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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X MULHERES E O URBANO: APREENSÃO DO GRAFFITI NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Ana Luísa Silva Figueiredo 1 Resumo: O presente trabalho pretende discutir a presença de mulheres na cena do graffiti paulistano tomando como objetos de estudo os trabalhos de Carolina Teixeira, ativista feminista, grafiteira e integrante dos coletivos Fala Guerreira e GOMA, da zona Sul de São Paulo, Évelyn Queiróz, autora da Negahamburguer, artista plástica e grafiteira feminista e Cristiane Monteiro, designer, grafiteira e criadora do projeto 'Graffiti Mulher Cultura de Rua', ambas nascidas em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. As três artistas trazem em seus trabalhos temáticas feministas: Carolina estampa seu 'Útero Urbe', Évelyn as mulheres de 'Beleza Real' e Cristiane, negras empoderadas. Fenômeno urbano e coletivo, o graffiti, no qual frequentemente os agentes se constituem em crews 2 , abarca esses trabalhos femininos que ganham maior visibilidade a partir do momento em que se inserem em redes feministas conquistando, dessa forma, um importante espaço num cenário, nacional e internacional, fortemente marcado pela cultura e valores masculinos. Apontar as formas pelas quais o graffiti produzido pelas mulheres em São Paulo ressignifica o espaço urbano, proporciona novas formas de sua apropriação e explicita processos de empoderamento feminino é o objetivo desse trabalho, fruto de uma pesquisa de mestrado em andamento desenvolvida no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, campus de São Carlos, Brasil. Palavras-chave: Graffiti, arte, mulher, corpo, empoderamento. Introdução e objetivos A região metropolitana de São Paulo (RMSP) é conhecida no campo da arte urbana pela profusão de inscrições cujos traços somados aos estilos tradicionais de graffiti 3 apresentam singularidades principalmente quando as agentes são mulheres. O presente trabalho pretende discutir a presença feminina na cena do graffiti paulista de forma a evidenciar que, além de sua profusão e qualidade, também permite processos de empoderamento e dessas mulheres latino- americanas. Historicamente o graffiti é um fenômeno urbano e coletivo, cujo destaque se dá aos nomes de seus membros e membras, mas algumas pessoas agem sozinhas. As parcerias femininas aparecem com a primeira dupla de grafiteiras, Barbara 62 e Eva 62, na década de 1970, em Nova York. Também é desta cidade Lady Pink, artista ainda em atividade, que integrou grupos compostos somente por homens, mas se projetou como artista independente deles. 4 Nos quase 50 anos de graffiti, é perceptível a evolução dos modos de organização ao longo das décadas: em grupos de 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP-São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil. Integrante do NEC Núcleo de Espacialidades Contemporâneas da mesma universidade. 2 Crew, em inglês, é equipe, “grupo de artistas grafiteiros que criam pieces [obras] em grupo e assinam as iniciais da equipe junta m com seu nome” (GANZ, p.390) 3 “O modelo nova-iorquino de graffiti girava em torno da distorção de letras,(...) que se desenvolveu até abarcar uma grande variedade de formas tipográficas: a legível ‘letra de forma’, o distorcido e intrincado wildstyle,(...)”(GANZ, p.10) 4 Entre os pioneiros aparecem Taki183, Barbara 62, Eva 62, Lady Pink, Zephir, entre outros. Esse estilo começou a partir de uma pichação a que chamavam tag, ou seja, o pichador assinava seu nome e o número da sua rua (...)” (GITAHY, p.40)

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

MULHERES E O URBANO: APREENSÃO DO GRAFFITI NA REGIÃO

METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Ana Luísa Silva Figueiredo1

Resumo: O presente trabalho pretende discutir a presença de mulheres na cena do graffiti paulistano tomando como

objetos de estudo os trabalhos de Carolina Teixeira, ativista feminista, grafiteira e integrante dos coletivos Fala

Guerreira e GOMA, da zona Sul de São Paulo, Évelyn Queiróz, autora da Negahamburguer, artista plástica e grafiteira

feminista e Cristiane Monteiro, designer, grafiteira e criadora do projeto 'Graffiti Mulher Cultura de Rua', ambas

nascidas em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. As três artistas trazem em seus trabalhos temáticas

feministas: Carolina estampa seu 'Útero Urbe', Évelyn as mulheres de 'Beleza Real' e Cristiane, negras empoderadas.

Fenômeno urbano e coletivo, o graffiti, no qual frequentemente os agentes se constituem em crews2, abarca esses

trabalhos femininos que ganham maior visibilidade a partir do momento em que se inserem em redes feministas

conquistando, dessa forma, um importante espaço num cenário, nacional e internacional, fortemente marcado pela

cultura e valores masculinos. Apontar as formas pelas quais o graffiti produzido pelas mulheres em São Paulo

ressignifica o espaço urbano, proporciona novas formas de sua apropriação e explicita processos de empoderamento

feminino é o objetivo desse trabalho, fruto de uma pesquisa de mestrado em andamento desenvolvida no Instituto de

Arquitetura e Urbanismo da USP, campus de São Carlos, Brasil.

