Mulheres, autonomia e trabalho - uma experiência do Cariri ao litoral da Paraíba

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1 Uma experiência do Cariri ao litoral da Paraíba MULHERES, AUTONOMIA E TRABALHO

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Esta publicação apresenta um pouco da experiência da Cunhã junto às mulheres produtoras do campo e da cidade com quem a organização vem trabalhando desde 2002, nas regiões do Cariri ocidental paraibano e, mais recentemente, no litoral do estado da Paraíba. As páginas são poucas para contar essa experiência junto a essas mulheres guerreiras e trabalhadoras. Agradecemos a todas e a cada uma – rendeiras, agricultoras, pescadoras, artesãs e marisqueiras – que lutam por melhores condições de vida cotidianamente e, contra todos os obstáculos e dificuldades, teimam em ocupar seu espaço na esfera pública e no mundo do trabalho. Sem, elas não haveria essa experiência para compartilhar. Sabemos que essas mulheres podem inspirar e agregar outros sentidos a muitas outras que desejam trilhar este caminho. Agradecemos também às organizações parceiras e agências de cooperação que têm apoiado a realização do trabalho da Cunhã ao longo dos últimos anos e que colaboraram e colaboram para que mudanças

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Uma experiência do Caririao litoral da Paraíba

MULHERES,AUTONOMIAE TRABALHO

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uma experiência...

Esta publicação apresenta um pou-co da experiência da Cunhã junto às mu-lheres produtoras do campo e da cidade com quem a organização vem trabalhando desde 2002, nas regiões do Cariri ociden-tal paraibano e, mais recentemente, no litoral do estado da Paraíba. As páginas são poucas para contar essa experiência junto a essas mulheres guerreiras e trabalhadoras. Agradecemos a todas e a cada uma – rendeiras, agricul-toras, pescadoras, artesãs e marisquei-ras – que lutam por melhores condições de vida cotidianamente e, contra todos os obstáculos e dificuldades, teimam em ocupar seu espaço na esfera pública e no mundo do trabalho. Sem, elas não haveria essa experiência para compartilhar. Sabe-mos que essas mulheres podem inspirar e agregar outros sentidos a muitas outras que desejam trilhar este caminho. Agradecemos também às organiza-ções parceiras e agências de cooperação que têm apoiado a realização do trabalho da Cunhã ao longo dos últimos anos e que colaboraram e colaboram para que mu-danças reais aconteçam na vida de cen-tenas de mulheres do Cariri ao litoral da Paraíba.

O conteúdo desta obra é de rsponsabilidade exclusiva da Cunhã Coletivo Feminista, e não reflete em nenhum momento o ponto

de vista da Petrobras.

Mulheres, autonomia e trabalho

– Uma experiência do Cariri ao litoral da

Paraíba

Equipe Mulheres produzindo saberes e ge-

rando renda

Coordenação executiva:

Soraia Jordão Almeida

Coordenação de comunicação:

Cristina Lima

Coordenação administrativa:

Marina Nóbrega Maia

Anadilza Maria Paiva

Iayna Rabay

Luciana Cândido Barbosa

Maria Lúcia Lira de Sousa

Maria do Socorro Costa

Mayra Medeiros

Neudenis Albuquerque

Paula Tabosa

Estagiária:

Juliana Terra

Administrativo:

Ionaldo Macedo

Frankeleudo Andrade

Coordenação editorial:

Malu Lopes de Oliveira

Edição e revisão:

Cristina Lima - MT 31519/99

Projeto Gráfico:

Paula Tabosa

Fotografias:

Juliana Terra, Paula Tabosa,

arquivo da Cunhã

Para cópia e difusão deste material publica-

do, favor citar a fonte.

João Pessoa, 2016.

Realização:

Patrocínio:

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ções comunitárias, movimento feminista e de mulheres e movimentos sociais nas temáticas de: direitos sexuais e direitos reprodutivos; enfrentamento à violência contra as mulheres; enfrentamento às de-sigualdades de raça e de gênero; políticas públicas para as mulheres; democratização do poder e reforma do sistema político brasileiro; seguridade, proteção social e trabalho das mulheres; autonomia econô-mica das mulheres, entre outras questões. Visando organizar sua ação política, a Cunhã atua em torno de quatro eixos estratégicos e objetivos:

Fortalecimento do movimento de mulheres - colaborar para o fortale-cimento da luta feminista para en-frentar as desigualdades, defender e exigir os direitos humanos para todas as pessoas, bem como por uma sociedade justa e democrática.

Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres - desenvolver estraté-gias e ações políticas voltadas para a eliminação da violência contra as mulheres na Paraíba e no Brasil.

Direitos Sexuais e direitos repro-dutivos – promover e defender os direitos reprodutivos e os direitos sexuais, com o objetivo de pautar e debater junto à sociedade o direito à autonomia das mulheres sobre seus corpos, sua sexualidade e vida reprodutiva.

Trabalho e autonomia econômica das Mulheres - fortalecer a capaci-dade das mulheres de serem pro-vedoras de seu próprio sustento, assim como das pessoas que delas dependem, tendo melhores con-dições de alcançar sua autonomia política.

Apresentação A Cunhã Coletivo Feminista é uma organização social sem fins lucrativos, fundada em 1990, no estado da Paraíba, nordeste do Brasil. Tem como missão promover a igualdade de gênero, tendo como referências a defesa dos direi-tos humanos, o feminismo, a justiça social e a democracia. Contribui para o fortalecimento das mulheres, no enfrentamento ao patriarca-do, ao racismo e ao capitalismo, visando a igualdade de gênero e raça, a ampliação da democracia e a transformação social, através de estratégias de formação, inci-dência política, produção do conhecimen-to e comunicação. A organização tem atuado junto a grupos de mulheres jovens e adultas em situação de pobreza, nos contextos urba-no e rural, visando o fortalecimento do mo-vimento de mulheres e feminista brasileiro. Desenvolve ações em consonância com organizações, redes e articulações feminis-tas no Brasil e na região latino-americana, especialmente no campo da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), onde inte-gra a coordenação e, em nível estadual, da Rede de Mulheres em Articulação da Paraíba. A organização participa de redes e articulações feministas no enfrentamento ao machismo, ao racismo e ao capitalis-mo, na luta pelos direitos humanos das mulheres, visando a igualdade de gênero e a ampliação da participação política das mulheres. Promove ações de formação e incidência junto a parlamentares, ges-tores(as) públicos(as) e de outras orga-nizações sociais, profissionais de saúde, educação, segurança pública, estudantes, entre outras áreas. Realiza ainda processos de forma-ção junto a grupos de mulheres, organiza-

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Motivada em dar seguimento ao tra-balho com as mulheres rurais da região do Cariri ocidental paraibano, em curso desde 2002, a Cunhã, através do projeto Mulhe-res produzindo saberes e gerando renda, patrocinado pela Petrobras (2013-2016), inicia uma nova fase de trabalho nesta área. Com enfoque no trabalho e autono-mia econômica das mulheres, este projeto objetivou contribuir para o enfrentamento à pobreza das mulheres produtoras e para a melhoria das condições socioambien-tais de suas comunidades nas regiões do semiárido e do litoral da Paraíba. Neste projeto, a organização tam-bém teve a oportundidade de se lançar em uma nova experiência de trabalho na região do litoral da Paraíba, na perspectiva de formentar uma ação-piloto com a Asso-ciação de Marisqueiras de Acaú, localizada na cidade de Pitimbu em área de preserva-ção ambiental (RESEX Acaú/Goiana). A am-pliação do raio de atuação junto às mulhe-res produtoras pescadoras surge a partir da relação com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio), em diálogo com a Cunhã para realizar uma ação em parceria junto às mulheres marisqueiras daquela comunidade. Nas questões prioritárias, as mu-lheres a Cunhã realizou ações educativas e de capacitação técnica de mulheres jovens e adultas de grupos produtivos, nas áreas de organização social, produção, comercialização; fortalecer a organização de grupos produtivos para participarem politicamente nas suas comunidades e em instâncias de participação e controle social; viabilizar ações de com foco na igualdade de gênero e meio ambiente protagonizadas pelas mulheres das duas regiões. A idea da ação foi colaborar para que as mulheres se fortalecessem na bus-ca de alternativas de geração de trabalho e renda para, fomentando seus processos de produção e comercialização.

Com este propósito, a Cunhã de-senvolveu ações articuladas de educação feminista, incidência política, comunicação e de organização do trabalho produtivo. As atividades buscaram fortalecer e am-pliar o trabalho já existente com mulheres do semiárido paraibano dando ênfase ao processo de comercialização da Renda Renascença e, por outro lado, fomentar a inserção das jovens na cadeia produtiva da Renascença, fortalecendo-as como ar-tesãs em sua organização social e política. Além das mulheres, participaram do projeto cerca de cem autoridades locais e outros(as) detentores(as) de poder dos nove municípios: integrantes dos gover-nos federal, estadual e dos municípios; de instâncias de controle e elaboração de políticas públicas e das associações de as-sentamentos e comunidades de agricultu-ra familiar. Estes sujeitos foram importantes nos processos políticos, organizativos e de tomada de decisão com relação à formula-ção e implementação de políticas públicas voltadas para o trabalho e a autonomia econômica das mulheres nas regiões. Para dar concretude a tantas metas e objetivos, a Cunhã contou com parcerias importantes, empenhadas em somar e juntar forças para colaborar com mudan-ças na realidade das mulheres, através de um conjunto de estratégias e articulação de sujeitos. Entre alas, citamos o Centro da Mulher 8 de Março (CM8M), o Projeto Dom Helder Câmara/MDA, Concern Universal, organizações de assistência técnica, pre-feituras dos nove municípios, SEBRAE, Em-preender Mulher PB, Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/RESEX Acaú-Goia-na). Esses parceiros potencializaram as estratégias de fortalecimento dos grupos e o apoio para a organização e a gestão; a capacitação das mulheres e qualificação dos processos de produção e comercia-

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lização; o acesso a linhas de crédito, a implementação de políticas públicas que impactam na melhoria da qualidade de vidas das mulheres, suas famílias e comu-nidades. Em 2014, a Cunhã contou através recursos de outra ação desenvolvida em parceria com a Concern Universal Brasil, na região do Cariri, colaborando para am-pliar o número de mulheres participantes diretas assim como populações dos muni-cípios envolvidos. Na região do litoral, no trabalho específico com as marisqueiras, a parce-ria do ICMBio, que atua no município de Pitimbu - sobretudo no desenvolvimento de ações voltadas para a preservação do meio ambiente e na atuação direta com a Associação de Marisqueiras de Acaú - co-laborou para ações de educação e mobili-zação junto às comunidades inseridas em áreas de preservação ambiental, Houve também uma parceria com a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), através do Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde - Núcleo de Etnoecologia, Educa-ção Ambiental e Gestão. Acrescentam-se ainda as parceiras do campo de luta pelos direitos das mu-lheres e do campo da ação política femi-nista: a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Rede Mulheres em Articulação da Paraíba e as organizações do comitê impulsor da Marcha das Mulheres Negras na Paraíba. Nos caminhos percorridos por este trabalho, a partir do olhar feminista, são tecidas algumas reflexões sobre as estra-tégias e ações desenvolvidas, destacando como essas mulheres têm conquistado reconhecimento e visibilidade do seu trabalho dentro e fora do espaço privado, assim como vêm desempenhando o papel de lideranças nos espaços de participação política, historicamente ocupados pelos homens em suas comunidades e muni-

cípios. Evidencia-se, ainda, como essas mulheres têm se apropriado dos conheci-mentos técnicos e fortalecido sua autono-mia política a partir de suas localidades, considerando os processos de educação/formação feminista e o envolvimento de de uma gama de parcerias.

