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Gagueira severa em adultos
Hélio Beraldo
Supervisor José Carlos Rielchelmann
2003
Agradecimentos
Este trabalho é o resultado de uma longa caminhada em busca do sentir-me
livre de uma coisa chamada gagueira.
Nessa busca sempre recebi o apoio de meus pais, irmãos, perentes e amigos.
Quando casei há 34 anos, a compreensão de minha esposa Janete e a seguir de
meus filhos Débora e Marcos e atualmente também de meu genro Marcelo, foi algo
que sempre me deu força, que me impulsionou a continuar.
Agora agregando o apoio de novos amigos, professores e a literatura
produzida por pesquisadores que se dedicam a buscar conhecimentos que possam
desvendar tal fenômeno, estou podendo sentir o prazer, o gozo de comunicar-me
livremente através da fala.
Sinto-me como quem perseguiu e alcançou seu objetivo.
Hélio Beraldo
Para meus netos Giovani e João Pedro que vieram colocar mais luz em minha
vida.
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Introdução__________________________________________________________________5
Etiologia da Gagueira________________________________________________________10Neuropsicológica multidimensional_________________________________________________________10Amelisi Junqueira Bohnen________________________________________________________________11Mônica Medeiros de Britto Pereira_________________________________________________________12Interação dos fatores sociais e emocionais____________________________________________________12Beatriz Helena Vieira Maranghetti Ferriolli__________________________________________________14Gagueira como sintoma e sujeito da gagueira_________________________________________________14Marisa Buena Mendes Gargantini__________________________________________________________16Leomara Burgel Guarneri________________________________________________________________18Gagueira como sintoma —Presuposto da Psicanálise___________________________________________18Regina Jakubovicz______________________________________________________________________20Cristiane Moço Canhetti de Oliveira________________________________________________________23Gagueira e taquifenia associada____________________________________________________________23Luiz Augusto de Paula Souza_____________________________________________________________24Da gagueira entre o Medo e o Desejo (2001)_________________________________________________24Roberto Ecleide de Oliveira Gomes Kelly____________________________________________________26O Buraco da língua – Sintoma da gagueira___________________________________________________26Fernando Papaterra-Limongi______________________________________________________________30Aprensão de Comunicação________________________________________________________________30Silvia Friedman (2001)__________________________________________________________________32Isis Meira (2001)_______________________________________________________________________36Método Integrativo Existencial____________________________________________________________36
Tratamento de adulto________________________________________________________41
Técnicas usadas atualmente em terapias_____________________________________________47
Conclusão_________________________________________________________________78
APÊNDICES – REFLEXÕES DE UM GAGO____________________________________85Fluência______________________________________________________________________________85Ansiedade e desempenho_________________________________________________________________86O paradoxo____________________________________________________________________________87Equilibrio_____________________________________________________________________________88
Bibliografia________________________________________________________________89
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Não se cuida dos sintomas de um gago, sem cuidar dos aspectos de sua personalidade.
Não se faz meio tratamento. Trata-se de um ser biopsicosocial e espiritual.
Hélio Beraldo
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Introdução
Seguindo os Critérios Diagnósticos do DSM-IV (APA, 1995, p.52-53)
A gagueira é uma perturbação da fluência e padrão de tempos normais à fala
(inapropriado para a idade do indivíduo) caracterizadas por ocorrências freqüentes
de um ou mais dos seguintes aspectos:
1. Repetições
2. Prolongamentos do som
3. Interjeições
4. Palavras partidas (por exemplo, pausas dentro de uma palavra)
5. Bloqueio audível ou silencioso (...)
6. Circunlocuções (substituições de palavras para evitar as que são
problemáticas)
7. Palavras produzidas com excesso de tensão física
8. Repetições de palavras completas (por ex. “Eu – eu – eu – vou)
Friedman (1986, p.7) faz uma revisão da literatura que a descrevem como:
repetições, hesitações, bloqueios e tremores, visíveis na atividade de fala,
acompanhadas ou não de secundarismos verbais, isto é, de sons, sílabas, ou palavras
desnecessárias, que se somam à mensagem vínculada e de movimentos de outras
partes do corpo, associadas à atividade verbal, estranhos à atividade de fala
convencional. Esta descrição de manifestação, ou atividade, que caracteriza a
gagueira, tem sido apresentada muitas vezes subdividida em etapas, que
correspondem a diversas faixas etárias e aos graus de severidade da gagueira.
Perkins, 1993 e Prins, 1993 apresentam a gagueira como um disturbio
complexo, definida como um distúrbio da fluência, caracterizada por interrupções
anormais do fluxo da fala, perda de controle, já que ocorre de modo involuntário.
Seus sintomas são: repetições de palavras ou sílabas, pausas ou prolongamentos de
sons, inclusão de sons atípicos ou palavras que não fazem parte da fala, manutenção
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anormal de uma postura tanto facial, labial, mento, fronte, fechamentos dos olhos ou
desviar os olhos do interlocutor.
Jakubovicz (1997) refere-se aos movimentos associados como fenômenos
secundários os quais são “certos comportamentos e maneirismos associados aos
aspectos acústicos da fala”, usados para “escapar”, esconder ou evitar que se perceba
a inabilidade para dizer a palavra”.
Van Riper (1972) diz que são observados a presença de movimentos
“acessórios”, chamados de movimentos “secundários” ou “compensatórios”, tais
como movimento do corpo, indicativos de luta ou fuga, piscar, ou revirar os olhos
bater com as mãos ou com os pés, movimentar a cabeça, tremor, protusão dos lábios,
dificuldades para iniciar a fala ou mantê-la, e ainda dificuldade para sustentar o fluxo
de ar.
Ainda segundo Van Riper a gagueira é intermitente, apresenta diversos
estágios de evolução (do leve ao severo), e seus sintomas mostram diversos níveis de
tensão ( de baixa tensão a um esforço evidente). Os quadros associados variam muito
de indivíduo a indivíduo. Estados emocionais, consciência sobre o problema e pressa
influem no agravamento dos sintomas, assim como o estresse de comunicação e
fatores ambientais.
Cooper (1193) considera a gagueira uma “complexa síndrome clínica”, alerta
para fins de disgnóstico sobre o perigo de se reduzir a gagueira tão somente a um
rótulo.
Ferriciolli (2002) pergunta qual o maior desejo do gago?
_ Meu maior desejo?
_ Conversar com as pessoas sem medo de ser feliz.
Ferricilli continua.
_ Que sujeito é este que vacila, hesita, repete? Será o sujeito do lapso, da
lacuna do ato falho, do “non sense”?
_ É o sujeito que sabe, mas não pode se mostrar, então o incosnciente
encontra um caminho através de pistas, indícios, é a fala gaguejada como um grito de
socorro.
Para Bakhtin (1988;14) “A fala está indissoluvelmente ligada as condições de
comunicação, que por sua vez, estão sempre ligadas as estruturas sociais”.
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Rodrigues (2002; 116) ao falar de fatores psicossociais, cita talvez os dois
sutores mais representativos sejam Wendell Johnson (1959) e Joseph Sheehn (1970)
os quais eram gagos.
Johnson (1959) propõe que a gagueira “surge nos ouvidos dos ouvintes”,
visto que no inicio da linguagem oral toda criança apresenta interrupções, vacilações,
interrupções e repetições que são classificadas como gaguejadas. As reações dos
adultos e as correções e recomendações que os pais fazem à criança a respeito de sua
dificuldade de falar fazem com que ela tome consciência de seu mau falar e
concentre sua atenção na forma de falar. Ela trata de antecipar suas possíveis falhas e
isso traz como conseqüência o que o autor denomina de “reação antecipatória do
esforço”. Para Johnson, a gagueira não aparece antes de seu disgnóstico, mas com ele
e depois dele.
Sheehn (op. Cit.) por sua vez propõe: basicamente a gagueira não é um
distúrbio da fala, mas um conflito que gira ao redor do Eu e de um papel, é um
problema de identidade. Formalmente, em termos da Teoria dos Papéis, a gagueira é
vista mais claramente como um conflito do papel do próprio eu.
Como distúrbio a gagueira representa um papel específico. O gago,
tipicamente não tem dificuldades quando está só, o que é uma característica
importante e significativa do distúrbio. Nesses momentos, ele pode falar livremente,
já que não se lhe está requerendo a comunicação com outros seres humanos; quando
está com outros, somente gagueja no momento de falar –esta é uma velha piada que
indica algo importante. Gagueira é um comportamento associado a um papel
específico para o falante e para sua relação com o ouvinte. Assim como são
necessário dois para dançar um tango, também são necessários dois para gaguejar;
são requeridos um fante e um ouvinte.
Souza (2002;107) faz como centro de reflexão a idéia de que a gagueira
frequentemente constitui uma dificuldade relacional. Tal transtorno relacional
acomete vários canais sensoriais e de expressão, embora seja mais notado e sentido
na fala., Talvez daí advenha a noção de que a gagueira é um distúrbio da fala.
Do trabalho de Gargantini (2002;79) extraimos as citações: A gagueira é uma
desordem de comunicação oral complexa, relacionada a fluência de fala que,
geralmente se inicia na infância (Andrad et al,2001) sendo frequentemente,
experimentado pelo indivíduo como uma perda de controle da própria fala (Cooper,
7
1993; Perkins, Kent e Curlei, 1991). Caracteriza-se por repetições de palavras, de
partes de palavras, prolongamentos de sons ou fixações silenciosas e bloqueios, além
de um “certo número de aspectos associados, freqüentemente referidos como
sintomas secundários” (Bloodstein 1995;19). Tais comportamentos incluem
categorias como comportamentos de evitação (não falar quando deseja fazê-lo,
utilizar sinônimos para palavras temidas, parafrasear a emissão pretendida...),
artifícios de atraso (utilizar palavras sem significado ou palavras de preenchimento
ou esperar para tentar falar. Friedman (1982) através da história do desenvolvimento
da fala, captada no discurso de sete sujeitos, conseguiu detectar o que ela chamou de
reais determinações da produção de uma fala com gagueira e compreendê-la como
unidade externa e a sua essência em movimento.
Da análise do discurso ela captou as categorias: auto-imagem, outros, nível
motor e ativação emocional, mostrando seresm estas reflexo da realidade do
processo de desenvolvimento da linguagem. Assim, por exemplo a auto-imagem do
sujeito não gago, contém uma imagem de si como bom falante, ao passo que a dos
sujeitos gagos contém sempre uma imagem de si como mau falante. A ativação
emocional do não gago, contém prazer em falar e no gago mede de falar.
Desta forma, atrás da manifestação da gagueira revelou-se o movimento do
pensamento determinado pelas relações de comunicação vividas na primeira
infância, que por sua vez, determinou os tipos de comportamento que se tornaram
habituais à atividade da fala. Sendo que a base desta lógica é a união paradoxal das
idéias “devo falar bem” __”sou mau falante”; ou “não devo gaguejar” __”sou gago”.
Meira (1986) vê a gagueira como fenômeno e que está envolvida por tensões.
Essas tensões apresentadas constituem os invólucros da gagueira. As principais
tensões são a) tensão oral; b) tensão cervical e c) tensão diafragmática.
a) Na tensão oral os movimentos articulatórios ficam reduzidos, falha na
cordenação destes movimentos, tremores, inabilidade para realizar alguns
movimentos que envolvam a musculatura oral, dor e cansaço após algum tempo de
movimentação, posturas tensas ou movimentos atípicos.
b) A tensão cervical se manifesta principalmente nas posturas tensas que,
em geral, envolvem elevação e contração dos ombros, movimentos atípicos do
pescoço e ombro, dores musculares.
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c) Na tensão diafragmática parece estar o centro da tensão. É a tensão
disfragmática principalmente, que, segurando a fala, impede a expressão livre e
coordenada da fala.
Nota-se algumas vezes que o gago inspira, prende o ar e fala quase sem ar ou
fala na inspiração ou, ainda, prende a saída do ar bloqueando a fala.
Barbosa (1998) devido à complexidade das manifestações da gagueira, e dos
fatores que nela interferem, ela já foi caomparada a um rio formado por vários cursos
de água (Van Riper, 1972). Quando tentamos compreender esse distúrbio,
especialmente quanto aos aspectos relativos a sua etiologia, deparamo-nos com
questões ainda bastante intrigantes (Amsel, 1993).
Meira (2002) falamos do que podemos ver, do que podemos sentir, do que
podemos compreender e é esta verdade que admitimos. Outro poderá ter um
diferente ponto de vista, outro poderá ver além, poderá abstrair e ter um outro nível
de compreensão do mesmo fenômeno.
Assim é a gagueira. São tantos os olhares, são tantos os ângulos de visão, são
tantas as interpretações, que muitas vezes confundem àquele que procura uma
compreensão deste fenômeno.
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Etiologia da Gagueira
Barbosa (1998; 11) relata que freqüentemente os pais a procuram levando
algum fato objetivo que, explicita ou implicitamente possa estar relacionado com a
causa da gagueira de seus filhos: “acho que ele ficou gago de tanto andar com o
primo que é gago” ou buscam localizar no tempo o momento exato em que a criança
começou a manifestar os primeiros sintomas da gagueira: “meu filho ficou gago
desde o dia em que uma galinha pulou em cima dele, no sítio, há três anos atrás.
Irwin (1993) comenta que os pais “inclinan-se a buscar no passado algum fato
que tinha traumatizado a criança, perto da época emq eu se iniciou a gagueira”.
Segundo Barbosa é comum as afirmações do tipo: “O problema é de
raciocício”, “Ele pensa mais rápido do que fala”, “É coisa do pensamento, ele não
sabe pensar direito, falta de atenção, um susto etc.
A etiologia da gagueira ainda continnua “envolta por teorias controversas”
(Ansel, 1993). De acordo com Peters e Guitar (1991), estamos diante de “pequenas
peças de quebra cabeça”.
Neuropsicológica multidimensional
Alvarez, Sanchez e Zaidan vêem a gagueira como um transtorno
comportamental de etiologia variada e com distintas manifestações. Fazem uma
abordagem neuropsicológica multidimensional do processo auditivo para nortear
seus estudos sobre o indivíduo que gagueja. Explicam que o processo da linguagem
ocorre em estruturas específicas do sistema nervoso central e que suas evidências
tem dado os mais apurados indícios sobre a arquitetura funcional do cérebro. Aceita
que os aspectos cognitivos verbais seriam mediados pelo hemisfério esquerdo,
enquanto que os componentes prosódicos e afetivo-emocionais seriam mediados pelo
hemisfério direito. Logo uma forma eficiente de comunicação exigiria integridade
funcional dos dois hemisférios.
Historicamente, os seres humanos iniciaram seu processo de comunicação
oral há aproximadamente 100 mil anos e trazem este conhecimento dentro de si,
reformulando-o em função de novos avanços.
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Explicam que o desenvolvimento neurocognitivo se da por meio de uma
interface complexa e dinâmica entre eventos genéticos predeterminados e
informações ambientais (Kuhl, 1999). Por meio de sucessivas informações e
solicitações internas e/ou externas ao organismo há um contínuo modelar e
remodelar das conexões neurais e do mapeamento cortical (Neville & Bavillier,
1999). Considera-se que o grau dessa interface é altamente variável nos diferentes
sistemas sensoperceptivos, acarretando distintos níveis e diferentes períodos de
sensibilidade para as informações do meio para o desenvolvimento da organização
funcional das vias neurais (Huttemlocher & Dabholkar, 1997).
Tomando como referência teórica o processamento neurocognitivo,
acreditamos que cada indivíduo apresenta uma organização funcional do cérebro que
lhe é peculiar. Por essa razão eles escolheram a abordagem neuropsicológica
multidimensional do processo auditivo para nortear seus estudos sobre o indivíduo
que gagueja.
Eles fazem uma avaliação da função auditiva central (FAC) que tem
demosntrado sensibilidade a disfunção em regiões específicas do cérebro apra
identificar a natureza subjacente das dificuldades auditivas dos indivíduos com
transtorno de fala e linguagem.
Amelisi Junqueira Bohnen
Parte do princípio citado por Morim (1998): o ser humano é um ser que
pensa, age e tem linguagem “presente em suas operações cognitivas e práticas”. O
paradigma norteador para o entendimento da gagueira precisa passar pela
compreensão da linguagem e suas dimensões.
Bobnem entende a gagueira como um distúrbio de comunicação, como uma
ruptura da fluência dentro da perspectiva da linguagem, já que a comunicação é o seu
objetivo mais nobre.
Brandi (1990) dis que a fluência é caracterizada pela seqüência (organização
temporal das formas numa realizade linguistica), pela duração (tempo que dura a
articulação do elemnto fonético), pela velocidade (rapidez com que os elementos
fonéticos são articulados, pois cada elemento fonético tem uma duração variável) e
pelo ritmo (forma da velocidade da fala, ou seja, a prosódia, a cadência, a duração
dos elementos). Esses quatro parâmetros frequentemente mostram-se alterados em
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uma fala gaguejada. Em geral, a pessoa que gagueja tenta adaptar seu padrão de fala
ao padrão de escuta do ouvinte. Ele tenta ( e nem sempre consegue) organizar e
adequar seu planejamento de linguagem ao seu ritmo e à sua velocidade para
mostrar-se o mais fluente possível.
Bohnem ressalta que a hereditariedade, as questões genéticas e os aspectos
neurofisiológicos tem mostrado a sua influência no como a linguagem é produzida
pelas pessoas que gaguejam. A autora mostra que basta a presença alterada
consistente e constante de um fator de risco para comprometer a fluência da fala.
Como existe tantas variáveis interferindo na produção da linguagem e da fala,
a necessidade de uma sistemática atualização de paradigmas é inquestionável.
Como o ser humano é muito complexo, a autora prefere não ter uma linha
teórica-prática para embasar seu trabalho. Faz avaliação e terapia de acordo com as
necessidades específicas que ela percebe no seu paciente. Prefere deixar
caracteristicas e habilidades do paciente determinarem a conduta terapêutica a ser
seguida.
Mônica Medeiros de Britto Pereira
Interação dos fatores sociais e emocionais
Brito questiona se a descoberta da causa possa levar a cura da gagueira.
Dentro desta visão, a causa seria vista como fator único e determinate para a
instalação de um quadro de gagueira, o que na opinião dela, não acontece. Ela vê a
gagueira como multicausalidade.
Brito explica que em torno dos dois anos e meio costuma aparecer na criança
a disfluência infantil, através de hesitações, repetições de frases e palavras, também
chamadas de disfluências não gagas ou comuns, localizadas no inicio da frase,
surgindo uma dificuldade da criança na seleção lexial e na organização da frase
(Brito, 2001; Perkins, 1990) o que é absolutamente normal para a faixa etária. Nesta
fase é difícil saber se a criança que está gaguejando, será gaga ou não. Segundo
Perkins (1990) este tipo de gagueira ocorre quando a criança se sente pressionada a
continuar seu discurso, mas não sabe qual palavra usar, porém commo
desenvolvimento da linguagem a tendência é que a criança supere a dificuldade. Em
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alguns casos no entanto se observa uma persistênica na duração do quadro, que
permanece além do período considerado normal (até os três anos). Quando
associadas a essa persist6encia começa a aparecer repetições de sílabas ou sons,
prolongamentos, agora, uma dificuldade na produção de uma palavra específica já
selecionada pela criança. Esse tipo de gagueira Perkins (1990) denominou “auto-
expressiva”. Esses dois tipos de gagueira crônica e a recuperação expontânea estaria
provavelmente ligada a vulnerabilidade da criança em relação à gagueira. Os estudos
na área da genética apontam para uma predisposição.
Andrade (2001) relata que na busca de uma questão orgânica, as pesquisas
implementadas com neuroimagens sugerem a presença de alterações sobretudo em
relação a uma assimetria funcional inter-hemisférica. As pessoas gagas
apresentariam uma ativação difusa ou predominantemente direita em relação da fala
ou da linguagem, enquanto que as pessoas fluentes ativam predominantemente o
hemisfério esquerdo. Esses estudos ainda não apresentam conclusões definitivas, isso
leva ao questionamento se os achados seriam causa ou conseqüência da gagueira.
A gagueira infantil pode ser avaliada através da conscientização da criança da
sua dificuldade em se expressar verbalmente, ocasionando ansiedade em situações de
comunicação e pela identificação afetiva da criança com um autoconceito em relação
às suas capacidades de “falante”, isto é, a criança já se vê como “gaga”. Brito cita
Bloodstein (1993) que acredita ser o nível de frustração da criança diante das
interrupções em sua fala, o melhor critério para diferenciar a dsifluência da gagueira
infantil. É importante ressaltar que um quadro crônico não é necessariamente
irreversível.
Brito ressalta que são muitos os fatores que intereferem no processo de
evolução de um quadro de disfluênciq pqra um quadro de gagueira infantil, como os
fatores de caráter emocional e os de caráter social, além da predisposição Brito dá
ênfase que a tudo que desenvolvemos em nossas vidas, já exista como possibilidade.
O mesmo acontece com a gagueira. Não é porque os pais se separam,ou porque
nasceu um irmão que uma criança fica fragilizadae por isso começa a gaguejar. Ela
teria muitas outras saídas para expressar sua angústia, como a enurese noturna, voltar
a falar como neném ou ficar mais agressiva. O aparecimento e persistência de um
quadro de disfluência demonstram umapredisposição desta criança para gaguejar.
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Brito destaca o somatório de fatores como o emocional, o o social, associado à
predisposição, como facilitador na instalação de uma quadro de gagueira.
Segundo Logan (1999) a predisposição genética para a gagueira pode não ser
suficiente para o desenvolvimento do quadro. É o meio ambiente que dispara o
gatilho para o aparecimento do quadro e para isso a criança deve experimentar um
impacto emocional negativo relativo a sua fala. Após isso é necessário que esta
reação negativa em relação à fala seja aprendida pela criança, o que requer várias
experiências negativas, que levam a criança a se conscientizar de sua dificuldade de
fala e a partir daí começar a formar um autoconceito de “gago” como tão bem definiu
Friedman (1986).
Beatriz Helena Vieira Maranghetti Ferriolli
Gagueira como sintoma e sujeito da gagueira
Que sujeito é este que vacila, repete? Será o sujeito do lapso, da lacuna do ato
falho, do “nom sense”?
É o sujeito que sabe, mas não pode se mostrar, então o inconsciente encontra
um caminho através de pistas, indícios, é a fala gaguejada, como umm grito de
socorro.
Para Ferriolli falar sobre o sujeito é falar de como o outro está representado
para nós na relação dialógica. Ferriolli cita Bakhtim (1988;14) para ele “a fala está
indissoluvelmente ligada às condições da comunicação que, por sua vez, estão
sempre ligadas às estruturas sociais”. A interação verbal constitui a realidade
fundamental da língua, a enunciação só é efetivada entre falantes, os quais são
colocadas numa cadeia de sentido como os elos de uma corrente. Bakhtim afirma
que “saber que o outro pode ver-me determina radicalmente a minha condição”
(1997;16), este “ver-me” não est’a só ligado a capacidade visual, mas a outras formas
de se perceber no outro.
