MP-PR empossa novo procurador-geral · 2 Março|Abril 2008 MP Notícias é uma publicação do...

8
Informativo do Ministério Público do Estado do Paraná | Ano 6 | Nº 8 | Março/Abril 2008 Entrevista: Riquelme faz balanço das duas últimas gestões p.6 | Colégio de Procuradores: Dois novos membros p. 8 Seminário multidisciplinar: MP-PR reúne autoridades, índios e indigenistas para discutir realidade dos povos indígenas p. 7 Olympio de Sá Sotto Maior Neto assumiu pela terceira vez a chefia da Instituição, em solenidade realizada no dia 7 de abril. Na foto, ele presta o juramento para exercício do cargo, que lhe foi transmitido pelo pro- curador Milton Riquelme de Macedo. p.2 MP-PR empossa novo procurador-geral

Transcript of MP-PR empossa novo procurador-geral · 2 Março|Abril 2008 MP Notícias é uma publicação do...

Informativo do Ministério Público do Estado do Paraná | Ano 6 | Nº 8 | Março/Abril 2008

Entrevista: Riquelme faz balanço das duas últimas gestões p.6 | Colégio de Procuradores: Dois novos membros p. 8

Seminário multidisciplinar: MP-PR reúne autoridades, índios e indigenistas para discutir realidade dos povos indígenas p. 7

Olympio de Sá Sotto Maior Neto assumiu pela terceira vez a chefia da Instituição, em solenidade realizada no dia 7 de abril. Na foto, ele presta o juramento para exercício do cargo, que lhe foi transmitido pelo pro-curador Milton Riquelme de Macedo. p.2

MP-PR empossa novo procurador-geral

2 Março|Abril 2008

MP Notícias é uma publicação do Ministério Público do Estado do Paraná. Procurador-Geral de Justiça: Olympio de Sá Sotto Maior Neto. Corregedor-Geral: Ernani de Souza Cubas Junior. Redação: Jaqueline Conte (jornalista responsável/ MTB 3535/PR) e Patrícia Ribas. Fotografia: Júlio César Souza, Jaqueline Conte, Arquivo Memorial MP-PR. Arte-final/impressão: Via Laser Artes Gráficas Ltda. Tiragem: 1.300 exemplares.

Expediente

Defendendo um Ministério Público “social”, que seja pautado pela transfor-mação do campo da Justiça em espaço de luta para a efetivação e universalização dos direitos humanos, tomou posse em 7 de abril o novo procurador-geral de Justiça do Paraná. Olympio de Sá Sotto Maior Neto assumiu o cargo máximo da Instituição pela terceira vez, assumindo o posto deixado, após duas gestões consecutivas, pelo procurador Milton Riquelme de Macedo. A solenidade de posse, que lotou o auditório Mario de Mari, do Centro Integrado dos Empresários e Trabalhadores das Indústrias do Paraná (Cietep), contou com a presença de muitas autoridades e de representantes de 42 en-tidades da sociedade civil organizada.

Participaram da cerimônia, compon-do a mesa diretiva, o governador Roberto Requião, o presidente da Assembléia Legislativa do Paraná, deputado Nelson Justus, o desembargador José Antonio Vidal Coelho, presidente do Tribunal de

(veja entrevista na página 6). Ele ressaltou que sua atuação foi marcada pela busca da transparência e do diálogo: “Prática salutar revertida em proveito de todos, foi a partir do diálogo que promovemos o confronto de idéias, fomentamos a defesa de políticas diversas e abrimos espaços à pluralidade de opiniões, tudo desde quando preservadas a integridade e a independência política, funcional e administrativa do Ministério Público, como Instituição investida de sig-nificativa parcela da soberania do Estado”, disse. Riquelme também deu as boas-vindas ao novo procurador-geral, enaltecendo sua “reconhecida integridade, devotada à causa pública” e seu “exemplar passado de agente ministerial que põe acima de tudo o cum-primento do dever”. “Uma personalidade marcada por destacados e reconhecidos méritos, a par da simplicidade de ser e de agir e do trato cortês”, afirmou.

Em seu pronunciamento, Olympio ressaltou o perfil que pretende imprimir à

Olympio assume MP-PRem terceira gestão

Justiça do Paraná, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, o corregedor-geral do MP-PR, procurador de Justiça Edison do Rego Monteiro Rocha, o presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos MPs dos Estados e da União (CNPG), Marfan Martins Vieira, o presidente do Tribunal de Contas do Paraná em exercício, Henrique Naigeboren, a secretária-geral da OAB-PR, Eunice Fumagalli Martins e Scheer, o vice-prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, e a presidente da Associação Paranaense do MP, Maria Tereza Uille Gomes. Ela fez uso da palavra em nome da APMP, enquanto o procurador de Justiça Hélio Airton Lewin discursou pelo Colégio de Procuradores. Também participaram da solenidade, entre diversas outras autoridades, os senadores Álvaro Dias e Flavio Arns.

Deixando o cargo, Riquelme agradeceu a todos os que colaboraram com sua gestão, citando algumas das realizações do período

3Março|Abril 2008

Instituição na gestão 2008-2010. “O nosso planejamento estratégico há de incorporar não apenas questões de cunho essencialmente burocrático, administrativo ou financeiro, mas também e prioritariamente as interfaces externas, sociais e políticas de sua interven-ção”, disse. “Ampliando o trabalho que já vem sendo realizado pelos procuradores e promotores de Justiça em todo o Estado - na área do meio ambiente, do consumidor, do idoso, da pessoa com deficiência, etc -, indispensável incrementar ações levando em conta múltiplos indicadores sociais de cada região, de cada município, por vezes de cada bairro, que compõem os “vários Paranás”, propiciando, quando necessário, verdadeiro acesso à Justiça para as popu-lações hoje vítimas invisíveis de exclusão social”, afirmou, destacando a importância da intervenção do Ministério Público não apenas nas causas de caráter meramente individual, mas na discussão, judicial se necessário, dos grandes temas coletivos e difusos, como saúde, educação, defesa do patrimônio público, do meio ambiente, do consumidor, entre outros.

