Nº 1 - Janeiro de 2019 - Edição Anual YOGA DHARMA · 2019-03-20 · Maṇḍalas e yantras...

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Publicação Gratuita ISSN 2184-4429 Mandalas e yantras e as escalas do universo O Yoga Brasileiro Conversando com yogues e cientistas Yoga Uma terapia para os transtornos psicossomáticos: uma visão contemporânea e tradicional Quem são os praticantes de yoga em Portugal? Personalidade e motivações YOGA DHARMA Revista de Estudos sobre o Yoga Antigo e Moderno Nº 1 - Janeiro de 2019 - Edição Anual

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Publicação Gratuita

ISSN 2184-4429

Mandalas e yantras e as escalas do universo

O Yoga Brasileiro Conversando com yogues

e cientistas

Yoga Uma terapia

para os transtornos

psicossomáticos: uma visão

contemporânea e tradicional

Quem são os praticantes de yoga

em Portugal? Personalidade e

motivações

YOGA DHARMARevista de Estudos sobre o Yoga Antigo e Moderno

Nº 1 - Janeiro de 2019 - Edição Anual

ÍNDICE

EDITORIAL 2

Paulo Hayes

Maṇḍalas e Yantras e as Escalas do Universo 3

Mariana Seabra

Quem são os praticantes de yoga em Portugal?Personalidade e motivações 26

Rita B. Domingues

O Yoga Brasileiro: Conversando Com Yogues E Cientistas 55

Roberto Simões

Yoga como terapia para os Transtornos Psicossomáticos: uma visão contemporânea e tradicional 87

Sara B. Ponte

Ficha Técnica 110

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Yoga Dharma – Revista de Estudos Sobre o Yoga Antigo e Moderno https://yoga-dharma.org

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Este primeiro número da Yoga Dharma – Revista de Estudos Sobre o Yoga Antigo e Moderno entronca nos estudos académicos sobre yoga que emergiram no Brasil e em Portugal.

Pretende-se com esta nova publicação levar ao espaço publico da lusofonia – interessados, praticantes e académicos -, não apenas o debate sobre técnicas e métodos, mas fundamental-mente reunir saberes sobre processos terapêuticos, motivação dos praticantes, sincretismos e metamorfoses do yoga às sociedades portuguesa e brasileira, numa perspetiva multicultural.

Sucede que a palavra yoga é polissémica e a sua aculturação às sociedades modernas contemporâneas caracteriza-se pela maleabilidade e sincretismos de natureza diversa. O yoga ocupa um espaço destacado numa tripla dimensão das atividades humanas: espiri-tualidade, terapia alternativa, atividade física e mental.

O presente número reúne quatro artigos de autores convidados que evidenciam os seus conhecimentos do yoga em diferentes perspetivas multidisciplinares: ciência das religiões, psicologia, medicina e matemática. Os autores optaram por escrever “yoga” e não “ioga”, conforme o novo acordo ortográfico. Foi seguido o critério da revisão cega por pares (blind peer review).

Os autores têm em comum o facto de serem investigadores e também praticantes de yoga.

A revista é publicada no formato digital, com periodicidade anual e gratuita, e engloba trabalhos diferentes da responsabilidade dos autores. Ainda em formato experimental, prevê-se nos próximos números incluir trabalhos originais de diferentes línguas.

Não seria possível a publicação do primeiro número sem os apoios do Centro de Estudos Indianos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Departamento de Ciências das Religiões da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

Em nome da comissão editorial e da comissão científica, convido os investigadores a submeterem os seus trabalhos para o próximo número da revista nos termos e prazos previstos em https://yoga-dharma.org

Paulo Hayes

EDITORIAL

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Maṇḍalas e Yantras e asEscalas do Universo

SUMÁRIO

Maṇḍalas e yantras constituem um dos aspetos mais intrigantes e ao mesmo tempo fascinantes do Yoga. Inserem-se no Tantra, que, por sua vez, é pro-vavelmente a tradição mais complexa deste domínio, em termos de estrutura, literatura, tipos de prática e interação com outras tradições. Devido a esta complexidade, o conhecimento relativo a este tema encontra-se relativamente fragmentado e pouco sistematizado.

Assim, um dos objetivos deste trabalho é contribuir para a clarificação da definição de maṇḍala e yantra, partindo de uma análise geométrica e funcio-nal. Adicionalmente, apresenta-se um sistema de classificação destes diagramas, especialmente relevantes na prática do Yoga.

Um dos princípios fundamentais do Yoga de raiz Tântrica é a equivalência entre o macrocosmos exterior, ou seja, o Universo, e o microcosmos interior do praticante.

Deste modo, é uma filosofia em que os conceitos de escala e de conti-nuidade entre diferentes escalas assumem especial relevância. Os maṇḍalas e yantras ilustram estes princípios e, por conseguinte, são também analisados como representação das diferentes escalas do Universo e comparados com fractais, uma das áreas da matemática moderna especialmente dedicada à representação da continuidade entre escalas.

Mariana SeabraUniversidade do [email protected]

PALAVRAS-CHAVE

Maṇḍala, Yantra, Tantra, Yoga, Fractal

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ABSTRACT

Maṇḍalas and yantras are one of the most intriguing and fascinating aspects of Yoga. They are a part of Tantra, which is probably the most complex Tradition in this field, regarding structure, literature, forms of practice and interaction with other traditions.

Due to this complexity, the knowledge regarding this subject is relatively fragmented and lacking systematization. Thus, one of the goals of this work is to clarify the definition of maṇḍala and yantra through a geometrical and functional analysis. Moreover, a classification system is established for these diagrams, which are particularly relevant in the practice of yoga.

One of the fundamental principles of Tantric Yoga is the equivalence bet-ween the outer macrocosm, that is, the Universe, and the inner microcosm of the practitioner. In this way, the concepts of scale and continuity between different scales are particularly relevant in this philosophy.

Maṇḍalas and yantras illustrate these principles and therefore are also analyzed as a representation of the different scales of the Universe and compared with fractals, one of the branches of modern mathematics especially dealing with continuity between scales.

KEYWORDS

Maṇḍala, Yantra, Tantra, Yoga, Fractal

Maṇḍalas e Yantras e asEscalas do UniversoMariana SeabraUniversidade do [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O conceito de escala acompanha a realidade humana. Desde sempre que o Ser Humano se viu compelido a lidar com dimensões muito superiores e muito inferiores àquelas que os seus olhos são capazes de abarcar. Assim, a noção de escala está associada tanto a questões práticas, como o ordenamento do território ou as proporções certas de cada componente num medicamento, como a questões relacionadas com o conhecimento do Universo: dos átomos às galáxias, das células aos organismos ou até aos ecossistemas.

O desejo de compreensão do Universo é intrínseco ao Ser Humano e, por conseguinte, o conceito de escala está presente nas diferentes tradições espirituais da humanidade. Na sua forma mais simples, é dicotómica, ou seja, existe uma escala mundana e uma escala divina. O entendimento da realidade depende assim da compreensão destas escalas e interação entre elas (Mircea Eliade, 1994).

O Yoga não é exceção e cada uma das filosofias a que está associado propõe um modelo da realidade, contendo o conceito de escala (Feuerstein & Kak, 2013). Trata-se de uma tradição vasta, presente no subcontinente Indiano há pelo menos três mil anos e, naturalmente, incorporando toda a riqueza filosófica e cultural deste território vibrante. Do Yoga Clássico de Patañjali, ao Bhakti Yoga de Kṛṣṇa na Bhagavad Gītā, do Vedanta ao Xaivismo de Caxemira, só para referir alguns exemplos, é proposto um caminho para transcendência do estado de consciência e perceção comum, para um estado de Consciência Universal. Assim, é frequente a referência à sādhanā, a prática, como um mapa a seguir pelo aspirante na senda espiritual.

Existe uma considerável variedade de tipos de práticas de Yoga, ao ponto da sua cata-logação e sistematização se tornar difícil. Porém, é no Tantra que todos estes caminhos se ramificam e espelham a própria estrutura do Universo, com a sua complexidade e simplicidade, com o caos e a ordem. Esta é uma tradição difícil de definir. Para além de vasta e influenciadora de muitas das tradições espirituais indianas, é ainda relativamente pouco estudada (Samuel, 2008, p. 229-232). Adicionalmente, as chamadas correntes de Neo-Tantra popularizadas nas últimas décadas no Ocidente, pouco têm em comum com a tradição original (Feuerstein, 1998, p. 270-273; Frawley, 2000, p. 21-35).

O Tantra encontrava-se já instalado na sociedade Indiana no século sexto da presente era, como mostra a iconografia característica deste período, por exemplo em Ajanta e Ellora, conforme Figura 1 e Figura 2. Apresenta duas vertentes principais, a Budista e a Hindu.

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Figura 1 Maṇḍala pintado nas Grutas de Ajanta (fotografia da autora, 2018).

Figura 2 Parede cravada em padrão do tipo maṇḍala, nas grutas de Ellora (fotografia da autora, 2018).

