MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM ... · os atingidos pela barragem de Fumaça que se...

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MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM: PARTICIPAÇÃO AUTORIZADA OU AUTÔNOMA? Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exi- gências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2002

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MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS

MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM:

PARTICIPAÇÃO AUTORIZADA OU AUTÔNOMA?

Tese apresentada à Universidade

Federal de Viçosa, como parte das exi-

gências do Programa de Pós-Graduação

em Extensão Rural, para obtenção do

título de “Magister Scientiae”.

VIÇOSA

MINAS GERAIS - BRASIL

2002

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MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS

MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM:

PARTICIPAÇÃO AUTORIZADA OU AUTÔNOMA?

Tese apresentada à Universidade

Federal de Viçosa, como parte das exi-

gências do Programa de Pós-Graduação

em Extensão Rural, para obtenção do

título de “Magister Scientiae”.

APROVADA: 03 de abril de 2002.

Ana Louise de Carvalho Fiúza Cristine Carole Muggler

Maria de Fátima Lopes José Roberto Pereira

(Conselheiro) (Conselheiro)

Maria Izabel Vieira Botelho

(Orientadora)

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Às mulheres atingidas de Miguel Rodrigues dedico este trabalho

devido ao muito que aprendi com sua luta nestes anos de convivência

e que fizeram de suas vidas um ensinamento.

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iii

AGRADECIMENTO

Agradeço às amigas e aos amigos de Miguel Rodrigues, especialmente

os atingidos pela barragem de Fumaça que se dispuseram a contribuir com meu

trabalho me acompanhando nas áreas atingidas e na comunidade, me hospedando

e me concedendo entrevistas para que meu estudo se concretizasse. Espero que

meu trabalho contribua para sua luta e para causa de outros atingidos por

barragens.

Assim como também agradeço aos padres, assessores, agentes da

Comissão Pastoral da terra, representantes nacionais do Movimento de Atingidos

por Barragens, membros das associações como ASPARPI.

Às associações locais AMABAF e AABF.

Aos professores e amigos do NACAB pela oportunidade de me

aproximar e me inserir no movimento de atingidos por barragens. Em especial

Fatinha, Franklin, Cleiton, Flávio, Léo, Romilda e Bira.

Aos professores, professoras e estudantes do curso de Extensão Rural da

UFV que contribuíram para este trabalho em especial à professora Cristine, do

Departamento de Solos e ao professor Zé Roberto. À professora Ana Louise

Fiúza, pela contribuição na banca de defesa. À minha orientadora, professora

Maria Izabel Vieira Botelho, pelo apoio e contribuição nas diversas etapas deste

trabalho.

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Aos grandes amigos que me incentivaram e me ajudaram nos bons e

maus momentos Nunes, Viviane, Marcelo, Hildelano, Alessandra, Diva, Alex

Fabiani, Maurício, Rosivaldo, Claudinha, Flávio, Dora, Jaciane, Jaqueline,

Renato e Júnia.

A Kalil e Carlos André, pelas discussões, questionamentos que

engrandeceram muito esta pesquisa e também pelo carinho e amizade.

Gostaria de agradecer muito às maiores amigas que tive durante a minha

jornada em Viçosa desde que cheguei em 1995 e que me acompanharam até o

final do meu curso de mestrado, as quais eu tenho muito que agradecer pelos

momentos que me acompanharam nesta minha vida viçosense em todos os

níveis, pela cumplicidade e paciência, Fabiana, Julianna e Mariana.

Aos meus amigos de movimento estudantil e do Partido dos

Trabalhadores de Viçosa, que me ajudaram a construir a consciência política e

social que tenho hoje e que foi fundamental para a construção deste trabalho.

Por fim quero agradecer e dedicar este meu trabalho à minha família que

sempre apoiou e que sempre foi muito importante na minha vida e no meu

trabalho, Heber, Regina, Kiko, Dedé, Keka, Dudu e Heleninha, dedico às muitas

lições que aprendi com as mulheres atingidas e que tentei transmitir nesta

dissertação.

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BIOGRAFIA

MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS, filha de Heber dos Santos e

Regina Rodrigues Santos, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1.º de

janeiro de 1977.

Graduou-se em Agronomia na Universidade Federal de Viçosa em

janeiro de 2000. Durante o período de graduação, fez parte do projeto de

extensão e pesquisa de assessoria às comunidades atingidas por barragens na

Zona da Mata mineira durante dois anos.

Iniciou o curso de Mestrado em Extensão Rural, no Departamento de

Economia Rural da UFV, em 2000, defendendo tese em abril de 2002.

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ÍNDICE

Página

LISTA DE FIGURAS ............................................................................... viii

LISTA DE SIGLAS .................................................................................. x

RESUMO .................................................................................................. xii

ABSTRACT .............................................................................................. xiii

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1

1.1. Metodologia ................................................................................... 6

1.1.1. O universo da pesquisa ............................................................ 7

1.1.2. Justificativa do universo da pesquisa ....................................... 8

1.1.3. Informações secundárias .......................................................... 9

1.1.4. Observação participante ........................................................... 9

1.1.5. Técnicas utilizadas .................................................................. 10

1.1.6. Seleção dos entrevistados ........................................................ 14

1.1.7. Análise das informações .......................................................... 14

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vii

Página

2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE CACHO-

EIRA DA FUMAÇA E A POPULAÇÃO LOCAL ..............................

16

2.1. Origem da comunidade de Miguel Rodrigues e do processo de

construção da barragem .................................................................

16

2.2. Impactos sócio-econômicos e culturais referentes à construção de

hidrelétricas ....................................................................................

20

2.3. Atingidos por barragens: categoria social e analítica ..................... 33

2.4. O processo de construção da Hidrelétrica Cachoeira da Fumaça e

as mulheres atingidas .....................................................................

36

3. TERRITÓRIO E LUGAR NO CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DE

BARRAGENS .....................................................................................

49

3.1. Terra e território como espaços de trabalho e socialização ........... 49

3.2. Lugar como categoria de identificação .......................................... 53

3.3. A organização do espaço social das mulheres na associação ........ 60

4. MULHERES, IGREJA E MOVIMENTOS SOCIAIS .......................... 64

4.1. Participação feminina nos movimentos sociais ............................. 67

4.2. Mulheres e movimento de atingidos por barragens ....................... 71

4.3. A teologia da libertação e os movimentos sociais ......................... 73

4.4. O lugar das mulheres na comunidade ............................................ 80

4.5. As mulheres atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica Ca-

choeira da Fumaça .........................................................................

83

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 93

APÊNDICE ............................................................................................... 99

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viii

LISTA DE FIGURAS

Página

1 Mulheres atingidas durante a aplicação das técnicas participati-

vas .................................................................................................

13

2 Casa de uma das atingidas, destacando-se o fogão a lenha que é

o meio principal na preparação dos alimentos para as famílias da

comunidade ...................................................................................

19

3 Desvio do rio nas obras de construção da UHE Fumaça. Exem-

plo de impacto que a construção de uma hidrelétrica pode cau-

sar .................................................................................................

21

4 Cachoeira da Fumaça que irá secar após a construção da barra-

gem ...............................................................................................

26

5 Local de construção do eixo da barragem antes de se começa-

rem as obras ..................................................................................

27

6 Local do eixo da barragem com as obras já iniciadas .................. 28

7 Pinguela que vai ser inundada após enchido o lago ..................... 30

8 Localização do município de Diogo de Vasconcelos na micror-

região de Ouro Preto e no Estado de Minas Gerais ......................

37

9 Mapa do lago ................................................................................ 45

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ix

Página

10 Local onde ficam alojados os trabalhadores da usina que vêm de

outra localidade ............................................................................

53

11 Mapa de “antigamente” ................................................................ 55

12 Mapa atual .................................................................................... 57

13 Diagrama de Venn ........................................................................ 61

14 Bandeira do movimento de atingidos na casa de uma das lide-

ranças ............................................................................................

72

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x

LISTA DE SIGLAS

AABF - Associação dos Atingidos pela Barragem de Fumaça.

ALCAN - Empresa Alumínio-Canadá.

AMABAF - Associação dos Moradores Atingidos Pela Hidrelétrica de

Fumaça.

ASPARPI - Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Piranga.

CEB's - Comunidades Eclesiais de Base.

CEMIG - Companhia Energética do Estado de Minas Gerais.

CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente.

COPAM - Conselho de Políticas Ambientais.

CPT - Comissão Pastoral da Terra.

EIA - Estudos de Impacto Ambiental.

ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S.A.

EMATER - Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural.

FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente.

LI - Licença de Instalação.

LO - Licença de Operação.

LP - Licença Prévia.

MAB - Movimento de Atingidos por Barragens.

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xi

MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande

do Sul.

NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por

Barragens.

PCA - Plano de Controle Ambiental.

RCA - Relatório de Controle Ambiental.

RIMA - Relatório de Impacto Ambiental.

SE - Setor Elétrico.

UHE - Usina Hidrelétrica.

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RESUMO

SANTOS, Mariana Rodrigues dos, M.S., Universidade Federal de Viçosa, abril

de 2002. Mulheres e movimento de atingidos por barragem: participação

autorizada ou autônoma? Orientadora: Maria Izabel Vieira Botelho.

Conselheiros: José Roberto Pereira e Maria de Fátima Lopes.

Neste estudo analisou-se as razões que levaram a participação das

mulheres nas associações de atingidos e conseqüentemente no movimento de

atingidos por barragens. Analisou-se, desta forma, o verdadeiro papel da mulher

nesta comunidade diante do contexto de construção da Usina Hidrelétrica

Cachoeira da Fumaça, na localidade de Miguel Rodrigues, Zona da Mata

mineira. Estas mulheres tornaram-se lideranças locais, ocuparam cargos na

associação, incluindo o de presidência, tornando-se “peças chaves” nas

negociações que envolveu o processo de construção da barragem. Ao se

privilegiar as mulheres, a análise deste estudo foi feita sob a perspectiva de

gênero, no sentido de se compreender as relações que envolvem homens e

mulheres nesta localidade. Esta perspectiva foi associada aos conceitos de

territorialidade e lugar e as representações sociais que estas mulheres fazem

destes conceitos, permitindo compreender as ações das mesmas em seu contexto

social permeado pela construção da barragem.

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ABSTRACT

SANTOS, Mariana Rodrigues dos, M.S., Universidade Federal de Viçosa, April

2002. Women and movement of having reached for barragem: authorized

or autonomous participation? Adviser: Maria Izabel Vieira Botelho.

Committee Members: José Roberto Pereira and Maria de Fátima Lopes.

In this study it was analyzed the reasons that took the women's

participation in the associations of having reached and consequently in the

movement of having reached for barragens. It was analyzed, this way, the

woman's true paper in this community before the context of construction of

Usina Hidrelétrica Cachoeira of the Smoke, in Miguel Rodrigues' place, Zone of

the mining Forest. These women became local leaderships, they occupied

positions in the association, including the one of presidency, becoming asks keys

in the negotiations that it involved the process of construction of the barragem.

When privileging the women, the analysis of this study was made under the

gender perspective, in the sense of understanding the relationships that involve

men and women in this place. This perspective was associated to the

territorialidade concepts and place and the social representations that these

women do of these concepts, allowing to understand the actions of the same ones

in its social context permeated by the construction of the barragem.

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1. INTRODUÇÃO

A construção de usinas hidrelétricas no Brasil foi intensificada no final

da década de 70 e início da de 80, quando grandes projetos foram realizados

como os de Tucuruí (no Estado do Pará, que inundou 234.000 ha), de Itaparica

(nos Estados de Pernambuco e Bahia, que inundou 83.500 ha) e de Itaipu (no

Estado do Paraná, que inundou 135.000 ha). A justificativa para a implementação

de novas usinas deveu-se, naquele momento, ao fato de o país estar cada vez

mais dependente de maior produção de energia para atender à crescente

industrialização. Além disso, o Brasil é um país que dispõe de abundância de

recursos hídricos, o que torna a energia elétrica mais barata que as demais.

As construções dessas grandes hidrelétricas causaram grandes impactos

ambientais e sociais para as populações locais, sejam diretamente, quando suas

terras localizavam-se nos espaços a serem inundados, sejam indiretamente

quando suas condições de reprodução dependiam, em alguma medida, da área

afetada pela barragem. Por isso, na década de 80, os movimentos ambientalistas,

as organizações de atingidos por barragens e pressões do Banco Mundial de

Desenvolvimento (BIRD), passaram a exigir maior controle na implementação

dos projetos de barragens na sua visão ambiental e social, culminando com a

obrigatoriedade de realização dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) como

parte do processo de licenciamento ambiental.

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O Setor Elétrico federal prevê, até o ano 2015 (o chamado “Plano

2015”), a construção de 494 novas usinas hidrelétricas. Dessas, 19 projetos

deverão ser implementados na Zona da Mata de Minas Gerais, de acordo com

informações da Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM). Parte

significativa destes projetos será empreendida pelo setor privado. O Setor

Elétrico é hoje comandado pela empresa estatal Centrais Elétricas Brasileiras

S.A., a ELETROBRÁS, vinculada ao Ministério das Minas e Energia.

Os novos projetos a serem implantados com o “Plano 2015”, a

privatização do Setor Elétrico e o crescente surgimento de consórcios entre

empresas privadas e o governo para a construção de Usinas Hidrelétricas (UHE),

propiciaram uma relação complexa entre empresas/construtores da usina e

populações locais, merecedora de análises aprofundadas. Esta situação é marcada

pela falta de comunicação e dificuldade de acesso às informações sobre o

processo de construção das UHE por parte das populações locais. Além disso, os

danos ambientais, sociais e culturais quando levados em consideração, são

minimizados e desvirtuados nos Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental

(EIA/RIMA). Esses EIA/RIMAs, obrigatórios para a aprovação do projeto por

parte de órgãos ambientais do governo do Estado de Minas Gerais, têm como

objetivo a realização de detalhamento da região onde será construída a barragem,

com intuito de prever seus impactos nos meios físico, biótico e sócio-econômico

através de estudos na região onde será realizado o projeto1. Estes instrumentos

consistem, teoricamente, na participação das comunidades atingidas no processo

de sua elaboração para que possam expressar seu ponto de vista em relação ao

projeto e contribuir para sua realização. Neste sentido, “não basta que o

procedimento do EIA seja transparente, há que ser igualmente participativo”

(MILARÉ, 1994:53).

Entretanto, esses estudos, apesar de serem mecanismos significativos no

tocante à proteção ambiental, na medida em que objetivam descrever as

realidades biótica, física e social do atingido, têm sido, na prática, utilizados para

1 Vale ressaltar que as usinas que gerarão até 10 MW, apresentam um RCA (Relatório de Controle

Ambiental) ao invés do EIA/RIMA, que é o caso da UHE Fumaça.

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3

superestimar os benefícios do projeto e subestimar seus impactos (Sigaud, citada

por ROTHMAN et al., 1999).

A desinformação e a minimização da participação por parte das

populações atingidas no processo de licenciamento ambiental tornam-se as

principais armas do Setor Elétrico para facilitar a implementação dos projetos de

hidrelétricas com rapidez e baixo custo. Os estudos e relatórios ambientais

apresentam de forma superficial os impactos concretizados pela perda das terras,

do trabalho nela investido, das relações de vizinhança e parentesco; isto significa

as perdas do meio de produção fundamental das populações atingidas e de sua

identidade cultural, além da inundação de áreas de solos férteis. Poluição dos rios

e ocorrência de doenças devido à construção do lago, quando a água diminui a

vazão e pode gerar a proliferação de larvas e mosquitos, êxodo-rural, a falta de

alternativas de trabalho agrícola fazem com que as famílias migrem para as

cidades, gerando insegurança das populações que vivem abaixo das barragens em

função do aumento e diminuição da vazão do rio, também se apresentam como

mudanças indesejáveis neste contexto.

TEIXEIRA et al. (1994:176) concluem, a partir de análise de sete

RIMA’s de projetos de barragens de três regiões do país2, que “todos os

relatórios situam as populações em plano secundário, onde as pessoas são meros

receptores das ações, facilmente deslocáveis e convenientemente adaptáveis a

novas condições”.

Os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), em alguns

momentos, se contradizem com a realidade quando tratam das condições reais de

vida das populações atingidas, verificadas, também, no tocante ao trabalho, ao

lugar e ao espaço ocupado pelas mulheres na pequena produção, cujo trabalho é

minimizado, caracterizado como ajuda, não considerando a importância deste na

reprodução destas comunidades baseadas na agricultura familiar.

A desconsideração em relação às populações atingidas presente nos

EIA/RIMA, contribuiu para que as comunidades, que vivenciaram tal processo,

2 Simplício e Sapucaia, na região Sudeste; Samuel, Cachoeira Porteira e Paredão, na região Norte e

Manso e Serra de Mesa, na região Centro-Oeste.

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se organizassem, primeiramente no Sul do país, fundando o MAB-Sul, na década

de 80, para se opor à construção de hidrelétricas no Alto Rio Uruguai, que

culminou na fundação do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), em

março de 1991 (MORAES, 1996). O movimento avançou bastante desde a sua

fundação, preocupando-se, inclusive, com as questões ambientais ligadas aos

sistemas de produção das populações atingidas após seu reassentamento. O MAB

comandou ocupações de obras, criação de associações de atingidos pelo país

inteiro, com intuito de tornar o processo de construção de usinas mais justo e de

tentar minimizar os impactos causados por ele. A criação de associações de

atingidos vem tornando-se uma prática importante no processo de negociação

entre atingidos e construtor da barragem porque ela se torna uma representação

legítima da população local, inclusive com reconhecimento dos órgãos estaduais

ambientais (FEAM e Conselho de Políticas Ambientais - COPAM).

Entretanto, apesar dos avanços e da incorporação de novas questões pelo

movimento, como a questão ambiental, as mulheres nem sempre têm sido

reconhecidas e estimuladas a participarem do Movimento de Atingidos por

Barragens. Freqüentemente, são colocadas à margem das diferentes etapas do

processo de luta do movimento. Esta tênue presença ou mesmo inexistência da

participação feminina é justificada pelo fato de as tradições culturais nortearem

as atitudes e papéis de homens e mulheres dentro da realidade da nossa

sociedade, sendo reservada aos homens, em sua maioria, a esfera pública e às

mulheres a esfera privada.

Para análise destas questões parte-se do pressuposto que as

desigualdades entre homens e mulheres não são constituídas ou determinadas

biologicamente, mas sim culturalmente. As diferenças entre os sexos são

socialmente construídas, o “ser homem” e o “ser mulher” correspondem e

respondem aos papéis sociais estabelecidos pela sociedade e a cultura

englobante. Neste sentido, gênero, como categoria analítica, se apresenta como

fundamental para se perceber e interpretar as diferenças. Gênero é um produto

social apreendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo de

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gerações e envolve a noção de que o poder é distribuído de forma desigual,

estando as mulheres na posição de inferioridade na vida social (SORJ, 1992).

Conforme salienta SAFFIOTI (1992), as mulheres detêm espaços de

poder que se inserem muito mais na esfera privada do que na esfera pública.

Nesse lugar, onde se inserem socialmente, ou seja, a casa e os arredores

domésticos, elas desempenham um papel, predominante, de controle e domínio.

Porém, em outros espaços, como o do movimento social, elas têm encontrado

diversos entraves para participarem e serem reconhecidas, tanto por parte de seus

maridos como por parte das organizações políticas e por si mesmas. Na medida

em que entendem seu trabalho como complementar e não valorizado na mesma

dimensão que a do marido, não assumem uma postura de participação efetiva no

movimento, sendo este espaço, para a maioria delas, destinado aos maridos.

Os impactos sócio-culturais e ambientais decorrentes da construção de

barragens têm sido objeto de estudo de diferentes áreas de conhecimento. O que

não se observa nesses estudos são análises detalhadas de como tais processos são

efetivamente vividos pelos atingidos, nos diversos momentos em que se

concretizam, não se analisando a participação diferenciada dos diversos grupos

componentes da categoria “atingidos”.

O objetivo deste estudo é analisar as razões que levaram a participação

das mulheres nas associações de atingidos e conseqüentemente no movimento de

atingidos por barragens. Podendo, desta forma, se analisar o verdadeiro papel da

mulher nesta comunidade diante deste contexto de construção desta usina

hidrelétrica. A localidade de Miguel Rodrigues, na Zona da Mata (ZM) mineira,

foi escolhida pois ali ocorre uma participação efetiva das mulheres no

movimento de atingidos por barragens. Estas mulheres são lideranças locais,

ocupam cargos na associação, incluindo o de presidência, são “peças chaves” nas

negociações com a empresa. Ao se privilegiar as mulheres, a análise deste estudo

foi feita sob a perspectiva de gênero associada aos conceitos de territorialidade e

lugar permitindo compreender as ações das mesmas em seu contexto social.

Perspectiva de gênero no sentido de se compreender as relações que envolvem

homens e mulheres nesta localidade.

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Este estudo mostra que as mulheres desta localidade assumiram papéis

que tradicionalmente são destinados aos homens, passando a atuar na esfera

pública, e conseguiram ganhos na luta dos atingidos por seus direitos no processo

de construção da barragem em questão, buscando analisar se estas mulheres

obtiveram consciência da importância desta “mudança de papéis” para as

relações sociais que permeiam esta localidade.

Após a introdução é feita uma análise histórica da construção de

barragens no Brasil, identificando seus principais impactos. Discute-se, também,

o processo de construção de uma barragem, a relação empresa/atingido,

enfocando principalmente a localidade de Miguel Rodrigues. Um histórico sobre

a população local e localização das mulheres no processo de construção da usina

são parte constituinte desse capítulo.

No terceiro capítulo, algumas definições foram feitas com intuito de

melhor compreender a participação das mulheres atingidas pela UHE Fumaça no

movimento de atingidos local. Foram definidos os conceitos de terra, território,

lugar e as representações que estas mulheres fazem destes espaços. Serão

identificados os principais lugares de inserção das mulheres na comunidade, que

são a Igreja e a Associação, e como se deu a construção desta inserção.

No quarto capítulo é feita uma discussão sobre a participação das

mulheres nos movimentos sociais, caracterizando esta participação e o papel da

Igreja neste processo. Foi dada ênfase para a localidade de Miguel Rodrigues e o

movimento local de atingidos pela barragem de Cachoeira da Fumaça.

Nas considerações finais serão analisadas as questões apresentadas e se

colocarão novas questões que surgiram durante este estudo.

1.1. Metodologia

Parte-se do pressuposto que as relações sociais de gênero permeiam e

adquirem significados distintos em todas as esferas da vida social. Nos

movimentos sociais tais relações também se fazem presentes, moldando ações e

reivindicações dos grupos que deles participam.

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Concordando com LAURETIS (1987), em sua definição sobre gênero

enquanto uma representação de uma relação social, não se poderia optar por

outra metodologia que não a qualitativa. Pois parte-se da premissa de que os

fatos sociais são produtos de ações humanas, e que desta forma, homens e

mulheres fazem a sociedade e são feitos por ela, e não se pode, assim, pensar nas

mulheres atingidas apenas como objetos passivos de serem analisados, sendo a

metodologia qualitativa mais indicada para cumprir os objetivos deste estudo.

