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Mostrar a necessidade de integrar as práticas indígenas de uso do fogo nas políticas governamentais de manejo do fogo Documento de trabalho 1 Soluções próprias da comunidade para o manejo do fogo nos ecossistemas de floresta tropical e savana: estudos de caso de comunidades indígenas da América do Sul Autores: Jayalaxshmi Mistry, Department of Geography, Royal Holloway University of London, Egham, Surrey TW200EX, UK. Email: [email protected] * autor correspondente Bibiana Bilbao, Departamento de Estudios Ambientales, Universidad Simón Bolívar, Apartado 89000, Valle de Sartenejas, Caracas 1080, Venezuela. Email: [email protected] Andrea Berardi, Engineering and Innovation, The Open University, Walton Hall, Milton Keynes MK7 6AA, UK. Email: [email protected] Tradução: Maricy Marino Apoiado por:

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Mostrar a necessidade

de integrar as práticas

indígenas de uso do

fogo nas políticas

governamentais de

manejo do fogo

Documento de trabalho 1

Soluções próprias da comunidade para o manejo do fogo nos ecossistemas de floresta tropical e savana: estudos de caso de comunidades indígenas da América do Sul

Autores:

Jayalaxshmi Mistry, Department of Geography, Royal Holloway University of London, Egham, Surrey TW200EX, UK. Email: [email protected] * autor correspondente

Bibiana Bilbao, Departamento de Estudios Ambientales, Universidad Simón Bolívar, Apartado 89000, Valle de Sartenejas, Caracas 1080, Venezuela. Email: [email protected]

Andrea Berardi, Engineering and Innovation, The Open University, Walton Hall, Milton Keynes MK7 6AA, UK. Email: [email protected]

Tradução: Maricy Marino

Apoiado por:

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Resumo

O fogo desempenha um papel cada vez mais significativo nos ecossistemas de floresta tropical e savana, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa e impactando a biodiversidade. Pesquisas que vem sendo desenvolvidas mostram o papel potencial das práticas indígenas de uso da terra para controlar o desmatamento e reduzir as emissões de CO2. Análises de imagens de satélite sugerem que as terras indígenas têm as mais baixas incidências de incêndios, contribuindo significativamente para manter os estoques de carbono e a melhoria da situação da biodiversidade. Contudo, o reconhecimento do papel dos povos indígenas no manejo e controle do fogo é limitado, e em muitos casos ignorado, especialmente nos círculos de elaboração de políticas. Neste artigo, nós revisamos os dados existentes sobre o manejo indígena do fogo e o seu impacto, concentrando-nos em exemplos procedentes de ecossistemas de floresta tropical e savana na Venezuela, Brasil e Guiana. Destacamos como as complexidades das soluções próprias da comunidade para o manejo do fogo estão se perdendo, e também sendo minadas pelos esforços contínuos de supressão e combate ao fogo, e ainda as abordagens emergentes para incorporar o manejo indígena do fogo no mercado, com base em incentivos, visando à mitigação das mudanças climáticas. Nosso objetivo é mostrar a necessidade de apoiar as práticas indígenas de fogo em todos os níveis de tomada de decisão, fortalecendo os sistemas de conhecimento indígena a fim de garantir um manejo do fogo mais efetivo e sustentável.

Palavras-chave: manejo indígena do fogo, soluções próprias da comunidade, formulação de políticas, Venezuela, Brasil, Guiana

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Introdução

A gestão e a governança ambiental, em todo o mundo em desenvolvimento, estão se deparando com um futuro dinâmico e imprevisível, com desafios oriundos da pobreza enraizada e da desigualdade, do progresso lento e das consequências não intencionais de políticas de desenvolvimento nacionais e internacionais, e das mudanças rápidas do próprio meio ambiente natural. Ao mesmo tempo, há evidências crescentes do papel fundamental das práticas indígenas de uso da terra no controle do desmatamento, na redução das emissões de CO2 e na melhoria da situação da biodiversidade. As Nações Unidas (2009) reconhecem que há mais que 370 milhões de indígenas em pelo menos 90 países, ainda aplicando práticas próprias e únicas, distintas daquelas das sociedades dominantes à sua volta. As pesquisas que vem sendo desenvolvidas mostram o papel fundamental das práticas indígenas de uso da terra para controlar o desmatamento e reduzir as emissões de CO2 – análises de imagens de satélite sugerem que as terras indígenas têm taxas reduzidas de desmatamento e de conversão de habitat, e menores emissões de gases de efeito estufa (GEE), quando comparadas com áreas circundantes (Nepstad et al., 2006; Nelson e Chomitz, 2011; Nolte et al., 2013; Welch et al., 2013). Stevens et al. (2014), por exemplo, verificaram que na Bolívia, de 2000 a 2010, apenas 0,5% das terras indígenas foram desmatadas, em comparação com o total de 3,2% na Amazônia boliviana. As taxas de desmatamento foram, portanto, seis vezes menores nas terras indígenas quando comparadas com outras florestas. Em outro estudo, na Amazônia brasileira, Petersen e Stevens (2014) encontraram que de 2000 a 2012, a perda da floresta foi de apenas 0,6% dentro das terras indígenas em comparação com 7% nas áreas externas. Portanto, mais que 10 vezes menor. Carranza et al. (2014) mostram que no cerrado brasileiro, as terras indígenas sofreram menor conversão de habitat de 2002 a 2009 do que áreas desprotegidas equivalentes. Da mesma forma, Flantua et al. (2013) observaram que no setor oeste do Parque Nacional Canaima na Venezuela, habitado por indígenas Pemón, as taxas de desmatamento entre 1986-2006 foram consideravelmente baixas em -0,037% (associadas com a agricultura tradicional), comparadas com a zona tampão de 10 Km desprotegida (-0,17%) e com as taxas médias nacionais (-0,63%).

