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    Seminrio Internacional Fazendo Gnero 10 (Anais Eletrnicos), Florianpolis, 2013. ISSN2179-510X

    MULHERES NO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS PELA BARRAGEM DE

    FUMAA, MG: POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA SEU

    EMPODERAMENTO1

    Aline Guizardi Delesposte2

    Ana Louise de Carvalho Fiza3

    Resumo: Este estudo investiga a relao entre a participao das mulheres no Movimento dos

    Atingidos por Barragens (MAB) e as possibilidades abertas para o seu empoderamento, no mbito

    pblico e privado. Tomou-se como referncia trs localidades rurais atingidas pela Pequena Central

    Hidreltrica Fumaa, no municpio de Diogo de Vasconcelos, Minas Gerais. Buscou-se perceber as

    relaes de poder a partir dos lugares vividos da casa e da propriedade, da comunidade e do

    movimento social, discutindo as categorias como Lugar, diviso sexual do trabalho e

    empoderamento. Utilizou-se questionrios, entrevistas semi-estruturadas e anotaes no dirio de

    campo para a coleta de dados. Os resultados apontaram que embora as mulheres participem dos

    grupos de base nas comunidades e de outros espaos fora de suas localidades, estas no conseguem

    romper com os papis de gnero que demarcam os lugares femininos e masculinos nos espaos

    familiares, da casa, da propriedade, assim como nos espaos comunitrios. O que confere a

    manuteno de relaes de poder e dos papis fixos e rgidos para mulheres e homens nesses

    espaos. Mas, observou-se uma diferenciao na movimentao feminina entre as esferas privada e

    pblica, que ocasiona maior o empoderamento das lideranas do que para demais mulheres

    organizadas.

    Palavras-chave: Mulheres. Participao e empoderamento.

    Introduo

    Este estudo investiga a relao entre a participao das mulheres no Movimento dos

    Atingidos por Barragens - MAB/regio sudeste e as possibilidades abertas para o seu

    empoderamento, no mbito pblico e privado. Tomou-se como referncia para a realizao do

    trabalho trs localidades rurais de Minas Gerais, quais sejam: Miguel Rodrigues, Emboque e

    reassentamento Guaiana, todas atingidas pela Pequena Central Hidreltrica - PCH Fumaa, no

    municpio de Diogo de Vasconcelos, divisa entre as regies do Quadriltero Ferrfero e da Zona da

    Mata. Tendo em vista essa realidade e os lugares vividos da casa, da propriedade e do movimento

    social, buscou-se discutir alguns conceitos como o de empoderamento, lugar e de gnero, de modo a

    consubstanciar a construo de indicadores que auxiliassem na identificao das possveis

    1 Este artigo parte dos resultados da dissertao Movimento dos atingidos pela barragem de Fumaa MG: caminho

    para o empoderamento da mulher? Pesquisa finalizada em 2012 no nvel de mestrado no PPG em Extenso Rural da Universidade Federal de Viosa/UFV, MG. 2 M. Sc. em Extenso Rural pela UFV/MG e bolsista Apoio Tcnico/Ncleo de Pesquisa em Movimentos Sociais-

    NPMS/UFSC, Florianpolis/BR. 3 D. Sc. em Sociologia pela UFRRJ/RJ e prof. (a) do Departamento de Economia Rural, UFV, Viosa/BR.

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    vinculaes existentes entre a participao poltica da mulher no MAB, as mudanas ou

    reorganizao das relaes de poder e as formas de empoderamento.