Segundo Ferriolli desde a gravidez, a mãe (pai, família) passa(m) a falar da
criança que espera(m), representando de alguma forma; este sujeito é falado e
interpretado ao longo de sua vida, não só pela família, mas por todos que com ele
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convivem. A forma como a criança é representada, dará as primeiras noções dos
lugares discursivos que ela poderá ocupar.
De acordo com Rubino (1989), no período pré-lingüistíco, a mãe fala
de/para/com seu bebê, quando ele próprio não pode nem falar ainda, o que esta mãe
faz é justamente constituir este sujeito através da sua linguagem de mãe. Ela fala para
a criança como se fosse um interlocutor capaz de compreendê-la, responde por ela e
expressa seus desejos. Só mais tarde a criança passará de um interlocutor virtual para
alguém que já se manifesta através da fala, porém neste momento, esta criança já
possui uma história de interlocução e de significação comos adultos que a
representam. De acordo com Bakhtim: “devo identificar-me com o outro e ver o
mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê, devo colocar-me em seu
lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se
descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que
o acabe, mediante o excelente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu
sentimento”(1997;45).
Para Bakhtim a aquisição e desenvolvimento da linguagem ocorre no
processo de comunicação com os adultos, o que nos leva a deduzir que a língua se
aprende através de enunciados, cujos sentidos seugem na situação comunicativa. A
língua é vista, desta forma, como fato social e como acontecimento entre sujeitos.
Fundamentada em tais pressupostos Ferriolli tem voltado sua atenção à escuta
em relação ao paciente e sua família e capta indícios no discurso do sujeito e de sua
família, que acabam por representá-lo, desde o início de sua existência, como
“incapaz”. A família se coloca em determinadas formações discursivas, onde o filho
é falado como “inseguro”, “lento”, “mal-falante”, sendo que tais adjetivos são
empregados tanto para falar com, para ou pelo filho; assim, este sujeito poderá se
constituir inclusive como disfluente da fala. Para Ferriolli, “a qualidade de interação
tem um papel na independência discursiva da criança. Quando isto não é conquistado
plenamente, o resultado é uma submissão da fala da criança à fala do outro; como
conseqüência, a criança pode apresentar dificuldades em relação à sua comunicação,
ou problemas de linguagem”(2000;71).
Passos dis que “o conhecimento sobre a família na clínica fonoaudiológica
implica, necessariamente, uma perspectiva que redimensiona o sentido do sintoma,
uma vez que este deverá ser compreendido no contexto das manifestações globais do
15
sujeito e, portanto, na inscrição desse sujeito e do seu sintoma no âmbito das relações
familiares. Nesse caso, a ação terapêutica não incidirá apenas no sintoma, mas deverá
levar em conta o processo de subjetivação do qual o sintoma é apenas uma
expressão”(1996; 63-64).
Silvestre & Blanck (1993): Ser significa comunicar-se e Ferriolli acrescenta
– comunicar-se significa Ser, pois eu me reconheço a aprtir do outro, é no encontro
como outro que está a essência dos er. Assim, se refletirmos acreca da gagueira
veremos que é na relação como outro que a disfluência surge e se mantém. É na
relação com a alteridade que a criança se constitui como gago. A relação com a
alteridade nunca ‘casual, mas é determinada pelas formações imaginárias. São
projeções que permitem passar das situações empíricas –os lugares dos sujeitos –para
as posições dos sujeitos no dsicurso (Orlandi, 199;40). A partir dessas formações
imaginárias, o sujeito estará se colocando enquanto locutor que fala de e para uma
“posição sujeito”, que é determinada sócio-historicamente. A “posição sujeito”
determinará de qual lugar eu falarei. No caso do sujeito “gago”, ele se reconhece
nesta posição, porque aí se contitue e é a partir desta posição que ele irá falar
(identificação).
Marisa Buena Mendes Gargantini
Gargantini cita a definição de Andrade (2001) A gagueira é uma desordem
da comunicação oral, complexa, relacionada à fluência da fala que, geralmente, se
inicia na infância. Continua citando Cooper (1991): a gagueira, freqüentemente, é
experimentada pelo indivíduo como uma perda do controle da própria fala.
Starkweather (1995) assinala que , nas últimas décadas, a gagueira tem sido
associada a uma excessiva elevação da tensão muscular, ou à persistência de tensão
muscular excessivamente elevada na musculatura vocal, oral ou respiratória. Assim,
ela ocorre quando estão presentes níveis muito altos de atividade dos músculos que
realizam um movimento específico da fala. Segundo este autor, a atividade muscular
extrinsica `a fala é, da mesma forma que os comportamentos observáveis e a
anecipação da gagueira, uma reação parcialmente aprendida, exarcebada pelo medo e
16
desenvolvida na maioria dos casos na infância. Esta atividade é incorporada aos
padrões semi-automáticos de controle motor da fala, que são um resultado de
seqüências programadas de movimentos de fala. Para ele, a presença na gagueira de
um certo número de reações secundárias, comportamentais e emocionais, dever ser
considaderada, sendo que muitas destas reações podem ocorrer em resposta às
sensações de extrema atividade muscular externa. Tal atividade dos músculos pode
precipitar os componentes observáveis da gagueira, não apenas em virtude da
antecipação ou luta, mas também pelo medo, excitamento, pressão, fala rápida e até
mesmo por certas variações lingüistícas.
Gargantini considera que a gagueira deve ser vista como um distúrbio
bastante complexo cujo tratamento deve se basear nas ua natureza multidimensional
conforme Starkweather (1993) o risco de recidiva aumenta quando, em terapia, se
focaliza apenas um dos seus aspectos em detrimento de outro.
Quanto ao termo associado Jakubovicz (1997:19) refere-se a estes
comportamentos como fenômenos secundários os quais são “certos comportamentos
e maneirismo associados aos aspectos acústicos da fala, como as repetições, os
alongamentos e os bloqueios”, usados para “escapar, esconder ou evitar que se
perceba a inabilidade para dizer a palavra”. Tais comportamentos são considerados
reação à gagueira, em geral, aprendidas, e que são reforçadas por sua conseqüências
iniciais, pois, de acordo com o gago, elas evitam ou atrasam a ocorrência da
gagueira, ou seja, reduzem a anormalidade. O gago pode ou não estar consciente de
sua presença.
É importante salientar que os gestos/movimentos são usados por todos os
falantes e dependem de fatores socieconômicos e culturais. Contudo o falante normal
apresenta a semiótica gestual como fator de complementação da mensagem ou fator
de características pessoais enquanto que o sujeito gago pode também apresentar
freqüentes comportamentos visuais e/ou auditivos (ruídos, moviemntos faciais,
corporais, pigaros, assobios...) que sugerem tensão física associada ao falar.
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Leomara Burgel Guarneri
Gagueira como sintoma —Presuposto da Psicanálise
Guarneri, no livro Tratando a gagueira, diferentes abordagens, apresenta um
recorte de sua dissertação de mestrado que esta em fase de qualilficação e que tem
como título: Gagueira o que muda no clima fonoaudiológico quando se opera com a
hipótese inconsciente, a noção de sintoma, de sujeito e de clínica.
Guarneri busca a lógica da clínica da gagueira a partir das noções de sintoma,
de sujeito. Para ela momentos significativos de fluência, mostra um aparelho
fonoarticulatório íntegro, não havendo sentido em intervenções dessa ordem, que
objetivem “consertar” algo que a seu ver não está estragado.
Isso por si já marca uma posição: ela não acredita que a gagueira seja da
ordem do biológico. O sujeito em questão não é o biológico.
Guarneri trabalhou durante um tempo significativo com um tipo de proposta
em que o terapêuta tinha uma compreensão maior da gagueira do que o paciente que
o apresentava. Havia um saber que de certa forma era aplicado a todos os pacientes
de forma semelhante. Ela sabia o que o paciente tinha antes mesmo deste chegar ao
consultório. E o trabalho era o de explicar do que padecia e o que fazer para sair da
condição de gago. Quando ela começou a ficar inquieta com essa situação, se
deparou com a psicanálise, que lhe forneceu uma outra noção de sujeito. Trata-se da
noção de sujeito cindido. Aquele que não é o sujeito da razão, pois tem coisas sobre
si que desconhece, coisas sobre as quais não tem controle e não pode acessar por
meio da razão. Um sujeito que contempla em si um inconsciente além do consciente.
Um sujeito do enunciado e da enunciação presentes, ao mesmo tempo, no ato da fala.
Esta noção foi cunhada pela teoria psicanalítica. O sintoma atrelado a essa noção de
sujeito refere-se a conflitos inconscientes e, portanto, não conhecidos, e que se
manifestam em forma de sintoma. Este porta um sentido que pode ser compreendido
a partir da análise das experiências vividas pelo sujeito. São os traços individuais da
história do indivíduo que permitem o que Freud (1925) chama de interpretação
histórica: o estabelecimento de uma conexão entre as formas dos sintomas e a
história de cada indivíduo. A terapêutica aqui se propõe a considerar e a escutar as
questões inconscientes que determinam o sintoma. É o que se chama “escutar para
além do sintoma” e que me leva a questionar “o que isso quer dizer”.
18
Muda-se a lógica terapêutica. Já não se trata de encontrar para a gagueira
situada no nível do pensamento, dos sentimentos, da consciência, do que se
denomina algumas vezes de auto-imagem, auto-estima, ou identidade e explicitá-la
ao paciente para que este, ao compreender o que lhe acontece, realize, sob
orientação, tarefas e procedimentos em consonância com uma nova maneira de
pensar, mais adequada para a produção da fala sem gagueira.
Atualmente minha premissa é: existe um incosnciente determinando a vida do
sujeito, inclusive os seus sintomas. O que há de singular naquele sintoma é o que
deverá ser desvendado pela escuta. O sentido é particular e está relacionado a história
do sujeito. Em cada paciente com gagueira, só o que se tem em comum é o aspecto
manifesto da mesma. No resto cada caso precisa ser decifrado particularmente. Essa
é a grande diferença na atuação e a chave da resposta. O terapeuta não é mais do que
sabe e que tem respostas sobre o que causou a gagueira do paciente, a priori. Ele tem
conhecimento que lhe possibilita compreender o que acontece objetivamente no
corpo do paciente no momento em que este gagueja: um espasmo nas pregas vocais
que impossibilita a passagem do ar, impedindo a fala. Ou então um bloqueio
articulatório que impede a fluência dos movimentos, interrompendo o fluxo da fala
etc. Além disso, tem o conhecimento sobre o funcionamento psíquico deste sujeito
dividido e sobre o sentido da formação de sintomas. O que o terapeuta não tem a
priori, é que faz toda a diferença, é o saber sobre o sentido do sintoma gagueira
naquele paciente. Este será construído no trabalho terapêutico a partir da escuta que o
terapeuta faz da fala do paciente sobre si e sua queixa. Quando falo em escuta falo de
um ouvir o paciente para além de sua queixa, ou seja, para além do comportamento
manifesto da gagueira que o faz sofrer no momento em que o coloca num lugar
estigmatizado socialmente. Este se refere a escuta dos significantes que construíram
a história daquele sujeito e o seu posicionamento frente a vida. Não estou falando das
informações colhidas na anamnese sobre a queixa, a história pregressa do distúrbio
ou algum aspecto do desenvolvimento motor, psicomotor, da linguagem, da
socialização. Nem tampouco de uma escuta interessada, no sentido de solidariedade,
empatia e acolhimento ao que o paciente fala. Falo de um procedimento clínico que
permite, por meio de marcações específicas, colocar o sujeito de frente com questões
suas, das quais não queria saber. Este é um conceuito cunhado pela prática
psicanalista.
19
Guarneri propos esta escuta dentro da clínica fonoaudiológica para se fazer
fonoaudiuologia e não psicanálise. Trata-se da construção de um novo procedimento,
a partir da construção de um já existente.
Direciono a escuta para tentar decifrar o sentido da gagueira em cada
paciente. O que se quer é ouvir o sujeito da enunciação que aparece de forma muito
sutil, muito disfarçado, na fala do sujeito. Seja por meio dos lapsos, dos
esquecimentos, da repetição de certos significantes, do sentido dúbio ou estranhos de
certas expressões usadas. Assim acaba chegando ao sujeito do enunciado e da
enunciação presentes ao mesmo tempo no ato da fala.
Regina Jakubovicz
Jakubovicz segue a linha Behaviorista ( movimento científico advindo da
teoria da aprendizagem que segue os princípios das Ciências Naturais e trata de
comportamentos adquiridos, lidando com objetividade, estímulos observáveis,
condicionamento e reforço)
Jakubovicz (1992:11), de todas as desordens de comunicação humana, a
gagueira é a mais intrigante e desafiante. Aqueles que dedicam ao seu estudo e
tratamento, em determinado momento se vêem perplexos e às vezes até impotentes,
diante dos inúmeros aspectos e variantes que influênciam a comunicação do
indivíduo gago. Os que o escutam falar, ficam movidos pela curiosidade e se
perguntam: porq que ele fala assim?
A gagueira, portanto, não pode mais ser vista, pelos que lidam com ela, como
um obstáculo a transpor, mas com enorme “quebra-cabeças a se montar”.
Jakubovicz baseia sua teoria em casos de vários autores americanos que
enfrentam a gagueira, que após terem conseguido cura, dedicaram toda a suas vidas
ao estudo e ao tratamento da gagueira. Dentre os gagos famosos temos: Wendell
Johnson, Joseph Sheelan, Harold Luper, Spencer Brown, Dean Willins, Hugo
Gregory, Charles Van Riper e outros. Eles venceram outros poderão faze-lo também.
Segundo Blodstein a gagueira é o resultado da reação de luta interior do
indivíduo que fala. Reflete o momento de dúvida desse indivíduo sobre sua
habilidade em dizer a palavra ou qualquer outro elemento da fala. Tem suas origens
20
nas primeiras experiências com a fala ou em situações de estresse ligadas ao ato de
falar.
Para Borel Maisonny a gagueira é uma desordem da expressão verbal, onde o
ritmo da fala está perturbado sem que haja uma anormalidade nos órgãos fonadores.
Está sempre ligado a presença de um interlocutor, a dificuldades psicológicas e a
conflitos interiores.
Segundo Eugene J. Brutten a gagueira é, um distúrbio tanto para quem
gagueja como para quem escuta. É uma falha na fluência e resulta de emoções
negativas não condicionadas.
Van Riper diz que a definição exata da gagueira sempre trouxe dificuldade, e
isso porque a única pessoa que sabe o que é, realmente, a gagueira é o próprio gago.
Wendell Jojnson diz que a palavra gagueira tem 3 conotações:
a) Refere-se ao que faz a pessoa que fala;
b) Refere-se as uma classificação dada por aquele que escuta o gago;
c) Refere-se à reação da pessoa classificada como gago, ou seja, suas
tentativas de não gaguejar, seus conflitos interiores antes e depois de ter gaguejado,
sua tensão emocional, seu esforço motor, etc.
Para Robert West a gagueira é uma desordem na qual a articulação da fala é
espamódica e interrompida. As interrupções ocorrem quando a pessoa que fala está
convencida de quem o está escutando o avalia como um gago.
Albert Murphy afirma que os bloqueios e as repetições chamadas comumente
de gagueira podem ocorrer em indivíduos normais e bem ajustados, mas que quando
isso ocorre é indicativo de que o indivíduo naquele exato momento sente ansiedade e
medo, e atravessa um período de autodefesa. Logo, num vasto sentido, a gagueira
reflete aquilo que a pessoa é, em última instância, indica o que a pessoa pensa e sente
sobre si mesma, e o que ela acha que os outros pensam a respeito dela.
Segundo Jakubovicz a gagueira não pode mais ser vista como um distúrbio
isolado do sistema nervoso central, do funcionamento do aparato vocal usado e das
influências comportamentais e emocionais do meio ambiente. O enfoque mais
moderno na fonoaudiologia deveria ser caminhar no sentido de idealizar exercícios e
métodos de tratamento em que se tenha em mente as estruturas cerebrais e a
fisiologia do ato de falar.
21
A primeira dessas estruturas é o tálamo, que, pode-se dizer, é uma estação de
recepção das mensagens sensoriais. O hipotálamo encarrega-se das respostas a
estados emocionais que regulam os batimentos cardíacos e pressão sangúínea. O
cerebelo é de fundam,ental importância, é ele que transmite a propriocepção dos
músculos do corpo e do ouvido interno para o cérebro sendo responsável pela
coordenação e controle dos movimentos voluntários e do tonus geral dos músculos.
O bulbo pode ser considerado vital para o funcionamento biológico, é ele que
regulariza a respiração e a circulação. A amídala encarrega-se do processamento das
emoções, especialmente a de medo. É o hipocampo quem fixa a memória a longo
prazo no córtex, havendo possivelmente aí uma seleção do que vai permanecer ou do
que vai ser descartado.
Sob o ponto de vista comportamental, o ato de falar pode ser visto como um
desempenho do indivíduo. Algumas desordens da fala, voz e linguagem podem ser
consideradas como formas defeituosas de comportamentos. As pessoas que
gaguejam interrompem e bloqueiam o fluxo de ar fracionando a fala. Elas são
movidas assim pelo medo de falar ou pela frustração de não poder talvez terminar a
frase ou pela vergonha de exibir a gagueira. As emoções envolvidas refletem velhos
hábitos já condicionados e sedimentados. O ato de gaguejar pode ser visto como o
comportamento final.
Ao ser examinado com detalhes a fonação, constata-se que o indivíduo pode
usar sua prega vocal com a finalidade de obter sonorização mas também vamos
encontrar aspectos comportamentais envolvidos. É do conhecimento de todos que as
emoções desrregulam a voz das pessoas. As afonias histéricas são um bom exemplo
de como o indivíduo utiliza suas pregas vocais para resolver conflitos internos. Na
gagueira, o que se obseerva é um fenômeno não muito diferente. Ao observarmos os
bloqueios que acontecem nos pacientes gagos podemos constatar que há o
fechamento da prega vocal e a desorganização dos músculos da laringe.
Na gagueira pode-se pensar que exista uma perda de controle na medula,
coma conseqüência de descargas emocionais padronizadas. A ação dos músculos
adutores, abdutores acaba sendo a mesma atividade devido ao desenvolvimento da
pressão aérea glótoca e subglótica. O resultado final deste movimento irregular seria
a inibição da fonação ou o bloqueio gago. É bem possível que a pessoa que gagueja
tente liberar a pressão anormal movimentando lábios, língua e mandíbula, só que tais
22
posturas orofaciais acabam gerando bloqueios tensos ou constrições, o que contribui
para perpetuar a batalha glótica. O indivíduo gago adota essa coarticulação porque
não consegue encontrar a posição ideal para liberar o ar. Estes falsos movimentos,
com a força de tanta repetição, acabam sendo incorporados ao comportamento
lingüístico. Para o gago o processo torna-se, então, automático e involuntário. Toda
vez que surgir um estímulo conflitante ou estressante no ambiente ele emite a mesma
resposta.
Diante dessa hipótese, o tratamento terá de caminhar no sentido de
descondicionar os padrões articulatórios aprendidos, liberando a movimentação da
laringe. Isso poderá ser feito modificando os estímulos (acabando comos medos0 e
procurando estabelecer uma nova maneira de agir com o aspecto vocal. Tais
modificações irão inscrever conexões corticais diferentes na medula e no bulbo,
estabelecendo ou criando novas vias corticais para os atos motores de falar.
Cristiane Moço Canhetti de Oliveira
Gagueira e taquifenia associada
Acredito que os fatores de predisposição da gagueira interagem com fatores
pessoais e ambientais para exibir as manifestações da patologia. Por isso, é essencial
considerar a gagueira como uma desordem multifuncional.
Entre os distúrbios da fluência, a gagueira e taquifemia sãoos mais comuns,
porém a taquifemia no Brasil é pouco pesquisada e divulgada, existindo um escasso
material bibliográfico a respeito.
De acordo com a American Speech Hearing Association –Special Interest
Division on Florency Disorders –Division 4 (ASHA – SID4), em 1999 a gagueira foi
definida como os eventos da fala que contém repetições de palavras inteiras
monossilábicas, repetições de partes das palavras, prolongamentos de sons audíveis
ou bloqueios. Estas dsifluências podem ou não ser acompanhadas por
comportamentos acessórios (secundários). Uma de suas características é que estes
eventos da fala são percebidos pelos ouvintes como sendo gagueira. A definição de
taquefemia segundo a ASHA (1999) é uma desordem da fluência caracterizada pela
velocidade da fala rápida e/ou irregular, disfluências excessivas, e freqüentemente
23
outros sintomas tais como dificuldades na linguagem ou erros fonológicos e défict de
atenção.
Há um consenso de taquefemia é um distúrbio distinto, mas que
freqüentemente ocorre concomitante com a gagueira (Weiss, 1964; Daltom &
Hordcastle,1977; Van Riper,1982). Estudos demonstram que a incidência de
taquifemia pura é menor do que a incidência de gagueira e taquefemia associada.
Daly (1986) analisou o disgnóstico de seus pacientes com distúrbios de fluência, e
verificou que menos de 5% eram taquifêmicos, 55% gaguejavam e 40 %
apresentavam as duas patologias associadas. Aproximadamente um terço dos gagos
apresenta também taquifemia (Preus, 1992; Daly, 1993).
Os estudos indicam que os sintomas de gagueira e taquifemia aparecem na
inf6ancia. Inicialmente acreditava-se que a gagueira surgia como uma desordem
secundária da taquifemia, porém Daly (1986) afirmou que não é claro se uma
desordem precede a outra. Preus (1992) relatou que a tendência atual é de acreditar
que as duas patologias surjam juntas.
Na intervenção fonoaudiológica da taquifemia não existem abordagens
terapêuticas até o momento. Os autores sugerem em geral que o trabalho pode se
basear na terapia da gagueira. Porém várias são as diferenças entre estas patologias,
por isso é necessário um cuidado especial no planejamento terapêutico para que o
paciente taquifêmico tenha motivação de realizar todo o processo terapêutico e obter
melhores resultados.
Luiz Augusto de Paula Souza
Da gagueira entre o Medo e o Desejo (2001)
A despeito das várias abordagens e da problemática etiológica envolvida nos
estudos sobre a gagueira, o centro da reflexão que estabeleci está alicerçado numa
questão particular de que a gagueira freqüentemente constitui uma dificuldade
relacional, que pode se manifestar de forma generalizada ou limitada a certas
situações e contextos. Tal transtorno relacional acomote vários canais sensoriais e de
expressão, embora seja mais notado e sentido, por várias razões na fala. Entre essas
razões se destaca a percepção –comum à cosnciência, sobretudo em nível de senso
24
comum (mas não só) de que o canal, não apenas o mais comum, mas também mais
importante de relação entre as pessoas, é a fala. Talvez daí advenha a noção restrita –
relativamente comum na fonoaudiologia –de que a gagueira é um distúrbio de fala.