A quantidade cada vez maior de dados empíricos que fornecem evidências da sustentabilidade das práticas dos povos indígenas no manejo ambiental, impeliu muito trabalho sobre arranjos de compartilhamento de poder, governança descentralizada de recursos, e manejo dos recursos naturais com base na comunidade (Sandström, et al. 2014), bem como clama por reconhecer valores divergentes, participação na tomada de decisão política e distribuição equitativa dos benefícios (Sikor, et al. 2010). Ainda, embora haja uma presença maior de povos indígenas e de outras comunidades locais marginalizadas nos mecanismos de política, (Howitt, et al. 2013), a prática e o conhecimento indígena ainda são marginalizados nos círculos de pesquisa, de desenvolvimento e de formulação de políticas, principalmente devido a diferenças ontológicas, ou seja, um descompasso nas compreensões culturais das perspectivas indígenas e não-indígenas (Suchet-Pearson, et al. 2013).

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Por exemplo, análises do compartilhamento de informação no processo REDD+ em curso na Indonésia, mostram uma falta de conexão entre as organizações governamentais, transnacionais e da sociedade civil local (Moeliono, et al. 2014). Isto sugere que perspectivas múltiplas são improváveis de serem plenamente integradas, e que os grupos podem ver uns aos outros como fontes de informação sem credibilidade e legitimidade. Em outros estudos, desafios relacionados com os níveis de desconhecimento (por exemplo, políticas nacionais que restringem de forma adversa políticas locais), descompasso (por exemplo, diferenças nas instituições que administram os recursos e a escala biogeofísica do recurso), e pluralidade (por exemplo, falha em reconhecer diferenças de percepções e de valores), foram identificados como barreiras à troca de informação (Cash, et al. 2006). A forma como os discursos derivados de ontologias são formulados em intervenções práticas, também é particularmente importante para os povos indígenas, cujos conhecimentos, valores e práticas no manejo dos recursos naturais estão atualmente passando por mudanças significativas em todo o mundo.

O domínio atual dos instrumentos econômicos (IEs), tais como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), incluindo o REDD+, significa que os povos indígenas e outras comunidades marginalizadas, estão no primeiro plano como “implementadores” destas políticas ambientais (e da mitigação da mudança climática associada) (Howitt, et al. 2013). No contexto dos PSA e REDD+, isto não ocorre somente através do recebimento de fundos para manter os ‘serviços dos ecossistemas’ vendáveis e negociáveis, mas também para monitorar, reportar e verificar o estado do ambiente, para cumprir com as obrigações do Estado junto às organizações internacionais de financiamento. Além disso, embora os IEs apoiem uma gama de soluções criativas e inovadoras para a gestão ambiental, criticamente, suas bases ideológicas inclusas em uma agenda neoliberal que promove “vender a natureza para salvá-la”, está em forte contradição com ontologias indígenas baseadas em relações espirituais-humanas-não humanas (Suchet-Pearson et al. 2013). Estudos recentes indicam que na prática, os IEs não apenas ampliam as desigualdades ao privilegiar elites e organizações intermediárias, como também deixam a desejar na ‘permanência’, devido à falta de posse de terra, a corrupção e o insucesso em defender o direito das comunidades à terra dos interesses concorrentes (Corbera, 2012). Ainda, incentivos financeiros por meio de IEs tem o potencial de realmente ‘esvaziar’ a ética e as motivações ambientais intrínsecas pré-existentes, mudando os sistemas de valores indígenas (Corbera, 2012; Kerr et al., 2014). Isso tudo revela uma intenção de assimilar a cultura indígena no modelo econômico ocidental dominante, ao invés de apoiar a autonomia e autoafirmação da identidade indígena (Méndez, 2008).

Dentro deste contexto mais amplo de governança ambiental e práticas indígenas, o uso e o manejo do fogo continuam a ser um tópico muito debatido e controverso. Na última década, incêndios devastadores causaram estragos em muitos ecossistemas de savana e floresta tropical, inclusive na Bacia Amazônica. Estudos do ciclo do carbono na Amazônia brasileira mostram que seu sumidouro de carbono líquido atual (produção do bioma líquida, NBP) de +0,16 (variando de +0,11 a +0,21) PgC ano-1, equivalente a 13,3% das emissões de carbono globais devido a mudança do

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uso da terra para o ano de 2008, pode ser anulado ou revertido durante anos de seca (NBP = −0,06 (−0,31 a +0,01) PgC ano-1), com os incêndios florestais provavelmente sendo o fluxo dominante (contribuição relativa de 48,3%) do carbono durante secas extremas (Aragão et al. 2014). A América do Sul teve a contribuição mais importante (37% entre 1997-2009) das emissões de carbono associadas particularmente com o uso da terra após o desmate para a formação de pasto ou plantações de soja na Amazônia brasileira, o que representa uma completude de combustão mais alta não compensada por rebrota em escala de tempo de décadas (Van der Werf et al., 2010). Desta forma, a mudança climática, o desmatamento e a expansão da agricultura são os principais fatores para a frequência e escala crescentes de incêndios na região, e apesar de leis nacionais tentarem prevenir e controlar o uso do fogo, a queima de grandes extensões da paisagem significa um descompasso entre as políticas para o fogo e as práticas de queima (Carmenta et al. 2013). Com um crescente reconhecimento por todo o mundo, de que combater incêndios em paisagens naturais não é apenas ecológica, mas também social e economicamente inviável, valer-se do manejo indígena do fogo tradicional pode ser uma lente útil para encontrar soluções práticas de manejo do fogo, e também lições sobre como a governança ambiental poderia ser estruturada e implementada de forma mais ampla.

Neste artigo, revisamos os dados existentes sobre o manejo indígena do fogo, concentrando-nos em exemplos provenientes de ecossistemas de savana e floresta tropical na Venezuela, Brasil e Guiana, países nos quais nós autores, temos considerável experiência de trabalho de campo. Destacamos os atributos-chave das técnicas de manejo do fogo oriundas das próprias comunidades indígenas, ou seja, soluções próprias da comunidade para o manejo do fogo, e alguns dos desafios. Depois, revisamos as respostas institucionais para o manejo do fogo, e as abordagens atuais ligadas às mudanças climáticas e aos IEs. O objetivo deste trabalho é refletir sobre a situação atual do manejo indígena do fogo, e apresentar possíveis formas de avançar.

