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TRABALHO, EDUCAÇÃO E EXECUÇÃO PENAL: OS DILEMAS DE UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA DA PEDAGOGIA NO CÁRCERE Sandra Marcia Duarte 1 Profª Drª Sônia M. Chaves Haracemiv 2 RESUMO Este texto discute a questão dos diferentes processos educativos que se realizam no interior das instituições totais destinadas aos presos provisórios e condenados às penas privativas de liberdade. Procura evidenciar os paradigmas educativos que orientam a práxis educativa destas instituições baseada nas determinações da lei de Execução Penal. Procura evidenciar as possibilidades, na realidade paranaense, de construção de um novo paradigma para abordar a questão do tratamento penal e neste contexto o processo educativo formal que se realiza pelos CEEBEJAS responsáveis pelo processo de ensino no interior das unidades penais. Para isso, descreve as características das instituições totais que as tornam as unidades penais um ambiente prizionizante, incompatível, portanto, com os princípios educativos de autonomia, emancipação, rebeldia e transformação da realidade; revela o processo de ensino do crime organizado que ocupa as lacunas deixadas pelo Estado em termos de assistência, inclusão, pertencimento, identidade, e que por suas características se torna marginalizante em relação a ordem social vigente e aos padrões societais de convivência. Demonstra que o processo de ensino formal se organiza no interior das unidades penais como um instrumento do pensamento reformista, positivista, higienista da Lei de Execução Penal cuja racionalidade baseia-se na lógica burguesa do Século XVIII. Adverte que embora o atual Governo tenha envidado esforços para garantir os direitos humanos aos presos em termos de custódia executória, a abertura de vagas nos presídio não significa salto de qualidade no tratamento penal, nem avanços em termos de abordagem. Primeiro porque reproduz há quase trinta anos o discurso da ressocialização, da reintegração e da reeducação do preso. Segundo porque os “CEEBEJAS” implantados nos presídios por via do convênio entre as Secretarias de Estado da Educação e da Justiça atendem ao correspondente a penas 30% da clientela encarcerada. Alerta para o fato de que o Estado necessita repensar suas práticas de Gestão Penitenciária, adotar modelos de presídios que atendem às necessidades dos internos-alunos em termos de individualização da pena, formação profissionalizante com garanta de acesso, permanência e sucesso na conclusão da educação Básica, sob pena de que a atual gestão, injustamente, seja responsável pela dura estatística de ter se constituído no governo que mais prendeu paranaenses na Historia deste Estado. Por fim, propõe a construção de Unidades penais escolas destinadas à implantação de presos condenados com idades entre dezoito e vinte e cinco anos como um critério para iniciar o processo individualizador da Execução Penal. Palavras-chave: Paradigmas Educacionais; Execução Penal; Criminologia Critica; Educação de Jovens e Adultos. 1 Pedagoga do Quadro Geral do Estado da Secretaria de Estado da Justiça, lotada no Centro de Observação Criminologia e Triagem – Depen-Pr. Pedagoga do Quadro Próprio do Magistério da Secretaria de Estado da Educação – QPM. Presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Paraná. Especialista em Gestão Penitenciária pela Universidade Federal do Paraná e no Ensino Fundamental e Médio pelo IBEPEX. 2 Professora – Doutora do Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação, docente do Programa de Pós- Graduação na Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.

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TRABALHO, EDUCAÇÃO E EXECUÇÃO PENAL: OS DILEMAS DE UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA DA PEDAGOGIA NO CÁRCERE

Sandra Marcia Duarte1

Profª Drª Sônia M. Chaves Haracemiv2 RESUMO

Este texto discute a questão dos diferentes processos educativos que se realizam no interior das instituições totais destinadas aos presos provisórios e condenados às penas privativas de liberdade. Procura evidenciar os paradigmas educativos que orientam a práxis educativa destas instituições baseada nas determinações da lei de Execução Penal. Procura evidenciar as possibilidades, na realidade paranaense, de construção de um novo paradigma para abordar a questão do tratamento penal e neste contexto o processo educativo formal que se realiza pelos CEEBEJAS responsáveis pelo processo de ensino no interior das unidades penais. Para isso, descreve as características das instituições totais que as tornam as unidades penais um ambiente prizionizante, incompatível, portanto, com os princípios educativos de autonomia, emancipação, rebeldia e transformação da realidade; revela o processo de ensino do crime organizado que ocupa as lacunas deixadas pelo Estado em termos de assistência, inclusão, pertencimento, identidade, e que por suas características se torna marginalizante em relação a ordem social vigente e aos padrões societais de convivência. Demonstra que o processo de ensino formal se organiza no interior das unidades penais como um instrumento do pensamento reformista, positivista, higienista da Lei de Execução Penal cuja racionalidade baseia-se na lógica burguesa do Século XVIII. Adverte que embora o atual Governo tenha envidado esforços para garantir os direitos humanos aos presos em termos de custódia executória, a abertura de vagas nos presídio não significa salto de qualidade no tratamento penal, nem avanços em termos de abordagem. Primeiro porque reproduz há quase trinta anos o discurso da ressocialização, da reintegração e da reeducação do preso. Segundo porque os “CEEBEJAS” implantados nos presídios por via do convênio entre as Secretarias de Estado da Educação e da Justiça atendem ao correspondente a penas 30% da clientela encarcerada. Alerta para o fato de que o Estado necessita repensar suas práticas de Gestão Penitenciária, adotar modelos de presídios que atendem às necessidades dos internos-alunos em termos de individualização da pena, formação profissionalizante com garanta de acesso, permanência e sucesso na conclusão da educação Básica, sob pena de que a atual gestão, injustamente, seja responsável pela dura estatística de ter se constituído no governo que mais prendeu paranaenses na Historia deste Estado. Por fim, propõe a construção de Unidades penais escolas destinadas à implantação de presos condenados com idades entre dezoito e vinte e cinco anos como um critério para iniciar o processo individualizador da Execução Penal. Palavras-chave: Paradigmas Educacionais; Execução Penal; Criminologia Critica; Educação de Jovens e Adultos.

1 Pedagoga do Quadro Geral do Estado da Secretaria de Estado da Justiça, lotada no Centro de Observação Criminologia e Triagem – Depen-Pr. Pedagoga do Quadro Próprio do Magistério da Secretaria de Estado da Educação – QPM. Presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Paraná. Especialista em Gestão Penitenciária pela Universidade Federal do Paraná e no Ensino Fundamental e Médio pelo IBEPEX. 2 Professora – Doutora do Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação, docente do Programa de Pós-Graduação na Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.

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1. INTRODUÇÃO.

O objetivo deste artigo é trazer contribuições para o debate sobre as práticas educativas que se realizam no ambiente carcerário nos diferentes espaços em que estas se desenvolvem, ou seja: nas Instituições Penais enquanto instituições totais, no universo das organizações criminosas, e nos CEEBEJAS inseridos na complexa dinâmica dessas Instituições.

Sua relevância social, profissional e científica inscreve-se na própria natureza de seu objeto de estudos que é a pedagogia do cárcere e a pedagogia que se realiza no cárcere, na medida em que as expectativas em relação aos resultados educacionais e profissionalizantes pregresso ao encarceramento de cerca de quatorze mil paranaenses, não tem sido satisfatórios.

A constatação desses resultados se observa considerando-se os investimentos financeiros, materiais, em recursos humanos, e principalmente, de vida de jovens entre dezoito e vinte e cinco anos condenados ou provisórios que se encontram aguardando sentença ou cumprindo penas privativas de liberdade nas unidades penais do Estado dos quais apenas 29% tem acesso às atividades educativas e profissionalizantes propiciadas pela Administração Penitenciária e considerando-se a taxa oficial de reincidência Para a ciência educacional, as contribuições deste estudo sobre a realidade em que se realizam os processos de ensino e aprendizagem no universo carcerário sob a lógica da racionalidade moderna que concebeu e sistematizou a organicidade, a racionalidade, a instrumentalidade e a identidade do ensino intramuros no século XVIII e que ainda vige na práxis penitenciária representa uma provocação para se repensar estas práticas.

Seguindo os ensinamentos de Vieira Pinto em suas “Sete Lições sobre Educação de adultos” (2007) que propõe que a abordagem da educação deve ter claro quatro questões básicas: A quem educar?; Quem educa?; Com que fins? e, Por que meios?, a análise da pedagogia no cárcere procurou desvelar:

– Quem é o sujeito encarcerado de hoje? Como estão constituídos os sujeitos ou o fenômeno que o encarceram? Que mecanismos do encarceramento prisionizam mais: o tempo, o espaço ou os processos educativos que nestes se realiza? Como se liberta um sujeito histórico, assim constituído? Que conhecimentos, que patrimônios necessitam ser construídos para que este sujeito detenha de fato a liberdade e possa exercê-la em toda sua plenitude a partir da alteridade no mundo de seu entorno de forma consciente, autônoma, permanente, e auto sustentada? Quais as abordagens e teorias da ciência educacional seriam as mais adequadas para intervir de forma propositiva, afirmativa nesta realidade? Como os educadores poderão contribuir para esta realização?

Sob este viés de análise, a pesquisa apresenta uma argumentação fundamentada na Lei de Execução Penal, nos estudos da criminológica crítica, nos relatórios anuais do Departamento Penitenciário, nas tendências da Política de Gestão Penitenciária na qual revela que a gestão da Execução Penal tem se pautado pelo paradigma positivista que prescreve a privação de liberdade como um meio de disciplinar, retribuir, punir, coibir, prevenir o crime e reformar o sujeito.

A partir das análises da criminologia crítica, dos fundamentos da educação de jovens e adultos e da realidade carcerária, revela que o processo educativo formal realizado no ambiente carcerário tal como está organizado nos dias de hoje não reúne as condições nem operacionais, nem materiais, nem conceituais de alcançar êxito em termos de construção da autonomia do egresso do Sistema Penitenciário, assim como não possibilita a consecução do objetivo maior da educação de jovens e adultos que é o desenvolvimento de um processo educativo revolucionário, libertador e emancipatório.

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As informações contidas no texto resultam de dois anos de pesquisa desenvolvida junto aos 1200 presos e presas que foram entrevistados e triados pelo setor de Pedagogia do COT (unidade penal de entrada e saída de presos e presas do sistema penitenciário); junto aos profissionais da educação que atuam no CEEBEJA Dr. Mário Faraco e da bibliografia e documentos oficiais sobre a questão da Execução penal, da criminologia critica, das tendências educacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação e Cultura, das Diretrizes de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, das Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos do Estado do Paraná, das teorias de base sobre a aprendizagem, dos estudos sobre a gênese e as práticas do Crime Organizado, das Políticas Públicas no campo da Execução Penal; do processo histórico e os paradigmas que orientam essas políticas no Brasil a partir da emergência do Estado Moderno.

