Mostruário Antimatéria (ou "Como Fiquei Louco")
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MOSTRUÁRIO ANTIMATÉRIAo u C O M O F I Q U E I L O U C O
MATHEUS QUINAN
MOSTRUÁRIO ANTIMATÉRIAo u C O M O F I Q U E I L O U C O
MATHEUS QUINAN
Loucura é roleta russa.Costumo me jogar contra o buraco negro vez ou outra e sei do que estou falando. Faço rodeios para ver se consigo prever meu futuro. Giro bem devagar.Enquanto o tambor dá várias voltas, sinto-me em um parque de diversões. Estou bêbado e girando, girando. Faço força para não colocar tudo para fora.E quando enfim o tambor está parado, tento me levantar e colocar as ideias em seus devidos lugares. Mas, é claro, estou com o cano colado à têmpora.Puxo o gatilho - há certa resistência. A arma não me quer mal. - e ouço um estalido.Não foi dessa vez.
("Gatilho")Não é mais quem chora
a cada aniversárioum verme em cada costela
não mais quem apelaao desconstruir o corpo
e deixa a mente por inteiropara despedaçar também
e isso faz tão bemque a alma deixa de chorar
para caçar a verdadee toda e qualquer mentira
a cada página que viraprocurando com os olhos
entalados nas órbitasembaçados com fumaça
em plena praçapública.
("Caça")
É a essência criativadaqueles que tem
a alma impermanente,bebendo enquanto quenteo veneno que é a morteao final do corredor.A esperança duvidosa,o ódio por quem posade exemplar perfeito.
"Vou quebrar as vitrines e roubar os manequins. Fingir que são amigos e torturá-los com ferro quente. Vou soprar vida sobre eles e jogá-los uma maldição tão grande quanto a que foi jogada sobre mim. Estaremos de igual para igual."
O desejo puro e levepelo improvável é
meu fiasco verdadeiro;também o tempero
para qualquer defeitocurtir em meu estômago,tornar-se puro também
e enquanto a queda não vem,não sei por onde espreito.
("Tempero")
Entre glórias momentâneas e o desespero eterno se fez sua fuga. A forca suspensa sobre pódio. Ele era o penitente; ele era o premiado.Já não podia lembrar o que tinha feito de bom e o que tinha feito de errado - e não venha dizer que é culpa da névoa acumulada entre os veios do seu cérebro.Vaias e ovações misturadas em seus ouvidos. Talvez vivesse dois momentos ao mesmo tempo. Talvez tivesse se perdido no caminho que tomava e parado numa das pontas da estrada fractal que guia nossas escolhas.Sem saber onde pisar e aonde ir, correu de olhos fechados e sem direção, esperando bater contra seu futuro e ver que estava tudo bem.
("Fractal")
Essa é a realidade: uma floresta morta cheia de seus troncos retorcidos, secos e desfolhados. Repleta dos pequenos esqueletos de esquilos e pássaros e coelhos que não puderam mais viver ali. Nenhum córrego disponível, nenhuma gota de água cai há anos. Está tudo morto há tanto tempo que não se pode caçar ou achar um animal com um pouco de carne grudada entre os ossos para satisfazer a fome.Sob a terra infértil estão enterrados João e Maria, a bruxa - e tantas outras - e uma montanha de doces estragados. Somente os vermes vivos para se alimentar de tudo sem contar história alguma.
("João e Maria")
Água a toda volta. Não é mais do azul que se vê na superfície, sentado sobre a areia fina, arremessando conchas ao longe. Não é como na margem, o sol ditando ordens através da nuca exposta. Agora é tudo escuro, tudo frio demais e ainda mais solitário.Por algum tempo o pulmão cheio de ar - acumulado segundos antes do mergulho -. Nada de peixes coloridos ao meu redor. Se há alguma coisa viva ou morta, não posso ver, nem sentir sua presença. Talvez fantasmas de marinheiros cheios de rancor e ódio por tudo que está dentro d'água além deles. O mar velou seus corpos assim como faz com o meu.Tão profundo; é como estar preso no interior da própria mente. Chego a sentir o peso das correntes, o tilintar das chaves do carcereiro, o chão frio. Sinto também os pontapés na barriga e ouço o choro de mulher e os tiros e a ordem de prisão."Mergulhe aí e fique até que eu mande você voltar". Não sei quem o disse, não sei quem é o juíz. E o som do martelo sobre a mesa. Mas também o som do ar sendo expulso sob a água, o som das bolhas que vão subindo, subindo. E eu tento inspirar e tenho apenas água. O pulmão cheio de sal e pedaços de algas. E as bolhas subindo cada vez mais; meu último suspiro emergindo e levando minha alma - que já não é mais minha -, o resto de mim tentando pedir a ela que avise ao mundo que não estou mais aqui.