Palavras-chave: Graffiti, arte, mulher, corpo, empoderamento.

Introdução e objetivos

A região metropolitana de São Paulo (RMSP) é conhecida no campo da arte urbana pela

profusão de inscrições cujos traços somados aos estilos tradicionais de graffiti3 apresentam

singularidades – principalmente quando as agentes são mulheres. O presente trabalho pretende

discutir a presença feminina na cena do graffiti paulista de forma a evidenciar que, além de sua

profusão e qualidade, também permite processos de empoderamento e dessas mulheres latino-

americanas.

Historicamente o graffiti é um fenômeno urbano e coletivo, cujo destaque se dá aos nomes

de seus membros e membras, mas algumas pessoas agem sozinhas. As parcerias femininas

aparecem com a primeira dupla de grafiteiras, Barbara 62 e Eva 62, na década de 1970, em Nova

York. Também é desta cidade Lady Pink, artista ainda em atividade, que integrou grupos compostos

somente por homens, mas se projetou como artista independente deles.4 Nos quase 50 anos de

graffiti, é perceptível a evolução dos modos de organização ao longo das décadas: em grupos de

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP-São

Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil. Integrante do NEC – Núcleo de Espacialidades Contemporâneas da mesma universidade. 2 Crew, em inglês, é equipe, “grupo de artistas grafiteiros que criam pieces [obras] em grupo e assinam as iniciais da equipe juntam

com seu nome” (GANZ, p.390)

3 “O modelo nova-iorquino de graffiti girava em torno da distorção de letras,(...) que se desenvolveu até abarcar uma grande

variedade de formas tipográficas: a legível ‘letra de forma’, o distorcido e intrincado wildstyle,(...)”(GANZ, p.10) 4 Entre os pioneiros aparecem Taki183, Barbara 62, Eva 62, Lady Pink, Zephir, entre outros. Esse estilo começou a partir de uma

pichação a que chamavam tag, ou seja, o pichador assinava seu nome e o número da sua rua (...)” (GITAHY, p.40)

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duas ou mais pessoas, em redes, com o acesso facilitado a internet, e, atualmente, assim como em

outros meios artísticos, em coletivos, que objetivam apoio e colaboração entre membros e membras.

Esse processo também ocorreu no Brasil, e, na região metropolitana de São Paulo, é possível

destacar grupos como o TupiNãoDá e ações de Alex Vallauri com seus e suas oficiantes, como

Carmen Akemi Fukunari e Márcia Mayumi Chicaoka (GITAHY, p.64), para um crescimento de

grupos cujo fortalecimento se deu a partir da década de 1990, quando é formada a Rede

GraffiteirasBR, a primeira com somente mulheres no país.

A história das mulheres graffiteiras na RMSP se mistura com o ativismo, seja ele por meio

da arte acadêmica, pauta das alunas da FAAP que produziram seus trabalhos e participaram do

início desse movimento, seja por trazer temas ligados à condição de periferia, como os trabalhos e a

atuação política de Carolina Teixeira, Évelyn Queiróz e Cristiane Monteiro aqui são apresentados.

Essa abordagem vai ao encontro ao explorado pela professora e cientista política Chantal Mouffe,

apontando que “as práticas artísticas tem papel na constituição e manutenção de uma ordem

simbólica dada ou em questionamento, e por isso elas necessariamente tem uma dimensão política.”

(MOUFFE, 2007, snp).

Por meio de um panorama das atuações destas três graffiteirasé elencado um de seus

trabalhos e feita uma pequena leitura do mesmo com os objetivos de apontar as formas pelas quais

tenha ressignificado o espaço urbano no qual se insere, como proporcionou novas formas de sua

apropriação e, ainda, de que maneira explicitou processos de empoderamento feminino. Após a

apresentação das graffiteirase seus trabalhos escolhidos, são traçadas suas semelhanças e diferenças

a fim de mostrar que existem vários modos e processos de empoderamento quando se trata de

mulheres artistas periféricas.

Da Zona Sul: Carolina Teixeira, Itzá

Perseguindo o útero andei por algumas cidades em um processo que chamei de resistência

artística (em alusão a expressão residências artística) me encontrando em outras mulheres,

bichas, homens, transexuais, lésbicas, crianças e velhas e compreendi que é cada vez mais

distante pensar que somos mulheres por um dom divino ou porque a natureza fez assim.

(TEIXEIRA, 2016, snp.)

O excerto acima é de Carolina Teixeira, 34, ativista feminista, graffiteira e integrante de

alguns coletivos artísticos. Carolzinha, como é conhecida, está na organização de vários

movimentos no meio artístico, atua como o coletivo Fala Guerreira – por um feminino periférico e

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pulsante, anti-racista5 – o Ocupe os Muros, voltado para a pichação e é artista residente na GOMA –

casa de comunicação e arte, no Jardim Piracuama, Zona Sul de São Paulo.