Traçando o perfildas mulheres

Na aproximação com 588 mulheres participantes do projeto, a Cunhã teve a oportunidade de conhecer de perto um pouco das histórias e da realidade de suas vidas. Nesta convivência, no decor-rer desse trabalho, elas expuseram suas subjetividades, compartilhando tristezas e dissabores, mas também alegrias, sonhos e desejos de mudança e transformação social. Nas duas áreas de abrangência da ação, foi realizado um diagnóstico inicial com 411 mulheres com o objetivo de traçar o perfil das mulheres, quanto aos seguin-tes aspectos: faixa-etária, educação formal e profissional, identidade étnico-racial. A construção desse perfil baseou-se na aplicação de um questionário assim como considerou as informações levantadas du-rante a realização das atividades em que as mulheres expõem suas histórias de vida e subjetividades. No decorrer dos processos de formação e acompahamentos diretos com as participantes pudemos conhecer um pouco mais sobre as dificuldades, estraté-gias e desafios encontrados para enfrentar as desigualdades de gênero, entre elas a divisão sexual do trabalho, a pobreza, a precariedade das políticas públicas volta-das para suas realidades e contextos e do funcionamento dos instrumentos de con-trole social e de participação política. As mulheres contempladas neste projeto, residem em oito municipios da

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região do Cariri Ocidental: Congo, Sumé, Camalaú, Monteiro, São Sebastião do Um-buzeiro, São João do Tigre, Zabelê e Prata e no municipio de Pitimbu/Acaú da região do litoral paraibano. Da cidade de João Pessoa à região do cariri, normalmente, o tempo percorrido são de cinco horas de transporte públi-co, que funciona de forma precaria. Para municipio de Pitimbu, o trajeto percorrido, via transporte público, leva duas horas. Ressaltamos que a mobilidade para estes lugares/regiões exige tempo por parte das educadoras. Neste aspecto, a instalação da sede na região do cariri favoreceu o bom andamento das atividades.

Observamos que as ações do projeto junto a grupo de mulheres são realizadas majoritariamente com mulheres rurais e tem grande concentração no Cariri paraibano, chegando inclusive, até um dos municípios mais distantes da região: São João do Tigre. Registra-se ainda, a impor-tância da ampliação para o litoral, que, mesmo sendo representado apenas pelo município de Pitimbu, este é o terceiro com maior número de mulheres participan-tes das ações no Projeto. Na região do cariri, a maioria vivem em comunidades de agricultura familiar e áreas de assentamentos da reforma agra-ria, que estão afastados dos centro das

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cidades. Enquanto as mulheres de Pitum-bu moram na própria cidade litorânea. Em relação à condição habitacional, a maioria das mulheres vive com suas fa-mílias em casas de alvenaria e suas famí-lias, e um número significativo de lares e tem energia elétrica, eletrodomésticos, a exemplo de cerca de 90% dos lares com acesso à TV e rádio, sendo estes, ins-trumentos de entretimento/lazer para as mulheres. Em suas comunidades enfren-tam problemas relativos a escassez da água e saneamento básico, bem como o acesso aos serviços públicos (hospitais, delegacias, escolas etc.) porque ainda funcionam de forma precaria. Ainda sobre a problematica da água, as mulheres que vivem nas áreas rurais armazenam agua em cisternas para consumo diário e geral-mente lavam roupas ou buscam água nos rios/açudes. As pescadoras de Acaú tem acesso á agua encanada em suas casas. As cisternas e os poços têm sido as

alternativas mais utilizadas para o arma-zenamento de água, na região. Porém, a variedade de formas de acesso à água não significa que há água suficiente para suprir todas as necessidades da população rural, uma vez que as chuvas são esparsas, o clima é muito quente e seco e as condi-ções de infraestrutura dos poços ainda são precárias. No litoral, a realidade é um pouco diferente. As pescadoras de maris-co de Acaú têm acesso à agua encanada em suas casas. Deste universo, a maioria são casa-das, vivenciam a maternidade e a quanti-dade que varia entre um a sete filhos(as), mantendo uma média de três filhos(os).1 Quanto à faixa-etária, das 411 mu-lheres, o projeto contemplou mulheres jovens, adultas e idosas. Em um número de 85 jovens tem entre 18 a 29 anos, en-quanto a maioria (279) encontrava-se com idade entre 30 a 59 anos e 28 estavam acima dos 60 anos, na época da aplicação dos questionário.

1 Primeiro diagnóstico sobre a realidade das mulheres da região do Cariri ocidental realizado em parceria com o Centro da

Mulher 8 de Março, em 2003.

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Esse gráfico demonstra uma maior participação de mulheres em idade adul-ta, seguido das mulheres jovens, com um percentual menor entre mulheres acima de 60 anos de idade. Em relação à educação formal, das 36 jovens que acessaram o ensino funda-mental apenas 07 concluíram; das 47 que frequentaram o ensino médio, 36 termina-ram. Das mulheres adultas 120 não conclu-íram o ensino fundamental completo e das 84 que acessaram o ensino médio, mais da metade, 67 chegaram a concluí-lo. Este dado revela que o nível de escolaridade das mulheres adultas ainda é muito baixo,

visto que elas não conseguem concluir todas a etapas primordiais da educação formal. As mulheres acima dos 60 anos de idade, a educação formal está distante da vida delas, visto que as mulheres desta geração das 15 que frequentaram o ensi-no fundamental, apenas 07 concluiram o ensino médio. Ressalta-se que apenas 34 mu-lheres acessaram o ensino superior, mas somente 20 destas concluíram o nível universitário. Nas regiões do cariri, os des-locamentos para as universidades são uma dificuldade, pois estão muito distantes das comunidades onde vivem as mulheres.

No tocante à qualificação técnica, é irrisório o número de mulheres, sendo que do universo pesquisado inicialmente apenas 14 haviam tido acesso a cursos profissionalizantes.

Em uma leitura sob o viés de gêne-ro, esses dados também indicam alguns fatores que levam essas mulheres a fica-rem fora da educação formal e do baixo número de mulheres quanto à qualificação

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técnica. Um primeiro fator que explica a exclusão das mulheres da educação for-mal está associado à sobrecarga de traba-lho doméstico e às tarefas com atividades produtivas, o que dificulta a conciliação dessas atividades com a escola. Cultural-mente, as mulheres foram destinadas a se dedicarem à vida familiar. Na vida adulta, veem-se diante da responsabilidade de cuidar da família e de trabalhar para prover o sustento da família e, diante disto, muitas abandonam os estudos para cumprir “seu papel” na reprodução familiar. Acrescente-se a essa realidade a própria cultura local, impregnada de va-lores que desestimulam as mulheres a prosseguirem os estudos, desde queconstituam família. Em geral, nos assen-tamentos e comunidades onde existem escolas, só se oferece a primeira fase do ensino fundamental. Somando-se sempre às razões acima citadas está a dificuldade delas se ausentarem das tarefas domésti-cas e produtivas para freqüentar a escola e cumprir todas as fases escolares. As mudanças culturais neste aspecto ainda se configuram num processo a ser persegui-do, mas vale ressaltar que aos poucos este quadro vai sendo alterado pelas novas gerações. Quanto à identidade étnico-racial, observamos que as mulheres têm difi-culdade de se identificar, sendo comum olharem para a pele antes de responder ou devolver a pergunta: “sou branca ou morena, não é?' Como se outra pessoa precisasse confirmar sua identidade éni-coracial. Das mulheres envolvidas neste projeto, a maioria identificam-se como pardas e pretas. Este dado é interessante porque revela que a maioria das mulheres que se autodeclaram como pardas ainda não se veem como mulheres negras e, cer-tamente, isto se explica pela cor da pele e não por outros aspectos que estão relacio-nados com o sentir-se pertencente a uma

identidade da população negra. A diversidade cultural e racial das mulheres está presente nos traços e corpos das mulheres, nos costumes, na religião, mas também nas histórias de seus antecedentes. No contato com as mulhe-res da Associação de Acaú, estes traços ganham maior visibilidade. Em relação à produção e renda, o diagnóstico identificou que as mulheres desenvolvem atividades agrícolas e não--agrícolas, atividades domésticas remu-neradas e não-remuneradas. Além dos recursos advindos do trabalho e da apo-sentadoria, as mulheres têm outras fontes de renda, a exemplo do Bolsa Família. O Bolsa Familia é um programa de transferência de renda para as famílias em situação de extrema pobreza e de pobre-za do governo federal, que visa garantir alguns direitos básicos, como os direitos a alimentação, educação e saúde. Das 411 mulheres pesquisadas, 191 são beneficiá-rias desse programa, sendo 42 jovens, 147 adultas e duas idosas, acima de 60 anos. Movidas por necessidades socioe-conômicas acarretadas pela situação de pobreza que se revestem em dificuldades materiais e simbólicas de sobrevivência e na perspectiva de buscar alternativas para melhorar a qualidade de vida de suas famí-lias, elas começam se organizar em torno da produção e da geração de renda. Na vida cotidiana, as mulheres se organizam dentro e fora de casa, buscan-do conciliar as atribuições domésticas e reprodutivas (casa/familia), com o trabalho produtivo e, ainda, com a participação política e social em suas localidades. Em relação ao trabalho produtivo, elas reali-zam atividades de pesca, empreendimento de alimentos do marisco, hortas agroeco-logia, artesanato da renda renascença e do fuxico, reciclagem de resíduos sólidos (produção de vassouras e outros utensílios com garrafas PET), desenvolvendo este

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trabalho de forma individual e coletiva. Atualmente, as mulheres se organizam em grupos de produção, associações e cooperativas. somando a um total de 23 grupos iniciativas na área produtiva. Em geral, essas mulheres têm muitas histórias para contar e muito para ensinar, porque trazem em suas experi-ências muita sabedoria, luta e força de vontade para superar as dificuldades e os desafios do dia a dia. Neste sentido, as marisqueiras se autoafirmam como mulhe-res sofredoras, porém fortes, destemidas, que não desistem de lutar. São mulheres trabalhadoras, assim como as mulheres ca-rirenses, incansávies na busca da garantia da sobrevivência de suas famílias. Nos caminhos percorridos nessa ação, a partir do olhar feminista e dos eixos estratêgicos da Cunhã, tecemos algumas reflexões sobre as estratégias e ações desenvolvidas, destacando como essas mulheres têm conquistado reco-nhecimento e visibilidade do seu trabalho dentro e fora do espaço privado, assim como vêm desempenhando o papel de liderança nos espaços de participação política, historicamente ocupados pelo sexo masculino. Buscamos mostrar, ainda, como essas mulheres têm se apropriado dos conhecimentos técnicos e políticos em suas localidades a partir dos procesos de educação/formação feminista e de gênero e com a contribuição e envolvimento de parcerias.

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A marisqueira luta todo dia. Ela não perde a esperança, ela não perde a alegria.

verso construído pelas

marisqueiras de Acaú

Quando se fala em metodologia, remete-se a um caminho que se trilha para se chegar a determinado objetivo. Costu-ma-se pensar que é uma forma de fazer as coisas, uma maneira de realizar uma ação de modo sistemático. Para a Cunhã, a metodologia sem-pre foi central em suas ações político-pe-dagógicas, sendo um instrumental valioso que possibilita desvelar a opressão, ex-ploração e subordinação das mulheres de diferentes classes sociais, etnias, idades, presentes historicamente em diferentes sociedades. A proposta metodológica utilizada é essencialmente feminista e apresenta o feminismo como um pensamento crítico e uma prática política transformadora da rea-lidade social na vida das mulheres em toda a sua diversidade. Questiona as diversas formas de desigualdades que se apresen-tam na sociedade – de raça, etnia, gênero, classe social e de orientação sexual. Sua intencionalidade pedagógica e política de provocar reflexões críticas sobre essa realidade possibilita mudanças de men-talidades e comportamentos individuais e coletivos. Desse modo, a forma de fazer – a metodologia – está em consonância com a prática política feminista, que se contrapõe ao machismo, ao racismo, àlesbofobia e todas as opressões, exploração e subor-dinação das mulheres, questionando os modos regulados de vida e os privilégios dos homens. A prática política feminista é vivenciada no seio do movimento feminista brasileiro, em coletividade, considerando dois princípios organizativos importantes: a autonomia e a horizontalidade.

A autonomia está relacionada di-retamente com o exercício de poder das mulheres organizadas ou não; e a hori-zontalidade reconhece que este poder deve ser exercido com democracia, sem hierarquização entre as mulheres, respei-tando-se toda a sua diversidade. Assim, o trabalho político pedagógico, ao longo da trajetória da Cunhã, tem sido norteado por esses dois princípios, e tem buscado fomentar uma visão crítica sobre a opres-são e subordinação feminina presente na sociedade, visando trabalhar sua descons-trução, desde o campo pessoal/individual ao coletivo/público. A metodologia feminista foi cons-truída a partir das vivências dos grupos de reflexões formados por mulheres para discutirem e dialogarem sobre suas vidas e histórias. Essa proposta priorizou a livre expressão das falas das mulheres, possibi-litando a elas romperem com os silêncios, dando voz às opressões, explorações e dominações vivenciadas, estimulou o com-partilhamento de experiências individuais e coletivas, considerando-se os aspectos subjetivos e objetivos, a emoção e a razão, as questões pessoais e políticas. Esse formato contribuiu para a elevação da autoestima e o fortalecimento individual e coletivo das mulheres e para a desconstrução das ideias de desigualda-des entre homens e mulheres, mulheres e mulheres e homens e homens, permitindo a desconstrução de valores culturais enrai-zados na história. Assim, a metodologia feminista pro-move um remelexo na vida cotidiana, tra-zendo para o cenário público questões de ordem privada - como a violência domésti-ca, o trabalho doméstico, a saúde sexual e reprodutiva, o trabalho remunerado. Pro-voca reflexões sobre questões individuais e coletivas das mulheres, visibilizando-as como sujeitos políticos, como agentes de transformação de suas vidas.

