Monografia Movimento Operario Pos64 v8FINAL
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Faculdade Porto – Alegrense - FAPA
Curso de História
João Batista Correa Junior
O movimento operário nos primeiros anos da ditadura militar de 1964
Monografia apresentada à FAPA como requisito parcial para obtenção do titulo de licenciatura Plena do Curso de História
Orientador: Prof. Drª Véra Lucia Maciel Barroso
Porto Alegre 2009
RESUMO
Esta monografia visa somar, com uma pesquisa sobre os primeiros anos da
ditadura militar no Brasil, desvendando o que o governo ditatorial usou como forma
de repressão e para o controle do movimento operário, a fim de mantê-lo afastado, o
máximo possível, do cenário político brasileiro. O controle feito pela ditadura contra o
movimento operário era vital para a manutenção deste regime. Este trabalho tem
como objetivo explicar, como um regime ditatorial conseguiu chegar ao poder
através de um golpe e não sofrer uma forte oposição da população, criando suas
bases de sustentação por um longo período. Demonstrar o posicionamento do
governo golpista, apoiado pelo capital internacional e pela conjuntura externa,
mostrando também a visão do movimento operário assim como dos dissidentes
armados dos grupos de esquerda, é uma das saídas para entender este conturbado
e intrigante período da história brasileira.
Palavra-chave: ditadura militar, movimento operário, repressão.
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Sumário
1 Introdução ......................................................................................................4
2 Implantação da ditadura civil e militar no Brasil.............................................7
2.1 Cenário internacional e inimigo interno.......................................................7
2.2 Política interna.............................................................................................9
2.3 Apoio da mídia e empresas multinacionais................................................12
3 A dialética da conjuntura: governo ditatorial x movimento operário..............15
3.1 Ditadura contra o operário ….....................................................................15
3.2 Falta de movimentação das bases.............................................................18
3.3 Demais grupos de esquerda e o papel do operariado na luta....................22
4 Conclusão ….................................................................................................26
5 Referências …...............................................................................................27
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho trata do tema. “A repressão da ditadura militar e as formas de
articulação e resistência do movimento operário brasileiro nos primeiros anos da
instauração da ditadura militar brasileira de 1964”. Seus principais objetivos são:
analisar as políticas de repressão do estado ditatorial de 1964 frente ao movimento
operário; apontar as articulações de resistências do movimento operário ao regime
nos primeiros anos da ditadura e demonstrar o resultado da ação dialética entre a
atuação repressiva do estado e a resistência do movimento operário ao regime.
A problemática que norteou o trabalho de pesquisa foi pensar, de que maneira
o movimento golpista brasileiro de 1964 conseguiu manter-se e estancar fortes
manifestações do movimento operário de esquerda contrário ao novo regime
instaurado? A hipótese trabalhada foi a de que após 1964, a ditadura passou a
intervir fortemente nos sindicatos, enfraquecendo o movimento operário, nos
primeiros anos do regime.
Trabalhar nesta pesquisa e escolher este tema teve fundamental importância,
por entender que os participantes do movimento operário em uma sociedade
industrial constituem uma parcela significativa da população, capaz de fazer grandes
mudanças na sociedade. O estudo sobre a repressão e a articulação de defesa dos
interesses do movimento operário é uma amostra, ainda que em uma amplitude
menor, de como a sociedade brasileira reagiu à instauração da ditadura e como o
governo ditatorial articulou sua permanência no poder.
Causa estranheza o fato de a historiografia apontar que eram pequenos os
focos de resistência para com um regime que durou mais de 20 anos. Esta pesquisa
imbuiu-se de importância na medida em que se pretende mostrar a resistência dos
operários no chão das fábricas.
As bibliografias que destacam o movimento operário como agente
transformador e importante da história, são em sua maioria voltadas ao marxismo.
Assim, utilizei em minha monografia, como autores principais, Edgard Carone e
Celso Frederico.
O autor Edgard Carone, de tendência marxista, vinculado também ao PCB, tra-
balhou com o Movimento Operário onde suas principais obras sobre o assunto são:
Movimento Operário no Brasil (1964-1984) e também Classes sociais e o Movimento
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Operário, respectivamente dos anos de 1984 e 1989. A primeira obra está dividida
entre os movimentos que tinham alguma ligação com os operários, onde se desta-
cam os períodos de guerrilhas por origem. A sequência histórica é respeitada dentro
dos grupos. Este livro é fragmentado em diversos textos sobre o assunto, sem uma
relação direta entre eles. Especialmente importante se situam os capítulos referen-
tes à política operária e à reorganização da esquerda. Estes textos assim como os
demais deste livro representam muitas vezes, verdadeiras fontes históricas, com
cartas e documentos da época de diferentes autores. Na introdução de sua obra,
Carone faz uma exposição sobre o alerta e o posterior posicionamento da esquerda
brasileira antes e depois do golpe militar, demonstrando a formação da resistência
política, assim como a resistência armada do período.
Celso Frederico, ligado às ciências sociais, fez livre docência na USP vinculado
a teoria social e também ao marxismo. Trabalha com a pesquisa do movimento ope-
rário na história do Brasil. Foi organizador do livro “ A esquerda e o movimento ope-
rário (1964-1984)”. Compõe-se de três volumes, onde o primeiro mostra a repressão
contra o movimento operário, suas dificuldades e reorganização. Demonstra também
no início do livro, em linhas gerais, de que forma a ditadura impôs um domínio nos
sindicatos. No terceiro volume o autor apresentou o subtítulo de “A reconstrução” e é
o que marca esta obra, mostrando com teve que se reformular o movimento de es-
querda, diante de uma nova realidade imposta que era o regime ditatorial instaurado.
O livro conta com um conjunto de documentos com foco nas greves e na organiza-
ção do trabalhador, a greve como sendo o resultado desta organização e a situação
dos trabalhadores. Nos textos estão presentes artigos de intelectuais da época, tre-
chos de jornais do período, assim como publicações partidárias e de diversas ori-
gens.
O referencial teórico que utilizarei será o marxista, por entender que o
materialismo histórico consegue problematizar melhor as questões que serão
abordadas, levando consequentemente a uma causa e a reflexões profundas do
momento presente. A dialética marxista que parte de problemas reais e concretos
rumo ao abstrato norteia o trabalho.
Quando partimos de conceitos reais como a repressão e a resistência do
movimento operário, buscando hipóteses que estão em um plano de interesses
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financeiros e políticos, estamos utilizando a dialética marxista. Também será
utilizado Gramsci1, de matriz marxista que renova alguns conceitos clássicos, como
o de Estado e ideologia.