Em 2015, Carolina fez parte do Grafittaço Top 10, ação

realizada pelo coletivo Mulheres na Luta, que, com um bom número

de graffiteiras se uniu para pintar a viela ao lado da Escola Municipal

Castro Alves, no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, na qual se

encontrava uma pichação ofensiva a uma garota da região. Os

dizeres se referem a uma prática comum em São Paulo, o “Top 10”,

lista que são elencadas as meninas consideradas as mais pervertidas

da escola ou região.6

A ação objetivou o embate, e, no mesmo local foram

realizadas intervenções de cunho feminista, questionando tanto o

ranking, quanto o próprio arranjo machista da sociedade, refletida na

escola. Carolina pintou um grande útero (figura 1), bem próxima ao

local da pichação original, acrescentando os dizeres: “em punga

contra os atrasa-lado7”, fazendo referência aqueles e aquelas que

ainda apoiam atitudes machistas e retrógradas e, de estar preparadas,

alinhadas – na gíria, em punga!

O significado de se fazer um Graffitaço feminista é mostrar a

união das mulheres e amparo umas às outras. É falar

“simbolicamente ‘daqui vocês não passam’”, comenta Carolina, delimitando esse território. O

feminismo que ao fazer a curva8, deu outros sentidos a viela, além de passagem e acesso à escola –

é local de disputa ideológica e territorial.

Antes de ser Itzá, Carolina assinava como TIE, seu outro sobrenome. “Eu comecei na escola

e... eu pichava! Não fazia graffiti” comenta. As carteiras escolares foram seus primeiros suportes,

ainda no Ensino Fundamental e, já nessa época ela e suas amigas sofriam retaliações por parte dos

grupos de meninos, como declara em fala para a o Programa Diferente, em dezembro de 2016.9

5 Retirado da descrição do grupo no Facebook, na seção “sobre”, precedido por “Somos uma coletiva feminista atuante na periferia

de São Paulo.” Disaponível em: <https://www.facebook.com/pg/falaguerreira/about/?ref=page_internal> 6 Registro em vídeo do coletivo Mulheres em Luta. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=PKB16qotY7M> 7 Atrasa-lado é, na gíria, uma pessoa que atrapalha os objetivos, sejam eles pessoais, morais ou profissionais, de outrem. Fonte:

Dicionário InFormal. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/atrasa-lado/> 8 Como diz em seu zine, “Aqui na zona sul o feminismo tem que fazer curva, e adentrar no imenso caldeirão de complexidades que

formam esse espaço. Sabemos que qualquer feminismo cara-pálida aqui seria mera representação ou reprodução de uma discussão

que descende de outras matrizes, outras realidades bastante diversas.” (TEIXEIRA, 2016, snp). 9 Disponível em: <http://www.programadiferente.com/2016/12/ativismo-na-arte-consciencia-e-atitude.html>

Figura 1 – Útero Urbe no Graffitaço

Top 10, em 2015. Foto de Carolina

Teixeira, disponível em sua página no

Facebook em: < https://scontent-gru2-

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Anos depois, quando começou a namorar um grafiteiro, é que se interessou pelo graffiti. O

relacionamento acabou, mas o graffiti se manteve. “O primeiro graffiti que eu fiz, sem ninguém

ajudar, faz uns dez anos, foi ‘As Destruidoras de Lares’” (TEIXEIRA, 2016, snp). A temática

remete a um grupo de amigas do qual Carolina fazia parte, que se reunia esporadicamente, mas não

tinha ações agressivas como o nome induz. Mesmo assim, é neste momento que inaugura a

inquietude em relação ao machismo, a aproximação com o feminismo e a autoafirmação como

mulher e artista.

Sempre de vestido, com ou sem calça legging, picha e grafita há mais de oito anos.

Entretanto, passa alguns desses anos sem pintar nas ruas, fazendo ilustrações e aquarelas em casa.

Comenta que essa pausa ocorreu por diversos motivos e se mantém reservada quando abordada

sobre eles. Em contrapartida, se abre no próprio zine, quando narra uma abordagem que sofreu

enquanto pintava o útero chapado em uma parede.

Um dia, ao grafitar um útero no muro da vila em que moro, uma mulher me

abordou. Estava um pouco alcoolizada e me observava atentamente, um pouco

tombando para o lado. Perguntou o que eu estava desenhando, e respondi que era

aquilo mesmo, aquele órgão que toda mulher tem. Ela sentou, e com real

compadecimento olhou pra mim e disse: ‘nossa, você deve ser uma pessoa triste…

traumatizada. ‘Conta fia, você perdeu um filho, que aconteceu?’ (TEIXEIRA, 2016,

snp.)