Situação atual do manejo indígena do fogo

O fogo é usado pelos povos indígenas para uma variedade de propósitos que têm importância interconectada de ordem ecológica, social e espiritual (Tabela 1). Estes propósitos têm sido bem documentados por estudos em todo o mundo, e incluem o uso agrícola e pecuário, a caça, a coleta, a pesca, estimular o crescimento e a abundância da vegetação, desmate da vegetação, proteção do habitat, o uso doméstico e, o uso medicinal/curandeiro e espiritual (por exemplo, Hecht, 2003; Mistry et al., 2005; Schwartzman et al., 2013). Huffman (2013), avaliando o conhecimento tradicional do fogo documentado em 35 estudos, incluindo relatos de 27 países em 6 continentes, propõe uma tipologia do uso tradicional do fogo, e do conhecimento associado, que se baseia no sistema econômico da queima, ou no tipo agro-ecológico. São eles: roça – lavoura de rotação feita utilizando o corte e a queima de pequenas áreas de floresta; arborista- o fogo é usado para manter as árvores em bosques ou individualmente, às vezes para estimular a produção de

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frutos e/ou a manutenção de sítios sagrados; pastagem domesticada – incêndios são usados para manter forragem para o gado doméstico em pastagens bem delineadas, e; áreas abertas na vegetação nativa – o fogo é usado em áreas não restritas, de vegetação nativa extensa para a caça, coleta, pastoreio nômade, abertura de trilhas, manutenção de áreas das aldeias, comunicação, etc.

Tabela 1. Usos do fogo pelos povos Wapichana e Makushi de South Rupununi, Guiana (modificado de Rodríguez et al., 2011).

Uso Detalhamento Doméstico Cozinhar, aquecer e preservar

alimentos, aquecimento, iluminação, limpeza em torno das casas, queima do lixo, fazer e queimar tijolos de argila

Medicinal/curandeiro e espiritual Preparar remédios tradicionais, curandeirismo (afugentar com fumaça espíritos malignos), práticas cerimoniais, expulsar espíritos perigosos ou em alguns casos chamá-los (por exemplo, os espíritos da chuva)

Segurança Limpar trilhas, limpar áreas no entorno das casas, afastar animais perigosos (onças, cobras e mosquitos)

Criação de animais Produzir capim verde e fresco para o pastejo de gado, evitar que as vacas se afastem demais, encontrar animais perdidos tais como porcos, se livrar de carrapatos, marcar vacas, agrupar as vacas

Agricultura Abrir novas roças, fertilizar e limpar as roças (de plantas invasoras), afugentar pragas de formigas

Caça e pesca Desentocar animais; como iluminação

Coleta de recursos naturais Queima ao longo de alagados antes de cortar folhas de palmeira para criar espaço para a secagem das folhas, fumegar abelhas antes de coletar mel, estimular a frutificação de determinadas árvores

Proteção Prevenir que grandes incêndios entrem em fragmentos de florestas, áreas de agricultura, áreas de palmeiras, casas, zonas proibidas; combater grandes incêndios perigosos quando próximos (combater fogo com fogo); queimar pântanos e savanas com demasiada

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cobertura vegetal que sejam potencialmente perigosos

Comunicação Sinalização na caçada, no pastoreio e em emergências

Artesanato Moldar utensílios artesanais, por exemplo, aquecer, dobrar e endireitar varas de flechas, de pesca e arcos.

Vários estudos mostram como o uso do fogo ocorre, em diferentes momentos ao longo do calendário sazonal em relação a determinados meios de vida e atividades de manejo de recursos, e que isso se relaciona com as percepções indígenas finamente sintonizadas, dos diferentes indicadores climáticos e ambientais. Por exemplo, muitos grupos indígenas espalhados pelas terras baixas da América do Sul tradicionalmente organizaram seus ciclos agrícolas com o aparecimento das estrelas Plêiades no início da noite, e com seu movimento através do céu (Melo e Saito, 2013). Os períodos do fogo são também alinhados às fases da lua. É importante salientar que, os numerosos usos do fogo significam que a queima é uma atividade relativamente constante, especialmente durante a estação seca, geralmente em níveis baixos, contribuindo assim para prevenir o acúmulo de combustível inflamável, e os incidentes de incêndios incontroláveis de grandes proporções (por exemplo, Mistry et al. 2005). Estudos experimentais sobre o comportamento do fogo sugerem que essa queima em mosaico de pequenas parcelas (patch mosaic burning) não apenas reduz a ocorrência de incêndios perigosos, mas também incrementa a heterogeneidade espacial e temporal da vegetação e a biodiversidade (Bilbao et al. 2009, 2010).

O manejo indígena do fogo é eficaz na medida em que se constitui em uma propriedade emergente de um sistema sócio-ecológico coeso no qual, o conhecimento e a cultura indígena, e os modos de vida associados, estão intimamente interligados com as práticas de manejo da paisagem. Por exemplo, os Mebêngokrê (Kayapó) de Capoto-Jarina no Mato Grosso, Brasil, usam o fogo para caçar jabutis que fazem parte de um longo festival tradicional anual (festa do jabuti) com implicações nos processos sociais incluindo o namoro, a coesão da comunidade, a iniciação dos jovens e a transferência de conhecimento entre as gerações (Mistry e Berardi, observação pessoal). Para os Pemón, a prática de Mayú – um sistema de cooperação mútua nas tarefas de grande escala da agricultura tradicional, por exemplo, o corte de árvores e a queima da biomassa derrubada – não é apenas essencial para a sobrevivência dos indivíduos, como também uma interação social que facilita a formação e o estabelecimento do vínculo social e a transferência de conhecimento entre as gerações (Bilbao, observação pessoal). Portanto, os ecossistemas de savana e floresta estão sendo protegidos dentro das terras indígenas não porque estejam sendo ‘manejados’ de um modo direto e ativo, mas como resultado indireto de um sistema sócio-ecológico sadio, ou seja, o resultado de práticas que mantém a integridade social e ecológica, ou o que pode ser chamado de “soluções próprias da comunidade” (Berardi et al. 2014, p.10).

