(MONOGRAFIA O VALOR DO INQUÉRITO POLICIAL)

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0 UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MARCOS ROBERTO JOHANN O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL IJUÍ (RS) 2011

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTAD O DO RIO GRANDE DO SUL

MARCOS ROBERTO JOHANN

O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

IJUÍ (RS)

2011

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MARCOS ROBERTO JOHANN

O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora : MSc. Ester Eliana Hauser

IJUÍ (RS)

2011

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MARCOS ROBERTO JOHANN

O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Trabalho final do curso de graduação em Direito aprovada pela Banca Examinadora abaixo subscrita, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito e a aprovação no componente curricular de trabalho de curso UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Esta do Rio Grande do Sul DCSJ – Departamento de Ciências Jurídicas

Ijuí, 01 de dezembro de 2011

______________________________________ Ester Eliana Hauser – MSc. - UNIJUI

______________________________________ Patrícia Borges Moura – MSc - UNIJUI

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Dedico este trabalho a minha esposa Ana Maria Citadin Johann, e também a minha linda filhinha Luiza Isabel Citadin Johann, pelo amor, carinho e compreensão imensuráveis, a mim dedicados, assim, pude com êxito concluir mais esta tarefa, nesta longa trajetória acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo sopro da vida, salvação,

benção e graça, ajudando-me em todos os momentos, pois tudo poço naquele que me fortalece.

A minha orientadora professora Ester Eliana Hauser, pela sua dedicação e disponibilidade, indispensáveis na elaboração deste trabalho.

A todos os policiais civis, que mesmo enfrentando as adversidades da profissão, conseguem com feitos heróicos cumprir sua missão.

Por derradeiro, a instituição Polícia Civil da qual tenho a honra de pertencer, a todos muito obrigado.

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“Provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto.” Fernando Capez

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise doutrinária do Inquérito Policial, procedimento administrativo elaborado pela Polícia Judiciária, não com exclusividade, visando à apuração do fato delituoso e à definição de sua autoria, tendo como escopo fornecer elementos para eventual ação penal. Trata-se de procedimento de natureza inquisitiva em que nem sempre são observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, por meio do qual são realizados atos investigativos formadores de provas na fase pré-processual. Busca analisar em que medida os elementos colhidos na fase investigativa, cujo sistema é inquisitivo irão adentrar no processo criminal, que tem base acusatória. Discute se as provas colhidas durante a elaboração do Inquérito Policial, principalmente aquelas não-repetíveis, como é o caso das periciais, possuem relevância no conjunto probatório, formador do convencimento do julgador, capaz de no seu livre convencimento proferir uma decisão condenatória em desfavor do réu.

Palavras-Chave: Inquérito Policial. Prova. Valor Probatório. Processo Penal.

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ABSTRACT

The present research monograph makes a doctrinal analysis of the police inquiry, administrative procedure established by the Judicial Police, not exclusively, aimed at determination of the criminal fact and the definition of his own, having as elements provide scope for possible prosecution. This procedure is inquisitive nature which are not always observed the constitutional principles of contradictory and full defense, by which acts are performed trainers investigative evidence in the pre-trial. It aims to analyze to what extent the elements gathered in the investigative phase, which is inquisitive system will enter the criminal case, which is based accusatory. Discusses whether the evidence gathered during the preparation of the police inquiry, especially those non-repeatable, such as the expert, have relevance in the whole evidence, the conviction of former judge, able to deliver on its free conviction a conviction to the detriment of defendant.

Keywords: Police Inquiry. Proof. Probative value. Criminal Procedure.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................09 1 A PERSECUÇÃO PENAL E O INQUÉRITO POLICIAL COMO IN STRUMENTO E INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR.......................... ...................................................12 1.1 A Persecução Penal no Brasil; Objetivos e Etapa s........................................12 1.1.1 Investigação Preliminar...................... ............................................................15 1.1.2 O Processo Penal............................. ...............................................................17 1.2 Os Sistemas Processuais e as Garantias Processu ais Penais na Constituição Brasileira de 1998 ................... ..........................................................20 1.2.1 Sistemas Processuais Acusatório, Inquisitivo e Misto...............................21 1.2.2 As Garantias Constitucionais do Processo Pena l.......................................25 1.3 A Investigação Preliminar Através do Inquérito Policial................................30 1.3.1 Conceito, Natureza e Finalidade do Inquérito Policial.................................30 1.3.2 Orgão encarregado: A Polícia Judiciária...... ................................................36 1.3.3 Procedimento do Inquérito Policial........... ....................................................38 2 A PROVA PROCESSUAL PENAL E O VALOR DO INQUÉRITO POLICIAL........................................... ........................................................................42 2.1 A Prova no Processo Penal...................... .........................................................42 2.1.1 Conceito e Função da Prova................... .......................................................44 2.1.2 Princípios da Prova.......................... ...............................................................47 2.1.3 Principais espécies de Prova................. ........................................................49 2.1.4 A Gestão da Prova............................ ...............................................................55 2.2 Provas Repetíveis e Irrepetíveis............... ........................................................59 2.2.1 O Valor Probatório do Inquérito Policial..... ..................................................63 CONCLUSÃO.......................................... ..................................................................70 REFERÊNCIAS..........................................................................................................75

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema de análise o valor probatório do Inquérito

Policial. Busca-se, por meio dele, verificar em que medida os atos produzidos na

investigação preliminar, mais especificamente durante o inquérito policial, podem ser

valorados no âmbito do processo judicial.

Tomando como referência a Constituição Brasileira de 1988, que consagrou

garantias penais e processuais, entre elas, o direito de não produzir provas contra si

mesmo, o contraditório e a ampla defesa, busca-se analisar se as provas produzidas

durante a investigação preliminar criminal, que tem caráter inquisitório, podem

respaldar sentenças condenatórias ou absolutórias prolatadas no processo penal

correspondente.

O homem mediante o contrato social, e a definição do que se conhece por

Estado, abre mão do poder de fazer justiça com as próprias mãos a favor deste ente

imaginário, que agora detém a legitimidade para punir os infratores das normas

codificadas, usando para tanto métodos de aflição a dignidade da pessoa humana,

meios que na concepção de Estado contemporâneo não há mais aplicabilidade,

tendo por objetivo a busca da prova.

Historicamente este poder punitivo foi exercido de forma arbitrária, com a

utilização de tais métodos. Exemplo disso é a Lei de Talião, com a aplicação do

“olho por olho, dente por dente”. Também na sociedade medieval, em que a tortura

era o meio de punição mais utilizado, quando o Clero imperou, e, juntamente com o

Estado, protagonizou a famosa Inquisição Medieval, não se visualizava nenhum

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respeito à dignidade dos homens. Os fatos eram apurados de forma inquisitória e

sumária, levando muitas vezes o investigado à pena capital.

Apesar da evolução do mundo, do reconhecimento do homem como cidadão

e da afirmação dos direitos humanos, métodos ultrajantes continuaram sendo

usados como meio de produção de provas. Num passado pouco distante, a aflição

do corpo do investigado era utilizada para se obter confissões, delações e outras

provas ilícitas que levavam a condenação e também à morte. No Brasil, como

também em diversos países do mundo, utilizaram-se tais meios durante os períodos

de ditadura militar, com completo desrespeito aos direitos da pessoa humana, com

julgamentos realizados a margem da lei.

Com o advento da Constituição de 1988, ocorreu à democratização do Estado

Brasileiro, o reconhecimento de vários direitos fundamentais da pessoa humana, a

constitucionalização das leis infraconstitucionais. Isto exige que todas as normas

sejam interpretadas à luz da Carta Magna, pois esta deixa de ser apenas um

instrumento político, disciplinando a relação entre o indivíduo e o Estado, passando

a ser fonte normativa.

Neste sentido, os órgãos que compõem o Estado têm o dever realizar suas

atividades a partir da inspiração introduzida pela Constituição, não havendo mais

espaço para abusos e atos ilícitos. Tais preceitos também devem ser observados

pelas autoridades responsáveis pela investigação preliminar criminal, mesmo que o

procedimento ainda vigente seja o Inquérito Policial e tenha cunho inquisitorial. Este

deve buscar a prova lícita, sem vício, capaz de gerar no julgador confiança ao

prolatar sua sentença, sendo ela condenatória ou absolutória.

O mundo de hoje anda ao girar de motores e corre pelos fios da tecnologia, e

nele o crime se tem ampliado, estruturado na forma de empresas e evoluído para a

esfera do ambiente virtual. Diante desta realidade questiona-se: como demonstrar

que durante a investigação criminal foram observadas as normas estipuladas pela

Constituição, mesmo sendo o procedimento da investigação preliminar de tipo

inquisitorial, visando a sustentabilidade de uma futura denúncia por parte do

Ministério Público ou à vítima no caso de queixa-crime?

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A pretensão é tentar demonstrar a necessidade da manutenção do

procedimento investigativo, buscando seu aperfeiçoamento e modernização, frente

ao que ocorre com o crime, pois, apesar de toda a evolução já referida e a

renovação do ordenamento jurídico, pouca coisa inovou-se na peça investigativa.

Para discutir tais questões a metodologia utilizada foi o método dedutivo e a

revisão bibliográfica, sendo que o trabalho está estruturado em dois capítulos. No

primeiro capitulo, são apresentadas as distintas etapas da persecução penal no

Brasil, com enfoque especial para o inquérito policial, um dos principais instrumentos

de investigação preliminar. Também são apresentadas as principais características

dos sistemas processuais acusatório, inquisitivo e misto, bem como as garantias

constitucionais do processo penal consagradas na Constituição Brasileira de 1988,

com o objetivo de avaliar como tais garantias repercutem nas distintas etapas da

persecução penal.

No primeiro capítulo também é discutida a questão da persecução penal,

levando-se em consideração o surgimento do poder punitivo do Estado, seu objetivo

e etapas, bem como a importância da investigação preliminar para a produção de

elementos que possam dar sustentabilidade a segunda parte da persecução penal,

qual seja, denúncia por parte do Ministério Público. Ainda, no corpo do primeiro

capitulo, é analisado o procedimento de investigação preliminar através do inquérito

policial, sua conceituação, natureza e finalidade, além do órgão encarregado pela

sua elaboração, com atenção voltada à Polícia Judiciária, bem como no

procedimento adotado.

O segundo capítulo aborda, inicialmente, os aspectos gerais das provas no

processo penal e os princípios que as regem, em especial os previstos na

Constituição Federal. Nele são analisadas as principais espécies de prova, a

questão atinente à gestão da prova judicializada, bem como o valor probatório dos

atos produzidos durante a investigação criminal, em especial aquelas elaboradas no

Inquérito Policial.

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1 A PERSECUÇÃO PENAL E O INQUÉRITO POLICIAL COMO IN STRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano teve a necessidade de

organizar-se em sociedade, pois a vida em isolamento não faz parte de sua

natureza. Este viver em sociedade envolve muitas questões sociais, políticas,

culturais, econômicas, comportamentais, criminais entre tantas outras.

Em relação ao crime, este não lesa somente direitos individuais, pois a sua

ocorrência perturba a harmonia e estabilidade da sociedade em geral, trazendo em

seu bojo, a insegurança. Assim, incumbe ao Estado manter a paz social, e na busca

do bem estar comum, este trouxe para si o direito de punir, o qual tem seu marco

inicial na investigação preliminar.

1.1 A persecução penal no Brasil: objetivos e etapa s

O convívio numa sociedade deve ser organizado, entrando em cena a figura

do Estado que vem, através de normas próprias, regular as relações entre os

cidadãos. No âmbito penal o Estado age regulando as ações ou omissões dos

indivíduos, disciplinando condutas e as tipificando, ou seja, referindo quais de fato

contrariam a lei penal, porquanto atingem aos bens mais caros do cidadão, e

apontando as suas penalidades, “uma das tarefas essenciais do Estado é regular a

conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas sem as quais a vida em

sociedade seria praticamente impossível.” (MIRABETE, 2003, p. 23).

Assim também se posiciona Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 9):

Dos bens ou interesses tutelados pelo estado (por meio das normas), uns existem cuja violação afeta sobremodo as condições de vida em sociedade. O direito à vida, à honra, à integridade física são exemplos. Tais bens e muitos outros e muitos outros são tutelados pelas normas penais, e sua violação é que chama ilícito penal ou infração penal. O ilícito penal atenta, pois, contra os bens mais caros e importantes da vida social.

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Ainda nas palavras de Hidejalma Muccio (2000, p. 38):

Ao se corporificarem na lei as condutas autorizadas e as proibidas, o cidadão tem a faculdade de realizar o comportamento permitido e de se abster da prática daquele que é vedado, ditando o direito objetivo às atividades lícitas, e ao mesmo tempo, os limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do estado. Assim, se alguém desobedece a esse comando, lesando direito alheio, frustrando o fim perseguido pelo Estado, que é a garantia da paz, da tranqüilidade social, da convivência harmônica, fica sujeito à coação desse Estado.

Neste sentido as normas são instituídas para regulamentar a convivência

entre as pessoas, conforme declina Júlio Fabbrini Mirabete (2003, p. 23, grifo do

autor):

Esse conjunto de normas, denominado direito objetivo, exterioriza a vontade do Estado quanto à regulamentação das relações sociais, entre indivíduos, entre organismos do Estado ou entre uns e outros. Disso Resulta que é lícito um comportamento que está autorizado ou não está vedado pelas normas jurídicas [...] Mas o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades lícitas, é um sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do Estado. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas fica submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam inócuas as normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as desobedecem.

Criadas as normas, o Direito Penal objetivo, pode ocorrer o descumprimento

de alguma regra e isso legitima ao Estado exercer o direito de punir, impondo

sanções. Porém, conforme preceituado na legislação, não é livre esse poder ou

direito de punir, não há discricionariedade ao Estado para fazer valer o poder

punitivo, quando aplicar ao infrator as medidas cabíveis. (MIRABETE, 2003).

Nessa hipótese, em que se lesa, ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator. Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado [...] é previsto na Constituição Federal de 1988: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX). (MIRABETE, 2003, p. 24).

Para Tourinho Filho (2003, p. 10, grifo do autor):

Ninguém desconhece que a prática de infrações penais transtorna a ordem pública, e a sociedade é a principal vítima e, por isso mesmo, tem o direito

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de prevenir e reprimir aqueles atos que são lesivos à sua existência e conservação [...] Como a sociedade, assim entendida, é uma entidade abstrata, a função que lhe cabe, de reprimir as infrações penais, pertence em mãos do Estado, que a realiza por meio dos seus órgãos competentes [...] O jus puniendi pertence, pois ao estado, como uma das expressões mais características da sua soberania [...] Surge, assim, com a prática da infração penal, a “pretensão punitiva” [...] A pretensão punitiva surge, pois, no momento em que o “jus puniendi” in abstracto se transfigura no “jus puniendi” inconcreto.

Em suma, tem-se então o Estado como ente responsável pela criação das

normas que irão tipificar as condutas, disciplina aquelas que são autorizadas e

também as que são vedadas e, caso ocorra à infração penal, há a imposição das

sanções correspondentes. Entretanto, o direito de punir deve ser exercido de forma

limitada, pois “ninguém suportaria viver num estado em que o titular do direito de

punir pudesse exercê-lo desenfreadamente.” (TOURINHO FILHO, 2003, p. 11).

Em tal aspecto o poder punitivo não é livre, e o próprio Estado delimitou-o.

Neste viés Muccio (2000, p. 39) assevera:

Concluí-se, pois que o estado, não pode punir ao seu alvedrio, antes é necessário existir uma norma que diga constituir infração penal esta ou aquela conduta, autorizando-o a infligir à pena àquele que a transgredir. O princípio da reserva legal – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal [...] inserto na Constituição Federal (art. 5º, XXXIX), reproduzido no art. 1º do Código Penal, constitui a primeira limitação ao direito de punir do Estado.

Surgindo ao ente estatal o direito de punir, deflagrando a pretensão punitiva

através da lide penal, gerando o conflito de interesses, culminará no devido

processo legal.

Praticado um fato que, aparentemente ao menos, constitui um ilícito penal, surge o conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade da pessoa acusada de praticá-lo [...] Assim, no Estado moderno a solução do conflito de interesses, especialmente no campo penal, se exerce através da função jurisdicional do Estado no que se denomina processo. (MIRABETE, 2002, p. 26).

Para a satisfação da pretensão punitiva o Estado vale-se da persecução

penal. Através dela busca-se identificar a existência do fato criminoso, bem como

sua autoria, impondo-se, por meio do devido processo legal, a sanção penal ao

autor declarado culpado. A persecução penal é dividida em duas etapas, a primeira

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desenvolvida pela polícia judiciária denominada investigação preliminar, no âmbito

de inquérito policial, e a segunda pelo Ministério Público, enquanto titular da ação

penal, e excepcionalmente, pela vítima.

Neste itinerário ensina Mirabete (2003, p. 73, grifo do autor):

Para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração e de sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita desses elementos é o inquérito policial [...] cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal. À soma dessa atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis) [...] Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime.

Ministra Muccio (2000, p. 167-168, grifo do autor):

À investigação da infração penal e de sua autoria, medida preparatória da ação penal (processo), dá-se o nome de persecutio criminis. Implica em perseguir o crime, em desvendá-lo. Na persecutio criminis o objetivo e ter a prova da ocorrência do delito, da sua autoria, enfim, das provas preliminares [...] A persecução penal se compõe, portanto, de duas fases distintas: a primeira, que é preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo, que se revela com a persecutio criminis, e a segunda, que é a própria ação penal.

Tendo em mente que o Judiciário precisa de elementos para fazer valer a

pretensão estatal relativa ao cometimento de algum ilícito penal, é que surgem

outros órgãos que vão lhe auxiliar nesta demanda, os quais além de muitas

atribuições que lhes são inerentes possuem também a tarefa relacionada a

persecução penal.