Não perdeu um filho, nem abortou, mas perseguiu e encontrou o território-útero, nomeando-

o, na arte e na cidade. “Chamo de território pois estou encarando aqui o útero como lugar de disputa

na sociedade, espaço alienado do corpo feminino e dizimado do imaginário social.” (TEIXEIRA,

2016, snp). Resultado de sua jornada pela América Latina – começando na Argentina e terminando

no México – se voltou para personagens e entidades de raiz latino-americana, muitas que

carregavam o nome Itzá, e se rebatizou. “Foi um renascimento”, confirma.

De volta ao Brasil e aos coletivos, integrou o encontro Periferia Segue Sangrando10, com

destaque para a marcha do ano de 2016, por meio de uma narrativa detalhada em seu zine.

(...) ao mesmo tempo em que lemos o manifesto com ajuda de um megafone, os moradores

saem na janela, as motos pipocam o carburador, a igreja evangélica sempre lotada. O

cortejo de maracatu é barulhento e alegre, atrás de nós um rastro de tinta vermelha marca

todos os lugares que passamos. No ponto de ônibus, grande em letra de fôrma uma mulher

10 O nome faz alusão a música do grupo Consciência Humana, de mesmo nome. Carol justifica: “a periferia de Sâo Paulo segue

sangrando pelo genocídio que mata a tiros nossos adolescentes e silenciosamente pelos ladrões de merenda” (TEIXEIRA, 2016, snp.)

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negra deixa a pixação demarcando seu território: PRETA, SEU CABELO É LINDO!

(TEIXEIRA, 2016, snp.)

Marcar as paredes e deixar esse rastro vermelho no chão são estratégias para que a marcha

seja lembrada, ao menos nos dias seguintes. Outros significados aparecem e ganham mais força

com cada pessoa que se depara com a tinta vermelha no chão, espalhada pelos veículos e motos, ou

pelos grafites e pichações, que completam a paisagem descrita. Carolina é nevrálgica: “(...) a

mulher periférica sabe do fundo do seu útero que o próximo filho assassinado por ser o seu.”

(TEIXEIRA, 2016, snp.)

A dimensão do alcance de suas narrativas, vindas de relatos pessoais e de pessoas próximas

e/ou que compartilham das vivências periféricas paulistanas mistura, de fato, arte e vida. No início

de 2017, Carolina faz sua exposição “Peles da Cidade”, na Oficina Cultural Alfredo Volpi, Itaquera,

Zona Leste de São Paulo. Individual, o grande útero chapado e receptor de água e fogo fez

companhia à mulher-esfinge com o véu e às bandeirinhas do próprio Volpi.

A curta entrevista realizada ao findar o evento Graffiti e Mulheres no Território Urbano, do

SESC Interlagos, em novembro de 2016, reiterou a importância de as mulheres estarem nos espaços

e eventos de graffiti, impondo limites e, ainda, a necessidade de se trabalhar com diversas frentes,

quando se é artista periférica. Na mesma semana, a primeira de novembro de 2016, ficou pronto o

primeiro zine da série “Útero Urbe”, de sua autoria, no qual narra e ilustra, majoritariamente, seus

modos de apropriação dos espaços – não só as periferias de São Paulo, mas outras cidades –, sua

resistência e dedicação empática a todas as mulheres, com ou sem útero.

De Embu das Artes: Cristiane Monteiro, a Crica

Cristiane, 33, é conhecida por todos e todas da cena do graffiti e hip hop por Crica. Há quase

duas décadas pintando – começou a grafitar em 1999 –, entrou de vez no processo em 2004. Se

anima ao contar sobre sua trajetória artística: “a minha vontade superou todas as coisas que eu tinha

dentro de mim, até mesmo a insegurança de sair na rua pra (sic) pintar”, explica: “Acreditei em

mim, acreditei no meu potencial.” Se dedica, sobretudo, a três esferas: trabalho, arte e educação.

Crica viaja para eventos de graffiti e, por muitas vezes, paga do próprio bolso. “É porque eu

realmente gosto”.

Faz parte de sua estratégia ser presente nas ruas e eventos, como no Graffiti contra Enchente

de 2016, que integrou o grande painel só de mulheres, fato simbólico para o momento e que

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demonstra o emergente agrupamento de mulheres. Quem contou o fato foi Carolina, durante o

evento Graffiti e Mulheres no Território Urbano. Tem destaque internacional, sendo uma das

poucas selecionadas para o Meeting of Styles - Brasil11 do mesmo ano.

