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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CINCIAS JURDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

JOS AIRES DE ASSIS NETO

LICENA PATERNIDADE NA ADOO POR HOMEM SOLTEIRO

Recife/2011 JOS AIRES DE ASSIS NETO

LICENA PATERNIDADE NA ADOO POR HOMEM SOLTEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco. rea de concentrao: Direito Civil; Direito do Trabalho. Orientador: Prof. Hugo Cavalcanti Melo Filho

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Recife/2011 LICENA PATERNIDADE NA ADOO POR HOMEM SOLTEIRO

Monografia aprovada como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco/CCJ/FDR, por uma comisso examinadora formada pelos seguintes professores:

Presidente: ______________________________________________________ Prof. Orientador: Hugo Cavalcanti Melo Filho (UFPE)

1 Examinador: __________________________________________________

2 Examinador: __________________________________________________

RECIFE/2011 3

Aos meus avs, pela criao e educao, minha Tia Aninha, pelo cuidado e carinho, aos meus pais, a toda minha famlia, e a meus amigos Tiago, Mariana e Marcel e tantos 4

outros que foram meu durante todos esses anos. RESUMO

suporte

Este ensaio monogrfico se prope a discutir o instituto da licena-paternidade frente nova ordem familiar cujo ltimo contorno se deu com a Constituio Federal de 1988. Atravs da explicao sucinta do processo de adoo, bem como da necessidade de constituio de vnculos afetivos entre o adotando e o adotado, sero expostos argumentos para a reavaliao do tempo de afastamento concedido ao adotante do sexo masculino, mas no s. Ser tambm analisada a situao da licena em virtude da adoo como todo, chegando-se proposio de um novo instituto uniforme para a situao de adoo, baseando-se em experincias do direito comparado. Adotou-se nesta pesquisa o estudo da tcnica documental, proveniente de fontes primrias, como legislao, jurisprudncia e fontes secundrias, como livros, revistas e acesso na internet.

Palavras-chave: Licena-paternidade Adoo Famlia socioafetiva

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Contedo

Contedo.....................................................................................................................................6 Introduo...................................................................................................................................7 Adoo: aspectos gerais e evoluo histrica...........................................................................11 Processo e procedimento de adoo .........................................................................................16 2.1 Legitimados a adotar..........................................................................................................16 2.2 Processo de adoo............................................................................................................20 2.3 Estgio de convivncia.......................................................................................................23 2.4 Consentimento para a adoo............................................................................................24 Efeitos da adoo......................................................................................................................26 Contrato de trabalho: aspectos gerais........................................................................................27 Medidas de conservao do contrato de trabalho.....................................................................29 Hiptese especial de interrupo do contrato de trabalho: licena-maternidade.....................32 Direito licena-paternidade....................................................................................................34 Concluso..................................................................................................................................38 Referncias Bibliogrficas........................................................................................................39

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Introduo

A situao econmico-social brasileira, aliada a outros problemas de cunho pessoal decorrentes de aspectos psicolgicos, psiquitricos e familiares, importa na quantidade excessiva de crianas abandonadas em abrigos. Visando a apurao da quantidade de crianas e adolescentes encontradas em abrigos, o Ministrio do Desenvolvimento Social MDS solicitou estudo Fundao Oswaldo Cruz Fiocruz. O levantamento prvio realizado, com a colaborao das secretarias municipais e estaduais de assistncia social, possibilitou a identificao de aproximadamente 2.800 abrigos governamentais e no-governamentais, estimando a presena de cerca de 50 mil crianas e adolescentes neles. Demais disso, estudo realizado em 2003 pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA em abrigos da Rede de Servios de Ao Continuada (Rede SAC) do Ministrio do Desenvolvimento Social demonstrou que, dos cerca de 20 mil crianas e adolescentes pesquisados, a maioria de meninos (58,5%), afro-descendentes (63,6%), com idade entre sete e quinze anos (61,3%). O mais devastador desta pesquisa a concluso de que tal realidade divergente da categoria de crianas mais procuradas para adoo, haja vista ser maior a busca por meninas da cor branca, com idade entre 0 e 3 anos. Aliada a esse dificultador preliminar, a imensa burocratizao da adoo contribui sobremaneira para o crescimento da populao infantil em abrigos. Com vistas a facilitar os procedimentos de adoo pelas Varas da Criana e do Adolescente, o Conselho Nacional de Justia CNJ lanou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoo CNA, um banco de dados para listar as crianas aptas a serem adotadas e os pais pretendentes adoo.

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O ltimo balano realizado pela Corregedoria Nacional de Justia no CNA,de acordo com notcia divulgada no stio do CNJ em 22 de dezembro de 20101, verificou que 7.949 crianas brasileiras esto aptas adoo, enquanto 30.378 pais so pretendentes. Estes dados deixa patente a exacerbao burocrtica encontrada para o processo da adoo. Aps a fase de superao dos problemas jurdicos para a concretizao da adoo, inicia-se a uma etapa de importncia curial para o sucesso da relao adotante-adotado, qual seja o estabelecimento do afeto entre eles. Segundo Flvio Tartuce,O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relaes familiares. Mesmo no constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorizao constante da dignidade humana.2

Na nova concepo de famlia, cuja fase atual foi instituda pela Constituio Federal de 1988, os filhos decorridos de adoo possuem igual status dos filhos sanguneos, culminando na superao da preconceituosa terminologia de filhos legtimos, bastardos etc. Do ponto de vista das relaes intrafamiliares, no entanto, adoo no se concretiza com a to-s sentena judicial que a concede. Muito pelo contrrio, justamente a o incio do processo, haja vista a necessidade de criao de elos afetivos entre os novos pais e filhos, determinando, assim, a condio de famlia entre eles. Este trabalho ter seu foco nesse ltimo aspecto: a construo de vnculos de afinidades entre pais (em sentido restrito) e seus filhos advindos da adoo, atravs de uma licena-paternidade cujo perodo seja, se no ideal, ao menos mnimo para promover essa relao. Ao acrescentar o art. 392-A3, consolidado, a Lei n. 10.421/2002 mais tarde aperfeioada pela Lei n. 12.010/2009 , com embasamento direto nos critrios estabelecidos1

http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13175:brasil-tem-8-mil-criancas-eadolescentes-a-espera-de-adocao&catid=1:notas&Itemid=675 2 TARTUCE, Flvio. Novos princpios do Direito de Famlia brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 8 jan. 2011. 3 Art. 392-A. empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoo de criana ser concedida licena-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu 5.

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no art. 227, 6, da CF/884, alterou a natureza jurdica da licena-maternidade. No se cabe mais falar em apenas recuperao fsica da mulher, havendo a clara sobreposio das necessidades afetivas sobre as orgnicas. Isso porque, para a adotante, o tempo de licena-maternidade no funciona como forma de sua recuperao biolgica. De um ponto de vista meramente somtico, desconsiderando os possveis aspectos psiquitricos envolvidos, a adoo no produz qualquer transtorno fsico, servindo, portanto, esse perodo, para o desenvolvimento das relaes pessoais entre a me e o filho. Em sendo assim, o questionamento que pende : por que me concedido direito jurdico de um perodo de licena profissional para estabelecer contato mais amplo com o filho recm-adotado, e assim fazer surgir elos resistentes de afinidade, e ao pai no? Ainda, mesmo se concedido esse perodo, por que ao homem so garantidos apenas 5 dias de ausncia ao trabalho enquanto mulher so concedidos120 dias de afastamento? A questo do presente estudo, apesar de focada claramente na adoo, no est a ela restrita, devendo ser analisada ainda no caso de filiao sangunea, pois a necessidade de afeto no se limita quela, devendo estar presente em todos os tipos de famlia. A problemtica ainda se agrava ao se tratar de adoo por homem solteiro, na qual se aliam as precises fsicas do recm-adotado, variveis de acordo com sua idade, mas sempre presentes, com a importncia da criao de vnculos afetivos entre eles,no se podendo conceber o saneamento de ambas as necessidades em um nfimo espao de tempo de 5 dias. O fundamento desse perodo reduzido parece ser decorrente, em primeiro lugar, da natureza anterior da licena-maternidade, j que levado em considerao apenas o desgaste fsico provocado na mulher aps uma gestao, sendo necessrio um tempo mdio de repouso para ento estar ela novamente apta volta s atividades profissionais. De outra banda, parece tambm decorrer do machismo ainda presente, apesar de em ampla desconstruo, em nossa sociedade, em que as mes so consideradas os pilares das4

Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. 6 - Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao.