2. Informações Históricas e Conceituais

A história das prisões revela a forma como a sociedade organiza seu sistema de leis para criminalizar comportamentos, para coibir, prevenir o que considera crime e o tratamento prescrito para os seus criminosos.

Como explica Carvalho Filho (2002, p.21)

O cárcere sempre existiu. Sua finalidade, porém, não era a de hoje. Destinava-se a guarda de escravos e prisioneiros de guerra. Em matéria penal, servia basicamente para a custódia de infratores à espera da punição aplicada e do próprio julgamento – para que não fugissem e para que fossem submetidos à tortura, método de produção de prova antes considerado legitimo. (...) os réus não eram condenados especificamente à perda de liberdade por um período de dias, meses ou anos. Eram punidos com morte, suplício, degredo, açoite, amputação de membros, galés, trabalhos forçados, confisco de bens. Para viabilizar a punição imposta permaneciam presos durante dias, meses ou anos.

De acordo com os estudos desenvolvidos por Goffman (2006) os presídios são “Instituições Totais” pois, são estabelecimentos sociais nos quais um grupo de pessoas desenvolve algum tipo de atividade em comum.

Sua principal característica é de se apropriar de parte do tempo e do interesse dos seus integrantes e lhes fornecer algo de um mundo. Essa característica, confere a estas instituições um caráter de fechamento sendo que o que estabelece a sua condição de fechamento, ou seja, seu caráter total é o fato de erguerem barreiras que impedem estabelecer uma relação social exterior e pela proibição de saída.

A partir da concepção dessas instituições como locais apropriados pela racionalidade punitiva moderna, a finalidade do encarceramento passou a ser o de isolar e recuperar o infrator.

Na crítica de Foucault (1997) a finalidade da prisão deixou de ser o de causar dor física e o objeto da punição deixou de ser o corpo para atingir a alma do infrator. Para esse autor, a prisão como pena privativa de liberdade se constitui em uma nova tática da arte de fazer sofrer.

Na análise de Marx (1985), o surgimento desta concepção de prisão tem relação direta com a necessidade do capitalismo emergente de domesticar grandes contingentes de indivíduos para assumirem o papel de trabalhadores e a partir desse comportamento alavancar o processo produtivo que emergiu a partir do século XVIII.

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Como descreve Salla (1999, p.188) ao referir-se à racionalidade vigente no início do século XIX no âmbito penitenciário.

Outro aspecto importante é que os primeiros tempos de república velha tiveram forte presença nos princípios de ordem e processo da filosofia positivista de Augusto Conte. A vadiagem, a loucura, a mendicância, o crime, a infância desamparada, e ainda, os operários grevistas ou os anarquistas eram personagens que as elites e os governos, por influência daquelas idéias, identificavam como corruptores da ordem. Há uma certa obsessão em ajustar cada faceta da vida dos indivíduos e dos grupos ao aludido progresso, ao que a ciência prescrevia como verdade. (...) o tratamento à loucura, as formas de policiamento urbano, o regime penitenciário, o confinamento de vadios e menores, tudo ganhava sustentação se fosse feito em nome da ciência.

Ao analisar o papel da ciência sob o paradigma de modernidade Salla (1999) informa que esta deveria revestir toda prática penitenciária. Sob essa lógica cientificista a Penitenciária Estadual de São Paulo, uma das primeiras sob essa lógica, construída em 1920, trazia o signo da modernidade como princípio fundamental de sua concepção administrativa, estrutural, epistemológica, inaugurando no Brasil, uma nova era do tratamento penal dos presos. A pretensão ao ser concebida pelo governo do Estado era a de efetivar as proposições do Código Penal de 1890.

A novidade da Penitenciária Estadual estava, de um lado, na construção mesmo de um enorme edifício revestido das preocupações elementares; com a saúde, bem-estar dos condenados e com a segurança em geral. De outro lado, estava na disposição do Estado de apresentar a penitenciária como um modelo a ser seguido, o que significava prover seu funcionamento de bases teóricas tidas como as mais avançadas no período, dotando os seus procedimentos da certeza e da irrefutabilidade da ciência. Portadores do firme propósito de que o fim de regenerar um criminoso era, não só possível e justificável sob qualquer aspecto, como também permitiria a elaboração dos mais diferentes meios científicos e 'inquestionáveis' de ação, administradores, juristas, estudiosos, médicos tiveram na Penitenciária do Estado, o espaço ideal, o laboratório no qual experimentavam a consecução deste objetivo. Salla (1999, p. 201)

Mirabete (2001) e Salla (1999) descrevem que nessa perspectiva de paradigma da ciência como verdade absoluta, se desenvolveu as mais diferentes formas de observação do criminoso.

Essas formas incluíam critérios de análise como os traços psicossomáticos, sua vida familiar, os antecedentes criminais, o comportamento na execução das atividades laborais, educacionais, de lazer, no convívio coletivo, na sua cela, etc.

As orientações para estas práticas tinham como fonte epistemológica as formulações teóricas de Lombroso e Ferri.

A crítica à criminologia tradicional pautada no paradigma positivista moderno deste modelo primitivo revela que os interesses hegemônicos dominantes revestiam o processo coercitivo de disciplinamento da sociedade pelo trabalho.

Como revela Salla (1999)

A Penitenciária representa o cenário desta história na qual a preocupação da elite dominante estava comprometida em colocar o trabalho como parte fundamental do projeto social vigente. Tal projeto, se predispunha a tornar os segmentos pobres, os vadios, mendigos, loucos, criminosos em segmentos úteis, disciplinados e incorporados à civilização, colocando-os sob a

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tutela de regras de higiene, ordem, obediência e principalmente de disciplina no trabalho.

Barata (1999), um dos teóricos da criminologia crítica, a esse respeito requisita as

formulações teóricas da pena e do sistema punitivo de Foucault e de Rusche e Kirchheiner. Para o autor, ressalvadas algumas limitações na abordagem destes teóricos, as contribuições trazidas pelos seus estudos são essenciais para a reconstrução científica da história do cárcere e da sua reforma, na sociedade capitalista.

As funções desta instituição na produção e no controle da classe operária, e na criação do universo disciplinar de que a moderna sociedade industrial tem necessidade, são elementos indispensáveis a uma epistemologia materialista, a uma economia política da pena. (BARATA:1999, p.199)

Na atualidade o ordenamento jurídico que orienta estas práticas é a Lei de Execução Penal cuja emergência se deu na década de setenta, sob o regime militar e tendo como fundamentos epistemológicos o cientificismo moderno.

O que significa dizer que seus princípios normativos continuam fundamentados e reproduzem aquele modelo epistemológico. As políticas públicas que a delineiam estão organicamente subordinadas ao Ministério da Justiça e a este o Conselho de Políticas Criminais e Penitenciárias. É o próprio Conselho que na Gestão das Políticas quanto à Prevenção do Delito, Administração da Justiça Criminal e Execução das Penas E Das Medidas de Segurança reconhece em pleno século XXI a necessidade de:

Superação científica do paradigma3 positivista que tratava a questão da criminalidade apenas na esfera do comportamento individual e o seu enquadramento contemporâneo como problema social de raízes multicausais, a ser enfrentado pelo conjunto da sociedade.

Kunh (192) revela que um paradigma, embora se perpetue enquanto corresponde a uma concepção e verdade pode passar por um debate no campo da ciência e precipitar a sua superação e substituição por outro.

3. A Realidade Penitenciária: contradições entre o vivido e o pensado

Para Rusche e Kirchheimer (apud Baratta 1999) há uma estreita relação entre mercado de trabalho, punição e cárcere. São destas análises que Baratta (1999, p.193) se vale para discutir a pertinência do encarceramento como sistema punitivo na forma como se realiza desde a sua concepção aos dias de hoje.

3 Por paradigma compreende-se a acepção clássica das proposições de Platão em República3 (2007) na qual concebe paradigma como sendo um modelo, um tipo exemplar próprio de um mundo abstrato e de cujo modelo existe instâncias na condição de cópias imperfeitas presentes no mundo concreto. Nessa concepção os paradigmas assumem a condição das formas ou idéias tendo um sentido ontológico significativo designando aquilo que é real, o ser enquanto causa determinante do que existe no mundo concreto que dele se origina. Nessa perspectiva o paradigma assume o papel normativo..(Platão. A república.. 2007. Claret Mertins. São Paulo.) Complementada na contemporaneidade por kuhn (1962, p. 218) que afirma que: De um lado indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal.

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a) para que se possa definir a realidade do cárcere e interpretar o seu desenvolvimento histórico é necessário levar em conta a função efetiva cumprida por esta instituição, no seio da sociedade; b) para o fim de individualizar esta função, é preciso levar em conta os tipos determinados de sociedade em que o cárcere apareceu e se desenvolveu como instituição penal. Este modo de colocar os problemas epistemológicos, que consideramos correto e sugerimos denominar enfoque materialista ou. politico-econômico, se opõe ao que tem sido dominante, há muito tempo, que continua a ser o mais difundido entre os juristas, e que sugerimos denominar enfoque ideológico ou idealista. O núcleo central do enfoque idealista é representado pelas teorias dos fins da pena. A premissa fundamental destas teorias é o axioma segundo o qual a pena é uma resposta à criminalidade, um meio de luta contra ela. Não obstante, as opiniões acerca da questão sobre qual deveria ser a função primária ou fundamental desta instituição, há dois séculos estão divididas entre os que sustentam que esta função deveria ser retributiva, as que sustentam que tal função deveria ser intimidativa (prevenção geral) e, enfim, as que são, antes, de parecer que esta função deveria ser reeducativa (prevenção especial). O duvidoso êxito de tão amplo debate tem sido uma teoria "polifuncional" da pena, que, atualmente, na maioria dos casos, põe o acento, particularmente, na reeducação. Mas, por outro lado, a sociologia e a história do sistema penitenciário chegaram a conclusões, a propósito da função real da instituição carcerária na nossa sociedade, que fazem com que o debate sobre a teoria dos objetivos da pena pareça absolutamente incapaz de conduzir a um conhecimento científico desta instituição. (...) Rusche e Kirchheimer sintetizam o questionamento do enfoque jurídico, na reconstrução histórica do sistema punitivo, nos seguintes termos: As teorias da pena não chegam a explicar a introdução de formas específicas de punição, no conjunto da dinâmica social". Foucault se exprime no mesmo sentido, quando sustenta a necessidade de "desfazer-se, antes de tudo, da ilusão de que a pena seja, principalmente (se não exclusivamente), um modo de repressão dos delitos.

A idéia principal desse modelo é de que, através da pena imposta e executada sob seus critérios torna-se possível promover a “emenda do delinqüente” o que se daria pelo temor de ser castigado outra vez se reincidisse e também de promover a mudança do caráter e dos hábitos do indivíduo.