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Essa metodologia vai sendo teci-da a partir da prática, e transformada de acordo com a realidade, os saberes e as experiências das mulheres, e esses sabe-res vão sendo incorporados na forma de fazer feminista, numa linguagem acessível, criativa e irreverente. Por isso, também se utiliza de alguns recursos pedagógicos que potencializam o trabalho, buscando elementos de diferentes áreas de conheci-mento, tais como, a psicologia, a psicanáli-se, as artes e a educação popular. A metodologia da educação po-pular é um instrumento dos mais utiliza-dos nos diversos processos de educação feminista, especialmente junto a grupos e organizações populares. Traz como prin-cípios a valorização de saberes e práticas dos sujeitos (enquanto indivíduos e cole-tivos) que nascem tanto das experiências das mulheres quanto da produção teórica sistematizada, além da valorização da cultura popular de suas comunidades, a tomada de consciência, a reflexão crítica sobre a realidade e o engajamento político e social dos sujeitos com a transformação social. A prática educativa popular incor-pora, na sua proposta de transformação social, grupos historicamente excluídos da sociedade (mulheres, jovens, povos indíge-nas, negros e homossexuais) confrontando as relações de dominação e de opressão sustentadas nas estruturas micro e macro de poder. Essa interação entre as duas meto-dologias - feminista e da educação popular - tem possibilitado tecer uma análise crítica da realidade da vida cotidiana das mulhe-res, a partir dos seus lugares, necessida-des e demandas, nos aspectos materiais, simbólicos e subjetivos, assim, como das questões macro, a exemplo da reforma agrária, da agricultura familiar, do meio ambiente e da pesca artesanal. Fica evidente que essa articulação

metodológica potencializa na prática edu-cativa e política feminista o questionamen-to das estruturas de dominação patriarcal, racista e capitalista, assim como, promove o despertar e a mobilização das mulheres para a transformação das desigualdades sem perder de vista a utopia de uma socie-dade justa, democrática, solidária e susten-tável. Contudo, é importante dizer que nem toda prática educativa feminista traba-lha com o viés da educação popular, assim como nem todo trabalho de educação popular tem a perspectiva feminista, como preocupação para a desconstrução das desigualdades de gênero, que são basea-das nas relações desiguais de poder. Considerando a realidade cotidiana dos grupos e organizações de mulheres, especialmente com as mulheres produto-ras do Cariri e do litoral também, recorreu--se a a metodologia da economia solidária.

A economia Solidária é o conjunto de atividades econômicas – produ-ção de bens e de serviços, distribui-ção, consumo e finanças – organi-zados e realizados solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras na forma coletiva e autogestionária.

(SENAES/MTPS, p. 7, 2015)2.

As diretrizes político-metodológicas da economia solidária, dentre essas, o re-conhecimento dos saberes e experiências, a gestão participativa e a valorização da diversidade cultural, étnica, social e regio-nal das(os) trabalhadoras(es) permearam o trabalho junto às mulheres produtoras contribuindo para refletirem sobre a ne-cessidade de organizarem a produção e a comercialização.

2 Chamada Pública 01/2015 – SENAES/MTPS ANEXO I , p.

07, 2015.

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Na perspectiva da solidariedade entre as produtoras, buscou-se sempre garantir a agregação de valor no trabalho e ao mesmo tempo um preço justo, geran-do uma nova economia, uma nova forma de sobreviver e uma nova perspectiva de trabalho que respeita o meio ambiente, as pessoas, o consumo consciente, que vislumbra a sustentabilidade sócio econô-mica cultural e politica. No trabalho do projeto Mulheres produzindo saberes e gerando renda, do cariri ao litoral paraibano, o contexto de extrema pobreza, injustiça social, racismo e machismo vivenciado pelas mulheres rurais do cariri e do litoral paraibanos, confirmou a importância da forma de fazer feminista, popular e solidária. Contudo, conforme os processos educativos iam se desenvolvendo — nas oficinas, encontros, mobilizações, seminários e reuniões em ambos os territórios — foram se acumulan-do novos elementos pedagógicos incorpo-rados a partir da realidade dessas mulhe-res, exigindo-se inovações metodológicas face aos desafios no trabalho apontado em cada região com todas as suas seme-lhanças e diferenças. Enfim, trabalhar com uma diversida-de de mulheres inseridas em grupos e or-ganizações produtivos presenteia a Cunhã com novas aprendizagens e desafios a partir dos saberes e experiências das mu-lheres e confirma a assertividade do modo de fazer solidário e horizontal que busca a autonomia e o fortalecimento do poder feminino para o fortalecimento da organi-zação social e produtiva das mulheres.

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Se você sair de casa duas vezes na

semana, vem o comentário: você já

vai sair de novo? Quando termina

de varrer a casa, ninguém diz, você

vai varrer de novo?

Artesã da cidade

de João Pessoa

Para falar sobre o trabalho das mulheres é necessário compreendermos o que tem sido construído e refletido sobre o mesmo. Uma primeira afirmativa é de que historicamente as mulheres sempre trabalharam (dentro e fora de casa), sendo as tarefas e funções mais desvalorizadas e precarizadas, exercidas majoritariamente pelas mulheres pobres e negras. O trabalho na sociedade é norteado pela divisão sexual do trabalho, que por sua vez, está estruturada por dois princí-pios — o da separação — há trabalho de mulheres e trabalho de homens na socie-dade; e o da hierarquização — o trabalho masculino tem maior valor que o trabalho feminino. Dessa forma, se estabelecem então, relações de poder, de privilégio e papéis pré-estabelecidos para homens e mulheres. A teoria da divisão sexual do traba-lho foi elaborada por estudiosas feminis-tas na década de 1970, para entender e desvelar as desigualdades existentes no mundo do trabalho, além de fundamentar o movimento feminista e organizações de mulheres no enfrentamento dessas desi-gualdades. Dentro da lógica da divisão sexual do trabalho, em diversas sociedades e diferentes contextos, o trabalho desen-volvido no espaço doméstico, como o cuidado da casa, dos(as) filhos(as) e fami-liares (trabalho reprodutivo) é considera-do como atribuição das mulheres, sendo tradicionalmente invisível, desvalorizado e não remunerado. O trabalho no espaço

público, remunerado (trabalho produtivo) é atribuído aos homens, sendo valorizado e reconhecido pela sociedade. Outro elemento importante a ser destacado, dentro da lógica dos princípios da separação e da hieraquização do traba-lho entre homens e mulheres, é o da dupla jornada de trabalho feminino. Acontece quando as mulheres acumulam o traba-lho reprodutivo e produtivo, não sendo divididas as tarefas domésticas entre os homens e mulheres, quando os dois traba-lham fora de casa. Além disto, as mulheres que tra-balham com remuneração, que estão em trabalhos mais precários, permanecem na escala de menor poder e hierarquia. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2013), as mulheres negras lideram diversos empre-endimentos informais (62,7%), demonstran-do-se com isso, a problemática do racismo aliado ao machismo. E mesmo em traba-lhos formais e não precários, muitas vezes estão em escala salarial inferior ao dos homens. Essa realidade tem repercutido na vida de grande parcela das mulheres brasileiras, tendo maior impacto na vida das mulheres pobres e negras e que vi-vem em áreas periféricas das cidades, em zonas rurais e campesinas. O feminismo reconheceu e visi-bilizou o papel central das mulheres no mundo do trabalho, como contributivo para o desenvolvimento econômico de suas famílias, comunidades e do país. Questio-nou as relações desiguais estabelecidas na divisão sexual do trabalho, impulsionan-do lutas sociais especificas em torno do reconhecimento e valorização do trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres. Essas lutas deram voz às mulheres que denunciaram à exploração, a precarização, a dupla jornada e a não remuneração do trabalho, provocando setores da socieda-de (órgãos públicos e privados) a criarem

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iniciativas, ações, programas e políticas em torno do reconhecimento e valorização do trabalho das mulheres rumo à autonomia econômica das mesmas. A Cunhã, como organização femi-nista, se insere nessas lutas por direitos humanos para as mulheres no mundo do trabalho, desde sua origem, em 1990. Nesse sentido tem atuado pelo reconheci-mento do trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres, buscando contribuir para o fortalecimento da autonomia econômica e política dos grupos e organizações de mulheres do campo e da cidade e para a valorização desse trabalho. No decorrer de sua trajetória de atuação com mulheres trabalhadoras do campo e da cidade, urbanas e rurais, a Cunhã constata que o trabalho e a conquista da autonomia econômica são fundamentais para a transformação das relações de desigualdade, exploração, opressão que atingem suas vidas. Nesta direção, acreditamos que com o reconhe-cimento e valorização do trabalho e a con-quista da autonomia econômica das mu-lheres é possível repensar a divisão sexual do trabalho, em que mulheres e homens possam compartilharem as responsabilida-des domésticas e reprodutivas. Na década de 1990, a Cunhã atuou de modo sistemático junto ao Movimento de Mulheres trabalhadoras do Brejo parai-bano (MMT/PB), desenvolvendo processos de educação feminista junto às lideranças femininas, articulando temas do trabalho produtivo e reprodutivo, direitos, saúde da mulher, sexualidade, violência doméstica. Nesse período, o MMT/PB estava fortalecido em sua organização social e política, tendo visibilidade na região do brejo paraibano e em âmbito nacional, com a participação efetiva das trabalhado-ras rurais, agricultoras inseridas em sindi-catos rurais, pastorais sociais e no próprio MMT/PB. Em consonância com as deman-

das do Movimento em âmbito nacional, a Cunhã trabalhou com maior veemência nos processos educativos, os temas dos direitos das trabalhadoras rurais à docu-mentação - titulação da terra, previdência e a reforma agrária, visando fortalecer o MMT/PB na luta pelos seus direitos. Duas mulheres sindicalistas, agri-cultoras e paraibanas foram referência de luta pela reforma agrária e pelos direitos das trabalhadoras rurais – Margarida Maria Alves - que corajosamente desafiou as forças oligarquias da terra no grito pela reforma agrária – assassinada em 1982, na cidade de Alagoa Grande na Paraíba. E Maria da Penha Nascimento, que con-tribuiu com as lutas das trabalhadoras rurais por direitos, que tragicamente teve sua vida interrompida por um acidente de carro na década de 1990, mas que perma-nece viva na luta feminista através de suas palavras. “Só quem luta é que sabe, a dor que a gente sente”. Esta experiência junto ao Movi-mento de Mulheres trabalhadoras Rurais (MMTR) deu base para a Cunhã desen-volver anos posteriores um trabalho mais sistemático com lideranças de mulheres produtoras do estado da Paraíba e de modo mais sistemático e qualificado jun-to às mulheres produtoras da região do Cariri paraibano, sendo reconhecida por outros sujeitos políticos e órgão públicos como organização feminista com expertise na temática do trabalho das mulheres em contexto urbano e rural. Nos anos 2000, a organização trilhou a opção de contribuir com o forta-lecimento do movimento de mulheres da Paraíba, investindo na linha de produção de conhecimento. Para tanto, foi realizado um mapeamento das organizações e gru-pos de mulheres do estado da Paraíba, de diferentes regiões (brejo, cariri, curimatau litoral, e sertão), o qual culminou em uma publicação apresentada em um Encontro

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Paraibano de Mulheres, no qual foi criada a Rede de Mulheres em Articulação da Paraíba, uma das instâncias organizativas do Movimento de Mulheres no estado. Foram mapeadas 40 organizações de mulheres, dentre as quais, 35 participaram de processos de capacitação realizados pela Cunhã no decorrer de dois anos, com o objetivo de colaborar com a sustentabili-dade política e econômica e a qualificação de ações de trabalho e geração de renda, com viés condutor feminista, da educação popular e da economia solidária. Nesse processo, ressalta-se a par-ticipação de 15 grupos de mulheres pro-dutoras representados por 27 lideranças que se qualificaram na inovação de técni-cas de criação e diversidade de produtos, na comercialização dos seus produtos e trocaram saberes e experiências nos intercâmbios entre os grupos de produção e comercialização, fortalecendo-se em seu fazer coletivo. Vale ressaltar ainda que houve momentos de ações em Rede sig-nificativos, como a participação em feiras estaduais e nacionais com a contribuição da Rede de Mulheres Produtoras do Nor-deste, referência feminista e da economia solidária na região e no Brasil, pela sua ex-pertise na articulação de diversos grupos de mulheres produtoras no nordeste. Em uma das capacitações trazemos a frase criada por uma das participantes - Quilombola de Caiana dos Crioulos - ao retratar o tempo, as condições e extensão e intensidade de seu trabalho enquanto mulher, negra quilombola, rural, artesã, cirandeira e agricultora.