O pesquisador, por sua vez, não está descolado desta realidade, onde

possui uma determinada inserção social e uma experiência de vida e trabalho que

estruturam sua visão de mundo, sendo estas quem vão determinar os

instrumentos metodológicos de sua pesquisa (BRANDÃO, 1983).

1.1.1. O universo da pesquisa

A comunidade que está sendo estudada será atingida pela construção da

UHE Fumaça no Rio Gualaxo do Sul, na Bacia do Rio Doce, atingindo os

Municípios de Mariana e Diogo de Vasconcelos, Minas Gerais. A Usina está

sendo construída pela empresa de alumínio ALCAN, de potência a ser instalada

de 10 MW. A presente pesquisa estudou a comunidade de Miguel Rodrigues,

localizada no Município de Diogo de Vasconcelos. A área a ser inundada neste

município é de 0,40 km², correspondente a 19% da área total a ser inundada, que

é de 2,10 km². A comunidade de Miguel Rodrigues será a mais atingida pois se

encontra na parte onde se formará o lago. Esta comunidade possui 40 domicílios

e uma população de 193 pessoas (PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL DA

UHE FUMAÇA - PCA-UHE FUMAÇA, 2000). O número de atingidos desta

comunidade é de 27 famílias3.

3 Este número foi um levantamento inicial que a empresa fez e é relativo porque a empresa considerou

como atingidos pela barragem os proprietários atingidos e apenas alguns meeiros apontados pelo

fazendeiro, dono da terra. Além disso, inicialmente, não considerou os diaristas, os artesãos nem os

garimpeiros como atingidos. Atualmente são considerados atingidos por volta de 250 pessoas contando

com atingidos que já negociaram e que não estão satisfeitos com o dinheiro recebido. A negociação será

descrita com maiores detalhes posteriormente.

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8

A localidade é chamada de Miguel Rodrigues, mas a população

considera apenas a área central com este nome, onde se localizam a Igreja, a

escola, dois armazéns e o único telefone público4. Cada “pedaço de morro” é

denominado pela população por um nome, Bicas, Engenho, Macuco, e outros.

Neste trabalho foram enfatizadas as áreas de Miguel Rodrigues, do Macuco, área

próxima geográfica e socialmente , segundo as mulheres de Macuco “quem faz

Miguel Rodrigues é o pessoal do Macuco”5, e de Bicas. Embora a localidade seja

chamada de Miguel Rodrigues, apenas na área central, onde se localizam os

principais espaços de convivência social. Além destas, foi também estudada a

localidade de Magalhães, que apesar da distância geográfica, foram encontradas

duas mulheres que participavam da associação desde o início, uma delas

ocupando cargo na diretoria e a outra, jovem, que estava entrando, agora, no

cargo da diretoria eleita da nova associação6. Estas duas mulheres são

importantes para a compreensão da participação feminina no movimento local de

atingidos por barragens.

1.1.2. Justificativa do universo da pesquisa

Desde o início do trabalho da pesquisadora na comunidade de Miguel

Rodrigues em participações de encontros do movimento de atingidos, na

Audiência Pública7, a maior participação das mulheres deste comunidade nas

instâncias do movimento comparada às outras comunidades da Zona da Mata

mineira, foi um fato que chamou a atenção desde o primeiro momento.

4 Com a vinda da empresa estão sendo instalados telefones nas residências, sendo que a maioria não tinha

outra forma de comunicação a não ser este telefone público localizado na área central da comunidade.

5 Outra modificação ocorrida com a vinda da empresa se refere à população da localidade de Macuco, é

que, devido aos conflitos ocorridos na comunidade durante o processo de negociação das terras e dos

direitos dos atingidos com a empresa, a comunidade está freqüentando menos a área de Miguel

Rodrigues. A capela de Macuco está sendo reformada e também foi construído um bar.

6 O processo de criação das associações e os conflitos internos da comunidade durante o processo de

construção da barragem serão detalhados nos capítulos posteriores.

7 A Audiência Pública será descrita com mais detalhes no capítulo sobre o processo de construção da

hidrelétrica Cachoeira da Fumaça, incluindo a forma como se deu esta participação feminina.

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9

Posteriormente percebeu-se que essas mulheres eram lideranças dentro do

movimento local de atingidos. Ressalta-se que, neste contexto, as mulheres

atingidas não fazem parte de um movimento autônomo, sendo que geralmente

sua organização se dá através da Igreja Católica em trabalhos comunitários e nas

pastorais.

1.1.3. Informações secundárias

Inicialmente, realizou-se um levantamento de dados secundários para se

ter um histórico da região, para se saber maiores informações sobre o projeto de

construção da barragem, o número de famílias atingidas e o número de mulheres

que participam do movimento de atingidos.

O histórico da região foi feito através de revisão bibliográfica e através

do Relatório de Controle Ambiental (RCA) e Plano de Controle Ambiental

(PCA) da UHE Fumaça, apresentados pela empresa como cumprimento

obrigatório do processo de licenciamento ambiental, os quais apresentam

diversas informações sobre as localidades atingidas pela construção da usina.

Informações sobre a barragem e o número de famílias atingidas foram

extraídos, inicialmente através dos estudos realizados pela empresa (RCA e

PCA), pois, de acordo com o andamento do processo, estes números variaram

bastante. A partir daí, a principal fonte de informações foram os documentos

emitidos pela organizações dos atingidos e de entidades de assessoria.

O número de mulheres que participam do movimento foi levantado

através de atas da associação, entrevistas com as moradoras da localidade e

observação participante durante as reuniões das organizações dos atingidos.

1.1.4. Observação participante

O método da observação participante utilizado permitiu a observação por

parte da pesquisadora, do pesquisado em seu meio. Pôde-se observá-lo através de

seu olhar (HAGUETTE, 2000), no contato na localidade, na participação das

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reuniões da associação, em conversas durante o tempo que a pesquisadora ficou

na localidade, em atividades como caminhadas de atingidos, encontros regionais,

assistência técnica, encontros e cursos para explicação de EIA/RIMA (Estudos e

Relatórios de Impacto Ambiental) e participação nas Audiências Públicas,

participação no julgamento que liberou a primeira licença no processo de

licenciamento ambiental, o qual será detalhado posteriormente, participação em

reuniões dos atingidos com a empresa. Sendo que foram utilizados

primeiramente os dados já observados nos projetos que foram realizados pela

pesquisadora anteriormente a este estudo, enquanto estudante de agronomia e

como participante de um projeto de assessoria às comunidades atingidas por

barragens na Zona da Mata mineira, desde o ano de 1997. Depois, novas

observações foram feitas durante esta pesquisa, se constituindo em três visitas à

comunidade além da participação em reuniões do Conselho de Atingidos por

barragens na Zona da Mata mineira, que tem sua sede em Ponte Nova e da qual

fazem parte lideranças de atingidos da região e entidades de assessoria, além de

padres que realizam trabalhos com estas populações.

1.1.5. Técnicas utilizadas

Segundo ALTAFIN (s.d.), o Diagnóstico Rápido Participativo é um

processo de aprendizagem, intensivo, sistemático e semi-estruturado, realizado

numa comunidade rural por uma equipe multidisciplinar, a qual inclui pessoas da

comunidade. Pode ser utilizado para a identificação de necessidades, estudos de

viabilidade, identificação de prioridades, monitoria, acompanhamento e

avaliação de projetos.

De acordo com PEREIRA e LITTLE (2000), esta metodologia é

composta por uma conjugação de métodos e técnicas de intervenção participativa

que permite obter informações qualitativas e quantitativas em curto espaço de

tempo.

No caso desta pesquisa, algumas dessas técnicas, como o Mapeamento e

o Diagrama de Venn, foram utilizadas de forma complementar às informações

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obtidas com a observação participante e as entrevistas, com o objetivo de

compreender melhor as definições que mulheres fazem de lugar, terra e território,

os elementos por eles ressaltados, suas percepções em relação à importância das

instituições envolvidas no processo de implementação da barragem, atuação

destas instituições e suas percepções em relação ao processo e conseqüências da

construção da usina em questão. Foram utilizadas as técnicas de Mapeamento,

Diagrama de Venn e Entrevistas Semi-Estruturadas.

a) Mapeamento

O Mapeamento foi utilizado com intuito de caracterizar a percepção que

as mulheres da comunidade fazem de seu espaço de vida e trabalho. A técnica

consiste no desenho do mapa do lugar pelas mulheres que vivem neste espaço,

apresentando a percepção das mudanças ocorridas ao longo da história do lugar.

Dois mapas foram feitos, um deles, de uma época a qual se chamou de antes,

antigamente, que se referia há mais ou menos trinta, quarenta anos atrás e outro

da época atual. Os mapas foram desenhados com giz no chão do salão paroquial

e ali elas colocaram as suas percepções sobre as relações sociais e econômicas

das épocas citadas. Foi solicitado a elas que dissessem como eram as relações

sociais, se os maridos saíam para trabalhar na cidade, como ficavam as relações

na comunidade sem a presença deles, como era a educação das crianças, se elas

freqüentavam a escola ou se iam para a roça trabalhar com os pais, sobre lazer, se

os homens bebiam muito, sobre questões geográficas, onde estava o rio e a

localização das propriedades a partir daí, as árvores o campo de futebol, a Igreja,

o cemitério, os bares e armazéns, sobre as relações de produção, o que

plantavam, onde plantavam e como plantavam. Dois mapas foram construídos

com o intuito de se analisar estes dois momentos vividos pelas atingidas, antes do

processo de construção da barragem e durante o processo, para se identificar as

possíveis mudanças ocorridas após a empresa passar a fazer parte do dia a dia

desta comunidade e também o momento da criação da associação. Construídos

de forma coletiva, foram representadas as relações que as atingidas têm com a

terra, o território e o lugar e suas relações sociais. Para BERGAMASCO et al.

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(1997:43) que estudaram a utilização de mapas para compreenderem as

realidades de assentamentos rurais no Estado de São Paulo, “o mapa é um

elemento de representação e de definição da identidade em um território”.

b) Diagrama de Venn

Os diagramas são uma representação gráfica utilizada simbolicamente

para avaliar a importância e a atuação das instituições na comunidade. Os

diagramas apresentam muita informação, permitem uma análise do conhecimento

coletivo, pois são feitos em grupo, facilitam o diálogo entre pesquisador e

pesquisado e podem ser feitos em qualquer lugar com qualquer material

(CENTRO DE TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS DA ZONA DA MATA DE

MINAS GERAIS - CTA, s.d.). Nesta técnica foram feitos círculos de tamanhos

diferenciados, de acordo com sua importância e colocados em diferentes

distâncias de acordo com sua proximidade e conhecimento das mulheres,

também com giz, onde elas representaram as instituições mais próximas e suas

relações. Foi solicitado a elas que dissessem quais as instituições que faziam

parte da comunidade. Após esta listagem, foi pedido que elas desenhassem o

tamanho e a distância das instituições em relação ao círculo que representava a

comunidade. Os desenhos foram construídos em reunião coletiva, onde as

mulheres expressaram a sua visão em relação às instituições que elas percebem

serem importantes para sua comunidade e o distanciamento ou proximidade, que

diz respeito à maior ou menor atuação daquela instituição.

c) Entrevistas semi-estruturadas

As entrevistas semi-estruturadas são entrevistas que seguem um roteiro

flexível, o qual dá o direcionamento geral da entrevista e também possibilita a

elaboração de questões a partir das respostas das perguntas, possibilitando o

maior detalhamento das informações.

As entrevistas foram realizadas com 22 mulheres. Foram utilizadas para

identificar e analisar o por quê da participação delas no movimento e sua relação

com o processo de construção das barragens. Na identificação das entrevistadas

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os nomes foram modificados por motivo de reserva da identidade das pessoas

envolvidas no processo de construção da usina.

d) Outras fontes

Além do uso das técnicas de DRP já citadas, de entrevistas semi-

estruturadas e da observação participante, utilizou-se também todas as

informações já obtidas durante as atividades de assessoria, e dos levantamentos

já realizados nos dois primeiros anos de trabalho realizados pela pesquisadora

enquanto ainda estudante de agronomia.

Figura 1 - Mulheres atingidas durante a aplicação das técnicas participativas.

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1.1.6. Seleção dos entrevistados

Os entrevistados foram selecionados, através de uma amostra intencional,

de acordo com os seguintes critérios:

a) Ser mulher;

b) Ser moradora da comunidade de Miguel Rodrigues;

c) Ser participante da associação, ou outra organização de atingidos, como

membro e, ou, freqüentadora das reuniões;

d) Ter participado de alguma atividade organizada pelo movimento de atingidos

por Barragens e, ou, entidades de assessoria.

1.1.7. Análise das informações

Para análise das informações coletadas foi utilizada a técnica da

triangulação apresentada por Triviños, que apresenta três etapas: descrição,

depois explicação e finalmente compreensão dos dados. Utilizando-se desta

técnica, verificou-se os “processos e produtos centrados no sujeito”, em seguida

os “elementos produzidos pelo meio do sujeito e que têm incumbência em seu

desempenho na comunidade” e “os processos e produtos originados pela

estrutura sócio-econômica e cultural do macro-organismo social do qual está

inserido o sujeito”, sempre analisando o fenômeno social em um contexto de uma

realidade cultural e histórica.

No primeiro aspecto foram verificados as ações e os comportamentos do

sujeito estudado, no caso as mulheres de Miguel Rodrigues, através de

entrevistas e observação participante, analisando as concepções dessas mulheres

em relação à associação, ao movimento de atingidos e as instituições que cercam

a comunidade e que têm importância para elas, como por exemplo a Igreja.

Em seguida, foram analisados os elementos produzidos pelo meio, que

seriam os documentos representados pelos relatório, atas de reuniões, planos de

negociação, relatórios de impacto ambiental, leis ambientais e tudo que foi

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produzido em relação à barragem e às organizações dos atingidos durante o

processo de construção da usina.

Os processos e produtos originados pela estrutura sócio-econômica e

cultural do macro-organismo social no qual está inserido o sujeito refere-se aos

modos de produção, às relações de produção, à propriedade dos meios de

produção e às posições sociais que ocupam as mulheres atingidas pela barragem

de Fumaça, inseridas numa realidade de pequena produção agrícola e são em sua

maioria meeiras e suas relações sociais e com o meio e as representações que

fazem destas relações, em outras palavras, esta etapa se refere ao referencial

teórico utilizado para compreensão da realidade estudada.

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2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE

CACHOEIRA DA FUMAÇA E A POPULAÇÃO LOCAL

2.1. Origem da comunidade de Miguel Rodrigues e do processo de constru-

ção da barragem

A segunda metade do século XVII no Brasil foi marcada pela entradas e

bandeiras, vindas da capitania de São Vicente, atual Estado de São Paulo, que se

embrenharam no sertão brasileiro em busca de metais preciosos. A história

econômica de Minas Gerais iniciou-se com a exploração de ouro, na fase

conhecida como Ciclo do Ouro. A descoberta de jazidas de ouro em fins do

século XVII, atraiu contingentes de exploradores, induzindo o surgimento de

povoados e vilas e criando condições para a ocupação definitiva de toda a região.

Nesse contexto, a região de Mariana e Ouro Preto desenvolveu-se bastante

devido à exploração deste metal, gerando crescimento da economia interna,

juntamente com a urbanização. Seus arredores também foram explorados,

beirando o Rio Gualaxo do Sul, mas essas expedições não foram igualmente bem

sucedidas devido ao fato do ouro não ser tão farto. Após o seu apogeu, por volta

de 1750, a atividade mineradora entrou em progressivo declínio, sem que

houvesse gerado real expansão econômica na região do Rio Gualaxo do Sul.

(PCA-UHE FUMAÇA, 2000). A exploração do ouro pode ser constatada, tanto

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pelo fato de ainda hoje existir sua exploração na região como pela fala de uma

das entrevistadas:

“Antigamente trabalhava com oro né, eu nem alembro desse tempo mais, o pai

da gente e os avô que deve lembrá” (Atingida, 78 anos).

De acordo com Salomão Vasconcellos, citado no PCA-UHE FUMAÇA

(2000), o grupo de bandeirantes liderado por Miguel Garcia, seguiu rumo ao

ribeirão que hoje é chamado Gualaxo do Sul, em busca de riquezas do cascalho,

e começaram a descer o rio. Na trajetória, foram marcadas posses pelos

integrantes da tropa, nomeadas segundo os acidentes naturais ou com os nomes

dos primeiros que chegaram. Faziam parte da tropa, que contava com 50 homens,

Manuel Garcia Velho, Pedro Pereira Cibrão, Bento Leite da Silva, os irmãos

Jorge e Miguel Mainart, dois irmãos Godo, dois irmãos Gaia, Belchior da Silva

Barvegão, um Magalhães, Miguel Rodrigues Bragança, entre outros.

Na entrevista de Zenilda8, ela fala um pouco da história que ela aprendeu

com os estudos da empresa. O que ela conta é que veio um homem chamado

Miguel Rodrigues para a região e que fundou a localidade, mostrou um crânio

que fica na Igreja, que ela diz ser de Miguel Rodrigues. Ela ainda concluiu

dizendo que ele era branco, porque “esse coco não é de negro”. Zenilda conta:

“Essa não é uma comunidade que é nova, ela tem mais de duzentos anos, mas

só que na época, há uns trinta anos atrás, tinha uma Igreja bonita, uma Igreja histórica que era a identidade da comunidade, mas só que acharam, na época

de D. Oscar que eles não iam ter condição de reformar aquela Igreja, aí eles

jogaram a Igreja no chão aí fizeram essa nova. (...) Ela tinha um sino que tem

uma data escrita, acho que é 1778.”

Segundo SAINT-HILARE (1975), francês que fez expedições ao Brasil

no início do século XIX, inclusive na região das Minas Gerais, a região a qual

hoje faz parte Miguel Rodrigues era povoada por negros, que ele chama de

“gente de cor”, característica que se apresenta até hoje na região. Segundo este

autor, as pessoas do lugar viviam de lavagem de ouro, eram muito pobres e

tinham que trabalhar duro e utilizavam do ouro encontrado para sua

8 O nome Zenilda é um nome fictício assim como todos os nomes utilizados para os(as) entrevistados.

Zenilda é uma liderança na comunidade e sua história será melhor caracterizada posteriormente.

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sobrevivência. Na região, este autor, observou, plantados, couves, bananeiras e

alguns pés de café.

A política de isolamento, imposta à região de exploração de minérios,

nesta época, como forma de exercer maior controle sobre a produção de pedras e

metais preciosos, inibia o desenvolvimento de outra atividade econômica de

exportação, forçando a população a se dedicar às atividades agrícolas de

subsistência. Com o declínio da exploração de ouro, a estagnação econômica

passa a ser superada através da expansão da cafeicultura do Vale do Paraíba,

ocorrendo maior ocupação desta área hoje denominada Zona da Mata mineira. A

introdução da cafeicultura em Minas Gerais ocorreu no início do século XIX.

Localizou-se, inicialmente, na Zona da Mata, onde se difundiu rapidamente,

transformando-se na principal atividade econômica regional e tornando-se agente

de aumento do povoamento e desenvolvimento local (INSTITUTO DE

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL DE MINAS GERAIS - INDI-MG, s.d.).

VALVERDE (1958) relata que a Zona da Mata não conheceu cafezais muito

extensos, nada comparado ao “mar de café” do Estado de São Paulo. O mesmo

autor diz que nesta época plantavam-se culturas intercaladas com o cafezal ainda

novo, como arroz, feijão e milho. VALVERDE (1958:31) define as paisagens da

Zona da Mata no século XIX:

“Nos morros e encostas mais altas ficava a floresta; nas vertentes inferiores o café, isolado quando adulto e com culturas intercalares quando novo; nos

vales, pastos, fazendas, currais, etc., paisagem humanizada, enfim”.

Ainda segundo Valverde, muitos escravos existiam na Zona da Mata

mineira, pois esta era a região mais próspera do Estado. Com a proibição do

tráfico negreiro e o problema da falta de mão-de-obra, novas relações de

produção começam a surgir como a meação e a diária, constituindo, assim o

regime de parceria. As lavouras mais exploradas por este tipo de regime, são as

de milho, arroz e cana-de-açúcar. As relações de parceria podem ser observadas

até hoje na região onde se localiza Miguel Rodrigues, sendo as lavouras mais

importantes as de milho, arroz e feijão.

A localidade de Miguel Rodrigues, que tem na parceria a principal

relação social de produção, faz parte do município de Diogo de Vasconcelos,

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cujo nome é uma homenagem a Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos, grande

jurisconsulto, historiador e escritor que, apesar de ter nascido em Portugal, muito

engrandeceu a cidade de Mariana, onde morou de 1785 a 1812 (PCA-UHE

FUMAÇA, 2000).

Atualmente, a principal atividade é a agricultura, embora o garimpo

exista na região. A produção familiar é dominante nesta localidade. A criação de

animais é bastante reduzida e é para a subsistência; frango para carne e ovos;

porco, que está diminuindo devido às mudanças de hábitos alimentares com

redução de gordura, e às vezes, uma vaca para o leite. Não se cria gado porque as

propriedades são muito pequenas, onde, a maioria é meeiro, ou seja, não plantam

nas suas terras. Nos arredores das casas há sempre uma horta, um pequeno

galinheiro, frutas e em muitas delas também existem plantas medicinais.

Figura 2 - Casa de uma das atingidas, destacando-se o fogão a lenha que é o meio

principal na preparação dos alimentos para as famílias da comunidade.

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2.2. Impactos sócio-econômicos e culturais referentes à construção de hidre-

létricas

A história do Setor Elétrico no Brasil é uma história de “crise”. O

inchaço populacional das grandes cidades, na década de 70, foi causado,

principalmente, pela migração de famílias, expropriadas de suas terras, que a

partir do processo de modernização da agricultura, passaram a buscar melhores

condições de vida devido à crescente precarização das relações de trabalho no

meio rural, acarretando a aceleração do processo de urbanização dos grandes

centros urbanos, que gerou maior demanda de energia. O rápido processo de

industrialização também ampliou o consumo, exigindo maior produção de

energia elétrica, especialmente porque as indústrias implantadas no Brasil foram

as eletro-intensivas9, destacando-se as indústrias de alumínio.

A urbanização desordenada, a industrialização acelerada e a falta de

políticas de longo prazo - racionalização do consumo de energia, combate ao

desperdício, buscas de formas alternativas de energia - levaram o Setor Elétrico

(SE) a solicitar financiamento no exterior (Banco Interamericano de

Desenvolvimento - BID e Banco Mundial - BIRD) para a construção de grandes

usinas hidrelétricas, dentro das políticas governamentais de desenvolvimento do

país através de financiamento externo (VIANNA, 1989).