Carreira - Membro do MP-PR há 31 anos, Olympio foi procurador-geral de Justiça

anteriormente, nas gestões 1994-1996 e 1996-1998, quando, entre outras realizações, instituiu os Centros de Apoio Operacionais das Promotorias de Justiça, implantou o programa das Promotorias de Justiça das Comunidades, informatizou por completo o Ministério Público e iniciou processo de interiorização administrativa, instalando sedes do MP-PR em diversas regiões do Estado. Reeleito, conseguiu garantir a independência funcional, administrativa e financeira da Instituição, que, pela pri-meira vez, passou a contar com percentual orçamentário próprio na Lei de Diretrizes Orçamentárias, implantando ainda novo Plano de Cargos e Salários, que permitiu a duplicação do número de servidores.

Curitibano, 55 anos, Olympio é for-mado pela Universidade Federal do Paraná (março/1976), onde cursou o mestrado em Direito.

Com ação social destacada na área da infância, participou da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tem colaborado com o processo de adaptação das legislações da América do Sul à Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, já tendo proferido palestras

Já no exercício oficial do cargo, ainda durante a solenidade, o procurador-geral de Justiça empossou os procuradores Lineu Walter Kirchner e José Deliberador Neto nos cargos de subprocuradores-gerais de Justiça para Assuntos Jurídicos e Administrativos, respectivamente.

No MP-PR desde 1978, é a quarta vez que Deliberador Neto assume o cargo. Na Instituição, atuou ainda como coordenador de Centro de Apoio, membro do Conselho Superior do MP, membro e presidente de Comissões de Concurso para ingresso na carreira, entre outras funções. Fora do MP, foi diretor da Pe-nitenciária Feminina do Paraná, chefe de gabinete da Secretaria de Justiça e também da Casa Civil, diretor-geral do DETRAN e membro dos Conselhos Pe-nitenciário Estadual e de Administração da Paranaprevidência, além do Conselho Curador da FEMPAR. Atuou ainda como professor de primeiro, segundo e terceiro graus, tendo sido coordenador-geral das Faculdades de Economia, Ciências Con-tábeis e Administração de Umuarama,

sobre o tema em diversos países latinos. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, integrante do Comitê Brasileiro de Juristas Pró-Convenção Internacional dos Direitos da Criança, bem como da Secção Brasileira do D.C.I. (Defesa das Crianças - Internacional), além de prestar assessoria ao Fórum Nacional das Entidades de Defesa das Crianças e Adolescentes.

Também foi presidente da Comissão Estadual de Estudos sobre o Menor em Situação Irregular; presidiu por duas vezes a Associação de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná; integrou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Ado-lescente (Conanda), o Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Paraná. Foi ainda diretor da Associação Paranaense do Minis-tério Público. Por seu trabalho na área da infância, recebeu diversas homenagens, inclusive internacionais, como a comenda da Organização Humanitária Esperança Sem Fronteira, sediada na Bélgica e ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).

professor de Processo Penal e coordenador do Curso de Estágio da Faculdade de Direito da mesma cidade.

Membro da Instituição desde 1980, Kirchner assumiu pela terceira vez a Subprocuradoria-Geral para Assuntos Jurídicos. Formado pela UFPR, onde hoje faz mestrado em Direito do Estado, o procurador fez cursos de aperfeiçoamento

em Direito Administrativo na Univer-sidade de Roma e especializações em Direito Tributário na USP e na PUC-SP. Foi procurador judicial da Procuradoria Fiscal do Estado, quando esta integrava a Secretaria da Fazenda, e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Curitiba e da Universidade Estadual de Maringá.

Subprocuradores-gerais também tomam posse

4 Março|Abril 2008

Saudações às autoridades e a todos que prestigiam este evento do Ministério Público do Estado do Paraná.

As primeiras palavras devem ser de agra-decimento.

Devo agradecer, antes de mais nada, aos inte-grantes do Ministério Público do Estado do Paraná. Foi o primeiro passo - e fundamental - a manifestação inequívoca dos Procuradores e Promotores de Justiça de apoio ao trio Ernani Souza Cubas Junior, Bruno Sérgio Galatti e Olympio de Sá Sotto Maior Neto, que trouxe consigo declarada opção ideológica no sentido de transformar nossos sentimentos de indignação contra as injustiças contidas na realidade social em comprometida atividade político-institucional para a construção de uma sociedade progressivamente melhor e mais justa.

Agradecer ao Governador Roberto Requião que, no exercício da sua faculdade de escolha, aca-bou prestigiando o resultado da eleição interna e, tenho absoluta certeza, acolhendo também a idéia de um Ministério Público que venha a exercer na plenitude seus predicados constitucionais de legítimo defensor do povo.

Agradecer, igualmente, aos ilustres Deputados Estaduais que, na augusta Assembléia Legislativa do Estado do Paraná e de maneira singular, referendaram meu nome - por aclamação - para o honroso cargo que agora assumo.

Devo agradecer ainda a todos aqueles que, mesmo não podendo votar ou nomear, participa-ram do processo de escolha do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, impulsionados, sei eu, pelas propostas políticas que nos transformam em companheiros da mesma luta.

Finalmente, em nome do Ministério Público do Paraná, os agradecimentos ao Procurador de Justiça Milton Riquelme de Macedo, que nas suas recentes gestões, para além dos resultados obtidos e aqui recém enunciados, soube se manter afastado de práticas internas autoritárias, mesmo nos episódios mais conflituosos que experimentou.