    Para isso destacou-se as aes de mulheres e homens trabalhadores atingidos pela PCH

    Fumaa, que aliados ao MAB, a Comisso Pastoral da Terra (CPT) e as organizaes da sociedade

    civil, contriburam para a construo de diferentes estratgias de defesa, oposio e reivindicao

    dos seus direitos frente ao projeto da hidreltrica. As mobilizaes da populao se intensificaram a

    partir do ano de 2001, mesmo o ano em que se iniciaram as negociaes das indenizaes entre

    empreendedor e atingidos. No entanto as oportunidades de participao que se criaram no

    impediram a construo da barragem (em 2003), porm outras opes surgiram como a formao

    de associaes locais, das organizaes de base do movimento social que reivindicaram junto ao

    rgo ambiental competente que as negociaes das indenizaes entre o empreendedor e as

    famlias atingidas ocorressem de forma coletiva e justa, sendo possvel a escolha de indenizao em

    dinheiro ou em terra (reassentamentos individual e coletivo).

    Nesse contexto de luta pelos direitos, as mulheres tiveram e ainda tm significativo papel

    nas mobilizaes para defesa de seus interesses familiares, comunitrios e de si prprias, pois

    assumiram o compromisso enquanto trabalhadoras rurais e militantes do movimento, demonstrando

    capacidade de enfrentamento frente imagem que a sociedade lhe atribua: aquela que deve ficar

    em casa, cuidar dos filhos e obedecer s ordens (do marido ou do pai). De certo modo, essas reaes

    combativas deram visibilidade participao feminina nas associaes e no movimento social e

    influenciaram a modificao da maneira tradicional de insero das mulheres nesses espaos, que

    normalmente se davam por meio da participao dos respectivos maridos ou de outros familiares ou

    via articulao com atividades da igreja.

    Nesse sentido, o objetivo deste artigo analisar as repercusses sociais suscitadas pela

    participao da mulher no movimento social no mbito da esfera familiar, local e do MAB. E

    constituiu-se, antes de tudo, em resposta s seguintes indagaes de pesquisa: as mulheres atingidas,

    que se envolvem no MAB, conseguem romper com os papis de gnero estabelecidos em suas

    casas, no cotidiano do lugar na comunidade e no prprio movimento social? At que ponto o

    processo de empoderamento da mulher ocorre, tanto no espao pblico quanto no espao privado?

    Alm dos pargrafos dessa introduo, as linhas que seguem sero discutidas as perspectivas

    do empoderamento, do gnero atrelados ao lugar e aos espaos de participao, os procedimentos

    metodolgicos adotados e os principais resultados alcanados na pesquisa.

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    O MAB como espao de participao e as perspectivas do empoderamento

    Atualmente se tem observado a presena das mulheres e dos homens enquanto sujeitos

    propositivos em meio s organizaes da sociedade civil, nas associaes de bairro e nas

    associaes comunitrias, nas organizaes no-governamentais (ONGs), em entidades da esfera

    poltica formal e nos movimentos sociais como dos negros, indgenas e do campo, como o

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Via Campesina (setor Brasil), o MAB, o

    Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), entre outros.

    Gohn (2007, p.44) argumentou acerca do destaque das mulheres na composio do quadro

    participativo na maioria dos movimentos sociais, quer como grupos de mobilizao de causas

    femininas ou em diferentes mobilizaes que lutam pela conquista de direitos e pela incluso social

    e poltica de grupos subalternos. Uma vez que so elas que se apresentam como as principais

    demandatrias de aes reivindicatrias que vo alm do carter econmico, englobando tambm o

    carter ambiental, tnico, de equidade de gnero etc.. Mas a autora destaca que apesar de as

    mulheres participarem, ainda assim existe uma invisibilidade das suas atuaes.

    Entretanto, necessrio enfatizar que o rompimento com a condio de invisibilidade na

    esfera pblica a partir da participao se evidencia por forte ligao com aes de incluso de

    direitos, com a emergncia de prticas de resistncia desigualdade contida nas relaes de gnero

    e com a compreenso/negao da dominao por parte dos envolvidos nas diversas aes coletivas

    e, com isso, o desequilbrio nas relaes de poder. De acordo com Pinto (1992, p.131) tais prticas

    de participao feminina no as tornam necessariamente feministas, contudo a sada do espao

    privado para o espao pblico redefine a posio da mulher no somente em relao direta com seu

    companheiro, pais, familiares, como tambm provoca um efeito transformador nas identidades de

    gnero4 perante sua comunidade, nas organizaes que participam.