1.1.1 Investigação preliminar

A investigação preliminar é essencial para a futura ação penal, e

consequentemente ao processo. É o momento de colher os elementos de uma

infração penal, tendo como objetivo a definição de autoria e materialidade

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delituosas. Assim, “para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que

o Estado disponha de um mínimo de elementos que indiquem a ocorrência de uma

infração penal e de sua autoria.” (MIRABETE, 2003, p. 73).

Para Aury Lopes Jr. (2008, p. 207-208):

A investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal [...] é absolutamente imprescindível, pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional [...] Não se deve começar um processo penal de forma imediata. Em primeiro lugar deve-se preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou não-processo. É um grave equívoco que primeiro se acuse, para depois investigar e ao final julgar.

Neste viés a investigação preliminar é um conjunto de atividades realizadas

por órgãos estatais, os quais sintonizados, associados entre si, a partir de uma

notícia-crime, tendo cunho prévio e com natureza meramente preparatória em

relação ao processo penal, busca averiguar a autoria e circunstâncias do fato

denunciado como criminoso, sendo sua finalidade justificar o processo ou não-

processo. (LOPES JR., 2008).

A investigação preliminar não tem como fundamento a pena e tampouco a satisfação de uma pretensão acusatória. Não faz – em sentido próprio – justiça, senão que tem como objetivo imediato garantir a eficácia do funcionamento da justiça [...] A investigação preliminar é o primeiro degrau da escada e, através dela, se chegará a uma gradual concreção do sujeito passivo. Com base nos elementos fornecidos pela investigação preliminar, serão realizados esses diferentes juízos, de valor imprescindível para chegar ao processo ou não processo. Se pêra a instauração da investigação preliminar basta existir a possibilidade, para a adoção de medidas cautelares e a admissão da ação penal é necessário um grau maior de segurança: é imprescindível um juízo de probabilidade da autoria e da materialidade. (LOPES JR., 2008, p. 210-212, grifo do autor).

Como já explicitado, a investigação preliminar é início da persecução penal

que por sua vez tem como fundamento as normas constitucionais, assim por

consequência a investigação em tela não deve-se afastar das mesmas normas.

(LOPES JR., 2008).

O ponto de partida da investigação preliminar é a notitia criminis e, por conseqüência, o fumus commissi delicti. Essa conduta delitiva é geralmente, praticada de forma dissimulada, oculta, de índole secreta, basicamente por dois motivos: pra não frustrar os próprios fins do crime e para evitar a pena

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como efeito jurídico. Por isso, o autor do delito buscará ocultar os instrumentos, meios, motivos e a própria conduta praticada [...] A investigação preliminar também atende a uma função simbólica [...] ao contribuir para restabelecer a tranqüilidade social abalada pelo crime. Significa que [...] contribui para amenizar o mal-estar causado pelo crime através da sensação que os órgãos estatais atuarão, evitando a impunidade [...] A nosso juízo, a função de evitar acusações infundadas é o princip al fundamento da investigação preliminar , pois, em realidade, evitar acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto (juízo provisório e de probabilidade) e com isso assegurar à sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal. (LOPES JR.,2008, p. 211-216, grifo do autor).

Assim elegendo essa instrumentalidade constitucional da investigação

preliminar, tem-se que a função de comprovar a noticia crime, suas circunstâncias,

visando a dar uma resposta estatal de forma imediata e justificar o processo ou não

processo, há de observar-se também algumas razões que a fundamentem: a) a

busca do fato oculto; b) a função simbólica; e c) evitar acusações infundadas.

(LOPES JR., 2008).

1.1.2 O processo penal

Como se viu, uma vez cometido o delito, a primeira providência a ser

executada pelos órgãos encarregados pela persecução penal, visando à

preservação da paz social, é a investigação preliminar. O jus puniendi, que será

exercido através do processo penal, exige a realização de atividades investigativas,

no caso atos de Polícia Judiciária. Assim desde o cometimento da infração penal até

a conclusão do processo, dever-se observar os órgãos que legitimamente podem

realizar a atividades ao feito inerente. (MIRABETE, 2003).

Para Mirabete (2003, p. 29, grifos do autor) processo penal é:

É o conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetidos a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal. Sua finalidade é assim, a aplicação do direito penal objetivo [...] São, portanto, necessárias as normas que disciplinem a criação, estrutura, sistematização, localização, nomenclatura a atribuição desses diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho judiciário destinado à administração da justiça penal, constituindo-se o que se denomina Organização Judiciária. Dessa forma, pode-se conceituar o Direito Processual Penal , no seu direto aspecto de ordenamento jurídico, como “o

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conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares”.

Na explanação sobre processo penal, Muccio (2000) é mais conciso,

declinando que desde a pretensão punitiva até o final o processo o Estado necessita

realizar vários atos visando a oportunizar o julgamento. Tendo em vista que o Estado

encontra-se impedido de fazer o uso da força e de forma direta resolver os conflitos

de interesses, criou um órgão que tem competência para deduzir sua pretensão

punitiva ao Estado-Juiz. Trata-se, portanto, do Ministério Público, titular da ação

penal, que por sua vez precisa ter em mãos elementos para poder exercer a

pretensão punitiva, auxiliado pela atividade investigativa da Polícia judiciária.

Assim, praticada uma infração penal, um outro órgão do Estado à polícia Judiciária desencadeia intensa atividade investigatória buscando a identificação do autor do fato, a prova da sua existência, colhendo-se informes quanto à motivação e às circunstâncias que o envolveram. Nessa fase o processo ainda não existe no seu sentido estrito. É o momento da sua preparação. Stricto sensu, o processo só se inicia quando o autor deduz a pretensão punitiva [...] pode-se dizer, portanto, quer o processo não passa de um conjunto de atos que de sucedem, segundo a lei, até o ato final e mais importante: a sentença, que tem por fim dirimir a lide. (MUCCIO, 2000, p. 42-43).

Assim o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, quando oferece a

denúncia, tendo por alvo a pretensão punitiva invoca a prestação da tutela

jurisdicional ao juiz, o qual por sua vez, não pode recusar o pedido, mesmo que o

acusado não queira resistir a pretensão, pois a lide penal é sui generis. O juiz não

pode negar ao infrator o direito de se pronunciar, ou seja, formular sua defesa,

mesmo que este a recuse. Neste viés, citado o réu, está estabelecida a relação

processual, e ambas as partes, Ministério Público e réu, aguardarão do Estado-Juiz

a decisão final, que nada mais é que a sentença, pondo fim na lide formada.

(MUCCIO, 2000).

Nas palavras de Tourinho Filho (2003, p. 16):

Colhidas as primeiras notícias sobre a infração e identificado o seu autor, o estado, já agora representado por outro órgão, o Ministério público, leva ao conhecimento do Juiz, em petição circunstanciada, a pretensão punitiva, instaurando-se, assim, o processo [...] Colhido todo o material probatório, o acusador e o acusado se manifestam sobre tudo quanto se apurou, e,

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finalmente, o Juiz, já devidamente instruído, profere a sua decisão, dizendo se procede ou improcede a pretensão punitiva. Como titular do direito de punir, quando alguém infringe a norma penal, deverá o Estado, para fazer valer o seu direito, procurar os elementos comprobatórios do fato infringente da norma e os de quem tenha sido o seu autor, entregando-os, a seguir, ao órgão do Ministério Público para promover a competente ação penal. [...] O Ministério Público incumbe-se ajuizar a ação penal e acompanhar o seu desenrolar até o final. É o que chama persecutio criminis in judicio. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 187).

Entretanto, Tourinho Filho (2003, p. 17), observa que “visto dessa maneira, o

processo não passa de uma série de atos visando à aplicação da lei ao caso

concreto”, o mesmo autor aduz que:

O processo não é apenas um conjunto de atos coordenados visando ao julgamento da pretensão punitiva. Essa seqüência de atos coordenados, dispostos segundo as regras e formalidades previstas em lei, nada mais representa senão a exteriorização de uma verdadeira relação jurídico-processual [...] Realmente quem procurar ver o processo intrinsecamente, pelo lado de dentro, á de convir que ali se entretece um complexo de vínculos juridicamente relevantes e juridicamente regulados. Trata-se de uma relação jurídico-processual “unitária, complexa, progressiva e continuada” (TOURINHO FILHO, 2003, p. 17).

Também se posiciona Muccio (2000, p. 43, grifo do autor):

O processo visto como relação jurídico-processual. Essa relação jurídico-processual é autônoma, pública, complexa, progressiva e continuativa. Pública porque somente o Estado dita a solução para a lide penal, por um de seus poderes soberanos, o Poder Judiciário [...] Complexa porque envolve uma série de direitos e obrigações entre os sujeitos processuais principais (autor, réu e Juiz) [...] Unitária porque é uma no seu objeto, a solução da lide penal. Desde o instante inicial, quando se opera a invocação da prestação da tutela jurisdicional, os atos processuais que se desencadeiam, convergem para o ato mais importante, a sentença [...] Progressiva e continuada porque os atos processuais são coordenados segundo a previsão legal [...] Autônoma porque se prende ao fato de o Estado-Administração exercitar seu direito de ação, pedindo a tutela jurisdicional, e ao dever que tem o Estado-juiz, por seus órgãos de prestá-la.

Porém, todas as matérias relacionadas ao Direito devem fundamentalmente

estar em sintonia com a Constituição Federal, uma vez que esta possui papel

normativo. Assim, toda a legislação infraconstitucional, por óbvio, deve obedecer às

regras e princípios consagrados na carta maior.

Na lição de Muccio (2000, p. 49, grifo do autor):

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O processo Penal, procurando a efetivação do Direito Penal objetivo, tem na Carta Maior seu alicerce. Daí a observância, no Processo Penal, dos princípios amparados pela Constituição Federal, que constituem sua espinha dorsal. Entre outros, cita-se: o do devido processo legal, que assegura a plena defesa e o contraditório [...] o princípio da inocência, que assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” [...] o princípio do Juiz Natural, que garante ao infrator ser julgado pela autoridade competente [...] a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos etc.

Para Mirabete (2003, p. 31, grifo do autor):

O Direito Processual Penal, como qualquer outro, deve submeter-se ao Direito Constitucional em decorrência da supremacia da Constituição na hierarquia das leis. É na Carta magna que se institui o aparelho judiciário, se regula o exercício da atividade jurisdicional, se definem as garantias individuais, se registram casos de imunidade etc.

Entretanto, sabe-se também que a legislação Processual Penal entrou em

vigor no ano de 1941, e apesar das modificações posteriores, sofre críticas tanto da

atual doutrina, como da jurisprudência por estar ultrapassada, não correspondendo

aos valores consagrados no texto da constituição.

1.2 Os sistemas processuais e as garantias processu ais penais na

Constituição Brasileira de 1998

Durante a história do Direito, vislumbraram-se as mais enrijecidas opressões

até as mais dilatadas liberdades, portanto, é natural que o Estado, a ver-se

ameaçado com a crescente criminalidade, faça uso de penas mais severas e o

processo tenha cunha inflexível (LOPES JR. 2006). Neste sentido aponta-se que “os

sistemas processuais inquisitivo e acusatório são reflexo da resposta do processo

penal frente às exigências do Direito Penal e do estado da época.” (LOPES JR.,

2006, p. 160).

21

1.2.1 Sistemas processuais acusatório, inquisitivo e misto

No processo o referido endurecimento se apresenta conforme sua utilidade e,

mediante atos como: o segredo, forma escrita, aumento das penas processuais,

entenda-se aqui aquelas pertinentes as prisões cautelares, crime inafiançáveis entre

outros, inclusive poderes aos juízes para exercitarem o poder de investigação

(LOPES JR., 2006).

Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática. Em sentido oposto, o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão, caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo, em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais (LOPES JR., 2006, p. 161).

O sistema acusatório, remonta ao Direito Grego, em que havia a participação

direta do povo quanto do exercício da acusação, neste viés a acusação era popular

para crime considerados graves e quanto feito por uma pessoa aos menos graves

tinha cunho particular. (LOPES JR., 2006).

O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma, instalado com fundamento na acusação oficial, embora se permitisse, excepcionalmente, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até qualquer do povo. (MIRABETE, 2003, p.40).

O processo acusatório, face as suas características, alastrou-se por muitas

nações, inclusive a brasileira, pois é o que norteia o atual sistema processual pátrio.

(TOURINHO FILHO, 2003).

O processo acusatório possui como característica principal a separação das

funções de acusar, defender e julgar. Nele o órgão responsável pelo julgamento não

tem função investigatória ou probatória, incumbindo exclusivamente às partes tal

função. Trata-se de um sistema marcado pela presença de garantias constitucionais

e, por isso, na atualidade é adotado várias nações democráticas. Neste particular,

aponta Fernando Capez (2010, p. 82, grifo do autor):

É contraditório, público, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos [...] O sistema acusatório

22

pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI, LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII) [...] É o sistema vigente entre nós.

Na ótica de Muccio (2000, p. 63, grifo do autor):

O processo de tipo acusatório tem as seguintes características: a) observa o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão. Assegura às partes as mesmas obrigações e os mesmos direitos, encontrando-se elas em pé de igualdade [...] b) adota a publicidade como regra, permitindo a fiscalização do povo. Ela só é restrita ou especial, excepcionalmente; c) observa o actum trium personarum, ou seja, as funções de acusar, defender e julgar são desempenhadas por pessoas distintas, não podendo o juiz iniciar o processo de ofício; d) pode ser oral ou escrito; e) cabe a parte à parte acusadora a iniciativa do processo.

Na atualidade a forma acusatória conforme ministra Lopes Jr. (2006, p. 164),

caracteriza-se pela:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

Lembra-se que hoje a função de acusar, isso em regra, pertence ao Estado,

que por sua vez a confere a um órgão determinado, tratando-se do Ministério

Público, a evitar injustiças, como a barganha, a transação, a vingança, caso

qualquer do povo ou o ofendido tivesse a tarefa de acusar, isso sem falar no poder

econômico que fatalmente impediria o processo e consequentemente traria a toma

maior impunidade inclusive de infrações de natureza grave. (MUCCIO, 2000).

O sistema acusatório na sua origem começa a decair, frente à persecução

deficiente ofertada pelas partes, motivando os juízes tomar o lugar dos acusadores,

neste aspecto começou a dar espaço para o surgimento de outro sistema

23

denominado sistema inquisitivo, o qual paulatinamente vai tomando corpo a partir do

século XII até o XIV. (LOPES JR., 2006)

Essa substituição foi fruto, basicamente, dos defeitos da inatividade das partes, levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares, pois isso comprometeria seriamente a eficácia do combate à delinqüência. Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade. (LOPES JR., 2006, p. 167).

Neste sentido, o sistema inquisitório teve seu marco também quanto à

possibilidade de existir processo judicial de ofício nos casos compreendidos como

flagrante delito, assim os poderes dos magistrados formam ampliados, invadindo as

atribuições legais que antes pertenciam ao acusador, fundindo-se em um só órgão,

ou seja, encarregado de acusar e posteriormente julgar. (LOPES JR., 2006).

O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com a igualdade de poderes e oportunidade, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor [...] o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação [...] O juiz é livre para intervir, recolher e selecionar o material necessário para julgar, de modo que não existem mais defeitos pela inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz. [...] O juiz atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga. Com relação ao procedimento, sói ser escrito, secreto e não contraditório. (LOPES JR., 2006, p. 167).

O sistema inquisitivo, a partir do século XIII, foi utilizado especialmente pela

Igreja Católica visando a combater a heresia e tudo que fosse contrário aos

mandamentos divinos. Era fundado num sistema de intolerância, que derivava da

verdade absoluta, com a visão da criação do homem por Deus, pecado de Adão e

Eva e sua separação do Criador. (LOPES JR., 2006).

No conceito de Capez (2010, p. 83):

É sigiloso, sempre escrito, não contraditório e reúne na mesma pessoa as de funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram freqüentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão.

24

Mais detalhadamente explica Muccio (2000, p. 64):

O processo de tipo inquisitivo representa o oposto do acusatório. Nele não se observa o contraditório, inexistindo as regras da igualdade e da liberdade processuais entre as partes. O juiz detém o poder de iniciativa do processo, agindo, portanto, de ofício. Cabem a ele, também, as funções de acusar e defender, daí porque colhe as provas e profere a decisão. Para obter a confissão, considerada a rainha das provas, pode submeter o acusado à tortura. Ao acusado não se assegura nenhuma garantia, tornando-se objeto do processo e não sujeito de direito. O processo é secreto e escrito.

Fracassada a inquisição, especialmente em função dos ideais desenvolvidos

durante a Revolução Francesa, houve o revigoramento do sistema acusatório. A

partir de então, o Estado permanecia com o poder absoluto sobre a questão penal, e

agora não poderia liberá-lo nas mãos de particulares, então surge à necessidade de

dividir as tarefas, dividir o processo em fases e a cargo de pessoas distintas. A partir

de então, o monopólio da acusação continua com o Estado, mas executada por um

terceiro distinto do juiz. Trata-se do sistema misto, nascendo também à figura do

Ministério Público. Então a persecução penal divide-se em duas fases, fase pré-

processual com cunho inquisitivo e fase processual propriamente dita com cunho

acusatório, assim desenha-se o caráter misto, o qual insuficiente face a gestão da

prova e os poderes instrutórios do juiz. (LOPES JR., 2006).