É importante destacar que já na primeira regulamentação federal de

geração de energia elétrica (o Código das Águas, 1934) existia a preocupação

com as modificações ambientais de degradação provocadas pela geração de

energia elétrica. A população local, a mais afetada pelos empreendimentos, fazia

parte do item intitulado questões ambientais dos Estudos de Impacto Ambiental.

No entanto, esta preocupação ficou somente no papel, não passando de letra

morta da lei.

Somente a partir da década de 70 é que as questões ambientais

mereceram maior atenção do Setor Elétrico e do Estado, quando a pressão dos

9 Indústrias que utilizam grande quantidade de energia elétrica para sua produção, como é o caso das

fábricas de alumínio, fábricas de automóveis, etc.

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movimentos ecológicos, os protestos de populações atingidas por barragens e da

opinião pública - devido aos impactos ambientais causados pelas grandes

barragens - começaram a interferir na captação de recursos financeiros para os

empreendimentos. As grandes barragens construídas nesta época, como as de

Itaipu, Itaparica e Sobradinho expulsaram, juntas, milhares de pessoas,

inundando grandes extensões de terras e destruindo ecossistemas naturais

(VIANNA, 1989).

Figura 3 - Desvio do rio nas obras de construção da UHE Fumaça. Exemplo de

impacto que a construção de uma hidrelétrica pode causar.

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Na década de 80, a luta das populações pelos seus direitos e os protestos

contra a construção de barragens culminou, em 1989, no Movimento Nacional de

Atingidos por Barragens (MAB).

Nos anos 90, o governo brasileiro estabeleceu as diretrizes de ação do

Setor Elétrico, criando o Plano Nacional de Energia Elétrica, ou Plano 2015, o

qual permite/incentiva a participação de empresas privadas no processo de

construção de Usinas Hidrelétricas (UHE). A privatização do Setor Elétrico

surgiu devido às dificuldades das empresas estatais de obterem recursos para

investimento na geração de energia elétrica. O Plano 2015 incorpora as

necessidades de energia determinadas pela ampliação do setor industrial eletro-

intensivo brasileiro, sem colocar em discussão se esse modelo é o mais adequado

aos interesses da sociedade brasileira (CONSELHO REGIONAL DE

ATINGIDOS POR BARRAGENS DO RIO GRANDE DO SUL - CRAB, 1995).

Atualmente, para se construir uma usina hidrelétrica, o projeto deve

passar por um processo de licenciamento ambiental, onde os órgãos ambientais

do governo do Estado, COPAM e FEAM, no caso de Minas Gerais, liberam três

licenças até que o projeto seja construído e a usina comece a funcionar. Segundo

a lei 6.938/81, art. 10:

“a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e

atividades utilizadas de recursos ambientais, consideradas efetiva ou

potencialmente poluidoras, bem como as capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão

estadual competente, integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente

(SISNAMA) sem prejuízos de outras licenças exigíveis”.

As usinas hidrelétricas enquadram-se neste artigo. São três as licenças

emitidas pelos órgãos ambientais:

Licença Prévia: para a fase preliminar do planejamento, descreve a

localização, instalação e operação da obra;

Licença de Instalação: permite a instalação da obra;

Licença de Operação: autoriza o início da atividade licenciada, no caso das

usinas hidrelétricas é um autorização para que se fechem as comportas, se

forme o lago e para que a usina comece a gerar energia.

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Para que a primeira licença seja liberada é necessário que a empresa

requerente da obra faça um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), da região, que

descreve os impactos causados pela construção da usina hidrelétrica. A definição

de impacto é feita pela resolução 001/86 do CONAMA, Conselho Nacional de

Meio Ambiente:

“Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das

atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança

e o bem estar da população; as atividades sociais e econômicas; as biotas; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos

ambientais.”

Após este estudo, a empresa deverá fazer um Relatório de Impacto

Ambiental que, na prática, é um resumo do EIA. Quando a hidrelétrica a ser

construída gerar até 10MW ao invés de EIA será feito um RCA que é um

Relatório de Controle Ambiental, com as mesmas características do EIA, mas

apenas em menores proporções, o que não significa menores impactos. A

empresa requerente da obra deve apresentar este estudo aos órgãos ambientais

estaduais. A FEAM tem uma função mais técnica no processo, avalia mais as

questões técnicas relacionadas à obra, já o COPAM analisa mais as questões

políticas. A apresentação deste RIMA pode ser feita através de uma Audiência

Pública, onde a população local tem direito a voz. Nesta Audiência, a população

atingida utiliza o seu espaço da forma que desejar, falando ela mesma ou

nomeando representantes como padres, assessores, lideranças de movimentos,

colocando a sua opinião em relação ao EIA/RIMA e em relação à construção da

usina. A Audiência é geralmente presidida pela FEAM, e é filmada, registrada. A

FEAM e o COPAM se reúnem analisando todos os dados obtidos até esta fase do

processo, os EIA/RIMA ou RCA, o registro da Audiência Pública, informações

coletadas em visitas à região e conversas com a população local. A FEAM deve

dar um parecer técnico dizendo se recomenda ou não que seja dada a Licença

Prévia. Este parecer é analisado pelo COPAM e este decide se vai liberar ou não

a licença. Os órgãos ambientais podem emitir um relatório contendo

condicionantes que devem ser incorporados ao RIMA e cumpridos pela empresa

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para diminuição dos impactos da obra ou de algum problema técnico, que é o que

geralmente ocorre.

Após esta fase, a empresa requerente da construção passa a fazer um

PCA que é um Plano de Controle Ambiental, descrevendo o que será feito para

diminuir os impactos negativos da barragem. Para cada impacto deve haver um

programa, um plano específico detalhando quem fará este programa, o que será

feito, quanto custará, em termos de obras e atividades sociais ou se vai haver a

reconstrução de algum patrimônio que será afetado pelo lago como escolas,

igrejas, cemitérios, etc. e informar como serão as negociações com a população

local. Este plano passa por um novo julgamento dos órgão ambientais para que

seja emitido um parecer técnico indicando se a segunda licença é recomendada

ou não, também com a possibilidade de se apresentarem condicionantes. Se

aprovado, será liberada a Licença de Instalação. Nesta fase, a empresa começa a

construção da barragem. Após o cumprimento de todo o PCA e as condicionantes

apontadas pela FEAM e COPAM, estes dão o parecer liberando ou não a terceira

e última licença, a Licença de Operação, que é a autorização para se fechar as

comportas, encher o lago e para a usina começar a funcionar.

Diante dos conflitos, conseqüências das políticas energéticas nos últimos

anos, o Setor Elétrico mostrou-se mais sensível às lutas do movimento de

atingidos, mas “continuam a existir lacunas entre a visão técnica institucional e a

visão das populações locais” (ROTHMAN, 1997:7). Um dos pressupostos

básicos do trabalho de Rothman foi o de que a assimetria nas relações de poder

com as populações atingidas deve aumentar tendo em vista a participação de

empresas privadas no processo de construção de UHE, o que pode ocasionar em

aumento do conflito.

O projeto hidrelétrico chega às populações locais como uma exigência do

desenvolvimento nacional que se mostrou, nas últimas décadas, concentrador de

terras e excludente, tanto social quanto politicamente. A entrada de empresas

privadas no processo intensificou-se após o “Plano 2015”. Geralmente, são

grandes empresas montadoras de automóveis, fábricas de alumínio (vale salientar

que estas observações dizem respeito à Zona da Mata mineira), que estão

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interessadas em energia para funcionamento de seus estabelecimentos, sendo as

questões sociais, culturais e ambientais locais deixadas de lado e tratadas como

meros obstáculos a serem superados para realização do “empreendimento”. O

importante para estes “empreendedores” é a efetivação rápida do projeto a

menores custos possíveis. Esta relação empresa/atingido pode ser confirmada no

depoimento desta atingida:

“A terra eles negociou, a terra e a casa. Nós já ligamo e tamo correndo atrás

porque tem plantação, tem laranja, horta, tem galinheiro, tem paiol, isso tudo ficou pra trás e isso tudo tem que ser pago, né. Eles vieram, mediram e tiraram

retrato de tudo, mas não foi pago. Inclusive antes de receber e tudo, a gente

ligou pro cara vim aqui pra gente conversar com ele aqui, nem aqui ele

aparece” (atingida pela UHE Fumaça).

Para o Setor Elétrico e as empresas privadas, o que importa é a relação

custo/benefício de seu empreendimento. Para a população que sofrerá os

impactos, a lógica é diferente. Preocupam-se com seu destino, de suas terras, de

sua comunidade, de sua família, e de sua região. Os benefícios possíveis, se é que

existem, são vagos, indeterminados; os efeitos negativos são concretos,

imediatos.

A desinformação constitui em uma das armas principais para as empresas

do Setor Elétrico. A sonegação de informações sobre o empreendimento são

realizados com o propósito de facilitar o ingresso da empresa na região e

proporcionar que o empreendimento seja realizado com rapidez e a baixos custos

(SANTOS e LOPES, 1999). A fala de uma atingida de Miguel Rodrigues mostra

esta desinformação por parte das populações atingidas, além de a empresa não se

esforçar para mudar este quadro. O mapa em questão se refere às áreas que serão

tomadas pelo lago:

“Aí a gente pediu pra eles mandar alguém pra vir, porque pelo mapa a gente não entende nada não. Principalmente a gente que não tem tanto estudo, vai

entender do mapa? A gente não entende, eles mostraram o mapa, mas a gente

não entende. Melhor vir cá na propriedade pra ver. Depois, o mapa fala uma coisa, depois quando vai ver acontece totalmente diferente” (atingida pela

UHE Fumaça).

A relação entre empresas e atingidos torna-se conflituosa. De um lado, as

empresas não costumam pagar o valor real das propriedades das populações

obrigadas a venderem suas terras, quando aprovado o projeto pelo governo

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estadual. De outro, os atingidos colocam-se, quase sempre, contra a construção

de barragens, pois estas lhes causam danos culturais, econômicos, sociais e

ambientais. Obrigados a saírem, desestruturam-se culturalmente, sua comunidade

se desfaz, perdem sua história. Dizem as atingidas de Miguel Rodrigues, Bicas e

Macuco sobre os impactos causados pela construção da barragem.

Figura 4 - Cachoeira da Fumaça que irá secar após a construção da barragem.

Em relação à chegada de pessoas de outras localidades na comunidade:

E pra sair também, né. Porque hoje a gente é livre, a gente sai, vai aonde a

gente quer. Quando sair a barragem, vai ficar mais preso, não vai ter jeito sair igual a gente sai aqui não” (atingida de Miguel Rodrigues).

“...traz pessoa boa, pessoa ruim que nós nem sabe, nós não vamo tê liberdade de ficá andando assim à vontade, igual a gente era, né. E aqui nós vamo pra

todo lado aqui, nós vamo sozinha ou com um menino e depois que entrá essa

barragem aí nós não vamo podê ficá à vontade igual nós era, não. Tem que ficá

sempre mais quieto em casa, que não vamo podê ter liberdade mais não” (atingida de Miguel Rodrigues).

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Figura 5 - Local de construção do eixo da barragem antes de se começarem as

obras.

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Figura 6 - Local do eixo da barragem com as obras já iniciadas.

Em relação à perda das relações de parentesco e vizinhança:

“Satisfeita a gente não tá não, pra falar a verdade, a gente se pega no que é da

gente, pra depois sair empurrado, não é boa coisa, né? Como que a gente vai

fazer, tem muita gente que tem nem aonde colocar, de fazer casa, ainda não tem

nada arrumado ainda, né? Se tivesse tudo organizado...”(atingida de Bicas).

“Acho que não ia ser boa, uma coisa que vai prejudicar a gente e muitas

famílias, não vai ser bom nada. Já sabia que não ia ser bom não. Às veiz a pessoa tá sossegada no seu canto, né, agora, quantas família tem que mudar,

não é bom, tira o sossego de todo mundo.”(atingida de Miguel Rodrigues).

Em relação às doenças:

“Acho que é sobre o perigo que vai ter, né. As doenças que vai dar, as

crianças, então a gente acha que vai ser muito difícil esta barragem” (atingida

do Macuco).

“A gente fica sabendo que vai trazê muita, sei lá, diz que vai trazê muita assim,

pode trazê assim, doença, pra nós sobre a barragem...” (atingida de Miguel

Rodrigues).

“De ruim, igual eu falei, vai trazer doença...” (atingida de MR).

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As questões relativas às doenças são preocupações colocadas pelas

próprias empresas. No RCA (Relatório de Controle Ambiental) da UHE Fumaça

estas questões são explicitadas:

“A persistência das atuais condições relativas ao saneamento básico, em que a bacia hidrográfica é o receptor principal dos dejetos sanitários, deverá fazer

com que a represa também funcione como depósito de poluentes ambientais

nocivos à saúde. Tal situação poderá propiciar, a médio e longo prazo, as

condições necessárias para o desenvolvimento de doenças infecto-parasitárias tais como hepatite, esquistossomose, amebíase e outras entero-infecções.

Também as modificações do leito do rio a jusante (abaixo da barragem), com a

diminuição do volume de água, podem gerar ambientes propícios para o desenvolvimento de larvas de mosquitos e caramujos (259:1998).”

Em relação às dificuldades criadas com a construção do lago:

“Vai ficar mais distante ainda de Miguel Rodrigues, não vai ter pinguela aqui, vamos ter que dar a volta lá embaixo. Não tem como fazer ponte aqui. Daqui,

10minutos, 15 minutos nós estamos em Miguel Rodrigues e depois que fizer a

barragem vamos levar uma hora até Miguel Rodrigues. Se precisar de

telefonar, vamos ter que gastar uma hora até lá pra ligar” (atingida de Bicas).

“...e também, se a gente sair daqui, com essa barragem, como aqui é no arto,

eu tenho mais medo de criança. As veiz eles pega, desce aí. Menino, sabe como menino é. Às vezes junta essas meninada aí e fala aí "ah, não desce lá

embaixo", depois pega e vai lá pra baixo, a gente não vê, né. Eu tenho mais

medo por isso, eu tenho mais medo das criança, né, que pode descer lá pra baixo e ter perigo, né, de cair na água. Mais medo é esse” (atingida de Miguel

Rodrigues).

As empresas utilizam o discurso de que vão trazer o progresso,

desenvolvimento e aumento de empregos para a região. Estes empregos, em sua

maioria, são temporários, apenas necessários para a construção do projeto, e os

trabalhadores, em geral, são originários de outras regiões, o que tem contribuído

para o aumento da violência na localidade, fato já observado em outras áreas de

construção de hidrelétricas, inclusive na região estudada10

Após a aprovação do

projeto de construção das barragens e feitas todas as negociações ou pagamentos

de indenizações, a população local é obrigada a se deslocar. A alternativa para

muitos dos pequenos agricultores tem sido a migração para as cidades, onde

10 Foi observado durante os trabalhos de pesquisa e extensão já citados, problemas de violência por parte

da empresa interessada na construção da barragem de UHE Cachoeira do Emboque, onde a empresa

retirou o telhado da casa de uma senhora, viúva, obrigando-a a sair. Esta senhora, já na casa nova

construída pela empresa, na mesma comunidade, veio a falecer, não presenciando nem mesmo o

término da obra. Além dos problemas relacionados com os trabalhadores de fora que chegam para a

construção da usina, provocando conflitos com a população local.

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vivem, freqüentemente, em situações precárias de pobreza, violência e

desemprego (SANTOS e LOPES, 1999).

Figura 7 - Pinguela que vai ser inundada após enchido o lago.

Um estudo realizado com migrações de populações ribeirinhas de Ilha

Comprida no Mato Grosso do Sul, decorrentes da construção de uma barragem,

mostra como a questão da migração forçada é vista por esta população. Para eles,

a migração é entendida como uma forma de violência, produz um

desenraizamento, pois obriga a sair de suas terras quem não tem motivos para

isto. Migrar significa perda do cotidiano, do local onde se pensou ter encontrado

o lugar para viver com a família e depois ser enterrado, significa perda dos

vínculos sociais. Migração, neste contexto, não se define simplesmente por uma

mudança de lugar, mas uma forma de mobilidade social, ou seja, modificação das

condições de vida (CONSULTORIA EM POLÍTICAS PÚBLICAS - CPP, 2001).

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As empresas construtoras obrigadas a fazerem um Estudo e Relatório de

Impacto Ambiental necessários para o processo de licenciamento ambiental, para

futura aprovação da construção, desvalorizam os produtores da região, assim

como a agricultura praticada por eles. Colocam a agricultura familiar como

irrelevante, onde sua função é de apenas manter a subsistência da família. Não

percebem a importância desta agricultura como mantenedora do homem no

campo, de sua qualidade de vida e de sua importância social. O acesso à terra,

aliada às formas de reciprocidade (relação de alianças, compadrios, parentesco,

trocas de bens materiais e de trabalho) garantem a reprodução social dos

produtores dentro de sua própria lógica e estilo de vida. As empresas, conforme

se observa em seus Relatórios, desqualificam a agricultura por eles praticada com

o intuito diminuir os valores das indenizações das terras que serão ocupadas

pelas águas da usina hidrelétrica. Garantem, assim, um custo menor geral da obra

(SANTOS e LOPES, 1999).

Segundo SIGAUD (s.d.), os EIA/RIMA enfatizam as más condições

atuais da produção agrícola e qualidade de vida da população para, desta forma,

enaltecer os benefícios das barragens. Tipicamente usam o discurso político de

“vamos tirar o povo do atraso”.

Tais observações podem facilmente ser verificadas nos Relatórios e

Estudos elaborados pelas empresas. No Estudo e Relatório da UHE de Pilar, que

atinge 133 famílias dos Municípios de Ponte Nova e Guaraciaba, as terras são

classificadas como terras da pior qualidade onde se pratica agricultura em apenas

alguns locais mais nobres. Enfatizam também o baixo nível tecnológico,

caracterizando uma unidade produtiva sem grande importância econômica.

CARDOSO e JUCKSCH (1997), ao avaliarem este relatório, concluem que a

agricultura citada apresenta características que a torna eficiente na

manutenção/reprodução dos agricultores e na sua qualidade de vida, e que ao

contrário de estagnada, a peculiaridade dessa agricultura garante a eficiência na

utilização e convivência com os recursos naturais e a resistência a um modelo de

agricultura não adequado às suas condições. Isso não significa que não haja

necessidade de melhorar a vida dos moradores da região, mas qualquer iniciativa

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neste sentido só pode ser vislumbrada respeitando os valores, as tradições

familiares, suas visões e concepções de mundo bem como a preservação da

comunidade e da região como tal.

ROTHMAN e LOPES (1997) ressaltam, em estudo sobre relatório da

UHE Pilar, a descrição muito limitada, no tocante às atividades produtivas das

mulheres. O procedimento metodológico para o estudo das relações sociais dos

produtores, realizado pela empresa construtora, informa sobre as posições que

homens e mulheres deveriam ocupar. Idealizam uma organização de gênero

distinta da que ocorre efetivamente. Assim, desconsideram a lógica que organiza

as relações de gênero no contexto da agricultura familiar. Espaço este marcado

pela complementaridade dos trabalhos feminino e masculino, o que garante a

reprodução biológica e social da unidade produtiva - economia familiar - de

forma muito específica, o que exige estudos muito mais aprofundados do que os

apresentados pelos EIA/RIMA.

O risco de se tomar modelos de divisão sexual de outros segmentos para

a realidade rural é destacado por ROTHMAN e LOPES (1997). Várias análises

apontam para a existência de uma flexibilidade do trabalho masculino e

feminino, quando se trata de agricultura de autoconsumo11

. As análises contidas

nos EIA/RIMA, demonstram a subestimação e desvalorização do trabalho

produtivo das mulheres. Segundo o EIA (UHE PILAR, 1996:163): “as mulheres,

quando jovens, ajudam os maridos na lavoura, e quando mais velhas, fazem o

trabalho de casa, levam comida para os maridos na roça e fazem os queijos a

serem vendidos”. Percebe-se, pois, a classificação do trabalho feminino

considerado como “ajuda” quando jovens e a atividade de fazer/levar comida na

roça bem como fazer queijo, tidos como um trabalho menor. Além disso, não

reconhecem o trabalho de criação de animais e nem o trabalho na própria lavoura

que, segundo as mulheres da região, acontece em momentos de necessidade,

11 Ver sobre estas questões PAULILO (1989) “O Peso do Trabalho Leve” e LOPES (1983) em

“Redefinição Social do Papel da Mulher na Economia Doméstica: da Família Camponesa à Família

Assalariada”.

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onde nem a idade, nem a presença de filhos menores são impedimentos para o

trabalho agrícola.

Utilizando-se de um modelo de modernização agrícola, estes estudos

minimizam o trabalho da mulher na manutenção econômica e sobrevivência da

organização familiar de produção, quando se sabe que as atividades

desenvolvidas pelas mulheres, nessa esfera, tornam-se recursos fundamentais

para a organização e dinâmica da propriedade. Para além das atividades

econômicas, as agricultoras realizam várias tarefas simultaneamente, vivenciando

uma dupla jornada de trabalho, pois as funções de cuidar da casa e da

criação/socialização dos filhos são atribuições “naturalmente” designadas às

mulheres (SCHAAF, 1998).

2.3. Atingidos por barragens: categoria social e analítica

Para se fazer uma melhor análise deste item, primeiramente, será feita

uma definição da categoria atingido com o objetivo de se delimitar melhor este

participante do processo de construção de uma barragem. Para RIBEIRO

(1993:298):

“O termo atingido se assume como sujeito político de um processo em que defendem seu modo de vida próprio em contraposição a outras concepções de

ocupação daquele espaço agrário e de sua utilização social”.

Este mesmo autor diz que o termo surgiu inicialmente em documentos do

Setor Elétrico e da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (CEMIG)

para caracterizar o produtor morador da área onde seria construída a barragem, os

quais sofreriam seus impactos. O Movimento Regional de Atingidos por

Barragens do Rio Grande do Sul se apropriou do termo para assim identificar seu

movimento e o disseminou no I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos

por Barragens em 1989.

Ricardo Ribeiro, em estudo de casos de construção de barragens no Vale

do Jequitinhonha pela CEMIG, especialmente Machado Mineiro, Setúbal,

Calhauzinho e Salinas, mostra a representação que os atingidos fazem da terra

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através do depoimento de um trabalhador atingido pela barragem de Setúbal, que

foi construída no início da década de 90:

“Eu pelo menos posso até sair da minha terra, porque eu não sei, né, mas

disposto à venda não (...). Porque não tinha ela pra negócio, era onde a gente

tira o pão dos filho, não tem ela pra negócio. Uma comparação, chega um companheiro em casa: „Quanto você quer no seu terreno?‟ Não tem dinheiro,

porque pra mim não tem nada que paga, né. Numa comparação, pode falar que

me dá um prédio na cidade, pra mim não serve, porque eu sei é trabalhar na roça, eu não sei movimentar na cidade" (RIBEIRO, 1993:216).

