Moreira, M. B. Hübner, M. M. C. (2012). Fundamentos de Psicologia Temas Clássicos de Psicologia...

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  • Bases F i l o s o f i c a s e N o o d e C i n c i aI em A n l i s e d o C o m p o r t a m e n t o

    Mrcio Borges Moreira Elence Seixas Hanna

    IN TRO D U OEste captulo tem o objetivo de apresentar, em linhas

    gerais, uma filosofia chamada Behaviorismo Radical e uma abordagem psicolgica (ou cincia do comportamento) denom inada Anlise do Com portam ento, bem como estabelecer relaes entre ambas. Faremos uma distino importante entre o Behaviorismo Radical (corrente atual) e o Behaviorismo Metodolgico. E importante que o leitor atente para esta distino, pois a falta dela , em parte, a razo de muitas crticas incorretas feitas ao moderno Behaviorismo Radical.

    O pensamento de B. F. Skinner e alguns dos principais pressupostos filosficos de sua obra sero apresentados brevemente e tero a funo de fornecer ao leitor um referencial terico bsico para a melhor apreciao dos demais captulos deste livro. Alm dos aspectos concernentes ao Behaviorismo Radical, apresentaremos tambm a noo de cincia em Anlise do Com portamento e algumas de suas caractersticas principais: seu objeto de estudo, sua unidade de anlise e seu mtodo.

    O SURGIM ENTO DO _________ BEHAVIORISM O_________

    Por volta do final do sculo 19, a Psicologia comea a constituir-se como cincia independente, embalada, principalmente, pelas pesquisas de Gustav Fechner e Wilhelm W undt (cf. Goodwin, 2005/2005). Essencial ao surgimento e desenvolvimento de uma cincia a definio do seu objeto de estudo e do seu mtodo. Nessa poca, sobretudo

    aps W undt ter criado o primeiro laboratrio de Psicologia experimental em Leipzig, Alemanha, difundiu-se a ideia de que o objeto de estudo da Psicologia era a conscincia (e seus elementos constituintes), e o mtodo eleito, a introspeco experimental1 (cf. Goodwin, 2005/2005). E nesse contexto que, em 1913, o psiclogo John Broadus Watson publica um artigo intitulado A Psicologia como um behaviorista a v.2 Esse artigo ficou conhecido posteriormente como O Manifesto behaviorista?

    Em seu artigo, Watson (1913) argumentou que o uso da introspeco experimental como mtodo principal falhou em estabelecer a Psicologia como uma cincia natural (uma cincia que lida com fenmenos que ocupam lugar no tempo e no espao, como a Fsica e a Qumica). A crtica de Watson baseava-se principalmente na falta de replicabi- lidade dos resultados produzidos, isto , quando se realizava novamente uma mesma pesquisa com um outro sujeito, uma pessoa diferente, os resultados encontrados eram diferentes da pesquisa anterior. Para se ter uma ideia do que representa esse problema, imagine, por exemplo, que se a mesma questo fosse encontrada na farmacologia, cada indivduo que tomasse um analgsico teria uma reao completamente diferente e, provavelmente, nenhuma dessas reaes seria a diminuio de uma dor de cabea.

    'Os participantes das pesquisas eram exaustivamente treinados a descrever estmulos apresentados pelo experimentador antes da tarefa experimental propriamente dita.2Ttulo original: Psychology as the behaviorist views it.3Matos (1997/2006) aponta que o Manifesto, na verdade, corresponde a um conjunto de documentos, e no apenas ao artigo seminal de 1913.

  • 2 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    W atson (1913) salientou tam bm outro problem a im portante com relao introspeco experimental: a culpa das diferenas entre os resultados obtidos a p artir de tal m todo era a tribu da aos sujeitos (que eram tam bm os observadores), e no ao m todo ou s condies experim entais nas quais esses resultados foram produzidos. Se, por exemplo, as impresses de um sujeito sobre um determ inado objeto, uma fruta, por exemplo, diferiam das impresses de outro sujeito, dizia-se que um deles no havia aprendido corretam ente a fazer introspeco (a fazer observaes corretas de seus estados m entais). Para W atson, a Psicologia deveria seguir o exemplo de cincias bem estabelecidas, com o a Fsica e a Q um ica, as quais atribuam as falhas em suas pesquisas aos instrum entos e m todos utilizados em seus estudos, o que levaria a Psicologia a um patam ar equivalente de conhecimento do seu objeto de estudo.

    W atson (1913) props, ento, como principais objetivos da Psicologia a previso e o controle do comportamento. O comportam ento observvel (por mais de um observador) seria o objeto de investigao a partir do mtodo experimental, no qual se manipulam sistematicamente caractersticas do ambiente e verifica-se o efeito de tais manipulaes sobre o com portam ento dos sujeitos. Para Watson, embora o com portam ento hum ano fosse o principal interesse da Psicologia, o com portam ento animal tambm deveria ser estudado como parte im portante da agenda de pesquisas dessa cincia. A obra de W atson estendeu-se alm do texto de 1913 e inclua, segundo Matos (1997/2006), as seguintes caractersticas/ proposies principais:

    (...) estudar o com portam ento por si mesmo; opor-se ao M entalismo e ignorar fenmenos, como conscincia, sentimentos e estados m entais; aderir ao evolucionismo biolgico e estudar tanto o comportamento hum ano quanto o animal, considerando este ltimo mais fundamental; adotar o determinismo materialstico; usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspeco; realizar experimentao controlada; realizar testes de hiptese, de preferncia com grupo de controle; observar consensualmente; evitar a tentao de recorrer ao sistema nervoso para explicar o comportamento, mas estudar atentamente a ao dos rgos perifricos, dos rgos sensoriais, dos msculos e das glndulas (Matos, 1997/2006, p. 64).

    O Manifesto behaviorista, como ficou conhecido o artigo de Watson (1913), uma espcie de marco histrico do surgimento do Behaviorismo. Embora muitas das concepes apresentadas por Watson em sua obra ainda se faam presentes, o que se conhece por Behaviorismo Radical (Skinner, 1974/2003), a proposta original sofreu reformulaes, e a correta compreenso do que o Behaviorismo hoje deve ser buscada principalmente no na obra de Watson (a despeito de sua relevncia), mas na obra de Burrhus Frederic Skinner.

    O BEHAVIORISM O RADICAL _________ DE B. F. SKINNER_________

    O Behaviorismo no a cincia do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa cincia. Algumas das questes que ele prope so: possvel tal cincia? Pode ela explicar cada aspecto do com portam ento humano? Q ue m todos pode empregar? So suas leis to vlidas quanto as da Fsica e da Biologia? Proporcionar ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhar nos assuntos humanos? So particularmente importantes suas relaes com as formas anteriores de tratam ento do mesmo assunto. O comportam ento hum ano o trao mais familiar do m undo em que as pessoas vivem, e deve-se ter d ito mais sobre ele do que sobre qualquer outra coisa. E, de tudo o que foi dito, o que vale a pena ser conservado? (Skinner, 1974/2003, p. 7, grifo nosso).

    E dessa forma que Skinner (1974/2003) comea seu livro chamado Sobre 0 Behaviorismo. Destaca-se nessa citao uma distino geralmente negligenciada: a diferena entre Behaviorismo e Anlise do Comportamento. Cincia e Filosofia - ou conhecimento cientfico e conhecimento filosfico - andam, geralmente, de braos dados, mas h diferenas entre uma e outra. Como destacado por Skinner no trecho citado, quando falamos de Behaviorismo, estamos discutindo questes filosficas, isto , questes que orientam a forma como entendemos o m undo ou um a parte especfica dele; estamos falando de um a viso de mundo. A prpria possibilidade de uma cincia do com portam ento , em si, uma questo filosfica, um a questo de como enxergamos o ser humano.

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 3

    Behaviorismos e as vicissitudes do sistema skinneriano

    Uma consulta rpida sobre o Behaviorismo em muitos dos manuais introdutrios de Psicologia ou livros de Histria da Psicologia, atuais e antigos, revelar crticas tenazes ao Behaviorismo, crticas apresentadas, muitas vezes, sob rtulos como mecanicista, simplista, redu- cionista, psicologia estmulo-resposta, psicologia da caixa-preta etc. Embora se possa argumentar que a atribuio de alguns desses adjetivos a uma determina abordagem cientfica no seja necessariamente ruim (h uma m compreenso, ou uso inadequado, desses termos por alguns autores), atribu-los ao sistema skinneriano , pelo menos em parte, chutar um cachorro m orto, isto , tais crticas so feitas, geralmente, tendo como referncia concepes behavioristas ultrapassadas (Chiesa, 1994/2006).

    Essas concepes tm hoje, sobretudo, um interesse apenas histrico, e devem ser atribudas tanto a pensadores e pesquisadores diferentes de Skinner quanto ao prprio Skinner nos primeiros momentos de sua carreira (Chiesa, 1994/2006; Micheletto, 1997/2006). Micheletto 1997/2006) sugere que a proposta de Skinner pode ser

    dividida em dois momentos distintos: de 1930 a 1938 e de 1980 a 1990. Segundo M icheletto, o primeiro Skinner (1930-1938) marcado por uma forte influncia das cincias fsicas, sobretudo a mecnica newtoniana, e da filosofia do reflexo:

    (...) Skinner, neste momento, ainda tem uma suposio associada ao mecanicismo, decorrente de ter mantido caractersticas originais da noo de reflexo: apesar de operar com a noo de relao funcional e no com uma causalidade mecnica, busca um evento no ambiente relacionado com o que o organismo faz, mas considera que este evento deve ser um estmulo antecedente que provoca a ocorrncia da resposta (Micheletto, 1997/2006, p. 46).

    J o segundo Skinner (1980-1990), como apontado por Micheletto (1997/2006), mostra-se mais comprometido com o modelo causai que embasa as cincias biolgicas, influenciado principalmente pela teoria da evoluo das espcies por seleo natural, de Charles Darwin 1859), e menos influenciado pelo modelo newtoniano.