Tem também expressão no Jainismo, mas em menor escala. Aparece com o objetivo de transformar, completar ou até substituir a revelação Védica. Propõe um novo caminho espiritual, de integração entre o mundano e o espiritual, o finito e o infinito, proclama a continuidade entre o espírito e a matéria. Leva ao extremo o axioma que define a espirituali-dade Indiana: A nossa essência espiritual é incondicional, para além do espaço e do tempo, do nascimento e da morte (Khanna, 1979, p.70-79; Rao, 1988, p.23-24).

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Deste modo, as práticas contidas na tradição tântrica assentam na premissa de que o microcosmos humano é equivalente ao macrocosmos; toda a atividade mundana pode ser convertida numa atividade espiritual, conducente á libertação (Eliade, 2009, cap. 6).

Nesta tradição, a chave da libertação encontra-se na perceção da continuidade entre as diver-sas escalas do Ser Humano e do Universo. Surgem então as necessidades de compreensão da estrutura universal, de representação das diferentes escalas cósmicas e do desenvolvimento de práticas que permitam ao adepto orientar-se nesta rede complexa (Tucci, 2001, cap. 1). Neste contexto, surgem então os diagramas rituais, nomeadamente maṇḍalas e yantras.

Maṇḍalas e yantras são composições geométricas com diversas aplicações no caminho espiritual. A sua beleza e capacidade de gerar harmonia não deixam nenhum observador indiferente. Opõem-se ao caos que normalmente impera na mente não iluminada. O seu papel é elegantemente descrito na seguinte passagem (Rao, 2013, p. 59):

Quer seja denominado cakra, maṇḍala ou yantra, o instru-mento é uma esfera de influência, um grupo consagrado, uma arena para o jogo de pensamentos, sentimentos e forças, tanto no interior como no exterior do devoto. É um instrumento usado para ativar energias, estimular pensamentos, harmonizar sentimentos e coordenar forças internas e externas. É corretamente designado como psicocosmograma.

Figura 3 Maṇḍala kohbar (iharheritage, 2013)

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Para além de uma grande variedade de padrões, a distinção entre maṇḍalas e yantras é pouco objetiva e pouco sistematizada. As palavras maṇḍala, yantra e, alguns contextos, cakra são igualmente traduzidos por diagrama e tendem a ser usados livremente, como sinónimos, pelos autores contemporâneos (Bühnemann, 2003, p. 153-154). Contudo, as escrituras apontam para um uso mais restrito, em que os diferentes termos são definidos com precisão, como é o caso do Kulārnava Tantra 6.86, 17.59, 17.61 (Pandit, 2007).

Assim, neste trabalho, segue-se uma exposição das características geométricas e rituais dos maṇḍalas e yantras, juntamente com uma análise dos termos em sânscrito, na secção 2, com vista a estabelecer um sistema de classificação destes diagramas, na secção 3. Na secção 4 apresenta-se uma análise de alguns dos padrões típicos destas estruturas, com especial relevância para a presença de diferentes escalas e auto-semelhança, estabelecendo-se uma ponte entre os aspetos geométricos e a prática espiritual. Finalmente, na secção 5, tecem-se as conclusões e algumas considerações sobre trabalhos futuros.

2. Definição de maṇḍala e yantra

Uma das primeiras distinções entre maṇḍala e yantra chega ao ocidente através dos trabalhos de Sir John Woodroffe (Woodroffe, 1999, vol. 2, p. 285), como se segue:

“A diferença entre um maṇḍala e um yantra é que o primeiro é usado para qualquer divindade (devatā) enquanto que o yantra é adequado a uma única divindade”.

Figura 4 Rāṅgoli – decoração realizada no chão com pó de arroz (Craftytalks, 2016)

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Diversos autores seguem esta definição. Por exemplo, Johari no seu livro Tools for Tantra refere: maṇḍalas (representando o cosmos) e yantras (representando uma deidade particular) (Johari, 1988, p. 47).

Mais tarde, Mircea Eliade distingue yantra e maṇḍala puramente através de considera-ções geométricas: o maṇḍala mais simples é o yantra, usado pelo hinduísmo (Eliade et al., 2009, p. 214), isto é, o termo maṇḍala é associado ao Budismo Tibetano, enquanto que o termo yantra é associado à tradição Hindu. Porém, uma análise cuidada de ambas as tradições mostra que esta distinção peca por simplificação excessiva. De facto, a tradição Budista emprega sobretudo maṇḍalas, com exceção das letras-yantra reportadas por Rao (Rao, 1988, p. 37-34), mas a tradição Hindu é tão rica em maṇḍalas como em yantras. Adicionalmente, a distinção entre maṇḍalas e yantras vai para além dos aspetos geomé-tricos. Outras características como as aplicações rituais, as divindades presentes, o carácter permanente ou temporário e o objetivo de utilização devem também ser consideradas (Bühnemann, 2003, p. 1-3).

Uma das tentativas mais relevantes de classificação de maṇḍalas e yantras, considerando tanto características geométricas como aplicações rituais é apresentada por Rao (Rao, 1988, p. 14-15), como se segue:

• Ferramentas de devoção (pūjana -yantras)

• Ferramentas de proteção (rakṣā -yantras)

• Maṇḍalas

O autor introduz ainda outro sistema de classificação:

• Yantras de proteção (rakṣā -yantras)

• Yantras de invocação/representação de divindades (devatā-yantras)

• Yantras de suporte à meditação (dhyāna-yantras)

Este sistema de classificação é útil pois salienta a importância dos aspetos funcionais na distinção entre maṇḍalas e yantras, porém não define claramente os dois termos.

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Assim, nas secções seguintes, a análise dos termos em sânscrito, referências às escritu-ras e aspetos funcionais serão relacionados, numa tentativa de definir e sistematizar ambos os conceitos.

2.1. Maṇḍalas

Os maṇḍalas são maioritariamente reconhecidos como parte integrante da tradição Budista Tibetana. A observação cuidada dos maṇḍalas revela a sobreposição e repetibilidade de figuras geométricas ou outros padrões em diferentes tamanhos, ou seja, são figuras com um determinado grau de auto-semelhança.

Com efeito, o conceito de auto-semelhança é de tal forma importante na análise de maṇḍalas e yantras que é imperativa a sua definição, como se segue:

Um objecto auto-semelhante é aquele que tem o mesmo aspeto quando observado a diferentes escalas (Mandelbrot, 1983, p. 18).

Na Figura 5 encontram-se um exemplo típico de uma figura auto-semelhante, vulgar-mente designada por Triângulo de Sierpinski (Yale University, n.d.). É uma figura obtida partindo de um triângulo inicial (o maior), unindo os pontos médios das suas arestas. Os triângulos subsequentes são obtidos seguindo o mesmo processo. O resultado é uma figura em que todos os triângulos têm a mesma proporção entre os seus lados e, que observada a uma escala menor, conserva o mesmo aspeto da escala inicial.

O conceito de auto-semelhança será retomado na secção 4. Para já, constitui uma defi-nição de apoio à análise das características geométricas dos maṇḍalas e yantras.

Figura 5 :Triângulo de Sierpinski (Yale University, n.d.)

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Figura 6 Maṇḍala de Kalacakra (fotografia da autora, Ladakh, 2018)

Figura 7 Maṇḍala pintada no Mosteiro de Alchi Ladhak (Chandra, 2016).

Assim, observando em particular os maṇḍalas da Figura 6 e da Figura 7, denota-se uma delimitação circular do espaço. No primeiro exemplo, o inte-rior encontra-se preenchido com diversos padrões auto-semelhantes numa rede intrincada, quase labiríntica, que transmite uma certa sensação de movimento, em torno de um ponto central, fácil de detetar. No segundo exemplo existe uma organização hierárquica em torno do centro de diversas divindades, representadas na forma antropomórfica, mas apoiada numa estrutura que revela característica de auto-semelhança.

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Com efeito, os significados mais comuns do termo sânscrito maṇḍala são redondo, circular, roda, anel, circunferência ou algo redondo ou circular. Pode ainda significar distrito ou província, o círculo dos vizinhos mais próximos e mais distantes de um rei, grupo ou assembleia (Apte, 2015). É interessante verificar que todos estes significados se fundem nos maṇḍalas yoguicos, como mostram as Figuras 6 e 7. Na tradição budista, o termo maṇḍala é também explicado como a junção dos componentes maṇḍa e la. Maṇḍa representa a divindade central ou o nirvāṇa, a Realidade Última, e la representa a emanação ou o saṃsāra, a experiência quotidiana limitada (Kim, 2015, p.2). Deste modo, os maṇḍalas são a ilustração do princípio máximo do budismo tântrico, o saṃsāra é igual ao nirvāṇa, ou em alternativa rūpa é śūnya e śūnya é rūpa, isto é, a forma é o vazio e o vazio é forma. Nos maṇḍalas toda a estrutura revolve em torno do ponto central: de onde todas as estruturas do Universo emanam e para onde todas as estruturas do Universo retornam. Este sentido de retorno não é necessariamente temporal, mas acontece a todo o instante: no Budismo, a essência de todas as coisas é o vazio, śūnya. As formas e o vazio acontecem em simultâneo, são os dois polos da realidade última, tal como a iluminação e o estado consciente limitado. (Feuerstein & Kak, 2013, cap. 7; M. et al., 2008).