Enquanto dificuldade relacional, a gagueira parece estar também calcada na
dissociação entre medo e desejo. O medo é uma reação aos perigos e às ameaças
(efetivas ou apenas aparentes), uma defesa ou reação inconsciente em face daquilo
que a pessoa possa colocar em risco a integridade física e/ou psíquica. O desejo, por
sua vez, é um sistema aberto de signos, constituído à revelia de codificações ou
formalizações preexistentes a partir do qual são gerados fluxos de inconscientes.
Esse sistema, produzido nas relações entre as pessoas e delas com as coisas, é
responsável pela potência humana de afetar e ser afetado pelo outro.
Nesse sentido desejar implica riscos, pois não é possível ter garantias plenas
sobre os efeitos que essas conexões e desconexões possam operar, pois potencial e
praticamente podem promover bons e maus encontros. O mistério inerente a cada
novo encontro faz com que o medo seja um componente na efetuação do desejo pelo
menos até que se possa equaciona-lo num possível desdobramento dos encontros.
Tais dimensões normalmente são vividas como antagônicas, porém igualmente
intensas, sobretudo quando do contato com o outroa, ou melhor, com certas imagens
do outro. Isso acontece provavelmente por que a alteridade ou abertura ao outro,
como possibilidade da individualização por razões diversas, talvez traumáticas e
certamente singulares, foi interditado ou dificultada no transcurso dos processos de
subjetivação do indivíduo.
Para o sujeito em questão, o medo aterrador do outro, o isola e repugna: o
desejo incontornável pelo outro o encanta e seduz. Essa tensão ele busca solucionar,
sôfrego e desesperadamente, tentando eliminar o medo para finalmente (supõe
racionalmente) poder se aproximar de forma desimpedida das faces do outro que o
amedrontam. No entanto, o remédio que se prescreve é exatamente o veneno, pois o
engedramento e o funcionamento de sua gagueira ( resposta corporal e psíquica ao
problema que se localiza na comunicação verbal/oral) parece apoiar-se justamente na
separação categórica e inconsciente entre medo e desejo. Ou seja, ele investe uma
solução que, reforça, repõe o problema: viver como excledentes coisas indissociáveis
–medo e desejo.
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Tal polarização favorece a composição de um corpo físico e subjetivo do
dilema, torturado e obcecado por ele. A um ponto capaz de produzir os desarranjos
motores e semióticos (conjunto de sintomas característicos da gagueira) que
ratificam a fragilização daprocessualidade subjetiva e, por meio dela, dos usos que
faz do corpo e da linguagem.
Roberto Ecleide de Oliveira Gomes Kelly
O Buraco da língua – Sintoma da gagueira
A gagueira é um assunto de difícil consenso entre os profissionais, ou seja
quanto a sua etiologia ou mesmo à melhor terapêutica; independente da linha teórica.
Pela via da psicanálise, ainda há muito a pensar.
Aqui, falo de um estudo metapsicológico da gagueira e não do gao, pois cada
sujeito traz muitas marcas em seu sintoma que jamais a teoria poderia abarcar em sua
totalidae.
Esse estudo metapsicológico se faz via clínica emq eu o sintoma da gagueira
em um caso, se mostra com uma característica –a fobia –a ser pensada como presente
em muitos outros casos. Mesmo considerando-se a gagueira em estruturas clínicas
diversas, a eleição desse sintoma encobre um manejo fóbico de angústia. Através da
fobia, é possível compreender melhor a relação entre o gago e seu sintoma e, assim,
conduzi-lo de uma forma diferenciada ao conhecimento dessa forma de ser.
A aproximação gagueira –psicanálise aparece pela primeira vez nos estudos
de Freud (1980) referentes a Frau Emmy von N. em “Estudos sobre histeria”. Neste
caso, a gagueira estava associada a tiques e sua conclusão foi de que existiria nesse
sintoma um desejo de calar e falar, de se mostrar e se esconder. Por outro lado, a
gagueira estaria na mesma faixa das conversões histéricas.
A explicação da conversão histérica, afecção frequente em paralisias,
anestesias e ausências dissociativas, se voltava para a tríade: complacência somática
(órgão ou sistema fragilizado, portanto, predisposto a adoecer), predisposição
neuropática (antecedentes neuróticos ou psicóticos na família) e o trauma (evento
inomeado que se faria compreender pelo sintoma). Essa concepção não perdura
26
muito na obra freudiana, que logo se volta ao papel das fantasias para a construção
dos sintomas.
Em 1958, Glauber (apud Fried. Op. Cit.) afirma que o gago costuma ter uma
visão fragmentada de si mesmo em partes hiperidealizadas que não lhe permite
encontrar outra possibilidade de existência a não ser como totalmente ausente de
disfluências, um não gago absoluto!
Bárbara (1954) dá maior ênfase as crianças gagas, principalmente quanto ao
papel dos pais. Para essa autora, os sentimentos de agressividade das crianças,
proibidas pelos pais, seriam recalcadas e a fala cindida denunciaria essa proibição,
em especial pelo incômodo que tais sintomas causam nos pais. É a primeira vez que
aparece o outro como figura importante na confecção do sintoma gagueira.
Cunha e Gomes (1995) discutem em dois casos a relação entre a gagueira e as
estruturas clínicas –histeria de conversão e neurose obsessiva. Os casos estudados
apontam para a necessidade de dar ao gago a possibilidade de descobrir o que quer
com seu próprio sintoma. As aotoras fazem uma crítica às técnicas de
descondicionamento da gagueira, que acabam por manter o gago mais distanciado do
sentido de suas repetições e hesitações. Enfatizam, também, ser necessário conhecer
a estrutura clínica subjacente ao sintoma para que melhor se conduza esse processo
de descoberta.
É fundamental entendermos atualmente a gagueira como uma forma de
apresentação, uma identidade a ser conhecida antes de se cogitar a cura.
Transferencialmente, a pedido do terapêuta, essa gagueira pode ser reduzida a uma
continuidade, eternamente não-gaga. O inconsciente se presta a adestramentos, mas
qual, menino rebelde, tende a levantar a saia de novos sintomas e as unhas aparecem
roidas ou mesmo os tiques dão as caras.
Pensemos por hora, que a busca da remissão do sintoma aparece mais como
uma necessidade de adaptação à uma tendência normativa do que a de conhecimento
das raízes do gaguejar.
Lembremos de casos em que a gagueira aparece pela primeira vez, em
crianças até cinco anos e na passagem da pré-adolescência. Antes dos cinco anos,
temos a aquisição da linguagem, mas também a época das vivências edípicas, quando
entgra em jogo o manejo da angústia da castração e aresignação à lei paterna; épocas
de fobias, época de gagueiras. Na adoslescência, o momento é de retomada da
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identificação e da identidade, abandonada principalmente durante o período de
latência. Novamente, a angústia da castração vem à tona, aliada aos temores da
sexualidade que, do corpo, se impõem a consciência. Épocas de muitos rituais
obsessivos, de mais fobias e de gagueiras.
Nas vivências edípicas, em que a criança deve aceitar a lei paterna como
condição de sujeito, as fobias aparecem como tentativa mítica de manter essa lei
afastada. Deixar o desejo da mãe de lado é abrir mão do gozo, ou seja, com a mãe em
fusão, não há desejo, logo não há o sofrimento da busca. Isso ocorre porque a criança
é o que a mãe quer, age com especularidade, dentro das vontades maternas. Sair
desse jogo, ao mesmo tempo gozoso e mortífero, implica dar asas ao desejo e penar
infinitamente em busca de uma satisfação perdida.
É preciso lembrar-mos de Spunelli (1986, p. 130) quando fala do prazer
pervertido da gagueira. A perversão é a condição da não castração pelo mecanismo
de recusa (“eu sei, mas...”), da possibilidade de pular muros da lei paterna e inventar
outra coisa. Ora, a gagueira parece obturar o vazio da boca com um monte de sílabas
e tropeços, o gago dizendo-se onipotentemente que “se não fosse ela, a gagueira,
estaria tudo bem!”.Ledo engano! Com a gagueira, o gago evita, mascara a angústia
fundamental a todos nós: a castração. Só o perverso sabe jogar bem essa partida –
embora viva em fuga. Então haveria uma perversão na gagueira, que é a da
aproximação da fobia ao ato perverso do tamponamento da castração.
Pensando a oralidade na gagueira, observamos no olhar do ouvinte –que
busca entender a sílaba que falta cair da boca do gago –o fascinio e a paralisação. É
como se ao falar, o gago tomasse o ouvinte qual uma presa, indefesa, e o devorasse
na espera.
Para o gago, o centro de sua atenção é a gagueira, tal como um objeto de
amor há muito esperado. Assim como na fobia, o gago não percebe que está fugindo
de algo em si mesmo, atribui todos os problemas à gagueira. E ao mesmo tempo em
que a fobia-gagueira é um problema, é em si mesma uma solução para evitar o
encontro com o outro.
A gagueira faz surgir uma cumplicidade no ouvinte que, como ele, finge que
há realmente uma só coisa a impedir a comunicação total. Enganam-se
perversamente em torno dessa possibilidade de harmonia ouvido-boca emque falta
varrer a dsifluência.
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Há uma construção subjetiva da linguagem, a fala, que vai além do
enunciado.
Segundo Spritzer (s.d.) esta é uma das contribuições da psicolingüistica à
patologia da linguagem; é da linguagem que deve advir a compreensão do distúrbio
da linguagem e não da anatomia ou da fisiologia. A significação do que se altera
deve ser encontrada no espaço entre sujeitos, a intersubjetividade, pois quem fala,
fala para alguém, mesmo que seja um alguém de sua fantasia.
Não é a gagueira que, saindo de cena, por uma técnica ortopédica da fala, fará
do gago um novo ser. É por certo a relação que ele vier a estabelcer consigo mesmo
através de sua gagueira. Para tanto, é preciso escutar além da disfluência, quase
dispensa-la do setting, emboa, ao mesmo tempo mantê-la a mão, já o que se repete
ou se hesita ou se titubeia também é importante.
O gago está a procura de alguém que, ouvindo o segredo de sua língua
fragmentada, configure-o para além dessa fragmentação.
De um lado a técnica –na disponibilidade em escutar além das sílabas e letras
recortadas para a construção de um sentido que pode ou não levar à remissão do
sintoma. Do outro a teoria, a metapsicologia. No aspecto tópico a gagueira se
apresenta nos sistemas pré-consciente/consciente como um incômodo, algo que
atrapalha a conversa, mas tem seu lugar no inconsciente como a representação de
outra representação recalcada, que lhe dá o aspecto conflitante.
Se há um conflito, há um dinamismo, há uma luta de forças em busca da
realização pulsional. E tudo isso só acontecerá da melhor maneira possível, que gaste
o mínimo de energia, o mínimo de investimento. Valer-se de antigas formas de
satisfação, principalmente das fases oral ( a boca e o olhar fixo, como no bebê) e anal
( o controle do outro através das repetições), sugere-nos que a gagueira aponta para
problemática edípicas a serem desvendadas.
29
Fernando Papaterra-Limongi
Aprensão de Comunicação
Limongi usa uma abordagem comportamental, aplicando técnicas de
biofeedback e de modificação de comportamento propostas por Ryan e Moss.
Apreensão de comunicação ou ansiedade de comunicação pode ser
considerada “o distúrbio oculto de comunicação”, porque freqüentemente não é
detectado, reconhecido ou estudado. Apreensão de comunicação é definida como
ansiedade ou medos sofridos por um indivíduo numa situação de comunicação, com
uma ioutra pessoa e com um grupo, que afeta a comunicação oral (Horwitz, 2001).
Esta abordagem visa considerar as atitudes, as crenças e os sentimentos de
uma pessoa na avaliação do tratamento de todos os pacientes. O DSM IV (Diagnosis
and Stastical Manual of Mental Disorders), inclui vários distúrbios de comunicação,
como por exemplo, gagueira, mutismo eletivo, deficits de atenção e disfonia. Ao
trabalhar as habilidades de comunicação, é inevitável o confronto com as ansiedades
oriundas do distúrbio apresentado.
Infelizmente, mhuitos terapeutas não compreendem ou não lidam
adequadamente com os efeitos fisiológicos e psicológicos de seus pacientes. Talvez
porque não aceitem ou desconheçam os conceitos da chamada Conexão Psicofísico
ou Conexão Mente-Corpo e o papel do autocontrole no restabelecimento do
equilíbrio físico e mental.
O ideal seria que o portador de distúrbios de comunicação, tivesse acesso a
um atendimento de uma equipe, mas infelizmente para muitos isto ainda é inviável.
Segundo Limonge a ansiedade é vista hoje como um complexo fenômeno de
resposta de um ser humano a ameaças ou perigo, imaginário ou real. Apresenta três
aspectos:
a) Cognitivo (senso de desconforto oriundo de percepções negativas a
respeito de um evento ou interação com uma pessoa);
b) Fisiológico (medida por mudanças no batimento cardíaco, na
respiração, nas respostas galvânicas da pele, temperatura do corpo, etc);
c) Comportamental (manifesto numa reação de “lutar ou fugir”).
30
A reação a uma ameça pode variar entre indivíduos e situações, desde um
momentâneo desconforto até uma sensação de pânico. Para algumas pessoas uma
remota possibilidade de serem chamadas a falar em público, pode levar a sentimentos
de desamparo ou desespero.
Estes estados variam de indivíduo para indivíduo. Algumas pessoas vêem
situações difíceis como desafios e lidam bem com elas. Outras reagem com intenso
medo. Infelizmente, a mente não diferencia entre o medo real e o imaginário. Uma
vez que o alarme seja disparado no sistema nervoso central, o corpo reage. Na
apreensão de comunicação, a ameaça não é física, mas no sentido de identidade
pessoal, de auto-estima.
A apreensão de comunicação, especialmente o medo de falar em público, tem
atraido a atenção de pesquisadores em psicologia, educação, negócios e lazer, porque
é um problema muito comum.
Desde o conhecido “frio na barriga” até o sentimento de puro terror, a
apreensão de comunicação pode afetar afunção cognitiva de uma pessoa, o ato motor
da fala e produzir vários estados fisiológicos como um aumento nos níveis de
neurotransmissores como adrenalina, aumento de pressão arterial e quada da
temperatura corporal. Sintomas respiratórios e cardiovasculares incluem aumentos de
batimentos cardíacos, rubor, padrões mais rápidos de respiração, tontura
eacompanhada de medo de desmaiar, tremor, fraqueza nas pernas, nausea, mão
úmidas.
É importante ressaltar que estes medos de comunicação nada tem a vêr com a
“coragem” de um indivíduo, que pode até arriscar-se em situações onde existe perigo
físico real. Um bombeiro que temis falar em público muito mais que entrar em um
edifício em chamas, fez a seguinte declaração: “Eu não sabia que o sistema da fala
era conectado com o trato urinário”.
Um mergulhador e salva-vidas relatou que preferia entrar em um mar revolto
a enfrentar um aditório vivo.
Além dos sintomas físicos, a apreensão de comunicação pode ser
acompanhada por pensamentos catastróficos. Frases como : --Eu não vou
conseguir ... vou desmaiar... todos aqueles olhos olhando para mim ... ilustram bem o
fenômeno.
31
Existe a tendência entre terapeutas e gagos de considerar o medo de falar em
público como uma conseqüência da própria gagueira. Entretanto como Schneier e
Welkowitz mostraram (1996) muitos gagos também sofrem de “fobia social” e
provavelmente teriam medo de falar em público mesmo que não gaguejassem.
Pacientes relatam que seus medos, pensamentos negativos, percepções
errôneas de si mesmas e dos outros estão na raiz de suas disfluências e causam
quebras no controle da fala.
Silvia Friedman (2001)
Pensar o processo de constituição de uma pessoa é pensar num fenômeno
complexo, que exige modelosa igualmente complexos para sua interpretação. Nessa
medida, apoiamo-nos nas idéias de Edgar Morin (1998,p.23) que nos fala “no
processo ininterrupto de um anel bio-antropo (cérebro-psico)-cultural, em que os
indivíduos e a realidade sociocultural se constroem de forma recíproca, basicamente
por intermédio das “interações cerebrais/espirituais entre os indivíduos”.
A cultura, explica ele, contém um saber coletivo acumulado em memória
social, formado por conhecimentos adquiridos, competências aprendidas,
experiências vividas, memória histórica e crenças míticas da sociedade. Por
intermédio da linguagem e a partir dessa memória coletiva, a cultura se organiza e é
organizadora. Ela institui regras/normas que organizam a sociedade e governam os
comportamentos individuais. Essas regras/normas culturais geram processos sociais
que mantêm, repõem e regeneram a complexidade social adquirida por essa cultura.
Assim cultura e sociedade estão em relação geradora mútua.
Do ponto de vista da pessoa diz Amorim (op. Cit. P. 25) que o cérebro dispõe
de principio inatos organizadores de conhecimento, aos quais se integra, desde as
primeiras experiências no mundo, uma memória pessoal constituida de principios
socioculturais de organização do conhecimento.
Desde o seu nascimento, o ser humano conhece por si, para si, em função de
si, mas também pela família, pela sua tribo, pela cultura, pela sociedade, para elas,
em função delas.
Nesse processo ininterrupto, que emerge de interações e retroações
dialógicas, os programas socioculturais são co-geradores dos conhecimentos do
32
espírito/cérebro e foram historicamente, co-gerados por interações entre
espírito/cérebro.
Essa perspectiva mais geral da complexa relação co-geradora entre o homem
e a cultura/sociedade por meio da construção do conhecimento, tem sido
fundamental para nossa compreensão da gagueira quando a encaramos como uma
marca na fala que constitui um sofrimento para a pessoa. Nesse sentido, lancemos
um olhar mais específico ao processo de produção da fala e seus problemas, de forma
a obter mais subsídios para pensa-lo.
Relacionamos, para tanto, as idéias de Spink (1999) às de Amorim (1998)
para pensar que os conhecimentos que articulam a complexa relação de mútua
construção entre pessoa, cultura e sociedade são sempre conhecimentos que
pertencem a três tempos que se entretecem nessas relações.
Um é o tempo histórico e se refere as construções sociais dos conteúdos
culturais, ao saber coletivo acumulado, às idéias que permanecem ao longo do tempo
e povoam as nossas formas de fragmento. São os conhecimentos produzidos e
reinterpretados por diferentes domínios do saber, como a religião, a ciência e os
conhecimentos e as tradições do senso comum que antecedem a vivência das
pessoas, mas estão nelas presentes por meio de instituições, modelos, normas e
convenções.
Outro é o tempo vivido, o tempo da socialização, que corresponde, via de
regra, às experiências nas relações familliares, escolares. É tudo que faz parte da
história pessoal, na qual os conteúdos históricos são re-significados. Trata-se do
território do habitus, definido “como disposições adquiridas a partir da pertença a
determinados grupos sociais” e “como conjuntos de esquemas aprendidos desde a
infância e permanentemente atualizados ao longo da trajetória social da pessoa”. No
tempo vivido, aprendem-se as inúmeras linguagens próprias dos segmentos de classe,
dos grupos profissionais, das faixas etárias, que contêm também a memória afetiva,
ponto de referência no qual se enraizam as narrativas pessoais (Spink e Medrado,
1989).
Por fim, o tempo do aqui e agora, das relações face a face, pautado pela
dialógica, pelas práticas discursivas, em que concorrem múltiplos significados postos
em circulação para dar sentido às experiências das pessoas. Aí, “as possibilidades de
combinação das vozes ativadas pela memória cultural de tempo longo e pela
33
memória afetiva de tempo vivido, fazem-se presentes”. É o espaço da abertura às
múltiplas possibilidades da polissemia, da contradição, da possibilidade de mudança,
o que também implica a possibilidade de reinterpretação de si e do âmbito
sociocultural.
Temos, agora, suficiente fundamentação para pensar a gagueira
contextualizada no processo de produção da fala, que é um processamento
determinado por condições bioantropológicas dessa produção dependem da vivência
e da história de cada pessoa e só podem ser captadas no plano da singularidade, das
relações face a face, das relações intersubjetivas. Procurando entendera manifestação
da gagueira no bojo dessa perspectiva contextualizada, nos levaram à encara-la sob
dois pontos de vista: um que passei a designar de gagueira natural e outro de
gagueira sofrimento.
A gagueira natural se refere à possibilildade que qualquer falante tem de
gaguejar no contexto de sua produção falada, na medida em que a fluência não é
absoluta em ninguém. A gagueira apresenta-se de forma imprevisível, em função de
alguma articulação singular, subjetiva, no complexo jogo bio-antropossociocultural
vivenciado enquanto se fala. Seu aparecimento tem sempre algum sentido peculiar
para a pessoa que fala, situado na articulação entre as dimensões cognitiva, afetiva e
motora perpassadas pela dimensão sociocultural da pessoa que fala. Como exemplo,
podemos obsrvar que, num contexto de sentimentos de segurança diante dos outros e
de domínio lógico do conteúdo a ser verbalizado, surge uma fala mais fluente do que
num contexto de ansiedade, insegurança e competição para falar.
As pesquisas na vertente contextualizada, têm revelado a existência de um
mito sobre a fluência da fala: uma imagem de falante que jamais gagueja ou
apresenta muito esporadicamente uma repetição silábica ou uma hesitação. Trata-se
da ideologia do bem-falar (Fredman,1985), ou seja, uma doutrina racionalizadora de
senso comum que idealiza o modo de falar na ignorância das efetivas características
do processo de construção de linguagem e de fala.
Quando esse mito se faz presente nas relações face a face, especialmente no
processo de socializaçào primária, leva a interpretações desfavoráveis, pejorativas,
indesejáveis de momentos de fala hesitantes, repetitivos, disfluentes. Abre-se, então,
a possibilidade de que sentidos negativos se ancorem subjetivamente às vivências de
produção da fala. Uma vez ancoradas passarão a fazer parte da construção da versão
34
de si como pessoa, dando lugar a uma subjetividade que se processa a partir de uma
imagem estigmatizada de falante e que, em função disso, realiza previsões do
apareciemnto das disfluências e sofre com essas previsões. Isso tem efeitos
peculiares sobre a produção da fala no plano da objetividade, especialemnte o
aparecimento de ensões musculares ao falar, inaugurando um novo modo de
produção de fala. A esse processo subjetivo/objetivo de produção da fala chamamos
de gagueira sofrimento (Friedman,1994).