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relaes afetivas e os pais funcionam como provedores da famlia, fornecendo as necessidades fsicas enquanto aquelas as de ordem emocional. Sendo assim, no h mais razo para o direito licena-paternidade ser mantido conforme fora pensado em tempos to claramente distintos dos nossos. Impe-se uma mudana legislativa que traga para o direito a realidade social j vislumbrada. Em ltima anlise, no se quer com este trabalho entender a licena-paternidade como sucedneo da licena-maternidade, ou seja, no apenas para quando o pai for o nico responsvel pela famlia, v. g., quando o homem solteiro adota, a me falece ou se torna incapaz com o parto, ou quando, mesmo antes, ela j possua alguma deficincia impeditiva do trato com a criana. Pretende-se a licena-paternidade como necessria em si, de importncia formadora da famlia de uma maneira tal que dela no se possa abrir mo em nenhuma oportunidade, sendo,alm de um direito, um verdadeiro dever para os novos pais, biolgicos ou adotivos.

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Adoo: aspectos gerais e evoluo histrica

A Constituio Federal de 1988 pe termo situao discriminatria em que o filho adotivo se encontrava em relao ao biolgico. Em verdade, como bem simplifica Paulo Lbo, no h mais filho adotivo, mas adoo entendida como meio para filiao, que nica. 5 Conforme se encontra legislado atualmente, o filho decorrido de adoo se acopla nova famlia completamente, sendo, portanto, apagada a sua origem biolgica. Trata-se de ato irreversvel, no havendo espao para questionamento nem da parte do adotado, mesmo quando maior, nem dos adotantes posteriormente. A despeito da proibio de promover investigao de paternidade e/ou maternidade biolgica, ao adotado foi dada a faculdade, pela Lei n. 12.010/2009, responsvel por dar nova redao ao art. 48 do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA (Lei n.8.069/90), de ter acesso ao processo judicial de adoo. In verbis:Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biolgica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, aps completar 18 (dezoito) anos Pargrafo nico. O acesso ao processo de adoo poder ser tambm deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientao e assistncia jurdica e psicolgica.

Frise-se que a busca pela origem gentica um direito de personalidade, no se confundindo com a possibilidade de promoo de investigao de maternidade e/ou paternidade, j determinadas com o trnsito em julgado da sentena concessora da adoo.

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LBO, Paulo. Direito civil: famlias. 2 Ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 250.

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O instituto da adoo tem origem ainda entre os povos antigos, referida j nos Cdigos de Manu e de Hamurabi, com ampla utilizao na Grcia, onde exercia funo social e poltica. No entanto, sua expanso, juntamente com a disciplina e sistemtica, vem a ocorrer somente no Direito Romano.6 Em Roma, a adoo se constitua em uma forma de perpetuao do culto domstico, sendo conhecida em duas modalidades distintas: a ad rogatio e a adoptio. Pela ad rogatio, havia um conluio de vontades entre o adotado, que deveria ser capaz, e o adotante, no qual aquele se desligava de sua famlia e se tornava um herdeiro do culto (heressacrorum) da nova. Para a consagrao, era necessria a aprovao da emisso volitiva pelos comcios. Toda essa solenidade ocorria porque uma pessoa sui iuris passava a alieni iuris, submetendo-se a um novo pater familias. J a adoptio era destinada aos alieni iuris, ou seja, queles submetidos ao ptrio poder. No havia necessidade de aprovao social, visto se tratar de um incapaz, mas dependia da vontade dos dois pater famlias, devendo o ato ocorrer perante um magistrado. Na poca de Justiniano, a adoptio foi segmentada em dois tipos, a plena, quando houvesse a transferncia do poder familiar, sempre para um ascendente; e a minus plena, feita com um estranho sem a dissoluo dos vnculos com a famlia de origem. Caio Mrio ainda elenca um terceiro tipo conhecido no Direito Romano. Segundo ele, a adoocomo ato de ltima vontade adptio per testamentum destinava-se a produzir efeitos post mortem do testador, condicionada, todavia, confirmao da cria (oblatiocuriae). Ato complexo e solene, no se utilizava com frequncia, embora tenha sido empregado em condies de profunda repercusso poltica, como se deu com a adoo de Otvio Augusto, que mais tarde seria imperador, efetuada por Jlio Csar.7

Qualquer que fosse o caso, o adotante deveria ter a idade mnima de 60 anos, bem como ser 18 anos mais velho que o adotado. Aliado a isso, no poderia ter6

PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil. 18 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. 5, p. 387. 7 PEREIRA, op. cit., p. 387.

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filho de prole natural, de modo a no desnaturar a razo do instituto, a saber, a continuao do culto familiar. Ademais, a princpio, no era dado mulher o direito de adotar, salvo, j no Direito Justinaneu, quando ela houvesse perdido seus filhos. Trazendo para o contexto brasileiro, as Ordenaes Filipinas, que vigoraram por aqui at praticamente 1916, no falavam muito sobre o assunto, havendo como grande bice a influncia direta do direito cannico, que no reconhecia a adoo, haja vista o entendimento da famlia como decorrncia do matrimnio. O Cdigo Civil de 1916 traz a primeira sistematizao da adoo no Brasil, mas se inspira no modelo romano da minus plena. Tal diploma normativo chamava de simples a adoo tanto de maiores quanto de menores. S podia adotar quem no tivesse filhos. A adoo era levada a efeito por escritura pblica e o vnculo de parentesco limitava-se ao adotante e ao adotado. 8 Com a Lei n. 4.655/65, foi dado mais um passo em direo adoo plena. A legitimao adotiva era irrevogvel, prescindia de autorizao judicial e fazia cessar o vinculo familiar do adotado para com a famlia natural. Com o Cdigo de Menores Lei n. 6.697/79 , foi instituda a adoo plena, substituindo-se a legitimao adotiva. O vnculo de parentesco foi estendido famlia do adotante, passando o nome deste a constar do registro do adotado independente da vontade dos ascendentes necessria no momento anterior. Como j mencionado, a CF/88 trata de extinguir todas as diferenas existentes entre filhos decorrentes de adoo e filhos naturais, impedindo que haja qualquer tipo de designaes discriminatrias, mesmo se o caso for de adoo de maiores ou de processos realizados antes da promulgao do Texto constitucional. Atualmente, a adoo encontra-se regulada especialmente pelo Estatuto da Criana e do Adolescente, tendo o Cdigo Civil de 2002 aplicao apenas8

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 5 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 433.

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subsidiria quando em relao a maiores, haja vista que se reveste, seja qual for o caso, das mesmas caractersticas, sujeitando-se deciso judicial. Assim, no cabe mais em nosso ordenamento falar-se em adoo simples, pois, mesmo em se tratando de maiores, ser ela sempre plena. Questo ainda controvertida na doutrina sobre a natureza jurdica do instituto. Conforme aborda Maria Berenice Dias,o estado de filiao decorre de um fato (nascimento) ou de um ato jurdico: adoo. A adoo um ato jurdico em sentido estrito, cuja eficcia est condicionada chancela judicial. Cria um vnculo fictcio de paternidade-maternidade-filiao entre pessoas estranhas, anlogo ao que resulta da filiao biolgica. 9

Paulo Lbo vai mais alm e acrescenta que a adoo ato jurdico em sentido estrito de natureza complexa, haja vista necessitar de deciso judicial para produzir seus efeitos. Ainda entende ser ato personalssimo, existindo expressa proibio legal10 de ser realizada por procurao. Slvio Venosa faz referncia linha tradicional francesa que entende o instituto como contrato, sustentando que h necessidade de duas vontades, participando o adotado por si ou por representante. 11 Este entendimento pde ser vislumbrado quando ainda em voga a adoo de maiores regida pelo CC/1916, a qual funcionava como verdadeiro contrato de famlia, sendo necessria a tal s manifestao convergente de vontades para restar efetivada a adoo. Com a entrada em vigor do ECA, no h mais de se cogitar a natureza contratual da adoo, ainda se de maiores o for, pela necessidade de chancela judicial. J Wilson Donizeti Liberati entende que:"Com a vigncia da Lei 8.069/90, a adoo passa a ser considerada de maneira diferente. erigida categoria de instituio, tendo como natureza jurdica a constituio de um vnculo irrevogvel de paternidade e filiao, atravs de sentena9