    Nesse sentido, considera-se que os movimentos sociais progressistas como o que retratamos

    nesse estudo atuam segundo uma agenda emancipatria, e articulam aes coletivas que constituem

    e desenvolvem o chamado empoderamento de homens e mulheres da sociedade civil organizada.

    Quando nos referimos aos movimentos sociais partimos da definio de Scherer-Warren (2012, p.

    21) que os consideram como redes sociais complexas que se conectam por meio da solidariedade,

    das simbologias e de estratgias que interligam sujeitos individuais e atores coletivos, organizados

    4 Gnero refere-se a uma categoria social e poltica que, apesar de apoiada nas diferenas biolgicas entre os sexos,

    definida social e culturalmente contemplando os papis sexuais, a diviso sexual do trabalho e as construes

    ideolgicas de masculinidade e feminilidade (DEERE, LEN, 2002, p. 38).

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    em torno de identidades comuns, em um campo de conflito com adversrios polticos definidos, em

    busca de um projeto de transformao social.

    O MAB5 enquanto movimento social do campo surgiu como resposta popular frente aos

    deslocamentos compulsrios ocasionados pela crescente construo de grandes represas. Essas

    populaes atingidas no perdiam apenas suas terras como principal meio de subsistncia, mas

    tambm o territrio onde se constroem suas vivncias cotidianas, carregadas de denotaes

    simblicas. Esses aspectos de identificao com o territrio passaram a ganhar expresso a partir da

    articulao das populaes ribeirinhas junto ao movimento contra as barragens. Que por sua vez,

    ocasionou afirmaes de identidade especfica e de apropriao do territrio, transformando o que

    inicialmente se apresentava com um carter subjetivo em estratgias de defesa e resistncia das

    bases. Desse modo a identificao como atingido (a) por barragem alcanou reconhecimento social

    dentro dos processos de licenciamento das barragens e ampliou inclusive a luta por acesso a

    polticas pblicas, transpassando vrias escalas espaciais de participao local, regional, nacional e

    at internacional.

    Em termos de melhor entendimento da anlise aqui proposta, destacamos as aes das

    mulheres e homens envolvidos com o MAB, levando em conta que estas acontecem na dimenso

    espacial do lugar, que encarna as experincias e as prticas sociais (incluindo as de gnero) no

    tempo e no espao. Para Tuan (1983, p. 87) o lugar explicado pela perspectiva da experincia que

    abrange diferentes maneiras das quais uma pessoa conhece e constri a realidade. Assim a

    dimenso do lugar com sentido de espao vivido/percebido, dotado de significado, possibilita a

    identificao das relaes de poder exercidas e compartilhadas cotidianamente. Nesse entendimento

    o gnero anunciado anteriormente como uma maneira de significar relaes de poder, subscritas nos

    corpos, nos papis sociais e na diviso sexual do trabalho possibilita a identificao do processo de

    empoderamento nos espaos pblico e privado.

    Tendo o empoderamento como um dos fios condutores da presente anlise, essa categoria

    tambm apresenta distintas concepes explicativas acerca do que significam as aes e os valores

    que a compem. Consideramos que no processo de empoderamento o poder se encontra inerente,

    uma vez que este se apresenta em todas as esferas das relaes econmicas, sociais e subjetivas. De

    acordo com Foucault (1979, p.14) o poder no se encontra localizado em determinado ponto da

    5 Para maiores informaes sobre o surgimento e consolidao do MAB enquanto movimento nacional ver artigo

    VAINER, Carlos. guas para vida, no para morte. Notas para uma histria do movimento de atingidos por barragens

    no Brasil. In: Justia Ambiental e Cidadania. Henri, Acselrad; Herculano, Selene; Pdua, Jos Augusto (orgs.). Rio de

    Janeiro: Relume Dumar, 2003. p. 185-216.

