628/655 95.9%

#VN$

emprego

305/345 88.4%

#V$ evento

71/375 18.9%

A maior parte dos dados é constituída de média seguida de /S/ (655 ocos, 47.6%),

em que a alta chega a 95.9% de frequência, logo seguida pela média diante de nasal,

com 88.4%, o que sugere que a alta, no primeiro contexto, é praticamente categórica.

Para melhor compreensão do fenômeno, realizaram-se três etapas de análise: (1) com

todos os contextos, (2) só com as sílabas abertas, (3) só com os dados correspondentes

às sílabas fechadas por /S/ e /N/, vistos, em seguida, também isoladamente. No quadro

abaixo, indicam-se as variáveis na ordem em que foram selecionadas em cada uma

delas.

Quadro 1 – Variáveis selecionadas nas diferentes etapas de análise da implementação do

alteamento da média anterior em início de vocábulo

Etapa 1 Etapa 2

Análise de todos os contextos : #V(C)$

1004/1375 (73%)

Análise só do contexto #V$

71/375 (18,9%)

Contexto subsequente Vogal da sílaba seguinte

Vogal da sílaba seguinte Faixa etária

Faixa etária Contexto subsequente

Sexo Sexo

4 Os informantes são identificados com base nos parâmetros extralinguísticos que nortearam a seleção dos

informantes. NIG corresponde a Nova Iguaçu; A, B ou C indicam a faixa etária, respectivamente, 18-35

anos, 36-55, 56-75; 1, 2 e 3 relacionam-se ao nível de escolaridade: 1 (Fundamental, segundo segmento),

2 (Médio), 3 (Superior); h, corresponde a homem e m a mulher.

Page 249: Letras & Letras

248

Escolaridade

Input: .86 Significância: .006 Input: .11 Significância: .000

Etapa 3

Análise só do contextos

#VS$ e VN$

933/1000 (93.3%)

Contexto subsequente

Escolaridade

Input:.94 Significância: .011

Etapa 3a Etapa 3b

Análise só do contexto #VS$

628/655 (95.9%)

Análise só do contexto VN$

305/345 (88.4%)

Faixa etária

Escolaridade

Sexo

Escolaridade

Input: .96 Significância: .012

Input: .91 Significância: .002

Quando se analisam todos os dados, são selecionadas duas variáveis linguísticas -

contexto subsequente e vogal da sílaba seguinte – e as três extralinguísticas

consideradas, faixa etária, sexo e escolaridade, que, na realidade, vão atuar de forma

particular em cada caso: enquanto o contexto subsequente é de primordial importância

para o alçamento da média em sílabas travadas por /S/ e /N/, cujo input é .94, é a

natureza da vogal subsequente a mais saliente quando ela se encontra em sílaba aberta

(input .11), como se verifica nas tabelas 2 e 3.

O contexto subsequente, de natureza consonantal, atua quando as sílabas pesadas

são consideradas em conjunto, mas não quando são analisadas isoladamente, como fica

claro na Tabela 7, mais adiante, em que só fatores de natureza extralinguística são

pertinentes.

Veja-se, na análise conjunta de #V(C)$, que a importância dos demais pontos de

articulação5 é minimizada, tanto que os P.Rs

6. oscilam entre .01 e .04. Ao se analisar

apenas #V$, a alveolar sibilante mostra-se um fator relevante para a implementação da

alta (.69), a despeito de essa variável ter sido selecionada em terceiro lugar.

Tabela 2 –Atuação da variável contexto subsequente nas diferentes etapas de análise

Contexto

subsequente

#V(C)$

$V /S/ e /N/$ #V$

Nº % P.R. Nº %. P.R. Nº % P.R.

Palatal/ sibilante 628/655 95.9 .82 628/655 95.9 .59

5 No corpus, só no vocábulo [e]gito, eliminado da análise, ocorreu palatal no ataque da sílaba subsequente, motivo pelo qual só se levou em conta a palatal em coda; também a nasal só foi considerada na situação de coda: as dezessete ocorrências de [m] no ataque subsequente à vogal anterior (como em [e]missão) foram codificadas como labiais, tendo sido a vogal categoricamente produzida como [e]. Não houve casos de <e> seguido de [n] na sílaba seguinte. 6 Em análises variacionistas quantitativas, segundo Guy; Zilles (2007, p. 239), o P.R. (peso relativo) de um fator “é um valor (...) que indica o efeito deste fator sobre o uso da variante investigada” num conjunto de dados. (...) “O valor dos pesos recai sempre num intervalo entre zero e um (0-1), em que um valor de zero indica que tal variante

nunca acontece quando este fator está presente, e um valor de 1 indica que tal variante sempre ocorre quando o fator está presente. O peso é ‘relativo’ ao nível geral de ocorrência da variante, indicado pelo input.”

Page 250: Letras & Letras

249

em coda

Nasal em coda 305/345 88.4 .63 305/345 88.4 .32

Labial 4/36 11.1 .01 4/36 11.1 .35

Alveolar

sibilante

43/154 27.9 .04 43/154 27.9 .69

Alveolar

não sibilante

23/132 17.4 .01 23/132 17.4 .31

Input: .86 Input: .94 Input: .11

A vogal da sílaba subsequente (cf. Tabela 3) só atua para o alçamento da média

anterior no âmbito de #V$: as vogais altas [i] e [u], respectivamente com P.R. .77 e .69,

são os fatores que se mostram mais atuantes para o alçamento. Embora a vogal da sílaba

seguinte também se mostre relevante quando são considerados todos os contextos, e

obedeça à mesma tendência, sua importância se esvai ao se considerar cada elemento

travador de sílaba em particular (cf. Tabela 7).

Tabela 3 – Atuação da variável vogal da sílaba subsequente em duas etapas da análise

Vogal da sílaba

subsequente

#V(C)$

#V$

Nº % P.R. Nº % P.R.

Alta homorgânica 120/170 70.3 .71 32/76 42.1 .77

Alta não homorgânica 182/271 66.8 .66 19/194 9.8 .69

Outras vogais 703/934 75.3 .40 20/105 19 .28

Input: .86 Input: .11

Todos os fatores de natureza extralinguística considerados foram selecionados na

análise conjunta, embora sua atuação seja diversificada em cada contexto. No contexto

#Vogal$, verifica-se que são os indivíduos mais velhos (P.R. .82) e os homens (P.R.

.64) os mais suscetíveis ao alçamento (cf. tabelas 4 e 5).

Tabela 4 - Atuação da variável faixa etária em duas etapas da análise

Faixa etária #V(C)$

#V$

Nº %. P.R. Nº %. P.R.

A = 18-35 anos 366/482 75.9 .47 30/120 25 .57

B = 36-55 anos 333/500 66.6 .41 19/194 5.9 .21

C = 56-75 anos 305/393 77.6 .63 32/103 27.5 .82

Input: .86 Input: .11

Tabela 5 - Atuação da variável sexo em duas etapas da análise

Sexo #V(C)$

#V$

Nº % P.R. Nº % P.R.

Homem 503/680 74 .57 56/205 27.3 .64

Mulher 501/695 66.8 .42 15/170 8.8 .32

Input: .86 Input: .11

A escolaridade, foi a última das variáveis selecionadas na análise conjunta. De um

lado, ela não atua no contexto #Vogal$, de outro, embora secundariamente, ela aparece

como elemento condicionador quando a sílaba é pesada (cf. Tabela 6). Observe-se que

os pesos dos fatores são praticamente idênticos nas duas etapas de análise.

Tabela 6- Atuação da variável escolaridade em duas etapas da análise

Page 251: Letras & Letras

250

Escolaridade #V(C)$

$Vogal + /S/ e /N/$

Nº % P.R. Nº % P.R.

Fundamental

(2º segmento)

342/493 69.4 .40 330/365 90.4% .39

Superior 662/882 75.1 .55 603/635 95% .55

Input: .86 Input: .94

A tabela 7, no entanto, já mostra outra realidade: A análise da média seguida, quer

de /S/, com input de alteamento .96, quer de /N/, com input .91, dá claras indicações de

essas regras estarem em fase final de mudança: só os fatores extralinguísticos mostram-

se pertinentes e assim mesmo com p. r. abaixo dos inputs, que são bastante elevados. Os

fatores estruturais, que não o tipo de consoante da coda, não mais contam para o

alçamento. Veja-se que, no que respeita à Vogal + /S/, são os indivíduos mais velhos

(faixa B: . P.R. .67; faixa C: P.R. .57) os que mais alteiam a vogal, enquanto, no âmbito

da Vogal + /N/, são os homens os responsáveis por sua maior produtividade. Em ambos

os casos, a escolaridade atua, embora de forma dicotômica: os de nível superior (P.R.

.52) incrementando o alteamento diante de /S/ e os menos escolarizados o alteamento

diante de /N/ (P.R. .88). Conclui-se, portanto, que a variante alta nesses contextos ainda

não se implementou plenamente apenas por conta de fatores diretamente vinculados ao

falante.

Tabela 7- Índices referentes á atuação das variáveis extralinguísticas nas análises em separado

dos contextos #V + /S/$ e #V + /N/$

Faixa etária #V + /S/$

Sexo #V + /N/$

Nº %. P.R. Nº % P.R.

A = 18-35 anos 234/253 92.5 .29 Homem 131/139 94.2 .67

B = 36-55 anos 223/227 98.2 .67 Mulher 174/206 84.5 .37

C = 56-75 anos 171/175 97.7 .57

Escolaridade

Nº % P.R. Escolaridade Nº % P.R.

Fundamental

(2º segmento)

215/229 93.9 .18 Fundamental

(2º segmento)

58/59 98.3 .88

Superior 413/426 96.9 .52 Superior 240/279 86 .39

Input: .96 Input: .91

Com base no exposto, pode-se estabelecer um continuum de alteamento de /e/ em

pretônicas iniciais de vocábulo em sílabas sem ataque, com base nos inputs de aplicação

da regra.

Quadro 2 - Continuum do alteamento de /e/ em contexto inicial de vocábulo

- ■ ■ #V$ ■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■■#VN$ ■■■■VS$ ► +

.11 .91 . 96

A título de ilustração, apresenta-se, no gráfico 1, com base em índices percentuais,

a tendência ao alteamento por faixa etária e tipo de contexto. Nele fica clara a

implementação praticamente categórica do processo no contexto #VS$ em

contraposição ao contexto #V$, em que a média tende a se manter. Seria possível dizer

Page 252: Letras & Letras

251

que, em contexto inicial de vocábulo, há quase uma distribuição complementar, em que

a variante alta ocupa o espaço # ___(S/N) e a média o espaço # __$.

Gráfico 1 – Índices percentuais de alteamento de /e/ por faixa etária e contexto

.

3.2 A média posterior

A amostra compõe-se de 206 dados, tendo-se registrado apenas dois casos de

alteamento, nos vocábulos h[u]spitais e [u]bjetivo, enunciados por dois informantes,

respectivamente, A1m e B3h. O índice de 99% de manutenção da média posterior talvez

possa ser justificado pelo fato de ela ser pouco produtiva nos contextos #V(C)$. Um

levantamento superficial indica que ela ocorre, em grande parte, em vocábulos pouco

usuais ou formados pelo mesmo elemento, como é o caso dos que apresentam o radical

de origem grega ost(e/o)-, bastante numerosos. No estudo de Battisti (op. cit.), no

conjunto das cinco amostras por ela organizadas, como se pode deduzir de sua tabela 15

(p. 51), ocorreram apenas 361 dados de /o/ em sílaba com ataque vazio, com apenas 10

casos de alteamento (4/66, na amostra referente à etnia italiana, e 6/68, na relativa à

alemã).

No corpus em análise, dentre os itens lexicais com /o/ inicial seguido de /S/ que,

em geral, fazem parte do léxico ativo ou passivo dos falantes, pode-se arrolar um

número mínimo de vocábulos: hospedar, hospedagem, hospedaria, hospedeiro,

hospital, hostil, oscular, osmose, ostentar, ostentação, ostensivo, ostracismo.

Obtiveram-se 73 diferentes formas, como se pode observar na Tabela 8, em que se

apresenta o número de ocorrências de cada uma delas.

Tabela 8 – Vocábulos do corpus com /o/ nos contextos #V(C)$

Vocábulo Oco Item lexical Oco Vocábulo Oco

<ho>landês 1 <o>brigou 1 <o>peracional 1

<ho>landesa 1 <o>bservando 1 <o>perar 1

<ho>nesta 1 <o>bservar 2 <o>perário 2

<ho>nesto 2 <o>bservo 1 <o>perava 1

<ho>rária 1 <o>bservou 1 <o>perou 1

Page 253: Letras & Letras

252

<ho>rário 7 <o>casiões 3 <o>pinião 16

<ho>rários 1 <o>cioso 1 <o>portunidade 21

<ho>rizonte 1 <o>cupação 2 <o>portunidades 1

<ho>rríveis 2 <o>cupações 1 <o>rienta 1

<ho>rrível 14 <o>cupado 2 <o>rientação 2

<ho>rror 3 <o>fendendo 1 <o>rientando 1

<ho>rroroso 1 <o>ferecer 1 <o>rientar 1

<ho>rrorosos 1 <o>fereceram 1 <o>riente 1

<hos>pitais 36 <o>fereceu 1 <o>rigem 2

<hos>pital 7 <o>ferecido 1 <o>riginado 1

<o>bedecer 2 <o>ferta 1 <o>riunda 1

<o>bediência 1 <o>ficial 2 <o>riundas 1

<o>bediente 1 <o>ficina 2 <o>riundo 2

<o>bjetivo 3 <o>lhar 4 <o>timista 1

<o>bjeto 1 <o>lhava 2 <o>torrino 1

<o>brigação 2 <o>limpíadas 1 <or>ganizava 1

<o>brigada 2 <o>linda 1 <or>gulho 5

<o>brigado 4 <o>misso 1 <or>gulhoso 1

<o>brigam 1 <o>p>ção 5

<o>brigar 1 <o>p>ções 4

Na tabela 9, no item a seguir, em que se apresentam dados do AFeBG, confirma-

se a tendência à concretização de /o/ como média fechada, diferentemente do que ocorre

quando ele vem antecedido de consoante, como se comentará no próximo item.

4. Uma breve comparação

Tendo em vista haver um atlas fonético que focaliza a fala de quatro municípios

da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, entre os quais Nova Iguaçu, mostrou-se

pertinente averiguar o comportamento das médias nessa amostra, com o objetivo de

verificar se, na fala relativamente monitorada, se obteriam resultados diferentes dos

esperados em situações de fala espontânea. Os informantes do AFeBG têm nível

fundamental de instrução (primeiro segmento), completo ou incompleto, e estão

distribuídos por três faixas etárias (as mesmas controladas na presente pesquisa).

Antes, cabe lembrar que, nas entrevistas sociolinguísticas, busca-se, sem perder de

vista o objetivo de não prejudicar a naturalidade da situação comunicativa, garantir a

coleta de conversações que provoquem determinados modos de organização discursiva,

particularmente narrativas de experiência pessoal sobre temas polêmicos ou de

envolvimento emocional, que normalmente levam a maior espontaneidade dos falantes

e a (certa) desatenção quanto ao uso da língua. Já entrevistas realizadas para fins de

mapeamento linguístico, são, em geral, conduzidas por meio da aplicação de

questionários, cuja finalidade básica é obter formas isoladas de modo a garantir a

comparabilidade dos dados. Tal prática implica, portanto, da parte do pesquisador, uma

seleção vocabular que propicie o registro de determinados fenômenos, o que, a depender

do recorte utilizado, pode redundar na maior ou menor frequência das variantes; da

parte do informante, a possibilidade de monitorar sua fala, o que pode levá-lo a

usar/evitar formas que valore como positivas/negativas.

Inicialmente, serão feitas observações sobre o que se verifica nas 15 cartas do

AFEBG em que ocorrem as médias anterior e posterior e, em seguida, uma comparação

sobre o comportamento das médias em itens lexicais comuns à amostra que propiciou a

Page 254: Letras & Letras

253

análise variacionista e a que se selecionou do referido atlas, para contrastar os resultados

globais. Na tabela 9, expõem-se os dados referentes à concretização de /e o/ registradas

em 15 cartas do AFeBG, desconsiderando-se os casos de cancelamento. Nela verifica-

se,

(1) quanto à média anterior que: (a) em relação a Nova Iguaçu, somente em

eleição, houve a concretização categórica de uma das variantes, no caso [e], o que

ocorreu também nos demais municípios; os outros vocábulos apresentaram as variantes

[e] ~ [i], mesmo em contextos altamente favorecedores do alteamento, como nos

vocábulos escova, escuro e espinho, em que a variante média chegou a predominar; (b)

no que se refere aos três outros municípios, encontram-se casos de [i] categórico ou

quase categórico, conforme a hipótese inicial; (c) no conjunto, enquanto em Nova

Iguaçu predomina a concretização média, nos três outros municípios é a alta a que

prevalece.

(2) quanto à média posterior que a variante [o] tem caráter categórico (ela só

perde espaço para o cancelamento7, não registrado na tabela e que só teve três

ocorrências).

Tabela 9 – Concretizações das vogais médias em contexto #V(C)$ em 15

cartas do AFeBG (Lima, 2004).

Nova

Iguaçu

Duque

de Caxias

Magé Itaboraí

[] [e] [] [e] [] [e] [] [e]

Carta

educação 3/6 3/6 1/6 3/6 1/5 4/5 5/5

eleição 5/5 5/6 3/5 3/3

emprego 4/6 2/6 4/4 5/6 1/6 2/2

escola 3/6 3/6 2/5 2/5 3/6 3/6 5/5

escova 2/6 4/6 3/6 2/6 2/6 4/6 5/5

escuro 1/6 5/6 2/6 4/6 3/6 3/6 5/5

espinho 2/6 4/6 1/6 4/6 4/6 2/6 5/5

esquecer 3/6 3/6 4/5 3/4 1/4 5/5

estátua 3/5 2/5 4/6 2/6 6/6 4/4

estômago 3/6 3/6 3/6 1/6 4/5 1/5 6/6

experiência 2/4 2/4 5/5 5/5 3/3

Índices

numéricos

26 36 29 23 36 22 45 3

(62 ocos) (52 ocos) (58 ocos) (48 ocos)

42% 58% 56% 44% 62% 38% 94% 6%

hospital [] [] [] [] [] [] [] []

6/6 6/6 6/6 6/6

obediente 5/5 5/5 5/5 1/1

obrigado 6/6 6/6 5/5 3/3

orelha 6/6 6/6 6/6 6/6

Índices

numéricos

23/23 23/23 22/22 16/16

100% 100% 100% 100%

Na amostra que serviu de base à análise variacionista aqui empreendida,

ocorreram apenas 10 dos 15 vocábulos que constituem as cartas do AFeBG. Na tabela

7 Em Nova Iguaçu não se registraram casos de cancelamento da vogal média. Nas demais localidades ele ocorreu

sobretudo no contexto Vogal+/S / nos vocábulos estômago, esquecer, espinho, escova, escola (13 ocorrências), bem como em eleição (2 oco) e educação (1 oco). A média posterior só foi apagada no vocábulo obrigado (3 oco).

Page 255: Letras & Letras

254

10, mostram-se as variantes registradas, indicando-se seu número pelos informantes que

as concretizaram. Observa-se: (a) quanto à média anterior, o predomínio quase absoluto

do alteamento, que só não incide no vocábulo educação, em que [e] é praticamente

categórico (49 em 50 ocorrências), em contraste com a média posterior, em que a

variante [o] só não é categórica por conta de uma ocorrência de [u] em hospital; (b) as

variantes da média anterior estão representadas na fala de ambos os sexos, nas três

faixas etárias e nos dois níveis de escolaridade considerados.

Tabela 10 – Concretizações das vogais médias em contexto #V(C)$ por informante da amostra

de perfil sociolinguístico de Nova Iguaçu, em vocábulos que constam do corpus do AFeBG

(LIMA, 2006).

Vocábulo Informante/aplicação/nº de oco Totais

educação [i] C3h (1/15) [i] - 1/50

[e] - 49/50 = 98% [e] A3h (9/9) A3m (1/1) B1m (9/9)

B3h (7/7) C3h (14/15) C3m (9/9)

emprego [i] A1h (6/6) A1m (4/5) B1h (4/4)

C3m (1/1)

[i] - 1/16

[e] - 15/16 = 94%

[e] A1m (1/5)

escola [i] A3h (5/5) A3m (24/24) B1h (7/7)

B1m (16/16) B3h (6/6) B3m (29/29)

C3h (6/6) C3m (7/7)

[i]-100/100 =100%

escuro [i] A1h (1/1) [i] = 1/1 = 100%

esquecer [i] B1h (1/1) [i] = 1/1 = 100%

estômago [i] C3h (2/2) [i] = 2/2 = 100%

experiência [i] A3m (1/1) C1h (1/1) C3m (1/1) [i] = 3/3 = 100%

hospital(is) [u] A1m (1/4)

[o] A1m (3/4) A3h (9/9) A3m (19/19)

B1h (3/3) B1m (3/3) B3h (1/1)

C3m (4/4)

[u] - 1/39

[o] - 38/39 98%

obediente [o] C3m (1/1) [o] - 1/1 100%

obrigado(a) [o] A3h (1/1) B1h (2/2) B1m (3/3) [o] - 6/6 100%

No que se refere à média posterior, no AFeBG, o que se observa em relação aos

contextos #V(C)$ contrasta com os casos em que essa vogal é antecedida por consoante.

Brandão (2010, p. 247), que focaliza as pretônicas nesse atlas, demonstra que somente

em quatro vocábulos a média posterior inicial foi concretizada categoricamente como

[o]: motor (23/23), proprietário (13/13) professor (24/24) e trovão (13/13). Nos demais

casos, o que se observa é um padrão de variação [o] ~ [u], com predomínio desta última

variante:

Os vocábulos listados [...], em sua grande maioria apresentam fatores tradicionalmente

apontados em análises variacionistas como favorecedores do alteamento de /o/: presença de

vogal alta em sílaba subsequente e/ou segmento [-cor] no contexto antecedente. Nas cartas

[...] em que se registra a vogal alta, esta é, na grande maioria dos casos, a variante mais

frequente .

Tabela 11- Variação [o] ~ [u] em sílaba pretônica com ataque preenchido em

cartas do AFeBG, adaptada de Brandão (2010)

AFeBG

Page 256: Letras & Letras

255

CARTA [o] [u] CARTA [o] [u]

Aplic/Ocos Aplic/Ocos Aplic/Ocos Aplic/Ocos

bonito 2/24 22/24 domingo 8/24 16/24

borracha 10/22 12/22 dormindo 9/24 15/24

chover 5/24 19/24 dormir 5/16 11/16

colher (subst) 7/23 16/23 formiga 10/24 14/24

comadre 4/22 18/22 mordida 18/24 6/24

comendo 7/15 8/15 notícia 9/22 13/22

comida 11/24 13/24 polícia 7/24 17/24

cortina 10/24 14/24 tomate 14/24 10/24

cotovelo 10/21 11/21 sofás 22/23 1/23

cozinha 8/24 16/24

5. Considerações finais

Neste trabalho, focalizaram-se /e/ e /o/ no contexto pretônico, na fala de Nova

Iguaçu, no intuito de verificar os fatores que concorrem para o processo de alteamento.

Como se observou na introdução a este estudo e demonstraram os resultados da

pesquisa, fica patente a necessidade de focalizar as pretônicas de forma atomística, isto

é, em contextos específicos no âmbito do vocábulo.

No que se refere à prêtonica anterior, as sílabas travadas por /S/ e /N/ revelam-se

os ambientes mais propícios à implementação da vogal alta, enquanto as sílabas abertas

tendem a preservar a média. Assim, mostraram-se favorecedores do alteamento de /e/,

(i) em sílaba aberta, do ponto de vista estrutural, a presença de vogal alta e de alveolar

sibilante na sílaba subsequente; do ponto de vista extralinguístico, o desempenho dos

indivíduos mais velhos e do sexo masculino; (ii) em sílaba travada por /S/ e por /N/, em

que o input da regra atinge, respectivamente .96 e .91, só atuam fatores de caráter

extralinguístico; sendo os indivíduos mais velhos (faixas B e C) e os mais escolarizados,

no primeiro caso, e os do sexo masculino e menos escolarizados, no segundo, os

responsáveis pelos mais altos índices de alteamento. Pode-se dizer que, no falar

fluminense aqui focalizado, a presença da vogal alta diante de /S/ é praticamente

categórica, enquanto, diante de /N/, o processo de alteamento está menos avançado.

Demonstrou-se que, enquanto o processo é altamente produtivo no âmbito da

vogal anterior, no âmbito da posterior, a variante média é categórica.

Acredita-se que o alteamento de /e/ quando antecede consoante travadora de

sílaba se deva não só a motivações de natureza histórica já apontadas por Battisti (op.

cit.) com base em Naro (op. cit.), mas também a fatores de natureza fonético-fonológica.

No que toca ao /S/, ao fato de, no falar em foco, ele ser produzido predominantemente

como []– segundo Lima (2006) – segmento que apresenta traço vocálico; quanto à

média anterior diante de /N/, concorreria, ainda, para o alteamento, como observa Bisol

(1981, p. 90), o fato de a vogal /e/, quando nasalizada ([e ]), aproximar-se da área da

vogal [i], por aumento das frequências dos formantes altos, o que favoreceria o

processo. A ausência de sílabas formadas por vogal anterior seguida de /R/ impediu que

se testasse a hipótese de que esse seria também um contexto favorável à variante média.

Em referência à pretônica posterior, pode-se dizer que, quando constitui sílaba

com ataque vazio e coda preenchida ou não, a norma é a manutenção da média. Embora

se saiba que, em português, a vogal média posterior seja menos produtiva nos contextos

aqui focalizados e esteja menos sujeita ao alçamento do que a anterior, acredita-se que,

Page 257: Letras & Letras

256

com a ampliação do corpus e a continuidade da pesquisa, se possa ter um quadro mais

preciso sobre seu comportamento.

A comparação com os dados do AFeBG confirmou a hipótese de que, em

situações comunicativas mais monitoradas, há maior possibilidade de manter-se a média

anterior, mesmo em contextos amplamente favoráveis ao alteamento, como é o caso do

contexto #VS$ e ratificou-se o caráter categórico da concretização de /o/ como média

em qualquer dos contextos #V(C)$

BRANDÃO, S. F.; ROCHA, F. M. V.; SANTOS, E. R. MID PRETONIC

VOWELS IN WORD BEGINNING IN THE SPEECH OF RIO DE JANEIRO

Abstract

This paper analyzes the behavior of mid vowels in pretonic position in the speech of

Nova Iguaçu, a city in Metropolitan Region of Rio de Janeiro. Following the

assumptions of Variation and Change Theory, we take into account only mid vowels

that occur in syllables that present the structure #V(C)$, in words such as eleição/obeso,

escuta/hospital, enfermo/ondulado, ervilha/orvalho, in order to control the conditioning

factors for vowel raising. The dataset for this analysis is based on a sociolinguistic

sample and is also extracted from a phonetic atlas in which Nova Iguaçu is one of the

places of inquiry.

Keywords

mid vowels; raising; pretonic position; word beginning; Rio de Janeiro.

Referências

BATTISTI, E. Elevação das vogais médias pretônicas em sílaba inicial de vocábulo na

fala gaúcha. 1993. 125 fls. Dissertação (Mestrado em Letras: Língua Portuguesa) -

Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.

BISOL, L. Harmonização vocálica, uma regra variável. 1981. 332 fls. Tese (Doutorado

em Linguística) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 1981.

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Page 259: Letras & Letras

A REALIZAÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM FORMAS

NOMINAIS POR CRIANÇAS FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Tatiana KELLER

Professora Adjunta do Departamento de Letras Vernáculas da UFSM. Doutora em

Teoria e Análise Linguística pela PUCRS (2010).

E-mail: [email protected].

Evellyne Patrícia Figueiredo de Sousa COSTA

Professora Adjunta do Departamento de Letras Clássicas e Linguística da UFSM.

Doutora em Teoria e Análise Linguística pela PUCRS (2011).

E-mail: [email protected].

Resumo: Neste trabalho investigamos a realização das vogais médias pretônicas em

formas nominais por crianças em processo de aquisição da linguagem. Tal estudo

justifica-se pelo fato de a análise de Rangel (2002), sobre a aquisição do sistema

vocálico, mostrar que o percentual de realização correta das vogais médias ser inferior

ao das demais vogais, o que pode estar relacionado à ocorrência de neutralização (na

posição postônica final) e harmonia vocálica (na posição pretônica). No processo de

harmonia vocálica, as vogais médias /e, o/ assimilam o traço de altura das vogais altas

/i, u/: m[i]nina, s[i]gunda, d[u]mingo, c[u]sturar (BISOL, 1981). Nossos corpora são

formados por dados longitudinais de duas meninas com idades entre 2:0 e 3:4 e por

dados transversais de 24 crianças com idades entre 3:0 e 4:9, extraídos dos bancos

INIFONO e AQUIFONO da PUCRS. Ocorrências de vogal média seguida de vogal alta

foram analisadas com o pacote de programas estatísticos GoldVarb X. As variáveis

linguísticas consideradas foram homorganicidade, consoante precedente e seguinte, tipo

de vogal, frequência do vocábulo no corpus e as extralinguísticas foram indivíduo, faixa

etária e sexo. Tivemos como objetivo verificar se as crianças realizam harmonia

vocálica de forma variável ou copiam as formas dos adultos.

Palavras-chave: vogais médias pretônicas; aquisição da linguagem; variação

linguística; português brasileiro.

Introdução

Rangel (2002), ao investigar a aquisição do sistema vocálico por crianças falantes

do português brasileiro, constatou que o percentual de produção correta das vogais

médias /e, o/ foi inferior ao das demais vogais. Embora a autora não tenha feito uma

análise exaustiva dessa questão, sugere que esse fato deva-se a processos comuns à fala

adulta, tais como neutralização e harmonização.

Os estudos sobre variação e mudança linguística investigam principalmente a fala

adulta. Contudo, recentemente, análises como a de Roberts (1994, 1997), Roberts e

Labov (1995), Díaz-Campos (2001, 2004), Alencar (2006), entre outros, têm mostrado

que métodos e pressupostos da sociolinguística podem ser aplicados também ao estudo

da fala infantil. Conforme Roberts (2002, p.340) “as crianças são de fato membros de

Page 260: Letras & Letras

suas comunidades de fala desde as suas primeiras interações linguísticas e têm muito a

nos dizer sobre variação e mudança que ocorrem no período inicial”.

Nos trabalhos citados acima, observa-se que certos fenômenos são adquiridos

como uma regra variável e outros como uma cópia caso a caso de formas de superfície

dos adultos. A análise de Roberts (1994, 1997) sobre o apagamento das consoantes (-t, -

d) em encontros consonantais em inglês, por exemplo, revela que as crianças (mesmo as

mais jovens) adquiriram as restrições fonológicas para o apagamento de (-t, -d) e que

atingiram o padrão adulto. Com relação ao português, o trabalho de Alencar (2006)

sobre a aquisição do artigo definido frente a nome próprio obtém resultados que

corroboram essa linha de pensamento. Em outras palavras, as autoras consideram que as

crianças adquirem a regra variável e seus condicionamentos em uma idade bastante

precoce.

Os estudos de Díaz-Campos (2001, 2004) sobre a aquisição do cancelamento

variável de /d/ intervocálico (“cantado” realizado como [kantao]) por crianças que falam

o espanhol da Venezuela, por outro lado, mostram que palavras mais frequentes são as

que mais favorecem a variação na produção do /d/ intervocálico, ao passo que, as menos

frequentes a desfavorecem. O autor conclui, nesse caso, que as crianças não adquirem

uma regra, mas sim “copiam” as formas da fala adulta item por item.

Neste trabalho, nos concentramos na realização das vogais médias na pauta

pretônica a fim de verificar se crianças em processo de aquisição da linguagem elevam

essas vogais diante de vogal alta. Em caso afirmativo, buscamos determinar se a

ocorrência desse fenômeno é variável, refletindo o padrão da fala adulta, ou se atinge o

léxico da criança item por item.

Para tanto, este artigo organiza-se da seguinte forma. Na seção 1, apresentamos

nosso referencial teórico; em 2, descrevemos os procedimentos metodológicos da

pesquisa; em 3, apresentamos e discutimos os resultados; em 4, estão as considerações

finais.

1 Referencial teórico

1.1 A aquisição do sistema vocálico

No que diz respeito à aquisição do sistema vocálico do português, Rangel (2002)

observou a fala de 63 crianças brasileiras, das quais 60 de forma transversal e 3 de

forma longitudinal. Fizeram parte do estudo transversal 33 meninas e 27 meninos com

idades entre 1:0 e 1:11. No estudo longitudinal foram observadas 2 meninas e 1 menino

com idades entre 1:1 e 2:3. Em termos gerais, a investigação mostrou que esse processo

se completa até um ano e onze meses (1:11).

A autora também constatou que o percentual de realização correta das vogais

médias é inferior ao das demais vogais, o que pode estar relacionado à ocorrência de

processos comuns à fala adulta, como neutralização e harmonia vocálica. Os resultados

de produção correta das vogais foram: /a/ - 98,9%; /i/ - 99,2%; /u/ - 96,5; /e/ - 69,2%; /e/

produzido como /i/ - 29,4%; /o/ - 49,3%; /o/ produzido como /u/ - 49%.

Rangel (2007) analisa processos de substituições na aquisição do sistema

vocálico, no entanto, não há uma análise mais detalhada sobre a ocorrência de harmonia

vocálica. Dessa forma, nosso estudo visa também contribuir para um maior

entendimento de fenômenos envolvidos na aquisição do sistema vocálico.

Page 261: Letras & Letras

1.2 Elevação das vogais médias em português

Câmara Jr. (1970) diz que, em português brasileiro (doravante, PB), na posição

tônica, há o contraste máximo de sete vogais: /u, o, , a, , e, i/. Na posição pretônica, o

sistema reduz-se para cinco vogais. Nos dialetos do sul permanecem as médias altas em

detrimento das médias baixas, o inverso ocorre nos dialetos do norte. Na posição

postônica não-final, há a perda de contraste entre o e u, do que resultam quatro vogais

(a, e, i, u). Na posição átona final, há neutralização das médias altas (e, o) em favor das

vogais altas (i, u), restando nessa posição apenas três vogais: /a, i, u/.

Em posição pretônica, além da neutralização entre as vogais médias, há a

possibilidade de ocorrer o processo de harmonia vocálica, através do qual as vogais /e,

o/ se realizam como /i, u/ obrigatoriamente na presença da articulação alta de uma vogal

seguinte, por exemplo, coruja – curuja, menino – minino (BISOL, 1981).

Segundo Wetzels (1992), do ponto de vista da Geometria de Traços, é possível

afirmar que a harmonização vocálica do PB resulte do espraiamento do traço [-aberto 2]

da vogal alta para a vogal média da sílaba anterior, e não de todo o nó vocálico. Em

virtude disso, não encontramos casos como *d[i]mingo para d[o]mingo, *s[u]gunda

para s[e]gunda, mas sim, d[u]mingo e s[i]gunda, respectivamente.

No que tange aos estudos variacionistas sobre harmonia vocálica no português do

sul do Brasil, citamos o trabalho pioneiro de Bisol (1981, 1989) e os trabalhos de

Schwindt (1995, 2002). Os resultados de Bisol (1981) mostram que o fenômeno de

harmonia vocálica é variável, com baixa aplicação (24% para /e/ e 36% para /o/) e que

os condicionadores da regra são ausência de acento, nasalidade e tipo de consoante

seguinte. Os resultados de Schwindt (2002) mostram também que a harmonia vocálica,

no Rio Grande do Sul é um fenômeno estável, porém não estagnado, uma vez que, no

período de duas décadas, o percentual de aplicação para a vogal /e/ aumentou de 24%

para 36% e para a vogal /o/ de 36% para 42%. As variáveis linguísticas selecionadas

como favorecedoras do alçamento, nesse estudo, foram: contexto precedente, contexto

seguinte, contiguidade, localização morfológica, homorganicidade, tonicidade,

nasalidade. Os resultados desses estudos serão retomados ao longo do texto.

Análises como as de Viegas (1987) e Oliveira (1992), por outro lado, consideram

a elevação das vogais médias como um processo de difusão lexical. Nessa perspectiva,

uma mudança ocorre inicialmente em algumas palavras e difunde-se para outras que

apresentem estruturas sonoras similares. Viegas (1987) mostra que alguns itens sempre

apresentam alçamento, enquanto outros nunca apresentam alçamento. Além disso, a

autora afirma que a elevação das pretônicas atinge primeiro itens lexicais mais

frequentes.

2 Metodologia

2.1 Corpora

Os corpora são constituídos por dados longitudinais de duas meninas com idades

entre 2:0 e 3:4, e dados transversais de 12 meninas e 12 meninos entre 3:0 e 4:9, que

apresentam aquisição normal do sistema fonológico do português brasileiro falado na

cidade de Porto Alegre, os quais fazem parte dos bancos de dados INIFONO e

AQUIFONO do Centro de Estudos sobre Aquisição e Aprendizagem da Linguagem da PUCRS. Consideramos que, nessas faixas etárias, as crianças já tenham completado a

Page 262: Letras & Letras

aquisição do sistema vocálico do português (RANGEL, 2002), por isso podem não estar

mais sujeitas a oscilações próprias do período de aquisição. Inicialmente esse estudo

contemplaria apenas dados longitudinais, no entanto, como aponta Alencar (2006), o

acréscimo de uma coleta transversal fornece o comportamento do grupo e permite obter

indicações mais seguras acerca do processo aquisitivo de regras linguísticas.

Dentre as produções dos informantes, foram selecionadas todas as possibilidades

de ocorrência de alçamento da vogal média pretônica seguida por uma vogal alta na

sílaba imediatamente seguinte, em formas nominais, exceto as que ocorriam em

palavras:

a) com vogais constitutivas de ditongos e hiatos (coisinha, sociedade);

b) iniciadas por e seguido de /N/ e /S/ (ensinar, explicar) e por o (obrigado,

oficina);

c) com a vogal média fazendo parte de um prefixo claramente identificável

(reorganizar).

Essas palavras não foram consideradas na análise, pois apresentam elevação/não-

elevação quase categórica da vogal média, como já foi observado em outros estudos

sobre esse tema.

Além disso, não foram consideradas produções que sofreram sobreposição de voz

de outra pessoa no momento da gravação; foram repetições imediatas da fala da

entrevistadora e revelaram problemas quanto à identificação do segmento fonético

realizado.