Feito o registro dos agradecimentos, cumpre-me agora tratar, ainda que em linhas gerais, daquilo que interessa à sociedade paranaense: o exercício que o Ministério Público do Estado do Paraná fará das atribuições que lhe foram constitucionalmente estabelecidas.

De início, considere-se comparecer totalmen-te estéril a discussão de ter a nossa Instituição se transformado - ou não - em quarto poder. A partir da constatação de que o Ministério Público, pelos comandos da Constituição de 1988, veio a alcançar o poder inerente às instituições independentes e autônomas, responsável por parcela da soberania do Estado, o que importa é estabelecer a maneira pela qual se dará o exercício democrático de tal poder, sempre na perspectiva de atender aos maiores e melhores interesses do povo.

Falo então nesse momento para reafirmar - com base na consciência da responsabilidade profissional, política, social e ética dos membros do Ministério Público do Estado do Paraná - o compromisso com diretrizes e prioridades institucionais que corres-pondam a proposta ideologicamente bem definida: a busca da igualdade material como referência de atuação e conseqüente opção preferencial em favor daqueles que se encontram afastados da possibilidade do exercício dos direitos elementares da cidadania (liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós e que som da igualdade seja sempre a nossa voz).

Isso significa na prática, é bom que se diga, o afastamento definitivo da Instituição de suas origens de patrocinador dos interesses dos reis e dos pode-

Discurso de posse do novo procurador-geral de Justiça“Vi ontem um bicho, na imundice do pátio, catando comida entre detritos. Quando encontrava alguma coisa, nem cheirava: engolia vo-razmente. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”. O lixo. Manoel Bandeira.

rosos para se constituir - como quer o ordenamento jurídico - legítimo defensor da sociedade.

Afastando então pretensa neutralidade do operador jurídico (cuja tendência e destino é sem-pre a manutenção do status quo vigente, inclusive no que diz respeito às desigualdades e injustiças), a postura exigida é de estrito cumprimento do mandamento constitucional que indica ser o Mi-nistério Público instituição a quem incumbe não só a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis mas, especialmente, do regime democrático.

Aí está o ponto de mutação institucional e verdadeira ponte de ouro que a Constituição de 1988 construiu encaminhando os integrantes do Ministério Público, de singelos despachantes processuais ou meros burocratas do Direito, à condição de agentes políticos de transformação pela via da implementa-ção das regras jurídicas de conteúdo genuinamente democrático. Os Procuradores e Promotores de Justiça não mais podem ter como dístico principal o da dura lex sed lex (a lei é dura mas é lei), própria do tempo em que eram agentes do Poder Executivo a fiscalizar os atos do Poder Judiciário no sentido do estrito cumprimento das leis, ainda que significassem elas a cristalização das injustiças e desigualdades contempladas na realidade social.

Agora, nossas atividades devem ser impulsiona-das pelas práticas jurídicas democráticas, identificadas pelo objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de - a partir da erradicação da miséria política, social, econômica e cultural - construir uma sociedade livre, justa e solidária (aliás, abrindo parênteses para falar exclusivamente aos integrantes do Ministério Público, vale o registro de que o princípio da unidade institucional, para além de um conceito meramente administrativo, significa exatamente a vinculação de todos à estratégia de planejamento estabelecida para o alcance dos objetivos que interessam não a cada em de nós mas sim à sociedade paranaense, elevando-se dessa forma em dignidade a nossa garantia da independência funcional).

Possível compreender a dificuldade - e, ao mesmo tempo, absoluta necessidade - de interven-ção institucional positiva em relação às estruturas de nossa sociedade forjadas por extraordinárias desigualdades sociais. Nesse ponto, que se refere à concentração absurda das riquezas em mãos de poucas pessoas, continuamos apresentando taxa que nos mantêm juntos aos outros campeões: Butswana, Nepal e Quênia (ou seja, 10% dos mais ricos de-tendo cerca 56% de nosso produto interno bruto). Por outro lado, o Estado Brasileiro, que continua se vangloriando da ampliação do superávit primário para o pagamento da dívida interna e externa (a qual, aliás, por comando constitucional, deveria ter sido submetida a uma auditoria até hoje não realizada), além das gritantes deficiências em rela-ção às políticas sociais básicas, sequer desenvolve suficiente assistência social para atendimento dos empobrecidos e despossuídos. Ao mesmo tempo, os agentes políticos corruptos, os funcionários pú-blicos peculatários, os empresários quadrilheiros e os grandes fraudadores do fisco permanecem san-grando impunemente os cofres públicos, desviando exatamente os recursos que seriam necessários para a efetivação de políticas sociais públicas. Afora tudo isso, na esteira da hipocrisia neoliberal travestida de globalização da economia e que tende a transferir os foros das decisões políticas e sociais dos espaços da soberania estatal para os escritórios de grupos transacionais ou multinacionais, verifica-se que a “mão invisível do mercado” não tem olhos, nem coração, para enxergar, compreender e participar

de urgente movimento nacional de solidariedade e justiça capaz de socorrer milhões de brasileiros que experimentam a subnutrição, morrem de fome e de doenças facilmente evitáveis, percebem salário insuficiente para atender às necessidades básicas, padecem da falta de educação e cultura, e são im-pulsionados cotidianamente para o crescente campo da marginalização social.

O que quero dizer é da nossa responsabilida-de com aqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade.