Meu relógio de parede , ta com o

ponteiro atrasado, vou dá corda m

meu relógio, quem tem amor tem

saudade.

Quilombola em

oficina sobre trabalho

produtivo e reprodutivo.

O caminho trilhado junto às mu-lheres trabalhadoras rurais da região do cariri paraibano ocorreu em 2002, a partir de convite do Projeto Dom Helder Câma-ra (PDHC) - órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) direcio-nado as duas organizações feministas de referência do estado da Paraíba - Cunhã - Coletivo Feminista e o Centro da Mulher 8 de Março (CM8M). O convite do PDHC para o desen-volvimento de ações de gênero junto às mulheres das comunidades de agricul-tura familiar e áreas de assentamentos da Reforma Agrária e com organizações sociais no território ocorreu em um con-texto político nacional e local favorável de investimento econômico, em que se consolidavam ações afirmativas de gêne-ro, raça e etnia nas formulações das políti-cas públicas e nas diretrizes de inúmeras instituições de caráter público e privado, nacional e internacional. Em 2003, Cunhã e CM8M partiam do pressuposto de que era necessário conhecer e compreender a vida e o traba-lho dessas mulheres para desenvolver um processo de intervenção, sobretudo, num território marcado pelos valores tradicio-nais arraigados no patriarcado e no coro-nelismo, expressos na política assisten-cialista e no machismo que predomina na região levando as mulheres à invisibilidade nos espaços públicos da sociedade. Assim, as duas organizações femi-nistas lançaram-se na empreitada de co-nhecer o território do cariri e as mulheres que ali viviam: a vida cotidiana, seus sabe-res e práticas, suas formas de resistências e convivência com o semi-árido, as rela-ções sociais de gênero no espaço da casa e na comunidade, entre outras questões, seus caminhos, descaminhos, necessida-des e as raízes de sua opressão. Para tanto, foi realizado diagnóstico socioeconômico Mulher Pobreza e Teimo-

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sia para subsidiar as ações, apresentando situações de desigualdade socioeconômi-ca e exploração de trabalho na vida das mulheres do cariri: jornadas de trabalho de 10 a 12 horas diárias, baixa escolaridade chegando a 90% o número de mulheres que não concluíram o ensino fundamenta e a ausência de capacitação técnica. O diagnóstico direcionou as ações de educação feminista para discussão sobre a divisão sexual do trabalho, ques-tionando a responsabilização das mulhe-res para o trabalho produtivo - o trabalho doméstico -, contribuindo com o enfrenta-mento dessa realidade de desigualdade. Além disto, foram realizadas ações de assistência técnica junto aos grupos de mulheres, com informações sobre o aces-so as políticas públicas de trabalho e ren-da, dentre elas o acesso a crédito. Aliada a ação com as mulheres, também havia a compreensão de articulação com gestores e gestoras de políticas públicas locais e outros detentores de poder, buscando-se o estabelecimento de novas parcerias. Em destaque, a Concern Universal e a União Europeia, que têm apoiado o fortalecimen-to do trabalho na região. O diagnóstico, a convivência com as mulheres no trabalho cotidiano afinou o conhecimento e o compromisso com as mesmas, haja vista que, são mulheres que vivem na roça, cuidam dos animais, das er-vas e verduras, fazem artesanato, pescam, cuidam das famílias, participam de associa-ções, trabalham em casa, na rua e na roça e contribuem com o sustento da família e com o desenvolvimento de suas comuni-dades. Nutrem o desejo de se organiza-rem político e socialmente, de buscar sua autonomia e melhoria de renda para suas famílias através dos seus trabalhos. Nos seus depoimentos as mulheres enfatizam a liberdade e os conhecimentos como motivadores para garantir sua au-tonomia. Através de sua autonomia eco-

nômica, buscam alternativas para vencer os desafios da exclusão social e das de-sigualdades de gênero. Sobre autonomia afirmam as mulheres:

Ser livre e ter a minha própria

independência {...} ser livre, mais

espontânea e poder dizer, eu vou

ali na cidade e não ter ninguém me

obrigando a fazer coisa e tal {...}

Rendeira.

Hoje eu já entendo como ter conhe-

cimento livre, um poder de fazer

e ter liberdade de ir e vir sem ter

cercas, sem impedimento nem por

uma lei, nem pelas pessoas que

convivem no mesmo ambiente. É

a gente poder falar, apresentar a

nossa cidade e o trabalho que a

gente faz {...} A força da mulher, a

experiência que ela tem de pensar

e criar.

Pescadora.

A riqueza e a beleza do trabalho com as mulheres nessa região nos fez ampliar essa metodologia junto as mulhe-res do litoral sul da Paraíba, através do patrocínio da Petrobras para a realização do projeto Mulheres produzindo saberes e

gerando renda. Em 2014 a atuação foi dirigida à Associação de Marisqueiras de Acaú, loca-lizada em área de preservação ambiental, na Reserva Extrativista (RESEX Acaú/Goia-na), na cidade de Pitimbu, acompanhada pelo Instituto Chico Mendes de Conserva-ção da Biodiversidade (ICMBio), principal parceiro da ação. A RESEX Acaú-Goiana foi criada por decreto presidencial de 2007, com uma área de 6.676 hectares, com o obje-tivo proteger os meios de vida e garantir a utilização e a conservação dos recur-sos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela população extrativista das comunidades do entorno.

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O trabalho junto a Associação de Marisqueiras de Acaú consistiu em esti-mular a organização social e produtiva, fomentando a elaboração de planos de sustentabilidade econômica nas categorias produtivas (beneficiamento do marisco e gastronomia). Segundo informações das próprias marisqueiras, a pesca do marisco é reali-zada de forma artesanal, com duração em torno de quatro horas por dia. Na maioria das vezes a pesca do marisco é realizada sem os equipamentos necessários: barco, remo, motor, caixa para colocar os maris-cos, dentre outros, exigindo maior esforço na realização do trabalho e impactando na saúde das mulheres. No que se refere à comercialização do marisco, existe um mercado propício e há uma procura permanente pelo produto; contudo, a venda não estava organizada de maneira coletiva e não envolvia a As-sociação. As mulheres vendiam nas portas de suas casas para os atravessadores promovendo, com isto, a desvalorização do produto. O grande desafio era convencê-las a se reunirem para conversarem sobre suas vidas e seu trabalho, estimulando-as a buscarem formas coletivas de melhoria das condições de vida e, meio ambiente através da geração de renda. A metodologia utilizada pela Cunhã foi fundamental para quebrar a desconfian-ça, a vergonha, a timidez e a descrença, presente nas falas e atitudes das mulhe-res nos primeiros encontros e reuniões. A utilização da arte, da música, da dança e dos trabalhos em pequenos grupos per-mitiu que pouco a pouco as marisqueiras fossem se envolvendo e participando das atividades. Somado a isso, o trabalho siste-mático dos acompanhamentos permitiu a convivência solidária entre elas e as edu-cadoras da Cunhã, proporcionando uma empatia e confiança no trabalho.

Um resultado encantador foi a compreensão da beleza e importância do trabalho da mariscagem, elevando-se o valor do mesmo na percepção das pesca-doras, e ao mesmo tempo, a inclusão da cultura popular e do debate do racismo nesse processo de trabalho. Mulheres an-tes caladas e tímidas, se revelaram através de suas falas, ritmos e melodias.

Sou marisqueira com orgulho

Quando a maré é cedo

Cedo me levanto

Deixo o almoço pronto

E vou para a maré

Quando chego mando o menino

para a escola

Vou colocar marisco no fogo

E vou debulhar com debulhar com

alegria

trecho de música

construída coletivamente

pelas marisqueiras

Na relação com estas mulheres, a cunhã teve a oportunidadede de conhecer um pouco de suas histórias e realidades, ao mesmo tempo, contribuir com a quali-ficação do trabalho das mesmas através de assessoria técnica e dos processos

de formação na área de gênero, trabalho, economia solidária e fomento para o aper-feiçoamento da gestão, produção, comer-cialização.

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Nos caminhos pedagógicos percor-ridos pela Cunhã, a educação feminista sempre foi uma estratégia utilizada para garantir os processos de capacitação e qualificação junto às mulheres de grupos e ou organizações do movimento de mulhe-res, de outros movimentos sociais (Sin-dicatos, Moradia, Juventude, LGBT) e de diversos setores e seguimentos (estudan-tes, professoras, gestoras, profissionais de educação, saúde, ação social, segurança). A linha de educação feminista per-meia todos os eixos de atuação da Cunhã através de processos de formação desen-volvidos por meios de oficinas, encontros e seminários temáticos, rodas de diálogos, acompanhamentos sistemáticos (dirigidos diretamente aos grupos em suas comuni-dades ou junto às lideranças de diferentes grupos). Estas atividades, ocorrem sempre com um tempo determinado e com temas e conteúdos específicos que estão corre-lacionados com os interesses e realidades dos sujeitos envolvidos. Há uma intencionalidade pedagó-gica de fortalecimento da organização social, política e econômica dos grupos de mulheres e do movimento de mulheres e feminista no cenário local e nacional, com-preendendo que as ações devem ocorrer de forma coletiva e articulada. A linha de educação feminista trilha-da na ação do projeto Mulheres produzin-do saberes e gerando renda está nortea-da por duas perspectivas importantes – de direitos humanos das mulheres e de jus-tiça socioambiental. Com relação à pers-pectiva de direitos humanos das mulheres está intrínseca em todas as ações desen-volvidas, nas diversas formas das mulheres exercerem sua autonomia, estabelecendo igualdades de gênero, social e econômi-ca e superando o machismo, ainda muito forte na realidade e na cultura das duas regiões em que o projeto foi executado.

Quanto à perspectiva de justiça so-cioambiental, esta considera a relação com o ecossistema e bioma de convivência das populações locais, realizando intervenções de acordo com a realidade, ressaltando a necessidade de experimentar práticas de sustentabilidade ambiental e solidária. A proposta de formação, já estava desenhada previamente tendo em vista a experiência de trabalho com as mulheres do cariri, desde 2002, com uma estratégia de trabalho que privilegia e considera a re-alidade e os saberes das mulheres, articu-lando reflexões e práticas, num processo interligado. Desse modo, foram realizados en-contros temáticos, oficinas de capacitação em produção e comercialização e acompa-nhamentos sistemáticos junto as mulheres do Cariri (artesãs em geral, agricultoras, pescadoras, mulheres que trabalham com reciclagem e artesãs da renda renascença) e mulheres do litoral paraibano (marisquei-ras de Acaú). Para a Cunhã, os processos de for-mação são momentos especiais de cresci-mento pessoal e coletivo tanto das mulhe-res dos grupos e/ou organizações, como das educadoras da instituição, na medida em que, norteados pela metodologia femi-nista, consideram a realidade das mulhe-res com toda a sua diversidade, respeitan-do os seus corpos e lugares, suas relações comunitárias, histórias de vida, suas lutas e conquistas cotidianas. Os encontros temáticos propiciaram aos grupos de mulheres a aproximação de conteúdos relacionados às suas identida-des enquanto mulheres e trabalhadoras. Articularam conteúdos/questões traba-lhadas pelo movimento feminista, contri-buíndo para a mudança de mentalidade e comportamento das mulheres, bem como fortalecer sua autonomia e sua ação cole-tiva. Destacam-se alguns temas abordados nos encontros: corpo e saúde, violência

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contra a mulher, gênero, feminismo, bele-za negra e racismo, trabalho produtivo e reprodutivo, participação política e orga-nização comunitária. Esses encontros foram realizados de forma participativa e dialógica, buscan-do a construção coletiva do conhecimen-to, com valorização e estímulo às falas individuais, com o compartilhamento de experiências individuais e coletivas marca-das pelo sexismo e racismo, vividas e/ou superadas nos corpos e nas subjetividades das mulheres. O caráter lúdico pedagógico de va-lorização das brincadeiras regionais e das expressões e tradições culturais da região aproximou as mulheres dos temas. Alguns depoimentos ilustram essa afirmativa:

Com certeza teve muitas mudan-

ças, esse tempo todinho, muitas

coisas que eu sabia, no meu corpo

mesmo, como mulher, foi esclareci-

do pra gente, como leiga, aprendi

muita coisa.

