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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E ECOLOGIA CURSO DE GRADUAO EM OCEANOGRAFIA

VULNERABILIDADE GEOLGICA DA PLANCIE COSTEIRA DE PRESIDENTE KENNEDY, ES

NERY CONTTI NETO

VITRIA 2010

NERY CONTTI NETO

VULNERABILIDADE GEOLGICA DA PLANCIE COSTEIRA DE PRESIDENTE KENNEDY, ES

Monografia de concluso do curso de Oceanografia apresentada ao Departamento de Oceanografia e Ecologia da Universidade Federal do Esprito Santo como requisito para obteno do ttulo de bacharel em Oceanografia. Orientadora: Professora Doutora Jacqueline Albino

VITRIA 2010

NERY CONTTI NETO

VULNERABILIDADE GEOLGICA DA PLANCIE COSTEIRA DE PRESIDENTE KENNEDY, ES

Monografia de concluso do curso de Oceanografia apresentada ao Departamento de Oceanografia e Ecologia da Universidade Federal do Esprito Santo como requisito para obteno do ttulo de bacharel em Oceanografia.

COMISSO EXAMINADORA

Profa. Dra. Jacqueline Albino Universidade Federal do Esprito Santo Departamento de Oceanografia e Ecologia Orientadora

Prof. Dr. Andr Luiz Nascentes Coelho Universidade Federal do Esprito Santo Departamento de Geografia Co-Orientador

Prof. Dr. Gilberto Fonseca Barroso Universidade Federal do Esprito Santo Departamento de Oceanografia e Ecologia Banca Avaliadora

AGRADECIMENTOS

Agradeo Papai, Mame e Mariana, famlia direta, fonte de ensinamentos, princpios e amor. Tia Eliane e Tio ngelo e meus primos por serem minha segunda famlia (e pelo abrigo fsico durante todo o curso). Tia Olga pelo amor e amizade presente em todos os momentos. Agradeo Jac, pela confiana, orientao, amizade e conselhos, contribuindo para meu crescimento pessoal e profissional. A todos os professores do DOC que fizeram parte da minha formao acadmica. Aos companheiros de Carta SAO e ZEE e aos amigos da Control por todos os ensinamentos que me fizeram crescer intelectualmente. Aos professores Andr e Gilberto pela participao na banca e pelos auxlios prestados. Aos colegas de curso pelos momentos de descontrao e amizade. Tenho que destacar, obviamente, Larissa por todos os momentos, bons e ruins pelos quais passamos. Mariana Gripp por ter sempre os ouvidos dispostos para me ouvir e a boca preparada para me ensinar. A todos meus amigos de fora, que me ouviram reclamar de falta de tempo, de cansao, de vontade de ir pro rock e no poder ir e ainda assim gostam de mim: Ricardo, Cacilda, Xizeguis, Leila, Ludmila, Jlia, Zorzal e Mariana Braz. Agncia Nacional do Petrleo (ANP) pelo financiamento da pesquisa e todas as contribuies prestadas durante meu perodo acadmico. E a Deus, a quem fui entendendo com o passar do tempo, pelas maravilhas naturais criadas e destrudas. Obrigado!

Un peu de science loigne de Dieu. Beacoup de science y ramne Louis Pasteur (1822 1895)

RESUMO

O municpio de Presidente Kennedy, localizado na divisa costeira do Esprito Santo com o Rio de Janeiro tem sua base econmica historicamente voltada para a agricultura e pecuria. A partir do ano de 2002 a situao econmica do municpio comeou a mudar com o recebimento dos royalties de petrleo advindos dos campos offshore de Jubarte e Roncador. A perspectiva de aumento de verba municipal atraiu investimentos de empresas como a Ferrous do Brasil, que adquiriu uma rea de 12 milhes de m 2 de restinga preservada para a instalao de sua indstria siderrgica. O estudo versa sobre a vulnerabilidade geomorfolgica da plancie costeira do Rio Itabapona no municpio, definindo classes de muito alta a muito baixa vulnerabilidade para a ocupao. Foram realizadas quatro coletas na praia com perfis topogrficos nas estaes e oito coletas na plancie costeira para tratamento estatstico sedimentolgico, morfoscopia e faciologia, estudo da gnese geomorfolgica e aplicao de modelos para a definio de recuo praial. Para a determinao da vulnerabilidade da plancie costeira foram tomados dados de vazo do Rio Itabapoana e comparados com imagens de satlite para a delimitao de reas alagveis. A altimetria foi tambm determinada atravs de imagens de sensoriamento remoto e separada em trs classes. A vulnerabilidade muito alta foi observada na regio de alagados entre as cristas de praia Holocnicas, na plancie de inundao do Rio Itabapoana, no manguezal, na paleo-laguna Pleistocnica e para uma faixa de aproximadamente 50m da crista de praia, responsvel pelo suprimento sedimentar para a antepraia frente a uma subida de 30 cm do nvel do mar (como calculado). A vulnerabilidade alta foi observada para a uma faixa de aproximadamente 200m da linha de praia atual (tambm calculada atravs de modelos). Uma faixa de 50m da ilha barreira (ainda preservada, mas junta aos cordes Holocnicos) e a faixa situada a 800m da linha de praia atual (que responderia subida do nvel do mar aumentando o nvel do lenol fretico) representam vulnerabilidade mdia. A vulnerabilidade baixa foi atribuda ilha barreira como um todo, enquanto a vulnerabilidade muito baixa foi imputada plancie de cristas de praia Holocnicas, sendo assim, mais recomendada ocupao humana.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Foto area da rea de Estudos.FONTE: IEMA, 2009 .......................... 10 Figura 2: Precipitao mdia anual no Esprito Santo, com nfase para a regio de Presidente Kennedy, marcada no quadrado vermelho. FONTE: ASPE (2009) ............................................................................................................................. 16 Figura 3: Velocidades mdias anuais dos ventos na rea de estudo, medidas a 75m de altura, segundo ASPE (2009)...................................................................... 17 Figura 4: Mapa evolutivo da rea de estudos adaptado de Martin et al. (1996) 18 Figura 5: Porcentagem da populao urbana no Esprito Santo entre as dcadas de 1970 e 2000. Adaptado de IBGE (2004) ............................................ 20 Figura 6: rea de Influncia Direta do Terminal Porturio Privativo de Presidente Kennedy. FONTE: CEPEMAR, 2010 ................................................... 24 A FIGURA 7 indica a terminologia utilizada na compartimentao das praias (modificado de ALBINO, 1999), seguida pela descrio encontrada na TABELA 4: Figura 7: Compartimentao da praia modificada de ALBINO (1999) ........... 34 Figura 8: Mecanismos de desenvolvimento de ilhas-barreira segundo SUGUIO (2003) ............................................................................................................................. 39 Figura 9: Variaes do perfil praial emerso e imerso frente subida e descida do nvel do mar. Adaptado de MARTIN E DOMINGUEZ (1994) ......................... 40 Figura 10: Efeito de molhe hidrulico esquematizado por Suguio (1985) .......... 41 Figura 11: Alinhamento de cordes litorneos a partir de abandono de cristas de praia. Fonte: SUGUIO E TESSLER (1984)........................................................ 41 Figura 12: Alinhamento de cordes litorneos a partir de barras de antepraia. Fonte: SUGUIO E TESSLER (1984) ........................................................................ 42 Figura 13: Esquema evolutivo das plancies costeira brasileiras. Fonte: DOMINGUEZ (1984) ................................................................................................... 43 Figura 14: Fluxograma das etapas de elaborao do trabalho ............................ 45 Figura 15: Localizao no mapa das coletas efetuadas para anlise da plancie costeira. FONTE: IEMA (2009) .................................................................................. 48 Figura 16: Grau de arredondamento do gro segundo POWERS (1953, apud Albino, 1999) ................................................................................................................. 50 Figura 17: Relao entre declividade praial e dimetro mediano da areia segundo MUEHE (2001) ............................................................................................. 52 Figura 18: Limites de segurana da orla segundo critrios morfolgicos (MUEHE, 2001) ............................................................................................................ 53 Figura 19: Risco, caminho e receptor no estudo de vulnerabilidade da plancie costeira. FONTE: JIMENEZ, 2008 ............................................................................ 54 Figura 20: Campos de aquisio de dados necessrios para estudo de anlises de inundaes costeiras. FONTE: JIMENEZ, 2008 ............................................... 55 Figura 21: Localizao da estao fluviomtrica Ponte do Itabapoana. Em vermelho a rea de estudos. FONTE: ANA, 2010 ................................................. 56 Figura 22: Feies Geomorfolgicas da rea de estudos .................................... 57

Figura 23: Mapas de distribuio do teor de carbonato, de lama e a granulometria mdia da frao arenosa das amostras ......................................... 60 Figura 24: Faciologia adotando as classes propostas por Larsonneur (1977, apud Albino, 1999) ....................................................................................................... 61 Figura 25: Modelo esquemtico proposto para a evoluo da Plancie Costeira do Rio Itabapoana........................................................................................................ 65 Figura 26: Perfil praial realizado na Estao 1, compreendendo as estaes "Plancie 1", "Plancie 2" e "Praia 1- Face" .............................................................. 68 Figura 27: Comparao fotogrfica dos sistemas fluviais Itabapoana (ES) e Paraba do Sul (RJ) ..................................................................................................... 69 Figura 28: Variaes topogrficas nos perfis praiais ao longo do litoral de PK 71 Figura 29:Limites de retroterra segundo MUEHE (2001) ...................................... 74 Figura 30: Limites de retroterra segundo clculos de Brunn (1962) ................... 75 Figura 31: Mapa altimtrico da regio gerado a partir de dados do TOPODATA. ........................................................................................................................................ 78 Figura 32: Vulnerabilidade da regio gerada a partir de dados altimtricos do TOPODATA - INPE ..................................................................................................... 79 Figura 33: Vazes de permanncia do Rio Itabapoana, geradas a partir de dados do software SISCAH........................................................................................ 80 Figura 34: Cenrios de inundao da Plancie Costeira do Rio Itabapoana. As imagens foram geradas pela composio de banda dos satlites e representam as reas da plancie costeira ocupadas quando da inundao. ... 81 Figura 35:Cenrios de inundao da plancie costeira do Itabapoana para vazes de permanncia Q95 e Q5 para os ltimos 80 anos ................................ 82 Figura 36: Ocupao do manguezal do Rio nos lados fluminense e espiritossantense. A linha vermelha representa o limite dos estados. Fonte: Google Earth ................................................................................................................. 83 Figura 37: Vulnerabilidade final da Plancie Costeira ............................................ 84 Figura 38: Resposta da duna frontal frente a durao da tempestade, adaptado de JIMENEZ et al.(2008) ............................................................................................ 85