O Ministério Público cresce em credibilidade - e assim amplia o indispensável apoio das camadas pro-gressistas da sociedade - quando ouve em audiências públicas os anseios sociais ou, mais ainda, quando intervém positivamente para acudir juridicamente os sem-teto, os sem-terra, os sem-saúde, os sem-alimentação, os sem-educação, os sem-trabalho, enfim, os sem-oportundade-de-vida-digna; quando internaliza na esfera judicial as questões sociais mais significativas, valoradas pela ótica das camadas po-pulares; quando transforma o campo da Justiça em espaço de luta para a efetivação e universalização dos direitos humanos.

O nosso planejamento estratégico então há de incorporar não apenas questões de cunho essencial-mente burocrático, administrativo ou financeiro, mas também e prioritariamente as interfaces externas, sociais e políticas, de sua intervenção.

Ampliando o trabalho que já vem sendo rea-lizado pelos Procuradores e Promotores de Justiça em todo o Estado (na área do meio ambiente, do consumidor, do idoso, da pessoa com deficiência, etc.), indispensável incrementar ações levando em conta múltiplos indicadores sociais de cada região, de cada município, por vezes de cada bairro, que compõem os “vários Paranás”, pro piciando, quando necessário, verdadeiro acesso à Justiça para as populações hoje vítimas invisíveis de exclusão social.

É isso mesmo, o Ministério Público atuando com o objetivo de impedir que as regras jurídicas de maior alcance social (especialmente aquelas da Constituição Cidadã), mesmo diante da agonia e sofrimento do povo, acabem letras mortas, tratadas como meras declarações retóricas ou exortações morais de faz-de-conta, postergadas na sua efetivação, quando não relegadas definitivamente ao abandono.

Nesse aspecto, realçada está a necessidade de ultrapassarmos a simples intervenção nas causas de caráter meramente individual para levarmos a discussão, judicial se necessário, dos grandes temas coletivos e difusos (saúde, educação, defesa do pa-trimônio público, do meio ambiente, do consumidor, entre outros). A revisão de nossa atuação como custus legis encontra-se justificada por simples aritmética: enquanto se alcança a solução, ainda que justa, para um caso individual, o sistema social injusto está a produzir centenas, milhares, quando não, milhões de situações idênticas (vale dizer, atuamos no varejo e o sistema produz no atacado). Enfatiza-se então a atuação como parte promovente, com o uso do inquérito civil e da ação civil pública para a realização dos direitos humanos, pedra de toque do verdadeiro Estado de Direito Democrático (convém aqui lembrar, especialmente para aqueles que se preocupam com a crescente situação de insegurança e violência hoje por nós todos experimentada, o dizer de Norberto Bobbio no sentido de que direitos humanos, demo-cracia e paz social são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos humanos reconhecidos e protegidos não há democracia e sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos sociais).

Nessa linha, a defesa dos direitos da criança

5Março|Abril 2008

Nilo Prince Paraná uma justa homenagem

Rui Cavallin Pinto

Rememorandum|Memorial do Ministério Público

Em fevereiro, faleceu Nilo Prince Paraná, após uma carreira de 43 anos no Ministério Público. Talvez seja mais fácil defini-lo servindo-se do seu próprio nome, como a imagem de um verdadeiro príncipe da Instituição, por sua dedicação a seu ministério e a maneira afável e simples com que tratava a todos. Nilo era ainda remanescente do velho Ministério Público, anterior à Constituição de 46, e nele se conservou até um ano antes da Carta de 88. A seu tempo, a Procuradoria-Geral ocupava três pequenas salas na esquina das ruas Dr. Murici e Cruz Machado. O chefe do MP dispunha apenas de um secretário (o velho Pedro Lago Marques), dois oficiais e duas datilógrafas.

Talento precoce, Nilo se bacharelou aos 21 anos, na UFPR (1940). Após uma breve iniciação profissional no interior de Santa Catarina, vamos encontrá-lo em Ponta Grossa (1944), ocupando a promotoria interina. Depois, como adjunto de promotor em diversos termos do Estado. Com a Constituição de 1946, foi realizado o primeiro concurso estadual para ingresso no Ministério Público. Aprovado, passou a percorrer diferentes comarcas - Tomazina, Clevelândia, Joaquim Távora, Rolândia, Siqueira Campos -, até sua promoção para a capital, onde ainda exerceu a direção da Prisão Provisória (1964), do DETRAN e da Secretaria de Segurança Pública. Promovido a procurador, em 1975, exerceu também a Curadoria do Instituto de Terras e Cartografia do Estado e foi eleito Corregedor-Geral do MP (1976/77).

Homem de hábitos sóbrios, conta-se que certa feita, quando era Advogado de Ofício do Ministério Público, encarregado de promover a defesa dos réus sem advogado, fora convocado

inesperadamente para de-fender um réu no Tribunal do Júri, naquele mesmo dia, com prazo de pouco mais de vinte minutos para se inteirar do processo. Ora, levando em conta seus escrúpulos na função, negou-se a assumir a defesa sem preparo, pedindo prazo razoável, quando surgiu um jovem advogado ansioso para demonstrar suas qualidades tribunícias. Aceitava a defesa no lugar do promotor só com uma breve vista de olhos do processo. E nesse embalo simples o Júri foi instalado em seguida, para castigo do réu, condenado a 22 anos de reclusão.

Em outro episódio, agora como Corregedor, procurou dar a medida da verdadeira natureza da função, reprimindo a pretensão de uns e a vaidade de outros tantos. E disse aos promotores numa reunião: “Os senhores são simplesmente promotores, e se atenham assim aos limites de suas funções”. Não desprestigiava a instituição com o “simplesmente”, nem lhe diminuía o alcance. Diante do largo perfil que o Ministério Público adquiria, pareceu justo recomendar a seus agentes que não perdessem de vista esta condição orgânica, seu papel básico, para que, a pretexto de que tudo podem, não exorbitem nem transponham os limites legais de sua função. Essa lição pode parecer simples, mas quem a ouviu guardou seu verdadeiro sentido.