Para Foucault (1997) foram essas as bases, inclusive arquitetônicas, para a construção das prisões modernas e o marco a partir do qual se pode compreender o processo que desencadeou a erosão da privacidade resultante de um poder visível e inverificável na medida em que o sujeito sabia que estava sendo vigiado, mas, não podia confirmar tal vigilância, vivendo assim na expectativa de ter todos os seus atos controlados e passiveis de punição.

Conforme dados do Ministério da Justiça por seu Departamento Penitenciário Nacional no Brasil 440,013 pessoas estão presas, sendo 58,90 em delegacias e 381.112 no sistema prisional. De acordo com as estatísticas desse órgão as delegacias atendem apenas a 39% da demanda, também o sistema prisional apresenta déficit de vagas atendendo apenas 58% da demanda. Significa que no Brasil o déficit é de 162.112 vagas.

O Paraná encontra-se na terceira posição no ranking nacional no que se refere à população carcerária. Em primeiro lugar está o Estado de São Paulo com uma população carcerária composta por 158,5 mil presos, em segundo, Minas Gerais com 37,5 mil detentos e em terceiro o Paraná com 34,680 presos incluindo os condenados que cumprem pena em regime aberto e que podem ter esse regime suspenso caso descumpram os requisitos legais.

A situação do Paraná foi muito mais grave em termos de atendimento a essa demanda social na medida em que somente nestes últimos cinco anos o atual Governo implementou políticas de ampliação do número para quatorze mil novecentos e oitenta e sete vagas.

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Organicamente o Departamento Penitenciário do Paraná está vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania composto por todas as unidades prisionais do Estado. Compete a este órgão:

Supervisionar, coordenar e inspecionar os estabelecimentos penais, Escola Penitenciária e patronatos; Fazer cumprir as disposições da Lei de Execução Penal, responsabilizando-se pela custódia, segurança e assistência tanto dos internos quanto dos egressos do Sistema Penitenciário; Oferecer assistência jurídica, psicológica, social, médica, odontológica, religiosa e material, além de desenvolver a reintegração social por meio da educação formal.4

Conforme se percebe a racionalidade cientifica moderna ainda permeia todo o discurso da lei no que se refere ao tratamento penal e nas relações do Estado com a criminalidade e o sujeito criminoso.

Não obstante a reação que, dos anos 30 em diante, se seguiu à concepção patológica da criminalidade (reação, como se verá, já antecipada por Durkheim nos tempos de predomínio de tal concepção), a matriz positivista continua fundamental na história da disciplina, até nossos dias. Não só porque a orientação patológica e clínica continua representada na criminologia oficial, mas, também porque as escolas sociológicas que se desenvolveram, dos anos 30 em diante, especialmente nos Estados Unidos, contrapondo-se como "sociologia criminal" à "antropologia criminal", continuaram por muito tempo e ainda, em parte continuam a considerar a criminologia sobretudo como estudo das causas da criminalidade. Ainda que estas orientações tenham, geralmente, deslocado a atenção dos fatores biológicos e psicológicos para os sociais, dando o predomínio a estes últimos, o modelo positivista da criminologia como estudo das causas ou dos fatores da criminalidade (paradigma etiológico) para individualizar as medidas adequadas para removê-los, intervindo, sobretudo, no sujeito criminoso (correcionalismo), permanece dominante dentro da sociologia criminal contemporânea. (Barata . 1999, p. 174)

Propõe o autor como meio de superação dessa condição a abordagem da questão a partir dos fundamentos da Criminologia Crítica.

Duas são as etapas principais deste caminho. Em primeiro lugar, o deslocamento do enfoque teórico para as condições objetivas, estruturais e funcionais, que estão na origem dos fenômenos do desvio. Em segundo lugar, o deslocamento do interesse cognoscitivo das causas do desvio criminal para os mecanismos sociais e institucionais através dos quais é construída a "realidade social" do desvio, ou seja, para os mecanismos através dos quais são criadas e aplicadas as definições de desvio e de criminalidade e realizados os processos de criminalização. Opondo ao enfoque biopsicológico o enfoque macrossociológico, a criminologia crítica historiciza a realidade comportamental do desvio e ilumina a relação funcional ou disfuncional com as estruturas sociais, com o desenvolvimento das relações de produção e de distribuição. O salto qualitativo que separa a nova da velha criminologia consiste, portanto, principalmente, na superação do paradigma etiológico, que era o paradigma fundamental de uma ciência entendida, naturalisticamente, como teoria das causas da criminalidade. A superação deste paradigma comporta, também, a superação de suas implicações ideológicas: a concepção do desvio e da criminalidade como realidade ontológica preexistente à reação social e institucional e a aceitação acrítica das definições legais como princípio de individualização

4 http://www.depen.pr.gov.br/

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daquela pretendida realidade ontológica — duas atitudes, além de tudo, contraditórias entre si. Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos de determinados indivíduos, mas, se revela principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção dos bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é – segundo uma interessante perspectiva - um bem negativo, distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio- econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos. (Baratta:1999, p. 160)

Para Baratta (1999) as políticas públicas destinadas à execução penal necessitam se orientar com base nestas perspectivas de emancipação, de libertação de superação do paradigma positivista.

Quando se analisa o histórico das prisões no Paraná, se percebe que o discurso e a prática na gestão penitenciária revelam um fenômeno que Barata, Rusch, Salla explicam com base na conjuntura econômica de momentos históricos diferentes um que se deu quando da emergência do cárcere sob a lógica moderna e outro sob a atual conjuntura econômica pós-moderna.

Exemplificando, com a criação da Penitenciária Central do Estado, por exemplo, se constitui em um estabelecimento penal de segurança máxima, destinado a presos condenados do sexo masculino que cumprem pena em regime fechado,

Inaugurada em 1º de dezembro de 1954, foi a 3ª unidade penal construída no Paraná. Suas obras foram iniciadas em 1951.

Quando de sua inauguração foi declarada como a maior e mais moderna penitenciária da América Latina, com capacidade para 522 celas individuais com 10 metros quadrados. Possuía modernas instalações de lavanderia, padaria, cozinha, 2 câmaras frigoríficas, 6 refeitórios de 76 metros quadrados, 6 salas de aula (grifo da pesquisa), capela, templo protestante e 10 salões para oficinas com 300 metros quadrados cada uma. Possuía ainda instalações para serviço médico, laboratório, farmácia, serviço odontológico e conjunto cirúrgico, uma cozinha dietética, 14 salas individuais para observação e 4 enfermarias com capacidade total de 30 leitos.

Atualmente detém uma capacidade de lotação para 1.320 presos detém apenas 09 salas de aulas e 04 salas para Atendimento Técnico.

A primeira Penitenciária do Estado do Paraná tem sua origem datada de 5 de janeiro de 1909 e foi denominada à época de Penitenciária do Estado.

Detinha uma capacidade inicial de 52 celas individuais, o regime adotado era o de Auburn que previa:

Se observará o encarceramento celular durante a noite, e o trabalho em comum durante o dia, sob regimento rigoroso do silêncio. Em seu primeiro ano de funcionamento já existiam os seguintes setores de trabalho: Cozinha, Horta, Alfaiataria, Sapataria, Tipografia e Marcenaria. O trabalho diurno e o estudo noturno eram obrigatórios, até que o preso soubesse ler, escrever e contar. As disciplinas ministradas eram: noções de Gramática, Aritmética, Geografia e História do Brasil. , decisão judicial e que se encontravam recolhidos no estabelecimento, em regime fechado. A segurança e a custódia daqueles que estavam sujeitos à efetivação de sentença de pena e medidas de segurança detentivas.

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A promoção da reintegração social dos presos e o zelo pelo seu bem-estar, através da profissionalização, educação, prestação de assistência jurídica, psicológica, social, médica, odontológica, religiosa e material. A prestação de assistência aos familiares dos presos. (http://www.pr.gov.br/depen/)

: Conforme se constatam nos dados coletados a Estrutura Física dessa Unidade ao ser

extinta contava com uma área construída: 14.000m2 destinados a atender 750 presos. Entre outros setores a unidade apresentava as mesmas 06 Salas de Aulas, 01 sala para Atendimento Técnico.

Da análise dos dados das penitenciárias construídas mais recentemente, como a de Ponta Grossa, a Casa de Custodia de Curitiba e as demais, levanta-se as seguintes observações:

Foi construída nos moldes de uma prisão americana. Destina-se a presos do sexo masculino que cumprem pena em regime fechado. (...) As celas pré-moldadas, construídas com uma estrutura de concreto de alta resistência, extremamente seguras, não permitem a abertura de túneis, dificultando fugas. (...) Construída de acordo com os padrões de prisões norte-americanas. O uso de material pré-moldado e de blocos de concreto impede a escavação de túneis, dificultando ainda mais as fugas. Possui painéis de controle de segurança dos mais modernos, onde todas as portas são automatizadas e é possível controlar a segurança até de fora do prédio de carceragem. Com o fim da terceirização ocorrida em 10/05/2006, o Estado retomou todos os serviços, seguindo os padrões estabelecidos na Lei de Execuções Penais, sendo oportunizado ao preso assistência jurídica, psicológica, social, de saúde, religiosa, além de atividades que propiciam a reintegração social. (www.pr.gov/depen/).

Nas especificações apresentadas observa-se a ênfase nas questões de segurança e nenhuma referência aos espaços destinados ao tratamento penal.

O mesmo se constata ao apresentar as instalações da, inaugurada em 07 de agosto de 2002 na qual não existem espaços apropriados ao tratamento penal apesar do discurso oficial reconhecer o compromisso com esta questão.

Quanto aos números de oportunidades de acesso a educação formal e de profissionaliza e trabalho, eixos nos quais a lei de execução penal se baseia para a promoção da reitegração social a análise dos dados revelam que apenas 39% dos presos tem oportunidades em uma dessas áreas, contrariando a Lei que determina essa oportunidades como direito de todos os presos e presas.

Outro dado importante que permite dimensionar o cumprimento da Lei de Execução Penal e as prioridades das Políticas de Gestão do Tratamento Penal diz respeito ao quadro funcional para dar atendimento e promover as atividades referentes ao tratamento penal, custódia e segurança.

Ressalta-se que no que se refere à assistência educacional a Secretaria de Estado da Justiça mantém convênio com a Secretaria de Estado da Educação que destina um quadro de professores para ministrar aulas no nível da educação Básica.

Educação formal nos presídios da RMC vai completar 25 anos. O CEEBJA Doutor Mário Faraco, da Secretaria da Educação, atende, da alfabetização até o ensino médio, 1.800 detentos das penitenciárias instaladas na Região Metropolitana de Curitiba. (grifo da pesquisa). Esse número representa 30% da população carcerária

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da RMC. A coordenadora dos projetos do Centro, Joana Martha Gomes, que viajou por todo o país para especializações em Educação de Jovens e Adultos, afirmou que “não há no Brasil uma escola, no sistema penitenciário, que tenha um processo de educação do nível do Paraná”. Nesta quarta-feira (04), o Centro comemora 25 anos de trabalho educacional voltado à ressocialização de presidiários (www.pr.gov/depen/, em 15/06/2007).