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: VRNM no Brasil durante os ltimos 120.000 anos (adaptado de SUGUIO, 2001 ............................................................................................................. 18 Tabela 2: Estrutura do emprego, por atividade econmica em Presidente Kennedy (2000). FONTE:IBGE (2004) ..................................................................... 20 Tabela 3: Sntese das variveis utilizadas em trabalhos de vulnerabilidade, segundo compilao bibliogrfica ............................................................................. 10 Tabela 4: Nomenclatura e descrio das feies praiais ...................................... 35 Tabela 5: Valores de de Dean (1973) caracterizando a tipologia de praias arenosas ........................................................................................................................ 37 Tabela 6: Coordenadas das coletas efetuadas para anlise da plancie costeira ........................................................................................................................................ 47 Tabela 7: Parmetros usados para a anlise granulomtrica .............................. 49 Tabela 8: Coordenadas das coletas efetuadas para anlise da vulnerabilidade da praia .......................................................................................................................... 51 Tabela 9: Teor de matria orgnica, lama, carbonato; classificao e grau de seleo das amostras: ..............................................Erro! Indicador no definido. Tabela 10: Comparao granulomtrica das amostras Plancie 1, Plancie 2 e Plancie 5 ................................................................................................................. 63 Tabela 11: Tipologia praial, grau de exposio, Hb, Perodo das ondas e resultados dos clculos segundo Brunn (1962) ...................................................... 72 Tabela 12: Vazes de permanncia dispostas em tabela. Dados gerados a partir do software SISCAH ......................................................................................... 80

SUMRIO1 2 Introduo .............................................................................................................. 10 Objetivos ................................................................................................................ 12 2.1 Objetivo geral ................................................................................................. 12 2.2 Objetivos especficos .................................................................................... 13 rea de estudos e justificativa ............................................................................ 13 3.1 Contexto climatolgico ................................................................................. 15 3.2 Contexto geolgico ....................................................................................... 17 3.3 Contexto histrico.......................................................................................... 19 3.4 Perspectivas futuras e justificativas para o trabalho ............................... 21 Metodologia ........................................................................................................... 25 4.1 Fundamentos tericos e metodolgicos .................................................... 25 4.1.1 Definindo vulnerabilidade, risco e susceptibilidade .......................... 26 4.1.2 Vulnerabilidade da plancie costeira ................................................... 31 4.1.3 Sistema praial nomenclatura e definies ...................................... 34 4.1.4 Feies costeiras nomenclatura e gnese ..................................... 38 4.2 Materiais e mtodos...................................................................................... 45 4.2.1 Gnese da plancie costeira ................................................................. 46 4.2.2 Vulnerabilidade da linha de costa ....................................................... 50 4.2.3 Vulnerabilidade da plancie costeira ................................................... 54 Resultados e discusso ....................................................................................... 56 5.1 Geomorfologia, faciologia e evoluo da plancie costeira .................... 56 5.1.1 Geomorfologia e faciologia da plancie costeira ............................... 56 5.1.2 Evoluo da plancie costeira .............................................................. 64 5.2 Vulnerabilidade costeira ............................................................................... 70 5.2.1 Vulnerabilidade erosiva da linha de praia .......................................... 70 5.3 Vulnerabilidade da plancie costeira .......................................................... 77 5.4 Vulnerabilidade total ..................................................................................... 83 Concluso .............................................................................................................. 87 Bibliografia ............................................................................................................. 88

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1 INTRODUO

Aps dcadas de crescimento desenfreado, impulsionado pelo enriquecimento e acumulao de bens, a sociedade agora pesa na balana o valor do desenvolvimento em relao crise ambiental. Tal crise, entretanto, no consegue mais se restringir apenas aos ambientalistas, por j ter tomado um cunho tico, poltico, econmico e social. Ao mesmo tempo em que a sociedade evoluiu industrial e tecnologicamente, atravs da globalizao, trazendo o bem-estar social para parte da populao, a degradao do meio ambiente se tornou tambm globalizada (AMADOR, 1997): o impacto que antes se restringia pequena rea de um povoado hoje comea na Amrica do Norte e impacta a Europa e a frica, por exemplo. Da mesma maneira, com a sada das empresas de seu pas de origem e seu lanamento por todo mundo, a rea de abrangncia dos impactos dessas grandes corporaes tambm passou a ser globalizada. Nesse sentido, RAMEL (1992) lana um questionamento bastante interessante: ainda que nos ltimos milhares de anos, o homem tenha evoludo como espcie (postura ereta, perda do rabo, desenvolvimento da laringe propiciando a fala, aumento do crebro), a maior evoluo que obtiveram foi cultural a capacidade de transmitir e armazenar conhecimento. como se ao homem coubesse escolher qual caminho seguir com o dom que lhe foi dado a capacidade de raciocinar e fazer escolhas. Ou seja: a tecnologia que proporciona sociedade melhor qualidade de vida (remdios, lazer, segurana, a histria servindo como exemplo para o futuro) a mesma que pode pior-la (desaparecimento de ecossistemas atravs de agricultura, pecuria, instalao de fbricas, poluio de ar, solo e gua) (DIAMOND, 2005). Seja qual caminho for tomado, v -se um processo retroativo da natureza: a destruio de casas em eventos de tempestade, a eroso costeira, chuvas torrenciais, deslizamentos de terra, est ligada ocupao indevida e desordenada, desmatamento, uso indevido do solo, dentre outros. Por outro lado, o fornecimento de matrias-primas, alimento, lazer por parte do ambiente

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natural ser factvel se os recursos forem bem administrados. Cabe ento ao homem tomar uma posio no dilema usar os recursos naturais versus proteger a natureza, em que o meio termo em tal dilema corresponde ao ideal. At o incio do sculo XX no havia nenhuma cidade no mundo com mais de 5 milhes de habitantes. Em 1950, 6 cidades j se encaixavam nessa situao e em 2009, 34 cidades, aumentando a densidade urbana consideravelmente . O crescimento populacional fica mais evidente ainda quando se consideram cidades inseridas na zona costeira. Das 17 maiores cidades do mundo, 14 esto inseridas na referida zona. Para tal aumento populacional faz-se necessria a melhoria de infra-estrutura viria, aterramento nas reas costeiras para construo de empreendimentos ou casas, transformao do terreno (aplainamento, corte, preenchimento), gerando assim alteraes na

geomorfologia (SUGUIO, 2001). As alteraes na morfologia do terreno costeiro esto relacionadas ao passado mais recente ou ao futuro mais prximo, pois so as reas mais expostas ou recentemente trabalhadas, no perodo denominado Quaternrio. SUGUIO (2001) aponta as trs maiores aplicaes dos estudos do Quaternrio, a saber: Aplicao s cincias ambientais muitos dos problemas ambientais que hoje afligem o homem so o retrato das solues agressivas por ele adotadas. O estudo do quaternrio fornece subsdio ao desenvolvimento sustentvel; Previso de fenmenos naturais atravs da anlise de fenmenos passados, e de seu carter cclico, eventos futuros podem ser previstos; Atividades econmicas a agricultura, indstria, pecuria, atividades minerais (plceres), dentre outros, ocorrem em sua maioria em plancies costeiras ou fluviais. O entendimento do substrato atual e de sua histria evolutiva deve orientar o seu melhor uso e aproveitamento. Como mxima, que explica todo o estudo do Quaternrio como subsdio aos processos atuais, James Hutton, pai da geologia moderna criou o conceito de uniformitarismo, expresso na sentena O presente a chave do passado.

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Sua metodologia consistia em entender os fenmenos que hoje ocorrem atravs do entendimento da sua histria, seu passado. A incluso do fator social nos estudos da forma da paisagem criou o ramo denominado geomorfologia ambiental, cuja contribuio fundamental para o gerenciamento da costa (GUERRA, 2006). Contribui ao mesmo tempo para o desenvolvimento econmico-social e a preservao do meio ambiente, o que remete ao conceito de vulnerabilidade ambiental (aqui aplicado) e ao conceito de desenvolvimento sustentvel, gerando um ciclo de sustentabilidade a ser seguido pelos atores sociais (stakeholders). NASCIMENTO e DOMINGUEZ (2009) afirmam que a identificao de zonas vulnerveis permite estabelecer critrios que daro suporte ao estabelecimento de empreendimentos de qualquer natureza, sendo que reas de elevada vulnerabilidade no devem ser ocupadas, e vulnerabilidade. Dessa maneira, toma-se o Municpio de Presidente Kennedy, sul do Esprito Santo para estudar sua vulnerabilidade. O Rio Itabapoana, que marca a divisa do Estado com o Rio de Janeiro, associado com reas de alagamento e construo de barras, parmetros de desembocadura, reas pantanosas e manguezais. Por constituir zona litornea, o municpio tem tambm exposio elevao do nvel do mar e eroso costeira. Tais feies e processos so estudados conjuntamente no presente trabalho quanto a sua vulnerabilidade, tendo em vista sua evoluo Quaternria, por ter sido neste perodo seu trabalhamento e construo das feies supracitadas. a preferncia de ocupao dada s reas de baixa

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Mapear a vulnerabilidade geomorfolgica natural da Plancie costeira do Rio Itabapoana no municpio de Presidente Kennedy, Esprito Santo.

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2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

Gerar um mapa geolgico da plancie costeira do Rio Itabapoana, identificando associadas; Prever a resposta das feies costeiras Variao Relativa do Nvel do Mar (VRNM), a partir de modelos consagrados pela literatura e do perfil praial, gerando um mapa com identificao de zonas de segurana ao uso e ocupao antrpica na rea; Identificar a vulnerabilidade da plancie costeira a partir de eventos de cheia do Rio Itabapoana; Contribuir para o Gerenciamento Costeiro da rea, alvo potencial de investimentos, tendo em vista o princpio de desenvolvimento industrial e econmico sustentvel. as feies geomorfolgicas e evoluo geolgica

3 REA DE ESTUDOS E JUSTIFICATIVA

Situado no extremo-sul do Esprito Santo, ao sul de Maratazes e ao norte do estado do Rio de Janeiro, o municpio de Presidente Kennedy (PK) possui 586,464 km de rea e aproximadamente 13,5 km de orla. Possui duas praias, Marob e das Neves, de orientao NNE para S. A foto area pode ser vista na FIGURA 1, abaixo:

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Figura 1: Foto area da rea de Estudos.FONTE: IEMA, 2009.

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3.1 CONTEXTO CLIMATOLGICO

O clima entendido como um dos grandes fatores propulsores do intemperismo e eroso: altas temperaturas e altos ndices pluviomtricos auxiliam na criao e disponibilidade de suprimento sedimentar (KENNETT, 1982). O municpio de Presidente Kennedy, bem como a maior parte do territrio do Estado do Esprito Santo possui clima tropical mido, com estao seca no outono/inverno, atenuada por precipitaes relativamente abundantes

causadas por frentes frias provenientes do sul do continente nesse perodo. A amplitude trmica varia entre 21C e 27C, com temperatura mdia anual de 24C. A FIGURA 2 indica a precipitao mdia anual no Esprito Santo, sendo a regio de estudos marcada com o quadrado vermelho, evidenciando sua precipitao mdia anual de 1100 mm (ASPE, 2009). A distribuio geral dos ventos sobre o Brasil, que afeta o Esprito Santo e o municpio de Presidente Kennedy controlada pelas grandes circulaes atmosfricas, estando sobre influncia do centro de a lta presso Anticiclone Subtropical do Atlntico Sul. Fatores locais de microescala e mesoescala controlam variaes na freqncia e velocidade dos ventos na regio (ASPE, 2009). Os ventos predominantes no municpio so de ENE (35% das freqncias anuais) e NE (30% das freqncias anuais), com velocidades (medidas a 75m de altura) superando os 7 m/s, como indica a FIGURA 3. O local foi considerado como um dos mais promissores do Estado para instalao de usinas elicas, tanto pela constncia quanto pela velocidade dos ventos na regio (ASPE, 2009).