Foi assim Nilo Prince Paraná, uma vida inteira devotada ao Ministério Público, marcada pela modéstia. Célia Paraná foi sua companheira inseparável durante 58 anos de vida matrimonial, e Ana Zélia, Nilo Júnior e Paulo, seus filhos.

e do adolescente deverá ter, como dita o comando constitucional, prioridade absoluta, preparando-se a população infanto-juvenil para o futuro exercício da cidadania. Não construiremos a sociedade justa almejada se continuarmos perdendo gerações e gerações de crianças e adolescentes para sub-cidadania e em alguns casos até, infelizmente, para a criminalidade. O princípio constitucional da prioridade absoluta, relembre-se a todo momento, significa preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas (inclusive do próprio Ministério Público), assim como destinação privilegiada de recursos para a área infanto-juvenil (daí que lugar de criança é na família, na escola e, igualmente, nos orçamentos públicos).

Zelar pelo efetivo respeito por parte dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual é atribuição - de defensor do povo - que não pode ser descurada; promovendo-se, quando necessário, as medidas administrativas ou judiciais para a salva-guarda dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, economicidade e eficiência.

No combate à criminalidade (que corresponde a significativa responsabilidade institucional, na mesma proporção em que somos titulares exclusivos da ação penal pública), indispensável a ampliação dos recursos humanos, materiais e logísticos para apoio às investigações e persecução penal dos grandes delitos econômico-financeiros, notadamente em hipóteses de direta lesão ao patrimônio público. Não se olvide que a chamada criminalidade do colarinho branco (que hoje, vale registrar, encontra-se praticamente imune às malhas do Direito Penal) é fator determinante da própria criminalidade convencional.

Por outro lado, se a pretensão constitui mesmo otimizar o funcionamento da Justiça Penal, indispen-sável o aprimoramento dos mecanismos destinados ao cumprimento de nossa função constitucional de realizar o controle externo da atividade policial, pois comparece absolutamente inaceitável que exatamente o agente do poder público encarregado do combate à criminalidade esteja promiscuamente envolvido com grupos criminosos, quando não ele próprio sendo o executor direto e exclusivo de delitos. Para o estabe-lecimento de necessária cultura da legalidade, deve a população reagir aos desvios da atividade policial, noticiando tais fatos ao Ministério Público.

Na esfera cível, além da atenção a determinados feitos de interesse da Fazenda Pública, indispensável implementar correta fiscalização das Fundações, bem assim de todas as entidades que tenham sido beneficiadas com subvenções sócias.

Enquanto efetivo defensor do regime democrático, deverá o Ministério Público ampliar sua atuação nos processos eleitorais, de modo a impedir que o exercício do direito de voto acabe viciado pelo abjeto abuso do poder econômico ou pelo odioso uso indevido da máquina administrativa. A genuína democracia não admite representantes comprometidos com práticas eleitorais criminosas, que fazem por contaminar o próprio exercício do mandato popular.

Para a empreitada aqui alinhavada em alguns pontos - e afora a integração das ações com o Minis-tério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, aliás, aqui representados, respectivamente, pelos Excelentíssimos Doutores Procurador da República João Gualberto Garcez Ramos, Procuradora-Chefe Lair Carmem Guimarães e Procuradora-Geral Ân-gela Cássia Costaldello - devo dizer indispensável a cooperação dos Poderes Executivo, Judiciário, Legislativo e Tribunal de Contas.

Com o Poder Executivo, tenho certeza Gover-nador Roberto Requião que, pela sua visão acerca do papel do Estado, haveremos de estabelecer agenda positiva, pautada por relações harmoniosas e repu-blicanas, estabelecidas com vista ao alcance dos mais relevantes interesses da sociedade paranaense.

Com o Poder Legislativo, presidido pelo De-putado Nelson Justus e tendo como 1º Secretário o Deputado Alexandre Khoury, estreitaremos ainda

mais as relações a partir da própria identidade existente entre as nossas instituições. É que in-cumbe exatamente ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento - e muitas vezes dar vida - às leis emanadas do Parlamento.

Em relação ao Poder Judiciário, devo dizer que já nos primeiros contatos com o Desembargador José Antonio Vidal Coelho pudemos estabelecer um relacionamento leal e consistente. Afinal, Poder Ju-diciário e Ministério Público fazem parte do mesmo engenho. O que for prejudicial a um, também o será de alguma forma ao outro. E assim digo perfeitamen-te consciente das características institucionais, da autonomia e independência de cada um, mas antes voltado para o seu papel distinto e ao mesmo tempo coeso no Estado de Direito Democrático.

Com o Tribunal de Contas, presidido pelo Conselheiro Nestor Batista, restabeleceremos co-laboração anteriormente já vivenciada, que serviu para concretizar medidas judiciais, tanto na esfera criminal como cível, destinadas a reprimir ações lesivas ao patrimônio público.

Com a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Paraná, reeditaremos ações conjuntas em prol da cidadania, especialmente na área da infância e juventude, cuja comissão é presidida pela Promotora de Justiça Honorária Márcia Caldas.

No âmbito interno, com a Associação Paranaense do Ministério Público, presidida pela competente Promotora de Justiça Maria Tereza Uille Gomes, certamente faremos por estabelecer, via relações de respeito e cordialidade, parcerias capazes de concretizar os melhores anseios institucionais e da própria sociedade paranaense.