A repressão de um Estado sobre um determinado movimento social sugere
fortemente que este Estado tenha razões para que de alguma forma exerça esta
repressão. O Estado, como representante da classe dominante, não pode
exclusivamente se valer da repressão. Ele não consegue se sustentar desta forma e
utiliza de outros meios para sua legitimação. O apoio de setores populares a um
estado ditatorial pode servir como exemplificação desta idéia.
Com o pano de fundo de uma história que não é criada somente por fatores
econômicos e onde as relações de causa e efeito são complexas e intrincadas,
existe a sociedade que para Gramsci, está dividida entre sociedade civil e sociedade
política e onde os dois planos juntos correspondem à função de hegemonia2. A
sociedade civil compreende o complexo das relações ideológicas3 e culturais.
Esta monografia contempla duas seções. Após a introdução, a segunda seção
aborda a implantação da ditadura civil militar no Brasil, contemplando o cenário
internacional, o processo político interno, assim como o apoio explícito de grande
parte da mídia e das empresas à implementação deste regime. A seguir, a seção
três tratará da relação entre o governo ditador e a classe operária, destacando as
leis do arrocho salarial e a política de intervenção nos sindicatos pelo Estado, assim
como a visão dos grupos armados contra a ditadura sobre o papel e o
posicionamento do movimento operário.
Ao final será observado o resultado da ação dialética produzida por estes
agentes históricos, encaminhando assim para uma conclusão que reafirma a
hipótese mencionada acima.
1Antônio Gramsci adere a esta compreensão marxista de que o Estado no capitalismo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento subordinado a serviço dos interesses particulares de uma classe, o que, mesmo por isso, deve desaparecer com a superação da sociedade capitalista. Mas ele amplia esta teoria restrita do Estado de Marx e Engels aduzindo novos elementos e novas determinações a esta compreensão. (COUTINHO, 1981, p. 54). 2A hegemonia de Gramsci compreende, portanto, além da direção política, a direção cultural, abrangendo não só o partido político, mas todas as instituições da “sociedade civil” que tenham algum nexo com o processo de elaboração e difusão da cultura. (MARQUES, 1991, p. 21)3Conforme explicita Luiz Marques (1991, p. 20) para Gramsci, portanto, as ideologias não só têm sua base em realidades materiais, mas elas próprias se constituem em forças materiais.
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2 A IMPLANTAÇÃO DA DITADURA CIVIL E MILITAR NO BRASIL
A reação do movimento operário à ditadura militar faz parte de um contexto
histórico amplo, que é a implementação de governos autoritários em praticamente
toda a América Latina. Isto é resultado de um cenário mundial, ainda mais amplo, e
é a partir deste contexto mundial que explanamos nesta seção, delimitando e
mostrando as influências que, posteriormente, serão exercidas sobre os cidadãos
brasileiros, porém em especial o movimento operário.
2.1 Cenário internacional e inimigo interno
Uma mudança drástica ocorreu na esfera política e econômica no mundo nos
anos de 1920, mudando inclusive o complexo jogo de interesse entre as nações,
abrindo uma nova visão dos problemas sociais.
A partir do aparecimento do primeiro Estado socialista, em 1917, a situação da organização militar sofreu alteração essencial porque no cenário internacional, em que a guerra correspondia à fase militar de luta econômica e política, surgia uma componente nova, a social (SODRÉ, 1984, p.15).
Após a Segunda Guerra Mundial, teve inicio a Guerra Fria, quando o mundo se
dividiu em dois grandes blocos. Um pólo era comandado pelos Estados Unidos e o
outro pela União Soviética. Essa divisão de poder mundial foi um dos resultados da
Segunda Guerra Mundial e dividiu o mundo em duas grandes áreas de influência.
Ocorreu então uma espécie de exportação de ideologias, expandindo os
tentáculos da dominação para o maior número de países possíveis. Conforme
Oliveira (1978, p. 28) “O Conflito ideológico permanente, a possibilidade de uma
guerra total entre Ocidente e Oriente fornecem o primeiro e fundamental elemento
nas etapas de formulação da segurança nacional”, obrigando os países a se
definirem por um ou outro lado. As nações envolvidas diretamente na captura
ideológica pressionavam de todas as maneiras os governos dos países
circundantes. No caso do Brasil, a maior pressão e iniciativas se deram através dos
Estados Unidos da América.
Depois da segunda guerra mundial, os Estados Unidos [...] passaram a se ocupar de uma possível ameaça soviética. Sua atuação neste rumo resultou no lançamento em 1961 da Aliança para o Progresso, que consistia num plano de ajuda dos Estados Unidos aos países da América Latina com vistas ao desenvolvimento econômico (WASSERMAN, 2004, p. 29).
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Esta preocupação americana se intensificou em virtude da transferência do
modelo econômico de Cuba e aproximação deste país com a União Soviética. Vê-se
isto claramente no relato de Sodré (1984, p.22): “A alternativa socialista leva o
imperialismo ao desatino. Quando Cuba, num processo singular, rompe com a
dominação norte-americana e realiza aquela opção, o desatino assume grau
explosivo”.
A Revolução Cubana marcou profundamente a política exterior dos Estados
Unidos, que anunciaram não mais tolerar insurgências, desafiando sua hegemonia
na região, logo após ter ficado clara a aproximação entre Cuba e União Soviética.
Para garantir que os governos da região permanecessem como aliados, os Estados
Unidos apoiaram ou patrocinaram golpes militares de exacerbado conteúdo
anticomunista. Mas este patrocínio não poderia se dar de maneira direta, em razão
dos problemas que os Estados Unidos estavam tendo com a sua opinião pública
relativa à Guerra no Vietnã.
Destruir Cuba impedir, por todos os meios, que se repetisse o seu exemplo no continente tornou uma obsessão norte-americana [...] derrotas na Coréia e no Vietnã. Tais derrotas tiveram reflexos profundos na sociedade norte-americana e assinalaram um momento de mudança. Tratava-se pois de substituir o método clássico de intervenção dos marines pelo diabólico processo de usar as forças armadas dos países dependentes para servir aos interesses do imperialismo (SODRÉ, 1984, p. 30).
Os Estados Unidos passam desta forma a intervir de maneira decisiva nos
países que pretende ter algum controle e implantar de forma mais forte o sistema
capitalista, exportando assim sua ideologia, principalmente para o meio militar, onde
no caso brasileiro havia uma grande cumplicidade desde o período pós guerra.