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Desafios para o manejo indígena do fogo

Como afirmado acima, o manejo indígena do fogo, de forma semelhante a outras práticas indígenas, está fortemente ligado à cultura e ao conhecimento indígena, bem como a processos e estruturas de governança locais, que por sua vez estão baseados em liderança e ações coletivas. Por exemplo, Mistry et al. (2005) explicam como as estruturas sociais entre os Krahô do Brasil determinam os líderes ou ‘portadores do conhecimento’ do fogo, os Wakmejê, aqueles que decidem sobre os diferentes aspectos do regime de queima durante a estação seca. Todas as manhãs, ao nascer do sol, os homens Wakmejê se encontram no centro da aldeia (‘ka’) para discutir as atividades do dia, e dependendo da época da estação, o grupo decide sobre o curso de ação. Welsh (2015) descreve como, entre os Xavantes do Brasil, jovens conselheiros e anciãos ajudam a encorajar a aprendizagem ativa, e encarregam os jovens de assumir a responsabilidade por sua própria aquisição e produção de conhecimento relativo à ecologia do uso do fogo, ao calendário de queima, e às estratégias associadas de caça em grupo e cerimônias.

Porém, a situação atual do manejo tradicional do fogo nas comunidades indígenas pode ser associada com questões inter-relacionadas com uma perda geral do conhecimento, uma ruptura da coesão social dentro das comunidades, e conflitos (especialmente ideológicos) entre indígenas e atores interessados não indígenas.

Entre os Krahô no Brasil, por exemplo, a maior parte das queimas ocorria em grupos e com o consenso dos indivíduos que mantém o conhecimento do fogo. No entanto, muitos homens Krahô mais jovens que haviam sido influenciados por estranhos, a saber, agricultores de origem europeia, criticavam abertamente a queima durante os encontros comunais, resultando que muitas práticas de fogo protetivas e para melhoria dos recursos no início da estação seca, não foram implementadas (Mistry et al. 2005). Ao mesmo tempo, porque as práticas de fogo individuais não estavam sob o escrutínio do grupo, estas continuaram a ser utilizadas, na maior parte das vezes no final da estação seca, resultando em incêndios cada vez mais danosos, que reforçavam os antagonismos contra o uso do fogo. Isto ainda era agravado pelos incidentes com caçadores ilegais, que entravam em suas terras e usavam o fogo no final da estação seca.

Evidências provenientes das savanas de South Rupununi, Guiana, sugerem que as paisagens podem estar sujeitas a um excesso de incêndios no final da estação seca, e a insuficientes queimadas em mosaico de pequenas parcelas na savana e nas bordas da floresta, ao final da estação chuvosa e início da estação seca, como costumava ser feito tradicionalmente (Rodríguez et al., 2011). As causas para este aumento de incêndios na estação seca eram múltiplas e incluíam mudanças nas práticas agrícolas e de caça, um aumento no número de gado de posse privada, uma falta de acordo entre as diferentes aldeias e entre os criadores de gado sobre o uso do fogo para a criação do gado, e uma perda generalizada do conhecimento do fogo por parte dos jovens. Por exemplo, foi sugerido que o aumento de queimadas feitas pelos vaqueiros concernentes às atividades de pastoreio e rodeio durante a estação seca, era resultado de vaqueiros jovens que não tinham mais o

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conhecimento de como usar o fogo de forma sustentável. Ao mesmo tempo, jovens Wapishana e Makushi, e alguns líderes comunitários, ficavam mais críticos em relação ao uso do fogo conforme tinham contatos mais regulares com autoridades em gestão dos recursos naturais do Estado e organizações ambientais que promoviam o discurso contrário ao uso do fogo (Rodríguez et al., 2011). Como com os Krahô, mudar os valores indígenas para focar na prevenção e supressão do fogo pode ter o efeito de piorar o problema.

Em Roraima, no Brasil, práticas tradicionais do uso do fogo para a agricultura por comunidades indígenas (Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Wapichana e outras) têm sido fortemente criticadas por instituições governamentais que desenvolveram várias iniciativas para substituir o corte e a queima, com o uso de tratores sob o lema "a tecnologia é branca, não índia" (Embrapa Roraima, 2003, citado em Oliveira Júnior et al., 2005). Entre as comunidades Pemón do Parque Nacional Canaima na Venezuela, muitos jovens tem sido críticos ao uso tradicional do fogo, em grande parte devido à perda do conhecimento tradicional, acompanhada de programas de educação ambiental que focam no controle do fogo, conduzidos por gestores de recursos do estado, do Instituto Nacional de Parques (INPARQUES) e da Companhia de Eletricidade Caroni (anteriormente EDELCA, agora CORPOELEC) (Rodríguez et al., 2013). Estas divisões de gerações, entre os jovens Pemón e os anciãos, tem levado a um declínio da queima prescrita, o que por sua vez tem levado ao acúmulo de biomassa inflamável e a um aumento de incêndios de grande escala no final da estação seca em algumas áreas da Gran Sabana (Sletto, 2006, 2008).

De acordo com Huffman (2013), o estado do conhecimento tradicional do fogo pode ser definido como: robusto – sistemas de fogo que persistiram e continuam a evoluir ao longo do tempo, admitindo algumas mudanças na continuidade, mas mantendo-se essencialmente intacto até os dias de hoje; em declínio – onde o conhecimento tradicional do fogo ainda existe entre os membros de uma dada cultura, mas que mudanças demográficas, econômicas, políticas, no uso da terra, ou outras, ameaçam sua viabilidade continuada; rejuvenescedor – onde esforços ativos estão sendo feitos, tanto para recuperar como para compartilhar, o conhecimento tradicional do fogo em paisagens nas quais o manejo tradicional do fogo já foi a norma; ou, histórico – onde o ativo manejo do fogo não é mais praticado, e a maior parte do conhecimento tradicional do fogo é em grande parte histórico, preservado em relatos escritos, gráficos ou anedóticos. Embora saibamos que grupos indígenas de diferentes localidades tem conhecimento contextual profundo sobre o manejo do fogo, nós também sabemos que o conhecimento tradicional do fogo está declinando. Lehman (2001), no caso da revitalização das práticas de queima dos Palawa da Tasmânia, indica que embora houvesse entusiasmo para restabelecer queimas em mosaico de pequenas parcelas no início da estação seca, elas ficaram fora de controle. Rejuvenescer práticas tradicionais de fogo no curto prazo não é fácil ou linear, quando comunidades indígenas colonizadas e ocidentalizadas podem ter perdido a profundidade da compreensão desenvolvida por mais de mil gerações de vida junto a terra.