Com a presença aqui confirmada de 42 entida-des representativas da sociedade civil, reafirmo que continua íntegro o propósito do Ministério Público do Estado do Paraná de colaborar com o processo já desencadeado de organização popular, sendo inclusive seu braço jurídico. Mantém-se a idéia de que somente a sociedade civil organizada - e, assim, politizada - será capaz de levar adiante as reformas estruturais da sociedade, bem como fazer implantar um Estado genuinamente democrático, preocupado com as condições de vida de toda a população, espe-cialmente os marginalizados, insista-se, aqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade. Por isso a extrema satisfação de ver novamente aqui, nesta solenidade do Ministério Público defensor da sociedade, representantes de suas forças progressistas, que inclusive, nos vários conselhos formuladores de políticas públicas, estão levando adiante a proposta constitucional da demo-cracia participativa.

Por fim, considerado que não se deve perder a ternura jamais e eu, no que tange à minha famí-lia, preciso oferecer graças à vida que me há dado tanto, concluo este discurso combinando o que disse Jorge Amado na sua obra Capitães da Areia, no sentido de que determinadas pessoas não morrem, transformam-se em estrela, e da recomendação do meu querido pai Lélio Guimarães Sotto Maior, com Olavo Bilac, de que quem ama é capaz de ouvir estrelas, para registrar que nessas noites em que tenho conversado com a minha mãe Olinda Rüppel Sotto Maior, dela continuo ouvindo, ao final, Deus te abençoe meu filho!

Olympio de Sá Sotto Maior Neto

6 Março|Abril 2008

Entrevista|Milton Riquelme de MacedoN e s s a

edição do MP N o t í c i a s , o procurador de Justiça Milton Riquelme de Macedo faz um breve balanço sobre suas duas gestões como procurador-geral de Justi-ça, cargo que deixou em 7 de

abril. Paranaense de Sertanópolis, formou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Ingressou no Ministério Público do Paraná em 1977. Integrou o Conselho Supe-rior do Ministério Público, em 2000 e 2001, e exerceu o cargo de corregedor-geral do MP-PR, entre 2001 e 2003. Foi presidente da Associação Paranaense do Ministério Público por três gestões (1987-1991) e presidente da CONAMP, de 1993 a 1996.

Como o senhor analisa esses quatro anos de gestão à frente do Ministério Público do Paraná?

Avalio todo o período de forma bastante positiva. Creio que nessas duas gestões demos seguimento ao trabalho que já vinha se desenvolvendo no Ministério Público do Paraná através das seguidas gestões, visto que se trata de uma Instituição permanente, que tem seus principais eixos de atuação já definidos no contexto legal, a partir da linha mestra nos dada pela Constituição Federal. Busquei, tanto quanto me foi pos-sível como procurador-geral, dar ênfase à democratização das instâncias internas, bem como adotar a transparência como norma prioritária em todas as ações institucionais. Procurei também preservar o princípio da unidade institucional, debatendo todas as eventuais divergências internas e externas que tivemos durante todo esse período de forma ampla e democrática. Com isso, agora ao final, creio ter alcançado um almejado clima de união entre todos.

Sobre essas divergências: o senhor enfrentou situações polêmicas - desde sua primeira nomeação até os mais recentes embates com o Executivo Estadual. Como procurou conduzir essas questões?

Sempre me pautei por uma postura de seriedade e equilíbrio, buscando preservar a autonomia e independência da Instituição, sem, contudo, quebrar a necessária harmonia que deve haver entre os poderes e institui-

serviço de residente jurídico, a ser celebrado entre a Instituição, a Secretaria Estadual de Ciências e Tecnologia e a UFPR, bem como não ter conseguido alcançar a titularização das Promotorias Especializadas da capital, em virtude de ter ficado na dependência de manifestação do Colégio de Procuradores. Apesar disso, creio ter colocado em práti-ca várias ações administrativas de peso e deixado um Ministério Público dinâmico e organizado.

O senhor sempre teve forte participação na vida política da Instituição - entre outros cargos, já presidiu a APMP, presidiu a CONAMP, foi corregedor-geral do MP-PR e agora passou pela experiência de chefiar a Procuradoria-Geral de Justiça. Quais as vantagens e desvantagens de cada uma dessas funções? Qual mais lhe agradou?

Tenho vocação para o trabalho na política institucional. Essa característica se manifestou muito cedo em minha carreira dentro do Ministério Público do Paraná e não consegui mais me afastar dessas discussões, que me trazem muita alegria e motivação. Em cada função exercida ao longo desses mais de 30 anos de Instituição, em virtude das diferentes atribuições de cada cargo, tive o privilégio de estar em contato direto com os colegas, dos mais jovens aos mais experientes, compartilhando suas preocu-pações e anseios. Também pude participar de forma bastante diferenciada dos debates e ações institucionais, vibrando igualmente em todas as posições que ocupei. Houve dificuldades, é certo. Nesse ponto, não posso deixar de registra a graça de ter tido uma família sempre compreensiva e unida, que ficou a meu lado e não me deixou abater. Mas as intempéries foram pequenas quando colocadas ao lado das grand es realizações que pude vivenciar nesses anos todos, so-bretudo a possibilidade de ter colaborado, de alguma forma, com o crescimento e fortalecimento institucional.

Qual mensagem o senhor gostaria de deixar ao final desses quatro anos?

Deixo as palavras continuidade e unidade aos colegas que assumem a Procuradoria-Geral de Justiça. Além disso, como já coloquei pessoalmente a cada um deles, deixo meu apoio irrestrito à nova gestão, que é composta de membros da Instituição também altamente comprometidos com o crescimento e a valorização do Ministério Público do Paraná e com a busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Podem contar com meu apoio.