As Forças Armadas do Brasil assumem o poder em consonância com a lógica
da Guerra Fria e iniciam a implantação da Doutrina de Segurança Nacional. O
comunismo é tomado como inimigo interno que manipula e potencializa as tensões
sociais próprias do estágio de desenvolvimento do Brasil, provocando assim a
internalização do conceito. Pode ser sumariamente indicado como a passagem da
'agressão externa' para a 'agressão interna'. Desta maneira se percebe uma
mudança no olhar das Forças Armadas a respeito do inimigo da Pátria, que antes
resultava em outra nação, e agora se encontra nela, criando um dispositivo
psicológico para permitir de maneira natural a luta contra os próprios brasileiros.
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Conforme Sodré, (1984, p. 15) nas “[...] nações qualificadas como subdesenvolvidas
as forças armadas abandonaram já a função tradicional e externa, voltando-se, de
maneira quase sempre absoluta, para funções internas”. Desta forma o inimigo não
é mais estrangeiro, porém nacional, são os próprios brasileiros que são tratados
como inimigos nessa doutrina. São aqueles que, não aceitando a doutrina, se
constituem em subversivos.
Desta forma, através da exportação da ideologia de doutrina de segurança
nacional (DSN) americana, os militares já estavam criando bases para o golpe de
1964, desenvolvendo esta doutrina na sociedade como um todo. A subida dos
militares ao poder se daria de forma menos traumática.
2.2 Política interna
No cenário político pré-revolução de 1964 pode-se perceber o amadurecimento
e, ao mesmo tempo, o distanciamento das posições de direita e esquerda4, em
grande parte devido ao cenário internacional de grande instabilidade. Aqui no Brasil,
políticos de direita e esquerda tentavam levar a sua supremacia ideológica para as
massas. Calil na revista Ciências & Letras (2007, p. 352) descreve, ao falar sobre os
integralistas, a realidade política vivida naquele momento: “O contexto nacional de
acirramento da confrontação política levou os integralistas a se incorporarem no
bloco golpista, o que se expressou, já em 1962, em sua participação em coligações
anti-Jango nos principais estados.”
Tratava-se não apenas de uma crise política mas, conforme Oliveira (1978,
p.16): “Na verdade, tratava-se de uma crise geral em que tanto a economia quanto
as instituições políticas apresentavam evidentes sinais de debilitamento”. Este
debilitamento foi utilizado pelos militares para explicar a necessidade de uma ação
mais enérgica e que defendesse os interesses econômicos do País. Ainda conforme
Oliveira (1978, p. 37): “Não apenas as elites são despreparadas, mas todo o corpo
social. Essa definição certamente está presente na DSN”. Ela indica o despreparo
da elite para o controle social. Este controle se fazia necessário, pelo fato das
4Bobbio, em sua obra Direita e Esquerda (1995, p. 117), demonstra que o valor igualdade é o principal fator de diferenciação. A esquerda busca uma igualdade maior e uma eliminação da desigualdade natural em suas políticas, enquanto a Direita, ao contrário, acredita que a desigualdade é inerente ao ser humano.
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massas estarem politicamente presentes, executando uma pressão muito forte para
se executarem em nosso país, reformas de base. Desta forma a entrada das
massas no cenário político aparece como um elemento perturbador da ordem
'liberal', tanto na DSN quanto nos discursos presidenciais. Assim, vários setores
populares tiveram uma importante atitude política.
Os anos de 1962, 1963 e 1964 foram marcados pelo rápido crescimento das lutas populares. A aceleração da luta por reformas estruturais ocorreu a partir do momento em que Goulart por meio de um plebiscito que lhe deu esmagadora maioria, derrubou o parlamentarismo impingido pelos militares. Os trabalhadores sindicalizados, em que pesem debilidades evidentes na sua organização de base, tinham desenvolvido uma ampla capacidade de mobilização, com a incorporação de um número cada vez maior de sindicatos às lutas pró “reformas de base” propostas por Goulart (Arquidiocese de São Paulo, 1984, p. 57).
Com esta crescente radicalização dos setores podemos ver que o intervalo
1946-1964 representa uma etapa de desenvolvimento e mudanças sociais que
gerariam a necessidade de modificações profundas na sociedade brasileira, fosse
num sentido nacionalista e democrático, fosse no sentido do autoritarismo militar. As
forças que apoiavam a reforma social neste país, se constituíam e estavam divididas
da seguinte forma:
O sindicalismo brasileiro atuou ativamente entre 1958 e 1964, construindo organizações horizontais de luta, como o Comando Geral dos Trabalhadores. As ligas camponesas, cuja atuação foi intensa entre 1959 e 1962, nasceram da resistência dos camponeses à expropriação das terras onde trabalhavam por parte dos proprietários rurais. O movimento estudantil brasileiro também foi protagonista na luta contra o latifúndio, o imperialismo e a exploração dos operários brasileiros (WASSERMAN, 2004, p. 31)
A imagem do brasileiro conformado, acomodado, submisso, que sempre se
procurou vender, não corresponde ao registro da história, principalmente nos anos
anteriores ao golpe militar, inclusive com certa perda de poder da direita com o
crescimento da representação parlamentar de esquerda. Setores da elite, tanto rural
quanto industrial, se viram ameaçados pela sede de reformas na melhora da
qualidade de vida.
No campo são criadas as Ligas Camponesas, que atingem, em 1964, um total de 2181, espalhadas por 20 estados. Proliferam as lutas rurais que, de modo semelhante ao ocorrido nas cidades, causam pânico entre os fazendeiros conservadores, dispostos a tudo para impedir a Reforma Agrária (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985 p. 57).
A elevada inflação da época e a instabilidade do quadro político favoreciam a
pregação da direita, junto às classes médias, em favor de mudanças profundas que
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trouxessem um governo forte. Tinha-se neste momento a classe média e as elites
favoráveis ao enrijecimento do governo. Por outro lado.
Setores mais à esquerda [...] pressionavam Jango não só pelas reformas, mas também pela radicalização delas. Obviamente, a maioria de suas reivindicações eram plenamente justificáveis, mas isso não serviu, de qualquer modo, para amenizar os temores dos setores centralizados da política e, tampouco, os temores da classe média nacional – que acabariam por voltarem-se ao abrigo da direita (WASSERMAN, 2004. p.150).