Os Ceebejas que atuam nas unidades penais se orientam pelas Diretrizes curriculares para a educação de Jovens e Adultos do Estado do Paraná contemplam as especificidades dos níveis e modalidades de ensino da educação básica, sem perder de vista a contribuição dos diferentes componentes curriculares na formação integral dos alunos ao longo do processo de escolarização.

Na década de 90, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, na qual a EJA passa a ser considerada uma modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, usufruindo de uma especificidade própria.

No que se refere à função social da educação de jovens e adultos a SEED – Secretaria de Estado da Educação do Paraná informa que :

Educação de Jovens e Adultos - EJA, enquanto modalidade educacional que atende a educandos-trabalhadores, tem como finalidades e objetivos o compromisso com a formação humana e com o acesso à cultura geral, de modo a que os educandos venham a participar política e produtivamente das relações sociais, com comportamento ético e compromisso político, através do desenvolvimento da autonomia intelectual e moral.

Sob esta ótica o DCE/2005 considera que o papel fundamental da construção curricular para a formação dos educandos desta modalidade de ensino deve estar de acordo com as propostas de Kuenzer (2002, p. 40):

Fornecer subsídios para que os mesmos tornem-se ativos, críticos, criativos e democráticos. Tendo em vista este papel, a educação deve voltar-se para uma formação na qual os educandos-trabalhadores possam: aprender permanentemente; refletir criticamente; agir com responsabilidade individual e coletiva; participar do trabalho e da vida coletiva; comportar-se de forma solidária; acompanhar a dinamicidade das mudanças sociais; enfrentar problemas novos construindo soluções originais com agilidade e rapidez, a partir da utilização metodologicamente adequada de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos.

Revelam os autores do documento que é característica da EJA a diversidade do perfil dos educandos, com relação à idade, ao nível de escolarização em que se encontram, à situação sócio-econômica e cultural, às ocupações e a motivação pela qual procuram a escola.

Sob este cuidado o educando passa a ser visto como:

Sujeito sócio-histórico-cultural, com conhecimentos e experiências acumuladas. Cada sujeito possui um tempo próprio de formação, com elaboração entre saberes locais e universais, a partir de uma perspectiva de resignificação da concepção de mundo e de si mesmo. Tendo em vista a diversidade destes educandos, com situações socialmente diferenciadas, é necessário que a Educação de Jovens e Adultos proporcione seu atendimento aproveitando outras formas de socialização como expressão de cultura própria. Considerando-se o diálogo entre as diversas culturas e saberes é necessário retirar esta modalidade de ensino de uma estrutura

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rígida preestabelecida, ou adequá-la a estruturas de ensino já existentes, levando-se em conta suas especificidades.

O grande desafio da EJA, explicam os autores, é dar ênfase ao educando, atendendo suas necessidades individuais e construindo propostas viáveis para que o acesso, a permanência e o sucesso nos estudos estejam assegurados a viabilidade do acesso e permanência deste educando na escola.

Os jovens e adultos passam a se reconhecer como sujeitos do processo, confirmando saberes adquiridos para além da educação escolar, na própria vida, numa consistente comprovação de que esta modalidade de ensino é uma forma de construir e se apropriar de conhecimentos para o mundo do trabalho e para o exercício da cidadania, ressignificando as experiências sócio-culturais trazidas pelos educandos.

Conforme se constata em Faleiros (2001) a identidade de homens e mulheres é formada pelas experiências do meio em que vivem, sendo modificada conforme se alteram as relações sociais, diferenciando assim, uma sociedade da outra pela produção do seu trabalho.

O trabalho é o processo social pelo qual o homem se modifica, alterando o que é necessário e desenvolvendo novas idéias. A compreensão das contradições inerentes ao processo da divisão social do trabalho possibilitará ao educando da EJA melhor entendimento de sua relação com o mundo do trabalho e com as demais relações sociais que permeiam o mundo atual.

Tal propósito restará sempre prejudicado enquanto as contradições dos valores intramuros não puderem ser desveladas em sua gênese e totalidade para que se possa proceder às superações, às rupturas, às mudanças de paradigmas necessárias.

Thompson (1998, p.10) explica as contradições entre os fins e os meios de se executar diferenciadamente em cada realidade as penas no âmbito das instituições penais.

Comprovada a dificuldade ou a impossibilidade de estabelecer uma política coerente, num sentido operacional pela qual, todos os fins e meios-fins possam ser atingidos concomitantemente, só resta a solução de sacrificar alguns em função dos outros. Do que resulta, pelos motivos antes apontados, tender a meta recuperação a estagiar no nível verbal, como expressão de desejo, para o consumo público. E à pergunta: alguém já conseguiu fazer prisão punitiva ser reformativa? – a experiência penitenciária, de mais de cento e cinqüenta anos, responde: não, em nenhuma época e em nenhum lugar.

Baratta (1999, p.194) apresenta explicações de caráter político econômico e social

para estes dados nos dias atuais:

Tanto Rusche e Kirchheimer, quanto Foucault, estão conscientes de que nos países capitalistas mais avançados, na fase final de desenvolvimento por eles descrito (a Europa dos anos 30, no caso de Rusche e Kirchheimer; a Europa dos anos 70, no caso de Foucault), o cárcere não tem mais aquela função real de reeducação e de disciplina, que possuía em sua origem. Esta função educativa e disciplinar se reduz, portanto, agora, à pura ideologia.” As estatísticas das últimas décadas, nos países capitalistas avançados, demonstram uma diminuição relativa da população carcerária, em relação ao impacto conjunto do sistema penal, e indicam um aumento das formas de controle diversos da reclusão, como, por exemplo, o probation e o livramento condicional.

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Em sua análise o autor demonstra que a essa nova política da ordem pública refletida na administração penitenciária subjaz a interesses que somente se apreende levando-se em conta como viés de análise o elemento estrutural característico da fase atual do desenvolvimento do sistema tardo-capitalista.

Este elemento estrutural é constituído pela tendência ao incremento da superpopulação relativa (desocupação e subocupação), à exploração e à marginalização de setores cada vez mais vastos da população. Os dados relativos à situação do mercado de trabalho, à emigração, aos desequilíbrios entre as regiões e à pobreza em numero são áreas do capitalismo avançado na Europa são, a tal propósito, eloqüentes. E é, sobretudo, significativo o fato de que o aumento da exploração e da marginalização parece estreitamente ligado ao modo injusto em que tem lugar a "racionalização" dos processos produtivos, na lógica do atual desenvolvimento capitalista. É, também, significativo o fato de que o aumento de tal exploração e da contemporânea marginalização, como também o modo injusto em que tem lugar a racionalização dos processos produtivos, parecem internos à lógica do desenvolvimento capitalista. (BARATTA, 1999, p. 196)

Para Baratta (1999) existe uma estreita relação entre a crise da tradicional ideologia legitimante do cárcere — o discurso sobre a "reeducação" e a “reinserção” —, no mesmo momento em que a estratégia conservadora do sistema deixa cair o mito da expansão ilimitada da produtividade e do pleno emprego.

Ao ensaiar uma previsão para a questão carcerária diante da conjuntura analisada Baratta (1999, p. 200) vislumbra a extinção da pena como meio de promoção da reinserção do criminoso ao meio social para se constituir apenas em sistema de prisão em segurança máxima..

Nesta situação, o "desvio" deixa de ser uma ocasião — difusa em todo o tecido social — para recrutar uma restrita população criminosa, como indica Foucault, para transformar-se, ao contrário, no status habitual de pessoas não garantidas, ou seja, daqueles que não são sujeitos, mas somente objetos do novo "pacto social". Talvez, em breve, para disciplinar tais estratos sociais, bastará a criação de grandes guetos controlados por computador (na medida em que a disciplina do trabalho e do consumo será suficiente para satisfazer a necessidade de ordem na população garantida). Em tal sociedade, a originária função do aparato penitenciário, no momento do surgimento da formação social capitalista — ou seja, a função de transformar e produzir o homem, adaptando-o à disciplina da fábrica, e de reproduzir a mesma disciplina como regime da sociedade em geral —, estará definitivamente superada. A inversão funcional da pena privativa de liberdade, que se exprime com o nascimento do cárcere especial, do cárcere de máxima segurança, poderia manifestar, neste sentido, todo o seu significado.

Na mesma linha de compromisso Baratta (1999) propõe que se faz necessária uma abordagem do cárcere que faça a opção política pelas classes subalternas que segundo seus estudos têm sido o reduto contumaz onde o tratamento do desvio na politica de segurança pública costuma buscar os sujeitos de sua intervenção.

A questão reside justamente em desvelar o mecanismo social de produçãoe tratameno do desvio como o autor revela

É esta a alternativa colocada em face do mito burguês da reeducação e da reinserção do condenado. Se, de fato, os desvios criminosos de indivíduos pertencentes às classes subalternas podem ser interpretados, não raramente, como uma resposta

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individual, e por isso não "política", às condições sociais impostas pelas relações de produção e de distribuição capitalistas, a verdadeira "reeducação" do condenado é a que transforma uma reação individual e egoísta em consciência e ação política dentro do movimento da classe. O desenvolvimento da consciência da própria condição de classe e das contradições da sociedade, por parte do condenado, é a alternativa posta à concepção individualista e ético-religiosa da expiação, do arrependimento, da Sühne. (BARATTA, 1999, p.209)

Na perspectiva proposta por Baratta (1999) é possivel tecer uma análise de como se processa no cárcere esta intencionalidade dos diferentes processos educativos que se realizam o cárcere e dos paradigmas pelos quai estes processos se pautam.

4 Diferentes olhares sobre os processos educativos que se realizam no âmbito carcerário: a pedagogia “do” cárcere e a práxis pedagógica “no” cárcere

No processo de execução penal tem-se configurada uma dinâmica na qual: o Sujeito se constitui no homem encarcerado de hoje, cuja dinâmica de vida está em compasso de espera pelo seu devir. Não tem autonomia sobre seu tempo presente e nem sobre seu tempo futuro; o Espaço é representado pelo meio social em que viveu no seu passado, pela instituição total que o encarcera hoje e a realidade do espaço no qual passará a conviver quando egresso desta Instituição.

Neste contexto o fator Tempo que compõe a dosimetria da pena se realiza enquanto um tempo histórico, portanto, mais do que um tempo Chronos é Kairós55 é um tempo intensidade (Haracemiv, 2007), porque traz em si as marcas intensas de uma vida que se realiza justamente marcada pela historicidade no seu tempo como sujeito singular e genérico no conceito de Heller (1972).