ções da República. Mesmo nos momentos mais tormentosos estive aberto para ouvir todos os membros do Ministério Público que mostraram interesse em se colocar para auxiliar na melhor definição das questões em debate. Prova disso foi a criação, no ano passado, da comissão especial formada por diversos ex-procuradores-gerais de Justiça, procuradores e promotores. A partir desse grupo, unidos, trabalhamos durante o pe-ríodo em que sérias “marolas” aventaram contra a Instituição e o Executivo Estadual. Creio que isso foi essencial na solução do impasse, pois tenho pra mim que é a uni-dade que garante nossa força institucional. Foi isso que me moveu durante a condução de todas as situações enfrentadas nesses quatro anos.

Quais foram as principais conquistas obtidas nesse período? O que faltou realizar?

Entre as várias ações, destaco a implementação dos cinco novos Centros de Apoio - Júri, Direitos Humanos, Terra Rural, Ambientais da Região Metropolitana de Curitiba e Proteção às Comunidades Indígenas - que deram mais suporte ao trabalho dos promotores de Justiça. Ainda com esse objetivo, somado à necessidade de aproximar cada vez mais a Instituição da comunidade, trabalhei para a criação de novas sedes próprias do MP-PR no interior do Estado, bem como para a melhoria das sedes de algumas comarcas. Mesmo com o orçamento a cada ano mais restrito, frente às crescentes demandas da Instituição, conseguimos inaugurar sedes do Ministério Público do Paraná nas comarcas de Lon-drina e Guarapuava, bem como reformar e reequipar várias outras unidades, como Maringá, Campo Mourão, Cascavel, Foz do Iguaçu, Apucarana e Matinhos. Como procurador-geral, também me orgulho de ter colaborado com a reestruturação e ampliação das Promotorias de Investigação Criminal, que passaram a ser nomeadas Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, os GAECOs, insta-lados agora em Curitiba, Londrina, Foz do Iguaçu, Cascavel, Guarapuava e Maringá. Pensando ainda na questão do combate ao crime, ressalto a importância da criação, no ano passado, do Núcleo de Pesquisa e Informação do MP-PR, unidade essencial para o enfrentamento pleno da criminalidade organizada. Como procurador-geral, lamento não ter visto finalizado e em funcionamento o convênio que possibilitará a criação do

7Março|Abril 2008

Em Curitiba, a realidade indígena, da época de Marechal Rondon aos nossos dias. Reencontros históricos, como o do cacique Raoni, do Xingu, com o filósofo e professor Noel Villas Boas, que foi carregado no colo pelo chefe dos caiapós quando era criança, então sob os olhos do pai, o sertanista Orlando Villas Boas, ícone do indigenismo brasileiro. História, legislação e desafios envolvendo os povos indígenas. Quem participou do seminário “Uma Visão Indígena – História e Atualidade”, promovido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção às Comunidades Indígenas, nos dias 13 e 14 de março, teve a rara oportunidade de presenciar esses encontros e debates e de entender mais sobre o tema, por meio dos maiores nomes do País ligados à questão.

Mesclando palestras sobre a evolução histórica e a situação dos povos indígenas hoje, na visão de índios e indigenistas, e palestras jurídicas, abordando temas como os direitos dos povos indígenas, a compe-tência da Justiça Estadual nesta seara e a legislação que norteia o tema, o seminário pôde ser considerado realmente um evento multidisciplinar.

Estiveram presentes, além de Raoni e Villas Bôas, o índio do pantanal sul-matogros-sense Marcos Terena, diretor do Memorial dos Povos Indígenas e presidente do Comitê Intertribal (ITC), organização indígena que atua junto à ONU; Sydney Ferreira Possuelo, presidente do Instituto Brasileiro Indigenista (IBI), que trabalhou por mais de 40 anos como sertanista, com atuação especial junto a comunidades indígenas isoladas, e ocupou, entre muitas outras funções, o cargo de diretor do Parque Indígena do Xingu; o antropólogo e sertanista Claudio dos Santos Romero, também ex-diretor do Parque do Xingu, ex-

presidente da Fundação Nacional do Índio e atual coordenador de Estudos e Pesquisa da FUNAI; o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (PR), Romancil Gentil Creta; o assessor para Assuntos Indí-genas, da Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo do Paraná, Edívio Battistelli, entre outras referências nacionais e estaduais na área indígena.

Também participaram do seminário o promotor de Justiça Willian Lira de Souza, de Guarapuava, os procuradores regionais da República Walter Claudius Rothenburg (SP) e Antonia Lelia Neves Sanches (PR) e o procurador federal Derli Cardoso Fiúza, profissionais do Direito que falaram das ferramentas para a atuação jurídica nas questões indígenas.

“A população de índios no Paraná é estimada em 32 mil pessoas, das etnias Kaingáng, Guarani e Xetá. No país, temos 220 povos indígenas, que somam quase um milhão. Não podemos ignorar essa população e temos que compreender a história e a cul-tura desses povos, se quisermos realmente defender seus direitos nos dias de hoje”, afirma o promotor de Justiça Luiz Eduardo Canto de Azevedo Bueno, coordenador do CAOP Indígena.

Raoni ensina a proteger a terra e critica barragens

Falando sobre a situação dos povos in-dígenas no Brasil, o cacique Raoni Metuktire, 81 anos, deu aos participantes do Seminá-rio uma lição de sabedoria e simplicidade: “Temos que ter respeito um pelo outro”. Com discurso firme, na língua caiapó (com tradução de um familiar), ele disse que o branco tem que respeitar a terra indígena.

“A gente não mexe na terra do fazendeiro, mas ele mexe na nossa terra”, afirmou. E fez um apelo para que brancos e índios lutem juntos contra a instalação de barragens. Ele referia-se sobretudo à Belo Monte, no Pará, a primeira barragem do Complexo Hidrelétrico do Xingu, uma das obras previstas no PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal. “O (rio) Xingu é de todos. Me ajudem. Já falei com o Lula. A gente precisa lutar junto para que não tenha barragem no Xingu”. E alertou: “Se forem fazer, vão ter problemas. Vocês têm ouvidos, que me escutem”, disse, sugerindo que deve haver embates entre a população indígena e os defensores do projeto. “Temos que ter cuidado com o rio Xingu e os demais rios, para que a geração nova possa usar esses recursos naturais. Temos que cuidar das florestas.”, afirmou.