Wasserman se refere a este momento como um colapso do populismo onde um
novo tipo de estado para o país era necessário, no qual este, deveria levá-lo de
forma racional à abertura para as grandes empresas e ao capital internacional.
O contexto político e principalmente social, neste período nos mostra que com
a ajuda da propaganda se tornaria propício o estabelecimento dos militares no poder
com um certo apoio de grande parte da população. Assim Oliveira (1973, p. 47)
descreve que “[...] a intervenção militar assume o duplo significado de um
movimento primordialmente voltado a impedir a continuidade da ascensão dos
movimentos populares e, secundariamente, de contestação da dominação
burguesa”. Esta dualidade dos militares que tomaram o poder baseados em um
apoio da elite, da classe média e do meio político contra Jango, não foram
detectados pelos analistas e observadores da época. Conforme constatado por
Sodré (1984, p. 33), “O que os observadores e comentaristas não perceberam, por
isso mesmo, no golpe militar de abril de 1964 no Brasil, foi a diferença essencial que
o distinguiu de outros golpes militares anteriores”. A conjuntura externa era favorável
e para necessidade interna a uma manutenção da ordem econômica e abertura de
mercado que implicaria em um governo forte e com certa longevidade enquanto
governo.
Com o golpe de abril de 1964, a primeira impressão era de que aquela
manobra militar se tratava de mais um episódio na longa história de intervenções
das Forças Armadas na política brasileira. Este golpe, juntamente com a
implantação da Doutrina de Segurança Nacional, fez com que conforme
Wasserman, operários, camponeses, estudantes e soldados, juntamente com
pequenos partidos e parlamentares nacionalistas e esquerdistas fossem
considerados perigosos e subversivos ao sistema.
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2.3 Apoio da mídia e empresas multinacionais
Foi muito importante o apoio da mídia e de empresas multinacionais ao golpe
militar. Este apoio possibilitou obter no mínimo uma certa indiferença da população
ao que estava correndo.
Interesses como a entrada do capital estrangeiro ao Brasil, estavam em jogo,
quando uma parte da população brasileira iniciou uma contestação mais forte para
melhorar sua realidade. Naquele momento, os Estados Unidos, almejavam obter um
determinado controle social e econômico na América Latina. Desta forma,
influenciaram de modo decisivo na própria Doutrina de Segurança Nacional,
basicamente criada pela Escola Superior de Guerra5.
Os elementos ideológicos da Doutrina de Segurança Nacional tinham seu forte
braço civil na atuação de empresários, intelectuais, setores da igreja e burocratas
civis, aglutinados em torno do complexo Instituto de pesquisa e Estudos Sociais e
Instituto Brasileiro de Ação Democrática, também chamados de IPES/IBAD, cujo
papel foi decisivo na influência da opinião pública, especialmente na classe média
urbana, sobre o governo. Com dinheiro de empresas nacionais e internacionais
financiavam a grande imprensa e revistas para fazer campanhas anticomunistas,
alimentando também críticas à política econômica, financiando também uma série
de materiais, programas de tvs e rádios, panfletos, etc. Estes órgãos IPES/IBAD
tinham grande importância na difusão da ideologia da DSN, nas camadas mais
baixas da sociedade brasileira, como a classe média.
A disposição de ajuda dos norte-americanos representou o último sinal para que os generais interessados em derrubar o presidente passassem à ação [...] com o financiamento de entidades como o IBAD e o IPES, que se voltavam para uma opulenta propaganda antigovernamental em todo o país (WASSERMAN, 2004, p. 58).
Desta forma, a autora resume o nível de intervencionismo americano em solo
brasileiro, assim como a participação da elite e de setores políticos na elaboração de
forte propaganda anti-governamental. No desenvolvimento e posterior divulgação da
Doutrina de Segurança Nacional.
Os meios de comunicação de massa deveriam dar incondicional apoio ao
golpe. O episódio do golpe militar de 1964 fazia parte de um longo processo de
5 A Escola Superior de Guerra, criada no Brasil no período mais quente da Guerra Fria deveria agrupar e doutrinar convenientemente os altos chefes militares das três armas, os funcionários graduados dos ministérios, instituições militares estatais e paraestatais e os grandes empresários. A criação desta escola se deu aos moldes da americana National War College.
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ideologização das Forças Armadas brasileiras e latino-americanas, através de
investidas como a criação da Doutrina de Segurança Nacional com apoio americano,
que visavam impedir o avanço do comunismo. Juntando-se a, isto o fato de que
grande parte da população brasileira comprou a idéia de que o governo Jango era
comunista e estava levando o Brasil para o socialismo ou mesmo para uma
república corporativista.
Grande parte da sociedade brasileira passou a apoiar o golpe, não porque o presidente da República quisesse realizar reformas, mas porque acreditaram que estas reformas eram identificadas com o socialismo, mesmo que nem as organizações verdadeiramente marxistas estivessem de acordo com isso (WASSERMAN, 2004, p. 38).
Este momento limite foi o resultado de anos em que uma elite empresarial
influenciou diretamente a pequena burguesia e os políticos por ela representados
que através dos meios de comunicação de massa definiram o modo de pensar da
maioria da população brasileira. Esta elite tinha vários motivos para se preocupar e
muito dinheiro a perder com o avanço das lutas sociais e participação dos
trabalhadores na política.
Em uma sociedade que buscava a abertura para a entrada de empresas
multinacionais, o operário tinha muita importância, sendo o gerador real de riqueza;
sua alienação seria necessária. Com este objetivo os principais meios de
comunicação se esforçaram na tentativa de legalizar o golpe de estado, dando um
caráter honroso e até mesmo heróico à deposição do presidente João Goulart. É o
que pode ser nitidamente observado no editorial do jornal O Globo do dia 02 de abril
de 1964.
Ressurge a Democracia
Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
[...]As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna,
“são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República e dentro dos limites da lei”.
No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a
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hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, consequentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei.
Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranquilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. (EDITORIAL. Jornal O Globo, 02 de Abril de 1964).
O trabalhador, pertencente à classe média baixa na sociedade brasileira,
também é fruto do meio. Assim, o modo como a imprensa abordava o momento em
que vivia o Brasil, influenciava decisivamente na construção de uma visão critica de
grande parte dos operários brasileiros, que passavam em um primeiro momento a,
no mínimo, não contestarem fortemente o golpe.