("Mergulhe aí e Fique até que eu Mande você Voltar")
E quando eu abraçar o punhal com todos os meus cinco dedos, quando sua empunhadura se acomodar não só em minha mão, mas também na minha alma, farei valer todas as minhas maldições contra o astro rei, derrubando sua tirania luminosa, sua felicidade amarela e seus filhos propagadores da falsa esperança.Minha mão será a mão de Eris pronta para cortar e perfurar, para partir o reino da ordem ao meio. E quando tudo estiver terminado, soltarei o punhal para sempre. Minha conquista já terá sido alcançada. Então estarei livre para agarrar a coroa e usurpar seu trono. E fazer do seu reino o meu reino de caos.
("Conquista")
Neblina era irmã. Era o limite, a disciplina nos dias de felicidade. Era a extensão da mão esquerda nos funerais, deixando a direita livre para enxugar as lágrimas.Era criança problemática, adulto de passado improvável. Era rainha do mundo em tempos idos, mãe do frio e do calor.Era sacerdotisa, era anti-cristo e era deus. Derrubou o sol e foi dissipada por ele. Neblina foi heroína e hoje canta a tristeza nos ouvidos de quem não pode enxergá-la.
("Neblina")
Pronto para as lambidasde faca de cortar cana
faca profanade cabo de osso eferro moldado
no calor do sangueForja da pele
quente do mundoágua terra fogo
ar nuncanos pulmões do diabopara abaixar a pressão
e assim entãoa noite chegar
("Faca")
Sonhos castrados não geram filhos. Morrem cedo, de desgosto. São o ponto máximo das pequenas vidas, a motivação de desesperados sem talento. E o talento nada mais é que um tempero forte o suficiente para mascarar o sabor das grandes deficiências.Talentos abortados não podem crescer. Esmagados antes de florescer, antes de desenvolver um único pensamento linear completo.E abortamos nossas próprias vidas, propositalmente. Caminhamos a largos passos rumo a qualquer caverna escura com a intenção de esconder nossos sonhos e evitar que cortem suas bolas fora.
("Sonhos Castrados não Geram Filhos")
Neblina precede a noiteem minha terrabalanceando os sentidosCada nuvem a mais éareia na ampulheta
Me diz o quefiz de erradosou sempre culpadopor essa areia todae toda essa neblinaenforcando as doresderramando as coresNão fiznada de errado
O Império se fazde verde a cinzado alto ao mais alémTodo fantasma temum pigarro em comum
O que faço se fazmais que erradose não toco os coposou garrafas cheiasou vaziasO que mostro éde todo erradose não tenho neblinaembaçando a visão
("Ainda mais Errado")
Cemitério de velhos sonhose de insetos pisados
dispostos como galeriasfazem parte de
apenas um lado do mundoonde o Sol não bate
onde Deus abateo que tem lama até
os joelhos
Aglomerado de glória e desgraçae de gente solta
se prendendo em caixas fechadasnão celebra a festa com Pan
em outro lado do mundono lapso de um segundo
até que o universotenha um sonho melhor
("Massivo")
Não tem futuro os querenascem cegoscosturando seus egoscom linhas negrasCerto se mostrao que renasce deolhos fechadosnão procuram culpadosno escuroE no escuro se achaa iluminaçãono vazio, no princípioAcha-se em alta escalaquando o Eu enfim se calae destrói-se a existênciae seu propósitopara vê-la desbotadaassim como é de fatoAssim como deveria serindependente do prazerde não ser real
("Agulha")
Peso exalaculpa
Disparavultos
Amarraos membros
Colide contraum grande muro
E fogee é pegoMaldiz
os muitosmagos
Contradiztodos
os sábiosNão fiz
por ondemas onde
eu estava mesmo?
("Nada se Compara ao Prazer de ser Maior")
Não é Sol, nem Terra. Mais tenra, Lua crescente, nem começou a morrer. Nem desiludiu com a existência e sabe - e quer saber - tanto quanto pequenos sábios andarilhos. Método indutivo: aponta seus olhos para o alvo e "Sim, sim, concordo; Sim, sim, é verdade". Faça-se sua vontade, faça-se luz. Mostre o que tem a mostrar, mostre o que não é terrivelmente desagradável na existência - quem sabe não garimpa a realidade melhor que eu?
("Tenra")
Não leve a sério os planosou devaneios profanos
de seu deusQue é sua própria carne
sua própria almanão em vão.
Não abra a boca por nadanem para qualquer cusparada
por sobre o mundojuntar saliva aos riose regar toda terra
e cumprir sua missão.Não faça qualquer tratopode desistir no ato
que é melhoré seguro, saudávelmais que a forca
mais que a perdição.