RIBEIRO (1993:242) analisa a fala deste atingido:

“Ao valor „econômico‟ ou „real‟ (quantificável) daqueles bens, acrescenta-se,

pois, um valor simbólico (não quantificável) daquela terra e do espaço socialmente construído naquele território (a sua comunidade). Haveria assim,

perdas sociais irrecuperáveis, como dizem os camponeses: „que não há

dinheiro que pague‟”.

Para RIBEIRO (1993:242), os bens a serem perdidos com a construção

da barragem não são apenas bens de troca ou bens de uso, possuem um conjunto

de significados a eles relacionados que “remetem a toda uma existência de

gerações que ali viveram, ajudaram a construí-los e se utilizaram deles”. Esta

análise do autor também é evidenciada na fala de um atingido pela barragem de

Machado Mineiro:

“Esses mais véio, esses pai de família véio, que tinha seus quintal, suas casa,

suas moradia que eles tinha muito amor aquelas moradia, que mudou,

morreram, morreram de saudade" (RIBEIRO, 1993:243).

O conteúdo desses depoimentos também é observada na fala das

mulheres, em estudo realizado anteriormente pela pesquisadora nas barragens de

Pilar e Cachoeira da Providência, nos municípios de Guaraciaba e Pedra do Anta

respectivamente, na Zona da Mata mineira. As mulheres consideram a terra como

espaço de criação e educação dos filhos e também onde se dão as relações de

parentesco e de amizade, sendo que geralmente o espaço feminino nessas

realidades de pequena produção familiar se dá nos arredores da casa, no ambiente

doméstico.

A definição dessa categoria, atingido, é feita de forma diferenciada pelos

interessados na construção da barragem. Para eles, a terra é um bem material a

ser adquirido para fins puramente econômicos, o que causa um conflito com a

visão dos atingidos, onde os interessados pela barragem não valorizam,

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minimizam e não levam em consideração nos projetos, as representações que

estas populações fazem de suas terras e de seu espaço, o que já foi evidenciado

no capítulo anterior sobre os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental feitos

por estas empresas.

A visão de um atingido diante dos impactos causados pela construção de

uma usina hidrelétrica é observada no poema de Geraldo Pinto Moreira, atingido

pela barragem de Pilar no município de Guaraciaba, também Zona da Mata de

Minas Gerais, que teve o projeto indeferido em 1999. Este poema foi escrito

durante o processo de licenciamento ambiental da UHE Pilar, antes de seu

indeferimento.

“Não sou poeta Competência não tem pra ser

Algumas verdades tenho a dizer.

É das nossas casa brancas com matos verdes Onde podemos plantar e colher

Pelas suas janelas apreciamos a beleza dos rios

E assistimos o sol nascer.

Os terreiros floridos

São verdadeiros jardins Eu falo que nossas vidas

São mais ou menos assim.

Convivemos com todos E também com as flores

Pena que projeto de barragem

Nos provoca muitas dores.

Não falo com sábio

São palavras tiradas bem do fundo Eu falo é dali

Daquele pedacinho de mundo.

Se homens estranhos não dão valor

Por todos nós ele é amado Difícil demais nos conformar

Pra ver aquilo inundado.

É só olhar nos atingidos Vê o sinal de tristeza

Construir barragem destroi nossas vidas

E enriquece a empresa”.

Neste poema percebe-se a relação que este atingido tem com seu

território a relação de lugar e de identidade que ele estabelece com o lugar onde

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vive. E os impactos e as mudanças que a empresa traz com a construção da

barragem.

2.4. O processo de construção da Hidrelétrica Cachoeira da Fumaça e as

mulheres atingidas

A hidrelétrica de Cachoeira da Fumaça será uma usina que se enquadra

nas características das usinas presentes no Projeto 2015 do governo federal, uma

hidrelétrica de pequena potência e que tem a iniciativa privada como requerente

da obra. A UHE Fumaça será construída pela empresa de alumínio ALCAN, uma

multinacional que tem vários projetos de barragens na Zona da Mata mineira.

Sua potência será inferior a 10 MW, atingindo os municípios de Mariana e Diogo

de Vasconcelos no Estado de Minas Gerais. O rio a ser represado é o Gualaxo do

Sul, na Bacia do Rio Doce.

Boatos sobre a possível construção de barragens na região começaram a

circular desde a década de 60, com a realização dos estudos do Inventário de

Construção de Barragens na Bacia do Alto Rio Doce (ROTHMAN, 1999). No

início da década de 60, foi concedido financiamento pelo Banco Mundial de 2,5

milhões de dólares para estudos de localidades potenciais para a construção de

usinas hidrelétricas na região Sudeste. Estes estudos foram elaborados por uma

empresa canadense, conhecidos como estudos CANAMBRA (Consórcio

Canadá-Brasil) que se ligava ao Estado através do Comitê Coordenador de

Estudos Energéticos da Região Centro-Sul, do Ministério das Minas e Energia

(VIANNA, 1989). Ainda segundo este autor, este inventário se caracteriza por:

“Determinar o potencial de produção de energia elétrica da bacia de um rio. Estabelece os possíveis locais para a construção de barragens (eixo) e estima

os custos de cada barragem e usina” (p. 14).

Em meados de 1997, a ALCAN faz estudos na região com a pretensão de

construir a Usina Hidrelétrica de Cachoeira da Fumaça. Para isto ela fez o

Relatório de Controle Ambiental (RCA), onde foram levantadas questões

ambientais, econômicas, culturais e sociais da região, além de uma análise

técnica referente à obra.

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Figura 8 - Localização do município de Diogo de Vasconcelos na microrregião

de Ouro Preto e no Estado de Minas Gerais.

Inicialmente, a população atingida foi receptível às empresas. Não

imaginavam que a usina seria realmente construída, porque já se ouvia falar de

barragem, desde muitos anos atrás, e nada de concreto havia acontecido, como

fica evidenciado nas falas destas atingidas de Miguel Rodrigues:

“Eu achei que ela não ia sair, que ela não ia acontecer, mas só que pelo jeito

que tá, ela vai trazer mais coisa ruim do que boa.”

“Aí começou essa coisa aí, começa a aparecer umas pessoas aqui falando o

que era, que ia pedir licença "a Sra. me dá licença pra eu colocar uma marca ali em baixo", mas estava meio assim, não estava assim bem consciente de nada

e deixava o pessoal entrar.”

“Não, só falava assim: 'A Sra. me dá licença pra eu colocar uma marca ali em

baixo', mas a gente não pensava que ia acontecer, que ia sair barragem. A

gente ouvia falar em barragem, isso já é antigo já, tem muitos anos, tem mais

de 50 anos já...”

“É, de barragem, eles falam, o pessoal mais velho fala. A gente não acreditava

não que ia ter barragem nada, a gente ficava deixando eles medir e deixava entrar, pegava a chave pra eles lá, pro trabalhador da ALCAN porque aqui

tinha um portão, aí nóis ia lá e abria lá, aí todo mundo aceitava. Eu acho

assim, que eles invadiram, que foi invadindo, eles chegaram com duas

conversinha, e o pessoal simples, e aproveitaram da simplicidade e entraram, mediram, colocaram marca.”‟

“Porque quando a minha mãe era viva, ela falava, né, ela falava que ia ter uma barragem por aqui, né. 50 anos atrás, muitos anos atrás. (...) Então minha mãe

falava porque tinha uma placa dentro do terreno da minha mãe, minha ,mãe

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morava na frente da minha casa, então eles falava, mas achava que não ia

acontecer.”

Alguns atingidos tiveram papel importante na fase inicial do processo de

construção da barragem Entre eles, Zenilda, que já era uma liderança na

comunidade, pois era Ministra da Eucaristia e Coordenadora da Comunidade, e

Carlos, um "forasteiro" que veio do Nordeste do país para Minas Gerais atingido

pela barragem de Itaparica. Eles buscaram informações sobre o processo de

construção da barragem, assessorados por um padre da Arquidiocese de Mariana,

e começaram a participar de encontros, manifestações e a convidar entidades

envolvidas na assessoria às comunidades atingidas, principalmente a Comissão

Pastoral da Terra (CPT) e também estudantes da Universidade Federal de Viçosa.

Em novembro de 1997 foi criada a Associação dos Moradores Atingidos

pela UHE Fumaça (AMABAF), que foi o principal elo de comunicação entre os

atingidos e a ALCAN. As duas principais lideranças dos atingidos de Miguel

Rodrigues (Carlos e Zenilda) entraram na associação, ele como presidente, ela

como secretária. A associação, reconhecida pela FEAM como legítima

representante dos atingidos, é que intermediava as negociações entre atingidos e

empresa, com o apoio de entidades de assessoria, se destacando a Comissão

Pastoral da Terra (CPT), um padre, coordenador da Pastoral Mariana Leste, e

estudantes e professores da Universidade Federal de Viçosa, os quais fazem parte

de um projeto de assessoria às comunidades atingidas por barragens na Zona da

Mata mineira.

A Audiência Pública, ocorrida em 1998, foi realizada na Igreja, na

localidade de Miguel Rodrigues, e foi presidida pela FEAM. A Audiência foi

dividida em partes onde a empresa concessionária teve espaço para apresentar o

RCA e a comunidade e quem mais ela quis compartilhar o tempo, puderam se

manifestar. Este tipo de Audiência foi criado com um intuito de se ter um debate

ambiental, social, econômico e político referente à possibilidade de construção da

usina hidrelétrica para se analisar a sua viabilidade. Mas não é isso que ocorre; na

prática, a empresa assume uma postura de que a obra vai ser construída e

apresenta as questões técnicas desta construção. As várias posturas da empresa,

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buscando implementar o seu projeto, dos governos municipais, que defendem

claramente os interesses da empresa e dos órgãos ambientais, que buscam

amenizar os impactos negativos do projeto, deixam a população atingida numa

situação totalmente desfavorável. Nesse contexto, restam-lhe poucas opções: ou a

comunidade se resigna, entendendo o projeto como um fato dado e irreversível,

buscando reivindicar alguns benefícios em forma de compensações para a

comunidade; ou reage e, nesse caso, não podendo atuar sozinha na resolução de

um problema novo e tão complexo, não contando com o apoio efetivo do Estado

e não dispondo de dinheiro para contratar assessores, contam apenas com o

trabalho voluntário de pessoas e, ou, entidades que apoiam a sua luta. A visão

que impera no relatório é a da empresa, ou seja, a viabilização da obra sem

grandes preocupações com os impactos sociais, econômicos, culturais e

ambientais que ela pode gerar. A empresa, ao desqualificar a participação da

comunidade local, fez com que as pessoas da localidade de Miguel Rodrigues,

guiadas por suas lideranças e pelos assessores, buscassem contatos e assessorias

para entenderem o Relatório de Controle Ambiental e suas questões técnicas. A

assessoria é destacada nas falas das atingidas:

“Mais foi o pessoal de Viçosa (NACAB-Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens), Pd. Claret, Leonardo de Viçosa. A gente aprendeu

mais coisa com o pessoal de Viçosa, Sônia e João (CPT) começaram a vir pra

cá aí o pessoal de Viçosa e o Léo passavam bastante informação também pra

gente, pra comunidade, pra reunir a comunidade, fazer aquelas dinâmicas, aí eu aprendi alguma coisa com eles mesmo.”

“No início, quando falaram da barragem , a gente ficou na expectativa, já com medo, né, porque a gente já sabia mais ou menos o que ia acontecer, quais os

problemas que ia surgir, né. Aí com a vinda do Léo, aí já vinha orientando as

pessoas, aí já passava vídeo, todas as coisas que ele trouxe aqui, aí ficava mais ou menos com medo. (...) Sempre quando ele vinha ele mostrava, né, as

passagem dos lugar que já tinha acontecido barragem.”

Na apresentação do RCA pela ALCAN foram utilizados recursos e

termos técnicos complexos, sofisticados e fora da realidade da população local.

Transparências, gráficos, mapas e linguagens que demonstraram o pouco caso e

desinteresse da empresa para com a compreensão do tema por parte da população

local, dificultando o seu questionamento. A população teve que contar com a

assessoria para se preparar para a Audiência, e entender o que continha no RCA.

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Padres, representantes de entidades como a Pastoral da Juventude, a ASPARPI

(Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Piranga), que tem um histórico de

participação na luta a favor da preservação dos rios, CPT, o grupo de assessoria

da Universidade Federal de Viçosa, um representante nacional e um regional do

Movimento de Atingidos por Barragem (MAB) posicionaram-se em favor dos

atingidos. Em várias intervenções, a postura de negação diante dos impactos

causados pela barragem foram afirmados, quando o sentimento geral da

população era de insegurança e de grande perda com a possível implantação da

obra.

Na Audiência Pública houve uma expressiva participação da população

local, onde se verificou uma participação efetiva das mulheres, sendo que estas

fizeram a maior parte das intervenções destinadas à população local. Este fato foi

o determinante para que se fosse feito este estudo nesta localidade. Em suas falas

elas se colocaram contra a construção da usina frente aos problemas que ela

poderia gerar, em relação ao relatório, chamaram a atenção para equívocos, como

o registro de que elas não trabalham na roça, sendo que, segundo elas, desde

pequenas já iam para a roça para plantarem milho, arroz e feijão junto com o

resto da família, o que pode ser observado nas falas a seguir:

“Eu falei [na audiência] todos os pobremas que ia causar sobre os estudo, né

[estudos de impacto ambiental], eu falei sobre as mentira que eles tinha

colocado, falei sobre a terra que a gente ia perder, né. Antes o pessoal tava tranqüilo, sossegado”.

“[Pesquisadora] Lá [nos estudos] eles disseram que as mulheres não plantam? No estudo deles, eu mesma cheguei a ver no estudo que tava dizendo isso.”

“No dia da Audiência eu citei na minha carta que as mulheres não trabalhavam, que eles colocaram, falou que o pessoal não prantava, que não

tinha horta, né. Todo mundo aqui tem horta, né, ninguém dexa de plantá,

pouquinho, né, mas pouquinho cada um planta o seu..”

“Todas plantam também, a não ser essas, as que não tem saúde e otras que não

tem jeito de trabalhar, mas as que pode prantá, pranta..”

“Moe cana na engenhoca, rachando lenha, tudo isso mulher faz e eles dizendo

que mulher não trabalha, não. A gente tá alguma coisa, tá vivendo, por que a

gente não tá trabalhando, de que que a gente ia viver, não tinha jeito não.”

“Deu uns 20 kg de batata, ela só não cresceu, mas também não continuô o

prantio de batatinha. Agora, batata doce a gente pranta aí, mandioca. A gente

fica revortado demais quando falaram que as mulhé não trabalhava. O tanto

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que a gente ajuda batê enxada, na roça, quebrá milho de fô preciso e eles

falava que as mulhé não trabalhava não, não sei quem dava nóis alimento, se

era eles. A gente fica revortado demais. No dia da Audiência nos levamo tanta

pranta lá na frente pra eles vê que as mulhé não prantava..”

As entidades foram na mesma linha das intervenções da população local

fazendo também uma análise mais ampla da construção de barragens no Brasil. A

população também fez uma demonstração do que se produz na comunidade,

enquanto algum atingido falava outros iam trazendo arroz, feijão, milho, cana,

doces, tapetes, panelas de pedra, banana, manga, laranja, goiaba para mostrarem

que é dos frutos da terra que eles se reproduzem. Quando a empresa se

pronunciava, os atingidos levantavam placas de “FORA” e vaiavam os

representantes da concessionária. A Audiência foi toda filmada e documentada

tanto pela entidades de assessoria à população atingida quanto pelos órgãos

ambientais. Apesar de todos os depoimentos contrários ao empreendimento, e

considerando ainda que a comunidade não dispunha de uma assessoria mais

especializada que pudesse traduzir em termos técnicos o seu sentimento de

repulsa à obra, a FEAM deu parecer favorável ao projeto com condicionantes e o

COPAM acabou concedendo a Licença Prévia.

Uma atingida não se conformou com a liberação da primeira licença:

“Eu achei engraçado que os pessoal fizeram tanto manifesto e não deu em

nada, por que será, né, que aconteceu isso, eles não mudou em nada a reclamação do povo.(...) Ah, não sei, eu achava que ia ter alguma mudança à

partir daquele dia, cada um falava uma coisa [os atingidos], quase provando o

que tinha falado, mas não sei o que eles fizeram não.”(sic.)

A partir daí, a comunidade tinha uma nova etapa a enfrentar, a da

negociação com a empresa. Precisavam ser definidos os preços das terras, das

benfeitorias, a situação dos meeiros, que compõem a maioria dos atingidos, e dos

diaristas. Mas não havia por parte da empresa interesse em informar devidamente

a população local a respeito da obra e das negociações, várias informações foram

distorcidas ou não ficaram bem entendidas na relação atingido/empresa, que é

exemplificada com a fala de um das entrevistadas:

“Não, na associação discute, discute como vai ser, mas só que o prano que associação faz, quando chega a ALCAN, muda todo o prano. A associação faz

um prano bom e quando a ALCAN fala todo mundo vira e muda tudo, a ALCAN

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vai comprando o povo, porque vira o prano (atingida pela barragem de

Fumaça).”

A AMABAF fez, então, um plano de negociação coletiva, na forma de

reassentamento, para terem mais força no enfrentamento com a empresa. Mas

com a demora do processo de negociação, o plano inicial feito pela associação se

desfez e cada atingido negociou separadamente, preferindo dinheiro. Ficou

apenas decidido coletivamente o valor a ser pago a cada meeiro, R$6.000,00 (seis

mil reais) não importando o tamanho da família, o número de filhos e nem se a

mulher trabalhava ou não como meeira. Aos proprietários foi pago o valor da

terra de acordo com o número de hectares a serem inundados. Alguns atingidos

ficaram satisfeitos com os valores recebidos, pois, sendo muito pobres nunca

tinham visto tanto dinheiro junto, já que muitos recebem R$ 7,00 (sete reais) por

dia de trabalho. Porém, a maioria não ficou satisfeita, pois percebeu que o

dinheiro não dava para quase nada. Quando o dinheiro acabasse ficariam

completamente destituídos, sem terra para plantar, nem perspectiva de um novo

trabalho, já que a área onde plantam seria inundada.

Depois da liberação da primeira licença, a empresa fez novos estudos e

estes, denominados PCA, Plano de Controle Ambiental; aprovados, geraram a

liberação da segunda licença, a Licença de Instalação. Para que a terceira e

última seja liberada é necessário o cumprimento de todo o PCA, que seria a

Licença de Operação, quando de fechariam as comportas e inundaria o lago.

A UHE Fumaça está, atualmente, na fase de cumprimento do PCA, ou

seja, de negociação entre a empresa e os atingidos, vendas de terras,

reassentamentos, indenizações.

Até meados de outubro de 2001, a ALCAN dizia que faltavam apenas

duas famílias para negociar, a família de Maria, meeira, e seu pai, proprietário, e

de Josefina, também meeira. As duas assessoradas pela CPT, com a justificativa

de que a negociação inicial não foi justa, criaram uma nova associação, a

Associação dos Atingidos pela Barragem de Fumaça (AABF), em 21 de agosto

de 2001, em uma reunião onde vários atingidos, os que receberam e não ficaram

satisfeitos e os que não foram reconhecidos pela empresa, se desassociaram da

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antiga AMABAF e se associaram a AABF, que tem como presidente Maria e

vice Josefina.

Esta nova associação tem como presidente Maria que é esposa Carlos e

cunhada de Zenilda. Assessorada pela CPT, a associação mais recente contratou

uma advogada para intermediar as negociações. Este grupo passou, então, a ter

mais força dentro da comunidade, tornando a presidente sua principal liderança e

referência nas negociações com a empresa. Os rumos das negociações

modificaram-se a partir daí. Antes, com a primeira associação, as negociações

com a empresa eram feitas de forma conjunta e pacífica com os funcionários da

ALCAN, e a CPT foi retirada do processo de construção do plano de negociação,

já que Zenilda seguiu as pressões da comunidade, principalmente dos homens,

que queriam negociar o mais depressa possível, pois se encontravam cheios de

dívidas e pensavam apenas em receber a indenização. Como a CPT estava

conduzindo o processo de forma diferente dos interesses da comunidade, a

associação optou por tirá-la como assessora das negociações e esquecer o plano

de negociação coletiva na forma de reassentamento. Com a AMABAF (antiga

associação, que tinha Zenilda como principal referência) os atingidos já haviam

fechado as negociações e inclusive recebido o dinheiro das indenizações. Mas

uma das entrevistadas disse que não foi reconhecida como meeira porque foi

acertado entre a ALCAN e AMABAF que os proprietários é quem indicariam

seus meeiros e o patrão dela excluiu seu nome e o da sua família:

“Que falaro que os meeiro ia sê liberado, ganhá alguma coisa, então nós era

meeiro de um fazendeiro aí que é o Renato e plantei com ele dois ano arroz,

feijão e milho e alguns dos companheiro que plantô na época que nós plantô,

eles agora reconheceu eles como meeiro e nós não, nós eles não reconheceu nós como meeiro não, foi só alguns e tudo plantô na época certa todas veiz que

ele vai plantá capim assim chama nóis, nóis vai tudo, afora a menina que tá na

escola que não vai mesmo, então vai o pai e eu e os dois rapazinho ia trabalhá pra ele, até na época foi uns homi lá fazê umas pesquisa pra nós lá no serviço

na época que que eles tava andando, fazendo pesquisa pra nós, lá no serviço do

fazendeiro. Então eles pergutô muita coisa lá e nós falô muitas coisa pra eles, perguntô se nós plantava com ele, eu falei “plantemo dois ano, arroz, feijão e

milho”, mas depois eles tomô, depois que a terra já tava amansada, que a gente

podia continuá o patrão tomô e plantô capim e não tava nem aí pra nós, onde

nós ir. Aí nós ficamo sem lugar de ir, fiquemo aí, e este tal ano que ele tomô, nós não pode plantá roça mais não, nóis não plantemo roça essa época mais,

nós fomo arrumá outro patrão, fiquemo esse ano sem plantá porque na última

hora que eles dispensô nóis e agora reconheceu alguns e nóis não (atingida do Macuco).”

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No dia 29 de outubro de 2001, a AABF junto com a CPT e o MAB

reuniram-se com cerca de 250 atingidos para ocuparem o canteiro de obras da

UHE Fumaça. A ocupação do canteiro de obras da UHE Fumaça é um marco na

luta dos atingidos, pois possibilitou uma participação qualitativamente melhor no

processo de negociação. Essa participação mais efetiva e trouxe ganhos

significativos para a luta. Os acordos firmados nas reuniões dos dias 1.o, 14 e 27

de novembro de 2001 mostram que as pessoas afetadas pela UHE Fumaça,

organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens, iam passando de objeto

a sujeito do processo. As conseqüências deste fato se refletem no reconhecimento

da empresa dos meeiros que haviam ficado de fora da primeira negociação, os

diaristas, artesãos e garimpeiros que não foram considerados atingidos

anteriormente. Por este novo plano de negociação foram reconhecidos,

aproximadamente 41 (quarenta e um) artesãos, que tiram seu sustento da

confecção de panelas de pedra sabão que ainda não receberam nenhuma

indenização, aproximadamente 21 (vinte e um) garimpeiros que estão “perdendo

seu meio de subsistência”, palavras dos representantes do movimento local de

atingidos, em torno de 75 (setenta e cinco) meeiros que não foram indenizados

ou que não estão satisfeitos com a negociação passada, por volta de 48 (quarenta

e oito) proprietários que não foram indenizados ou que não estavam satisfeitos

com os valores recebidos anteriormente. Sendo que estes atingidos fazem parte

de toda a região atingida pela obra, não apenas Miguel Rodrigues mas outras

como Mainart, Macuco, Magalhães, Barro Branco e Emboque.