Em nossa primeira conversa comentou que o design – é formada em Design de Interfaces

pelo SENAC – entrou em sua vida justamente por conta do graffiti, porque queria ampliar seus

horizontes. “Você faz um graffiti, você deixa um legado”, garante. “O principal de eu sair pra pintar

é porque eu gosto, porque eu amo realmente o graffiti.”, diz ela. “Eu sinto que essa galera nova, não

todo mundo, mas é um pessoal carente de informação da própria trajetória do graffiti e do

movimento hip hop.”, comenta sobre o que motivou a criar seu projeto Graffiti Mulher Cultura de

Rua em 2012. Ao fazer um graffiti, habitualmente veste luvas e separa com cuidado o material que

vai usar. “O que interessa é a mensagem que você quer passar, transmitir, e a coragem que você tem

de sair com a sua mochila na rua pra pintar”, desabafa.

Crica é paulistana, porém sua família se estabeleceu em Embu das Artes, cidade da zona

sudoeste da região metropolitana de São Paulo. A cidade também é a origem de Évelyn Queiróz, a

Negahamburguer, outra grande graffiteira brasileira. “Ela mora no bairro ao lado dos meus pais. Eu

conheci ela logo que eu comecei a pintar”, comenta Évelyn. “Eu nasci em São Paulo, mas eu moro

no Embu desde os 8 anos de idade e minha vida sempre foi paralela entre Embu e São Paulo”,

explica Crica, que diz se destoar da “galera do hip hop” e quando frequentava a Casa de Cultura de

Santo Amaro12 porque se preocupava em fazer uma faculdade. “Eu queria ter um trampo que eu

fizesse aquilo que eu amo, que é arte, desenho, tecnologia...”, justificando a escolha pelo curso que

escolheu na faculdade.

Veste roupas bem coloridas e estampadas. A calça, a camiseta regata com top por baixo, as

luvas e até os tênis estão sempre respingados de tinta. “Hoje a gente incorpora que é o estilo de vida

que a gente tem”, analisa. Não se aborrece fácil, mas tem o olhar desconfiado de quem já ouviu

muito desaforo na vida. “Quando eu tinha que fazer algum tipo de efeito ou fazer alguma coisa

maior dentro do meu trampo eu ia perguntar pra algum grafiteiro e o cara já me esculachava.”

Seu portfolio é online, tem tanto uma página no Facebook, outra em um domínio próprio e

um perfil no Instagram. Sua presença nessas Redes Sociais e internet no geral é marcante, podendo

ser considerada dona de uma “ressignificação do espaço virtual”. “A rede social é um meio de

11 Meeting of Styles reúnem os melhores artistas em encontros em diversas localidades do mundo. É feita uma seleção e existe

grande disputa para ser uma das pessoas escolhidas. Disponível em: http://www.meetingofstyles.com/ 12 Desde sua criação exerce ação direta e ativa na vida de seus freqüentadores, servindo não apenas como local de fruição ou

produção cultural, mas também como pólo agregador da comunidade artística e seu público, proporcionando maior contato e

vivência com repertório cultural diversificado e de qualidade. Descrição do site oficial, disponível em:

<http://spcultura.prefeitura.sp.gov.br/espaco/748/>

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comunicação muito grande e a gente devia explorar isso”, e, ainda “eu coloco lá como realmente

uma fonte de conseguir trampo”, completa. Não tem registro fotográfico de seus trabalhos

anteriores a 2004, quando comprou sua primeira câmera digital. Seus trabalhos envolvem a figura

da mulher, feminina e sempre longilínea, como um autorretrato.

Completou dois grandes painéis: o da Avenida 23 de Maio (Figura 2), em 2015, entre os

trabalhos de Mari Pavanelli e Mônica Ancapi, e o Túnel Noite Estrelada, em 2016, ambos na gestão

de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo. Ambos foram importantes para sua carreira, mas

Crica mostra e fala que o espaço urbano não é só o público, mas todos que se encontram na

condição urbana. Assim, utiliza suportes variados, como muros, paredes internas, telas, objetos –

pintou uma cafeteira da marca Dolce Gusto durante um evento na Casa TPM13 em 2016. São essas

algumas novas apropriações do espaço urbano, que vão além do graffiti não autorizado em muros.

Crica explicita o empoderamento

feminino em sua fala, sempre muito

eloquente, enfatizando a questão de a

sociedade patriarcal determinar os papéis

das mulheres e como rompe isso desde

tenra idade, porque “era uma criança

estranha”. No trabalho realizado na av. 23

de Maio, a figura central é uma mulher que

aparenta transitar entre a infância e

juventude. Com uma mão segura um

coelho de pelúcia, e na outra, um cigarro. Os

cabelos coloridos são maiores do que a

própria personagem, recorrente nos trabalhos de Évelyn e de outras grafiteiras.

Não tem problemas em compartilhar seus conhecimentos adquiridos em relação ao graffiti e,

por isso, criou o canal do YouTube. “Se alguém me criticar com relação a isso eu quero que se f*

porque eu tô (sic) fazendo isso de coração, porque é uma parada que eu acredito e eu acho que essa

informação a gente deve passar”, confessa. Além dos tutoriais, seu canal no YouTube tem função

de conversar e falar para todas as pessoas como é sua vida, como é o graffiti, sua história e

participações em eventos.