Marisqueira de Acaú.

{...} quando teve a reunião sobre

saúde, elas aprenderam a se cui-

dar, coisas que elas não sabiam,

atitude em casa falando sobre

violência, sabe agir, começaram

a reagir com os maridos, atitude

que tinha medo de tomar e hoje já

toma.

Marisqueira de Acaú.

Consideramos como uma prática valiosa a articulação dos conteúdos fe-ministas, com os conteúdos relacionados ao trabalho produtivo e reprodutivo nos encontros temáticos. Compreendendo-se que os conteúdos abordados sobre gê-nero e outras temáticas foram relevantes para tomada de consciência do poder pessoal das mulheres e para a conquista de sua autonomia nas diferentes dimen-sões da vida (pessoal, econômica, política

etc). Portanto, é imprescindível desvelar as questões que afetam irremediavelmente suas vidas nos contextos em que estão inseridas. No que se refere aos acompanha-mentos sistemáticos aos grupos produti-vos, estes se realizaram com a perspectiva do fortalecimento das aprendizagens nos encontros temáticos e oficinas de capaci-tação, oportunizando a multiplicação de conteúdos e experiências das mulheres para todas as integrantes dos grupos. Esses acompanhamentos também colaboram para a organização social e política dos grupos, para o planejamento de suas ações, além de avaliação dos pro-cessos de trabalho e das relações entre as suas integrantes, trabalhando conflitos, estabelecendo consensos e deliberando encaminhamentos. Nesse sentido, os acompanhamen-tos fortaleceram os processos de auto--organização possibilitando trabalhar de modo sistemático no cotidiano dos grupos, identificando, potencialidades, e definindo estratégias para superar as dificuldades. Um exemplo diz respeito à formação téc-nica para o aprimoramento e inovação da produção e da comercialização, especifica-mente da renda renascença e artesanato.

Antes das reuniões da Cunhã, as

mulheres não conseguiam ficar

sentadas, nem ouvindo, se levan-

tavam o tempo todo e ficavam

conversando, eram inquietas. Hoje,

as mulheres ficam horas sentadas

prestando atenção e participando

das reuniões, estão mais concen-

tradas, foi a Cunhã que fez isso.

Rendeira da comunidade

de Cacimba Nova.

As oficinas de capacitação consis-tiram em qualificar os grupos produtivos na área de produção e comercialização,

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contribuindo para o aprimoramento das cadeias produtivas. Vale ressaltar que os grupos são de distintas categorias produ-tivas, são elas: artesanato feito com fuxico, renda renascença, pesca (de peixe e ma-risco), produção de vassouras ecológicas e agroecologia. O fio condutor e metodológico das capacitações foi o de aprender fazendo, a partir da prática e da troca de saberes entre as mulheres, articulada com informa-ções teóricas sobre técnicas de produção e comercialização, o que culminou com efeitos positivos na qualificação e diversifi-cação dos produtos. Os conteúdos trabalhados nas capacitações foram: Cadeias produtivas, rede produtiva de mulheres, noções bási-cas e construção de planos de negócios, cooperativa e associação, alimentação saudável, modelagem em moulagem, corte e costura, designer. Dentre esses conteúdos, ganha destaque o plano de negócios como:

processo dinâmico, sistêmico, par-

ticipativo e contínuo para lidar com

as mudanças internas e externas

nos grupos de mulheres. É uma

ferramenta que concilia a estratégia

com a realidade do empreendimen-

to social dos grupos de mulheres. É

um documento vivo, que deve ser

constantemente atualizado para

que seja útil na consecução dos

objetivos dos grupos de mulheres.3

Em suma, esses processos forma-tivos oriundos da linha de educação femi-nista da Cunhã trouxeram contribuições importantes para os grupos de mulheres

produtoras - do Cariri e do litoral, na me-dida que elas puderam aprimorar seus saberes e práticas, bem como renová-los.

Renovando saberes e práticas:do artesanato à pesca

Para as mulheres do cariri parai-bano a estiagem prolongada expõe de-safios inerentes ao microclima, exigindo da população a renovação de saberes e práticas para reinventar melhores formas de convivência com o semiarido. Desse modo, esta realidade instiga os grupos de mulheres produtoras a diversificarem algu-mas atividades, reorientando suas práticas. Um exemplo interessante é a experiência das pescadoras, que além da prática do beneficiamento do peixe, têm aproveita-do resíduos do pescado, fazendo uso das escamas para a confecção de artesanato. Na mesma lógica, as agricultoras de hortas agroecológicas também adap-taram suas praticas buscando alternativas e intensificaram o uso de tecnologias de captação e armazenamento de água para garantir a produção, a exemplo de cister-nas, barragens subterrâneas e poços. Nes-te caso as capacitações foram realizadas com este foco e para o uso consciente da água e o cuidado com o meio ambiente. Este processo posssibilitou a instalação de quatro sistemas de reuso de água. Para o grupo que produz vassouras ecológicas, feitas com garrafas PET, o foco foi no processo de gestão financeira do grupo e no fortalecimento da comerciali-zação. O grupo que vendia, em especial, no mercado local, ampliou sua comercia-lização na região do cariri, bem como na capital do estado. As mulheres passaram a participar mais de feiras regionais e even-tos estaduais. Instrumentos específicos de acompanhamento financeiro foram criados e contribuíram para a gestão do grupo. Para as mulheres que trabalham

3 Conceito estudado em Oficina sobre plano de negócios

realizada com equipe de educadoras da Cunhã para

qualificarem-se no trabalho junto aos grupos do Cariri e

litoral paraibano, construindo uma visão compartilhada

para os processos de acompanhamento sistemático.

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com o artesanato do fuxico que é uma técnica feita, especialmente, a partir de reaproveitamento de retalhos de tecidos tiveram a oportunidade de aprender a utili-zar melhor o mix de cores quentes, frias e tons pasteis, a identificar diversas texturas e produzir mais em harmonia com a reali-dade local. A atividade produtiva da Renda renascença se apresenta como um bem cultural na região do Cariri Paraibano. É um bordado que para ser confeccionado, precisa de agulha linha e lacê e realiza-do em etapas. Na primeira etapa, faz-se o desenho sobre papel, ‘tira o risco’. Na segunda etapa o lacê é então alinhavado sobre o papel e com a ajuda de alfinetes, é fixado em uma almofada para apoiar. Por fim, diferentes pontos são tecidos sobre o molde com representações de elementos da natureza, de comidas típicas e/ou que expressem sentimentos das rendeiras. Para as rendeiras, a maior demanda foi na diversificação dos produtos e pro-dução de pequenas peças, com destaque para a confecção de bijuterias.. Com con-cepção moderna que se utiliza da resistên-cia e da força das mulheres e da simbo-logia da natureza do cariri, com destaque para o tingimento natural, usando pedras e cascas de plantas da região. Depoimento de uma artesã sobre o processo de cons-trução da bijuteria:

Quando eu vi a gente procurando

as pedras no terreiro pensei que

tava todo mundo doida. Depois co-

mecei a fazer e foi muito difícil fazer

na pedra, mas depois, meu deus,

como ficou bonito.

Rendeira do Cariri.

Este processo foi bastante desafia-dor, pois, culturalmente o foco é da produ-ção, em especial, de grandes peças como toalhas de mesa e conjuntos de cama.

Peças estas com um alto valor de venda e de difícil comercialização na região. Com o conhecimento da diversificação dos produ-tos, as rendeiras ampliaram o foco de suas atividades com maior atenção à comercia-lização. ampliando o leque de oferta. As novidades na produção da re-nascença contribuíu para ampliar os diálo-gos com pessoas interessadas na compra do produto e despertou o interesse da estilista Fernanda Yamamoto, nas peças de renda para serem inseridas em sua coleção no desfile da São Paulo Fashion Week, realizado em outubro de 2015. Deste evento participaram dez rendeiras, tendo uma delas desfilado na passare-la. Esta experiência, proporcionou maior visibilidade ao trabalho das renderias, divulgando no cenário nacional um dos maiores produtos artesanais da Paraíba. Essa iniciativa consolidou a parceria com a estilista, possibilitando o contato com outros canais de comercialização. No trabalho com as mulheres da As-sociação de Marisqueiras de Acaú, levou em consideração inicialmente processos de organização social, buscando trabalhar nos encontros temáticos, nos acompa-nhamentos sistemáticos e nas oficinas de capacitação a importância do trabalho co-letivo e do papel de cada participante para o fortalecimento da Associação. As marisqueiras foram aprendendo nos processos formativos de educação feminista a assumiram o poder da fala, quebrando as barreiras da timidez e do silêncio, compartilhando suas opiniões sobre as temáticas e assuntos abordados, assim como, seus saberes de trabalho na mariscagem, ganhando maior confiança em si mesmas e exercitando o respeito múItuo. Gradativamente deixaram de lado a desconfiança da equipe de educadoras da Cunhã, que chegava como “forasteira” em seu território, em seu chão da pesca

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e, compreendendo a proposta do projeto, traziam suas curiosidades e experiências do trabalho com a pesca, especialmente do marisco, e do trabalho da casa, no es-paço familiar e doméstico. Um momento culminante ocorrido nas oficinas de capacitação foi a constru-ção coletiva dos processos produtivos do marisco, na qual as dificuldade e potencia-lidades do trabalho foram apresentadas e dialogadas entre as mulheres. No que se refere ao processo produtivo do marisco, consiste em catar, cozinhar, debulhar, em-pacotar, pesar e acondicionar para a sua venda ao atravessador, na porta de casa, de porta em porta e na feira da cidade de Pitimbu. Como dificuldades do trabalho apontaram a pouca organização coletiva, demonstrada pelos preços diferenciados na comercialização do produto, além da falta de higienização e de equipamentos necessários para o acondicionamento do marisco. Destacaram ainda como proble-mas que repercutem no desenvolvimen-to do trabalho: a falta de fiscalização da pesca do marisco pelos órgãos governa-mentais, a ausência de capital de giro, o adoecimento oriundo do trabalho (proble-mas de coluna, de pele), a poluição, os atravessadores, a falta de consenso sobre a qualidade do marisco. Além disso, no período do inverno não tem compradores, além da ausência do direito às políticas de beneficiamento em tempo de defeso (período em que ati-vidades de pesca do crustáceo e ou peixe são de acordo com o tempo em se repro-duzem na natureza). No contraponto desta realidade, as marisqueiras reconhecem algumas oportunidades no seu trabalho, destacam a saúde como condição favorável a reali-zação da atividade produtiva, visto que o trabalho é feito de forma artesanal, as-sim como, as parcerias estabelecidas no

processo, citando a Cunhã e as próprias ações do projeto. Identificam a importância do trabalho , coletivo para o fortalecimen-to da produção e comercialização. Esse fazer coletivo também é apon-tado como uma vantagem para a venda direta do produto aos compradores de marisco do município e/ou redondeza de restaurantes e supermercados, sem passar pelos atravessadores, contribuindo com o aumento das vendas e consequentemente do retorno financeiro para elas. Como particularidades no trabalho com as mulheres do litoral paraibano foi solicitado pelas Marisqueiras de Acaú que trabalhássemos aspectos relacionados a cultura popular e as situações de racismo nos processos pedagógicos. Assim, foram incorporadas nas ações educativas essas duas discussões considerando os desejos e as necessidades das pescadoras. Na cultura popular foram resgatados os ritmos do coco e da ciranda e valorizada a dança e a alinhadas e articuladas com o trabalho da pesca e mariscagem. Nas discussões sobre a questão étnico racial priorizou-se os debates sobre identidade, resgate da ancestralidade e as situações de discri-minação e opressão racistas presente no cotidiano erefletivas no trabalho. Um momento relevante do proces-so formativo foi a construção do plano de negócios da Associação de Marisqueiras elaborado pelas mulheres. Para tanto, foram considerados os planos de gestão, marketing e financeiro e trabalhados os seguintes itens: ramo de atividade, tipos de mercado, processo operacional da cadeia produtiva, fluxograma do processo produtivo, dentre outros. Para a execu-ção do Plano algumas prioridades foram elencadas: adequar o estatuto e o espaço da Associação para o beneficiamento e comercialização do marisco; construir a identidade visual, fortalecer e ampliar as parcerias.