2.1.2 Análise estatística

GoldVarb X (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005), um pacote de

programas estatístico especialmente desenvolvido para o estudo da variação

sociolinguística, foi usado para fazer a análise estatística dos dados. Consideramos

como variável dependente a elevação de /e, o/ apenas em contextos de pretônica seguida

de vogal alta (i ou u) na sílaba imediatamente seguinte. Com base em Bisol (1981),

Schwindt (2002) e Díaz-Campos (2004), analisamos as variáveis linguísticas: (i)

homorganicidade; (ii) consoante precedente; (iii) consoante seguinte; (iv) tipo de vogal

e (v) frequência da palavra no corpus e extralinguísticas, para a amostra longitudinal, (i)

indivíduo e (ii) faixa etária e, para a transversal, (i) sexo e (ii) faixa etária. A seguir

detalhamos cada um desses grupos de fatores. Iniciamos com as variáveis linguísticas.

2.1.2.1 Variáveis linguísticas

1) homorganicidade

As vogais /e/ e /i/ em menino e /o/ e /u/ em coluna são homorgânicas quanto à

posição da língua (posterior ou anterior); ao passo que, as vogais /e/ e /u/ em perfume e

/o/ e /i/ em comida não são.

2) consoante precedente

Classificamos, quanto ao ponto de articulação, as consoantes que precedem a

vogal média em: labial (perfume); alveolar (terminar); alveolar sibilante (serviço);

palatal (Argentina); velar (comida).

Page 263: Letras & Letras

3) consoante seguinte

Classificamos do mesmo modo as consoantes que seguem a vogal média: labial

(pepino); alveolar (menino); alveolar sibilante (vestido); velar (seguinte); palatal

(coruja).

4) tipo de vogal

Em virtude do número reduzido de dados não foi possível fazer rodadas separadas

para cada uma das vogais médias, por isso, criamos um grupo de fatores para analisar a

realização de harmonia vocálica para cada uma dessas vogais (e ou o).

5) frequência da palavra no corpus

Dividimos as palavras de acordo com sua frequência no corpus: mais de 10

ocorrências; de 6 a 10 ocorrências e até 5 ocorrências para a amostra longitudinal e mais

frequentes (mais de 10 ocorrências) e menos frequentes (menos de 10 ocorrências) para

a amostra transversal. Passemos às variáveis extralinguísticas.

2.1.2..2 Variáveis extralinguísticas

1) indivíduo

Na amostra longitudinal1 analisamos esse grupo de fatores a fim de observar o

comportamento de cada uma das duas informantes.

2) faixa etária

Na amostra longitudinal consideramos três faixas etárias: a) 2:0 a 2:3; b) 2:4 a 2:8;

c) 2:9 a 3:4. Na transversal, as faixas são: a) 3:0 a 3:5; b) 3:6 a 4:3; c) 4:4 a 4:9.

3) sexo

Na amostra transversal, analisamos a possível influência do sexo na ocorrência de

harmonia vocálica.

3 Apresentação e discussão dos resultados

Uma limitação dos estudos em aquisição da variação reside no fato de o número

de dados que pode ser obtido ser relativamente pequeno. Entretanto, acreditamos que

resolvemos essa questão ao lançarmos mão de uma amostra longitudinal (composta por

2 meninas entre 2:0 e 3:4) e uma amostra transversal (composta por 24 crianças entre

3:0 e 4:9). A seguir, apresentamos separadamente os resultados dessas amostras.

a) Amostra longitudinal

Os fatores selecionados por ordem de significância foram: homorganicidade, tipo

de vogal, faixa etária e frequência da palavra no corpus.

Na Tabela 1, trazemos os resultados acerca do grupo de fatores homorganicidade,

através do qual investigamos se a vogal alta frontal i pode exercer maior poder sobre a

1O grupo de fatores indivíduo foi excluído da amostra transversal por não apresentar distribuição ortogonal de dados.

Page 264: Letras & Letras

elevação de e pelo fato de ambas serem anteriores e o mesmo no que diz respeito à

influência de u sobre o, por ambas serem posteriores.

Tabela 1: Homorganicidade

Aplicação

/Total

Peso relativo

Homorgânica (menino, coluna) 46/49 0.877

Não-homorgânica (segunda, domingo) 37/55 0.148

Total 83/104

Input 0.905 Significância = 0.043

Observa-se que o alçamento é favorecido quando a posição da língua é a mesma

para as duas vogais (peso relativo de 0.877) e desfavorecido, quando a posição da língua

é diferente (peso relativo de 0.148). Tal comportamento também é registrado na fala

adulta (BISOL, 1981; SCHWINDT, 1995; 2002).

O segundo grupo de fatores selecionado foi tipo de vogal. Como dissemos

anteriormente, em virtude do reduzido número de dados, não foi possível analisar

estatisticamente os dados para cada uma das vogais em separado.

Os resultados da Tabela 2 mostram que a vogal média posterior é mais suscetível

à elevação (peso relativo de 0.886) do que a média anterior (peso relativo de 0.217). Na

verdade, de acordo com os resultados de peso relativo, a elevação de /e/ seria altamente

desfavorecida. No entanto, os resultados referentes ao percentual de aplicação

apresentam inversão: o percentual de /e/ (61,5%) é bastante superior ao de /o/ (38,5%).

Essa questão merece uma investigação mais aprofundada, o que está além dos objetivos

desse trabalho.

No que diz respeito à fala adulta, os resultados de Schwindt (2002) mostram que

há um ligeiro favorecimento de /o/ sobre /e/: a porcentagem para /o/ fica em torno de

42% e para /e/ 36%.

Tabela 2: Tipo de vogal

Aplicação /Total Peso relativo %

/o/ (domingo) 34/ 40 0.886 38,5

/e/ (menino) 49/ 64 0.217 61,5

Total 83/104 79,8

Input 0.905 Significância = 0.043

Chamamos a atenção para o fato de, na fala infantil, a ocorrência de harmonia

vocálica ser muito alta (79,8%), apresentando uma variabilidade menor em relação à

fala adulta. Essa constatação nos leva a crer que esse processo possa ser tratado pelas

crianças como uma aplicação caso a caso e não como uma regra variável. É possível

também considerar a harmonia vocálica como uma regra variável de alta incidência para

as crianças, mas que se torna estável e de baixa aplicação com o passar do tempo.

Poderíamos pensar ainda que as crianças apresentem inicialmente uma realização

categórica do fenômeno e que mais tarde adquiram sua forma variável. Contudo, não há

consenso quanto à idade inicial de aquisição de aspectos sociais da linguagem, estudos

como os de Labov (1964), Beaud, Chevrot e Varga (2001), Roberts (2002) discutem

essa questão.

Na Tabela 3, apresentamos os resultados para a variável faixa etária. Crianças

mais jovens tendem a alçar mais as vogais pretônicas do que as crianças mais velhas. Há

Page 265: Letras & Letras

uma relação inversamente proporcional entre a ocorrência de harmonia vocálica e a

idade: quanto maior a faixa etária, menor a aplicação.

Tabela 3: Faixa etária

Aplicação /Total Peso relativo

2:0 a 2:3 19/ 20 0.887

2:4 a 2:8 32/ 36 0.512

2:9 a 3:4 32/ 48 0.290

Total 83/104

Input 0.905 Significância = 0.043

Díaz-Campos (2004) verificou comportamento similar em crianças aprendizes de

espanhol como língua materna quanto ao apagamento de /d/ intervocálico. O autor

observou peso relativo de 0.97 para a faixa de 42 a 47 meses, de 0.28 entre 54 e 59

meses e 0.23 para a faixa de 66 a 71 meses. Para o autor, uma explicação para que

crianças mais velhas apresentem maior variabilidade é o fato de que estas estejam

ingressando na escola, o que amplia suas possibilidades de interação social. Nesse

sentido, seria interessante analisar não apenas a fala das crianças, mas também daqueles

que com elas convivem (pais, cuidadores, professores, colegas etc).

A última variável linguística selecionada foi frequência da palavra no corpus. Os

resultados para essa variável estão na Tabela 4, os quais mostram que, de modo geral, as

palavras mais frequentes (acima de 6 ocorrências) foram as que mais apresentaram

alçamento da vogal média.

Tabela 4: Frequência no corpus

Aplicação /Total Peso relativo

De 6 a 10x 28/ 29 0.734

10x em diante 37/ 49 0.539

Até 5x 18/ 26 0.193

Total 83/104

Input 0.905 Significância = 0.043

Segundo Díaz-Campos (2004), palavras mais frequentes no corpus cuja

variabilidade é baixa (aplicação ou não-aplicação quase categórica) são indício de que o

fenômeno se aplica item-a-item. Em sua análise, este grupo de fatores foi o segundo

mais significativo e teve peso relativo 0.99 para as palavras mais frequentes e 0.19 para

as menos frequentes.

Nossos resultados parecem estar de acordo com esse autor e com estudos sobre a

fala adulta que entendem a harmonia vocálica como um processo difusionista, como por

exemplo, o de Viegas (1987) e Oliveira (1992). Essa questão será retomada mais

adiante.

b) Amostra transversal

Os fatores selecionados por ordem de significância foram: frequência no corpus e

contexto seguinte. Para essa amostra, nenhum fator extralinguístico foi selecionado.

A Tabela 5 apresenta os resultados para o grupo de fatores frequência no corpus.

Observa-se que os resultados seguem a mesma tendência dos resultados da amostra

Page 266: Letras & Letras

longitudinal: palavras mais frequentes favorecem a aplicação do fenômeno e palavras

menos frequentes a desfavorecem.

Tabela 5: Frequência

Aplicação /Total Peso relativo

Mais frequentes 32/34 0.795

Menos frequentes 24/39 0.234

Total 56/73

Input 0.838 Significância = 0.045

Na Tabela 6, apresentamos os resultados concernentes à variável contexto

seguinte. Observa-se que a consoante labial desfavorece a elevação das pretônicas e que

as demais consoantes a favorecem.

Tabela 6: Contexto seguinte

Aplicação /Total Peso relativo

Demais consoantes (vestido) 35/42 0.630

Labial (pepino) 21/31 0.327

Total 56/73

Input 0.838 Significância = 0.045

Os dados relativos às consoantes alveolares, velares e palatais foram

amalgamados sob o rótulo “demais consoantes”, devido ao número reduzido de dados

para cada uma dessas consoantes, em oposição às labiais. No entanto, esse amálgama

não nos permite verificar quais consoantes, de fato, favorecem ou não a realização de

harmonia vocálica na fala infantil. É necessário rever a estratificação e também a

pertinência desse grupo de fatores em nossa análise.

No que diz respeito à fala adulta, Schwindt (2002) mostra que os contextos mais

favoráveis ao alçamento de /e, o/ são os de consoante velar e alveolar sibilante e os mais

desfavoráveis são os de palatal e labial. O autor observa ainda que para a vogal /e/ o

contexto de labial é desfavorável e para /o/ o peso relativo fica em torno do ponto

neutro, ou seja, o papel dessa variável também precisa ser melhor observado na fala

adulta.

3.1 Regra variável ou difusão lexical?

No que diz respeito à caracterização do fenômeno de alçamento das pretônicas na

fala adulta em português, observa-se, basicamente, dois tipos de tratamento: como regra

variável ou como difusão lexical. Enquadram-se no primeiro tipo, os trabalhos de Bisol

(1981, 1989) e Schwindt (1995, 2002), entre outros; no segundo tipo, os estudos de

Viegas (1987) e Oliveira (1992), por exemplo.

Na perspectiva variacionista, uma mudança sonora é regular, afeta todos os itens

lexicais e é condicionada por fatores linguísticos e extralinguísticos. No caso da

harmonia vocálica, as pretônicas /e, o/ passarão a /i, u/ sempre que forem seguidas por

vogal alta e apresentarem condicionadores favorecedores para a elevação.

A abordagem difusionista, por sua vez, entende que uma mudança sonora atinge

primeiramente algumas palavras e propaga-se para outras com estrutura sonora

semelhante. Nessa perspectiva, algumas palavras podem nunca ser afetadas pela

Page 267: Letras & Letras

mudança. No que diz respeito à elevação das pretônicas, itens como coluna e perfume,

nos dialetos do sul, não são pronunciados como c[u]luna e p[i]rfume.

Nesta seção, a partir dos resultados estatísticos procuramos verificar se o

comportamento das crianças em relação ao alçamento das pretônicas apresenta

características de regra variável ou de difusão lexical, ou seja, se as crianças são

sensíveis à variação ou se reproduzem as formas dos adultos.

A seguir, sumariamos os aspectos mais relevantes sobre a realização das

pretônicas na fala infantil, apresentados neste trabalho:

1- O percentual de alçamento das vogais pretônicas é muito maior para a fala

infantil (próximo a 80%) do que para a fala adulta (em torno de 40%);

2- A relação entre idade e aplicação de alçamento é inversamente proporcional;

3- Em comparação à fala adulta, os grupos de fatores homorganicidade (corte

longitudinal) e contexto seguinte (corte transversal) foram selecionados pelo programa

estatístico e apresentaram resultados semelhantes;

4- O único grupo de fatores selecionado para as duas amostras foi frequência da

palavra no corpus;

5- Existem itens em que as vogais médias são categoricamente alçadas e itens que

nunca são afetados pelo alçamento.

As observações 1 e 2 indicam que a elevação das pretônicas na fala infantil tem

alta aplicação num período inicial, que vai diminuindo com o passar do tempo. Esse

comportamento sugere que as crianças inicialmente apliquem o processo de modo

categórico e que ao longo do tempo passem a adquirir padrões variáveis. Além disso, a

afirmação 3 mostra que as crianças são sensíveis aos condicionamentos da regra de

forma semelhante aos adultos. Tais fatos apontam para um uso variável da elevação das

médias pretônicas.

No que diz respeito às afirmações 4 e 5, observemos os Quadros 1 e 2, em que

especificamos as palavras produzidas pelas informantes com contextos para alçamento

(ocorrências) e aplicação de harmonia vocálica.

Quadro 1: Produções das informantes da amostra longitudinal

Palavras Ocorrências/ Aplicação

pepino 17/ 17

perfume 16/ 5

vestido 16/ 15

menino (a) 10/ 10

comida 10/ 10

bonito (a) 9/ 9

exposição 3/ 2

gorila 3/ 3

gordura 2/ 1

polícia 2/ 2

convidados 2/ 0

formiga 2/ 2

cozinha 2/ 2

comprido (a) 2/ 2

mochila 1/ 0

Page 268: Letras & Letras

celular 1/ 0

coluna 1/ 1

cortina 1/ 1

perigo 1/ 1

dentuça 1/ 0

adormecida 1/ 0

cemitério 1/ 1

Total 104/ 84

Types: 22 Tokens: 104

Quadro 2: Produções dos informantes da amostra transversal

Palavras Ocorrências/ Aplicação

comida 16/ 14

cozinha 9/ 9

menino (a) 9/ 9

refrigerante 5/ 0

formiga 4/ 4

comprida (s) 3/ 3

cortina 3/ 3

vestido 3/ 3

coruja 3/ 3

bonito 2/ 2

corrida 2/ 0

pepino 2/ 2

perigo 1/ 1

Caroline 1/ 0

refrigerador 1/ 0

perua 1/ 1

sorriso 1/ 0

revista 1/ 0

polícia 1/ 1

colorido 1/ 0

Jesus 1/ 0

bebida 1/ 1

ventilador 1/ 0

comum 1/ 0

Total 73/ 56

Types: 24 Tokens: 24

Com relação à afirmação 4, com base nos Quadros 1 e 2, verificamos que em

palavras mais frequentes, tais como pepino, vestido, menino, comida, cozinha ocorre

mais harmonia vocálica do que em palavras menos frequentes, como mochila, dentuça,

corrida, o que corrobora os resultados estatísticos para o grupo de fatores frequência no

corpus. No que diz respeito à ocorrência/não-ocorrência categórica de alçamento

(afirmação 5), percebemos que há formas em que as vogais médias são sempre

elevadas, tais como comida, bonito, menino, e outras formas em que essas vogais nunca

Page 269: Letras & Letras

são elevadas, como por exemplo em corrida, revista, colorido. Tais fatos indicam uma

tendência difusionista de alçamento das pretônicas.

Observamos ainda que as palavras em que há alçamento na fala das crianças são

as mesmas nas quais há alçamento na fala dos adultos: pepino, vestido, cozinha. Essa

observação nos leva a questionar a que tipo de input as crianças estão expostas. Se as

palavras sempre apresentarem vogal alta, ou seja, não houver variação não há

possibilidade de aplicação ou não-aplicação de uma regra. Dessa forma, as crianças

estariam apenas reproduzindo as mesmas formas produzidas pelos adultos. No entanto,

as palavras gordura, exposição, perfume sofrem harmonia vocálica em contextos não

observados na fala adulta nos dialetos do sul do Brasil. Essas ocorrências seriam

evidência de supergeneralização, ou seja, aplicação de uma regra a casos não esperados.

Para Menn e Stöel-Gammon (1997, p.287), a supergeneralização seria considerada

“marco da verdadeira aprendizagem da regra”, conquanto esses dados possam indicar

que as crianças estejam adquirindo a harmonia vocálica como uma regra variável, para

fazermos afirmações a esse respeito seriam necessários mais dados.

Diferentemente da concepção de que o falante abstrairia do contexto variável um

input categórico, modelos multirrepresentacionais defendem que o falante armazenaria

mais de uma entrada para o mesmo input. Esse armazenamento depende da frequência

de uso de uma determinada forma linguística e é sensível ao detalhamento fonético.

Dessa forma, nessa perspectiva, não faria sentido comparar alterações entre input

(sempre harmonizado/nunca harmonizado) e output. Como Silva (2007, p.26) afirma,

nessa perspectiva, “a estrutura linguistica é concebida como plástica e dinâmica onde a

variação é inerente”.

Considerações finais

Neste trabalho, investigamos a realização das vogais médias pretônicas em

contexto para a ocorrência de harmonia vocálica e constatamos que esse fenômeno

apresenta-se em idade bastante precoce, em torno de 2 anos. Além disso, observamos

que o alçamento das vogais médias têm alta taxa de aplicação e atinge um número

reduzido de formas.

As formas em que há harmonia na fala infantil são as mesmas em que há

harmonia na fala adulta, contudo os percentuais de alçamento são diferentes. Em

estudos com informantes adultos, verificou-se que esse fenômeno é estável e de baixa

aplicação, ao passo que para as crianças ele é menos variável e com alta aplicação.

Conforme os resultados estatísticos, embora apenas um grupo de fatores da fala

adulta tenha sido selecionado em cada amostra (homorganicidade na coleta longitudinal

e contexto seguinte na coleta transversal), os resultados seguiram a tendência observada

nos informantes adultos. Esses resultados poderiam indicar que a harmonia vocálica

esteja sendo aprendida como uma regra variável. Todavia, a variável frequência da

palavra no corpus foi selecionada nas duas amostras e mostrou que palavras mais

frequentes estão mais sujeitas à harmonização vocálica, o que aponta para uma

aplicação caso a caso, o que parece corroborar os estudos que analisam o fenômeno de

harmonia vocálica como um processo difusionista, como por exemplo os de Viegas

(1987) e Oliveira (1992).

Diante desse cenário, não foi possível determinar se as crianças tratam a harmonia

vocálica como uma regra variável ou como uma aplicação caso a caso. Contudo, este

trabalho levanta questões relevantes sobre o comportamento da fala infantil no que diz

Page 270: Letras & Letras

respeito à realização das vogais médias pretônicas, tema bastante recorrente em estudos

sobre a fala adulta.

KELLER, T.; COSTA, E. P. F. S. PRETONIC MID- VOWELS IN BRAZILIAN-

SPOKEN CHILDREN DATA

Abstract

In this paper we investigate the pretonic mid-vowels in Brazilian Portuguese-speaking

children. Such study is justified by the fact that the analysis of Rangel (2002) shows that

the percentage of correct performance on mid vowels to be lower than the other vowels,

which may be related to the occurrence of neutralization and vowel harmony. Vowel

harmony takes place when middle vowels /e o/ raise to /i u/ following a high vowel

(Bisol, 1981) as in m[i]nina, s[i]gunda, d[u]mingo, c[u]sturar. Our corpora consist of

longitudinal data from two girls aged between 2:0 and 3:6 and cross-sectional data from

24 children aged between 3:0 and 4:9, extracted from INIFONO AQUIFONO database

of the Center of Studies on Acquisition Language and Learning at PUCRS. We analyze

occurrences of unstressed mid vowel followed by high vowels: menina, perfume,

cozinha, costurou. Statistical analysis was performed using the software package

GoldVarb X. The linguistic variables are homorganicity, preceding and following

consonant, mid-vowel type, word frequency in the corpus and the extralinguistic ones

are subject, age and sex. Our aim is to determine whether children are acquiring the

variable rule of vowel harmony or are copying adult forms.

Keywords

pretonic mid-vowels; language acquisition; linguistic variation, Brazilian Portuguese.

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Page 273: Letras & Letras

FRICATIVA CORONAL PÓS-VOCÁLICA: DESCRIÇÃO E ANÁLISE

Juliene Lopes Ribeiro PEDROSA (UFPB)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Dermeval da HORA (UFPB/CNPq)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

As fricativas coronais no Português Brasileiro (PB) em posição pós-vocalica, como em

pa/S/ta, me/S/mo, doi/S/, mai/S/, têm sido estudadas por inúmeros pesquisadores em

diferentes regiões do Brasil. O que observamos, em geral, é que o seu uso variável

implica, majoritariamente, a presença de variantes alveolares em oposição a variantes

palato-alveolares, sem descartar, entretanto, o uso de outras variantes, como o zero

fonético e a aspirada. Este artigo tem dois focos principais: (a) estudos descritivos

referentes ao comportamento dessa variável no PB, em diferentes falares, com base em

estudos variacionistas, e (b) uma análise teórica com base na Teoria da Otimalidade

(TO), usando a proposta do Rank-ordering Model of EVAL –ROE (COETZEE, 2004;

2006).

Palavras-chave

Fricativas coronais; Variação; Teoria da Otimalidade; Rank-ordering Model of EVAL.

Introdução

Os estudos variacionistas têm oferecido grandes contribuições para uma descrição

apurada do comportamento dos diferentes níveis da língua. Especificamente, em se

tratando do nível fonológico, é a partir deles que temos conseguido mapear diferentes

possibilidades de uso, quando tratamos das vogais, dos ditongos, da sílaba, do acento e

das consoantes, nosso objeto de análise.

Das consoantes, mais especificamente, sabemos que os estudos levam em

consideração todas as posições na sílaba, segundo as quais Câmara Júnior (2001 [1970])

as classificou. E, nesse sentido, é a posição pós-vocálica que tem atraído a atenção de

muitos estudiosos. Se há a possibilidade de termos, além dos glides, quatro consoantes

preenchendo-a, a que vai nos interessar, neste capítulo, é aquela preenchida pela

fricativa, e que, fonologicamente, representaremos como /S/, independentemente de ser

vozeada ou desvozeada.

Para um maior aprofundamento sobre a questão, levaremos em consideração

informações oriundas de estudos variacionistas realizados no Português Brasileiro (PB)

e, com base nessas informações, todas de cunho descritivo, trataremos de abordar tal

variável numa perspectiva teórica, buscando entender quais as possibilidades de

explicação que temos.

Para desenvolver este estudo, assim o estruturamos: na seção 1, apresentaremos

uma avaliação sincrônica da fricativa pós-vocálica no PB, considerando estudos

Page 274: Letras & Letras

pautados em diferentes falares; na seção 2, introduziremos alguns conceitos da Teoria

da Otimalidade, especificamente do ROE (COETZEE, 2004; 2006), que servirão de

base para a nossa análise, considerando a descrição realizada.

1 O /S/ pós-vocálico no Português Brasileiro

Com base nos estudos variacionistas realizados no Brasil, procuraremos

apresentar um panorama do comportamento do /S/ pós-vocálico, considerando as

variantes selecionadas e as restrições que a elas se correlacionam.

Callou, Leite e Moraes (2002), utilizando dados do Projeto da Norma Urbana

Culta (NURC), analisam o processo de enfraquecimento das fricativas pós-vocálicas em

cinco capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador),

considerando aspectos estruturais e sociais.

Em relação ao Rio de Janeiro, o comportamento do /S/ pós-vocálico é bastante

semelhante nas posições medial e final, traçando o seguinte caminho: palato-alveolar

(90% e 75%) – aspirada (6% e 10%) – apagamento (2% e 8%) – alveolar (1% e 8%). A

palato-alveolar é a variante mais produtiva, tanto na posição medial quanto na final,

com percentagens bem distantes das demais variantes.

No falar de São Paulo, a variante mais produtiva é a alveolar com 88% e 91% nas

posições medial e final, respectivamente. As outras variantes têm uma frequência muito

baixa, não havendo, inclusive, dados de aspiração em nenhuma das posições. A palato-

alveolar apresenta 9% na posição medial e 5% na posição final; o apagamento, 3%, nas

duas posições.

Os resultados do falar de Porto Alegre são semelhantes aos de São Paulo,

apresentando a mesma ordem: alveolar (77% e 96%), palato-alveolar (23% e 2%),

apagamento (0% e 1%) e aspirada (0% e 1%). Em relação a esse falar, duas observações

merecem destaque: (a) a relação inversamente proporcional das variantes palato-

alveolar e alveolar; e (b) a disparidade nas percentagens em relação à posição na

palavra, distinguindo-as das outras duas variantes que têm uma frequência bem próxima

nas duas posições.

No falar de Recife, as variantes palato-alveolar (84% e 54%) e alveolar (10% e

34%) também apresentam resultados bem distantes entre a posição medial e final,

enquanto as demais variantes apresentam resultados mais próximos: aspirada (5% e 7%)

e apagamento (2% e 5%). É importante ressaltar que a variante palato-alveolar é a mais

frequente, semelhante ao falar do Rio de Janeiro.

Os dados relativos ao falar de Salvador mostram uma relação inversamente

proporcional na frequência de uso das variantes palato-alveolar (56% e 31%) e alveolar

(39% e 51%), inclusive se comparadas às posições medial e final. As variantes aspirada

(4% e 9%) e zero (1% e 9%) são pouco frequentes, principalmente na posição medial.

Uma análise dos dados apresentados leva-nos a concluir que há falares que,

marcadamente, favorecem o uso da variante alveolar, como é o caso de São Paulo e

Porto Alegre, e outros que favorecem o uso palato-alveolar, como o Rio de Janeiro e

Recife. No caso de Salvador, o uso dessas duas variantes apresenta resultados muito

próximos, tanto em posição medial quanto em posição final.

Diferente desse trabalho, que considera as cinco capitais do Projeto NURC,

Brescancini realizou sua tese sobre o mesmo tópico, mas com dados de Florianópolis,

levando em conta três regiões desse município: Centro Urbano, Ribeirão da Ilha e Barra

da Lagoa. Sobre os detalhes metodológicos, sugerimos conferir a tese da autora.

Page 275: Letras & Letras

Os resultados de sua análise sobre a fricativa /S/ pós-vocálica podem ser

observados no Gráfico (1)1, em que aparecem as variantes selecionadas: alveolar,

palato-alveolar, laríngea ou aspirada e apagamento ou zero fonético.

Gráfico 1: Resultado Geral

82%

12%5% 1%

Palatal

Alveolar

Apagamento

F. Laríngea

Constatamos que a variante palato-alveolar é a mais frequente, com 82%,

destacando-se das demais variantes que se somam em 18%. A variante alveolar é a

segunda mais frequente com 12% de aplicação e o apagamento e a fricativa laríngea,

respectivamente, com 5% e 1%.

Brescancini (2002) faz uma análise bastante detalhada dos resultados obtidos,

realizando cruzamento de fatores na busca de estabelecer as relações entre eles no

favorecimento ou não da variante palato-alveolar. Os resultados de sua análise ratificam

a prioridade da palato-alveolar em relação às outras variantes.

Saindo do mapeamento Sul e Sudeste do Brasil, voltamos a nossa atenção para a

realidade do Nordeste ao observarmos os trabalhos realizados por Hora (2003) e Ribeiro

(2006), ambos baseados no falar paraibano.

Os dados de Hora (2003) e Ribeiro (2006) fazem parte do corpus do Projeto

Variação Linguística do Estado da Paraíba – VALPB (1993). O corpus foi coletado em

João Pessoa – Paraíba, e é constituído da fala de 60 informantes, estratificados segundo

o sexo, a faixa etária e os anos de escolarização.

O trabalho de Hora (2003) versa sobre o /S/ pós-vocálico na posição interna à

palavra, enquanto que o de Ribeiro (2006) se detém na posição final de lexemas.

De posse dos dados de Hora (2003), percebemos que as variantes alveolar [s, z]

(e[s]fera, re[z]vala), palato-alveolar [ʃ, ʒ] (go[ʃ]to, de[ʒ]de) e aspirada [h] (me[h]mo)

são produtivas, diferente da variante zero [ø] que se mostra pouco produtiva2,

ocorrendo, especificamente, com determinados itens lexicais; no caso dessa pesquisa,

apenas com o item me[Ø]mo.

É importante mencionar que no corpus utilizado por Hora (2003), a ocorrência da

palato-alveolar está associada ao contexto fonológico seguinte coronal. Assim, quanto

ao uso, há uma dominância da alveolar, seguida pela palato-alveolar condicionada ao

contexto coronal seguinte e com poucos casos da aspirada e do apagamento.

Reforçamos que, nesse último caso, as ocorrências eram específicas do item lexical

mesmo, o que provavelmente confirma a hipótese de difusão lexical. Como

comprovamos no Gráfico (2) a seguir:

1 Este gráfico é de nossa autoria, assim como os demais Gráficos e Quadros. 2 As realizações de apagamento nessa posição são raras e bem específicas de determinados itens lexicais, o que permitiria dizer que é um processo de difusão lexical. Ex.: me[Ø]mo, di[Ø]juntor e júri[Ø]dição.

Page 276: Letras & Letras

Gráfico 2 – Resultado Geral do /s/ Pós-Vocálico Medial

1%

28%

65%

6%

me0mo

Alveolar

Palatal

mehmo/dehde

Diante das poucas ocorrências da aspirada (6%) e do apagamento (1%), Hora

(2003) optou por fazer uma análise contrastiva entre a variante alveolar e palatal, para

determinar o contexto de uso dessa última, semelhante ao trabalho de Brescancini

(2002). O que resulta, no final, é que o uso da palato-alveolar, em posição medial, tem

como condicionante o contexto fonológico seguinte dental, como em “po[]te” e

“de[ʒ]de”.

A variação do /S/ pós-vocálico na posição final, segundo Ribeiro (2006), também

se apresenta sob a forma alveolar [s,z], palato-alveolar [ʃ, ʒ] e aspirada [h]. Além desses

casos, o zero [Ø] é encontrado em final de palavra, diferindo da coda interna. O Gráfico

(3), a seguir, ilustra os resultados.

Gráfico 3 – Resultado Geral do /s/ Pós-Vocálico Final

Os dados de Hora (2003) e Ribeiro (2006) refletem que o comportamento da

fricativa coronal pós-vocálica no dialeto de João Pessoa não é semelhante quando em

interior ou em final de lexema, já que temos número e comportamento diferenciados de

variantes para cada posição: [s, z, ʃ, ʒ, h] para a posição interna e [s, z, ʃ, ʒ, h e Ø] para a

final.

Os trabalhos de Callou, Leite, Moraes (2002); Brescancini (2002); Hora (2003) e

Ribeiro (2006) nos permitem estabelecer um quadro comparativo que explicita as

tendências do comportamento variável do /s/ pós-vocálico no PB. E, mesmo que o

primeiro trabalho se utilize apenas de falantes universitários, enquanto os demais

também se utilizem de outros níveis de escolarização, entendemos que a comparação é

confiável, pois os mesmos fatores estão restringindo o fenômeno em estudo e o mesmo

pacote de variáveis é apresentado.

24%

65%

5% 6%

Apagamento

Alveolar

Palatal

Glotal

Page 277: Letras & Letras

Em resumo, nos dialetos do PB, segundo os resultados de Callou, Leite, Moraes

(2002); Brescancini (2002); Hora (2003) e Ribeiro (2006), as variantes se alternam entre

as formas [s,z], [,], [h] e [], fato que pode ser comprovado no Quadro (1).

Quadro 1 – Variantes do PB

LÍNGUA – DIALETOS VARIANTES

Português

Brasileiro

Rio de Janeiro

Callou, Leite, Moraes (2002) [,] > [h] > [] > [s,z]

São Paulo

Callou, Leite, Moraes (2002) [s,z] > [,] > [] > [h]

Porto Alegre

Callou, Leite, Moraes (2002) [s,z] > [,] > [] > [h]

Recife

Callou, Leite, Moraes (2002) [,] > [s,z] > [h] > []

Salvador – posição medial

posição final

Callou, Leite, Moraes (2002)

[,] > [s,z] > [h] > []

[s,z] > [,] > [h] > []

Florianópolis

Brescancini (2002) [,] > [s,z] > [] > [h]

João Pessoa – posição medial

posição final

Hora (2003) e Ribeiro (2006)

[s,z] > [,] > [h] > []

[s,z] > [] > [h] > [,]

Podemos perceber pelo Quadro (1) que, em geral, há uma convergência de

comportamento do /S/ pós-vocálico, já que as variantes são comuns em todos os dialetos

analisados. O que muda de um corpus para o outro é o seu ordenamento.

Outro aspecto que merece destaque é a preservação do /S/ pós-vocálico,

principalmente na posição medial. A posição final é confirmada como a mais débil,

favorecendo os processos de enfraquecimento e apagamento.

Os resultados mostram que as variantes [s,z], [,], [h] preenchem as posições

medial e final, e a variante [] é exclusiva da posição final. As variantes [,] e [h] são

menos frequentes, condicionadas ao contexto fonético-fonológico que as circundam.

A retomada desses resultados é fundamental à análise que esboçaremos e para as

restrições que discutiremos na próxima seção, já que buscam dar conta dos pontos

destacados, principalmente no que se refere à distinção entre a posição medial e a final,

e ao inventário das variantes.

2 Introduzindo a Teoria da Otimalidade (TO)

Com já mencionamos, a perspectiva teórica que utilizaremos como base será a

Teoria da Otimalidade (TO), especificamente a proposta de Coetzee (2004; 2006).

Portanto, antes de iniciarmos a nossa análise, é importante reforçamos algumas

concepções da Teoria.

A TO tem sido utilizada com muita frequência desde a última década do século

passado, quando foi proposta. É importante reforçarmos que a ruptura na linha do

Page 278: Letras & Letras

pensamento teórico derivacional é um dos principais propósitos dessa teoria, trazendo

como elemento fundamental de seu modelo teórico o uso das restrições.

Podemos dizer que a idéia de um modelo cíclico, defendido pela perspectiva

derivacional, é substituída por um modelo “físico” que lida com a idéia de conflito de

forças. As forças conflitantes de marcação e de fidelidade vão concretizar sua luta

através das restrições que as representam. E, por isso, desempenham papel fundamental

na teoria, consistindo no cerne das análises propostas. Dessa forma, entender como uma

língua acomoda esse conflito pode ser a resposta buscada pelos linguistas.

Antes de esboçarmos o conflito gerado por nosso objeto de estudo, o /S/ pós-

vocálico, é importante entendê-lo bem e principalmente perceber o seu funcionamento

dentro da língua. Fato que motivou a observação de dados empíricos que pudessem nos

levar a refletir, dentro do inventário das restrições universais, quais as que efetivamente

irão participar do processo que iremos analisar.

Os trabalhos de Prince, Smolensky (1993) e McCarthy, Prince (1993) trazem os

fundamentos da TO, a formulação de restrições relacionadas à sílaba e aos domínios

prosódicos, assim como propostas de análise de alguns aspectos linguísticos dos falares

Imdlawn Tashkhiyt (Berber) e Lardil (Austrália), no primeiro trabalho; e do Axininca

Campa (Peru), no segundo.

Ao tomar esses estudos por base, corroboramos a ideia de que, embora pareçam

totalmente opostas, as teorias sempre se completam, alimentando-se uma das outras e

trazendo soluções a problemas antes não resolvidos. Assim como foi a partir da Teoria

Prosódica e da Fonologia Métrica que a sílaba voltou a obter relevância, principalmente

quando se pretende observar a convergência e a divergência entre as línguas em busca

dos universais linguísticos, foi a partir da Teoria Prosódica e da Fonologia Lexical que

se consolidou uma análise linguística voltada aos domínios prosódicos. Posterior a essas

teorias, a TO também considera esses pontos ao propor suas restrições, que vão lidar

com os aspectos da estrutura e organização da sílaba e com os domínios linguísticos que

devem ser considerados no momento da análise e formação do léxico.

Assim, as restrições que buscam dar conta da estrutura da sílaba, expostas em

Prince, Smolensky (1993) e McCarthy, Prince (1993), são bastante significativas para a

nossa análise, por isso cabe-nos explicitá-las para que possamos usá-las.

Levando em consideração o princípio de que a maioria das línguas opta pelo

padrão CV em sua estrutura silábica, é natural que as restrições de marcação busquem

resguardar aquilo que é menos marcado (CV) em detrimento do mais marcado (CVC,

VC), uma vez que as restrições de marcação tratam da questão do que é universal

(menos marcado) e o que é particular (mais marcado) nas línguas (ARCHANGELI,

1997). Por isso, ao analisarmos a estrutura da sílaba (onset, núcleo e coda), podemos

lidar com as restrições de marcação expostas em (1).

(1) Restrições de marcação:

a) ONSET sílabas têm onset.

b) NOCODA sílabas não têm coda.

c) CODACOND(ITION) delimita condições para as codas consonantais.

d) = N sílabas são formadas por núcleo.

e) FILL posições silábicas são preenchidas com material segmental3.

3 Temos conhecimento de que a restrição FILL não é mais utilizada nas análises atuais, mas optamos por mencioná-la aqui pelo fato de nos permitir levantar discussão sobre o preenchimento de segmentos.

Page 279: Letras & Letras

Como o português tem uma estrutura silábica que permite onset, inclusive prioriza

o padrão CV, entendemos que a restrição (a) ONSET é profícua e, por isso será alta na

hierarquia dessa língua. É importante ressaltarmos, que, embora pouco produtivas, há

sílabas sem onset, a exemplo de palavras como “âncora” - [ã.ko.ra] e “eleição” -

[e.lej.sãw], que apresentam sílabas iniciais sem onset, e de palavras como “real” -

[xe.aw] e “coar” - [ko.ah], que têm sílabas sem onset no seu interior. No que concerne a

esse último caso, ou seja, sílabas sem onset dentro da palavra, a complicação torna-se

maior porque o português também é pouco produtivo em relação a hiatos, preferindo a

produção de ditongos.