    No entanto, j em 1938, Skinner apresentava uma ruptura com o modelo causai mecanicista. Um exemplo claro a definio de reflexo, entendido poca como uma ligao

    direta entre estmulo e resposta, e reinterpretado por Skinner (1938) como uma correlao entre dois eventos observveis: Em geral, a noo de reflexo deve se livrar de qualquer noo de empurro do estmulo. Os termos se referem aqui a eventos correlacionados, e a nada mais (Skinner, 1938, p. 21). Diz-se, ento, que Skinner substitui a noo de causalidade mecnica pela noo de relaes funcionais (Chiesa, 1994/2006; Skinner, 1953/1998). Como aponta o prprio Skinner (1953/1998), a cincia tem substitudo o term o causa pelo term o relao funcional, pois o primeiro remete a foras e mecanismos que ligam dois eventos, j o segundo apenas estabelece regularidade entre dois (ou mais) eventos.

    Essa m udana no pensamento skinneriano comu- mente atribuda (ou correlacionada) influncia do fsico e epistemlogo Ernest M ach (cf. Chiesa, 1994/2006; Micheletto, 1997/2006; Todorov, 1989). Ernest Mach (cf. Chiesa, 1994/2006) causou certa discusso entre filsofos e fsicos ao afirmar que o conceito de fora era absolutamente redundante para o adequado entendimento e aplicao da mecnica clssica. A noo proposta por Mach, de que no necessrio inferir ou postular uma fora de atrao para explicar por que objetos caem, a mesma noo proposta por Skinner (1938), de que no necessrio inferir uma fora ou mecanismo que estabelea o elo entre um estmulo e uma resposta.

    Um ponto marcante no desenvolvimento do sistema de pensamento skinneriano, e considerado o nascimento do Behaviorismo Radical (Tourinho, 1987), a publicao, em 1945, do artigo intitulado Anlise operacional de termos psicolgicos1 (Skinner, 1945/1972). Skinner fora convidado para participar de um simpsio sobre o Operacionismo, uma doutrina filosfica proposta por Bridgman (1927) e cuja tese principal era a de que os conceitos devem ser definidos em termos das operaes que o produzem. O significado, por exemplo, de comprimento deveria ser buscado nas operaes pelas quais o comprimento medido (Skinner, 1945/1972; Tourinho, 1987).

    Embora Skinner (1945/1972) reconhea a influncia da proposta de Bridgman em seus trabalhos iniciais, neste momento de sua obra ele questiona a utilidade do Operacionismo para o desenvolvimento de um a cincia do com portam ento, sobretudo o que est relacionado com a definio e entendim ento de conceitos psicolgicos. Skinner (1945/1972) argumenta inicialmente que

    4Ttulo original: The operational analysis o f psychological terms.

  • 4 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    conceitos devem ser analisados como aquilo que realmente so: comportamentos verbais. Para Skinner, ento, analisar conceitos significa analisar o comportamento verbal5 do cientista (ou de quem os usa) e, para tanto, deve-se buscar as condies antecedentes e as condies consequentes do uso de determinado conceito {anlise funcional).

    As implicaes dessa proposta de Skinner (1945/1972), e os caminhos percorridos para chegar a ela, sero apresentadas com mais detalhe em captulos subsequentes deste livro. Por enquanto, para os propsitos deste captulo, basta-nos saber que tal proposta estabelece uma distino drstica entre o behaviorismo de Skinner, denominado por ele Behaviorismo Radical, e o Behaviorismo praticado (ou defendido) por alguns de seus contemporneos, referido por Skinner como Behaviorismo Metodolgico. No Behaviorismo Radical, h o reconhecimento de que eventos psicolgicos privados (p. ex., pensamento, conscincia etc.) devem fazer parte do objeto de estudo de uma cincia do comportamento e podem ser estudados com o mesmo rigor cientfico que eventos pblicos.

    Outra importante caracterstica do Behaviorismo Radical apresentada no artigo de 1945, e da qual deriva, pelo menos em parte, a possibilidade do estudo cientfico dos eventos privados, a proposio de Skinner (1945/1972) de que eventos privados (ou comportamentos privados) so to fsicos quanto os eventos pblicos (ou comportamentos pblicos), isto , so de mesma natureza:

    De acordo com essa doutrina [behaviorismo metodolgico], o m undo est dividido em eventos pblicos e privados; e a psicologia, para atingir os critrios de um a cincia, precisa se confinar ao estudo dos primeiros. Esse nunca foi um bom behaviorismo, mas era uma posio fcil de expor e defender e frequentemente defendida pelos prprios behavioristas (...). A distino pblico- privado enfatiza a rida filosofia da Verdade por concordncia. (...) O critrio ltimo para a adequao de um conceito no a concordncia entre duas pessoas, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso sobre seu material sozinho se necessrio. (...) A distino entre pblico e privado no , de forma alguma, a mesma que a distino entre fsico e mental. por isso que o behaviorismo metodolgico (que adota a pri

    5Segundo o prprio Skinner (1945/1972), parte da argumentao usada em 1945 era derivada de uma outra obra sua que se encontrava em preparao e seria publicada em 1957: O comportamento verbal(Skinner, 1957/1978).

    meira) bem diferente do behaviorismo radical (...). O resultado que, enquanto o behaviorismo radical pode, em alguns casos, considerar eventos privados (...), o operacionismo metodolgico se colocou em uma posio em que no pode (Skinner, 1945/1972, p. 382-383).

    Curiosamente, muitas das crticas que Skinner (1945/1972) fazia aos behavioristas metodolgicos h mais de seis dcadas so ainda hoje, feitas ao prprio Skinner. Essas crticas so, obviamente, equivocadas quando feitas ao Behaviorismo Radical. Fica claro no texto de 1945/1972, bem como em obras subsequentes de Skinner (p. ex., Skinner, 1974/2003), que o Behaviorismo Radical:

    m onista (entende eventos privados e pblicos como sendo de mesma natureza)

    Tem como critrio de verdade a efetividade no uso do conhecimento e no a concordncia entre observadores

    Toma os eventos privados como legtimos objetos de estudo, resgatando a introspeco e o estudo da conscincia, no como mtodo, mas como comportamentos em seu prprio direito.

    Como apontado, uma mudana importante no pensamento skinneriano foi a transio de um modelo explicativo menos influenciado pela fsica e mais voltado para o modelo das cincias biolgicas, notadamente a teoria da evoluo das espcies por seleo natural, de Charles Darwin (1859). Em 1981, Skinner publicou na revista Science um dos mais importantes e influentes peridicos cientficos no m undo, um artigo intitulado Seleo por consequncias (Skinner, 1981/2007). Em bora algumas das ideias apresentadas no artigo j estivessem presentes em trabalhos bem anteriores de Skinner (p. ex., Skinner, 1953/1998), o artigo representa uma espcie de formalizao do modelo explicativo do Behaviorismo Radical: 0 modelo de seleo pelas consequncias.

    Em seu livro de 1859, Darwin explica a origem das diferentes espcies de seres vivos, bem como diferenciaes de uma mesma espcie, a partir de dois processos bsicos principais: variao e seleo. Cada indivduo de uma dada espcie nico, no sentido de ser diferente, em maior ou menor grau, de outros membros da mesma espcie. Essas diferenas referem-se a caractersticas anatmicas, fisiolgicas e comportamentais. Falamos aqui, entao, de variao ou variabilidade entre membros de uma mesma espcie. Os

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 5

    membros dessa espcie vivem, geralmente, em um mesmo ambiente, e suas caractersticas anatmicas, fisiolgicas e comportamentais so favorveis vida neste ambiente, isto , a espcie est adaptada ao ambiente. Enquanto esse ambiente se mantiver inalterado, as caractersticas dessa espcie manter-se-o inalteradas, mesmo que haja diferenas entre cada membro.

    De acordo com Darwin (1859), entretanto, se houver mudanas no ambiente da espcie, aqueles indivduos cujas caractersticas mostrarem-se mais adequadas ao novo ambiente tero mais chances de sobreviver e passar seus genes adiante (prole).

    Eis um exemplo fornecido por Darwin:Vejamos o exemplo de um lobo, que caa vrios tipos de animais, conseguindo alguns pela estratgia de caa, outros pela fora e outros pela rapidez; suponhamos que uma presa mais rpida, um veado, por exemplo, por algum motivo, aumentou seu nm ero em um determinado local, ou que outras presas diminuram seu nmero, durante a poca do ano na qual o lobo mais precisa de comida. Sob essas circunstncias, no vejo razo para duvidar de que os lobos mais rpidos e mais magros teriam as melhores chances de sobreviver, e, portanto, de serem preservados ou selecionados (...) (Darwin, 1859, p. 90).

    Nesse exemplo, podemos identificar os dois princpios bsicos apontados por Darwin (1859): lobos, membros de uma mesma espcie, diferem, por exemplo, em fora e agilidade ou rapidez (variao); e quando o ambiente muda ! maior disponibilidade de presas velozes) aqueles lobos mais velozes tm mais chances de sobreviver e transmitir seus genes para sua prole e, consequentemente, depois de algum tempo haver maior quantidade de lobos mais velozes, isto , o ambiente selecionou esta caracterstica.

    Dizer que o ambiente selecionou uma caracterstica o mesmo que dizer que ela se tornou mais frequente. No exemplo de Darwin (1859), em um primeiro momento, a maioria dos lobos era capaz de correr a certa velocidade mdia X. Alguns poucos lobos eram capazes de correr a uma velocidade mdia um pouco menor que X e outros a uma velocidade mdia um pouco maior (variabilidade). Quando as presas disponveis no ambiente dos lobos eram aquelas mais velozes, aqueles poucos lobos que eram mais rpidos (e isso era uma caracterstica gentica deles) foram mais capazes de se alimentar e transmitir seus genes para seus descendentes que, provavelmente, tambm eram mais

    velozes que a mdia. Depois de algum tempo, aquela velocidade mdia (mais veloz) passou a ser bem mais frequente naquele grupo de lobos, isto , havia mais lobos capazes de desenvolverem velocidades maiores.