Podemos, assim, referir-nos a uma dialética subjetividade/objetividade do
modo de produção da gagueira sofrimento. Nele, a pessoa imersa num sentimento de
não-aceitação de sua forma espontânea de falar (gerado nas relações face a face que
deram sentido desfavorável à disfluência), passa a antecipar a gagueira antes e
durante seu processo de produzir a fala. Antecipa, desse modo, a gagueira no que
ainda não foi falado, porque supõe que comisso evitará gaguejar e porque deseja
evitá-lo para escapar da não-aceitação. Tal estado é indicativo de tensão emocional,
visto que a condiçõa descrita revela que a pessoa vê-se simultaneamente com a
gagueira e pretende não gaguejar; quer falar e não quer falar como supõem que
falará. Na dimensão do corpo, essa tensão emocional produz diferentes formas de
tensão muscular ao falar. A vivência dessas tensões repõe todo o processo porque ao
realizá-los a pessoa fala da forma que não queria, o que remete novamente à
antecipação da gagueira.
Essa compreensão da gagueira vivida como um sofrimento ganha sentido em
função do conceito de habitus, conforme definido por Spink e Medrado (1999). São
disposições adquiridas a partir da pertença a determinados grupos sociais, são
“conjunto de esquemas aprendidos desde a inf6ancia e permanentemente atualizados
ao longo da trajetória social da pessoa”. Assim, entendemos que a produção de fala
dentro do contexto descrito se tornará um padrão de produção habitual, na medida
em que o modo de falar de qualquer pessoa se condicionará a um padrão conformado
a suas características pessoais. Na vertente biologizante de compreensão do homem,
tal fato cria a ilusão de um defeito de fala inato à máquina orgânica. Na vertente
contextualizada de compreensão da complexidade do humano, porém, abre-se a
possibilidade de compreender as singularidades da processualidade de histórias de
vida emque falantes, capturados por uma ideologia de bem-falar, são assujeitados a
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um personagem gago que preexiste a eles. O conceito de imprinting cultural de
Morin (1998 p. 96) também está em sintonia com essa idéia.
Se fosse pergunatdo, onde estão os llimites entre a gagueira natural e a
gagueira sofrimento, diria que me parece bem visível estarem além do indivíduo
entendido estritamente na sua dimensão biológica. O modelo contextualizado de
compreensão do ser humano me permite afirmar que esses limites estão na
dependência da dialética subjetividade/objetividade entendido dentro do complexo
anel de co-produção biontrossociocultural.
Isis Meira (2001)
Método Integrativo Existencial
Meira vê a gagueira sob os prismas das Ciências Humanas e inspira-se em
autores como Petho Sandor, Joel Martins, Merleau Ponty e Edgar Morim para propor
uma nova metodologia no trabalho com a gagueira, cuja complexidade tenta
desvendar. Assim me libertei das listagens, das idéias preestabelecidas a respeito dos
gaos e da gagueira, da necessidad e de rotular, de definir, de classificar, de
preestabelecer comportamentos, do uso de técnicas de modelagem da fluência ou de
modificação da gagueira e ainda da busca da causa da gagueira, preocupação
dominante nesta abordagem das Ciências Naturais.
Mudaram os valores, deixei de lado as crenças e adotei uma leitura crítica da
leitura dos fatos, pessando a usar o meu sentir e a lidar com o subjetivo. Comecei a
descobrir que constituia a gagueira, a poder ver e sentir como ela se formava em
cada gago. Entendi que lidar como gago e lidar com a gagueira eram coisas
diferentes que exigiam abordagens diferentes e eram trabalhados em momentos
diferentes da terapia. Entendi ainda que o gago e a gagueira pertenciam a mesma
totalidade e precisavam ser integrados e não mais cindidos. O gago freqüentemente
vê agagueira como algo fora dele, que o atinge, isto é, vê a gagueira de forma
dicotomizada. Trabalho para superar esta dicotomia e integrar gago e gagueira.
Quando faço uma análise qualitativa, não me refiro a tipos de comportamentos de
gagueira, como bloqueio, repetição e prolongamento, mas a análise do fenômeno, a
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descrição do que o gago expressa em seus momentos de gagueira, considerando aí
também o que é subjetivo, que pode ser captado pelo meu sentir. Trabalho apenas
com experiências vividas e deixo de lado as hipóteses e os dados preestabelecidos.
Minha postura passou a ser a de contínua observação, aproveitando cada momento da
terapia para trabalhar a melhora, tanto em relação ao gago, como em relação à
gagueira.
Referindo-me a essa interação paciente-terapeuta, diz Frei Beto (1997:50)
citando Einstein: “Observar significa que constrímos alguma conexão entre o
fenômeno e a nossa concepção do fenômeno”. Assim, a física quântica afirma que
não é possível separar cartesianamente, de um lado, a natureza e, de outro, a
informação que se tem sobre ela.
A autora assumiu a gagueira como um horizonte de possibilidades. Não se
nasce gago nem se fabricam gagos, eles se tornam num momento de sua existência.
O falar, os gestos, a prórpia manifestação múltipla de esforços do gago para
se expressar transfiguram o corpo. De fato é o corpo que faz indicações e que fala.
Este corpo impulsionado pelas experiências vividas descobre mais coisas, nos
objetos e nos outros, a forma de expressão.
Van Riper faz uma metáfora bastante significativa: “Gagueira é mais que um
enigma. É, pelo menos, um quebra-cabeça complicado, multidimensionado, com
muitas peças ainda faltando. É também um problema pessoal, social e científico cuja
equação ainda não foi completamente estabelecido, um problema que tem muitos
lados desconhecidos”.
Meira diz que muitos profissionais negam-se a trabalhar com a gagueira por
causa do desconhecimento e da complexidade do problema e anseiam por novas
hipóteses e novos métodos de trabalho.
Descobrindo ainda que não seria possível um discurso esclarecedor sobre a
gagueira partindo apenas da descrição, de classificações e de explicações sobre ela, a
autora buscou um recurso metodológico que a levasse ao conhecimento da gagueira,
isto é, à experiência consciente sobre a gagueira.
A atividae clínica é um campo aberto para as descobertas. Os gagos estão-aí-
no;-mundo mostrando que a sua gagueira pode ser des-velada, ou querendo saber
como des-velá-la e trabalhá-la.
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Meira afirma que a gagueira é um fenômeno e que esse fenômeno só pode ser
visto no final de uma terapia após a dissolução dos invólucros.
Os invólucros são tensões nas regiões, oral, crevical e diafragmática, que se
correlacionam impedindo o sinergismo muscular exigido pela fala. Quanto mais
densas as camadas de invólucros, isto é, as tensões que se correlacionam, mais
severo é o sintoma e mais distante se torna o fato gagueira do fenômeno gagueira.
Os invólucros são dissolvidos através de uma abordagem fenomenológica do
corporal, pela qual se desenvolve a consciência do corpo com suas tensões e a
consciência da gagueira que se mostra.
Segundo Meira, a gagueira em essência é a mesma em todos os gagos, como
uma possibilidade do ser que é gago.
A gagueira como fenômeno é uma leve disfluência esporádica que surge no
gago quando as tensões que ocorrem em determinados momentos não são possíveis
de ser conscientizadas e dissolvidas.
A essência da gagueira não está na tensão. Ao contrário, o que se observou
foi que o fenômeno gagueira está envolvido por fortes camadas de tensão colocadas
pelo gago no decorrer de sua história com a gagueira.
É necessário uma clara distinção entre o fenômeno gagueira e a gagueira vista
como “tudo o que o gago faz para fingir que não é gago” que é a mesma posição de
Johnson. O objetivo do gago era esconder o fato gagueira. Percebendo difusamente a
gagueira, mesmo como um fato e influenciado pela não aceitação de seus
interlocutores em relação à gagueira apresentada e por sua própria não aceitação, o
gago ocultou impropriamente o fenômeno gagueira com tensões gradativamente mais
fortes. Tentando ocultar a gagueira, o gago ocultou evidentemente a possibilidade da
gagueira mostrar-se e, ao ocultá-la, tornou maios evidente a gagueira como um fato.
O que sse vê quando se coloca o fenômeno gagueira em suspensão é,
portanto, apenas os invólucros do fenômeno.
Meira afirma que constatam-se tensões nas regiões oral, cervical e
diafragmática, que são as feições invariantes que se mostram em todos os gagos
estudados.
a) Tensão oral:
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São grupos musculares diferentes os “escolhidos” pelo gago individualmente,
os quais apresentam tensões de intensidade diferentes. Porém, sem exceção, todos
tensionam algum grupo muscular da região oral.
Nem sempre está na região oral o grupo muscular de tensão mais alterada
mas, mesmo assim, a tensão oral está presente. Esta tensão oral é, em geral,
evidenciado por movimentos articulatórios reduzidos, falha na coordenação destes
movimentos, tremores, inabilidade para realizar alguns movimentos que envolvam a
musculatura oral, dor e cansaço após algum tempo de movimentação, posturas tensas
ou movimentos atípicos.
É evidente que estas tensões não se manifestam apenas nos momenstos de
gagueira. O gago é tenso nesta região e, portanto, esta tensão pode se tornar visível,
mesmo na ausência de fala.
b) Tensão cervical:
Outra área de tensão constatada em todos os gagos é a região cervical. Esta é
uma área de tensão muito forte e, talvez por isso memso, a mais facilmente percebida
pelo gago.
Alguns músculos mostram-se tensos em todos os gagos; outros, como o
músculo platisma,por exemplo, podem ou não apresentar um nível de tensão também
elevado. A intensidade destas tensões também varia de indivíduo para indivíduo.
A tensão cervical se manifesta principalmente nas posturas tensas que, em
geral, envolvem elevação e contração dos ombros, movimentos atípicos de pescoço e
ombro, dores musculares.
São tensões que se mostram mesmo na ausência da verbalização.
c) Tensão diafragmática:
A respiração está alterada em todos os gagos. Parece estar aí o centro da
tensão. E a tensão diafragmátioca principalmente, que, segundo a fala, impede a
expressão livre e coordenada da fala.
Apesar de sua forte atuação na fala do gago, a tensão diafragmática émais
dificilmente percebida. Suas manifestações são, às vezes, sutis, às vezes mais
evidentes.
Nota-se algumas vezes que o gago inspira, prende o ar e fala quase sem ar ou
que fala na inspiração ou, ainda, prende a saída do ar bloqueando a fala.
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Enfim, é preciso lembrar que a terapia do gago é uma busca constante e que
este não é um caminho fácil e linear. Ao contrário, é um caminho difícil, que exige
muito do gago e em que se sucedem idas e vindas. As melhoras ou pioras de cada
fase nunca, no entanto, estão no mesmo nível das melhoras e pioras da fase anterior.
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Tratamento de adulto
Segundo Friedman (1986) a gagueira tem se constituído em um problema
para os terapeutas de todas as aáreas que se propõem a lidar com ela, pela dificuldade
em se obter resultados bons e duradouros.
Os profissionais têm manifestado muitas dúvidas e incertezas a respeito do
atendimento. É frequente a afirmação de que não se encontra uma abordagem
terapêutica que se mostre adequada às necessidades de todos os pacientes e, não é
raro, encontrar terapêutas que preferem não atender gagos.
R. Krause diz que as terapias são reproduções das propostas que os pais de
gagos e mais tarde o próprio gago apresentam para enfrentar a gagueira. Diz ainda
que os terapeutas se impressionam com a gagueira tanto quanto os próprios gagos e
seus interlocutores e definem a obtenção da fluência ou, a ausência do distúrbio
audível, como objetivo final da terapia.
Esta maneira de enfrentar o problema, separa o sujeito de sua história de vida
e fragmenta a sua realidade, restringindo-a à sua aparência externa.
Desta forma as terapias que nela se baseiam agem sem compreensão da
gagueira em sua totalidade e não vêem que reproduzem a mesma lógica que a
constitui, tornando-se ineficientes.
Jakubovicz (1992) conclui que de todas as desordens de comunicação
humana, a gagueira é a mais intrigante e desafiante. Aquele que se dedicam ao seu
estudo e tratamento, em determinado momento se vêem perplexos e às vezes até
impotentes, diante dos inúmeros aspectos e variantes que influenciam a comunicação
do indivíduo gago. Os que o escutam falar, ficam movidos pela curiosidade e se
perguntam porque ele fala assim?
Hoje temos um grande número de informações sobre muito de seus aspectos,
o que nos dá mais segurança no trabalho terapêutico. A gagueira, portanto, não pode
mais ser vista, pelos que lidam com ela, como um obstáculo a transpor, mas como
um enorme “quebra-cabeça” a se montar.
Barbosa (1998) conta que uma questão que angustia muitos pais diz respeito
a “cura” da gagueira: “Meu filhovai ficar curado da gagueira? (sic)”; “A gagueira
tem cura? (sic)” Essa é uma pergunta que não pode ser respondida com precisão por
nenhum profissional da área.
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Webster (1993) afirma que “uma cura ou recuperação da gagueira” é
impraticável. Segundo Perkins (1993b) “as terapias que geralmente utilizamos são,
provavelmente, tão efetivas quanto qualquer outra que se enxergue sobre a linha do
horizonte, ou seja, não há cura à vista”. Alguns autores sugerem que nem sempre o
tratamento é eficiente (Poulos & Webster, 1991). Outros afirmam que “o tratamento
da gagueira severa e crônica é freqüentemente muito bem sucedido”(Andrews et ali,
1991), à medida que auxiliam a compensar os déficits associados ao distúrbio,
tornando-o aparentemente fluente. Porém, sempre restam resquícios da gagueira,
memso após um tratamento dem sucedido, e este vestígio deve ser tratado (Irwim,
1993).
Na verdade, um dos aspectos determinantes para o sucesso da terapia é o
estágio de desenvolvimento dos sintomas da gagueira apresentada pelo paciente.
“Entre adultos a máquina biológica do cérebro parece raramente ser capaz de
reorganizar, ou reprogramar as suas funções, de modo que a gagueira deixe de ser,
pelo menos, umproblema ocasional”(Curlee, 1993c). Parece que, de fato, somente as
intervenções precoces tem chances de promover no paciente uma fala fluente.
Quando já instalada ela se torna um problema crônico e , em função do risco
permanente de apresentar uma recaída, o paciente vai necessitar de continuidade e de
manutenção em seu tratamento (Bloodstein,1981; Leary & O’Sullivam,1987;
Guyette & Baumgartner, 1989; Cooper,1993; Curlee 1993 a ; Starweather, 1993;
Druce, Debney, Byrt, 1997). Sendo que o uso da palavra “tratamento”, é criticado
por Starkweather (1993), já que se acha associada ao processo de cura. Segundo esse
mesmo autor, a gagueira não é uma doença a ser curada, mas “um outro modo de
falar”, um “comportamento indesejável contido em um comportamento desejável”.
Atualmente existem diversas técnicas auxiliares da redução da freqüência da
gagueira, ou de sua eliminação parcial, ou aparentemente total ( Gow & Ingham,
1992) porém, para o indivíduo só existe uma vivência: a de que ele está sempre
gaguejando (em função do controle constante que ele deve exercer sobre sua fala).
Cooper (1993) acredita que embora “nenhuma cura para a gagueira crônica
perseverativa existe”, a maioria dos indivíduos (cronicamente disfluentes) são
capazes de manter um bom nível de fluência em sua fala (se adequadamente
tratados). Entretanto, Irwin (1993) adverte: “é muito raro que as pessoas consigam
controlar tão bem, o tempo inteiro, que jamais se escute qualquer sinal de gagueira
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outra vez”. Ele ainda afirma, quando se pensa em cura, somo levados “a acreditar
que a gagueira tenha sido completamente erradicada e que nunca mais reaparecerá”.
Meira (1986) afirma que: “O gago, portato, pode ser fluente emlongos
períodos. A gagueira, como possibilidade, no entanto, está presenta e o gago a habita
em seu existir-com-a-gagueira”.
Apesar de não se conhecer as causas da gagueira e não existir uma cura
definitiva para o problema, existem tratamentos. Através de técnicas aprendidas na
terapia, é possível controla-la, a ponto que se torne imperceptivel aos ouvintes
(Perkins,1993 a). Mas ainda não se criou uma terapia, totalmente eficiente, para a
gagueira. “Em geral, atinge-se um ponto em que a gagueira é muito discreta; às
vezes, o controle é tão bom que os ouvintes nem podem percebe-la”(Irwim,1992).
Starkweather coloca: “O que é mais importante: como o cliente se sente sobre
a sua fala, ou como a sua fala soa?”. Segundo esse autor, a fala de uma pessoa pode
soar bem sob todos os aspectos, mas “se a aquisição daquela excelência se deu às
custas da manutenção de muito esforço”, ou se a aparente normalidade daquela fala
vem sendo mantida de forma pouco natural, então “o cliente se sentirá
profundamente insatisfeito, e a terapia terá falhado. De fato, quandos e compara o
cliente que se sente confortável com sua fala”( mesmo que, para os outros, essa fala
não soe natural), com aquele que não se sente à vontade com a sua maneira de falar
“fica difícil de se decidir qual dos dois clientes recebeu o tratamentomais eficiente.
Friedman (2001) comentando um atendimento seguindo uma técnica
terapêutica que, ela diz ser razoável e realista, na qual a meta não foi desenvolver a
fluência ao gago, porque consideramos isso uma falacia. A seguir ela apresenta os
objetivos e as estratégias sugeridas para a atenção ao adulto gago.
a) Reduzir a ansiedade e a angústia: em nossa experiência pudemos
comprovar que a acupuntura é uma excelente alternativa para isso e na revisão
bibliográfica realizada encontramos referências a seu uso e os resultados obtidos.
b) Modificar as crenças que o gato tem sobre seu problema, suas causas e
possibilidades reais de recuperação. Para isso, propomos revisão, por parte do gago,
do material bibliográfico sobre o tema e sua posterior dsicussão, a fim de situá-lo em
um plano mais realista e desmistificar as crenças sobre a necessidade de alcançar
uma fluência permanente e absoluta na fala.
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c) Dotar o gago de estratégias que lhe permitam enfrentar com êxito, sem
medos e frustrações, situações cotidianas de interação social. Para tanto, propomos a
ralização de pequenos exercícios de interação social, como os mencionados ao longo
do trabalho, e a posterior discussão da experiêcnia.
d) Incorporar o gago a algum grupo de auto-ajuda ou fórum de discussão
para que, graças ao contato com outros gagos, continue progredindo no
conhecimento de sua problemática e fortaleça sua auto-imagem e a confiança em si
mesmo, a fim de cgehar a ser uma pessoa que, apesar da gagueira, possa realizar-se
plenamente.
Barbosa (1998) faz uma revisão de como a gagueira tem sido tratada.
Entre os anos 1920 e 1930 acrediitava-se que a gagueira era resultado de uma
dominância cerebral incompleta, e a terapia então proposta baseava-se em exercícios
para estabelecer a dominância lateral (Honzie & Lindsay,1984; Moore,1993).
No inicio dos anos de 1940, com as teorias orgânicas gradativamente
abandonadas, a interpretação psicanálitica passou a ter grande aceitação, por se
explicar a gagueira como resultado de um conflito inconsciente, que só poderia ser
tratada através da psicoterapia (Fenichel,1981; Homzie & Lindsay, 1984; Ludlow &
Braun, 1993). Quandoa gagueira passou a ser explicada como um comportamento
aprendido ( a partir dos anos 1950), a terapia buscou a modificação do
comportamento através da dessensibilização e da redução do medo de falar, assim
como pelo trabalho com as atitudes negativas do indivíduo que gagueja, referentes a
sua comunicação (Homzie & Lindsay, 1984; Jakubovicz, 1986; Guyette &
Baumgartner,1989;Curlee,1993;Gregory,1994).
No final dos anos 1960 e início de 1970, o foco de intresse tornou-se novamente
orgânico (Moore, 1993; Boutsen, 1995) e surgiram os estudos sobre os tempos de
reação do indivíduo que gagueja, sobre o comportamento da laringe, o controle
motor e o modo como neles ocorre o início da emissão vocal. Também ressurgiu o
interesse pelo processamento hemisférico e estudo sobre a escuta dicótica e
processamento auditivo. O tratamento medicamentoso também foi proposto para
tratar adultos com gagueira crônica (Bloodstein, 1981; Ludlow & Braun, 1993).
A partir dos anos de 1970, os trabalhos sobre o assunto centraram-se nos
fatores ambientais, sociais, psicológiucos e no processo de aprendizagem (Conture &
Kelly, 1991). Ao final dessa década, três eram os principais objetivos da terapia
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comportamental: estabelecer um padrão de fala fleunte para o indivíduo que gagueja,
transferir esse novo modelo de falar para fora da sala de terapia (em situações de vida
diária, e praticar as habilidades que se acreditava que auxiliassem a manutenção e
duração do padrão fluente de fala adquirido (após o treino) na terapia (Curlee, 1993
a).
Por volta dos anos 1980, os pesquisadores passaram a investigar a produção
de fala dos indivíduos em estudo, especialmente de adultos (Van Lieshout et al.,
1993). Foram comparadas as respostas dos indivíduos que não gaguejam com as dos
que gaguejam. Pesquisas sobre o fluxo sangüineo cortical, potenciais evocados e
assimetrias das ondas alfas começavam a ser realizadas (Moore, 1993). Nessa mesma
época, surge algumas pesquisas com crianças que gaguejavam (Conture & Kelly,
1991) e trabalhos voltados para o estudo dos aspectos cognitivos (Prims, 1993).
Houve uma sifgnificativa mudança no enfoque dado aos trabalhos
desenvolvidos pela linha comportamental a partir da década de 1980 (Ingham, 1993).
Se em anos anteriores as pesquisas se concentravam na investigação dos
comportamentos quantitativos da fala ( contagem de palavras ou sílabas disfluentes,
ou gaguejadas, e a sua velocidade), a partir de então, o interesse voltou-se para os
aspectos qualitativos, tais como o da naturalidade da fala (Martin & Haroldson,
1992; Curlee, 1993 a). também foi pesquisada a fala produzida por indivíduos que
gaguejavam em condições de mascaramento, de “Feedback” auditivo “retardado”
(Delayed Auditory Feedback – DAF) entre outros aspectos (Ingham, 1993).
Dentre as técnicas utilizadas em terapia, Andrews et al. (1983) citam: fala
prolongada, modelagem da fluência, fala salmodiada, trabalho com controle do fluxo
de ar e mudança de atitudes Conture & Guitar (1993) também mencionam técnicas
que, visando a sua modificação, trabalham com as características da gagueira
apresentada pelo paciente.
De acordo com Ingham (1993), a atécnica que se mostrou mais eficaz foi a de
prolongamento da fala (que tem o incoveniente de produzir uma fala lentificada e
pouco natural). Segundo alguns critérios estabelecidos por Bloodstein (1981), a
técnica de prolongamento da fala e a modelagem da fluência foram as que obtiveram
maiores sucessos no tratamento da gagueira.