Em relação à posição de coda, o PB permite codas, mas, diferente de outras

línguas, restringe os segmentos consonantais que podem ocupar essa posição,

licenciando apenas líquidas, nasais e a fricativa coronal. Argumentamos, contudo, que

só as líquidas e nasais são permitidas nessa posição, lembrando que a coda nasal não

mais se realiza foneticamente como consoante (“campo” - [kã.p], “ponte” -[põ.ti]) e

que as líquidas estão passando por um processo de enfraquecimento, que tende à

semivocalização e ao apagamento do segmento consonantal em coda, como nos

exemplos “maldade” - [maw.da.de], “mel” - [mw] e “multa” - [mu.ta] da líquida

lateral, e nos exemplos “porta” - [ph.ta], “força” - [fo.sa], “mar” - [mah] e “trator” -

[tra.to] da líquida vibrante. Esses fatos também reforçam a busca pelo padrão CV para

o PB, mas diante das poucas realizações fonéticas da coda consonantal, entendemos que

tanto a restrição (b) NOCODA quanto a restrição (c) CODACOND são utilizadas no

português.

Diante dos dados empíricos sobre as coda no PB, levantamos a proposta de que o

/s/ pós-vocálico se trata, na verdade, de um onset de núcleo foneticamente vazio4, fato

ressalta a importância das restrições (d) e (e). A restrição (d) que propõe que toda sílaba

é formada por núcleo ( = N) será relida por nós para alcançar o nosso objetivo.

Primeiramente, entendemos que não são todas as consoantes que podem sustentar uma

sílaba sem a realização fonética de seu núcleo, argumentamos isso baseados em Harris e

Gussmann (1998); Kaye (1992) e Cardoso e Liakin (2007). Na realidade, é natural que

o núcleo precise ser preenchido (FILLNuc), já que a sílaba é constituída por ele ( = N),

mas precisávamos destacar um caso em que esse fato não ocorresse. Daí, a necessidade

de uma restrição que condicionasse o onset que se faz presente, por isso optamos por

entender = N como * = ONS(ET), ou seja, sílabas não podem ser formadas apenas

por onset, permitindo, assim, o condicionamento do onset, inclusive determinando-o

quanto aos traços que o compõem: * = ONS[CONT., COR., ANT.].

Além das restrições de marcação, as de fidelidade também são fundamentais para

a nossa análise, pois para a TO todo processo linguístico envolve a ação conflitante

entre marcação e fidelidade. E, ainda, segundo Archangeli (1997), as restrições de

fidelidade prezam pela relação fiel entre o input e o output, buscando mostrar a

correspondência intrínseca entre a forma subjacente e a forma ótima que será produzida.

Para melhor ilustrar, destacamos em (2) as restrições de fidelidade relacionadas ao

nosso objeto de estudo.

(2) Restrições de Fidelidade:

f) DEP-IO todo elemento do output é também um elemento do input, ou seja,

evita a inserção de segmentos no output.

4 Para maiores detalhes sobre essa proposta, ver Pedrosa (2009).

Page 280: Letras & Letras

g) MAX-IO todo elemento do input tem um correspondente no output, ou seja,

evita o apagamento de segmentos no output.

h) IDENT-IO segmentos do output e do input são idênticos.

A restrição (f) DEP-IO também precisará de especificações para dar conta do /S/

pós-vocálico. Trataremos especificamente da inserção de segmentos vocálicos (DEP-V),

tornando essa restrição mais profícua para nossa análise do que se utilizássemos a

restrição (h) IDENT-IO, que engloba os conceitos de MAX-IO e DEP-IO ao mesmo

tempo. Destacamos a necessidade de especificar DEP-IO por causa da alta incidência de

inserção de semivogais quando da presença do /S/ pós-vocálico, como em “luz” - [lujs]

e “desde” - [dejzdi], dessa forma, DEP-V dará conta da inserção de vogais sem

restringir a inserção de semivogais.

No caso da restrição (g) MAX-IO, iremos utilizá-la especificando o domínio

prosódico, se sílaba ou palavra fonológica, quando necessário: MAX e MAXPhW. É

importante salientar a distinção entre essa restrição e a restrição FILL, dado que a

primeira evita apagamento e a segunda prevê realização de material segmental. Em tese,

ambas buscam garantir a presença do segmento, mas por caminhos distintos, ou seja, do

não apagamento (MAX-IO) e do preenchimento (FILL). A restrição DEP-IO, que evita a

inserção, é considerada mais abrangente do que a restrição FILL, além de não deixar

material residual, sendo, por isso, preferida a essa nas análises atuais e na nossa

também.

Conhecidas as restrições que faremos uso, podemos partir para a análise do /s/

pós-vocálico sob a perspectiva do ROE (COETZEE, 2004; 2006).

3. Análise do /S/ pós-vocálico sob a perspectiva do ROE

Antes de iniciarmos nossa análise, é importante destacarmos alguns pontos sobre

o ROE (COETZEE, 2004; 2006). Esse fato tornará nossa discussão mais didática.

Ressaltamos que a proposta do ROE defende que o EVAL estabelece um

ordenamento para todos os candidatos através da hierarquia das restrições. Interessante

é que outras propostas da TO conseguiram lidar, ao mexer com o ordenamento das

restrições, com a idéia da variação, mas apenas a ROE consegue também hierarquizar

efetivamente os candidatos considerados variantes.

Assim, ao se pretender fazer uma análise sob essa perspectiva, é pré-requisito

identificar o quadro variável do objeto de estudo e a frequência de uso das variantes,

para então se estabelecer a hierarquia de restrições que propicia o ordenamento dos

candidatos prováveis de acontecer em determinada língua e/ou falar.

Como um de nossos objetivos é estabelecer uma provável hierarquia para a

realização do /S/ pós-vocálico no falar pessoense (HORA, 2003, RIBEIRO, 2006),

indicando não só o candidato ótimo, mas também a ordenação dos demais candidatos

entre si, cabe-nos, então, retomar os dados através do Quadro (2):

Quadro 2 – Ordenamento das Variantes do /s/ Pós-Vocálico no Dialeto Pessoense

VARIANTES

OCORRÊNCIAS/TOTAL PORCENTAGEM

Posição Medial Posição Final Posição Medial Posição Final

[s,z] 6164/9517 4462/7034 65% 65%

[,] 2661/9517 420/7034 28% 5%

[h] 583/9517 434/7034 6% 6%

Page 281: Letras & Letras

[] 109/9517 1718/7034 1% 24%

Diante dos resultados expostos, podemos estabelecer o seguinte ordenamento das

variantes quando levamos em consideração a posição medial: [s,z] – 65% > [,] – 28%

> [h] – 6% > [] – 1%. E, a partir desse ordenamento, propomos a análise exposta no

Tableau (1) para o /S/ pós-vocálico em posição interna à palavra:

Tableau 1 - /s/ Pós-Vocálico na Posição Medial

/desde/ NOCODA-

OBS.

DEP-

V

MAX-

IO *=ONS

[+CONT., -

COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR.,+ANT.]

a. dej.z.di *

b. dej.ʒ.di *

c. dej.h.di *

d. dej.ø.di *

e. dez.de *!

f. dejz.di *!

g. des.de *!

h. dej.zi.di *!

i. dej.ʒi.di *!

Como exposto no Tableau (1), os quatro primeiros candidatos satisfazem as

restrições antes da linha de corte, que separa os outputs non-sense dos candidatos

variantes. E de acordo com a hierarquia das restrições após a linha de corte, é possível

determinar quais os candidatos mais prováveis de serem realizados, estabelecendo

também um ordenamento entre eles.

O candidato (a) [dej.z.di] é o mais provável, já que só viola a última restrição após

a linha de corte (*=ONSET[+cont., +cor., +ant.]), indicando que a consoante alveolar é a mais

propícia a sustentar uma sílaba sem o núcleo.

O candidato (b) [dej.ʒ.di] é o segundo mais provável de ocorrer de acordo com a

frequência de uso exposta no Quadro (2). No entanto, observando os dados discutidos

por Hora (2003), entendemos que no caso especial dos candidatos que têm a sílaba

seguinte iniciando pelas oclusivas dentais /t/ e /d/, como o item /desde/ analisado, a

consoante palatal torna-se a variante mais profícua, chegando a um índice quase

categórico de uso. Esse fato nos faz repensar, primeiramente, na hierarquia das

restrições e em uma provável mudança de análise, mas observando os dados

cuidadosamente e levando em consideração que as variantes [s,z] e [h], mesmo em

menor frequência, também ocorrem nesse contexto, acreditamos que, principalmente no

caso do item lexical analisado, tratar-se de difusão lexical.

Outro argumento que pode ser levantado é o fato de o traço coronal ser ambiente

propício à palatalização e, por isso, as consoantes /t/ e /d/ favorecerem a variante palato-

alveolar. Isso nos leva a concluir que a porta de entrada para uma maior frequência da

variante palato-alveolar nesse falar é o contexto coronal, consequentemente caberia a

ele iniciar o processo de variação, que depois poderia assumir outros ambientes e tornar-

se mais frequente.

Apesar de o item lexical ‘mesmo’ ser o único a propiciar o apagamento do /S/

pós-vocálico, a linha de corte está antes de MAX-IO porque acreditamos não ser uma

característica individual e, sim, da comunidade analisada. Sabemos que posição interna

Page 282: Letras & Letras

é mais resistente a apagamentos e inserções e concordamos com isso, mas não podemos

deixar de observar a tendência ao aumento da frequência de apagamento em situações

informais nessa comunidade de fala, inclusive com outros itens, a exemplo de

[dej..de].

Passando à frequência das variantes na posição final de palavra, temos o seguinte

ordenamento: [s,z] – 65% > [] – 24% > [h] – 6% > [,] – 5%, o que nos dá a

hierarquia expressa no Tableau (2).

Tableau 2 - /s/ Pós-Vocálico na Posição Final

/luz/ NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=ONS

[+CONT.,

+COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT., -

COR., -ANT.]

MAX-

IO *=ONS

[+CONT.,

+COR.,+ANT.]

a. luj.s *

b. luj.ø *

c. luj.h *

d. luj. *

e. lus *!

f. lujs *!

g. luj.zi *!

Assim como na posição medial, a variante alveolar é a mais frequente, por isso

[luj.s] é o melhor candidato, violando apenas a última restrição (*=ONS[+CONT., +COR,

+ANT.]) após a linha de corte.

O segundo candidato é o que apresenta o apagamento [luj.ø], daí a restrição

MAX-IO não poder ser a restrição primeira após a linha de corte. Se compararmos a

hierarquia das restrições para a posição medial e final, constataremos que as restrições

*=ONSET[+cont., +cor., -ant.] e MAX-IO trocam de lugar para poder da conta do

ordenamento dos candidatos. Fato que será melhor discutido, quando analisarmos o /S/

pós-vocálico tanto na posição medial quanto final em um único item lexical.

Como a frequência da consoante aspirada é menor do que a da alveolar e do

apagamento, (c) [luj.h] é o terceiro candidato a ser selecionado na posição final. E,

assim como a fricativa alveolar, a aspirada mostra possuir o mesmo comportamento,

independentemente da posição que ocupa na palavra.

O candidato (g) [luj.zi], apesar de ter sido descartado, merece uma reflexão. Esse

candidato mostra o preenchimento do núcleo da sílaba que antes era sustentada apenas

pelo onset fricativo coronal. Nos dados de Ribeiro (2006) não foi observado nenhum

caso de preenchimento do núcleo na posição final, mas há dados de aquisição que

demonstram a possibilidade de ocorrência desse candidato.

Mezzomo (LAMPRECHT, 2004), ao analisar dados de aquisição do PB como L1,

encontra 10,68% de casos de preenchimento do núcleo, estratégia de reparo que

denomina epêntese, já que considera o /S/ pós-vocálico uma coda. Os dados de Lucena

(2007) mostram que até mesmo na aquisição de LE por falantes do PB a epêntese é

utilizada, buscando aproximar a fonotática entres essas línguas, e que as consoantes

fricativas (.41) e a posição final (.70) são uns dos fatores que mais propiciam essa

estratégia de reparo. Por fim, destacamos que os dados sobre leitura e escrita do /S/ pós-

vocálico (PEDROSA, LUCENA, HORA, 2007) revelaram a ocorrência de três casos de

preenchimento do núcleo, todos relacionados ao item lexical “mês”.

Page 283: Letras & Letras

Esses resultados nos levam a acreditar em uma tendência ao preenchimento do

núcleo final e na consequente mudança da restrição DEP-VPhW 5 para depois da linha de

corte, incluindo os candidatos com o núcleo final preenchido no quadro de variantes,

como mostra o Tableau (3).

Tableau 3 - /s/ Pós-Vocálico na Posição Final

/mes/ NOCODA-

OBS.

DEP-

VPhW *=ONS

[+CONT.,

+COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT., -

COR., -ANT.]

MAX-

IO *=ONS

[+CONT.,

+COR.,+ANT.]

a.mej.s *

b.mej.ø *

c.mej.h *

d.mej.Ʒ *

e.mej.zi *

f. mes *!

g. mejs *!

Reforçamos que apenas um trabalho futuro, observando o quadro variável vigente,

poderá definir se tanto DEP-VPhW como DEP-V irão de fato para depois da linha de

corte. As ocorrências, mesmo poucas, de preenchimento do núcleo na posição final nos

dão indícios da mudança da primeira restrição, diferente da segunda, pois se por um

lado temos dados como af[i]ta, que nos levam a acreditar na possibilidade de

preenchimento medial, por outro, temos dados atuais que corroboram a maior

resistência a apagamentos e preenchimentos nessa posição.

Após a discussão do /S/ pós-vocálico nas posições medial e final em itens lexicais

distintos, podemos passar à análise de um único item lexical que contemple as duas

posições. Primeiramente, unimos as frequência de uso das variantes nessas posições e

obtivemos o seguinte ordenamento: [s,z] – 65% > [,]MEDIAL – 28% > []FINAL – 24%

> [h] – 6% > [,]FINAL – 5% > []MEDIAL – 1%. De posse desse ordenamento, foi

possível, então, estabelecer a hierarquia exposta no Tableau (4).

5 Para dar conta dos candidatos, a restrição DEP – V precisou ser especificada quanto ao domínio prosódico: DEP-

VPhW (para palavra fonológica) e DEP-V (para sílaba).

Page 284: Letras & Letras

Tableau 4 - /s/ Pós-Vocálico nas Posições Medial e Final

/kuskus/ NO

CODA

-OBS

NO

CODA

-OBS

PhW

DEP

-V

DEP

-V

PhW

MAX

-IO

*=O

[+CONT.,

+COR.,

-ANT.]

PhW

*=O

[+CONT.,

-COR.,

-ANT.]

MAX

-IO

PhW

*=O

[+CONT.,

+COR.,

-ANT.]

*=O

[+CONT.,

+COR.,

+ANT.]

a.ku.s.kuj.s **

b.ku.ʃ.kuj.s * *

c.ku.s.kuj.ø * *

d.ku.h.kuj.s * *

e.ku.h.kuj.h **

f.ku.ʃ.kuj.ʃ * *

g.ku.ø.kuj.ʃ * *

h.kus.kus *! *

i.kujs.kujs *! *

j.kuj.s.kujs *!

k.kuj.si.kujs *! *

l.ku.si.kujs *! *

m.ku.si.kuj.si *! *

n.ku.s.kuj.si *!

Diante de termos /S/ pós-vocálico tanto na posição medial quanto na final,

algumas restrições precisaram ser especificadas quanto ao domínio de aplicação, se na

sílaba () ou na palavra fonológica (PhW). Além desse fato, observamos que teremos

um inventário bem maior de variantes, já que teremos a combinação entre as posições e

as variantes.

Segundo os resultados do /S/ pós-vocálico em separado, as variantes [s,z] e [h]

apresentam a mesma freqüência independendo da posição medial ou final, 65% e 6%,

respectivamente. Já as variantes [ʃ,ʒ] e [ø] têm freqüência inversa, dependendo da

posição medial ou final: 28% e 5% para [ʃ,ʒ] e 1% e 24% para [ø], respectivamente. Por

isso, apenas as restrições *=O[+cont.,+cor.,-ant.] e MAX-IO localizadas após a linha de corte

necessitam de especificação quanto ao domínio prosódico de aplicação.

Observamos no Tableau (4) que os candidatos (k), (l), (m) e (n), que apresentam o

preenchimento do núcleo ora na posição medial ora na final, violam fatalmente a

restrição DEP-V, especificada quanto ao domínio de aplicação. Os candidatos (h), (i), (j)

violam a restrição NOCODA-OBS, que também foi especificada por domínio.

O candidato (a) [ku.s.kuj.s] é considerado o melhor, por possuir a variante mais

frequente [s] nas posições medial e final. Já o candidato (g) [ku.ø.kuj.ʃ] seria o

candidato menos acessado, pois apresenta as variantes menos frequentes tanto na

posição medial [ø] quanto na final [ʃ].

Entendemos que o Tableau (4) não apresenta todas as possíveis combinações entre

as variantes, mas as restrições conseguem dar conta de todas as possibilidades e,

consequentemente, estabelecer o ordenamento adequado para cada candidato que

precise ser analisado no dialeto Pessoense.

Cumprido nosso propósito primeiro, passaremos a analisar os outros dialetos

descritos, buscando determinar a hierarquia das restrições para cada um deles.

Page 285: Letras & Letras

Retomando, primeiramente, os resultados de Brescancini (2002) sobre o dialeto de

Florianópolis, é possível estabelecer o seguinte ordenamento para as variantes: [,] –

82% > [s,z] – 12% > [] – 5% > [h] – 1%. E pelo fato de esse ordenamento ser o

mesmo para a posição medial e final de palavra, uma única hierarquia de restrições é

capaz de dar conta do /S/ pós-vocálico independente da posição ocupada, como

comprovamos no Tableau (5).

Tableau 5 - /s/ Pós-Vocálico no dialeto de Florianópolis

/mezmo/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=Ons

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

MAX-

IO

*=Ons

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

*=Ons

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.me..mo *

b.me.z.mo *

c.me.ø.mo *

d.me.h.mo *

e.me.zi.mo *!

f. mez.mo *!

/majs/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=ONS

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

MAX-

IO

*=ONS

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.maj. *

b.maj.s *

c.maj. ø *

d.maj.h *

e.maj.zi *!

f. majs *!

A hierarquia para o dialeto de Florianópolis traz a predominância da variante

palato-alveolar, selecionando os candidatos [me..mo] e [maj.] como os melhores. É

importante ressaltarmos que a distância entre a variante palatal e a alveolar é bem

significativa, mostrando um comportamento inverso ao do dialeto Pessoense, quando

observada a posição medial.

Passemos aos dados de Callou, Leite e Moraes (2002), que mostram que das cinco

capitais estudadas (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador), apenas

o falar soteropolitano não possui o mesmo ordenamento de variantes para a posição

medial e a final de palavra, como podemos observar no Quadro (1).

Começando a nossa observação pelo Rio de Janeiro, constatamos que a freqüência

de uso das variantes é a seguinte: [,] – 90% e 75% > [h] – 6% e 10% > [] – 2% e

8% > [s,z] – 1% e 8%, nas posições medial e final, respectivamente. Esse ordenamento

resulta em uma hierarquia semelhante para as posições medial e final, como pode ser

comprovado no Tableau (6).

Page 286: Letras & Letras

Tableau 6 - /s/ Pós-Vocálico no dialeto do Rio de Janeiro

/mezmo/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=Ons

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

MAX-

IO

*=Ons

[+CONT.,

-COR.,-ANT.]

*=Ons

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.me.Ʒ.mo *

b.me.h.mo *

c.me.ø.mo *

d.me.z.mo *

e.me.zi.mo *!

f. mez.mo *!

/majs/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=ONS

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

MAX-

IO

*=ONS

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.maj. *

b.maj.h *

c.maj.ø *

d.maj.s *

e.maj.zi *!

f. majs *!

Percebemos que, à semelhança do dialeto de Florianópolis, o dialeto carioca

apresenta a variante palatal como a mais frequente. No entanto, diferente do primeiro, a

variante aspirada é a segunda mais frequente e a variante alveolar, a menos produtiva.

O falar de São Paulo, por sua vez, apresenta o seguinte ordenamento: [s,z] – 88%

e 91% > [,] – 9% e 5% > [] – 3% > [h] – 0%. Vale salientar que as variantes zero e

aspirada têm a mesma frequência nas posições medial e final. Diante do único

ordenamento, a mesma hierarquia de restrições pode ser observada para o /S/ pós-

vocálico medial e final, como explicita o Tableau (7).

Page 287: Letras & Letras

Tableau 7 - /s/ Pós-Vocálico no dialeto de São Paulo

/mezmo/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=Ons

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

MAX-

IO

*=Ons

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

*=Ons

[+CONT.,

+COR.,+ANT.]

a.me.z.mo *

b.me..mo *

c.me.ø.mo *

d.me.h.mo *

e.me.zi.mo *!

f. mez.mo *!

/majs/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V *=ONS

[+CONT.,

-COR.,-ANT.]

MAX-

IO

*=ONS

[+CONT.,

+COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR.,+ANT.]

a.maj.s *

b.maj. *

c.maj.ø *

d.maj.h *

e.maj.zi *!

f. majs *!

Salientamos que a frequência de 0% do [h] não implica categoricidade. Na

realidade, indica um número muito pequeno de ocorrência que, comparado às demais

variantes, torna-se “nulo”, por isso entendermos que a restrição *=ONS[+CONT.,-COR.,-ANT.]

permanece após a linha de corte. E, por ser a restrição mais alta após a linha de corte,

indica que os candidatos [me.h.mo] e [maj.h] são os menos prováveis de serem

selecionados pelo EVAL.

A frequência das variantes em Porto Alegre nos revela o mesmo ordenamento do

dialeto de São Paulo: [s,z] – 77% e 96% > [,] – 23% e 2% > [] – 0% e 1% > [h] –

0%, diferindo apenas no fato de que a variante aspirada é a única a possuir a mesma

frequência para as duas posições. Diante dessa semelhança para os dois falares, também

utilizaremos o Tableau (7) para explicitar o comportamento do /S/ pós-vocálico em

Porto Alegre, destacando mais uma vez que a restrição *=ONS[+CONT.,-COR.,-ANT.] também

virá após a linha de corte.

Em Recife, a frequência das variantes para a posição medial e para a final é a

seguinte: [,] – 84% e 54% > [s,z] – 10% e 34% > [h] – 5% e 7% > [] – 2% e 5%,

revelando mais uma vez a variante palatal como a mais frequente.

Se compararmos, atentamente, os resultados de Recife e Florianópolis,

observaremos que esses dialetos só se distinguem na ordem das variantes [h] e [], que

apresentam comportamento inverso. O Tableau (8), que expõe a hierarquia das

restrições para Recife, corrobora a semelhança.

Page 288: Letras & Letras

Tableau 8 - /s/ Pós-Vocálico no dialeto de Recife

/mezmo/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V

MAX-

IO

*=Ons

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

*=Ons

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

*=Ons

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.me..mo *

b.me.z.mo *

c.me.h.mo *

d.me.ø.mo *

e.me.zi.mo *!

f. mez.mo *!

/majs/

NOCODA-

OBS.

DEP-

V

MAX-

IO *=ONS

[+CONT.,

-COR., -ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR., +ANT.]

*=ONS

[+CONT.,

+COR.,-ANT.]

a.maj. *

b.maj.s *

c.maj.h *

d.maj.ø *

e.maj.zi *!

f. majs *!

Para finalizar, reforçamos que, assim como para João Pessoa, o falar de Salvador

apresenta ordenamentos distintos para a posição medial: [,] – 56% > [s,z] – 39% >

[h] – 4% > [] – 1%, e a final: [s,z] – 51% > [,] – 31% > [h] – 9% > [] – 9%. Por

isso, é necessário unir as frequências para obter uma hierarquia capaz de dar conta de

itens lexicais que possuam o /S/ pós-vocálico em posição medial e final de palavra.

O Tableau (9) apresenta a hierarquia das restrições com base no ordenamento

conjunto das variantes: [,]MEDIAL – 56% > [s,z] – 39% e 51% > [,]FINAL – 31% > [h]

– 4% e 9% > [] – 1% e 9%.

Page 289: Letras & Letras

Tableau 9 - /s/ Pós-Vocálico nas Posições Medial e Final no Dialeto de Salvador

/kuskus/ NO

CODA

-OBS

NO

CODA

-OBS

PhW

DEP

-V

DEP

-V

PhW

MAX

-IO *=O

[+CONT.,

-COR.,

-ANT.]

*=O

[+CONT.,

+COR.,

-ANT.]

PhW

*=O

[+CONT.,

+COR.,

+ANT.]

*=O

[+CONT.,

+COR.,

-ANT.]

a.ku. ʃ.kuj.s * *

b.ku. ʃ.kuj.ʃ * *

c.ku. ʃ.kuj.h * *

d.ku. ʃ.kuj. * *

h.kus.kus *! *

i.kujs.kujs *! *

j.kuj.s.kujs *!

k.kuj.si.kujs *! *

l.ku.si.kuj.si *! *

m.ku.s.kuj.si *!

De todos os falares observados, pudemos perceber que o pessoense é o que

apresenta um comportamento mais distinto entre as posições medial e final, casando

com a proposta de uma maior preservação da posição medial. Isso nos faz pensar que

somos coerentes ao argumentar que devemos considerar o /S/ pós-vocálico no PB como

onset de núcleo foneticamente vazio em qualquer que seja a posição que ocupe na

palavra, como também ao concluir que a diferença de comportamento nas posições se

deve a questões referentes às especificações do domínio da sílaba e da palavra

fonológica.

4 Considerações finais

Os dados de variação presentes em Callou, Leite e Moraes (2002), Brescancini

(2002), Hora (2003) e Ribeiro (2006), permitiram-nos analisar o /S/ pós-vocálico sob a

perspectiva teórica do ROE (COETZEE, 2004; 2006). Acreditamos, portanto, que a

partir dessa proposta nos foi possível dar um tratamento formalista coerente sem

descartar o aspecto variável presente nos dados.

Para darmos início ao nosso propósito, retomamos as frequências de uso das

variantes nos trabalhos mencionados, permitindo-nos estabelecer os ordenamentos das

variantes do /S/ pós-vocálico para a posição medial e final de palavra. Em alguns casos,

a exemplo dos falares de João Pessoa e de Salvador, foi necessário unir os

ordenamentos distintos para cada posição em um único ordenamento, a fim de

contemplar itens lexicais que possuem o /S/ pós-vocálico nas duas posições.

Visitamos, na literatura pertinente, as restrições mais importantes para lidar com

a sílaba, destacando aquelas que seriam utilizadas, de fato, por nós: NOCODA-OBS, DEP-

V, MAX-IO E*=O[CONT.,COR.,ANT.], em nossa análise.

De posse das restrições, efetuamos a análise. Iniciamos pelo falar paraibano e

propusemos, com base no ordenamento das variantes, uma hierarquia de restrições que

pudesse dar conta do fenômeno estudado. Foram estabelecidas hierarquias para cada

Page 290: Letras & Letras

posição do /S/ pós-vocálico na palavra e, em seguida, uma única hierarquia, para tratar

de itens lexicais que contemplassem as duas posições.

Procedemos da mesma maneira em relação aos demais falares (Florianópolis, Rio

de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador), o que nos permitiu estabelecer

semelhanças e diferenças entre eles.

Conseguimos com isso, demonstrar que os falares possuem uma hierarquia

própria para o mesmo inventário de restrições. E, com isso, comprovamos que é

possível, com o ROE, dar conta dos processos variáveis ao estabelecermos

ordenamentos e hierarquias próprios a cada falar e guardar o aspecto variável sem

deixar de lado a universalidade que os mantém sob a denominação de Português

Brasileiro.

TITULO EM INGLÊS Post-vocalic coronal fricatives: description and analysis

Abstract The coronal fricatives in Brazilian Portuguese (BP) in post-vocalic position, as in

‘pa/S/ta, me/S/mo, doi/S/ and mai/S/’ have been studied by numerous researchers in

different regions of Brazil. What we observe, in general, is that their variable use

implies, mainly, the presence of alveolar variants as opposed to alveopalatal variants, as

well as the other variant use, such as the phonetic zero and aspirated ones. This article

has two main focuses: (a) descriptive studies concerning the behavior of this variable in

BP, in different dialects, based on variationist studies, and (b) a theoretical analysis

based on Optimality Theory (OT), using the proposed Rank-ordering Model of EVAL-

ROE (COETZEE, 2004, 2006).

Keywords

Coronal fricatives; variation; Optimality Theory; Rank–ordering Model of EVAL.

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Page 293: Letras & Letras

A EPÊNTESE NA PRODUÇÃO DE PLOSIVAS EM CODAS MEDIAIS DO

PORTUGUÊS BRASILEIRO POR COLOMBIANOS: UMA ABORDAGEM

COM BASE EM RESTRIÇÕES

Carmen Lúcia MATZENAUER

Formação: Doutor

Universidade Católica de Pelotas/UCPEL

E-mail: [email protected]

Ubiratã Kickhöfel ALVES

Formação: Doutor

Universidade Federal do Rio Grande do SUL/UFRGS

E-mail: [email protected]

Roberta Quintanilha AZEVEDO

Formação: Doutoranda

Universidade Católica de Pelotas/UCPEL

E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo tem por objetivo, à luz do algoritmo de aprendizagem vinculado ao modelo

formal da Teoria da Otimidade Estocástica – OT (BOERSMA & HAYES, 2001),

descrever e analisar a produção da epêntese vocálica após plosivas em codas mediais de

palavras, por parte de aprendizes de Português Brasileiro, que são falantes nativos de

Espanhol (colombianos). Para a constituição do corpus, foi proposto um instrumento

composto de palavras cognatas do Português e do Espanhol para a leitura em frases

veículo, gravadas no Programa AUDACITY 1.3.5 (ANSI). Foram escolhidos, para este

trabalho, quatro estudantes colombianos que permaneceram no Brasil por um período

médio de seis meses, em mobilidade acadêmica no Sul do Brasil, com o cuidado de

serem homogeneizados fatores extralinguísticos, como sexo, idade e nível de

escolaridade. Foi confirmada a hipótese de que, mesmo em palavras cognatas nas duas

línguas analisadas, há diferente tratamento às plosivas em coda, dependendo do sistema

linguístico que está sendo utilizado pelo falante de Espanhol aprendiz de PB. Tal fato

foi captado, à luz da OT Estocástica, via hierarquia de restrições universais.

Palavras-chave:

Epêntese Vocálica; Restrições Universais; Teoria da Otimidade Estocástica

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, procuramos estabelecer qual seria a tendência de um falante de

Espanhol Colombiano adquirindo Português, diante de palavras cognatas nas duas

línguas, em um contexto de plosivas em codas mediais de palavras. A hipótese é a de

que os sujeitos aplicarão o processo de epêntese, assim como nós, brasileiros, por

mostrar-se processo prevalente na gramática em aquisição, ainda que possa ser variável

Page 294: Letras & Letras

na língua-alvo, em tal contexto fonológico. Trataremos a epêntese como um processo

fonológico caracterizado pela inserção de um som vocálico no output das palavras, som

esse não presente no input. Tal fenômeno vai servir para tornar menos marcada a

estrutura silábica de uma dada língua, como podemos perceber em palavras como

et[i]nia e ac[i]ne, no Português Brasileiro.

Para verificar a hipótese suscitada de que os estudantes recorrerão à epêntese na

produção das palavras selecionadas, foram gravadas produções de quatro sujeitos

colombianos que estiveram na cidade de Pelotas (RS/Brasil) realizando intercâmbio por

um período médio de seis meses. Eles foram submetidos a uma tarefa de leitura de

sequências recorrentes que continham o contexto fonológico para o aparecimento do

fenômeno da epêntese no Português Brasileiro. Após a verificação acústica, os dados

gravados foram dispostos para análise através da Teoria da Otimidade Estocástica

(BOERSMA & HAYES, 2001), visando a verificar se tal modelo teórico se mostra

capaz de formalizar o fenômeno levantado.

A fim de atender ao nosso objetivo geral de, à luz da OT Estocástica, descrever e

analisar a produção da epêntese vocálica num contexto de plosivas em codas mediais de

palavras, por parte de aprendizes de Português Brasileiro, que são falantes nativos de

Espanhol (colombianos), apresentamos as Questões Norteadoras que guiaram a análise:

1 – A epêntese vocálica que ocorre no PB, entre as sequências de segmentos /pt,

pn, kt, kn, tn/, em codas medias de palavras, será produzida por aprendizes colombianos

de PB, cuja L1 admite segmentos plosivos em coda?

2 – No que diz respeito à análise à luz da Teoria da Otimidade Estocástica, quais

restrições serão relevantes para o processo de aquisição dos padrões silábicos do PB

como L2, por parte de falantes do Espanhol Colombiano?

3 – O algoritmo consegue convergir em gramáticas que reflitam os dados de

aquisição?

A seguir, abordamos os pressupostos teóricos que fornecem subsídios e suporte ao

desenvolvimento do trabalho, bem como realizamos a análise desse fenômeno com base

no modelo teórico da OT Estocástica.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Pressupostos da OT Estocástica e do Algoritmo de Aprendizagem Gradual

A Teoria da Otimidade Estocástica (BOERSMA & HAYES, 2001) apresenta

restrições distribuídas em uma escala numérica hierarquizada. Assim, na OT

Estocástica, a hierarquia é estabelecida a partir desses índices numéricos que são

atribuídos às restrições.

As restrições podem ser entendidas como exigências para que se alterem ou

preservem estruturas que podem ou não ser violadas. De acordo com McCarthy (2002,

p.13), as restrições são de dois tipos: (a) Marcação – que devem impor exigências na

formação estrutural de output, ou seja, levam a outputs menos marcados. Exs.: As

sílabas têm de ser abertas (No-Coda), oposição à consoante plosiva em coda (*Stop-

Coda) e (b) Fidelidade - que devem garantir que as formas ótimas de output sejam as

mais semelhantes possível ao input recebido, conspirando contra qualquer tipo de

Page 295: Letras & Letras

mudança. Ex.: oposição à adição de segmento no output (DEP), oposição ao

apagamento de um segmento no output (MAX).

O tableau a seguir, que apresenta restrições hierarquizadas por relações de

dominância, e os outputs possíveis a partir da forma subjacente, representam esse

modelo:

Tableau 1 - Exemplo de tableau no Modelo da OT Estocástica

Output/

Restrições

(40)

Restrição A

(30)

Restrição B

(15)

Restrição C

[output 1] *! *

[output 2] ***

No exemplo 1, o candidato “1” foi eliminado, pois violou a restrição que, em

função dos valores numéricos a ela atribuídos por meio do algoritmo de aprendizagem

associado ao modelo (OT-GLA), se encontra mais altamente ranqueada, deixando para

o candidato “2” o status de candidato ótimo, já que viola uma restrição mais baixa no

ranking e obedece à restrição mais altamente ranqueada, mesmo que tenha em seu

histórico três violações à Restrição B. Isso quer dizer, também, que a Restrição A

domina as Restrições B e C (RA>>RB>>RC).

Na análise via OT Estocástica, podemos, ainda, com o mesmo sistema de análise,

ou seja, com as mesmas restrições, demonstrar a trajetória percorrida na aquisição da

língua materna ou estrangeira. A relação entre os estágios desenvolvimentais é, nesse

modelo, representada pelo deslocamento contínuo das restrições. Tal movimentação é

tarefa do algoritmo de aprendizagem vinculado ao modelo, que tem a responsabilidade

de guiar o sistema linguístico do aprendiz, demovendo ou promovendo as restrições. O

referido algoritmo, a ser utilizado na presente análise, serve para dar conta da variação

apresentada pelos aprendizes, bem como da gradualidade apresentada no processo de

aquisição da língua.

O algoritmo OT-GLA é sensível aos erros do aprendiz, sendo, portanto, do tipo

error-driven. Dessa forma, vai alterar o valor numérico das restrições quando o output

da sua gramática se mostrar diferente do padrão encontrado na linguagem ambiente

(erro). Esse índice de alteração se dá em função de um valor de plasticidade1 que é

adotado pelo algoritmo. Assim, para a atribuição dos valores numéricos das restrições, o

algoritmo vai diminuir (demover) o valor numérico das restrições que são violadas pelas

formas encontradas de produção e vai aumentar (promover) o valor das restrições

violadas pelo output “errado”, na hierarquia de restrições vigente.

Sob tal algoritmo, cada restrição apresentará, na verdade, dois valores numéricos:

o valor que corresponde ao ponto central da faixa de valores - valor central ou valor de

ranqueamento (ranking value) – e, o ponto de seleção, que é um valor assumido dentro

da faixa de valores, que corresponde ao valor exibido, no momento de avaliação dos

candidatos. É, ainda, através dos valores centrais das Restrições, que este algoritmo vai

representar outputs variáveis ou categóricos. Valores centrais bem afastados, ou seja,

valores com distância superior a 10 pontos entre os valores da Restrição DEP e as

demais Restrições dadas, representam a ocorrência de um output categórico, pois

diferentes momentos de produção linguística, não causarão cruzamento na faixa de

valores destas Restrições. Esse algoritmo é disponibilizado no software PRAAT, e serve

1 Plasticidade é um valor numérico através do qual o algoritmo vai ajustar o ranking das restrições. Esse valor é fornecido durante a simulação computacional, através da função Learn do PRAAT.

Page 296: Letras & Letras

para expressar o processo de aquisição e as possíveis variações do output, conforme

podemos verificar no exemplo a seguir.

4950 52 55

Ex.: 45 55 50 60

Através do exemplo acima, evidenciamos duas Restrições com valores centrais

diferentes, porém próximos. O valor de ruído produzido pelo algoritmo deve dar conta

de tal fato, garantindo que, numa faixa estabelecida de 10 pontos (exemplos acima

Restrição 1 = 45 a 55 e Restrição 2 = 50 a 60), o ponto de seleção varie, permitindo que

ora R1 esteja acima, ora R2 esteja acima na hierarquia, o que vai garantir que tenhamos

variação.

No que diz respeito ao processo de epêntese, que constitui o fenômeno fonológico

com que estamos trabalhando, será necessário compreendermos, sobretudo, a estrutura

da sílaba dos idiomas em foco (Português Brasileiro e Espanhol). No Português

Brasileiro, os segmentos plosivos não são permitidos em coda de sílaba, diferentemente

do que ocorre no Espanhol, que permite2 essa sequência na estrutura de uma sílaba.

Dessa forma, retomando os módulos da OT Estocástica, vamos ver que o que vai

distinguir o sistema linguístico do Português Brasileiro para o Espanhol são as

hierarquias das restrições, que vão caracterizar os sistemas, dando a cada um a sua

especificidade.