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Figura 2: Precipitao mdia anual no Esprito Santo, com nfas e para a regio de Presidente Kennedy, marcada no quadrado vermelho. FONTE: ASPE (2009)

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Figura 3: Velocidades mdias anuais dos ventos na rea de estudo, medidas a 75m de altura, segundo ASPE (2009).

O regime de micromar atua sobre a regio, com variaes semi-diurnas inferiores a 2m, sendo o litoral classificado como dominado por ondas.

3.2 CONTEXTO GEOLGICO

De acordo com MARTIN et al. (1996), o Esprito Santo possui 2 unidades geomorfolgicas separando a plancie costeira do interior: um plat tercirio

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(Formao Barreiras-FB, que o caso de PK) e o embasamento cristalino prcambriano. O municpio de PK situa-se no setor sul do Estado, onde a FB est em contato com os depsitos Quaternrios. Usando como critrio apenas esses depsitos, PK enquadrado no Setor 6, caracterizado pela grande importncia e extenso dos depsitos quaternrios, como indica a FIGURA 4, abaixo:

Figura 4: Mapa evolutivo da rea de estudos adaptado de Martin et al. (1996)

As diferenas nos depsitos so explicadas pelas Variaes Relativas do Nvel do Mar (VRNM) que as plancies brasileiras sofreram durante o Quaternrio, e que so indicadas na tabela abaixo para os ltimos 120.000 do Brasil:Tabela 1: VRNM no Brasil durante os ltimos 120.000 anos (adaptado de SUGUIO, 2001)Perodo Pleistoceno Anos AP 120.000 46.000 a 17.500 17.500 a 7.000 7.000 a 6.500 Holoceno 5.100 5.100 a atual Nome Penltima Transgresso/Transgresso Canania/Barreira III Mximo da Regresso ltima Transgresso/Transgresso Santos/Barreira IV Mximo da ltima Transgresso Pequenas oscilaes, com mximos em 3.600, 2.500 Nvel do Mar (m) 82 acima 12010 abaixo (mar subindo) 0 3-5 acima 2 a 3,5; 1,5 a 2,5

Pleistoceno

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De acordo com MARTIN, SUGUIO E FLEXOR (1988), apenas no sul do Brasil podem ser evidenciados terraos Quaternrios associados a subidas do nvel do mar anteriores a 120.000 anos A.P., sendo que na maior parte do pas os terraos costeiros associados s variaes entre 120.000 e 5.100 anos A.P. foram preservados. Dessa maneira, sugere-se que a plancie costeira da rea de estudo foi completamente trabalhada durante o perodo Quaternrio, sendo esta a idade (menos de 120.000 A.P.) que se espera encontrar para os depsitos costeiros na rea de estudos.

3.3 CONTEXTO HISTRICO

A histria de PK remonta ao sculo XVII, com a instalao de uma fazenda de criao de gado bovino com finalidades de abastecer a ordem jesutica do Padre Jos de Anchieta (PRESIDENTE KENNEDY, 2009). Com a expulso da ordem, o municpio entra em decadncia, que s se restabeleceria com a Estrada do Rubim, em 1815, ligando o litoral ao Quartel da Barca (Cachoeiro de Itapemirim), por sua vez criado para vigiar a rota do ouro (em Minas Gerais). Em 1963 emancipou-se de Itapemirim, sendo ento criado o municpio de Presidente Kennedy (MENDES GLORIA, 2005). Historicamente, a ocupao do Esprito Santo por portugueses foi dificultada pela presena de ndios hostis (no caso de PK, Puris), atrasando seu desenvolvimento, que foi ocorrer apenas durante o ciclo do caf, no sculo XIX. O reflexo desse atraso visto especialmente no sul do Estado, pela presena constante de pequenas propriedades familiares para cultivo de caf, e no municpio em questo, que se destaca por ser o nico municpio localizado na costa sul-espiritossantense com mais de 50% dos empregos na rea agropecuria, e cuja sede no se localiza na orla (GIRARDI & COMETTI, 2006). At o ano de 2002, PK apresentava uma estrutura basicamente agrria,

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dividindo com Maratazes o ttulo de municpio com maior porcentagem de renda acumulada no setor tercirio (servios), seguido do primrio (produo de matria-prima). Entretanto, em Maratazes a agricultura vem acompanhada do setor turstico, enquanto em PK, a economia advinha basicamente da agricultura, como se pode observar na tabela abaixo (GIRARDI & COMETTI, 2006):Tabela 2: Estrutura do emprego, por atividade econmica em Presidente Kennedy (2000). FONTE: IBGE (2004)

Atividades Agricultura, pecuria, silvicultura e explorao florestal Pesca Indstrias extrativas Servios domsticos Comrcio; reparao de veculos automotores, objetos pessoais e domsticos Outros

Presidente Kennedy(%) 50,9 3,0 0,1 5,3 8,6 32,1

De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), realizado em 2010, a populao de PK de 9.775, 200 pessoas a mais do que as registradas no censo de 2000. A estrutura agrria da economia ratificada pela porcentagem de populao urbana, indicada na FIGURA 5, comparando com Vitria (municpio mais urbanizado do Estado) e Anchieta (segundo municpio com maior populao rural do litoral sul) e do Esprito Santo em geral:

Figura 5: Porcentagem da populao urbana no Esprito Santo entre as dcadas de 1970 e 2000. Adaptado de IBGE (2004)

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Comparando os dados scio-econmicos do municpio com os demais municpios costeiros do sul do Esprito Santo (entre Vitria e Rio de Janeiro), outros fatores indicam o subdesenvolvimento de Presidente Kennedy (IBGE, 2000): menor taxa de urbanizao; menor porcentagem de residncias abastecidas com gua da rede geral (38, 45%) e maior porcentagem de residncias abastecidas com gua de nascente ou poo (59,83%); maior porcentagem de lixo queimado dentro da propriedade

(aproximadamente 70%) e jogado em terrenos baldios (8%); menor IDH, e quarto menor do Estado (0,674 em 2000); maior taxa de analfabetismo; menor PIB (no ano 2000)

3.4 PERSPECTIVAS FUTURAS E JUSTIFICATIVAS PARA O TRABALHO

Em meados do ano 2002, entretanto, a situao econmica do municpio comea a mudar. A descoberta dos campos de petrleo de Jubarte (ES) e Roncador (RJ) alavancou a arrecadao do municpio por conta dos royalties recebidos. Por efeito de comparao, em 2011 PK recebeu de royalties R$ 58,5 milhes, praticamente o dobro recebido por todos os municpios cearenses juntos (ANP, 2011). Presidente Kennedy hoje o municpio com maior arrecadao per capta de royalties do petrleo. Em 2008 recebeu o equivalente a R$ 3.113,68 para cada

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habitante, sendo seguida por Carapebus, no Norte do Rio, com arrecadao de R$ 1.908,77; de janeiro a maro de 2009, foram arrecadados R$ 14 milhes, usados para a construo de diversas obras no municpio, pela expectativa do dinheiro negro. Vale lembrar que o municpio no possui nenhuma instalao petrolfera em terra. (FOREX, 2008). O recebimento de royalties de petrleo basicamente uma compensao garantida por lei pela explorao de recurso no-renovvel, o que permitiria ao municpio preparar sua economia para o investimento a em outras fontes de renda. De acordo com Leal e Serra (2003) so quatro as justificativas para o recebimento dos royalties so citadas abaixo (sendo as 3 primeiras constitucionais): Uso como um instrumento de captura de demais rendas; Forma de internalizar custos sociais negativos; Compensao pela alienao de um patrimnio pblico; Instrumento de promoo da justia intergeracional Desde o ano de 1953, quando foi sancionada a primeira lei acerca do recebimento de royalty (no 2004), houve mudanas legais quanto a sua aplicabilidade. A referida lei preconizava que a aplicao de royalty deveria ser preferencialmente para produo de energia eltrica e pavimentao de rodovias. A lei 7453/1985 inclua pela primeira vez a proteo ao meio ambiente. Atualmente a lei federal no 7990 de 1989 s probe a utilizao de royalties no pagamento de dvidas e do quadro permanente de pessoal. O estudo da aplicao da compensao pelo mundo indica, como era de se esperar, antagonismos. A Noruega, terceiro maior exportador de petrleo e possuidor de um dos mais altos ndices de Desenvolvimento Humano (IDH) busca atravs de mecanismos legais o fomento indstria pesqueira, de papel, celulose e pesquisa; o Ir, que conta com a nona maior reserva petrolfera possui o 111 IDH, ndice amplamente aceito (NAVARRO, 2003). No caso do Brasil, estudos scio-econmicos do maior plo produtor do Pas, o norte do estado do Rio de Janeiro - Quissam, Carapebus, Campos dos Goytacazes, Maca e So Joo da Barra, que tambm tm grande parte de

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sua renda advinda do benefcio, indicam que deve haver acompanhamento scio-econmico constante das finanas dos municpios, principalmente nos citados que, at a trs dcadas atrs tinham sua economia baseada na pesca e na agricultura de cana de acar, ou seja, caso bem semelhante ao de Presidente Kennedy (FERNANDES, 2007). Tomando a cidade de Campos como exemplo, cuja explorao de suas guas offshore iniciou-se em 1977, nota-se que hoje h mais esforos e estudos para o uso racional do benefcio. Na dcada de 90 registrou-se grande melhoria nos ndices sociais (como reduo da mortalidade infantil), melhorias nas condies de habitao, higiene e infra-estrutura. Outras aes compreendem a criao da Organizao dos Municpios Produtores de Petrleo (OMP), visando construo de refinaria na regio norte -fluminense; criao de fundo de apoio produo rural (fruticultura, piscicultura e produo de acar e lcool, que ainda representam 45% da economia local); desenvolvimento de indstrias de cermica, porcelana e beneficiamento de argila, ou seja, investimento em distintas fontes de renda (NAVARRO, 2003). A histria dos ciclos de produtos no Brasil indica o quo socialmente danoso pode ser o boom econmico causado pela explorao de recursos, como ocorreu durante o ciclo do ouro em Ouro Preto, Mariana, So Joo Del Rey e Paraty; ciclo da cana-de-acar gerando esvaziamento de cidades vizinhas para abastecer Recife e Olinda de mo-de-obra; e no ciclo do caf, concentrando riquezas em cidades nas redondezas do eixo lavoura-porto. Hoje, no chamado ciclo do Petrleo, as cidades norte-fluminenses citadas (situadas na Bacia de Campos) experimentaram aumentos intensos de fluxos migratrios de populao de baixa renda com perspectivas de ascenso social, decorrente do desenvolvimento (MENDES GLORIA, 2005). A indstria petrolfera foi uma das contribuintes para a exposio do Esprito Santo ao mercado nacional e internacional. A plancie costeira do Rio Itabapoana, at ento praticamente desabitada foi alvo de especulao industrial, e no ano de 2009 a empresa Ferrous Resources Limited do Brasil (Ferrous) anunciou o investimento de R$ 11 bilhes na construo de um Terminal Porturio Privativo, Usina de Pelotizao, Usina de Siderurgia e um

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mineroduto com extenso de 450 km. O terminal j se encontra em fase de Audincia Pblica, e os demais esto em fase inicial de licenciamento (IBAMA, 2010). A FIGURA 6 indica a rea de Influncia Direta do empreendimento (terminal porturio):