    Em seu artigo de 1981, Skinner (1981/2007) afirma que o processo de seleo natural (Darwin, 1859) apenas um primeiro nvel ou tipo de seleo pelas consequncias, e que nos explicaria a origem das diferentes espcies, assim como nos explicaria parte do comportamento dos organismos, como apontado pelo prprio Darwin. Ao observarmos os comportamentos de indivduos de diferentes espcies, percebemos que h uma srie de comportamentos que estes organismos emitem sem que seja necessria uma experincia anterior, sem que haja aprendizagem (Moreira, Medeiros, 2007). Entretanto, como apontado por Skinner, h, de maneira geral, duas caractersticas dos animais que foram selecionadas pelo ambiente que so fundamentais para a Psicologia, pois esto diretamente relacionadas com a nossa capacidade de aprender:

    O comportamento funcionava apropriadamente apenas sob condies relativamente similares quelas sob as quais fora selecionado. A reproduo sob uma ampla gama de condies tornou- se possvel com a evoluo de dois processos por meio dos quais organismos individuais adquiriam comportamentos apropriados a novos ambientes. Por meio do condicionamento respondente (pa- vloviano), respostas preparadas previamente pela seleo natural poderiam ficar sob o controle de novos estmulos. Por meio do condicionamento operante, novas respostas poderiam ser fortalecidas (reforadas) por eventos que imediatamente as seguissem (Skinner, 1981/2007, p 129-130).

    Como apontado por Skinner (1981/2007) nesse trecho, quando determinado comportamento selecionado em uma determinada espcie, tal com portam ento somente ser adaptativo enquanto as condies ambientais que o selecionaram permanecerem as mesmas. N o entanto, o prprio processo de seleo natural teria sido responsvel pela seleo de duas caractersticas importantes que passaram a perm itir que os membros de um a espcie pudessem, durante o perodo de sua vida, adaptar-se a ambientes diferentes ou lidar mais facilmente com mudanas em seu prprio ambiente. Essas caractersticas podem ser definidas como capacidades para aprender a interagir de novas maneiras com o ambiente. Essas aprendizagens ocorrem de duas maneiras: por meio do condi

  • 6 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    cionamento respondente e do condicionamento operante (esses dois processos de aprendizagem sero aprofundados em captulos subsequentes).

    Segundo Skinner (1981/2007), o condicionamento operante um segundo tipo de seleo pelas consequncias. Em algum momento da evoluo das espcies, o comportamento dos organismos passou a ser suscetvel aos acontecimentos que ocorrem aps o comportamento ser emitido, isto , certas consequncias do comportamento (eventos que os sucedem) que podem fortalecer esse comportamento e tornar sua ocorrncia mais provvel. A analogia entre seleo natural e seleo operante direta. No entanto, a seleo natural produz as diferenas entre espcies, as mudanas ocorridas (selecionadas) ao longo de milhares de anos; j a seleo operante estabelece as diferenas compor- tamentais individuais e as mudanas comportamentais ocorridas durante a vida de um indivduo.

    Apenas como um exerccio para entendermos, de maneira geral, o modelo de seleo pelas consequncias no nvel individual (seleo operante), tente imaginar um ser humano em diferentes momentos de sua vida, desde o seu nascimento at sua morte; e tente imaginar tambm esse ser hum ano em diferentes situaes do seu cotidiano - e, ao imaginar essas situaes, tente imaginar no s o que esse ser humano est fazendo, mas tambm o que acontece depois que ele faz alguma coisa. Imagine, por exemplo, um pequeno beb em seu bero, sorrindo para sua me e balbuciando. O beb emite diferentes sons aleatoriamente (variabilidade) e, em algum momento, emite um som parecido com mn. Quando isso acontece, a me do beb faz uma festa com seu filho que acaba de dar o primeiro passo em direo palavra mame, aconchegando e falando com o beb. As reaes da me podero ter um efeito fortalecedor sobre o comportamento do beb, ou seja, podero tornar mais provvel que ele repita aquele som (dizemos que a reao da me funcionou como uma consequncia reforadora para o comportamento do beb).

    O beb, ento, passa a falar m a mais vezes. Neste sentido, dizemos que esse comportamento foi selecionado por suas consequncias no ambiente, neste caso, a reao orgulhosa da mame. Algumas vezes o m seguido por sons parecidos com p, outras por d etc. (variabilidade). Em algum momento, o m seguido por outro m , e l estar a me para fazer outra festa com seu filho, que est quase falando mame. Dizemos ento que o comportamento de dizer, por enquanto, mm foi selecionado por suas consequncias.

    Imagine agora um a criana por volta dos seus 3 ou4 anos que pede educadamente um doce a seu pai, e este diz no. Ao ouvir o no, a criana pede o doce de modo mais vigoroso, e ouve outro no, passando a pedir cada vez mais de maneira mais enrgica at iniciar uma birra (variabilidade). No pice da birra, seu pai a atende, d- lhe o doce. Imagine que situaes parecidas continuem ocorrendo at que a criana passe a dar birras frequentemente. Dizemos ento que este comportamento, dar birras, foi selecionado por suas consequncias.

    Imagine as diversas interaes entre pais e filhos (o que os pais fazem ou dizem quando os filhos fazem ou dizem alguma coisa; e o que os filhos fazem ou dizem quando os pais fazem ou dizem alguma coisa); imagine as diversas interaes entre professores e alunos; imagine as diversas interaes entre alunos; imagine as diversas interaes entre adolescentes pertencentes a um mesmo grupo; imagine as diversas interaes entre amigos; entre chefes e funcionrios; entre funcionrios e funcionrios; tios e sobrinhos; avs e netos; enfim, as diversas interaes que ocorrem cotidianamente na vida de todos ns. Se examinarmos com algum cuidado essas interaes, perceberemos que a reao dos outros ao que pensamos, falamos ou fazemos influencia bastante a nossa maneira de pensar, o que falamos e o que fazemos, ou seja, essas reaes so consequncias dos nossos comportam entos e os selecionam, no sentido de tornar alguns de nossos comportamentos mais frequentes e outros menos frequentes. Obviamente, nosso com portam ento tambm funciona como consequncia para o comportamento das pessoas com as quais interagimos, e tambm seleciona certos comportamentos dessas pessoas. O uso do termo interao no por acaso e implica analisar as experincias individuais como um processo de retroalimentao. Cada interao do indivduo com seu ambiente altera o modo como as interaes seguintes ocorrero, caracterizando um processo extremamente dinmico e complexo.

    A Psicologia, de maneira geral, ocupa-se dos fenmenos relacionados com este segundo nvel de seleo pelas consequncias. Entendendo como os processos de variabilidade e seleo operam neste segundo nvel, nos tornamos capazes de explicar, entre outras coisas, como a personalidade de um indivduo formada, como surge boa parte das psicopatologias, como aprendemos a falar, escrever, pensar, descrever nossos sentimentos; como surgem nosso tem peram ento e a subjetividade, como passamos a ter conscincia de ns mesmos e do m undo, e uma infinidade de outros comportamentos e processos psicolgicos.

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 7

    Parte significativa deste livro dedica-se a apresentar cada um desses processos luz do modelo de seleo pelas consequncias.

    A seleo natural, ou filogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenas entre as espcies; a seleo operante, ou ontogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenas comportamentais entre os indivduos e, embora este segundo nvel de seleo nos perm ita explicar uma infinidade de comportamentos e processos psicolgicos, h ainda uma lacuna para a adequada compreenso do ser humano. Segundo Skinner (1981/2007), essa lacuna preenchida por um terceiro nvel de seleo pelas consequncias: o nvel de seleo cultural.

    De acordo com Skinner (1981/2007), em algum momento da evoluo da espcie humana, a musculatura vocal ficou sob controle operante (p. 131). Isso quer dizer que vocalizaes emitidas por um indivduo ficaram sensveis s suas consequncias, ou seja, passaram a ter sua probabilidade de voltar a ocorrer aumentada ou diminuda em funo do que acontecia no ambiente do organismo que as emitia. Nesta caracterstica residem a origem (ou possibilidade) da linguagem e o carter eminentemente social do ser humano:

    O desenvolvimento do controle am biental sobre a musculatura vocal aumentou consideravelm ente o auxlio que um a pessoa recebe de outras. C om portando-se verbalmente, as pessoas podem cooperar de m aneira mais eficiente em atividades comuns. Ao receberem conselhos, ao atentarem para avisos, ao seguirem instrues, e ao observarem regras, as pessoas podem se beneficiar do que outros j aprenderam. Prticas ticas so fortalecidas ao serem codificadas em leis, e tcnicas especiais de autogoverno tico e intelectual so desenvolvidas e ensinadas. O autoconhecim ento ou conscincia emergem quando um a pessoa pergunta a outra questes como O que voc vai fazer? ou Por qu voc fez aquilo?. A inveno do alfabeto propagou essas vantagens por grandes distncias e perodos de tempo. H m uito tem po, diz-se que essas caractersticas conferem espcie hum ana sua posio nica, embora seja possvel que tal singularidade seja simplesmente a extenso do controle operante m usculatura vocal (Skinner, 1981/2007, p. 131).

    De acordo com Skinner (1981/2007; 1987), o surgim ento da linguagem possibilitou o aparecimento de ambientes sociais cada vez mais complexos, ou seja, tornou possvel o rpido desenvolvimento da cultura (ou de prticas culturais). Para Skinner, assim como o modelo de seleo pelas consequncias nos explica as origens e as diferenas entre as espcies, explica-nos as origens e as diferenas dos comportamentos individuais, esse modelo tam bm nos explica as origens e as diferenas entre as culturas.

    Vimos que a variabilidade nas caractersticas (anatmicas, fisiolgicas e comportamentais) entre membros de uma mesma espcie possibilita a seleo de novas caractersticas que, em algum m om ento, passam a ser mais adequadas a um ambiente (seleo no nvel filogentico). Vimos tambm que a variabilidade nos comportamentos individuais faz com que novos comportamentos sejam selecionados pelo ambiente (seleo no nvel ontogentico). Da mesma forma, a variabilidade nas prticas culturais de um grupo permite o surgimento de novas prticas culturais, isto , a mudana na cultura.

    As prticas culturais de um povo, segundo Skinner (1953/1998; 1981/2007), produzem certas consequncias para esse grupo. Por exemplo, se a maioria dos indivduos de um determinado grupo, que mora beira de um rio, emite regularmente comportamentos que mantm o rio limpo, e observamos esse hbito por meio das geraes nesse grupo, dizemos ento que esses comportamentos constituem uma prtica cultural daquele grupo. Segundo Skinner, ter o rio limpo (livre de doenas, gua potvel etc.) um a consequncia da prtica cultural e esta consequncia, esse efeito sobre o grupo como um todo que m antm a ocorrncia dessa prtica. Neste sentido, dizemos que esta consequncia selecionou aquela prtica cultural.