2. A ANÁLISE DOS DADOS

2.1. Descrição dos Dados e Formalização das Restrições

Antes de iniciarmos a reflexão sobre as restrições, adiantamos que, para os grupos

de sequências heterossilábicas de segmentos [p.n - apneia, k.n - acne, t.n - etnia, p.t -

rapto, k.t - cacto] a serem analisados, trabalhamos com a hipótese de que o contato

silábico está influindo na epêntese pelos aprendizes de Português Brasileiro. Logo, a

tabela dos dados abaixo, bem como a discussão das restrições que segue, refletem essa

ideia.

Tabela 1 – Produção das sequências [p.n, k.n, t.n, p.t, k.t] no EC (L1)

Consoante em coda Epêntese Apagamento

Consoante em coda Epêntese Apagamento total

[k.n, p.n, t.n] [ki.n, pi.n, ti.n] [ᴓ.n]

100% 0 0

Consoante em coda Epêntese Apagamento total

[k.t, p.t] [ki.t, pi.t] [ᴓ.t]

100% 0 0

2 Em função do Fenômeno de Afrouxamento de Condição de Coda (BISOL, 1999), codas mediais com plosivas

podem vir a ser produzidas variavelmente no português brasileiro. Entretanto, conforme será visto na seção seguinte, para fins desta análise, uma vez que não contamos com um corpus em Português Brasileiro da região em que foi realizado o estudo, assumiremos, para fins teóricos, que o alvo da aquisição corresponde a 100% da epêntese.

R

1

R

2

Page 297: Letras & Letras

Tabela 21 - Produção das sequências [p.n, k.n, t.n, p.t, k.t] no PB (L2)

Consoante em coda Epêntese Apagamento

Consoante em coda Epêntese Apagamento total

[k.n, p.n, t.n] [ki.n, pi.n, ti.n] [ᴓ.n]

86,52% 13,48% 0

Consoante em coda Epêntese Apagamento total

[k.t, p.t] [ki.t, pi.t] [ᴓ.t]

98,96% 1,04% 0

A Tabela 1, referente às produções dos nossos informantes de palavras na sua

língua materna, serve para confirmar que, no Espanhol Colombiano, para uma situação

de plosiva em posição de coda medial, não teremos epêntese. Já na Tabela 2, que se

refere às produções por parte dos falantes nativos de Espanhol Colombiano em palavras

no Português Brasileiro, os dados se apresentam diferentes, uma vez que há a produção,

em caráter variável, de vogais epentéticas.

Conforme já explicitado, nossa análise nos levou a crer que contato silábico

estaria influindo nas produções com epêntese dos informantes, nas produções em

Português. As sequências neste sentido, consideradas mais marcadas, ([k.n, p.n, t.n] –

segmento plosivo em coda seguido de nasal) apresentaram, nas produções em

Português, maior número de epêntese (13,48%), com relação às sequências

consideradas menos marcadas ([k.t, p.t] – plateau de sonoridade, ou o encontro de duas

consoantes plosivas – 1,04%). Assim, para a formalização das Restrições que comporão

nossa análise, consideramos este fenômeno.

No que diz respeito às Restrições de Fidelidade, devemos estabelecer restrições

que busquem a preservação do input. Para o caso ora posto, de plosiva em posição de

coda medial de palavra, argumentamos que as restrições de fidelidade DEP e MAX

(McCARTHY e PRINCE, 1995) conseguem dar conta dos padrões encontrados. No que

se refere às restrições de Marcação, a primeira decisão tomada foi a da utilização do

Mecanismo de Alinhamento Harmônico (HA) de Prince & Smolensky (1993), que

associa elementos da escala de sonoridade a posições silábicas, favorecendo, portanto,

elementos de mais alta sonoridade em coda, pois esse mecanismo propiciará um

conjunto de restrições que pode mostrar quais segmentos se apresentam mais aptos a

ocorrer em coda silábica a partir de uma escala linguística.

Quanto às restrições de Contato Silábico, que vão servir para dar conta da

influência da sonoridade causada pelo onset da próxima sílaba na inserção de epêntese

nos nossos dados, baseamo-nos no Mecanismo de Alinhamento Relacional de

Gouskova (2004), que vai combinar a escala de sonoridade de coda com a de onset,

determinando quais distâncias são mais marcadas entre os segmentos heterossilábicos

que propomos para este estudo. Gouskova (2004) vai transformar em índices numéricos

as diferenças de sonoridade entre coda e onset da sílaba seguinte, uma vez que, em

termos de contato silábico, é melhor termos uma redução do valor do segmento da coda

para o onset da próxima sílaba. Basicamente, é um esquema de Distância de Sonoridade

entre duas consoantes (*DISTANCE), onde *Dist (0) >> *Dist (-1) >> *Dist (-2), já

que, nesse caso, quanto maior a queda de sonoridade, mais harmônica é a distância. Em

outras palavras, é melhor termos um encontro [k.t] do que um [k.n], ou um encontro

[p.t] a um [p.n]. Gouskova (2004) não sugere relações de estringência, mas um ranking

fixo entre tais restrições. Em nossa análise, ao seguirmos Alves (2008), pensamos, para

esta e as demais restrições utilizadas, numa organização que trabalhe esta relação em

estringência, para que possamos demonstrar as relações de marcação existentes entre os

Page 298: Letras & Letras

membros de uma escala sem a estipulação extrínseca de um ranking fixo ao algoritmo,

formalizando a ordem de aquisição de cada um desses membros.

Acrescemos ainda aos nossos candidatos a output as sequências [s.n] e [s.t], que,

no PB, não são passíveis de epêntese, e procuramos diferenciá-las das sequências

heterossilábicas [p.t, k.t] e [p.n, k.n, t.n], através da ação de restrições conjuntas e de

restrições de proibição a plosivas em coda, que construímos para se oporem apenas às

sequências com tais segmentos em final de sílaba. No que segue, demonstramos as

restrições de Fidelidade e Marcação formalizadas para a análise.

RESTRIÇÕES DE FIDELIDADE MAX e DEP

RESTRIÇÕES DE MARCAÇÃO

*Dist {+3}, *Dist {+3, +2}, *Dist {+3, +2, +1}, *Dist {+3, +2, +1, 0}, *Dist {+3, +2,

+1, 0, -1}, *Dist {+3, +2, +1, 0, -1, -2}, *Dist {+3, +2, +1, 0, -1, -2, -3}, *{stop}coda,

*{stop, fric}coda, *{stop, fric, nas}coda, *{stop, fric, nas, liq}coda, *{stop, fric, nas, liq,

glide}coda, *Dist {1, 0} & *{stop}coda e *Dist {1} & *{stop}coda.

2.2 A simulação computacional dos dados de aquisição

Ao considerarmos que o primeiro estágio de aquisição da L2 é o sistema da L1, as

simulações precisam expressar, primeiramente, a aquisição da língua materna. Assim,

foi necessário verificar se o algoritmo seria capaz de convergir na L1 dos aprendizes,

que caracteriza um caso de produção categórica, de 100% de plosiva em coda (Espanhol

Colombiano), bem como na língua estrangeira, que apresenta 100% de produção da

epêntese vocálica (Português Brasileiro). A partir daí, pudemos verificar o estágio

desenvolvimental dos aprendizes colombianos em direção ao alvo (aquisição do PB),

com as produções da vogal epentética ocorrendo variavelmente. Por essa razão é que

trabalhamos sempre com três diferentes simulações para cada algoritmo:

- Simulação 1 – Aquisição do sistema do Espanhol Colombiano (L1);

- Simulação 2 – Aquisição plena do sistema do Português Brasileiro (L2), considerando-

se a produção categórica de epêntese na língua-alvo;

- Simulação 3 – Aquisição do sistema do Português Brasileiro, com base nos dados da

Tabela 1, de forma a refletir uma gramática em desenvolvimento (interlíngua).

2.2.1 Simulação 1 - Aquisição do Espanhol Colombiano (L1)

Dando início à primeira simulação, alimentamos o algoritmo com dados que

expressem, para todas as sequências de segmentos utilizadas, 100% da produção dos

segmentos em coda, sem epêntese ou apagamento, tal como deve ocorrer no Espanhol.

Como o Espanhol Colombiano é a língua materna dos nossos aprendizes de Português

Brasileiro, o sistema é programado a responder a um estágio inicial de um bebê

adquirindo as consoantes em coda no Espanhol Colombiano. A seguir, demonstramos

os valores apresentados pelo algoritmo OT-GLA para a aquisição do Espanhol

Colombiano.

Page 299: Letras & Letras

Conjunto de Tableaux 1 - Simulação 1 OT / Aquisição do Espanhol Colombiano

(0% de epêntese)

Page 300: Letras & Letras

Nesta primeira simulação (conjunto de Tableaux 1), o algoritmo aprendeu o

Espanhol Colombiano. Sendo assim, é necessário que DEP seja promovida, assumindo

uma posição na hierarquia que supere as restrições vinculadas às consoantes em coda,

de modo a fazer com que o candidato com epêntese receba uma violação fatal, por

violar uma restrição mais altamente ranqueada.

Juntamente com a promoção da restrição de fidelidade DEP, devemos ter as

restrições MAX e *Dist {+3} e *Dist{+3, +2}, que se referem, respectivamente, a

apagamento e a contatos silábicos inexistentes no EC (consoante nasal em posição de

coda seguida de glide, plosiva em coda seguida de glide e plosiva em coda seguida de

uma consoante líquida), acima das demais restrições de marcação, independentemente

dos pesos que assumam, para que, neste modelo de dominância estrita, recebam

posições mais altas no ordenamento das restrições e excluam candidatos com

apagamento e epêntese da disputa pelo output ótimo.

Quanto às restrições de marcação, temos valores de ranqueamento que respeitam

um ordenamento de marcação, que atribuem índices mais baixos às restrições do

conjunto de estringência que fazem oposição a candidatos menos marcados e mais

gerais. Conseguimos demonstrar, contudo, uma aquisição que obedece à ordem de

marcação, onde [t.n] (Dist {+1}) é mais marcada do que [t.t] (Dist {0}), que, por sua

vez, é mais marcada do que [n.t] (Dist {-1}) e [l.t] (Dist {-2}) e [w.t] (Dist {-3}), por

estringência. As Restrições que fazem oposição aos candidatos menos marcados, dessa

forma, devem ser mais violadas e, portanto, mais demovidas, assumindo posições mais

baixas no ranking.

Assim, as restrições *Dist {+3,...-3} e *{stop, ...glide}coda, que abrangem todas as

proibições de distância entre os segmentos em coda e onset e todas as proibições de

modo de articulação em coda, são as restrições mais baixas na hierarquia, demovidas

por estringência. Logo, o algoritmo consegue convergir para uma gramática que se

apresenta categórica na simulação 1 da OT Estocástica, a partir da qual os segmentos

consonantais em codas mediais são produzidos sem epêntese (estágio final da

aquisição), seguindo uma lógica de marcação que é determinada por estringência.

2.2.2 Simulação 2 - Aquisição do Português Brasileiro (L2)

A aquisição plena do PB vai ter no estágio final de aquisição, conforme por nós

definido, a produção de 100% de epêntese após as consoantes plosivas em posição de

coda. Ao alimentarmos o sistema com os valores numéricos das restrições obtidos na

simulação anterior (estágio final do Espanhol Colombiano e inicial para o Português

Brasileiro), temos que o estágio inicial da L2 vai contar com as restrições de fidelidade

(MAX e DEP) dominando as restrições de marcação, na hierarquia das restrições

propostas para lidar com a aquisição de sequências com consoantes em coda medial de

palavra. O estágio final é dado no conjunto de Tableaux 2.

Page 301: Letras & Letras

Conjunto de Tableaux 2 - Simulação 2 OT / Aquisição do Português Brasileiro

(100% de epêntese)

Page 302: Letras & Letras

Como nesta simulação o algoritmo de aprendizagem deve atingir um sistema-alvo

a partir do qual plosivas finais são epentetizadas, mas a fricativa [s] em coda e demais

sequências sem plosiva em coda são permitidas, DEP, que atingia as posições mais altas

na hierarquia da OT na simulação anterior, neste momento, deve ser demovida na

hierarquia. Por sua vez, a restrição de fidelidade MAX e as restrições de marcação

*Dist{+3} e *Dist{+3, +2}, como nunca serão responsáveis pela emergência de

candidatos ótimos, devem permanecer em todas as simulações nas posições mais altas

no ranking.

O papel de DEP é fundamental em se tratando de segmentos plosivos em coda no

PB, visto que é com a mobilidade desta restrição de fidelidade que vai ser possível a

emergência dos candidatos que estamos almejando. Ao falarmos de Teoria da

Otimidade Estocástica, em que o candidato ótimo se dá a partir da hierarquia de

restrições dada pelos pesos das restrições, vemos que DEP (44.951), nesta simulação, só

precisou encontrar um valor central que fosse inferior e mantivesse um distanciamento

(distância de 10 pontos) das restrições específicas à plosiva em coda (*Dist{1} &

*{stop}coda = 55.997, {stop}coda = 56.644 e *Dist{1,0} & *{stop}coda = 56.644), ao

mesmo tempo em que fosse superior e mantivesse um valor de distanciamento das

demais restrições de marcação.

Assim, em se tratando da aquisição plena da língua estrangeira – Português

Brasileiro - pelos aprendizes colombianos, o algoritmo conseguiu convergir, sob o

modelo da OT Estocástica, em uma gramática com outputs categóricos exibindo

epêntese.

2.2.3 Simulação 3 – Interlíngua (outputs variáveis)

Nesta simulação, devemos observar e analisar o tratamento do algoritmo de

aprendizagem frente à gramática em desenvolvimento dos aprendizes, com outputs

variáveis. Diferentemente das simulações 1 e 2, os valores centrais das restrições DEP e

das restrições específicas às sequências com plosiva em coda, neste momento, devem

ser muito próximos, para explicar a variação no output. As alterações nos valores dos

pontos de seleção, diante de avaliações sucessivas, não representarão apenas uma mera

variação numérica dos pesos das restrições, mas motivação para que tenhamos mudança

no ranking das restrições, conforme podemos ver no conjunto de tableaux 3.

Page 303: Letras & Letras

Conjunto de Tableaux 3 - Simulação 3 OT / Interlíngua (outputs variáveis)

Page 304: Letras & Letras

De fato, nesta terceira simulação, na qual continuamos tendo tratamento

diferencial às sequências com plosiva em coda, vamos ter próximos os valores centrais

da restrição de fidelidade DEP (50.650) com relação às restrições de marcação que se

referem exclusivamente às sequências com plosiva em coda (*{stop}coda *Dist {1, 0} &

*{stop}coda e *Dist {1} & *{stop}coda), fato esse que representa variação nos candidatos

a output ótimo. O conjunto de tableaux 4 apresenta uma amostra dessa variação.

Page 305: Letras & Letras

Conjunto de Tableaux 42- Simulação 3 OT / Interlíngua – Segunda Rodada

Page 306: Letras & Letras

No momento em que a restrição *Dist {1} & *{stop}coda, específica das

sequências ([p.n, k.n, t.n]), é promovida na hierarquia das restrições, superando DEP no

ordenamento, poderá haver a emergência do candidato com epêntese. Conforme já

comentamos, um dos aspectos diferenciais deste algoritmo de aprendizagem diante do

modelo standard da OT é sua capacidade de trabalhar com outputs variáveis, dados pela

alteração dos pontos de seleção (disharmony). Sendo assim, estando DEP e *Dist {1} &

*{stop}coda com valores de ranqueamento próximos, essas podem alterar sua posição no

ranking, em qualquer momento de avaliação, respeitando as probabilidades de

ocorrência de cada restrição.

Assim como DEP foi capaz de alterar sua posição com a restrição específica das

sequências formadas de consoante plosiva seguida de nasal, ex.: etnia), vemos, no

ranking, que a restrição de fidelidade DEP também está suscetível diante da sequência

de consoante plosiva seguida de outra plosiva [p.t, k.t]). Uma vez que é necessária uma

diferença de mais de 10 pontos entre as restrições para que haja variação, [p.t, k.t]

também é capaz de emergir, graças à também proximidade de *Dist{1,0} & *{stop}coda

(43.366) com DEP (50.650), de modo a respeitar a probabilidade de variação de 98,96%

para o candidato [p.t, k.t] ser o vencedor e 1,04% para [ki.t, pi.t]emergir, conforme

dados de produção dos estudantes colombianos (tabela 2).

Dado que as sequências [s.t], [s.n], [w.t], [l.t], [n.t] são produzidas no Português

Brasileiro e no Espanhol Colombiano, de modo a emergirem sem a inserção de

epêntese, é necessário que DEP, frente às restrições que representam estas sequências

(*{stop,...fric}coda, *{stop,...nas}coda, *{stop,...liq}coda, *{stop,...glide}coda,

*Dist{+3,...+1}, *Dist{+3,...0}, *Dist{+3,...-1}, *Dist{+3,...-2}, *Dist{+3,...-3}),

apresente ranqueamento superior e com um distanciamento de mais de 10 pontos.

Assim, em se tratando de uma gramática em desenvolvimento, com a presença de

outputs variáveis, o algoritmo de aprendizagem será capaz de convergir em uma

gramática que reflita os padrões encontrados nos dados dos aprendizes.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso objetivo de descrever e analisar a produção da epêntese vocálica após

plosivas em codas mediais de palavras, por parte de aprendizes colombianos de

Português Brasileiro, resultou na formulação de três Questões Norteadoras, que nos

fizeram refletir desde a descrição dos dados empíricos até as restrições relevantes para

tal processo de aquisição.

A primeira Questão Norteadora foi extremamente relevante para que se chegasse à

conclusão de que o contato silábico estava se mostrando significativo na inserção da

vogal. Assim, ao demonstrarmos que podem ser produzidas vogais de reparo, mesmo

que de forma tímida, tivemos condições de trabalhar com uma teoria que lidasse com a

nossa suposição de que o Contato Silábico estaria influenciando na inserção da vogal

após a plosiva em coda, o que nos possibilitou responder ao segundo questionamento

proposto para esta investigação, questionamento esse que versava sobre as restrições

que seriam relevantes para a aquisição dos padrões silábicos do PB como L2.

Para tanto, trabalhamos com teorias que envolviam cada uma das estruturas que

abrangem cada língua, principalmente para que pudéssemos perceber que o estágio de

interlíngua dos nossos aprendizes de PB estava mais próximo à língua materna dos

estudantes. Consideramos cabíveis as restrições pertencentes à família Dist, proposta

por Gouskova (2004), como base para nossas restrições de marcação à análise final,

Page 307: Letras & Letras

com as sequências [k.t, p.t, k.n, p.n, t.n], como forma de oposição a dadas produções de

estruturas de outputs.

Abordamos, na sequência, a terceira Questão Norteadora, que, questionava se o

algoritmo consegue convergir em gramáticas que reflitam os dados de aquisição. As

hierarquias de restrições utilizadas nas simulações conseguiram dar conta tanto das

gramáticas categóricas da língua materna, com 0% de epêntese, quanto das gramáticas

de língua estrangeira, com 100% de epêntese, até a gramática de outputs variáveis, da

interlíngua.

Verificamos que, na L1 dos aprendizes, as restrições de fidelidade DEP e MAX

assumem um valor central que as mantém afastadas das restrições de marcação, de tal

forma que, mesmo se fizéssemos avaliações sucessivas, não veríamos variação no que

diz respeito ao status hierárquico estabelecido entre as restrições, ou seja, diferentes

momentos de produções linguísticas não modificariam as relações hierárquicas

estabelecidas entre as restrições. A demoção das restrições de marcação e a promoção

de fidelidade no modelo teórico da OT Estocástica demonstrou que, no Espanhol

Colombiano, as restrições de fidelidade assumem as posições mais altamente

ranqueadas, o que caracteriza o ranking no Espanhol.

A hierarquia correspondente à aquisição plena da língua estrangeira – Português

Brasileiro – já teve suas alterações marcantes para que se pudesse assumir outro

candidato ótimo e, também, categórico. Na aquisição plena do PB, assumimos que o

candidato ótimo deveria ser aquele com 100% de epêntese e sem variação; logo, DEP

teve de ser demovido para que a epêntese pudesse emergir como a estratégia de reparo

capaz de adaptar, ao padrão de PB, os inputs que resultariam em plosivas em codas

mediais das palavras dadas.

A simulação 3, que pretendia demonstrar os outputs variáveis das produções dos

aprendizes no PB, teve de restabelecer os pesos das restrições, que se reorganizaram em

ranqueamento, demonstrando semelhança à hierarquia de restrições de língua materna.

Esse fato sugeriu que a interlíngua dos aprendizes se encontra ainda próxima ao sistema

da língua materna, no que se refere à aquisição das codas mediais de consoantes

plosivas no PB. Destaquemos, no que diz respeito a esta simulação, a diferença

fundamental de que tal simulação resultou em valores próximos para o candidato dado

como ótimo e o candidato com epêntese, proximidade essa que indicava a probabilidade

de variação entre tais candidatos, permitindo a produção variável do segmento

epentético. O algoritmo consegue, assim, retratar os estágios desenvolvimentais por que

passaram os aprendizes.

Feitas essas considerações, concluímos que o estudo de aquisição da língua

estrangeira à luz do modelo da Teoria da Otimidade Estocástica permitiu-nos uma

explicação formal para os padrões de produção encontrados em nossos dados.

AZEVEDO, R. Q.; MATZENAUER, C. L.; ALVES, U. K. EPENTHESIS IN THE

PRODUCTION OF WORD-MID STOP CODAS BY COLOMBIAN LEARNERS

OF BRAZILIAN PORTUGUESE: AN OPTIMALITY-BASED APPROACH

Abstract

This study aims to describe and analyze, according to the framework of Stochastic

Optimality Theory – OT (BOERSMA & HAYES, 2001), the production, by Colombian

Learners of Brazilian Portuguese (BP), of stop segments in word-mid codas, liable for

Page 308: Letras & Letras

the production of epenthetical segments. In order to build the corpus, an instrument

composed of Portuguese and Spanish cognate words was proposed, so that vehicle

phrases could be recorded in AUDACITY 1.3.5 (ANSI) software. Four Colombian

students, who remained in Southern Brazil for a period of six months, were chosen to

take part in the investigation. In the selection of the participants, extralinguistic factors

such as sex, age and scholarity were homogenized. We confirmed the hypothesis that

even in cognate words, there is a different treatment to plosives in word-mid codas in

both languages, depending on the language system which is being used by the speaker.

This fact was accounted for, according to the Stochastic Optimality Theory framework,

through hierarchies of universal constraints.

Keywords

Stochastic Optimality Theory; Universal Constraints; Vowel Epenthesis

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Page 311: Letras & Letras

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E HARMONIA VOCÁLICA: UMA ANÁLISE

VIA TEORIA DA OTIMIDADE

Giovana Ferreira GONÇALVES

Universidade Federal de Pelotas

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Miriam Rose BRUM-DE-PAULA

Universidade Federal de Pelotas

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

O presente trabalho busca formalizar, por meio da Teoria da Otimidade, a emergência

do sistema vocálico e da harmonia vocálica que sofrem as pretônicas, desencadeada

pela presença da vogal alta em sílaba subsequente. Os dados considerados para a análise

são resultantes de coletas longitudinais das produções de 5 crianças, com idade entre 1:4

e 3:0 (ano:meses), falantes monolíngues do português brasileiro, residentes na cidade de

Pelotas-RS.

Palavras-chave

Harmonia vocálica; Aquisição fonológica; Teoria da Otimidade

Introdução

Os estudos relativos à formalização da aquisição fonológica da criança por meio

de teorias linguísticas tiveram significativo desenvolvimento desde o surgimento da

Teoria da Otimidade (TO) em 1993. O modelo, de base gerativista e conexionista, tendo

em vista seus precursores, Alan Prince e Paul Smolensky, sedimentou-se ao longo das

últimas décadas e desencadeou inúmeras pesquisas na área de aquisição.

A diferença entre a gramática do adulto e a gramática do aprendiz, via TO, pode

ser explicada simplesmente ao considerarmos o diferente ordenamento das restrições

que constituem a hierarquia de um ou outro indivíduo. Desta forma, a utilização do

mesmo aparato teórico para explicitar as gramáticas do adulto e do aprendiz foi,

portanto, um aspecto decisivo para que as pesquisas na área de aquisição da fonologia

tivessem um profícuo desenvolvimento.

A razão para tal fato vincula-se, fundamentalmente, às propostas de algoritmos de

aprendizagem que surgiram já com a versão inicial da TO – conhecida como Teoria da

Otimidade Standard. O Constraint Demotion Algorithm – algoritmo de demoção de

restrições –, criado por Tesar e Smolensky, apresenta sua primeira versão já em 1993,

acompanhando o surgimento da teoria.

Algoritmos de aprendizagem são, pois, responsáveis pelo próprio funcionamento

da Teoria da Otimidade, incluindo mecanismos como a delimitação da forma de input –

por meio do processo de Otimização Lexical –, a criação de pares de candidatos para

Page 312: Letras & Letras

serem avaliados por EVAL1 e o processo de avaliação dos pares com base na atual

hierarquia de restrições dos aprendizes. Tais passos são, na verdade, aplicados a cada

momento do processamento, sendo responsáveis pela explicitação do processo de

aquisição da linguagem, seja de língua materna ou de língua estrangeira.

Constituindo-se como uma teoria linguística, aplicada à análise de diferentes

unidades gramaticais e, pois, com a estrutura dos algoritmos em seu escopo, a TO não

só passou a ser aplicada e a contribuir com o desenvolvimento das pesquisas na área de

aquisição, mas também apresenta significativa relevância na formalização dos estudos

voltados à variação. Diferentemente de outras abordagens teóricas que a antecederam, a

Teoria da Otimidade formaliza a emergência de formas variáveis com o mesmo aparato

teórico que formaliza os dados de aquisição, ou seja, com a aplicação de algoritmos que

respondem pela construção e constante reconstrução da hierarquia de restrições.

É considerando a estreita relação entre aquisição e variação, evidenciada pela

proposta da Teoria da Otimidade, que o presente estudo busca desenvolver uma análise,

via TO, acerca da emergência do sistema vocálico e do processo de harmonia vocálica

na produção de crianças brasileiras, da cidade de Pelotas-RS, em período relativo à

aquisição da fonologia.

Harmonia vocálica e aquisição da fonologia: os dados da análise

Seguindo Bisol (1991), entende-se a harmonia vocálica como a elevação das

vogais pretônicas /e/ e /o/ por influência de uma vogal alta em sílaba subsequente. De

acordo com Lee e Oliveira (2003), as vogais médias, em posição pretônica, podem

apresentar alterações em relação aos traços [alto] e [ATR], sendo que o primeiro tipo

configura justamente os casos de harmonia vocálica a serem aqui investigados.

Ao contrário das vogais médias, as vogais altas preservam seus traços em posição

átona, podendo, inclusive, mesmo nesta posição, funcionar como gatilho de processo

fonológico.

Para o presente trabalho, teremos como base os resultados reportados por Ferreira-

Gonçalves e Brum-de-Paula (2011) sobre a emergência da harmonia vocálica nos dados

longitudinais de 5 crianças, falantes do português brasileiro, com idades entre 1:4 e 3:0.

As coletas constituem amostras do banco de dados LIDES (Linguagem Infantil em

Desenvolvimento)2 e compreendem em média um período de 6 meses de gravações –

realizadas pelo cuidador da criança – para cada um dos sujeitos, conforme detalhamento

fornecido por meio do quadro 1.

Sujeitos Idades Coletas

realizadas

A 1:4 – 1:9 6

MT 1:8 – 2:1 6

R 2:5 – 2:10 6

M 1:11 – 3:0 8

E 1:10 – 2:4 6

Quadro 1 – Sujeitos da pesquisa

1 Forma pela qual a literatura da área faz referência a Evaluator, avaliador, item estrutural da TO responsável pela

avaliação dos candidatos a output e escolha do candidato ótimo. 2 Coordenado pela Profa. Dr. Márcia Cristina Zimmer (UCPel) e pela Profa. Dr. Giovana Ferreira-Gonçalves (UFPel).

Page 313: Letras & Letras

De acordo com as informações dispostas no quadro 1, a análise tem por base os

dados de 32 coletas que abrangem longitudinalmente o período de 21 meses do

desenvolvimento infantil, sendo que a maior parte dos dados está concentrada no

período de 1:8 a 2:10, compreendendo 29 coletas.

De um total de 7238 palavras produzidas pelas crianças, Ferreira-Gonçalves e

Brum-de-Paula (2011) reportam um percentual de 1,45% de aplicação da regra. Para a

análise dos dados, seguindo Schwindt (2002), foram excluídas as palavras que

apresentavam: (i) vogais alvo constituindo ditongos e hiatos – coisinha, teoria; (ii) en,

es na borda esquerda da palavra e (iii) vogais no gatilho constituindo os sufixos zinho e

inho.

De um total de 206 possibilidades de aplicação da regra, a harmonia vocálica foi

aplicada em 153 casos, constituindo um percentual de 74,27% de aplicação. A vogal /e/

apresentou a maior taxa de aplicação, com 83,75%; a vogal /o/ apresentou índice um

pouco menor, com 68,25%. Os resultados estão em assonância com os reportados por

Schwindt (2002) que constatou, de 1991 a 2002, um aumento de 12% de aplicação da

taxa para a vogal /e/ e de apenas 6% para a vogal /o/.

Ferreira-Gonçalves e Brum-de-Paula (2011) realizam, ainda, um contraponto

entre os resultados encontrados na fala das crianças e os resultados encontrados na fala

de um dos cuidadores. Comparando os dados de E., com idade entre 1:10 e 2:4, com os

dados produzidos por sua mãe, observa-se um descompasso entre as produções. E.

aplicou a harmonia vocálica em 95,45% das possibilidades para a vogal /e/ e em 80%

das possibilidades para a vogal /o/. Já o cuidador aplicou em 35,89% das possibilidades

para a vogal /e/ e em 74,08% para a vogal /o/. Constata-se, portanto, maiores taxas de

aplicação, para as duas vogais alvo, e uma inversão acerca de qual vogal é mais atingida

pela aplicação da regra, sendo a vogal anterior nos dados de E. e a vogal posterior nos

dados do cuidador.

Outro aspecto relevante destacado pelas autoras, ainda comparando a fala da

criança à do cuidador, refere-se ao fato de que 66,66 das palavras com harmonia

vocálica produzidas pelas crianças estavam presentes na fala da mãe. No entanto,

apenas 50% dessas formas sofreram a aplicação da regra pelo adulto, sendo o percentual

restante distribuído em 20% de ausência de aplicação e 30% com aplicação variável,

como c[u]mida – c[o]mida, d[u]rmindo – d[o]rmindo.

Ainda que com menor recorrência, as crianças também aplicaram o processo de

harmonia em palavras diferentes daquelas em que a regra foi aplicada pelos adultos,

como fl[u]rzinha e b[i]jinho. Igualmente desencadeada pela presença da vogal alta no

sufixo da palavra, a harmonia vocálica foi encontrada em formas como sapequinha

[sapi’kiNa] (E. 1:11) e bolinha [bu’liNa] (M. 2:8), com a elevação das vogais médias

baixas para vogais altas.

A aplicação da harmonia vocálica juntamente com a harmonia consonantal

também chama a atenção nos dados, assim como a recorrência de formas reduplicadas,

como podemos constatar em (1).

(1) Assimilação vocálica, assimilação consonantal e reduplicações

a) bonita [mu’nita] (R.2:7)

b) dormindo [mi’mindu] (R. 2:10)

c) perfume [fu’fumi] (M. 1:11)

d) detefon [dilififon] (M. 2:7)

e) procurar [kuku’ra] (M. 2:10)

Page 314: Letras & Letras

f) coloridas [kuku’ridas] (M. 2:10)

g) penduro [fu’turu] (M. 2:11)

h) boneca [ne’nka] (R. 2:5)

i) Rebeca [be´bka] ~ [´bka] ~ [xe´bka](R. 2:4)

Nos dados em (1), além da aplicação da regra de harmonia vocálica, ocorrem

assimilações de traços de modo e de ponto para as consoantes. Chamam atenção os

dados em (1i), com a reduplicação consonantal – [be´bka] – em variação com a

reduplicação vocálica – [´bka] –, produzidos por R., com idade de 2:4. Na verdade,

a variação interindividual evidencia que o mais importante é a emergência da forma

harmônica pela criança, seja pelo caminho da reduplicação de traços vocálicos ou de

traços consonantais.

Ao contrário do que é constatado nos dados do adulto, outputs com assimilação

progressiva também emergem, conforme (2).

(2) Assimilação progressiva

a) menino [minin[i]w] (M. 1:11)

b) picolé [pikul] (M. 2:4)

c) esqueleto [iskiletu] (M. 2:9)

d) colégio [kudu´Ziw](MT. 2:0)

e) violão [vililãw] (M. 2:9)

Em (2a), temos a possibilidade de considerar uma assimilação regressiva3, que

atinge a vogal média anterior /e/, e uma assimilação progressiva, que constitui um

ditongo com a vogal final. Nas demais palavras, exemplos de assimilações progressivas

desencadeadas tanto por [i] – (1c) - quanto por [u] – (1d).

Tendo em vista esses resultados e outras reflexões acerca da profusão de formas

harmônicas na fala infantil, o que inclui a emergência das consoantes, de acordo com as

autoras, as produções realizadas pelas crianças são decorrentes da aplicação de um

processo de harmonia operante e resultante da gramática infantil. A proposta é que a

harmonia vocálica não seria simplesmente adquirida com base nos dados do adulto, mas

resultaria do processo de aquisição, enquanto facilitação articulatória. A ampliação do

léxico, no transcorrer da aquisição, diminuiria a aplicação do processo, reacomodando,

então, os padrões de harmonia de acordo com aqueles apresentados na língua do adulto.

Uma análise via restrições

A emergência do sistema vocálico

De acordo com Câmara Jr. (1977), o Português apresenta sete segmentos

vocálicos em posição tônica, cinco em posição pretônica, quatro em posição postônica

não-final e três em posição postônica final. Observe-se o quadro 02, retirado de Bonilha

(2004a).

Tônica Pretônic Postônic Postônic

3 Outra possibilidade seria considerar em [mi´niniw] apenas uma assimilação progressiva, pois a vogal [i] inicial estaria sendo produzida apenas como reprodução da forma de input ouvida pela criança. A profusão das formas harmônicas em diferentes palavras, no entanto, não permite comprovar essa possibilidade.

Page 315: Letras & Letras

a a não

final

a final

baixa /a/ s[a]la /a/ c[a]fé /a/ pét[a]la /a/ mal[a]

média

baixa // b[]la

média

alta

/e/ p[e]ra /e/ p[e]dal /e/ câm[e]r

a

alta /i/ v[i]dro /i/ p[i]lar /i/ ót[i]mo /i/ pot[i]

média

baixa // dod[]i

média

alta

/o/ b[o]lo /o/ s[o]fá

alta /u/ s[u]co /u/ br[u]tal /u/ cél[u]la /u/ corp[u

]

Quadro 2 - Sistema vocálico do Português

De acordo com Vieira (2002), cinco segmentos também devem ser considerados

em posição postônica final, tendo em vista que, em muitos dialetos gaúchos, não há a

neutralização entre as vogais altas e médias altas em final de sílaba – bolo [´bolo] ~

[´bolu], bote [´bte] ~ [´bti], o que não se aplica aos dados considerados no presente

trabalho, referentes ao município de Pelotas-RS, em que a neutralização vocálica ocorre

em final de palavra.

De acordo com Rangel (2002), que considerou os dados transversais de 72

crianças e, longitudinais, de 3, a aquisição do sistema vocálico ocorre, até a idade de

1:8, fundamentalmente, em três estágios: (i) /a/, /i/, /u/; (ii) /e/ e /o/; (iii) // e //, sendo

que esses estágios podem ainda sofrer pequenos desmembramentos.

As diferenças relativas à distribuição dos segmentos nas posições postônica final,

pretônica e tônica revelam, na verdade, o percurso da aquisição do sistema vocálico

percorrido pela criança.

Bonilha (2004, 2008), com base na análise dos dados de G., um sujeito

longitudinal, com idade de 1:0 a 4:0, observa que a aquisição do sistema vocálico por

essa criança ocorre igualmente em três estágios, mas seguindo detalhamento um pouco

diferenciado daquele proposto por Rangel (2002): (i) /a/, /e/, /i/, /o/, /u/; (ii) //; (iii) //.

A particularidade constatada nos dados de G., com a emergência do sistema de 5 vogais

já nas coletas mais iniciais, no entanto, não contraria a proposta de Rangel (op.cit.).

Em uma análise via Teoria da Otimidade, utilizando os traços distintivos da

proposta de Clements e Hume (1995), Bonilha (2004, 2008) propõe que os estágios

percorridos por G., na aquisição dos segmentos vocálicos do português, podem ser

expressos por meio das hierarquias de restrições em (3).

(3a)

H1 = {[*[+ab3] & *[labial]](seg), [[*[+ab3] & *[coronal]](seg)} >> Fidelidade >>

{{*[dorsal]>>*[labial]>>*[coronal]}, {*[+ab3]>>*[+ab2]>>*[+ab1]}, *[-ab1], *[-ab2],

*[-ab3], *[+soante], *[+aproximante], *[+vocóide], *[+sonoro], *[+contínuo]}

(3b)

H2 = {[*[+ab3] & *[labial]](seg) >> Fidelidade >> {{*[dorsal]>>*[labial]>>*[coronal]},

{*[+ab3]>>*[+ab2]>>*[+ab1]}, *[-ab1], *[-ab2], *[-ab3], *[+soante], *[+aproximante],

*[+vocóide], *[+sonoro], *[+contínuo]}

(3c)

Page 316: Letras & Letras

H3 = Fidelidade >> {{*[dorsal]>>*[labial]>>*[coronal]}, {*[+ab3]>> *[+ab2]>>

*[+ab1]}, *[-ab1], *[-ab2], *[-ab3], *[+soante], *[+aproximante], *[+vocóide],

*[+sonoro], *[+contínuo]}

Cabe referir que outras restrições conjuntas também militam no processo de

aquisição do sistema vocálico, se considerarmos os três estágios propostos por Rangel

(2002). Desta forma, o primeiro estágio seria o disposto em (4), o segundo e o terceiro,

aqueles dispostos em (3a) e (3c).