Significa dizer, que cada um desses sujeitos é portador de uma trajetória que se realiza enredada em um universo social que no que se refere à gênese da violência se constrói em um mundo controverso no qual o maior grau de desenvolvimento não significa reduzir a miséria e as desigualdades entre os grupos sociais o que precipita diferentes mecanismos reativos entre eles o desencadeamento da violência como descreve Gomes (2000, p. 2):

Não resta dúvida de que, em tempos atuais, a criminalidade vem assumindo contorno cada vez mais diverso daquele com que se apresentava no passado. (...) certo é que um destes fatores está ligado ao crescimento populacional, paralelo ao desenvolvimento econômico e tecnológico da humanidade, à vista das constantes alterações sócio-políticas ocorridas no planeta. O indivíduo passou a integrar uma vasta camada de pessoas, componentes de um mundo cada vez mais globalizado, onde o aspecto da individualidade passa a ceder campo ao caráter do todo. (...) a escassez de recursos, a má distribuição de renda, seguida das desigualdades locais, regionais e mundiais, atrelada à busca irascível de poder e riqueza fazem proliferar os mais diversos tipos de atividades clandestinas, irregulares e ilícitas, que

5 Kairos - καιρος é uma antiga palavra grega que significa "o momento certo" ou "oportuno". Os

gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: chronos e kairos. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou seqüencial, esse último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o "tempo de Deus", enquanto chronos é de natureza quantitativa, o "tempo dos homens". ("http://pt.wikipedia.org/wiki/Kairos)

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encontram, neste cenário difuso das relações humanas e no avanço tecnológico mal utilizado, campo fértil para fazer germinar a semente da criminalidade organizada, que passa a contar com uma série de elementos que permitem o desempenho racional de atividades ilícitas, voltadas a fornecer à sociedade bens e serviços de obtenção difícil, por isso mesmo cara e rentável.

Nesse contexto constata-se o desenvolvimento de três processos educativos dialeticamente contraditórios6 cujo antagonismo se revela no seu desenvolvimento, orientado por uma lógica e finalidades inversas, que sujeitam e subjugam o encarcerado nos fazeres dessas “Instituições Totais”.

Esses processos se realizam sob a tutela de uma forma de poder tal como descrito na genealogia do poder sintetizado na obra “Microfísica do Poder” de Foucault (2005). Tal poder ora se revela no autoritarismo coercitivo do Estado pela via de seus agentes, ora se revela na crueldade criminógena da massa carcerária pela via das facções criminosas, das lideranças e do crime organizado.

Um desses processos, cunhado neste estudo, como a “Pedagogia do Cárcere”. se apresenta marcado por um conjunto de fazeres pensados e didatizados sob duas vertentes:

A primeira delas apresenta características de Formalidade e Institucionalização. É portanto, própria da condição de Instituição Prisional.

Caracteriza-se como uma ação forte, determinada, coercitiva, autoritária, punitiva, disciplinadora, normativa, e objetiva, realizada de maneira sistematizada e institucionalizada pela mão de ferro do Estado. Não está formalizada e sistematizada como uma atividade educativa, pedagogicamente pensada, didaticamente organizada, mas, seus contornos operacionais e inter-relacionais revelam intrinsecamente seu caráter pedagógico.

É possível verificar suas determinações nos diferentes documentos legais que orientam a práxis penitenciária como o Estatuto Penitenciário, os Regimentos Internos que orientam a dinâmica no interior das unidades Penais do Estado e no texto da Lei de Execução Penal.

Segundo Thompson (1999:189) o processo educativo não formal das instituições tem um caráter orgânico e contradiz os propósitos pedagógicos da educação formal responsável pela socialização dos sujeitos.

Há décadas uma vastísssima literatura baseada sobre a observação empírica tem analisado a realidade carcerária nos seus aspectos psicológicos, sociológicos e organizativos. A "comunidade carcerária" e a "subcultura" dos modernos institutos de detenção se apresentam à luz destas investigações como dominadas por fatores que, até agora, em balanço realístico, têm tornado vã toda tentativa de realizar tarefas de socialização e de reinserção através destas instituições. Igualmente, a introdução de modernas técnicas psicoterapêuticas e educativas e transformações parciais na estrutura organizativa do cárcere não mudaram, de modo decisivo, a natureza e as funções dos institutos de detenção, na nossa sociedade. Estes constituem o momento culminante e decisivo daquele mecanismo de marginalização que produz a população criminosa e a administra em nível institucional, de modo a torná-la inconfundível e a adaptá-la a funções próprias que qualificam esta particular zona de marginalização. As inovações introduzidas na nova legislação penitenciária não parecem destinadas a mudar decisivamente a natureza das instituições carcerárias.

6 Lei da interpenetração dos contrários – a dialética considera a contradição inerente à realidade das coisas. E é justamente a

contradição que é a força motriz que provoca o movimento e a transformação. A contradição é o atrito, a luta surge entre os contrários. Mas, esses dois pólos contrários são também inseparáveis, e a isso chamamos unidades dos contrários, pois, mesmo em oposição, estão em relação recíproca. E por estarem em luta, há a geração do novo. Por exemplo, o ovo já tem em germe a sua negação; nele coexistem duas forças: que ele permaneça ovo e que ele venha a ser pinto. Lei da negação da negação – da interação das forças contraditórias, em que uma nega a outra, deriva um terceiro momento: a negação da negação, ou seja, a síntese, que é o surgimento do novo. Tese, antítese, síntese, eis a tríade que explica o movimento do mundo e do pensamento. (ARANHA; MARTINS, 1997, p. 113)

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Thompson (1999, p.43) denomina os reflexos deste processo educativo como prisionização,

Todo encarcerado, sofre em alguma medida o processo de prizionização. A começar pela perda do “status” ao se transformar de um momento para o outro numa figura anônima de um grupo de subordinados. Porque a cadeia é um sistema de poder totalitário formal pelo qual o detento é controlado 24 horas por dia.

A outra vertente da pedagogia do cárcere se caracteriza como Informal/orgânica do espaço e da própria condição prisional. É também reflexo da prisionização.

Esta se viabiliza pela histórica ausência do Estado em todos os interstícios da dinâmica social externa e prisional interna decorrente das políticas publicas e dos interesses em presença.

Tem características próprias, é inerente à condição carcerária, é também informal, também se realiza tutelada por uma forma de poder, porém, mais cruel em decorrência do caráter de informalidade e de ilegalidade e, por se orientar pela lógica e pela racionalidade da criminalidade, que tem a violência como linguagem e o medo como signo.

Nesse processo de formação para a convivência na condição de massa carcerária os princípios de autoridade, de legitimidade, de sociabilidade, os códigos de ética, seguem padrões metodológicos disseminados formal e informalmente e tem como lógica a necessidade de organizar e criar uma identidade coletiva para uma sociedade que é a do crime autônoma em relação ao poder que as encarcera. Tem o escopo de garantir a coesão e a subsistência da massa carcerária no interior dos presídios. As praticas pedagógicas também são formalizadas tendo como grupo hegemônico os grupos organizados que dominam a criminalidade no País.

Zaffaroni (1987:234) descreve esse processo educativo como sendo próprio da condição do cárcere e fruto da prisionização na qual o sujeito se percebe como sujeito de uma classe hegemônica diferente da classe a qual pertencem os agentes públicos e ate mesmo os familiares, em alguns casos.:

Se olharmos para os presídios veremos que lá se estrutura uma sociedade autônoma, com funções sociais distintas, o fenômeno da prisionização, ou seja, o aparecimento de uma cultura própria e leis próprias.

Para Zaffaroni (1987) a prisionização é um processo de deterioração que aumenta a vulnerabilidade do sujeito. Representa um processo pelo qual o individuo vai assumindo os influxos perniciosos da prisão que o potencializam para o crime, que o acomodam à vida carcerária e que o distanciam dos valores e padrões sociais normais.

Isso significa que aos poucos o sujeito se integra aos costumes, valores e normas comuns aos detentos da mesma forma que se estigmatiza e se criminaliza.

Nesse contexto a organização criminosa tem assumido espaços cada vez mais significativos. Estudos de Salla (1999) revelam que os intelectuais intramuros do crime organizado tiveram suas orientações nas unidades penais do Rio de Janeiro durante o regime de exceção no qual os presos políticos formados pelos intelectuais opositores ao regime conviviam juntamente com os presos comuns. É deste período que se tem a emergência do Comando Vermelho (CV), facção criminosa que se especializou e comanda o crime no interior dos presídios daquele Estado. Na sua esteira por caminhos diferentes organizou-se em São Paulo co Primeiro Comando da Capital (PCC).

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Arbex (1996), Gomes (2000) e Prado (2000) descrevem as organizações criminosas dessa complexidade como sendo um fenômeno social que tem desafiado as organizações governamentais em todo o mundo.

O fenômeno do crime organizado não mais é negado pelas agências formais internacionais, havendo estimativas concretas de cifras que seus negócios movimentam no mundo. O Jornal “O Globo” de 14/04/2000, noticiou dados da ONU, no sentido de que o narcotráfico já representa 8% de todo o comércio internacional, sendo certo que 600 milhões de armas, segundo o estudo, estão em mãos de bandidos de todo o mundo. (...) tem-se aí uma associação de um número determinado de pessoas, a qual pode ocorrer de forma circunstancial ou estável e permanente, agindo em comunhão ou através de divisão de tarefas, dentro de uma estrutura hierarquizada verticalmente, ou mediante ações decididas através de uma estrutura horizontal, o que, neste caso, não invalida a hierarquia, do momento em que sempre se constata que alguns integrantes deste estrato horizontal possuem “status” de maior relevo, através da idade, antiguidade, influência, inteligência, ou qualquer outra manifestação de poder. (...) no tocante ao nível de organização da associação alguns autores frisam o planejamento empresarial diferente de um mero programa delinquencial próprio das quadrilhas ou bandos comuns. (Gomes. 2000, p. 03)

A forma como se estabelecem os estatutos no universo do crime organizado permite perceber seu modelo coercitivo e eficaz. Um exemplo de suas “práticas pedagógicas” pode ser constatado na pesquisa apresentada na edição 250 da revista Super Interessante de Março de 2008 às p. 54-65.

Os pilotos são eleitos por voto direto dos membros do "partido". E o vencedor tem seu nome levado ao "torre", o líder do presídio, que responde diretamente à cúpula do PCC. Lá em cima está Marcos Herbas Camacho, o Marcola, ajudado por um "conselho" de 20 homens de confiança. O líder da facção, aliás, passou um ano, entre 2006 e 2007, num presídio de segurança "supermáxima" (...), que praticamente isola o preso. Mas agora está de volta a uma penitenciária menos rigorosa, em Presidente Prudente (SP).

Mesmo com tanta gente acima na hierarquia, o poder dos pilotos é notável. Cabe a eles aplicar as punições a quem fere o código de conduta da cadeia. Uma tarefa que exige bom senso, já que existem penas diferentes para cada tipo de delito.