    Causalidade e explicao no behaviorismo radical

    Por que as flores caem no outono e no na primavera? Por que o cu azul? Por que as coisas caem para baixo e no para cima? Por que depois de cozido o ovo no pode ser descozido? Por que temos cinco dedos em cada mo e no seis? Por que algumas pessoas induzem vmito em si mesmas depois de comer? Por que algumas crianas aprendem mais rapidamente que outras? Por que alguns grupos sociais odeiam outros grupos sociais? Por que

  • 8 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    fulano fez aquilo? Por que sicrano tem agido de forma to estranha? Essas perguntas so apenas exemplos de um trao bastante caracterstico do comportamento humano: queremos explicar tudo o que acontece ao nosso redor, principalmente aquilo que as pessoas (ou ns mesmos) fazem ou deixam de fazer.

    Em um sentido amplo, explicar significa apontar as causas de alguma coisa. Quando fazemos a pergunta por que fulano agiu daquela forma?, estamos perguntando o que causou aquele comportamento?. Durante um curso de Psicologia, por exemplo, boa parte do que os professores ensinam refere-se s causas dos comportamentos dos indivduos; por que pensam o que pensam? Por que sentem o que sentem? Por que falam o que falam? Por que fazem o que fazem? O u por que deixam de falar, fazer, pensar ou sentir o que falam, fazem, pensam e sentem? Entretanto, o aluno de Psicologia, j no primeiro semestre do curso, depara-se com um problema que o acompanhar at o final do curso e at mesmo depois de formado: o estudante comea a aprender que existem diversas abordagens em Psicologia e que cada uma delas aponta diferentes causas para os comportamentos das pessoas. Para complicar mais ainda a vida do estudante, muitas vezes h conflitos, divergncias entre as explicaes. Na aula do primeiro horrio o professor diz que as causas de um determinado fenmeno comportamental (um transtorno de personalidade, por exemplo) so X; j na aula do segundo horrio o professor diz Turma, X no explica nada sobre esse transtorno de personalidade. Na verdade, as verdadeiras causas so Y e Z .

    Por que isso ocorre? Por que essa divergncia? Essa confuso ocorre por um simples motivo: existem diversos modelos explicativos na Psicologia - e nas cincias em geral. Um m odelo explicativo refere-se, de m aneira geral, ao modo como se explicam e se apontam as causas de um dado fenmeno. Por exemplo, imagine o caso de um rapaz que tem dificuldades de iniciar e m anter uma conversa com um a garota que ele ache atraente. Um a forma de explicar essa dificuldade dizer que o rapaz tm ido, introvertido. O utra dizer que ele tem medo de ser rejeitado, ou que tem baixa autoestima, ou, ainda, que hoje esse rapaz tem essa dificuldade porque em outras vezes que abordou uma garota que achou interessante as consequncias foram desastrosas.

    Por que os organismos se comportam?O subttulo acima leva o mesmo nom e do Captulo

    3 do livro Cincia e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1998). Nesse captulo, Skinner aborda algumas

    causas gerais utilizadas com um ente pare se explicar o com portam ento, apontando alguns problemas em se utilizar tais causas. Um primeiro ponto destacado por Skinner que nenhum tipo de causa deve ser descartado de imediato: Qualquer condio ou evento que tenha algum efeito demonstrvel sobre o comportamento deve ser considerado (p. 24). Note, entretanto, o uso da palavra demonstrvel. O problema de se atribuir certas causas ao com portam ento no a causa em si, mas a falta de evidncias que atestem que aquele evento ou condio, de fato, exerce alguma influncia sobre o comportamento de algum.

    Se uma pessoa acredita, por exemplo, que a posio dos astros no momento do nascimento de outra pessoa, ou dela mesmo, influencia ou at mesmo determina os comportamentos de algum pelo resto de sua vida, esta pessoa deveria ser capaz de demonstrar essa influncia. Skinner (1953/1998) aponta que o problema com explicaes advindas, por exemplo, da astrologia e da numerologia so to vagas que a rigor no podem ser confirmadas ou desmentidas (p. 25). Se voc diz a um amigo: Amanh vai chover, mas pode fazer sol, ficar difcil dizer que voc estava errado na sua previso. Da mesma forma, dizer, por exemplo, os arianos costumam ser bastante ingnuos, porm com esprito inquieto e selvagem s vezes constitui uma proposio difcil de demonstrar que est incorreta, difcil de avaliar.

    O utra explicao (ou causa) que as pessoas geralmente usam para explicar o comportamento de algum, ou delas prprias, a hereditariedade. Com o j vimos, parte do comportamento dos organismos fruto da seleo natural, ou seja, determinado geneticamente. Entretanto, segundo Skinner (1953/1998), explicar as diferenas de comportamento, de personalidade e as aptides de indivduos de uma mesma espcie a partir da hereditariedade pode constituir um equvoco. bastante plausvel presumir que a hereditariedade possa desempenhar algum papel na explicao dos comportamentos de uma pessoa. No entanto, comum exagerar-se na importncia desse papel, alm do fato de que se infere que um comportamento inato por desconhecermos os efeitos da experincia individual para o seu desenvolvimento (hereditrio o que no consigo provar que aprendido).

    Alm da falta de dados conclusivos sobre a influncia desses fatores no comportamento hum ano, isto , alm da falta de evidncias de que esses fatores so causas (ou influncias) legtimas do com portam ento, h um problema ainda maior: quanto mais o comportamento de

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 9

    ama pessoa for explicado por esses fatores, menos o papelio psiclogo ser necessrio (Skinner, 1953/1998). Se a '"causa da timidez de algum for hereditria, por exemplo, isso significa dizer que gentica, logo, essa pessoa estaria condenada a ser tmida pelo resto de sua vida. E curioso observar como alguns psiclogos e alunos de Psicologia gostam de dar tanta nfase ao papel da hereditariedade na causao do comportamento. Devemos reconhecer que a hereditariedade possa explicar parte do comportamento de um a pessoa, mas devemos apostar nossas fichas mais na aprendizagem e na interao do que na hereditariedade. Psiclogos que acreditam que pau que nasce torto morre torto esto na profisso errada.

    Skinner (1953/1998) aponta ainda um outro conjunto de causas - equivocadas do com portam ento que ele chamou de causas internas, que so de trs tipos:

    Causas neurais Causas internas psquicas Causas internas conceituais.

    Estamos explicando o comportamento a partir de causas neurais quando utilizamos expresses como fulano estava com os nervos flor da pele e sicrano tem miolo mole ou no bate bem da bola. Podemos usar termos mais tcnicos tambm, como, por exemplo, fulano est deprimido porque seus nveis de serotonina esto baixos.

    Skinner (1953/1998) faz duas consideraes im portantes acerca da atribuio de causas neurais do comportam ento. A primeira delas diz respeito ao fato de que condies especficas do nosso sistema nervoso no so as causas de um dado comportamento; so parte do comportamento do indivduo. Por exemplo, quando dizemos que uma pessoa est deprimida, estamos dizendo, entre outras coisas, que ela pode estar tendo pensamentos recorrentes de morte ou suicdio e tambm que seus nveis de seroto- nina podem estar baixos. A causa relevante da depresso, para o psiclogo, estar em acontecimentos da vida da pessoa (p. ex., perda de um ente querido).

    Um segundo problema em se atribuir causas neurais ao comportamento de ordem mais prtica: o psiclogo, no exerccio de sua profisso, no dispe de instrumentos para acessar o sistema nervoso de uma pessoa, alm de no poder interferir diretamente nesse sistema nervoso com, por exemplo, cirurgias e medicamentos. Alm disso, conforme apontado por Skinner (1953/1998), mesmo conhecendo todos os aspectos neurolgicos relacionados com a depresso, por exemplo, ainda assim deveremos buscar na histria da pessoa com depresso eventos,

    situaes que sero, de fato, a causa (ou causas) da sua depresso, ou seja, que sero a causa ltima dos sintomas com portam entais (p. ex., ideias suicidas), bem como das alteraes neurolgicas (p. ex., baixo nvel de serotonina).

    Os dois outros tipos de causas internas (psquicas e conceituais) apontados por Skinner (1953/1998) podem ser agrupados em um nico tipo, dado que apresentam os mesmos problemas: so circulares e expressam a ideia de outro ser ou agente que habita nossos corpos e causa nossos comportamentos. Esses dois tipos de causa podem ser exemplificados pelo uso de expresses como fulano tem uma personalidade desordenada, sua conscincia seu guia, fulano fuma demais porque tem o vcio do fumo, ele joga bem xadrez porque inteligente, ela briga por causa do seu instinto de luta ou sicrano toca bem piano por causa de sua habilidade musical (Skinner, 1953/1998, p. 32-33). Esses dois tipos de explicao so o que Skinner (1974/2003) chamou de explicaes menta- listas, isto , explicaes que nos do a falsa impresso de estarmos explicando algo quando, na verdade, no estamos. Veremos o porqu a seguir.

    Explicaes circulares do comportamentoTomemos como exemplo a frase citada anteriormente:

    fulano fuma demais porque tem o vcio do fum o. Q uando dizemos essa frase, estamos querendo explicar por que algum fuma demais, ou seja, estamos apontando a causa do fum ar demais. Estamos to acostumados com este tipo de explicao que muitas vezes no percebemos um erro lgico inerente a ele: causa e efeito no podem ser a mesma coisa, o mesmo evento (p. ex., cair gua do cu no pode ser a explicao de por que est chovendo). Se dedicarmos um pouco do nosso tempo para analisar proposies como essa, logo perceberemos que nada estamos explicando. Fulano fuma demais e fulano tem o vcio do fumo so exatamente a mesma proposio, isto , tm exatamente o mesmo significado.

    Q uando dizemos fulano fuma demais, o dizemos ao observar o comportamento de algum (o nmero de cigarros que um amigo ou conhecido fuma por dia, por exemplo). Ao observar o comportamento (fumar demais), queremos explic-lo, indicar sua causa, ento dizemos fulano fuma demais porque tcm o vcio do fumo. Dizer que fulano tem o vcio do fumo, de algum modo, nos passa uma ideia de que h algo (o vcio) dentro daquela pessoa, e que este vcio a impele a fumar. N o entanto, a nica evidncia que temos da existncia desse vcio o prprio

  • 10 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    comportamento de fum ar O dilogo a seguir talvez deixe mais clara a circularidade desse tipo de explicao:

    Pessoa 1 : Por que fulano fuma tanto?Pessoa 2: Porque ele viciado.Pessoa 1 : Ah! Mas como voc sabe que ele viciado?Pessoa 2: Ora! Porque ele fuma demais!Pessoa 1: Mas por que ele fuma demais?Pessoa 2: Porque tem esse vcio!Pessoa 1: No estou entendendo! Ele fuma demais

    porque viciado em cigarro ou viciado em cigarro porque fuma demais?