13 Evento anual realizado pela revista TPM, vinculada a revista TRIP, com intuito de promover mesas de discussão e espaços para

mulheres no âmbito do feminismo. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/tags/casa-tpm>

Figura 2 – Menina-mulher, av. 23 de Maio, altura do viaduto da

rua Pedroso. Foto por Cristiane Monteiro, disponível em sua página

no Pinterest em: <http://projetocuradoria.com/wp-

content/uploads/2017/04/cricamonteiro3.jpg>

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Da estrada: Negahamburguer, Évelyn Queiróz

Conhecida como Negahamburguer, a embuense Évelyn Queiróz, 28, tem se aventurado há

dois anos em viagens no Brasil, América Latina e Europa. Seus percursos beiram a deambulação, as

estradas, caminhadas e os voos acontecem por ímpetos. Na primeira parada, em Buenos Aires,

capital da Argentina, já hesitou: “eu fiquei dois meses lá, eu tava (sic) com a minha passagem pra

voltar e eu não quis voltar e fiquei”, comenta.

Esses percursos mostram que os espaços em que passa permitem conexões entre seu

trabalho artístico e suas experiências enquanto mulher e feminista. Seu caráter explorador também

aparece em seus trabalhos, principalmente nos lugares que escolhe para fazê-los. “Em qualquer

lugar que eu passe já tenho esse olho... quando você faz coisa na rua cê (sic) automaticamente já

fica mais esperta nos muros, já repara nas coisas que você não reparava antes”, comenta. Essas

viagens, que denomina como Mochilões, explicitam novas apropriações dos espaços urbanos, como

das maneiras que se porta nos diferentes países que percorreu. Fazer um lambe-lambe em São Paulo

é diferente de Barcelona, onde preferiu ir onde “tinha certeza que não ia dar treta” para pintar,

porque “tem que fazer aquela parada bem rápida e leva multa mesmo”. Já em Buenos Aires, vendeu

aquarelas na feira tradicional de San Telmo, para se manter.

Évelyn exerce seu feminismo fazendo retratos de mulheres fora dos padrões. "Ouvia

histórias de amigas gordas, negras, fora do padrão. E também de algumas dentro do padrão que

eram tachadas como fúteis", conta para uma reportagem da Folha de São Paulo, logo que começou

a fazer sucesso no Facebook14 com o Projeto “Beleza Real”, dentre as quase duzentas histórias que

recebeu, escolheu 53 para integrar o livro. O projeto repercutiu positivamente, explicitando

processos de empoderamento das mulheres que relataram suas histórias e foram retratadas e,

também da artista. “Várias escreveram que era a primeira vez que elas estavam contando aquilo”,

comentou Évelyn em entrevista. “Eu comecei a fazer a Nega tem oito anos, mas por outros motivos

nada a ver, eu só queria fazer graffiti e queria uma personagem, e é isso.” “Eu não consigo

estacionar, vai ser sempre meio mutante”, comenta sobre seu traço ao longo desses oito anos. Em

seu trabalho, graffiti e o feminismo se retroalimentaram, sendo uma “ferramenta que dá voz”, como

“uma plataforma”, completa.

Eu fui aos poucos conhecendo o graffiti e conhecendo o feminismo, aí eu fui colocando um

no outro assim. Isso também me fez conhecer muitas outras mulheres, a gente conhece

14 Fonte: Folha de São Paulo, Mulheres se impõem contra cantadas de rua e criam grupos para entender feminismo. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/03/1422112-mulheres-se-impoem-contra-cantadas-de-rua-e-criam-grupos-para-

entender-feminismo.shtml>

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muito mais meninas agora falando para meninas. Começar a fazer graffiti ao mesmo tempo

que (sic) eu fui conhecendo o feminismo me levou para um caminho sem volta.

(QUEIRÓZ, 2016)

Évelyn vive um dia de cada vez. Da mesma forma que questiona a necessidade de dinheiro

para sobreviver, promovendo trocas, ainda participa de projetos patrocinados, como o projeto da

RayBan (Figura 3). Para tal foi locado o terraço

de um prédio em São Paulo para Évelyn grafitar

e, ao final da gravação, foi pintada novamente da

cor original. Apesar de parecer uma

ressignificação do espaço, é questionável por ser

uma obra de graffiti efêmera com fins

comerciais: apagada, porém registrada em vídeo.

Na parede uma mulher gorda, negra, com

cabelos coloridos e pêlos em baixo do braço

representado por flores. Também, a cor azul nos

lábios representa o momento atual da luta das

feministas negras que utilizam do batom azul como mote questionador dos padrões de produtos de

beleza e da falta daqueles adequados para elas.