(4)

H1 = {[*[+ab3] & *[labial]](seg), [[*[+ab3] & *[coronal]](seg), [*[+ab2] &

*[labial]](seg), [[*[+ab2] & *[coronal]](seg)} >> Fidelidade >>

{{*[dorsal]>>*[labial]>>*[coronal]}, {*[+ab3]>>*[+ab2]>>*[+ab1]}, *[-ab1], *[-ab2],

*[-ab3], *[+soante], *[+aproximante], *[+vocóide], *[+sonoro], *[+contínuo]}

Conforme Bonilha (2004, 2008), a análise revela que as vogais, na aquisição da

fonologia, comportam-se, portanto, de forma diferenciada dos segmentos consonantais

fundamentalmente porque possuem aquisição precoce. A Teoria da Otimidade é capaz

de dar conta da diferença de complexidade entre a aquisição do sistema vocálico e do

sistema consonantal no Português, pois, na aquisição daquele, há um número bem mais

reduzido de restrições conjuntas militando, apenas quatro.

A análise dá conta das formas variáveis produzidas pelas crianças, pois assume o

algoritmo de aquisição gradual de Boersma e Hayes (2001), no entanto, explica a

marcação das vogais médias baixas, que apresentam emergência mais tardia, apenas

pela demoção, também tardia, das restrições conjuntas [*[+ab3] & *[labial]](seg),

[[*[+ab3] & *[coronal]](seg), não sendo possível diferenciá-las pela constituição da

restrição em si. Isso seria expresso se, por exemplo, apenas para a emergência das

vogais médias baixas, tivéssemos a militância de restrições conjuntas no sistema.

Desta forma, o conjunto de traços distintivos utilizado nas restrições que

constituem a presente análise está de acordo com a proposta de Lee (2008), em que os

traços que compõem o sistema vocálico do português brasileiro são considerados com

base na Teoria da Hierarquia dos Traços, de Dresher (2002, 2003, 2004). Conforme Lee

(op.cit.), os contrastes vocálicos se organizam seguindo a distribuição do quadro 3.

i e a o u

Baixo + (-) (-)

Recuado (-) (-) (-) + + +

Alto (+) (-) (-) (+)

ATR + (-) (-) +

Quadro 3 – Especificação contrastiva do português, conforme Lee (2008)

O autor explicita que o uso de parênteses significa que o traço tem função

contrastiva, embora não esteja necessariamente ativo. Importante referir ainda que Lee

(op.cit.) salienta o papel do Successive Division Algorithm – algoritmo de divisão

sucessiva – proposto por Dresher (2002, 2003, 2004), que será responsável pela

construção da hierarquia dos traços, ou seja, pela construção do sistema de fonemas em

uma determinada língua. A construção da referida hierarquia ocorre, pois, no transcorrer

do processo de aquisição da fonologia.

Page 317: Letras & Letras

Lee (2008) propõe que a hierarquia contrastiva para as vogais do PB é: baixo >

recuado > alto > ATR4. Com essa hierarquia, os traços alto e ATR, ordenados mais

abaixo, se considerarmos, por exemplo, uma configuração geométrica, são os mais

suscetíveis a sofrerem alterações na língua. De acordo com o autor, a hierarquia de

traços evidencia por si por que determinados segmentos vocálicos são alvos de

processos de neutralização.

Em relação à aquisição das vogais nos dados analisados no presente trabalho,

assume-se, tendo em vista a idade de 1:8, estabelecida pela literatura da área para a

emergência completa do sistema vocálico do português, que as restrições de marcação

já se encontram demovidas nos sistemas das crianças, pois MT, R, M e E apresentam

idades iguais ou superiores a 1:8 no início da coleta dos dados. Apenas A., com idade

entre 1:4 e 1:9, poderia refletir um sistema vocálico ainda em construção.

Os dados de A. revelam que, com 1:4, as vogais altas e médias altas já estão

presentes no sistema, sendo que os últimos segmentos vocálicos a emergir são as vogais

médias baixas, aos 1:6.

Tendo por base o quadro de traços distintivos propostos por Lee (2008) para o

sistema vocálico do português, consideremos, em (5), as restrições a serem utilizadas na

construção da hierarquia de traços pelas crianças5:

(5)

*[baixo]: proibindo vogais com o traço [baixo].

*[+alto]: proibindo vogais com o traço [+alto].

*[+posterior]: proibindo vogais com o traço [+posterior].

*[-posterior]: proibindo vogais com o traço [-posterior].

*[-alto]: proibindo vogais com o traço [-alto].

*[ATR]: proibindo vogais com o traço [ATR].

Ident (x-traço): os traços x do output devem ser idênticos aos do input.

Max (x-traço): os traços x do input devem estar presentes no output.

Seguindo os três estágios propostos por Rangel (2002), a construção da

hierarquia de restrições ocorreria conforme os ordenamentos em (6).

(6a)

H1 = {*[-alto], *[ATR]} >> Fidelidade >> {*[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-

posterior]}

(6b)

H2 = {*[ATR]} >> Fidelidade >> {*[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-posterior], *[-

alto]}

(6c)

H3 = Fidelidade >> *[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-posterior], *[-alto], *[ATR]}

Por meio das hierarquias dispostas em (6), com uma reduzida quantidade de

restrições de marcação, é possível configurar a emergência do sistema vocálico do

português em três ordenamentos de restrições. A proposta aqui apresentada é bem mais

econômica do que a análise de Bonilha (2004, 2008), pois não necessita de utilizar

4 Importante não confundir a hierarquia do autor com as hierarquias de restrições da TO, ainda que uma releitura da hierarquia de traços de Drescher possa ser feita nessa direção, principalmente se utilizarmos restrições de fidelidade, como Ident (baixo) >> Ident (recuado) >> Ident (alto) >> Ident (ATR). Tais restrições, intercaladas com restrições de

marcação relativas aos traços distintivos, podem resultar em ordenamento equivalente ao proposto pelo autor. 5 Para a análise, utilizou-se a menor quantidade possível de restrições de marcação, de forma que, uma relação mais completa, que envolvesse todos os traços dispostos no quadro 3, poderia ser considerada.

Page 318: Letras & Letras

restrições conjuntas para explicitar a emergência tardia das vogais médias altas e médias

baixas, essa fica expressa apenas pela ativação tardia de *[ATR]. Restrições conjuntas

passam a militar apenas se for necessário configurar a aquisição de // e // em estágios

distintos.

Embora as restrições de marcação relativas aos traços distintivos das vogais já

tenham sido demovidas na hierarquia do aprendiz, é preciso ainda considerar a

militância de restrições de fidelidade posicional para que a distribuição das vogais nas

posições tônica, pretônica e postônica final possa emergir. O percurso de aquisição do

sistema vocálico a ser percorrido pela criança envolve não apenas a emergência de sete

fonemas vocálicos, mas os processos de neutralização que ocorrem no português

brasileiro.

Em análise acerca da redução vocálica no português brasileiro, Bisol e Magalhães

(2004) utilizam restrições de fidelidade posicional, propostas por Beckman (1998), para

dar conta dos casos de neutralização que sofrem as vogais em posições átonas.

De acordo com a autora, o privilégio posicional de determinadas unidades

fonológicas é manifestado em três padrões distintos de assimetria fonológica: (i)

manutenção de contrastes que são neutralizados em outras posições; (ii) gatilho

posicional de processos fonológicos e (iii) resistência à aplicação de determinados

processos.

Quanto a (i), é possível constatar, através das línguas do mundo, que uma maior

gama de contrastes se estabelece em posições privilegiadas, sendo que o inventário de

estruturas localizadas em posições de menor proeminência é apenas um subquadro do

inventário maior formado por elementos não marcados; (ii) e (iii) estão totalmente

interligados, uma vez que, quando localizados em posições proeminentes, segmentos

podem servir como gatilho para determinados processos fonológicos e,

consequentemente, resistir à aplicação de tais processos, pois são seus desencadeadores.

A fidelidade posicional garante que determinados segmentos ou traços da forma

do input sejam preservados em posições privilegiadas de proeminência fonética,

fonológica e psicolinguística. O processamento é, então, favorecido por posições como

sílabas iniciais de raízes, sílabas acentuadas, onsets de sílabas, raízes e vogais longas, e

desfavorecido quando o contexto envolve sílabas átonas, segmentos posicionados no

meio ou final de palavra, e afixos, por exemplo.

Assim, seguindo análise proposta por Bisol e Magalhães (2004), no transcorrer do

processo de aquisição, as restrições de fidelidade IDENTstress (Alto) e MAXstress (ATR)

serão acionadas.

(7)

IDENTstress (Alto): os traços [+alto] ou [-alto] do output em sílaba tônica devem ser

idênticos aos do input.

MAXstress (ATR): o traço [ATR] do input deve estar presente no output em sílaba tônica.

Em termos de aquisição da linguagem, no entanto, é importante refletir sobre o

momento em que ocorrerá a ativação das restrições de fidelidade posicional. É possível

assumir que, tendo por base o input produzido pelo adulto, formas como bolo [´bolu] e

esse[‘esi], apresentam, na verdade, vogais altas em posição postônica na forma

subjacente, não requerendo, exatamente, a militância de restrições de fidelidade

posicional na gramática.

Bisol e Magalhães (2004) também abordam a constituição das vogais na forma

subjacente do adulto e referem que, pela militância da Otimização Lexical, seria

Page 319: Letras & Letras

possível considerar apenas a presença das vogais /i/, /u/ e /a/ na posição postônica final.

Os autores, no entanto, mantêm a representação com as vogais médias, seguindo

abordagens tradicionais acerca do processo de neutralização das vogais no português.

Neste trabalho, será mantida a representação das vogais médias postônicas finais

nas formas de input, considerando-se: (i) as possíveis produções variáveis do adulto -

bolo [´bolu] ~ [´bolo]; (ii) as produções variáveis encontradas, por vezes, na fala

infantil; (iii) a militância de restrições de fidelidade posicional que sustentam a

emergência de novos itens lexicais, seguindo o mesmo padrão de distribuição vocálica.

As hierarquias em (8) evidenciam a emergência das vogais em suas diferentes

posições nas palavras.

(8a) Emergência das vogais /a/, /i/, /u/ em qualquer posição na palavra

H1 = {*[-alto], *[ATR]} >> Fidelidade >> {*[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-

posterior]}

(8b) Emergência das vogais /e/ e /o/, com redução na posição postônica final

H2 = {*[ATR]} >> IDENTstress (alto) >> *[-alto] >> Ident (alto), Fidelidade >>

{*[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-posterior]}

(8c) Emergência das vogais /E/ e /O/ apenas em posição tônica

H3 = MAXstress (ATR), IDENTstress (alto) >> *[ATR], *[-alto] >> Ident (ATR), Ident

(alto), Fidelidade >> *[baixo], *[+alto], *[+posterior], *[-posterior], *[-alto]}

A reformulação das hierarquias em (6), com o acréscimo das restrições de

fidelidade posicional, permite explicitar a aquisição das vogais do português licenciadas

em diferentes posições nas palavras. Observe-se que a utilização dos traços distintivos

do quadro 3 permitiu que a análise fosse feita sem a utilização de uma restrição mais

ampla como *MID – proibindo vogais médias. As restrições *[-alto] e *[ATR],

intercaladas com restrições de fidelidade posicional e de fidelidade geral, cumpriram o

papel de evitar vogais médias altas e médias baixas em determinadas posições na

palavra.

A emergência da harmonia vocálica

Diferentes análises acerca das vogais do português, com seus processos de

elevação e de harmonia vocálica, tendo por base os dados dos adultos, têm sido

propostas com a aplicação da Teoria da Otimidade, como Lee e Oliveira (2003), Bisol e

Magalhães (2004), Lee (2005), Magalhães (2009) e Alves (2011), entre outros.

No presente trabalho, além de algumas das restrições já conceituadas em (5) e (7),

serão utilizadas, ainda, as restrições dispostas em (9).

(9)

IDENT [alto]: os traços [+alto] ou [-alto] do output devem ser idênticos aos do input.

AGREE [alto]: o traço [alto] da vogal pretônica é idêntico ao da vogal em posição

tônica ou na sílaba imediatamente seguinte6.

6 Conforme Alves (2011, p.3230).

Page 320: Letras & Letras

AGREE [ATR]: o traço [ATR] da vogal pretônica deve estar presente na configuração

da vogal em posição tônica ou na sílaba imediatamente seguinte.

DEP [ATR]: o traço [ATR] do output deve estar presente no input.

De acordo com Magalhães (2009), casos de harmonia vocálica no português,

desencadeados pela presença da vogal alta na sílaba tônica, explicitam o papel das

restrições de fidelidade posicional, propostas por Beckman (1998), desta forma, uma

restrição como IDENTstress (alto) passa a ter papel relevante na hierarquia.

Como já evidenciado nas hierarquias em (8), em geral, a restrição de fidelidade

posicional domina restrições de marcação e a restrição de fidelidade livre de contexto,

conforme ordenamento de restrições em (10).

(10)

Ident-Posição (F) >> Marcação >> Ident (F)

De acordo com Bonilha (2004), as restrições de fidelidade posicional ampliaram

de forma significativa a quantidade de restrições de fidelidade que constituem a

gramática, pois cada restrição dessa família passa a possuir restrições de fidelidade

posicionais a ela associadas. Salienta-se, no entanto, que tal fato passa a não ser

significativo em abordagens conexionistas da teoria, pois CON7, nessa perspectiva,

apresenta apenas as restrições que emergem durante o processo de aquisição, não mais

funcionando como a gramática universal da TO standard.

Tendo por base as restrições dispostas em (5), (7) e (9), podemos visualizar, no

tableau8 em (11), a hierarquia que responde pelos casos de harmonia vocálica das

pretônicas, com a presença da vogal alta na sílaba tônica ou subsequente.

(11)

/menino/ Ident

stress(alto)

Agree

(alto)

Ident

(alto)

*[+alto] *[-alto]

a)[mi´ninu] * **

b)[me´ninu] * * *

c)[me´nenu] *! *

Em (11)9, o alto ranqueamento da restrição Identstress(alto) proíbe a emergência do

candidato c, em que a regra de assimilação é aplicada de forma progressiva, com o

gatilho na posição pretônica. O papel da restrição de fidelidade posicional passa

justamente a ser a preservação da altura da vogal tônica, a qual desencadeará o processo

de harmonia vocálica pela militância de Agree (alto). O fato de essa restrição

compartilhar estrato com Ident (alto) é o que permite a aplicação da regra de harmonia

vocálica de forma variável, com a emergência dos candidatos a e b como outputs

possíveis.

7 Forma utilizada pela literatura da área como abreviatura de Constraints, que faz referência ao conjunto de restrições - ordenadas em uma determinada hierarquia -, considerado por EVAL para seleção da forma de output. 8 Para uma melhor visualização dos resultados no tableau, serão assinaladas violações de restrições de marcação e de fidelidade somente relativas às vogais pretônica e tônicas dos candidatos a output. 9 Apesar de não terem papel na análise dos dados aqui proposta, as restrições de marcação *[+alto] e *[-alto] serão

mantidas nos tableaux por estarem diretamente relacionadas às restrições de Identidade relativas à altura das vogais. Servem, igualmente, para apontar que a criança já demoveu essas restrições em sua hierarquia, sinalizando para a aquisição das vogais altas e médias altas envolvidas no foco de análise.

Page 321: Letras & Letras

Considerando que as palavras produzidas pelas crianças revelam uma alta taxa de

aplicação de harmonia vocálica, ou seja, 74,27%, é possível pressupor que o

ordenamento Agree (alto) >> Ident (alto) prevalece na maior parte das produções. A

troca de posição das restrições na hierarquia segue proposta de Boersma e Hayes

(2001), com a aplicação do Gradual Learning Algorithm – algoritmo de aquisição

gradual –, que tem se demonstrado uma boa alternativa para análises relativas a dados

de aquisição e de formas variáveis10

.

É preciso ainda considerar a possibilidade de a criança já ter como input os itens

lexicais com a vogal alta na posição pretônica, apesar de todas as assimetrias entre a

aplicação do processo nos dados dos adultos e nos dados das crianças, como a taxa de

aplicação significativamente menor nos dados do adulto em comparação aos dados da

criança, conforme referido na seção 2 deste artigo. O tableau em (12) formaliza essa

possibilidade.

(12)

/mininu/ Ident

stress(alto)

Agree

(alto)

Ident

(alto)

*[+alto] *[-alto]

a)[mi´ninu] **

b)[me´ninu] *! * * *

c)[me´nenu] *! **

Com o mesmo ordenamento de restrições apresentado em (11), o tableau em (12)

evidencia apenas a emergência de uma forma ótima, ou seja, o candidato a, pois esse

não viola nenhuma restrição de identidade ao se manter totalmente fiel ao input. O

candidato com a vogal média na posição pretônica é excluído por violar as restrições

Agree (alto) e Ident (alto) ranqueadas acima na hierarquia.

Interessante observar que, considerando inputs distintos – /menino/ ~ /mininu/ –, é

possível explicitar a emergência das formas de output, com ou sem aplicação do

processo de harmonia vocálica, tendo por base a mesma hierarquia de restrições:

Identstress(alto) >> Agree (alto), Ident (alto) >> *[+alto], *[-alto].

Tal hierarquia permite considerar que, para algumas palavras, aquelas em que não

há variação na fala do adulto, a criança tenha a vogal alta como forma subjacente; já

para outras palavras, em que são encontradas produções variáveis na fala do adulto, a

representação pode se estabelecer com a vogal média na posição pretônica, sendo que a

emergência dos outputs, nesse caso, também poderá ocorrer de forma variável, ora com

a predominância de Agree (alto), ora com a predominância de Ident (alto).

Um outro aspecto das produções das crianças que deve ser explicitado é a

emergência de formas harmônicas atípicas em relação àquelas encontradas nas

produções do adulto em dialetos do Sul do Brasil, como a harmonia vocálica entre

vogais médias, conforme exemplos em (1i) Rebeca – [be´bka] ~ [´bka] ~ [xe´bka]

(R. 2:4).

Nos mesmos moldes da emergência de formas harmônicas relativas ao traço

[alto], a hierarquia de restrições apresenta a dominância da restrição de fidelidade

posicional Maxstress(ATR), fazendo com que o gatilho do processo seja a vogal média

baixa em sílaba tônica.

(13)

10 Em Ferreira-Gonçalves (2010) e Battisti (2010), reflexões acerca do funcionamento do algoritmo para dados de aquisição e de variação, respectivamente.

Page 322: Letras & Letras

/xebka/ Max

stress(ATR)

Agree (ATR) Dep (ATR) Max (ATR) *[ATR]

a)[xe´bka] * *

b)[’b ka] * **

c)[Xe’beka] *! *

O ordenamento das restrições disposto em (13) dá conta da emergência das

formas variáveis [´bka] ~ [xe´bka], ou seja, com e sem harmonia vocálica, pois

Agree (ATR) compartilha estrato com Dep (ATR) – aqui acionada tendo em vista a

característica monovalente do traço [ATR] assumida na presente análise.

Interessante observar que, em (1i), há, ainda, uma terceira forma produzida por R.

– [be´bka] –, em que não ocorre a harmonia vocálica, mas a harmonia consonantal. Tal

output e outros dispostos em (1) podem emergir se considerarmos a militância de outras

restrições da família Agree, vinculadas a traços relativos a modo e a ponto de

articulação.

Conclusão

No presente trabalho, foi proposta uma análise, via Teoria da Otimidade, da

emergência do sistema vocálico e de casos de harmonia vocálica na construção da

gramática do português brasileiro pela criança.

Por meio da aplicação do algoritmo de aquisição gradual de Boersma e Hayes

(2001), foi possível explicitar a variação que ocorre no processo de aquisição das

vogais, bem como na emergência de outputs com harmonia vocálica.

A utilização da configuração de traços distintivos proposta por Lee (2008)

possibilitou a explicitação dos estágios de aquisição do sistema vocálico em diferentes

posições na palavra – átona e tônica – e do processo de harmonia, tendo por base um

reduzido conjunto de restrições, o que tornou a análise dos dados mais satisfatória.

GONÇALVES, G. F.; BRUM-DE-PAULA, M. R. LANGUAGE ACQUISITION

AND VOWEL HARMONY: AN ANALYSIS CONSIDERING OPTIMALITY

THEORY

Abstract

In this article, we formalize, under an Optimality-Therorectical framework, the

emergence of the vocal system and the process of vowel harmony in pretonic vowels,

which is triggered by a high vowel in the following syllable. The longitudinal data were

obtained from five children, aged 1:4 and 3:0 (years:months), monolingual Brazilian

Portuguese speakers, residents in the city of Pelotas, in Southern Brazil.

Keywords

Vowel harmony; Phonological acquisition; Optimality Theory

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Page 325: Letras & Letras

A PRESENÇA DA FONOLOGIA NA GRAFIA DAS VOGAIS

ARREDONDADAS DO FRANCÊS POR BRASILEIROS

Claudia Regina Minossi ROMBALDI

(IFSUL – Campus Pelotas CAVG)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Ana Ruth Moresco MIRANDA (UFPel – PPGE)

Formação:

E-mail:

Magda Floriana DAMIANI (UFPel – PPGE)

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

Neste artigo, serão apresentados os resultados de estudo sobre a grafia das vogais

arredondadas francesas por brasileiros aprendizes de francês como língua estrangeira

(FLE). Os dados foram separados em dois grupos: palavras com vogais exclusivas do

francês e palavras com vogais comuns aos dois sistemas. A análise dos dados, à Luz da

Teoria da Marcação de Calabrese (1995), mostra que, para os fones exclusivos do

sistema francês, os aprendizes optam por formas gráficas que revelam procedimentos

fonológicos semelhantes àqueles descritos por Alcântara (1998), tais como a Fissão e o

Desligamento. No caso das grafias referentes aos fones idênticos do sistema do

português brasileiro (PB) e do francês standard (FS), os resultados indiciam o

estabelecimento de analogias com as formas de representação gráfica da língua materna.

O estudo pretende contribuir para com as discussões do campo da fonologia, mostrando,

a partir de dados de aquisição da linguagem, a forte conexão entre conhecimento

linguístico, modelos fonológicos e aquisição da escrita.

Palavras-chave

aquisição da ortografia; vogais orais arredondadas francesas; língua estrangeira;

estratégias de aprendizagem

1. Considerações iniciais

No processo de aquisição da escrita, seja de uma língua materna (LM) seja de uma

língua estrangeira (LE), os aprendizes lançam mão de conhecimentos já construídos

sobre a sua LM, especialmente aqueles referentes à gramática dos sons. Este é o motivo

pelo qual os erros de escrita, sobretudo a inicial, podem ser considerados fonte para o

estudo das representações fonológicas de crianças e adultos, que, ao se depararem com a

tarefa de registrar graficamente as unidades pertencentes à segunda articulação de sua

língua, produzem escritas nas quais há indícios que podem ser lidos e interpretados

como manifestações daquilo que foi adquirido de modo natural e espontâneo ainda em

seus primeiros anos de vida, o seu conhecimento fonológico.

Page 326: Letras & Letras

No processo de aquisição de uma LE é observado o uso de estratégias que visam a

um ajuste dos sons da língua que está sendo adquirida às características do sistema da

LM. Alcântara (1998) mostrou que aprendizes brasileiros de francês como LE

acomodam a produção das vogais francesas de tal forma que elas são pronunciadas com

as configurações de traços características da LM. A autora trata, especificamente, das

vogais arredondadas francesas que, diferente das vogais portuguesas, apresentam

coocorrência de traços não atestada no português, a saber, [-posterior] e [+arredondado].

Neste artigo, serão apresentados dados de aquisição do sistema ortográfico das

vogais orais arredondadas do francês standard (FS), relativos às grafias das vogais [y],

[ø], [œ], [u] e [o], por falantes nativos do português brasileiro (PB), aprendizes de

francês como língua estrangeira (FLE). Tais dados serão discutidos à luz da Teoria da

Marcação, conforme proposta por Calabrese (1995), a fim de que se possam levantar

argumentos à hipótese segundo a qual os conhecimentos linguísticos sobre a fonologia

da LM, adquiridos de forma inconsciente, subsidiam as escolhas gráficas dos aprendizes

e, em uma via de mão dupla, à medida que tais conhecimentos se atualizam no processo

de aquisição da escrita, podem também influir na reestruturação das representações

fonológicas, neste caso específico, da LE.

Este artigo encontra-se estruturado em quatro seções, além desta introdução. Na

primeira, são apresentadas algumas considerações teóricas consideradas relevantes para

o estudo: i) sobre a interlíngua, o uso de estratégias e o processo de aquisição da escrita;

ii) sobre o sistema vocálico do português e do francês, do ponto de vista da fonologia e

da ortografia; iii) sobre o modelo teórico proposto por Calabrese (1995). Na seção

seguinte, os procedimentos metodológicos serão apresentados e, na sequência, os dados

serão descritos e analisados. Por fim, serão tecidas as considerações finais.

2. Considerações Teóricas

2.1 Sobre a interlíngua, o uso de estratégias e o processo de aquisição da escrita

Estudos realizados por Selinker (1972), Duran (1994) e Moore (2001), relativos à

aquisição de LE, sustentam que o aprendiz, quando defrontado com um novo sistema

linguístico, é capaz de compreender o sistema de sua LM e de utilizar diferentes

estratégias de produção e compreensão, todas elas ancoradas no conhecimento que

detém sobre seu sistema materno.

Para Moore (2001), quando o aprendiz lança mão de suas estratégias para resolver

as dificuldades de aprendizagem e comunicação em LE, passa de “vítima das relações

entre LM e LE a autor da sua própria aprendizagem”. Segundo a visão da autora, há três

tipos de estratégias relacionadas ao aprendizado de LE: (a) a estratégia da analogia:

comparação entre aspectos semelhantes existentes no sistema linguístico materno e no

sistema linguístico estrangeiro; (b) a estratégia da economia: aquilo que já se construiu

em uma língua não se refaz em outra, pois há uma tendência à repetição da competência

internalizada; e (c) a estratégia da transferência: competências da LM são transferidas

para a LE.

É importante referir que, embora os três tipos de estratégias de aprendizagem

estejam disponíveis ao aprendiz, na sua busca pela aquisição do conhecimento da nova

língua, a tarefa de aquisição da LE é relativamente complexa. A relação de

complexidade envolvida na aquisição de uma LE está, sobretudo, no fato de que a LE se

Page 327: Letras & Letras

apresenta como um sistema novo, consequentemente, uma nova língua a ser apreendida

pelo aluno.

Na perspectiva de Duran (1994), o novo sistema linguístico ao ser apreendido

passa por um sistema de transição denominado interlíngua (IL), (SELINKER, 1972;

DURAN, 1994). De acordo com Selinker (1972), a IL é um sistema linguístico

transitório que sustenta as tentativas do aprendiz de produção da língua-alvo. A

ilustração do sistema interlinguístico, conforme Selinker (1972) está apresentada em (1).

(1) Sistema IL

Língua A L1 Interlíngua L2 Língua B

Figura1: Corder, 1981, in: Duran, 1994, p. 85 (Adaptado)

Conforme (1), o sistema IL constitui-se tanto por conhecimentos relativos à LM

como por aqueles apreendidos a partir do contato com a L2. Por esta proposta, uma IL

evoluirá em direção ao sistema alvo da LE, à medida que a exposição do falante a LE

aumente. Besse & Porquier (1991) e Duran (1994) afirmam que na aquisição de um

novo sistema linguístico a sistematização da LE é resultante de um itinerário de

aprendizagem construído progressivamente, o qual se modifica com o tempo. Neste

percurso, é possível observar a superação dos erros, pois, ao se aproximar do sistema da

LE alvo, o aprendiz resolve lacunas existentes em sua IL, muitas vezes com o auxílio de

uma reflexão sustentada por conhecimentos a respeito da LM e da LE.

A aprendizagem de uma LE e a aquisição da escrita em LM são processos que têm

sido apontados como promotores do desenvolvimento cognitivo, pois, para Vigotsky

(2000), ambas exigem uma ação analítica deliberada por parte do aprendiz,

diferentemente do que ocorre em relação à aquisição oral de uma LM. Nessa

perspectiva, um aprendiz de LE assim como o sujeito que adquire a escrita não podem

ser tratados como se estivessem debutando no aprendizado de uma língua e, tampouco,

o fato de eles já serem usuários competentes do sistema da sua LM pode ser ignorado.

No que concerne ao processo de aquisição da escrita em LM, Ferreiro &

Teberosky (1996) mostram que as crianças passam por diferentes etapas até chegarem à

escrita alfabética e é apenas nesta última etapa que os aprendizes se defrontam com

dificuldades ortográficas do sistema. Durante a aquisição da ortografia de sua LM, os

sujeitos devem aprender a lidar com regras arbitrárias e também com regras contextuais.

Enquanto estas são regulares e permitem a reflexão sobre o seu emprego, aquelas, por

serem irregulares e não possibilitarem reflexão, exigem que o sujeito desenvolva

estratégias para sua aquisição.

De acordo com essa visão teórica, especialmente no que tange à aquisição do

sistema ortográfico de uma LE, a relação de dificuldade envolvida na aquisição do

sistema estrangeiro está vinculada a dois aspectos principais. O primeiro relacionado à

aquisição da LM, que a seu turno leva em consideração o fato de que, embora os

processos envolvidos na aquisição da fonologia sejam distintos daqueles envolvidos na

aquisição da escrita, ambos apresentam pontos de convergência. A criança ao tentar

perceber o sistema de escrita de sua LM apresenta tendência a compará-lo com o

sistema oral, lançando mão, assim, do conhecimento fonológico que possui a respeito da

sua língua (MIRANDA, 2007, 2008). O outro, concernente à aquisição de LE, que

Page 328: Letras & Letras

considera a hipótese de que um aprendiz de LM procura se apoiar em seu sistema

linguístico materno quando está adquirindo uma LE (ROMBALDI, 2003;

ALCÂNTARA, 1998). A ideia é que um aprendiz de LE não cria estratégias inéditas de

aquisição para a LE foco, mas sim, recupera as estratégias já desenvolvidas para a

aquisição de sua LM.

2.2 Sobre os sistemas vocálicos do português e do francês, do ponto de vista da

fonologia e da ortografia

Os sistemas fonológicos das vogais orais das duas línguas envolvidas nesta

pesquisa – o PB e o FS - apresentam semelhanças e diferenças. Quanto às semelhanças,

destacam-se os fonemas /a/1, /e/, /i/, /o/, /u/, // e // que estão presentes em ambos os

sistemas. No que concerne às diferenças, observa-se que os fonemas /y/, //, // são

exclusivos do sistema fonológico do FS. Vejam-se as figuras a seguir em (2) e (3).

(2) Sistema fonológico das vogais orais do PB

[-posterior] [+posterior] [ +posterior]

[-arredondado] [-arredondado] [ +arredondado]

altas i u

médias-altas e o

médias-baixas

baixas a

Figura 2: Sistema fonológico das vogais orais do PB

(3) Sistema fonológico das vogais orais do FS

[-posterior] [-posterior] [ +posterior]

[-arredondado] [ +arredondado] [ +arredondado]

altas i y u médias-altas e ø o

médias-baixas œ

baixas a

Figura 3: Sistema fonológico das vogais orais do FS

Como se pode observar em (2) e (3), no sistema do FS, o arredondamento das

vogais [-posterior] apresenta característica distintiva, contrapondo-se ao sistema do PB,

que, conforme explica Câmara Jr., não tem vogais em que coocorram os traços [-

posterior] e [+arredondado].

No que tange à representação gráfica, os dois sistemas também apresentam

aspectos que marcam semelhanças e diferenças. O sistema ortográfico das vogais do PB

apresenta menor complexidade em sua distribuição ortográfica do que o sistema do FS.

Vejam-se as distribuições ortográficas para ambos os sistemas em (4) e (5).

(4) A representação ortográfica das vogais do PB

1 A vogal /a/ é considerada [-posterior] no sistema do FS (cf. SCHANE 1970) e [+posterior] no do PB (cf. BISOL, 1996), tal diferenciação, no entanto, não é relevante para a discussão realizada neste artigo.

Page 329: Letras & Letras

Nível

fonológico

Nível

fônico

Nível gráfico

/i/ [i] [] ‘i’

/e/ [e] [i] [] ‘e’

// [] ‘e’

/a/ [a] [] ‘a’

// [] ‘o’

/o/ [o] [u] [] ‘o’

/u/ [u] [] ‘u’

Quadro 1: A representação ortográfica das vogais do PB

a) Fonema /a/ - a vogal baixa, na posição tônica, pode ser produzida como [a], na

pretônica e postônica como [], e sua representação gráfica será sempre ‘a’. No

caso da vogal nasalizada, grafa-se ‘a’ mais segmento nasal (‘m’ ou ‘n) ou com o

diacrítico, til.

b) Fonemas /i/ e /u/ - as vogais altas são sempre grafadas como ‘i’ e ‘u’.

c) Fonemas /e/ e /o/- as vogais médias altas, na posição tônica, são grafadas como ‘e’

e ‘o’. Já na posição pretônica, esses fonemas podem ser realizados como vogais

altas, em casos de harmonização vocálica ‘coruja’ [ku’ua] ou levantamento da

pretônica ‘governo’ [u’ven].

d) Fonemas // e // - as vogais médias baixas // e // somente são encontradas na

posição tônica e serão sempre orais. A grafia desses fonemas será sempre ‘e’ e ‘o’

‘pele’ e ‘polo’.

(5) A representação ortográfica das vogais do FS

Nível fonológico Nível

fônico

Nível gráfico

/i/ [i] ‘i’‘y’

/e/ [e] ‘e’ ‘ai’

// [] ‘e’ ‘ai’ ‘ay’

/a/ [a] ‘a’

/œ/ [] ‘eu’

/ø/ [] ‘eu’

/y/ [y] ‘u’

// [] ‘o’‘au’ ‘eau’

/o/ [o] [] ‘o’‘au’ ‘eau’

/u/ [u] ‘ou’

Quadro 2: Relação entre fonemas, alofone e grafemas do FS. Fonte: Catach, 1995, p. 35-63

a) Fonema /a/ - a vogal baixa será sempre realizada como [a]2 e sua representação

gráfica será sempre ‘a’ ou ‘a’ marcado por diacrítico.

b) Fonema /i/ - a vogal alta [-posterior] será sempre realizada como [i] e sua

representação gráfica será sempre ‘i’, ‘y’ marcado ou não por diacrítico.

2 No que tange à distinção entre /a/ anterior posterior, Catach (1995) argumenta a favor do desaparecimento dessa distinção, exceto em pares fonêmicos como ‘pâte/patte, massa e pata respectivamente.

Page 330: Letras & Letras

c) Fonema /y/ - a vogal [-posterior] arredondada será sempre realizada como [y] e

sua representação gráfica será sempre ‘u’.

d) Fonema /e/- a vogal média alta será sempre realizada como [e] e sua representação

gráfica será sempre ‘e’ marcado ou não por diacrítico.

e) Fonema // - a vogal média baixa será sempre produzida foneticamente como [] e

sua representação gráfica será sempre ‘e’ marcado ou não por diacrítico.3

f) Fonema /ø/ - a vogal média alta [-posterior] arredondada será sempre realizada

como [ø] e sua representação gráfica será sempre ‘eu’ ou ‘eû’.

g) Fonema /œ/- a vogal média baixa [-posterior] arredondada será sempre realizada

como [œ] e sua representação gráfica será sempre ‘eu’. Ressalta-se que poderá ser

representada graficamente por ‘ue’, por exemplo, se precedida de ‘c’ e seguida

por ‘i’ como, por exemplo, em ‘accueillant’.4

h) Fonema /u/ - a vogal alta arredondada será sempre realizada como [u] e sua

representação gráfica será sempre ‘ou’ podendo ser marcada por um diacrítico

sobre o ‘u’, tanto o circunflexo como o agudo.

i) Fonema /o/ - a vogal média alta pode ser realizada como [o] e [] e poderá ser

representada graficamente de quatro diferentes modos: ‘o’, ‘o’ acompanhado de

acento circunflexo, ‘au’ e ‘eau’. A forma gráfica ‘au’ é a que predomina para

grafar [o], podendo também ser seguida das consoantes ‘t’, ‘d’ e ’x’, quando em

posição final de palavra. A forma gráfica ‘eau’ ocorre principalmente em final de

palavra. A forma ‘o’ ocorre, sobretudo, em posição mediana, mas poderá ser

seguida das consoantes ‘t’, ‘c’, ‘p’ e ‘s’ quando em final de palavras, podendo

também ser marcada por acento circunflexo.

2.3 Sobre o modelo teórico proposto por Calabrese (1995)

A proposta de Calabrese (1995) baseia-se na noção de complexidade fonológica.

Para o autor, por serem os segmentos fonológicos feixes de traços distintivos, é a

coocorrência de determinados traços que vai determinar ou não a sua marcação.

O autor afirma que existem combinações de traços que podem ser consideradas mais

simples, mais complexas ou mesmo impossíveis, em se considerando aspectos

articulatórios, perceptuais e acústicos. A impossibilidade será expressa por uma

proibição, enquanto a complexidade, por uma marcação. Um exemplo de coocorrência

não encontrada nas línguas é a dos traços [+alto, +baixo], uma vez que tal combinação é

restringida pela Gramática Universal (GU); já a maior complexidade pode ser verificada

em combinações expressas por condições de marcação que definem a coocorrência de

determinados traços como complexa, por exemplo, [-posterior, +arredondado]5 que

define a vogal /y/ do inventário fonológico do francês.

As línguas, de modo geral, possuem em seus inventários segmentais, unidades

constituídas por combinações de traços ótimas que produzem vogais não-marcadas,

3 Quanto à grafia ‘e’, Catach (1995) aponta que em francês há três vogais correspondentes: [e], [] e []. As

alternâncias entre ‘e aberto’, ‘e fechado’ e ‘e mudo’ são essenciais para marcar flexão de verbos, de gênero e de número. 4 Em relação ao grafema ‘eu’, Catach (1995) assinala que ele pode ser transcrito indiferentemente de a vogal [] ser

aberta ou fechada. Entretanto, por diferentes critérios – diacrônico, distintivo, diacrítico - podem-se encontrar outras variantes (eût, oeu, oe, eu). O principal concorrente de ‘eu’ é o ‘e’ caduco - []. 5 O sublinhado significa, na formalização de Calabrese, que o traço é o responsável pela complexidade da configuração.

Page 331: Letras & Letras

como é o caso de [+baixo,-arredondado,-ATR], isto é, a vogal /a/; e também aquelas

mais marcadas como [-posterior, +arredondado], recém referida. É importante salientar

que a marcação possui diferentes graus de complexidade. Calabrese (1995, p.381)

ilustra seu modelo a partir da hierarquia proposta para o sistema vocálico, reproduzida

em (6):

(6)

Grau de complexidade =0 0

[-baixo -alto] A1 B1 [+baixo - post]

[-alto +ATR] A2 C1 [- post +arred]/ [ ___ - baixo]

[+alto -ATR] A3 D1 [+ post - arred] / [ ___ - baixo]

GC = n [+baixo + ATR] A4 E1 [+baixo +arred]

Figura 4. Hierarquia de complexidade de traços. Fonte: CALABRESE (1995, p. 381)

O ramo A da árvore traz quatro condições de marcação, sendo importante

considerar que há entre elas uma relação implicacional, isto é, se a condição de

marcação A3 é permitida em um dado sistema, então A1 e A2 também o serão. Nos

demais ramos, B, C, D e E, apenas uma condição de marcação é expressa.