Em termos práticos, a construção e uso de maṇḍalas estão associados a rituais específi-cos como a construção de maṇḍalas de areia, entre outros (Tibetisches Zentrume, 2012). Estes rituais duram vários dias e, em geral, são acompanhados pela entoação de mantras, criando uma atmosfera em que a maṇḍala material é apenas o lado físico de um processo de transformação do estado de consciência. Estes rituais culminam com a destruição da maṇḍala, transmitindo o ensinamento da impermanência de todas as coisas no Universo e, mais uma vez, simbolizando a forma que se desenvolve a partir do vazio e que a ele regressa (M. et al., 2008, p. 271-307).

Estas práticas são comuns no contexto monástico, incluindo a construção de estruturas de grandes dimensões, em que o aspirante pode literalmente entrar. Contudo, estes rituais nem sempre requerem um suporte físico: podem ser mentalmente construídos. Em qualquer um dos casos, a liturgia em torno da iniciação com maṇḍalas é relativamente complexa e reco-menda-se a consulta das referências (M. et al., 2008) e (Tucci, 2001) para mais detalhes.

Quanto à tradição Hindu, o cenário é semelhante. Apesar das maṇḍalas em contexto Hindu não serem tão conhecidas pelo público em geral, estas têm um papel fundamental nos rituais de iniciação. O Xaivismo de Caxemira é particularmente rico nas descrições destes rituais, como ilustra o trabalho de Sanderson (Sanderson, 1986).

Neste contexto também é apresentada uma definição de maṇḍala. Jayaratha, no seu comentário ao Tantrāloka 37.21 (Abhinavagupta, Jayaratha, & Shastri, 2016) também divide etimologicamente a palavra em dois componentes, mas apresenta significados

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ligeiramente diferentes relativamente à tradição Budista. Aqui maṇḍa significa essência e la está ligado á raíz lā, que significa levar (Institute of Indology and Tamil Studies, n.d.); assim maṇḍala é aquilo que transporta a essência de Śiva. Aqui, Śiva não é uma divindade, mas o nome dado á Realidade Última, nesta linhagem filosófica. Nos primórdios do desenvolvimento do Tantra, o diálogo entre Hindus e Budistas era relativamente fluído, podendo mesmo ser considerada uma única tra-dição com duas formas de manifestação (Kim, 2015, p. 12-13). O Kulārnava Tantra 17.59 (Pandit, 2007) fornece a seguinte definição de maṇḍala: Ó mestra dos deuses, denomina-se maṇḍala porque é auspicioso, porque é a abóbada de um grupo de Yoginīs das Ḍākinī e pela sua beleza.

Mais uma vez, está patente a hierarquia de divindades organizadas numa estrutura bela, como ilustram os maṇḍalas analisados.

Assim, em resumo, maṇḍalas são áreas delimitadas, com ou sem suporte físico, com um propósito ritual, em que toda a manifestação cósmica, ou pelo menos uma hierarquia de divindades está presente e é invocada. São estruturas (físicas ou mentais) de carácter temporá-rio, ou seja, são destruídas no final do ritual em que se inserem e por isso, a sua estrutura física é construída em materiais perecíveis. Em geral apresentam grandes dimensões, adequadas a rituais de iniciação ou rituais públicos. Porém, existe uma exceção: os maṇḍalas que cobrem as paredes dos templos ou mosteiros, de carácter obviamente permanente (Kim, 2015, p. 3). Este tipo de maṇḍalas tem um papel semelhante aos yantras Hindus, que se encontram descritos na secção seguinte.

2.2. Yantras

Os yantras integram muitas das características dos maṇḍalas. Apresentam uma geome-tria relativamente simplificada, em volta de um ponto central, que pode estar claramente representado ou não. Os padrões representados apresentam também um certo grau de auto-semelhança, desenvolvendo-se a partir do ponto central. Desta forma, conservam as características de evolução ou involução, do ponto central para as formas manifestadas ou da manifestação para a união, respetivamente. Contudo, destinam-se a uma utilização mais individualizada com uma certa portabilidade, como ilustra a análise do termo em sânscrito que se segue.

A palavra yantra é comumente definida como qualquer instrumento para segurar, res-tringir ou apertar, máquina ou mecanismo (Apte, 2015). De facto, em termos da prática

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do Yoga, yantra pode ser definido como uma ferramenta de meditação. Por um lado, concentra a atenção do aspirante, focando a mente; por outro lado, concentram uma determinada energia do Universo, isto é, funcionam como um recetáculo para a divin-dade ou um determinado aspeto do divino, como é explicado no Kulārnava Tantra 5.86 (Pandit, 2007):

Como o corpo está para a alma e o óleo para a lâmpada, o yantra está para a divindade.

Desta forma, embora existam yantras para múltiplos propósitos, incluindo muitos fins pragmáticos como curar doenças ou atrair a pessoa amada, apenas dois tipos são relevan-tes na prática do yoga: yantras usados na pūjā, ou seja, na veneração de uma determinada divindade e yantras usados como suporte para a meditação. Estes dois tipos podem ser geometricamente idênticos, apenas existe diferença na função e o mesmo adepto pode usá-los de ambas as formas (Bühnemann, 2003; Khanna, 1979; Rao, 1988).

Geometricamente, os yantras extraem a estrutura essencial de uma determinada energia do Universo, da mesma forma que as nervuras de uma folha estão para a folha completa. Assim, a aparência simplicada de um yantra remete a mente do aspirante para toda uma estrutura Universal (Khanna, 1979, p. 1). Tal como os maṇḍalas, também apresentam um determinado grau de auto-semelhança. Esta característica pode ser observada no Yantra do Planeta Vénus, ilustrado na Figura 8. A unidade básica deste yantra é composta por 2 quadrados inscritos numa circunferência, com uma rotação relativa de 45º. Os vértices de cada par de quadrados sucessivos tocam as arestas dos quadrados anteriores. O Sri-Yantra, representado na Figura 9, possui também um certo grau de auto-semelhança, ainda que imperfeita. Os 4 invólucros de triângulos destacados na Figura 10 são correlacionados com aspetos do Universo e da anatomia subtil do praticante em textos originais tais como o Bhāvanopaniṣad, cuja tradução está incluído no trabalho de Rao (Rao, 2013), ou o Yoginīhṛdaya analisado por Padoux (Bühnemann, 2003, p.239-250). É de salientar que as figuras antropomórficas estão geralmente ausentes, apesar de existirem exceções. Por outro lado, a inscrição de mantras é frequente (Bühnemann, 2003, p. 6).

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Figura 7 Figura 8: Yantra do Planeta Vénus (imagem produzida pela autora, a partir de objeto decorativo, 2018).

Figura 9 Śrī Yantra ou Śrī Cakra (Johari, 1988, p. 58).

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Com efeito, os yantras são considerados a contraparte visual dos mantras. No Tantra, a vibração é considerada a estrutura básica do Universo e o yantra é a cristalização de tal vibração (Johari, 1988, p. 47; Khanna, 1979, p. 34). A relação entre a forma e a vibração é exposta com todo o detalhe, no Xaivismo de Caxemira, em particular no Parā-trīśikā-Vivaraṇa de Abhinavagupta (Singh, 2011). Abhinavagupta aparece como o grande sistematizador do Tantra com grande refinamento filosófico. Muitos dos con-ceitos explorados por Abhinavagupta são igualmente válidos na variante Budista, como explica a referência (Kim, 2015).

Finalmente, em termos de diferenciação relativamente aos maṇḍalas, os yantras são de menores dimensões e destinam-se a uma prática frequente ou mesmo diária, de caráter usualmente mais privado. Assim, é habitual a sua construção em materiais não-perecíveis ou são desenhados em papel.

Tendo em conta todas as características analisadas, na secção seguinte propõe-se um sistema de classificação para maṇḍalas e yantras relevantes na prática do Yoga.

3. Proposta de um sistema de classificação para Maṇḍalas e Yantras rele vantes na prática do Yoga

Nas secções anteriores, caracterizaram-se os yantras e maṇḍalas em termos da tra-dição Tântrica Hindu e Budista, atendendo à geometria e também à funcionalidade. Para sumarizar todos estes aspetos propõe-se o sistema de classificação representado na Figura 11.

Figura 10 Destaque dos diferentes invólucros do Śrī Yantra (Rao, 2013).

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Este trabalho centra-se em maṇḍalas e yantras com suporte físico, que se dividem em duas categorias principais:

• temporários e orientados para rituais de iniciação;

• permanentes, de suporte à meditação.

Apesar de apenas brevemente referidos, os diagramas rituais sem suporte físico são igualmente importantes no Yoga de raiz Tântrica e assim merecem a introdução de uma categoria adicional. Nos textos Hindus, o termo maṇḍala é usado para designar as formas dos elementos visualizados durante os rituais de purificação, bhūtaśuddhi, ou na visualização de algum tipo de estrutura de apoio à prática do nyāsa, a infusão ritual de energia em objetos ou no próprio corpo (Bühnemann, 2003, p. 20; Khanna, 1979, p. 23). Na prática Budista também é comum o uso de maṇḍalas visualizadas internamente como suporte à meditação (M. et al., 2008, p. 303-307). Por exemplo, no livro Orderly Chaos (Trungpa, 1991), o mestre Budista Chogyam Trungpa explica toda a manifestação do Universo em termos de estruturas do tipo maṇḍala, que não têm necessariamente um suporte físico. Contudo, determinar se de facto estas estruturas são puramente mentais ou se por vezes aparecem sob suporte físico requer estudo adicional e, assim, esta categoria é deixada em aberto.