Para Andrews et al. (1983) as terapias baseadas apenas em mudanças de
atitudes não se mostraram eficientes, uma vez que os efeitos destes tratamentos não
45
se mantêm por muito tempo, tendendo durar apenas enquanto o trabalho terapêutico
acontece. (Andrews et ali. 1983; Ingham, 1993).
Barbosa (1998) cita as t;écnicas mais usadas atualmente par alcançar uma fala
que se aproxime da fala natural. Gregory (1994) propõe o uso de dois métodos
integrados: “falar mais fluentemente” e “gaguejar mais fluentemente”. No primeiro,
o paciente focaliza toda a sua atenção na forma como articula e emite as palavras,
realizando exercícios de lentificação da fala, de modo a alcançar a fluência, No
segundo, o paciente aprende a gaguejar mais suavemente, e o foco principal
encontra-se na redução das tendências para inibir ou evitar a gagueira. Segundo
Gregory & Gregory (1991), quando os dois métodos se combinam, surge um
paradoxo: “a análise e a aceitação da gagueira, como parte da terapia, contradiz o
fato de se estar buscando construir a fluência e vice-versa”. A vantagem está em que
“o indivíduo que gagueja aprende a enfrentar os momentos de gagueira, pois
trabalhando diretamente com esse distúrbio na terapia, reduz o incômodo que se
sente em relação ao problema, diminuindo seu medo de recaídas ou regressões, caso
elas ocorram, ou venham a ocorrer após o processo terapêutico.
Para Gregory & Gregory (1991) “uma das mais importantes funções do
clínico é promover as mudanças, propostas na terapia, de acordo com as etapas
graduais: de unidades de falas curtas, para as mais longas de palavras com conteúdos
menos significativo, para aquelas com conteúdo mais significativo; e de situações
com menos estresse, para situações mais estressantes”. Ao lidar com esse modo
hierarquizado, tanto os comportamentos manifestos (relacionados com a produção da
fala), quanto os comportamentos não manifestos da gagueira (relacionados com as
reações emocionais) são simultaneamente trabalhados.
Basicamente existem duas tendências quanto ao tratamento da gagueira: as
terapias que buscam modificá-la e as que buscam modelar a fluência (Bloodstein,
1981).
Algumas terapias (utilizadas com pacientes adolescentes e adultos)
privilegiam o trabalho com os sintomas de fala gaguejada e buscam melhorar tal
comportamento (Van Riper, 1972; Bloadstein, 1981; Gregory, 1994), outras
(especialmente no atendimento infantil) julgam que o indivíduo que gagueja não
deve controlar o seu padrão de fala, mas aprender a enfrentar as reações de medo e
de evitação (Bloodstein, 1981; Ingham, 1993).
46
Ingham (1993) afirma que existem inúmeras terapias “que são difíceis de
serem caracterizadas”, por que combinam fatores que visam diferentes aspectos da
gagueira (Webster, 1993): são as terapias multudimensionais. Nestas terapias
encontramos várias técnicas: treino articulatório, relaxamento, dessensibilização da
gagueira, auto-controle, fala lentificada, início da emissão suavizada, medicação
associada, etc. (Bloodstein, 1981; Webster, 1993).
Técnicas usadas atualmente em terapias
Sobre as técnicas e os métodos de terapia em adultos. Jakubovicz (1992)
comenta aqui: da mesma maneira que existem muitas escolas e muitas dúvidas sobre
a etiologia da gagueira, existe também uma considerável controvérsia sobre a terapia
e os métodos de tratamento. Cada autor tem seu próprio método, baseado em uma
teoria que foi testada e aprovada.
Vamos analisar em linhas gerais os métodos mais usados e propagados, para
que se tenha uma idéia das várias maneiras que existem de abordar o problema.
1. Terapia de ensinar o gago a “gaguejar fluentemente” (Van Riper)
Tendo sido Van Riper um gago severo por muitos anos, e tendo passado por
muitas terapias até se curar, ele pôde sentir na própria carne a inabilidade geral de
lidar com o problema. Seu método é o mais usado entre o sterapeutas americanos e,
segundoa s estatísticas, é o que mais curas apresentou. O programa de quase todos os
autores leva às origens de VanRiper, mesmo sendo por vias diferentes. Eis as
próprias palavras de Van Riper sobre seu método:Adoto um pouco de todos os
métodos existentes, inclusive aqueles que critiquei como sendo ineficazes se usados
isoladamente. Acho que a gagueira precisa de uma terapia global. Ela deve ser
atacada de todos os lados e com todas as armas disponíveis. Meu ponto de vista
sobre a terapia, assim como sobre a teoria, é eclético. Uso a contribuição daqueles
que me antecederam e também daqueles que prometem um impacto terapêutico
futuro. Eu toco a música pelas notas muito mais do que pelo ouvido...Meu método é
o de resolver o problema de qualquer maneira”.
A técnica de Van Riper consiste de 3 etapas:
47
- identificação
- dessensibilização
- modificação
Em seqüências terapêuticas bem definidas, o método se propõe primeiro a
modelar o comportamento geral do paciente, ensinando uma nova maneira de ver a
gagueira. Só depois do auto-conceito ter mudado é que se ensina ao paciente a
“gaguejar fluentemente”. Van Riper acha, por sua própria experiência, pois hoje,
mesmo sendo fluente, ele ainda se sente um gago, que a gagueira não é curável e sim
modificável.
2. Terapia visando reduzir o conflito de evitar a gagueira (Sheehan)
Sheehan postula que, se o gago aceitar a sua problemática, se ele admitir que
a gagueira é algo que ele próprio faz e não algo que lhe acontece, ele estará em
condições de tomar a iniciativa de modificar o seu comportamento. “O envolvimento
pessoal é a melhor maneira de se introduzir modificações nas pessoas”.
Em essência, sua terapia é a seguinte: o terapeuta e o paciente exploram
juntos a gagueira. O gago tem de aprender a conhecer e a vigiar sua própria fala. Ele
aprende, primeiro, a gaguejar abertamente e sem medo e, depois a resistir às pressões
de tempo usando as pausas e as frases ( o uso do silêncio). Sheehan ensina ao
paciente a tolerar o silêncio e a Ter confiança de que ele é capaz de parar de falar e
tomar a iniciativa da fala outra vez, sem conflitos nem dúvidas. A última etapa é a
prática de gaguejar voluntariamente. Fazendo isso, o paciente demonstra a si mesmo
que pode dominar perfeitamente a fluência e a disfluência.
3. Terapia visando alterar a tensão e a fragmentação das palavras
(Blodstein)
Segundo Blodstein, o problema da terapia não é trazer a fluência, mas mantê-
la. Ele é de opinião que a fluência deve ser introduzida pouco a pouco, para que o
gago possa compreender o que faz quando gagueja, porque ele faz isso e como será
capaz de modificar esse comportamento. Em resumo, sua terapia é a seguinte: o
paciente começa por analisar a tensão e a fragmentação das palavras. O terapeuta
chama a atenção do paciente para o fato de que ele próprio impede sua fala de ser
fluente. Em seguida Blodstein ensina um padrão de gagueira mais simples, mais
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ligeiro e menos conspícuo. O novo padrão não impede a fluência. Como Sheehan, ele
recomenda ao paciente aceitar o papel de gago, um papel que pode ser modificado à
medida que a maneira de falar for mudando.
4. Ensinar um novo padrão de fluência (Goldiamond)
Goldiamond usa o Delayed Auditory Feedback (DAF) para ensinar a fluência,
primeiro em leitura e depois em outras situações de fala. Ele ensina ao paciente a
prolongar a fala variando o tempo de feedback atrasado. Sempre que o paciente tenta
ler mais rápido, ele acelera a máquina, trazendo como efeito a ruptura total da
fluência. A ruptura é usada como reforço negativo e, para evitá-la,o paciente mantém
a fala lenta e prolongada. Assim que a fala lenta está estabilizada, ele vai
modificando aos poucos a velocidade da máquina, a fim de modelar as respostas do
indivíduo. Sempre que a gagueira reaparece, há um aumento da velocidade da
máquina até que o paciente fique condicionado a falar devagar e fluentemente. Em
final de terapia os fones são retirados, gradativamente, e há a fase de estabilização
das respostas.
5. Terapia usando mascaramento ou ritmo (Cherry, Sayers, Brady)
Brady aconselha o uso da erapia de ritmo para os gagos severos e crônicos.
De início é usado o metrônomo. Ele é regulado para 60 batidas por minuto. As
batidas são aumentadas, gradualmente, até chegar a 100-120 batidas por minuto, o
que corresponde ao ritmo normal da fala. Há um treino inicial em que o paciente
aprende a falar sílaba por sílaba, seguindo o ritmo das batidas. Quando a fluência em
sala de terapia está estabilizada, uma prótese é colocada no ouvido do paciente para
ele ir usando, gradualmente, fora das sessões e em determinadas situações. Se a
pessoa encontra dificuldades, ela pode aumentar ou diminuir a velocidade das batidas
do “metrônomo eletrônico”. A mesma técnica pode ser usada com barulho de White
Noise na prótese.
6. A técnica de trocar a gagueira por uma fala normal (Perkins)
O que visa Perkins na sua terapia é uma respiração normal uma prosódia
normal e uma velocidade de fala normal. Ele usa o DAF, da mesma maneira que
Goldiamond, para ensinar ao paciente o prolongamento do som em vez do bloqueio,
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modelando a fluência. O controle da respiração é essencial. O paciente aprende por
etapas, como manter o fluxo de ar de acordo com o comprimento da frase. O
importante é manter a corrente de ar do começo ao fim da senteça. Depois ele ensina
a iniciar a frase com um suave ataque vocal. Perkins reconhece que se o gago é capaz
de falar fluentemente, em certas circunstâncias, então ele tem é que aprender o que
fazer nas horas de dificuldade, quando não consegue ser fluente.
7. A técnica de modelar a fluência com precisão (Webster)
Para Webster o gago produz os sons da fala erradamente em sua terapia ele
ajuda o paciente a ser capaz de iniciar, suavemente a fala, a colocar os articuladores
na posição correta, a usar adequadamente a força e a duração dos sons articulados.
Webster não faz menção a problemas emocionais em sua terapia, principalmente
porque, segundo ele, “Essas variáveis não podem ser especificadas como podem ser
os gestos articulatórios”. Em sua conferência ele critica muito os profissionais que
usam técnicas de psicoterapia, dizendo ser “O mais pernicioso de todos os
tratamentos para a gagueira”, acrescentando ainda que “o terapeuta deve ter métodos
mais diretos, sistemáticos e manipuladores da fala em si”.
8. Programa de instituição sistemática ( Ryan)
Ryan tem um programa que consiste em uma série de etapas cada qual
definida em termos de: estímulo –resposta –conseqüência –critério.
O programa visa a fala fluente, usando métodos operantes. Suas etapas são:
- tradicional (igual à terapia de Van Riper);
- uso do DAF (igual às técnicas de Goldiamond);
- punição (interrompe a fala,pedir para repetir, introduzir silêncio de
alguns segundos, etc.);
- aumento gradual do comprimento e da complexidade da articulação.
Nessa última etapa, que Ryan chamou de GILGU ( Gradual Increase in
Lenght and Complexity of Utterance), ele manda o paciente ler 1 palavra
fluentemente, depois 2, até chegar a 6 palavras. Depois ele passa a pedir 1 frase, 2
frases, e etc. e, finalmente, na última etapa do programa, ele pede 5 minutos de
fluência, depois 10, até chegar à sessão inteira fluente. O programa vai da leitura ao
monólogo e até à conversação.
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9. Técnica de melhorar a modulação vocal, produzindo sílabas bem
compassadas (Wingate)
Wingate usa o método terapêutico de informar ao paciente sobre a obtenção
da fluência. Ele se baseia sobretudo em 2 observações:
- a gagueira se dá nas sílabas mais enfatizadas na palavra;
- o canto, a leitura em coro, o ritmo e o DAF produzem modificações
melódicas na voz, o que explica a fluência nessas circunstâncias.
Segundo Wingate, se o paciente introduzir variações prosódicas na voz
(modificar a cadência, a duração e o ritmo), ele pode obter fluência. Ele manda o
paciente ler poesia, exagerar na entonação, dar menos ênfase em sílabas difíceis,
praticar o movimento dos articuladores da vogal à consonte etc. Em essência, a
terapia de Wingate se baseia no fato de que a gagueira é uma disfunção fonatória, à
qual a pessoa pode se ajustar ou com a qual pode aprender a lidar.
10. A técnica da corrente de ar (air Flow) (Schwartz)
Para Schwartz a gagueira é uma falta de habilidade em lidar com o que ele
chamou de “reflexo respiratório”. O reflexo é falho ao nível do nariz, da língua, do
laringe e do faringe. Essa falha impede a passagem do ar dos pulmões, ocasionando a
gagueira.
Schwartz acredita que, com a antecipação da gagueira, a pessoa fecha as
cordas vocais, produzindo o que ele chamou de laryngospasm. A gagueira é a luta
contra o laryngospasm. Sua terapia visa a abertura das cordas vocais antes do
momento da fala. Eis as etapas:
- bocejar de um modo audível, longo e relaxado (o bocejo abre e relaxa
as cordas vocais);
- bocejar de novo, mas falar uma sílaba durante o bocejo;
- aumentar o número de sílabas ditas num só fôlego depois do bocejo;
- ir da fase 1 a 3 com palvras;
- ir da fase 1 a 3 com frases.
Para Wingate, o tratamento no inicio deve ser intensivo (todos os dias) e
envolve uma mudança radical na fluência e, ipso fato, no auto-conceito do indivíduo.
51
Técnica de terapia usada por Ferriolli (2001) – fonoaudiólogo e mestre em
psicologia
Diríamos ainda que comunicar-se significa Ser, pois eu me reconheço a partir
do outro, é no encontro como outro que está a essência do ser. Assim, se refletirmos
acerca da gagueira, veremos que é na relação com o outro que a disfluência surge e
se mantém. É na relação com a alteridade que a criança se constitui como gago.
Segundo Tfouni (2000), aceitar a alteridade implica considerar que há sempre
um “outro”, empíricoe/ou imaginário, presente em toda produção linguageira. A
relação com a alteridade nunca é casual, mas é determinada pelas formações
imaginárias, nas quais, segundo Orlandi, repousam mecnismos de funcionamento do
discurso, sendo que “não são os sujeitos físicos nem seus lugares empíricos como tal,
isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente
descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens, que resultam de projeções.
São essas projeções que permitem passar das situações empíricas –os lugares dos
sujeitos – para as posições dos sujeitos no discurso”(1999:40). A partir dessas
formações imaginárias, o sujeito estará se colocando enquanto locutor que fala de, e
para, uma “posição sujeito”, que é determinada sócio-historicamente. A “posição
sujeito” determinará de qual lugar eu falarei. No caso do sujeito “gago”, ele se
reconhece nesta posição, porque aí se constitui e é a partir desta posição que ele irá
falar. Uso o seguinte roteiro de anamneses e avaliação:
A . Identificação
B. Queixa
C. Sobre a história do sujeito:
1. por que você procurou este serviço?
2. Você acha que tem alguam dificuldade para se expressar?
3. O que mais o incomoda em sua comunicação?
4. Desde quando você percebe esta dificuldade?
5. Você acha que tem uma causa?
6. Você conhece outras pessoas com a mesma dificuldade que você está
relatando?
7. Existe alguma pessoa em sua família com a mesma dificuldade? Quem?
8. O que você lembra sobre a sua infância?
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9. Existem situações de comunicação que são mais difíceis? Quais?
10. Com relação às pessoas, existe alguma dificuldade maior de fala
dependendo da pessoa? Descreva esta dificuldade.
11. Como as pessoas agem quando a dificuldade se manifesta em você?
12. De tudo isto que você relatou, o que mais o incomoda?
13. Alguém já falou que você em gagueira? Quem? Como você se sentiou
com isto?
14. Você diria que apresenta uma gagueira?
15. Você gostaria de mudar essa/essas situação/ões? O que você está
disposto a fazer?
Avaliação
Gravada em fita cassete e solicitado ao sujeito:
1. narrativa;
2. diálogo;
3. leitura.
Observamos na avaliação, os seguintes sintomas audíveis relacionados à
gagueira:
1. repetição ao nível da sílaba e da palavra;
2. bloqueios da fonação;
3. pausas silenciosas;
4. mudança na tonalidade e na intensidade da voz;
5. falha no ritmo;
6. falta de sincronização entre a respiração e a fonação;
7. distorções corporais (principalmente nas mãos;
8. esforço motor durante a fala;
9. alterações fisiológicas: suor exagerado, relato de batimentos cardíacos
acelerados em situações de fala (em discussão com a esposa, mãe ou empúblico).
Quanto aos aspectos subjetivos:
1. está em constante conflito entre falar e não falar. Em situações
especificadas desisti de falar, aceitando a opinião das pessoas para não ter que se
expor e gaguejar ou por não conseguir falar o que desejava;
2. evita palavras que lhe parecem difíceis, usa sinônimos;
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3. sente-se frustrado e incapaz na presença de pessoas, não possui amigos
porque não consegue se comunicar bem;
4. mostra-se sem confiança e com baixa auto-estima;
5. com freqüência sente-se embaraçado e ansioso em situações de fala.
De acordo como que postulamos, julgamos Ter situado de qual lugar
compreendemos a gagueira qual seja, deslocada de qualquer interpretação
nosológica,por isso nos comprometemos com o termo “sujeito da gagueira”, pois o
sujeito está na condição de gago, como se fosse pertencente à gagueira enquanto
sintoma. Devemos , portanto, guardar as diferenças entre ser gago e estar gago.
Guarnieri é especialista em distúrbios da comunicação (2001) e mestrando em
psicanálise.
No meu caso, direciono a escuta para tentar decifrar o sentido da gagueira em
cada paciente. Poderia dizer que faço um “recorte fonoaudiológico” aí. Porém o que
se quer com ela é ouvir o sujeito. Seja por meio dos lapsos, dos esquecimentos, da
repetição de certos significantes, do sentido dúbio ou estranho de certas expressões
utilizadas. Não repasso o que escuto ao paciente, simplesmente. Marco certas falas,
às vezes coloco um parecer meu como possibilidade e não como certeza. E o que
acontece são efeitos. O paciente não muda porque o terapeuta lhe fala o que há de
errado com ele nem porque realiza tarefas que produzem mudanças na fala ou no
corpo ou na freqüência da gagueira. O paciente chega na sessão e refere que numa
determinada situação se percebeu diferente; depois que os fatos aconteceram. Só
depois ele nota que se posicionou de forma diferente da habitual. Essas mudanças
referem-se a posicionamentos diferentes frente a certas situaçòes de fala e à melhora
da própria fluência.
Ao utilizar a noção de sujeito da psicanálise para construir meu trabalho, não
vejo a necessidade, em princípio, de utilizar categorias específicas da psicanálise
como: neurose (histeria, neurose obsessiva), psicose, esquizofrenia. A categoria em
questão para a Fonoaudiologia é: gagueira. Trata-se aqui de construir um discurso
particular a um campo de conhecimento da fonoaudiologia, utilizando-se de
pressupostos de outros discursos científicos, os quais são redimensionados a partir da
especificidade da clínica fonoaudiológica.
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Isis Meira (2001) Método Integrativo Existencial
Meu aprendizado com relação à gagueira, no Brasil e nos Estado Unidos, foi
recheado de propostas behavioristas. Os professores distrbuíam listas de
comportamentos característicos dos gagos, listas do que os pais deveriam ou não
fazer com relação à gagueira de seus filhos, modelos de anamnese com grande lista
de perguntas e espaços para, na maioria deles, marcarmos um x, e modelos de
avaliação onde a quantificação era o valor maior. A proposta aí era que se contasse o
número de palavras faladas, o número de sílabas faladas, o número de palavras por
minuto, o número total das disfluências e depois se fizesse uma outra conta para
saber quantas disfluências por minuto o gago apresentava. Tudo isso era feito para
classificar a gagueira como leve, moderada ou severa. Quandos e falava em análise
qualitativa, esse conceito era distorcido e se listava os tipos de comportamento.
Uma mãe de criança gaga uma vez me contou que tinha recebido uma dessas
listas de “faça e não faça” e que lá dizia que os familiares não deveriam falar ao
mesmo tempo em que o gago e, ao contrário, quando ele falasse, deveriam respeitá-
lo e dar-lhe o tempo que fosse necessário para que ele pudesse se expressar. Em
princípio, tudo muito certo. O conselho foi transmitido para os irmãos, que tiveram
ordem expressa para nunca falar ao mesmo tempo e para respeitá-lo. Durante o
almoço a criançada costumava falar ao mesmo tempo, contando o que aconteceu na
escola, fazendo comentários, pedindo para ser servido etc. Quando o menininho gago
falava, todos se calavam e ficavam olhando para ele em posição de respeito. Ele
então desistia de falar. A mãe estava seguindo ao pé da letra o conselho que estava
sendo dado na lista.
As listas preestabeleciam os comportamentos, tratavam os gagos como se
todos fossem iguais e como se todos tivessem as mesmas dificuldades.
As propostas de terapia que seguiam os princípios das Ciências Naturais
também tinham essas características. Eram indicadas técnicas e passoas que
deveriam ser aplicados a todos os gagos indiscriminadamente, como se todos fossem
igauis, como se todas as gagueiras fossem igauais.
O mais grave é que ninguém percebia que estava fazendo uma generalização
descabida. Todos se satisfaziam com a segurança que se apoderava do terapeuta,
55
quando este tinha no papel ao lado a terapia toda pronta. As terapias eram
previamente planejadas e rigidamente executadas.
A nova metodologia usada: método integrativo existencial
Vibvi esse paradigma das Ciências Naturais nos priomeiros anos de minha
vida profissional, mas graças à influência de dois grandes professores, Pethö Sandor
e Joel Martins pude modificar minha visão de mundo, adotar o Paradigma das
Ciências Naturais e propor uma nova forma de trabalhar a gagueira. Assim, me
libertei das listagens, das idéias preestabelecidas a respeito dos gagos e da gagueira,
da necessidade de rotular, de definir, de classificar, de preestabelecer
comportamentos, do uso de técnicas de modelagem da fluência ou de modificação da
gagueira e ainda da busca da causa da gagueira, preocupação dominate nesta
abrdagem das Ciências Naturais.
Mudou minha compreensão do meu papel como terapeuta, da minha postura
profissional, mudaram os valores. Deixei de lado as crenças e adotei uma leitura
crítica da literatua e dos fatos, passando a usar o meu sentir e a lidar com o subjetivo.