    Pessoa 2: Os dois, ora!

    Dizer, portanto, que algum tem o vcio do fumo significa apenas dizer que algum fuma (demais), mas nada nos explica sobre a origem, a causa, do fum ar demais (ou do vcio). relativamente simples perceber a circularidade dessa explicao, pois vcio do fum o refere-se a uns poucos comportamentos do indivduo relacionados com o consumo de cigarros. Entretanto, h uma srie de outras explicaes que lanam mo de conceitos psicolgicos para explicar comportamentos mais complexos e que incorrem no mesmo erro. O uso do conceito de inteligncia um bom exemplo. Vejamos a seguinte frase: Joo joga bem xadrez porque inteligente. Certamente jogar xadrez bem no a nica realizao de uma pessoa que nos leva a dizer que ela inteligente. H uma infinidade de coisas que as pessoas falam e fazem que nos levam a dizer que essas pessoas so inteligentes. Entretanto, usar, por exemplo, inteligncia como explicao, como causa de comportamentos, implica o mesmo problema apontado para o uso de vcio como explicao para o comportamento de fumar: a nica evidncia que temos de que a pessoa inteligente o fato de que ela joga bem xadrez (ele joga bem xadrez porque inteligente ou inteligente porque joga bem xadrez?). Ento, as frases fulano inteligente e fulano joga bem xadrez significam a mesma coisa; uma proposio no a explicao, a causa, da outra.

    Se pararmos por um momento para analisarmos os usos que fazemos do conceito de inteligncia, perceberemos facilmente que no estamos explicando por que algumas pessoas fazem ou falam certas coisas ou falam ou fazem certas coisas de certas maneiras. O uso desse conceito, por exemplo, tem uma funo adverbial, isto , no estamos explicando o comportamento das pessoas, mas sim usando o conceito como um advrbio (jogar bem xadrez versus jogar mal xadrez; Oliveira-Castro, Oliveira-Castro, 2001). Analisar como usamos certos conceitos psicolgicos uma tima atividade para percebermos que muitas das causas/

    explicaes que atribumos ao comportamento dos outros, e ao nosso prprio, na verdade, nada explicam. No Captulo 5 deste livro - Motivao voc ver mais alguns exemplos dessas anlises.

    O problema com agentes internos que causam comportamento

    O utro tipo de causa interna psquica que normalm ente se atribui ao comportam ento das pessoas, e que Skinner (1953/1998) tambm aponta como problemtica ou falaciosa, a explicao do comportamento a partir de agentes internos como o eu, a conscincia, a mente ou o self. Quando, por exemplo, algum diz fiz o que minha conscincia me ditou, essa pessoa est dizendo que sua conscincia causou seu comportamento, ou seja, ela (ou o que ela ditou) a explicao do comportamento. Novamente, temos, no mnimo, uma explicao incompleta, pois nos restaria ainda responder seguinte pergunta: E quem ditou sua conscincia o que fazer?. O uso de conceitos como self ou mente, por exemplo, para explicar o comportamento traz implcita a ideia de que existe um a outra pessoa dentro da pessoa, e que dita a ela o que fazer. No entanto, quem dita a essa pessoinha interna o que fazer? Outra pessoinha? E a essa outra pessoinha? Uma outra? Perceba que quando analisamos esse tipo de explicao camos em um erro lgico que os filsofos chamam de regresso ao infinito. Nesse caso, criaramos pessoinhas infinitamente, uma para explicar o que a outra fez.

    Com o gigantesco avano das neurocincias na dcada de 1990, um outro tipo de explicao falaciosa para o com portam ento comeou a virar moda. Bennett e Hacker (2003) chamaram esse tipo de explicao d t falcia mereolgica, que consiste em atribuir ao crebro capacidades ou aes que s fazem sentido quando atribudas a um indivduo ntegro, como um todo, e no a partes desse indivduo (p. ex., o crebro decide; o crebro escolhe; o crebro sente, interpreta etc.). Raramente ouvimos dizer as mos de fulano pegaram a caneta ou as pernas de sicrano caminharam at a porta. mais comum ouvirmos fulano pegou a caneta e sicrano caminhou at a porta. E mais comum porque o uso correto desses verbos refere- se a indivduos como um todo, e no a partes deles, assim como decidir, interpretar, escolher etc. Dizer que o crebro fez isso ou aquilo implica o mesmo erro apontado por Skinner (1953/1998) de dizer, por exemplo, m inha conscincia decidiu.

    necessrio ressaltar novamente que dizer que no a conscincia de um indivduo, ou o seu self, ou sua

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 11

    personalidade, ou o seu eu interior, ou o seu crebro, por exemplo, que explica o comportamento das pessoas, que so as causas de seus comportamentos, no quer dizer de forma alguma que, para o Behaviorismo Radical, as pessoas so uma caixa-preta ou um organismo vazio. Apenas quer dizer que as causas dos comportamentos no devem ser atribudas a processos ou estruturas internas inferidas a partir da observao do prprio comportamento do indivduo. As explicaes para o que as pessoas fazem, falam, pensam ou sentem devem ser buscadas na sua histria de interaes com seu ambiente, sobretudo interaes com outras pessoas. Neste sentido, o modelo causai na perspectiva behaviorista radical o modelo de seleo pelas consequncias (apresentado anteriormente), nos trs nveis em que ocorre: filogentico, ontogentico e cultural (Skinner, 1981/2007). Os demais captulos deste livro fornecero um a excelente amostra de como se explica o comportamento a partir desse modelo.

    A concepo de homem no behaviorismo radical

    Os homens agem sobre o mundo, modificando-o, e, por sua vez, so modificados pelas consequncias de sua ao (Skinner, 1957/1978, p. 15). Esta a primeira frase do livro de Skinner chamado O comportamento verbal, a qual ilustra, de maneira geral, a concepo de hom em do Behaviorismo Radical, denotando o carter relacional entre o homem e o mundo em que vive (lembrando que o principal aspecto desse mundo, para entendermos corretamente essa frase, so os outros membros da mesma espcie, as outras pessoas).

    comum ouvirmos ou lermos que, para o Behaviorismo, o homem um ser passivo. Essa afirmao , no mnimo, equivocada e denota apenas a falta de compreenso de muitos autores sobre a obra de Skinner. Apenas a anlise da frase inicial de O comportamento verbal (Skinner, 1957/1978) j pode nos mostrar que, para o Behaviorismo Radical, o homem um ser ativo em seu mundo. A frase citada anteriormente composta por, pelo menos, trs proposies bsicas:

    Os homens agem sobre seu mundo Os homens modificam seu m undo (essas modifi

    caes so descritas como as consequncias de suas aes)

    Os homens so modificados pelas consequncias de suas aes.

    Se o hom em muda em funo das mudanas em seu m undo, produzidas por ele mesmo (das consequncias de suas aes), ento cada homem capaz de construir- se como homem, como pessoa, a partir de suas prprias aes. Esta concepo, ao contrrio do que afirmam muitos crticos, talvez seja uma das concepes de hom em que mais conferem a este o domnio sobre sua prpria vida, j que no considera o homem uma vtima de motivaes inconscientes, de estruturas de sua personalidade e de instintos, entre outras coisas.

    A correta compreenso da proposio de que o homem age sobre o mundo, modificando-o, e sendo modificado por essas mudanas que ele mesmo produziu (Skinner, 1957/1978), requer a noo adicional de que o homem tambm histrico. Pense, por um instante, em voc como voc hoje. Pense que voc age sobre seu m undo (p. ex., faz perguntas s pessoas; faz declaraes de amor, escreve recados; pede favores; d ordens; pede conselhos; d conselhos; reclama da vida s vezes; diz, s vezes, que no poderia estar mais feliz; emite opinies sobre os mais diversos assuntos etc.). Todas essas aes produzem, pelo menos ocasionalmente, mudanas no m undo ao seu redor (p. ex., as pessoas concordam ou discordam de suas opinies; suas declaraes de amor so respondidas com carinho ou rechaadas; suas ordens e seus pedidos de favor s vezes so atendidos e s vezes no; seus conselhos podem ser seguidos; suas reclamaes da vida podem ser criticadas ou confirmadas por outras pessoas e assim por diante).

    De acordo com essa filosofia, chamada de Behaviorismo Radical, nesse turbilho de interaes com o seu mundo, principalmente com as pessoas que o cercam, que voc aprende a ser quem voc , aprende as habilidades que tem, os defeitos que tem, as virtudes que tem, sua maneira de pensar e de sentir, aprende a ter conscincia de quem voc e, entre inmeras outras coisas, a ter conscincia do mundo em que vive. No entanto, se voc pensar no apenas nas suas interaes com o seu m undo, e como elas influenciam seu comportamento, e pensar tambm nas interaes das pessoas que voc conhece, rapidamente perceber que certas consequncias dos seus comportamentos influenciam voc de maneiras diferentes do que as mesmas consequncias influenciariam o comportamento das pessoas que voc conhece. Por exemplo, imagine que voc e um colega fizeram uma prova e que os dois no se saram m uito bem. Fazer uma prova (responder s questes) comportamento, agir sobre o m undo. Receber um a nota boa ou um a nota ruim uma consequncia

  • 12 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    desse comportamento. Para facilitar o exemplo, imagine tambm que as respostas de vocs na prova foram bastante parecidas. Portanto, em nosso exemplo, voc e seu colega emitiram um mesmo comportamento, uma mesma ao sobre o m undo, e as consequncias (nota ruim) foram tambm muito similares. No entanto, ao receber a nota, voc diz vou me esforar mais da prxima vez (e voc faz exatamente isso na prxima prova) e seu colega diz essa matria muito difcil, vou trancar a disciplina (e assim ele faz).