Se um preso usar o banheiro enquanto o outro está comendo, por exemplo, teremos uma falta leve. Punição: dois dias sem comer. Mexer nos pertences de colega de cela é uma infração média. A vítima leva o caso para o piloto e ele decide se o ladrão deve tomar uma surra ou, pior que isso, ser banido para uma área isolada do presídio - o "seguro", uma espécie de cadeia dentro da cadeia. São alas separadas, longe do convívio com os outros presos, onde o detento tem que passar 24 horas por dia na cela, sem tomar banho de sol. Quem costumava ficar nessas áreas eram os estupradores, sempre jurados de mor¬te nos presídios. Agora, com a construção de penitenciárias específicas para eles, os seguros ficam cheios de perseguidos pelo crime organizado. Agora, se alguém não pagar dívidas, alcaguetar companheiros ou, o crime dos crimes, desviar dinheiro do PCC, aí não tem jeito. Essas são faltas graves, passíveis de pena de morte. Certa vez, um preso conhecido como DVD foi acusado de roubar a organização. O piloto de sua ala formou um júri com 8 membros da facção. No pátio, formaram um círculo em volta de DVD e começou a votação. Oito a zero. O réu, como manda a política do PCC, podia escolher que morte teria: a estiletadas, por estrangulamento, ou forca. Horas depois, o corpo dele balançava pendurado em uma cela.

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O terceiro modelo de pedagogia que se realiza no cárcere marcado pela cientificidade

aqui cunhada como a Pedagogia no Cárcere: tem um caráter científico, também formal/institucional, mas, não orgânica da Instituição Penal.

Caracteriza-se pela instrumentalidade (Guerra, 1995). Destina-se a poucos e se realiza sob condições adversas circunscrita à lógica das Instituições Totais. Sua autonomia se encerra nas chamadas “Celas de Aula”.

Realiza-se, portanto, em espaços específicos no interior de uma unidade penal sob a orientação dos CEEBEJAS (Centros de Educação para Jovens e Adultos). O tempo de sua realização se constitui em uma suspensão da “vida carcerária” por um determinado momento, em um determinado espaço, com determinados sujeitos. A Proposta Político Pedagógica do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos Dr. Mário Faraco Ensino Fundamental e Médio responsável pelo ensino sistematizado do DEPEN-Pr para a capital e região metropolitana tem como base as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná. No texto em que caracteriza a comunidade da escola e traça seus objetivos constata-se a presença do discurso de caráter ressocializador tal como prevê a Lei que requisita a presença desta “escola formal” no processo executório.

A presença da escola para a construção de novas alternativas de escolhas é reconhecidamente essencial e sua ausência pode precipitar um processo de marginalização que interessa ao sistema social vigente como descreve Barata (1999, p.170) ao discutir os resultados das pesquisas sobre o sistema escolar que permitem atribuir ao novo sistema global de controle social, através da socialização institucional, a mesma função de seleção e de marginalização que, até agora, era atribuída ao sistema penal, por quem repercorre a história sem idealizá-la:

A história do sistema punitivo é mais que a história de um suposto desenvolvimento autônomo de algumas "instituições jurídicas". É a história das relações das "duas nações", como a chamava Disraeli, das quais são compostos os povos: os ricos e os pobres. A complementaridade das funções exercidas pelo sistema escolar e pelo penal responde à exigência de reproduzir e de assegurar as relações sociais existentes, isto é, de conservar a realidade social. Esta realidade se manifesta com uma desigual distribuição dos recursos e dos benefícios, correspondentemente a uma estratificação em cujo fundo a sociedade capitalista desenvolve zonas consistentes de subdesenvolvimento e de marginalização. Deste ponto de vista tem-se observado que a instituição do direito penal pode ser considerada, ao lado das instituições de socialização, como a instância de asseguramento da realidade social. O direito penal realiza, no extremo inferior do continuum, o que a escola realiza na zona média e superior dele: a separação do joio do trigo, cujo efeito ao mesmo tempo constitui e legitima a escala social existente e, desse modo, assegura uma parte essencial da realidade social.

A constatação da existência desses processos educativos realizados por pedagogias dialeticamente contraditórias, ou seja, a pedagogia do cárcere subdividida em duas vertentes e da pedagogia no cárcere, realizada no âmbito dos CEEBEJAs das unidades penais, revela a necessidade de se promover a sistematização de um projeto de intervenção pedagógica que corresponda às reais demandas educativas deste universo social no qual a ação educativa sistematizada se constitua na atividade fim da Instituição.

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3.1 Fundamentos da educação para uma intervenção intramuros.

Conforme se percebe das análises do evolver histórico do cárcere numa perspectiva mundial desde sua emergência à sua atual conformação nos moldes da penalogia capitalista a comunidade carcerária tem características constantes, predominantes em relacão às diferenças nacionais, e que permitiram a construção de um verdadeiro e próprio modelo. Descreve Thompson (1999, p. 183) a este respeito que:

As características deste modelo, do ponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fato de que os institutos de detenção produzem efeitos contrários à reeducação e à reinserção do condenado, e favoráveis à sua estável inserção na população criminosa. O cárcere é contrário a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o auto-respeíto do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimônias de degradação no início da detenção, com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria autonomia (vestuários e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante.

Nesse aspecto a conclusão a que chegam estudos deste gênero é que "a possibilidade de transformar um delinquente anti-social violento em um indivíduo adaptável, mediante uma longa pena carcerária, não parece existir" e que "o instituto da pena não pode realizar a sua finalidade como instituto de educação. Evidencia-se nesse processo de socialização ao qual é submetido o preso o desenvolvimento de um processo negativo, que nenhuma técnica psicoterapêutica e pedagógica consegue equilibrar.

Explica Thompsom (1999, p. 184) que este processo pode ser analisado sob um duplo ponto de vista:

Antes de tudo, o da "desculturação", ou seja, a desadaptação às condições necessárias para a vida em liberdade (diminuição da força de vontade, perda do senso de auto-responsabi-lidade do ponto de vista econômico e social), a redução do senso da realidade do mundo externo e a formação de uma imagem ilusória deste, o distanciamento progressivo dos valores e dos modelos de comportamento próprios da sociedade externa. O segundo ponto de vista, oposto mas complementar, é o da "aculturação" ou "prisionalização trata-se da assunção das atitudes, dos modelos de comportamento, dos valores característicos da subcultura carcerária.

E o autor cita em suas propostas o aporte de Paulo Freire no que se refere a uma abordagem pedagógica adequada ao cárcere, enaltecendo o carater de emancipação, libertação e resistência ao subjugo.

É preciso, porém, que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação, mas, na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. (Freire, 1997, p. 87)

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Significa dizer que nas condições de encarceramento em que se realiza a educação no cárcere o paradigma Freireano resta prejudicado.

Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas, não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho. (Freire, 1997 p. 87) Não se trata obviamente de impor à população expoliada e sofrida que se rebele, que se mobilize, que se organize para defender-se, vale dizer, para mudar o mundo. Trata-se, na verdade — não importa se trabalhamos com alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas —, de, simultaneamente com o trabalho específico de cada um desses campos, desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode ser mudado. Não posso aceitar como tática do bom combate a política do quanto pior melhor, mas, não posso também aceitar, impassível, a política assistencialista que, anestesiando a consciência oprimida, prorroga, "sine die", a necessária mudança da sociedade. (...) Partindo de que a experiência da miséria é uma violência e não a expressão da preguiça popular ou fruto da mestiçagem ou da vontade punitiva de Deus, violência contra que devemos lutar, tenho, enquanto educador, de me ir tornando cada vez mais competente sem o que a luta perderá eficácia. É que o saber de que falei — mudar. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida. (Freire. 1997, p. 87)

O que se depreende dessa convocação de Freire (1997) é a necessidade de superação do projeto ressocializador burguês enquanto demonstração da generosidade interesseira. O que na prática representa que o projeto de educação no cárcere necessita apresentar uma alternativa ao odelo vigente que desvele a condição de subjugo, de construção sistemática de uma condição subalternizante.

A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece constituir o que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. O grande problema está em como poderão os oprimidos, que "hospedam" o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram "hospedeiros" do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta crítica — a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestações da desumanização. (Freire, 1997, p. 87)

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A proposta de Freire (1997) está sistematizada tendo como perpectiva a escola no mundo livre, o que significa que a questão se torna ainda mais difícil se considerado o ambiente carcerário na forma como está constituido enquanto instituição total.

Infere-se que é justamente essa condição que explica e viabilizada as condições concretas para que se viabilize a consolidação da pedagogia do cárcere, como explica Freire (1997, p. 32)

Há algo, porém, a considerar nesta descoberta, que está diretamente ligado à pedagogia libertadora. É que, quase sempre, num primeiro momento deste difícil descobrimento, os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se "formam". O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores. Estes são o seu testemunho de humanidade. Isto decorre, (...) do fato de que, em certo momento de sua experiência existencial, os oprimidos assumem uma postura que chamamos de "aderência" ao opressor. Nestas circunstâncias, não chegam a "admirá-lo", o que os levaria a objetivá-lo, a descobri-lo fora de si. Ao fazermos esta afirmação, não queremos dizer que os oprimidos, neste caso, não se saibam oprimidos. O seu conhecimento de si mesmos, como oprimidos, se encontra, contudo, prejudicado pela "imersão" em que se acham na realidade opressora. (Freire, 1987, p. 32).

O processo de libertação, portanto, requer uma patrimonialização do sujeito encarcerado na forma como propõe Faleiros (2007) visando a construção de sua autonomia instrumentalizando-o para seu fortalecimento na correlação de forças.

Para isso pressupõem que o processo de ensino priorize como resultado de suas praticas o fortalecimento da autonomia.

Para Faleiros (2001)

A autonomia significa, ao mesmo tempo, a capacidade de reproduzir-se na complexidade da historicidade e da cotidianeidade das mediações de poder e das energias e recursos próprios e de representar-se criticamente, combinando o reforço do eu com a aprendizagem da dúvida (Enriquez, 1994), na recusa da alienação, da tutela, do controle. Esta perspectiva se refere tanto aos coletivos como aos indivíduos.

Segundo o autor no âmbito das organizações como as escolas, os presídios, etc, as relações de poder, além da lealdade, do protesto, da saída para fora delas, são mediadas por normas, carismas, favores, sanções, prêmios, diálogos que articulam a dependência ou a autonomia dos sujeitos.

Considerando a presença destes fatores o autor cita Bourdieu, (1992) para explicar que o desenvolvimento da autonomia do sujeito implica a apropriação, pela consciência, da necessidade que está inscrita na história e pelo descobrimento e uso da própria força no contexto em que as necessidades e as possibilidades se inscrevem.

Ao detalhar estes contextos Faleiros (2001, p. 29) explicita os diferentes campos.