Comecei a descobrir o que constituía a gagueira, a poder ver e sentir como ela se
formava em cada gago. Entendi que lidar como gago e lidar com a gagueira eram
coissas diferentes, que exigiam abordagens diferentes e eram trabalhados em
momentos diferentes da terapia. Endenti ainda que gago e gagueira pertenciam à
mesma totalidade e precisavam ser integrados e não mais cindidos. O gago
freqüentemente vê a gagueira como algo fora dele, que o atinge, que o ataca, isto é,
vê a gagueira de forma dicotomizada. Trabalho para superar esta dicotomia e integrar
o gago e a ggaueira. Quando digo que faço uma análise qualitativa, não me refiro a
tipos de comportamento de gagueira, como bloqueio, repetição e prolongamento,
mas à análise do fenômeno, à descrição do que o gago expressa em seus momentos
de gagueira, considerando aí também o que é subjetivo, que pode ser captado pelo
meu sentir. Trabalho apenas com experiências vividas e deixo de lado as hipóteses e
os dados preestabelecidos. Minha postura como terapeuta passou a ser a de contínua
observação, aproveitando cada momento da terapia para trabalhar a melhora, tanto
em relação ao gago, como em relação à gagueira.
Referindo-se a essa interação paciente-terapeuta, diz Frei Beto (1997:50),
citando Einstein: “Observar significa que construímos alguma conexão entre o
fenômeno e a nosa concepção do fenômeno”. Assim, a física quântica afirma que não
56
é possível separar cartesianamente, de um lado, a natureza e, de outro, a informação
que se tem sobre ela. Em última instância, predomina a interação entre o observado e
o observador.
Passei a estar mais inteira durante a terapia, sem julgamentos, sem distrações,
vivendo o momento. Descobri ainda que o terapeuta não é o que sabe e o paciente
não é o que aprende. Na relação terapêutica os dois seguem caminhos paralelos, os
dois fazem descobertas, os dois crescem. O terapeuta ajuda o paciente a descobrir os
eu caminho. Ajuda-o a lidar com as dificuldades, a traçar as suas metas e a percorrer
o seu caminho comdisciplina e persistência. Não existe milagre no tratamento da
gagueira, não existe palavra mágica, não existe uma técnica Qua quando usada
resolve todos os problemas, mas existe a possibilidade de um trabalho sério,
dsiciplinado, que ajude o paciente gago a desenvolver a consciência de sua gagueira
e de suas emoções e atitudes, e a trabalhar as mudanças necessárias para que sua fala
se torne e se mantenha fluente.
Integrando estes conhecimentos que obtive da Fonoaudiologia, da Psicologia,
da Filosofia e da Lingüística e de minha experiência coma gagueira, que percorreu
toda a minha vida profissional, constituí um método de trabalho clínico que chamo
agora Método Integrativo Existencial. O que proponho nesta metodologia não se
aplica apenas a gagos, mas constitui um método de trabalho que indica uma mudança
de paradigma no trabalho clínico, uma adesão aos princípios das Ciências Humanas,
que pode ser usado em terapia de modo geral.
A adoção desta nova metodologia trouxe resultados surpreendentemente bons
na terapia. Constatamos que os gagos crescem como pessoa e mudam não só a sua
gagueira, mas também a sua vida. Adotam o novo paradigma trabalhado, o que lhes
permite Ter um uoutro olhar sobre si mesmo e sobre o caminho adequado para as
mudanças. Passam a assumir responsabilidades e mudam da postura de “pacientes”
passivos, que vêm à clínica para serem curados pelo terapeuta, para uma atitude de
enfrentamento: “vão a campo”, trabalhar a própria mudança. As reflexões e vivências
nas sessões terapêuticas lhes dão suporte para a continuidade do trabalho no
cotidiano.
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Fernanda Papaterra-Limongi (2001) Programa Ryan Modificado
John Alback (1990), o organizador de um grupo de auto-ajuda para gagos,
escreveu com humor sobre o medo da humilhação e constrangimento que ele sofreu
quando tinha que falar a um grupo de pessoas:
“Quando eu soube que falar em público era a coisa que as pessoas mais temiam,
fiquei muito surpreso. Pensei que isto fosse verdadeiro para pessoas como nós, que
gaguejavam, não para pessoas em geral. Sempre achei que o medo de morrer
encabeçaria a lista. Depois de ter refletido um pouco, entretanto, chegeui à conclusão
de que a morte tem três vantagens sobre falar em público. Primeiro, você só vai
morrer uma vez, e não há limite de vezes que vcê pode passar por idiota frente a um
auditório. Segundo, a morte é o melhor jeito que conheço de poder se livrar de falar
em público. E por último, depois que você morre, não precisa mais voltar até a sua
cadeira, e se sentar”(citado por Horwitz, 2001).
O que nos interessa é o fato de que existe a tendência entre terapeutas e gagos
de considerar o medo de falar em público como uma conseqüência da própria
gagueira. Entretanto, como Schneier e Welkowitz mostraram (1996) muitos gagos
também sofrem de “fobia social” e provavelmente também teriam medo de falar em
público mesmo que não gaguejassem.
Pacientes relatam que seus medos,pensamentos negativos, percepções
errôneas de si mesmas e dos outros estão na raiz de suas disfluências e causam
quebras no controle da fala.
A metodologia utilizada para o tratamento está fundamentada na teoria
psicobiológica de Engel (1975) que reconhece a existência de fatores predisponentes
(de origem genética e/ou neurológica), de fatores precipitantes (predominantemente
ambientais) e fatores perpetuantes (incluindo medo e ansiedade) para o paareciemnto
da gagueira.
Para o atendimento relatado nesta oportunidade, foi levado a efeito um
programa Qua a autora denominaria de “Ryan modoficado”, baseado na abordagem
do condicionamento operante de Bruce Ryan (1975), com alguns acréscimos
introduzidos por esta autora.
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Esta abordagem é baseada no pressuposto de que a gagueira é um
comportamento aprendido e que este pode ser desaprendido ou modificado
suficientemente para capacitar a pessoa a falar com razoável fluência.
Os acréscimos introduzidos referem-se aà inserção de procedimentos que
visam trabalhar os sentimentos de frustração, raiva, medo, oriundios do próprio
comportamento da gagueira, que incluem técnicasde relaxamento, visualizaçào, a
utilizaçào de técnicas de biofeedback, e principios da terapia cognitiva referidos por
Moss (2001).
O programa de condicionamento operante de Ryan é composto por três fases:
estabelecimento, transferência e manutenção. Na fase de estabelecimento, o objetivo
é auxiliar o paciente a Ter fluência na presença do terapeuta e em situações ideais de
comunicação. Na fase de transferência, o objetivo é transferir esta fluência para
outras situações, na presença de outras pessoas que não o terapeuta, em condiçòes
não tão ideais de comunicação. A fase de manutenção requer que a fluência seja
conseguida em uma grande variedade de situações de comunicação, por um extenso
período de tempo.
O programa é levado a efeito em três modalidades; leitura, monólogo e
conversação.
Um dos princípios do programa de condicionamento operante é o fato de que
o terapeuta deve cuidadosamente definir o comportamento a ser modificado. Ryan
considera a “palavra gaguejada” unidade de comportamento. A palavra “luta”é
utilizada para descrever comportamentos chamados por alguns de gagueira
secundária, que inclui protusão de língua, e outros movimentos associados.
Outro princípio envolvido neste programa é o fato de que o terapeuta precisa
cuidadosamente identificar e contar (em termos numéricos) quão freqüentemente os
comportamentos a serem modificados ocorrem, e manter um registro de sua
ocorrência. É através desta contagem precisa que é medida a freqüência com que um
comportamento acontece. Segundo Ryan, a contagem é cruacial para o programa de
condicionamento operante.
O terceiro princípio envolvido é o de que o terapeuta precisa definir, antes de
começar o trabalho, um critério de proficiência para determinar quando o paciente
pode passar para o próximo passo do programa.
59
O quarto princípio reza que o programa deve seer seguido em sua seqüência
apropriada. O quinto estabelece que o terapeuta precisa sistematicamente fornecer
uma conseqüência (reforço ou punição) ao comportamento a ser modificado. O
reforço é dado quando o paciente cumpre a tarefa de acordo com a proficiência
estabelecida, e passa para o estágio seguinte; a punição acontece quando o paciente
não consegue cumprir e conseqüentemente tem que repetir o passo.
Ao mesmo tempo em que este programa foi sendo desenvolvido,outros
procedimentos foram sendoo trabalhados como técnicas de relaxamento, visualização
e meditação. Pessoas que praticam exercícios diários de relaxamento e meditação
percebem que conseguem lidar melhor com problemas (Moss, 2001).
A imaginação dirigida é um método de se usar deliberadamente a
visualização para a modificação de pensamentos, sentimentos (físicos e emocionais)
que tem sido usada para mudanças de comportamento a um nível profundo, tendo
revertido com sucesso algumas doenças e auxiliado sobremaneira no tratamento de
fobias sociais (Horwitz, 2001). Os exercícios de visualização propostos por esta
autora nos casos de apreensão de comunicação incluem o uso da respiração inferior
intercostal diafragmética, enquanto se visualliza uma imagem calma e relaxante.
Biofeedback é também especialmente útil em treinos de relaxamento. É um
método de se ter mais consciência e controle sobre a mente e o corpo. Instrumentos
de feedback são instrumentos eletrônicos destinados a monitorar a mudança no corpo
humano e dar um feedback simultâneo ao usuário. Este se torna cônscio da mudança
física e mental que está ocorrendo e controla esta mudança.
Os princípios de terapia cognitiva referidos por Moss (2001) têm como
objetivo a odificação dos comportamentos de ansiedade, luta e fuga das situações de
comunicação. Este autor sugere que se construa uma hierarquia de situações que
provocam ansiedade, incluindo todas as situaçòes que o paciente evita. Esta
hierarquia então guia o paciente na mais efetiva forma de modificação de
comportamento, chamada também de terapia de exposição, ou dessensibilização.
60
Técnica fundamentada no discurso do sujeito gago (Silvio Friedman) (1986)
Segundo Friedamn nas propostas terapêuticas, assim como no
comportamento do gago, se observa sempre a mesma lógica que busca uma forma
através da qual se possa não gaguejar com eficiência. Diante disso podemos dizer
que o comportamento de evitação da ggaueira, se reproduz nas propostas
terapêuticas.
O problema está em que, sendo o alvo central sempre a manifestação da
gagueira, o processo terapêutico que se produz dentro do objetivo de diminuí-la, ou
eliminá-la, seja qual for o procedimento empregado, torna-se paradoxal, porque
enfatiza a necessidade de controle e, com isso, reforça a sua existência, o que quer
dize que não rompe com o processo de produção da gagueira, mas, apenas o
realimenta e, portanto, impede o indivíduo de sair dele.
Através das analises dos discursos de sete sujeitos gagos, que contam as
histórias de suas falas, pudemos nos aprofundar nos significados dso conteúdos das
representações por eles expressas e definir núcleos e categorias de pensamento.
Acompanhando as associações que se estabelecemram entre eles, reconstruimos o
movimento do pensamento dos sujeitos, de tal forma que pudemos enxergar q
relação entre movimento da consciência e a manifestação da gagueira, assim como
no processo de sua gênese.
Quatro categorias básicas emergiram destes discursos: auto-imagem, outros,
nível motor e ativação emocional. Estas, através das relações entre as suas
representações, mostraram o processo de formação e manutenção da gagueira, o que
nos permitiu delinear o caminho para desativá-la.
Nas análises dos discursos, embora cada sujeito expresse as circunstâncias
peculiares do seu desenvolvimento de fala, o conteúdo das representações e seu
movimento associativo, descortina sempre o mesmo panorama em torno da gagueira.
Reconstruindo a história da gagueira a partir da história dos sujeitos
estudados, encontramos que sempre no período da primeira infância ocorreram
relações de comunicação paradoxais. Estas se caracterizam por reações de não
aceitação da forma de fala da criança por parte de outros significativos, sem que estes
mostrem concretamente qual seria a forma adequada.
61
A interação paradoxal geralmente é veiculada através de frases que definem
um comportamento para falar bem, como por exemplo “fale devagar, pausado, pense,
respire, acalme-se antes de falar”. Estas, expressam a não aceitação da forma de fala,
mas não conduzem ao objetivo esperado, porque fazem com que a criança, ao tentar
usá-las,preste atenção à sua forma de fala que é para ela um território desconhecido e
ainda, do ponto de vista da espera ou antecipação da dificuldade e, portanto,
afirmando a existência de um problema para falar.
Se levarmos em conta,ainda que no período em que a criança começa a falar,
já está quase completamente desenvolvido um sistema de comunicação não verbal
que faz uso de parâmetros vocais de todos os tipos e padrões de comportamento
expressivo não vocais, centrado em torno de mútua indução de afeto (Krause e
Tomkes), a não aceitação da forma de fala pode ser comunicada não verbalmente e,
provavelmente, envolvendo maior ativação emocional.
O paradoxo sobre a fala se configura, então, de forma que a criança não pode
deixar de falar e quando fala, observa no meio reaç~es cujos conteúdos expressam
que não falou de forma adequada. Em outras palavras, não pode nem deixar de falar
e nem falar de forma adequada.
Como o período em que iusto está ocorrendo corresponde ao tempo em que a
criança está em desenvolvimento e as atividades práticas e verbais do dia a dia
determinam a formação de sua identidade, o significado social de ter que falar bem, é
assimilado no sentido pessoal, em uma imagem de si como mau falante, que passa a
fazer parte da sua identidade.
Estas interações paradoxais, geram emoções negativas, de tal forma que o
desenvolvimento da fala se processa permanentemente associado à tensão.
Então, o movimento associativo das representações, mostrou que uma
imagem de si como mau falante foi assumida como verdade a partir das relações de
comunicação paradoxais, as quais implicam na cecessidade de falar bem e, portanto,
ocultar, ou negar essa imagem, de forma que a própria atividade de fala do sujeito
passa a se constituir num paradoxo, e a sua percepção das relações de comunicação
sofre distorções.
O processo então é: julgar-se mau falante e ter que falar bem, a decorrente
tensão para falar que, por sua vez, prejudica o sinergismo necessário para tanto,
62
caracterizam uma ruptura no processo normal de desenvolvimento da fala e criam as
condições para a produção de uma fala com gagueira.
Gaguejar e a necessidade de não gaguejar, ser mau falante e ter que falar bem,
são os dois lados de uma atividade de falar, na qual o sujeito antecipa as falhas e
tenta evitá-las através de comportamentos específicos chamados disparadores de
fluência que, se despregam das próprias relações de comunicação como tudo o mais.
Os comportamentos disparadores de fluência se constituem uma necessidade
dentro da lógica do mau falante que deve falar bem e, fazendo uso desses mecanismo
afirmam a dificuldade para falar colaborando na manutenção da gagueira e não
atingindo o objetivo para o qual são empregados. Eles na verdade implicam num
créscimo de tensão a já existente, de forma que para não gaguejar o sujeito aumenta
o esforço para falar, mas de uma forma que visa ocultar as falhas que antecipa.
Assim o surgimento e o desenvolvimento da gagueira dependem das relações entre o
sujeito e o meio. Se a tensão gerada pelas circunstâncias for grande demais o
sinergismo da fala fica prejudicado e a tentativa de falar sem gaguejar se torna
impossível sobrando como último recurso o não falar. Isto implica que a gagueira
não pode ser medida pelo grau de sua manifestação audível, mas pelo esforço que o
sujeito faz para não gaguejar.
A afirmação que Sheehan faz a este respeito é muito significativa.
“Se suas experiências como gago são similares às minhas, você gasta boa
parte de sua vida tentando esquemas como relaxar, pensar o que você tem para dizer,
confiar em você mesmo, respirar fundo ou mesmo falar compedras na boca. Agora
você percebeu que isto não ajuda em nada, se faz alguma coisa é agravar o problema.
Há uma boa razão pela qual estas legendários rremédios falham, porque todos eles
têm algo artificial como base, a supresão da gagueira, o encobri-la. Quanto mais você
encobre e mais tenta evitar gaguejar, mais você gagueja”.
A análise das representações nos permitiu ainda, perceber que os
comportamentos disparadores de fluência tam um caráter de fetiche, e por isso o
chamamos de truque que magicamente disparam a articulação. Estes revelam a
integridade do sistema fonoarticulatório do gago, mas como o seu uso está voltado
para atender a necessidade de falar bem, os sujeitos não podem percebê-la e, embora
a representem também, quando se referem às situações em que são fluentes,
63
igualmente não percebem e consideram estas situações incompreensíveis diante do
fato de serem gagos.
A evitação da gagueira, que é apenas outra forma de se referir a antecipação
da mesma, que se operacionaliza em comportamentos para não gaguejar, ou truques
disparadores de fluência, pode ser considerada como a economia interna da produção
da gagueira. Ela se revela como produto de um processo de relação que lhe dão
coerência.
Assim como a história da gagueira pôde ser reconstruída através das
categorias que emergiram do discurso dos sujeitos, mostrando as condições de seu
surgimento, desenvolvimento e manutenção, pela compreensão da lógica que lhe é
subjacente, também através delas podemos definir um procedimento terapêutico que
se tem mostrado bastante eficiente.
O fundamento deste procedimento reside no fato de que, vista dentro de uma
perspectiva histórica, a gagueira se mostra como o produto de um processo
ideológico, no qual, através de um tipo de relações de comunicação vividas, o sujeito
cristaliza uma imagem de si como mau falante e passa a se determinar por ela, de tal
forma que esta idéia é a que dá coerência à toda a lógica da gagueira.
O trabalho terapêutico
Consiste em desmistificar a ideologia, sobre a qual se assenta a gagueira,
recuperando a história do seu desenvolvimento e manutenção a partir do relato e do
comportamento do paciente. Isto significa que enquanto a imagem de si como mau
falante não for desmistificada, as tentativas para flar bem, sempre se constituirão em
truques paradoxais que com sua existência, ao mesmo tempo que tem que ocultar,
afirmam a gagueira.
A desmistificação da auto-imagem é ao mesmo tempo a desmistificação da
capacidade articulatória real do sujeito. É desfazer a dúvida que ideologicamente foi
criada sobre esta capacidade e está servindo de suporte para a imagem de si como
mau falante, determinando a lógica da produção da gagueira.
A tarefa de recuperação da capacidade articulatória, é feita enfatizando-se a
existência de momentos fluentes, desenvolvendo a percepção de que a maior parte da
sua fala é fluente, mas sua consciência se ocupa apenas com a gagueira e mostrando
64
que os comportamentos que ele usa para não gaguejar são truques que também
revelam sua capacidade.
O paciente começa a perceber que a gagueira não é uma negação da fluência,
mas se sobrepõe e coexiste com ela. Que fluência não é uma meta a ser alcançada,
porque já existe.
Assim procedendo, criamos as condições de negação da imagem de mau
falante e motivamos o paciente a se questionar sobre o comportamento da gagueira e
a procurar os seus determinantes.
O trabalho se desenvolve, então, desmistificando e questionando a lógica da
gagueira a nível do pensamento e sentindo a capacidade articulatória de modo
concreto, a nível da ação.
A qualidade da relação paciente-terapeuta deve se explicitar como um espaço
que não há compromisso com o não gaguejar, uma vez que este está sendo apontado
com o motor do processo da gagueira, mas como gaguejar, para que este possa ser
melhor compreendido, ou seja desmistificado, de forma que o paciente se aproprie de
sua lógica. A fluência é decorrência natural deste processo.
Com apoio nesta recuperação da capacidade fluente, que é fundamental para
a modificação da auto-imagem e consequente ruptura do movimento da gagueira.
A manifestação da gagueira se caracteriza por um prejuízo no sinergismo
natural da fala, gerado pela tensão que permanentemente se associa a esta atividade.
Através de um trabalho de desenvolvimento proprioceptivo, o paciente começa a
sentir sua capacidade de produzir movimentos articulatórios e constata que está
realmente íntegra. Começa também a sentir que quando gagueja, o que acontece na
verdade, é que está fazendo força para falar e que esta força é desnecessária.
O trabalho proprioceptivo coloca numa base concreta o ponto obscuro que
permitiu o desenvolvimento da lógica da gagueira.
O objetivo do trabalho proprioceptivo é desenvolver a capacidade de sentir os
movimentos articulatórios. Desta forma, passa a existir algo concreto, sensível, para
ser colocado ao lado da antecipação de falhas na fala, de modo que, aos poucos, esta
vai perdendo o seu significado, bem como os decorrentes truques para não gaguejar.
A consciência do gago, que sempre esteve preocupada com os movimentos
articulatórios, duvidando da sua capacidade de realizá-los adquiri, através do treino
proprioceptivo, algo sensível para opor a esta dúvida ideologicamente criado. Assim,
65
o comportamento da gagueira que foi reforçado durante anos e por isso,
evidentemente, continuará ocorrendo, pode associar-se à consciênica da capacidade
articulatória, ou seja, a um novo significado que é a negação do primeiro.
Naturalmente,e sta capacidade de sentir os movimentos ao falar, que resgata a
sua integridade precisa ser treinada.
O primeiro passo é decompor a fala em seus movimentos mínimos, ou
fonemas, e trabalhar de forma que o paciente tome consciência de cada um,
certificando-se de sua capacidade de produzi-los, assim, como também, do
movimento respiratório, desenvolvendo a consciência e a capacidade de controle
sobre a respiração alta, média e baixa, e também a consciência de toda gama de
movimentos possíveis.
As eguir o paciente deve desenvolver a capacidade de falar sentindo os
movimentos. Muitos procedimentos podem ser empregados aqui. Desde a simples
leitura lentificada, até o uso de sofisticados aparelhos que servem para desenvolver a
capacidade de sentir a fala.
Quanto mais conscientemente o paciente se coloca dentro da perspectiva de
que pode realizar os movimentos, sentindo esta realização, mais sua fluência natural
se libera do esforço e dos truques para falar. O sentir da fala só ganha sentido na
medida em que for veículo da negação da lógica do truque para falar, mantendo na
sua consciência a sua capacidade de falar, no lugar da incapacidade.
Não é possível falar sentindo os movimentos 100% do tempo. Assim, isto é
um exrcício que o paciente deve fazer em horários específicos, por ele determinado.
O objetivo não é passar a falar sentindo a fala por intervalos de tempos cada vez
maiores, mas através dos períodos em que o exercício é feito, reforçar a imagem de si
como bom falante, de forma que esta passe a determinar uma atividade de fala em
que o sujeito acredita na sua capacidade articulatória.
Dentro do trabalho de sentir a fala, ainda através de situações de comunicação
entre o terapeuta e o paciente, este deve ocupar-se com o contraste entre o momento
de fluência e o momento de gagueira, de tal forma que possa perceber que gaguejar é
uma forma de falar a qual ele está muito habituado, mas que não é a única
possibilidade para os seus movimentos articulatóriuos. Na verdade falar gaguejando,
cansa, angústia e encerra mais dificuldades do que falar fluentemente.
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O terapeuta, de um lado, estimula o paciente a falar dentro da postura e, de
outro, cria momentos para uma reflexão sobre o que está sendo percebido.