("Ordem de Silêncio")
A única coisa bela no mundo é quando um decreto é obedecido. Sua vontade nasce dentro de você, se desenvolve ali mesmo, sem que você saiba, e se transporta para o mundo real. E ali está sua vontade sobre a Terra, sobre o Sol, sobre todos os átomos. Sobre a matéria e sobre a antimatéria. Sua vontade acima de qualquer pessoa, acima de todo amor sincero, toda felicidade. Ali estão suas palavras balbuceadas bem baixo, que é para não acordar seu fantasma.
("Não Pode ser Loucura")
Altitude suapropriedadetoda esta cidadeé regida pelaslinhas das mãosDe todo inimigodo sonho antigoOde à ampulhetaobstruídatambém ao passadodistantea todo louco erranteque pisar por aqui
("Divinatória")
Sucessão de escolhas erradas. Nó nos feixes de luz. Pedaço sujo do vazio. Caco de vidro em pó intra-auricular. Corpo são e mente débil. Hiperventilação da consciência. Vida salva antes do suicídio. Ferida aberta e tratada com infusão de dogmas. Dúvidas apontadas como armas brancas. Morros de respostas insustentáveis. Galeria de ambições abandonadas. Oceano imenso de aleatoriedade consciente. Sangue azul em pele parda. Culturas semelhantes de civilizações distantes. Alguns gramas-litros de um entorpecente qualquer. Olhos fechados para os sonhos não escorrerem pelas pálpebras durante a noite. Morais despedaçadas com um machado. Gosto de ferro, areia e culpa. Animais em disparada rumo à imensidão. Membros cortados sobre o oráculo. Micro-cosmo dentro de uma gota de água suja. Documento assinado a sangue e bons argumentos. Realidade fugindo pela brecha aberta por um sacerdote qualquer.
("Fusão")
Calçada-cuspideiraaos meus péstão sujos quantoesse venenoa ideia que empenoa base de sopro episadasno ritmo de baratascastradasna minha calçadade terra e salivatem ordem altivasobre o que penso eaonde vou
("Arbítrio")
Será que ainda hásangue em seu corpo
será a perguntaafinal
Até lá elese sente como morto
será porquênunca chegou a nascerassim como no natal
não nasce CristoSerá então
que se morto não estáum dia não chegue a
ser morto?
("Adaga Indaga")
A realidade é um átomo na iminência de se dividir. Com toda sua simplicidade complexa vista apenas enquanto inteira, enquanto por dentro. Por fora, vê-se sua complexidade real, seu nível mais profundo. Vê-se assim quando somos capazes de dividi-la. Disseque o cadáver para entender seu funcionamento; espalhe seus membros com as mãos; atravesse suas entranhas com os dedos; vá puxando para os lados, abrindo brechas e vendo. Vendo.Através da visão, sabe-se a fórmula do equilíbrio. Amor e ódio livres. Bem e mal pareados. Positivo, negativo. Amor demais cega; nutrir o ódio é como pôr objetos pontiagudos em infusão. Apenas deve-se aceitar a condição do sacrifício. Apenas deve-se, se assim for preciso, abrir mão do seu domínio sobre o tangível e deixar crescer sua alma.Quando a realidade se partir, serei a consequência negativa. Que assim seja.
("Mostruário Antimatéria")
Dentes como barrasde uma jaulaselam qualquer detentocessam qualquer batimentoporque sem paznão se pode sorrirporque olhos tristesnão enganam ninguémAinda bemque não nos forçam apuxar o canto da bocaenquanto atamos o nó da forcaAinda bemporque se nãoo mérito não seria meu
("Pessoas Tristes são Desajeitadas ao Sorrir")
Não vou morrercravejado por serras
Não vou morrercravejado por
gotas de chuvaAinda quebro as cerdas
dessa vassoura suja
Não vou morrerisolado por pedraspolidas da lagoa
Pelos filhos polidosda coroa,
mas vou morrer
("Cravejado")
Já podem acender a velaque eu já acordei
já podem rasgar o panopara economizar
e me cobrirque já morri do outro lado
e aqui me encontropronto para inexistir
("Mais Vale o Sono")
Adivinhe o que temem minha mãonão é pedranão é flornem mesmo a dorde não poderdeixar caira ilusãodo porvirda curade qualquer maldeixar revelara realidadeque é fatalcaindo entãoa mão inteirae a verdadeirapreocupação
("Apoio")
Meu segredo é omais tarde
precipitado comoqualquer alarde
Se vejo água hojevem a chuva amanhã
Espero e pacienteme recolho aomeu estorvo
E daí?Aconteceu de novo
e assim aconteceCada suspiroum presságioNão me retiro
nunca maisdo todo
Tão profundomeu estado decontemplação.
("Sincronicídio")
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