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    estrutura social ou concentrado nas mos de alguma pessoa; pelo contrrio, ele encontra-se

    disseminado em todas as esferas sociais, que vo desde os contextos de deciso poltica e jurdica

    at as esferas cotidianas do trabalho, da famlia e das relaes comunitrias. Nesse sentido, o poder

    considerado como algo atuante no dia a dia de indivduos e de grupos, com carter relacional,

    estratgico e produtivo, tornando-se uma fonte de transformao para grupos e indivduos.

    Na perspectiva do empoderamento e gnero apontada por Len (2001, p. 95) o conceito

    entendido com sentido de resoluo de problemas e demandas prticas na vida das mulheres para

    sair de situaes de pobreza, assim como elemento estratgico que possibilitaria a mudana das

    relaes de poder entre os gneros, redimensionando suas posies nas bases estruturais da

    sociedade. Contudo, a autora considerou a existncia de contradies e diferenas entre o uso do

    empoderamento individual e coletivo. No nvel do indivduo o termo ganha sentido de domnio e

    controle individual, significa fazer as coisas por si mesmo. Essa viso individualista prioriza

    sujeitos autnomos e independentes e desconsidera as relaes existentes entre as estruturas de

    poder da sociedade. A atomizao do indivduo acaba desprendendo-o de um contexto

    sociopoltico, histrico e solidrio, razo que torna esse tipo de empoderamento uma mera iluso.

    No que tange ao empoderamento coletivo este deve estar integrado com as aes coletivas,

    isto , atrelado a um processo poltico que abarca mudana individual em conjunto com a ao

    coletiva, ou seja, a autovalorizao e auto estima do indivduo sendo constituda num processo de

    cooperao e solidariedade entre grupo, decorrente da mudana das relaes sociais por meio da

    ampliao de espaos democrticos e participativos. Deere e Len (2002) acrescentam que o

    empoderamento da mulher tem efeitos nas mudanas das relaes familiares patriarcais no que

    concerne s relaes de poder/dominao tradicional da mulher pelo homem, com relao ao

    controle de suas opes de vida, seus bens, suas opinies, sua integridade fsica, assim como sua

    sexualidade. Portanto, destacamos que essa perceptiva colabora para identificarmos que fatores

    podem demonstrar algum efeito transformador ou at mesmo de desequilbrio das relaes de

    gnero na vida de mulheres que esto envolvidas em algum tipo de ao coletiva.

    A perspectiva do empoderamento e ao coletiva direciona a emancipao poltica dos

    indivduos por meio da ao coletiva, fortalecendo a ideia de ampliao da democracia. Em razo

    disso, aponta-se para a atuao de mulheres e de homens como sujeitos constituintes da sociedade

    civil e como componentes de redes sociais com capacidade de criar novas institucionalidades e

    espaos participativos. Nesta abordagem, Horochovski e Meirelles (2007, p. 487) alm de

    apresentarem diferentes perspectiva do empoderamento, apontam que, para obteno do poder de

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    escolha em suas vidas, os sujeitos assim como as organizaes, as instituies pblicas e os

    movimentos sociais devem atuar em conjunto para a criao de novos espaos de poder e a insero

    dos indivduos naqueles espaos j existentes.

    A partir dessas ponderaes, Horochovski e Meirelles (2007, p. 494) esclarecem que, ao se

    analisar o empoderamento deve-se pensar que (...) nunca se totalmente autnomo ou

    emancipado (tampouco empoderado), pois todos os que vivem numa sociedade defrontam-se com

    coeres maiores ou menores. Mas em termos de operacionalizao das variveis do

    empoderamento, os autores apresentam algumas dimenses. O empoderamento individual

    articularia o indivduo como detentor de recursos que permitam controlar suas vidas e decises.