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Há preocupações sobre como, e em que medida, o conhecimento existente está sendo ou pode ser adaptado, para ir de encontro a necessidades como a mudança de sistemas sócio-ecológicos locais. Por exemplo, existem observações feitas por indígenas sobre mudanças nos regimes de fogo em resposta a mudanças nos padrões de precipitação – o aparecimento das Plêiades se tornou, ou está se tornando, um indicador da chegada da estação chuvosa não confiável – com as florestas ficando mais secas, e queimando mais facilmente em maiores extensões (Schwartzman et al., 2013). Além de incêndios maiores em florestas e savanas durante as secas, em South Rupununi na Guiana evidências indicam que mudanças nos padrões climáticos também poderiam estar afetando a extensão com que as práticas de fogo prescrito são realizadas ao final da estação chuvosa a fim de se preparar para o manejo de incêndios na estação seca (Rodríguez et al., 2011).

Outra área importante, mas pouco discutida, é o impacto de espécies invasoras em regimes de fogo dentro dos territórios indígenas. Bardsley e Wiseman (2012) apontam para a evidência crescente de que a espécie de planta invasora, buffel grass (Cenchrus ciliaris), já tenha reduzido a biodiversidade em áreas onde está bem estabelecida, e esteja começando a alterar as práticas de manejo do fogo no território Anangu no Sul da Austrália. No Brasil, nós vimos a crescente presença e disseminação de pastagem introduzida e de espécies invasoras tais como a Brachiaria decumbens dentro de territórios indígenas, e eventos de fogo de maior intensidade subsequentes, levando à degradação da floresta (Mistry e Berardi, observações pessoais). A mudança climática só irá agravar essas interações entre fogo e espécies invasoras, por exemplo, aumentando as cargas de biomassa seca dessas espécies exóticas de crescimento rápido, particularmente durante os anos do fenômeno La Nina de alta pluviosidade, especialmente em áreas onde as sementes do capim de pastagem já são abundantes (Silvério et al. 2013).

Abordagens institucionais para o manejo do fogo

Até recentemente, o paradigma do ‘fogo zero’ foi norma em muitas áreas do mundo, inclusive na Venezuela, Brasil e Guiana. Todos os tipos de fogo eram vistos como uma ameaça à conservação da biodiversidade e a gestão dos recursos naturais, e a resposta institucional foi suprimir o ato de fazer queimadas de forma intencional, e quando isso ocorria, ‘combater’ o fogo através de políticas de apoio à supressão/proteção do fogo, e de combate a incêndios (por exemplo, Bilbao et al., 2009; Mistry and Bizerril, 2011). Exploradores coloniais, missionários, e naturalistas foram os primeiros a defender uma narrativa negativa do uso tradicional do fogo como degradante e nocivo para o meio ambiente, narrativa esta exacerbada mais recentemente por cientistas, pela mídia, políticos e turistas (Rodríguez, 2003). Na Gran Sabana, no Parque Nacional Canaima na Venezuela, por exemplo, a frase depreciativa ‘Pemón Los Quemones’ (grosseiramente traduzida como ‘Pemón os Piromaníacos’) gerou considerável conflito sobre o manejo do fogo entre os atores da gestão dos recursos do Estado e os povos indígenas, refletindo as lutas indígenas mais amplas sobre reivindicações territoriais e auto-determinação (Rodríguez et al., 2013). Da mesma forma, o discurso sobre conservação no Brasil,

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que historicamente tem acreditado que toda queima antropogênica, inclusive a indígena, é destrutiva, também tem sido amplamente adotado por grupos de interesse poderosos tais como os ‘Ruralistas’ (bloco dos grandes proprietários de terra ligados ao agronegócio) como parte do discurso político que contesta os direitos dos indígenas a terra (Welch et al. 2013). Isto aparece no contexto das estratégias internacionais para mitigação das mudanças climáticas tais como a REDD+, nas quais a associação do fogo com desmatamento, tanto em pequena escala como no cultivo indígena migratório, como em grande escala por meio da exploração madeireira e expansão agrícola, está sob exame crítico por comprometer a permanência de carbono e minar o potencial de manejo sustentável da floresta (Barlow et al. 2012).

A política ambiental venezuelana

A Venezuela tem um dos regimes mais progressistas de direitos indígenas na América do Sul. É o único Estado na América do Sul que reconhece oficialmente, em sua constituição os direitos dos povos indígenas em manter suas próprias práticas de produção, protege a propriedade intelectual coletiva dos conhecimentos, tecnologias e as inovações (Constituição da República Bolivariana da Venezuela, 1999). A legislação específica com foco nas comunidades indígenas, tais como a ‘Ley Orgánica de Pueblos y Comunidades Indígenas (2005) (Lei orgânica dos povos e comunidades indígenas, 2005) também fortaleceu os direitos indígenas em relação aos recursos genéticos e ao conhecimento ancestral. Apesar da Constituição e regulamentações progressistas, e da relativa proteção dos direitos indígenas nos parques nacionais, o uso do fogo ainda é fortemente restringido e combatido (Art 65, Lei Penal do Ambiente, 2012). Os parques nacionais têm medidas prioritárias de proteção, e o Instituto Nacional de Parques (INPARQUES) é a mais alta autoridade administrativa responsável pela gestão e conservação dos mesmos. O INPARQUES, criado em 1978, é órgão autônomo ligado ao Ministério do Eco-Socialismo e Água (MINEA, ex-Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Portanto, as autoridades ambientais são responsáveis pela prevenção e controle dos incêndios.

Em 1978, um Programa para a Prevenção e a Proteção contra Incêndios Florestais foi criado para transmitir conhecimento, experiência e habilidades para o treinamento de guardas florestais, mas foi apenas em 2001, durante a Presidência de Hugo Chavez, que a Ley Cuerpos de Bomberos y Bomberas y Administración de Emergencias de Carácter Civil, 2001(Lei do corpo de bombeiros e bombeiras e administração de emergências de caráter civil, 2001), foi promulgada, promovendo, alguns anos depois, a graduação dos primeiros bombeiros florestais profissionais no país. Esta lei também deu origem ao Comando Nacional Unificado contra os Incêndios Florestais, para coordenar as diferentes entidades - MINEA, INPARQUES, a Guarda Nacional Bolivariana e a Proteção Civil, instâncias regionais e locais – durante a estação seca para prevenir e mitigar os incêndios no país.