    Neste exemplo, a consequncia das suas aes e das aes de seu colega influenciou seus comportamentos futuros, e os de seu colega, de maneiras diferentes. Duas implicaes importantes podem ser extradas desse exemplo: a primeira que, mesmo de maneiras diferentes, a consequncia do comportamento, seu e de seu colega, influenciou comportamentos futuros (desistir ou se esforar mais), i. e., vocs agiram sobre o mundo, modificando-o, e foram modificados pelas consequncias de suas aes; a segunda implicao importante diz respeito ao fato de que uma mesma consequncia influencia de maneiras diferentes comportam entos de diferentes pessoas. Novamente, as razes dessa diferena, de por que diferentes pessoas reagirem de formas diferentes a aspectos do seu ambiente, devem ser buscadas na histria de interaes da prpria pessoa. Neste caso, poderamos nos perguntar, por exemplo, como os seus pais e os pais de seu colega reagiram a notas ruins no passado.

    neste sentido, portanto, que dizemos que, para o Behaviorismo Radical, o hom em um ser histrico. O hom em tambm, para esta filosofia, um ser inerentemente social, j que boa parte das modificaes que produzimos no mundo so, na verdade, mudanas nos comportamentos das pessoas com as quais convivemos.

    Com o vimos anteriormente, o homem pertencente espcie hum ana e, portanto, parte do seu com portamento e de suas capacidades resultado de um processo de seleo e variao no nvel filogentico. O hom em aprende com suas interaes com o m undo, m uda seus comportamentos em funo das modificaes que produz nesse mundo: processo de variao e seleo (de comportamentos) no nvel ontogentico. Essa aprendizagem se d, sobretudo, pela mediao de outras pessoas. Muitas pessoas em um grupo social fazem muitas coisas parecidas, gostam de muitas coisas parecidas, tm crenas e valores semelhantes, entre outras coisas. Essa similaridade entre os comportamentos de indivduos de um mesmo grupo muitas vezes chamada de cultura, e transmitida

    de gerao para gerao: falamos ento do processo de variao e seleo (de comportamentos) no nvel cultural. Portanto, dizer que o homem um ser social e histrico dizer que ele , constitui-se como homem, como pessoa, a partir de processos de variao e seleo nesses trs nveis: filogentico, ontogentico e cultural.

    A PROPOSTA DE UMA CIN CIA DO COM PORTAM ENTO

    Provavelmente voc j ouviu o ditado popular de mdico e louco todo mundo tem um pouco. Para que ele ficasse um pouco mais completo, deveria ser: de mdico, louco e psiclogo todo m undo tem um pouco. Com o citado, todos temos nossas prprias explicaes para os comportamentos das outras pessoas e para o nosso prprio. Esse conhecimento que as pessoas em geral tm sobre os mais diversos assuntos e, nesse caso, sobre o comportamento humano chamado de conhecimento do senso comum. Inmeros filsofos, muitos deles m uito im portantes (p. ex., Scrates, Aristteles e Plato), produziram uma quantidade absurda de conhecimento sobre o ser hum ano, sobre suas essncias, sua natureza, suas razoes etc. Esse tipo de conhecimento chamado conhecimento filosfico. Padres, pastores, sacerdotes e clrigos em geral tambm tm suas prprias concepes e explicaes para muitos assuntos humanos; esse conhecimento chamado conhecimento religioso.

    H, entretanto, um tipo de conhecimento diferente desses trs apresentados: o conhecimento cientfico. Quais so, ento, as diferenas entre esses tipos de conhecimento? Poderamos dizer que o conhecimento do senso comum produzido pelas pessoas em geral, que o conhecimento filosfico aquele produzido pelo filsofo, que o conhecimento religioso aquele produzido por religiosos (padres, bispos, pastores etc.) e que o conhecimento cientfico aquele produzido por cientistas. Mas essa distino ainda nos deixa outra pergunta: o que nos permite dizer que algum um cientista ou um filsofo ou um religioso? A resposta a essa pergunta, e que tambm distingue um tipo de conhecimento de outro, est na maneira como o conhecimento produzido.

    Dissemos que o Behaviorismo Radical uma filosofia que embasa um a cincia do com portam ento (Skinner, 1974/2003). Essa cincia chamada Anlise do Com portamento. Behaviorismo Radical e Anlise do Com portamento tratam do ser humano e de seus comportamentos,

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 13

    no entanto, abordam esses assuntos de maneiras diferentes, e o conhecimento derivado de cada um desses campos do saber produzido tambm de modos diferentes. Se j existe uma filosofia que trata desses assuntos, para que precisamos de uma cincia que tambm trata desses assuntos? O conhecimento filosfico extremamente importante e dele deriva inclusive a prpria concepo de cincia. Praticamente no h uma cincia que no esteja fortemente ancorada em pressupostos filosficos. Embora cada tipo de conhecimento tenha sua utilidade, cada tipo tambm tem suas limitaes. O conhecimento cientfico ( produzido de forma cientfica) apresenta certas caractersticas importantes que preenchem algumas lacunas deixadas pelos outros tipos de conhecimento. Essas caractersticas do conhecimento cientfico permitem que, de certa forma, ele avance mais rapidamente que as outras formas de conhecimento. Vejamos o que diz Skinner sobre isso:

    Os resultados tangveis e imediatos da cincia tornam-na mais fcil de avaliar que a Filosofia, a Arte, a Poesia ou a Teologia. (...) a cincia nica ao mostrar um progresso acumulativo. Newton explicava suas importantes descobertas dizendo que estava de p sobre os ombros de gigantes. Todos os cientistas (...) capacitam aqueles que os seguem a comear um pouco mais alm. (...) Escritores, artistas e filsofos contemporneos no so apreciavelmente mais eficazes do que os da idade de outro da Grcia, enquanto o estudante secundrio mdio entende muito mais a natureza do que o maior dos cientistas gregos (p. 11). (...) Os dados, no os cientistas, falam mais alto (p. 13). (...) Os cientistas descobriram tambm o valor de ficar sem um a resposta at que uma satisfatria possa ser encontrada (p. 14). (...) O comportamento uma matria difcil, no porque seja inacessvel, mas porque extremamente complexo. Desde que seja um processo, e no uma coisa, no pode ser facilmente imobilizado para observao. mutvel, fluido e evanescente, e, por esta razo, faz grandes exigncias tcnicas da enge- nhosidade e energia do cientista (p. 16) (Skinner, 1953/1998, p. 11-16).

    Resumidamente, o que Skinner (1953/1998) est dizendo nesse trecho que cada nova gerao de cientistas que se forma tem um conhecimento mais preciso sobre os assuntos que estuda do que a gerao anterior, mas o mesmo no vlido para, por exemplo, novas gera

    es de filsofos ou artistas. Isso s possvel porque os cientistas descobriram um modo de testar o conhecimento que produzem (o mtodo cientfico). A maneira como os cientistas trabalham e divulgam o conhecimento produzido permite que outros cientistas repitam a pesquisa que seus colegas fizeram, e que avaliem se os resultados apresentados por seus colegas se repetem ou no. A cincia, neste sentido, autocorretiva: equvocos so passveis de identificao e correo.

    interessante destacar tam bm a seguinte frase da citao anterior de Skinner (1953/1998): Os cientistas descobriram tambm o valor de ficar sem uma resposta at que uma satisfatria possa ser encontrada. por isso que muitas vezes vemos propagandas de produtos dizendo que seus feitos foram testados cientificamente. Quando o cientista divulga um conhecimento, geralmente ele tem muitos dados (obtidos por meio de experimentao) que sustentam o que est dizendo, e no apenas hipteses e argumentos lgico-lingusticos bem estruturados.

    O objeto de estudo da anlise do comportamento

    J foi dito que o que distingue o conhecimento cientfico dos demais tipos de conhecimento a maneira como ele produzido, o mtodo utilizado para produzi-lo. Mas o que distingue uma cincia da outra? O que distingue a Fsica da Qumica? O u a Biologia da Psicologia? Essa distino se d, principalmente, pelo objeto de estudo de cada cincia. Se digo que estudo o movimento dos corpos, ento estou falando de uma rea da Fsica; se estudo o desenvolvimento embrionrio de rpteis, ento estou falando de uma rea da Biologia. Porm, qual o objeto de estudo da Psicologia?

    No h na Psicologia, talvez por ser ainda uma cincia relativamente nova, consenso sobre qual o seu objeto de estudo. Diferentes abordagens psicolgicas (p. ex., Anlise do Comportamento, Psicanlise, Psicologia Humanista) postulam diferentes objetos de estudo para a Psicologia. Para a Anlise do Comportamento, a Psicologia deve ter como objeto de estudo as interaes dos organismos vivos com seu m undo, como apontando porTodorov (1989) em um artigo chamado A Psicologia como o Estudo de Interaes:.

    A psicologia estuda interaes de organismos, vistos como um todo, com seu meio ambiente (Harzern, Miles, 1978). Obviamente no est interessada em todos os tipos possveis de interaes nem em quaisquer espcies de organismo. A psicologia

  • 14 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anli se do Comportamento

    se ocupa fundam entalm ente do hom em , ainda que para entend-lo muitas vezes tenha que recorrer ao estudo do comportamento de outras espcies animais (Keller, Schoenfeld, 1950). Quanto s interaes, esto fora do mbito exclusivo da psicologia aquelas que se referem a partes do organismo, e so estudadas pela biologia, e as que envolvem grupos de indivduos tomados como uma unidade, como nas cincias sociais. Claro est que a identificao da psicologia como distinta da biologia e das cincias sociais no se baseia em fronteiras rgidas: as reas de sobreposio de interesses tm sido importantes a ponto de originar as denominaes de psicofisiologia e psicologia social, por exemplo. As interaes organismo- ambiente so tais que podem ser vistas como um continuum onde a passagem da psicologia para a biologia ou para as cincias sociais muitas vezes questo de convencionar-se limites ou de no se preocupar muito com eles. (...) Nesta caracterizao da psicologia, o homem visto como parte da natureza. Nem pairando acima do reino animal, como viram pensadores pr-darwinianos, nem mero rob, apenas vtima das presses do ambiente, na interpretao errnea, feita por alguns autores (...) (Todorov, 1989, p. 348).