DIAS, op. cit., p. 434. Lei 8.069/90 (ECA), art. 39, 2o: vedada a adoo por procurao. 11 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia. So Paulo: Atlas. 2010, v. 6, p. 278.10

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judicial (art. 47). atravs da deciso judicial que o vnculo parental com a famlia de origem desaparece, surgindo nova filiao (ou novo vnculo), agora de carter adotivo, acompanhada de todos os direitos pertinentes filiao de sangue." 12

A partir de todo o debate, parece mais acertada entender a adoo como de natureza hbrida, j que, em um primeiro momento, tem natureza contratual (quando de maiores ou menores representados) ou de negcio jurdico unilateral (caso se trate de menores no mais encontrados sobre poder familiar), pois lhe dado incio atravs de uma manifestao de vontade, seja uni ou bilateral; mas que precisa ser institucionalizado pelo Poder Pblico para poder se concretizar. Outro ponto merecedor de ateno sobre a possibilidade de um nascituro ser adotado. Em construo enftica, Antnio Alves13 entende ser "um contrasenso do ponto de vista humano e do ponto de vista legal. Fato que, no Cdigo Civil de 1916, atravs de interpretao do revogado art. 37214, era ela admitida expressamente. A legislao atual nada dispe sobre a possibilidade, mas tambm no a veda. O Cdigo Civil de 2002, no seu art. 2 dispe que a personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro. Desta maneira, entende-se que ao nascituro no cabem direitos, mas uma expectativa de direitos que ser efetivada quando do nascimento com vida. Dentro do conjunto de direitos em expectativa de realizao encontra-se o de ser adotado, razo pela qual deve ser entendida como possvel a adoo do nascituro. O juiz, ao deferi-la, deve, no entanto, deix-la suspensa at o nascimento com vida, quando ento passar a produzir todos os seus efeitos. Por tudo exposto, possvel realizar uma tentativa de conceituao da adoo.

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LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoo Internacional. So Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 187. ALVES, Antnio. Adoo, adoo simples e adoo plena. So Paulo, Ed. Revista do Tribunais, 1983, p. 275. 14 Art. 372. No se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro.

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Assim, entende-se a adoo como ato jurdico de natureza hbrida, irrevogvel e personalssimo, estabelecido judicialmente, criador de um vnculo fictcio de maternidade-paternidade-filiao, a partir de uma manifestao de vontade chancelada pelo Poder Pblico. Trata-se de modalidade de filiao por opo, baseando-se no em fator biolgico, mas sim sociolgico.

Processo e procedimento de adoo 2.1 Legitimados a adotar

Dispe o art. 42 do ECA que esto legitimados a adotar os maiores de 18 anos. Alm disso, deve o adotante possuir idade superior em ao menos 16 anos ao adotado. Funcionando como requisito legal essencial, a inobservncia da idade mnima para adotar torna nula a adoo, no podendo ser sanada mesmo se atingida a maioridade. Ademais, tendo em vista o carter personalssimo do ato, alm de sua natureza em si, devem ser observadas as regras que dizem respeito capacidade para os atos da vida civil15, s podendo, por bvio, serem requerentes de adoo os absolutamente capazes. O mesmo diploma legal, aps alterao efetuada pela Lei n. 12.010/2009, no mais possibilita seja realizada a adoo quando apenas um dos cnjuges ou conviventes possuam idade superior a 18 anos. A alterao legislativa lgica, haja vista que criar um filho, seja natural ou decorrente de adoo, uma tarefa que demanda maturidade e responsabilidade, e, se for ser partilhada, deve o ser de maneira equnime. No se entenda a maturidade como decorrncia da maioridade. No a inteno da lei. Entretanto, confiar a guarda de uma criana a um menor de 18

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Cdigo Civil (Lei n. 10.406/2002), arts. 3 e 4.

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anos, mesmo tendo sido emancipado pelo casamento, no parece uma atitude responsvel a priori. O critrio de um mnimo de 16 anos de diferena entre as idades do(s) adotante(s) e do adotado utilizado como tentativa de se aproximar a adoo da realidade natural. claro que pessoas com menos de 16 anos j so capazes biologicamente de gerar filhos, mas esta no a situao ideal. Para Paulo Lbo, a adoo imita a vida, sendo recomendvel que entre um e outro se reproduzam as condies temporais mnimas que ocorrem, normalmente, entre pais e filhos. 16 Ao tratar do tema, Maria Berenice Dias17defende que sendo dois os adotantes, em face do silncio da lei, [...] basta o respeito diferena de idade com relao a um dos adotantes. O entendimento sufragado pela jurisprudncia, verbis:Adoo Requisitos Interpretao dos artigos 42, 3 do ECA e 1.619 do CC Extino do feito sem julgamento do mrito Insurgncia Acolhimento Pluralidade de adotantes Tratando-se de pedido de adoo feito por casal, basta que um deles preencha o requisito legal de respeitar a diferena de idade prevista na lei, ainda mais quando a situao de fato j estiver consolidada, no se vislumbrando qualquer risco menor Recurso provido. 18

O Supremo Tribunal Federal j afastou a aplicao absoluta da norma quando se tratar de lei estrangeira que no a preveja. Em termos:Sentena estrangeira. Adoo. A regra do artigo 369 do cdigo civil brasileiro no de ordem pblica, mas de interesse pblico, no tendo eficcia de lex-fori, em face da adoo regida por lei de Estado. O Cdigo Civil alemo prev, no par-1.745, a dispensa do requisito da diferena mnima de idade entre adotante e adotado, podendo a sentena de adoo, proferida naquele pais, ser homologada.19

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LBO, op. cit., p. 255. DIAS, op. cit., p 438. 18 TJSP Ap. Cvel 147.179-0/9, 23-7-2007, Cmara Especial do Tribunal de Justia Rel. Sidnei Beneti. 19 SE 3638, Relator: Min. Carlos Madeira, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/1986, DJ 07-03-1986 PP-02838 Ementa Vol.-01410-01 PP-00076

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A situao, caso a interpretao seja diversa da apresentada, pode ser prejudicial ao menor, seno vejamos: imaginemos que um vivo de 36 anos possua um filho de 13 com a esposa falecida e se case novamente com uma mulher de 27. O relacionamento da madrasta com o enteado bem sucedido de uma maneira tal que ela decide adot-lo. O adolescente consente. Se fossemos aplicar a letra fria da norma, no seria possvel a adoo, restando prejudicado o menor. Tambm no se pretende a inaplicabilidade deste artigo legal. Pelo contrrio. Reconhece-se a importncia da diferena de idade entre o adotante e o adotado, sob pena de no restarem configurados, em momento posterior, a necessidade de diferenciao moral e de maturidade entre eles. Deve ser observado o caso concreto. Em situaes especificas, como a citada acima, urge analisar-se a situao para dar efetividade aos princpios da dignidade da pessoa humana, e, sobretudo, ao da ampla proteo ao menor. No podero adotar os ascendentes e os irmos do adotando 20 e, por decorrncia lgica, seus descendentes. De outra banda, no h impedimento algum que adoo seja realizada por outros parentes da linha colateral como tios. Os tutores e curadores tambm no podero adotar o pupilo antes de ter as respectivas contas aprovadas e saldado o alcance, se for o caso21. Essa medida tem o condo de proteger o interesse desses pupilos, haja vista que, aps a adoo, os novos pais no mais tero de prestar contas do patrimnio do adotado, podendo fazer a gesto a seu talante. Inexiste restrio ao estado civil dos pretendentes a adoo, podendo ser eles solteiros, casados ou conviventes em unio estvel. A ressalva para o ltimo caso que deve ser comprovada a estabilidade da famlia.22 Neste ponto, a lei, que poderia ter encerrado, ou, pelo menos, ensaiado o fim das controvrsias judiciais quanto adoo por casais homoafetivos, silenciou.20 21

ECA, art.42 1. ECA, art. 44. 22 ECA, art.42, caput e 2.