    Este nvel vincula-se s condies psicolgicas, auto estima, experincias vividas individualmente e

    relacionadas com os demais membros da famlia e da comunidade. De acordo com os autores, (...)

    esta situao ocorre muitas vezes com lideranas que saem positivamente em fruns participativos

    e que aprendem a participar participando e se posicionam nas esferas pblicas e coletivas

    (HOROCHOVSKI E MEIRELLES, 2007, p. 495).

    J o empoderamento organizacional o que ocorre na e pela organizao, no importando o

    tipo, demonstrando-se por meio do compartilhamento de poder de deciso, no qual os membros

    participam de forma direta das decises do grupo, entendendo todo o processo, dividindo tarefas.

    Todo esse processo no ocorre de maneira harmoniosa, ocorrendo conflitos de interesses, mas esses

    conflitos devem ser solucionados de modo que a finalidade de acessar recursos governamentais e

    comunitrios no se perca em meio a esses desacordos.

    Ao indicarmos as aes coletivas, principalmente o MAB, como um espao propulsor no

    avano da democracia e da conquista de direitos das mulheres e homens envolvidos, deve-se levar

    em conta a concepo de empoderamento que o movimento propaga. Consideramos que a posio

    que o movimento tem acerca do empoderamento das populaes atingidas pauta-se na superao de

    relaes de poder que oprimem esses grupos e os tornam subalternos, principalmente frente a

    processos como de deslocamentos compulsrios, das negociaes de indenizaes na construo

    das barragens, entre outros.

    Portanto, consideramos que o entendimento da concepo de empoderamento que o MAB

    pretende em suas aes junto s populaes atingidas, esto pautadas em aes polticas de

    enfrentamento que visam apropriao das linguagens frente ao sistema hegemnico do

    licenciamento ambiental e o reconhecimento dos seus prprios direitos sociais que abrangem a vida

    nas comunidades, nos espaos de lazer, nas formas de trabalho, chegando inclusive esfera

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    familiar, podem favorecer um posicionamento esclarecido a essas populaes frente s aes de

    agentes do campo poltico em nvel local, estadual e at nacional.

    Por fim, nos apoiaremos nas perspectivas do empoderamento que advm da ao coletiva

    como processo poltico emancipatrio, tambm destacado pela corrente do empoderamento e

    gnero, que acrescenta a identificao das mudanas e/ou permanncias nas relaes de poder.

    Procedimentos metodolgicos

    No que concerne no plano emprico, abordamos a relao entre participao e

    empoderamento individual e coletivo, utilizando os resultados da pesquisa qualitativa realizada no

    ano de 2011 que englobou entrevistas semi-estruturadas e questionrios com a populao atingida

    em trs localidades rurais de Diogo de Vasconcelos, quais sejam: Miguel Rodrigues, Emboque e

    reassentamento Guaiana. Optou-se por estas trs devido ao fato de que nelas encontram-se atuantes

    os principais grupos organizados desde o perodo de construo da PCH Fumaa, alm da presena

    de outras organizaes locais como a Associao Intermunicipal do Reassentamento Coletivo dos

    Atingidos (AIRCA). Foram entrevistadas 81 pessoas (40 envolvidos com o MAB e 41 no

    envolvidos), alm de entrevistas semi-estruturadas com quatro coordenadores das organizaes de

    base do MAB e o presidente AIRCA.

    Dentre as (os) envolvidas (os) com o MAB entrevistamos seis homens e 34 mulheres. J

    entre as (os) no envolvidas (os) com o MAB foram quatro homens e 37 mulheres. Mesmo atentos

    perspectiva relacional ao englobar na anlise as dimenses da ao feminina masculina na esfera

    privada e local assim como no movimento social, procuramos dar maior representatividade s

    mulheres. Para identificarmos quem participava do movimento contamos com a indicao por

    expert das (os) coordenadoras (es) dos Grupos de Base6, quanto aos no envolvidos, recorremos ao

    registro das famlias por meio do registro do Posto de Sade da Famlia.