Referente ao seu surgimento, ministra Tourinho Filho (2003, p. 91, grifo do

autor):

O processo de tipo misto também conhecido sob a denominação de sistema acusatório formal surgiu após a Revolução Francesa. A luta dos enciclopedistas contra o processo inquisitivo, até então vigorante, não cessava, e, logo após a maior revolução de que se tem memória, ele desapareceu, e o Code d’Instruction Criminelle de 1808 introduziu na França o denominado processo misto, seguindo-lhe as pegadas todas ou quase todas as legislações da Europa continental.

Segundo Lopes Jr. (2006) o sistema misto é um “monstro de duas cabeças”,

pois serviu perfeitamente a Napoleão, um ditador, mas não serve para a democracia,

nele a prova é colhida na fase inquisitorial de forma secreta não possibilitando o

contraditório, posteriormente é trazida para dentro do processo, assim não há

segurança jurídica, a não ser o livre convencimento do juiz, então trata-se de uma

fraude.

25

O sistema misto, ou sistema acusatório formal, é constituído de uma instrução inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória) e de um posterior juízo contraditório (de julgamento). [...] no direito contemporâneo o sistema misto combina elementos acusatórios e inquisitivos em maior ou menor medida, segundo o ordenamento processual local e se subdivide em duas orientações, segundo a predominância na segunda fase do procedimento escrito ou oral, o que, até hoje, é matéria de discussão. (MIRABETE, 2003, p. 41, grifo do autor).

O processo, qual no tipo inquisitivo, desenvolve-se em três etapas: a) investigação preliminar [...] b) instrução preparatória [...] e c) fase do julgamento. Mas enquanto no inquisitivo essas três etapas eram secretas, não contraditórias, escritas, e as funções de acusar, defender e julgar concentravam nas mãos do Juiz, no processo misto ou acusatório formal somente as duas primeiras fases é que eram e continuaram secretas e não contraditórias, Na fase de julgamento, o processo se desenvolve oralement, publiquement et contradictoirement. As funções de acusar e julgar são entregues a pessoas distintas. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 92, grifo do autor).

No sistema processual pátrio, é observado o tipo acusatório, cabendo ao

Ministério Público a acusação, entretanto, excepcionalmente o ofendido ou seu

representante pode iniciar o processo, quando tratar-se de ação penal privada ou na

hipótese prevista no art. 5º, LIX da CF/88 e art. 29 do CPP. (MUCCIO, 2000).

1.2.2 As garantias constitucionais do processo pena l

No texto da Constituição Brasileira de 1988 foram consagradas importantes

garantias processuais penais. Tais garantias impõem limites ao poder punitivo do

Estado, exigindo que este, durante a persecução penal e o processo, respeite as

limitações delas derivadas.

Sabe-se que uma das mais importantes garantias constitucionais é a

presunção de inocência, pois através dela o acusado deixa de ser um simples objeto

de investigação como no sistema inquisitorial, passando a assumir a posição de

efetivo sujeito dentro da relação processual.

A presunção, que trata-se do ato de admitir que determinada coisa seja

verdadeira até que se prove o contrário, confere ao acusado que não seja posto na

condição de culpado até o término do processo. Assim, “haveria uma presunção de

26

inocência do acusado da prática de uma infração penal até que uma sentença

condenatória irrecorrível o declarasse culpado.” (MIRABETE, 2003, p. 41).

O que se entende hoje, como diz Florian, é que existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Assim, melhor é dizer-se que se trata “princípio de não-culpabilidade”. Por isso que nossa Constituição Federal não “presume” a inocência, mas declara que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (apud, MIRABETE, 2003, p. 42).

Ministra Muccio (2000, p. 110, grifo do autor):

A condenação criminal, como sabido, pouco importa a natureza da pena imposta, traz ao réu enormes conseqüências no plano de seu jus libertatis, além de afetá-lo moralmente e materialmente, uma vez que dela decorre a obrigação da satisfação do dano. Por essa razão,o individuo, na sociedade, deve gozar, não obstante esteja respondendo a um processo, da presunção de que não é culpado, pois mesmo sobrevindo uma sentença condenatória, poderá demonstrar, via recurso, porque adotamos o duplo grau de jurisdição, sua inocência.

A presunção de inocência não é novidade, remonta ao Direito Romano, mas

posteriormente foi atacada, com mais severidade durante a inquisição da idade

média, chegando ao ponto que a insuficiência de prova valia como semiprova,

comprovando um juízo de semiculpabilidade e por conseqüência semicondenação,

ou seja, bastava um boato, um rumor e alguém na qualidade de testemunha que

declinasse neste favor, já havia subsídios necessários a condenação. (LOPES JR.,

2006).

No Brasil, a presunção de inocência está expressamente consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição, sendo o princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia). (LOPES JR., 2006, p. 185).

Além de ser um princípio reitor do processo penal, a presunção de inocência

decorre do princípio da jurisdicionalidade, pois ela é a responsável pela obtenção da

prova, indicando que alguém cometeu o delito, entretanto, se tal prova ainda não foi

produzida no percurso do processo, ninguém pode ser culpado e submetido à pena.

(LOPES JR., 2006).

27

Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, também o estão pelas penas arbitrárias, fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade, senão também uma garantia de segurança (ou defesa social ), enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na justiça [...] Sob a perspectiva do julgador, a presunção de inocência deveria ser um princípio da maior relevância, principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado. Isso obriga o juiz não só a manter uma posição “negativa” (não o considerando culpado), mas sim a ter uma postura positiva (tratando-o efetivamente como inocente). (LOPES JR., 2006, p. 186, grifo do autor).

Ainda nas palavras de Lopes Jr. (2006, p. 189, grifo do autor):

Por tudo isso, a presunção de inocência, enquanto princípio reitor do processo penal deve ser maximizada em todas suas nuances, mas especialmente no que se refere à carga da prova (regla del juicio), e às regras de tratamento do imputado (limites à publicidade abusiva [estigmatização do imputado] e à limitação do (ab)uso das prisões cautelares).

No processo penal, com o objetivo de equilíbrio entre as partes, ou seja,

acusador e acusado, é mister que seja dado ao último, por parte do juiz

conhecimento sobre toda a matéria que está sendo ventilada em sede de processo,

visando proporcionar sua defesa, trata-se do contraditório, outra importante garantia

do processo penal. (LOPES JR., 2006).

O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado [e da sociedade] em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias desproporcionadas. (LOPES JR., 2006, p. 229, grifo do autor).

No ensino de Tourinho Filho (2003, p. 44):

Aliás em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação a quem se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando assim possa ser condenado sem ser ouvido.

No ensinamento de Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 49):

Autor e réu deverão ter os mesmos direitos, mesmo ônus e mesmos deveres. “Dentro das necessidades técnicas do processo deve a lei propiciar a autor e réu uma atuação processual em plano de igualdade no

28

processo, deve dar a ambas as partes análogas possibilidade de alegação e prova. Insere-se aí a garantia de paridade de armas no processo penal, igualando acusação e defesa.

Assim sendo, para que o contraditório se apresente, é necessário que exista

dois elementos, quais sejam a necessidade de informação e a possibilidade de

reação. Entretanto, isso não vale apenas para a parte que está sendo acusada, mas

também ao acusador, portanto tem forma bilateral, visando ambos os confrontantes

a possibilidade de contrariar os atos de um para com o outro. (FERNANDES, 2002).

Assim, em razão da garantia do contraditório no processo penal, não se admite que uma parte fique sem ciência dos atos da parte contrária e sem oportunidade de contrariá-los. Deve-se, por isso, entender que a Constituição, ao consagrar o contraditório no art. 5º, LV, garante-o no processo criminal a ambas às partes, não somente ao acusado, mas também ao Ministério Público. (FERNANDES, 2002, p. 62-63).

Também no contexto contraditório, há necessidade da participação do juiz

que deve dar ouvidos a ambas as partes, sob pena de estar sendo parcial, visando

conhecer o todo. Neste sentido, sendo o processo um jogo de estratégia, é

necessário que o juiz propicie condições ideais para a fala e oitiva das partes,

mesmo que estas não queiram se manifestar. (LOPES JR., 2006).

Numa visão moderna, o contraditório engloba o direito das partes de debater frente ao juiz, mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo; é necessário também que o juiz participe intensamente (não confundir com juiz-inquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz), respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes, fundamentando suas decisões (inclusive as interlocutórias), evitando atuações de ofício e as surpresas. Ao sentenciar, é crucial que observe a correlação acusação-defesa-sentença (LOPES JR., 2006, p. 231, grifo do autor).

Face ao exposto, é relevante firmar que a garantia do contraditório é distinta

do direto de defesa, por mais que estejam indissoluvelmente ligados. É do

contraditório que brota o direito de defesa, mas é esta que garante o contraditório.

(LOPES JR., 2006).

A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro, com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais. É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais, sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório. (LOPES JR., 2006, p. 232).

29

O direito de defesa pode ser exercido de forma técnica ou pessoal, a defesa

técnica supõe-se realizada por uma pessoa com conhecimentos na área do direito,

profissionais tratados como advogadas ou defensores. A defesa técnica faz-se

necessária, pois há uma relação de hipossuficiência entre acusação e acusado,

tendo em vista que este último, não raras vezes é desconhecedor de qualquer

preceito jurídico, e assim em extrema desvantagem ao acusador, diga-se membro

do Ministério Público, exímio conhecedor do ordenamento jurídico. E quando o

acusado não pode contratar um defensor, cabe o estado suprir-lhe a deficiência,

visando manter a igualdade processual. (LOPES JR., 2006).

O Estado deve organizar-se de modo a instituir um sistema de “Serviço Público de Defesa”, tão bem estruturado como o Ministério Público, com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor. Assim como o Estado organiza um serviço de acusação, tem esse dever de criar um serviço público de defesa. (LOPES JR., 2006, p. 235, grifo do autor).

Junto à defesa técnica também existe a defesa pessoal daquele que está

sendo acusado de determinado delito.

Junto à defesa técnica, existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal. Através destas atuações, o sujeito atua pessoalmente, defendendo-se a si mesmo como individuo singular, fazendo valer seu critério individual e seu interesse privado (LOPES JR., 2006, p. 237).

A defesa pessoal, também conhecida como autodefesa, tem a sua

aplicabilidade de várias maneiras, entretanto, é no interrogatório, tanto na fase

policial como na judicial, que tem sua maior relevância, em que o acusado poderá se

manifestar acerca das acusações que lhe são imputadas, fazendo neste momento a

exposição dos motivos que levaram a sua conduta ou simplesmente reservar-se no

direito de manter-se em silêncio, lembra-se que o silêncio é um direito, devidamente

previsto na ordem constitucional, e o seu exercício não pode vir em prejuízo ao

acusado. (LOPES JR., 2006).

Ao lado deste a atuar que supõe o interrogatório, também é possível uma completa omissão, um atuar negativo, através do qual o imputado se nega a declarar. Não só pode se negar a declarar, como também pode se negar a dar a mais mínima contribuição para a atividade probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação, como ocorre nas intervenções corporais,

30

reconstituição do fato, fornecer material escrito para a realização do exame grafotécnico etc. (LOPES JR., 2006, p. 237).

Pelo demonstrado, pode-se ter uma idéia que a expressão constitucional de

ampla defesa é, portanto, distinta do contraditório, a ampla defesa traduz conforme

ensinamento de Lopes Jr. (2006) uma ação efetiva por parte do acusado, sendo

realizada através da defesa técnica ou da autodefesa, na sua mais dilatada

concepção, ou amplitude, assegurando ao acusado resignar-se contra o direto de

punir do Estado em razão de sua liberdade.

1.3 A investigação preliminar através do inquérito policial

1.3.1 Conceito, natureza e finalidade do inquérito policial

O inquérito policial é um procedimento administrativo, formulado pela Polícia

Judiciária, visando a dar subsídios, alcançados através da investigação preliminar, à

futura ação penal que será proposta pelo Ministério Público e à vítima, ou até

mesmo o arquivamento do feito, se acaso não existam elementos que sustentem a

referida ação.

É o modelo adotado pelo Direito brasileiro, que atribui à polícia a tarefa de investigar e averiguar os fatos constantes na notícia-crime. Essa atribuição é normativa e a autoridade policial atua como verdadeiro titular da investigação preliminar. No modelo agora analisado, a polícia não é mero auxiliar, senão o titular, com autonomia par decidir sobre as formas e os meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação e relação aos juízes e promotores. (LOPES JR., 2008, p 220).

Como já se viu, a investigação preliminar é o exercício desempenhado por

alguns órgãos estatais, os quais definidos em lei têm por atividade, após a notícia-

crime, a busca de elementos probatórios visando à definição de materialidade e

autoria delituosas.

31

Um desses órgãos é a Polícia Judiciária, que mesmo vinculada ao Poder

Executivo, vai num primeiro momento dar impulsividade à persecução penal, agindo,

como referido por Lopes Jr. (2008) com autonomia, escolhendo quais as formas e

linhas de investigação e não se submetendo hierarquicamente ao Ministério Público

e ao Poder Judiciário. Sua função é auxiliá-los em suas atividades, e cumprindo as

requisições que lhe são encaminhadas. Sabe-se que essa atividade investigativa

geralmente se opera através do Inquérito Policial.

Inquérito é o ato ou efeito de inquirir, isto é, procurar informações sobre algo, colher informações acerca de um fato, perquirir. O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade. O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária, que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (art 4º) [...] Trata-se de um modelo de investigação preliminar policial, de modo que a polícia judiciária leve a cabo o inquérito policial com autonomia e controle. Contudo, depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundament ais. (LOPES JR., 2008, p. 239-241, grifo do autor).

Nas palavras de Mirabete (2003, p. 76, grifo do autor):

Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc.

Como se vê, a persecução penal iniciada com base numa investigação

preliminar, exteriorizada via Inquérito Policial, tem determinada importância, pois

através dele, isso após serem colhidas as provas pertinentes, pode se dar subsídio a

uma futura ação penal pelo Ministério Público. Neste sentido, observa Greco Filho

(2010, p. 77), que “o inquérito Policial é uma peça escrita, preparatória da ação

penal, de natureza inquisitiva”. O Inquérito desenvolvido em sede de Polícia

Judiciária, conhecida como Polícia Civil Estadual e Polícia Federal, constitui-se de

uma série de atos que vão dar sustentabilidade a uma ação penal, ou seja, numa

futura denúncia promovida pelo Ministério Público.

O inquérito policial nada mais é do que um procedimento informativo, revestido de sigilosidade e inquisitoriedade, no qual, obedecida a forma escrita, tem lugar a primeira fase da persecução penal – a persecutio criminis – que implica na apuração da infração penal e da sua autoria, sem

32

prejuízo da colheita de outras provas que guardem relação com o fato. (MUCCIO, 2000, p. 168, grifo do autor).

Frente a sua natureza, o inquérito policial apresenta algumas particularidades,

entre as quais cita-se a natureza administrativa, sigilosa, inquisitiva e escrita.

O inquérito policial é autêntico procedimento administrativo, presidido por autoridade policial, com objeto de destinatário próprios. Consoante Aury Lopes Jr., a natureza administrativa do inquérito policial deve-se ao fato de o procedimento ser levado a cabo por órgão estatal não pertencente ao Poder Judiciário e, consequentemente, “a atividade carece da direção de uma autoridade com protestade jurisdicional, não podendo ser considerada uma atividade jurisdicional e tampouco de natureza processual. (apud, FELDENS; SCHMIDT, 2007, p. 14, grifo do autor).

Sabe-se que no exercício de sua autodefesa, como ensina Lopes Jr. (2006), o

acusado pode recorrer ao silêncio frente às acusações que lhe são imputadas,

negando-se a participar, por exemplo, de reconstituição de local de crime, e outras

atividades desenvolvidas durante a investigação preliminar, quando há necessidade

de sua intervenção corporal. Entretanto, aponta-se que o inquérito policial também é

o exercício de autodefesa do Estado, por isso tem a natureza de ser discricionário,

sigiloso, inquisitivo e escrito.

Não é o inquérito “processo” [...] A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o “inquérito policial” (arts. 4º a 23º) da “instrução criminal” (arts. 394 a 405). Por essa razão, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais estado de inocência, iniciativa das partes e do impulso oficial, nem mesmo o contraditório. Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do autor de prisão em flagrante, nomeação de curador a menor etc.). (MIRABETE, 2003, p. 77, grifo do autor).

O inquérito é escrito, tendo em vista que não lhe confere a forma oral, pois as

peças elaboradas no procedimento policial têm por fundamento dar base a ação

penal, visando ganhar tempo na elaboração das peças de investigação e extirpar a

interpretação da caligrafia dos escrivães e menos riscos de erros e borrões, que

podem levar o leitor a uma interpretação equivocada. (TOURINHO FILHO, 2003).

O inquérito policial é um procedimento escrito, já que destinado a fornecer elementos ao titular da ação penal. Dispõe o artigo 9º do CPP que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, realizadas a escrito

33

ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”. (MIRABETE, 2003, p. 78, grifo do autor).

Segundo Muccio (2000, p. 170):

A forma oral não é observada. Se o inquérito se destina a fornecer ao autor da ação penal os elementos necessários para o seu exercício e, também dar embasamento probatório suficiente para que a ação penal tenha justa causa, é evidente que obedece à forma escrita.

A respeito do sigilo em sede de inquérito policial, refere-se ser importante,

pois é uma qualidade para que a autoridade policial possa desencadear as

diligências necessárias a elucidação da prática criminosa.

Neste aspecto, ministra Mirabete (2003, p. 78, grifo do autor):

O inquérito policial é ainda sigiloso, qualidade necessária a que possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas etc. [...] O sigilo não se estende ao Ministério Público, que pode acompanhar os atos investigatórios [...] nem o Judiciário.