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Entretanto, mesmo no tendo permitido expressamente, tambm no proibiu sua realizao. Sem a pretenso de adentrar tema bastante tormentoso, vlido salientar que a jurisprudncia vem evoluindo favoravelmente adoo por pares homoafetivos, j havendo julgados, mormente do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul TJRS, deferindo o pleito. Verbis:APELAO CVEL. ADOO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteo estatal, a unio formada por pessoas do mesmo sexo, com caractersticas de durao, publicidade, continuidade e inteno de constituir famlia, decorrncia inafastvel a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados no apontam qualquer inconveniente em que crianas sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vnculo e do afeto que permeia o meio familiar em que sero inseridas e que as liga aos seus cuidadores. hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipcritas desprovidas de base cientfica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente assegurada aos direitos das crianas e dos adolescentes (art. 227 da Constituio Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudvel vnculo existente entre as crianas e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNNIME. (SEGREDO DE JUSTIA). 23

Tambm no obrigou a lei que a adoo deva ser levada a cabo pelo casal quando o adotante for casado ou viver em unio estvel. Exige-se, com escopo no art. 165, I, do ECA, apenas a anuncia do cnjuge ou companheiro. Tambm ser necessrio o consentimento do cnjuge ou companheiro para a moradia do adotado no lar conjugal, regra adotada por analogia ao art. 1611 do CC/02. Ademais,os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estgio de convivncia tenha sido iniciado na constncia do perodo de convivncia e que seja comprovada a existncia de vnculos de afinidade e afetividade com aquele no detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concesso.23 24

Nesse caso, desde que demonstrado efetivo benefcio ao

Apelao Cvel N 70013801592, Stima Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006. 24 ECA, art. 42, 4.

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adotando, ser assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.58425 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Cdigo Civil.26

Por fim, o 6 do art. 42 do ECA garante que a adoo poder ser deferida ao adotante que, aps inequvoca manifestao de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentena. Saliente-se que, por decorrncia do art. 1.619 do CC/02, as regras da adoo de crianas e adolescentes devero ser aplicadas, no cabvel, de maiores de 18 anos, levando a concluir pela necessidade de cumprimentos dos requisitos discutidos neste tpico.

2.2 Processo de adoo

Como outrora afirmado, a adoo correr conforme as regras estabelecidas no Estatuto da Criana e do Adolescente, sem desconsiderar as normas procedimentais gerais contidas no Cdigo de Processo Civil e aplicadas ao processo em epgrafe.

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CC/02, art. 1.584: A guarda, unilateral ou compartilhada, poder ser: I requerida, por consenso, pelo pai e pela me, ou por qualquer deles, em ao autnoma de separao, de divrcio, de dissoluo de unio estvel ou em medida cautelar; II decretada pelo juiz, em ateno a necessidades especficas do filho, ou em razo da distribuio de tempo necessrio ao convvio deste com o pai e com a me. 1 Na audincia de conciliao, o juiz informar ao pai e me o significado da guarda compartilhada, a sua importncia, a similitude de deveres e direitos atribudos aos genitores e as sanes pelo descumprimento de suas clusulas. 2 Quando no houver acordo entre a me e o pai quanto guarda do filho, ser aplicada, sempre que possvel, a guarda compartilhada. 3 Para estabelecer as atribuies do pai e da me e os perodos de convivncia sob guarda compartilhada, o juiz, de ofcio ou a requerimento do Ministrio Pblico, poder basear-se em orientao tcnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. 4 A alterao no autorizada ou o descumprimento imotivado de clusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder implicar a reduo de prerrogativas atribudas ao seu detentor, inclusive quanto ao nmero de horas de convivncia com o filho. 5 Se o juiz verificar que o filho no deve permanecer sob a guarda do pai ou da me, deferir a guarda pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferncia, o grau de parentesco e as relaes de afinidade e afetividade. 26 ECA, art.42, 5.

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Em primeiro lugar, preciso ressaltar que a adoo, em todas as suas fases, ser pautada pela observncia do melhor interesse do adotando, devendo apresentar reais vantagens a este e ser pautada em motivo legtimo.Este requisito essencial, que no pode ser dispensado pelo juiz, na fundamentao da sentena, pois densifica o princpio da dignidade da pessoa humana do adotando e o princpio do melhor interesse da criana, expandindo-se a todos os adotandos, inclusive os maiores de 18 anos. O efetivo benefcio se apura tanto na dimenso subjetiva quanto na objetiva. Na dimenso subjetiva, cumpre ao juiz avaliar se h indicadores de viabilizao de efetivo relacionamento de afetividade entre adotantes e adotando. Na dimenso objetiva, sero observadas as condies que ofeream ambiente e convivncia familiar adequados, em cumprimento ao princpio de prioridade absoluta previsto no art. 227 da Constituio, que assegurem o direito ao filho sade, segurana, educao, formao moral e ao afeto. 27

Antes de iniciado o processo de adoo em si, devero seus postulantes pleitear a sua inscrio nos cadastros federal e estadual respectivo. Estes registros de interessados a adotar, alm do de crianas e adolescentes em condies de serem adotados, sero mantidos pela autoridade judiciria em cada comarca ou foro regional28. O deferimento da inscrio dever ser precedido de preparao psicossocial e jurdica, incluindo, acaso possvel, o contato entre os potenciais adotantes e crianas e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional em condies de serem adotados, sendo imprescindvel, ainda, a oitiva do Ministrio Pblico. Conforme dispe o ECA, este perodo passar por superviso e avaliao da equipe tcnica da Justia da Infncia e da Juventude, com apoio dos tcnicos responsveis pelo programa de acolhimento e pela execuo da poltica municipal de garantia do direito convivncia familiar. Com o fim de facilitar a realizao desse cadastramento, o Conselho Nacional de Justia, atravs da Resoluo n. 54 datada de 29 de abril de 2008, criou o Conselho Nacional de Adoo, um sistema informatizado que permite a27 28

LBO, op. cit., p. 264. ECA, art. 50.

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unificao em carter nacional dos pretendentes adoo com suas preferncias em relao s caractersticas das crianas que pretendem adotar. Assim, a busca, antes efetuada to-somente na comarca de cadastro, expandese para todo o territrio nacional, abrangendo cerca de trs mil Varas da Infncia e Juventude, facilitando, portanto, o encontro entre potenciais adotantes e adotados. Segundo previsto na Lei, s ser possvel a adoo em favor de candidato domiciliado no Brasil no cadastrado previamente quando:I - se tratar de pedido de adoo unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criana ou adolescente mantenha vnculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detm a tutela ou guarda legal de criana maior de 3 (trs) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivncia comprove a fixao de laos de afinidade e afetividade, e no seja constatada a ocorrncia de m-f ou qualquer das situaes previstas nos arts. 23729 ou 23830 desta Lei. 31

Mesmo nesses casos excepcionais, deve o postulante demonstrar que atende aos demais requisitos j debatidos da lei para realizao da adoo. A competncia para o processo e julgamento das adoes de crianas e adolescentes, assim como os seus incidentes, v. g., destituio de poder Familiar, procedimentos cautelares, pedido de guarda, ser sempre de uma Vara da Infncia e da Juventude(ECA, art. 148, caput, III); no caso de adoo de maiores, ser competente a Vara de Famlia. Em ambos os casos, a competncia territorial dever atender ao princpio do juzo imediato, ou seja, o domiclio do adotando ser o competente. Em se tratando de maiores, cai-se na regra geral do domiclio contida nos arts. 70 a 7829

ECA, art. 237: Subtrair criana ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocao em lar substituto: Pena - recluso de dois a seis anos, e multa. 30 ECA, art. 238: Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - recluso de um a quatro anos, e multa. Pargrafo nico. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa. 31 ECA, art. 50, 13.

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do Cdigo Civil; para as crianas e adolescentes, o ECA,interpretando as regras do CC para a situao especfica, determina em seu art. 147 que: A competncia ser determinada:I - pelo domiclio dos pais ou responsvel; II - pelo lugar onde se encontre a criana ou adolescente, falta dos pais ou responsvel.

Segundo Caio Mrio:em conformidade com a lei civil, a residncia da criana ou do adolescente, mesmo que temporria, a instituio de acolhimento (abrigo). Cabe ao Juiz daquela jurisdio, em nome do melhor interesse da criana e do adolescente, com apoio de sua equipe tcnica e do Conselho Tutelar, acompanhar os procedimentos de reintegrao famlia, o atendimento especial aos problemas de sade, a escolaridade, a rotina da criana no abrigo e o encaminhamento para adoo.32

Seja qual for o caso, o Ministrio Pblico dever ser ouvido, mediante intimao pessoal para tomar vista dos autos aps as partes, podendo juntar documentos e requerer diligncias, por vias dos recursos cabveis, sendo sua falta de interveno causadora de nulidade do feito, a ser declarada de ofcio ou a requerimento de interessado.