O grau de complexidade de uma configuração de traços será medida pela distância

que apresentar em relação à raiz da árvore. Por esta hierarquia, A1 estabelece que

vogais médias são complexas e A2 e A3, que vogais médias [+ATR]6 e vogais altas [ -

ATR] são complexas, pois a vogal alta ótima deve ser [+ATR] enquanto a vogal média

ótima, [-ATR]. C1 e D1 são condições de marcação que dizem respeito às vogais

arredondadas frontais e as vogais não arredondadas posteriores, fonologicamente

complexas.

De acordo com este modelo, o segmento caracterizado por uma combinação de

traços mencionada em uma condição de marcação pode ocorrer em um dado sistema

fonológico se, e somente se, a condição relevante estiver desativada (CALABRESE,

1995, p.377). Levando-se em conta os sistemas vocálicos do PB e do FS, observa-se

que a condição de marcação C1 está ativa em Francês e, por isso, o sistema apresenta

vogais [-posterior] arredondados, fato não verificado no sistema português, no qual tal

condição de marcação não está ativa.

Calabrese (1995) afirma que existem estratégias que reparam configurações

sujeitas à marcação, as chamadas estratégias de reparo, que, segundo o autor, são

procedimentos de simplificação utilizados nos casos em que um sistema fonológico tem

o seu grau de complexidade excedido. Simplificar uma configuração de traços significa

reparação ou eliminação que podem ser obtidas por meio da utilização de três tipos de

estratégias de simplificação:

a) Fissão é uma operação que divide um conjunto de traços que contém uma

configuração não permitida em dois conjuntos sucessivos. Resultante disso tem-se dois

segmentos contendo apenas um dos traços da configuração complexa.

6 O traço [ATR] (advanced tonge root) é utilizado por Calabrese para dar conta da diferença entre vogais médias altas e as médias baixas, sendo as primeiras [ +ATR] e as últimas [ - ATR].

Page 332: Letras & Letras

b) Desligamento é a operação na qual um dos traços complexos da configuração não

permitida é desligado. Como resultado desta operação, tem-se a substituição de um

traço incompatível por um traço compatível.

c) Negação é a operação que muda os valores dos traços incompatíveis da

configuração não permitida por valores opostos.

A seguir, encontram-se as ilustrações dos procedimentos de simplificação

referidos, conforme Calabrese (1995, p. 389):

a) Fissão

X → X

acons acons acons

bsoan bsoan bsoan

[αF1] [αF1]

[βF2] [βF2]

[γF3] [γF3] [γF3]

[δF4] [δF4] [δF4]

Onde o conjunto de traços da esquerda da seta contém uma configuração de traços [αF1, βF2], proibida pela condição de marcação ativa *[αF1, βF2].

b) Desligamento:

X

acons

bsoan

[αF1]

[βF2]

Onde [αF1] conflita com [βF2] devido a uma condição de marcação ativa *[αF1, βF2].

c) Negação:

[αF1, βF2] → - ([αF1, βF2]) → [-αF1, -βF2]

Onde [αF1] e [βF2] são valores de traços conflitantes devido à condição de marcação ativa *[αF1, βF2].

Figuras 5, 6 e 7: Procedimentos de fissão, desligamento e negação. Fonte: Calabrese, 1995, p. 389

Page 333: Letras & Letras

Procedimentos como os de Fissão e Desligamento criam representações

incompletas, mas que, segundo o autor, são preenchidas por uma convenção7, a qual é

responsável pela inserção de especificações não marcadas.

3. Procedimentos Metodológicos

Os sujeitos que produziram os dados analisados neste estudo são falantes nativos

de Português e cursavam, à época das coletas, diferentes semestres do Curso de

Licenciatura Plena em Letras – Habilitação Português/Francês de uma universidade

pública brasileira. A carga horária na disciplina de Língua Francesa é de 8 h. semanais

para iniciantes e 6 h. para avançados. A distribuição dos sujeitos por semestre8 pode ser

observada no quadro a seguir:

semestre número de sujeitos

2o semestre 8

4o semestre 4

6o semestre 2

8o semestre 3

total 17 Quadro 3: Distribuição dos sujeitos da pesquisa por semestre

Os dados que compõem a pesquisa fazem parte de uma amostra de dados de

escrita coletada durante o segundo semestre letivo de 2002. Os dados provêm de um

ditado9 de frases em Língua Francesa que continha palavras nas quais os alunos

deveriam registrar ortograficamente os fones [y], [], [], [u], [o]. O estudo é

eminentemente qualitativo, embora sejam apresentados alguns percentuais relativos à

freqüência dos erros e acertos encontrados. A análise ocupar-se-á da qualidade da

produção escrita mais que da quantidade de vezes em que cada forma gráfica foi

produzida.

Para a confecção dos ditados foram selecionadas palavras que contivessem em sua

escrita ortográfica os fones [], []; [y] - por serem exclusivos do sistema

fonético/fonológico e ortográfico do Francês - e os fones [u] e [o] por se diferenciarem

somente em nível ortográfico nos dois sistemas - Francês e Português. Além disso, para

cada um dos fones focalizados, foram escolhidas palavras supostamente conhecidas e

desconhecidas. As palavras desconhecidas, extraídas do dicionário, deveriam conter os

fones estudados considerando-se os seguintes critérios: (a) estar em sílabas com ou sem

coda; (b) estar em posição inicial, medial ou final da palavra; (c) estar em sílaba tônica

ou átona; e (d) estar em monossílabos, dissílabos, trissílabos ou polissílabos. As

palavras conhecidas foram extraídas dos materiais didáticos utilizados nas aulas de

francês e distribuídas a partir dos critérios recém referidos.

A seguir, no quadro 4 estão apresentados exemplos de palavras utilizadas no

ditado, as quais contêm o fone [y]:

7 Last Resort Convention: dada a condição de marcação [αF, βG], preencha [-βG] com um feixe de traços que contenha [αF] mas não as especificações para [G], e preencha [-αF] com um feixe de traços que contenha [βG], mas não as especificações para [F] (CALABRESE, 1995, p.389). 8 O número de sujeitos corresponde ao número de alunos matriculados nos respectivos semestres. 9 A opção pelo ditado por dois motivos: primeiro porque há relatos na literatura sobre o uso de estratégias de evitação, as quais são largamente empregadas pelos escreventes em situações de produção espontânea (CORNAIRE, 1998); segundo porque era necessário que os contextos relevantes para o estudo fossem fartamente encontrados.

Page 334: Letras & Letras

[ y ] palavra conhecida palavra desconhecida

sem coda com coda sem coda com coda

início de palavra humains hurlé ubiquiste uppercut

meio de palavra amusant musulman repugnante obscurcir

final de palavra par-dessus utérus tendue conjure

Quadro 4: Exemplos de palavras do ditado de acordo com as variáveis consideradas

Depois de selecionadas, as palavras (em média dez para cada fone) foram

inseridas em frases que se distribuíram em dois grupos, A e B. No primeiro, palavras

que continham os fones [y], [], [], exclusivos do francês; e no segundo, [u] e [o],

fones comuns aos dois sistemas. Para a coleta, contou-se com o apoio de uma única

professora10

do Curso em que os alunos estudavam a fim de evitar variação na

pronúncia daquele que ditava.

Na próxima seção, serão apresentados os principais resultados bem como a análise

realizada.

4. Descrição e análise dos dados de escrita

Nesta seção, serão apresentados os resultados da distribuição geral das grafias das

vogais do francês [y], [], [], [u], [o]. Os dados foram extraídos de ditados realizados

por alunos de FLE em diferentes estágios de desenvolvimento. Primeiramente serão

apresentados os dados relativos às vogais exclusivas francesas e, em seguida, aqueles

concernentes às vogais pertencentes aos dois sistemas estudados.

4.1 A grafia das vogais arredondadas exclusivas do francês

4.1.1 As representações gráficas do fone [y]

Semestre Representações gráficas

Acerto Erros

2º ‘u’ ‘i’, ‘ou’, ‘iu’, ‘ui’

4º ‘u’ ‘i’, ‘ou’

6º ‘u’ ‘i’, ‘y’

8º ‘u’ ‘i’, ‘iu’

Total % 140/178 78,6% 38/178 21,4% Quadro 5: As representações gráficas do fone [y]

O primeiro aspecto a ser mencionado diz respeito ao alto índice de acertos, em

média 78,6%, com prevalência da grafia correta nos dados analisados e índices de

acertos que aumentam à medida que o contato com o FLE também aumenta. Como

exemplos de grafia correta têm-se: ‘humain’, ‘amusant’, ‘tendus’, ‘hurlé’, ‘obscurcir’,

10 A referida professora é reconhecida por seus pares por sua notória excelência na produção oral em Francês.

Page 335: Letras & Letras

‘musulman’, ‘utérus’, ‘conjure’ e ‘repugnante’. A representação gráfica de [y] por ‘u’

demonstra que, em boa parte das grafias, os sujeitos estabelecem relação adequada entre

a ortografia e a fonologia da língua que estão adquirindo. A segunda opção mais

utilizada pelos alunos é o grafema ‘i’, cujo uso pode ser observado em índices

semelhantes em todos os semestres investigados. Como exemplo dessa representação

gráfica tem-se: ‘ont dit’, ‘ibicuiste’, ‘ipercute’, ‘luteris’, ‘musilman’, ‘hipercute’,

‘mosilement’. De modo geral, observou-se que a variável palavra desconhecida exerce

influência sobre os erros ortográficos, uma vez que o uso de ‘i’ foi mais frequentemente

encontrado em palavras deste tipo e os acertos concentraram-se em palavras

supostamente mais conhecidas dos alunos.

Alcântara (1998), com base em Calabrese (1995), analisou dados de fala de alunos

do mesmo Curso de Letras e, ao estudar as produções orais das vogais arredondadas do

francês [y], [ø] e [œ] por falantes nativos de português, constatou a utilização, por parte

dos aprendizes, de procedimentos de simplificação que visavam à eliminação da

excessiva complexidade do sistema francês em se considerando as vogais. Os alunos

por ela estudados utilizam estratégias para reparar e/ou eliminar aquele traço que lhe é

demasiadamente complexo, substituindo-o por outro que lhe seja familiar.

Com base na proposta de Calabrese (1995, p.392), Alcântara (1998) formaliza o

procedimento de desligamento responsável pela produção de [i] em vez de [y] com a

representação em (7), a qual é adequada também para explicar o tratamento dado a este

segmento nas produções escritas.

(7)

X (por desligamento) X (= [i])

[-cons] [-cons]

PV PV

Labial Dorsal Raiz da Língua Labial Dorsal

Raiz da língua

[+ arred]

[- post] [-arred]

[-post]

[+alt] [+alt]

[- bx] [-bx] [+ATR] [+ATR]

Figura 8: Procedimento de desligamento. Fonte: Calabrese (1995, p. 392)

O fato de a condição de marcação C1 (aquela que licenciaria a coocorrência [[-

post, +arred] em contexto de [-baixo]) não estar ativa em português, uma vez que a

gramática sonora do francês, ainda em construção, sofre a influência de conhecimentos

Page 336: Letras & Letras

pertinentes à gramática sonora do português, pode explicar as escolhas feitas pelos

aprendizes que, neste caso, elegem o ‘i’ para representar [y]. A figura 8, em (7), ilustra

o procedimento de desligamento de traços, por meio do qual o falante nativo de PB

desliga o [+arredondado], que ao coocorrer com [-posterior] cria configuração de alta

complexidade, e produz a vogal alta [-posterior] presente em seu sistema nativo.

A utilização do grafema ‘y’ para grafar /y/ foi encontrada em apenas duas grafias

de um estudante do sexto semestre. Tais ocorrências também podem ser interpretadas

como reflexo de conhecimentos que ele possui sobre sua LM, pois assim como o ‘i’

também o ‘y’ é grafema utilizado em francês para representar graficamente a vogal /i/.

Outras grafias observadas são referentes ao uso de duas letras para a representação

de /y/. Como exemplos de representações gráficas de [y] por ‘iu’ e ‘ui’ tem-se ‘percuit’,

‘luterius’, ‘iurlé’, todas estas, palavras pertencentes ao grupo das palavras menos

conhecidas pelos sujeitos. Alcântara (1998) verificou em seus dados que o fone [y] pode

ser realizado foneticamente como [јu], fato também explicado com base em Calabrese

(1995), como o uso da estratégia de fissão, procedimento que divide um conjunto de

traços complexos não permitidos em dois conjuntos sucessivos, cada qual contendo

somente um dos traços da configuração não-permitida, conforme ilustração em (8)

(8) (por fissão)

X X

[-cons] [-cons] [-cons]

PV PV PV

Labial Dorsal Labial Dorsal Dorsal Labial

[+arred] [+arred]

[-post] [-post]

[+alto] [+alto] [+alto]

[-baixo] [-baixo] [-baixo]

Como se pode observar, o segmento com uma configuração [+arred, -post], que

corresponde a uma condição de marcação não ativada no português, se divide em duas

raízes, sob as quais se distribuem os traços, exceto aqueles responsáveis pela

complexidade, os quais dividem-se entre as duas raízes resultantes. O passo seguinte

será a aplicação de uma regra que funde nós idênticos subjacentes ligados a uma

unidade de tempo, criando uma configuração que exibe compartihamento de traços,

como mostra (9)

Page 337: Letras & Letras

(9)

X (iu)

[-cons] [-cons]

PV PV

Labial Dorsal Raiz da Língua Raiz da LínguaDorsal Labial

[-arred] [+ATR] [+arred]

[-post]

[+post]

[+alto]

[-baixo]

Figuras 9 e 10: Procedimento de Fissão. Fonte: Calabrese (1995, p. 392)

Destas operações resulta o output [јu] em línguas que não possuem em seu

inventário fonológico o /y/. Neste caso, os falantes nativos de PB resolvem a

complexidade do fone [y] dividindo o conjunto de traços que o constituem e

produzindo, em vez de um, dois segmentos na forma de um ditongo. Os dados mostram

que graficamente, os informantes também representam o fone [y] por ‘iu’ e por ‘ui’, fato

que pode ser interpretado como o indicativo de que os informantes utilizam seus

conhecimentos fonológicos e as estratégias já acionadas quando da aquisição da

fonologia da língua alvo.

Na representação gráfica do fone [y], os sujeitos resolvem o problema da

coocorrência que gera complexidade excessiva por meio da grafia das formas ‘ui’ e ‘iu’.

Dessa forma, o ditongo contempla os dois traços do fone [y] ([+anterior] e

[+arredondado]) dividindo-os entre ‘u’ e ‘i’, na grafia do ‘u’ está presente o traço

[+arredondado] e na grafia do ‘i’ o traço [+anterior]. Esse fenômeno, de certo modo,

também conduz a afirmação de que ao proceder por fissão, os sujeitos, buscam resolver

a complexidade de [y] apoiados em seu sistema materno.

Outra grafia observada nos dados, diz respeito à utilização dos grafemas ‘ou’ que

no sistema ortográfico francês corresponde ao fone [y]. As palavras em que se observou

este tipo de uso são ‘conjoure’, ‘conjour’, ‘luterousse’. Na pesquisa de Alcântara

(1998), o fone [y] foi também realizado foneticamente como [u], o que pôde ser

explicado como um procedimento de desligamento de traços, no qual a configuração de

traços [-posterior, +arredondado] passa para [+posterior, + arredondado] devido ao

desligamento do traço [-posterior] e de sua substituição pelo traço [+posterior]. Esse

procedimento resulta na realização de [u] em vez de [y], como mostra a representação

em (10).

Page 338: Letras & Letras

(10)

X por desligamento X

[-cons] [-cons]

PV PV

Labial Dorsal Raiz da Língua Labial Dorsal Raiz da Língua

[+arred] [+arred]

[-post] [+post]

[+alto] [+alto]

[-baixo] [-baixo]

[+ATR] [+ATR]

Figura 11: Procedimento de desligamento. Fonte: Calabrese (1995, p. 392)

Assim, o procedimento de desligamento permite aos informantes corrigirem a

configuração proibida em PB [-posterior, +arredondado] por meio do desligamento do

traço [-posterior], substituindo-o pelo traço compatível em PB, o [+posterior]. Os dados

de escrita estudados demonstram que os informantes adotam o mesmo procedimento

fonológico observado na oralidade de alunos de FLE, ao representarem [y] graficamente

como ‘ou’.

4.1.2 As representações gráficas do fone []

No quadro 6, podem ser vistos os resultados referentes às representações

ortográficas do fone [] pelos alunos dos quatro semestres analisados.

Semestre Representações gráficas

Acerto Erros

2o ‘eu’ ‘au’, ‘o’, ‘e’, ai

4o ‘eu’ ‘au’, ‘e’

6o ‘eu’ ‘au’, ‘o’, ‘e’

8o ‘eu’ ‘eau’

Total % 102/142 71,8% 40/142 28,2%

Quadro 6: As representações gráficas do fone []

A vogal [], assim como a vogal [y], está ausente no sistema fonológico do

português, pois apresenta complexidade superior àquela permitida pelo sistema da

língua. Alcântara (1998), ao estudar a pronúncia desta vogal pelos alunos de FLE,

verificou uma tendência dos brasileiros produzirem-na como [ew] e [o]~[e], em

decorrência da ação de procedimentos de Fissão e de Desligamento, respectivamente.

Page 339: Letras & Letras

Pelas características do sistema ortográfico francês, que neste caso elege o

grafema ‘eu’ para representar o fonema [], não é possível falar em casos de ditongação

em [ew], como pôde ser verificado na oralidade, por Alcântara (1998), uma vez que a

representação gráfica relativa ao ditongo coincide com a norma ortográfica.

As representações corretas foram verificadas em 71,8% dos dados e são referentes

a grafias como ‘eucaliptism’, ‘demeuré’, ‘banlieu’, ‘heureuse’, ‘eutatism’, ‘eufuism’,

‘afreusment’. Já os erros em ‘au’, ‘eau’ e ‘o’ dizem respeito a palavras como

‘autatismmo’, ‘aucaliptust’, ‘hautatisme’, ‘eautatisme’, grivauze’, ‘moble’, ‘demoré’,

‘graciosité’. Nestes dados, o procedimento de desligamento pode estar na base das

escolhas gráficas dos estudantes. Ao produzir // como [o], o falante lança mão de um

procedimento de simplificação de traços, desligando aquele responsável pela

configuração complexa, a saber, o [-posterior] que associado ao [+arredondado] excede

o grau de complexidade observado no inventário das vogais do português.

Também são exemplos de representações gráficas de [] a utilização de ‘e’ e ‘ai’

em formas como ‘afraisement’, ‘maible’, ‘banlie’, ‘aussé’, ‘efuisme’. O caso da grafia

‘ai’ é interessante porque, embora pudesse ser interpretada como um caso de registro de

ditongo, em uma primeira tentativa de explicação, deve estar, na verdade, relacionada

ao fato de tal sequência gráfica estar relacionada ao registro de /e/. Tal hipótese

interpretativa pode ser sustentada pelo fato de ‘ai’, no sistema do PB, ser equivalente a

um ditongo, mas, no do FS, equivaler a um grafema que corresponde ao fonema /e/. Se

assim o for, tem-se novamente, exemplo de grafia embasada na representação

fonológica da vogal que é resultante da atuação de um procedimento de desligamento,

dada a complexidade da configuração [-posterior, +arredondado].

Em (7) e (10), onde estão representados os procedimentos responsáveis pela

simplificação da configuração de /y/ que podem resultar em [i] ou [u], pelo

desligamento de [+arredondado] ou de [-posterior], respectivamente, encontra-se a

formalização para o que se observa também na grafia de // como ‘e-ai’ e ‘o’, a qual

apresenta o mesmo tipo de motivação e revela a utilização dos mesmos procedimentos.

4.1.3 As representações gráficas do fone [œ]

No quadro 7, podem ser visualizadas as representações ortográficas do fone []

de acordo com o tempo de exposição à LE.

Semestre Representações gráficas

acerto Erros

2o ‘eu’ ‘au’, ‘o’, ‘e’, ‘ai’

4o ‘eu’ ‘o’, ‘e’, ‘ai’

6o ‘eu’ _

8 ‘eu’ ‘au’, ‘o’

Total % 72/94 76,6% 22/94 23,4%

Quadro 7: As representações gráficas do fone []

Quanto aos índices de erros e acertos, observa-se semelhança entre estes

expressos para // e aqueles já referidos para /y/ e //. Os acertos na escrita de palavras

Page 340: Letras & Letras

que contêm o fone [], representado ortograficamente pelo grafema ‘eu’, são referentes

a palavras tais como ‘déjeuner’, ‘pêcheur’, ‘eurtoire’, ‘heureuse’, ‘esseulé’, ‘effeuillant’.

Os erros encontrados podem ser referentes ao uso de ‘au’ e ‘o’, grafias

interpretadas como tentativas de grafar o fone [o], observadas em palavras como

‘essaulé’, ‘essolé’, ‘et solé’ para ‘esseulé’. Os dados de escrita revelam que, também em

relação a este segmento, os informantes mostram uma tendência a evitar a

complexidade da configuração [-posterior, +arredondado], por meio do uso de

procedimento de simplificação de traços, com o desligamento daquele responsável pela

complexidade excessiva.

Também foram encontradas grafias em que ‘e’ e ‘ai’ foram utilizados pelos

alunos, o que pôde ser interpretado como tentativa de representar graficamente o //,

cujas formas gráficas consagradas pela ortografia são ‘e’ e ‘ai’. Os exemplos extraídos

do corpus estudados são: ‘pecher’ para ‘pêcheur’, ‘éfaion’ para ‘effeuillant’, ‘et solé’ e

‘esselée’ para ‘esseulé’.

Alcântara (1998) descreve e analisa as realizações fonológicas de [] e [] por

falantes nativos de PB e afirma que seus informantes têm dificuldades em categorizar e

diferenciar esses fones. No caso dos dados de escrita, deve-se considerar ainda que,

além da complexidade fonológica, pode haver alguma dificuldade em relação à escolha

gráfica, uma vez que para ambos os segmentos, o mesmo grafema é definido pelo

sistema ortográfico para representá-los, o ‘eu’.

Nesta subseção, assim como nas anteriores, foram apresentados os resultados

referentes às grafias das vogais exclusivas do francês. Embora os índices de acertos

sejam superiores aos de erros, a qualidade dos erros cometidos pelos alunos permitiu

uma análise que, com base na proposta de Calabrese (1995), revela o uso de estratégias

empregadas na escrita que têm base nos conhecimentos linguísticos do aprendiz, os

quais levam a ajustes que, nestes casos específicos, podem ser expressos pelo uso de

procedimentos de simplificação, como a Fissão e o Desligamento, para eliminar

coocorrências de traços indesejadas em razão da complexidade suportada pelo sistema

vocálico da LM.

4.2 A grafia das vogais arredondadas comuns aos dois sistemas [u, o, ]

Serão apresentados, nesta subseção, os dados referentes às grafias das vogais

arredondadas comuns aos sistemas do português e do francês. Os quadros 8 e 9,

seguindo a mesma metodologia dos anteriores, trazem os índices gerais de erros e

acertos bem como os exemplos das formas gráficas utilizadas pelos alunos para a

representação do [u], [o] e [].

4.2.1 As representações gráficas do fone [u]

As representações ortográficas do fone [u] de acordo com o tempo de exposição à

LE podem ser visualizadas, no quadro 8:

Semestre

Representações gráficas

Acerto Erros

2o ‘ou’ ‘au’, ‘u’

Page 341: Letras & Letras

4o ‘ou’ ‘au’, ‘u’

6o ‘ou’ ‘au’, ‘u’

8o ‘ou’ ‘au’, ‘u’

Total % 171/199 85,9% 28/199 14,1%

Quadro 8: As representações gráficas do fone [u]

No quadro 8, tem-se um índice mais alto de acertos, em relação aos percentuais

obtidos na análise dos dados referentes às grafias das vogais exclusivas do francês.

Como exemplos de representações gráficas de [u] por ‘ou’, tem-se ‘ouvert’, ‘hougrien’,

‘gandourra’, ‘fourbir’, ‘journal’, ‘beaucoup’, ‘gorfou’. Quanto aos erros, tem-se a grafia

de [u] por ‘au’, representação gráfica que pode ser interpretada como a tentativa de

representar graficamente o fone [o], em palavras como ‘autre-mer’ em vez de ‘outre-

mer’, ‘gaurfou’ em vez de ‘gourfou’, ‘faurbire’ em vez de ‘fourbir’. Nas palavras em

que se verificou a produção de ‘au’ por ‘ou’, constatou-se que os erros ocorrem sempre

quando a vogal está na primeira sílaba, que em francês tende a ser pretônica, e em itens

lexicais classificados como desconhecidos.

Há indícios de que o informante utiliza seu conhecimento em LM, seja o

fonológico seja o ortográfico, ao escolher o modo de grafar em LE. Na ortografia de [u],

por exemplo, o aprendiz de FLE parece estar transferindo conhecimentos já construídos

acerca de sua LM para a LE, uma vez que, em português, os fones [u] e [o] podem ser

neutralizados em certas posições não tônicas. Em palavras como ‘polícia’ e ‘boneco’,

por exemplo, o /o/ permanece como convenção de escrita, pois na forma oral têm-se [u],

(CÂMARA JR. 1970). Considerando-se que a troca de ‘ou’ por ‘au’ somente ocorreu

em posições átonas, é plausível a interpretação de que estas grafias estejam sofrendo

influência do conhecimento que os usuários têm sobre o funcionamento fonológico e

ortográfico da língua.

Como exemplos de representações gráficas de ‘ou’ por ‘u’, tem-se ‘hungrien’,

‘ugriant’, ‘concurs’, ‘ugrien’. Neste caso, pode-se pensar que o informante ortografa

desta forma em decorrência de analogia com sua LM. Alcântara (1998) observou que a

troca fonológica de [y] por [u] pode ocorrer em palavras que são idênticas ao português

e talvez seja este o motivo por que os estudantes grafam o [u] como se fosse [y], já que,

nos dados de escrita, verificou-se que os informantes também trocaram ‘ou’ por ‘u’, em

palavras idênticas ao português:‘ougrien’ grafado como‘hungrien’, ‘hugrien’, ‘ugriain’

ou ’ugrien’; e ‘concours’ grafado como ‘concurs’ ou ‘concurse’. Grafias de palavras

que equivalem, respectivamente, a ‘húngaro’ e ‘concurso’, em português.

4.2.2 As representações gráficas dos fones [o] e []

Nos dados referentes à grafia de [o] e [], foram obtidos os resultados expressos

no quadro 9.

Semestre Representações gráficas

Acertos erros

2o ‘au’, ‘eau’, ‘o’ ‘eu’

4o ‘au’, ‘eau’, ‘o’ ‘eu’

6o ‘au’, ‘eau’, ‘o’

8o ‘au’, ‘eau’, ‘o’

Page 342: Letras & Letras

Total % 137/181 75,7% 44/181 24,3% Quadro 9: As representações gráficas do fone [o] e []

Os resultados exibidos no quadro 9 mostram que, no caso da vogal [o],

representada corretamente por ‘o’, ‘au’ ou ‘eau’, o índice de acertos é mais baixo que os

da grafia do /u/ e similar àqueles verificados nos dados referentes às vogais exclusivas

do francês. Ocorre, porém, que neste caso há uma variável relativa ao sistema

ortográfico que influencia os resultados, a saber, a distribuição dos três grafemas

utilizados para a representação de /o/. Os dados de escrita estudados mostram que os

informantes têm dificuldades em escolher um dentre os três grafemas disponíveis, o que

resulta em erros ortográficos que fazem aumentar o percentual final. O uso de ‘o’,

licenciado pelo sistema para representar /o/ e //, mas com distribuição regulada por

contexto, é responsável por erros como ‘reocement’ no lugar de ‘rehaussement’,

épolette’ no lugar de ‘épaulette’, ‘costo’, ‘costeaut’, ‘costot’, ‘causto’ no lugar de

‘costaud’ ou ‘causteau’. Tais grafias indicam que os sujeitos ainda não têm

conhecimento das regras de distribuição ortográfica do francês. De modo geral, o

sistema opta pela utilização de ‘au’ e a presença de ‘eau’ é mais frequente em final de

palavras, enquanto a grafia ‘o’ pode vir acompanhada por consoantes ‘t’, ‘s’, ‘d’, ‘p’ e

‘c’.

Como exemplos de representações gráficas corretas de [o], têm-se ‘aujourd’ hui’,

‘restaurant’, ‘costeau’, ‘épaulettes’, ‘cosmonautes’, ‘hautement’, ‘astronaute’; já como

exemplos de representações ortográficas de ‘o’ por ‘eu’, extraídos dos dados dos 2o e 4

o

semestres do Curso, tem-se ‘reussement’ em vez de ‘rehaussement’, ‘eutement’ em vez

de ‘hautement’, ‘recheuflement’ em vez de ‘réchauffement’, ‘astroneute’ em vez de

‘astronaute’, ‘cosmeneute’ em vez de ‘cosmonaute’.

Ainda que a vogal em questão seja idêntica nos dois sistemas, podem-se

interpretar esses dados como indicativos de que os usuários estejam tentando

representar graficamente o fone []. Este raciocínio pode ser sustentado pelo fato de

haver uma complexidade excessiva na representação fonológica de /ø/ e, ao mesmo

tempo, uma complexidade excessiva na representação gráfica de /o/, o que pode estar

causando um conflito entre a complexidade fonológica presente na vogal média

arredondada - [] e a complexidade ortográfica relativa à vogal média não-arredondada

- [o]. Os dados parecem demonstrar que os informantes detectaram a existência da

complexidade fonológica e ortográfica do sistema do francês, uma vez que usam a

forma gráfica da vogal complexa para representar uma não-complexa. Neste caso, estar-

se-ia diante de uma supergeneralização, a partir da qual os informantes estariam

transferindo a complexidade do sistema ortográfico para o fonológico.

5. Considerações finais

Neste artigo, cujo foco incide nas relações entre o conhecimento fonológico e

ortográfico e que tomou como ponto de partida dados de escrita de estudantes

brasileiros, aprendizes de FLE, referentes às vogais arredondadas do francês, argúi-se

em favor da ideia segundo a qual, no processo de aquisição da escrita, os sujeitos

lançam mãos de estratégias de reparo também verificadas em dados de aquisição

fonológica, conforme descritas por Alcântara (1998), com base na proposta de

Calabrese (1995). O uso de tais estratégias se verifica, especialmente, no registro das

Page 343: Letras & Letras

vogais exclusivas do sistema do francês, [y], [] e []. Na escrita produzida pelos

alunos, ficam evidenciadas as estratégias de Fissão e Desligamento, em dados nos quais

os aprendizes utilizam representações gráficas do tipo ‘i’, ‘ou’, ‘ui’ e ‘iu’ para

ortografar [y]; ‘au’, ‘eau’, ‘o’ e ‘e’ para ortografar []; ‘au’, ‘o’, ‘e’, ‘ai’ para ortografar

[]. Esses fatos são interpretados como vestígios de operações fonológicas que visam

ao ajuste do input recebido ao sistema fonológico já constituído da LM, reforçando a

suposição de que os informantes, ao desenvolverem sua IL, se servem do sistema

lingüístico materno para preencher as lacunas do sistema da LE que, neste caso,

apresenta complexidade maior que o de sua LM, em se considerando o sistema

vocálico.

Em relação às grafias das vogais idênticas aos dois sistemas: [u] e [o], os dados

mostraram que os informantes se utilizaram principalmente da estratégia analógica,

buscando subsídios para produzirem suas formas gráficas no funcionamento do sistema

vocálico da sua LM e também no sistema ortográfico. A procura de referencial

ortográfico na LM ilustra a utilização de estratégias de analogia e economia por parte

dos aprendizes, como propõe Moore (2001).

Salienta-se que as diferentes estratégias ortográficas empregadas pelos

informantes foram detectadas a partir de seus erros ortográficos, o que contribui para

que o erro seja percebido como dado imprescindível para o estudo dos processos de

aprendizagem, uma vez que são eles capazes de revelar as hipóteses construídas pelos

aprendizes, o que reforça a argumentação de Kato (1997) de que os erros são janelas

para as estratégias.

Por fim, não se pode deixar de fazer referência à contribuição que se pretende com

o desenvolvimento deste estudo para com as discussões do campo da fonologia,

mostrando, a partir de dados de aquisição da linguagem, a estreita conexão entre

conhecimento linguístico, modelos fonológicos e aquisição da escrita.

ROMBALDI, C. R. M.; MIRANDA, A. R. M.; DAMIANI, M. F. THE

INFLUENCE OF PHONOLOGY ON THE SPELLING OF FRENCH ROUNDED

VOWELS BY BRAZILIANS SPEAKERS

Abstract

In this paper, we present the results of a study on the spelling of French rounded vowels

by Brazilian students of French as a Foreign Language. Data were separated into two

groups: words with vowels which are exclusively used in the standard French (SF)

system and words with vowels common to both systems (French and Brazilian

Portuguese (BP)). Data analysis, guided by the Constraint-Based Theory of

Phonological Markedness proposed by Calabrese (1995), shows that, when writing the

vowels that are unique to the French system, students choose spellings that unveil

phonological procedures similar to those described by Alcântara (1998), such as Fission

and Delinking. In the case of spellings of vowels common to both BP e SF, the results

suggest the establishment of analogies with the forms of spelling representation of the

mother tongue. Based on language acquisition data, the study aims to contribute to the

discussions in the field of phonology, showing the strong connection between linguistic

knowledge, phonological models and writing acquisition.

Keywords

writing acquisition, French rounded vowels, simplification procedures

Page 344: Letras & Letras

6. Referências

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VIGOTSKY. L. S. Pensamento e Linguagem. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000

Page 346: Letras & Letras

MODELAMENTO TEÓRICO DE PROCESSOS VARIÁVEIS EM MODELOS

DINÂMICOS DE FALA: POSSIBILIDADES DE REPRESENTAÇÃO DO

ROTACISMO NO ÂMBITO DA FONOLOGIA GESTUAL

Profa. Dra. Luciane COSTA

Universidade Estadual do Centro-Oeste – Paraná

Formação: Doutor

E-mail: [email protected]

Resumo

O rotacismo é um processo de alternância entre as consoantes líquidas, lateral e rótico,

no ambiente de ataque complexo ou coda silábica como, por exemplo, a realização de

plano ou prano. É um fenômeno antigo e produtivo na língua portuguesa

tradicionalmente descrito como a troca categórica de um som lateral por um tepe. O

exame dos detalhes fonéticos pertinentes à realização do rotacismo, propiciado pela

análise acústica de suas ocorrências, atestam o seu caráter gradiente motivado pela

trajetória do gesto de dorso de língua resultante da coarticulação entre o gesto dorsal da

líquida e da vogal. A incorporação dos detalhes fonéticos pertinentes exige uma

abordagem teórica dinâmica que assuma a dimensão temporal para as unidades fônicas

e permita o tratamento da gradiência e da coarticulação. Propomos, então, uma

representação do rotacismo à luz da Fonologia Gestual (BROWMAN; GOLDSTEIN,

1988, 1992) com especificação bigestual para as líquidas e acoplamento fásico entre a

líquida e a vogal no ataque complexo.

Palavras-chave

Fonologia Gestual; Fenômenos Variáveis; Rotacismo.

Introdução

Sabe-se que a variação é inerente à fala e pode possibilitar ou não a mudança

linguística. Paradoxalmente, o modelamento teórico de fenômenos variáveis representa

um desafio constante para as teorias linguísticas. Neste artigo, exploramos propostas de

representação teórica para o fenômeno variável do rotacismo à luz da Fonologia Gestual

(BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992), teoria que postula um tratamento dinâmico para os

fenômenos fônicos. Os modelos dinâmicos de produção da fala incorporam o aspecto

gradiente da cadeia sonora ao assumirem como naturais as flutuações nos parâmetros

das variáveis do sistema e a dimensão temporal das unidades, conseguindo desta forma

modelar elegantemente a variação. Na Fonologia Gestual, o primitivo de análise é o

gesto articulatório, uma oscilação abstrata que determina a formação e soltura de

constrições no trato vocal em termos da dinâmica de tarefa. A estrutura fonológica é

composta pelos gestos e suas ações coordenadas, cujos diferentes padrões de

sobreposição podem explicitar a variação.

Nosso objeto específico de estudo é o fenômeno variável do rotacismo,

tradicionalmente descrito como a substituição categórica de um som lateral por um som

rótico como, por exemplo, a realização de blusa como brusa. È um fenômeno antigo,

que se fez presente na formação da língua portuguesa, e produtivo, embora

Page 347: Letras & Letras

estigmatizado, que persiste até hoje na fala de determinadas comunidades. A

representação teórica aqui apresentada basear-se-á em um exame objetivo de realizações

do rotacismo e das variantes líquidas, sons de “r” e de “l”, produzidas no ataque

complexo obtido através de um estudo experimental (COSTA, 2011).

Esse estudo consistiu em um experimento de produção com quatro informantes,

dois que impressionisticamente realizavam rotacismo e dois que não realizavam

rotacismo. Os informantes foram orientados a ler a frase-veículo “Digo ... baixinho” nal

qual inserimos palavras com ataques complexos como, por exemplo, plano e prato ou

blusa e bruxa. Os dados foram gravados através do programa SONAR com uma taxa de

amostragem do sinal a 44.100 Hz. e posteriormente examinados acusticamente com o

programa de domínio público PRAAT (elaborado por Paul Boersma e David Weenink

do Institute of Phonetic Sciences da Universidade de Amsterdam e disponível no

endereço eletrônico: www.praat.org ).