Tourinho Filho (2003, p. 202):

Se o inquérito policial visa à investigação, à elucidação, à descoberta das infrações penais e das respectivas autorias, pouco ou quase nada valeria a ação da Polícia Civil se não pudesse ser guardando o necessário sigilo durante a sua realização. O princípio da publicidade, que domina o processo, não der harmoniza, não se afina com o inquérito policial. Sem o necessário sigilo, diz Tornaghi, o inquérito seria uma burla, um atentado.

Para Muccio (2000, p. 171, grifo do autor):

A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”, é o que determina o art. 20 do CPP. Com base nessa disposição legal, Amintas Vidal, pondera no seu Manual do Delegado: impor-se-á providência no primeiro caso, se se admitir que a divulgação das diligências venha a causar embaraços ao desvendamento do fato que esteja em investigação, bem como das suas circunstâncias, por dar azo a que os responsáveis, por seus parentes, desfaçam vestígios da ação principal, ocultem instrumentos, destruam papéis, removam valores, afastem ou subordinem testemunhas, ou, por outra forma, anteponham barreiras aos trabalhos de elucidação.

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Por outra banda, fomenta-se que este sigilo não é absoluto, pois o Estatuto

dos Advogados do Brasil, em seu art. 7º, prevê a defesa técnica exercida por

advogado, garantindo que este possa acompanhar o andamento do procedimento e

os atos que nele são tomados. Salienta-se que a questão do sigilo não desapareceu,

apenas sofreu restrição, assim não está obrigado a autoridade policial a revelar sua

linha de investigação ou antecipar ou tornar públicas as diligências que almeja

realizar, em face da discricionariedade que possui, e isso não afetaria o contraditório

e a ampla defesa. (MUCCIO, 2000).

Em relação ao advogado, a solução há de ser apreciada segundo as circunstâncias do caso concreto. O inciso XIV do art. 7º da Lei n.º 8.906/94 (estatuto a OAB) assegurou, como direitos do advogado, “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito policial, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”. Tal norma esta em vigor e, em princípio, não há razão para reputá-la inconstitucional. Disso não decorre, entretanto, que possa ser interpretada em termos absolutos, pois situações existem em que a audiência do advogado fulminaria o objeto da investigação [...] Assim, pode-se estabelecer, como princípio, a acessibilidade, ao advogado, dos autos do inquérito policial, salvo em hipóteses extremas em que o sigilo juridicamente sobreponha-se (FELDENS; SCHMIDT, 2007, p. 53).

Com relação ao fato do inquérito policial ter natureza inquisitiva, observa-se

exatamente porque, nesta fase, não é exercida de forma plena o contraditório e a

ampla defesa, pois se trata de um procedimento administrativo, visando à colheita de

provas. Não há a intervenção das partes da mesma forma que na fase processual.

O inquérito também é inquisitivo. Fácil constatar-se-lhe esse caráter. Se a Autoridade Policial tem o dever jurídico de instaurar o inquérito, de ofício, isto é, sem provação de quem quer que seja (salvamente algumas exceções) [...] se tem poderes para empreender, com certa discricionariedade, todas as investigações necessárias à elucidação do fato infringente da norma e à descoberta do respectivo autor; se o indiciado não pode exigir que sejam ouvidas tais ou quais testemunhas nem tem direito, diante da Autoridade Policial, às diligências que, por acaso, julgue necessárias, mas simplesmente, pode requerer a realização de diligências e ouvida de testemunhas, ficando, contudo, o deferimento ao prudente arbítrio da Autoridade Policial, nos termos do art. 14 do CPP (salvo em se tratando de exame de corpo de delito ou de diligência imprescindível ao esclarecimento da verdade, ficando esta última a juízo da autoridade, nos termos do art. 187 do CPP. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 207, grifo do autor).

35

Às vistas de Muccio (2000, p. 174-175):

O inquérito policial tem também natureza inquisitiva. No inquérito policial o indiciado não é um sujeito de direitos e, sim, um objeto de investigação. Ao autor da infração penal não se permite qualquer ingerência na colheita desta ou daquela prova. A condução do inquérito, com a determinação das diligências, constitui ato discricionário da autoridade policial. Como não há acusação nem defesa nessa fase da persecução penal, a autoridade investida na função de investigar a infração penal e sua autoria, não se ocupa com o mérito. Compete-lhe, tão-somente, colher os elementos necessários ao exercício da ação penal pelo seu titular e dos elementos probatórios razoáveis sobre a existência e da autoria, assegurando-lhe a justa causa.

Em sentido parcialmente oposto ao já citado doutrinariamente, existe

posicionamentos que reagem ao fato do autor do delito ser considerado meramente

um objeto de investigação, e dão sustentabilidade as suas afirmações com base nos

direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal que devem ser

observados na fase pré-processual. (FELDENS; SCHMIDT, 2007).

A dogmática processual tradicional sustenta que o que empresta a uma investigação o matiz da inquisitorialidade seria o fato de: a) não permitir-se o contraditório; b) a imposição de sigilo e c) a não-intromissão de pessoas estranhas durante a feitura dos atos persecutórios. Outra decorrência desse caráter inquisitorial seria notada no art. 107 do CPP [...] Tais afirmações devem ser adequadamente analisadas. Significa dizer: não se trata, no âmbito do inquérito, de impedimento à participação do investigado e/ou de seu representante (defensor), cuja presença, em determinadas hipóteses, é inclusive salutar [...] É importante lembrar, por outro lado, a necessidade de superação do dogma manualístico no sentido de que, no inquérito policial, não existe acusado, mas sim um investigado, para, com isso, justificar-se a mitigação de direitos fundamentais. Investigado é sujeito de direitos, e não mero objeto da investigação. (FELDENS; SCHMIDT, 2007, p. 16-17, grifo do autor).

Referindo-se a discricionariedade exercida pela autoridade policial, que trata-

se de uma liberdade de agir, assenta Mirabete (2003, p. 77-78, grifo do autor):

As atribuições concedidas à polícia no inquérito policial são de caráter discricionário, ou seja, têm elas a faculdade de operar ou deixar operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente pelo direito. Licito é, por isso, à autoridade policial deferir ou indeferir qualquer pedido de prova feito pelo indiciado ou ofendido (art. 14), não estando sujeita a autoridade policial à suspeição (art. 107). O ato de polícia é auto-executável, pois independe de prévia autorização do Poder judiciário paras a sua concretização jurídico-material. Não se trata, porém, de atividade arbitrária, estando submetida ao controle jurisdicional posterior, que se exerce através do habeas corpus, mandado de segurança e outros remédios específicos.

36

Referindo-se a finalidade do inquérito policial Greco Filho (2010, p. 77-78)

aponta:

Sua finalidade é a investigação a respeito da existência do fato criminoso e da autoria. Não é uma condição ou pré-requisito para o exercício da ação penal, tanto que pode ser substituído por outras peças de informação, desde que suficientes para sustentar a acusação [...] A finalidade investigatória do inquérito cumpre dois objetivos: dar elementos para a formação da opinio delicti do órgão acusador, isto é, a convicção do órgão do Ministério Público ou do querelante de que há prova suficiente do crime e da autoria, e dar embasamento probatório suficiente para que a ação penal tenha justa causa. Para a ação penal, justa causa é o conjunto de elementos probatórios razoáveis sobre a existência do crime e da autoria. No sistema brasileiro, o inquérito policial simplesmente investiga, colhe elementos probatórios, cabendo ao acusador apreciá-los no momento de dar início à ação penal e, ao juiz, no momento do recebimento da denúncia ou queixa.

Para Feldens e Schmidt (2007, p. 14, grifo do autor):

Visa à colheita de elementos tendentes à elucidação da autoria e materialidade de determinada infração penal, ostenta, como finalidade única, subsidiar futura e eventual ação penal a ser proposta pelo Ministério Público (nos delitos de ação penal pública) ou pelo ofendido (nos crime de ação penal privada).

Em suma, tem-se que o Inquérito Policial é um procedimento administrativo,

realizado pela Polícia Judiciária, que tem característica inquisitiva visando à colheita

de elementos que visam a dar subsídios para a futura ação penal.

1.3.2 Órgão encarregado: a polícia judiciária

É importante salientar que na sociedade em geral há uma confusão referente

às atividades desenvolvidas pelas polícias, tanto na esfera preventiva, como na

repressiva. Para o leigo, polícia é polícia, mas necessário faz-se indicar tal distinção,

tendo em vista as atribuições de cada corporação. Neste sentido ensina Euclides

Ferreira da Silva Junior (2000).

A Polícia preventiva, outro ramo da Polícia administrativa, é a atividade policial destinada à manutenção da ordem pública, evitando ou impedindo a prática de crimes [...] Polícia Judiciária, também chamada de Polícia repressiva é, pois, o ramo da Polícia que atua após a prática de um crime,

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procurando investigar sua prática. É a Polícia judiciária que realiza o inquérito policial, agindo como auxiliar da justiça, uma vez que, investigando e procurando os elementos sobre o crime praticado, fornece as condições que se possa eventualmente intentar a ação penal. (SILVA JUNIOR, 2000, p. 36).

Para que o órgão do Ministério Público possa chegar a juízo e propor a ação

penal é necessário que tenha informações suficientes que respaldem a acusação.

Para a produção de elementos probatórios que darão sustentabilidade a sua

alegação não está sozinho, mas tem o apoio da polícia judiciária. (TOURINHO

FILHO, 2003).

É a Polícia Civil, como a denomina o § 4.º do art. 144 da Carta Política (mais conhecida como Polícia Judiciária), cuja finalidade é investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor, colhendo os necessários elementos probatórios a respeito [...] A essa atividade do estado denomina-se persecutio criminis, Daí dizer Frederido Marques: “Verifica, portanto, que a persecutio criminis apresenta dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal” (apud TOURINHO FILHO, 2003, p. 187).

Quem preside o Inquérito Policial é a Autoridade Policial, o Delegado de

Polícia, tanto na esfera estadual como na esfera federal, distinguindo-se da polícia

preventiva, aqui se referindo as corporações militares, que tem como competência a

prevenção de crimes, a polícia judiciária atua após o fato já consumado, sendo sua

competência definida pela Constituição Federal.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Art. 133 - À Polícia Civil, dirigida pelo Chefe de Polícia, delegado de carreira da mais elevada classe, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.

O fato de ter sido afirmado que as polícias federal e estadual exercem as funções da polícia judiciária não significa a impossibilidade de que outros órgãos venham, em determinadas circunstâncias, quando autorizados pelo

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ordenamento jurídico, a apurar, direta ou indiretamente, fatos criminosos. Nesse sentido, realizam também atividades de investigação as Comissões Parlamentares de Inquérito. (FERNANDES, 2003, p. 251).

Ainda no aspecto da não exclusividade para a feitura do inquérito policial,

Greco Filho (2010, p.79):

Exceto o caso da Polícia Federal quanto à polícia judiciária da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure infrações penais, o que, ademais, é do interesse público. A lei pode atribuir funções investigatórias a outros organismos, como acontece com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n. 35) e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93), que instituíram sistemas especiais de apuração de infrações penais de crime praticados por magistrados ou membros do Ministério Público, respectivamente.

Neste viés a doutrina é pacífica em apontar que o Inquérito não é atividade

exclusiva das Polícias Judiciárias, podendo ser instaurado e conduzido por outros

órgãos estatais, em circunstâncias próprias, desde que devidamente autorizados

pela norma jurídica.

1.3.3 Procedimento do inquérito policial

O inquérito policial geralmente é instaurado de ofício pela autoridade policial,

ou seja, por portaria, ou por auto de prisão em flagrante, representação do ofendido

ou requisição do Ministério público ou do Poder Judiciário. Entretanto, mesmo antes

de ocorrer a instauração do inquérito policial, pode haver o inicio das investigações,

como nos casos de denúncia anônima, oportunidade que autoridade policial pode

verificar a procedência das informações, e somente após instaurar o feito. Quando

da chegada da noticia-crime, faz-se necessária a tomada de providências com

antecedência, como naqueles delitos que deixam vestígios, sob pena de perderem-

se, porém com a instauração do procedimento policial, tais investigações devem

acompanhar os autos. (GRECO FILHO, 2010).

Sob a orientação do art. 6º do CPP, a autoridade policial ao tomar

conhecimento do fato delituoso, especialmente àquele que deixa vestígios, deve

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comparecer ao local, isolá-lo, visando a pericia técnica, apreender os objetos de

interesse da investigação, identificar a vítima, suposto autor e testemunhas, para

posterior oitiva, porém não há uma ordem rígida procedimental quanto ao curso do

inquérito e as diligências que futuramente serão realizadas. (GRECO FILHO, 2010).

Cabe à autoridade, tendo em vista as circunstâncias fáticas, ir colhendo as provas na medida das possibilidades e das circunstâncias da investigação. Faz-se necessária, porém, uma observação de ordem prática: a polícia, ao elaborar o inquérito, atua como polícia judiciária, ou seja, exercendo atividade de auxílio à futura ação penal, em tese admissível. Essa atividade, portanto, dever ser dirigida a essa finalidade, devendo a autoridade encerrar o inquérito quando, a seu juízo, considerar suficientemente provada a materialidade e a autoria da infração, sem prejuízo da indicação de outras provas, se possível. (GRECO FILHO, 2010, p. 81).

Ainda na ótica procedimental do inquérito policial, ao findar as diligências

investigativas, com o interrogatório do indiciado ou não, sua vida pregressa e

assentamentos de antecedentes, estando à autoridade policial satisfeita, elaborará

um minucioso relatório sobre as atividades desenvolvidas no procedimento policial

em questão, onde poderá propor uma qualificação jurídica ao fato praticado, bem

como a solicitação de alguma cautelar restritiva de liberdade, como é o caso da

prisão preventiva, sendo posteriormente os autos remetidos a juízo. (GRECO FILHO

2010).

O Código de processo Penal não define o indiciamento e nem diz como fazê-lo, porém refere-se em várias oportunidades, como já mencionamos, ao indiciado. INDICIADO é, portanto, o agente do delito que está sendo investigado no Inquérito Policial, é o suspeito da prática do crime; e INDICIAMENTO é a imputação feita ao suspeito do crime que está sendo investigado no inquérito policial, já que contra ele pairam indícios acerca da prática do respectivo crime e de sua autoria. (SILVA JUNIOR, 2000, p. 44, grifo do autor).

Sobre o indiciamento do investigado Mirabete (2003, p.89):

O indiciamento não é ato arbitrário nem discricionário, visto que inexiste a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração tem que ser indiciado; já aquele que contra si possuía frágeis indícios, não pode ser indiciado, pois é mero suspeito.

Ainda a respeito do relatório policial, Silva Junior (2000, p. 47):

40

Devemos esclarecer que, por minucioso relatório, a Lei Processual Penal quer dizer que a autoridade policial deve informar sobre o fato que originou a investigação, quais as diligências realizadas para o seu esclarecimento, comentar acerca de como ocorreu à colheita das provas e fazer observações que julgar importantes, sem promover uma valoração dessas provas e evitar tipificar o fato investigado, tarefa atribuída ao órgão acusatório.

Concluído o inquérito policial a autoridade policial deverá encaminhar os

autos ao juízo competente, quando o delito for de competência de vara

especializada, deve ser dirigida a ela, como por exemplo, nos casos de crimes

eleitorais. Devem acompanhar o inquérito policial os instrumentos do crime, bem

como todos os demais objetos de prova. (MIRABETE, 2003).

Sobre o arquivamento de autos de inquérito Mirabete (2003, p. 96, grifo do

autor):

Ainda que fique provada a inexistência do fato ou que não se tenha apurado a autoria do ilícito penal, a autoridade policial não pode mandar arquivar o inquérito (art. 17). Tal providência cabe ao juiz, a requerimento do órgão do Ministério público. Sendo este último destinatário do inquérito policial, deve formular um juízo de valor sobre o seu conteúdo, para avaliar da existência, ou não, de elementos suficientes para fundamentar a acusação. Se não encontrar esses elementos, cumpre-lhe remeter ao juiz o arquivamento do inquérito.

Após o encaminhamento ao juízo competente, podem ocorrer três hipóteses:

a) o inquérito pode estar completo e servir para a proposta de ação por parte do

Ministério Público; b) pode estar completo, mas faltando-lhe elementos para a

propositura da ação, assim o Ministério Pública deverá requerer a autoridade policial

a sua complementação; e c) pode estar completo, mas os elementos e dados nele

constantes, não subsidiam minimamente a acusação, devendo ser requerido, neste

caso, o seu arquivamento. (MUCCIO, 2000).

Um dado importante a ser observado quanto ao arquivamento do inquérito

policial, é que este não gera coisa julgada, neste sentido Silva Junior (2000, p. 50):

Uma observação importante diz respeito ao fato de que o arquivamento do inquérito policial não faz coisa julgada, uma vez que o despacho do juiz nesse sentido é um ato administrativo realmente, se houver o arquivamento, isto quer dizer que não houve ação penal, logo, não houve processo, portanto, não saiu da esfera meramente administrativa que é parte da natureza do procedimento policial, possibilitando ao delegado de

41

polícia,mesmo depois de ter ocorrido o arquivamento, proceder novas diligências, se de outras provas tiver notícia (art. 18, do CPP).

Assim, pode a autoridade policial dar continuidade a investigações que julgar

necessárias a elucidação do fato delituoso, ou mesmo durante a investigação de fato

distinto, pode ocorrer a elucidação daquele outrora arquivado, o que motivará a

Autoridade Policial concluir as diligências e encaminhá-las ao Ministério Público.

.

Demonstrou-se até o presente momento, face os pontos discutidos, que

violada a norma surge para o Estado o Direito de Punir, o qual para atingir o seu

objetivo, ou seja, a definição de autoria e materialidade delituosas é necessário que

haja órgãos encarregados em iniciar a investigação preliminar, pautados na

persecução penal, que dependendo do resultado, culminará na ação penal proposta

pelo Ministério Publico e subseqüentemente o devido processo legal.