2.3 Estgio de convivncia

Como fase prvia adoo, h o estgio de convivncia, a ser fixado pelo Juiz competente por prazo que julgar necessrio, observadas as peculiaridades do caso. Este perodo no poder ser suprimido, salvo se o adotando j estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante por tempo suficiente realizao de avaliao acerca da constituio do vnculo.

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PEREIRA, op. cit., p. 385.

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A Lei n. 12.010/2009 no contemplou a guarda s de fato como autorizadora da dispensa do perodo de convivncia. Sendo este um verdadeiro equvoco. Este preceito no , contudo, taxativo, podendo ser dispensado o estgio quando j ficar demonstrada a formao de vnculos afetivos suficientes durante este perodo de guarda. Se o caso tratar-se de adoo internacional, o perodo ser de, no mnimo, 30 dias, devendo ser expirado em solo nacional. Isto porque, alm de prejudicar a anlise da convenincia da adoo, se o estgio de convenincia ocorrer em outro Estado, as medidas para resgate da criana ou adolescente, em caso de fraudes ou ilicitudes, seriam muito mais escassas. O objetivo desse perodo de fixar a vontade de adotar e de ser adotado, alm de verificar a adaptabilidade do adotando ao novo lar, sempre em consonncia com o melhor interesse da criana e do adolescente.

2.4 Consentimento para a adoo

Conforme determinado no art. 45 do ECA, a adoo depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. Acrescenta o 2 que, em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, ser tambm necessrio o seu consentimento. A necessidade de consentimento dos pais ou responsveis pelo menor baseada no corte abrupto ocorrido na relao de parentesco com o adotando. Conforme se ver em tpico especfico, a adoo tem o condo de desligar o filho de qualquer vnculo familiar com os pais biolgicos, exceo dos impedimentos matrimoniais. Sendo assim, entende-se que, sem o consentimento, no poder haver adoo. No h forma prescrita para o consentimento, mas dever ser reduzido a termo perante o Juiz em caso de manifestao no-escrita. De outra banda, tendo em vista o carter personalssimo e exclusivo do ato, no poder ele ser suprido por deciso judicial. 24

Acrescente-se que, ante a comunho do poder familiar por ambos os pais, o consentimento de um excetuando-se, claro, o caso de famlia monoparental , mesmo se for o detentor da guarda, que no tem o condo de excluir o poder familiar, do filho, no ser suficiente para a realizao da adoo33. Quando se tratar de adoo de maior de 12 anos, alm dos detentores do poder familiar se existirem , o adolescente dever ser ouvido. A oitiva do adolescente se dar sempre de maneira formal, colhido em audincia com presena do Ministrio Pblico e de advogado, alm de ser respeitado seu estgio de desenvolvimento e grau de compreenso sobre as implicaes da medida. Como salienta Paulo Lbo34, o consentimento dado pelos pais, pelos representantes legais e pelo adotando pode ser revogado, no curso do processo de adoo. Tornar-se- irrevogvel aps o trnsito em julgado da sentena judicial. Ser dispensado o consentimento dos pais quando estes forem, por bvio, desconhecidos ou tenham sido destitudos do poder familiar, na forma do art. 1.638 do CC35. Quando se tratar de adoo de maiores de 18 anos, visto no mais se encontrar presente o poder familiar, apenas o seu consentimento ser necessrio.

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O consentimento no decorrente do exerccio do poder familiar, resulta da manifestao de vontade de cada um dos titulares deste. Sendo assim, no possvel a utilizao do disposto no pargrafo nico do art. 1.631 do Cdigo Civil Divergindo os pais quanto ao exerccio do poder familiar, assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para soluo do desacordo. Assevera-se, portanto, a necessidade de manifestao voluntria de ambos os detentores do poder familiar para se caracterizar o consentimento para a realizao da adoo. 34 LBO, op. cit., p. 256. 35 Art. 1.638. Perder por ato judicial o poder familiar o pai ou a me que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrrios moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente Art. 1.637. Se o pai, ou a me, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministrio Pblico, adotar a medida que lhe parea reclamada pela segurana do menor e seus haveres, at suspendendo o poder familiar, quando convenha. Pargrafo nico. Suspende-se igualmente o exerccio do poder familiar ao pai ou me condenados por sentena irrecorrvel, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de priso.

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Efeitos da adoo

A sentena concessiva de adoo tem carter constitutivo, operando, simultaneamente, a destituio do poder familiar anterior e sua constituio para os adotantes. Deve ser inscrita no Cartrio de Registro Civil, mediante mandado do qual no se emitir certido (ECA, art. 47). A sentena conferir ao adotado o nome do adotante, podendo ambos requerem a alterao tambm do prenome, que, se pleiteada por este, dever ser corroborada por aquele, conforme determinado o art. 47, 5 e 6, do ECA. O mandado a ser arquivado cancelar o registro anterior do adotado, sendo lavrado um novo que conter o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes. Como sendo constitutiva, a sentena no ter efeitos retroativos, salvo quando o adotante falecer durante o processo de adoo. Nesse caso, retroagir data do falecimento, para no deixar desamparado aquele que vir a se tornar filho. A adoo irrevogvel, s podendo a sentena que a concede ser rescindida por razes processuais como nulidade, inexistncia etc. Alm disso, a morte dos pais adotivos no restabelece o poder familiar dos naturais, revalidando sua irrevogabilidade (ECA, art. 49). Com o trnsito em julgado da sentena, ao adotado ser atribuda a condio de filho do adotante, para todos os efeitos, inclusive os sucessrios, sendo extintos os vnculos de parentesco com a famlia natural, salvo no referente aos impedimentos matrimoniais, por motivos de moralidade. Os vnculos de parentesco no sero extintos, contudo, na situao excepcional em que o cnjuge ou convivente adota o filho do outro. Nesse caso, mesmo surgindo a relao de parentesco com o adotante, as relaes anteriores continuaro inalteradas (ECA, art. 41, 1).

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Contrato de trabalho: aspectos gerais

O contrato individual de trabalho, ou como melhor traduzido pela doutrina dominante, contrato individual de emprego , segundo o art. 442 da CLT, o acordo tcito ou expresso, correspondente relao de emprego. Como bem se percebe pelo texto legal, o conceito formado da composio de duas ideias acerca do Direito do Trabalho. Forma-se o conceito de contrato de trabalho atravs da composio entre a viso contratualista do mesmo, haja vista falar-se em acordo de vontades, mas de um ponto de vista institucionalista, vide a referncia necessidade de estar configurada a relao de emprego, estabelecida em lei. Como acrescenta Pinto Martins36, o contrato de trabalho um pacto de atividade, pois no se contrata um resultado. Deve haver continuidade na prestao de servios, que devero ser remunerados e dirigidos por aquele que obtm a referida prestao. Tais caractersticas evidenciam a existncia de um acordo de vontades, caracterizando a autonomia privada das partes.

Apesar de, a priori, falar-se em contratualiazao do contrato de trabalho, manifestando-se como o acordo convergente de vontades, no se pode negar a histria escravocrata da sociedade mundial, devendo ser restringida e controlada a liberdade contratualista. A lei trabalhista inderrogvel, restringindo a autonomia da vontade, para restabelecer o equilbrio que se presume abalado em desfavor do obreiro nas relaes trabalhistas. A lei se imiscui a deciso contratual de maneira tal que no se pode perceber o contrato de emprego sem se pensar no seu vis institucionalista-preservacionista para o benefcio da parte contratante mais frgil. Na realidade, o melhor termo a ser utilizado seria contrato de emprego porque, em fazendo a interpretao literal da expresso contrato de trabalho, poder-se-ia entender como obreiro qualquer trabalhador, como o avulso, o autnomo, o eventual etc.O que deve ser observada a terminologia arraigada em nosso vocabulrio e que identifica, equivocadamente, contrato de trabalho com contrato de emprego da CLT,36

MARTINS, Srgio Pinto. Direito do Trabalho, 17 ed., So Paulo: Atlas, 2002, p. 96.