Figura 6: rea de Influncia Direta do Terminal Porturio Privativo de Presidente Kennedy. FONTE: CEPEMA R, 2010

A retrorea do terminal contar com usinas e alojamentos, totalizando uma rea de quase 4 milhes de m2 , enquanto a parte marinha contar com pontes de acesso com 5 km de extenso, terminando em peres de embarque e a bacia de evoluo. A rea de Influncia Direta ser instalada em grande parte sobre o sedimento marinho arenoso prximo parte, alm da zona pantanosa retroterra. Como o prprio RIMA (Relatrio de Impacto ao Meio Ambiente) do empreendimento afirma, h grande preocupao quanto aos impactos ambientais e scio-econmicos. Focando na parte social, os possveis impactos compreendem atrao de populao e gerao de expectativa fre nte possibilidade de emprego (estimam-se 18 mil empregos criados direta ou

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indiretamente), intensificao

do

processo

de

especulao

imobiliria,

acelerao da expanso urbana, fixao de populao, tudo isso gerando agravamento de problemas sociais, caso no haja investimentos nas reas sociais, educacionais, de sade, infra-estrutura, etc (CEPEMAR, 2010). A ocupao do municpio devido ao inchao populacional preocupante, visto que no h plos industriais na regio. A chegada da Ferrous deve ser precedida por estabelecimento de infra -estrutura, e, consequentemente, ocupao. O exemplo de Maca deve ajudar na pesquisa scio-econmica do desenvolvimento de Presidente Kennedy. Como durante muitos anos a economia do municpio era basicamente agropecuria, a falta de mo de obra qualificada, obriga a vinda de mo-de-obra externa para tal, o que acarreta uma crescente presso imobiliria sobre a zona costeira. Como a tendncia populacional a concentrao na orla, planos de gesto devem ser elaborados para que a ocupao no seja desordenada, uma vez que construes beira-mar modificam o balano sedimentar elico e marinho, provocando desequilbrios que causaro, indubitavelmente, conseqncias desastrosas para a populao local (MUEHE, 2001). Felizmente, o municpio de PK foi includo no Projeto Orla, plano que visa ao ordenamento dos espaos litorneos sobre domnio da Unio, com enfoque tanto ambiental como patrimonial. Dessa maneira, percebe-se que o estudo da vulnerabilidade, incluindo os fatores sociais, econmicos, geolgicos e biolgicos de grande importncia para o crescimento ordenado de qualquer regio.

4 METODOLOGIA

4.1 FUNDAMENTOS TERICOS E METODOLGICOS

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4.1.1 Definindo vulnerabilidade, risco e susceptibilidade

Tema corrente em trabalhos de geocincias, o termo vulnerabilidade amplamente discutido, e tem sua aplicao ligada a desastres e incidncia de fenmenos naturais (MAZZER, 2007). A dinmica e complexidade dos sistemas costeiros, a gama de presses exercidas e a multiplicidade de atores envolvidos nos sistemas costeiros, entretanto, fazem com que seu conceito no seja totalmente elucidado (MCFADDEN & GREEN, 2007). De qualquer maneira, seu conceito est ligado incapacidade do ambiente em receber um impacto. A diferena na sua conceituao advm das importncias dadas nos trabalhos aos subsistemas que a compem.

As Naes Unidas para a Estratgia Internacional de Reduo de Desastres (International Strategies for Disaster Reduction - ISDR, 2004), por exemplo, definem vulnerabilidade como o conjunto de condies e processos resultantes de fatores fsicos, econmicos e ambientais, que aumentam a suscetibilidade de uma comunidade frente a um impacto e/ou fenmeno perigosos.

Para BORUFF et al. (2005), vulnerabilidade o conjunto de fatores que magnificam ou atenuam os efeitos de eventos naturais, tecnolgicos ou induzidos por homens, e tais fatores diminuem a habilidade do indivduo ou da sociedade de se recuperar aps a ocorrncia do evento. Em seu trabalho o autor afirma que e probabilidade e a freqncia de uma catstrofe ocorrer pode ser calculada a partir de eventos passados (como o El Nio), mas estimar sua vulnerabilidade difcil por requerer a mescla de dados fsicos com sociais.

DUTRIEUX et al. (2000) usaram a definio de risco e de sensibilidade para a elaborao de cartas de vulnerabilidade. Seu conceito est ligado a mais dois: a susceptibilidade, entendida como algo natural, em funo das caractersticas intrnsecas ao meio, que assim determina sua capacidade de sofrer alteraes dado sua riqueza (ou biodiversidade) e de resistir a um stress (resilincia); e o

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risco, que vem associado s atividades antrpicas e varia segundo o tipo de aes desenvolvidas, como aporte de poluentes, uso do solo e

superexplorao de recursos naturais.

J para CLARK et al. (1998), a vulnerabilidade definida de maneira mais social como a incapacidade diferencial das pessoas em resistir a impactos baseado na posio dos grupos sociais em relao aos mundos fsico e biolgico. Assim, divide a vulnerabilidade em funo de dois atributos: o risco de sofrer eventos catastrficos (exposio, relacionado susceptibilidade) e coping ability, dividida em resistncia e resilincia (mesmo conceito j explicitado). Os autores ento usam um evento hipottico de enchente e incluem o que chamam de vulnerabilidade social, que seria a capacidade dos indivduos (e no do ambiente) de voltarem ao estgio pr-evento. Outros trabalhos como BOHLE (1993) e CUTTER (1996) estabelecem a ligao entre a vulnerabilidade ambiental com fatores sociais, como poderio econmico e poltico, relao de propriedade e relaes sociais da comunidade.

Nesse sentido, MCFADDEN e GREEN (2007) afirmam que para cada cincia, o conceito de vulnerabilidade ser diferente: para um cientista social, a vulnerabilidade condicionada pelas populaes passadas, correntes e futuras e seus padres de estabelecimento combinados com a riqueza econmica da regio. Para um engenheiro, est associada em termos quantitativos com a extenso do dano ocorrido em um evento. J para um eclogo, vulnerabilidade se relaciona com a biodiversidade e a redundncia funcional. Assim, em seu artigo os autores ratificam a necessidade da unio das cincias para o fornecimento de ndices de vulnerabilidade mais complexos (dada a tendncia de gesto surgida com o ICZM - Integrated Coastal Zone Management, ou Gerenciamento Costeiro Integrado), que analise os trs sistemas envolvidos: geomorfolgico (estrutural), scio-econmico e ecolgico. No presente trabalho o enfoque da vulnerabilidade dado somente para o subsistema

geomorfolgico, descrito a seguir:

SUBSISTEMA GEOMORFOLGICO

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Processos geolgicos ocorrem em variadas escalas temporais, desde minutos a bilhes de anos. Nessa linha, entra o conceito de geoindicadores, que a Unio Internacional de Cincias Geolgicas (IUGS, 2010) define como medidas de processos e fenmenos de superfcie ou sub-superfcie que variam significantemente em perodos menores que 100 anos e fornecem informaes importantes para a avaliao ambiental.

Portanto, geoindicadores so

feies geomorfolgicas que influenciam

processos e determinam como determinada comunidade biolgica ir responder e se recuperar de um fenmeno. Seu conceito est ligado ao de susceptibilidade, j discutido (DUKE UNIVERSITY..., 2001). A IUGS (2010) lista 27 geoindicadores, dos quais podem ser destacados: o padro de crescimento de corais, formao de dunas, tempestades de areia, salinidade e nvel de lagos, eroso elica, estrutura e extenso de reas alagveis, qualidade da gua superficial e do solo, deslizamentos de terras e avalanches, nvel relativo do mar, variao da linha de costa, eroso de solos, e assim por diante.

O uso de geoindicadores em trabalhos de vulnerabilidade de grande valia. BUSH et al. (1996) os dividem em parmetros gerais (vegetao e elevao), de linha de costa (configurao, taxas de eroso/acreso, leques de sobrelavagem) e parmetros de desembocadura e interiores (descarga de sedimento, drenagem, solos, configurao de dunas). Por sua vez, GALLERINI et al. (2003) constroem seu banco de dados para anlise de vulnerabilidade a partir da hidrologia, geologia, geomorfologia, cobertura do solo, altimetria, batimetria e linha de costa.

Estudando o litoral de Santa Catarina, MAZZER (2007) usou como geoindicadores as alteraes interanual e interdecadal da linha de costa e a determinao de clulas de circulao costeira. O autor justifica o uso da alterao da linha de costa usando como axioma que a linha de costa responde aos agentes fsicos que sobre ela atuam (ondas, correntes e mars), enquanto as clulas de circulao so unidades homogneas bsicas fundamentais para

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o gerenciamento da orla.

Devido ao arcabouo geolgico e meteo-oceanogrfico, os brasileiros so privados de grandes desastres que atuam em outros pases, como vulcanismo, terremotos, furaces, tsunamis e avalanches de gelo. Entretanto, de acordo com VARNES (1984), os fenmenos de deslizamento de encosta (landslides), freqentes no Brasil, so igualmente danosos, alm de serem grandes responsveis pelas mortes nos eventos anteriormente citados. Como causas de deslizamentos o autor explica a inclinao, litologia, tipologia e densidade da vegetao, proximidade do lenol fretico e ocupao antrpica, assim associando-o ao subsistema scio-econmico.

SUBSISTEMA SCIO-ECONMICO

O trabalho desenvolvido pela IUGS (op. cit.) voltado para a zona costeira, tendncia seguida no presente trabalho. A zona costeira consiste de um sistema nico, onde ocorrem os habitats mais produtivos do planeta, como recifes de corais, esturios, lagoas, reas alagveis e plancies de mars (CLARK, 1996). A prpria definio de zona costeira (CARTER, 1989) j passa a idia de quo susceptvel o sistema : o espao em que os ambientes terrestres influenciam o ambiente marinho (ou lacustre) e vice-versa. A zona costeira de largura varivel e pode mudar com o tempo, sendo sua delimitao quase sempre impossvel, e seus limites marcados por gradientes ou transio. Ou seja, se de um lado a zona costeira recebe os impactos naturais marinhos, como a elevao do nvel do mar, ondas de tempestade (incluindo tsunamis), eroso costeira, ciclones e furaces (CARTER, 1989; CLARCK, 1996); do outro lado recebe os impactos vindos de retro terra: enchentes de rios em plancies, descarga de sedimentos fluviais e elicos, terremotos, furaces e tufes.

Mesmo com toda sua vulnerabilidade natural, a zona costeira se insere como lugar preferencial para ocupao. De acordo com a Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura (UNESCO,1994), 60% da populao

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mundial vive a menos de 60 km do mar. Ou seja: em uma faixa de terra que representa menos de 2% da poro de terra do globo, 4 bilhes de pessoas esto aglomeradas.