Um dos programas de combate a incêndios na Venezuela com trajetória mais longa, e melhor dotado em termos de equipamentos e infraestrutura (helicópteros, aviões, pistas de pouso, guaritas, etc.), é o Programa de Controle de Incêndios (sigla em

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espanhol, PCIV), implementado pela ‘Brigada de Ataque Inicial Carlos Todd’ do CORPOELEC (a companhia hidroelétrica regional). O PCIV foi criado em 1981para prevenir, detectar, e combater incêndios com o objetivo de proteger as cabeceiras do Rio Caroní, o qual abastece o Reservatório Guri e a ‘Central Hidroelétrica Simón Bolívar’, na qual são geradas 70% da energia hidroelétrica do país. 21.000 km2 desta área altamente protegida estão localizados na Gran Sabana e incluem o setor leste do Parque Nacional Canaima (Gómez et al., 2000). Embora membros da brigada do PCIV sejam indígenas Pemón, o conhecimento indígena não tem sido utilizado nas práticas de combate aos incêndios, e a exclusão do fogo tem sido a política oficial para o fogo adotada no Parque. Apesar da realização de enormes e caros esforços para a supressão do fogo, em média apenas 13% do total de incêndios são combatidos, devido ao elevado número de focos em uma grande área (EDELCA-CORPOELEC, 2008). Além disso, os Pemón usam o fogo em suas atividades diárias, o que constitui uma parte essencial de sua identidade cultural e contribui para suas necessidades de subsistência (FIEB, 2007). Assim, as políticas de conservação executadas nas últimas décadas no Parque Nacional Canaima (refletindo o contexto nacional) não apenas têm sido baseadas na exclusão do fogo, mas também têm, em grande medida, ignorado as percepções, expectativas, e o conhecimento dos seus habitantes, o que tem levado a sérios conflitos entre o povo Pemón e as agências governamentais.

A política ambiental brasileira

No Brasil, o Código Florestal (publicado pela primeira vez em 1934, e recentemente revisado em 2012) foi a primeira peça da legislação a tornar ilegal a queima sem precauções específicas (Art. 22) (Presidência da República 1934). Em 1989, o decreto No. 97.635 regulamentou o artigo 27 do Código Florestal, e criou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo). O objetivo do PrevFogo era apoiar o monitoramento, a prevenção e o combate aos incêndios florestais, e desenvolver e disseminar treinamento técnico e educação para o controle do fogo. No entanto, embora o fogo fosse mencionado em várias leis de governança ambiental, não houve regulamentações específicas até 1998, após os grandes incêndios florestais em Roraima induzidos pelo fenômeno El Niño-Oscilação Sul de 1997-1998. O clamor nacional e internacional, a partir desses incêndios, levou o governo federal a criar o decreto No. 2.661 redefinindo o papel do PrevFogo, e pela primeira vez, estabelecendo procedimentos detalhados sobre o uso do fogo prescrito. Além disso, uma série de novas políticas para o fogo e de iniciativas de manejo foram introduzidas, incluindo o Programa de Prevenção e Controle às Queimadas e aos Incêndios no Arco do Desflorestamento (PROARCO) com o objetivo principal de controlar e prevenir incêndios de grandes proporções na Amazônia brasileira.

Desde então, o manejo do fogo foi inserido principalmente na agenda de mudança climática, através da Política Nacional sobre a Mudança do Clima de 2009 e seus programas, que incluem o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado), planos estaduais e o plano de agricultura de baixo carbono (Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação

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às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - Plano ABC) (Miccolis et al. 2014). Por exemplo, no âmbito do PPCerrado, o ‘Projeto Cerrado/Jalapão’ tem o objetivo de melhorar a prevenção e o controle das queimadas irregulares e dos incêndios florestais na região do Jalapão, contribuindo, assim, para a manutenção do Cerrado como um sumidouro de carbono globalmente relevante (IBAMA, 2015a). As atividades incluem treinamento, conscientização e educação ambiental, implementação de demonstrações de alternativas ao uso do fogo, e o fortalecimento dos comitês estaduais para a prevenção e o combate aos incêndios. Além disso, o projeto vem testando um manejo integrado do fogo (Manejo Integrado do Fogo, MIF), abordagem baseada na queimada prescrita no início da estação seca para criar paisagens em mosaico, e reduzir a probabilidade de grandes incêndios ao final da estação seca. O MIF foi aplicado em 2014 em três áreas de conservação – O Parque Estadual do Jalapão (Tocantins), a Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins (Tocantins), e o Parque Nacional da Chapada das Mesas (Maranhão). O objetivo principal foi o de orientar atividades de queima controlada por observações a partir de sensores de satélites, indicando o grau de dessecação da biomassa ao longo da paisagem, e acompanhado por medidas simultâneas do fogo e da biomassa no campo. A abordagem, neste caso, foi identificar, em tempo real, pequenas parcelas de vegetação ressecada resultantes e apropriadas para a queima, que não se espalharia facilmente pela vegetação mais húmida ao redor. O uso repetido desta técnica, ao longo da estação seca, resultaria num mosaico de pequenas cicatrizes de queima, o que por sua vez resultaria em uma redução de toda a biomassa combustível, ao mesmo tempo em que preveni a ocorrência de incêndios maiores e destrutivos. Em 2015, o MIF foi aplicado no Território Indígena Xerente (Tocantins) após um estudo do conhecimento tradicional do fogo feito com os anciãos da comunidade para desenvolver um calendário de fogo e um planejamento de queimadas prescritas usando imagens de sensoriamento remoto combinadas com ferramentas de geoprocessamento tais como o SAM - Spectral Angle Mapping (Técnica de Mapeamento por Ângulo Espectral) (IBAMA, 2015b).