Figura 11 Diagramas relevantes na prática do Yoga de raiz Tântrica (imagem da autora, 2019)..

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Maṇḍalas e yantras são inevitavelmente um assunto complexo e desafiante. Na secção seguinte tecem-se algumas considerações sobre o seu papel na representação do Universo e do Ser Humano.

4. A auto-semelhança e a estrutura do Universo e do Ser Humano

O quotidiano Humano está preenchido de estruturas auto-semelhantes, dos quais uma couve-flor ou um romanesco são excelentes exemplares. Porém, para além de mera curiosidade, este tipo de estruturas constitui um dos ramos mais efervescentes da mate-mática moderna, os fractais (Mandelbrot, 1983). O termo foi proposto pelo matemático do século XX Benoit Mandelbrot, porém o conceito matemático tem raízes bem mais antigas. Mandelbrot deixou a definição matemática de fractal relativamente aberta, mas em geral pode dizer-se que um fractal é um objeto geométrico que apresenta as seguintes características (Jackson, 2004, p. 4):

• Recursividade – cada iteração no processo de geração de um fractal tem como origem o passo anterior;

• Escalonamento – um fractal apresenta uma forma semelhante quando observado a diferentes escalas;

• Auto-semelhança – as partes reproduzem o todo, não necessariamente de forma perfeita, mas pelo menos de forma reconhecível;

• Contém o infinito num espaço finito.

Deste modo, o Triângulo de Sierpinski ilustrado na Figura 5 é um exemplo de um fractal.

Hoje em dia, a geometria fractal é aplicada a áreas tão diversas como a biologia, astronomia, economia ou as artes, tornando-se essencial para uma melhor compreensão do Universo.

Tendo em conta a característica de auto-semelhança presente nos maṇḍalas e yantras, já referida nas secções anteriores, é imperativa a interpretação destes diagramas tendo em conta a definição de fractal. Não se trata de verificar se estes diagramas cumprem exata-mente a definição matemática de fractal. Trata-se de refletir, por um lado, no papel dos yantras e maṇḍalas como modelos do Universo, e por outro, como ferramenta de apoio

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ao caminho espiritual, tendo em conta os conceitos de escala, recursividade e infinito, como se segue.

4.1. Escala

De certa forma, o Tantra é uma filosofia fractal. O próprio termo denota conti-nuidade (Apte, 2015), especialmente contida no seu princípio de equivalência entre o macrocosmos e o microcosmos. Segundo este princípio, todo o Universo está contido no Ser Humano. Assim, conclui-se que para conhecer o Universo, o Ser Humano deve contemplar o seu interior.

Nas diversas formas em que se apresenta a tradição do Yoga, a perfeita compreensão do Universo é apenas possível quando o adepto se desvincula do seu estado de consciência habi-tual e das estruturas psicofisiológicas habituais, como explica, por exemplo, Eliade (2000). Trata-se de um caminho moroso, em que a contemplação de maṇḍalas e yantras prepara o yogī para a contemplação interior, trazendo ordem à mente caótica do não-iluminado. Mais, estes diagramas rituais permitem a passagem harmoniosa pelas várias escalas. A sua observação cuidada revela novos detalhes, formas e cores, mas sempre guardando um sentido de unidade. Por exemplo, uma onda do mar é constituída por ondas mais pequenas ou o padrão da roupa de uma determinada divindade lembra toda a maṇḍala. Do mesmo modo, os modelos frac-tais têm a particularidade de trazer ordem a estruturas e fenómenos aparentemente caóticas, como o movimento browniano (Mandelbrot, 1983, p. 232), e têm a propriedade de manter a continuidade através das escalas.

4.2. Recursividade

A recursividade pode ser encontrada em diversos aspetos dos maṇḍalas e yantras. Em termos geométricos é possível observá-la na construção do Śrī -Yantra (Figura 9). Tradicionalmente, pode ser construído seguindo uma lógica de evolução, a partir do ponto central, seguindo-se o triângulo primordial, de que todos os restantes triângulos derivam. É igualmente possível construir os triângulos exteriores em primeiro lugar e realizar operações sucessivas, até chegar ao ponto central, num processo de involução. (Khanna, 1979; Kulaichev, 1984). Nos maṇḍalas também é usual a repetição de uma uni-dade fundamental, como patente no maṇḍala de Vajradhātu (Figura 12).

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Por outro lado, o comportamento humano é dotado de repetibilidade. Cada ação ou pensamento deixa uma marca na mente, uma tendência para que se repita. Assim, a cada momento da vida do Ser Humano, o futuro é moldado pela atividade presente. O estudo destes conceitos e aplicabilidade prática é um dos aspetos centrais do Yoga. É tratado, em particular, no primeiro capítulo do Yoga Sūtra de Patañjali, como já analisado por diver-sos autores como Feuerstein (Feuerstein, 1989) ou Iyengar (Iyengar, 1993).

Com efeito, recursividade mental e a forma de como agir sobre essa recursividade é um tema transversal às diversas tradições do Yoga (Feuerstein & Kak, 2013). No Tantra, é revelada ao adepto através da recursividade geométrica, como um espelho. Assim, a prática meditativa visa, em primeiro lugar, um restabelecimento da ordem mental, a partir do caos. Com a prática longa e sistemática, torna-se possível o trabalho sobre as tendências mentais e, eventualmente, a Iluminação.

Figura 12 Mandala de Vajradhātu e respetivo detalhe (Kim, 2015, p.21)

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4.3. Infinito

Faz parte da natureza humana a procura da compreensão e representação do conceito de infinito. Tal como os fractais, as maṇḍalas e yantras possibilitam a representação do infinito, num espaço finito.

Em termos funcionais, os rituais de iniciação em que se usam maṇḍalas - descritos, por exemplo, nos trabalhos já referidos de Tucci (Tucci, 2001) e Sanderson (Sanderson, 1986) -, têm como um dos objetivos a expansão da consciência do adepto, promovendo também compreensão do infinito através do finito. Através do profundo conhecimento da mente, o yogī prepara-se para a fusão com a Consciência Universal.

É inegável que vivemos numa era em que diariamente somos bombardeados com quantidades massivas de informação. O acesso ao conhecimento nunca foi tão fácil, mas ao mesmo tempo é muito mais suscetível de gerar o caos interior. Esta é uma das razões que explica a procura crescente do Yoga como ferramenta de recuperação do equilíbrio interior e exterior. Porém, com a sua riqueza filosófica, o estudo da tradição do Yoga pode levar o adepto mais longe, dotando-o de compreensão global, de uma visão sobre a rede intrincada que liga tudo o que se passa no planeta.

Ainda não existem estudos que incluam dados quantificáveis relativamente a práticas de Yoga recorrendo a maṇḍalas e yantras. Porém, a experiência pessoal e o trabalho com grupos de praticantes ao longo de vários anos está de acordo com a análise de Rao apresentada na secção 1: maṇḍalas e yantras como ferramenta para ativar energias, estimular pensamentos, harmonizar sentimentos e coordenar forças internas e externas. Deste modo, os exercícios de concentração com maṇḍalas e yantras têm a capacidade de revelar estruturas de formação de pensamentos e emoções aos praticantes modernos, tal como descrito pelos praticantes de tempos antigos. Adicionalmente, possibilitam a integração das dimensões racionais da mente com as dimensões intuitivas. Como exemplo, a compreensão ou a execução do desenho das formas geométricas que com-põem os yantras exige lógica, enquanto que o trabalho com a cor está relacionado com a perceção sensorial. Em geral, o praticante moderno possui uma estrutura mental bastante desenvolvida a nível lógico, mas pouco desenvolvida a nível intuitivo. Esta integração é, mais do que nunca, necessária.

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5. Conclusão e trabalho futuro

Este trabalho constitui uma pequena introdução ao estudo de maṇḍalas e yantras. É importante posicionar estes diagramas na tradição em que se inserem, o Tantra, e atender, não só às suas características geométricas, mas também à sua funcionalidade, para a sua sistematização e compreensão. Analisando diversos aspetos foi possível estabelecer um sistema de classificação destes diagramas, que poderá servir de base a estudos futuros. Em particular, explora-se ainda o papel dos maṇḍalas e yantras como representação das várias escalas do universo e ferramenta de meditação, usando o conceito de viagem entre as escalas. Porém, como referido, trata-se de uma primeira abordagem, em que se salienta a importância destes diagramas como modelo da rea-lidade, em paralelo com um dos modelos da realidade usado pela ciência moderna, os fractais. Para um estudo mais profundo é inevitável a análise dos textos originais em Sânscrito e também em Tibetano, no caso da vertente Budista. Para além das dificuldades inerentes ao estudo destas línguas, é essencial uma imersão nas respetivas tradições espirituais, já que a linguagem é muitas vezes utilizada de forma simbólica e abundam os termos sem equivalentes nas línguas ocidentais. Adicionalmente, no estudo das tradições associadas ao Yoga ainda existe uma interação deficiente entre os dados arqueológicos, arquitetónicos e artísticos e os dados textuais, como relatado por Samuel (Samuel, 2008).