Em 27 de novembro de 2001 a ALCAN assume um acordo coletivo com

os atingidos, com o compromisso de reassentamento e reconhecimento da

Comissão de Atingidos UHE Fumaça formada no dia 1.o de novembro por

membros da AABF. Esta comissão foi criada para poder intermediar as

negociações entre empresa e atingidos.

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O dedo aponta para a localidade de Miguel Rodrigues. A parte em azul escuro representa o rio,

em azul claro a parte que será inundada e em amarelo e vermelho a faixa de 100 m obrigada a existir ao

redor do lago, de acordo com as normas ambientais.

Figura 9 - Mapa do lago.

Como já foi dito, a população atingida de Miguel Rodrigues é formada

em sua maioria por meeiros, ou seja, aquele trabalhador rural, que não tendo a

terra, dá, como forma de pagamento pelo uso temporário deste meio de produção,

parte da produção ao proprietário. Uma outra parte dos atingidos é formada de

diaristas, que são os trabalhadores assalariados, contratados para trabalharem por

temporada. E a menor parte é formada por pequenos proprietários.

Para FCA-Botucatu, 1982, a parceria aparece como um processo de

produção baseado na mão-de-obra familiar, que complementado por LOUREIRO

(1977), é uma relação econômica que ocorre na agricultura ou pecuária, na qual o

proprietário da terra e o trabalhador dividem a produção baseado em um contrato

na qual a forma de pagamento pode ser a meia, a terça, ou a quarta parte da

produção. Em Miguel Rodrigues os trabalhadores regidos por esta relação são

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chamados de meeiros não importando a quantidade da produção destinada ao

pagamento. Em um documento feito pelos atingidos e encaminhado à empresa e

à FEAM, eles definem: Meeiro é aquele que planta com outro e divide sua

produção, o filho que planta com o pai é considerado meeiro. O meeiro pode ter a

sua terra, mas às vezes é pouca ou não é produtiva. Diarista trabalha para o outro

como meio de sobrevivência já que não consegue tirar de sua terra tudo o que lhe

é necessário, ele recebe em dinheiro ou em troca de serviço. Extrativistas são

divididos em donos de pedreira ou paneleiros. Os donos de pedreira de pedra

sabão são aqueles que exploram a pedreira ou arrendam para outro explorar,

paneleiros fazem panelas de pedra sabão. Os garimpeiros, que retiram ouro,

podem ser donos do terreno onde se localiza o garimpo ou donos do garimpo

tendo pessoas que trabalham para ele.

Poucas famílias, cerca de cinco, terão que se mudar das casas onde

moram; o maior problema a ser enfrentado pelos atingidos será a perda das terras

onde plantam. Das entrevistadas, todas disseram que tiram seu sustento da terra,

o pouco que compram para alimentação é aquilo que não plantam, mas que faz

parte de seus hábitos alimentares como óleo de soja12

e legumes e verduras que

não se adaptam àquela terra como batata, ou quando a produção é “fraca”, ou

seja, quando, por exemplo, a chuva escassa ou a seca prolongada prejudicam o

plantio. Mas todas disseram que não passam dificuldades alimentares, que o que

plantam sustenta toda a família:

“Não tá comprando não, compra alguma coisa, né, mas coisa insignificante.

Agora, a única coisa que a gente compra aí é uma batatinha, cebola não

precisa de comprar, sempre a gente planta aí e sempre dá alguma. De hortaliça

assim, a gente não compra nada não. Tem época que as veiz não dá, tem a época de prantá, fazê as prantação de alface, repolho, né, tem a época, não é

todo tempo, ela não dá no ano assim direto, não, então a gente precisa de veiz

em quando a gente comprá, mas o resto, o resto é força no braço mesmo.”(Atingida de MR).

“A gente planta feijão, planta milho, cana, verdura, café, tudo nós planta, tudo

que dá a gente tá plantando. (...) Tem porco, nós engorda, galinha, nós cria.”(Atingida de MR).

12 A gordura de porco não é mais utilizada no preparo de alimentos como antigamente. Inclusive houve

grande diminuição na criação de porcos porque além de não estarem utilizando a gordura, estão

comendo menos carne suína porque, dizem elas, “faz mal à saúde”.

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Outra questão colocada por elas em relação à possibilidade de deixar o

local é o fato de não desejarem ir para a cidade, pois além de identificarem a

cidade como um lugar violento, apontam também o fato de a oferta de emprego

ser bastante reduzida nos centros urbanos. O que se verifica na fala destas

atingidas:

“Ah, aqui a gente tá livre, a cidade é muito perigoso. (...) Aqui a gente tem as coisas. (...) Se tivesse um bom emprego, né, ainda vai, mas com dificuldade de

emprego do jeito que tá, fica difícil. Minha mãe mesmo já tem mais de uns 15

anos que ela trabalha nessa fazenda aqui em cima, já pensou perder o emprego, né? 15 anos não é 15 dias não.”(Atingida de Bicas)

“Na cidade a gente vê o sofrimento do pessoal que mora lá. Aqui a gente pode entrá e saí que nada tá aborrecendo. A cidade fica é tudo é preso dentro de

casa, não tem liberdade nenhuma. A gente não compara cidade com roça não

porque na cidade o bicho lá tá pegando. Por causa de uma coisinha à toa a

casa tá limpa, é só virar as costa que a casa tá limpa, eles não tem consciência e rapa tudo que tem direito dentro da casa.”(Atingida de Miguel Rodrigues)

A ALCAN tentou incorporar outras atividades no cotidiano dos

atingidos, para minimizar os impactos causados pela inundação de suas terras

férteis e juntamente com a EMATER realizaram vários cursos, principalmente

direcionados às mulheres. Os cursos direcionados para elas foram de confecção

de bonecas de palha, corte e costura e feitura de tapetes, além de cursos

direcionados à toda comunidade como incentivo à plantação de cana, de uma

horta comunitária e cursos de apicultura. Em trechos de cartas apresentadas pelos

atingidos para uma advogada contratada pela AABF para reivindicar

judicialmente os direitos dos atingidos, verifica-se os resultados obtidos pela

tentativa de implementação destas atividades:

“Maria da Silva mora em Miguel Rodrigues e participou do curso de artesanato. Aprendeu fazer bonecas em novembro de 2000. A dificuldade é

comercializar. No início ela vendeu algumas. „Depois fomos desistindo‟, disse

ela, „acho que é porque estava muito difícil, é uma coisa muito incerta, a gente não sabe o futuro‟”.

Em relação ao curso de confecção de tapetes:

“O pessoal pegou o diploma, mas só 4 aprenderam mesmo a fazer.”

Em relação ao curso de corte e costura:

“Em Magalhães, o pessoal falou que pegou o diploma, mas, costurar mesmo,

ninguém aprendeu. Muitos nem queriam pegar o diploma, mas quem deu o

curso disse que não tinha problema.”

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Todas as tentativas da EMATER não deram certo, porque, segundo

Zenilda, “é muito difícil de mudar a cultura de um povo, para se mudar a cultura

de um povo demora muito tempo”. Mas a reclamação de uma das atingidas foi o

fato de a EMATER ensinar uma técnica diferenciada das que eles estão

acostumados a fazer e por isso ninguém gostou e nem se interessou, a EMATER,

na verdade, tentou implementar uma técnica sem ter conhecimento da cultura

local, não despertando, desta forma os interesses da comunidade. Este modelo de

extensão rural aplicado pela EMATER vem demonstrar que é realizado com o

intuito de manter as diferenças entre homens e mulheres, não vem trazer

conhecimento para elas no sentido de ocuparem uma posição política no processo

de negociação, prova disso está nos cursos que são oferecidos, “próprios para

elas, destinados a elas”. Mostrando, assim, a visão que a ALCAN tem do papel

das mulheres no processo de construção da usina.

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3. TERRITÓRIO E LUGAR NO CONTEXTO DA

CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS

Com o intuito de compreender a forma diferenciada da participação das

mulheres no Movimento dos Atingidos por Barragens, optou-se pelo uso de

categorias analíticas que contribuíssem para a reflexão e a aproximação acerca do

entendimento do cerne desta diferença. Para se analisar a possível “redefinição

dos papéis sociais” entre homens e mulheres de Miguel Rodrigues, no que se

refere às relações de gênero, já que elas participam ativamente do movimento de

atingidos por barragens, ocupando um “lugar social” tradicionalmente destinado

aos homens. Serão definidos neste capítulo, conceitos como terra, território e

lugar e as representações que as atingidas fazem dessas categorias. Também a

definição que a palavra liberdade trás para estas mulheres diante da perda de seu

território e lugar bem como das suas relações de amizade e parentesco. Como

esta palavra representa este medo e reflete a representação que estas mulheres

fazem de seu território e de seu lugar de vivência e de relações cotidianas.

3.1. Terra e território como espaços de trabalho e socialização

A idéia que a sociedade faz de si mesma através de sua representação

define seus parâmetros de classificação, o que resulta entre outras coisas, numa

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noção de espaço, do ponto de vista social e geográfico. Territorialidade é a inter-

relação entre espaço e sociedade. Assim a noção de território é definida por

MALDI (1997:187):

“Na raiz da percepção do território está a percepção de nós, a construção básica da identidade coletiva e, por extensão, a sede do estabelecimento da

diferença, o limite para a construção da alteridade enquanto uma situação

antagônica por definição”.

MARQUES (2000:29-30) entende território:

“Como o espaço de reprodução da existência de uma sociedade ou grupo

social formado com base em um contrato social firmado entre seus membros e

definidos a partir de relações de apropriação e domínio. O contrato social corresponde a um conjunto de princípios, explícitos ou não, que regem e

orientam as relações sociais numa dada forma social, inclusive as relações que

definem as formas de apropriação da terra e o regime de propriedade. Aqueles que compartilham um mesmo território devem estar submetidos a uma mesma

lei”.

O conceito de território é também trabalhado por SEEGER e CASTRO

(1978:104) em análise sobre o papel que a terra desempenha em algumas

sociedades indígenas, onde, nestas sociedades, estes conceitos se aproximam.

Dizem os autores:

“Grupos indígenas mais sedentários dependem, na construção de sua

identidade tribal distintiva, de uma relação mitológica com um território, sítio da criação do mundo, memória tribal, mapa do cosmos, um enraizamento

simbólico com seu território definem sua identidade em relação a uma

geografia determinada. Ressaltando que a apropriação dos recursos naturais por uma sociedade não se esgota na obtenção da subsistência física dos

indivíduos, mas uma variedade de matérias-primas é utilizada como funções

simbólicas fundamentais: por exemplo, os caramujos com que os grupos do alto

Xingu fazem colares usados como meio de pagamento cerimonial e que hoje são difíceis de serem colhidos nas terras do Parque Nacional do Xingu..”

Para as populações atingidas, verifica-se, através dos relatos das

mulheres entrevistadas e também em audiências públicas, algumas dessas

dimensões percebidas pelos autores em relação às populações indígenas. Quando

questionadas em relação às perdas que sofreriam com a construção da barragem,

uma das principais colocações feitas pelas mulheres atingidas é o fato da perda

das relações de vizinhança e de parentesco que pode ocorrer devido à saída de

pessoas da comunidade, preocupação com a educação dos filhos, a perda da

liberdade com a vinda de pessoas estranhas para a comunidade para trabalharem

na construção da usina. Conforme pode ser percebido nos depoimentos a seguir:

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“Aqui só tem cinco casa. A gente não sabe pra onde vão, lá em cima também

não sei pra onde vão. Qualquer coisa nós vamo separar, cada um vai pra um

lugar longe. Aí vai ser muito difícil pra nós, porque nós já acostumamos.”

“Até que eu ponho algum trabalhador pra ajudar vem aqui também troca dia

com os outro ela ajuda os outro e os outro ajuda ela.”

“Minha mãe é que fez os casamento, os irmão dela ajudô, os parente, todo mundo casô graças a Deus.”

“[Pesquisadora] Todo mundo aqui é Freitas, né? É parentesco, todo mundo aqui é parente.”

Todas estas perdas explicitadas são consequências geradas à partir da

perda das terras destas populações para futura implementação do projeto da

barragem. Nesse sentido, a terra não é só um fator de produção de bens para

garantir a sobrevivência, mas é também o local de manifestações e relações

culturais diversas. Ao assimilar outras dimensões, a terra passa a adquirir um

sentido de lugar para estas populações.

MARTINS (1986), em análise sobre camponeses indígenas, também

chama atenção para o significado que a terra desempenha neste contexto.

Esse mesmo autor define a terra não apenas como um meio de produção

para as populações indígenas, já que este autor define meio de produção a partir

da análise de Marx, ou seja, como um meio para produzir e reproduzir o capital.

Para os indígenas, a terra não é um simples instrumento econômico, ela aparece

em primeiro lugar como meio de condição de vida e de reprodução social. O

mesmo ocorre na realidade dos atingidos por barragens, onde todos os bens

materiais e simbólicos que os trabalhadores rurais dessas localidades possuem

não têm sua origem no mercado e nem se destina a ele, mas é o meio para sua

reprodução e sobrevivência.

Este conflito pode ser percebido na fala de uma atingida pela UHE

Fumaça, onde ela coloca que não entendeu como que a licença prévia (a primeira

licença a ser concedida) foi liberada mesmo depois de, na Audiência Pública,

eles terem mostrado tudo o que tiravam das terras que iam ser inundadas, desde

arroz, feijão, milho, batata, amendoim, verduras, frutas, até mel e doces, que

eram importantes para a sobrevivência da comunidade. Coloca que estes

“estranhos” chegam à comunidade e pensam em ter benefícios econômicos,

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esquecendo-se dos laços e das relações criadas pela comunidade naquelas terras

onde sobrevivem e onde passam várias gerações de suas famílias. Esta presença

de “estranhos” é percebida nas falas de uma das entrevistadas:

“E aqui, também, né, à partir do momento que eles fizer as barragem, a construção e até depois que fizer, vai acabar um pouquinho a liberdade do

povo, eu sinto isso, né. Porque tem muita gente estranha, a gente não vai poder

andar sozinho mais igual a gente tem costume, né. Vai tê muitas pessoa

estranha, sei lá, a gente não vai podê ficá sozinho em casa. Muitas pessoa comenta isso, sobre a liberdade que vai perdê.”

MARTINS (1993:13) define este “estranho”, em análise feita à

populações indígenas e camponesas diante da construção de grandes projetos de

desenvolvimento econômico, se referindo tanto às empresas, no caso de projetos

privados, ao governo, quanto a todos os envolvidos, interessados na construção

desses projetos:

“O estanho não é, entre nós, apenas o agente imediato do capital, como o

empresário, o gerente e o capataz, mas é também o jagunço, o policial, o

militar. E ainda, o funcionário governamental, o agrônomo, o missionário, o cientista social. Embora cada um trabalhe para um projeto distinto, raros são

os que trabalham pelas vítimas do processo de que são agentes. São, portanto,

protagonistas da tragédia que aniquila os frágeis e que, por isso, nos fragiliza a

todos, nos empobrece e nos mutila, porque preenche com a figura da vítima o lugar do cidadão. E nos priva, sobretudo, das possibilidades históricas de

renovação e transformação da vida, criadas justamente pela exclusão e pelos

padecimentos desnecessários da imensa maioria.”

Esta representação que os atingidos(as) fazem de suas terras e de seu

território e o conflito gerado com a visão das empresas, desses “estranhos” é um

fator que pode ter contribuído para que as mulheres de Miguel Rodrigues se

organizassem para defender seu lugar e sua terras, onde criam seus filhos,

constróem suas relações de parentesco e amizade, de onde tiram sua

sobrevivência e de sua família.

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Figura 10 - Local onde ficam alojados os trabalhadores da usina que vêm de ou-

tra localidade.

3.2. Lugar como categoria de identificação

Outras categorias que parecem úteis na compreensão das formas

diferenciadas da participação das mulheres no Movimento dos Atingidos, são

referentes a espaço e lugar trabalhadas por vários autores, e sua relação de

identidade dos atingidos com espaço e lugar.

Para AUGÉ (1994:45):

“(...) o dispositivo espacial é, ao mesmo tempo, o que exprime a identidade do

grupo (as origens do grupo são, muitas vezes, diversas, mas é a identidade do

lugar que o funda, congrega e une) e que o grupo deve defender contra as ameaças externas e internas para que a linguagem da identidade conserve um

sentido”.

Este mesmo autor coloca que o lugar possui um conteúdo ao mesmo

tempo espacial e social. O lugar do nascimento, define ele, é o lugar a ser

designado residência, onde é constituído de uma identidade individual. Lugar é a

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porção do espaço apropriável para a vida, que é vivida e reconhecida, que cria

identidade, é a base da reprodução da vida.

COSTA (2000) analisa, em seu estudo, as relações de sociabilidade

produzidas pelos membros de uma Associação de Moradores, denominada

Unidos na Luta, localizada em um bairro na periferia de Belém, Estado do Pará,

em uma realidade onde os moradores fazem parte de regiões de ocupação

habitacional (moradores sem título de propriedade). O local ocupados por esta

população foi denominado de Bosquinho. Este autor, na mesma perspectiva que

Marc Augé, define lugar como espaço da afetividade e sociabilidade, da

pessoabilidade. Neste sentido, o espaço de atuação da Unidos na Luta é um lugar:

“(...) composto de uma rede de relações sociais pautadas num modelo específico como identidade religiosa, proximidade de residências,

pertencimento a determinadas organizações, intermediações de pessoas

conhecidas, grupos etários, co-participação em atividades de lazer” (COSTA,

2000.31).

Ele complementa:

“A área de ação da Associação não é somente objeto de ação material, mas

também meio de identificação e reconhecimento social. Espaço imaginário soldado por imagens culturais” (COSTA, 2000:31).

Outro autor, Featherstone, também analisa esta questão do lugar. Para

ele, os espaços seriam próprios das sociedades modernas, com predominância da

identificação ampliada e anônima. Os lugares, ao contrário, resguardam as

experiências comuns, o conhecimento e o reconhecimento, o sentimento de

pertencimento, e onde as pessoas sentem-se valorizadas e respeitadas. No lugar

ocorrem as relações cotidianas, tendo o indivíduo maior domínio sobre os

acontecimentos e as experiências (FEATHERSTONE, 1997:149). Segundo este

autor,

“Identidade de uma pessoa e as de outras pessoas significativas estão ancoradas em um local específico, um espaço físico que passa a ser

emocionalmente investido e sedimentado com associações simbólicas, de tal

forma a tornar-se um lugar”.

A partir dos mapas, construídos durante a aplicação das técnicas

participativas, pôde-se analisar as relações que regem a comunidade de Miguel

Rodrigues e suas modificações com a possibilidade de construção da hidrelétrica

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e o medo das mulheres das perdas destas relações. Desta forma, os mapas feitos

pelas atingidas, de forma coletiva, mostraram como as relações de parentesco e

vizinhança foram alteradas com a possibilidade de construção da usina.

As atingidas contaram que a comunidade foi mais unida na época que foi

caracterizada como “antigamente”, e com a barragem e as novas relações que ela

gerou, muita coisa mudou, algumas relações ficaram extremamente abaladas,

parte da comunidade se dividiu entre as duas principais lideranças, “houve

divisão na comunidade, houve divisão na Igreja”. Para uma delas se a

comunidade estivesse realmente unida eles tinham conseguido barrar o processo

de construção da barragem.

A partir da interpretação do desenho delas e de algumas falas percebe-se

que ainda existem relações fortes de parentesco e vizinhança quando elas dizem

que vizinho é aquele que na verdade é parente porque na hora que precisam de

alguma coisa o parente mais próximo é o vizinho, é com ele que podem contar.

Os “montinhos” coloridos representam as plantações de feijão, milho e arroz.

Figura 11 - Mapa de “antigamente”.

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Disseram durante a realização do desenho do mapa de “antigamente” que

plantavam arroz, feijão, milho, mandioca, batata, banana e que tinham muito café

ao redor do terreiro, e que as plantações eram feitas nas várzeas do rio, e que

sempre plantaram a meia, devido ao fato de as terras não serem suficientes para

produção. Disseram também que havia muita mata. Atualmente “só tem mato

miúdo, grandão não tem mais, a mata diminuiu bastante”. Os homens saíam para

trabalhar nas cidades e deixavam as mulheres com os filhos em casa. Elas

disseram que naquela época plantava-se pouco porque as mulheres tinham que

dar conta sozinhas da roça e “não tinha adubo”.

Antes, os filhos não saíam para trabalhar “fora”. Esse fato se deve às

mudanças nas relações econômicas, onde anteriormente não havia necessidade de

se ter dinheiro, que é o principal motivo da saída dos jovens hoje da comunidade.

A busca pela melhora do padrão de vida e pela busca do conforto e lazer que a

vida na cidade pode proporcionar. Mas com o aumento do desemprego no país os

jovens estão encontrando dificuldade de se manterem ou de entrarem no mercado

de trabalho e muitos estão voltando para suas casas. Assim que completam

dezoito anos estão saindo em busca de emprego, os homens geralmente na

construção civil e as mulheres como empregadas domésticas.

As falas sobre os dias de hoje sempre foram relacionadas com a

ALCAN. Não se planta mais nas várzeas porque “vargem é toda da firma”. As

relações sociais, as questões culturais e econômicas foram relacionadas com a

presença da empresa na comunidade. A dificuldade de comunicação entre

atingidos e empresa foi colocado por elas, “o que a empresa fala é muito difícil”.

Um dos poucos pontos positivos apontados por elas com a vinda da “firma” para

a comunidade foi a possível geração de empregos, mas na prática constatou-se

que a maioria dos empregados para construírem a barragem foram trazidos de

fora. Segundo informações da nova associação, não tem 5% dos trabalhadores da

região na obra.

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As áreas riscadas representam as áreas já adquiridas pela empresa. Os círculos representam as

casas, que aumentaram muito principalmente na localidade de Macuco.

Figura 12 - Mapa atual.

Houve dificuldade na construção do mapa atual, divergências entre os

pontos de vista, pois o tempo de hoje para elas é marcado por vários conflitos,

pela divisão na comunidade e no enfrentamento diário com a empresa.

Remetendo também a idealização de um passado de harmonia na comunidade, de

estreitamento das relações de amizade e parentesco e principalmente a ausência

da empresa na vida da população local.