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As marisqueiras entenderam que um plano de negócios pode ser um ca-minho para melhorar suas vidas, através da qualificação do trabalho, mostraram interesse em se organizar para atingirem o objetivo de reestruturar a Associação. O acompanhamento sistemático ao grupo de empreendimento de alimentos formado por marisqueiras da Associação, foi um ponto alto do processo pedagó-gico. Consistiu basicamente em contribuir com a organização social e produtiva trabalhando os instrumentos de gestão, a análise do comércio local, a infraestrutura adequada, planejamento e investimentos financeiros. Também foram levantadas as habilidades das integrantes no manuseio de alimentos, definição de papéis e atribui-ções, além dos custos fixos e variáveis do empreendimento. Atualmente o grupo está vendendo seus alimentos semanalmente, em feira agroecológica realizada no Centro co-mercial de agricultura familiar (CECAF), no município de João Pessoa. Depoimento sobre a organização social e produtiva do empreendimento:

Para gente, ficou melhor o reco-

nhecimento das marisqueiras,

pra gente que formou o grupo da

cozinha, começou a trabalhar mais

e divulgar o produto da gente... An-

tes tinha dificuldade de vender os

seus produtos, colocar os preços,

na oficina de plano de negócios

soube como fazer para vender os

produtos.

Marisqueira.

É um trabalho individual, mas

valorizou o produto [...] Aprendeu

como divulgar, o grupo da cozinha

veio crescer depois das coisas da

Cunhã, a gente já ta indo lá pra fei-

ra, fomos tomando pé das coisas,

antes não tinha como.

Mariqueiras

Nas oficinas e acompanhamentos, a cunhã apontou como possibilidade de melhorar as condições de vida das maris-queiras, a criação de um grupo de bene-ficiamento de marisco, que teria como vantagens: agregação de valor ao produto, demonstrando que esse vem de uma re-serva ambiental extrativista e é produzido por mulheres que se organizam, elimina-ção da dependência dos atravessadores. Uma das mariqueiras explicita sua opinião sobre essa proposta (ainda em fase de construção):

Encostar o caico (embarcação)

na Pontinha e botar o marisco na

carroça, é trabalhoso. Tem umas

sem querer ir, mas eu digo que vá,

porque depois que ver outras ga-

nhando dinheiro vai querer entrar e

não vai poder.

Marisqueira.

Uma demanda apresentada pelas mulheres foi a necessidade de melhorar a estrutura fisica da Associação e, em dialo-gos com a Cunhã e com o ICMBIo, surgiu a ideia da reforma da sede, para garantir espaço adequado para a dar suporte a

realização das atividades da Associação, tais como: reuniões, encontros, cursos, e o funcionamento dos grupos de artesana-to, de empreendimento de alimentos, e, posteriormente o funcionamento de um grupo de beneficiamento do marisco. No decorrer de um ano, foram estabelecidas parcerias importantes para viabilizar essa proposta, com as empresas instaladas pró-ximas à Acau (Lafarge, Brennand e Tabu) e com um escritório de arquitetura. De modo geral, as parcerias esta-belecidas no projeto junto às organizações feministas, outras organizações sociais, autoridades locais e outros detentores de poder, assim como estilistas, órgãos de de-fesa ambiental, universidades e empresas são importantes, na medida em que dão

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retorno as demandas das mulheres. E as mulheres buscam essas parcerias visando melhorar a produção; aquisição de tecno-logias sociais, acesso as linhas de crédito; valorização da agroecologia; assistência técnica e concessão de espaço para pro-dução. Além da busca de formação para qualificação da produção e para a forma-ção política, assim como para o enfren-tamento a violência contra as mulheres. Essas demandas exigem, portanto uma diversidade de parcerias e articulações.

Aceitar os desafios da escassez de

água com pouco peixe e comércio,

mesmo assim: participou-se dos

cursos; conseguiu-se os equipa-

mentos de apoio e a convivência

social e solidária entre as mulheres

e suas famílias; considerando as

mudanças realizadas de comporta-

mento social, afetivo e de compa-

nheirismo de todos/as. Houveram

convites realizados a jovens da

comunidade, que trouxe novas

mentalidades e inovações.

liderança do Grupo

Agripesca - Camalaú / PB.

Todas as atividades, realizadas

pela Cunhã e Concern foram

importantes para o grupo. Primeiro

porque uniu as mulheres em grupo

e contribuiu para fundar a asso-

ciação de mulheres pescadoras e

artesãs.

Pescadora de Associação

de Mulheres do Cariri.

Por fim, os processos de educação feminista trilhados no projeto, salientam que embora, os grupos sejam de duas re-giões, e na região do Cariri de municípios e atividades produtivas diferentes, com suas peculiaridades e demandas especifi-cas, identificam-se semelhanças em seus desejos: de crescimento e aprimoramento das atividades produtivas; de comprome-

timento coletivo nos processos de gestão e comercialização; de enfrentamento das relações desiguais de gênero de poder nas suas relações familiares, especialmen-te com seu conjugues; necessidade de atuarem de forma organizada nos proces-sos de gestão dos grupos e na vontade de se capacitarem para suas atuações em espaços de incidência política.

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Na construção da história do Brasil, assim como da Paraíba, é sabido que as mulheres sempre tiveram uma participação importante na transformação das desi-gualdades sociais e na (re)construção da democracia do país. Por décadas a história oficial invisi-bilizou e negou a luta e a participação das mulheres em vários processo de mudança e de transformação social. Entretanto, o feminismo reescreveu esta história contri-buindo para a memória do reconhecimen-to da participação política das mulheres em todas as esferas do poder. Do espaço privado ao público, as relações desiguais de poder foram (e ainda são) denunciadas pelo movimento feminista. Mulheres e feministas mobiliza-ram-se e mobilizaram a sociedade levando as bandeiras de luta contra a violência às mulheres, o direito ao livre exercicio da maternidade, a liberdade sexual, a auto-nomia e liberdade das mulheres em todas as dimensoes da vida, enfim a democracia que reconhecesse os direitos humanos de todas as mulheres . Na contramão da sociedade ma-chista ao pregar que lugar de mulher é na cozinha e não na política, ou mesmo que mulher não entende ou sabe fazer política, feministas ganharam as ruas e propagaram que nós mulheres somos sujeitos políticos, e, portanto, que Lugar de mulher também é na política! Para ocupar os espaços instituicio-nais de poder, de participação e de toma-da de decisão, históricamente demarcado como lugar privilegiado dos homens, as mulheres tiveram que enfrentar (até os dias hoje) dentro e fora do espaço domés-tico ínumeras dificuldadas e atravessar muitos obstáculos. Neste percurso, aos poucos as mulheres de diferentes identi-dades e localidades foram criando estra-tegias e condições reais e simbólicas na superação das barreiras e dificuldades na

disputa destes espaços com o sexo mas-culio. Constatamos que nestas duas dé-cadas, há avanços significativos quanto a participação política das mulheres, em que passam ocuparem cargos, funções e pa-peis importantes em espaços sociais (sin-dicatos, associacoes, conselhos,), meca-nismos e canais institucionais (secretarias, ministerios, delegacias, etc) chegando aos mais altos espaços de poder das esferas do legislativo, execultivo e judiciario. Em geral, apesar do considerável aumento do número de mulheres engaja-das no processo político organizativo, no cenário brasileiro, refletida também a Pa-raíba, ainda é pequena sua participação, quando comparada à participação mascu-lina, e certamente ainda reflete a falta de investimentos em políticas institucionais de inclusão de gênero, a sobrecarga de ativi-dades domésticas e uma cultura que inibe a participação das mulheres no espaço público. À participação feminina ainda é mais tímida, quando se trata da ocupação de cargos de direção nas organizações. Em algumas realidades, as mulheres exer-cem função ou cargos de direção ainda de secretárias da instituição, conselho fiscal, tesouraria. Entretando, poucas mulheres ocupam algum cargo de presidente da instituição. Em espaços de controle social (con-selhos, comitês, redes, fóruns etc) a parti-cipação das mulheres é visível a ampliação e qualificação nestes espaços e, isto faz a diferença nos processos de incidência política no campo dos direitos dos direitos humanos. No mundo da politica partidária, as mulheres ousaram a disputar este espaço com os homens, apensar de ainda a repre-sentação feminina no cenário brasileiro e também na Paraíba é baixa, ou seja sub--representadas. E isto se agrava quando pensamos na representação da diversida-

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de das mulheres negras, indígenas, jovens, trabalhadora rural. Um dos principais de-safios para a democratização do poder é a incorporação das demandas feministas, dentre elas, a paridade na politica. As mulheres se organizam e mar-cham contra o racismo e discriminação e como sufragetes ocupam os espaços insti-tucionais incidindo contra os fundamenta-lismos e conservadorismos e contraporem as forças oligarquias que viola os direitos humanos dos povos indígenas, da flores-ta, do campo e da cidade. Inspiradas nesta trajetória de lu-tas que a Cunhã da qual se insere, que a proposta político pedagógica, a incidên-cia política é uma das principais linhas de atuação da Cunhã, e atua conjuntamente com as redes do campo feminista e/ou mo-vimentos sociais, em âmbito local, nacional e internacional. É uma estratégia impor-tante na luta pela garantia de direitos em um fazer coletivo, político e dinâmico que exige: análise crítica da realidade, diálogo com diferentes segmentos da sociedade e tomada de decisão. Essa linha de atuação tem sido incorporada nos diferentes eixos de atua-ção da organização: Direitos reprodutivos e direitos sexuais, enfrentamento à vio-lência contra as mulheres, fortalecimento do movimento de mulheres e trabalho e autonomia econômica, visando garantir os objetivos propostos nas ações instituicio-nais. Esse texto trará um olhar para a incidência política realizada junto às mu-lheres produtoras das regiões do Cariri e do litoral paraibano, em ações previstas no eixo de trabalho e autonomia econômica, que sempre considera, os contextos social, político e cultural em que vivem e as con-junturas local, nacional e internacional. Para desenvolver um processo de incidência política faz-se necessário um conjunto articulado de ações que vão des-

de a formação/capacitação até a interven-ção junto ao Estado (poderes legislativo, executivo, judiciário, ministério público e defensoria pública) para formulação e im-plementação de políticas públicas a partir das experiências e necessidades levanta-das pelas mulheres. A realização destas ações trazem o conhecimento e pertencimento da cultura peculiar vivida em cada região, município e comunidade, dos acúmulos das mulheres em vários níveis de participação (família, comunidade, escola, igreja, associação, cooperativa, sindicato, entre outros). A Cunhã entende que a participa-ção política e as lutas sociais realizadas pelas mulheres, se dão através da fala, do corpo, do sentimento de pertencimento com a construção coletiva, sem perder de vista a individualidade tudo tem impor-tância para o desenvolvimento de uma coletividade. , podendo gerar mudanças e transformar a realidade onde estamos inseridas construindo relações mais iguais e mais justas sem opressão ou exploração. Nesta direção, durante os processos de formação e preparação de incidência polí-tica e de mobilizações, apresentaram –se dois desafios: a construção de uma visão compartilhada pelas mulheres dos grupos do sentido mais amplo da palavra partici-pação e a compreensão de que a ação co-letiva ganha força e as transformações da realidade acontecem. O segundo desafio, na busca de um entendimento coletivo de que, dentro as ações propostas, criadas e idealizadas individualmente, há prioridades mais específicas e mais gerais, que podem potencializar os conhecimentos já trazidos pelas mulheres e beneficiar o grupo ou a comunidade. Para transpor tais desafios, os en-contros temáticos, os acompanhamentos sistemáticos e os intercâmbios de experi-ências foram valiosos. Nos vários relatos, as participantes se remeteram às reuniões

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avaliando-as de forma positiva e como um ganho para suas vidas e para os grupos. Em especial, foi desafiador visibilizar que as variadas ações já realizamos no cotidia-no são políticas, e que podem ser poten-cializadas, entendendo que:

Agimos politicamente em todo lugar

e a todos os momentos: quando

participamos de um sindicato, um

movimento social, uma manifesta-

ção pública, um partido político, das

casas legislativas ou dos gover-

nos. Mas também fazemos política

quando estamos no trabalho, na

comunidade, na escola, na igreja,

na família, na roda de amigas(os).

Nesse sentido, podemos dizer que

é a ação política dos sujeitos, nos

diversos espaços onde vivem e atu-

am, que transforma as realidades

e muda as sociedades ao longo do

tempo (FERREIRA, 2010, p. 7).4

Um desafio estrutural que está pos-to para as mulheres, é o de viver dentro de três sistemas que são complementares e estão organizados para dificultarem e barrarem a participação feminina. São eles: o patriarcado, o racismo e o capitalismo.