    Alguns pontos dessa citao merecem um destaque especial. O primeiro refere-se ao fato de que, para a Anlise do Comportamento, devemos estudar interaes compor- tamento-ambiente, e no apenas o que o indivduo faz, fala, pensa ou sente. O que o indivduo faz, fala, pensa ou sente deve sempre ser contextualizado. Dizer, por exemplo, Maria chorou no de m uita utilidade para o psiclogo. No estamos interessados somente no que as pessoas fazem, ou pensam, ou sentem; estamos interessados nas condies em que este fazer/pensar/sentir ocorre e nas consequncias (mudanas ambientais) relacionadas com esse fazer/pensar/sentir. Um segundo ponto importante est relacionado com o fato de que no so todas as interaes que interessam Psicologia, e que o limite entre o que objeto de estudo da Psicologia e o que no nem sempre m uito claro. Os fenmenos que esto nessa fronteira muitas vezes so estudados por reas que chamamos de reas de interface, como a Psicobiologia, por exemplo. No entanto, de uma coisa podemos ter certeza, como destacado pelo professor Joo Claudio Todorov em

    muitas de suas palestras: onde h pessoas se comportando, h espao para o psiclogo.

    Voc, muito provavelmente, ler e ouvir no decorrer do curso de Psicologia coisas como para o behaviorismo no existe pensam ento; a anlise do com portam ento no estuda as emoes; o behaviorismo no estuda a conscincia ou a criatividade; a Anlise do Com portamento (ou o behaviorismo) no leva em considerao a personalidade do indivduo. Frases como essas, em ltima anlise, esto tentando circunscrever o objeto de estudo da Anlise do Comportamento. Todas elas, e muitas outras parecidas, so absolutamente inverdicas. Todos esses fenmenos/processos psicolgicos (personalidade, conscincia, criatividade, pensamento e emoes) fazem parte do objeto de estudo da Anlise do Com portamento. No entanto, em funo de esses fenmenos/processos serem estudados pela Anlise do Comportamento como comportamentos, e no como causa de outros comportamentos, muitos autores e psiclogos tendem a dizer, equivocadamente, que eles no pertencem ao escopo da Anlise do Comportamento. Os captulos seguintes desse livro ilustraro melhor como alguns desses fenmenos/processos so abordados pela Anlise do Comportamento.

    A unidade bsica de anlisePara que um determinado fenmeno possa ser estudado

    adequadamente, necessrio identificar quais so seus componentes mais bsicos, mais simples. Dissemos anteriormente que o objeto de estudo da Anlise do Comportamento so as interaes de aes do organismo com seu ambiente. Isso quer dizer que no suficiente somente o que o organismo faz e nem s o ambiente, ou seja, a unidade de anlise no nem um, nem outro isoladamente, mas a interao entre ambos. Para a Anlise do Comportamento, portanto, qualquer fenmeno psicolgico (ou comportamental) deve ser analisado a partir de relaes entre eventos. A unidade bsica de anlise que descreve e relaciona esses eventos chama-se contingncia, que pode ser definida como uma descrio (do tipo se isso ento aquilo) de relaes entre eventos (Skinner, 1969; Todorov, 2002).

    O trabalho do psiclogo , primordialmente, encontrar e modificar tais relaes. Chamamos de anlise funcional a identificao dessas relaes entre indivduo e ambiente. M urray Sidman (1989/1995) descreveu de maneira bastante simples essa tarefa e sua importncia para o trabalho do psiclogo:

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 15

    Se quisermos entender a conduta de qualquer pessoa, mesmo a nossa prpria, a primeira pergunta a fazer : O que ela fez? O que significa dizer, identificar o comportamento. A segunda pergunta : O que aconteceu ento? O que significa dizer, identificar as consequncias do comportamento. Certamente, mais do que consequncias determinam nossa conduta, mas essas primeiras perguntas frequentemente ho de nos dar uma explicao prtica. Se quisermos mudar o comportamento, mudar a contingncia de reforamento a relao entre o ato e a consequncia pode ser a chave. Frequentemente gostaramos de ver algumas pessoas em particular mudar para melhor, mas nem sempre temos controle sobre as consequncias responsveis por sua conduta. Se tivermos, poderemos m udar as consequncias e ver se a conduta tambm mudar. O u poderemos prover as mesmas consequncias para conduta desejvel e ver se a nova substituir a antiga.Esta a essncia da anlise de contingncias: identificar o comportamento e as consequncias; alterar as consequncias; ver se o comportamento muda. Anlise de contingncias um procedim ento ativo, no um a especulao intelectual. um tipo de experimentao que acontece no apenas no laboratrio, mas, tambm, no mundo cotidiano. Analistas do comportamento eficientes esto sempre experimentando, sempre analisando contingncias, transformando-as e testando suas anlises, observando se o comportamento crtico m udou. (...) se a anlise for correta, mudanas nas contingncias mudaro a conduta (Sidman, 1989/1995, p. 104-105).

    Previso e controleBoa parte do conhecimento j produzido pelo homem

    tem a funo de dar algum sentido ou significado a vrios aspectos do seu mundo (p. ex., h uma vida aps a morte), ou simplesmente explicar por explicar, dar uma causa (p. ex., as pessoas agem por impulso). A cincia, entretanto, busca algo mais. Para a cincia, o bom conhecimento, ou o conhecimento til, aquele que permite previso e/ou controle sobre seu objeto de estudo (Skinner, 1953/1998). Uma teoria que explique apenas coisas que j aconteceram no muito til. Imagine, por exemplo, uma teoria psicolgica que explique perfeitamente por que

    algum cometeu suicdio, mas de que nada adiante para podermos identificar suicidas em potencial; ou em que nada nos ajude a fazer um suicida em potencial mudar de ideia.

    Previso do comportamentoQ uando se fala em prever o com portam ento, em

    cincia, deve-se ficar claro que no estamos falando de nada esotrico e, a exemplo de outras cincias, raramente podemos prever eventos do cotidiano com 100% de preciso. Quando estudamos o comportamento para tentar prev-lo, estamos tentando identificar que fatores o influenciam, que fatores alteram sua probabilidade de ocorrncia. Tentar prever o comportam ento tentar responder, por exemplo, perguntas como o que pode levar um indivduo depresso?; por que algumas crianas aprendem mais rapidamente que outras?; que circunstncias podem levar uma pessoa a desenvolver um transtorno obsessivo-compulsivo? etc.

    S possvel prever o comportam ento porque existe certa ordem, certa regularidade na maneira como as pessoas se comportam. Essa previsibilidade do comportamento, muitas vezes, mais bvia do que pensamos. Vejamos o que Skinner (1953/1998) nos diz sobre isso:

    Um vago senso de ordem emerge de qualquer observao demorada do comportamento humano. Qualquer suposio plausvel sobre o que dir um amigo em dada circunstncia uma previso baseada nesta uniformidade. Se no se pudesse descobrir uma ordem razovel, raramente poder-se-ia conseguir eficcia no trato dos assuntos humanos. Os mtodos da cincia destinam-se a esclarecer estas uniformidades e torn-las explcitas (Skinner, 1953/1998, p. 17).

    Todos ns sabemos como um amigo ir reagir ao ouvir uma piada mais picante; ou como nosso pai ir reagir ao ouvir que tiramos uma nota baixa na prova; ou que ficaremos tristes ou alegres ao ouvir uma ou outra notcia etc. Em certo sentido, todos ns somos hbeis em prever o comportamento das pessoas que conhecemos e o nosso prprio comportamento, ou seja, somos capazes de identificar ordem, regularidade no comportamento. A cincia (seus mtodos), segundo Skinner (1953/1998), apenas aperfeioa, amplia, nossa capacidade de prever o comportamento, de tornar as uniformidades explcitas.

    Para fazer uma previso, qualquer que seja, devemos nos basear em alguma coisa. Se olhamos para o cu e

  • 16 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    vemos, por exemplo, nuvens escuras, geralmente fazemos a previso de que ir chover. Estamos, portanto, nos baseando na ocorrncia de um evento (presena de nuvens escuras) para prever outro (a chuva). Mais im portante ainda, s somos capazes de fazer a previso porque observamos essa relao nuvens escuras-chuva algumas vezes no passado (identificamos uma regularidade na natureza). Com o com portam ento, no m uito diferente (talvez apenas mais complexo, dependendo do comportamento). Fazemos previses sobre o com portam ento (que so eventos) baseado em outros eventos (ambientais, incluindo como ambiente o prprio comportamento).

    Se podemos prever como um amigo reagir a uma piada, o fazemos baseados em observaes dessa relao: piada contada-reao do amigo. Obviamente, nem sempre acertamos nossas previses; nem sempre chove quando nuvens escuras esto presentes no cu e nem sempre nosso amigo fica vermelho ao ouvir certo tipo de piada. Um meteorologista certamente faz previses mais acuradas sobre precipitaes atmosfricas que um no meteorologista, isto , ele acerta mais vezes e com mais preciso. Mas o que o permite fazer isso? De modo geral, o que o permite prever melhor certos eventos que ns o conhecimento que ele tem sobre as variveis que influenciam esses fenmenos atmosfricos (presso atmosfrica, temperatura, velocidade do vento, umidade do ar etc.). Da mesma maneira, o psiclogo experiente ter mais sucesso nas suas previses sobre o comportamento porque tem conhecimento de mais variveis que influenciam a ocorrncia do comportamento.

    Entretanto, mesmo o meteorologista mais treinado ou o psiclogo mais experiente eventualmente far previses que no se confirmaro. A razo para tais fracassos est no fato de que cada fenmeno, por mais simples que seja, quase sempre influenciado por muitas variveis e, quase sempre, o cientista ou o psiclogo no conhece todas as variveis que, em conjunto, so responsveis por produzir um determinado fenmeno. A tarefa do cientista, neste sentido, conhecer cada vez mais quais so as variveis que influenciam a ocorrncia de determinado fenmeno e as condies sob as quais ele observado.

    Imagine, por exemplo, que um determinado fenmeno X ocorre sempre que os fenmenos A, B, C, D, E, F, G e H ocorrem conjuntamente. Imagine que este fenmeno seja chover e que A seja nuvens escuras no cu. Para que chova, necessrio que ocorra A+B+C+D+E+F+G+H. s vezes, voc olha para o cu e verifica a presena de A, diz que vai chover e, logo depois, comea a chover. Embora voc tenha observado apenas a varivel A, as variveis B,

    C, D, E, F, G e H estavam presentes, por isso choveu. Em outro momento, voc verifica a presena de A, diz que vai chover, mas no chove. Provavelmente, neste caso, uma das demais variveis no estava presente. Suponha que voc aprenda a identificar a ocorrncia de B (umidade do ar acima de 80%, por exemplo). A partir desse momento, voc s far a previso de chuva se verificar a presena de A+B. Embora voc ainda erre muitas vezes, pois no conhece ou no capaz de identificar a presena das demais variveis, voc acertar mais vezes do que quando conhecia apenas a varivel A; e a cada nova varivel que voc aprende a identificar mais acurada fica sua previso. assim que o conhecimento cientfico progride. O mesmo raciocnio vale para o comportamento e vrios exemplos sero apresentados ao longo desse livro.