Assim, em trabalho futuro pretende-se analisar com maior detalhe a natureza de arquétipo destas estruturas e empreender um estudo da literatura que lhes está associado, massiva tanto do lado Hindu, como Budista. Outros aspetos, como as leis geométricas de construção, utilização e relevância para os praticantes de Yoga antigos e modernos são também aspetos relevantes a aprofundar.

A compreensão profunda destes conceitos requer uma análise multidisciplinar, incluindo literatura e linguística, arqueologia, geometria e até psicologia ou neurologia. De certa forma, é um estudo que se prolonga além do conhecimento racional e em que os limites do estudo académico ainda não estão bem definidos. Existe uma subtileza que não pode ser ignorada. Deste modo, o contacto e experiência com maṇḍalas e yantras é tão relevante quanto o trabalho académico, pelo que devem ser desenvolvidos em paralelo.

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SUMÁRIO

Apesar da popularidade do yoga no mundo ocidental, existem ainda poucos dados sobre quem são os praticantes de yoga e que características específicas apre-sentam. Este estudo tem, assim, como objetivo caracterizar os praticantes de yoga em Portugal em termos de particularidades da prática, tipo de motivação para a prática, motivos e ganhos percebidos da prática, e traços de personalidade.

Este conhecimento é importante num contexto de recomendação do yoga como terapia complementar para problemas de saúde física e mental, de modo a compreender-se os efeitos de uma prática continuada de yoga nos indivíduos. Assim, foi elaborado um questionário online, compreen-dendo quatro escalas previamente validadas, para avaliar características da prática de yoga e características pessoais de praticantes portugueses. Um total de 618 indivíduos, obtidos através de uma amostragem bola-de-neve, responderam ao questionário, dos quais a maioria são mulheres com nível educativo elevado e uma gama de idades larga.

Verificou-se que as motivações para a prática são sobretudo intrínsecas ou bastante autodeterminadas, e os principais motivos para iniciar a prática de yoga são relaxamento e alívio do stresse, e para ser mais saudável. Em termos de personalidade, os praticantes de yoga são, de modo geral, pouco gregários, autodisciplinados e muito altruístas.

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Rita B. DominguesUniversidade do [email protected]

PALAVRAS-CHAVE

Psicologia; Motivação; Personalidade; Questionários; Yoga

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ABSTRACT

Yoga has been gaining popularity in the West, but there is still insufficient data on the characteristics of yoga practitioners. This study aims to characterize yoga practitioners in Portugal in terms of their practice, type of motivation, motives and perceived gains, and personality.

This knowledge is highly relevant for a proper recommendation of yoga as a complementary therapy for physical and mental health problems, given that yoga benefits are obtained through sustained practice. An online questionnaire that included four validates scales was developed to evaluate characteristics of yoga practice and personal characteristics of Portuguese practitioners. A total of 618 individuals, obtained using a snowball sam-pling procedure, completed the questionnaire, most of them well-educated women with a wide range of ages.

The types of motivation for their yoga practice is mostly intrinsic or highly self-determined, and the main reasons to start a yoga practice are to relax and manage stress, and to be healthier. Regarding personality, yoga practitioners are, in general, not gregarious, are self-disciplined and highly altruistic.

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KEYWORDS

Psychology; Motivation; Personality; Questionnaires; Yoga

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1. Introdução

Nos últimos 150 anos, o yoga tem sido transportado da Índia para os países ocidentais e tem sido sujeito a um processo progressivo de aculturação, assumindo-se no século XXI como um fenómeno transnacional e predominantemente anglófono (De Michelis, 2007; Singleton, 2010). O yoga postural moderno, com a sua ênfase nas pos-turas físicas (asana) e graus variáveis de técnicas respiratórias (pranayama) e meditativas (dharana, dhyana), é o mais praticado no Ocidente, sendo possível encontrar uma grande variedade de estilos e escolas de yoga postural moderno, dos quais se destacam o ashtanga vinyasa, iyengar, vinyasa flow, power, hatha 1, bikram, entre outros.

O yoga postural moderno tem sido bastante usado para manter a saúde física e o bem-estar psicológico, e também como terapia complementar ou alternativa para muitos problemas físicos e de saúde mental (Field, 2016; Khalsa, 2013). O crescente interesse na incorporação do yoga na prática clínica da psicologia é atribuído à cone-xão entre atividade física e saúde mental (Bayley-Veloso & Salmon, 2016), estando a prática de atividade física associada à melhoria de sintomas de depressão e ansiedade, e aumento da qualidade de vida, autoimagem, competências sociais e funcionamento cognitivo (Mikkelsen, Stojanovska, Polenakovic, Bosevski, & Apostolopoulos, 2017; Taylor, Sallis, & Needle, 1985). Assim, assume-se que o yoga postural moderno, dada a sua ênfase na componente física, terá efeitos semelhantes aos de outros tipos de ati-vidade física na saúde mental.

Porém, os vários estilos de yoga postural moderno variam de forma significativa relativamente ao grau de exigência física que envolvem; assim, as práticas de yoga variam entre práticas restaurativas suaves até práticas bastante exigentes do ponto de vista físico. Estas práticas fisicamente distintas terão, muito provavelmente, efeitos distintos a nível fisiológico. De facto, práticas mais exigentes, com uma maior componente aeróbica e de força, podem melhorar a saúde mental através da libertação de endorfinas, enquanto prá-ticas mais suaves podem conduzir ao relaxamento do corpo através da ativação do sistema nervoso parassimpático (Meyer et al., 2012). Por exemplo, num estudo que comparou os efeitos de práticas de yoga distintas numa intervenção de 6 semanas observou-se que

1 Hatha yoga é um termo genérico usado em Portugal (e em noutros países Ocidentais) para designar aulas de yoga postural não associadas a um estilo específico, não devendo, portanto, ser confundido com o hatha yoga tradicional sistematizado em textos clássicos como o Dattatreyayogashastra ou o Hatha Yoga Pradipika.

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os níveis de stresse percebido e de pressão arterial diminuíram significativamente nos praticantes de ashtanga vinyasa (um estilo fisicamente mais exigente) relativamente aos praticantes de hatha yoga (um estilo mais suave) (Cowen & Adams, 2005)

Na literatura científica têm vindo a acumular-se resultados que demonstram os muitos efeitos positivos da prática de yoga na saúde física e mental, e o seu grande potencial como terapia complementar ou mesmo alternativa para diversos problemas físicos e psicológicos. Porém, as características dos praticantes de yoga têm sido muito menos estudadas; não é ainda claro quem são os praticantes de yoga, os seus traços de personalidade, as suas motivações, nem as diferenças entre praticantes de estilos distintos de yoga. Uma vez que o yoga tem sido cada vez mais recomendado por profissionais de saúde, é necessário compreender não só os efeitos a curto prazo da prática de yoga em problemas de saúde específicos, mas também quais as características associadas a uma prática continuada, pois só com consistência é que se observam ganhos (Jarry, Chang, & La Civita, 2017). É, assim, necessário um conhecimento mais sistematizado das características dos praticantes de yoga para que se possam estabelecer linhas orientadoras para a recomendação do yoga como terapia complementar ou como prá-tica para aumento global do bem-estar psicológico. Neste contexto, o objetivo deste estudo é caracterizar os praticantes de yoga em Portugal em termos de particularidades da prática, tipo de motivação para a prática, motivos e ganhos da prática, e traços de personalidade.

2. Métodos

2.1 Participantes

Foi usado um procedimento bola-de-neve para recrutar participantes para res-ponderem a um questionário online (Anexo 1) dirigido a praticantes de yoga em Portugal. Este procedimento de amostragem não-probabilístico consiste num recrutamento de participantes feito pelos participantes prévios, assumindo que os membros de uma população especial conhecem outros indivíduos dessa população (Penrod, Preston, Starks, & Cain, 2003). Este método foi escolhido uma vez que os praticantes de yoga são uma população específica que pode ser difícil de amostrar usando métodos probabilísticos.

Escolas e professores de yoga foram contactados através de e-mail e convidados a participar no estudo e a reencaminhar a informação sobre o estudo para os seus contactos. O estudo foi também divulgado em páginas e grupos de yoga no Facebook. O ques-tionário foi criado no Google Forms e todas as respostas eram obrigatórias, para evitar

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valores em falta. O questionário esteve disponível de fevereiro a abril de 2017 e um total de 618 praticantes de yoga completaram-no.

2.2 Medidas

Foram incluídos vários instrumentos no questionário online (em Anexo) para avaliar características de personalidade, locus de causalidade, tipo de motivação para a prática, motivos para iniciar a prática e ganhos obtidos com a prática, características da prática e dados sociodemográficos. O questionário sociodemográfico incluiu informação sobre idade, género, local de residência, estado civil, tamanho do agregado familiar, rendimen-tos, profissão, religião e educação. Aos participantes foi também perguntado há quanto tempo praticam yoga, onde praticam, quais os estilos mais praticados e quais as razões que os levaram a iniciar a prática de yoga.