Dessa maneira, a vulnerabilidade no pode ser entendida apenas como uma matria tcnica, mas como um tema social (MCFADDEN & GREEN, 2007). O furaco Katrina de New Orleans, o terremoto no Haiti e no Chile (2010), o tsunami no Oceano ndico em 2004, e, mais prximo, a enchente e os deslizamentos no Rio de Janeiro (2010) indicam que o contexto social somado ao fsico, e que um terremoto em uma zona subdesenvolvida ter impactos completamente diferentes de outro da mesma magnitude, que ocorra no Japo, por exemplo. De acordo com a ISDR (2004), mais de 97% das mortes relacionadas a desastres naturais ocorrem em pases em

desenvolvimento. Uma crtica relevante feita pelo artigo que se torna impossvel para pases com elevada dvida externa investirem em infraestrutura e mitigao de ameaas naturais. Ou seja, os pases desenvolvidos que enviam dinheiro para os subdesenvolvidos aps os desastres so os mesmos que impedem seu investimento na preveno pr -desastre.

CUTTER et al.(2003) introduz o conceito de vulnerabilidade social, j explicitado. Como atores dessa vulnerabilidade, citam a falta de acesso a recursos (informao, conhecimento e tecnologia), acessos limitados representao poltica e ao poder, capital social, crenas e costumes, alm de idade, limitao e fragilidade dos indivduos.

SUBSISTEMA ECOLGICO

VILLAS e McLEOD (2000) pem a vulnerabilidade ambiental como funo de dois conjuntos de fatores, extrnsecos e intrnsecos, ambos divididos em expresso e potencial. Fatores Intrnsecos Expressos so ento relacionados sade e integridade do ecossistema, ou seja, status de conservao e processos dinmicos naturais. Os autores usam a definio de CAIRNS (1977) para sade do ecossistema, que a manuteno das caractersticas de

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estrutura e funo da comunidade em um local particular ou considerada satisfatria para a sociedade, ou seja, uma viso bastante antropocntrica. Como estrutura da sociedade entendem o vigor (metabolismo e produo primria), organizao (interao entre os componentes do sistema) e resilincia.

Em seu trabalho, WILLIAMS e KAPTUSKA (2000) definem vulnerabilidade como a caracterstica do sistema em responder a fatores estressantes em dado tempo e espao. J a vulnerabilidade do ecossistema dada pelo potencial do sistema em responder a fatores estressantes em dado tempo e espao, ou seja, a medida da incapacidade de um ecossistema de sofrer impactos.

Por fim, DE LANDE et al. (2006) apontam que o que torna as espcies mais vulnerveis a exposio ao solo (sedimento), ciclo de vida e nvel trfico (atravs da bioacumulao). Ou seja, em seu estudo sobre vulnerabilidade ecolgica, esta foi associada a um estudo de ecotoxicologia.

4.1.2 Vulnerabilidade da Plancie Costeira

4.1.2.1 ndices de vulnerabilidade

A partir da anlise e reviso bibliogrfica de estudos de vulnerabilidade, pdese perceber que o seu conceito muitas vezes se confunde com a metodologia. O quadro abaixo aponta os trabalhos e as variveis utilizadas na definio da vulnerabilidade:

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Tabela 3: Sntes e das variveis utilizadas em trabalhos de vulnerabilidade, segundo compilao bibliogrfica

AUTOR (ES) GORNITZ et al. (1992) DAL (1994) BUSH et al.(1996) RICHMOND et al. (2001) GALLERINI et al.(2006) SHORT (1999) MAZZER (2007) CIN e

INDICADORES DE VULNERABILIDADE Feio geomrfica, litologia, subsidncia, taxas de eroso/acreso (fotos areas), altura de ondas mxima, probabilidade de tempestades tropicais, de furaces e elevao altimtrica.

CIMEONI Hidrodinmica, evoluo, morfologia e sedimentologia da praia e antepraia e interveno humana Vegetao e elevao, linha de costa (configurao, taxas de eroso/acreso, leques de sobrelavagem) e parmetros de desembocadura e interiores (descarga de sedimento, drenagem, solos, configurao de dunas). Eroso costeira, elevao do nvel do mar, grandes tempestades, erupes vulcnicas e sismicidade, inundaes, tsunamis, declividade da zona costeira, Hidrologia, geologia, geomorfologia, cobertura do solo, altimetria, batimetria e linha de costa. Profundidade da praia, altura de onda na quebra, presena e intensidade de correntes na zona de surfe, Taxa de variao da linha de costa interdecadal e interanual, altura de onda na quebra, amplitude altimtrica da orla martima, inclinao da face litornea, velocidade residual de corrente longitudinal, balano de sedimentos potencial, largura do ps-praia, tamanho mdio do gro e declividade na face praial

NASCIMENTO DOMINGUEZ (2009)

e Geologia, solos, declividade, vegetao e uso da terra

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notrio o uso do SIG (Sistema de Informaes Geogrficas) em praticamente todos os trabalhos de vulnerabilidade. Utilizando-se da plancie costeira de Belmonte e Canavieiras (BA), NASCIMENTO & DOMINGUEZ (2009) conceituam vulnerabilidade e atribuem valores de 1 a 5 s categorias descritas, tendo por base a metodologia de THIELER & HAMMAR-KLOSE (1999).

Para a geologia em especial, os autores atribuem menores valores de vulnerabilidade s rochas mais antigas (1 para rochas do Arqueano, 2 para Proterozico e 3 para sedimento Tercirio do Barreiras), e atribuem tambm valores para a fragilidade (1 para Arqueano e Proterozico, 3 para Tercirio, por ser inconsolidado), assim fazendo mdia aritmtica. Aos sedimentos quaternrios holocnicos, argilo-lamosos de manguezais, e aqueles situados numa faixa at 1km da linha de costa foram atribudos os valores mais altos, usando como base bibliogrfica MUEHE (2001).

As classes, ento, foram separas da seguinte maneira:

Classe 5 (Muito alta vulnerabilidade ambiental) todo o manguezal, terras alagveis e terraos flvio-lagunares, ou seja, os ambientes mais sensveis, sujeitos a inundaes e transbordamento de rios, retrabalhados durante o perodo Quaternrio.

Classe 4 (Alta vulnerabilidade ambiental) terraos marinhos holocnicos regressivos, que so de baixa declividade, e portanto, sujeitos a alagamentos. Incluem cordes litorneos com lenol fretico aflorante.

Classe 3 (Mdia vulnerabilidade ambiental) principalmente os diques marginais dos rios, com sedimento argilo-arenosos, alm de reas de pastagem e de monocultura. Esto sujeitas inundaes em perodos de cheia.

Classe 2 (Baixa a Mdia vulnerabilidade ambiental) reas de tabuleiro e serras, onde a vegetao original foi substituda por pastagens e reas de cultivo (principalmente eucalipto).

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Classe 1 (Baixa vulnerabilidade ambiental) alta estabilidade litolgica e de solos, permanecendo com a cobertura vegetal original ou de monocultura de eucalipto. Encontram-se predominantemente em reas mais elevadas.

As reas com maiores vulnerabilidades esto localizadas na plancie costeira. Por sua vez, as reas com menor vulnerabilidade encontram-se em reas agrcolas e pastoris, com solos mais estveis e litologia mais antiga, presente em tabuleiros e reas elevadas. Caso as mesmas classes fossem aplicadas Plancie Costeira de Presidente Kennedy, s as classes 4 e 5 estariam presentes. Assim, novos materiais e mtodos foram propostos, e foi includa a vulnerabilidade da linha de costa em especfico, aumentando o nvel de detalhe do estudo da plancie costeira.

4.1.3 SISTEMA PRAIAL NOMENCLATURA E DEFINIES

A fim de melhor entendimento, os pargrafos a seguir trataro da padronizao e descrio dos termos usados no presente trabalho.

Segundo Komar (1998) a praia a acumulao de sedimento inconsolidado estendendo-se da linha mdia de baixa-mar at onde ocorre uma mudana fisiogrfica (campo de duna, falsias ou vegetao permanente). Por sua vez, o ambiente praial mais amplo, agrupando pontos permanentemente submersos, situados alm da zona de arrebentao onde as ondas mais fortes quase no selecionam e mobilizam o sedimento at a faixa de dunas. O mesmo autor considera costa como um termo mais abrangente, incluindo regies de retroterra como campo de dunas e esturios. A FIGURA 7 indica a terminologia utilizada na compartimentao das praias (modificado de ALBINO, 1999), seguida pela descrio encontrada na TABELA 4:

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Figura 7: Compartiment ao da praia modificada de ALBINO (1999)

Tabela 4: Nomenclat ura e descrio das feies praiais

Backshore (Davi s, 1985)

Ps-praia (Muehe, 1994; Suguio,

rea plana da praia situada entre o limite superior da preamar at a mudana de fisiografia

1992); Berma ou terra o tempestade (Mendes, 1984) Foreshore (Davi s, 1985) Antepraia superior (Suguio, Estirncio (Mendes, 1994) Nearshore (Davi s, 1985) Antepraia inferior 1992); de

rea situada entre o limite superior da preamar e linha de baixa mar

Com largura de centenas de metros, trmino situa-se da entre zona o de

ou shoreface (Niedoroda et al. 1985)

(Albino, 1999)

arrebentao e o comeo da plataforma interna. Berm (Davi s, 1985) Berma ou Terrao de tempestade Terrao ps-praia plano situado no continent al

36Beach face (Davis, 1985) Face da praia rea inclinada situada abaixo do berma, passvel de

emerso e imers o pelas ondas. Alto grau de

transporte e mobilizao de sediment o Longshore 1985) Bar (Davi s, Barra longitudinal Barra imers a paralela praia, eventualment e se tornando emersa.

Praias so ambientes extremamente dinmicos e sensveis, presentes prioritariamente em costas dominadas por ondas. So construdas por processos de ondas, como corrente longitudinal e trocas transversais (BOGGS, 2006). Tendo como base critrios morfodinmicos, que englobam a mobilizao do sedimento por ondas na antepraia, seu deslocamento e sua interao com a parte emersa (fatores que dependem do clima de ondas, grau de exposio da praia e sua caracterstica geomorfolgica, segundo MUEHE, 2001) possvel estabelecer classes de vulnerabilidade para a linha de costa, em que a ocupao no deve ocorrer prioritariamente, devido forte interao com processos marinhos.

Dentre as classificaes de tipologia de praia que se deve ter em mente para o estudo da vulnerabilidade tm-se as categorias estabelecidas por Wright e Short (1984) para os estados morfodinmicos das praias: intermedirias, refletivas e dissipativas.

Representando os extremos, praias dissipativas so caracterizadas por larga zona de surfe, baixo gradiente topogrfico e suprimento sedimentar concentrado na poro subaquosa da praia. Tal condio favorecida por ondas de tempestade e areia de granulometria fina. As ondas em praias dissipativas arrebentam longe da praia emersa, e vo decaindo em altura com a aproximao dessa.

Por sua vez, praias refletivas so caracteristicamente o oposto: zona de surfe curta ou inexistente, alto gradiente topogrfico e suprimento sedimentar concentrado na parte emersa da praia. A granulometria geralmente mais grossa e as ondas nesse tipo de praia so frontais, arrebentando na face da praia (CALLIARI et al., 2003).