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3. DIALÉTICA: GOVERNO DITATORIAL, MOVIMENTO OPERÁRIO
A industrialização brasileira teve um grande aumento no governo Vargas. Os
brasileiros se deparavam com uma industrialização rápida, pesada e de bens de
consumo duráveis, em que uma de suas características foi o aumento da camada
trabalhadora industrial urbana, reunida em torno das fábricas, onde entrava em
contato com inúmeros tipos de pensamentos, como o marxismo e o anarquismo.
Neste sentido, esta massa industrial urbana, a partir da redemocratização do país
dispunha de uma certa visão de seus problemas e iniciou uma pressão para muda-
las. Com o cenário estabelecido, o governo alegou a fragilidade dos trabalhadores
quanto a doutrinas vindas de fora do país, carecendo resguardar o trabalhador tanto
da luta de classes, quando da exploração capitalista e apoiou a criação de
sindicatos, que eram na verdade um braço do estado sob esta organização e uma
tentativa de controle da massa.
Imediatamente após o golpe militar, o governo ditatorial passou a tomar
medidas repressivas contra a classe operária, principalmente os sindicatos. Em
contrapartida, de diversas formas os operários agiram e reagiram às medidas,
buscando uma melhora nas suas condições de vida. A dialética entre estas duas
forças antagônicas permeou os anos seguintes após a instauração da ditadura
militar no Brasil.
3.1 Ditadura contra o operário
O governo ditatorial era fortemente ligado aos Estados Unidos da América, não
somente com as ajudas ideológicas e auxilio militar ao golpe. Empresas
multinacionais de capital americano tinham a intenção de entrar no mercado
brasileiro. Portanto, os trabalhadores eram peça fundamental na manutenção e
futuro imediato do golpe e dos rumos econômicos que o governo brasileiro estava
planejando. Para tanto, o custo de produção deveria ser baixo, e isto seria
alcançado com a diminuição dos salários dos trabalhadores. Estes trabalhadores
não poderiam estar bem articulados em sindicatos ou mesmo com unidade
suficiente para elaborarem greves que colocavam em cheque os lucros diretos da
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produção.
A ação por parte dos militares no poder iniciou rapidamente, após a instauração
do golpe, vendo também os sindicatos e sua organização como possíveis contra-
revolucionários. Conforme descrito por Frederico (1987, p.17): “[...] o movimento
operário seria alvo da repressão sistemática comandada pela polícia política. Logo
após o golpe, uma das primeiras medidas tomadas foi a repressão ao sindicalismo”.
Estas ações contavam com perseguições policiais aos quadros intermediários
do movimento sindical e uma série de intimidações, consideradas violências
indiretas, tinham o objetivo de criar um clima de terror e manter os ativistas
paralisados.
Além das medidas repressivas tomadas contra os sindicatos e seus líderes, o
governo aplicou a diminuição sistemática dos salários dos trabalhadores, assim
como outras medidas ainda mais drásticas como a lei de greve.
Aplicou-se com brutalidade o arrocho salarial, pedra de toque da pretendida estabilização. Sucede-se que, durante o período recessivo, não só os operários se viram prejudicados pelo desemprego e perda de poder aquisitivo. Também as camadas médias sentiram o aperto e mostraram descontentamento (GORENDER, 1990, p. 70)
Como complemento das medidas de reajuste salarial e como forma de retirar a
pressão sobre os donos de empresas, enfraquecendo o sindicalismo brasileiro, o
governo ditatorial modificou a política salarial, transferindo para o governo o poder de
fixar o índice de reajuste anual de salários. Assim, não adiantava os trabalhadores
exercerem pressão sobre os chefes diretos, pois cabia ao governo militar a
incumbência e a centralização do aumento do salário. Adotando esta medida, o
governo também tentava enfraquecer os movimentos de greve que com a lei
4.330/65 passava a ser encarada como crime a Segurança Nacional.
O governo adotava ao mesmo tempo medidas anti-populares e continha as
manifestações, através do desmantelamento dos sindicatos e criminalizando os
movimentos de greve. O governo brasileiro tomava este conjunto de medidas
repressivas, com violência e sem o amparo da lei, como é o caso do afastamento de
dirigentes sindicais e exercendo forte pressão sobre os que ficaram.
Jornais operários do período demonstram que se tinha idéia do que estava
ocorrendo e dos objetivos do governo ditatorial. Como demonstra Mauro Britto do
jornal Voz Operária em 1965.
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Para realizar sua política anti-operária, o governo não se deu por satisfeito com a Portaria 40. Encomendou no Congresso castrado que aí está e dele obteve a lei 4.330 – a lei anti-greve – e a 4.725, que regula os dissídios coletivos […]. O governo também autorizou as empresas que se declarem em situação econômica difícil a reduzirem 25% os salários – e aqui se trata dos próprios salários nominais – dos trabalhadores (FREDERICO, 1987, p. 25)
A política anti-operária era clara. Ela reduzia o poder aquisitivo dos
trabalhadores causando um real descontentamento, como pode ser visto também no
jornal Voz Operária de 1966, descrito por Frederico (1987, p. 27). “ A ditadura, que
já liquidara com inúmeras conquistas econômicas e sociais dos trabalhadores, e cuja
política fazia com que o espectro do desemprego rondasse seus lares, havia
reduzido substancialmente o poder aquisitivo de seus salários”.
A repressão desencadeada pelo governo contra os trabalhadores, não impediu
que ocorressem greves isoladas.
Na impossibilidade de um acordo direto, resolveram os trabalhadores recorrer à arma de greve, no processo de julgamento dos dissídios pela justiça do trabalho. Apesar de a lei determinar agora que o movimento grevista se torna ilegal após o pronunciamento da Justiça, diversos setores foram à luta (FREDERICO, 1987, p. 27).
Porém, a ditadura tomou medidas muito duras contra os trabalhadores que por
imposição das dificuldades que a própria redução do poder aquisitivo causavam em
sua vida fizeram greves ou algum tipo de manifestação que colocava em cheque o
poder do estado, como as respostas à operação tartaruga feita nos portos de
Santos. Conforme a Voz Operária, de 1966, descrito por Frederico (1987, p. 53):
“Entretanto, a ditadura tomou novas medidas, agora de caráter abertamente
fascistizante. Com base no 2º Ato Institucional, decretou que o trabalho nos setores
portuários e marítimos passavam a ser considerados do interesse de segurança
nacional.”