O inventário de personalidade NEO-PI-R (Costa & McCrae, 1992; Lima & Simões, 2000) foi usado para avaliar três facetas da personalidade, nomeadamente a gregariedade, o altruísmo e a autodisciplina. Cada faceta foi avaliada por 8 itens tipo Likert com respostas numa escala de 5 pontos (de ‘discordo fortemente’ a ‘concordo fortemente’). O locus de causalidade para o exercício físico foi avaliado através do Locus of Causality for Exercise Scale (Markland & Hardy, 1997), um questionário de 3 itens, respondido numa escala de 5 pontos, que avalia se um indivíduo sente que o seu comportamento face ao exercício físico é controlado por fatores externos ou pressões autoimpostas, ou se, pelo contrário, o indivíduo se sente autónomo quando pratica exercício físico.

O tipo de regulação comportamental face à prática de yoga foi avaliado com base na teoria da autodeterminação, usando a versão portuguesa (Palmeira, Teixeira, Silva, & Markland, 2007) do Behavioural Regulation in Exercise Questionnaire (Deci & Ryan, 1985; Ryan & Deci, 2000). Diferentes níveis de autodeterminação correspondem a dife-rentes formas de regulação comportamental que variam entre a amotivação e a motivação intrínseca. Entre estes dois extremos, a motivação extrínseca pode ser menos ou mais autodeterminada, o que é expresso como regulação externa, introjetada, identificada e integrada. O questionário BREQ-3 (Markland & Tobin, 2004; Wilson, Rodgers, Loitz, & Scime, 2006) mede estes vários tipos de motivação e de regulação comportamental num contexto de prática de exercício físico através de 24 itens tipo Likert respondidos numa escala de 5 pontos.

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Os motivos para a prática de yoga e os ganhos percebidos com a prática de yoga foram também avaliados através do Exercise Motives and Gains Inventory (EMGI: Markland & Hardy, 1993, 1997), tendo por base a versão portuguesa (Alves & Lourenço, 2003) do Exercise Motives Inventory (EMI-2), um precursor do EMGI. Este instrumento mede não só os motivos que levam o indivíduo a iniciar uma prática de atividade física, mas também os ganhos percebidos da prática de exercício físico (Ingledew, Markland, & Strömmer, 2014). O EMGI foi adaptado para a prática de yoga, tendo sido adicionadas duas subescalas para avaliar a espiritualidade e bem-estar, visto que estes são motivos comuns para iniciar uma prática de yoga. A subescala ‘competição’ foi removida, uma vez que o yoga não é uma forma competitiva de exercício físico. Em todos os questio-nários, os itens foram devidamente adaptados à prática de yoga e os termos relacionados com exercício físico foram substituídos por ‘yoga’ ou ‘prática de yoga’. As respostas foram dadas numa escala de 5 pontos.

2.3 Análise estatística

As diferenças significativas entre grupos foram avaliadas através de testes paramétricos, considerando o teorema do limite central, uma vez que n > 30. Diferenças entre variáveis contínuas foram avaliadas recorrendo ao teste-t para amostras independentes e para amos-tras emparelhadas (motivos vs. ganhos) ou análise de variância unifatorial, dependendo do número de grupos em análise. O teste de independência do qui-quadrado foi usado para avaliar a independência entre variáveis nominais. Todas as análises foram efetuadas com o software IBM SPSS Statistics v. 22.

3. Resultados

3.1 Características dos praticantes de yoga

Um total de 618 praticantes de yoga responderam ao questionário. Destes, 89,5% são do género feminino e 10,5% do género masculino. A idade dos praticantes varia entre 17 e 72 anos, com uma média de 38,8 anos (DP = 9,6). A maioria dos respondentes são por-tugueses (96,8%) e os restantes são estrangeiros (3,2%) fluentes em português. Quanto à região de residência, a maioria dos participantes é da zona metropolitana de Lisboa (42,7%), seguindo-se a zona Centro (18,8%), a zona Norte (17,9%) e o Algarve (10,4%) (classificação de acordo com a NUTS-2). A maioria dos praticantes de yoga desta amostra possui estudos universitários, nomeadamente um bacharelato/licenciatura (50,8%), um mestrado (23,3%) ou um doutoramento (3.1%).

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Mais de metade dos participantes são casados ou vivem em união de facto (56,5%); o tamanho do agregado familiar mais comum é de 2 pessoas (35,4%), seguido de 3 pessoas (24,4%). Relativamente à religião, a maioria dos praticantes é católica (41,6%) ou sem religião (49,2%). A grande maioria trabalha (83,0%), e muitos têm profissões intelectuais e científicas (32,1%) ou são técnicos e profissionais de nível intermédio (27,8%). Quase metade dos participantes considera que o seu rendimento mensal está dentro da média da população portuguesa (46,0%).

3.2 Características da prática de yoga

Quando questionados relativamente ao local onde costumam praticar yoga, os parti-cipantes apontam o estúdio de yoga (30,2%) ou o seu domicílio (30,2%) como os locais mais comuns para a prática (Figura 1). A maioria dos respondentes pratica yoga há mais de 2 anos (65,2%) (figura 2), e dos 30,2% dos praticantes que praticam em casa, a frequência com que o fazem é de 2 a 3 vezes por semana (39,5%) ou 1 vez por semana (36,6%) (figura 3). Apesar de quase um terço da amostra referir que pratica em casa, a maioria (74,6%) refere que prefere praticar yoga numa aula em vez de praticar em casa (6,0%) (figura 4).

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Figura 1 Locais de prática dos praticantes de yoga em Portugal (n = 618)

Figura 2 Longevidade da prática de yoga dos praticantes de yoga em Portugal (n = 618).

Figura 3 Frequência semanal da prática de yoga dos praticantes de yoga em Portugal (n = 618).

Figura 4 Locais preferenciais para a prática de yoga dos praticantes de yoga em Portugal (n = 618).

Foi também perguntado aos participantes quais os estilos de yoga que praticam com mais frequência. As respostas dividiram-se sobretudo entre hatha yoga (34,2%) e ashtanga vinyasa yoga (19,5%) (figura 5). Encontraram-se diferenças significativas entre os pra-ticantes de ashtanga vinyasa yoga e os praticantes de outros estilos de yoga a nível do estado marital, nomeadamente um menor número de indivíduos casados ou com parcei-ros entre os praticantes de ashtanga (χ2 = 4,743; gl = 1; p = .029). Os motivos que levaram os participantes a iniciar uma prática de yoga prendem-se sobretudo com questões de relaxamento e alívio do stresse (33,1%), para ser mais saudável (22,6%) e como parte do caminho espiritual (23,3%) (figura 6).

Figura 5 Estilos de yoga praticados pelos praticantes de yoga em Portugal (n = 618).

Figura 6 Motivos que levaram os praticantes a iniciar a prática de yoga (n = 618). A) ficar em boa forma física; B) ser mais saudável; C) relaxamento e alívio do stresse; D) problema específico de saúde; E) emagrecer/controlar o peso; F) complementar outras atividades físicas; G) caminho espiritual.

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3.3 Facetas da personalidade dos praticantes de yoga

Várias facetas da personalidade foram avaliadas na amostra de praticantes de yoga. A gregariedade, que é uma faceta da extroversão e caracteriza indivíduos que gostam de estar com outras pessoas e que procuram o contacto social, atingiu um valor médio de 2,68 ± 0,66, numa escala de 1 a 5 pontos. O altruísmo, uma faceta da amabilidade que se reflete numa preocupação pelos outros, obteve um valor médio nesta amostra de 4,09 ± 0.48. A autodisciplina, faceta da conscienciosidade que se encontra em indi-víduos persistentes que não desistem facilmente, atingiu uma média de 3,64 ± 0,61 na amostra. Não se encontraram diferenças significativas nestas facetas de personalidade entre praticantes de diferentes estilos de yoga, nem entre praticantes que praticam em casa ou em contexto de aula.

3.4 Locus de causalidade

O locus de causalidade na amostra de 618 praticantes de yoga obteve um valor médio de 4,57 ± 0,53 (num máximo de 5). Foram encontradas diferenças significa-tivas entre géneros, tendo as mulheres um locus de causalidade mais elevado que os homens (p = .001).

3.5 Motivação

A regulação comportamental dos praticantes de yoga relativamente à sua prática é sobretudo do tipo intrínseco (4,27 ± 0,56), diminuindo a frequência de respostas à medida que se avança em direção à regulação extrínseca e amotivação (figura 7). As mulheres mostraram valores de motivação introjetada (p = .003), identificada (p = .002), integrada (p = .001) e intrínseca (p = .003) significativamente mais elevados que os homens.