Os truques para não gaguejar devem ser claramente explicitados a nível dos
movimentos que o constituem e que se condicionaram à atividade de falar, de tal
forma que o paciente perceba que possui condições de desativá-los.
A nível de pensamento, é claro que o desenvolvimento proprioceptivo não
impede que o paciente antecipe falhas na fala, mas cria um novo elo na seqüência de
comportamentos habituais, de forma que ao antecipar a falha, ele nega a necessidade
de usar algum subterfúgio e articula a palavra que pretendia articular porque sabe que
é capaz de fazê-lo.
Devemos observar também de quebras na fluência podem ocorrer em
qualquer falante e ocorrem com maior ou menos grau de acordo com as
circunstâncias. A diferença está que para um falante qualquer, um momento de
quebra na fluência não passa de um acontecimento circunstancial, ele não tem a
identificação de ser gago. É uma disfluência circunstancial não existe, porque ele
vive dentro da necessidade historicamente determinada de evitar quebras na fluência.
Assim como a capacidade de falar sentindo de falar sentindo os movimentos
necfessita de treino, também o necessita a capacidade de estabelcer relações de
comunicação dentro da perspectiva de poder realizar os movimentos e portanto, de
ver-se como bom falante. A terapia deve caminhar no sentido de desmistificar as
condições que o favorecem.
Para modificar o conteúdo da auto-imagem de forma a ver-se a partie da
capacidade fluente, o sejeito, necessariamente, mexe com a estrutura interna da
identidade que tem suas raízes na primeira infância.
Quando isto ocorre, algumas vezes o paciente, embora mostre compreender
as partes que compõem o processo terapêutico, se mostra incapaz de fazer a síntese
necessária e permanece por longo tempo na terapia da fala, porque ela apresenta
algum tipo de alívio para os seus problemas e favorece a fuga de uma análise masi
profunda do mesmo. Outras vezes foge assim que percebe que existe uma forma de
sair da gagueira.
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Maria Cláudia Cunha (1997) Terapêuta de duas orelhas
A que território pertence a palavra? Ao corpo ou a mente? Sem o corpo, não
há fala. E, no entanto, problemas intelectuais ou emocionais podem também
prejudicar, impedir ou distorcer a comunicação. E então? Diante de um problema de
fala, a que ddevemos dirigir a atenção terapêutica?
A fonoaudiologia sugere um enfoque a materialidade da fala, traduzida em
exerc[ícos e técnicas concretas visando a sua produção.
A psicanálise, indaga Cláudia, é mesmo possível separar o significante do
significado? É através do significante que se veicula e se instaura o significado.
Corpo e alma; vida. Não há como um existir sem o outro.
Sintoma? Qualquer fenômeno ou mudança provocado no organismo por uma
doença e que, descritos pelo paciente, auxiliam, em grau maior ou menos, a
estabelecer um diagnóstico.
Tratamento psicanalítico
Cláudia faz a proposta do fonoaudiólogo de “orelhas”. Uma para ouvir o
corpo da palavra, sua articulação. Outra para ouvir seu sentido e perceber a
comunicação que estabelece –ou que tenta impedir . As duas orelhas metaforizam
assim belamente os instrumentos tradicionais da fonoaudiologia e de psicanálise.
Investido da humildade e da simpatia em relação aos meandros em que uma
pessoa se enreda para mostrar, ocultando, onde está sua chaga
Ouvir o que é dito escutando o que não é dito. A linguagem é via de
expressão do inconsciente. Investigar, com que finalidade o inconsciente se serve do
“falar mal”, o que ele pretende dizer com isto.
Cunha reconhece uma possível escuta fonoaudiológica, aparentemente se
configure como esquizofrênica, na medida em que necessita operar dissociada, isto é,
levando em conta tanto a manipulação do sintoma, como também o seu conteúdo
latente. Um sintoma precisa ser comprendido para além da sua aparência, isto é, os
sintomas da fala aos quais é possível atribuir valor simbólico.
É necessário que se torne a fala como dsicurso, assumindo que ele não goza
de autonomia em relação ao psiquismo. Isso porque as condições de produção de um
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discurso não podem ser analisados de forma dissociada da dinâmica do aparelho
psíquico, aquele que promove confrontos com a realidade externa.
A psicanálise parte do pressuposto de que existe um sentido latente nas
palavras e nas condutas do paciente ao qual ele precisa Ter acesso para que o
tratamento evolua. As interpretações psicanalíticas não visam que o sujeito “fale
bem”, mas que na medida do possível, resolva os conflitos, resolva os conflitos
estabelecidos entre as suas dimensões inconsciente e consciente. Para tal serve-se da
fala para revelar o incosnciente. Em decorrência, o sujeito pode até vir a “falar
melhor” mas não é esse o objetivo de um processo de análise.
A fala do paciente sendo interpretada na sua dimensão simbólica, recupera a
inteligibilidade. E é na multiplicidade, muitas vezes contraditórias, de sentidos que
vamos encontrar os afetos, as necessidades, os desejos; uma realidade criada (e/ou
silenciada) pela linguagem. As duas orelhas do analista são: uma para escutar o
sintoma como linguagem e a outra o sintoma da fala. A intenção está em solucionar a
seguinte questão: porque o sintoma converteu-se na fala? Porque foi lá o lugar de
menor resistência?
Cunha lembra Forrester: “na história, como na psicanálise, entende-se aquilo
que vem antes através do que veio depois”.
Terapia de grupo: uma alternativa de atendimento para gagueira – Jaqueline
Oliani Ljuim
Desordens da fluência
Ter fluência é manter o fluxo normal da fala, é manter uma seqüência, uma
velocidade, um ritmo e uma duração considerada normal. Quando percebemos na
fala do indivíduo alguma alteração, dizemos que ele tem uma desordem da fluência,
entre elas a gagueira. E o que é gagueira? Como tratar a gagueira?
Quando falamos de gagueira, é difícil chegar-se a um consenso, desde sua
conceituação até sua etiologia. Já dizia van Riper que quem sabe da gagueira é o
próprio gago, pois, para ele, gagueira é o que ele sente ao falar, que se traduz em
repetições, prolongamentos, bloqueios.
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Para Rodrigues C. (2001: 117): “gago é uma pessoa com determinadas
características biológicas que se evidenciam num aforma particular de expressão
verbal e que seu meio social condiciona e incrementa por intermédio das avaliações
negativas que dele fazem, tanto da parte do interlocutor como do próprio falante”. E
continua: é uma pessoa que sofre porque sente que, por sua forma de falar, é
rejeitado pelos demais”.
Esta rejeição e o medo de falar são muito observados quando realizamos a
anamnese de um paciente com queixa de gagueira. Ele quer falar, mas vem o medo
da rejeição e, com isso, cria meios para ocultar sua dificuldade, que são os
movimentos corporais associados, que muitas vezes ele não crê que é a gagueira, mas
sim um meio de conseguir falar.
O medo, a rejeição, os movimentos corporais associados, temos que trabalhar
em terapia. Qual a melhor terapia? Também não existe consenso. Existem vários
estudos que discutem o que e como trabalhar com o gago.
Aqui discorro sobre uma alternativa que tem dado bons resultados como
complementação à terapia individual, que é a terapia de grupo, que venho a explicar.
Terapia de grupo é um processo terapêutico contextualizado em grupo com
dinâmica para o grupo. Os aspectos que podemos trabalhar são: medo de falar, tensão
no ato de fala e ansiedade gerada pela gagueira, aproveitando os dados relatados no
grupo para servir de suporte na elaboração e desenvolvimento das terapias
individuais. As dinâmicas devem oferecer momentos de apresentação, conhecimento
do grupo, atividade de relaxamento, dinâmicas que facilitem o autoconhecimento e a
consequente percepção dos processos envolvidos na gagueira. No grupo observa-se
que os pacientes têm mais facilidade de se expor, de falar sobre seus sentimentos.
Conceituando grupo
Segundo Zimerman & Osorio (1997: 27) “um conjunto de pessoas constitui
um grupo, um conjunto de grupos constitui uma comunidade e um conjunto
interativo das comunidades configura uma sociedade”. Vivemos numa sociedade,
obviamente em grupos. A sociedade exige uma fala perfeita; ser bem aceito na
sociedade. O atendimento em grupo oferece a oportunidade de trabalhar a relação do
indivíduo com os diversos grupos com os quais ele convive, além da relação do
indivíduo com a cultura na qual está inserido.
70
Para Osorio (2000: 11), “grupo seria, pois um conjunto de pessoas em uma
ação interativa com objetivos compartilhados”. Rogers apud Netto & Campiotto
(1997-1998: 592) afirma que “o grupo é um local onde os indivíduos podem partilhar
sentimentos”. Para Anelli (1997: 17), grupo é como um “conjunto de indivíduos que
interagem entre si, compartilhando certas normas numa tarefa”, e complementa: “o
atendimento terapêutico em grupo vai de encontro à vida das pessoas, que acontece
na maior parte do tempo dentro de grupos”. Vivemos em grupos, seja na família,
escola, trabalho ou comunidade. Para Zimerman & Osorio (1997: 27), “um conjunto
de pessoas constitui um grupo... existe, portanto, grupos de todos os tipos... grandes
grupos e pequenos grupos”.
Em relação aos pequenos grupos, que é o caso dos grupos terapêuticos, é
necessário fazer uma distinção entre grupoa propriamente dito e agrupamento. De
acordo com Zimerman & Osorio (1997: 27), agrupamento “é um conjunto de pessoas
que convive partilhando de um mesmo espaço e que guarda entre si uma certa
valência de inter-relacionamento e uma potencialidade em virem a se constituir como
um grupo propriamente dito.
Já um grupo propriamente dito não é simplesmente a soma de indivíduos, é
necessária a integração entre os membros deste grupo, todos devem estar reunidos
em torno de uma taefa e de um objetivo comum. Quando é dada uma atividade para
discussão é o grupo que pensa assim, o grupo está sentindo isso ou aquilo, não é
fulano, nem sicrano, aqui, temos um trabalho de grupo. O grupo é uma unidade que
se comporta como uma totalidade.
Terapia em grupo ou terapia de grupo?
Desde a década de 80, tem-se notícia de atendimentos de grupos de pacientes
em fonoterapia, principalemente em São Paulo. Inicialmente, como também o foi na
psicologia, eram justificados pela grande demanda de pacientes para atendimentos,
com isso, tentava-se diminuir as filas de espera das entidades. Segundo Corrêa
(1994: 40), “atendiemnto em grupo é aquele em que se incluem duas ou mais
pessoas, no mesmo horário e local, assistidas pelo mesmo fonoaudiólogo. Note-se
que somente a quantidade de sujeitos distingue a terapia individual da grupal”.
Também afirma: “Nas sessões terapêuticas considera-se o paciente isoladamente, ou
seja, o fonoaudiólogo ou trabalha com todos os membros do grupo, a dificuldade de
um dos pacientes, ou dirige sua atenção alternadamente ora para um ora para outro”.
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Estes dados foram colhidos pela autora em entrevistas comprofissionais que
participaram da experiência do atendimento em grupo, chegando à conclusão que se
via o grupo como agrupamento, porém, a terapia continuava individual. Os pacientes,
mesmo estando numa mesma sala, eram considerados isoladamente, trabalhando-se a
dificuldade de um com todos ou alternando a atenção entre os componentes. Não
havia a integração entre os pacientes. Isso é terapia em grupo e não de grupo.
A proposta de atendimento em gagueira
O processo terapêutico contextualizado no grupo abrange objetivos diferentes
da terapia individual, pois visa, acima de tudo, à troca de experiências entre seus
componentes. No grupo observa-se que os pacientes têm mais facilidade para expor
suas dificuldades, seus sentimentos, pois podem compartilhar comoutras pessoas que
têm a mesma dificuldade. Quando umpaciente expõe seus sentimentos,outros podem
compartilhar deste sentimento e acabam se solidarizando, trocando informações. O
grupo implica em mais pessoas reunidas, com isso podem aparecer mais
questionamentos, dúvidas, perguntas, depoimentos e, com isso, gerar novas
discussões.
Um dos pacientes da terapia de grupo, quando questionado por que nunca
havia falado para a terapeuta de um sentimento de frustração que ele tinha perante
sua fala, disse: “Como você iria me entender? Você não é gaga, no grupo todos
somos igauais, todos gaguejamos, eles me entendem”(P. 21 anos). Isso demonstra
que na terapia de grupo eles se sentem iguais, isso facilita a aceitação da sua
dificuldade de fala, diminui seu medo de falar.
O atendimento de grupo pode auxiliar no trabalho com o autoconhecimento e
a percepção de suas tensões, seus medos, seus movimentos associados, pois os
participantes auxiliam-se mutuamente; muitas vezes, é mais fácil deetectar algo
primeiro nos outros,para depois observar em si. Exemplifico com o depoimento de
uma paciente após a primeira terapia de grupo: “Puxa, eu me achava a mais gaga do
mundo, minha gagueira é suave”( C., 20 anos). A paciente, após esta “descoberta”,
teve uma evolução surpreendente, e no final do ano 2000, obteve a alta.
Objetivos trabalhados conforme a necessidade do grupo:
- conhecer outros pacientes gagos;
- realizar dinâmicas para trabalhar “o medo de falar”;
72
- promover exercícios de relaxamento em grupo para diminuir tensão no
ato da fala;
- organizar dinâmicas para diminuir a ansiedade gerada pela gagueira;
- proporcionar trocas de experiências;
- promover autoconhecimento;
- proporcionar dinâmicas para trabalhar auto-estima.
O processo terapêutico de grupo proporciona a possibilidade de, nas relações
com os outros, cada paciente se perceber como produtor de linguagem; conhecer suas
possibilidades de comunicação e a dos outros; analisar como a gagueira implica na
sua forma de comunicação; analisar suas dificuldades e suas possibilidade
comunicativas; trabalhar de uma maneira mais aberta a imagem ruim que eles têm de
sua fala, a diminuição da auto-estima; o medo de falar e o medo de não ser aceito
socialmente. O trabalho de grupo valoriza a contribuição de cada um e de todos.
Qual é a função do terapeuta?
O terapeuta tem umpapel fundamental, pois organiza o grupo, usando
critérios como faixa etária,s exo, grau de severidade da gagueira. Após a organização
do ou dos grupos, deverá preocupar-se em organizar a terapia em si, com dinâmicas
voltadas para o grupo, nunca individual. O terapeuta deve procurar facilitar o diálogo
e estabelecer a comunicação do grupo,. Num primeiro encontro, é importante a
apresentação de todos os participantes, que poderá ser realizada através de um jogo.
Esta apresnetação também deve ocorrer cada vez que se recebe um novo membro. O
objetivo da terapia de grupo deve ser informado. Os pacientes devem ser esclarecidos
que poderão disistir do grupo, caso não gostem da experiência, ou seja, eles deverão
ser avisados com antecedência e poderão aceitar ou não participar do grupo.
Na terapia de grupo, o terapeuta tem um papel diferenciado da terapia
individual: cabe a ele organizar estratégias que possibilitem o diálogo e a
comunicação entre os membros do grupo, isto através de dinâmicas bem organizadas,
que permitem aos pacientes demonstrarem o que sentem, trocarem idéias e
experiências.
Como montar uma terapia de grupo
A terapia de grupo pode ser dividida em três partes:
73
Um primeiro momento, que chamamos de “quebra gelo”, que é uma
atividade mais alegre, pois os pacientes chegam não muitos receptivos,
principalmente nas primeiras terapias. Alguns exemplos:
dar um balão para cada participante, dentro deste balão há algumas
palavras que serão utilizadas na próxima atividade. Cada membro deve estourar o
balão de outro sem deixar que estoure o seu balão;
distribuir cartelas com a metade de um desenho, a outra metade
esconder pela sala, cada paciente deverá encontrar sua metade. Com estes desenhos
que formarão, o grupo deverá elaborar uma estória e um dos membros contará a
estória para a terapeuta. Pode ser usado um jogo de associação de idéias, em que
cada paciente deverá encontrar o objeto que se associa à figura que ele tem;
fazer uma atividade com música em que os pacientes deverão seguir um
Mestre, realizando atividades de relaxamento;
se for a primeira terapia de grupo, pode-se entregar para cada paciente
um cartão com o nome de outro paciente algumas características físicas, eles têm que
descobrir quem é a pessoa citada.
Neste primeiro momento, não estamos falando da gagueira em si, devemos
proporcionar atividades bem alegres, isto faz com que a tensão diminua e,
conseqüentemente, a fluência dos pacientes será melhor.
No Segunda momento da terapia, já podemos introduzir atividades que os
façam falar da gagueira ou fatores associados à gagueira. Alguns exemplos:
após estouraremos balões cada paciente deverá ler a palavra que pegou,
ou as palavras, e falar sobre o que sabne perante aquela palavra –medo, ansiedade,
falar em público, telefone, leitura, apresentação de trabalho, atendimento ao público,
dar informações –veja que são todas palavras/situações que eles mesmos nos trazem
na anmnese. Este é um momento em que cada um se colocará sobre uma situação, e a
terapeuta deverá conduzir de forma que os outros também contribuam, falando de
suas próprias experiências, asssim, “trocando”, podem descobrir que a situação não é
tão difícil. Na última terapia de grupo realizada (outubro 2001), a paciente P. pegou a
palavra medo, nesta atividade, a sua fala foi surpreendente: “Sempre senti medo de
falar, muito medo, desde que me lembro por gente, hoje, este medo já não é tão
grande, até consigo falar um pouco ao telefone”.
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Dentro de um envelope que será entregue no começo da terapia para
cada paciente, há uma pergunta que fopi elaborada por outro paciente anteriormente.
Cada paciente deverá responder à pergunta e tentar descobrir quem foi o autor;
Outra atividade que foi realizada com respostas impressionantes –em
cima da mesa colocamos uma folha de papel, uma pedra pequena, um martelo e um
tijolo. Cada paciente deveria pegar o objeto que melhor se adequava ao “peso” que
ele dava à sua gagueira. Quase todos os pacientes pegaram o tijolo, dizendo que
quando começaram a fonoterapia a gagueira era umpeso muito grande em suas vida,
mas que atualmente, já estava mais leve,portanto, já poderiam pegar a pedra ou a
folha de papel.
Este segundo momento, no meu ponto de vista, é o mais importante da terapia
de grupo, pois é esperado que aqui os pacientes exponham suas dúvidas, medos,
ansiedades e todos poderão contribuir, enriquecendo a terapia. Devem ser dinâmicas
bem preparadas pela terapeuta e ela deve saber intervir na hora que for necessário,
pois muitos chorm em alguns momentos, às vezes todos querem falar ao mesmo
tempo.
No terceiro momento poderemos trabalhar em evocação. Alguns exemplos de
atividades:
Utilizando estratégias como teatro, fantoches, em que os pacientes
encenem, vivenciem outros personagens. Geralmente o gago, em situações de
interpretação de um personagem não-gago, não gagueja, e pode-se aproveitar este
momento para falar da possibilidade de fluência que tem, do medo de falar, que gera
todo o contexto da gagueira;
É apresentada uma caixa com vários objetos, a terapeuta pega um e
inicia uma estória e passa a caixa adiante, o próximo pega outro objeto e dá
continuidade à estória e assim vai até todos falarem.É interessante colocar objetos
que não tenham nada entre si,para que eles realmente trabalhaem na elaboração de
estórias.
Algumas técnicas como fala ritmada, falar em coro, fala salmodiada, poderão
ser utilizadas com o objetivo de mostrar a possibilidade de fluência que cada um tem
e mostrar que têm capacidade articulatória.
É importante lembrar que o terapeuta não deve impor a maneira pela qual o
grupo funcionará, inclusive, deve deixar aberturas para o grupo sugerir atividades,
75
temas para discussões. Numa das terapias realizadas, um paciente sugeriu uma
“tarefa” para ser realilzada até a próxima terapia grupal –todos os membros deveriam
fazer uma lista de situações comunicativas constrangedoras, para serem discutidas
entre todos. A sugestão foi aceita por todos e, na terapia seguinte, cada membro
trouze uma situação, contribuindo e tornando a terapia riquíssima em discussão, pois,
na análise das situaçòes constrangedoras dos outros, muitos se viram, e sugeriram o
que fazer para não ter medo nesta ou naquela situação.
Outra dinâmica mais utilizada é a formulação de perguntas pelos pacientes
para os outros participantes. Geralmente, fazem perguntas de seu interesse, que eles
gostaria de perguntar, mas ainda não tiveram coragem de perguntar para a terapeuta e
no grupo se sentiram à vontade. Trabalhar com palavras como: medo, ansiedade,
coragem, felicidade, tristeza, futuro, procurar emprego, entrevista, apresnetar
trabalhos, dá ótimoas discussões, trazendo à tona toda uma série de sentimentos que
poderão ser compartilhados e trabalhados em grupo.
Conclusão
Da experiência dessas terapias pôde-se observar que a troca de experiências
entre os integrantes do grupo, em relação ao medo de falar, situações
constrangedoras, falta de amigos, e auto-estima rebaixada, foi o que de mais positivo
encontramos, pois foram un6animes as respostas dos pacientes quando questionados
sobre os pontos positivos:
“Poder se abrir com outros gagos, pois tinham os mesmos problemas, e
com isso eu era entendido”(G., 25 anos);
“Quando estou na terapia de grupo, me sinto igual aos outros”(P., 21
anos);
“Eu nunca tinha falado pra mim mesmo o quanto tinha medo de falar,
quando me perguntavam por que eu não tinha amigos, eu dizia que tinha os amigos
que queria, mas não era verdade, eu não conseguia conversar com alguém que eu não
conhecia, iniciar um diálogo, no grupo eu percebi que isto era causado pelo grande
medo que eu tenho de falar, agora, acho que as coisas vão mudar”(J., 20 anos);
“Para mim o mais importante é perceber que existem pessoas iguais a
mim, gagas”(C., 20 anos).
Nos três semestres em que foram realizadas as terapias de grupo, tivemos a
participação de doze pacientes. Destes, um teve alta, dois estão sendo preparados
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para a alta e dois pacientes desistiram doa tendimento. Sempre foi mantido o número
de cinco pacientes por grupo.
Para encerrar, citarei um trecho do artigo de Anelli (1997), que resume bem o
trabalho de grupo: “Metaforicamente percebe-se que o grupo é uma confluência de
várias correntes de água, representando cada uma a vida dos membros do grupo.
Enquanto o grupo está trabalhando junto, há uma união das águas e então
gradualmente cada corrente separa-se, levando consigo um pouco da água das outras
correntes. Desta forma, após esta união as correntes de água não serão mais a
mesma”.
No grupo, as informações que são trocadas, as experiências que são vividas, o
consolo de um paciente ao outro, a força que um transmite ao outro, faz com que a
vida deles como flaante se modifique, e eles se sentem mais fortes. A auto-estima vai
aumentando e com isso vão acreditando que têm fluência,perdendo o medo de falar,
e, melhor do que tudo, percebendo que não existe 100% de flu6encia todo momento.