No campo da solidariedade, as possibilidades de afeto e apoio; no campo da cultura, as possibilidades de auto-estima e expressão coletiva; no campo das instituições, as possibilidades de garantia de direitos; no campo da economia, as possibilidades de

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capacitação, emprego e/ou autogestão; no campo da organização, as possibilidades de auto-regulação e resistência ao controle, à opressão, à discriminação, à vitimização. O desenvolvimento da autonomia é um processo de negação da tutela e da subalternidade pela mediação da afirmação da própria palavra e da construção das decisões sobre seu próprio destino. As decisões sobre seu próprio destino, e mesmo sobre seu próprio corpo, são limitadas pelas relações de classe, de raça, de gênero, de socialidade local. São, no entanto, relações contraditórias, de poder e poderes que aumentam ou diminuem no enfrentamento de forças, tanto pela expressão e manifestação dos desacordos, dos não ditos, dos recalques, dos incômodos, dos questionamentos, como pela organização e pelo reconhecimento do campo da negociação, isto é, dos conflitos e consensos possíveis. Algumas das mediações das correlações de forças, nas redes primárias, são os mitos, projetos, figuras, normas, que se relacionam com os projetos dos sujeitos, traduzindo-se em submissão, confronto, questionamento. O fortalecimento da autonomia implica o poder viver para si no controle das próprias forças, e de acordo com as próprias referências. Marx chamava a atenção para a transformação da classe em si em classe para si na articulação de sua consciência e força de classe.

Quanto a autonomia financeira o autor explica que implica, contraditoriamente, a

inserção nas mediações capitalistas da sobrevivência, o que exige a articulação com o mercado, com a produção e com a dinâmica das atividades sociais.

Nestas questões relativas à autonomia financeira e sua contradição (Kuenzer. 2002, p. 05) ensina que

Em primeiro lugar, há que melhor compreender o que é e como se dá esta relação no regime de acumulação flexível, e em que limites, para além do que apresenta o senso comum. Em segundo lugar, discutir os procedimentos pedagógicos mais adequados ao estabelecimento da articulação possível, o que nos remete à discussão dos princípios que devem fundamentar os processos educativos dos trabalhadores, a partir do ponto de vista da construção da sua autonomia intelectual e ética.

O outro aspecto que deve compor o processo de formação escolar e, portanto, deve estar presente nas estratégias pedagógicas, nos seus fundamentos e princípios, corresponde ao fortalecimento da identidade.

Como assinala Jovchelovicht (1994), é na alteridade, no espaço público, na pluralidade, que se constrói a identidade, sendo a representação um processo coletivo e estruturado, relacionado à cultura, à ideologia, à comunicação e à ação, produto de uma realidade exterior ao sujeito, mas, nem por isso independente de sua atividade simbólica e psíquica.

As representações de si mesmo são mediadas pelas relações sociais e, particularmente, culturais, e vividas contraditoriamente, vinculadas à disputa e à dominação racial, de gênero, de cultura, de visões de mundo, de valores, em que se confrontam preconceitos, discriminações, desvalorizações, desmotivações.

Estas condições adversas serão vividas pelo condenado enquanto estiver privado de sua liberdade e quando egresso do sistema penal. O que significa que seu fortalecimento deve se processar enquanto intero d sistema penal.

O desenvolvimento da auto-estima, do apreço por si mesmo, implica o questionamento dos papéis sociais que são atribuídos aos dominados e o questionamento da ideologia da desigualdade, da naturalização das diferenças sociais.

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A construção da identidade implica fraturas na ordem homogênea e hegemônica dominante nas redes primárias ou secundárias.

Jovchelovicht (1994, p. 95) assinala que:

As estratégias individuais têm uma dimensão psicológica e uma dimensão social, e na construção da identidade pode-se: a) "questionar a imagem negativa", seja pela distância que se toma dela, referência a outros valores, seja "pelo ridículo, pela desimplicação, pela automarginalização, b) revalorizar a identidade" pela agressividade, desejo de revanche, ou busca do reconhecimento, seja pela modificação temporária da relação de forças, pela mobilidade dentro do sistema ou questionamento deste, e c) pela interiorização da imagem negativa que acontece na resignação, no exercício de papéis, na fuga, na reprovação como sujeito ou no isolamento, privação da identidade coletiva, na fuga da realidade, na passividade social, na autodestruição.

Como descreve Faleiros (2001, p.31) sobre o papel das ciências sociais entre elas a educação:

O discurso das ciências sociais contemporâneas passou a valorizar o sujeito como um personagem que entra em cena com seus desejos, seu mundo simbólico, sua individualidade, desconulcrando, às vezes, o próprio contexto em que o sujeitar-se institui, sua trajetória social em articulação com sua trajetória individual ou familiar. A constituição dos sujeitos se faz no imbricamento de relações complexas e num processo 'histórico demarcado por rupturas e continuidades. As trajetórias não são caminhos prefixados ad aeternum pelas estruturas nem processos de escolhas livres Elas consistem no trânsito das possibilidades para as viabilidades, numa combinação de virtú e fortuna na expressão de Maquiavel, dos fados e feitos, das condições dadas com as ações e iniciativas individuais e dos grupos a que se pertence. As trajetórias não são processos mágicos, mas uma construção e uma desconstrução de poderes numa dinâmica relacional em que se entrecruzam de forma interdependente os ciclos longos da história e os ciclos curtos das vidas dos indivíduos, os tempos históricos e sociais e os tempos familiares, grupais e individuais. Esta trajetória não é, pois, linear, mas um processo de mudanças de relações. Esse processo de mudança de relações implica rupturas que se manifestam em desavenças, revoltas, resistências, deslocamentos e continuidades que se manifestam como acomodações, integrações, tradições, repetições.

Assim, explica Faleiros (2001) a trajetória dos dominados tem a marca da exclusão social enquanto processo de marginalização dos bens culturais, econômicos, políticos, de lazer que constituem patrimônios de certos grupos, embora haja um processo de integração em patrimônios familiares, afetivos, de amizade, de certos bens que configuram o patrimônio dos dominados inseridos numa relação de desigualdade.

As biovias, conceito que não tem nenhuma conotação biologista, podem, pois, representar fracassos ou sucessos para os diferentes atores, e, mais profundamente, traduzem um jogo de poderes, uma correlação de forças.

As estratégias para Faleiros (2001) são processos de articulação e mediação de poderes e mudança de relações de interesses, referências e patrimônios em jogo, seja pelo rearranjo de recursos, de vantagens e patrimônios pessoais, seja pela efetivação de direitos, de novas relações ou pelo uso de informações.

O processo de ensino formal está diretamente relacionado a estas construções de patrimônios, na medida em que instrumentaliza os sujeitos a construir seus patrimônios, a desenvolver suas estratégias de vida e se relacionar no grupo social no qual estão em presença diferentes situações de correlação de forças.

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No processo de ensino essa patrimonialização é possível na medida em que se pense de forma ampla seus elementos formadores como descreve (Vieira Pinto, 2007, p. 47):

Conteúdo e forma da educação significam mais que a simples coexistência e justaposição dos fatores. Representam uma unidade real, isto é, a dependência recíproca de um ao outro. Assim, o conteúdo determina a forma da educação na qual é ministrada, porém, esta por sua vez determina a possibilidade da variação do conteúdo, aumentando-o, em um processo sem fim. A execução formal da trans-missão de certo conteúdo instrutivo possibilita a abertura desse mesmo conteúdo para se incluir em algo mais, como adiantamento e progresso do saber. Por isso, o método educacional - em particular, o método de alfabetização — tem que ser definido como dependência de seu conteúdo (e significado) social, ou seja, o elemento humano ao qual vai ser aplicado, de quem o deve executar, dos recursos econômicos existentes, das condições concretas nas quais será levado à prática. Fora disso, é apenas obra imaginativa (cartilhas, campanhas de alfabetização, etc.), é pensamento em abstrato, é projeto no vácuo social.

Adverte Vieira Pinto (2007) que entre os que recebem educação escolar (e universitária) a distribuição das oportunidades e favores deriva do jogo de influências sociais que fazem uns mais afortunados que outros.

Isso significa que a exigência de educação para um maior número (e por fim para todos) só chega a ser irresistível quando parte da própria massa que começa a recebê-la constitui-se em fato político. Deixando de ser, assim, o projeto bem intencionado de alguns pedagogos generosos. Essa intenção se transfere à questão penitenciária, de tal forma que não há como desenvolver um projeto educativo sem que se possibilite a participação dos sujeitos da execução penal no projeto de vida que a ele se destina no tratamento penal.

Segundo o autor, é preciso que o projeto educativo se realize por profissionais conscientes de seu papel social e comprometido justamente com essa minoria a qual se destina sua práxis.

Nas sociedades onde não há oportunidades e o poder econômico se acha concentrado, a função de educar é delegada a um pequeno grupo de indivíduos instruídos e deles se espera que sirvam aos objetivos de tal sociedade. O educador é concebido sempre como um funcionário, um servidor e não como portador de uma consciência. Daí a necessidade de despertar nos educadores o sentimento de dignidade e autonomia, sendo esta concebida não como desligamento do solo social e sim como poder de escolha pessoal, crítica, livre das forças sociais a que se identifica.

Na sistemática penitenciária, com seu engessamento de instituição total essa autonomia do educador tem se mostrado inexistente ou reduzida ao limite das prioridades de ordem disciplinar e de garantias da segurança.

A finalidade da educação está implícita no conteúdo e na forma como é executada. revela a dicotomia entre o projeto educativo ingênuo e efetivamente crítico, pois, segundo é próprio da consciência crítica fazer clara a finalidade que concebe para o processo educativo, enquanto a consciência ingênua, porque devem muitas vezes proceder de má fé contra os interesses populares oculta ou dissimula as finalidades da educação sob os mais diversos e sutis disfarces.

A finalidade da educação não se limita à comunicação do saber formal, científico, técnico, artístico, etc. Esta comunicação é indispensável, está claro, porém o que se intenta por meio dela é a mudança da condição humana do indivíduo que adquire o

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saber. Por isso, a educação é substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim, seria apenas adjetiva, mero ornamento da inteligência. O homem que adquire o saber, passa a ver o mundo e a si mesmo deste outro ponto de vista. Por isso se torna um elemento transformador de seu mundo. Esta é a finalidade essencial da educação. Tal é a razão de que todo movimento educacional tenha conseqüências sociais e políticas.(Vieira Pinto:2007, p. 48)

Tudo aquilo que influi executivamente no trabalho educacional, deste ponto de vista

é educador. O autor assevera e atribui fundamental importância para as condições materiais como

as instalações e prédio da escola explicando que esta questão se faz importante, inclusive porque assume duplo sentido: por seu efeito psicológico e por sua significação sociológica. Neste último sentido, a escola representa a revelação do status social (a escola rica, a escola pobre) a quem se destina. “É pelo edifício escolar que o sujeito toma contato com a capacidade da sociedade de atendê-lo no campo educacional. A escola é um "produto" social que está feito exclusivamente para o educando”. Nesse aspecto se percebe a condição inadequada dos espaços intramuros reservados à educação no ambiente carcerário que em algumas unidades chega se constituir em “celas de aula”.