Entretanto, a busca da verdade sobre os fatos, mediante a persecução penal,

não pode ser arbitrária, devendo as autoridades agir dentro do princípio da

legalidade, e sobremodo observando as garantias constitucionais elencadas na

Carta Constitucional de 1988.

42

2 A PROVA PROCESSUAL PENAL E O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO

POLICIAL

Tendo em vista que o tema deste trabalho gira em torno do Inquérito Policial,

demonstrou-se anteriormente que a Polícia Judiciária, não com exclusividade, é a

responsável pela investigação preliminar, apontou-se como esta é desenvolvida,

ainda o procedimento adotado, instrução e arquivamento. Partindo desta análise,

este capítulo tratará das provas produzidas no transcorrer da investigação

preliminar, e o valor probatório do Inquérito Policial, verificando se podem ou não tais

provas influenciar o julgador tanto numa decisão condenatória ou até mesmo

absolutória.

2.1 A prova no processo penal

A prova desempenha um papel fundamental no âmbito do processo, sendo

ele cível ou criminal, neste sentido a prova passa a ser um direito das partes, tanto

do autor como do réu, estando ligada diretamente ao direito de ação e de defesa.

Sem a prova de nada valeriam as postulações das partes, sem que lhes fosse

oportunizado, no desenvolver do processo, demonstrar suas afirmações e com isso

levar o julgador a proferir sentença a seu favor.

Já o julgador deve, no caminhar processual, deixar fluir a liberdade probatória,

tendo em mente que é ela que irá lhe propiciar condições para que sentencie de

forma justa e de acordo com a realidade dos fatos.

A liberdade probatória proporcionada pelo magistrado deve estar ajustada às

garantias constitucionais e com os princípios do direito, atento as postulações

meramente proletórias, mas sensível àquela que expressam a demonstração da

verdade. (FERNANDES, 2002).

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Aqui, de forma abrangente, desdobra-se o direito sobre a prova em face das manifestações concretas no processo de vários direitos da parte: a) direito de requer a produção da prova; b) direito a que o juiz decida sobre o pedido de produção da prova; c) direito a que, deferida a prova, esta seja realizada, tomando-se todas as providências necessárias para sua produção; d) direito a participar da produção da prova; e) direito que a produção da prova seja feita em contraditório; f) direito a que a prova seja produzida com a participação do juiz; g) direito a que, realizada a prova, possa manifestar-se a seu respeito; h) direito a que a prova seja objeto de avaliação pelo julgador. (FERNANDES, 2002, p.73-74).

Tendo em vista o papel fundamental da prova no processo, bem ensina

Capez (2003, p. 251, grifo nosso):

Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto.

Por outra banda, para que possa a juiz declarar a responsabilidade penal, há

necessidade que tenha certeza do cometimento do ilícito penal, bem como da

autoria delitiva. Para que se possa convencer o magistrado dos fatos apresentados,

demonstrando-se que estes estão ajustados com a realidade, ou seja, são verídicos,

entra em cena a instrução processual quando as provas serão produzidas,

demonstradas e contestadas. (MIRABETE, 2003).

Da apuração dessa verdade trata a instrução, face do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova. (MIRABETE, 2003, p. 256, grifo do autor).

Tem-se conhecimento que a prova pode assumir diversas conceituações, ou

conotações, dependendo do ramo que é empregada ou a ciência que é utilizada,

mas sobre processo, leva além do entendimento de uma simples conceituação, ou

verdade, leva a uma verdade processual.

44

2.1.1 Conceito e função da prova

Com relação ao conceito de prova, diz-se que constitui uma atividade

probatória, isto é, o conjunto de atos praticados pelas partes, além de outras

pessoas participantes do processo, como as testemunhas, peritos, e até mesmo pelo

magistrado, quando age de ofício, buscando averiguar a verdade dos fatos e formar

sua convicção. (MIRABETE, 2003).

Atendendo-se ao resultado obtido, ou ao menos tentado, “provar” é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo. Levada ao processo, porém, a prova pode ser utilizada por qualquer desses sujeitos: juiz ou partes. (MIRABETE, 2003, p. 256, grifo do autor).

Pode-se dizer, de um modo amplo, que a prova é a demonstração de alguma coisa. No processo penal, ela deve ser entendida como a maneira pela qual os fatos e a responsabilidade penal do agente de um crime devem ser demonstrados [...] Logo, a prova deve-se constituir na grande preocupação das partes, já que do êxito de sua demonstração, depende o êxito de suas alegações no processo. (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 112-113).

No ministrar de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco (2003, p. 348):

Toda pretensão prende-se a algum fato, ou fatos, em que se fundamenta. Deduzindo sua pretensão em juízo, ao autor da demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base, qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional.

Entretanto, as afirmações feitas em juízo, pelo autor podem ou não

corresponder à verdade, sendo contrárias a elas as alegações do réu, que também

podem ser verdadeiras ou não. Visando dirimir as dúvidas sobre a veracidade ou

falsidade das afirmações, buscando a prestação jurisdicional, o julgador para vê-las

resolvidas irá valer-se da prova produzida, e assim ter a certeza sobre a matéria de

fato. “A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do

juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo.”

(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003, p. 348).

45

A prova diz respeito aos fatos. Mas não a todos os fatos: não deve ser admitida a prova dos fatos notórios (conhecidos de todos), dos impertinentes (estranhos à causa), dos irrelevantes que, embora pertençam à causa, não infuem na decisão), dos incontroversos (confessados ou admitidos por ambas as partes), dos que sejam cobertos por presunção legal de existência de veracidade (CPC, art. 334) ou dos impossíveis (embora se admita a prova dos fatos improváveis). (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003, p. 350, grifo do autor).

Nas palavras de Tourinho Filho (2002, p. 215-216, grifo do autor):

Provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. Entende-se também, por prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio juiz, visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos. É o instrumento de verificação do thema probandum. Às vezes, emprega-se a palavra prova com o sentido de ação de provar. Na verdade, provar significa fazer conhecer a outros uma verdade conhecida por nós. Nós a conhecemos; os outros não. Cumpre-nos, então, se quisermos provar, isto é, se quisermos tornar conhecida de outros a verdade de que temos ciência, apresentar os necessários meios para que dela tomem conhecimento.

Para Capez (2003, p. 251, grifo do autor):

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.

Paulo Rangel (2009, p. 419, grifo do autor):

A prova, assim, é a verificação do thema probandum e tem como principal finalidade (ou objetivo) o convencimento do juiz. Tornar os fatos, alegados pelas partes conhecidos do juiz, convencendo-o de sua veracidade. Portanto, o principal destinatário da prova é o juiz; porém, não podemos desconsiderar que as partes são também interessadas e, consequentemente, destinatárias indiretas das provas, a fim de que possam aceitar ou não a decisão judicial final como justa. A irresignação das partes em aceitar como expressão da verdade a decisão judicial fundamentada em determinado material probatório é que irá, em princípio, motivar o exercício ao duplo grau de jurisdição. Assim, primordialmente, as provas destinam-se ao juiz e, secundariamente, às partes.

A função da prova refere-se aos próprios fatos em si, ou seja, aquilo que deve

ser demonstrado, o fato material, considerando a autoria, circunstâncias, tanto as

objetivas como as subjetivas, de uma forma abrangente, em todos os sentidos,

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visando apurar a responsabilidade penal de determinado agente, ou então, ao

contrário, demonstrar de forma inequívoca a sua inocência. (SILVA JÚNIOR, 2000).

Neste sentido, a prova não tem a finalidade única de incutir a alguém uma

sanção penal, não é ela formada com o exclusivo cunho condenatório, mas também

deve ser fomentada para apontar a inocência, e assim evitar decisões condenatórias

infundadas. (SILVA JÚNIOR, 2000).

O objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fato conhecido do juiz, convencendo-o da sua existência. (TOURINHO FILHO, 2002, p. 216).

Como já referenciado, a prova é um direito das partes, direito esse que irá dar

vivacidade ao princípio do contraditório, e assegurar que possam ser ouvidas em

juízo e terem examinadas as suas suscitações, em suma, reclamar dos órgãos

jurisdicionais a atenta consideração aos argumentos e provas trazidos à baila

processual. (FERNANDES, 2002).

Por outra banda, como é por intermédio das provas que se busca demonstrar

a ocorrência ou inocorrência dos fatos, e dúvidas que surgem no decorrer do

processo em comparação com a verdade objetiva, tem-se entendimento que não

haveria nenhuma restrição a sua produção, mas isso demonstra-se

desaconselhável, tendo em vista aquelas obtidas por meio ilícito. (CINTRA;

GRINOVER; DINAMARCO, 2003).

A experiência indica, todavia, que não é aconselhável a total liberdade na admissibilidade dos meios de prova, ora porque não se fundam em bases cientificas suficientemente sólidas para justificar o seu acolhimento em juízo (como o chamado soro da verdade); ora porque dariam perigoso ensejo a manipulações e fraudes (é o caso da prova exclusivamente testemunhal para demonstrar a existência de contrato de certo valor para cima) [...] ora porque ofenderiam a própria dignidade de quem lhes ficassem sujeito, representando constrangimento pessoal inadmissível (é o caso da tortura, da narcoanálise, do detector de mentiras, dos estupefacientes etc.). (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003, p. 349).

O art. 5º, LVI, da Constituição Federal dispões que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Daí advém a expressão “prova proibida, defesa ou vedada”, entendendo-se como tal toda aquela que não pode ser admitida nem valorada no processo. Discute-se qual seria

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o alcance da expressão “provas obtidas por meios ilícitos”. Entendemos que prova vedada ou proibida é aquela produzida em contrariedade a uma norma legal específica, e, portanto, de forma ilícita. A prova vedada comporta duas espécies distintas: (a) prova ilegítima e (b) prova ilícita. (CAPEZ, 2003, p. 253-254, grifo do autor).

Neste viés, a prova como os olhos do processo, deve ser demonstrada de

forma lícita, dentro dos princípios constitucionais, para que possa ser aceita na sua

plenitude, e assim gerar no julgador um juízo necessário para resolver o litígio a

partir das alegações trazidas à discussão no decorrer do processo, visando

demonstrar que o fato ora apurado é verdadeiro ou inverídico.

2.1.2 Princípios da prova

Sabe-se que princípio é onde alguma coisa tem a sua origem, ou ainda como

característica determinante de algo, aquilo que lhe diferencia das outras coisas. Com

a prova não é diferente, pois dentro do universo jurídico e dos princípios que dão

fundamento aos mais variados elementos que a compõe, também é regida por

determinados princípios.

Em muitas situações, há a necessidade de se compreender a correta

designação da palavra princípio, neste sentido o dicionário Aurélio: “Momento ou

local ou trecho em que algo tem origem; Causa primária; elemento predominante na

constituição de um corpo orgânico”

Desta forma, os princípios que regem o direito processual (penal) constituem o marco inicial de construção de toda a dogmática jurídico-processual (penal), sem desmerecer e reconhecer os princípios gerais do direito que lhe antecedem. Porém nosso escopo são aqueles. As respostas para determinados problemas que surgem no curso de um processo criminal, estão muitas vezes nos princípios que o informam, porém, o intérprete ou aplicador da norma não os visualiza, dando interpretações ou aplicando normas em contraposição aos elementos primários de constituição do processo. (apud RANGEL, 2009, p. 3, grifos do autor).

Por esta ótica, são apontados, por Mirabete (2003) como princípios

específicos que regem as provas os princípios da auto-responsabilidade das partes,

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do contraditório, da aquisição ou da comunhão, da oralidade, da concentração e do

livre convencimento motivado:

Podem ser apontados, afinal, os princípios que regem as provas. Há o princípio da auto-responsabilidade das partes , em que estas assumem e suportam as conseqüências de sua inatividade, negligência, erro ou atos intencionais. [...] Princípio da audiência contraditória , toda a prova admite a contraprova, não sendo admissível a produção de uma delas sem o conhecimento da outra parte (princípio do contraditório). [...] Princípio da aquisição ou comunhão , a prova produzida não pertence à parte que a produziu, servindo a ambos os litigantes e ao interesse da justiça. [...] Princípio da oralidade , deve haver predominância da palavra falada. [...] Como conseqüência do princípio da oralidade busca-se concentrar toda a produção da prova na audiência (princípio da concentração ). [...] Princípio da publicidade [...] quanto à apreciação da prova o princípio do livre convencimento motivado . (MIRABETE, 2003, p. 266, grifo do autor).

Então, visando a buscar a compreensão sobre a prova dentro do processo

penal, e também utilizá-la de forma adequada, é muito importante que se conheça

os princípios que a informam. (SILVA JÚNIOR, 2000).

Sabe-se que o processo penal é contraditório , de modo que a prova produzida em seu curso deve resultar da atividade de ambas as partes, uma vez que não pode somente uma das partes possuir o direito de se manifestar nos autos. [...] é o princípio da atividade processual contraditória. [...] Os meios de prova podem ser usados, pelo menos em princípio, de maneira ampla, mas possuem limitações nesse uso [...] que consagra o princípio da amplitude do uso das provas. [...] O princípio do ônus da prova pode ser traduzido na frase – “quem alega, prova”. [...] de fato, não basta fazer simplesmente a alegação nos autos, é necessário provar a alegação feita e incumbência pertence àquele que alegou. [...] pelo princípio da aquisição ou da comunhão das provas , temos que a prova realizada no processo não pertence às partes [...] pertence à justiça, podendo ser usada por qualquer uma das partes e, principalmente pelo juiz que irá julgar o caso. [...] Princípio do livre convencimento do juiz , com a seguinte redação: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.” [...] O princípio da oralidade , pelo qual a maioria da prova deve ser feita oralmente. [...] Princípio da auto-responsabilidade das partes , pelo qual elas são as únicas responsáveis pelas conseqüências de seus próprios atos. E, o princípio da publicidade , também informador do próprio processo em si. (SILVA JUNIOR, 2000, p. 117-118, grifo do autor).

Nas palavras de Norberto Cláudio Pâncaro Avena (2006, p. 136-137, grifo do

autor):

Princípio do contraditório: significa que toda prova realizada por uma das partes admite a produção de uma contraprova pela outra. [...] Assim, se uma das partes arrolou testemunhas, tem a outra o direito de contraditá-las, de inquiri-las e também de arrolar as suas. Princípio da comunhão: Uma vez trazidas aos autos, às provas não mais pertencem à parte que as acostou, mas sim ao processo, podendo, desse modo, ser utilizadas por quaisquer

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intervenientes. [...] Princípio da oralidade: tanto quanto possível, as provas devem ser realizadas oralmente, em presença do juiz, sempre em conformidade com a determinação legal. [...] subprincípio da concentração: [...] deve buscar concentrar a produção probatória em audiência [...] Subprincípio da publicidade: considerando a importância das questões tratadas no âmbito criminal, nada mais correto do que sejam elas tratadas publicamente. [...] Subprincípio da imediação: traduz-se como a necessidade de assegurar ao juiz o contato físico coma prova no ato de sua produção, para que nelas baseie sua convicção. Princípio da auto-responsabilidade das partes: através desde princípio, infere-se que as partes assumirão as conseqüências de sua inatividade, erro ou negligência.

A doutrina mostra-se pacífica quanto aos princípios que norteiam a prova,

com algumas diferenças mínimas, mas no contexto geral, traduzem os mesmos

princípios.

2.1.3 Principais espécies de prova

Os meios de prova compreendem tudo aquilo que possa, de forma direta ou

indireta, ser usado para demonstrar a verdade, objetivo principal do processo, assim

pode ter a prova à forma documental, pericial, testemunhal, entre outras. (CAPEZ,

2003).

Meios de prova são todos aqueles que o juiz, direita ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não. Em outras palavras, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam. O depoimento da testemunha é o meio de prova de que se utiliza o juiz para formar sua convicção sobre os fatos controvertidos. A inspeção judicial é o meio de prova. O indicio é um meio de prova. Enfim, tudo aquilo que o juiz utiliza para alcançar um fim justo no processo é considerado meio de prova. (RANGEL, 2009, p. 420).

Sabe-se que vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, e

neste sentido não se cogitaria a qualquer espécie de limitação a produção da prova,

sob pena de ver frustrado o interesse do Estado na aplicação da lei, tanto é verdade

que há unanimidade entre a doutrina e a jurisprudência que os meios de provas

elencados nos arts. 185 e 239 são meramente exemplificativos, podendo assim

existir outros meios de produção probatória distintos. (CAPEZ, 2003).

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Também é sabido que essa liberalidade na produção probatória não é

absoluta, pois se deve respeitar algumas restrições, e imposições legais, como por

exemplo a exigência de corpo de delito para infrações que deixarem vestígios,

observar as mesmas exigências e formalidades da lei civil para provas relacionada

ao estado das pessoas, vedação daquelas obtidas por meio ilícito etc. (CAPEZ,

2003).

Vigorando no Processo Penal o princípio da verdade real, é lógico não deva haver qualquer limitação à prova, sob pena de ser desvirtuado aquele interesse do Estado na justa atuação da lei. [...] Apesar disso, os códigos de Processo Penal, em sua maioria, estabelecem restrições quanto à prova. Não vigora, como se poderia pensar, o absoluto princípio da liberdade de prova. [...] Aqueles que defendem a tese da taxatividade [...] fazem-no receosos de se permitir o uso de provas que possam repugnar “al nostro sendo morale” e que possam afetar a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, os que defendem a tese da não-taxatividade fazem restrição a todo e qualquer meio de prova que atente contra a moralidade ou viole o respeito à dignidade humana. Sendo assim, podemos afirmar que a tendência, hoje, é no sentido de se abolir a taxatividade, tendo-se, contudo, o cuidado de se vedar qualquer meio probatório que atente contra a moralidade ou violente o respeito à dignidade humana. (TOURINHO FILHO, 2002. P. 221-222, grifo do autor).