As entrevistas também mostram a idealização deste passado:

“Se a gente for mudar é pra lá. Então, eu tenho saudade de lá, às vezes tem dia que eu vô lá, eu não tenho a chave pra abri a casa lá, meu irmão que tem, então

dia que eu dô na idéia eu vô lá, vô lá e fico olhando ela assim, de fora, ô

saudade...”

“Lá onde meu pai morava lá, eu sinto saudade de lá. Quando eu vô lá, eu fico

oiando tudo com saudade, eu sinto saudade de lá. Lá eu fui nascida e criada

tudo lá, crisci um bocado de filho lá, né. A gente tem saudade do lugar da gente. Uma, igual eu falei, a casa fica mais é fechada, um casaréu, menina,

uma casa grande mesmo, e fechada, né. Aí se dexá ela cai, né, não pode dexá

ela caí não que é casa boa.”

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O fato de o espaço da mulher, nestas comunidades onde prevalece a

agricultura familiar, ser definido geralmente pelo círculo doméstico, as faz

vivenciar o processo de construção de barragens de forma diferenciada da dos

homens levando a uma atitude também diferenciada frente à perda da identidade

social e cultural. As mulheres estando constantemente ligadas e

responsabilizadas pelo cuidado com os filhos e com a casa, seu lugar socialmente

definido, imprimem uma noção que levará consigo para outras instâncias e

espaços sociais.

Os indivíduos têm diferentes representações sobre o espaço e o lugar

onde se inserem. Para as mulheres, as representações do espaço social podem

estar mais próximas à sua inserção vinculada à casa e seu entorno, cabendo

então, para uma melhor conceituação, a categoria de lugar, pois é aí que têm

maior domínio sobre suas ações.

O medo da perda do lugar pode fazer com que as mulheres mobilizem-

se, provocando uma alteração da sua organização social, fazendo com que

realizem ações contra a construção de barragens, participando do movimento de

atingidos, audiências, caminhadas, reuniões, com o intuito de preservar seus

valores como a casa/família. Que, em análise, é um fator que contribui para que

as mulheres de Miguel Rodrigues participem do movimento.

Este fato é analisado por FEATHERSTONE (1997:153) onde ele coloca

que as lutas pela disputa do lugar geram:

“(...) modificações na consciência das pessoas de uma localidade em relação à

fronteira simbólica que existe entre elas e os outros, ajudada pela mobilização

e reconstituição de repertório simbólicos com os quais a comunidade pode

pensar, e que formulam uma imagem unificada de sua diferença em relação ao grupo oposto. É a capacidade de modificar o quadro e de movimentar-se entre

um dimensão variável de enfoques, bem como a capacidade de lidar com uma

gama de materiais simbólicos, a partir dos quais se podem formar e reformar as identidades em diferentes situações (...).”

Para este autor, o sentimento de perda do lugar ou a luta em defesa deste

pode causar mudanças nas pessoas de uma comunidade para manterem sua

fronteira e seu território. Este fato pode ter levado estas mulheres a se engajarem

de tal forma a se tornarem lideranças no movimento local de atingidos por

barragens.

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A possibilidade de perda das terras e, conseqüentemente, do lugar onde

as mulheres exercem suas relações cotidianas, permeadas por um sentimento de

pertencimento, gerou um medo constante presente nas falas das atingidas

caracterizado como medo da perda da liberdade. Analisando os possíveis

significados deste termo dentro da realidade de construção da UHE Fumaça e

conseqüente expropriação das terras das populações locais, uma análise feita por

Velho em “Besta-fera: recriação do mundo”, pode auxiliar a interpretação.

Para este autor, a expressão Besta-fera relaciona-se com a classe

dominante, bancos, economia mercantil, dinheiro ou estrangeiros. Ele analisa o

significado deste termo para pequenos agricultores de várias realidades.

Juntamente com esta análise, ele percebe a aparição de outro termo, cativeiro,

sendo este de maior interesse para este estudo. Este termo é relacionado, entre

outros fatores, com expropriação (da terra sobretudo) e proletarização. E que

estas expressões, tanto Besta-fera como cativeiro relacionam-se com símbolos do

mal, mal este que vem de fora. A representação de cativeiro vem de encontro à

de liberdade, acentuando algo que cerceia a ação, sobretudo o controle da vida,

do trabalho e do tempo. Está relacionado a cativeiro qualquer relação com a

perda da autonomia, ou da reprodução da identidade do pequeno trabalhador

rural.

A forma como as entrevistadas remetem à idéia de liberdade se liga à

Teologia da Libertação, no sentido desta apresentar um conteúdo simbólico de

uma mensagem de libertação, que seria o oposto de cativeiro. Em itens

posteriores será detalhada a importância da Teologia da Libertação para os

movimentos sociais e qual a sua relação com o movimento de atingidos pela

UHE Fumaça e a participação feminina.

Depois das análises feitas por Velho, o que se pode relacionar com a

realidade das mulheres de Miguel Rodrigues é justamente o fato da liberdade ter

para elas o significado de autonomia. A perda dela caracterizaria a perda da sua

identidade que está colada ao conceito de lugar. A construção da barragem gera

estes sentimentos já que estas mulheres possuem uma relação de pertencimento e

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identidade junto ao lugar onde nasceram, cresceram e tiveram seus filhos.

Seguindo a analogia de identidade feita por Velho.

A construção da usina e a possível expropriação das terras dessas

mulheres e de seus amigos e vizinhos, a inundação das terras férteis acarretando

na diminuição da produção, levam estas famílias a procurarem alternativas para

garantirem sua sobrevivência e de seus membros, trazem um significado de

rompimento ou modificação das relações sociais construídas na comunidade de

Miguel Rodrigues. São observadas nas falas destas atingidas:

“Porque a gente tá acostumado a viver aqui, tranqüilo. Eu acho que a gente

não vai ter a tranqüilidade que a gente tem hoje” (Atingida de Miguel Rodrigues).

“Quando for construída a barragem, não vai ser como é agora, a liberdade vai ser bem menos, né? Muitos amigos a gente vai perder, prejudicar...” (Atingida

de Miguel Rodrigues).

3.3. A organização do espaço social das mulheres na associação

Neste item apresenta-se a análise dos dados obtidos através da aplicação

da técnica de Diagrama de Venn desenhado pelas atingidas e a partir daí suscitar

uma discussão sobre o que a Associação representa para as mulheres de Miguel

Rodrigues.

O maior círculo foi o que representa a Igreja, englobando quase tudo e

foi a primeira instituição a ser desenhada. Uma discussão bastante polêmica se

deu no momento de desenhar a escola, o tamanho do círculo em relação ao da

comunidade. Acabaram ficando mais ou menos do mesmo tamanho, apontando

para o fato de que as mulheres consideram a educação fator fundamental para a

vida de seus filhos. Mostraram também a preocupação com o futuro, fato que, as

diferenciam dos homens que “pensam mais no agora”, são mais imediatistas.

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Figura 13 - Diagrama de Venn.

As prefeituras têm sua importância, observando que além da prefeitura

de Diogo de Vasconcelos, a prefeitura de Mariana exerce forte influência na

comunidade principalmente pelo acesso ser mais facilitado, já que o transporte

para Diogo de Vasconcelos só é possível por meio de carros particulares. Mas as

mulheres questionaram o papel das prefeituras, já que as duas posicionaram-se a

favor da barragem.

A FEAM representa para elas o poder governamental que teve uma

importância considerável, mas que não tinha muita inserção na comunidade. Elas

entendem a importância deste órgão mas acham que eles beneficiam mais a

empresa porque senão “não tinha liberado a Licença (Licença Prévia)”.

Para SADER (1988), o povo quando se articula em uma Associação ou

sindicato, enfim em algum tipo de organização está tomando consciência dos

problemas que enfrenta e a partir daí se mobiliza visando modificar a situação em

que se encontra.

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Um espaço onde as mulheres de Miguel Rodrigues conseguiram exercer

sua influência e liderança política, além dos já conquistados por elas, os

referentes aos trabalhos da Igreja Católica, foi a Associação de Atingidos por

Barragens.

No Diagrama de Venn, desenhado pelas atingidas, elas mostraram a

importância que a Associação tem na vida delas. Seu tamanho foi um pouco

menor do que o da comunidade e o da escola. Perceberam também a atuação

importante que ela deve ter externamente a comunidade, ela deve ultrapassar os

limites da comunidade para trocar experiências e trazer informações e

aprendizados de outros lugares, seja em outra comunidade atingida, seja em

algum evento realizado pelo movimento de atingidos regional ou nacional.

Verificou-se também que a Associação é, para elas, um espaço de aprendizado.

Quando questionadas sobre o motivo que as levaram a participar das reuniões,

disseram que estavam ali para aprenderem e obterem informações. O Movimento

de Atingidos por Barragens nacional (MAB) teve um tamanho relativamente

pequeno em comparação com o da comunidade, elas percebem a sua existência e

importância. Mas está mais fora da comunidade, daí pode-se analisar que o

movimento local não foi gerado à partir de um incentivo do movimento nacional,

mas da Igreja e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). A CPT não foi citada

separadamente porque foi considerada parte da Igreja.

Quando foram desenhar a ALCAN houve um debate. Primeiramente,

elas não queriam desenhar nada porque, disseram, que a empresa não tinha

importância alguma na comunidade. Depois, durante o debate, perceberam que

não podiam ignorar a presença dela na comunidade e passaram a representá-la

por apenas um ponto. As discussões foram se desenvolvendo e elas analisaram

que a empresa poderia ter um tamanho maior do que um simples ponto porque,

“ela trouxe muita coisa ruim, mas o que ela trouxe de bom foi que fez o povo se

organizar”, fala de Zenilda que disse que a população aprendeu muito com a

vinda da ALCAN para comunidade, aprendeu a se organizar e lutar pelos seus

direitos.

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As mulheres, então, percebem a associação como um espaço de inserção

e como um meio de garantir seus direitos no processo de construção da

barragem. Percebem a importância de estarem se organizando e de estarem

unidas para o enfrentamento com a empresa. Uma colocação importante que elas

fizeram, não só durante a construção do Diagrama, mas também em uma das

entrevistas foi que elas gostariam que os homens as acompanhassem, que

participassem mais porque a presença deles é muito importante. Disse Zenilda:

“nós, mulheres gostaríamos que nossos maridos nos acompanhassem nessa

caminhada”. Os homens participaram mais do processo quando as discussões

com a empresa giravam em torno de quanto seria a indenização e quando ela iria

ocorrer, queriam receber o dinheiro o mais rápido possível. Já as mulheres, por se

preocuparem mais com o futuro da família e da comunidade participavam das

reuniões desde o início quando as reuniões da Associação começaram, ao serem

questionadas por que participavam das reuniões elas disseram que iam para

aprender, para conhecer mais. Disse uma delas: “a gente precisa olhar primeiro,

aprender para saber depois como agir”.

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4. MULHERES, IGREJA E MOVIMENTOS SOCIAIS

Neste capítulo faz-se uma caracterização do contexto no qual as

mulheres estão inseridas, o da agricultura familiar e as relações nela envolvidas.

Depois é definido o papel de homens e mulheres dentro desta realidade.

Uma análise da participação feminina nos movimentos sociais, em

destaque o Movimento de Atingidos por Barragens, sob uma perspectiva de

gênero, é explicitada por LIBARDONI e SUAREZ (1992:153-154):

“Usar uma perspectiva de gênero não é „ver o gênero‟ ou mesmo a mulher,

mas adotar um modo específico de „ver a realidade‟. O que existe no mundo

não é o gênero, que nada mais é do que um modo de perceber e entender, mas fatos sociais específicos que podem ser vistos, ou não, da perspectiva de

gênero. (...) a capacidade de examinar os fatos relativos à uma realidade como

fatos que revelam relações entre pessoas do mesmo sexo e de sexos diferentes”.

Assim, o ponto de partida para a percepção da realidade estudada sob

esta perspectiva é a desigualdade entre os sexos e o baixo “status” social das

mulheres com relação aos homens, constatados nas zonas rurais brasileiras.

Analisar a mulher na agricultura familiar mostra a importância da

discussão das relações de gênero na família, mais especificamente, a dos

produtores inseridos numa realidade de produção familiar no Brasil.

Para Lamarche (1993), a produção familiar caracteriza-se por uma

unidade de produção agrícola em que propriedade e trabalho estão intimamente

ligados à família. Sendo a unidade de produção ao mesmo tempo uma unidade de

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consumo, onde todos os membros da família tendem a inserir-se no processo

agrícola.

A definição de Libardoni e Suarez complementa a de Lamarche, dizendo

que:

“a produção familiar ou agricultura familiar se caracteriza por unidades de

produção de alimentos e matérias-primas que, tendo acesso à terra (em regime

de propriedade, de posse, de arrendamento ou de parceria) e aos instrumentos de produção, utilizam-se da força de trabalho de todos ou de alguns membros

da família para realizar a totalidade ou parte do processo de trabalho"

(LIBARDONI e SUAREZ, 1992:38).

A produção familiar se apropria dos meios de produção e desenvolve-os,

sendo estes aspectos importantes dentro de uma economia capitalista, para

manutenção e reprodução do pequeno agricultor familiar.

Esta questão traz à tona a discussão da agricultura familiar como forma

de sobrevivência do pequeno agricultor ao modo de produção capitalista, que

baseiam-se em questões puramente econômicas. A agricultura familiar sobrevive,

participando ou não desta economia de mercado capitalista, pois possui outros

elementos, não apenas econômicos, que permitem esta sobrevivência. Estas

características baseiam-se nas relações humanas existentes dentro da realidade

camponesa, que se definem como as relações de parentesco, apadrinhamento e

compadrio, ou de valores familiares tradicionais. Para WOORTMANN (1995), a

reprodução dos produtores depende da capacidade de resistência e adaptação das

famílias, no valor atribuído à família, ao trabalho familiar, na lealdade à tradição

e à dinâmica conservadora de sua organização social.

Dentro deste contexto da agricultura familiar e de suas relações,

analisou-se o papel dos homens e mulheres nesta realidade para melhor

compreensão de seus posicionamentos durante o processo de construção da

barragem e por que as mulheres de Miguel Rodrigues se tornam um destaque em

relação a ouras comunidades atingidas.

Aos homens cabe o papel do trabalho “produtivo” e às mulheres o

trabalho “reprodutivo”, ou seja, aos homens cabe a agricultura, a pecuária, tudo

que se relaciona ao mercado, ou sobrevivência física, às mulheres cabe o trabalho

doméstico, o cuidado da horta e de pequenos animais, tudo o que é feito para

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consumo próprio, sem contar a reprodução da própria família. Na realidade dos

atingidos de Miguel Rodrigues apenas os homens foram considerados

trabalhadores pela empresa durante as negociações, sendo que cada meeiro

recebeu seis mil reais de indenização, independentemente se a mulher e, ou, os

filhos trabalhavam ou não como meeiros:

“A gente pranta a meia a vida toda, pegar pouquinho dinheiro... é pouquinho. Todo mundo aí é meeiro, essas menina trabalha, elas pranta, nenhum entrô

como meeiro, só o pai, mas todo mundo trabalha.

[Pesquisadora] Então seu pai trabalha como meeiro, então? Trabalha, e nós ajudamos ele.(...). Mas só ele que foi [reconhecido como

meeiro e que recebeu os 6 mil]. Este ano mesmo nós plantamos ali na várzea.

Ali separado [do pai], feijão nós planta separado, com os outro. Este ano mesmo nós plantamos e tudo foi atingido e eles não colocaram a gente como

meeiro [atingida de Bicas].”

Desta forma, o trabalho da mulher não é valorizado, pois não é

considerado um trabalho produtivo, e não tem relação direta com o mercado. O

trabalho doméstico é essencial para a sobrevivência desta sociedade, onde todos

os membros da família contribuem para sua manutenção e para reposição de sua

própria subsistência, que garanta o suficiente para reprodução destas famílias.

As atividades realizadas pelas mulheres não são valorizadas até o

momento em que os homens começam a praticá-las. O valor do trabalho não está

em seu número de horas para se realizar ou na quantidade de esforço

depreendido, mas em quem o está realizando. Segundo LOBO (1992), em análise

das mulheres operárias no Estado de São Paulo, ressalta que às mulheres são

destinados os trabalhos secundários, caracterizados pela sua desqualificação,

pelos baixos salários e pela sua instabilidade. Afirma também que a redefinição

das qualificações para o trabalho, diante das mudanças tecnológicas, está baseada

na divisão sexual do trabalho, ou seja, assumem critérios masculinos e femininos.

Um estudo de CASTRO e LAVINAS (1992), citando Saffioti, correspondendo a

análise de Lobo, as autoras colocam que com as mudanças tecnológicas nos

meios de produção, as mulheres perderiam postos tradicionalmente destinados a

elas e que passariam a ser ocupados pelos homens devido ao novo “status” que

estes cargos adquiriram.

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A necessidade de visibilidade e por conseguinte valorização do trabalho

das mulheres e dos jovens deve-se ao fato de que ambos participam do processo

produtivo, além disso eles precisam tomar parte nas decisões e resultados do

trabalho realizado. Se na família há desigualdades, subordinação e não

reconhecimento do trabalho da mulher, um ponto importante que não se pode

esquecer é que existem regras de acesso a recursos e definições por dentro de

outras instituições que reforçam as desigualdades no interior da família. Não se

pode esquecer que a família é influenciada por regras sociais que estão além dela

própria.

“A família é também uma esfera capitalista, e a sua função econômica é o

trabalho socialmente necessário para a produção, reprodução e manutenção

da mercadoria força de trabalho" (LOPES, 1983:15).

No entanto, as relações de gênero não são baseadas apenas na diferença

dos papéis, pois elas são desiguais e se combinam com outras categorias sociais,

como classe e raça que legitimam uma hierarquia. As relações de gênero são

permeadas também pelas relações econômicas e pelos valores da sociedade

patriarcal construídas socialmente.

4.1. Participação feminina nos movimentos sociais

Se por um lado os EIA/RIMA não dimensionam corretamente o espaço

das mulheres na agricultura familiar, por outro, as próprias mulheres, não raro, se

percebem como “ajudantes”, “colaboradoras” no modelo de agricultura familiar.

Essa percepção do lugar das mulheres perpassa o grupo familiar, a comunidade, a

sociedade e a cultura englobante.

A di-visão do mundo entre masculino e feminino institui uma divisão de

trabalho e de papéis de gênero apontando para um modelo idealizado. Como

conseqüência deste modelo percebido e concretamente reproduzido nas práticas

sociais, as mulheres não se organizam/participam na mesma dimensão que os

homens nos movimentos sociais dos atingidos.

É impensável ignorar a diferença sexual dos indivíduos ao estudar

grupos onde a forma de concretização da família e da economia sobrepõe-se. Ou,

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no caso da construção de movimentos sociais, seria impossível ignorar as

conexões entre idealização dos papéis femininos, divisão sexual do trabalho e

organização/participação das agricultoras nos movimentos dos atingidos por

UHE.

Vale destacar que a categoria “atingidos” engloba uma diversidade de

grupos sociais unidos em torno da luta/resistência em relação à perda das terras e

suas conseqüências, ocasionados pela construção das Usinas Hidrelétricas. Tal

diversidade não se define apenas pelas formas de posse da terra e das relações de

produção conformadoras do tipo de trabalho dos “atingidos”, mas também de

diferenças regionais, de diferentes momentos do modelo de desenvolvimento

experimentado, bem como, da diversidade dos atores sociais envolvidos no

processo. Destaca-se gênero como uma categoria que complexifica o cenário das

populações atingidas. Se homens e mulheres percebem e são percebidos pelo

universo social diferencialmente é correto afirmar que no caso em questão suas

percepções e resistências configuram-se diferencialmente, seja como atingidas ou

atingidos.

Gênero é, segundo LAURETIS (1987), uma representação de uma

relação social, e para se analisar esta relação deve-se sair do mundo onde a

referência é androcêntrica, ou seja, onde ocorre a reprodução do discurso

masculino. No contexto das populações atingidas por barragens é necessário para

se entender o papel que a mulher exerce no modo de produção familiar e a partir

daí no movimento de atingidos, fazer uma desconstrução da visão que é senso

comum, inclusive das próprias mulheres, do lugar que a mulher ocupa neste

espaço social.

Na sociedade brasileira são definidas as identidades, as relações e a

divisão de tarefas entre homens e mulheres que prescrevem e justificam a

hierarquia social. Há um modelo idealizado determinado às mulheres e aos

homens, normatizando a vivência de papéis sociais que concorrem para as

marcas das desigualdades de gênero perpetuadas na sociedade. Assim, às

mulheres é designado essencialmente o universo doméstico, espaço onde se

realiza o trabalho tido como não propriamente produtivo e aos homens o

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universo público, espaço onde se realiza o trabalho produtivo. A essa

diferenciação do espaço e do trabalho pontuada pela diferença sexual

corresponde a idealização da imagem positivada da mulher como “Mãe Virgem

Maria” que se sacrifica por seu marido e filhos, cuja responsabilidade das tarefas

está ligada à reprodução biológica e social. A imagem negativizada da mulher

localiza-se na mulher livre e independente. Supõe-se que o papel do homem na

esfera pública seja o de representar política e socialmente a família bem como

provê-la economicamente. No entanto, o processo de socialização não acontece

da mesma forma nos diferentes segmentos sociais e os papéis do homem e da

mulher se modificam individualmente durante suas trajetórias de vida

(DEPARTAMENTO DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS RURAIS -

DESER, 1997).

As relações de gênero não são questões apenas da mulher pois estas

perpassam o conjunto de relações sociais. Os mundos do trabalho, da política se

dão também conforme a inserção de homens e mulheres. Isto significa que as

relações de gênero perpassam todas as realidades e todas as questões (DESER,

1997).

Nesse contexto, entende-se que não se pode compreender agricultura

familiar sem perceber as relações de gênero em seu interior, não se pode entender

as relações sociais, econômicas e culturais dos atingidos por barragens sem

perceber que estes são formados por homens e por mulheres. As mulheres

agricultoras, como em outros setores sociais, experimentam uma realidade

marcada pela desigualdade em função do sexo. Segundo LIBARDONI e

SUAREZ (1992:16), as mulheres rurais:

“(...) enfrentam a dupla discriminação por serem mulheres num país sexista e de serem rurais num país que molda sua imagem a partir da imagem primeiro-

mundista”.

As mulheres atingidas têm receio de terem que sair da comunidade, pois

se preocupam em perder os laços de parentesco e de amizade que construíram.

Nos casos das barragens de Pilar e Cachoeira da Previdência, uma grande

preocupação feminina é a manutenção da família, principalmente em relação aos

filhos e, caso a saída de suas terras seja inevitável, preferem a cidade à uma nova

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propriedade rural pois, nas cidades, os seus filhos teriam melhores estudos e

oportunidades de trabalhos na zona urbana. Na visão masculina, revela-se o

predomínio do medo da perda das terras e da produção. Este fato demonstra as

visões diferenciadas entre os sexos de acordo com a visão que cada um exerce na

comunidade.