A FUNAI está retalhadaSe há uma opinião unânime entre índios

e indigenistas que participaram do encontro no MP-PR é que a política indigenista brasi-leira está desestruturada. Para o antropólogo e sertanista Claudio Romero, os 220 povos indígenas existentes no país travam diaria-mente uma “guerra de libertação”. “Eles continuam sendo oprimidos, sendo colonizados por madeireiros, garimpeiros, fazendeiros, missionários, pesquisadores, resistindo para não ser extintos”. O problema, segundo ele, é que, embora a legislação do país nessa área seja uma das mais adiantadas da América, não existe a chamada ação indigenista, que ele define como “a presença constante do Estado, dos agentes do Estado, junto a esses índios”. “Eu diria que existe a política indigenista brasileira, mas o órgão

Passado e presente dos povos indígenas em debate no MP-PR

Assessoria de Imprensa | Ministério Público do Estado do ParanáRua Marechal Hermes, 751 | CEP 80530-230 | Curitiba - PR

e-mails: [email protected] | [email protected]

Colégio de Procuradoresrecebe dois novos membros

encarregado disso, a FUNAI, foi retalhada. Hoje, existem 18 ministérios com recursos para ações indigenistas e esses ministérios, por não terem um knowhow indigenista, por não terem o que a FUNAI tinha - que é a experiência de seus servidores, que foi sendo passada pelos mais velhos para os mais novos, desde 1910, com o Rondon, com os Villas Bôas, com o Chico Meirelles -, não têm gente que tenha conhecimento e amor necessário para defender os índios”, afirma Romero. “Isso deixa os povos indígenas nesse momento de fragilidade”.

O diretor do Memorial dos Povos Indí-genas, Marcos Terena, acredita que, se de um lado os povos indígenas conseguiram avançar na conquista das terras, “a invasão cultural, religiosa, política e a invasão física” colocam em risco a sobrevivência futura des-sas sociedades. “É preciso gerar uma forma de cidadania indígena, com acesso a novos conhecimentos, tecnologias e autonomia, de livre determinação para uma reconquista de vida com qualidade”, afirma. “Mas o Estado insiste na forma assistencialista, gerando bolsas ou sacolão de alimentação, etc”. Para ele, a existência de povos indígenas que so-mam quase um milhão de pessoas, com mais de 180 línguas, e com direito reconhecido a quase 15% do território nacional, requer uma maior atenção do Estado. “O Governo Brasileiro tem que se ajustar, com a criação em breve, como esperamos, de um Ministério de Assuntos Indígenas”, defende.

Durante o seminário, Noel Villas Bôas, após fazer um relato histórico da política in-digenista brasileira, desde Marechal Rondon, também falou sobre a desestruturação dos organismos do Estado. “O problema hoje é que a FUNAI não pode fazer mais do que se propõe. Ela nasceu para atender índios de

cultura pura. Mas as neces-sidades dos diversos povos indígenas são diferentes. Hoje não tem como atender os índios que já foram prejudicados, como os da faixa litorânea, por exemplo”.

Em sua palestra, Sydney Possuelo falou um pouco sobre seus 42 anos de experiência como sertanista, de suas alegrias e agruras frente a tarefas tão peculiares como as de contatar povos isolados no meio da selva. Em sua trajetória, fez os

primeiros contatos com sete diferentes gru-pos de índios isolados: Mayá, no Amazonas, Awá-Guajá, no Maranhão, Araras, no Pará

(três grupos distintos), Parakanã, no Pará, e Korubo, no Amazonas. Ele conta que essa é uma profissão específica, para a qual apenas a FUNAI pode preparar. “O sertanista é um especialista em sobrevivência na selva, em povos não contactados, e deve estar apto a chefiar expedições em selva”, diz. “É o menor quadro da FUNAI e é uma profissão que está desaparecendo junto com a selva”. Sua vivência junto aos povos indígenas isolados lhe trouxe muitas lições. Eles elas, ele ressalta duas: “que os povos indígenas estão sobre o tempo e, nós, sob o tempo. Isto é uma condição importante de vida” e “que as variadas formas de estar no mundo e viver os 70 ou 80 anos de vida podem ser diferentes das que você foi criado. E todas elas são igualmente respeitáveis e dignas”.

O Ministério Público do Paraná empossou em março dois novos procuradores de Justiça. No dia 5, assumiu o cargo a então promotora substituta em segundo grau Sonia Maria de Oliveira Hartmann. Em 7 de março, foi a vez de Leonir Batisti, que atuava como promotor em Londrina. Nas duas cerimônias, presididas pelo então procurador-geral de Justiça, Milton Riquelme de Macedo, o procurador aposentado Nilton Marcos Carias de Oliveira falou em nome da Associação Paranaense do Ministério Público. Pelo Colégio de Procuradores, Sérgio Luiz Kukina deu as boas-vindas a Sônia e, Antonio Winkert Souza, a Batisti. Natural de Taquarituba (SP), Sônia Hartmann ingressou no Ministério Público paranaense em 1985. Nos últimos anos, atuava como promotora de Justiça substituta em segundo grau, perante a Quarta Procuradoria de Justiça Criminal. Leonir Batisti ingressou no MP-PR em 1981 e, antes de assumir o novo cargo, atuava junto ao GAECO de Londrina.

Sonia Maria de Oliveira Hartmann Leonir Batisti