Na lição de Mirabete (2003, p. 258-259, grifo do autor):

No tocante a sua forma ou aparência, as provas podem ser documentais, testemunhais e materiais (corpo de delito, exames, vistorias, instrumentos do crime etc.). Meios de prova são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade: depoimentos, perícias, reconhecimentos etc. Como no processo penal brasileiro vige o princípio da verdade real, não há limitação dos meios de prova.

As principais espécies de provas se apresentam em três blocos, sendo elas a

testemunhal, prova documental, e prova pericial.

O homem de forma genérica, no decorrer do seu viver, presencia inúmeros

fatos e episódios durante sua vida, isso a cada momento. Esses acontecimentos

podem dar guarida a decisões judiciais, quando do interesse da justiça, pois o

ocorrido foi levado ao processo. Neste sentido a testemunha pode ser arrolada por

fato que viu, ou lhe foi relatado por pessoa digna de confiança. (MIRABETE, 2003).

A prova testemunhal é colhida através da declaração de uma pessoa, a

respeito de determinado fato que possua conhecimento, ou ainda, com relação a

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aspectos ligados a outra pessoa. A sua elaboração produz prova relevante ao

processo, pois na maioria dos casos a verificação da autoria delitiva e a

materialidade dependem do depoimento de testemunhas. (FERNANDES, 2003).

Testemunha é a pessoa que conhece alguma coisa em relação aos fatos e, como verdadeira auxiliar da justiça, empresta esse conhecimento para a elucidação da verdade. Toda pessoa pode ser testemunha e isto acaba se tornando um dever de todos. Porém, apesar de ser um dever, existem pessoas que estão isentas de prestar o seu testemunho e outras que estão proibidas de fazê-lo. [...] Observa-se que na maioria dos processos, é a prova testemunhal que possui uma influência muito grande na decisão da causa, logo, dadas as circunstâncias em que o testemunho é prestado, o julgador deverá ser muito cuidadoso num sentido amplo, demonstrando também um fato analisar e bem sopesar o caso e a prova. (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 125-126).

Como a prova, no processo, tem por fim demonstrar a verdade de determinados fatos, é muitas vezes indispensável que sejam ouvidas as pessoas que os presenciaram, no todo ou ao menos em parte. Essas pessoas passam a ser testemunhas do fato. No sentido legal, testemunha é a pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga no processo penal ou as que são chamadas a depor, perante o juiz, sobre suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados ao acusado. Isto porque, o conhecimento da testemunha a respeito dos acontecimentos lhe é fornecido pelos seus sentidos, em especial a visão e a audição, não se podendo excluir, também, em determinadas hipóteses, o paladar, o olfato e o tato. (MIRABETE, 2003, p. 292).

No entendimento de Rômulo de Andrade Moreira (2009, p.1):

A testemunha, em sentido próprio, é uma pessoa diversa dos sujeitos principais do processo (podemos dizer, um terceiro desinteressado) que é chamado em juízo para declarar, positiva ou negativamente, e sob juramento, a respeito de fatos que digam respeito ao julgamento do mérito da ação penal, a partir da percepção sensorial que sobre eles obteve no passado.[...] O testemunho é um meio de prova disciplinado pelos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em vista o sistema de apreciação de provas do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas.

Conforme Tourinho Filho (2002, p. 296, grifo do autor):

A palavra testemunha, segundo alguns autores, deriva de testando e, segundo outros, de testibus, que equivale a dar fé da veracidade de um fato. Vin Kries define as testemunhas como terceiras pessoas chamadas a comunicar ao julgador suas percepções sensoriais extraprocessuais. Em outros termos, mas guardando o mesmo sentido, diz Manzini que testemunho é a declaração, positiva ou negativa, da verdade feita ante o magistrado penal por uma pessoa (testemunha) distinta dos sujeitos principiais do processo penal sobre percepções sensoriais recebidas pelo

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declarante, fora do processo penal, a respeito de um fato passado e dirigida à comprovação da verdade.

Na doutrina há apontamento que a prova testemunhal deve ser colhida

observando algumas características, sendo a judicialidade do ato, o depoimento

deve ser prestado em juízo, mesmo que outrora prestado em outras situações fora

do processo, como é o caso do Inquérito Policial. A oralidade, uma vez que o

depoimento é em viva voz. Objetividade, pois a testemunha deve restringir-se aos

fatos, não podendo declarar sua opinião, ou prestar juízo de valor.

Retrospectividade, visto que irá falar sobre fatos passados. (MIRABETE, 2003).

Em segundo lugar, tem-se a forma pericial de produção probatória, a qual

consiste na análise por pessoa dos mais variados elementos, coisas, lugares etc.

que irão dar subsídio ao magistrado quando do julgamento da causa.

Nesta ótica, escreve Capez (2003, p. 272, grifo do autor):

O termo “perícia”, originário do latim peritia (habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimento técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua párea de conhecimento profissional. Só pode recair sobre circunstâncias ou situações que tenham relevância para o processo, já que a prova não tem como objeto fatos inúteis.

A perícia trata-se de um exame realizado por peritos, pessoas que detém

conhecimento específico da matéria questionada.

No ensinamento de Silva Júnior (2000, p. 119):

A perícia é um exame feito por peritos, ou seja, por especialistas na matéria, porquanto o assunto em questão depende de conhecimentos técnicos. O exame de corpo de delito é indispensável, quando a infração deixar vestígios, não podendo supri-lo a confissão do acusado. [...] Logo, o exame realizado sobre estes vestígios é o exame de corpo de delito, que permite demonstrar a materialidade da infração, isto é, a prova da ocorrência material da infração penal. Se a infração deixar vestígios e não for feito o exame de corpo de delito, seja ele direto ou indireto, não restará demonstrada a materialidade dessa infração.

Ministra também Fernandes (2003, p. 81-82, grifo do autor):

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A prova pericial é aquela decorrente do exame realizado sobre fatos ou pessoas por quem possui conhecimento técnico, ou seja, por perito. Importantíssima prova pericial do processo penal é a produzida pelo exame de corpo de delito. [...] Também em relação à prova pericial em geral e no tocante ao exame do corpo de delito impõe-se a observância das exigências decorrentes do direito à prova e que se manifestam por meio dos seguintes direitos: a) direito de requerer a produção da prova pericial; b) direito de apresentar quesitos para a realização da prova; c) direito de acompanhar a colheita de elementos pelos peritos para a elaboração do laudo, se, pela natureza da perícia, isso for possível; d) direito de se manifestar a respeito da prova produzida, podendo requerer nova perícia, sua complementação ou esclarecimento dos peritos; e) direito a que o juiz examine a prova produzida, e leve em conta o pronunciamento da parte a seu respeito.

No site Wikipédia (2011, p.1, grifo do autor) a prova pericial está assim

disciplinada:

Perícia, segundo o glossário do Instituto Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias de Engenharia da Paraíba (IBAPE/PB), é a atividade concernente a exame realizado por profissional especialista, legalmente habilitado, destinada a verificar ou esclarecer determinado fato, apurar as causas motivadoras do mesmo, ou o estado, a alegação de direitos ou a estimação da coisa que é objeto de litígio ou processo. Dentre os vários meios produtores de prova no direito, a perícia se destaca como um meio especial, na qual o concurso de um profissional especialista na área em questão faz-se necessário para o esclarecimento de fatos técnicos. A crescente e continuada complexificação de nossa sociedade tecnológica exige cada vez mais a tradução do que é técnico de forma a ser entendido por todos. A análise técnica do caso irá trazer à luz a veracidade de fatos ou circunstâncias. A perícia pode ter várias naturezas, a depender de seu objeto de estudo: pode ser criminal, de engenharia, ambiental, de medicina, de tecnologia, enfim, dos mais variados ramos em que o concurso do conhecimento técnico se faça necessário. Em direito, perícia é um meio de prova em que pessoas qualificadas tecnicamente (os peritos), nomeadas pelo juiz, analisam fatos juridicamente relevantes à causa examinada, elaborando laudo. É um exame que exige conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos a fim de comprovar (provar) a veracidade de certo fato ou circunstância. Para auxiliar as partes nas questões técnicas, poderá haver o profissional denominado "assistente técnico", também profissional, que acompanhará, avaliará e discutirá tecnicamente os trabalhos periciais.

Na visão de Mirabete (2003, p. 267, grifo do autor):

Não possuindo o juiz conhecimento enciclopédicos e tendo de julgar causas das mais diversas e complexas, surge à necessidade de se recorrer a técnicos e especialistas que, por meio de exames periciais, com suas descrições e afirmações relativas a fatos que exigem conhecimentos especiais, elucidam e auxiliam no julgamento. Entende-se por perícia o exame procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou práticos acerca dos fatos, circunstâncias objetivas ou condições pessoais inerentes ao fato punível a fim de comprová-los. A perícia não é um simples meio de prova. O perito é um apreciador técnico, assessor do juiz, com uma função estatal destinada a fornecer dados instrutórios de ordem técnica e a proceder à verificação e formação do corpo de delito.

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Em suma, a prova pericial é um meio pelo qual pessoas entendidas em

determinado assunto, vislumbram fatos interessantes ao processo penal, e por

conseqüente transmite-os ao juiz, isso através de laudo pericial, onde respondem a

quesitos (perguntas) elaborados. Assim o julgador pode ter acesso a conhecimentos

técnicos de relevância processual, sobre fatos que não fazem parte de sua

compreensão.

Por terceiro tem-se a prova documental, a qual apresenta dificuldades aos

operadores do direito relativo ao seu estudo, tanto quanto na quantidade que são

elencadas, quanto nas suas definições. As provas documentais podem ser em

sentido amplo como estrito. (TOURINHO FILHO, 2002, p. 339).

Em seu sentido estrito, prova documental, restringe-se aos escritos, e nesse

viés que o legislador usou a expressão documento, no capítulo IX do Título VII do

Livro I do CPP, conforme dispões o artigo 232, porém nos dias atuais, com a

evolução de modo geral, há que se considerar outros documentos aptos a servirem

como meio de prova documental. (TOURINHO FILHO, 2002, p. 339).

Como se percebe, o legislador processual penal restringiu ao máximo o conceito de documento, para considerar como tal apenas os escritos. E a fotografia? A fonografia? A cinematografia? A microfotografia? Os desenhos e esquemas não são, por acaso, documentos? Se o documento é qualquer coisa representativa de um fato, como bem disse Carnelutti, tanto poderá ser documento uma carta como um traslado, um desenho ou uma fotografia, uma pintura ou um disco. Tanto isso é exato que se costuma dividir os documentos levando-se em conta o meio de sua formação: escritos, gráficos e diretos. (TOURINHO FILHO, 2002, p. 339, grifo do autor).

No ensinar de Avena (2006, p. 258, grifo do autor):

O art. 232 do Código de Processo Penal define documento como escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Na atualidade, porém, vem-se considerando como documento em sentido amplo tudo aquilo capaz de retratar determinada situação fática, ainda que o seja por meio de áudio ou vídeo, v.g., uma fita cassete contendo sons ou um compact disk com imagens relativas ao fato imputado. Qualquer coisa, enfim, capaz de representar um ato ou um fato. Tal amplitude é importante, pois, na medida em que se consideram como documentos, tais elementos, sua juntada aos autos deve seguir as mesmas regras atinentes à da prova documental.

Para Capez (2003, p. 302, grifo do autor):

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Atualmente, lança-se mão de um conceito mais amplo, segundo o qual os documentos compreendem não só os escritos, mas também qualquer forma corporificada de expressão do sentimento ou pensamento humano, tais como a fotografia, a filmagem, a gravação, a pintura, o desenho etc. O art. 306 do anteprojeto de Código Penal, de forma mais técnica afirma que “equipara-se a documentos, para efeitos penais, a representação de fato ou circunstâncias juridicamente relevante, mediante processo técnico, mecânico, ou qualquer outro meio.

Aprofundando o tema posiciona-se Mirabete (2003, p. 312, grifo do autor):

Como já visto, em sentido estrito, documento (de doceo, ensinar, mostrar, indicar) é o escrito que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. Para Carlos Rubianes, como meio de prova no processo penal, é a coisa, papel ou outro material, sobre o qual o homem, mediante inscrição manuscrita ou qualquer forma semelhante de expressão gráfica, expõe um pensamento, vontade ou sentimento, narra um fato vivido ou experiência, ou acontecimentos relativos a outras pessoas, ou se comunica com outros homens, ou registra atos ou fatos capazes de produzir efeitos jurídicos [...] Hoje, porém, a prova documental não se limita ao escrito, em que há uma representação indireta daquilo que se quer provar, pois existem as provas fotográficas, fonográficas, cinematográficas e a feita por videograma, em que a representação é direta. Lembre-se ainda a prova produzida por pintura, desenho, composição musical etc.

Neste sentido a prova documental, reproduz qualquer manifestação do ser

humano, desde que devidamente registrado, que podem ser escritos, ou dotados de

outras particularidades, como é o caso do desenho, áudios, vídeos, os quais podem

ter efeitos jurídicos.

2.1.4 A gestão da prova

Verifica-se que o ato de gerir a prova, trata-se na capacidade de administrar

ato alheio. Neste sentido, o juiz como presidente do processo administra a prova

produzida pelas partes. Entretanto, sabe-se que o magistrado não é mero

espectador e pode agir de ofício, visando à busca da verdade real, fato questionado

por alguns doutrinadores, qual seja sua atividade probatória, o que não se sintoniza

com o sistema acusatório.

Conforme o Código de Processo Penal:

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Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008). Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008). I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

No processo penal acusatório, depois de oferecida a denúncia, cabe as partes

darem sustentabilidade as alegações apresentadas em juízo. Assim, cabe ao

acusador demonstrar a prova do ato bem como sua autoria, as circunstâncias que

causam o aumento da pena e as qualificadoras etc. Com relação ao acusado, cabe

apontar às circunstâncias que desclassificam o crime, como antijuridicidade,

culpabilidade e punibilidade, além atenuantes, minorantes, culpa ou dolo dentro de

suas especificações e a inocência. (MIRABETE, 2003).

Porém, quando essa demonstração das partes vê-se prejudicada, pode o

julgador determinar diligências de ofício, desde que para dirimir dúvida sobre ponto

relevante. (MIRABETE, 2003).

A regra de que o ônus da prova da alegação incumbe a quem a fizer não é, alias absoluta, pois “o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante” (art. 156, 2ª parte) ou “ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade. [...] a autorização legal para a iniciativa do juiz na produção de prova evidentemente não permite que determine investigação por mero capricho, que exponha terceiro a vexames ou humilhações ou que, vencendo os limites do admissível, venha a provocar diligência arbitrária, sem qualquer vínculo com os fatos e as demais provas dos autos. (MIRABETE, 2003, p. 264-265, grifo do autor).

Para Marcelo Lessa Bastos (2008, p. 1-2):

Os arts. 155 e 156 do Código de Processo Penal, recentemente alterados pela Lei nº 11.690/08, mantiveram o poder instrutório do Juiz no Processo Penal, embora o tenham retirado da condição de protagonista e o colocado na condição de coadjuvante, privilegiando a atuação das partes, como protagonistas principais, no duelo probatório. No entanto, o Juiz se mantém capaz de, subsidiariamente, buscar a verdade dos fatos que são levados ao

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seu conhecimento pelas partes e submetidos à sua decisão, sem que isto tenha o condão de comprometer o sistema acusatório, o princípio da inércia ou o princípio da imparcialidade do julgador, regras que estão preservadas, em que pese a alteração legislativa. O processo penal moderno não comporta a figura de um Juiz indiferente ao reflexo de sua sentença sobre os fatos da vida, mas exige um Juiz que busque aproximá-la, dentro dos meios lícitos de que dispõe, o mais que for possível do exato retrato do que realmente aconteceu.

Quanto à participação do juiz na produção probatória, a doutrina não é

pacifica, pois com a alteração do art. 156 CPP, dizem alguns que se perdeu a

oportunidade de afastar do processo o juiz instrutor, desta forma continua-se ferindo

o sistema acusatório, eis que o juiz não estaria completamente alheio a prova, mas

envolvido na sua produção, por conseqüência perdendo parte de sua parcialidade.

Por outra banda outros afirmam que, como a participação probatória do juiz é

sobre matéria especifica, não estaria o julgador interferindo na gestão da prova, pois

sua interferência é apenas para dirimir uma dúvida, a qual fomentada durante o

processo pelas partes.

Esclarece Joaquim Leitão Jr, em seu artigo gestão de prova no processo

penal (2009, p. 1):

Em que pese muitos juízes na prática, com a devida vênia, ignorar a produção probatória, ao nosso ver, a forma de gestão de prova na seara processual penal da maneira que estava posta era totalmente afrontosa ao espírito do sistema acusatório garantista. O cross examination advindo com novel Lei 11.690/2008 reforça nossa argumentação de que compete às partes protagonizarem a gestão de provas e não o juiz, mantendo assim, a imparcialidade deste ao deliberar sobre a matéria posta. Como se observa, na fase processual, a gestão da prova deve estar nas mãos das partes, impedindo que o juiz não tenha iniciativa probatória, mantendo-se assim supra-partes e preservando igualmente a imparcialidade do julgador. O modo estabelecido na nossa sistemática torna incoerente e inexplicável colocar o núcleo da iniciativa da prova sob o poder do judicante, por deixar em risco a imparcialidade deste. A explicação é óbvia, já que ao gerir a prova pode surgir no magistrado o interesse de fazer prevalecer sua convicção inicial probatória maculando a sua imparcialidade. Não pode sobre o pretexto da busca da verdade real violar o espírito do sistema acusatório que é a essência de todo o garantismo. Claramente, não se pode desprezar a verdade real, no entanto, deve-se compatibilizar ambos, a fim de que prevaleça o sistema acusatório.