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pois, se assim era possvel em 1943, no perodo contemporneo no mais, tendo em vista a diversificao dos tipos de trabalho que podem ser contratados, o que exige uma nova classificao a partir de um gnero, que s pode ser contrato de trabalho. Outro aspecto tambm a destacar a impropriedade da expresso contrato de trabalho ano ser como gnero, porque, se o significado de seu uso o de uma modalidade, ento o correto seria dizer, ao contrrio da CLT, contratos de trabalho no plural, e no no singular, diante da variedade de tipos contratuais regidos no perodo atual pela legislao trabalhista.37

Como j exposto, preciso que esteja presente a relao prpria de emprego, vnculo mais denso que o meramente de trabalho, por meio do qual uma pessoa natural executa obra ou servios para outrem, mediante o pagamento de contraprestao 38. Para a existncia de relao de emprego, requisito do contrato de trabalho, mister se faz necessria a presena de seis outros requisitos: a) trabalho por pessoa fsica; b) pessoalidade; c) no-eventualidade; d) onerosidade; e) subordinao; f) alteridade. O primeiro dos pressupostos no precisa ser esclarecido, sendo por lgico impossvel a existncia de contrato de trabalho de uma pessoa jurdica para com outra. No tocante pessoalidade, ressalte-se que o apenas em relao ao empregado, devendo o servio ser executado por quem foi contratado, sem ser possvel a sua substituio. Por trabalho no-eventual entende-se aquele prestado de forma habitual, contnua e permanentemente, sendo o obreiro integrante da cadeia produtiva da empresa mesmo que atue em alguma rea-meio, sem desenvolver os fins prprios da entidade empregadora. A onerosidade, por sua vez, funciona como o principal direito do obreiro que executa suas atividades. A remunerao a contrapartida pelos servios prestados. Esse requisito de tal forma importante que, acaso o trabalho seja gratuito, no ser considerado como relao de emprego, mas apenas de trabalho. A subordinao exigida para a configurao da relao de emprego to-somente a jurdica, estabelecida entre o empregado e o empregador, quele sendo devido o acatamento de ordens e determinaes proferidas por este, podendo ser impostas penalidades pelo37

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: histria e teoria geral do direito do trabalho: relaes individuais e coletivas do trabalho, 24 ed. rev., atual. e ampl., So Paulo: Saraiva, 2009. 38 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho, 1 ed., Rio de Janeiro: Forense; So Paulo: MTODO, 2009, p. 55.

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descumprimento, a saber, advertncia, suspenso disciplinar e dispensa motivada. No se cabe falar em subordinao econmica, nem mesmo tcnica. Por fim, entende-se por alteridade a assuno por parte do empregador dos riscos da atividade empresarial desenvolvida. Assim, auferindo a empresa lucro ou prejuzo, se o empregado prestar suas atividades, ser-lhe- devida a remunerao pactuada.

Medidas de conservao do contrato de trabalho

Em certas ocasies previstas em lei, o contrato de trabalho firmado entre empregado e empregador tem suas clusulas sustadas em sentido amplo ou restrito. Durante toda a atividade obreira, h uma troca contnua das prestaes do servio, ou atividade contratada, com sua consequente remunerao. Tais efeitos se produzem, a priori, ininterruptamente. No entanto, em determinadas situaes, o contrato de trabalho apresenta anormalidades. Assim, possvel que o empregador seja obrigado a prestar o salrio, mesmo no recebendo a prestao de trabalho, bem como ambas as clusulas sejam suspensas totalmente, no sendo devido nem a atividade, nem a remunerao. Estas anormalidades no tm o condo de por termo ao contrato de trabalho, ademais, o contrato no se suspende. Na verdade, alguns dos seus efeitos, conforme determinado pelas normas jurdicas, que o so, em maior ou menor grau. Como bem disciplina o artigo 3 da Consolidao das Leis do Trabalho CLT (Decreto-Lei n. 5.452/1943), considera-se empregado toda pessoa fsica que prestar servios de natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio. Do conceito legal, observa-se que uma das caractersticas do contrato de trabalho a continuidade. A relao empregatcia pensada para durar, servindo tanto para a proteo do empregado, como da sociedade, haja vista o valor social do trabalho. Este princpio ainda reafirmado quando se permite a existncia de contrato por tempo determinado apenas nas situaes previstas em lei, ou seja, excepcionalmente. 29

Mascaro ainda aduz outros motivos pelos quais a necessidade do princpio da continuidade mostra-se premente:Justifica-se o princpio da continuidade no s pela idia de segurana. H outro fundamento: o valor da antigidade. Deve ser estimulada a antigidade do empregado, mesmo porque diversos dos seus direitos so nela baseados. Note-se que a antigidade tem servido de critrio de promoes em regimes estatutrios, equiparada ao prprio merecimento, com o qual se alterna. Na empresa privada no pode ser diferente. A antigidade em si no deve ser desvalorizada e pode se transformar em benefcio da prpria empresa na medida em que for bem utilizada.39

O Tribunal Superior do Trabalho, ao elaborar a Smula 212, tambm entendeu pela continuidade do contrato de trabalho, devendo ser provada sua cessao, seno vejamos:O nus de provar o trmino do contrato de trabalho, quando negados a prestao de servio e o despedimento, do empregador, pois o princpio da continuidade da relao de emprego constitui presuno favorvel ao empregado.

A CF/88, contudo, ao impor o regime do FGTS como obrigatrio e instituir a indenizao compensatria para os casos de dispensa imotivada, extinguindo de vez o regime da estabilidade decenal, abalou o princpio da continuidade da relao do emprego. Acabou-se por transformar a dispensa sem justa causa em ato potestativo do empregador, que, acaso disposto a pagar os encargos legais, poder despedir o obreiro a qualquer tempo. Apesar disso, ainda vigem no nosso ordenamento tcnicas para a conservao do contrato de trabalho. Mais uma vez fazendo referncia a Mascaro40, necessrio ressaltar queconservao no o mesmo que continuidade porque tem uma amplitude maior, no s conceitual, mas tambm de estrutura. Continuidade tambm uma tcnica, mas de classificao dos tipos de contrato quanto ao prazo, enquanto conservao no uma tcnica, mas o fundamento de diversas tcnicas. De outro lado, continuidade , como conservao do contrato, um princpio, diferindo ambas, no entanto, uma vez que aquela no to abrangente como esta.

H medidas de conservao de duas naturezas: de um lado aquelas que servem para validar o nascimento do contrato de trabalho, quando no estabelecido seus aspectos formais, apesar de estar claramente configurado o vnculo empregatcio; e, de outro, as que recaem39 40

NASCIMENTO, op. cit., p. 550. NASCIMENTO, op. cit., p. 551.

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sobre o desenvolvimento do vnculo jurdico, para permitir seu prosseguimento mesmo diante de situaes que, anteriormente, serviriam de hipteses de resciso. O primeiro bloco de medidas justifica-se no reconhecimento jurdico do contrato de trabalho tcito. Nesses casos, o empregado presta servios de maneira contnua sem a oposio do empregador. Assim, mesmo as clusulas no tendo sido pactuadas escrita ou verbalmente, d-se a existncia do vnculo trabalhista. Na outra situao, j se tem o contrato estabelecido, mas surgem situaes em que a prestao do servio, aliada ou no remunerao, fica suspensa. Trs tipos de causas ensejam a paralisao temporria dos trabalhos: a) por fatos alheios vontade do empregado (acidente de trabalho, servio militar, v.g.); b) por fato imputvel ao empregado (motivos de ordem disciplinar), e; c) por determinao legal, quando o ordenamento jurdico assegurar tal direito ao trabalhador. Os institutos da interrupo e suspenso geram, pois, uma garantia de permanncia no emprego, de maneira a impedir a dispensa do empregado, mesmo sendo esta a vontade do empregador, salvo se existir causa objetiva a permitir a terminao do contrato. Em concluso,distingue-se a cessao do contrato de trabalho da suspenso e interrupo dos efeitos do contrato de trabalho, pois a cessao atinge a existncia do contrato, enquanto nos outros institutos h a continuidade do pacto laboral [...] Analisando os dois conceitos reproduzidos, possvel chegar distino entre a suspenso e a interrupo do contrato de trabalho. Haver interrupo quando o empregado for remunerado normalmente, embora no preste servios, contando tambm seu tempo de servio, mostrando a existncia de uma cessao provisria e parcial dos efeitos do contrato de trabalho. Na suspenso, o empregado fica afastado, no recebendo salrio; nem conta-se seu tempo de servio, havendo a cessao provisria e total dos efeitos do contrato de trabalho41.

41

MARTINS, op. cit., p. 317.