Os resultados da análise acústica efetuada revelaram que há a realização das

variantes róticas tepe, aproximante e aproximante retroflexa no ataque complexo e

também a realização de róticos lateralizados, sons intermediários às laterais e aos

róticos já registrados em outras línguas (LADEFOGED; MADDIESON,1996). Esses

fatos demonstram que o rotacismo não é a mera substituição de um som lateral por um

som rótico e que parece ocorrer em um contínuo que vai da lateral em um ponto

extremo até o tepe no outro extremo, passando pela aproximante e pelos róticos

lateralizados. A duração dos sons não é significativa para o fenômeno do rotacismo

conforme testes estatísticos realizados. Observou-se também uma menor variação entre

o F2 inicial e medial das vogais frontais diante dos róticos em comparação com as

laterais, mas diante das vogais posteriores esse padrão inverte-se. Essas pistas acústicas

parecem indicar que a coarticulação da líquida com a vogal e o rotacismo estão

relacionados à qualidade vocálica, pois nos dados analisados ocorreram maior número

de casos do rotacismo em ataques complexos com as vogais frontais. Ou seja, o avanço

do corpo da língua pela coarticulação com as vogais centrais e frontais parece favorecer

o fenômeno. Ancorados nesses resultados do exame objetivo de detalhes fonéticos da

realização do rotacismo, sua natureza gradiente e a possibilidade de condicionamento

vocálico, propomos uma representação teórica dinâmica para o fenômeno à luz da

Fonologia Gestual ((BROWMAN; GOLDSTEIN, 1988, 1992).

Este texto organiza-se da seguinte maneira: na seção 1, apresentamos os

postulados teóricos da Fonologia Gestual. Na seção 2, resenhamos duas propostas de

representação teórica para o rotacismo já realizadas no âmbito da Fonologia Gestual.

Exploramos uma proposta para o rotacismo realizada em Albano (2001) que assume a

natureza bigestual das líquidas e representa suas similaridades. Abordagens mais

recentes da teoria (PROCTOR, 2009) também assumem a bigestualidade das líquidas e

conseguem representar o padrão coarticulatório mais próximo entre a líquida e a vogal

em um ataque complexo através da relação de faseamento dos gestos que constituem

estes sons. No ataque complexo, o gesto dorsal da líquida é sincrônico ao gesto dorsal

da vogal e o rotacismo pode ser justificado por mudanças na trajetória do gesto dorsal

líquido. A hipótese do condicionamento vocálico coaduna-se com os resultados de

nossa análise acústica e a bigestualidade das líquidas foi comprovada em uma

observação preliminar. Assim, na seção 3, propomos uma representação dinâmica que

abarca a bigestualidade das líquidas e que comporta o condicionamento vocálico e a

relação de faseamento entre os gestos como atuante no fenômeno.

Page 348: Letras & Letras

1. Fonologia Gestual

Com o desenvolvimento de tecnologias para a análise da fala humana, constata-se

empiricamente que fatos gramaticais inicialmente considerados categóricos podem ser

gradientes. Esta constatação serve de base para teorias que buscam tratar o sistema

fônico das línguas sem a tradicional separação entre a fonética e a fonologia. Conforme

Silva (2002), a representação dos sons através de um modelo dinâmico de análise da

fala torna possível a “tradução” direta do dinâmico no simbólico, ou seja, consegue

tratar adequadamente a gradiência da fala. Isto é possível porque a unidade de análise

contempla o gradiente e o categórico, o físico e o cognitivo. Na Teoria da Fonologia

Articulatória (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992), este primitivo dinâmico é o gesto

articulatório, composto por caracterizações de eventos articulatórios que possuem tempo

intrínseco. No Brasil, prefere-se o termo Fonologia Gestual ao termo Fonologia

Articulatória, abreviado FAR, para evitar uma ligação mnemônica com a Fonética

Articulatória e marcar sua especificidade teórica, pois o gesto é uma oscilação abstrata

da dinâmica de tarefa1 que envolve os articuladores na atividade de fala e não apenas o

movimento dos articuladores envolvidos nesta atividade.

As abordagens dinâmicas para o estudo da fala fazem uso de equações dinâmicas

para cálculo de parâmetros variáveis (GAFOS; BENUS, 2006). Em padrões

comportamentais, o estado de uma variável x exibe pequenas flutuações ao redor de

valores médios. Em uma abordagem dinâmica da fala, os parâmetros dos articuladores

envolvidos em determinado gesto podem exibir flutuações devido às perturbações

normais ao sistema. Esta flutuação nos parâmetros explicita o aspecto gradiente do sons

inerente à fala. Outro ponto em comum nas abordagens dinâmicas para a cognição é a

incorporação da dimensão temporal intrínseca à definição de um sistema dinâmico : “...

a dynamical system may be defined as a set of quantitative variables (e.g., distancies,

activations, rates of change, etc.) that change simultaneously in real time due to

influences on each other.”2 (PORT, 2002).

Os gestos da Fonologia Gestual são justamente eventos físicos que ocorrem no

tempo e no espaço durante a produção da fala e que consistem na formação e soltura de

constrições no trato vocal e são definidos em termos de Dinâmica de Tarefa

(SALTZMAN; KELSO, 1987). O conceito de dinâmica de tarefa é usado para tratar

ações coordenadas de vários articuladores. Na fala, a tarefa envolve a formação de

várias constrições relevantes e essas tarefas são descritas usando-se equações dinâmicas

para caracterizar os movimentos. O que é caracterizado dinamicamente não é o

movimento individual de determinados articuladores e sim o movimento das variáveis

do trato. Cada variável do trato caracteriza a dimensão da constrição no trato vocal, os

articuladores que contribuem para a formação e soltura desta constrição e que são

organizados em uma estrutura coordenada. Por exemplo, a abertura de lábios é

composta pela ação de três articuladores: lábio superior, inferior e mandíbula. Na

proposta da Fonologia Gestual, existem cinco variáveis do trato conforme o Quadro 1.

As ações conjuntas dos articuladores constituem as variáveis do trato que, relacionadas,

implementam os gestos articulatórios. Por exemplo, no trato oral o local e grau de

1 No decorrer desta seção, explicitaremos de forma mais detalhada o conceito de Dinâmica de Tarefa. Maiores detalhes sobre os postulados teóricos da Fonologia Gestual podem ser encontrados em Browman e Goldstein(1992) e Albano (2001). 2 “... um sistema dinâmico pode ser definido como um conjunto de variáveis quantitativas ( como, por exempo, distância, ativações, velocidade de mudança, etc.) que mudam simultaneamente no transcorrer do tempo devido a influências de uma variável sobre outra.” Tradução minha.

Page 349: Letras & Letras

constrição são duas dimensões da mesma constrição e são, por isso, considerados

variáveis do trato relacionadas e, no Quadro 1, alocadas na mesma linha.

Quadro 1 – Variáveis do trato na Fonologia Gestual

Variáveis do trato Articuladores envolvidos

LP protrusão labial

LA abertura labial

Lábio inferior e superior, mandíbula

TTCL local de constrição da ponta da língua

TTCD grau de constrição da ponta da língua

Ponta e corpo da língua, mandíbula

TBCL local de constrição do corpo da língua

TBCD grau de constrição do corpo da língua

Corpo da língua, mandíbula

VEL abertura vélica Véu palatino

GLO abertura glotal Glote

Adaptado de Browman e Goldstein (1992, p. 157)

Os gestos podem funcionar como primitivos de contraste fonológico, isto é, dois

itens lexicais contrastam se eles diferirem em sua composição gestual. Essa diferença

pode envolver a presença ou ausência de um dado gesto, diferenças de parâmetros entre

os gestos (descritores) ou diferenças entre organizações dos mesmos gestos. O

faseamento é o modo como os gestos são organizados para formar os diferentes sons da

fala. Como são eventos físicos que ocorrem no tempo e no espaço, os gestos possuem

uma duração intrínseca interna e podem sobrepor-se a outros gestos. A coordenação

entre os gestos que formam os sons da fala é representada em uma estrutura chamada

pauta gestual. Ilustramos abaixo uma possível pauta gestual neste modelo de Browman

e Goldstein para a palavra pata:

Figura 1 – Pauta gestual para a palavra pata

LP (protrusão labial)

TB (corpo da língua)

TT (ponta da língua)

A pauta gestual manifesta a duração (a extensão horizontal é o intervalo de

ativação do gesto no tempo), a magnitude (no eixo vertical) e a sobreposição entre os

gestos. Como pode haver a ativação concomitante de mais de um gesto a teoria modela

o encadeamento e a sobreposição das unidades de fala. Possíveis contrastes na

organização dos gestos estão restritos a três tipos distintos de sobreposição temporal:

mínima, parcial e completa. Se a diferente sobreposição e organização de gestos são

usadas para criar contraste lexical na língua, a sua maleabilidade gera o contínuo

gradiente que pode se manifestar como variação. Na abordagem gestual, a variação

alofônica é uma variação quantitativa ou consequência da sobreposição de gestos. Nesta

abordagem, não são necessárias regras implementacionais para converter a invariância

fonológica em variância física, a variação é resultado das unidades como sistemas de

tarefas dinâmicas, sua organização fonológica ou padrões de sobreposição e princípios

gerais de como as unidades se sobrepõem. A mesma estrutura gestual caracteriza

simultaneamente as propriedades fonológicas (unidades contrastivas e organização

sintagmática) e as propriedades físicas. As diferenças gradientes na realização sonora

das línguas possibilitadas pela maleabilidade do gesto de ocorrer no limite de

Alv.

Page 350: Letras & Letras

determinadas bordas pode permitir a lexicalização de uma diferente padronização na

realização de um gesto, o que modela elegantemente a mudança linguística na teoria.

A variação alofônica ou contextual pode ser resultado da sobreposição entre

gestos invariantes (sobreposição entre diferentes vogais e consoantes), de diferenças de

padrões entre gestos na posição de sílaba inicial ou final e também variação quantitativa

nos parâmetros gestuais em função de variáveis prosódicas como o acento e a posição

silábica (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1995). Em Browman e Goldstein (1992, p. 155),

os autores propõem que os padrões de coarticulação podem especificar a variação

fonológica: “Moreover, the patterns of overlapping organization can be used to specify

important aspects of the phonological structure of particular languages, and to account,

in a coherent and general way, for a variety of different types of phonological

variation.”3 Apesar da Fonologia Gestual não ser uma teoria específica de

coarticulação, ela consegue, através de seus postulados teóricos, abarcar adequadamente

os padrões de sobreposição no contínuo da fala que parecem estar envolvidos no

fenômeno do rotacismo. Na sessão seguinte, apresentamos duas propostas já realizadas

para as líquidas e o rotacismo no âmbito da Fonologia Gestual.

2. Abordagens Gestuais para o rotacismo: Albano(2001) e Proctor (2009)

2.1. Fonologia Acústico Articulatória: Albano (2001)

A teoria da Fonologia Gestual consegue então dar conta do contínuo físico e da

variação na fala através: 1) de uma unidade dinâmica que abarca diferenças temporais;

2) da coordenação na realização das unidades dinâmicas. Para essa abordagem

preconizou-se apenas um módulo para o sistema sonoro das línguas chamado fônico.

Segundo Albano (2001), a teoria foi a primeira proposta explícita no sentido de atacar a

questão da comensurabilidade entre fonética e fonologia através de uma unidade fônica

dinâmica. A autora aponta dois ganhos importantes da Fonologia Gestual. Em primeiro

lugar, o mapeamento é explícito, isto é, pode ser implementado através de um

sintetizador articulatório; em segundo lugar, os processos de detalhe fonético são

modelados como resultado de variação nos parâmetros gestuais ou na coordenação entre

os gestos.

Albano (2001) vai postular a existência de um nível que una aspectos fonéticos e

fonológicos em sua proposta da Fonologia Acústica Articulatória (FAAR). Para Albano,

a Fonologia Gestual modela adequadamente a “fonética linguística”, mas ela defende

uma vagueza na distinção entre fonética e fonologia, uma fronteira difusa entre o

gradual e o categórico. Defende a idéia de que os lugares de projeção simbólica do gesto

sejam suas bordas e seu contínuo gradiente seja o intervalo de pontos entre o início e o

fim do gesto. Há um módulo simbólico que incorpora variações cristalizadas na

realização dos gestos no léxico, assim a variação inerente à fala pode tornar-se uma

variação lexical.

A FAAR propõe a existência de regiões acústico-articulatórias divididas em local

e grau de constrição. Inspirada nos trabalhos de Ohala (1983), Stevens (1989) e

Lindblom (1990), Albano propõe que o espaço acústico-articulatório seja definido por

regiões discretas do trato vocal que substituem os articuladores na função de agrupar os

3 “Além disso, os padrões de organização de sobreposição podem ser usados para especificar aspectos importantes da estrutura fonológica das línguas e dar conta, de uma maneira coerente e geral, para diferentes tipos de variação fonológica.” Tradução minha.

Page 351: Letras & Letras

comandos para a execução do mesmo gesto. Esta proposta tem respaldo em um modelo

implementado em um sintetizador articulatório: é o Modelo das Regiões Distintivas

(MRD). Ele divide o trato vocal em oito regiões discretas com comportamentos

acústicos distintos, pois regiões acústico-articulatórias discretas têm consequências

acústicas distintas. A FAAR utiliza essas regiões do MRD, como, por exemplo, coronal

e faríngea, para postular a implementação dos gestos articulatórios substituindo os

gestos, como , por exemplo, de ponta e corpo de língua, nas variáveis do trato. A FAAR

então assume os pressupostos teóricos da FAR como o primitivo dinâmico modulado

por uma equação dinâmica, a pauta gestual e o tempo intrínsico ao gesto. Porém,

incorpora informação acústica ao modelo através de regiões acústico-articulatórias para

definir os gestos e a lexicalização de variantes dialetais, conseguindo abarcar o

fenômeno da mudança linguística.

Albano (2001) e Silva (2002) propõem que os róticos, assim como as laterais,

tenham uma dupla especificação das regiões acústico-articulatórias. As autoras seguem

a proposta de Sproat e Fujimura (1993, apud SILVA, 2002) que, num trabalho sobre a

lateral do inglês norte-americano, propuseram que este som seja constituído de dois

gestos, um de ponta de língua (consonantal) e outro de dorso de língua (vocálico). Este

estudo utiliza dados articulatórios para mostrar que não existe uma variante dark

absoluta, a velarizada que é típica de final de palavra, e uma variante light absoluta,

típica de início de palavra. O que existe é um contínuo físico na variabilidade de

pronúncia da lateral, produto da coordenação entre os dois gestos que a compõem e

condicionada pela força de fronteira seguinte à lateral que Sproat e Fujimura (op. cit.)

manipulam nas sentenças através das quais colhem os dados de seu experimento. A

coordenação entre esses dois gestos dá origem aos dois tipos de laterais; se o gesto de

ponta de língua inicia-se antes do gesto de dorso, ocorre a variante anteriorizada da

lateral. Se o gesto dorsal anteceder o de ponta de língua, ocorre a variante

posteriorizada. Silva (2002) considera que a grande contribuição dos autores ao estudo

fônico na abordagem dinâmica é a previsão de que um segmento possa ser constituído

por mais de um gesto e hipotetiza essa mesma dualidade gestual para os róticos. Para a

autora, a hipótese de que os róticos e as laterais sejam constituídos por dois gestos se

calca na semelhança fonética entre esses segmentos e nos processos que eles partilham,

tanto diacrônica quanto sincronicamente, como, por exemplo, o rotacismo.

Na FAAR, que, como já referimos, trabalha com regiões acústico-articulatórias,

os gestos de ponta de língua e de dorso de língua são substituídos por região coronal e

região dorso-faríngea para a lateral. Para as vibrantes, Albano (2001) postula um gesto

na região coronal e outro na região faríngea. Para a vibrante fricativa é postulado um

gesto na região dorsal e outro na região faríngea. A autora considera que a abordagem

dinâmica da FAAR consegue captar - na coordenação dos gestos de dupla constrição e

na dimensão temporal - a variabilidade dos róticos em português. A dupla constrição é o

denominador comum que une os róticos e laterais em português e o rotacismo “não é

mais do que um encurtamento dos componentes coronais da lateral, com perda de

amortecimento.” (Albano, op. cit., p. 136). A autora apresenta uma pauta gestual de

variantes lexicais para encontros consonantais com lateral passível de rotacização, que

reproduzimos na Figura 2.

A pauta representa a bi-gestualidade nas mesmas regiões acústico-articulatórias

unindo a lateral e o tepe. O rotacismo é visto como um encurtamento temporal, expresso

no eixo horizontal, na região coronal. Para Albano, o fenômeno possui duas facetas: 1)

pode estar lexicalizado, uma vez que a FAAR permite essa opção, ou seja, em certos

dialetos o gesto que sucede uma obstruinte em grupo consonantal é o rótico já

Page 352: Letras & Letras

lexicalizado; 2) pode haver uma variação quantitativa no gesto da região coronal

gerando um rótico no lugar de uma lateral, como expresso na pauta da Figura 2. Albano

chama a atenção para a ocorrência mais frequente de rotacismo nos grupos4, cuja lateral

é foneticamente mais curta que a inicial e a intervocálica segundo Silva (1996). Para

Albano, diferenças na magnitude temporal dos gestos que formam os dois sons dão

origem à variabilidade encontrada na fala nos ataques complexos.

Figura 2 - Pauta das variantes lexicais nos grupos consonantais

Depois de obstruinte

Lateral rótico

Região coronal

Grau de constrição

Local de constrição

Região dorso-faríngea

Grau de constrição

Local de constrição

Fonte: Albano (2001, p. 137)

Considerando os nossos dados da análise acústica efetuada em Costa (2011), esta

representação é adequada para indicar a similaridade na natureza gestual que une as

líquidas: ambas são bigestuais. Na proposta da FAAR, são sons formados por um gesto

na região coronal e simultaneamente por um gesto na região dorso-faríngea. Porém, esta

proposta não sinaliza redução na magnitude do gesto, que seria representada por uma

redução no eixo vertical da pauta, e sim redução temporal do gesto coronal, o que é uma

propriedade natural que diferencia os dois sons líquidos. Na realidade, esta pauta

representa os dois sons líquidos e não o processo do rotacismo porque, como vimos em

nossos dados, a dimensão temporal não se revelou significativa e o fenômeno parece

envolver mais a magnitude no faseamento dos gestos, ou seja, na suas especificações de

local e grau de constrição.

2.2. Caracterização Gestual das Líquidas: Proctor (2009)

O argumento de que as líquidas unem-se como uma classe por sua natureza

bigestual também norteia o estudo de Proctor (2009). Analisando dados acústicos e

articulatórios de líquidas do espanhol obtidos através de um estudo experimental, o

autor investiga a atividade do gesto de dorso de língua na produção desses sons. Analisa

as trajetórias dos dois primeiros formantes e imagens de ultrassom da produção de

líquidas espanholas; ou seja, laterais, tepes e vibrantes alveolares. Compara a produção

desses sons à de oclusivas alveolares [t , d] em ambientes intervocálicos, usando a

coarticulação como uma pista para a atividade do gesto dorsal.

Considerando que, embora a produção consonantal varie entre diferentes

contextos, as propriedades fonéticas mais fundamentais de uma consoante- aquelas que

4 Fato já constatado em estudos variacionistas ( COSTA, 2007).

fechado

médio

faríngea

médio

faríngea

fec.

feF

ech.

fefe

ch

Page 353: Letras & Letras

podem ser consideradas cruciais para caracterizar sua produção – são menos afetadas

pela coarticulação vocálica do que as propriedades que não são específicas para aquele

som. As propriedades fonéticas mais fundamentais mostrarão maiores efeitos de

variância coarticulatória por não se ajustarem tanto à articulação dos sons vizinhos.

Proctor cita como exemplo a produção de uma oclusiva dental que envolve

primariamente a ponta de língua. Como o dorso não é recrutado nesse gesto, ele é livre

para adotar variadas posições e tenderá a reter a articulação necessária para a vogal

precedente ou antecipar o gesto dorsal requerido para a vogal seguinte. Entretanto, se o

dorso da língua está envolvido na produção da consoante, ele não é inteiramente livre

para ser recrutado pelas vogais adjacentes e mostrará maiores efeitos de coarticulação.

A hipótese central do autor, então, é que se as líquidas, como as obstruintes coronais,

são fundamentalmente caracterizadas por gestos de ponta de língua, esperar-se-ia o

mesmo grau de variação em sua articulação dorsal entre diferentes ambientes, como se

observa entre as oclusivas. Mas, se a produção de uma líquida inclui um gesto dorsal

intrínseco, esperar-se-ia que ela exibisse maiores efeitos de coarticulação vocálica do

que uma obstruinte no mesmo ambiente.

A análise das trajetórias dos dois primeiros formantes sugere que cada líquida

espanhola tem um alvo acústico próprio no espaço F1-F2, e que mostram maiores efeitos

coarticulatórios “the trill, lateral and rhotic all have a significantly greater

coarticulatory effect on the post-consonantal vowel than the stop”5 (PROCTOR, 2009,

p.94), e que o alvo dorsal do tepe localiza-se no intermédio entre os da lateral e da

vibrante na região da vogal central. Baseado nas pistas acústicas e em imagens

articulatórias, o autor conclui que: “the Spanish liquid consonants share the phonetic

characteristic that their production involves a dorsal gesture – a characteristic which

differentiates them from the coronal stops, whose production appears to involve the

articulation of a coronal gesture only.”6 (PROCTOR, op. cit., p. 94). Após comprovar,

por uma análise instrumental, a bigestualidade das líquidas espanholas, Proctor propõe

então que elas sejam mais bem representadas em um modelo gestual no qual um

segmento líquido corresponde a um padrão coordenado estável de gestos de ponta e

corpo de língua e apresenta especificações gestuais comparativas de líquidas e oclusivas

alveolares do espanhol que seguem transcritas na Figura 3.

Figura 3 – Especificações das variáveis do trato para consoantes coronais do

Espanhol

TV /d/ /l/ /ɾ/ /r/

TTCL dental dental alveolar alveolar

TTCD closed narrow narrow narrow

TBCL - palatal uvular uvular-pharyngeal

TBCD - wide wide wide

Fonte: Proctor (2009), p. 124.

5 “... a vibrante, a lateral e o rótico têm um efeito coarticulatório significantemente maior na vogal pós-consonantal do que a oclusiva.” Tradução minha. 6 “ as consoantes líquidas espanholas compartilham a característica fonética de que sua produção envolve um gesto dorsal – essa característica as diferencia das oclusivas coronais, cuja produção parece involver a articulação de um gesto coronal somente.” Tradução minha.

Page 354: Letras & Letras

Tais especificações ilustram o fato de que as líquidas são caracterizadas pela

presença de um componente articulatório dorsal simbolizado na figura pelas variáveis

TBCL (Tongue Body Constrict Location) e TBCD (Tongue Body Constriction Degree),

ou seja, local e grau de constrição do corpo de língua. As oclusivas, ao contrário, são

caracterizadas somente por um gesto de ponta de língua simbolizado na pauta pelas

variáveis TTCL (Tongue Tip Constrict Location) e TTCD (Tongue Tip Constrict

Degree), ou seja, local e grau de constrição de ponta de língua. A diferenciação entre

líquidas e oclusivas, portanto, ocorre em suas especificações para local e grau de

constrição dos gestos de ponta de língua e de corpo de língua. Para o autor, fenômenos

como a neutralização e a variação alofônica que ocorrem com as líquidas podem ser

considerados como resultado de mudanças nos parâmetros articulatórios, como a

localização e o grau de constrição para os gestos de corpo e ponta de língua, ou sua

rigidez e grau de amortecimento. Cita como exemplo um caso de rotacismo do espanhol

que poderia ser visto como o resultado da especificação no gesto de ponta de língua:

“Rhoticization of final laterals in Havana Spanish, for example, could result from a

reduction in the degree of damping of the tongue tip gesture, while stiffening of the tongue

blade would be a contributing factor in the reverse process of lateralization.”7 (p.115)

A presença de alofones líquidos intermediários, como os róticos lateralizados de

nossa análise acústica do rotacismo, também é referida no espanhol e, para o autor,

aparentam ser realizações nas quais o gesto coronal adota uma configuração

articulatória intermediária àquela prototipicamente associada com a lateral e o tepe.

Também cita outro caso de rotacismo no grego condicionado pela qualidade vocálica.

No dialeto Sphakía, as laterais são realizadas como uma aproximante retroflexa quando

ocorrem antes das vogais /u/, /o/ e /a/ no ambiente intervocálico ou antes de uma labial

fricativa. Este caso parece ser o resultado da coarticulação dos gestos de corpo de língua

da lateral e da vogal. A lateral grega é uma alveolar, então podemos assumir que seu

gesto dorsal, com a do espanhol, tenha um local de constrição anterior e que, quando

produzida antes de uma vogal frontal, a influência coarticulatória da vogal que é

acoplada ao gesto dorsal da lateral não altera seu local de constrição significantemente.

Já quando a lateral é produzida antes de uma vogal posterior, a coarticulação dos gestos

de corpo de língua da lateral e da vogal parece causar a retração do dorso, uma postura

mais posterior usada na aproximante rótica do inglês. O fato de que esse alofone é

percebido como retroflexo sugere que a língua inteira é retraída. A mudança da líquida

condicionada por vogal é possível então pela atividade do gesto dorsal, pois se o local

de constrição do corpo de língua é um parâmetro essencial na especificação e

diferenciação das consoantes líquidas, ele interage com um gesto dorsal vocálico

adjacente: “As a result, liquids are prone to change when they occur in some vocalic

environments, if the tongue body gestures of the vowels and liquids interact.”8

(PROCTOR, op. cit., p. 181).

A coarticulação da líquida com a vogal é modelada através da hipótese do C-

center da Fonologia Gestual (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1988). Em busca de uma

abordagem global para padrões estáveis de organização gestual e através de evidências

articulatórias de palavras do inglês americano, os autores mostram que consoantes em

7 “A rotatização das laterais finais no espanhol de Havana, por exemplo, poderia resultar da redução no grau de amortecimento do gesto de ponta de língua, enquanto a rigidez da lâmina da língua seria um fator que contribui para

o processo reverso de lateralização.” Tradução minha. 8 “Como resultado, as líquidas são mais suscetíveis à mudança quando ocorrem em algum ambiente intervocálico, se o gesto de corpo da língua das vogais e das líquidas interagem.” Tradução minha.

Page 355: Letras & Letras

início de sílaba formam uma organização global indexada por uma métrica que eles

estão chamando de C-center e que é, por sua vez coordenada, com o gesto vocálico da

sílaba. Nessa proposta, o C-center coordenaria as consoantes de um cluster com a vogal,

o que pode coadunar-se com os nossos dados.

A organização c-center resulta em um alinhamento global do cluster inteiro

relativamente ao seu ponto médio e representa um padrão de compromisso que melhor

satisfaz a competição que tem um papel no ataque. Diferentes relações de acoplamento

ocorrem entre os gestos no ataque e na coda (BYRD, 1996a, 1996b). No ataque

complexo, o acoplamento entre as consoantes e a vogal nuclear ocorreria em fase e

entre as consoantes o acoplamento ocorreria em antifase para garantir a distinção

necessária entre os sons. Duas ações acopladas em fase começam sincronicamente, e se

elas têm a mesma frequência natural, permanecem sincronizadas; quando duas ações

são acopladas em antifase, uma ação começa quando a outra atinge seu alvo. No caso de

múltiplos gestos no ataque, a relação antifase resulta no acoplamento competitivo desses

gestos, os quais não podem ser completamente simultâneos. A organização c-center

resulta em um alinhamento global do cluster inteiro relativamente ao seu ponto médio e

representa um padrão de compromisso que melhor satisfaz a competição que tem um

papel no ataque.

O padrão de coordenação dos gestos consonantais e vocálicos em um cluster

dirigido pelo c-center pode explicar a influência da qualidade vocálica no rotacismo.

Como vimos, o acoplamento entre os gestos consonantais em um ataque complexo

ocorre em fase com o gesto vocálico e em antifase um com outro. Isso significa que o

início dos gestos consonantais será simultâneo ao gesto vocálico e os dois gestos

consonantais serão ordenados entre si. Em um ataque com oclusiva e líquida o corpo de

língua é recrutado para os gestos consonantal e vocálico e isso influi em seu local de

constrição: “Because both consonantal and vocalic dorsal gestures begin at the same

time, the trajectory which the dorsum will follow will be the result of ‘blending’ between

the two gestures.”9(PROCTOR, op. cit., p.106).

Proctor apresenta uma nova representação que abarca a hipótese do c-center

chamada clouping graph (NAM, GOLDSTEIN, SALTZMAN; no prelo apud

PROCTOR, 2009 e NAM, SALTZMAN,KRIVOKAPIC, GOLDSTEIN; 2008). Nela, a

estrutura fonológica de um conjunto de gestos e suas relações coordenadas é indicada

por linhas de associação. As linhas cheias representam gestos acoplados em fase, ou

seja, sincrônicos, e as linhas pontilhadas representam gestos acoplados em antifase, ou

seja, gestos em que apenas quando um atinge seu alvo o seguinte começa. A Figura 4 é

um exemplo de coupling graph para ataques complexos com uma oclusiva velar seguida

por uma líquida.

9 “Porque os gestos dorsais vocálico e consonantal iniciam ao mesmo tempo, a trajetória que o dorso

seguirá será o resultado da fusão entre os dois gestos dorsais.” Tradução minha.

Page 356: Letras & Letras

Figura 4 – Coupling Graph para o ataque complexo com oclusiva e líquida

CLV

Aberto{TT[alveolar]}

C fechado{TB[vel]} L

Aberto{TB[uvular-faringeo]

Aberto{TB[faríngeo]} V

Adaptado de Proctor (2009), p. 12.

Cada um dos gestos de corpo de língua (o dorsal consonantal de /k/ e o líquido)

estão acoplados em fase com a vogal nuclear ou o gesto faríngeo representado pela linha

cheia. Já os gestos consonantais estão acoplados em antifase representada pela linha

pontilhada. Na figura, TB corresponde ao gesto de Tongue Body, ou seja, corpo de

língua, e TT corresponde ao gesto de Tongue Tip, ou seja, ponta de língua. Além de

representar a estrutura gestual, a pauta representa a relação entre os gestos e a maior

proximidade do gesto vocálico com a líquida, pelo gesto dorsal simultâneo, o que pode

justificar o condicionamento vocálico para o rotacismo. Essa representação para as

líquidas, e consequentemente para os fenômenos por elas partilhados, ao incorporar os

avanços teóricos feitos em relação às versões iniciais da Fonologia Gestual

(BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992), como a hipótese do c-center e a representação

gestual através de uma coupling graph, consegue modelar a coarticulação entre os

gestos de um ataque complexo.

3. Proposta de representação para o rotacismo em português brasileiro na

Fonologia Gestual

Os resultados da análise acústica efetuada e descritos na introdução deste texto

parecem indicar um possível condicionamento vocálico para o rotacismo e sua

realização em um contínuo gradiente que vai da lateral em um extremo até o tepe em

outro, passando pelas aproximantes e róticos lateralizados. Uma representação do

fenômeno necessita abarcar a similaridade de especificação que una esses sons e

justifique a variação no contínuo e também a relação de faseamento entre os gestos com

seu padrão de coarticulação.

Na Fonologia Gestual padrão (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992), poderíamos

representar o fenômeno em pautas gestuais como as das Figuras 5a e 5b. Nelas,

concomitantemente a um gesto de corpo de língua frontal ou anterior, ocorre uma

redução na magnitude do gesto de ponta de língua da líquida, ilustrado nas pautas por

uma diminuição no eixo vertical. O descritor gestual também muda de fechado e

alveolar – para dar conta do tepe e da lateral – para fechado e estreito – para dar conta

do tepe e da aproximante na realização do rotacismo.

Page 357: Letras & Letras

Figura 5a – Pautas representativas do rotacismo

Figura 5b – Pautas representativas do rotacismo

VEL

TB

TT

LIPS

GLO

Aberto

Fechado

Alveolar

Protrusão

Labial

VEL

TB

TT

LIPS

GLO

Aberto Frontal ou Anterior

Protrusão

Labial

Fechado/ Estreito

Page 358: Letras & Letras

Quanto às especificações gestuais, se também considerarmos as líquidas do português

do Brasil como bigestuais, seguindo a análise de Proctor para as líquidas espanholas e a

hipótese de Albano (2001) e Silva (2002), podemos propor a especificação ilustrada na

Figura 6 para as variantes encontradas em nossa análise acústica. Nessa especificação,

as líquidas unem-se por sua natureza bigestual e são diferenciadas por parâmetros de

grau e local de constrição nos gestos de corpo e ponta de língua.

Figura 6 – Especificações de parâmetros gestuais para as consoantes coronais

TV /d/ /l/ /ɹ / /ɾ/

TTCL alveolar alveolar alveolar alveolar

TTCD fechado fechado estreito fechado

TBCL - dorsal alveolar alveolar

TBCD - aberto aberto aberto

Ao assumirmos essa especificação, estamos assumindo a natureza bigestual das

líquidas. Na análise acústica que serve de base para nosso tratamento teórico do

rotacismo, embora na formulação das palavras do corpus não tivéssemos como objetivo

analisar comparativamente as líquidas intervocálicas com as oclusivas coronais

intervocálicas como realizou Proctor (2009), referido na seção anterior, para observar o

envolvimento do gesto de dorso de língua na articulação das líquidas, resolvemos

realizar uma observação preliminar em vista da existência em nosso corpus de algumas

palavras com as líquidas em contexto intervocálico que funcionaram como distratores.

Por exemplo, o distrator voto possibilitou a comparação com a palavra-alvo cloro, assim

comparamos a líquida e a oclusiva no mesmo contexto intervocálico.

Seguindo a hipótese de Proctor (2009), de que o envolvimento do dorso de língua

na produção das líquidas resultaria em maiores efeitos coarticulatórios em comparação

com as obstruintes no contexto intervocálico, extraímos manualmente os valores das

frequências dos dois primeiros formantes em quatro pontos: o ponto médio da vogal

pré-consonantal, o início do intervalo consonantal, o fim do intervalo consonantal e o

ponto médio da vogal pós-consonantal.

Após a extração dos formantes nesses quatro pontos, calculamos a média dos

valores do primeiro e segundo formantes. Pudemos observar que o valor da variação,

entre os dois pontos iniciais e finais, é em geral maior nas líquidas que nas oclusivas.

Por exemplo, observamos que do fim do intervalo consonantal para o ponto médio da

vogal pós-consonantal há uma maior variação na trajetória formântica da vogal com a

lateral em bula , 183 Hz, do que com a oclusiva em fruta, 35 Hz. Inferimos nessa pista

acústica que a lateral produz maiores efeitos coarticulatórios na trajetória formântica da

vogal indicando que a líquida é mais resistente à coarticulação do que a oclusiva. No

contexto intervocálico com a vogal central, novamente o valor médio da diferença entre

o fim do intervalo consonantal e o ponto médio da vogal pós-consonantal é maior com a

lateral (107 Hz) do que com a oclusiva (20 Hz), conforme comparação dos formantes

vocálicos em bala e pata.

No contexto intervocálico entre uma vogal alta anterior e uma vogal baixa

posterior, possuímos dados de giro com tepe e com aproximante. As duas variantes

róticas apresentam uma diferença maior entre o ponto no fim do intervalo consonantal e

o ponto médio da vogal pós-vocálica do que a oclusiva em frito. A oclusiva registrou

uma média de variação de 29 Hz enquanto o tepe ficou com 458 Hz e a aproximante

Page 359: Letras & Letras

com 344 Hz. Os dados sugerem, então, que a oclusiva apresenta menores efeitos

coarticulatórios na trajetória formântica da vogal relativa ao F2 do que os róticos e entre

esses o tepe apresenta maiores efeitos coarticulatórios do que a aproximante na

trajetória formântica da vogal.

Os valores observados relativos à trajetória do segundo formante vocálico

sugerem, então, que, similarmente às líquidas espanholas observadas em Proctor (op.

cit.), as líquidas do português brasileiro exercem maiores efeitos coarticulatórios sobre

as vogais adjacentes indicando ser mais resistentes à coarticulação vocálica do que as

oclusivas, o que pode ser um indício da atividade do gesto de dorso de língua para as

líquidas. Considerando as líquidas brasileiras como bigestuais, como parece indicar a

análise preliminar das consoantes coronais intervocálicas, podemos assumir a

especificação dos gestos proposta na Figura 6. Como referido anteriormente, essas

especificações justificam a união das líquidas como uma classe de sons que

compartilham fenômenos como o rotacismo. Para representarmos o possível

condicionamento vocálico do fenômeno e este como uma consequência de variações na

trajetória do gesto de dorso de língua, vamos propor uma coupling graph adaptada da

proposta por Proctor (2009) para os ataques complexos do espanhol, conforme a Figura

7, e que incorpora o lugar do gesto de dorso de língua.

Figura 7 – Coupling Graph para a sequência CLV

CLV

Ponta de língua {fechado ~ estreito}

P Protrusão labial {alveolar } L

{ fechado }

Corpo de língua {aberto}

{local...}

Corpo de língua {aberto} V

{anterior ~ posterior}

Nessa representação, a primeira consoante do ataque complexo é uma

oclusiva bilabial, por isso é caracterizada pelo gesto de protrusão labial fechado. A

líquida é representada bigestualmente pelo gesto de ponta de língua variando em um

grau fechado - para caracterizar uma lateral e um tepe - e estreito - para dar conta da

variante aproximante. O local desse gesto é especificado como alveolar para as três

líquidas. No gesto de corpo de língua com grau aberto para todas as líquidas, o local

está indefinido para representar a mudança de trajetória proporcionada pelo gesto de

dorso vocálico sincrônico ao da líquida e que pode justificar o fenômeno do rotacismo

em português brasileiro segundo os detalhes fonéticos observados.

COSTA, L. THEORICAL APPROACH OF VARIABLE PROCESSES IN

DYNAMIC MODELS : RHOTACISM REPRESENTATIONS IN

ARTICULATORY PHONOLOGY

Page 360: Letras & Letras

Abstract

Rhotacism is the replacement process between the liquid consonants, lateral and rotic, in

the environment of complex onset or coda as, for example, the substitution of plan for

pran. It is an ancient and productive phenomenon in the Portuguese language

traditionally described as the categorical change of a lateral sound by a rotic sound. The

examination of the phonetic details relevant to the achievement of rhotacism, provided

by the acoustic analysis of their occurrence, gives evidence for its gradient character

motivated by the trajectory of the gesture of tongue dorsum coarticulation resulting

from the dorsal gesture of liquid and vowel. The incorporation of relevant phonetic

detail requires a dynamic theoretical approach that assumes the temporal dimension to

the sound units and allows the treatment of gradience and coarticulation. We propose a

representation of rhotacism in Articulatory Phonology (BROWMAN;GOLDSTEIN,

1988, 1992) with bigestual specification for liquids and phasic coupling between the

liquid and the vowel in the complex onset.

Keywords

Articulatory Phonology; Variable Phenomena; Rhotacism.