Num pensamento mais favorável ao poder instrutório do julgador ministrar

Avena (2006, p. 143-144):

58

Na 2ª parte do art. 156, reza o Código “o juiz poderá no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”. Completando o sentido jurídico desta regra, estabelece o art. 502 do Código de Processo Penal que poderá o magistrado, antes da sentença, “ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade”. Tais regras constituem corolário da verdade real, princípio este que inspira o processo criminal. Ora, se a prova dirige-se ao juiz, visando a formação de seu convencimento quanto aos fatos alegados pelas partes, seria inconcebível estivesse ele vinculado, apenas, às provas requeridas ou produzidas pelas partes. Necessário, contudo, que se acautele o magistrado na utilização desse, seu poder, ordenando a produção de provas apenas em caráter supletivo, vale dizer, quando, a partir dos elementos trazidos pelas partes, surgirem dúvidas.

Por outro lado, há severas críticas aos poderes instrutórios dados legalmente

ao juiz, ao ponto de considerar o sistema processual brasileiro como inquisitório,

nesta esteira aponta a lição de Lopes Jr. (2006, p. 180-182, grifo do autor):

A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema, explica FERRAJOLI, está inevitavelmente condicionada por juízos de valor, por conta do nexo que sem duvida cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo garantista e, por outro lado, entre sistema inquisitório, modelo autoritário e eficácia repressiva. Nesse contexto, dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios, como o famigerado art. 156 do CPP, expressam a doção do princípio inquisitivo, que funda um sistema inquisitório, pois representam uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. [...] Dessarte, fica fácil perceber que o processo penal brasileiro é inquisitório, do iníco ao fim, e que isso deve ser severamente combatido, na medida em que não resiste à necessária filtragem constitucional. Sempre se reconheceu o caráter inquisitório da investigação preliminar e da execução penal, encobrindo o problema da inquisição na fase processual.

Neste aspecto, acrescentando mais ao seu descontentamento com a gestão

da prova aferida ao magistrado, posiciona-se Lopes Jr. (2009, p. 72-73, grifo do

autor):

Com relação à separação na formação do sistema de acusar e julgar, trata-se realmente de uma nota importante na formação do sistema. Contudo, não basta termos uma separação inicial, com o Ministério Público formulando a acusação e depois, ao longo do procedimento, permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora, como, por exemplo, permitir que o juiz de ofício determine uma prisão preventiva (art. 311), uma busca e apreensão (art. 242) [...] Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se, depois, o juiz assume um papel claramente inquisitorial. O juiz deve manter uma posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o processo.

59

Ainda contrapondo a nova redação do CPP introduzida pela Lei n.º 11.690/08,

Rangel (2009, p. 455-460, grifo do autor):

A palavra ônus vem do latim ônus, oneris, que significa carga, peso, fardo, encargo, aquilo que sobrecarrega. Sob o ponto de vista processual, podemos dizer que ônus é o encargo que as partes têm de provar as alegações que fizeram em suas postulações. Trata-se de uma obrigação para consigo mesmo que, se não for cumprida, ninguém, a não ser o encarregado, sairá prejudicado. [...] Há que se interpretar a regra do ônus da prova à luz da constituição, pois se é cediço que a regra é a liberdade (art. 5º, XV, da CRFB) e que, para que se possa perdê-la, dever-se-á observar o devido processo legal e dentro deste encontra-se o sistema acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal, dando-se ao Ministério público, para a defesa da ordem jurídica, a totalidade do ônus da prova do fato descrito na denúncia. [...] O art. 156 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei 11.690/08, mantém o poder instrutório nas mãos do juiz. [...] Em uma estrutura acusatória de processo penal não há espaço para o magistrado ter a gestão da prova, em especial antes de iniciada a ação penal, como autoriza o inciso I, em comento. Colocar o juiz agindo ex officio na colheita da prova é contaminar sua (aparente e imaginária) imparcialidade e pior: o juiz, agora, poderá ordenar de ofício tanto na fase policial como judicial as diligências que entender cabíveis.

Portanto a conclusão aponta para o seguinte vértice, estando a gestão da

prova nas mãos do juiz julgador, há formação de um processo sob os alicerces do

sistema inquisitório, o que colocaria em cheque a imparcialidade do juiz ao proferir

sua sentença, tendo em vista sua participação na produção probatória.

2.2 Provas repetíveis e irrepetíveis

O artigo 6º do CPP orienta que tão logo a Autoridade Policial tenha

conhecimento da prática de algum crime, deve providenciar o isolamento de local,

sua conservação, tendo em vista a realização de procedimentos de ordem

investigativa, tais como: perícias, exames, apreensão de objetos que interessem a

investigação, e que possuam valor probatório, além da oitiva dos envolvidos.

Entretanto, há provas que são realizadas nesta fase que podem ser repetidas em

juízo e outras não. (GRECO FILHO, 2010).

Na lição de Lopes Jr. (2008, p. 279, grifo do autor):

60

O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e esta limitação está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório.

Neste viés, aponta Lopes Jr (2009) que as provas de cunho renováveis, ou

repetíveis, como a testemunhal, reconhecimentos etc, para ingressarem no mundo

valorativo do processo e serem consideradas na sentença, devem ser reproduzidas

em juízo, com a participação da defesa e acusação, levando em consideração a

forma de produção dessas provas e assegurados as garantias constitucionais.

Assim, as provas produzidas durante a investigação criminal, devem no

decorrer do processo ser repetidas, ou seja, confirmadas em juízo, na presença do

julgador, das partes, e sob a orientação dos princípios do contraditório e da ampla

defesa. Por outro lado, na esfera investigativa, há a produção probatória que não

pode ser confirmada na esfera judicial, especialmente àquelas de cunho pericial.

Nesta esteira explica Lopes Jr (2008, p. 281-282, grifo do autor):

As provas não-repetívies ou não-renováveis são aquelas que, por sua própria natureza, têm que ser realizadas no momento do seu descobrimento, sob pena de perecimento ou impossibilidade de posterior análise. Na grande maioria dos casos, trata-se de provas técnicas que devem ser praticadas no curso do inquérito policial e cuja realização não pode ser deixada para um momento ulterior, já na fase processual.

Entretanto o professor Lopes Jr. (2009, p. 299-300, grifo do autor) posiciona-

se da seguinte forma em relação às provas não renováveis ou irrepetíveis:

Pela impossibilidade de repetição em iguais condições, tais provas deveriam ser colhidas pelo menos sob a égide da ampla defesa (isto é, na presença fiscalizante da defesa técnica), posto que são provas definitivas e, via de regra, incriminatórias. [...] Neste sentido, é importante permitir a manifestação da defesa, para postulação de outras provas; solicitar determinado tipo de análise ou de meios; bem como formular quesitos aos peritos, cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do ato ou da autoria. O incidente de produção antecipada da prova é uma forma de jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito, através da prática do ato ante uma autoridade jurisdicional e com plena observância do contraditório e do direito de defesa.

Então, expondo o pensamento com maior contundência a respeito do tema,

Lopes Jr. (2009, p. 300) afirma que:

61

Excepcionalmente, frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos no inquérito policial, o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente esta prova, através de um incidente: produção antecipada de prova. Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez, na fase pré-processual, e como tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova, é dizer valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual.

Neste sentido, segundo a lição de Lopes Jr., a produção antecipada de

provas é a única possibilidade de tornar válida processualmente a produção de uma

prova técnica que, posteriormente, não poderá ser repetida na fase processual e

necessariamente servirá de base à valoração de futura sentença judicial. Entende-se

como produção antecipada a manifestação da defesa, propondo quesitos e

solicitando outras análises.

Para Moreira (2009, p.1):

Prova irrepetível é aquela que não pode mais ser reproduzida em Juízo, em razão, por exemplo, de terem desaparecidos os vestígios do crime, o que impossibilitará a realização de um novo exame de corpo de delito (ressalvando-se, como dito, a possibilidade de contestação do laudo pericial realizado, mesmo porque, segundo o art. 182 do Código de Processo Penal, não se trata de um meio de prova de idoneidade absoluta); outro exemplo é o depoimento da vítima prestado durante o inquérito policial, quando esta já tenha falecido na época da instrução criminal.

Verifica-se que tanto as provas renováveis como as não renováveis integram

um procedimento probatório, que nada mais é do que um conjunto de atos visando a

buscar através do processo a verdade processual ou a história a ela inerente,

formando convencimento do juiz sobre a questão posta a seu julgamento. Então visa

estabelecer, o mais que possível a certeza dos fatos objeto do caso penal. (

RANGEL, 2009).

Sobre a produção probatória aponta Rangel (2009, p. 464-472, grifo do autor):

É o momento em que as partes exercerão o contraditório sobre os meios de provas que foram eleitos pelas partes. É o momento de maior tensão probatória em, que as partes, dentro do justo processo, discutem a veracidade, a idoneidade, a credibilidade e a legalidade das provas. [...] Há provas que, em verdade, não se reproduzem em juízo, mas, sim, na fase do inquérito policial; são as chamadas provas não renováveis, como, por exemplo, a prova pericial. [...] O Art. 155 ressalta que o juiz não poderá

62

fundamentar sua decisão, exclusivamente, nos elementos informativos colhidos na investigação. [...] A palavra exclusivamente significa dizer que o juiz não deve levar em consideração, em sua sentença, as informações contidas no inquérito policial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. [...] Provas não repetíveis são aquelas que não se renovam em juízo, tais como: exame pericial, exceto o complementar; auto exame cadavérico; exame de corpo de delito. São provas realizadas apenas na fase de inquérito. Nesse caso poderá o juiz fundar sua decisão nessas provas.

Já na visão de Jeferson Botelho (2009, p. 1):

Provas não repetíveis: São aquelas que não poderiam ser novamente produzidas no curso do processo. Ex.: Uma testemunha ouvida em IP, mas que vem a falecer antes de ser ouvida em juízo, no momento oportuno. Matéria probatória é a alma do processo. O que ocorre na verdade é apenas uma judicialização das provas produzidas pela Polícia investigativa. Poder Judiciário não investiga nada, mesmo porque não sabe investigar. O que ocorre no processo é apenas uma repetição dispendiosa de atos e fatos processuais. Se houver uma investigação cuidadosa, o Poder Judiciário repete tudo, contrariando a Teoria da boa aplicação do dinheiro público, e depois faz um mero enquadramento da conduta do autor do crime à lei, aplicando uma pena. Nada mais que isso! Se a prova não for boa, a sentença é absolutória. Lá, em nome do contraditório e ampla defesa, há uma tendência natural de destruir as provas edificadas pela Polícia, em detrimento da sociedade.

Para Rogério Rodrigues da Silva e Ana Paula de Pétta (2010, p. 79, grifo do

autor):

As provas produzidas no inquérito policial a princípio não podem ser utilizadas na instrução criminal, ou seja, uma prova produzida no inquérito deve ser novamente produzida na fase da instrução criminal sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Entretanto, temos que ressaltar suas exceções. “As provas produzidas na fase do inquérito policial a princípio podem ser classificadas como: Renováveis ou repetíveis são aquelas consideradas meramente informativas, tais como o depoimento pessoal, que terá validade apenas quando colhido novamente na instrução criminal. Não renováveis ou não repetíveis, consideradas por possuírem o contraditório diferido, a exemplo temos as provas periciais, exame de DNA colhido em local de crime. E por fim temos as provas prontas, ou seja, estão acabadas antes da instauração da persecução penal, logo não há muito que se exigir somente colocá-las à disposição do contraditório.” (CLAUDIO TOVO, 2008, pg.116). Assim podemos dizer que existem provas colhidas na fase inquisitiva que são utilizadas na instrução probatória, sem violar princípios constitucionais.

Pelo que se observa a questão das provas não repetíveis, outrora elaboradas

na fase pré-processual, apresenta três posicionamentos distintos. O primeiro na

linha de Lopes Jr. e Rangel, que não pode haver qualquer valoração destas provas,

a não ser que produzidas como incidente processual, através da produção

63

antecipada de provas, sob a tutela dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Em segundo aqueles que também não as admitem, entretanto, atribuem a ela um

valor relativo, desde que harmônicas com o conjunto probatório. Por derradeiro,

como o exemplo do professor Jeferson Botelho, que vê a não apreciação destas

provas como prejuízo irreparável à sociedade.

2.2.1 O valor probatório dos atos do inquérito poli cial

Muito se tem discutido a respeito da utilidade do Inquérito Policial, há

entendimentos de que seria perda de tempo, pois além de ser formal, é uma

verdadeira instrução, o que necessita ser posteriormente confirmado em juízo. Outro

ponto discutido é acerca do caráter inquisitivo em que é elaborado o Inquérito, e por

isso não possuiria nenhum valor probante, tratando-se de mera peça de informação.

(SILVA JUNIOR, 2000).

No entanto, o inquérito policial não pode ser visto unicamente como uma mera peça de informação, já que possui, sob certos aspectos, um determinado valor probante. È que no inquérito policial são realizadas algumas provas periciais, de caráter técnico. É bem verdade que elas são realizadas unilateralmente, sem que haja o contraditório, porém isto não quer dizer que as mesmas não possam se contraditas em juízo. [...] O inquérito policial não pode, exclusivamente, fundamentar uma decisão condenatória, nada impedindo, porém que seus elementos, juntamente com outros colhidos em juízo, possam fundamentar referida decisão. (SILVA JUNIOR, 2000, p. 53-54).

Ainda nas palavras de Silva Junior (2000, p. 54):

O inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Mistério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual.

Sabe-se que o inquérito policial trata-se de um conjunto e atos praticados com

o objetivo de apontar indícios de autoria delitiva e materialidade delitiva, dando ao

Ministério Público condições para formar a opinio delicti e conseqüentemente

64

viabilizar o exercício da ação penal. Assim sua natureza é procedimento de caráter

administrativo informativo, preparatório para a ação penal, e nisso a doutrina tem se

mostrado pacífica. (RANGEL, 2009).

A questão fundamental é: Pode o juiz condenar o réu com base nas provas

colhidas durante a elaboração do Inquérito Policial pela Polícia Judiciária, já que

possui natureza administrativa de cunho informativo, em que os princípios do

contraditório e ampla defesa são, de certa, forma mitigados, fazendo uso do princípio

da livre apreciação da prova? Tais provas devem ser absolutamente desvalorizadas,

devendo ser todas refeitas em juízo sob o crivo dos princípios apontados?

(RANGEL, 2009).

Explica Rangel (2009, p. 75-76, grifo do autor):

A resposta, para nós, a esta indagação, encontra-se na própria natureza jurídica acima mencionada, bem como na essência do princípio da verdade processual, sem olvidar o sistema de provas adotado pelo Código: livre convicção. [...] É cediço que o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação das provas (cf. Art. 155 do CPP, com redação da Lei 11.690/08), não podendo ser criada nenhuma regra de imposição sobre a apuração e descoberta da verdade, senão a prevista dentro dos limites da prova (cf. Arts. 5º, LVI, da CRFB c/c 155 do CPP). Porém, a valoração dos elementos colhidos na fase do inquérito somente poderá ser feita se em conjunto com as provas colhidas no curso do processo judicial, pois, sendo o inquérito, meramente, um procedimento administrativo, de característica inquisitorial, tudo o que nele for apurado deve ser corroborado em juízo. O inquérito, assim, é um suporte probatório sobre o qual repousa a imputação penal feita pela Ministério Público, mas que deve ser comprovada em juízo, sob pena de se incidir em uma das hipóteses do art. 386 do CPP. [...] A lei veda, expressamente, que o juiz condene o réu com base apenas nas prova (rectius= informações) colhidas durante a fase do inquérito policial, sem que as elas sejam corroboradas no curso do processo judicial, sob o crivo do contraditório, pois a “instrução” policial ocorreu sem a cooperação do indiciado e, portanto, inquisitorialmente.

Assim ensina Rangel (2009, p. 76, grifo do autor):

A expressão “exclusivamente” não pode autorizar o interprete a pensar que, se há provas no IP e há provas no curso do processo o juiz possa fundamentar sua sentença com base nas duas fases (policial e judicial). A sentença deve ser motivada com base nas provas EXISTENTES no processo judicial . Não pode e não deve o juiz se referir, em sua fundamentação, as informações contidas no IP, salvo as informações cautelares, não repetíveis e antecipadas.

65

Neste mesmo viés, sobre o sistema da livre convicção ou da persuasão

racional leciona Rangel (2009, p. 470-471, grifo do autor):

A adoção do sistema do livre convencimento é expressão da vontade do legislador, que dá ao juiz liberdade de agir de acordo com as provas que se encontram nos autos, pois, se não estão nos autos, não existem no mundo. [...] a apreciação é da prova. Deve haver prova nos autos, seja para condenar, seja para absolver. O juiz não pode se afastar da análise da prova que consta dos autos. [...] Não há possibilidade de o juiz decidir de acordo com provas que não constam nos autos do processo, pois as partes têm o direto subjetivo constitucional de conhecer as razões de decidir do magistrado para, se assim entenderem, exercer o direito ao duplo grau de jurisdição.

Por outra banda, diferentemente pensa Muccio (2009, p. 204-205, grifo do

autor):

É comum, tanto na doutrina como na jurisprudência, sustentar que o juiz não pode condenar só com a prova do inquérito, porque nele não se observa o contraditório, pois é sigiloso e inquisitivo, postergando-se a ampla defesa, uma vez que as provas também são colhidas pela autoridade policial e não por um juiz de direito, sendo apenas de conteúdo informativo, cuja finalidade é fornecer os elementos necessários ao titular da ação penal (ministério Público ou ofendido), para que ele possa exercê-la. [...] Adotado o princípio do livre convencimento, é evidente que o juiz pode, para firmá-lo valer-se da prova colhida no inquérito, ainda que na fase judicial não seja reproduzida.