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Hiptese especial de interrupo do contrato de trabalho: licena-maternidade

No artigo 7, inciso XVII, a Constituio Federal de 1988 garante gestante a licenamaternidade com durao de 120 dias, sem prejuzo do salrio e do emprego. Com o fim de regulamentar o texto constitucional, e em consonncia com o princpio da proteo ao trabalho da mulher, o art. 71 da Lei n. 8.213/91, com redao dada pela 10.710/03, garante que, durante este perodo, ser devido salrio-maternidade pela Previdncia Social segurada. Tal legislao advm do cumprimento dos critrios contidos na Conveno Internacional 103 da Organizao Internacional do Trabalho OIT, subscrita pelo Brasil atravs do Decreto n. 58.820/1966. Conforme disposto no Artigo 4, 8 da Conveno, em nenhum caso o empregador dever estar pessoalmente obrigado a custear os pagamentos devidos s mulheres que ele emprega. Tendo em vista no ser mais do empregador o suporte dos nus da licenamaternidade, tal qual se apresentava antes da Lei 6.136/74, que primeiro imps o encargo Previdncia Social, algumas discusses surgiram na doutrina acerca da natureza suspensiva da licena. Alguns autores, como Mozart Victor Russomano Octavio Bueno Magano, citados por Maurcio Delgado42, passaram a entender que, no novo sistema legal, no se trata mais de interrupo contratual, haja vista que para o empregador est suspenso o dever de prestar salrios, j que passa ele a ser suportado pela Previdncia Social. A teoria faz sentido. A principal obrigao do empregador, durante a vigncia do contrato de trabalho a prestao salarial. Quando da licena-maternidade a ele no subsiste tal nus, pois, mesmo que pague diretamente obreira (nos casos em que o INSS no o faz), haver compensao contbil relativamente aos recolhimentos previdencirios ocorridos no perodo. Segundo tal entendimento, minoritrio, diga-se, no havendo trabalho, nem prestao salarial, restaria suspenso e no interrompido o contrato de trabalho.

42

DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8 ed., So Paulo: LTr, 2009, p. 1073.

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Apesar de compreensvel, de um ponto de vista lgico, este entendimento apresenta vcios perante a tica jurdica, pois se desconsidera que, durante o perodo de afastamento, conta-se o tempo de servio para todos os fins, como promoo, 13 salrio e perodo aquisitivo de frias, alm do que continuam devidas, e estas pelo empregador, as parcelas referentes ao FGTS, devendo ser realizado o depsito na conta vinculada da trabalhadora. De acordo com a justificativa de Maurcio Delgado43,trata-se de um caso de interrupo contratual em que a ordem jurdica buscou minorar os custos normalmente assumidos pelo empregador, isso em decorrncia de uma poltica social dirigida a eliminar discriminaes mulher no mercado de trabalho. que se fossem mantidos todos os custos da interrupo no presente caso [perodo de licena-maternidade], prejudicar-se-ia a mulher obreira, dado que se estaria restringindo comparativamente seu mercado de trabalho (seus contratos seriam potencialmente mais caros para o empregador, levando este a prticas discriminatrias contra as mulheres).

A licena garantida a todas as empregadas urbanas e rurais, devendo ser concedida 28 dias antes e 92 dias aps o parto, ante o disposto no Decreto 3.048 de 1999, podendo tal perodo ser dilatado, em circunstncias excepcionais, por mais duas semanas, desde que apresentado atestado mdico fornecido pelo Sistema nico de Sade comprovando a necessidade (artigo 392, 2, artigo 93, 3, e artigo 96, do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999). Sem embargo, a licena-maternidade justificava-se pela necessidade de recuperao fsica e emocional da mulher, que passou por uma gestao e teve seu organismo traumatizado por mudanas repentinas, que variam desde sua sade at a prpria aparncia. Entretanto, com a promulgao da Lei n. 10.421/2002, alterada posteriormente pela Lei n. 12.010/2009, cria-se uma ponte para o direito do trabalho do conceito de famlia afetiva. Ao garantir adotante de filho de qualquer idade perodo de afastamento igual ao daquela que deu luz, passa-se a entender a necessidade de desenvolvimento de laos de afetividade como de importncia igual ou at mesmo maior recuperao fsica da mulher. Assim sendo, no podemos mais considerar o perodo de afastamento dado gestante aps o parto como to-s prazo recuperativo. Funciona este tempo, tambm, como

43

DELGADO, op. cit., p. 1073.

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responsvel pelo desenvolvimento de laos de afetividade entre a me e o filho recmnascido, sendo de imensurvel importncia para o desenvolvimento emocional de ambos.

Direito licena-paternidade

Ainda imbuda de presunes patriarcais e deveras machistas, a Constituio Federal garantiu ao pai o perodo de licena de apenas 5 dias, estando a matria at os dias atuais pendente de regulamentao. De acordo com o disposto no art. 7, inciso XIX, c/c com o art. 10, 1, do ADCT, ambos da CF/88:Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: XIX - licena-paternidade, nos termos fixados em lei; Art. 10, 1, - At que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7, XIX, da Constituio, o prazo da licena-paternidade a que se refere o inciso de cinco dias.

Da forma como se encontra, ao pai no dado o direito de formao de vnculos afetivos com o filho recm-nascido, devendo continuar no exerccio normal de suas atividades profissionais. O prazo de 5 dias de tal maneira nfimo que o impede mesmo de dar suporte sua mulher que acabou de passar por um perodo de gestao e, por suposto, necessita de cuidados especiais. A situao se agrava sobremaneira quando nos deparamos com situaes em que a me no se encontra presente, sobretudo quando esta falece durante o parto ou logo aps ele. No h previso no ordenamento jurdico para tal caso, no se podendo assumir a priori, salvo deciso judicial analisando o caso concreto, que o perodo remanescente de licenamaternidade, ou algum outro tempo aps o perodo legal de luto, ser dado ao pai suprstite para sanar as necessidades do filho. O presente trabalho, no entanto, foca na situao que se pode considerar mais grave: a adoo por homem solteiro. Isto porque, quando da presena da me e do pai biolgicos, por mais que um deles no possa estar presente na formao dos laos afetivos, ao outro dada tal oportunidade.

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Mesmo quando a figura da me no se firma, seja por morte, abandono ou incapacidade, ao pai biolgico foi garantido um perodo de formao de laos com o filho quando da gestao, que, mesmo insuficiente, ainda subsiste. Na adoo, no. Inexistem os laos consangneos, sendo a famlia composta to-s por afetividade, que no ter tempo para ser desenvolvida num prazo de 5 dias, considerandose a extenso dos efeitos do diploma constitucional para os casos de adoo. No se permite sejam sanadas as necessidades fsicas e afetivas do adotando, funcionando esta situao como um verdadeiro inibidor para os homens solteiros que pretendem adotar sozinhos, visto no ser o instituto da adoo e da guarda restritos s mulheres. s mes adotivas solteiras, prejuzos no h, haja vista estarem tambm amparadas pela Lei n. 10.421/2002. Mesmo sozinhas, ser-lhe- garantido o afastamento do trabalho pelo perodo de 120 dias, conforme art. 392 consolidado, sem prejuzo da percepo dos salrios nem dos demais direitos que lhe convierem. Depara-se com um verdadeiro caso de inconstitucionalidade por omisso indutor de distores severas no mbito trabalhista e, em conseqncia, familiar. Alm do mais, na situao em que se encontra, a isonomia entre homens e mulheres proclamada pelo art. 5 da Constituio encontra-se gravemente ferida, haja vista o tratamento de completa incoerncia dado situao de adoo por pais solteiros. Entenda-se que no s se pretende a concesso de licena-paternidade por tempo maior ao pai para se equiparar licena-maternidade. Em verdade, cada uma importante sua maneira, devendo serem elas tratadas de diferentes maneiras diante das diferentes situaes. Para o caso de adoo, no restam dvidas de que deve ser dado tratamento igualitrio mulher e ao homem, devendo surgir um instituto nico de licena-adoo, de natureza diferente da licena-maternidade e licena-paternidade, tal qual se encontra nos Cdigos de Trabalho de Portugal e da Frana. A legislao francesa, no fazendo distino entre o sexo do adotante, concede o perodo de licena de dez semanas a contar da data de chegada da criana, podendo ela ser antecedida a, no mximo, sete dias antes do dia marcado para a vinda. Esse perodo ainda 35

poder ser aumentado, em dezoito ou vinte e duas semanas, a depender do nmero de crianas adotadas44. Ademais, se a adoo for realizada por dois trabalhadores, dever o perodo de licena ser partilhado, havendo um aumento de onze dias, em caso de adoo simples, e de dezoito, se mltiplas45. Em Portugal, quando a adoo for de menor de quinze anos, ser devido o perodo de 120 ou 150 dias a ttulo de licena-adoo, a ser partilhado pelos pais, ou gozado por apenas um deles, ainda que dois tenham sido os adotantes46. A legislao trabalhista espanhola d tratamento similar. Em caso de adoo ou acolhida, ser devido aos adotantes um perodo de afastamento de dezesseis semanas ininterruptas, aumentadas em duas semanas para o caso de adoo mltipla a partir do segundo filho. Esse perodo dever ser partilhado entre os progenitores, que podero exercer juntos ou apenas um se afastar pelo tempo integral47.44