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So duas as conceituadas formas de se estabelecerem a tipologia praial. A primeira, estabelecida por Guza e Inman (1975) leva em considerao as ondas (perodo e altura) e a declividade do perfil praial. A segunda, proposta por Dean (1973), a ser usada no presente trabalho expressa abaixo:

Em que

representa a altura significativa das ondas na face praial,

a velocidade de

decantao dos gros na face praial e T o perodo das ondas medido em campo. O parmetro mega internacionalmente aceito por representar a possibilidade que um gro de areia tem de se depositar quando posto em suspenso durante o tempo que a onda flui pela face da praia pela passagem de uma onda. Se ocorrer deposio, os gros saem da antepraia e vo para a face praial, caracterizando um perfil de acreso, de praia tipicamente refletiva. Se a deposio no ocorrer, o gro fica em suspenso por perodos de tempo maiores e um perfil de erosional desenvolvido, caracterstico de praias dissipativas. A tabela abaixo correlaciona os valores de mega com a tipologia praial:Tabela 5: Valores de de Dean (1973) caracterizando a tipologia de praias arenosas

Estado Refletivo Terrao de Baixa-mar Bancos Transversais Banco e Praia de cspides Banco e calha longitudinal Dissipativo

1,5 2,40 3,15 3,50 4,70 >5,5

Desvio Padro 0,19 0,64 0,76 0,93 -

A vulnerabilidade do sistema praial ser tratada aqui com relao a sua tipologia, visto que essa determinar se a praia sofrer acreso ou eroso de seu prisma emerso. Alm da tipologia, a vulnerabilidade ser definida de acordo com a resposta do sistema praial frente elevao do nvel do mar, de acordo com a metodologia de Brunn (1962) j descrita. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) estabelece que at o ano de 2100, provavelmente o nvel do mar subir 1m e tem por principal objetivo

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identificar e avaliar as vulnerabilidades fsicas, ecolgicas e scio-econmicas a essa elevao, que ser ento estudada no trabalho.

4.1.4 FEIES COSTEIRAS NOMENCLATURA E GNESE

A nomenclatura utilizada no presente trabalho para feies geomorfolgicas ser aquela adotada por FERNANDEZ (2008), que tendo por bases autores conceituados, usa o termo ingls Barrier como Barreira (ilha-barreira ou sistema Ilha-laguna-barreira), ainda que Dias e Silva (1984) tenham questionado seu uso devido a possveis confuses com a Formao Barreiras. Seu uso substitui o termo Restingas, que hoje possui um cunho muito mais ecolgico do que geomorfolgico, o que levou a vrios autores ao dever de explicar a que se referem na introduo de seus artigos (e.g. SUGUIO e TESSLER, 1984; FLEXOR et al. 1984).

Barreiras arenosas costeiras (Ilhas barreira) constituem as feies geomorfolgicas mais importantes em costas dominadas por ondas (ROY, 1994). Sua existncia est intimamente relacionada a lagoas costeiras e uma no existe sem a outra (BARNES, 1980). A prpria definio de lagoas costeiras engloba as barreiras: corpos aquosos em terra, encontrados em todos os continentes, frequentemente orientados paralelos costa, separados do oceano por uma barreira, conectadas ao oceano por uma ou mais entradas restritas que permanecem abertas ao menos intermitentemente, e possuem profundidades que raramente excedem poucos metros (KJERVE, 1994).

Para Martin e Dominguez (1994) os fatores atuantes na construo e manuteno de barreiras arenosas so trs: histrico de VRNM, dinmicas da shoreface (antepraia inferior, rea correspondente ao trmino da zona de arrebentao e a plataforma continental interna, segundo Niedoroda et al., 1985), e a amplitude da mar. de se esperar, portanto, que o sedimento encontrado na ilha barreira seja reflexo daquele encontrado na antepraia, face da praia e ps praia.

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Fernandez (2008) subdivide os fatores condicionantes e adiciona outros. Para o autor, a VRNM, o espao de acomodao, a disponibilidade de sedimentos, a sedimentao na zona submarina, a influncia de sedimentao fluvial, a orientao da linha de costa, o clima de ondas, o transporte predominante, as variaes de mar e condies meteorolgicas, a dinmica sedimentar da zona de surfe e da antepraia so somadas a uma provvel incorporao de eventos neotectnicos, contribuindo para a construo de ilhas barreiras, como mostra a FIGURA 8, abaixo:

Figura 8: Mecanismos de desenvolviment o de ilhas-barreira segundo SUGUIO (2003)

A nomenclatura de cordes litorneos est relacionada com a transgresso marinha formando uma ilha barreira, que explicada pela conceituada regra de Brunn (1962): assumindo que o perfil praial representa uma resposta das variaes do nvel do mar, uma situao de aumento da lmina dgua refletiria num recuo do perfil emerso em direo retroterra e translao vertical. Dessa maneira, com o aumento do NRM sobre uma plancie de baixo relevo, a praia e a duna fronta l so alimentadas pela deriva longitudinal e crescem verticalmente e proporcionalmente com aumento do NRM. A zona baixa atrs da duna, entretanto, permanece com a mesma altitude e, com o aumento do NRM se torna uma lagoa. Logo atrs de uma ilha -barreira, portanto, ser formada uma lagoa de largura varivel, geralmente paralela costa. A figura 9 esquematiza a resposta da antepraia e do prisma emerso frente subida e descida do nvel do mar,

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segundo Brunn (1962):

Figura 9: Varia es do perfil praial emerso e imerso frente subida e descida do nvel do mar. Adaptado de MARTIN E DOMINGUE Z (1994)

Por outro lado, quando a barreira est relacionada com a regresso marinha, a denominao adotada de cristas de praia, cujo alinhamento tambm explicado pela regra de Brunn (1962), demonstrado na parte inferior da figura acima. O alinhamento dos cordes praiais at meados da dcada de 1980 era relacionado apenas com o aporte sedimentar de deltas, que seria retido em sua desembocadura, o que levou aos autores a classificar os grandes deltas da costa leste brasileira como deltas dominados por ondas. A denominao foi bastante influenciada pela escola americana, que, por no ter ainda presenciado nveis de mar holocnicos mais altos que os atuais, no considerava sua variao na classificao dos sistemas fluviais.

Com a introduo do conceito de molhe hidrulico (SUGUIO et al.,1985; DOMINGUEZ, 1990) a idia foi mudada. Dessa maneira, atualmente entende-se que o abaixamento do nvel do mar (sofrido na costa leste brasileira aps o mximo alcanado em 5.600 anos A.P) responsvel pela alocao de material sedimentar imerso para o prisma praial emerso, disponibilizando sedimentos para que as correntes longitudinais possam transport-los at que encontrem uma barreira. Em regies sem nenhuma barreira no haver grandes acumulaes de depsitos arenosos, pois essas serviro como zona de by-pass. Durante o perodo de cheia dos rios, esses podero servir como uma barreira

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natural, aprisionando barlamar a carga sedimentar marinha, e depositando sua carga fluvial a sotamar, como indica a figura 10, abaixo:

Figura 10: Efeito de molhe hidrulico esquematizado por Suguio (1985)

J o alinhamento que ocorre nessas cristas de praia pode ser explicado por duas maneiras distintas, sendo a primeira a mais aceita:

Os cordes so cristas de praias abandonadas:

Figura 11: Alinhamento de cordes litorneos a partir de abandono de cristas de praia. Fonte: SUGUIO E TESSLE R (1984)

No estgio A, o perfil de equilbrio. Em B, um evento qualquer eleva o nvel do mar, quebrando o equilbrio praial, retirando sedimento da face da praia e depositando na antepraia. Em C, com o restabelecimento das condies oceanogrficas normais, as ondas comeam a sofrer influncia das ondas em uma distncia maior da costa, e vo empurrando o sedimento da antepraia para o prisma de praia, como demons trado por

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FLEXOR et al. (1984). Se tal condio persistir por um tempo maior, um novo aumento do nvel do mar no vai erodir o prisma anterior, mas construir um novo.

Os cordes so antigas barras de antepraia

Figura 12: Alinhamento de cordes litorneos a partir de barras de antepraia. Fonte: SUGUIO E TESSLE R (1984)

Se regresso marinha proceder bruscamente pode fazer com que barras de antepraia no sejam retrabalhadas, e assim formarem cristas praiais.

Estudando as plancies associas s desembocaduras dos deltas dos rios So Francisco (SE/AL), Jequitinhonha (BA), Doce (ES) e Paraba do Sul (RJ), DOMINGUEZ et al.(1981) estabeleceram o esquema evolutivo das plancies da costa leste brasileira, cujo limite marcado por uma linha de falsias mortas, de deposio terciria, denominada Formao Barreiras. De maneira geral, foi estabelecido o esquema abaixo (FIGURA 10) para a formao das plancies costeiras do Brasil:

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Figura 13: Esquema evolutivo das plancies costeira brasileiras. Fonte: DOMINGUE Z et al. (1981)

Os Estgios 1 a 3 correspondem deposio da Formao Barreiras durante o Plioceno. Aps um longo perodo de clima quente e mido que propiciou a formao de espesso manto de intemperismo, o clima adquiriu, durante o Plioceno, caractersticas semi-ridas com chuvas torrenciais e pouco freqentes no fim do Tercirio. Devido vegetao estar mais rarefeita, a exposio do manto de intemperismo subsidiou o transporte por fluxos gravitacionais, depositando, aos ps das montanhas, leques coalescentes e mal-selecionados, caracterizando hoje a Formao Barreiras. Com o

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nvel de mar baixo (entre 100 e 200 metros abaixo do atual) a deposio pde atingir eventualmente a Plataforma Continental (DOMINGUEZ et al., 1981). De acordo com os estudos de evoluo para as plancies costeiras do Brasil foram dois os eventos de deposio, o que leva a certos autores classificao de Grupo Barreiras em virtude da acentuada heterogeneidade lito e faciolgica (Bigarela, 1964 - Consideraes). O estgio 2 representa ento uma subida do nvel do mar durante o Pleistoceno (evidenciado por Suguio et al., 2001 p.129 livro quaternrio preto), e o 3 seria outra deposio terrgena.

O estgio 4 representa o nvel marinho mais alto de 82 metros acima do atual, chamado de Mximo da Penltima Transgresso (BA), Transgresso Canania (SP) ou Barreiras 3 (RS). Nesse estgio (120.000 anos A.P) houve o afogamento dos depsitos continentais, com as ondas retrabalhando a linha de falsias costeiras. Data da o afogamento do curso inferior dos grandes rios da costa leste brasileira e sua transformao em esturios e lagunas.

No quinto estgio (46.000 a 17.500 anos A.P.), com a regresso do nvel do mar durante o Pleistoceno (j no Perodo Quaternrio), o perfil de praia foi destrudo e as areias imersas disponibilizadas para a praia emersa, assim construindo terraos marinhos pleistocnicos, como explicado anteriormente. Uma grande plancie costeira foi formada, visto que o nvel do mar situava-se onde hoje se encontra a quebra da plataforma.

O estgio 6 representa o mximo da ltima Transgresso (BA), Transgresso Santos (SP) ou Barreira 4 (RS), que deu-se entre 6.500 e 7.000 anos A.P, que atingiu entre 4 e 5 metros acima do atual, erodindo grande parte dos terraos pleistocnicos. A grande carga sedimentar disponvel, aliada a um sistema de micromar e ao intensa de ondas foi capaz de promover a formao de sistema ilha -laguna barreira, aprisionando o sistema fluvial.

No estgio 7 houve a formao de deltas intralagunares. A transgresso anterior possibilitou a eroso de diversas regies no entorno dos rios, que com a posterior regresso possibilitou a formao de vasta rede de drenagem.