Beth Ferreira em seu artigo também cita algumas interdições patriarcais à participa-ção política das mulheres, como: “a cultura política hegemônica nos espaços políti-cos formais, a visão e o imaginário social sobre as mulheres, e o conservadorismo, aliado ao patriarcado e ao racismo”. Todavia, no que tange à partici-pação política das mulheres produtoras, destaca-se a a divisão sexual do trabalho, já comentada anteriormente, que impõe dupla jornada e sobrecarrega às mulheres, deixando-as sem tempo para investirem em ações políticas, candidaturas e/ou em sua auto-organização.

Nos acompanhamentos sistemáti-cos, as mulheres das regiões do Cariri e do litoral sul, foram compartilhados choros, desabafos, denúncias, conflitos, enfren-tamentos, posicionamentos, problemas individuais e coletivos, assim como, foram vivenciados momentos de solidariedade e alegrias. Além disto, as reflexões nesses momentos, colaboraram para que as mu-lheres percebessem o exercício do poder em suas vidas, identificando a possibilida-de de tomada de decisão no que refere especialmente a: poder sair de casa para passar quatro ou cinco horas, um dia ou dois, reunidas ou em encontros; conciliar as responsabilidades de casa com as do grupo; levar ou não filhos(as) para as reu-niões; poder criar ou fortalecer um grupo produtivo de mulheres; investir na forma de organização do grupo ou na comerciali-zação; representar o grupo em conselhos, sindicatos, reuniões com autoridades pú-blicas, parceiras (os) ou em mobilizações no município ou fora dele e até fora do estado. Partindo-se do entendimento de que a força coletiva das mulheres acon-tece no fortalecimento da autoestima, do poder da fala e de diferentes formas de comunicar-se com o mundo; na apropria-ção dos conhecimentos e experiências acumuladas, e no reconhecimento de pertencimento de suas histórias, como sujeitos políticos de transformação. Desse modo, as mulheres durante os processos de formação foram fortale-cidas e incentivadas a participarem em espaços decisórios e de controle social, na perspectiva de assumissem seu papel de interlocutoras junto aos gestores e gestoras de políticas públicas e outros(as) detentores(as) de poder na reivindicação e proposição de políticas públicas. A representação política dos gru-pos de mulheres produtivos da região do

4 FERREIRA, B. Feminismo, Política e Democracia. AMB

(Articulação de Mulheres Brasileiras). 2010.

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Cariri paraibano acontece nos conselhos municipais de políticas públicas, no Fó-rum Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Cariri ocidental; no Con-selho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, nas Conferências de políticas para as mulheres, de Segurança e Sobe-rania Alimentar e Nutricional, e de Desen-volvimento Rural Sustentável e Solidário. Nestes espaços, elas apresentam suas demandas e reivindicam junto aos gesto-res(as) direitos e melhoria e/ou implemen-tação de politicas públicas. Destacam-se ainda a articulação com universidades, programas de créditos (empreender mulher PB, Procase); e com a Secretaria de Estado da Mulher e da Diver-sidade Humana – SEMDH, que têm cola-borado com ações, projetos e programas voltados para as mulheres. E não com menos importância à participação e repre-sentação das mulheres nas associações comunitárias e cooperativas, e no caso da renda renascença no CONARENDA - Conselho das Associações, Cooperativas, Empresas e entidades vinculadas a Renda Renascença do Cariri Paraibano. Nessa região, as educadoras da Cunhã também estão inseridas em alguns espaços, com o intuito de fortalecer as demandas das mulheres por políticas pú-blicas e garantir o enfoque de gênero, raça e etnia e trabalho produtivo e reprodutivo. Vale ressaltar o estabelecimento de par-cerias para manutenção e ampliação do trabalho da transversalidade de gênero no território tanto no nível político como finan-ceiro. Na região do litoral, a participação política das mulheres marisqueiras de Acaú em instâncias decisórias, foi poten-cializada e ampliada através das ações do projeto, com a inserção de lideranças de mulheres nos seguintes espaços: Pastoral de Pescadores e Pescadoras, Articula-ção e Movimento Nacional das Mulheres

Pescadoras, e Conselho da RESEX Acaú/Goiana. Em paralelo, é importante desta-car a inserção de marisqueiras em ações do movimento de mulheres da Paraíba e de mulheres negras da Paraíba. Além da inserção de quatro mulheres na direção da Associação. A Cunhã e estimulou a inserção das mulheres na agenda feminista, priorizando algumas mobilizações sociais que tanto celebram os direitos conquistados, como denunciam violações dos direitos das mulheres junto à sociedade e reivindicam dos poderes públicos a formulação e exe-cução de políticas públicas. São essas as mobilizações: Dia Internacional da Mulher (08 de Março), Marcha Nacional das Mar-garidas (10 de agosto) em Brasília, Marcha das mulheres Negras (18 de novembro) em Brasília, Dia internacional de luta pela eliminação da violência contra as mulheres (25 de Novembro). No contexto rural, prio-rizamos como atividade de mobilização das mulheres, o Dia Nacional do (a) Agri-cultor(a) que ocorrem no dia 28 de Julho. Ressalta-se o envolvimento dos grupos no processo de preparação das mobilizações sociais ocorridas em suas localidades, que são realizadas de maneira organizada e com criatividade. Ocupam as ruas das cidades usando apitos, chapéus de palha, palavras de ordem, cartazes, poesia, cantos e danças, tomando para si o poder da fala pública. Em uma mobilização de enfrenta-mento à violência contra as mulheres alu-siva ao 25 de Novembro de 2014, a jovem Adriana Sales, do grupo de mulheres “Agri-pesca” do município de Camalaú traduziu esta situação em um Cordel, escrito por ela, como vemos a seguir:

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Cordel- Hei amiga!

Para começarmos a históriaQuero logo apresentarDa mulher uma grande amigaQue chegou para ajudarÉ da Lei Maria da PenhaQue agora vou falar

Ela é grande aliadaPara aquelas que correm perigoQue sofrem e recebem ameaçasOu que estão em lugar de riscoÉ uma Lei muito bem elaboradaQue tem mais de 50 artigos

Mas não adianta ter tanto artigoSe você não aprenderQue agressão não é só gritarTambém é humilhar, pressionarDefender. É queimar, arranhar, insultarPrender, puxar e bater.

Ou se for um insulto um gritoOu um xingamentoÉ considerado agressãoE é crime em andamentoSe um homem tentar forçarMulher ao relacionamento.

Se quebrar algum pertenceOu esconder algo seuTambém vira violênciaE é mal, o que cometeuÉ hora da mulher fazer valerO direito que a Lei lhe deu

Ofender com calúniasInsulto ou difamaçãoOu até dizer alguma coisaQue manche sua reputaçãoÉ crime do mesmo jeitoE leva o agressor à prisão.

Sendo física ou psicológicaDe patrimônio ou moralTudo isso é violênciaQue causa sempre grande malMas para mim a pior delasAinda é a sexual.

Mas para ir contra estes atosTem a valiosa LeiSe você passou por algumas delasNão espere mudar quem o fezProcure apoio e denuncie

Não deixe para a próxima vez.

Agora quero bater um papoCom as mais atingidasAquelas que algumas vezesCorrem risco de vidaMulheres se valorizemE acreditem que são queridas

Não se abalem por nadaNem ajam por emoçãoSe sofreu algo. DenuncieNão pense com o coraçãoMesmo que seja alguém que amaNão perca sua vida em vão.

Até porque se amasseNão lhe agrediriaQuem ama, respeita e cuidaDivide , faz companhiaE não quer acabar com a vidaAssim da noite para o dia.

Pode ser pai ou maridoPrimo, filho ou irmãoVizinho, tio ou avôQue cometa a agressãoMerece ser bem punidoE ir para a prisão.

O ambiente familiar é bomOnde se sente proteçãoMas não vale a pena viverSofrendo maltratação.Família se reconstróiMas vida infelizmente não.

A prosa ta muito boaMas não devo me alongarE para as mulheres sofridasTem delegacias prá procurarAinda o centro de referênciaE a casa de apoio prá ajudar

E a todas as mulheres digoSe valorizem, se amem maisVocês são fortes, são guerreiras,São simplesmente demaisMerecem amor, compreensãoDelicadeza e muita paz.

Aqui vou encerrandoAgradeço o favorA atenção que nos foi dadaMas lhe digo sim senhor,Os homens são bonsMas as mulheres são bem melhores.

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As mobilizações acontecem tam-bém nas comunidades onde residem, e contemplam além dos temas das mobi-lizações sociais, questões e problemas específicos das comunidades, a exemplo da reivindicação por creche na comunida-de, por coleta seletiva de lixo, cuidado e preservação do meio ambiente, além do resgate da cultura popular e da ancestrali-dade e identidade étnico racial, através da dança, da música com a participação das mulheres e de artistas da comunidade.

Incidência política municipal: uma estratégia de incidência no Cariri Essa estratégia de incidência/advocacy está acontecendo nos municí-pios de Monteiro, Prata e Congo, com o envolvimento de sete grupos de mulheres produtoras rurais que trabalham com pes-ca, agroecologia e vassouras ecológicas, e que protagonizam as ações nas suas comunidades e municípios. Advocacy é o processo de influen-ciar pessoas que estão no poder, como também políticas, alocação de recursos, sistemas e resultados, com o objetivo de promover conquistas que beneficiem dire-tamente as pessoas ou famílias das comu-nidades com as quais trabalhamos. É uma ação coletiva pública e política que exige análise, tomada de decisão e proposição, assim como soluções. Não existe uma única abordagem de advocacy. Nessa experiência, é reali-zada com as mulheres e pessoas de suas comunidades. Assegura a participação das mulheres e de suas comunidades, que são afetadas por uma situação ou problema e que reivindicam soluções junto ao poder público local. Nessa direção advocacy requer: fortalecimento das habilidades das mulheres e pessoas de suas famílias e comunidades para influenciarem nas deci-sões que afetam os seus direitos e as suas

vidas. Visa assegurar que posteriormente essas pessoas consigam fazer incidência política por si mesmas, com pouca ajuda externa.

Fazendo incidência

Com a aplicação da metodologia: Plano de advocacy (Incidência Política): dez passos para a cidadania, com as devidas adaptações necessárias ao con-texto dos grupos, iniciou-se o processo de incidência política. Primeiramente deu-se o processo de formação, o qual possibilitou as(os) par-ticipantes entenderem o que é uma ação de incidência política, a necessidade de se ter um planejamento, e nesse caso, um plano de advocacy: definição do problema a ser resolvido; reivindicação da comuni-dade junto ao poder público e definição de estratégias com vista a conseguir o que está se reivindicando enquanto direito. Para tanto foram: a) elaborados planos de advocacy; b) reuniões com gestores(as); c) reuniões de monitoramento dos planos; d) realizadas mobilizações comunitárias e intercâmbios com as seis comunidades envolvidas nas ações. As ações propiciaram para a vida das mulheres e das comunidades, a cida-dania e a qualidade de vida, fortalecendo--as como lideranças nas suas comunida-des e na incidência junto ao poder público. Nos seus depoimentos, enfatizam que têm buscado alternativas para vencer os desafios da exclusão social e das desigual-dades de gênero. Garantir sua autonomia e autodeterminação, especialmente no campo da organização social e política através da inserção qualificada dos grupos nos espaços de controle social. Para as mulheres as ações dos grupos não é uma questão menor, sobre-tudo porque, estão no cerne das questões sociais e econômicas da comunidade.

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Agora teve uma eleição e eu sou

a presidente da associação, agora

esse ano. Essa associação veio as-

sim, mais para abrir caminhos pras

mulheres daqui da comunidade

por causa dos maridos que que-

riam ter mais direitos do que elas,

não deixavam elas sair. Com essa

associação elas vão, quase sem-

pre, pras reuniões, tem como é que

se diz, movimento em Monteiro,

em outras cidades e outras articu-

lações que as meninas do projeto

da Cunhã e da Concern Universal

fazem, trazem pra cá, levam a gen-

te pra intercâmbio, essas coisas, ai

a gente fica mais socializando com

outras mulheres.

Arlane Sales, Associação

das Mulheres Artesãs de Ingá.

As ações realizadas de forma articu-

lada proporcionaram a atuação em diver-

sos níveis, contribuindo para que as mu-

lheres impulsionassem as principais ações

capazes de transformar sua realidade.

Esse processo possibilitou a Cunhã

reafirmar, dentre outros pontos, a impor-

tância da formação na ação enquanto

processo, o reconhecimento de que teoria

e prática caminham juntos; a importância

do protagonismo das mulheres como im-

pulsionadoras da ação, na propositura de

políticas públicas relevantes.É fundamental

reafirmar o protagonismo e dar visibilidade

à contribuição econômica, política e social

das mulheres, na construção de um pro-

cesso de desenvolvimento rural voltado

para a sustentabilidade da vida humana e

do meio ambiente.