Neste sentido, frisa Muccio (2009, p. 205), trata-se, por exemplo, das provas

que não podem ser repetidas em juízo, isso por completa impossibilidade, dado a

natureza delas, em destaque a prova pericial.

A prova pericial, portanto, feita na fase inquisitorial por órgão oficial do Estado, sendo de natureza técnica, tem plena validade, muito embora possa ser infirmada por outra prova, inclusive por outro laudo. Mas, ainda que possível, não será refeita na fase judicial, haja vista seu caráter definitivo, salvo na existência de motivo forte que deixa dúvida quanto à sua autenticidade ou às conclusões a que chegaram os peritos.

Outro ponto apontado por Muccio (2009) é referente à condenação do réu em

júri popular, em que o corpo de jurados, através da liberdade de decidir, firmado pela

sua intima convicção, decide pela condenação do réu com base unicamente nas

provas produzidas na fase inquisitorial. Pode, entretanto, a defesa recorrer da

decisão, alegando que a mesma foi proferida em contrariedade as provas contidas

nos autos, mas se novo julgamento ocorrer e novamente os jurados decidirem pela

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condenação do réu com base no inquérito policial, não caberá impugnação sob a

alegação de que a nova decisão foi com fundamento no Inquérito Policial, tornando-

se esta então definitiva. Desta foram evidencia-se, na prática, que é possível ocorrer

condenação com base nas provas produzidas na investigação preliminar.

Com relação à reforma introduzida pela Lei n.º 11.690/2008 posiciona-se

Muccio (2009, p. 207, grifo do autor):

O art. 155 do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redação: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Pela nova ordem legal, portanto, não está o juiz impedido de decidir pela condenação do acusado tão-somente com a prova do inquérito policial (elementos informativos colhidos na investigação), desde que essa prova tenha a natureza de cautelar, não repetível, antecipada, e seja bastante para confirmar a autoria e a materialidade.

Para Capez e Rodrigo Colnago (2009, p. 4):

Pela própria essência, o inquérito policial tem conteúdo informativo tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido os elementos necessários para a propositura da ação penal. Todavia, tem valor probatório, embora relativo, porque os elementos de informação para proporcionar a propositura da demanda foram colhidos sem a presença do contraditório e da ampla defesa. Assim, por exemplo, a confissão extrajudicial, se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual, tem validade como elemento de convicção do juiz. Como instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor idêntico ao das provas colhidas em juízo. O conteúdo do inquérito, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para a propositura da ação penal, não poderá deixar de influir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, mesmo porque integra os autos do processo, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial. [...] Não se pode, porém, fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, o que contraria o princípio constitucional do contraditório.

Contrariamente ao posicionamento de que provas produzidas durante a

investigação preliminar, em sede de inquérito policial possam ser utilizadas no

processo penal com fim condenatório, Lopes Jr. (2009, p. 297) é enfático: “Ademais,

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é absolutamente inconcebível que os atos praticados por uma autoridade

administrativa, sem a intervenção jurisdicional, tenham valor probatório na

sentença”.

Como regra geral, pode-se afirmar que o valor do elementos colhidos no curso do inquérito policial somente serve para fundamentar medidas de natureza endoprocedimental (cautelares etc.) e, no momento da admissão da acusação, para justificar o processo ou o não-processo (arquivamento). Também se impõe esta conclusão se considerarmos que é inviável pretender transferir para o inquérito policial a estrutura dialética do processo e suas garantias plenas, da mesma forma que não se pode tolerar uma condenação baseada em um procedimento sem as mínimas garantias. [...] seguindo os fundamentos anteriores expostos, os elementos fornecidos pelo inquérito policial têm valor de meros atos de investigação, não servindo para justificar um juízo condenatório (LOPES JR. 2009, p. 296, grifo do autor).

A posição de Lopes Jr. funda-se na tese da quebra da imparcialidade do

julgador, quando este age como juiz instrutor já na fase policial, acabando por

transformar o sistema acusatório em inquisitório, pela valoração das provas

elaboradas durante a investigação, com a interferência do juiz que posteriormente

julgará o feito, senão vejamos:

Quando se chega ao processo, então ilusoriamente acusatório e contraditório as verdade histórica já foi definida. Ao juiz cabe apenas aplicar o direito ao caso concreto, dizer a lei (juiz-boca-da-lei) que dever incidir, fazendo o famoso silogismo tão valioso para os modernos. [...] nessa estrutura inquisitória, o poder e o controle sobre a produção do caber se vêem diminuídos ou enfraquecidos pelos sistema acusatório, que chega trade demais, quando todo o cenário já está montado. Quando entra em cena o (ingênuo) julgador, o cenário já está montando e o roteiro definido. Então lhe são apresentadas a “verdade histórica” e o juízo de fato, obtido na fase inquisitória, para que ele diga o direito aplicável ao caso. É exatamente esse problema do inquérito policial bras ileiro, que ao integrar os autos do processo e poder ser utilizado como elemento de convencimento do julgador, acaba por transformar o processo penal num jogo de cartas marcadas, ou melhor, dadas a cri tério do investigador. Ingênuos são os juízes que com elas j ogam sem dar-se conta disso... A situação no Brasil é ainda mais grave, na medida em que o sistema acusatório sequer chega na fase processual! Sim, pois o art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, ao atribuir ao juiz, podres instrutórios (até mesmo na fase pré-processual). (LOPES JR. 2009, p. 562-563, grifo do autor).

Apesar de sua crítica acirrada ao sistema, o autor mostra-se cauteloso em

relação às provas que, face sua peculiaridade, venham a serem colhidas na fase

inquisitorial, sem a possibilidade de repetição em juízo. Lopes Jr. aponta uma

solução, visando permitir que estas tenham valor probatório.

68

Partindo da compreensão de que as regras do devido processo penal exigem que o julgamento recaia sobre “provas” e que, somente são considerados atos de prova aqueles praticados em juízo, é imprescindível tratar da produção antecipada de provas. Frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos na investigação preliminar, o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova, através de um incidente. Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido com meto ato de investigação, e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova, poderá ser realizas de uma só vez, na fase pré-processual, e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova, isto é, valorável na sentença, ainda que não colhido na fase processual (LOPES JR. 2009, p. 594, grifo do autor).

Neste caminho, explica Lopes Jr. (2009, p. 595):

Feita essa ressalva, pensamos que o incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos (mas nunca de ofício pelo juiz), em que se demonstra a fundada probabilidade de ser inviável a posterior repetição na fase processual da prova. Ademais, para justificá-la, deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa. Em síntese, são requisitos básicos: a) relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença; b) impossibilidade de sua repetição na fase processual, amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova.

Como se observa a questão da valoração dos atos produzidos durante o

inquérito policial é controvertida, pois pensadores como Muccio (2009) posicionam-

se que, havendo harmonia no conjunto probatório colhido na fase pré-processual

com a processual, pode o magistrado condenar com base numa prova produzida em

sede de Inquérito. Tais doutrinadores criticam o posicionamento garantista

extremado de outros.

Por outra banda, há aqueles que não aceitam, de forma alguma, que provas

produzidas pela autoridade administrativa fundamentem uma decisão condenatória,

referindo que estas têm valor apenas como atos informativos e nada mais. Lopes Jr.

defende, por exemplo, que quando houver necessidade de produção probatória,

que não poderá ser refeita no decorrer do processo, este deverá ser realizado por

meio de um incidente de produção antecipada da prova, o qual será submetida aos

princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Então, como já explanado, o nosso país adotou o sistema processual

acusatório, em que a persecução penal e a ação penal são atividades desenvolvidas

69

por órgão distintos do Juiz, mas que fazem parte do Estado. O objetivo neste

sistema é deixar o julgador inerte a participação das partes no decorrer do processo

(em tese), para que possa ao seu final declarar o direito, tudo isso sob a tutela dos

princípios constitucionais do contraditório, direito de saber o conteúdo do processo,

e da ampla defesa, direito como o próprio nome já diz de defender-se das

acusações que são imputadas a alguém.

A discussão fica á beira dos atos praticados no transcurso da primeira parte

da persecução penal, ou seja, na investigação preliminar, onde não são observados

os princípios constitucionais. Por esta ótica há quem diga que se tais atos são

coerentes com o conjunto probatório do processo, por certo poderão ser utilizados

pelo juiz na decisão, já outros, são extremamente categóricos, afirmando que de

forma alguma podem os atos investigativos motivar a decisão do julgador, servindo

estes somente para justificar medidas cautelares e outras restrições adotadas na

fase pré-processual, apontando como a principal justificativa, a não observância dos

princípios constitucionais já referidos.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho de pesquisa doutrinária objetivou realizar uma reflexão

em torno da investigação preliminar, realizada, no Brasil, por meio do Inquérito

Policial, que tem base inquisitiva. Tal procedimento, que é utilizado pela Polícia

Judiciária, como principal atividade estatal para investigar a prática delituosa, tendo

por escopo esclarecer o delito e definir sua autoria, e assim poder levar ao Ministério

Público, nos casos de ações públicas e ao ofendido, nos casos de ações privadas os

elementos necessários a propositura da ação penal perante o Poder Judiciário.

Mostrou-se que, com a ocorrência de um crime, surge para o Estado o direito

de punir em concreto, e para atingir esse objetivo, o próprio Estado criou

mecanismos, primeiramente codificando aquelas ações consideradas mais lesivas a

sociedade, e, também os procedimentos mediante os quais tais fatos serão

investigados e seus autores punidos.

Viu-se também que, para a realização da persecução penal, foram criados

órgãos encarregados dessa tarefa, entre eles a Polícia Judiciária, que por meio dos

procedimentos que lhe são inerentes, destacando-se o inquérito policial, dará inicio a

investigação preliminar, na busca de indícios que poderão levar ao autor do fato e a

materialidade delitiva.

Analisou-se, a seguir, o processo penal em si, enquanto conjunto de atos

coordenados que tem como objetivo o julgamento do fato, visando à satisfação da

pretensão punitiva do Estado ou à absolvição do acusado. Nele o Juiz deve ter um

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posicionamento imparcial em relação à atividade processual das partes, mais isso

nem sempre ocorre face ao seu poder instrutório.

Em verificação aos sistemas processuais penais, verificou-se que aquele

adotado na investigação preliminar é o inquisitório, mas como a Constituição é o

fundamento de toda a ordem jurídica, pode-se constatar com base nos princípios

nela inseridos que o sistema processual adotado é o acusatório, que compreende

direito e garantias fundamentais expressos no texto legal, mesmo havendo uma fase

preliminar eminentemente inquisitória, preparatória da segunda fase que é a

processual.

No âmbito processual, vislumbraram-se as principais garantias constitucionais

inerentes ao processo penal, com destaque para o contraditório, que é necessidade

de informação sobre os atos praticados pela parte contrária, visando oportunizar a

defesa (ampla defesa) que se dá de duas formas: a defesa técnica, desempenhada

por profissional qualificado, e a autodefesa, que determina, entre outras coisas, que

a parte não está obrigada a produzir prova contra si mesma.

Com o transcorrer da pesquisa, foi possível perceber que o Inquérito Policial é

um procedimento pré-processual, inquisitorial, presidido por Delegado de Polícia,

elaborado pela Polícia Judiciária, não com exclusividade, destinado à formação da

opinio delicti do Ministério Público, ou do ofendido, nos casos de ação privada,

dando assim, suporte aos titulares da ação para proporem, perante o juízo

competente a sua pretensão punitiva.

Destacou-se, no entanto, a importância do trabalho realizado pela Polícia

Judiciária, que deve efetuar o levantamento do local de crime, examinando-o com a

máxima atenção e, posteriormente, solicitar as perícias necessárias, bem como as

oitivas pertinentes. Sabe-se que é no calor dos acontecimentos, quando os

sentimentos estão aflorados que se consegue chegar ao mais próximo da verdade

real, pois quanto mais tempo passa, a verdade também se esvai, pois há

informações e provas a serem realizadas naquele momento que não poderão ser

refeitas na fase processual, notadamente as provas periciais.

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Apontou-se que o processo, além de suas peculiaridades, tem por objetivo a

equiparação de armas e visa equilibrar a atuação das partes, pois certamente o réu

num processo penal, está em desvantagem frente a uma promotoria afinada com o

sistema jurídico. Por outra banda, no cometimento do crime a desvantagem é do

Estado, então, por isso, perdura-se o sistema inquisitório do inquérito policial.

No âmbito do processo as provas desempenham um papel fundamental.

Neste sentido a prova passa a ser um direito das partes, tanto do autor como do réu,

estando ligada diretamente ao direito de ação e de defesa. Viu-se que sem a prova

de nada valeriam as postulações das partes, sem que lhes fosse oportunizado, no

desenvolver do processo, demonstrar suas afirmações e com isso levar o julgador a

proferir sentença.

São vários os princípios que regem as provas, sendo que aquelas devem ser

produzidas com a observância destes. São princípios específicos, que regem as

provas, o princípio da auto-responsabilidade das partes, do contraditório, da

aquisição ou da comunhão, da oralidade, da concentração e do livre convencimento

motivado entre outros.

No sistema processual brasileiro são várias as espécies de provas, sendo

estas reunidas em três grandes blocos, quais sejam, a prova testemunhal, a prova

pericial e a prova documental. Dentre estas merece especial atenção a prova

pericial, pois é ela que, muitas vezes produzida em sede de investigação preliminar,

não poderá ser refeita na fase processual. Citam-se como exemplos a necropsia,

exame de corpo de delito, coleta de impressão papiloscópica, coleta de material

orgânico etc. Discute-se, se tais provas podem ter valor probatório, mesmo que

elaboradas em um procedimento administrativo.

Quanto à gestão da prova, verificou-se que tal prática fica a critério das partes

envolvidas no litígio, cabendo a elas a produção probatória, e também o direito de

conhecer e rebater aquelas que lhe são desfavoráveis, tentando assim, impugná-las,

desclassificá-las e anulá-las. A discussão acirra-se no tocante ao juiz instrutor,

conforme examinado, pois nestes casos o juiz deixa de ser mero espectador e age

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de ofício na produção probatória. Para alguns doutrinadores, tal fato, é incompatível

como o sistema acusatório, pois há a contaminação psíquica do magistrado. Já, para

outros, este fato é irrelevante, pois o julgador agirá de ofício em casos extremos e

específicos, visando dirimir dúvidas, para que possa julgar com segurança, não

havendo, portanto, tal contaminação ou envolvimento do juiz no caso sob sua

presidência, trata-se esse agir de uma segurança do juízo.

Quanto às provas produzidas no âmbito da investigação preliminar e a sua

possível utilização no âmbito do processo, verificou-se que tais provas, por suas

peculiaridades, podem ser repetíveis ou irrepetíveis. Quanto às provas repetíveis, há

consenso entre os doutrinadores de que as mesmas devem ser confirmadas em

juízo, garantindo-se, quanto a estas, ao acusado o direito de ampla defesa e do

contraditório. Entretanto, há controvérsias e ponderações a respeito das provas

irrepetíveis, que não podem ser refeitas no decorrer do processo. Há quem diga que

se associadas ao conjunto probatório tem o mesmo valor das provas produzidas em

juízo, porém outros, em minoria, discordam, afirmando que tais provas deveriam ser

produzidas através do incidente de produção antecipada de provas.

No tocante ao questionamento sobre o valor probatório do Inquérito Policial

frente às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, verifica-se

que mesmo quando estes não são observados, os elementos produzidos durante o

procedimento investigativo compõe os autos do processo, não havendo

desentranhamento deles, o que pode influenciar a decisão do julgador.

Portanto, pode-se afirmar que, na prática, a finalidade do inquérito policial não

restringe-se a servir como justa causa da denúncia, uma vez que este possui certo

grau de influência na decisão da causa. O grau de influência é determinado por cada

julgador, podendo ser apreciado em parte ou no seu todo, como é o caso do

Tribunal do Júri.

Neste viés, pode-se afirmar que os atos de investigação resultantes de

diligências policiais, formadores do Inquérito Policial, na prática não servem apenas

como base da ação penal, e passam a serem úteis no processo, principalmente

aqueles que não possam ser reproduzidos em juízo, o que faz com que fatalmente

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sejam apreciados e valorados, mesmo sem a observância do princípio do

contraditório e da ampla defesa.

Esse problema persiste, pois, apesar das reformas do Código de Processo

Penal, o Inquérito Policial mantém a mesma natureza inquisitiva de outrora,

necessitando também ser reformado, para que só assim possa ser elaborado em

atendimento aos princípios já apontados, para que em definitivo, sejam dirimidas às

divergências sobre o tema, deixando de ser inquisitório e passando a ter valor

probatório de fato, extirpando questionamentos que muitas vezes são meramente

protelatórios.

Tal reforma se faz urgente, pois é necessário adaptar a legislação penal e

processual penal ao novo sistema constitucional. Apesar das criticas doutrinárias e

de eventuais decisões judiciais, que desconstituem toda a investigação preliminar

séria, ou simplesmente afirmam que o Inquérito Policial é mera peça informativa não

possuindo qualquer valor probatório, o que se verifica é que os atos praticados

durante o inquérito ainda são aptos a influenciar a decisão dos julgadores. Tais fatos

causam prejuízos à sociedade e aos acusados, sendo necessária uma reforma que

coloque o procedimento policial em sintonia com os princípios constitucionais

processuais, beneficiando, com isso, a sociedade, ao acusado, a justiça, e também

valorizando a atividade laborativa da Polícia Judiciária, órgão que tenho orgulho de

fazer parte.

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REFERÊNCIAS

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