77
Conclusão
Ao fazer uma revisão literária, me deparo com uma verdadeira miscelânia de
teorias, tanto quanto a etiologia, quanto ao tratamento e o que é mais frustrante, todos
concordam que não há cura. Tendo até mesmoq uem diga, que não se deve falar nem
emtratamento, já que este supõe uma cura e esta não existe.
Alguns desses pesquisadores, já foram gagos e venceram a gagueira, não são
mais rotulados como gagos,passam por fluentes, mas sabem que continuam gagos.
Outros pesquisadores fazem trabalhos brilhantes, são empáticos com a causa e
sofrimento dos gagos. Estudam as teorias, pesquisam e analisam seus próprios
pacientes gagos. Conhecem as teorias e as técnicas, porém não conhecem o
sentimento dos gagos.
Van Riper chegou a afirmar que quem mais sabe de gagueira é o próprio
gago.
Wendell Johnson (1946 p.458) “se você nunca foi gago não pode ter a mais
remota idéia do misterioso poder de desaprovação da sociedade para com isso a que
chamamos de gagueira.
É talvez uma das influências sociais mais desmoralizantes, perplexificantes e
ativadoras de nossa cultura”.
Quem melhor captou a necessidade e intensão do gago ao procurar
tratamento, foi Israel Peter Glauber em 1958, quando afirmou que o gago costuma
ter uma visão fragmentada de si mesmo, em partes hiperidealizada que não permite
encontrar outra possibilidade de existência a não ser como totalmente ausente de
disfluências, um não-gago-absoluto.
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Segundo Perkins (1993b) “as terapias que geralmente utilizamos são,
provavelmente, tão efetivas quanto qualquer outra que se enxergue sobre a linha do
horizonte,ou seja, não há cura a vista”.
Para mim, essa frase: “as terapias que geralmente utilizamos”, baseados nelas
não há cura. Mas, qualquer instrutor em desenvolvimento pessoal, faz um exercçio
com seus alunos que consiste no seguinte: coloca nove pontos, formando um
quadrado, e pede para que cruzem os nove pontos com quatro linhas retas.
Claro que se o aluno quiser fazê-lo sem sair dos limites dos pontos, não
conseguirá. Porém se ele ousar sair dos limites (padrões), o fará com facilidade.
Se com as terapias utilizadas não há cura restamos então duas opções: uma,
aceitarmos o fato de que sempre seremos limitados e nos conformarmos à isso.
Segunda opção: ampliarmos nossa visão, sairmo dos padrões e, enxergarmos que
existem outros conhecimentos, que somados aos já existentes, poderão nos trazer
avanços significativos, e até mesmo atingir o objetivo que diria eu “ser um fluente
absoluto”.
Creio n o potencial humano e na sua capacidade de modificar-se.
Friedman (1986 p.115) “a gagueira se mostra como produto de um processo
ideológico, no qual, através de um tipo de relações de comunicação vividas, o sujeito
cristaliza uma imagem de si como mau falante e passa a se determinar por ela, de tal
forma que esta idéia é a que dá coerência à toda lógica da gagueira” e continua “o
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trabalho terapêutico consiste em desmistificar a ideologia sobre a qual se assenta a
gagueira”.
Esse desmistificar necessita passar por uma terapia que lhe dê condição de
uma restruturação, pois já na sua raiz, na primeira infância, ele já foi percebido e
rotulado de gago pelos seus significantes (pais, tios, irmãos, amigos e principalmente
por si mesmo), foi limitado durante décadas, sofreu frustrações, angústias. Pedeu
muitas oportunidades, sejam elas no campo de relacionamentos afetivos,
profissional, social etc. Viveu sua infância, adolescência, juventude, carregando o
estigma de um mau falante. Vive tentando esconder sua gagueira, isolando-se.
Quando isso não é possível, naquelas situações em que tem que passar por uma
entrevista, pedir ou dar informações, responder presente em sala de aula, apresentar-
se ou mesmo ter que falar seu nome, quando tem que comunicar-se através do
telefone ou interfone em que não consegue apresentar-se e o outro desliga o
aparelho, enquanto ele faz esforço para falar. O pior é que ele não entende o porquê
disso. Porque isso tem que ser assim? Porque comigo? O que eu fiz para ser tão
punido? Por que essa “coisa” faz questão de me humilhar? Tudo isso se complica
ainda quando determinados líderes religiosos fazem o diagnóstico de que isso é o
espírito da gagueira, isto é, um espírito maligno que está nele para humilhá-lo.
É necessário a psicoterapia sim!
Não se cuida dos sintomas de um gago, sem cuidar dos aspectos de sua
personalidade. Não se deve fazer meio tratamento – trata-se do sujeito por inteiro.
Profissionais que se dizem especialistas em terapia da gagueira e cuidam só
dos sintomas, não fazem nada mais do que criarem mais frustrações no paciente e
ainda estão revelando sua própria ignorância.
Felizmente, hoje, existe a medicina Sociopsicossomática que se preocupa em
estudar o sujeito em todo o seu contexto. Como ser social, psicológico, seu soma e
diria eu respeita o espiritual.
Uma terapia que envolva o sujeito como um todo, certamente as recidivas
diminuirão. Abandonar o terapeuta tipo “ferreiro”, que acha que tudo se resolve na
martelada (único instrumento que ele tem).
A psicossomática envolve profissionais médicos, psicólogos, psicanalistas,
enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas corporais, farmacêuticos, nutricionistas,
enfim de todas as áreas que envolvam a saúde e qualidade de vida do ser humano.
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Uma terapia que leve em conta corpop e alma não há como um existir sem o
outro. Cunha (1997 p. 8) propõe um profissional de duas orelhas: “uma para ouvir o
corpo da palavra, sua articulação. Outra para ouvir seu sentido e perceber a
comunicação que estabelece –ou que tenta impedir” aí começa a escuta: no
entendimento do modo como o paciente diagnostica e pretende curar o próprio
problema.
As duas orelhas metaforizam assim belamente os instrumentos tradicionais da
fonoaudiologia e da psicanálise.
Ferricioli (2002):
_ Que sujeito é este que vacila, hesita, repete? Será o sujeito do lapso, da
lacuna do ato falho, do “non sense”?
_ É o sujeito que sabe, mas não pode se mostrar, então, o inconsciente
encontra um caminho através de pistas, indícios, é a fala gaguejada, como um grito
de socorro.
Comuinicar-se significa Ser. É na relação com o outro que a gagueira surge e
se mantém. É na relação com a alteridade que a criança se constitui como gago.
Em seus momentos de fluência, os gagos mostram ter um aparelho
fonoarticulatório integro, portanto, não há necessidade de consertá-lo.
Usar as propostas de terapias, que além de considerarem as manifestações
visíveis e audíveis da gagueira, consideram como principal, no quadro da gagueira
outros aspectos como: sentimentos negativos que o indivíduo apresenta sobre si em
função de ser gago, e que produzem tensões e determinariam uma fala com gagueira.
Esse processo terapêutico se dá sobre os aspectos cognitivos e psicológicos do
paciente.
Olhar o paciente cindido. Aquele que não é o sujeito da razão, pois há coisas
sobre ele que desconhece, coisas sobre si que não tem controle e não pode acessar
por meio da razão. O sintoma atrelado a essa noção de sujeito refere-se a conflitos
inconscientes e, portanto, não conhecidos, e que se manifestam em forma de sintoma.
“Escutar para além do sintoma” e que me leva a questionar: “o que isso quer
dizer”?
Ao mesmo tempo emq eu se trata o gago, deve-se também tratar a gagueira,
para aliviar sua angústia na comunicação, usar técnicas corporais como: exercícios
de respiração, para ir diminuindo a tensão diafragmática, relaxamento para que o
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paciente vá se soltando; meditação e visualização para que ele comece a ver-se
(imaginar-se) como tendo superado o problema e perceber quais os benefícios que
ele terá com uma melhor fluência. Escolher uma das técnicas de obtenção de fluência
que se adeque a personalidade e necessidades do paciente. Trabalhar a
dessensibililzação daquelas situações tímidas, isto é, pedir ao paciente,para fazer uma
lista das situações que lhe são mais difíceis, ex. falar ao telefone, falar com uma
pessoa estranha, dizer o seu nome a alguém, fazer pedidos no restaurante, ler alto
para alguém, dar ou pedir informaçõe na rua, falar com autoridades (chefe,
professores, policiais, etc.), dar seu telefone, apresentar-se etc. Fazer parte de terapia
de grupo.
Com essa abordagem, e se o paciente realmente estiver motivado para
solucionar seu problema de comunicação oral. Certamente ele obterá uma
considerável melhora.
Até aqui citamos as ações terapêuticas que tem sido estudadas e praticadas.
Os profissionais que as tem usado, relatam uma melhora surpreendente em seus
pacientes. Relatam que em determinados casos, a melhora é tão significante, que o
paciente não chega mais a ser rotulado de gago. Porém, continuam afirmando que
não há cura. Pois uma vez gago, sempre gago. Ele ainda poderá sofrer recidivas e
estas aparecem nos momentos mais impróprios. Vem a frustração, o desencanto, o
medo, volta a insegurança, o sentimento de que nunca irá se livrar da coisa, que está
condenado a ser gago.
É para evitar essa absurda insatisfação, que afirmo que o que o gago quer
mesmo é “ser-não-gago-absoluto” ou seja, “ser fluente absoluto”.
Se acrescentarmos aos instrumentos já utilizados, outros existentes, mas que
não são reconhecidos por muitos profissionais. Acredito que essa situação será
alterada.
Meira (1986) diz que o principal motivo da disfluência são os invólucros de
tensões: tensão cervical, tensão oral e tensão diafragmática, e que esta última,
segurando a fala, impede a expressão livre e coordenada da fala.
Lipp (2001) afirma que a tensão e o estresse se tornam companheiros
constantes da jornada diária. O estresse pode atuar de tal forma que a pessoa fica
como se estivesse alerta e logicamente, fica tensa, como se estivesse pronta para
qualquer eventualidade e aí podem surgir muitas doenças físicas e psicológicas.
82
Em geral relaxar é útil, o sujeito fica menos tenso, menos ancioso, porque faz
com que haja uma descontração, um sossego interno, que é o oposto da tensão
muscular e mental. O relaxamento reduz a responsividade adrenérgica, a excitação
neuromuscular e a hiperatividade cognitiva. Existem muitas técnicas de relaxamento
tanto física quanto mental que podem ser usadas, sendo também indicado o yoga.
Também é citado por muitos autores como sendo a gagueira um problema de
identidade. O sujeito tantas vezes foi chamado de gago, ele também refere-se a si
mesmo como gago, que acabou introjetando a imagem de si como gago, com mau
falante, inseguro e incapaz de comunicar-se.
A Programação Neurolingüistica (PNL) ‘’e um poderoso meio de tornar
possível os resultados que queremos obter. O cérebro é um órgão muito complexo,
mas quer que o aceitemos ou não, é um órgão que executa o que foi planejado para
fazer. Se o tratarmos corretamente, ele fará coisas assombrosas para nós.
É através do cérebro que nos interessamos, damos ordens e nos comunicamos
com nossos egos.
A analogia do cérebro humano com um computador é exata. Ele recebe,
processa, armazena e age de acordo com o imput recebido dos sentidos. O
inconsciente é programado de modo semelhante ao computador, o inconsciente fará
aquilo que está programado para fazer. Desde os primeiros dias de nossas vidas à
medida que crescemos, cada palavra ouvida e cada pensamento que tivemos foram
gravados em nossa mente. Aqueles pensamentos que nos passaram repetidamente
foram sendo registrados tão fortemente que se tornaram automáticos em nós.
Imagens e pensamentos que tivemos sobre nossos egos se tornaram parte do
registro indelével que se converteria em uma parte permanente do programa que
demos às nossas mentes inconscientes.
Para o nosso cérebro não importa se fornecemos bons ou maus programas, ele
tomará providências para que vivamos os programas armazenados.
Helmstetter (1987) informa que o nosso inconsciente quando diante de dois
ou mais programas que estão em conflito um com o outro, tentará agir de acordo com
o programa mais forte. Que a força do programa é influenciada pelo número de vezes
que a informação igual ou semelhante é apresentada. A força do programa é
influenciada pela quantidade de emoção associada com o programa e que a mente
inconsciente tentará sempre agir de acordo com seu programa operativo dominante.
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Portanto, se pudermos passar informações constantemente e com certa
emoção daquilo que queremos, ao nosso cérebro aumentaremos as chances de que se
tornem verdade.
Uma forma bastante eficaz de nos programar é quando estamos bem
relaxados, em alfa, parece que os poros inconscientes ficam mais expostos, a nossa
mente se torna como uma “esponja”, aí usando uma técnica de imaginação, podemos
nos ver sendo aquilo que queremos. No caso do gago pode sentir-se fluente,
realizando todos os atos de fala que sempre sonhou e aplaudindo-se prazeirosamente
como quem já conquistou o pódio de sua vida.
Certamente com as repetições alternadas deste novo condicionamento,
auxiliando toda uma terapia já conhecida e utilizadas até aqui,as possibilidades de
sucesslo serão muito maiores.
Há casos em que pacientes se apresentam para a terapia, apresentando tanta
ansiedade que se faz necessário o uso de ansiolíticos e há terapêutas que fazem uso
de acupuntura para posteriormente ou então concomitantemente realizar sua terapia.
E há pacientes que mesmo após ter melhorado sua fluência, continuam
entrando em pânico nas circunstâncias que antecedem seu momento de falar. O sinal
de “perigo” é disparado, surgindo uma angústia incontrolável, seu coração dispara, a
ansiedade é intensa, medo, vontade de fugir, perde o controle, fica muito confuso e
sua auto-estima desaparece, sobrando somente o desalento, a raiva por ser diferente,
sente-se um “verme” e vontade de desistir de tudo. Não entende por que isto
acontece, já fez psicoterapia, fez tantos exercícios de obtenção de fluência, tem
consciência de que pode falar, sabe falar, que tem um aparelho fonoarticulatório
normal, já gravou sua própria fala e gosta do que ouviu. Agora fica a questionar por
que sou assim? Por que isto acontece comigo? Chega a pensar que isto é um karma,
que pode ser louco ou que isso nunca vai ter solução.
Hoje há medicamentos como diz o dr. José carlos Rielcheman aos quais ainda
não se conhece os limites de sua atuação por exemplo: os antidepressivos, que com o
uso adequado pode trazer grandes benefícios. De fato minha experiência pessoal, foi
de que após um mês de uso esses sintomas não eram mais desencadeados. Dando-me
tranquilidade e confiança para continuar na busca de ser um fluente absoluto.
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APÊNDICES – REFLEXÕES DE UM GAGO
Fluência
Tenho voltado minha atenção nestes dias, para perceber a facilidade das
pessoas em como falam. Não consigo entender, como conseguem fluir naturalmente
a sua fala, sem que façam esforço e nem memso terem a necessidade de estar no
controle dela. De onde provém esse fenômeno, como funciona isso? As pessoas
simplesmente falam através de uma conexão imensa: aquilo que pensa, o que ouve,
transformando em verbalização através de um aparelho fonoarticulatório. Como tudo
isto foi feito tão perfeito? A voz flui, as pessoas vão falando, sem se dar conta de
como isso é fantástico. Somente em uma porcentagem pequena de pessoas, houve
algum desvio na época da aquisiçào da fala e assim fragmentam seu momento de
falar e só conseguem expressar-se verbalmente mediante esforços e tentativas. É
interessante que isso só acontece diante de responsabilidade de falar, quando estão
sozinhos ou recitando em conjunto com outras pessoas, sua fala flui naturalmente.
Momentos de tranqüilidade ou então no outro extremo, quando fala agressivamente
no sentido de “vomitar” o que o está incomodando, a fala flui sem fragmentar.
A pergunta que incomoda é: por que essa turbulência no momento de
mostrar-se aos outros através da fala e principalmente ao ter que falar seu nome
quando lhe é solicitado a fazê-lo. Muda toda articulação, há um bloqueio, os
músculos tensionam, já não é a mesma pessoa, perde sua identidade, já não sabe mais
quem é e porque tem que ser assim. Por que muda toda sua fisiologia e seu
comportamento?
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É difícil compreender o que acontece com sua química, sua eletricidade,
porque surge um acúmulo enorme de impulsos (energia), bloqueia sua laringe, trava
os maxilares e o impedem de falar.
Porque aquela fisiologia criada para que as pessoas pudessem se comunicar
através da fala de forma natural, tranqüila, sem emoções, teve que excluir um
pequeno número de pessoas (1% da população), só o permitindo fazê-lo quando
estão sozinhos, sem a responsabilidade, sem o perigo de um julgamento. Na situação
onde não há a atenção do outro, todo seu sistema articulatório funciona com total
perfeição.
As respostas a esses questionamentos tenho encontrado na literatura, porém
de forma ainda muito contraditórias. Algumas com grande grau de convencimento,
outras dando impressão de não serem nada mais que teorias.
As propostas de terapias, assim como as abordagens do fenômeno são as mais
variadas possíveis, já que não há uma visão definida da sua etiologia.
Como gago e estudioso do fenômeno, busco nas teorias orgânicas, de
condicionamentos, ambiental, cultural as respostas para o aparecimento da
disfluência e nas terapias psicanalítica, comportamental aprendidos, cognitiva e
medicamentosa, se não a cura pelo menos o allivio para essas angustiantes situações
de disfluências.
Ansiedade e desempenho
Fobia social: um tipo de fobia socia é a “ansiedade de desempenho”.
Alguns indivíduos não conseguem falar em público. Essa ansiedade é tão
avassaladora que chega a disparar o seu sistema de luta ou fuga, isto é, tem
taquicardia, sufocação, treme, sente tontura e vontade de fugir.
A comunicação em geral é um empecilho para indivíduos cuja auto-estima é
baixa, provocando uma necessidade interna de serem cuidados. Certos indivíduos
ficam confusos, esquecem-se do que iria dizer, não acham a palavra certa, não
conseguem fitar as pessoas nos olhos. Ou enrubescem, gaguejam, ou suas vozes
tremem. Perdem o poder de argumentação no momento em que alguém discorda
delas.
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Esses sintomas da “ansiedade de desempenho”, a qual se associa outros
temores mais gerais aos quais são indicativos do sentimento de inadequação e
desamparo no mundo. Assim o indivíduo tem medo da retaliação por parte daquele
de quem discorda; medo de ser criticado por fazer algo errado; medo de dizer “não”;
medo de ser assertivo (não coloca suas necessidades de forma clara e direta, sem
manipulação). Esses são os tipos de temores que afeta o indivíduo que foi criado de
modo a acreditar que não é capaz de cuidar de si mesmo. Geralmente uma mãe
insegura, cria filhos dependentes e interfere na individualização deles.
O indivíduo desenvolve um desejo intenso de ser atraente, agradável, ser
aceito, ser aprovado, ser bonzinho e não ameaçadores. Esse desejo muitas vezes faz
com que o indivíduo se anule. Coloca os desejos e necessidades dos outros acima das
suas, para depois entrar em conflito, pois sentiu-se gratificado em ser aceito e ao
mesmo tempo sente-se mal, pois sabe que se prejudicou para conquistar um sorriso e
um obrigado, quando deveria estar trabalhando para si e dirigindo sua própria vida.
Ainda o que é mais angustiante –sabe que se comportou como uma criança.
O paradoxo
O paradoxo que se forma na época da aquisição da fala (quando a criança
começa a falar).
A não aceitação na forma de fala da criança, por parte dos pais, envolve uma
ativação emocional. De modo que a criança não pode deixar de falar e quando fala
observa nos seus interlocutores uma reação que expressa que ela não falou de forma
adequada. Então, a criança não pode deixar de falar e nem falar de forma adequada.
Assim a criança vai formando uma identidade de mau falante que tem que
flar bem, gerando assim a “ansiedade de desempenho”. O significado social é que ela
vai formando em si a imagem de mau falante, e estas interações vão formando
(gerando) emoções negativas de tal forma que o desenvolvimento da fala se processa
permanentemente associado à tensão. Essa imagem de mau falante foi assumida a
partir de relações paradoxais. Portanto, a necessidade de falar bem implica em
esconder, ocultar ou negar essa imagem de mau falante. Assim diante da necessidade
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de falar é disparado o sinal de “perigo”, isto é, será revelada sua identidade. Para que
isto não ocorra o indivíduo usa comportamentos estranhos ao ato de falar: evitação,
disfarses, técnicas técnicas disparadoras de fluência, não fixa os olhos no
interlocutor, etc.
Ser mau falante e ter que falar bem. Nesse conflito o indivíduo sente-se
impotente, incapaz, insuficiente, restando-lhe a vergonha, a revolta e às vezes o
desprezo por si mesmo. Esse medo irracional –um medo sem qualquer relação com
sua capacidade ou mesmo com a realidade. A fobia esta tão infiltrada que assume a
proporção de ser algo que aparece com o intuito de impedi-lo de falar e humilha-lo
(fazê-lo menor). Esse medo foi desenvolvido ao longo de muitos anos e através de
condicionamentos repetitivos, e nem mesmo chegamos a reconhecer oq eu foi que
nos aconteceu.
O indivíduo não se libertará enquanto não parar de temer. Não começará a
experimentar uma mudança real.
(baseado na teoria de Silvia Friedman)
Equilibrio
Quando estou livre de tensões, estou em paz e parece que estou feliz.
Felicidade então é, ter pensamentos bons, ter confiança, segurança e sem aquelas
cargas emocionais e tensionais. Isso faz com que meu organismo funcione, que eu
me sinta bem e fale bem (fluente). Isto então significa estar em equilibrio. Minha
mente e meu físico funcionando em harmonia. Isto é, estar em paz. É não estar
pressionado nem por mim mesmo e nem pelos outros. Os outros tentam pressionar,
tentam fazer com que eu os sirva, que eu faça aquilo que é bom para eles. Às vezes
usam até o grau de amizade para que eu faça o que é bom para eles.
O homem livre não se submete ao controle e aos interesses dos outros. Não
fica preocupado e nem nervoso. Ele sabe dizer “não” e faz aquilo que é bom para si,
aquilo que já tem programado. Quando o indivíduo não tem programação (objetivos),
acaba se comprometendo com situações que o escravizarão, com compromissos que
não lhe é bom. Aí surge a tensão, o nervosismo, a preocupação, a insastifação
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consigo mesmo e até mesmo a frustração com a vida. Ele se tornou um escravo, só
faz aquilo que não é bom para ele e isso às vezes durante muito tempo.
O indivíduo que tem o controle de si mesmo, não se submete a isso. Sabe
dizer “não” quando for “não”. Essa atitude soberana lhe traz paz, segurança,
equilibrio, amor próprio, auto-confiança, esperança no futuro e alegria de viver.
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