No campo penitenciário já foi possível constatar todo arcabouço ideológico que permeia o sistema de ensino formal realizado intramuros. Essa análise pode ser sistematizada na avaliação de Baratta (1999, p. 204).

Se chegamos à conclusão de que os princípios estruturais e funcionais necessários para organizar cientificamente o conhecimento do sistema penal são opostos àqueles que são declarados pelo mesmo, então, partindo de um conceito dialético de racionalidade, excluiremos que esta contradição entre os princípios declarados e o funcionamento real do sistema seja um caso de azar, um contratempo emergente de sua realização, imperfeito como tudo que é humano. Nós não consideraremos a imagem ideal que o sistema propõe de si mesmo unicamente como um erro por parte dos operadores e do público, mas, lhe atribuiremos o status de uma ideologia. Esta ideologia penal torna-se uma parte integrante do objeto de uma análise científica do sistema penal. O funcionamento do sistema não se realiza não obstante, mas, através desta contradição, a qual é um elemento importante, como outros elementos do sistema, para assegurar a realização das funções que exerce no interior do conjunto da estrutura social. O elemento ideológico não é contingente, mas, inerente à estrutura e à forma de funcionamento do sistema penal, assim como este, em geral, é inerente à estrutura e ao funcionamento do direito abstrato moderno. A forma da mediação jurídica das relações de produção e das relações sociais na sociedade capitalista moderna (o direito igual) é ideológica: o funcionamento do direito não serve, com efeito, para produzir a igualdade, mas para reproduzir e manter a desigualdade. O direito contribui para assegurar, reproduzir e mesmo legitimar (esta última é uma função essencial para o mecanismo de reprodução da realidade social) as relações de desigualdade que caracterizam a nossa sociedade, em particular a escala social vertical, isto é, a distribuição diferente dos recursos e do poder, a conseqüência visível do modo de produção capitalista.

Para esse autor o funcionamento desigual e fragmentário do sistema reflete a desigual distribuição dos recursos e do poder na sociedade, assim como a correspondente hierarquia dos interesses em jogo, concorrendo também à reprodução material das relações de subordinação e de exploração.

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No que se refere a esse aspecto da reprodução das condições materiais o Sistema Penitenciário revela-se mais reacionário na medida em que não apenas não universaliza a educação para o trabalho, como o realiza de maneira apenas teórica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar a pedagogia que pertence ontologicamente ao cárcere, a pedagogia que formalmente se realiza no cárcere e a pedagogia necessária ao desenvolvimento integral do sujeito encarcerado é possível constatar que esta questão se desenvolve no âmbito das unidades penais numa perspectiva transdisciplinar, onde o mesmo fenômeno é tratado autonomamente por diferentes áreas do conhecimento de maneira que esta autonomia contribui para o entendimento global do fenômeno.

Assim concorre para a análise da pedagogia (do) cárcere e (no) cárcere, o Direito Penal, a Criminologia Crítica, a Educação, a Sociologia, o Serviço Social, a Psicologia, entre outras áreas.

A abordagem sobre a questão não pode prescindir de uma concepção materialista e dialética na medida em que a realidade prisional é marcada pelas determinações históricas do modelo social vigente que tem no capitalismo seu modelo de regulamentação e regulação.

Diante das concepções educacionais, seus princípios, seus fundamentos e das características das instituições totais, é possível constatar que a educação que se realiza no cárcere submete, subjuga, e dificulta a realização de uma educação que possa efetivamente corresponder às expectativas da ciência, da lei e das políticas publicas no que se refere ao desenvolvimento de um processo de educação efetivo.

Desenvolver a autonomia, a cidadania, a identidade, são atividades humanas que somente podem se realizar sob as condições ontologicamente humanas, ou seja, com respeito a alteridade, a identidade de cada sujeito.

A pretensão da Lei de execução Penal de 1984 sob os fundamentos positivistas de modificar o sujeito encarcerado a partir de um tratamento científico se revelou ao longo deste estudo equivocada e inconseqüente uma vez que ignora o caráter social e genérico do sujeito.

O Sistema Penitenciário do Paraná por suas características e práticas administrativas e gestão das políticas públicas para o sistema penitenciário revela um compromisso aprioristico com a disciplina, a segurança a custódia.

Os novos projetos arquitetônicos se assemelham aos projetos das edificações modernas no que se refere a idéias de controle dos sujeitos em sua e principalmente no que se refere aos espaços destinados às atividades de convício e ensino formal.

Do ponto de vista da gestão as atividades educativas e laborativas são preteridas e qualitativa e quantitativamente não atendem às demandas da totalidade dos sujeitos encarcerados.

A perspectiva da criminologia crítica permitiu desvelar os reais interesses, as reais causas e conseqüências das penas privativas de liberdade, do cárcere e do Direito Penal ao conceber a pena.

Por sua vez, a análise revelou que não há ainda construída uma teoria que possa substituir o cumprimento de pena e a segregação do delinqüente dos demais membros da sociedade. Nesse sentido, é preciso perceber que ate que nova modalidade de penalogia seja

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desenvolvida, que novas concepções de punição e prevenção ao crime sejam desenvolvidas o cárcere continuará existindo.

Diante dessa mazela, o que se pode perceber é que uma pedagogia adequada poderá ser desenvolvida na medida em que as características institucionais possam ser modificadas.

É nesse sentido que se entende ser viável a construção de novos modelos de instituições penais escolas na modalidade de regime semi-aberto destinadas aos jovens encarcerados com idades de 18 a 25 anos.

Tais instituições poderiam ser caracterizadas justamente pelo ambiente aberto e educativo. Com uma matriz curricular e uma diretriz curricular adequada às necessidades dos sujeitos encarcerados.

Necessidades estas que transcendem os conteúdos das disciplinas do conhecimento, mas, que priorizem o sujeito, o fortalecimento da sua autonomia, que lhe permita construir novos patrimônios, sociais, financeiros, afetivos, culturais, morais, etc.

Que estes conteúdos não estejam subjacentes ao processo de ensino, mas, que versem como objetivos primeiros de todo o processo de ensino intramuros.

SÍNTESE PROPOSTA PARA IMPLANTAÇÃO DE CENTRO DE FORM AÇÃO TÉCNICO-EDUCATIVA: Com base nos estudos teóricos e nos levantamentos empíricos de interesses desenvolvidos apresenta-se a seguinte proposta de Gestão Penitenciária Técnico-educativa:

1. Ruptura e superação do argumento da Ressocialização, Recuperação, Reeducação, Reinserção de presos. (Séc. XVIII)

2. Adoção do Paradigma Educativo de Gestão Escolar superando o paradigma custodial, disciplinador penitenciário;

3. Gestão compartilhada, transdisciplinar pela formação de um Conselho Diretor, autônoma.

4. Órgãos envolvidos no Conselho gestor: SEJU (como mantenedora), SEED, IES, Instituição de Ensino Profissionalizante, empresas envolvidas nas PPP (se houver).

5. Diretrizes administrativas, operacionais definida em Regimento Próprio e Proposta Político-Curricular de Custódia, Ensino e Profissionalização

6. Definição sistêmica e estrutural da unidade de política de pesquisa como práxis, avaliação de resultados sob os critérios educacionais.

7. Estabelecer como caráter estrutural, orgânico e sistêmico da unidade como unidade de pesquisa cientifica, de ensino formal e profissionalização.

8. Estrutura física adequada às práticas educativas, profissionalizantes, esportivas, culturais, religiosas, virtuais.

9. Aporte de Entidades Governamentais para viabilização da proposta SEED-CEEBEJAS, SEJU, IES ESTADUAIS E FEDERAIS, EMPRESAS PRIVADAS, INSTITUIÇÕES DE ENSINO PROFISSIONALIZANTE FEDERAL E ESTADUAL, MEC, MJ.

10. Construção de Unidade Penal específica para a população jovem com idade entre 18 e 25 anos; (já autorizada)

11. Inclusão dos alunos-internos em programas como o Pró-Jovem Urbano que viabilizem bolsa- auxílio para estudantes-presos.

12. Implementação de Proposta Político-Pedagógica definindo os fundamentos: a. Epistemológicos,

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b. Filosóficos, c. Metodológicos, d. Teóricos, e. Matriz Curricular, f. Diretriz Curricular, g. Regimento Interno, h. Sistema de Avaliação i. Inclusão de docência na área de serviço social, psicologia. j. Estabelecer como paradigmas educativos: o trabalho como princípio educativo,

a educação emancipatória, o fortalecimento da autonomia; a desocultação do processo social de marginalização e criminalização, a sustentabilidade do homem, a empregabilidade do trabalhador.

13. Fundamentos epistemológicos baseados nos princípios teóricos da Educação Humanista Libertadora.

14. Estabelecer como Critérios para acesso à Unidade: a. A manifestação do interesse por parte do apenado quando da sentença, ou

quando da triagem de implantação no sistema penitenciário; b. Formação escolar, c. Idade, d. Inventário de interesse, e. Habilidades pregressas, f. Perfil criminógeno, g. Primariedade, h. Tipificação do delito, i. Outros critérios de caráter sócio-educativo, psicológico, etc.

15. Avaliação criminológica e triagem pela via da pedagogia e demais setores técnicos do Centro de Observação Criminológica e Triagem do DEPEN-Pr (necessita ser revitalizado e transformado em um centro de excelência em pesquisa, observação, triagem em criminologia e saberes penitenciaristas.

16. Viabilidades e sustentabilidades pelo aporte de mecanismos como: a. ESTRUTURA FÍSICA Programa do MJ de Convênios de Reintegração Social

E Ensino b. EDUCACIONAL: Aporte da Seed; equipe docente, equipe gestora, equipe

multidisciplinar incluindo assistentes sociais conforme Lei Estadual 15075/2006; programa em EAD do MEC

c. INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA PERMANENTE: Aporte das IES, dos Conselhos de Classe, do COT.

d. CUSTODIAL: equipe multidisciplinar inclusive de segurança do DEPEN-Pr; e. PROFISSIONALIZAÇÃO: Aporte SENAI, UFTPR; EAD MEC f. SUSTENTABILIDADE: Parcerias Público-Privadas no Processo de

Profissionalização/Produção e incentivo à criação de Cooperativas com envolvimento da Comunidade do Entorno da Unidade Temática.

g. Alternativas de Unidades Temáticas de Execução Penal/profissionalização: Cursos Profissionalizantes na Área de Mecânica Industrial/Mecatrônica; Informática; Técnicas da Madeira para o Vale do Ribeira (RMC); Escola Técnica Agrícola (interior); Escola Técnica de Produção; Preparo e Manipulação de Alimentos; conforme levantamento de interesse já realizados junto ao COT durante o Biênio 2007/2008; (anexo)

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