A troca de líderes do movimento sindical foi essencial para a manutenção do
golpe, já que a influência dos sindicatos nas bases dos trabalhadores não era muito
evidente, tornando a reação à ditadura fragmentada, como descreve Frederico
(1987, p. 43). “Após o golpe militar de 1º de abril, os astros do movimento sindical
estão sendo presos, processados e cassados pela reação. E o elo de ligação do
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Partido com as massas trabalhadoras sofreu abalo, ocasionando temporariamente
sérios prejuízos”. A ação repressiva do governo demonstrava a desarticulação e a
acefalia do movimento sindical.
Associada à ação repressiva, o governo utilizou a censura à imprensa para
desacreditar o passado do movimento sindical, deixando transparecer aos
trabalhadores a ilegitimidade de ação do movimento sindical.
A acefalia do movimento sindical explica em parte a falta de uma ação mais
forte e organizada dos trabalhadores, durante a instauração da ditadura. A classe
operária ficou acuada, sofrendo um cerco da ditadura por parte da polícia e pela
ação desmobilizadora das leis que entram em vigor.
É realidade que até o momento, em nosso país, os trabalhadores não empreenderam uma ação mais enérgica contra a ditadura. Isto é verdade, mas devemos levar em conta: primeiro, a fraqueza do nosso Partido nas empresas: segundo, a debilidade mais acentuada das entidades sindicais, e a inexperiência dos novos dirigentes sindicais; terceiro, o terror ideológico. Estes elementos permitem que até o momento a ditadura é que está com a iniciativa (FREDERICO, 1987, p. 44)
Com toda a repressão estabelecida pela governo ditatorial, a aproximação dos
trabalhadores ficaria muito difícil. Porém mesmo com a intervenção dos sindicatos, o
governo não poderia impedir que os trabalhadores se organizassem dentro de sua
empresa, se unindo pela necessidade e para buscar suas reivindicações. Para que o
movimento operário não dependesse da cúpula sindical, nas suas reivindicações e
lutas diárias, a influência do sindicato nos trabalhadores de maneira geral deveria
ser muito efetiva. Porém esta influência e trabalho do sindicato com as bases dos
trabalhadores foi ineficiente.
3.2 Falta de movimentação das bases
A efetiva ação do estado sobre o movimento operário e sindical, durante e logo
após o golpe militar, foi profundamente efetiva, alijando decisivamente o movimento
quando separou as lideranças sindicais de um primeiro escalão e pressionou as
lideranças de um segundo escalão, conforme cita Carone (1994, p. 18). “Entre 1971
e 1972/73, praticamente deixa de existir movimento de oposição em condições de
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ameaçar o regime, com exceção do PCB. O que subsiste são pequenos núcleos
clandestinos”.
Porém estas medidas foram efetivas porque a estrutura do movimento sindical
era centralizada, e a politização da base dos trabalhadores era pouco efetiva, como
dito pelo jornal Voz Operária do período de 1966, por Mauro Brito.
Do ponto de vista especulativo, discute-se, no seio do Partido, quais as falhas cometidas pelos comunistas no movimento sindical [...] o movimento sindical estava assentado na cúpula. O partido se apoiava nos dirigentes sindicais e não nas organizações de base, para o trabalho partidário entre os trabalhadores. (FREDERICO, 1987, p. 43).
Quando o erro foi percebido e discutido, a ditadura já estava posta e com todos
os mecanismos para sua manutenção: censura aos meios de comunicação, troca da
cúpula sindical, tendo a livre ação ideológica sobre os trabalhadores. Porém, pouco
a pouco, foi se dando a influência junto à classe trabalhadora, associado às
dificuldades no dia-a-dia promovidos pelo próprio modelo econômico do governo
ditatorial.
À medida em que formos corrigindo este erro, a vida sindical se intensificará, tendendo a fazer desaparecer os períodos de estagnação que caracterizavam a vida sindical entre uma campanha salarial e outra. A luta contra a ditadura exige uma atividade diária, tanto na empresa como no sindicato, contra a exploração patronal, contra a carestia de vida, por melhores salários, pelas liberdades democráticas, contra a política entreguista do governo (FREDERICO, 1987, p. 29).
A classe operária não foi omissa e lutou por seus objetivos, como cita Frederico
(1987, p. 12). “As conversas que tivemos e alguns documentos que acabaram
ficando comigo, convenceram-me de que a classe operária não se ajustava à
imagem de apatia e 'aburguesamento' construída em alguns setores de nossas
instituições universitárias”. Porém a classe operária não tinha a unidade necessária
e também a consciência política para fazer uma aglutinação desta classe na luta
pela derrubada da ditadura.
As forças políticas de esquerda representam parte mínima do contingente proletário brasileiro. Este se encontra, na quase totalidade, fora de qualquer organização, mesmo sindical. Esta é uma das razões da fraqueza da classe, manifestada desde sua origem. De qualquer maneira, essa presença se faz sentir em outros campos, como quando o operário vota nos partidos de oposição (CARONE, 1994, p. 25).
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O jornal Voz Operária através de Carlos Oliveira, em 1966, explicita a idéia de
que o número de reivindicações e lutas contra a ditadura pela classe operária é bem
reduzido, se comparado ao grande descontentamento presente na população.
Entretanto, somos de opinião que as lutas dos trabalhadores por suas reivindicações específicas e contra a ditadura são em número bastante reduzido. Limitam-se a algumas poucas categorias profissionais e restringem-se a alguns grandes centros urbanos. Por seu volume e pelos limitados objetivos que se propõem, essas lutas estão muito longe de exprimir todo o descontentamento existente entre os trabalhadores e toda a sua revolta diante dos crimes de ditadura (FREDERICO, 1987, p. 36).
Apesar do intenso numero de greves e outras situações de pressão contra o
governo ditatorial, elas não chegam a demonstrar o nível real de descontentamento
da população contra o governo ditatorial, contra a política de arrocho salarial, de
diminuição das liberdades e de capacidade de compra. A razão pela qual o
trabalhador não povoa as ruas em grandes manifestações de massa pressionando
pelo fim do regime que o usurpa, pode ser parcialmente respondida quando associa-
se a falta de consciência política de grande parte dos trabalhadores, com uma
deficiência no trabalho de base do movimento sindical, somado a grande estrutura
de repressão criada pelo estado.
Por que esse descontentamento e essa revolta não se expressam em generalizadas manifestações dos trabalhadores por aumento de salários e contra a carestia, em defesa de seus direitos sociais e políticos? [...] acreditamos encontrar-se no seio do Partido as razões fundamentas dessa debilidade do movimento operário.