    Controle do comportamentoUm primeiro ponto que deve ficar claro quando falamos

    de controle do comportamento, na perspectiva da Anlise do Comportamento, que o termo controle no tem, neste referencial terico, nenhum a conotao ruim (Sidman, 1989/1995). No dia a dia dizemos, de maneira pejorativa, que fulano controlador ou que sicrano fica me controlando o tempo todo no sentido de ser obrigado a fazer algo. Controle aqui no significa obrigar algum a fazer alguma coisa; controle deve ser entendido como influncia. Buscar as variveis que controlam um comportamento significa buscar as variveis que influenciam a ocorrncia desse comportamento, que o tornam mais ou menos provvel de ocorrer.

    Quando damos conselhos, estamos exercendo controle sobre o comportamento de algum, caso o conselho altere a probabilidade de quem ouviu o conselho emitir um ou outro comportamento; quando elogiamos algum, estamos exercendo controle sobre o comportamento dessa pessoa, caso nosso elogio aumente as chances de a pessoa fazer ou dizer aquilo que nos levou a elogi-la; quando castigamos uma criana que fez arte, estamos exercendo controle sobre seu comportamento caso o castigo altere a probabilidade de a criana fazer arte ou de outro comportamento. Do m omento em que acordamos at o momento em que vamos dorm ir estamos o tem po todo influenciando o com portam ento dos outros, e os outros esto exercendo controle sobre nosso comportamento.

    A partir do m om ento em que nos tornamos capazes de identificar regularidades no comportamento, ou seja, quando encontramos as variveis (pelo menos algumas) das quais um dado comportamento funo, tornamo-

  • Bases Filosficas e Noo de Cincia em Anlise do Comportamento 17

    nos tam bm, na maioria das vezes, mais capazes de controlar esse comportamento alterando as variveis que o controlam. E assim, segundo a Anlise do Com portamento, que o psiclogo se torna capaz de lidar eficazmente com depresses, transtornos de ansiedade, problemas de aprendizagem, motivao, transtornos de personalidade, criatividade e todos os fenmenos com os quais lida.

    Essa, entretanto, no uma tarefa fcil. O comportamento, geralmente, multideterminado, i. e., existe sempre ^ n a grande quantidade de variveis que o controlam. A r rsquisa em Psicologia nos mostra cada vez mais variveis que so importantes para se explicar, prever e controlar uma variedade de comportamentos. Para complicar ainda mais esta tarefa, diferentes variveis podem controlar de formas diferentes comportamentos diferentes de diferentes pessoas, pois o controle que uma determ inada varivel exerce hoje sobre o comportamento de algum s pode ser entendido se conhecermos a histria desse indivduo com essa varivel ao longo de sua vida. Por exemplo, algumas pessoas sentem-se bem ao serem elogiadas em pblico, outras no. Essa diferena, ou o efeito do elogio sobre o comportamento desses dois indivduos, s pode ser entendida buscando-se a histria dessas pessoas em situaes similares.

    O mtodo de pesquisaO mtodo de pesquisa de uma abordagem, ou de uma

    cincia, a maneira como tal abordagem produz conhecimento. Com o dissemos antes, observaes cotidianas dos comportamentos de nossos amigos, e das situaes nas quais esses comportamentos ocorrem, nos permitem fazer previses dos comportam entos de nossos amigos, bem como influenciar tais comportamentos. Dissemos tambm que os mtodos da cincia tornam tais relaes mais explcitas. Para que isso seja possvel, necessrio que essa observao das relaes entre o comportamento e a contingncia seja feita de maneira diferente. No basta apenas observar tais relaes, preciso observ-las em situaes que podem ser repetidas e variadas (o laboratrio um bom lugar para se fazer isso).

    O tempo todo h m uita coisa acontecendo ao nosso redor, antes e depois de nossos com portam entos. J sabemos que eventos que ocorrem antes e depois de nossos comportamentos podem exercer alguma influncia sobre eles (podem alterar sua probabilidade de ocorrncia). Mas o que, de tudo que acontece nossa volta, de fato importante para entendermos determinado comportamento?

    Para que essa pergunta seja respondida adequadamente, necessrio criar situaes mais simples, com menos coisas acontecendo, para estudarmos o comportamento e suas interaes com os eventos que o cercam.

    Imagine, por exemplo, que voc est interessado em estudar a memria, mais especificamente, voc quer saber se a cor das palavras de um texto (preto ou vermelho) influencia o quanto as pessoas lembram daquele texto. Para responder a sua pergunta, ento, voc pede sua me, na sua casa, que leia o Texto 1 (em letras vermelhas) e que depois responda a algumas perguntas em um questionrio. No dia seguinte, voc pede a um colega de faculdade que leia o Texto 2 (em letras pretas) e que depois responda a um questionrio. Se voc fizer apenas isso, provavelmente os resultados que voc encontrar no sero muito conclusivos.

    Com o dito, o com portam ento m ultideterm inado. O com portam ento de lembrar (ou lembrar mais versus lembrar menos), portanto, no influenciado apenas por uma varivel (p. ex., cor do texto). O grau de dificuldade e o contedo dos textos que voc usou podero influenciar o lembrai-, as condies em que os participantes da pesquisa realizaram a leitura (barulho, temperatura, cansao, hora do dia etc.); a experincia de cada participante com leitura, e com leitura daquele assunto especfico; a motivao em participar da pesquisa; a forma como voc os instruiu a realizar a tarefa; as questes de cada questionrio e uma srie de outras variveis podem interferir no resultado de sua pesquisa. Para que voc possa dizer que foi a cor do texto, e no inmeras outras variveis, que influenciaram o lembrar dos seus participantes (sua me e seu colega), voc deve isolar essas outras possveis influncias, ou, pelo menos, atenuar seus efeitos sobre o quanto os participantes lembram de cada texto aps l-los.

    H vrias maneiras de se fazer isso, e essas maneiras so chamadas de delineamentos de pesquisa (ver, por exemplo, Cozby, 2003). Uma dessas maneiras, e a mais utilizada em Anlise do Comportamento, utilizar o delineamento de sujeito como seu prprio controle. Uma das maiores fontes de variabilidade em uma pesquisa o prprio sujeito, em funo de sua histria nica de interaes com seu mundo. Sendo assim, se voc faz a pesquisa com o mesmo sujeito, em condies experimentais diferentes (p. ex., o mesmo sujeito l o Texto 1 e o Texto 2), muitas das variveis que poderiam enviesar sua pesquisa ficam automaticamente controladas (ficam constantes entre condies). Pesquisas nas quais se manipula, se altera uma varivel, e se mantm constantes outras que poderiam tambm influen

  • 18 Temas Clssicos da Psicologia sob a tica da Anlise do Comportamento

    ciar o fenmeno em estudo so chamadas de pesquisas experimentais.

    A nfase em Anlise do C om portam ento em tais pesquisas, pelos resultados robustos que produzem, to forte que comum referir-se a esta cincia do comportamento como Anlise Experimental do Comportamento. Embora a pesquisa experimental seja a preferida, ela no o nico tipo de pesquisa utilizado na Psicologia. Vrios outros tipos de pesquisa que no sero detalhados aqui (p. ex., pesquisas correlacionais) podem ser utilizados, dependo de uma srie de fatores (incluindo fatores prticos- possibilidade de se fazer a pesquisa - e fatores ticos).

    Pesquisa com animais no humanosMuitas pesquisas em Anlise do Comportamento (ou

    Anlise Experimental do Comportamento) so realizadas com ratos, pombos e outros animais no humanos. Se a Psicologia busca entender o comportamento humano, por que, ento, realizar pesquisas com seres diferentes dos seres humanos? A resposta a essa pergunta passa por dois pontos principais:

    O que aprendemos ao estudarmos o comportamento de animais no humanos pode, em algum grau, ser usado para explicarmos o comportamento humano

    O comportamento de animais no humanos mais simples que o comportamento de seres humanos e, para a cincia, importante partir do simples para o complexo, e no o contrrio.

    E importante lembrar que no so os comportamentos em si dos animais estudados em laboratrios que so de interesse para o psiclogo, mas sim os princpios comportamentais que podem ser estudados. Quando estudamos o com portam ento de um rato, como pressionar uma

    alavanca em uma caixa, nossa preocupao fundamental no com o pressionar a barra, mas sim em entender como certas variveis ambientais afetam esse, ou qualquer outro, comportamento.

    Um dos princpios comportam entais mais bsicos o de que certas consequncias aum entam a probabilidade do com portam ento que as produziu (Skinner, 1953/1998). Esse princpio foi, e ainda , amplamente estudado em laboratrio, e fora dele, com animais no humanos e tambm com seres humanos, e o estudo desse princpio com animais no humanos foi fundamental para se entender melhor como ele opera quando o assunto o comportamento humano.

    Por fim, gostaramos de convidar o leitor a aprofundar seu conhecimento sobre o Behaviorismo Radical e a Anlise do Comportamento. As ideias de Skinner e de seus sucessores mudaram os rumos do conhecimento produzido pela Psicologia; as novas definies do objeto de estudo e metodologia direcionaram a viso do fenmeno psicolgico para relaes em vez da busca da essncia ou descrio de sua estrutura mental e para a busca das condies sob as quais os fenmenos psicolgicos ocorrem; os desenvolvimentos conceituais e metodolgicos, bem como o grande conjunto de conhecimentos criados com base emprica e suas aplicaes em outras abordagens e reas das cincias como a Farmacologia, Economia, Psicologia Cognitivista. falam por si ss; os avanos e as contribuies em temas que outras abordagens pouco tm a dizer, como ensino especial, autismo e educao, para citar alguns, mostram que o reconhecimento mais amplo de sua importncia, diferentemente do que dizem alguns crticos, ainda est por vir. Com o disse certa vez o poeta ingls Alexander Pope, um pouco de conhecimento uma coisa perigosa: embriague-se dele ou nem mesmo prove.

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