Os homens têm o responsabilidade de representar a família fora de casa,

são aqueles que geralmente acompanham as notícias nos jornais, discutem

política nos bares. “Política é coisa de homem”. Sendo estes fatores colocados

como uma dificuldade das mulheres de se inserirem no Movimento de Atingidos

por Barragens.

Um exemplo desta dificuldade enfrentada pelas mulheres de se inserirem

nos movimentos, colocando suas necessidades, é o caso do Movimento das

Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), nascido no Rio Grande do Sul. As

mulheres que criaram este movimento, já participavam de outros movimentos

que lutavam por melhores condições de vida para o seu segmento social. Esses

movimentos caracterizavam-se por sua ligação com os sindicatos de

trabalhadores rurais e com o movimento dos sem-terra. Surgiu com o tempo a

necessidade de as mulheres trabalhadoras rurais criarem um movimento

autônomo que discutisse suas necessidades específicas, como a dupla jornada de

trabalho, a sexualidade, o conhecimento do próprio corpo, suas próprias

concepções de poder e duas relações com o poder instituído. Os líderes dos

movimentos dos quais estas mulheres faziam parte não percebiam a importância

da criação de um movimento autônomo, avaliando que as necessidades das

mulheres eram contempladas nas lutas de seus movimentos. Elas, então, criam

nos anos 80 o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (STEPHEN, 1996).

Segundo SCHAAF (1998), o movimento iniciou-se na luta pelo

reconhecimento do trabalho da mulher da roça, trabalho este, considerado como

“ajuda”, portanto, desvalorizado socialmente. O MMTR-RS acredita que todas as

pessoas e organizações que lutam por uma sociedade sem exploração e sem

discriminação devem construir e vivenciar novas relações de gênero. O ponto de

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partida do Movimento é a mudança nas relações de gênero respeitando-se as

diferenças.

Percebe-se aqui, a dificuldade que as mulheres encontraram e encontram

de construir seu próprio movimento, mostradas e exemplificadas pela história do

MMTR, mesmo dentro de organizações que lutam por direitos iguais e por uma

sociedade mais justa (STEPHEN, 1996). Tanto para os sindicalistas quanto para

o Governo, o direito feminino é visto como uma extensão dos direitos dos

maridos, não tendo utilidade para eles uma mobilização especificamente

feminina.

4.2. Mulheres e movimento de atingidos por barragens

Em Miguel Rodrigues as mulheres trabalham na roça desde pequenas, ou

seja, têm envolvimento nas atividades produtivas. Quinn, citado por FIÚZA

(1997), aponta o trabalho na roça como uma condição necessária, não suficiente,

para melhorar o “status” social feminino, gerando, entre outros fatores, maior

participação social do que aquelas que não participam efetivamente das

atividades produtivas.

No entanto, LIBARDONI e SUAREZ (1992:77) analisam que quanto

mais pura ou clássica for a produção familiar, ou seja, a mão-de-obra ser de

membros da família, mais as mulheres participam das atividades produtivas, mas

mais baixo será seu “status” social. Por isso:

“acredita-se que a relação positiva que comumente se estabelece entre

participação das atividades produtivas e „status‟ social da mulher é insuficiente para compreender a conduta dos produtores familiares, que se orientam por

uma concepção hierárquica da sociedade, segundo a qual homens e mulheres

seriam essencialmente desiguais, onde há uma perfeita compatibilidade entre ser produtivo e necessário e ser inferior e subordinado”.

Analisando as palavras de Libardoni e Suarez e Fiúza verifica-se que não

basta o fato de as mulheres estarem relacionadas com as atividades produtivas

para sua participação efetiva nos movimentos sociais, mas a elevação do seu

“status” social, ou seja, a valorização das sua atividades políticas e produtivas. O

fato de a mulher trabalhar no espaço doméstico encobre o caráter produtivo de

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suas atividades, dessa forma, para haver uma elevação do “status” social da

mulher, o que deve ocorrer é uma desmitificação do espaço doméstico, ou seja, a

politização do espaço privado.

As mulheres são excluídas do sistema decisório, de tomadas de decisão,

tanto no trabalho político, quanto familiar, segundo Libardoni e Suarez, o

desenvolvimento eqüitativo requer em munir as mulheres de habilidade e

aquisição, que no local é considerado poder, ou empowerment, das mulheres

frente aos homens.

Em Miguel Rodrigues as mulheres conseguem deter um relativo poder

caracterizado pelo fato de elas serem as principais lideranças da comunidade,

estando à frente do movimento de atingidos por barragens, sendo figuras

essenciais nas negociações com a empresa.

Figura 14 - Bandeira do movimento de atingidos na casa de uma das lideranças.

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O lugar principal de atuação, que está presente em todas as falas das

entrevistadas, é a Igreja, onde exercem função de liderança social, como

coordenadoras de catequese, coordenadoras de grupo de reflexão, ministras de

eucaristia, organizadoras de festas da padroeira e outras festas religiosas,

coordenadoras das pastorais, das comunidades eclesiais de base. As atividades,

geradas pela Igreja são, então, uma forma de as mulheres adquirirem um certo

prestígio social, sendo fortalecido pelo fato da Igreja de Miguel Rodrigues fazer

parte da Arquidiocese de Mariana, onde um trabalho de reflexão sobre os

problemas da comunidade é realizado através das Comunidades Eclesiais de

Base (CEB's), uma vez que ela se insere na ala progressista da Igreja Católica,

que é regida pela Teologia da Libertação.

4.3. A teologia da libertação e os movimentos sociais

SADER (1988) discute a definição de movimentos sociais sob a visão de

diversos autores e conclui que todos eles caminham para a definição de sujeito

ligada a idéia de autonomia, onde, à partir de experiências concretas que

encaminham-se para ações coletivas que possibilitem mudanças sociais.

Leonardo Boff, um dos teólogos da Teologia da Libertação, é citado por ele e dá

uma definição sobre sujeito:

“... a massa, mediante as associações, se transforma num povo que começa a

recuperar a sua memória histórica perdida, elabora uma consciência de sua situação de marginalização, constrói um projeto de seu futuro e inaugura

práticas de mobilização para mudar a realidade circundante (SADER,

1988:51).”

Neste estudo é interessante perceber o significado de sujeito e associação

para Boff e seu significado junto às mulheres atingidas pela barragem de

Fumaça.

A partir da década de 50, a Igreja Católica no Brasil começa a perceber

que está perdendo espaço junto às camadas mais pobres da população. Diante

deste fato, grupos da Ação Católica começam a tomar posturas de contestação

política e participar de lutas populares. Em 1961 é criado o Movimento de

Educação de Base, o qual utilizava o método Paulo Freire de educação, para,

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desta forma, conscientizar a população de menor poder aquisitivo, buscando vias

alternativas de mudança social. Neste mesmo momento o clero de Pernambuco

incentiva a criação de sindicatos rurais.

Com o golpe militar de 1964, militantes católicos passam a participar da

luta contra o regime vigente, apontando caminhos para que a Igreja readquirisse

sua inserção. Em 1969, com o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), os agentes pastorais

que estavam na luta contra a ditadura, passam a ter maior apoio da CNBB

(Congregação Nacional de Bispos do Brasil). Assim, os agentes pastorais passam

a interferir na organização interna da Igreja, alterando seu funcionamento. A

Igreja, então, afirma sua doutrina, denuncia as injustiças, passa a denunciar a

fome, a miséria, a opressão, mas sempre colocando a conversão religiosa como

prioridade (SADER, 1988).

Em 1975 surge a CPT como um organismo da CNBB com o intuito de

fomentar a organização e conscientização dos trabalhadores no campo para

“munidos de valores cristãos resistirem à expropriação violenta de suas terras”,

sendo sua ação sempre voltada aos pequenos produtores (FERREIRA, 1999:8).

As comunidades Eclesiais de Base começam a se multiplicar,

principalmente na zona rural, influenciando na politização das pessoas que nelas

participam, gerando projetos de interesse de toda a comunidade.

Para BETTO (1974), as CEB's,

"São comunidades porque reúne pessoas que têm a mesma fé, pertencem à

Igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de

lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras.

São eclesiais porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos da

comunidade de fé. São de base porque integradas com pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares)".

As CEB's surgiram com a intenção de provocar um discernimento crítico

referente às relações de poder que existem na sociedade, gerando uma

organização das classes mais sofridas e discriminadas para uma mobilização

frente às opressões (BETTO, 1974). Nas comunidades emergem a consciência

crítica do povo, a crítica à “ordem social injusta” (BETTO, 1974).

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Historicamente, a presença das mulheres na Igreja se dava em serviços

desqualificados como limpeza, preparação do altar, das novenas e dos rituais. As

CEB´s aproveitam do fato de as mulheres já estarem na Igreja e à partir deste

espaço começam a fazer um trabalho de conscientização política e social Dessa

forma, as Comunidades Eclesiais de Base vêm como uma forma de organização e

politização das mulheres que delas participam. Além de serem um espaço de

discussão e reflexão sobre os acontecimentos da comunidade. Em Miguel

Rodrigues a barragem é um tema de discussão destes grupos. Assim, as mulheres

percebem a Igreja como um lugar, ou seja, um espaço no qual mantêm uma

identidade, a mesma definida por Marc Augé, onde descobrem seus direitos,

pensam sobre as carências de suas condições de vida, julgam as injustiças da sua

realidade, seus papéis de donas de casa e trabalhadoras rurais. Em relação à

barragem conseguem ver seus impactos, os quais desencadeiam mudanças nas

relações familiares e de vizinhança. Assim, o lugar que antes era destinado às

celebrações religiosas transformou-se em um lugar de mobilização social que

gera sua participação na associação local.

Segundo dados de Betto, citado por SADER (1988:155), em 1981

existiam 80 mil CEB’s congregando cerca de 2 milhões de pessoas. Sader analisa

o motivo do êxito das CEB’s:

“Entre os motivos de seu êxito podemos pensar no caráter flexível de sua forma organizativa, na vivência de relações primárias como espaço de

reconhecimento pessoal para seus membros, no acolhimento das formas de

religiosidade popular" (SADER, 1988:156).

Segundo este autor, os debates nas reuniões seguiam o método de “ver-

julgar-agir”, fazendo com que as pessoas percebessem seus problemas,

“enxergando-os”, pensassem sobre eles, inclusive numa forma de resolvê-los e

“agissem”, concretizando as ações “julgadas”, de modo que os problemas deixem

de ser considerados como fatalidades, e que a ação reflexiva se torne uma ação

prática. SADER (1988:162) define este método:

“As relações primárias de solidariedade e as referências cristãs induziram à

reelaboração idealizada de uma vida comunitária do passado rural. Nesse

quadro se produz uma forte coesão interna e um reconhecimento pessoal construído à base de confiança entre seus membros. É a partir dessa

sociabilidade primária que seus membros efetuam uma reelaboração das

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experiências cotidianas de existência, com categorias para criticá-las e

referências para as ações coletivas visando transformá-las”.

As falas dos militantes das comunidades de base sempre enfatizam a

idéia de libertação, a libertação dos pecados sociais e pessoais. A “Igreja da

Libertação” “compreende o pobre não como objeto, mas como sujeito de uma

ação social transformadora” (FERREIRA, 1999:23). Esta “Igreja da Libertação”

ou “Igreja dos Pobres” utiliza-se dos princípios da Teologia da Libertação que

veicula idéias e fundamentos teóricos aplicados às ações pastorais e projetos

expressos nas Comunidades Eclesiais de Base e na pastoral renovada. Para

FERREIRA (1999:34), o que vai orientar o pensamento baseado na Teologia da

Libertação é:

“o ideal de comunidade fraterna, da comunhão entre filhos do mesmo pai

sendo que o sagrado sempre está presente em todas as suas práticas, se relacionando às lutas e às causas populares, não só para a crítica social e

política, mas também para a crítica eclesial, fundamentando uma utopia

igualitária da sociedade e na igreja”.

SHERER-WARREN (1993:33) define os princípios da Teologia da

Libertação:

“O princípio orientador básico, ou seja, a utopia da Teologia da Libertação é de, através de sua opção preferencial pelos pobres e engajamento nas lutas

contra variadas formas de opressão, desencadear um processo histórico de

libertação dos povos latino-americanos. Parte-se também do princípio de que o homem deve ser o sujeito de seu destino pessoal”.

Em Miguel Rodrigues foi iniciativa de um padre e das ministras de

eucaristia a criação da Comunidade Eclesial de Base desta localidade. A partir de

então, passam a ler e interpretar o Evangelho, refletindo sobre os problemas de

sua comunidade. O papel da Igreja foi importante, pois fez com que estas

mulheres passassem a ter uma visão crítica de sua realidade, além de fazerem

parte da esfera pública, onde, nas celebrações lêem em voz alta e se colocam de

pé na frente de todos, além de viajarem e trocarem experiências em encontros

religiosos. Foi iniciativa também de um padre a criação da associação; ele veio à

comunidade para alertar sobre os impactos causados pelas barragens e incentivou

os atingidos a formarem a AMABAF, também com participação das entidades de

assessoria, incluindo a CPT. Percebe-se, então, o papel importante da Igreja no

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processo de participação feminina no movimento de atingidos por barragens

nesta localidade.

Quanto aos trabalhos realizados pela CPT e pelas CEB’s relacionado às

mulheres, Adriance citada por Ferreira, verificou mudanças nas relações de

gênero em localidades no Norte do Brasil. A partir da intervenção destas

organizações, mudanças nos papéis tradicionalmente destinados à mulheres

foram verificadas. As mulheres, participantes do movimento de atingidos,

passam a fazer parte da esfera pública, na medida em que começam a dirigir

cultos religiosos, tornando-se sindicalistas, enfrentado a polícia na luta pela terra,

candidatando-se e sendo eleitas aos cargos políticos. Desta forma, estas mulheres

passam a viver dialeticamente papéis que foram tradicionalmente impostos à elas

com grande contribuição da “Igreja Católica Conservadora” e que ao mesmo

tempo passa a ocupar um lugar diferenciado na sociedade com participação

política. Desta forma a “Igreja Popular” contribui para complexificação das

relações de gênero na medida em que incentiva uma nova inserção das mulheres

tanto na família, quanto na sociedade como um todo. A CPT, através do

incentivo da mudança do olhar das mulheres sobre as leituras do Evangelho,

inicia reflexões e questionamentos sobre o papel destinados à elas na sociedade.

A presença da Igreja é bem marcada na vida das atingidas de Miguel

Rodrigues fato evidenciado na construção dos mapas feitos pelas mulheres. De

acordo com a técnica de mapeamento, no qual elas desenharam a Igreja em

primeiro lugar, com o tamanho bem maior do que os outros elementos constados

no desenho. Outro fato é que no desenho do Diagrama de Venn, elas colocaram a

Igreja como a maior esfera, a que englobava todas as outras instituições, sendo a

instituição de maior importância na visão delas.

A experiência adquirida na CEB´s possibilitaram a capacitação das

mulheres atingidas pela UHE Fumaça e também contribuiu para uma maior

participação no movimento local de atingidos.

O trabalho da Igreja é feito basicamente por mulheres, sendo que existem

alguns poucos homens envolvidos. O trabalho consiste em várias pastorais, como

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a da criança, grupos de reflexão, grupos de jovens, organizações de festas

religiosas.

Através desta participação, muitas delas já saíram da comunidade para

participarem de reuniões em outros municípios, para encontros ou eventos

organizados pela Igreja. Quando questionadas se o marido não falava nada do

fato de estarem viajando elas diziam que eles entendiam o trabalho delas.

A religiosidade tem presença muito forte na comunidade,

transparecendo-se tanto nas falas das entrevistadas como nos objetos e quadros

pendurados nas paredes das casas e na participação das CEB’s. Um padre vem

para celebrar a missa algumas vezes ao mês na comunidade, mas todos os

domingos a comunidade se reúne na Igreja e é realizado um culto que é

conduzido pelos ministros da eucaristia, que são sete, sendo cinco mulheres e

dois homens. É no culto também que são dados os recados à comunidade, como

as reuniões que irão acontecer com a empresa responsável pela construção da

barragem, com a associação de atingidos ou alguma outra.

Antigamente, as missas realizadas na comunidade eram rezadas em

latim. Com a mudança da Arquidiocese de Mariana em suas posturas teológicas,

assumindo atitudes que a tornaram mais progressista, tendo maiores afinidades

com a problemática da população local, os padres começaram a visitar as

comunidades para fazerem um trabalho mais reflexivo com a comunidade local,

onde pudessem refletir sobre seus problemas e assim enfrentá-los. Uma das

entrevistadas, Zenilda, contou que o padre reuniu as pessoas mais envolvidas

com a Igreja e disse que não era mais para se rezar em latim e que agora seria

feito um trabalho de reflexão, que iam pensar a comunidade de uma forma

diferente, criando as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral da Criança,

grupos de reflexão e catequese. Isso ocorreu há uns dez anos atrás. Zenilda

comentou a dificuldade que tiveram no início, mas que hoje conseguiram e fazem

um trabalho muito bom. A partir desse momento o termo, “comunidade” passa a

fazer parte do vocabulário destas pessoas para designarem o lugar e as relações

existentes em Miguel Rodrigues. Verifica-se um trecho das falas de Zenilda:

“Na época tinha uma cultura muito antiga de rezá em latim, aí foi numa

reunião, há uns dez anos que o Padre João Batista veio pra cá e disse: „A sua

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comunidade tem que mudar, vocês só reza‟, eu agradeço muito isso porque

entrou a CEB‟s (Comunidade Eclesial de Base). (...) A gente começou um

grupinho, só mulher, de homem tinha Joãozinho, agora nós vamo começá a

nossa história, vamo começá nosso grupo de reflexão. Aí o padre começô a colocá o Evangelho na nossa mão, a gente não sabia de nada, quando ele falô

com nós assim: „Ô gente, vocês tem olhar com transparência, a comunidade

tem que ser vista com transparência, pra enxergar o que tem atrás daquele morro‟.”

O grupo de jovens já foi mais ativo, disseram as atingidas, parou porque

estavam no mês de festas típicas da região, como exposições agropecuárias.

Sendo as reuniões aos sábados, eles não compareciam. Mas segundo a

coordenadora, antes era bem ativo. Os jovens se reuniam, liam uma parte da

bíblia, e em cima da leitura era feita uma reflexão sobre algum tema da vida

deles, como as drogas, emprego. A barragem já foi um tema discutido entre eles.

A coordenadora disse que os jovens não têm opinião diferenciada da dos adultos,

que uns são a favor da barragem porque pode trazer emprego e outros são contra

porque vai afetar a liberdade deles de ir e vir, pelo fato de virem pessoas

estranhas para a comunidade para trabalharem na construção da barragem. Esta

vinda de estranhos pode causar aumento da violência, prostituição, como já foi

observado em outras comunidades, no caso, a comunidade atingida pela UHE

Cachoeira do Emboque localizada na região da Bacia do Alto Rio Doce. Os

principais motivos deles serem contra as barragens são referentes à falta de

liberdade, a preocupação com as crianças, já que muitas casas vão ficar próximas

do lago e os problemas de doença por causa do lago.

As mulheres que participam da Igreja, participam, desta forma, de

atividades fora de casa, onde conquistam outros espaços sociais. Para Fiúza:

"Se por um lado a Igreja tem papel fundamental na forma de as mulheres se

submeterem a uma ordem social baseada na tradição, fornecendo explicações legitimadoras para que aceitem com naturalidade a ordem do que sempre

existiu e, assegurando seu papel como mãe e esposas devotadas ao lar, por

outro lado, dentro dessa mesma Igreja, cria-se uma série de possibilidades de

participação para a mulher em atividades fora de casa" (FIÚZA, 1997).

A Igreja torna-se um espaço onde as mulheres participam principalmente

das pastorais e grupos de reflexão, extrapolando a esfera doméstica, passando a

ter maior conhecimento, maior vontade de participar e maior reflexão e

conhecimento dos problemas da comunidade.

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4.4. O lugar das mulheres na comunidade

As mulheres de Miguel Rodrigues trabalham na roça desde pequenas,

nas plantações de milho, arroz e feijão, onde as entrevistadas trabalham desde

mais ou menos sete anos de idade, como se pode observar nestes depoimentos:

“Desde pequeno (que trabalha na roça), nós estudava no Barro Branco, então

nós trabalhava lá um pouco, almoçava e depois vinha de volta, nós era pequeno

ainda, tava com 7 anos.”

“Pranta, as menina ajuda, se tava tudo aí ia pra roça, fazia o almoço, fechava

a casa e ia tudo pra roça, toda vida eu gostei mais de ir pra roça que ficá

dentro e casa, desde os 7 ano batendo enxada..”

Elas trabalham na roça até hoje, além de cuidarem da casa e dos filhos,

com algumas poucas exceções, como é o caso de uma delas que tem que ficar em

casa cuidando dos pais que já são muito idosos e os irmãos não moram mais em

casa. A maioria das entrevistadas tem origem ali na comunidade mesmo,

nasceram e foram criadas naquela região entre Miguel Rodrigues e seus

arredores.

[Pesquisadora] você é nascida aqui?

Nascida e criada aqui, mãe, vó, tudo daí.

O armazém, além de ser um local de se fazer compras é também um

local de lazer, onde existem mesas de sinuca e onde os homens reúnem-se para

beber a “sua pinguinha” e conversar. As mulheres só freqüentam o armazém

quando realizam suas compras.

As mulheres casaram-se na região mesmo e nunca saíram da comunidade

para morar em outros lugares. Atigamente os maridos saíam para trabalhar fora e

deixavam as mulheres com as crianças, eles iam em janeiro e voltavam em

agosto, plantavam e deixavam para as mulheres e os filhos colherem. Geralmente

destinavam-se a Belo Horizonte ou a São Paulo. Ficavam alguns meses e, de

tempos em tempos, voltavam para casa, onde ficavam as esposas e as crianças.

Hoje quem sai são os jovens em busca de empregos nos grandes centros (São

Paulo e Belo Horizonte), em busca de melhor qualidade de vida, mas estão

retornando rápido devido à falta de oportunidades nessas cidades; as filhas têm

mais dificuldade de sair porque trabalham geralmente em casa de família como

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empregadas domésticas ou babá e, para isso, têm que dormir no emprego, sendo

para elas muito difícil “ficar na casa dos outros”.

A ausência masculina observada em algum momento da vida das

entrevistadas pode ser uma forma de compreender a participação efetiva das

mulheres na associação de atingidos, pois estando os homens ausentes da casa,

elas é que têm que tomar as decisões, e no caso do processo de construção de

barragens, elas que têm que representar a família nas reuniões. A maioria delas

diz acompanhar as reuniões desde o início. Esta ausência também pôde ser

constatada nas discussões ocorridas durante a construção dos mapas.