Figura 7 Valores médios para cada tipo de motivação dos praticantes de yoga (n = 618) de acordo com a Teoria da Autodeterminação. Barras de erro representam ±1 desvio-padrão

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3.6 Motivos e ganhos

Os principais motivos que levaram ao início da prática de yoga na amostra foram o prazer (4,44 ± 0,69), a agilidade (4,01 ± 0,90), a saúde positiva (4,39 ± 0,68), a revitalização (4,42 ± 0,65), a gestão do stresse (4,23 ± 0,86), a espiritualidade (4,29 ± 0,78) e o bem-es-tar psicológico (4,41 ± 0,69). Os principais ganhos percebidos pelos praticantes de yoga foram os correspondentes aos motivos anteriormente referidos, ou seja, o prazer (4,72 ± 0,48), a agilidade (4,41 ± 0,63), a saúde positiva (4,14 ± 0,72), a revitalização (4,62 ± 0,54), a gestão do stresse (4,25 ± 0,75), a espiritualidade (4,26 ± 0,82) e o bem-estar psicológico (4,42 ± 0,69); o desafio também foi percebido como um ganho da prática de yoga pelos participantes (4.03 ± 0.82).

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Figura 8 Motivos para praticar yoga e ganhos percebidos da prática dos praticantes de yoga em Portugal (n = 618). Barras de erro representam ±1 desvio-padrão.

De modo geral, os ganhos percebidos refletiram os motivos iniciais, mas verificou-se que certos ganhos percebidos foram significativamente superiores aos respetivos motivos, nomea-damente os motivos/ganhos a nível social (afiliação, desafio, reconhecimento social), motivos/ganhos relacionados com a aparência física (aparência, controlo do peso), e motivos/ganhos relacionados com o prazer, agilidade, revitalização, força e resistência, e pressões de saúde. Porém, para os motivos relacionados com a saúde positiva e o evitamento de doenças, os

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ganhos percebidos foram significativamente inferiores aos motivos. Os únicos ganhos percebidos que foram estatisticamente semelhantes aos motivos foram a nível da gestão do stresse, da espiritualidade e do bem-estar psicológico.

4. Discussão

Este estudo tinha como objetivo caracterizar os praticantes de yoga em Portugal relativamente à sua prática, motivações, motivos e vários traços de personalidade. Em termos sociodemográficos, os praticantes de yoga em Portugal são sobretudo mulheres (89,5%) com uma larga distribuição de idades (M = 38,8; DP = 9,6 anos; min = 17; max = 72). A maioria tem estudos universitários (77,2%) e profissões intelectuais/científicas ou de nível intermédio (59,9%). As características sociodemográficas dos praticantes de yoga em Portugal são semelhantes às de outros países. Estudos nos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália revelam que a maioria dos praticantes são mulheres (EUA - 84.2%: Ross, Friedmann, Bevans, & Thomas, 2013; 76%: Birdee et al., 2008; 73.7%: Cramer et al., 2016; Inglaterra - 88,4%: Ding & Stamatakis, 2014; Austrália - 85,5%: Penman, Stevens, Cohen, & Jackson, 2012). A distribuição etária dos praticantes de yoga em países anglófonos é, tal como em Portugal, abrangente (18 a mais de 65 anos: Cramer et al., 2016; M = 51,7 ± 11,7 anos: Ross et al., 2013; M = 39,5 anos: Birdee et al., 2008; M = 46,7 anos: Ding & Stamatakis, 2014; M = 41,4 ± 11,6: Penman et al., 2012). Uma amostra de praticantes de yoga da Índia revela uma distribuição sociodemográfica dis-tinta dos países ocidentais, com uma maioria de praticantes do sexo masculino (67,3%; mulheres = 32,7%); a distribuição de idades nos praticantes indianos é também bastante ampla (10-91 anos), com uma média de 33,4 ± 17,3 anos (Telles, Sharma, Singh, & Balkrishna, 2017).

A prática de yoga está fortemente ligada ao nível educativo dos participantes (Cramer et al., 2016; Park, Braun, & Siegel, 2015), tanto em Portugal como noutros países. Em Portugal, mais de 77% dos praticantes possuem estudos universitários, enquanto nos Estados Unidos e Austrália os valores são superiores a 80% (87,4%: Ross et al., 2013; 85.2%: Cramer et al., 2016; 81,4%: Penman et al., 2012); em Inglaterra a percentagem de praticantes com estudos de nível terciário é mais baixa (32,8%: Ding & Stamatakis, 2014). Porém, 76,3% dos praticantes de yoga em Inglaterra tem profissões não-manuais (Ding & Stamatakis, 2014), tal como em Portugal. Na Índia, o nível educativo dos praticantes de yoga é mais baixo, tendo 62,5% dos praticantes estudos de nível secundário (Telles et al., 2017).

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Relativamente aos estilos de yoga, verificou-se que os mais praticados nesta amos-tra portuguesa são o hatha yoga e o ashtanga vinyasa yoga. De modo geral, o yoga que é oferecido em ginásios, associações, etc., ou seja, aquele com que um praticante iniciante tem mais contacto, é o hatha yoga, termo este que engloba qualquer prática de posturas físicas. O ashtanga vinyasa yoga é um estilo de yoga postural moderno que combina exercício físico vigoroso com o controlo da respiração, através da rea-lização de uma sequência pré-definida de posturas físicas ligadas de forma dinâmica (Jois, 2010). Este estilo de yoga é imensamente popular no mundo ocidental, e tem sido alvo de estudos sobre os seus benefícios a nível físico (Cowen & Adams, 2005) e de bem-estar psicológico (Jarry et al., 2017). Porém, a prática de ashtanga vinyasa yoga está também associada a uma maior prevalência de comportamentos alimenta-res disfuncionais, tais como a ortorexia nervosa (Valera, Ruiz, Valdespino, & Visioli, 2014), uma vez que a alimentação vegetariana ou vegan é grandemente incentivada pelos professores e outros praticantes, não só no ashtanga, mas na maioria dos outros estilos de yoga. De facto, um estudo conduzido nos Estados Unidos verificou que 10% dos praticantes de yoga são vegetarianos ou vegan, o que representa o quádruplo da média nacional (Ross et al., 2013).

Os traços de personalidade não são iguais entre praticantes de diferentes tipos de atividade física; por exemplo, os nadadores são menos sociais, menos espontâneos e mais motivados internamente que os praticantes de desportos de equipa (Gavin, 2004). Os vários estilos de yoga também apresentam diferenças a nível da exigência física e psicológica da prática, assim como a nível do contexto em que se realiza a prática. Por exemplo, o ashtanga vinyasa yoga é um estilo fisicamente exigente que requer autodisciplina e uma prática consistente, geralmente solitária ou com reduzido contacto com os outros praticantes, enquanto que a prática de acroyoga é também exigente do ponto de vista física, mas é feita aos pares; já o yoga restaurativo é fisicamente mais acessível que outros estilos. Assim, seria de esperar encontrar também diferenças nos traços de personalidade entre os praticantes de diferentes estilos de yoga. Porém, as três facetas de personalidade avaliadas (autodisciplina, grega-riedade e altruísmo) são semelhantes na amostra de praticantes portugueses. Esperava-se sobretudo encontrar uma maior autodisciplina nos praticantes de ashtanga vinyasa yoga, sendo um estilo fisicamente exigente que requer uma grande autodisciplina por parte do praticante (Lea, Philo, & Cadman, 2016), mas os valores reportados por estes praticantes não diferiram de forma significativa dos restantes. A gregariedade foi a faceta com valores médios mais baixos, o que está de acordo com o estudo de Gavin (2004), que mostra que os praticantes de atividades individuais, como o yoga ou a natação, são menos sociáveis que

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praticantes de atividades de grupo. Por fim, o altruísmo foi a faceta com valores mais elevados, ou seja, os praticantes de yoga percecionam-se como indivíduos que se preocupam e gostam de ajudar os outros. O altruísmo faz parte da consciência social que tem sido estudada em praticantes de yoga e não praticantes, verificando-se que quanto mais avançado é o praticante em termos de prática física e de consciência corporal, menor é o seu comportamento altruísta (Fiori, Aglioti, & David, 2017), contradizendo os dados do presente estudo. Assim, o elevado altruísmo obtido na amostra de praticantes portugueses pode dever-se a uma menor proficiência dos praticantes ou, mais provavelmente, ao viés da desejabilidade social, isto é, a ten-dência de os indivíduos darem as respostas que percecionam como socialmente mais adequadas, o que pode enviesar os resultados dos questionários.