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O ltimo estgio, a cerca de 5.500 anos A.P., o nvel do mar foi sofrendo descenso progressiva (com pequenas subidas) at atingir o nvel atual. Nesse estgio, da mesma maneira que no estgio 5, foram construdos terraos arenosos marinhos com cordes praiais Holocnicos. Durante essa fase regressiva os grandes sistemas lagunares desapareceram, sendo substitudos por zonas pantanosas entre as cristas. As pequenas flutuaes (transgresses) foram responsveis pelo afogamento de algumas cristas e construo de novos sistemas de lagunas-barreiras.

4.2 MATERIAIS E MTODOSO fluxograma abaixo indica os materiais, tratamento de dados e produtos que refletem as etapas de elaborao do trabalho:

Figura 14: Fluxograma das etapas de elaborao do trabalho

A anlise da vulnerabilidade compreendeu coletas de campo, anlise de dados em laboratrio, tratamentos estatsticos e gerao de mapas. Durante todo o processo fezse uso de SIG (Sistema de Informao Geogrfica), importante ferramenta para estudos

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de vulnerabilidade por ser capaz de armazenar, organizar, especializar, manipular e modelar dados, gerando produtos cartogrficos (MAZZER, 2007). Atravs do Software ESRI 9.3, foram obtidos alguns dados, as fotos foram georreferenciadas, as feies identificadas e demarcadas, os mapas gerados e as zonas de risco delimitadas. Todos os dados foram armazenados com coordenadas UTM, zona 24S com o datum WGS 1984.

O trabalho foi dividido em trs partes, cujas metodologias usaram por vezes materiais semelhantes, fornecendo produtos distintos que foram, por final, integrados no mapa de vulnerabilidade.

4.2.1 GNESE DA PLANCIE COSTEIRA

Para a elaborao do mapa de evoluo geolgica foi feito primeiramente extenso levantamento bibliogrfico para o estudo da geomorfologia e a implicao que as variaes do nvel do mar tm sobre plancies costeiras.

Aps a reviso, atravs de fotografias areas foram identificadas as feies e estabelecidos os locais de coleta de sedimento para anlise laboratorial.

4.2.1.1 Fotografias areas:

Foram 3 as fontes de fotografias areas: IEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente), representando perodo de seca (2008); o Software Google Earth, representando perodo de cheia, e fotos antigas do IDAF (Instituto de Defesa Agrcola e Florestal), tomadas atravs do projeto RADAMBRASIL para a dcada de 70. As duas primeiras fontes so digitais, e foram trabalhadas no programa ArcGis. As fotos do Instituto (escala de 1: 25.000) serviram como suporte na identificao das feies.

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4.2.1.2 Coletas de campo e tratamento das amostras:

Foram feitas 6 coletas no dia 19 de agosto de 2010, definidas previamente a partir da identificao das feies morfolgicas. Assim, cada estao amostrada deveria representar uma feio determinada. Os locais de coleta so mostrados na figura 15. Para o rio, foi feito um perfil vertical na margem, para a coleta de 3 amostras. As coletas foram efetuadas com cavadeira articulada (boca de lobo).

As coordenadas das coletas esto indicadas na tabela 6 e mostradas na figura 15:Tabela 6: Coordenadas das coletas efetuadas para anlise da plancie costeira

Estao Plancie 1 Plancie 2 Plancie 3 Plancie 4 Plancie 5 Plancie 6 E(X) 295942 296308 298692 296655 293377 292917 N(Y) 7645453 7645482 7655251 7654376 7650496 7650245

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Figura 15: Localizao no mapa das coletas efetuadas para anlise da plancie costeira. FONTE: IEMA (2009)

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O tratamento de todas as amostras seguiu as etapas propostas por Suguio (1973) de coleta, retirada do sal, quarteamento, queima de matria orgnica com perxido de hidrognio (H2O2), retirada da lama via mida e peneiramento. Com o sedimento separado de acordo com as classes granulomtricas foi feita a anlise granulomtrica, de acordo com a metodologia de Folk & Ward (1957) e a anlise morfoscpica, de acordo com a metodologia de Ligus (1958 apud Albino, 1999) e Pettijohn (1957, apud Albino, 1999).

Para a anlise granulomtrica foi usado o software Gradistat v. 4.0, desenvol vido por Simon Blott, da Universidade de Londres. Os parmetros e as frmulas utilizadas pelo programa para a anlise granulomtrica so mostrados na tabela 7, abaixo:Tabela 7: Parmetros usados para a anlis e granulomtrica

Parmetro Mdia

Frmula

ClassificaesMuito bem selecionado Bem selecionado Moderadamente bem selecionado Moderadamente selecionado Mal selecionado Muito mal selecionado Extremamente mal selecionado

-

4,0

Desvio Padro

Para a anlise morfoscpica foi seguida a figura 16 como padro (Powers, 1953, apud Albino, 1999):

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Figura 16: Grau de arredondament o do gro segundo POWE RS (1953, apud Albino, 1999)

Foram analisados 300 gros de cada amostra, sendo 100 gros para o intervalo de 1,0 , 100 para 1,5 e 100 para 2,0 . Cada gro foi analisado quanto ao aspecto (brilhante, brilho natural, picotado, fosco e sujo) e quanto ao grau de arredondamento (muito anguloso/anguloso, subanguloso, subarredondado, arredondado/muito

arredondado). Para melhores classificaes, foram sugeridos agrupamentos de acordo com o grau de arredondamento, a saber: Gros muito angulosos e angulosos: Sem arredondamento Gros muito angulosos a subangulosos: Baixo grau de arredondamento Gros muito angulosos a subarredondados: Moderado grau de arredondamento Gros muito angulosos a redondos: Com arredondamento

Por fim, foi elaborado o mapa de evoluo geolgica no programa ArcGis 9.3, atravs do mtodo de digitalizao por polgonos, baseado no esquema proposto por Dominguez et al. (1981).

4.2.2 VULNERABILIDADE DA LINHA DE COSTA

O estudo da vulnerabilidade da faixa de praia consiste no estabelecimento de faixas de proteo em que a ocupao no deve ocorrer prioritariamente, devido forte interao

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com processos marinhos. O critrio morfodinmico e engloba a mobilizao do sedimento por ondas na antepraia, seu deslocamento e sua interao com a parte emersa, fatores que dependem do clima de ondas, grau de exposio da praia e sua caracterstica geomorfolgica (MUEHE, 2001).

Para tanto, foram feitas coletas de campo tambm no dia 19 de agosto de 2010. Foram definidas 4 estaes amostrais na praia, coletando manualmente o sedimento superficial do berma e da face da praia. As estaes foram definidas no mapa de maneira que fossem o mais regularmente afastadas o possvel, com espaamento aproximado de 4 km. Em cada estao amostral foram coletadas 2 amostras, uma no berma e outra na face, e na Estao 4 uma coleta na duna frontal. As quatro estaes correspondem a quatro zonas distintas: a zona, a Praia das Neves, a zona 4 a Praia de Marob, e as zonas 2 e 3 so reas sem ocupao atualmente, a serem ocupadas pela Ferrous.

As coordenadas das coletas esto dispostas na tabela 8, abaixo, e indicadas na FIGURA 15.Tabela 8: Coordenadas das coletas efetuadas para anlise da vulnerabilidade da praia

Estao Praia 1 Praia 2 Praia 3 Praia 4

E (X) 296419 296696 297750 299482

N (Y) 7645469 7648877 7651549 7654961

Foram coletados tambm dados topogrficos com teodolito e mira, passando pelos locais de coleta das amostras. Foram feitos 4 perfis transversais praia, desde o pspraia at o mximo recuo das ondas. O horrio foi anotado para efetuarem -se as correes da mar, alm da altura de onda na quebra (Hb) e do perodo.

J com as coletas em mos foram feitos clculos diversos para o estabelecimento da referida faixa de proteo. Primeiramente, o grau de exposio das praias em expostas, semi-expostas e abrigadas foi inferido a partir da relao entre a inclinao da face

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praial e a granulometria mdia, como proposto por WIEGEL (1964, apud MUEHE, 2001) e indicado na FIGURA 17. O grau de exposio indica a capacidade de mobilizao do sedimento da antepraia, sem fornecer dados absolutos da profundidade aonde a onda comea a mobilizao.

Figura 17: Relao entre declividade praial e dimetro mediano da areia segundo MUE HE (2001)

Para o estabelecimento da profundidades de fechamento foram feitas interpolaes visuais a partir da carta nutica 1403, disponvel em:

http://www.mar.mil.br/dhn/chm/cartas/download/cartasbsb/cartas_eletronicas_Internet.ht m, que apresentam apenas as profundidades maiores que 10 metros, insufici entes para o objetivo do trabalho.

A carta nutica forneceu tambm a distncia (eixo cartesiano x) entre a praia e o local correspondente profundidade de fechamento, que foi aplicada na equao de Recuo de Brunn (BRUNN, 1962), que indica o limite erosivo em terra em funo de um aumento do nvel do mar, expresso por:

onde R o recuo, ou seja, a distncia horizontal em retroterra da praia para o

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fornecimento de suprimento sedimentar frente a uma elevao S; G a proporo de material erodido que se mantem no perfil ativo, sendo igual a 1 para praias arenosas e H a soma em mdulo do topo do berma e os 7 metros da batimetria. Foram estabelecidos 3 cenrios de elevao do nvel do mar: 0,3; 0,5 e 1,0m.

Em seu artigo, MUEHE (2001) destaca que dependendo da feio geomorfolgica encontrada, a equao de recuo de Brunn para o estabelecimento de zonas vulnerveis ocupao no aplicvel. Por exemplo, em reas de manguezal G tende ao infinito, tornado impossvel seu clculo. O autor prope ento limites diferenciados dependendo da feio encontrada, como mostrado abaixo:

Figura 18: Limites de seguran a da orla segundo critrios morfolgicos (MUEHE, 2001)

Os limites estabelecidos pelo autor foram comparados com os limites calculados de acordo com a frmula de Brunn (1962), alm de terem sido aplicados para a

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vulnerabilidade da plancie costeira (onde no h ao direta do mar). As 4 zonas da praia tambm foram classificadas quanto ao parmetro mega de Dean (1973) anteriormente descrito.

4.2.3 VULNERABILIDADE DA PLANCIE COSTEIRA

Para a elaborao do mapa final de vulnerabilidade da plancie costeira foram usados os resultados obtidos nos clculos de Recuo, a gnese geomorfolgica, topografia por imagens de satlite e o mapeamento de reas alagveis atravs de fotografias areas. A metodologia utilizada baseou-se em Jimnez et al. (2008), que a partir de dados topogrficos da antepraia, praia e plancie costeira define a vulnerabilidade da ltima. A figura 19 representa as forantes na turais como fonte de risco, bem como o sistema fluvial, que tem como a praia e a plancie de inundao um caminho. Dessa maneira, foram utilizados dados de vazo do Rio Itabapoana, incluindo o sistema fluvial como fonte de risco, e no apenas o mar.

Figura 19: Risco, caminho e receptor no estudo de vulnerabilidade da plancie costeira. FONTE: JIME NE Z, 2008

A praia representa a proteo da plancie costeira. Depois da mobilizao do sedimento da duna frontal, a elevao do nvel do mar atingir a plancie costeira, buscando reas com altimetria mais baixa, como indica a figura 20.