No estudo de MAIA (2000), a autora busca através da ausência/presença

masculina verificar as mudanças sociais ocorridas em comunidades do Vale do

Jequitinhonha-MG. Estas mudanças se dão pelo fato de as mulheres do Vale,

além de assumirem o papel designado a elas de trabalho doméstico e criação dos

filhos, assumirem também o dos homens no cultivo da roça, já que eles passam

mais tempo “fora”, trabalhando nas lavouras canavieiras no Estado de São Paulo

do que na comunidade.

Dizem as mulheres de Miguel Rodrigues que os homens não pensam no

futuro, são imediatistas, querem as coisas na hora. Este foi um dos motivos pelo

qual a negociação com a empresa foi por indenização. Inicialmente, a maioria

dos atingidos queria reassentamento, mas como o processo é demorado, os

homens, não agüentando a situação e tendo dívidas a pagar, preferiram terminar

o plano de negociação que foi criado junto com a assessoria, para pedirem

dinheiro a empresa, que resultou no pagamento de R$ 6.000,00 para cada meeiro.

Este imediatismo relacionado aos homens é ressaltado por algumas entrevistadas

e a fala de Zenilda aponta este fato:

“Os homens tem uma cultura diferente da nossa, porque a mulher hoje, nós

mulheres hoje estamos preocupadas em ter uma moça diferente dentro de casa,

ter um rapaz que tenha profissão, que tenha estudo, e o homem não pensa nisso sabe. (...) Sabe o que eles fazem, vão pro boteco beber cachaça, eles não sabem

planejar, eles preferem ter um papo com os amigos do lado de fora, do que

planejar um futuro melhor para os filhos. Mostrá pros filhos que eles tem cuidar melhor da natureza, que a gente tem que vivê de outra forma, que o

mundo mudô e a gente tem que saber viver nesse mundo. Eu combati direto com

o meu marido, ele fala que tá aqui na roça sem estudo sem nada, que reunião é bobagem, que Igreja é bobagem, não salva ninguém. O objetivo da mulher é

esse, ter um homem diferente, que eles enxergasse a realidade hoje pra não

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sofrê mais no futuro. (...) O nosso sonho é esse, os nosso homens também tá

com a gente participando. Quando vai as mulher nas reunião de barragem, nós

tamo lá, mas nós queira que os home que tivessem, pra eles aprender a enfrentá

as dificuldade que tem na família, eles enfrentá com a empresa, eles enfrentando, mas consciente, (...) mas é difícil de segurá homem na reunião,

eles fica apavorado, que tá perdendo dia, tá perdendo hora, não pode voltá

amanhã (...). Porque teve muita mulher que quis segurá a negociação, mas o homem falava: „eu que mando na minha casa quem manda aqui sou eu. Casa

que galinha canta, dia não amanhece‟, esse é o ditado deles.”

Outro aspecto observado nas falas das mulheres é o fato delas

freqüentarem mais tempo a escola, obtendo melhor nível de escolaridade. Os

homens, ao contrário, ao migrarem para Belo Horizonte ou São Paulo,

interrompem seu processo de escolarização. Elas comentaram também que os

homens, menos disciplinados, freqüentavam menos as aulas do que as mulheres,

que os meninos fugiam e se escondiam no mato para não terem que ir à escola.

A maioria dos moradores da comunidade é meeiros que plantam arroz,

feijão e milho, além de alguns fazerem panela de pedra sabão13

. Mas possuem

sua horta no fundo do quintal onde plantam legumes e verduras além de plantas

medicinais. Existe o grupo da “saúde alternativa”, que faz o teste bioenergético

nas pessoas e indicam plantas medicinais em forma de pomadas, xaropes e

tinturas para tratamentos de alguma enfermidade. Estas práticas foram levadas

até a comunidade por influência da Igreja, sendo as mulheres suas principais

referências.

Todas as entrevistadas disseram contribuir monetariamente com o

sindicato, mas não têm muita clareza do por que ou mesmo achar importante a

existência desta entidade representativa dos trabalhadores. Elas não foram

capazes de narrar uma reunião acontecida no sindicato. Quando perguntadas

sobre o que se discutia nas reuniões elas desconversavam ou diziam que era

muita coisa, que não dava pra guardar na cabeça. O que pode ajudar a

compreender essa fraca alusão é o fato de as mulheres não terem o sindicato

13 Depoimento de um atingido, Sr. Jacó de 74 anos, durante uma reunião da associação (AABF), com a

advogada contratada por ela, que a pesquisadora participou: “Tenho uma pedreira de mais ou menos

147 metros de frente, uns 80 metros de comprimento e uns 30 metros de altura. Há uns 40 anos

trabalho nessa pedreira. Os meu sete filho me ajuda. Pela nova marcação, a água vai chegar mais ou

menos no meio dessa pedreira” Esta pedreira é de pedra sabão e utilizada para extração de pedra para

confecção de panelas.

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como um lugar onde se sentem à vontade para interferir, assim como o

movimento de atingidos por barragens. Quando foram questionadas se nas

reuniões do sindicato havia sido discutido a questão das barragens, todas

afirmaram que não e que também não foram tiradas nenhuma posição em relação

ao problema enfrentados pelos atingidos. Agora, dizem as entrevistadas, talvez se

discuta esta questão, porque o presidente é um possível atingido por outra

barragem, a dos Caldeirões. Mas elas dizem que ele tem bastante terras, quando

se perguntou se ele era meeiro elas disseram “ele é que tem meeiro”. O sindicato

tem sede no município de Diogo de Vasconcelos, com extensão a várias

localidades da região, além de Miguel Rodrigues.

4.5. As mulheres atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica Cachoeira

da Fumaça

Este item tem a intenção de fazer uma análise geral da participação das

mulheres de Miguel Rodrigues no movimento de atingidos por barragens, e

também de fazer a trajetória das duas principais lideranças da comunidade, Maria

e Zenilda.

Começando com a trajetória dessas duas mulheres a primeira a ser

descrita é a de Zenilda.

Zenilda teve uma vida difícil desde criança, seu pai era alcoólatra e batia

na mulher e nos filhos. O pai era bastante violento. Na época, chegou a matar

duas pessoas e até a dar tiros dentro de casa. Quando a mãe de Zenilda estava

doente, com câncer, o pai desejava que ela morresse logo e a tratava com

palavras violentas. A mãe de Zenilda faleceu com a doença. Ela diz não guardar

mágoa do pai, que ainda está vivo, que tira os ensinamentos positivos que ele

deixou. Zenilda sempre esteve envolvida com os trabalhos da Igreja e foi uma

das fundadoras da CEB em Miguel Rodrigues, participando de todo o processo

de reflexões e amadurecimentos sobre a comunidade e seus problemas. Foi

catequista por vários anos e hoje é ministra da eucaristia, coordenadora da

palavra nas celebrações de domingo. É também coordenadora da comunidade,

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nos trabalhos da Igreja, em geral, é responsável por zelar pelo bem estar da

comunidade, segundo palavras de Josefina. Contribuiu para a criação da primeira

associação de atingidos quando entrou como secretária fazendo parte da diretoria.

Sempre viajava para reuniões representando os atingidos de Miguel Rodrigues. É

casada com o irmão de Maria. Morou muitos anos na casa de Maria e de seu pai,

seus filhos foram criados por ela, segundo suas próprias palavras. Quando

precisava viajar para alguma reunião de atingidos, Maria é que tomava conta de

seus filhos menores. Zenilda entrou na diretoria da associação junto com o

marido de Maria, Carlos. Mas Zenilda e Carlos tiveram atritos logo no início, o

que gerou a saída de Carlos da associação ao final de seu mandato; já Zenilda

entrou novamente como secretária. Mesmo estando no cargo de secretaria,

Zenilda sempre foi uma referência no movimento de atingidos por barragens e,

segundo suas palavras, sempre zelou pelo bem da comunidade, sempre fez o

possível para que os direitos dos atingidos fossem reconhecidos. Sofreu muitas

pressões durante as negociações com a empresa, por parte dos atingidos,

inclusive de seus familiares que achavam que ela é quem detinha o poder de

pagar ou de colocar ou não alguém na lista de atingidos. Através da trajetória de

Zenilda percebe-se que ela sempre teve um papel de liderança na comunidade,

percebe-se também que Zenilda tem uma visão política nacional, tem

informação, o que não se verifica no caso de Maria. Maria está começando a ter

uma atuação política e a crescer com ela.

Maria perdeu a mãe quando ainda era criança, “de doença” e morou a

vida toda com o pai, onde permanece até hoje. O pai demorou anos para se casar

novamente e hoje moram na casa Maria, o pai, a madrasta, os dois filhos e o

marido, Carlos. Maria não é casada nem na Igreja e nem no civil, é “amigada”.

Este foi um fator para que seu irmão, marido de Zenilda, brigasse com ela, ainda

mais porque Carlos é um forasteiro, “vem de fora”. Hoje, Maria e o irmão não se

falam. Maria não gostava muito de freqüentar a Igreja, apesar de seu pai ter sido

sempre um homem bastante religioso, que faz parte da Sociedade São Vicente de

Paula e assiste missas na televisão todos os dias. Foi Carlos quem lhe mostrou a

importância de participar das missas; ela diz que Carlos mudou muita coisa em

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sua vida. Maria não participava da associação e nem tão pouco ia às reuniões de

atingidos, diz que não achava importante, que achava que a barragem não ia sair.

Quando Carlos começou a se envolver e se candidatou à presidência da

AMABAF, Maria perguntou: “Você sabe aonde está se metendo?”, e ele

respondeu que sim, que ele saiu de Pernambuco atingido pela barragem de

Itaparica. Maria ficava em casa quando Carlos e Zenilda iam viajar para os

encontros e reuniões do movimento, cuidando de seus filhos e dos dela. Ela diz

que Zenilda não deu espaço para ela crescer porque alguém tinha que cuidar das

crianças e este papel era designado sempre a ela. Maria hoje é a presidente da

nova associação a AABF e referência principal do movimento local. Ao

responder a pergunta do porque ela ter começado a participar do movimento e

chegado onde chegou, ela contou que achava que os caminhos seguidos pela

associação não estavam trazendo benefícios para os atingidos. Pelo contrário, que

as negociações estavam caminhando conforme a empresa desejava e estava em

um estágio em que a assessoria tinha sido colocada de fora do processo. Daí ela

achou que as coisas deveriam mudar, que atuação da associação deveria ser feita

de forma diferente e principalmente que a assessoria da CPT, de Viçosa e dos

padres deveria voltar, que a associação deveria seguir uma orientação nacional do

Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). Assim Maria muda sua posição

de passividade frente à construção da usina para uma de direcionadora, ancorada

pelas assessorias, da luta dos atingidos locais.

Hoje, na comunidade, Zenilda faz parte da Igreja, mas a maioria das

pessoas desfiliaram-se da AMABAF (Associação dos Moradores Atingidos pela

Barragem de Fumaça) e a associação que tem poder político é a AABF

(Associação dos Atingidos pela Barragem de Fumaça). A AABF conseguiu

vários adeptos pois conseguiu fazer a “firma” reconhecer os diaristas, os

garimpeiros e os artesãos como atingidos além de tentar renegociar os atingidos

que não estavam satisfeitos com a negociação inicial.

Analisando as mulheres de Miguel Rodrigues e sua participação no

movimento, conclui-se que as atividades, geradas pela Igreja, abrem a

possibilidade das mulheres adquirirem prestígio social, elevando seu “status”

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social, ou seja, empoderando-as na medida em que podem exercer funções de

lideranças como coordenadoras da comunidade, catequistas, organizadoras de

eventos religiosos, coordenadoras de grupos jovens e de grupos de reflexão. O

fato delas participarem das atividades de produção e de ter havido uma certa

ausência masculina em algum momento da vida destas mulheres, contribuiu para

que elas assumissem atividades que seriam “destinadas” a eles, caso estivessem

presentes, o que permitiu a elevação do “status” social das mulheres de Miguel

Rodrigues. Com a construção da barragem, que causa modificações nas esferas

econômicas, sociais, culturais e ambientais na vida das comunidades atingidas, o

medo da perda de seu “lugar” e de seu “território”, onde ocorrem suas relações

de parentesco e vizinhança e que, desta forma, conseguem manter sua

sobrevivência e criação dos filhos, as mulheres extrapolaram este

empoderamento para o movimento de atingidos por barragens e se tornaram suas

principais lideranças.

Um estudo feito por WOORTMAN (1992), mostra as variações das

relações de gênero com as modificações do espaço e tempo. Ela faz uma análise

de comunidades “pesqueiras” do nordeste onde verifica as mudanças que

ocorrem no papel das mulheres com as modificações ocorridas com a vinda do

turismo, o processo de concentração de terras, a necessidade de se intensificarem

as relações e mercado. Utilizando-se deste estudo e trazendo para a realidade dos

atingidos por barragens, nota-se também uma mudança nas relações de gênero

em Miguel Rodrigues, modificada pelas mudanças de espaço e tempo. Com a

vinda da empresa para a comunidade, o espaço de atuação social da comunidade

é marcado pela possibilidade de perdas sociais, econômicas e culturais como já

foi discutido durante este estudo, esta perda fez com que as mulheres adotassem

uma posição de luta pelos direitos da população atingida e de enfrentamento com

a empresa interessada no projeto de construção da usina. As mulheres sentem

medo de perder sua liberdade, liberdade esta que têm de ir e vir dentro da sua

comunidade, onde todos se conhecem e que pode estar sendo ameaçada pela

presença de “estranhos” que chegam para trabalharem na obra, modificando as

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relações dentro da comunidade. As mulheres preocupam-se com suas filhas

jovens e nas possíveis relações que podem ter com estes “estranhos”.

O conjunto de fatos destacados neste item pode ser o motivo pelo qual as

mulheres de Miguel Rodrigues organizaram-se e se tornaram referências no

movimento dos atingidos local, inclusive mostrando suas experiências em outras

localidades também atingidas.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas considerações devem ser feitas antes de se chegar à alguma

conclusão referente a este estudo. Conclusão não em um sentido de fim, de se

colocar um ponto final das discussões aqui geradas, mas no sentido de se

aprofundar as questões aqui levantadas e que assim fizeram gerar novos

questionamentos e o crescimento e enriquecimento do trabalho realizado.

Vários motivos levaram estas mulheres a ocuparem o lugar de lideranças

locais na luta a favor dos direitos dos atingidos em Miguel Rodrigues. O fato

delas terem vivenciado um período em que os maridos estavam ausentes, levou-

as a assumir uma posição social de representação da família no lugar que seria

tradicionalmente destinado aos homens. A Igreja, na qual elas têm um sentimento

de lugar, onde tem uma relação de identidade e pertencimento, lugar este que

contribuiu para seu crescimento político puderam assumir sua posição enquanto

sujeito no processo de construção da barragem atuando dentro do movimento

local, tornando-se referências principais nas relações com a empresa. Lugar onde

passaram a questionar sua realidade percebendo seus problemas e se

organizassem para enfrentá-los, sendo alguns exemplos a pastoral da criança,

onde seu maior desafio é acabar com a desnutrição das crianças da comunidade.

Algumas destas mulheres organizaram-se, criaram um grupo de “saúde

alternativa”, que através do Teste Bioenergético produzem um diagnóstico com

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os principais problemas de saúde da pessoa e indicam o tratamento através de

utilização de tinturas e pomadas de plantas medicinais. Os grupos de reflexão são

importantes, onde elas exercitam as discussões sobre o que está escrito na Bíblia.

O medo da perda das suas terras e, conseqüentemente, do território e das

relações sociais presentes na comunidade, o medo da perda da liberdade, a

preocupação com o futuro da comunidade, que fizeram parte a todo momento do

discurso delas, fizeram com que assumissem papéis de extrema importância na

conquista de várias vitórias no processo de afirmação de seus direitos, que

permeiam a relação atingido/empresa construtora da usina. O papel assumido por

estas mulheres no processo de construção da barragem trouxe vários ganhos para

a luta dos atingidos pelos seus direitos. Além de trazer uma experiência de

organização política para a comunidade.

Uma das questões que se coloca no momento é se as mulheres desta

comunidade percebem a importância do papel que estão assumindo, “quebrando”

e modificando papéis sociais que são impostos a elas, mudando as relações

sociais tradicionalmente existentes onde o homem assume o espaço público e

político enquanto a mulher cuida da casa, dos filhos e do marido. Talvez estas

mudanças na esfera política gerem mudanças na esfera privada, passando essas

mulheres a tomar atitudes diferenciadas também na sua casa, nas relações

familiares, e tomando esta posição que possa durar mesmo depois de terminado o

processo de construção da usina. Mas muita coisa já mudou. Maria que era

“quietinha”, segundo ela mesma, não falava e não opinava, que não percebia a

importância do movimento e não imaginava o que a barragem poderia trazer para

a população local, hoje é uma das principais lideranças da comunidade, não tem

medo de enfrentar os representantes da empresa e exige os direitos dos atingidos

empunhando a bandeira do MAB, lutando por melhores condições de vida da

população de sua comunidade. Josefina, chamada de “raizeira” porque é a

principal referência em se tratando de plantas medicinais, hoje viaja pelo país

representando os atingidos pela UHE Fumaça, faz cursos de formação política

organizados pelo movimento nacional dos atingidos por barragens. Zenilda, que

apesar de ter saído enfraquecida da divisão da comunidade em relação às duas

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Associações, em seu discurso nunca deixou de dizer que o que estava em

primeiro lugar na sua vida era o bem estar da comunidade e principalmente dos

atingidos.

As mulheres de Miguel Rodrigues mostraram-se diferentes de outras

realidades de atingidos por barragens na Zona da Mata mineira. Demonstraram

um poder de luta que gerou várias conquistas do movimento de atingidos local.

As mulheres têm sua história marcada pela presença da “Igreja Libertadora” que

as incentivou a questionar a realidade, a refletir sobre os papéis que lhes foram

impostos pela sociedade e pela própria Igreja, gerando uma relação dialética com

ela. Ao mesmo tempo, a Igreja que é a principal mantenedora dos papéis sociais

tradicionais que as mulheres devem exercer como mãe, dona de casa, servindo ao

marido e à família, teve, nesta localidade, crucial importância na construção de

um sentimento de luta e preservação das relações de parentesco e de amizade, da

preocupação com o futuro dos filhos e de sua família gerados com a

possibilidade de construção da usina. As mulheres mostraram-se firmes diante

das ameaças e tentativas de corrupção da empresa, que tratou a população

atingida como mero obstáculo que impedia a realização de seu projeto

direcionado apenas aos ganhos econômicos, lucros para os requerentes da obra.

As mulheres, historicamente, tiveram entraves para participarem dos

movimentos sociais, urbanos e rurais, os quais não viam a importância das

mulheres se colocarem como sujeitos também do processo que estavam

enfrentando. Com o tempo, as mulheres foram percebendo que elas tinham uma

luta própria, que tinham opiniões formadas sobre os movimentos e o papel que

ocupavam enquanto trabalhadora e que tinham reivindicações próprias a fazer, já

que ganhavam menos que os homens, não podiam ter a posse de terras, seus

direitos sempre foram vistos como extensão dos direitos dos maridos. Mas, em

suas lutas, realizaram várias conquistas e direitos antes negados a elas.

A preocupação com o futuro da família, dos amigos e dos parentes, com

a comunidade, fato colocado várias vezes pelas atingidas de Miguel Rodrigues,

juntamente com os vários fatores observados e analisados neste estudo fizeram

com que estas mulheres assumissem a luta dos atingidos e através dela, não

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apenas conseguiram várias conquistas dos direitos da população local, mas se

tornaram sujeitos do processo e passaram a ocupar uma posição onde se tornaram

referência nas decisões e rumos do movimento local.

Estas mulheres “invadiram” um dos espaços destinados aos homens,

romperam de forma significativa com o papel destinados a elas na sociedade.

Mas um questionamento ainda fica em relação a esta atitude destas mulheres.

Será que elas estão reproduzindo ações masculinas ou estão criando uma forma

propriamente feminina de participação e de luta por seus direitos? Será que elas

têm consciência de que estão quebrando relações sociais tradicionalmente

impostas a elas? Estas questões poderão ser respondidas após o processo de

construção da barragem, onde serão verificadas as posições que estas mulheres

irão tomar em relação à comunidade e as relações que as regem, para se analisar

se elas criaram uma real consciência das ações que estão realizando agora,

durante o processo de construção da barragem e na organização do movimento, e

se esta maior autonomia adquirida irá permear o seu cotidiano

Estas mulheres mostraram a importância de se estar modificando seus

papéis sociais e políticos na luta por melhor qualidade de vida, afirmação de seus

direitos, na luta por uma sociedade mais igualitária mais justa, onde todos

participem de forma eqüitativa da construção e desenvolvimento desta sociedade

bem como de seus frutos.

Mas muito ainda deve ser mudado no processo e construção de barragens

no Brasil, tanto para atingidos como para atingidas. As mulheres de Miguel

Rodrigues são um exemplo na Zona da Mata mineira diante de uma realidade de

vários projetos de construção de barragens no Estado. Além do mais, elas

tiveram muitas conquistas, mas muita coisa a empresa conseguiu implementar de

acordo com seus interesses; a luta é diária, cotidiana, muitas delas saíram feridas

da luta, como é o caso de Zenilda que sofreu diversas acusações durante o tempo

em que era referência principal no processo. Ainda falta muito para que o

processo se apresente de forma mais democrática com participação efetiva da

população local atingida no processo. Atualmente, com o discurso do governo

federal de racionamento de energia, cada vez mais o processo tende a se tornar

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menos democrático e mais rápido, com o argumento que o país necessita de

maior geração de energia. Desde o início, o processo é realizado de maneira a ser

atendidos apenas os interesses por parte da empresa responsável pela construção

da usina e colocando os atingidos na posição objetos e não sujeitos no decorrer

das relações empresa/atingidos. O movimento nacional tem dificuldade de se

articular pois o movimento de atingidos por barragens enfrenta realidades

diferenciadas já que a categoria atingidos não representa uma classe social ou

uma cultura determinada, um atingido pode ser um pequeno ou grande produtor,

pode ser branco ou negro, homem ou mulher e podem ocorrer em diversas

regiões do país. Mas a sua luta desde a sua criação trouxe várias conquistas e

gerou a minimização dos impactos causados pelos projetos de barragem em todo

o país.

A relevância deste estudo está em demonstrar que as mulheres de Miguel

Rodrigues mostraram a sua força e mostraram também que existe esperança para

que o futuro do país e das relações sociais que o regem possam seguir numa

direção onde os direitos de seus cidadão possam ser garantidos. As atingidas e os

atingidos ao tentarem resistir às mudanças geradas pela construção das barragens,

no seu modo de vida, mudaram, mas não mudaram sozinhas, obrigaram muitas

vezes a ALCAN a mudar seu comportamento e seu procedimento no tratamento

com a população local, que pode representar um passo de uma longa caminhada

da luta dos atingidos pelos seus direitos no processo de construção de uma usina

hidrelétrica.

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