FRANA, Code Du Travail, Version consolide au 24 mars 2011, Section 3: Congs d'adoption, Article L1225-37: Le salari qui l'autorit administrative ou tout organisme dsign par voie rglementaire confie un enfant en vue de son adoption a le droit de bnficier d'un cong d'adoption d'une dure de dix semaines au plus dater de l'arrive de l'enfant au foyer. Ce cong peut prcder de sept jours conscutifs, au plus, l'arrive de l'enfant au foyer. Le cong d'adoption est port : 1 Dix-huit semaines lorsque l'adoption porte trois ou plus le nombre d'enfants dont le salari ou le foyer assume la charge ; 2 Vingt-deux semaines en cas d'adoptions multiples.In http://www.legifrance.gouv.fr, acessado em 20 de abril de 2011. 45 FRANA, Code Du Travail, Version consolide au 24 mars 2011, Section 3: Congs d'adoption, Article L1225-40: Lorsque la dure du cong d'adoption est rpartie entre les deux parents, l'adoption d'un enfant par un couple de parents salaris ouvre droit onze jours supplmentaires de cong d'adoption ou dix-huit jours en cas d'adoptions multiples. In http://www.legifrance.gouv.fr, acessado em 20 de abril de 2011.46

PORTUGAL, Cdigo do Trabalho, Lei n. 7/2009 de 12 de fevereiro, Artigo 44.: Licena por adopo: 1 Em caso de adopo de menor de 15 anos, o candidato a adoptante tem direito licena referida nos n. 1 ou 2 do artigo 40.. Artigo 40.: Licena parental inicial: 1 A me e o pai trabalhadores tm direito, por nascimento de filho, a licena parental inicial de 120 ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar aps o parto, sem prejuzo dos direitos da me a que se refere o artigo seguinte; 2 A licena referida no nmero anterior acrescida em 30 dias, no caso de cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um perodo de 30 dias consecutivos, ou dois perodos de 15 dias consecutivos, aps o perodo de gozo obrigatrio pela me a que se refere o n. 2 do artigo seguinte. In http://www.cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_L1_002.html, acessado em 22 de abril de 2011. 47 ESPANHA, Estatuto de Los Trabajadores, Ley 8/1980, artigo 48: [...]En los supuestos de adopcin y acogimiento, de acuerdo con el artculo 45.1.d) de esta Ley, la suspensin tendr una duracin de diecisis semanas ininterrumpidas, ampliable en el supuesto de adopcin o acogimiento mltiples en dos semanas por cada menor a partir del segundo. Dicha suspensin producir sus efectos, a eleccin del trabajador, bien a partir de la resolucin judicial por la que se constituye la adopcin, bien a partir de la decisin administrativa o judicial de acogimiento, provisional o definitivo, sin que en ningn caso un mismo menor pueda dar derecho a varios perodos de suspensin. En caso de que ambos progenitores trabajen, el perodo de suspensin se distribuir a opcin de los interesados, que podrn disfrutarlo de forma simultnea o sucesiva, siempre con perodos ininterrumpidos y con los lmites sealados. En los casos de disfrute simultneo de perodos de descanso, la suma de los mismos no podr exceder de las diecisis semanas previstas en los prrafos anteriores

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Vai mais alm e acrescenta que, seja qual for o caso, o trabalhador ter direito licena-paternidade no perodo de 13 dias, independentemente de ter desfrutado o prazo referente licena citada anteriormente. No entanto, em caso de adoo ou acolhimento, sendo o direito ao afastamento por maternidade desfrutado por apenas um dos progenitores, o direito licena-paternidade dever ser do outro48. Para a situao de filiao biolgica, por sua vez, o tratamento no deve ser isonmico, mas desigual, ante a necessidade de desenvolvimento de laos afetivos para ambos os pais, mas com o diferencial de ter a mulher direito a um perodo de recuperao fsica dos transtornos corporais causados por uma gravidez. Por todo o exposto, percebe-se que, no direito comparado, quando estamos diante de licena em virtude de adoo, no se fala em sexo ou diferenciao entre os adotantes. Em verdade, uma licena com uma natureza mesmo de licena-adoo, no se confundindo, em maior ou menor grau, com a decorrente de filiao biolgica. Em sendo assim, delimita-se a natureza jurdica da licena-adoo, funcionando ela como perodo de afastamento com o fim de desenvolvimento de laos afetivos entre o adotante e o adotado. Este modelo se mostra mais coadunado com o princpio da igualdade entre homens e mulheres, clusula ptrea contida na Constituio de 1988, devendo ser importado, com os devidos ajustes e adaptaes, para o ordenamento jurdico ptrio.

o de las que correspondan en caso de parto, adopcin o acogimiento mltiples.[...] In http://www.segsocial.es/prdi00/groups/public/documents/normativa/095184.pdf, acessado em 22 de abril de 2011. 48 ESPANHA, Estatuto de Los Trabajadores, Ley 8/1980, artigo 48 bis: [...]En los supuestos de nacimiento de hijo, adopcin o acogimiento de acuerdo con el artculo 45.1.d) de esta Ley, el trabajador tendr derecho a la suspensin del contrato durante trece das ininterrumpidos, ampliables en el supuesto de parto, adopcin o acogimiento mltiples en dos das ms por cada hijo a partir del segundo. Esta suspensin es independiente Del disfrute compartido de los perodos de descanso por maternidad regulados en el artculo 48.4. En el supuesto de parto, la suspensin corresponde en exclusiva al otro progenitor. En los supuestos de adopcin o acogimiento, este derecho corresponder slo a uno de los progenitores, a eleccin de los interesados; no obstante, cuando El perodo de descanso regulado en el artculo 48.4 sea disfrutado en su totalidad por uno de los progenitores, El derecho a la suspensin por paternidad nicamente podr ser ejercido por el otro.[...] In http://www.seg-social.es/prdi00/groups/public/documents/normativa/095184.pdf, acessado em 22 de abril de 2011.

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Concluso

Diante do explanado, no h outra concluso que no a necessidade de reformulao do instituto da licena-paternidade. Entendida no como uma decorrncia da licenamaternidade, mas como de importncia equivalente tanto em relao ao pai quanto ao filho. Por outro lado, em se tratando de adoo, conclumos pela implantao no ordenamento brasileiro do modelo j difundido pela Europa Ocidental, em pases como Espanha, Portugal e Frana. O sistema da licena-adoo, tal qual idealizado pelos cdigos trabalhistas dos pases citados acima, serviria para, disciplinando e destrinchando o artigo 5 da CF/88, terminar por igualar homens e mulheres, ao menos sob o ponto de vista da adoo. E podemos ir alm, entendendo tambm pela integralizao ao nosso ordenamento de normas que no imponham o perodo de licena-maternidade me, visto a mudana na natureza jurdica desta, deixando ao talante dos pais a partilha de um perodo comum de afastamento, seja no caso de adoo, seja no caso de filiao biolgica, desde que respeitado um prazo mnimo de licena para cada um dos pais. Essa implementao favoreceria at mesmo os casos de adoo por pares homoafetivos do sexo masculino, que, conforme se encontra hoje em dia, mesmo aps superados os imensos conflitos para a concretizao da adoo, aos quais no cabe fazer referncia neste ponto, teriam de enfrentar novos para poderem passar um perodo de convivncia com seus filhos de modo a concretizar os laos de afetividade j to debatidos. Em suma, um sistema que no faz diferenciao entre os sexos para o fim de afastamento de trabalho a via mais justa atual composio da sociedade, em que homens e mulheres exercem cada vez mais o mesmo papel, no havendo mais a presuno do homem provedor e da mulher dona-de-casa. Ademais, serve para incorporar ao direito do trabalho as caractersticas dos novos modelos familiares existentes, em que no se adota mais o tipo clssico de constituio com um homem e uma mulher, podendo esse arranjo ser feito das mais diversas formas. 38

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