Contrastes e comparações

O espaço urbano nos trabalhos dessas mulheres pode ser entendido de duas maneiras: como

aquilo que é dos outros e, como o espaço pelos quais transitamos. Ao fazer pinturas em locais que

passam diariamente, também são receptoras daquela produção. Se viajam e deixam suas marcas, já

não é parte da sua rotina, mas de outras pessoas.

Carolina utiliza da palavra em sua arte, além de sua assinatura ou grupo, sempre tem uma

frase. O útero chapado ou a figura de mulher não bastam, é preciso reforçar as ideias por escrito.

Tudo que escreve é poético, por isso, se preocupa em fundamentar, perseguir, como mesmo coloca

a essência da arte de mulher e artista periférica no Brasil – feita para incomodar.

Se Carolina escreve, Crica fala. Até em sua redação, no grupo e na página do Graffiti

Mulher Cultura de Rua, a eloquência transparece. Tem fôlego para compartilhar tudo, do trabalho

que faz ao evento internacional que não pode comparecer. Suas figuras sempre tem um olhar

desafiador, que, assim como Carolina escreve, estão em punga, preparadas a defesa de seus direitos.

Figura 3 – Imagem retirada da propaganda da Rayban,

Évelyn pinta com spray em cima de um andaime. Fonte:

<https://www.youtube.com/watch?v=MwfBECvLzP0> 0:0:33

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E, entre a escrita e a fala há o registro, a busca pela síntese de uma história confidenciada, o

que Évelyn faz em seu projeto Beleza Real. As dores e alegrias das histórias são transmitidas em

todas as suas outras bonecas, como chama suas figuras, que questionam padrões de corpo e

comportamento a fim de aproximar umas das outras por suas diferenças.

Ainda que sejam mulheres periféricas apaixonadas pelos seus lugares e territórios, que tem a

semelhança de se expressarem graficamente por meio do graffiti, suas distintas vivências impactam

diretamente em suas produções, revelando que as periferias são mesmo muitas. Ao contrário do

senso comum, que aponta tudo como “graffiti/pichação”, as estéticas apresentadas por Crica,

Carolina e Évelyn são diferentes do estilo clássico do Graffiti, como o wildstyle, justamente porque

incorporam fatores pessoais às técnicas conhecidas de graffiti.

As três artistas trazem em seus trabalhos temáticas feministas: Carolina estampa seu “Útero

Urbe” – metonímia para a mulher –, Évelyn as mulheres de “Beleza Real” e Cristiane, negras

empoderadas com o selo do projeto “Graffiti Mulher Cultura de Rua”. O tema principal transversal

a esses trabalhos é o corpo das mulheres. Aparecem os rostos, bustos e corpos inteiros, como

retratos que imaginam um tipo de mulher, ou de pessoas reais, longe de almejar perfeição. Por

muitas vezes há destaque para os gestos de mãos, olhos, cabelos e, outras partes mais significativas

no âmbito do empoderamento de mulheres, como o útero e seios.

Essas representações de mulheres aparecem em situações características da vida urbana,

ouvindo música, cantando, andando em espaços públicos, lendo, com uniformes e vestimentas de

acordo com suas profissões ou origens, sozinhas ou em interação com outras personagens. A

postura também é um fator de interesse: enquanto Évelyn as pinta como se flutuassem – uma

brincadeira com as gordas representadas –, Carolina e Crica sempre as colocam em plena postura de

elegância e resistência.

A relação com o poder – público e privado – é bem clara em cada uma das três, enquanto

Carolina e Évelyn correm pelas beiradas, Crica anda no centro. Carolina transita entre o ilegal, no

coletivo Ocupe os Muros, ao legítimo como artista residente da GOMA. Para Crica o graffiti é a

arte não-autorizada no muro, e que quando é contratada pra fazer uma pintura, mantém a estética,

mas o significado é completamente outro. “O graffiti, quando alguém pede, não é mais graffiti, é

decoração”, esclarece.

Pode-se fechar um ciclo interessante de relação entre essas mulheres: Crica pinta seu mural

na avenida 23 de Maio. Carolina, junto ao Ocupe os Muros picha esses trabalhos e, enquanto

acontece essa disputa, Évelyn pinta sua boneca em um prédio da ECA – Escola de Comunicação e

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Artes, na Cidade Universitária da USP, no Butantã. Ambos os lugares são emblemáticos e porque

são alvos de disputas políticas15. Nesse meio, Carolina age questionando a curadoria dos e das

artistas – “na época do Kassab era até melhor, porque apagava e virava uma tela em branco de

novo, a gente não atropelava ninguém”, finaliza.

Considerações finais

Chantall Mouffe, sobre ativismo artístico, coloca que “há uma dimensão estética no político

e uma dimensão política na arte” (MOUFFE, 2007, snp.) Quando Carolina busca sua raiz latino-

americana e renasce como Itzá, uma entidade forte e que conduz seus trabalhos como graffiteira e

ativista; Crica encontra a cada trabalho sua raiz negra e o feminismo negro, e Évelyn busca o corpo,

percorrendo o território-corpo, por meio da realização de tatuagens e em seu trânsito nômade, estão

todas afirmando que sua arte é política. O desejo e busca por suas raizes é o que rege seus trabalhos

e encontra lugar como expressão de gênero.