Antes do golpe de abril, apesar da orientação e das recomendações em contrário, camaradas e organizações diretamente responsáveis pelo trabalho junto à classe operária, apoiavam-se principalmente nas cúpulas sindicais e nos sindicatos. A atividade nas bases, isto é, nos locais de trabalho, nas empresas, foi subestimada e quase não era realizada. [...] Com o golpe, as lideranças sindicais foram ameaçadas, demitidas, presas etc. e os sindicatos invadidos, depredados e entregues a interventores da escolha e confiança da ditadura. Resultado: o movimento operário ficou sem pé nem cabeça. [...]
Por quê? Porque não chegava a ser realmente um movimento operário, mas simplesmente um movimento sindical, economista, estruturado e apoiado pela cúpula, sem o mínimo de organização pela base (FREDERICO, 1987, p. 37).
Não podemos confundir o descontentamento das massas, com sua disposição
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para lutar, como dito por Frederico (1987, p. 45). “Com exceção das lutas
espontâneas, as ações mais elevadas tem que ser planificadas, organizadas e não
relegadas ao espontaneísmo, como se processa no momento”. Lutas maiores, para
atingirem objetivos maiores devem ser organizadas.
Naquele momento histórico, vários eram os críticos de certa debilidade do
movimento operário. Entre eles se destaca um ex-membro do Partido Comunista
Brasileiro, Carlos Marighela que destaca a ineficiência do PCB, conforme escrito por
Carone (1994, p. 36). “O que torna ineficaz a executiva é a sua falta de mobilidade, é
não exercer o comando efetivo e direto do Partido nas empresas fundamentais do
país, é não ter atuação direta entre os camponeses”. Mariguela naquele momento
identifica na falta de influência do partido junto às massas como um dos principais
problemas para a combatividade do regime ditatorial, porém acrescenta a elas,
algumas razões históricas da criação do movimento sindical, sem deixar de
reconhecer as greves duríssimas executadas pelos operários.
A classe operária, é preciso reconhecer, ainda está pouco presente na luta. Isto se deve a circunstâncias históricas próprias do Brasil. Aqui, o movimento sindical começou por volta de 1930 e sob impulso do presidente Vargas, chefe do Estado, sendo assim paternalista. Não houve conquistas operárias já que não houve lutas. Houve liberalidade da parte de Vargas [..]. Tudo isso, todavia, não impediu o desencadeamento de greves duríssimas, como por exemplo em Osasco, nos arrabaldes de São Paulo (CARONE, 1994, p. 67).
Outro movimento armado contra a ditadura, o Movimento Revolucionário 8 de
Outubro, analisava na época, a situação do movimento operário.
A classe operária encontra-se profundamente golpeada, descrente de sua força, com baixo nível de consciência e de organização. Está isolada de seus aliados. Tem pela frente um inimigo poderoso, razoavelmente coeso e estável. Nessas circunstâncias, o proletariado não tem condições de abrir a luta direta pelo poder. Sua luta tem um caráter defensivo e de acumulação de forças. Seu principal interesse está em enfraquecer a dominação de classe, abalando a ditadura militar e criando condições para sua derrubada (CARONE, 1994, p.104).
O Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR8) descreve as limitações do
movimento operário, deixando claro a dificuldade na derrubada do regime por este
movimento, tendo como motivo estar isolado de seus aliados e cujo objetivo seria o
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de enfraquecimento da ditadura para criar condições de sua derrubada.
Com o aumento da repressão do estado e a limitação do movimento operário
em transpor os problemas do passado, o movimento começa cada vez mais a
retroceder e perder a força de ação.
O refluxo da classe vai fazer com que no correr de 71 esses grupos tendam a diluir-se. Sem condições de reagir enquanto classe, o proletariado se pulveriza nas reações individuais de sobrevivência, buscando acomodar-se dentro do sistema. Incapaz de enfrentar o despotismo patronal e as leis irrecorríveis da super exploração, resta ao operário encaminhar a mulher e os filhos para os empregos que surjam, fazer horas extras que lhe ofereçam e quando possível, qualificar-se para se defender melhor (CARONE, 1994 p. 156).
O movimento operário estava cada vez mais com impossibilidade de ação e a
opção de queda do regime, cada vez mais se situava em ações isoladas de grupos
armados que viam o movimento operário não como capaz de derrubar o governo
ditatorial, mas como auxiliar, e infra-estrutura para os movimentos revolucionários
urbanos, inspirados na revolução cubana.
3.3 Demais grupos de esquerda e o papel do operariado na luta
Alguns grupos de esquerda se formaram como dissidência dos partidos como o
Partido Comunista do Brasil (PCB), no Brasil durante o período da ditadura militar.
Estes grupos visavam a guerrilha armada como uma resposta eficaz e cujo objetivo
era o enfraquecimento e a derrubada do regime ditatorial instituído. Carlos Marighela
pertencia a um destes grupos. Em 1965 ele disse, conforme descrito por Carone
(1992, p. 29): “Os brasileiros estão diante de uma alternativa. Ou resistem à situação
criada com o golpe de 1º de abril, ou se conformam com ela. O conformismo é a
morte.”
Com o desajuste no movimento operário, perdendo sua força, alguns
movimentos de guerrilha urbana passaram a defini-lo como auxiliar, porém sabiam
de sua capacidade, caso conseguissem mobilizar de alguma forma a classe
trabalhadora.
É verdade que nossa influência, a dos social-democratas (quer dizer, a dos comunistas), sobre a massa do proletariado ainda é muito insuficiente; a influência revolucionária sobre a massa camponesa é
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insignificante; a dispersão, a falta de desenvolvimento, a ignorância do proletariado e sobretudo dos camponeses, ainda são terrivelmente enormes. A revolução, porém, aglutina as forças com rapidez e as instrui com a mesma velocidade. Cada passo dado no seu desenvolvimento desperta a massa e atrai com uma força irresistível para o programa revolucionário (CARONE, 1994, p. 40).
A citação acima relata a falta de influência dos comunistas sobre a classe
operária e camponesa. Porém como saída, Marighela acreditava que a revolução
instrui com rapidez e velocidade necessárias para fazer as mudanças que o Brasil
precisava.
Em entrevista à revista Front em 1969, Carlos Marighela descreve o tipo de
repressão que os trabalhadores estariam sofrendo na tentativa de organização e
defesa de seus interesses. Explica que a luta armada seria a única saída para
enfrentar um governo cada vez mais revestido de atitudes fascistas que atirava em
manifestantes, que tinham somente paus e pedras para se defender.