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Page 362: Letras & Letras

A FORMAÇÃO DO DITONGO CRESCENTE ENTRE PALAVRAS EM

PORTUGUÊS BRASILEIRO: UM ESTUDO-PILOTO

Taíse SIMIONI

Professora Doutora da Universidade Federal do Pampa

E-mail: [email protected]

Resumo

O presente estudo investiga a formação do ditongo crescente entre palavras em

Português Brasileiro (PB), como em febre amarela, que pode se realizar como

febr[ja]marela. Dados obtidos a partir da leitura de textos foram analisados

acusticamente. Foi possível observar a atuação do acento primário e do acento principal

na realização do fenômeno sob análise. Nos contextos em que a segunda vogal de uma

sequência entre palavras é portadora do acento primário, houve uma inibição à

formação do ditongo crescente. O mesmo ocorreu nos contextos em que a segunda

vogal porta o acento principal. Além disso, foi possível verificar que a classe

morfossintática das palavras envolvidas desempenha um papel na formação do ditongo

crescente entre palavras. Destaca-se o fato de que tal formação é inibida quando a

segunda palavra de uma sequência é uma palavra lexical, independentemente da classe a

que pertença a primeira palavra (palavra lexical, palavra funcional com acento ou

clítico). Desta forma, obteve-se um quadro em que são apontadas tendências de

realização do ditongo crescente entre palavras em PB.

Palavras-chave

ditongo crescente; variação linguística; Português Brasileiro.

Introdução

A alternância entre vogal e glide e a natureza deste último são questões que

despertam interesse entre foneticistas e fonólogos ao redor do mundo. O espanhol, por

exemplo, é uma língua sobre a qual há bastante discussão no que diz respeito a tais

assuntos. Análises como as de Roca (1997), Aguilar (1999), Harris e Kaisse (1999) e

Hualde e Prieto (2002) podem ser citadas como alguns exemplos. Há também muitas

pesquisas em que a discussão é feita de uma maneira mais geral, sem um foco sobre

uma língua específica. Podemos citar como exemplos Hume (1994), Rosenthall (1994,

1997), Levi (2004), Nevins e Chitoran (2008) e Padgett (2008). No que diz respeito ao

português brasileiro (PB), entretanto, essa abundância de pesquisas não é verificada.

Quando fazemos um recorte e buscamos análises de sequências de segmentos de

sonoridade crescente, como ia, em que o primeiro segmento pode se realizar como glide

em PB, a escassez de literatura é ainda mais sentida. Os autores, de maneira geral,

limitam-se a afirmar que há variação livre entre o ditongo crescente e o hiato. A falta de

estudos cujo foco seja esta alternância talvez explique o equívoco observado em

Chitoran e Hualde (2007), que analisam a evolução de sequências de vogais de

sonoridade crescente em quatro línguas - romeno, espanhol, francês e português (tanto o

europeu quanto o brasileiro). Os autores afirmam que o PB é uma língua em que há um

predomínio de hiato na realização destas sequências. A fonte desta informação é uma

obra de 1947. Claramente, nos dias de hoje, o predomínio do hiato em PB neste

contexto não é uma realidade.

Page 363: Letras & Letras

O objeto de nossa pesquisa é a ocorrência do ditongo crescente em PB entre

palavras (febre amarela), levando em consideração estruturas prosódicas maiores, como

a palavra fonológica e a frase fonológica. Na presente análise, observamos, então, a

influência da organização prosódica dos dados. Em trabalhos anteriores (Simioni, 2002,

2005, 2008), que se restringiram ao contexto de interior de palavra, foi possível

observar que a formação do ditongo é desfavorecida no início (absoluto ou não) de

palavra. Com a nova coleta que apresentamos aqui, baseada em uma análise acústica

dos dados, verificaremos se estruturas prosódicas maiores, como a organização das

palavras fonológicas em frases fonológicas, exercem papel na formação do ditongo

crescente. Bisol (2003) mostra que processos de elisão e degeminação entre palavras

são bloqueados quando a segunda vogal da sequência possui acento principal (compra

ovos → *compr[ó]vos, mas compro ovos vermelhos → compr[ó]vos vermelhos; como

uvas → *com[u]vas, mas como uvas maduras → com[u]vas maduras). A autora afirma

que esse bloqueio não ocorre no processo de ditongação. Mesmo que este bloqueio não

ocorra, é possível imaginar que o acento principal tenha algum papel na formação do

ditongo crescente entre palavras. Verificaremos, assim, se o fato de a segunda vogal da

sequência portar acento principal desfavorece ou não a formação do ditongo.

Observaremos, também, a atuação do acento primário. Além disso, verificaremos se a

classe morfossintática a que pertencem as palavras envolvidas exerce algum papel na

formação do ditongo crescente entre palavras em PB.

1 Constituição da amostra

As análises mencionadas anteriormente (Simioni, 2002, 2005, 2008) foram feitas

a partir da oitiva dos dados, retirados de entrevistas do banco de dados do projeto

VARSUL (Variação Linguística Urbana no Sul do País). Os resultados referem-se à

formação do ditongo crescente no interior das palavras. Para a realização da análise que

expomos aqui, fez-se necessária uma nova coleta de dados, tendo em mente o objetivo

de discutir a formação do ditongo crescente entre palavras, a partir de uma análise

acústica dos dados.

Esta nova coleta foi feita através da leitura de dois textos, que se encontram em

anexo. A opção pela leitura de textos deve-se ao fato de esta ser uma maneira de obter

todos os contextos desejados com um número equilibrado de dados, diferentemente do

que ocorreria se os dados fossem obtidos através de uma entrevista. No lugar de frases,

optou-se por textos para que a leitura pudesse atingir uma naturalidade maior e para que

os falantes não detivessem sua atenção sobre os alvos da pesquisa.

Os textos foram escritos levando em consideração a necessidade de que

contivessem os contextos apresentados em (1). Cada contexto é ilustrado com uma frase

retirada dos próprios textos. Os colchetes delimitam uma frase fonológica. Em (1), PL =

palavra lexical, CL = palavra funcional sem acento, ou seja, clítico e PF = palavra

funcional com acento.

(1)

Com acento principal na 2ª

palavra

Sem acento principal na 2ª palavra

1. PL + PL Todos os dias ele come [alho.]

Sempre que ela come [amora.]

Na verdade, ele come [alho

esmagado.]

... nem quando ela come [amoras

Page 364: Letras & Letras

docinhas.]

2. CL + PL Ele disse que [me ama.]

Ele disse que [me amava.]

Ele disse que [me ama muito.]

Ele disse que [me amava muito.]

3. PF + PL Todos olharam [para aquele

árabe.]

O pintor escolheu [aquele azul]

porque quis.

Todos olham [para aquele árabe

estranho.]

O pintor escolheu [aquele azul

cintilante] porque quis.

4. PL + CL Ele come a primeira coisa que encontra na geladeira.

5. PL + PF Tenho um amigo que sempre come alguma coisa quando está

ansioso.

Para realizar esta etapa de análise acústica, optamos por observar a sequência ia.

Para nossa análise, só serão considerados aqueles dados em que a vogal média final

postônica é elevada, situação em que a formação do ditongo crescente é possível1.

A sequência ia foi selecionada para realizarmos a análise acústica em função de

estes dois segmentos apresentarem uma configuração, em termos de formantes, bastante

distinta, o que torna o reconhecimento de cada um mais fácil. Conforme Ladefoged

(1982), a análise feita por um espectrograma mostra os formantes que constituem as

vogais. O primeiro formante (F1) é capaz de distinguir as vogais com relação a sua

altura: a frequência de F1 é inversamente proporcional à altura de uma vogal. No caso

de ia, considerando que [i] é, juntamente com [u], a vogal mais alta do PB e que [a] é a

vogal mais baixa do PB, os valores de frequência de F1 serão maximamente diferentes.

É interessante observar que, segundo Godínez Jr. (1981), a vogal [i] do PB pode

apresentar frequências de F1 mais baixas do que as da vogal [u]2. A diferença entre o

segundo formante (F2) e F1 distingue as vogais no que diz respeito a sua

anterioridade/posterioridade. F1 e F2 estão mais afastados em vogais anteriores e mais

próximos em vogais posteriores. A vogal anterior [i] apresentará, portanto, uma

distância entre F1 e F2 maior do que aquela apresentada entre F1 e F2 da vogal não-

anterior [a].

De acordo com autores como Hualde e Prieto (2002) e Aguilar (1999), que

analisaram dados do espanhol, o correlato acústico mais claro da formação do ditongo é

a duração das vogais. Em nossa análise, apoiando-nos em tais autores, partiremos do

pressuposto de que duas vogais em sequência, entre palavras, apresentarão uma duração

total maior no caso de estarem em sílabas distintas, ou seja, se formarem hiato, e

apresentarão uma duração total menor no caso de constituírem uma única sílaba, ou

seja, se houver a formação de um ditongo3.

Passemos à discussão de nossas hipóteses. Casali (1997) analisa línguas em que o

encontro de duas vogais entre palavras (uma palavra que termina com vogal e outra que

inicia com vogal) é desfeito através do apagamento de uma delas. O objetivo do autor é

explicar como as línguas “decidem” qual vogal apagar. Uma tendência observada é a de

que vogais em início de palavra resistam mais ao apagamento. Segundo Casali, as

1 Vieira (2002) apresenta um peso relativo de 0,99 para a elevação da vogal média final postônica em Porto Alegre; trata-se, portanto, de uma elevação praticamente categórica. 2 Godínez Jr. (1981) analisou dados de falantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. 3 No que diz respeito à análise de vogais portadoras de acento, seria importante considerar o fato de que vogais

acentuadas tendem a ser mais longas. Entretanto, desconhecemos estudos que apresentem parâmetros confiáveis

sobre a diferença de duração entre vogais tônicas e átonas em PB. Por este motivo, neste trabalho, não levaremos em consideração as diferenças de duração desta natureza entre tais vogais.

Page 365: Letras & Letras

línguas fazem mais esforço para preservar material fonológico em contextos mais

salientes4.

É possível pensar na atuação do acento primário a partir desta perspectiva. Como

pode ser observado em (1), todas as células, com exceção dos contextos em 4. e 5.,

apresentam duas frases. A diferença entre elas é o fato de que, em uma delas, a segunda

vogal da sequência sob análise carrega o acento primário, enquanto na outra não, como

em come alho em oposição a come amora. Nosso objetivo com esta distinção é verificar

se a presença de acento primário na segunda vogal desfavorece a formação do ditongo5.

É possível que isto ocorra, uma vez que sílabas acentuadas, assim como o contexto de

início de palavra, constituem uma estrutura proeminente. Desta forma, pode haver uma

pressão para que uma sílaba acentuada não tenha sua estrutura alterada com a formação

do ditongo, a partir da qual a sílaba final de uma palavra e a sílaba inicial de outra

palavra passam a constituir uma única sílaba, como em com[ja]lho.

Segundo Bisol (2003), como vimos, os processos de elisão e degeminação entre

palavras são bloqueados quando a segunda vogal carrega acento principal. Os dados em

(2i) mostram que a elisão (EL) e a degeminação (DE) não ocorrem se a segunda vogal

possui acento principal. Em (2ii), observamos que EL e DE podem ocorrer uma vez que

a segunda vogal já não carrega mais o acento principal. Em princípio, ovos e uvas

pertenceriam a frases fonológicas distintas em relação a grandes e maduras,

respectivamente, e continuariam, portanto, a carregar o acento das frases fonológicas de

que seriam núcleo. Entretanto, segundo Nespor e Vogel (1986), existe a possibilidade

de uma frase fonológica se expandir e incluir uma frase fonológica não-ramificada à sua

direita, no caso do PB. Este processo de reestruturação, então, torna ovos grandes e uvas

maduras frases fonológicas únicas, cujos núcleos são, respectivamente, grandes e

maduras. Os dados são de Bisol (2003, p. 192).

(2i)

*compra ovos → compr[ó]vos EL

*com[u] uvas → comuvas DE

(2ii)

compra ovos grandes → compr[ó]vos grandes EL

com[u] uvas maduras → comuvas maduras DE

Conforme Bisol (2003, p. 198), a formação do ditongo “não é bloqueada quando a

segunda vogal carrega o acento que é o mais forte de sua frase fonológica”. A

organização dos dados mostrada em (1) revela que um de nossos objetivos é verificar a

atuação do acento principal na segunda vogal de uma sequência na formação do ditongo

crescente. Nossa hipótese é a de que, em contextos em que a segunda vogal não carrega

o acento principal, haverá uma incidência maior de ditongação.

A fim de obter um quadro mais completo sobre a formação do ditongo crescente

em PB, verificaremos se palavras lexicais, clíticos e palavras funcionais com acento

apresentam um comportamento diferenciado em relação ao fenômeno estudado aqui.

Turk e Shattuck-Hufnagel (2000) mostram que parece haver uma fronteira mais fraca

4 Esta hipótese é defendida, por exemplo, por Beckman (1998). 5 Bisol (2002) analisou os processos de sândi externo em PB a partir de dados do projeto NURC (Norma Urbana

Culta). No que diz respeito à ditongação, a respeito da qual não houve a distinção entre ditongo crescente e decrescente, a autora mostrou que há uma preferência pelo ditongo quando as duas vogais em sequência são átonas, em oposição a contextos em que há uma vogal alta átona e uma vogal tônica, independentemente de sua ordem.

Page 366: Letras & Letras

antes e depois de uma palavra funcional em comparação com a fronteira antes e depois

de uma palavra lexical. Analisando trios como tune acquire, tuna choir e tune a choir,

as autoras verificaram que [kwair] em tune a choir tem uma duração intermediária entre

aquela observada em tune acquire e tuna choir. A sequência [kwair] em tuna choir se

encontra no início de uma palavra, de maneira a haver contexto para o fortalecimento

em início de palavra, ao contrário do que ocorre em tune acquire. Já em tune a choir, a

sequência [kwair] não se comporta como se estivesse em início de palavra, mas, ao

mesmo tempo, parece haver uma fronteira diante dela, com a diferença de que esta

fronteira é mais fraca do que a de uma palavra lexical. Se os resultados de Turk e

Shattuck-Hufnagel (2000) se aplicarem ao PB, no sentido de que a fronteira entre duas

palavras lexicais é mais forte do que aquela em que há uma palavra funcional envolvida,

nossa hipótese é a de que clíticos e palavras funcionais com acento apresentam um

comportamento diferente de palavras lexicais no processo de formação do ditongo

crescente. Esperamos, então, que a fronteira entre duas palavras lexicais desfavoreça a

formação do ditongo crescente.

Em (1), os contextos em 4. e 5. não estão divididos conforme a presença ou a

ausência de acento principal na segunda palavra em função de clíticos e palavras

funcionais com acento não constituírem núcleo de uma frase fonológica.

Cabe, neste momento, uma observação sobre esta coleta de dados. Não temos

dados prévios de oitiva que apontem para tendências de realização de sequências

vocálicas de sonoridade crescente entre palavras6. Desta forma, os dados neste contexto

serão analisados a partir do pressuposto de que sequências de duração mais longa

apontam para a ocorrência de hiato, enquanto sequências de duração mais curta indicam

a ocorrência de ditongo. Ainda precisamos discutir a relação entre contextos em que a

duração é maior e a realização do hiato, ou seja, precisamos discutir se hiatos são, por

natureza, mais longos ou se um contexto mais longo favorece a percepção de um hiato.

Reiteramos o fato de que, embora essa discussão deva ser feita, não a faremos neste

momento.

2 Análise dos dados

Nesta seção, apresentaremos os resultados de um teste realizado com cinco

informantes. Trata-se de cinco estudantes do curso de Letras da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, com idades que variam entre 20 e 26 anos. Dois informantes são

do sexo masculino e três são do sexo feminino. Aos informantes foi solicitado que

lessem três vezes cada um dos textos mencionados anteriormente. A instrução dada foi a

de que lessem em seu ritmo normal de fala e com a maior naturalidade possível, de

maneira a aproximarem-se maximamente de uma fala espontânea. Todas as leituras

foram gravadas, mas os resultados mostrados abaixo dizem respeito à terceira leitura de

cada texto, por acreditarmos que nesta os informantes atinjam uma maior naturalidade

na fala. Os dados retirados da terceira leitura foram submetidos a uma análise acústica

feita através do software Praat (Boersma e Weenink, 2008).

Para a análise cujos resultados são mostrados na sequência, alguns dados tiveram

de ser excluídos. Estas exclusões se deveram, basicamente, a três razões: (i)

incompreensão do que é produzido pelo falante; (ii) produção de uma sequência

6 Além de Bisol (2002) analisar a formação do ditongo de maneira geral, sem a distinção entre ditongo crescente e descrescente, não há uma correspondência entre as variáveis analisadas pela autora e os contextos por nós observados, o que não permite que estabeleçamos uma comparação entre os dois estudos.

Page 367: Letras & Letras

diferente da que consta nos textos, de maneira a eliminar os contextos sob análise; e (iii)

ausência de reestruturação prosódica nos casos em que ela era esperada, porque houve,

por exemplo, pausa entre as frases fonológicas relevantes.

A Figura 1 mostra os resultados obtidos para a influência do acento primário na

formação do ditongo crescente. Foram observados os dados com acento primário na

segunda vogal de uma sequência (como em come alho), em oposição a dados em que a

segunda vogal não é portadora de tal acento (como em come amora). Como podemos

ver, em conformidade com nossas expectativas, a presença deste acento na segunda

vogal parece desfavorecer a formação do ditongo7. Na Figura 1 e nas figuras seguintes,

ap corresponde a “acento primário”, e AP representa “acento principal”.

145 82

0

50

100

150

200

250

Com ap Sem ap

Dura

ção (

ms)

Figura 1 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre palavras, nos contextos em que a segunda vogal possui acento primário e nos contextos em que a segunda vogal não

possui acento primário.

Uma vez que a presença do acento principal na segunda vogal de uma sequência

bloqueia os processos de elisão e de degeminação, como vimos anteriormente, nossa

hipótese era a de que a presença deste acento na segunda vogal nos contextos sob

análise pudesse desfavorecer a formação do ditongo. Na Figura 2, interessam-nos os

dados da primeira e da terceira coluna, porque são eles que revelam a duração das

sequências que contêm vogais portadoras de acento primário que pode coincidir ou não

com o acento principal (como em come alho, em oposição a come alho esmagado). Esta

figura nos mostra que o acento principal exerce papel na realização do ditongo

crescente. Como pode ser observado, as sequências em que a segunda vogal é portadora

tanto do acento principal quanto do acento primário apresentam uma duração maior, o

que indica uma preferência pelo hiato, em oposição a sequências em que a segunda

vogal carrega o acento primário, mas não o principal. A pequena diferença entre os

resultados da segunda e da quarta coluna indica que a presença do acento principal na

segunda palavra é irrelevante se a segunda vogal da sequência sob análise não for a

portadora do acento primário (como em come amora, em oposição a come amoras

docinhas).

7 Em conformidade com a nota 3, este resultado precisa ser relativizado uma vez que não temos como verificar se as diferenças de duração apresentadas se devem mais à tonicidade das vogais envolvidas do que à formação ou não do ditongo.

Page 368: Letras & Letras

169 88 124 75

0

50

100

150

200

250

Com AP

e com ap

Com AP

e sem ap

Sem AP

e com ap

Sem AP

e sem ap

Du

raçã

o (

ms)

Figura 2 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre palavras, nos seguintes contextos: (i) segunda

palavra com acento principal e segunda vogal com acento primário; (ii) segunda palavra com acento principal e segunda vogal sem acento

primário; (iii) segunda palavra sem acento principal e segunda vogal

com acento primário; e (iv) segunda palavra sem acento principal e

segunda vogal sem acento primário.

Com relação à natureza morfossintática das palavras envolvidas (palavra lexical,

clítico ou palavra funcional com acento), nossa hipótese era a de que haveria um

comportamento diferenciado em razão de evidências de que a fronteira entre uma

palavra funcional e uma palavra lexical é mais fraca do que a fronteira entre duas

palavras lexicais. Esta hipótese não se confirmou quando clíticos e palavras funcionais

com acento ocupam a posição de primeira palavra, pois a sequência ia apresentou

durações médias muito próximas nos contextos de palavra lexical + palavra lexical

(como em come alho), clítico + palavra lexical (como em me ama) e palavra funcional

com acento + palavra lexical (como em aquele árabe), como mostra a Figura 3.

Entretanto, como mostra a Figura 4, quando clíticos e palavras funcionais com acento

constituem a segunda palavra de uma sequência (como em come a primeira coisa e

come alguma coisa, respectivamente), as durações são bastante reduzidas, o que aponta

para um favorecimento da formação do ditongo. A Figura 4 mostra os resultados para

sequências de palavra lexical + clítico ou palavra funcional com acento. Este gráfico é o

único em que os dados das sequências 4. e. 5. de (1) foram incluídos. Tais resultados

parecem apontar para o fato de que, para a realização das sequências sob análise,

interessa apenas a classe morfossintática da segunda palavra: se esta for uma palavra

lexical, haverá uma preferência pela não formação do ditongo crescente,

independentemente da classe morfossintática da primeira palavra. No caso de a segunda

palavra ser uma palavra funcional, a preferência pelo ditongo se estabelece. Desta

forma, podemos pensar em uma questão de alinhamento, a partir da perspectiva de

McCarthy e Prince (1993). Se, entre duas palavras em sequência, ocorre a formação do

ditongo, a borda esquerda (relativa à palavra fonológica) da segunda palavra é

modificada: (come) (alho) → (comjalho) , de maneira a haver um desalinhamento

entre a borda esquerda da palavra lexical e a borda esquerda da palavra fonológica.

Assim, a partir dos resultados obtidos, parece haver uma preferência por se preservar a

borda esquerda das palavras lexicais, em oposição à borda esquerda das palavras

funcionais.

Page 369: Letras & Letras

108 119 114

0

50

100

150

200

250

PL + PL CL + PL PF + PL

Du

raçã

o (

ms)

Figura 3 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre palavras, nos seguintes contextos: (i) palavra lexical

+ palavra lexical; (ii) clítico + palavra lexical; e (iii) palavra funcional com acento + palavra lexical.

58 65

0

50

100

150

200

250

PL + CL PL + PF

Dura

ção (

ms)

Figura 4 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre palavras, nos seguintes contextos: (i) palavra lexical

+ clítico e (ii) palavra lexical + palavra funcional com acento.

As Figuras 5, 6 e 7 mostram a atuação do acento principal em combinação com a

classe morfossintática das palavras envolvidas. Como pode ser observado nas Figuras 5

e 6, os valores médios de duração não são muito diferentes daqueles apresentados na

Figura 2, que analisa as palavras em geral. Isto significa que, nas combinações entre

duas palavras lexicais (Fig. 5) e entre clítico e uma palavra lexical (Fig. 6), a presença

de acento principal na segunda vogal da sequência, desde que esta vogal seja portadora

do acento primário, parece inibir a formação do ditongo (como em come alho, em

oposição a come alho esmagado; e me ama, em oposição a me ama muito). Mais uma

vez, a presença de acento principal na segunda palavra mostra-se irrelevante se a

segunda vogal de uma sequência não porta o acento primário, como pode ser observado

comparando-se a segunda e a quarta coluna das Figuras 5 e 6 (come amora, em

comparação com come amoras docinhas; e me amava, em comparação com me amava

muito).

Page 370: Letras & Letras

159 85 122 75

0

50

100

150

200

250

Com AP

e com ap

Com AP

e sem ap

Sem AP

e com ap

Sem AP

e sem ap

Du

raçã

o (

ms)

Figura 5 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre duas palavras lexicais, nos seguintes contextos: (i) segunda palavra com acento principal e segunda vogal com acento

primário; (ii) segunda palavra com acento principal e segunda vogal

sem acento primário; (iii) segunda palavra sem acento principal e

segunda vogal com acento primário; e (iv) segunda palavra sem acento principal e segunda vogal sem acento primário.

189 89 77105

0

50

100

150

200

250

Com AP e

com ap

Com AP e

sem ap

Sem AP e

com ap

Sem AP e

sem ap

Du

raçã

o (

ms)

Figura 6 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre um clítico e uma palavra lexical, nos seguintes contextos: (i) segunda palavra com acento principal e segunda vogal

com acento primário; (ii) segunda palavra com acento principal e

segunda vogal sem acento primário; (iii) segunda palavra sem acento

principal e segunda vogal com acento primário; e (iv) segunda palavra sem acento principal e segunda vogal sem acento primário.

Os números apresentados na Figura 7 mostram um resultado inesperado no caso

de sequências de palavra funcional com acento e palavra lexical. Neste caso, a presença

de acento principal na segunda palavra mostra-se irrelevante, como pode ser observado

na comparação entre a primeira e a terceira coluna, que apresentam os dados em que a

segunda vogal carrega o acento primário (aquele árabe, em oposição a aquele árabe

estranho). Embora a idiossincrasia recém descrita seja interessante, não tentaremos,

neste momento, esboçar uma explicação para ela.

Page 371: Letras & Letras

149 90 151 70

0

50

100

150

200

250

Com AP

e com ap

Com AP

e sem ap

Sem AP

e com ap

Sem AP

e sem ap

Du

raçã

o (

ms)

Figura 7 – Valores médios de duração e valores de desvio padrão da

sequência ia entre uma palavra funcional com acento e uma palavra

lexical, nos seguintes contextos: (i) segunda palavra com acento principal e segunda vogal com acento primário; (ii) segunda palavra

com acento principal e segunda vogal sem acento primário; (iii)

segunda palavra sem acento principal e segunda vogal com acento

primário; e (iv) segunda palavra sem acento principal e segunda vogal sem acento primário.

Considerações finais

Os resultados aqui apresentados foram obtidos a partir de um estudo-piloto que

buscou compreender melhor a formação do ditongo crescente entre palavras em PB.

Ainda que este estudo precise de alguns ajustes e necessite ser replicado com um

número maior de informantes, algumas informações importantes puderam ser extraídas,

como a atuação do acento primário e do acento principal e o papel da classe

morfossintática das palavras envolvidas.

Com relação ao acento primário, foi possível perceber que sua presença na

segunda vogal de uma sequência entre palavras inibe a formação do ditongo crescente.

Este resultado era esperado, uma vez que sílabas portadoras de acento primário

constituem estruturas proeminentes nas línguas, de maneira que processos fonológicos

são ali evitados. A formação do ditongo crescente nos contextos sob análise provoca

uma reestruturação silábica que parece ser evitada se a segunda sílaba é portadora de

acento primário.

O acento principal também demonstrou desempenhar um papel relevante na

formação do ditongo crescente entre palavras. Embora sua presença na segunda sílaba

de uma sequência não bloqueie a formação do ditongo, ela claramente desfavorece tal

formação.

No que diz respeito à classe morfossintática das palavras envolvidas, foi possível

observar que há uma inibição à formação do ditongo crescente quando a segunda

palavra de uma sequência é uma palavra lexical, independentemente da classe

morfossintática da primeira palavra.

Por fim, no que se refere à relação entre acento principal e classe morfossintática,

analisamos apenas os contextos em que a segunda palavra é uma palavra lexical, uma

vez que somente esta pode carregar o acento principal de uma frase fonológica. Assim,

contextos em que palavras lexicais e clíticos ocupam a primeira posição de uma

sequência se comportaram como as palavras em geral: houve uma inibição à formação

Page 372: Letras & Letras

do ditongo quando a segunda vogal da sequência porta o acento principal. Este mesmo

padrão não foi observado quando a primeira palavra da sequência pertence à classe das

palavras funcionais com acento. Neste contexto, a presença de acento principal na

segunda vogal não se mostrou como inibidora da formação do ditongo crescente.

Desta forma, obteve-se um quadro mais esclarecedor sobre a formação do ditongo

crescente entre palavras em PB, o que pode apontar caminhos para estudos futuros sobre

o assunto.

SIMIONI, T. THE FORMATION OF RISING DIPHTHONG BETWEEN

WORDS IN BRAZILIAN PORTUGUESE: A PILOT STUDY

Abstract

In this study, we will investigate the production of rising diphthong between words in

Brazilian Portuguese (BP), such as in “febre amarela” that can occur as

“febr[ja]marela”. Data collected through the reading of texts were analyzed

acoustically. In this sense, it was possible to observe the primary stress and the main

stress performances during the realization of the phenomenon analyzed. In contexts in

which the second vowel of a sequence between words has the primary stress, there was

an inhibition in relation to the production of the rising diphthong. The same fact

occurred in contexts in which the second vowel has the main stress. Besides, it was

possible to check that the morfossintatic class of the words involved plays a role in the

production of the rising diphthong between words. We can highlight the fact that this

production is inhibited when the second vowel of a sequence is a lexical word,

independently of the class to which the first word belongs (lexical word, stressed

functional word or clitic). In this sense, we achieved a scenario in which tendencies of

the production of the rising diphthong between words are indicated in BP.

Keywords

rising diphthong; language variation; Brazilian Portuguese.

Referências bibliográficas

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português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p.127-159.

Page 375: Letras & Letras

Anexos

Primeiro texto

Meus amigos sempre me procuram quando estão com problemas, dizem que eu

sei escutar e que dou bons conselhos. Por isso, tenho que ouvir cada coisa! E o pior,

tenho que prestar atenção pra poder dar os sábios conselhos que esperam de mim. Vou

dar alguns exemplos. Tenho um amigo que sempre come alguma coisa quando está

ansioso. Na verdade, ele come a primeira coisa que encontra na geladeira. Todas as

vezes que ele fala comigo, digo que ele precisa de tratamento, mas não adianta, ele não

procura um especialista. Com outra amiga, o caso chega a ser engraçado; ela não tem

sorte com os namorados. É sempre a mesma coisa. Uma semana ela chega animada e

diz: “Ele disse que me ama, ele disse que me ama muito”. Duas semanas depois, ela

aparece chorando: “Mas ele disse que me amava, ele disse que me amava muito”. Tem

o que dizer? A última dela é um namorado árabe. Quando ela chegou com a novidade,

todos olharam para aquele árabe. Aliás, por onde eles passam, todos olham para aquele

árabe estranho. Tem ainda outra que não sabe dizer “não” pra ninguém. Ela reformou o

apartamento e disse que odiou a pintura da sala, que agora era azul cintilante. Perguntei

por que ela tinha escolhido essa cor. Ela simplesmente respondeu: “O pintor escolheu

aquele azul porque quis.”. E ela insistiu: “O pintor escolheu aquele azul cintilante

porque quis.”. Tentei explicar pra ela que o apartamento era dela e que, portanto, ela

deveria escolher a cor da tinta, mas não adiantou, ela disse que não queria magoar o

pintor que tinha sugerido a cor. E eu tenho que aguentar isso!

Segundo texto

Sempre fui o engraçadinho da turma. Tenho um repertório de piadas que não

acaba mais. E tudo começou com aquela “Gosta de amora? Vou contar pro teu pai que

tu namora.”. Fraquinha, mas na época de escola funcionava pra irritar minhas colegas.

Meu alvo preferido era a Carlinha. A distraída sempre respondia “sim”. Acho que até

hoje, sempre que ela come amora, ela se lembra de mim. E as lembranças não devem

ser boas nem quando ela come amoras docinhas.

Esses dias me contaram uma piada. Como todo mundo sabe que coleciono piadas,

sempre tem alguém me contando algumas novas. Tenho que ouvir umas bem sem graça.

Mas esses dias me contaram uma piada engraçada. A parte ruim é que não me lembro

dela. Só me lembro que tem um velho rabugento e que todos os dias ele come alho. Na

verdade, ele come alho esmagado.

Há um tempo atrás, eu tinha até “assistentes” que me ajudavam a aumentar a

coleção. Sempre que eles ouviam uma história boa, eles copiavam tudo, ou, pelo,

menos, eles copiavam o que conseguiam. Cheguei a fazer um livro com a coleção de

piadas. Fui em várias editoras e entreguei uma cópia. Meu erro foi tentar economizar no

xerox e fazer cópias horríveis. Só isso justifica nenhuma editora ter me dado uma

resposta, porque as piadas eram realmente boas.

Page 376: Letras & Letras

Normas para a apresentação dos originais

A Revista Letras & Letras aceita para publicação artigos inéditos em sua especialidade: estudos

linguísticos sobre línguas e/ou literaturas clássicas e modernas; teorias linguísticas; teoria da

literatura; estudos sobre o ensino de línguas e de literatura; resenhas críticas de obras publicadas nas áreas de ciências da linguagem e de teoria e crítica de obras literárias, conforme temáticas

definidas para publicação, por meio da aprovação de propostas pleiteadas segundo as normas

dos editais.

A Revista Letras & Letras aceita trabalhos digitalizados em português, espanhol, francês e

inglês, respeitados os padrões ortográficos vigentes em cada caso. Os textos deverão estar acompanhados de resumo e palavras-chave (no idioma do texto) e de abstract e keywords em

inglês.

Se o(s) autor(es) achar(em) necessário, poderá(ão) indicar se o trabalho é resumo de dissertação ou tese; se o mesmo está vinculado a outros projetos, se obteve auxílio para a realização do

projeto; enfim, quaisquer outros dados relativos à produção de material. No caso de resumos de

dissertações ou teses, indicar o título da mesma, instituição onde defendeu e data de defesa.

É proibida a tradução de artigos publicados na Revista para outro idioma sem a autorização da

Diretoria.

Ao enviar o material para publicação, o(s) autor(es) está/estarão automaticamente abrindo mão

de seus direitos autorais, concordando com as diretrizes editoriais da Revista Letras & Letras e,

além disso, assumindo que o texto foi devidamente revisado.

Dois membros do Conselho Editorial, um interno e outro externo, emitirão parecer sobre os

trabalhos, aprovando-os ou sugerindo as alterações que julgarem necessárias. Em caso de um parecer ser favorável e outro contrário, o trabalho será enviado a um terceiro membro do

Conselho Editorial.

Os trabalhos que requererem alterações serão encaminhados aos autores para procederem às modificações sugeridas e, em seguida, enviarem eletronicamente à Revista o texto devidamente

corrigido.

Envio de originais

O material para publicação deverá ser encaminhado à Diretoria da Revista por via eletrônica

conforme orientações contidas no site da Revista. Inicialmente, o autor deverá cadastrar-se,

criando um login e uma senha, obedecendo as orientações disponibilizadas no site

www.letraseletras.ileel.ufu.br.

De acordo com as orientações, o autor deve acessar o site da revista e iniciar seu processo de

registro de um login, escolhendo a opção “sobre” e na próxima janela, deverá optar pelo link “Submissões Online”. Em seguida, surgirão duas opções: “Acesso” e “Cadastro”. Ao optar pelo

link “Cadastro”, outra janela se abrirá com um formulário a ser preenchido pelo autor. O

cadastro de um login e de uma senha deverá ser efetuado.

O autor precisará preencher todos os campos do formulário disponível, antes de submeter o

material para a revista Letras & Letras. Todas as informações reunidas nesse formulário serão

utilizadas pelos editores da revista para se comunicarem com o autor, bem como para a indexação do trabalho quando publicado.

Page 377: Letras & Letras

Depois do cadastro feito, o autor deverá fazer o seu login todas as vezes que desejar submeter

um trabalho ou verificar a situação de seu processo de submissão atual.

Para submeter trabalhos, o autor deverá escolher a opção “Submeter” e seguir os passos (1, 2, 3,

4 e 5 constantes no site) do processo para submissão de trabalho à revista. Todos os campos de

cada passo deverão ser preenchidos. Após a conclusão do processo de submissão, o autor poderá acompanhar o status de suas submissões atuais, acessando o site e fazendo seu login. O autor

deverá acessar a opção “Submeter” e escolher a função “Acompanhar”.

Preparação dos originais

Os textos submetidos devem conter, no máximo, 20 (vinte) páginas, incluindo bibliografia e anexos, quando for o caso, digitalizadas com espaçamento simples.

As páginas deverão ser configuradas da seguinte maneira: Tamanho: A4

Numeração: fora (canto inferior)

Margem Superior: 3cm Margem Inferior: 2,5cm

Margens esquerda e direita: 3cm

Tipo: Times New Roman

Texto: corpo 12 Notas: corpo 10 As notas de rodapé devem figurar necessariamente ao pé das páginas onde seus índices

numéricos aparecem.

Estrutura do trabalho

Os textos devem obedecer à seguinte ordem:

a) Título em maiúsculas com negrito, centralizado. Duas linhas abaixo do título, alinhado à

direita;

b) Resumo, no idioma do texto (máximo 200 palavras), duas linhas abaixo do nome do autor, sem adentramento e em espaçamento simples;

c) Palavras-chave (até cinco), duas linhas abaixo do resumo, separadas por ponto e vírgula;

d) Texto: duas linhas abaixo das palavras-chave inicia-se o texto, em espaçamento simples entre linhas e duplo entre parágrafos; os subtítulos correspondentes a cada parte do texto deverão

figurar à esquerda, em negrito e sem adentramento. Duas linhas após o término do texto, à

esquerda, em negrito e sem adentramento, deverão constar título (em inglês) e demais

referências sobre o artigo (Ex.: SILVA, M. Título em inglês). Duas linhas abaixo deverão constar o abstract e keywords. Em seguida, também duas linhas abaixo, sem adentramento,

deverão figurar as Referências, em ordem alfabética e cronológica, indicando os trabalhos

citados no texto. Após as referências, poderá figurar a Bibliografia, com a indicação de obras consultadas ou recomendadas, não referenciadas no texto, também em ordem alfabética e

cronológica.

e) Referências: devem ser dispostas em ordem alfabética pelo último sobrenome do autor, atendendo-se aos padrões da NBR 6023:2000 da ABNT.

Abreviaturas: os títulos de periódicos deverão ser abreviados conforme o Current Contents.

Exemplos básicos

Livros

Page 378: Letras & Letras

SILVA, I. A. Figurativização e metamorfose: o mito de Narciso. São Paulo: EDUNESP, 1995.

Capítulo de livros JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de comunicação de

massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p.47-66.

Dissertações e teses CORRÊA, G. G. As reformas educacionais brasileiras: programas de ensino em Ciências e

seriação escolar. 1997. 201 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Ciências

Humanas e Artes, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 1997.

Artigos de periódicos

CAMPOS, M. M. Educação infantil: o debate e a pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,

n.101, p.113-127, jul. 1997.

Trabalho em congresso ou similar (publicado)

MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990. Águas de São Pedro. Anais...

São Paulo: Unesp, 1990. p.114-118.

Publicação On-line – Internet TAVES, R. F. Ministério corta pagamento de 46,5 mil

professores. O Globo, Rio de Janeiro, 19 de maio 1998. Disponível em http//www.oglobo.com.

br. Acesso em 19 maio 1998.

Citação no texto. O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome, separado por vírgula

da data de publicação (BARBOSA, 1980). Se o nome do autor estiver citado no texto, indica-se

apenas a data entre parênteses: “Morais (1955) assinala...”. Quando for necessário especificar página(s) esta(s) deverá(ão) seguir a data, separadas por vírgula e precedidas de p.

(MUMFORD, 1949, p.513).