Os resultados do MIF ainda estão por vir, mas eles mostram uma mudança de abordagem nas instituições brasileiras. Não apenas há um afastamento do categorizar todo fogo como ‘ruim’, mas também há um reconhecimento de que o conhecimento indígena do fogo é uma forma válida de conhecimento que pode orientar a formulação de políticas. No entanto, os esforços para envolver ativamente os indígenas no manejo do fogo têm sido, até o momento, principalmente na forma de brigadas de incêndio. Há atualmente 34 brigadas indígenas empregadas durante o período da estação seca para ajudar a combater os incêndios (IBAMA, 2015c).

Política Ambiental da Guiana

Na Guiana, o fogo tem sido intimamente ligado com o manejo florestal e atividades madeireiras. Sendo um fator de desmatamento, o fogo foi envolvido nas recentes atividades REDD+, através das quais a Guiana objetiva implementar sua Estratégia de Desenvolvimento de Baixo Carbono (da sigla em inglês: LCDS); um plano

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nacional para reorientar a economia da Guiana para um caminho de baixo-carbono (Mistry et al. 2009). A mais recente Readiness Preparation Proposal for REDD+ (Proposta para a Preparação de Prontidão REDD+) descreve atividades de nível nacional a serem conduzidas para atingir a readiness (“prontidão”) para a implementação de um mecanismo de financiamento de carbono florestal, e inclui a formulação de uma estratégia nacional de manejo de fogo florestal (FCPF, 2012, p.62). Rodríguez et al. (2011) relatam o lançamento, pela Comissão de Florestas da Guiana, de um programa piloto de monitoramento do fogo na estação seca em várias comunidades de South Rupununi, em novembro de 2010, e uma recente avaliação aérea do fogo foi feita nas mesmas localidades pelo Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Stabroek News, 2015). No entanto, tem havido pouca evidência de que qualquer política de manejo de fogo tenha sido desenvolvida até o momento, e parece não haver reconhecimento, no âmbito da elaboração de políticas, do uso tradicional do fogo nas savanas por grupos indígenas.

Instrumentos econômicos emergentes que integram o manejo indígena do fogo

O caso da Austrália é propagandeado como um exemplo progressista, de como o conhecimento indígena do fogo está sendo incorporado a instrumentos econômicos para o manejo do fogo que incluem metas para a ciclagem de carbono, e para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (Fitzsimons et al. 2012). O manejo do fogo na savana no norte da Austrália, onde queimadas prescritas no início da estação seca são usadas para prevenir incêndios no final da estação seca, é uma metodologia de compensação aprovada no âmbito da Australia’s Carbon Farming Initiative –CFI (Iniciativa de agricultura de Carbono da Austrália). As Unidades de Crédito de Carbono australianas geradas através da CFI podem contribuir para o cumprimento dos compromissos feitos pela Austrália em acordos internacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Por exemplo, os projetos Western Arnhem Land Fire Abatement (ALFA) (Abatimento do fogo em Arnhem Land ocidental) e Central Arnhem Land Fire Abatement (CALFA) (Abatimento do fogo em Arnhem Land central) são mecanismos PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera ao mesmo tempo em que criam oportunidades de emprego para povos indígenas em regiões remotas. O WALFA é financiado principalmente por uma subsidiária da multinacional ConocoPhillips, que tem como objetivo compensar parcialmente suas emissões de gases de efeito estufa provenientes de uma planta de gás natural liquefeito em Darwin (100.000 tons de CO2 equivalente por ano) com AU $1 milhão por ano durante 17 anos. Este financiamento apoia vários grupos de guardas florestais indígenas localizados na Arnhem Land ocidental, que trabalham em colaboração com os proprietários tradicionais da região, e também com ecólogos especialistas em fogo. A multinacional está, portanto, procurando reduzir sua pegada de carbono e abater suas emissões de gases de efeito estufa, não limitando sua própria produção e sua

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liberação desses gases, mas financiando programas de manejo do fogo que são conduzidos por, e beneficiam povos indígenas. O projeto CALFA é organizado seguindo as mesmas linhas que o WALFA (embora financiado inicialmente por subsídios públicos com expectativa de financiamento privado no longo prazo), e envolve vários grupos de guardas florestais indígenas trabalhando na área central e sudeste de Arnhem Land.

A percepção de sucesso da experiência australiana de manejo do fogo na savana, particularmente o estudo de caso e o modelo WALFA (reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em 30%) (Price et al., 2012), levou a Austrália a financiar uma iniciativa através de seu aid budget (orçamento de ajuda) para promover a experiência e a aplicabilidade internacional da metodologia do manejo do fogo (ver http://www.unutki.org/).

No entanto, Petty et al. (2015) mostram como estes novos programas de redução de emissões correm o risco de marginalizar ainda mais os povos indígenas. É inerente à natureza de programas de manejo institucionalizados, substituir a complexidade e a contingência do manejo indígena do fogo por metas padronizadas, ao mesmo tempo em que tratam os indígenas como trabalhadores executando planos elaborados por outros, ao invés de trata-los como parceiros genuínos. Eles sugerem que o modelo de financiamento do projeto WALFA cria um incentivo para focar em seguir uma metodologia de contabilidade de emissões complexa que “…amarra a prática da queima muito firmemente à contabilidade da queima. Isso força registros e gravações detalhados e regulares da queimada, cujas métricas são então ligadas a um mecanismo externo, e representa uma mudança dramática no caráter do manejo do fogo aborígene, o qual é enraizado em conhecimento local, tomada de decisão dinâmica, e atenção às mudanças sazonais particulares na vegetação” (Petty et al., 2015, p.157). A abordagem também cria um subgrupo de guardas florestais indígenas, que são encarregados de conduzir o manejo do fogo sistemático no início da estação seca por ordem das instituições que eles representam. No entanto, eles são criticados pelos membros da comunidade por não terem conhecimento profundo e aplicar muito fogo de forma descuidada, e ao mesmo tempo são excluídos de usar os recursos tecnocráticos do manejo do fogo por falta de treinamento e habilidade (Eriksen and Hankins, 2014; Fache and Moizo, 2015).