Constatamos que o trabalho teve

impacto de maneira positiva na vida das

mulheres na relação com sua região, co-

munidade e, principalmente, na sua vida

pessoal e autonomia econômica e política:

Essa ação fortaleceu o grupo e o

conhecimento dos direitos e deve-

res da comunidade.

Agricultora da

comunidade de Tingui.

Como resultados dos processos de incidência política no eixo de trabalho e autonomia econômica, destacam-se: elaboração de seis Planos de incidência política com foco em reivindicação refe-rentes à convivência com o semiárido e cuidado/preservação do meio ambiente: Coleta seletiva de lixo; Tecnologias para a convivência com o semiárido (captação e armazenamento de água para a produção); Reconhecimento da produção agroecoló-gica, para acessar programas e políticas públicas, principalmente municipais; cre-che comunitária; concessão de espaços para a produção. Todos os grupos envolvi-dos estão fazendo incidência política com foco nos Planos; problemas e reivindica-ções das comunidades visibilizados junto ao poder público local, em alguns municí-pios junto ao legislativo.

Os resultados foram positivos

porque fizeram as pessoas repen-

sarem os problemas que o lixo trás

para a Vida das pessoas e o meio

ambiente.

Edgleuma Coelho da S. Siqueira

Assentamento Serrote Agudo.

Neste percurso, alguns desafios ainda permenecem na perspectiva de que as organizações de mulheres avancem em suas conquistas. Um deles se põe no campo da formação política de novas lide-ranças mulheres, jovens para uma inter-venção qualificada em espaços de parti-cipação e controle social. Outra se coloca no campo das respostas, do poder público, as reivindicações das mulheres por políti-

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cas públicas e programas que garantam o cumprimento dos direitos das mulheres e a redução das desigualdades de gênero. Nas palavras de Edgleuma Coelho da S. Siqueira, é preciso o „envolvimento da comunidade“ para que a transformação aconteça, como ela expressa abaixo:

As famílias ali estão

Decisões tomadas

Para a vida melhorar

Só com organização

Poderemos reivindicar

É preciso integrar

E tomar decisões

Fazer a sensibilização

E também mutirões

Trabalhar todos juntos

Para realizar as ações

Somos todos campeões

E já vemos a mudança

As ações de incidência

Também com as crianças

A melhoria do assentamento

Fortalecendo a aliança

Temos muita confiança

No projeto escolhido

Foi pela comunidade

O eixo estabelecido

Trabalhando o ambiente

Isso faz todo o sentido

Para isso teve motivo

O lixo é problema grave

Interfere em nossa vida

E também na sociedade

Prejudica os animais

E a nossa comunidade

Foi com dignidade

Feita em uma reunião com todo o assentamento

Cunhã e educação

Prefeitura também veio e cooptera

com ação

E de todo coração

E com Deus sempre na mente

Contente estamos hoje

Com a presença dessa gente

Conquistas realizadas

No passado e no presente

Foi por nós solicitado

A coleta seletiva

Que no momento é

Nosso ponto de partida

Que para nós deve ser

Uma boa alternativa

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A Cunhã Coletivo Feminista sempre teve a comunicacao como uma de suas áreas estratégicas de atuação, articulada com as de formação e incidência política. Sua metodologia junto a uma diversidade de mulheres no estado da Paraíba e no Brasil considera que, para gerar transfor-mação social e mudança de mentalidade, é preciso “conquistar mentes e corações” para o respeito e a garantia aos direitos humanos das mulheres. E este processo passa necessariamente pela forma como nós, mulheres, feministas, nos comunica-mos com o mundo. Neste sentido, dentro das mais diversas lutas pelos direitos humanos das mulheres – desde o direito ao cor-po, a uma vida sexual e reprodutiva livre de interdições por parte do Estado e da sociedade e sem violência, passando pelo acesso a saúde, educação, trabalho, e moradia digna – a Cunhã tem conferido à comunicação um lugar central em sua me-todologia e ação política, que contemple a participação e construção coletiva com as mulheres. Uma diretriz que a organização busca cotidianamente em sua ação polí-tica é fazer uma comunicação feminista, colaborativa e compartilhada contra os sistemas patriarcal, racista, capitalista. Uma comunicação que considere a diversida-de das mulheres no que se refere à raça, etnia, geração, orientação sexual, classe social, entre outras diferenças. Na linha da comunicação, a Cunhã realiza processos dentro da metodologia da educação feminista, popular e solidária, a partir das falas, das realidades específi-cas e da participação das mulheres. Tais processos podem envolver tanto grupos, organizações sociais e movimentos e con-templam, por exemplo:

Oficinas de construção de argumenta-ção para a fala pública das mulheres e incidência política do movimento

feminista. Muitas vezes são realizados grupos focais com as mulheres para aprofundar discussões sobre questões específicas que tocam os direitos huma-nos e a vida das mulheres, colaborando para o fortalecimento da autoestima para sua atuação na esfera pública e no diálogo com diversos setores da socie-dade; a criatividade e a produção de uma estética artística cultural ocupam um lugar de importância dentro das ações de comunicação na propagação da mensagem feminista junto à socie-dade, valorizando as diferentes expres-sões culturais, linguagens e instrumen-tos de comunicação.

Construção de estratégias e planeja-mentos de comunicação – Facilitando espaços de diálogo com diversos sujei-tos sobre objetivos, resultados e pú-blicos interessados/participantes, para processos de incidência política e aten-dimentos a necessidades/demandas específicas desses sujeitos coletivos;

Desenvolvimento de processos de diá-logo sobre identidade visual e criação de peças de comunicação – Este tra-balho é realizado especialmente junto grupos populares, associações comuni-tárias de mulheres e contribui para que as ações e produtos de comunicação gerados pela Cunhã atendam às neces-sidades e anseios dos grupos e orga-nizações de mulheres assim como de outros sujeitos. Recentemente, a organi-zação tem conferido especial atenção a grupos de mulheres produtoras, dentro do eixo de Trabalho e autonomia eco-nômica das mulheres, visando impul-sionar empreendimentos solidários de grupos de mulheres na Paraíba e cola-borar para a qualificação visual de suas produções. Esta ação está alinhada com a estratégia de ampliar o debate

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público sobre as mulheres e o mundo do trabalho, especificamente no que toca as questões relacionadas ao traba-lho produtivo e reprodutivo das mulhe-res. Assim, pautar a discussão na socie-dade de que o trabalho das mulheres existe e tem valor é uma luta histórica do movimento feminista que se confun-de com a própria trajetória da Cunhã.

Provocando reflexõese mudanças

A Cunhã desenvolve outra estraté-gia importante na linha da comunicação: o processo de criação de campanhas. Estas passam necessariamente por diálo-gos coletivos internos (institucionais) e/ou envolvem sujeitos para além da organiza-ção, a depender da definição do conceito/ideia para se abordar determinado tema pela Cunhã e eventuais parceiros(as) e a sociedade. No caso de de uma situação de violação de direito(s), o objetivo é apre-sentar uma ideia que se contraponha ao que o senso comum – geralmente forma-do a partir de ideias machistas, racistas e de cunho discriminatório – para provocar debates públicos sobre as desigualdades enfrentadas pelas mulheres em suas vidas cotidianas. Nesta área, a organização tam-bém presta consultorias a organizações sociais na Paraíba facilitando processos participativos e discussões para definição de motes de campanhas, que depois são repassados para profissionais de criação e/ou agências de publicidade. A ideia é que estes profissionais deem o retorno aos grupos que participaram do processo inicial para verificar se há identificação como os tratamentos dado ao conceito e os produtos de comunicação gerados. Vale salientar que um braço impor-tante da comunicação institucional é dar o tratamento e a concretude adequada

à produção de conhecimento da Cunhã, uma linha estratégica de sua ação política. Cursos à distância, livros, cartilhas, pan-fletos e outros materiais de comunicação colaboram para evidenciar resultados e análises sistematizadas pela organização para sujeitos específicos (as próprias mu-lheres, militantes do movimento feminista e dos movimentos sociais, parlamentares, gestores(as) públicos(as), professores, estudantes, profissionais de saúde e segu-rança pública, são alguns deles) ou para grupos mais amplos, como os alcançados pela Cunhã através dos canais na internet (site e redes sociais). O Setor de Comunicação, neste sentido, contribui para sistematizações e publicação de pesquisas, estudos e diag-nósticos de realidade das mulheres junto às quais a Cunhã trabalha diretamente. A devida visibilidade dessas análises sub-sidia o trabalho da organização, visando dialogar com as necessidades das mulhe-res. Vale ressaltar que uma política da instituição é apresentar os resultados de quaisquer estudos prioritariamente aos grupos participantes para validação das análises realizadas. Estes estudos também subsidiam a ação política da Cunhã e do movimento feminista na luta em defesa dos direitos das mulheres em toda a sua diversidade e diferenças, pela garantia e implementação de políticas públicas ade-quadas assim como no diálogo junto a parlamentares, gestores, profissionais de saúde, organismos públicos e privados e diversos setores da sociedade. São também desenvolvidas ações de assessoria de comunicação institucio-nal em articulação para abrir espaços na mídia convencional e as mídias alternati-vas, além de um importante investimento no gestão da informação assim como na preservação da memória da Cunhã e do movimento feminista na Paraíba.

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O projeto Mulheres produzindo saberes e gerando renda

As estratégias dos eixos de comu-nicação e mobilização social tiveram como objetivo dar visibilidade aos grupos de mulheres participantes da ação realizada pela Cunhã nas regiões do Cariri ocidental Paraibano e no litoral sul da Paraíba. Um dos motes foi visibilizar o trabalho e os direitos das mulheres produtoras rurais e urbanas, especialmente em relação ao trabalho produtivo e reprodutivo, assim como colaborar para a discussão sobre a importância da comunicação para os processos de produção e comercialização de agricultoras, rendeiras, artesãs, pesca-doras marisqueiras e que trabalham com o aproveitamento de resíduos sólidos (vas-souras e outros produtos a partir de garra-fas PET). A ideia foi também colaborar para a construção de identidades visuais, consi-derando as demanas das mulheres e suas produções, colaborando com a criação de logotipos para os grupos participantes da ação da Cunhã. A partir de encontros temáticos, oficinas e grupos focais realiza-dos pela equipe de comunicação junto às mulheres, foi realizado um intenso traba-lho de design gráfico, visando colaborar para a construcão da identidade visual dos cada grupo e/ou associação de mulheres, melhorando a apresentação visual dos produtos, deixando-os mais atraentes para a comercialização. Vale ressaltar que todos os logotipos e propostas de apresentação visual dos produtos foram criados a partir dos diálogos com as mulheres que subsi-diaram todo o processo criativo do setor de comunicação da Cunhã. Ao final da criação de cada proposta de logotipo, este era submetido ao grupo para validação ou não do projéto gráfico.

Em relação à contribuição para os planos de negócios, a comunicação tam-bém colaborou no sentido de provocar a discussão junto as mulheres sobre a importância de estratégias de comunica-ção e visibilidade dos grupos e de seus produtos. Após a aprovação dos logotipos, a sequencia é a preparar kits com carim-bos com a identidades visual para cartões, etiquetas e embalagens. Uma curiosidade sobre estes kit é que as mulheres domi-nam os meios de produção das embala-gens, usando uma técnica simples como o carimbo para apresentar seus produtos, com beleza e simplicidade. Ao mesmo tempo, a Cunhã contou com um diferencial, no processo de visibi-lidade dos grupos de mulheres produtoras a partir da utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) nas estratégias de comercialização. Visando colaborar com a divulgação do trabalho produtivo das mulheres na região do Cariri ocidental e litoral sul da Paraíba, foram desenvolvidas estratégias de visibilidade nos canais da organização na internet. Neste sentido, vale destacar duas inicia-tivas, criadas a partir do site institucional: a criação da vitrine virtual (http://www.cunhanfeminista.org.br/vitrine/) – espaço para divulgação dos produtos das mulhe-res, na perspectiva de uma gestão colabo-rativa com os grupos, processo ainda em construção e um dos desafios da ação; e o mapa interativo (http://www.cunhanfeminis-ta.org.br/acoes/), com o objetivo de visibili-zar os grupos de mulheres, suas histórias, comunidades e municípios assim como suas atividades produtivas. Outro potencial ainda por ser mais explorado para a divul-gação dos grupos é a utilização das redes sociais, encurtando distâncias e aproxi-mando mulheres das pessoas interessadas em adquirir seus produtos.

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