    O artigo centra ateno nas noes do empoderamento individual e coletivo a partir de

    variveis elencadas teoricamente. Considera-se categorias como a diviso sexual do trabalho, uma

    das variveis elencadas teoricamente como constitutiva dos indicadores de empoderamento, alm

    das categorias de empoderamento individual, averiguada por meio das seguintes variveis: poder de

    6 Grupo de base uma forma de organizao na comunidade que no se baseia nos modelos de associaes, devido ao

    risco de cooptao das lideranas, colocando abaixo a organizao do grupo. Ao contrrio disso, os grupos de base

    descentralizam o papel de lideranas, a comunidade dividida em grupos constitudos por no mnimo cinco famlias,

    cada grupo possui trs coordenadores responsveis por realizar discusses com os demais membros, assim como

    organizar com os demais coordenadores dos outros grupos de base algumas estratgias de atuao local e regional junto

    ao movimento (ROTHMAN, F. ET al.2011, p. 259).

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    deciso para sair de casa, poder de deciso para fazer escolhas e renda prpria. E por fim, o

    empoderamento coletivo analisado via mudana na prpria vida.

    Resultados e anlises dos dados

    De acordo com as questes colocadas inicialmente as mulheres atingidas, que se envolvem

    no MAB, conseguem romper com os papis de gnero estabelecidos em suas casas, no cotidiano do

    lugar na comunidade e no prprio movimento social? Tratar das prticas relativas diviso do

    trabalho nas comunidades de Miguel Rodrigues, do Emboque e no reassentamento coletivo Guaiana

    significou entender, sob a viso das mulheres envolvidas com o MAB e das no envolvidas, como

    se constituam as relaes de poder no cotidiano familiar, pois so em lugares como a casa e as

    reas de produo que primeiramente se concentram os princpios estruturadores da diviso de

    gnero e o exerccio de poder entre homem e mulher, pais e filhos (as). Foi identificada entre todas

    as entrevistadas uma rotina diria de conciliar o trabalho agrcola e domstico. Quanto s

    responsabilidades domsticas e familiares, 60% das mulheres envolvidas com o MAB e 68% das

    no envolvidas realizavam essas tarefas sozinhas, nos casos em que este trabalho era dividido com

    alguma pessoa da famlia, esta era outra mulher. Em suma, a anlise do trabalho domstico revelou

    prticas francamente desiguais entre homens e mulheres, independente de seu envolvimento ou no

    com o MAB. J no tocante participao das mulheres na realizao do trabalho dito como

    produtivo, o nmero foi bastante expressivo: 57,5% das envolvidas com o MAB e 56% das no

    envolvidas realizavam estas atividades consideradas como prprias do homem.

    A dupla jornada que as mulheres tm ao trabalhar em casa e nas atividades agrcolas, lhes

    causa um sentimento de falta de liberdade para poder viver a vida conforme o seu desejo. A

    oposio entre o roado como um espao de produo masculino e a casa como espao de consumo

    e de domnio feminino mostram-se como normativa e ideal, porm as mulheres realizam as

    atividades em ambos os espaos. Alm disso, as mulheres que participam das atividades do MAB

    (como encontros, manifestaes) fora das localidades em que vivem, sejam elas lderes ou no,

    precisam se organizar antecipadamente para que ao sarem de casa as atividades que normalmente

    so de sua responsabilidade j estejam devidamente realizadas, e quando estas retornam precisam

    colocar em dia as tarefas. Portanto, o ir para fora representa um ponto de tenso. A sada da

    mulher de casa altera a rotina da diviso sexual do trabalho, cristalizada nos papis e espaos

    normatizados de cada um. Porm, participar do MAB no altera a normatividade em torno das

    relaes de gnero no cotidiano.