De fato, em muitos países, existe uma confiança nas aplicações tecnológicas como uma solução para o manejo do fogo, com um discurso claro (e dominante) alinhado com a tecnologia geo-espacial, onde a voz e o poder sobre a tomada de decisão estão nas mãos daqueles que tem a tecnologia (por exemplo, cientistas, governos), ao invés daqueles que não a tem (por exemplo, agricultores locais, povos indígenas) (Mistry e Bizerril, 2011). Em uma revisão dos estudos sobre o fogo em áreas de floresta tropical húmida, Carmenta et al. (2011) constataram que as técnicas de sensoriamento remoto para detecção de fogo eram preferidas por gerentes de parques/recursos e formuladores de políticas devido a sua replicabilidade e representação de uma realidade aparentemente objetiva. Comunidades indígenas estão excluídas desta abordagem tecnocrática, em que a ‘realidade’ percebida pelo sensoriamento remoto de forma demasiado simplista, não corresponde às

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experiências multidimensionais (espiritual, social, ecológica) como são percebidas pelos indígenas. E de forma mais importante, a institucionalização do manejo indígena do fogo, e seu discurso científico e tecnocrático, privilegia fortemente um aspecto particular do manejo do fogo indígena: a queimada no início da estação seca para proteger contra a queimada no final da estação seca (Petty et al., 2015). Isto falha em reconhecer que a maior parte do manejo indígena do fogo é caracterizada por queimas regulares, e algumas vezes oportunistas, ao longo de toda a estação seca, ligada a diversos propósitos sociais, ecológicos e espirituais (como apresentado na Tabela 1), que produz os mosaicos de habitat que sustentam a biodiversidade da paisagem (Trauernicht et al., 2015).

A necessidade de apoiar as práticas indígenas de fogo no âmbito da política governamental de manejo do fogo

Nossa revisão da literatura atual sobre o manejo indígena do fogo destaca o seguinte:

x O fogo é um componente integrante das paisagens de floresta e sanava em todo o mundo.

x Alguns povos indígenas tem conhecimento detalhado sobre o manejo do fogo que pode ajudar a prevenir incêndios destrutivos e de grande escala, e associados à mudança do uso da terra.

x Embora existam exemplos de manejo indígena do fogo ‘sadio’, ele está ‘em declínio’ em muitas áreas, levando ao aumento da ocorrência de incêndios inadequados e danosos. Isso é um resultado da combinação entre a perda do conhecimento indígena, a ruptura da coesão e das relações sociais, e dos conflitos (especificamente de visões de mundo) entre indígenas e atores interessados não indígenas.

x Incentivo e abordagens baseadas em instrumentos econômicos correm o risco de se concentrar na gestão de questões isoladas, por exemplo, estoque de carbono, sem a compreensão adequada das inter-relações e interdependências e, portanto, simplificar as complexidades do manejo indígena do fogo. Incentivos financeiros associados perversos podem também ‘esvaziar’ a coesão comunitária e os valores intrínsecos, que são essenciais para o eficaz manejo indígena do fogo. Exigências (de doadores, estados) de monitoramento e produzir relatórios podem retirar o controle do manejo do fogo das comunidades indígenas.

x As atuais políticas para o fogo, e as estruturas institucionais associadas, se concentram fortemente na supressão e combate aos incêndios, com a participação indígena ocorrendo, na maior parte das vezes, na forma de guardas/brigadas institucionalizadas e ‘profissionalizadas’. Com isso corre-se o risco da marginalização da comunidade em geral, do rompimento dos modos tradicionais de transferência de conhecimento e, portanto, da perda de conhecimento indígena, e de conflitos entre diferentes setores da comunidade.

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x As tentativas de institucionalizar o manejo indígena no fogo tem se concentrado no uso de queimadas no início da estação seca à custa de queimadas complexas e por vezes contínuas, ao longo da estação seca e na estação chuvosa.

Podemos ver a partir disso, que o manejo indígena do fogo está sendo incorporado nas políticas através de mecanismos de governo já estabelecidos e claramente definidos; abordagens desincentivadoras, métodos de comando-e-controle de combate a incêndios através da criação de brigadas indígenas de combate ao fogo, e incentivadoras focadas em queimadas prescritas no início da estação seca. Nossa argumentação é que embora o combate aos incêndios e as queimadas prescritas antecipadas sejam necessários como parte de uma estratégia geral de manejo do fogo, também é preciso haver políticas capacitadoras que foquem em legitimar e fortalecer o manejo indígena do fogo como uma solução própria da comunidade. Criticamente, como o manejo do fogo próprio da comunidade é intrincadamente ligado às estratégias de sobrevivência indígenas, também o combate aos incêndios e as queimadas prescritas devem ser fundamentados nos sistemas sócio-ecológicos locais (Figura 1). É necessário definir ações de longo prazo para apoiar a funcionamento integrado e a sobrevivência de comunidades indígenas como um todo, ao invés de focar em questões isoladas (por exemplo, retenção de carbono) ou benefícios para alguns indivíduos (por exemplo, contratando bombeiros indígenas).

Figura 1. Formas pelas quais o manejo indígena do fogo precisa ser incorporado nas políticas e nas estratégias de sobrevivência locais

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Nosso objetivo agora, com foco na Venezuela, Brasil e Guiana, é reunir todas as partes envolvidas no processo de tomada de decisão sobre o fogo – povos indígenas, formuladores de políticas, cientistas, administradores de parques, e proprietários de terra privadas – para compartilhar perspectivas, e respeitar e apoiar as estratégias de sobrevivência indígenas, no âmbito das quais, está inserido o manejo do fogo, e, ao mesmo tempo contemplar as necessidades e limitações existentes no sistema a ser manejado, e desenvolver planos de ação para provocar mudanças. Este processo de integrar as práticas de fogo indígenas nas políticas governamentais de manejo do fogo tem foco em políticas ‘capacitadoras’, centradas em legitimar e fortalecer o manejo indígena do fogo como uma solução própria da comunidade, a fim de promover o empoderamento das comunidades indígenas e a sua participação ativa na tomada de decisão. As ações tem que ser direcionadas para encorajar nas comunidades indígenas maior autonomia no que diz respeito à implementação de políticas, incluindo a liderança e o financiamento de programas de manejo do fogo.

Declaração de financiamento

Os resultados e as idéias apresentadas neste artigo são baseados em pesquisa apoiada pela British Academy International Partnership and Mobility Scheme (Ref. PM130370) e pelo Woodspring Trust, Reino Unido.

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