Será que a guerrilha urbana exclui o movimento de massa, como por exemplo, as greves ou as manifestações de estudantes?
De modo algum! Mas na situação atual de ditadura total, de fascismo absoluto, manifestar, ocupar umas fábricas sem ser apoiados por grupos armados, seria suicídio. Nas últimas manifestações de rua, tanto no Rio como em São Paulo, estudantes morreram. A polícia atirou e eles só tinham para se defender pedaços de pau ou nada. Da próxima vez será diferente; se os operários ocuparem as fábricas, estarão armados de antemão [...] Os operários podem muito bem sabotar as maquinas, fabricar armas em segredo, destruir material. Para homens casados, pais de família, é a única forma de guerrilha atualmente possível (CARONE, 1994 p. 66).
Os trabalhadores serviriam a guerrilha como fabricantes de armas, auxiliando
na logística e sabotando máquinas, deixando claro o perigo de enfrentamento com o
governo quando Marighela escreve que para pais de família, esta seria a única
forma de guerrilha possível, dadas as situações atuais de lutas.
Outro importante grupo de resistência armada contra o regime ditatorial era o
MR8, que dava grande importância à classe de trabalhadores operários na futura
derrubada do governo ditatorial, papel central que deveria ser desempenhado na
tarefa de desestabilização e isolamento da ditadura.
Portanto, a espinha dorsal de nossa tática consiste em organizar a resistência dos trabalhadores à ditadura militar. Ela é que provocará o isolamento da ditadura e de suas bases de sustentação. Ela é que permitirá
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que as classes revolucionárias acumulem a força necessária para passarem a ofensiva. (CARONE, 1994, p. 104).
Conhecedores da grande insatisfação da população, principalmente da classe
operária, o MR8 se colocava na tentativa de unificação das manifestações dispersas
com um objetivo de fazer uma resistência forte à ditadura.
Nossa tarefa atual é justamente transformar as atuais manifestações de resistência, ainda espontâneas, parciais e dispersas numa resistência ativa, unificada e direcionada. [...] É aí onde os operários sentem mais vivamente suas contradições com a atual situação [...] é nas fábricas onde estão ocorrendo as principais manifestações combativas dos operários. (CARONE, 1994, p. 105).
A maior parcela de apoio dos grupos armados de esquerda eram os estudantes
de classe média que não tiveram assim grande apoio do movimento operário.
Nossa influência se fazia principalmente no movimento estudantil. Será que é só pelo atraso atraso da nossa classe operária? Certamente que não cabe examinar o que passou com o trabalho em várias frentes operárias importantes que foram perdidas. É verdade que as bases operárias que se desprendiam do reformismo eram atrasadas ao nível das ‘definições’ político-ideológicas (CARONE, 1994, p. 150).
Os operários tinham uma grande potencialidade de desestabilização do
governo, principalmente com as greves que continuavam ocorrendo e que de
maneira organizada seriam ainda mais danosas, mostrando que apesar da base do
movimento ser composta em sua maioria por estudantes, não ligados ao movimento
operário, viam este como o cerne capaz de romper com o regime.
As passeatas por todo o país serão o centro da agitação contra o regime e de apoio às lutas operárias. Mas os sintomas mais profundos da potencialidade dessa oposição são as greves operárias que nesse ano se realizam contra as leis e a polícia da ditadura (CARONE, 1994, p. 151).
Através da visão dos grupos de esquerda, sobre o movimento operário, é
possível definir a importância desta classe, a busca por sua politização e
engajamento nas lutas. Também é possível identificar através dos relatos descritos,
a busca de motivos para entender o enfraquecimento do movimento operário após
os primeiros anos da ditadura militar. Assim, podemos identificar as causas
principais da permanência do regime ditatorial no Brasil.
O enfraquecimento do movimento operário, se deu devido a forte repressão do
governo ditatorial que tinha uma estrutura apoiada pela classe média e financiada
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por setores empresariais inclusive de capital externo. A ditadura civil-militar, após o
golpe e se estabelecendo no poder, tratou de combater o movimento operário,
reprimindo e expurgando suas lideranças. Como o movimento sindical estava
fortemente ligado a estas lideranças dentro do sindicato e com um débil trabalho de
composição das bases, formando uma estrutura verticalizada, o golpe do governo
ditatorial contra o movimento sindical e operário foi muito forte, estancando um
movimento que unido e bem articulado, poderia ser decisivo para a derrubada do
governo militar.
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4 CONCLUSÃO
Esta pesquisa objetivou responder a um questionamento de maior interesse
para a atualidade. De que forma o movimento ditatorial conseguiu estancar fortes
pressões e manter o regime por um longo período de tempo. Na história, os
acontecimentos ocorrem devido a vários motivos, que combinados geram um fato.
Na instauração da ditadura militar brasileira não foi diferente, porém entre
algumas hipóteses levantadas nesta pequena pesquisa, o que mais se destaca
como determinante é a repressão do Estado nos sindicatos, que por não ter um
trabalho forte na base, com a retirada dos líderes, a reação do movimento operário
ficou extremamente debilitada. O movimento operário demorou para conseguir
recuperar o tempo perdido e iniciar uma organização para a luta contra o regime
usurpador.
Entretanto, pesquisando sobre este período, vê-se que em um momento de
profundas dificuldades de articulação, os trabalhadores fizeram a diferença,
desafiando um governo armado e sem expectativa de dialogo. Resgatar esta história
é também resgatar a história da importância do trabalhador e de que este não é
subjugado ao estado ou mesmo ao sindicato, mas é parte integrante e modificadora
da realidade.
Esta pesquisa inova, quando traz no contexto de análise o trabalhador como
agente transformador e evidencia a importância de uma organização informal para
confrontar um sindicato que representaria a classe, mas acabava estando
intimamente ligada ao estado ditatorial.
Assim, nos dias atuais, com constantes casos de corrupção, mau uso do
dinheiro público, com uma prática política de favores e jogo de interesses, ambos os
problemas com raízes históricas profundas, vê-se a necessidade cada vez maior de
se buscar na história, o posicionamento dos grupos sociais em momentos de grande
influência no futuro, e a ditadura de 1964 seria um destes momentos. O estudo
sobre como se comportaram e o que fizeram os trabalhadores naquele período,
poderá servir de lição para posicionamentos, tanto políticos como de resistência, na
atualidade e futuramente com o objetivo de identificar os erros, melhorar a estratégia
e através da união, fazer a voz do povo ser ouvida e respeitada.
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