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    Conforme destacado por Pinto (1992, p. 31) a adeso de uma pessoa a um movimento

    social, gera tenses dentro da famlia. Assim, indagamos s mulheres se participar do MAB trouxe

    mudanas nas relaes familiares, 70,6% das mulheres afirmaram que no houve mudana com a

    sua participao no movimento. Quanto s mulheres que ocupam os papis de militantes,

    exercendo, por exemplo, a coordenao do grupo de base, devido ao maior nvel de formao, estas

    afirmaram ter alcanado certa conscincia de conseguir perceber, enxergar e enfrentar as situaes

    corriqueiras de restrio sua liberdade na tomada de deciso dentro dos espaos privados.

    No que tange ao empoderamento individual consideramos a liberdade para sair de casa,

    entre as envolvidas com o MAB e no envolvidas no h impedimentos, porm no saem sem

    avisar ao marido, ao pai. Entre as envolvidas com o MAB os fatores que se apresentaram limitantes

    para estas participarem das atividades do movimento o fato de terem que cuidar das crianas

    menores e questes de infraestrutura como as condies de acesso das estradas rurais.

    Outro indicador do empoderamento individual foi o poder para tomar decises sobre a sua

    vida, com exceo das lideranas femininas, identificamos que as demais mulheres envolvidas com

    o MAB, mesmo que participem das atividades do movimento, no consideram ter poder de escolha

    e de deciso em suas vidas, sendo que a condio de submisso ainda prevalece na dimenso social

    da esfera privada. Apesar de nossas opes tericas de empoderamento partirem do eixo de

    transformao das condies de vida das pessoas envolvidas em processos polticos, repercutindo

    em termos de equidade de gnero no mbito privado, os dados apresentados apontaram que tanto

    para as mulheres no envolvidas com o MAB como para as envolvidas, o acesso ao poder aquisitivo

    e trabalho/profisso foi o fator destacado como positivo para a sua autonomia e para as

    possibilidades de melhoria das condies de vida e de bem estar da sua famlia.

    A renda individual possibilita mulher o aumento da capacidade de barganha dentro da

    famlia no espao privado e, consequentemente, fortalece a sua posio como sujeito autnomo,

    conforme indicado por Oliveira (2006, p. 55). Os dados relativos renda, levantados junto aos

    envolvidos com o MAB e os no envolvidos, demonstram que 65% das envolvidas com o MAB

    possuam mensalmente menos de um salrio mnimo, e tal proporo entre os no envolvidos foi de

    26,8%. Para a maior parte, esses rendimentos advm do programa do governo federal Bolsa

    Famlia. Portanto, podemos perceber que estar envolvido com o MAB no se configurou como um

    fator de empoderamento individual para a mulher. Neste sentido, a renda e o trabalho formal se

    constituram em atributos reconhecidos por elas como geradores de maior autonomia sobre a

    prpria vida.

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    J no que confere o empoderamento coletivo selecionamos fatores de mudana na prpria

    vida, relativo somente aos envolvidos com o MAB. Pedimos s entrevistadas que definissem quais

    eram os elementos de modificao nas suas vidas: 35% disseram que nada mudou e 32,5%

    passaram a ter mais acesso s informaes e os aspectos relacionados oportunidade de reivindicar

    os direitos representaram 25%. Um dos aspectos apontados para a mudana de vida foi o acesso

    informao, concebido como meio para indicar as possveis formas de enfrentamento dos agentes, o

    povo das empresas. O acesso informao significa poder de voz. Para os atingidos, saber falar no

    necessariamente saber a linguagem tcnica que envolve os processos de tomada de deciso, como

    em um licenciamento de uma barragem.

    Concluses

    Este trabalho proporcionou a compreenso dos efeitos sociais da participao da mulher nos

    espaos do MAB e das relaes de poder no cotidiano familiar, comunitrio e no prprio

    movimento social. Podemos inferir que a participao das mulheres no MAB era parte de um

    projeto familiar, contando com a aceitao do homem para o engajamento da mulher, desde que

    este no envolvesse necessidade de afastamento da casa e da realizao das atividades domsticas.