Elencadas as temáticas recorrentes dos trabalhos se tornou possível sugerir que o graffiti seja

mais do que uma expressão efêmera, ou uma inquietação do espírito dessas artistas. Coloca-se como

arte que trabalha sentimentos e questões caras ao processo de direito a cidade e, no caso das

mulheres, ao seu próprio corpo. Ainda em Mouffe, “é a arte crítica que fomenta o dissenso, que

torna visível o que o consenso dominante tende a ocultar e suprimir.” (MOUFFE, 2007, snp)

Se fosse possível sintetizar a atuação de cada uma em três palavras, designando a primeira

impressão, a maior preocupação que expressa verbalmente e, o que sua arte passa, respectivamente,

elas seriam: escrever, fundamentar e incomodar, para Carolina; falar, compartilhar e desafiar para

Crica; e registrar, questionar e aproximar, para Évelyn. O graffiti, assim, é uma das “múltiplas

práticas artísticas que visam dar uma voz para aqueles que são silenciados no âmbito da hegemonia

existente”, (MOUFFE, 2007, snp)

Todo esse entendimento configurou um resultado parcial importante para o desenvolvimento

da pesquisa, podendo ampliar as discussões a respeito de o graffiti ser instrumento de

empoderamento de mulheres, por meio de apreensão e reflexão dos trabalhos na RMSP.

Referências

15 A gestão de Fernando Haddad, PT, permitiu a “tomada” do eixo norte-sul por 450 grafiteiros e grafiteiras em 2014. Disponível em:

<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/02/prefeitura-de-sp-inaugura-mural-de-grafite-na-avenida-23-de-maio.html> João Dória

Jr, PSDB, seu sucessor, mandou apagar todos os trabalhos realizados em seu primeiro mês de mandato. Disponível em:

<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/avenida-23-de-maio-tera-oito-espacos-para-grafites-e-desenhos-velhos-serao-apagados-diz-

doria.ghtml>

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GANZ, Nicholas. O Mundo do Grafite – Arte Urbana dos Cinco Continentes. Arte Urbana dos

Cinco Continentes. São Paulo, Martins Fontes, 2010.

GITAHY, Celso. O que é Graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999.

MONTEIRO, Cristiane. [ago. 2016]. Entrevista concedida a: Ana Luísa Silva Figueiredo. Santa

Rita do Sapucaí, MG, 2016; 2 arquivos .mp4 (18 min; 6 min)

MOUFFE, Chantal. Artistic activism and Agonistic Spaces. Glasgow: The Glasgow School Of Arts,

v. 1, n. 2, jul. 2007. Disponível em: <http://www.artandresearch.org.uk/v1n2/mouffe.html>. Acesso

em: 10 mar. 2017.

QUEIRÓZ, Évelyn. [nov.2016]. Entrevista concedida a: Ana Luísa Silva Figueiredo. São Paulo,

SP, 2016; 2 arquivos .mp4 (22 min; 2 min)

TEIXEIRA, Carolina. Em Punga! Útero Urbe. Zine nº1. São Paulo: sem editora, 2016.

_________________. [nov.2016]. Entrevista concedida a: Ana Luísa Silva Figueiredo. São Paulo,

SP, 2016; 2 arquivos .mp4 (10 min; 8 min)

Women and the Urban: the graffiti appropriation in São Paulo’s metropolitan region

Abstract: The present work intends to discuss the female presence in São Paulo`s graffiti scene,

taking as objects of study the works of Carolina Teixeira, feminist activist, graffiti artist and

member of the collectives Fala Guerreira and GOMA, from the south of São Paulo, Évelyn Queiróz,

author of Negahamburguer, a plastic artist and feminist graffiti artist and Cristiane Monteiro,

designer, graffiti artist and creator of the 'Graffiti Mulher Cultura de Rua'project, both born in Embu

das Artes, in the metropolitan region of São Paulo. The three artists bring in their work the feminist

thematic: Carolina stamps her 'Uterus Urbe', Évelyn the women with 'Real Beauty' and Cristiane,

black empowered women. Urban and collective phenomenon, the graffiti, in which the agents are

often constituted in crews, embraces these feminine works gained more visibility from the moment

they were inserted in feminist networks conquering an important space in a national and

international scenario, strongly marked by masculine culture and values. To point the ways in which

graffiti produced by women in São Paulo gives a new meaning to the urban space, provides new

forms of their appropriation and explicits processes of female empowerment is the objective of this

work, the result of an ongoing master's research, developed in the Instituto de Arquitetura e

Urbanismo da USP, campus of São Carlos, Brasil.

Keywords: Graffiti, art, women, body, empowerment.