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Figura 20: Campos de aquisio de dados necessrios para estudo de anlises de inundaes costeiras. FONTE: JIME NE Z, 2008

4.2.3.1 Imagens de satlite

Foram cinco satlites utilizados: Landsat 1,2,3,5 e Cbers 2b. Todas as imagens foram obtidas gratuitamente pelo website http://www.dgi.inpe.br/CDSR/, sendo utilizadas as bandas compostas para a delimitao das reas alagveis em perodos de cheia. A composio de bandas utilizadas foi vermelho 3, verde 1, azul 2, que segundo GOMES (2009) so as melhores para a visualizao de corpos aquosos.

Atravs dos dados da misso SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), foram gerados dados altimtricos para toda a plancie costeira. Os dados foram previamente tratados e encontram-se no Banco de Dados Geomorfomtricos do Brasil TOPODATA, no website http://www.dsr.inpe.br/topodata/acesso.php.

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4.2.3.2 Dados fluviais:

O software SisCAH 1.0, desenvolvido pela Universidade Federal de Viosa e integrante do programa SNIRH Sistema Nacional de Informaes sobre Recursos Hdricos foi utilizado para a obteno de dados de vazo do Rio Itabapoana, atravs da estao 57830000 Ponte do Itabapoana, localizada em 211222 S; 412746W, e mostrada na figura 21:

Figura 21: Localizao da estao fluviomtrica Pont e do Itabapoana. Em vermelho a rea de estudos. FONTE: ANA, 2010

O software em questo de fcil utilizao e apresenta dados muito importantes para o estudo das bacias hidrogrficas do Brasil. O hidrograma, as vazes de permannica Q5 e Q95 (que representam as vazes em perodos de cheia e seca, respectivamente), as vazes mximas e mnimas foram extradas do software e utilizadas no presente trabalho.

5 RESULTADOS E DISCUSSO

5.1 GEOMORFOLOGIA, FACIOLOGIA E EVOLUO DA PLANCIE COSTEIRA

5.1.1 GEOMORFOLOGIA E FACIOLOGIA DA PLANCIE COSTEIRA

A FIGURA 22 apresenta as feies geomorfolgicas identificadas, que foram 7. Todas as feies foram passveis de identificao a partir da anlise de fotografia area, com a feio Alagados estabelecida a partir de uma composio de imagens de diferentes

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perodos para melhor delimitao da vulnerabilidade final.

DATUM: WGS 1984 Zona 24SFigura 22: Feies Geomorfolgicas da rea de estudos

Os resultados da anlise granulomtria e morfoscpica so indicados na tabela 9 e figura 23 (a fotografia das amostras encontra-se na PRANCHA 1. As areias da plancie de inundao do Rio apresentaram grau de seleo muito ruim, com alto teor de lama, situao diametralmente oposta quela encontrada nas Estaes correspondentes praia e s antigas cristas de praia. O teor de matria orgnica mais alto encontrado foi na Estao 4, que constitua as cristas de praia Pleistocnicas, posteriormente preenchidas com sedimentos lacustres, corroborado pelo alto teor de lama. Os teores de carbonato encontrados na praia no foram altos a ponto da amostra ser considerada biognica, o que indica provavelmente que a fonte carbontica est distante da regio, e os gros vo sendo quebrados e dissolvidos antes de serem depositadas.

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Tabela 9: Teor de matria orgnica, lama, carbonato; classificao e grau de seleo das amostras:

Amostra

M.O. (%)

Lama (%)

CaCO3 (%)

Mediana () 1,5 Areia mdia 1,0 Areia mdia 0,0 Areia grossa 0,5 Areia grossa 0,5 Areia grossa 0,5 Areia grossa 0,5 Areia grossa 1,5 Areia mdia 2,0 Areia fina

Grau de seleo

Feio

Morfoscopia

Faciologia

Praia 1 Face

0,16

0,15

9,33

Moderado

Praia

Praia 1 -Berma

0,08

0,22

6,67

Moderado

Praia

Praia 2 Face

0,07

4,10

19,67

Bom

Praia

Praia 2 - Berma Praia 3 Face

0,52

0,52

4,33

Moderado

Praia

0,11

0,01

19,33

Moderado

Praia

Baixo grau de arredondamento, sujos e com brilho natural Baixo grau de arredondamento, sujos e com brilho natural Moderado grau de arredondamento, sujos e brilhantes Moderado grau de arredondamento, sujos e brilhantes Baixo grau de arredondamento, com brilho natural Sem arredondamento, picotados e sujos Sem arredondamento, com brilho natural, picotados e sujos Sem arredondamento, com brilho natural, picotados e sujos Sem arredondamento, picotados e sujos

Areia litoclstica mdia

Areia litoclstica mdia

Areia litoclstica grossa

Areia litoclstica grossa

Areia litoclstica grossa

Praia 3 - Berma

0,03

0,16

11,67

Moderado

Praia

Areia litoclstica grossa

Praia 4 Face

0,40

0,00

22,00

Moderado

Praia

Areia litoclstica grossa

Praia 4 - Berma

0,07

0,28

9,00

Bom

Praia

Areia litoclstica mdia

Praia 4 Duna

0,17

0,01

7,33

Bom

Praia

Areia litoclstica fina

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Amostra

M.O. (%)

Lama (%)

CaCO3 (%)

Mediana () 1,0 Areia mdia 1,5 Areia mdia 1,5 2,5 1,0 3,5 4,0 4,0

Grau de seleo

Feio

Morfoscopia

Faciologia

Plancie 1

1,73

0,43

1,00

Moderado

Antiga crista de praia holocnica Antiga crista de praia holocnica Antiga crista de praia holocnica Antiga crista de praia pleistocnica Ilha Barreira Plancie de inundao Plancie de inundao Plancie de inundao

Arredondamento mediano, picotados e sujos Com arredondamento, picotados e sujos Com arredondamento com brilho natural e picot ados Sem arredondamento, brilhantes Sem arredondamento, brilhantes Arredondamento mediano, com brilho natural e picotados Sem arredondamento, com brilho natural Com arredondamento, picotados

Areia litoclstica mdia

Plancie 2 Plancie 3 Plancie 4 Plancie 5 Plancie 6A Plancie 6B Plancie 6C

0,75 0,06 62,59 0,43 14,60 20,84 46,64

0,98 15,67 31,81 0,32 43,05 86,58 40,88

3,33 0,00 0,00 0,00 2,00 10,33 32,67

Moderado Ruim Muito Ruim Moderado Muito ruim Ruim Ruim

Areia litoclstica mdia Lama terrigena arenosa Lama terrigena arenosa Areia litoclstica mdia Lama terrigena arenosa Lama terrgena Marga arenosa

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DATUM: WGS 1984 Zona 24SFigura 23: Mapas de distribuio do teor de carbonato, de lama e a granulometria mdia da frao arenosa das amostras

Por fim, o mapa abaixo indica a faciologia segundo as classes adotadas por Larsonneur (1977, apud Albino, 1999):

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DATUM: WGS 1984 Zona 24S

Figura 24: Faciologia adotando as classes propostas por Larsonneur (1977, apud Albino, 1999)

A faciologia um grande facilitador na identificao da geomorfologia. As cristas Holocnicas apresentaram caractersticas sedimentolgicas tipicamente praiais, com areia litoclstica mdia a grossa, grau de seleo moderado a bom, teor de lama e matria orgnica baixos e teor de carbonato alto comparado s demais feies. A plancie costeira de maneira geral apresentou grau de seleo baixo a moderado, teor de lama e matria orgnica muito alta para as estaes referentes plancie de inundao e as cristas de praia

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Pleistocnicas, teor de carbonato variando de zero a muito alto e grau de seleo ruim.

A ausncia de carbonato na paleo-ilha-barreira pode ser explicada por trs razes distintas: primeiramente a ao do tempo, que corri os gros carbonticos, mais susceptveis dissoluo do que materiais siliciclsticos, que correspondem a 100% da amostra. Dessa forma, a anlise granulomtrica e morfoscpica ajudaram no melhor entendimendo das feies e processos atuantes no desenvolvimento das feies geomorfolgicas.. O tempo atuando sobre os gros tambm o responsvel pelo aspecto brilhante da amostra (80% de gros brilhantes, 20% de gros com brilho natural), dissolvendo possveis impregnaes cidas nos gros quartzosos. O aspecto brilhante de gros pleistocnicos mostrado por Maia (1984) e Dominguez et al. (1982).

Boggs (2006) afirma que as condies que levam dissoluo do carbonato so opostas as que levam cimentao. A dissoluo ocorre em ambientes quimicamente agressivos, com pH baixo ricos em CO 2 e/ou cidos orgnicos, condies que podem ser encontradas em sistemas fluviais. Dessa maneira, ao mesmo tempo que a ilha barreira gera um ambiente raso e de baixa hidrodinmica, propcio formao de rochas carbonticas, o aporte fluvial pode ter agido como um impeditivo formao de rochas carbonticas, o que seria uma segunda hiptese.

A terceira hiptese vem tambm da evoluo geolgica. Durante a regresso que possibilitou a sedimentao Pleistocnica na plataforma continental, houve cobertura total do embasamento sedimentar consolidado, que onde se localiza a maior fonte de sedimentos carbonticos. Dessa maneira, a sedimentao terrestre teria impedido a formao de organismos carbonticos, que dependem de luz e ambientes rasos e calmos para se procriarem. A subida do nvel do mar durante o Holoceno foi responsvel pela retirada desse material Pleistocnico sobre o substra to, e os organismos puderam se procriar e fornecer sedimento carbontico s praias atuais.

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Por outro lado, a porcentagem dos elementos encontrados para a coleta da Plancie 5, equivalente ilha barreira, mostram certa proximidade com as amostras da plancie 1 e 2, coletadas nas cristas de praia holocnicas abandonadas. A tabela 11 indica a porcentagem das classes das amostras 1,2 e 5:Tabela 10: Comparao granulomtrica das amostras Plancie 1, Plancie 2 e Plancie 5 Classe % Cascalho % Areia muito grossa: % Areia grossa: % Areia mdia: % Areia fina: % Areia muito fina: % Lama: Plancie 1 0,5% 1,9% 43,1% 49,1% 4,6% 0,5% 0,1% Plancie 2 0,0% 0,5% 18,9% 49,8% 29,0% 0,8% 0,2% Plancie 5 0,2% 3,3% 23,4% 59,9% 12,6% 0,3% 0,1%

Dado o aspecto dos gros, extremamente diferente da coleta 5 para as demais, a ausncia de carbonato e as porcentagens semelhantes das classes, pode-se dizer que a ilha barreira foi suprida posteriormente com material praial, provavelmente sendo incorporada as cristas Holocnicas posteriormente a sua formao.

O teor de lama apresentou conformidade com os processos sedimentares atuais. O curso inferior do sistema fluvial atualmente um esturio, sofrendo influncias de correntes fluviais e de mar. O sistema estuarino atual resultante do ltimo afogamento do vale fluvial, que ocorreu desde a ltima transgresso marinha, h aproximadamente 7.000 A.P. De acordo com Mendes (1984) a textura dos sedimentos nos esturio em mdia mais fina do que a montante do sistema fluvial, o que pde ser observado pelo alto teor de lama (sempre superior a 40%, atingindo 80% no horizonte B), t