    O engajamento das mulheres no movimento no se constituiu em um fator de empoderamento no

    mbito pblico nem privado, mesmo porque este no era um objetivo das mulheres, mas resultou de

    forma involuntria em uma oportunidade de empoderamento.

    Observou-se que houve a continuidade da tradicional diviso sexual dos espaos, tanto os

    pblicos quanto os privados. As atividades das mulheres continuaram sendo compreendidas como

    delas e a dos homens como deles. A prtica cotidiana no foi afetada pela participao no

    movimento e pelas tentativas deste de implementar uma reflexo acerca dos papis de homens e

    mulheres na esfera pblica e privada. As mulheres, mesmo participando dos grupos de base nas

    comunidades e em outros espaos fora de suas localidades, no conseguiam romper com os papis

    de gnero que demarcavam os lugares femininos e masculinos nos espaos familiares, da casa, da

    propriedade, assim como nos espaos comunitrios, o que conferiu a manuteno de relaes de

    poder e dos papis fixos e rgidos para mulheres e homens nos espaos pblicos das comunidades

    em que vivem e nos espaos privados.

    Em relao teoria do empoderamento, considerou-se que a participao das mulheres em

    movimentos sociais demonstra situaes em que o posicionamento e o tipo de atividade e papel

    assumido dentro da organizao se constituam em fatores diferenciadores para as possibilidades de

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    Seminrio Internacional Fazendo Gnero 10 (Anais Eletrnicos), Florianpolis, 2013. ISSN2179-510X

    empoderamento. Observou-se que as lideranas do MAB manifestavam autonomia para tomar

    decises sobre a sua vida e da famlia, alm de terem ampliado o seu engajamento no espao

    pblico. Contudo, isto no se estendeu para as demais mulheres que participavam do movimento.

    Nesse sentido, apontamos como algo importante a ser analisado em outros estudos o papel dos

    grupos de base como meio de empoderamento e a relao entre as lideranas e as bases locais.

    Podemos perceber que estar envolvido com o MAB no se configura, politicamente, como

    um fator de empoderamento individual para a mulher. Ao se levar em conta a renda monetria, os

    envolvidos com o MAB possuem menos poder de escolha que os no envolvidos. Alm disso, h o

    agravante da perda de posto de trabalho e da terra para plantar dessas pessoas devido construo

    da barragem. Neste sentido, a renda e o trabalho formal se constituram em atributos reconhecidos

    por elas como fator de maior autonomia sobre a prpria vida. Porm, o fato de estarem envolvidas

    no movimento social se mostrou como uma possibilidade de acesso a uma condio de cidadania,

    de tomada de conhecimento do direito propriedade da terra, a qual no caso presente cumpre,

    perfeitamente, a sua funo social.

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    Women in the moviment of affected by Dam Fumaa - MG: possibilities and challenges for

    their empowerment

    Abstract: This study investigates the relationship between womens participation in the Movement of Affected by Dams (MAB) and the possibilities open to their empowerment, in the public and

    private sectors. Taken as reference three rural localities hit by Small Hydroeletric Fumaa, in the

    municipality of Diogo de Vasconcelos, Minas Gerais. Was sought to understand the relations power

    from places lived in the house and property, community and social movement, focusing on

    categories like place, sexual division of labor and empowerment. We used questionnaires, semi-

    structured interviews and journal entries for field data collection. The results showed that although

    women participate in grassroots groups in communities and other spaces outside their localities,

    they cant break the gender roles that mark the places of women and men in family spaces, house, property, and in community spaces. It gives the maintenance of power relations and the fixed and

    rigid roles for women and men in these spaces. But there was a difference in handling between the

    female private and public spheres, which leads to greater empowerment of leaders than for another

    woman organized.

    Keywords: Women. Participation and empowerment.