Os principais motivos que levaram a maioria dos indivíduos a iniciar uma prática de yoga (relaxamento e alívio do stresse, para ser mais saudável) são semelhantes aos reportados por praticantes noutros países. Por exemplo, na Austrália a maioria dos pra-ticantes refere que iniciou a prática de yoga com o objetivo de melhorar a sua saúde e fitness, e para reduzir o stress e a ansiedade (Penman, 2008). Nos Estados Unidos, os principais motivos são o alívio do stresse, a flexibilidade, para fazer mais exercício e ficar em forma (Park, Riley, Bedesin, & Stewart, 2014). De modo geral, os motivos que levam os indivíduos a iniciar uma prática de yoga relacionam-se com a boa forma física e o alívio do stresse. Os ganhos que os praticantes obtêm com a prática refletem os motivos iniciais; no entanto, os participantes também reportam ganhos que não tinham motivado o início da prática, como o desafio que representa a prática de yoga, ganhos a nível da aparência física e também das relações sociais. Ter relações sociais e amigos dentro do mundo do yoga é, de facto, uma motivação referida por praticantes para manterem a sua prática (Patterson, Getz, & Gubb, 2016). Iniciar a prática de yoga porque faz parte do caminho espiritual do indivíduo é um motivo que foi também referido por uma parte significativa (>20%) da amostra portuguesa. No entanto, em praticantes de outros países ocidentais, essa percentagem é menor; por exemplo, nos Estados Unidos apenas 5% dos alunos referem a espiritualidade como principal motivo (Park et al., 2014), subindo para 18% em praticantes Australianos (Penman, 2008). Um estudo realizado nos Estados Unidos sugere que, em praticantes de yoga, a espiritua-lidade está associada ao envolvimento social e ao altruísmo (Oh & Sarkisian, 2012), o que pode explicar os ganhos a nível das relações sociais e o elevado altruísmo reportado pelos praticantes portugueses.

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Por fim, o tipo de motivação para a prática de yoga que os praticantes repor-tam é sobretudo intrínseca, mas estão também presentes motivações extrínsecas mais autodeterminadas, nomeadamente uma regulação identificada e integrada. A regu-lação identificada é uma forma mais autónoma de motivação extrínseca, em que o indivíduo reconhece a importância dos objetivos ou regulamentos, de forma que o comportamento assume uma relevância pessoal (Ryan & Deci, 2000). Na regulação integrada as regulações identificadas estão ainda mais assimiladas, ou seja, o indivíduo realiza um determinado comportamento porque esse comportamento é congruente com os seus valores e necessidades, ou seja, faz parte de quem é; porém, apenas na motivação intrínseca o comportamento é realizado simplesmente pelo prazer que proporciona, e não como forma de atingir resultados externos (Ryan & Deci, 2000). As motivações reportadas pelos praticantes de yoga da amostra portuguesa estão de acordo com outros estudos, que mostram que existe uma relação positiva entre formas mais autónomas de motivação e o exercício físico. Adicionalmente, os estudos sugerem que a adoção de uma prática de exercício físico está mais associada a uma regulação iden-tificada do que à motivação intrínseca, mas a motivação intrínseca é fundamental para a manutenção da prática (Teixeira, Carraça, Markland, Silva, & Ryan, 2012).

No melhor do nosso conhecimento, este estudo foi o primeiro a apresentar uma caracte-rização dos praticantes de yoga em Portugal. No entanto, algumas limitações metodológicas que poderão ter enviesado os resultados devem ser referidas. A primeira relaciona-se com o uso de um procedimento de amostragem não-probabilístico, que impede que as conclusões sejam generalizadas para a população de praticantes de yoga, uma vez que através deste método não é possível obter uma amostra representativa. Adicionalmente, os praticantes de ashtanga vinyasa yoga poderão ter sido sobre-amostrados relativamente aos praticantes de outros estilos, pois foram feitos mais contactos iniciais para divulgação do estudo a praticantes do referido estilo, devido aos conhecimentos pessoais da autora. Estudos futuros deverão usar métodos amostrais que permitam obter uma amostra de praticantes de yoga mais diversa.

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Anexo 1

Quem são os praticantes de yoga em Portugal?

Muito obrigada pela sua colaboração neste projeto de investigação, dirigido a pratican-tes de yoga, que está a ser realizado na Universidade do Algarve. O questionário é anónimo e confidencial, pelo que não terá que se identificar. A sua participação é muito importante, mas é voluntária. Não há respostas certas ou erradas, apenas nos interessa a sua opinião. Estimamos cerca de 15 minutos para o preenchimento do questionário. No fim do ques-tionário, clique em submeter/submit para que as suas respostas fiquem registadas. Se tiver questões relativamente a este questionário, por favor contacte: Doutora Rita Domingues [email protected]

Muito obrigada pela sua colaboração!

1. Qual a sua idade? (em anos)

2. Qual o seu género?

Feminino

Masculino

3. Qual a sua nacionalidade?

Portuguesa

Outra

4. Em que concelho reside?

5. Qual o seu estado civil?

casado/união de facto

divorciado/separado

viúvo

solteiro

6. Quantas pessoas compõem o seu agregado familiar?

1 (vivo sozinho/a)

2

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3

4

5 ou mais

7. Qual a sua religião?

Católica

Protestante

Ortodoxa

Islâmica

Judaica

Hindu

Budista

outra

sem religião

8. Quais as suas habilitações académicas?

Ensino Básico (até 9º ano)

Ensino Secundário (até 12º ano)

Bacharelato/Licenciatura

Mestrado

Doutoramento

9. Se tem formação superior, por favor indique a(s) área(s):

Ciências exatas (matemática, química, física, etc.)

Ciências naturais (biologia, geologia, oceanografia, etc.)

Engenharia e tecnologia (civil, mecânica, ambiente, biotecnologia, etc.)

Medicina e ciências da saúde

Ciências agrícolas e veterinárias

Ciências sociais (psicologia, economia, sociologia, direito, comunicação, ciência política,etc.)

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Humanidades (história, arqueologia, filosofia, línguas, artes, etc.)

outra

10. Qual a sua situação profissional?

trabalho

não trabalho (por opção)

desempregado/a

estudante

11. Se trabalha, indique por favor a sua área profissional:

Quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresas

Especialistas das profissões intelectuais e científicas

Técnicos e profissionais de nível intermédio

Pessoal administrativo e similares

Pessoal dos serviços e vendedores

Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas

Operadores, artifícies e trabalhadores similares

Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem

Trabalhadores não qualificados

12. Em relação à média portuguesa, como classifica os seus rendimentos mensais?

muito inferiores à média

inferiores à média

dentro da média

superiores à média

muito superiores à média

não sei/não respondo

Prática de yoga

As questões seguintes relacionam-se com a sua prática de yoga.

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13. Há quanto tempo pratica yoga?

há menos de 6 meses

entre 6 meses e 1 ano

entre 1 ano e 2 anos

há mais de 2 anos

14. Onde costuma praticar yoga? Assinale todas as respostas que se aplicam.

Num ginásio/associação desportiva/clube

Num estúdio de yoga

Num shala

Em casa

Ao ar livre

Outro

15. Se pratica yoga em casa, com que frequência o faz?

1 vez por semana

2-3 vezes por semana

4-5 vezes por semana

6 ou mais vezes por semana

16. Se pratica ou já praticou yoga tanto em casa como em sala de aula, onde o pre-fere fazer?

Em casa

Em sala de aula

Tanto faz

17. Que estilo(s) de yoga pratica com mais frequência? Assinale todas as respostas que se aplicam.

Acro/aerial

Ashtanga vinyasa

Bikram

Hatha yoga tradicional

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Hot yoga

Iyengar

Integral

Kripalu

Kundalini

Pre/pos-natal

Satyananda

Shivananda

SwaSthya

Viniyoga

Vinyasa flow/Power

Vivekananda

Yogaterapia

outro estilo

não sei

18. Qual/quais os principais motivos que o/a levaram a iniciar a prática de yoga? Indique no máximo 2.

Ficar em boa forma física

Ser mais saudável

Relaxamento e alívio do stresse e/ou ansiedade

Problema específico de saúde

Emagrecer/controlar o peso

Complementar outras atividades físicas

Caminho espiritual

19. Se pratica outros tipos de atividade física, por favor indique quais:

Personalidade

As questões seguintes têm como objetivo aprendermos um pouco mais sobre si. Por favor, leia cuidadosamente cada afirmação e assinale a opção que melhor reflete a sua maneira de ser, de acordo com a seguinte escala:

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1 = discordo fortemente

2 = discordo

3 = neutro

4 = concordo

5 = concordo fortemente

Não existem respostas certas ou erradas; por favor assinale a sua opção da forma mais sincera possível.

20. Não gosto de multidões, por isso evito-as.

21. Algumas pessoas pensam que sou invejoso e egoísta.

22. Sou bastante capaz de organizar o meu tempo, de maneira a fazer as coisas dentro do prazo.

23. Gosto de ter muita gente à minha volta.

24. Tento ser delicado com todas as pessoas que encontro.

25. Perco muito tempo antes de me concentrar no trabalho.

26. Normalmente prefiro fazer as coisas sozinho.

27. Algumas pessoas consideram-me frio e calculista.

28. Sou uma pessoa aplicada, conseguindo sempre realizar o meu trabalho.

29. Sinto mesmo necessidade de estar com outras pessoas, quando estou sozinho durante aaamuito tempo.

30. Geralmente, procuro ser atencioso e delicado.

31. Tenho dificuldades em me decidir a fazer o que devo.

32. Prefiro trabalhos que eu possa fazer sozinho, sem ser incomodado por outras pessoas.

33. Não sou muito conhecido pela minha generosidade.

34. Quando começo um projeto, quase sempre o termino.

35. Prefiro passar férias numa praia concorrida, que numa cabana isolada nos bosques.

36. A maioria das pessoas que conheço gosta de mim.

37. Quando um projeto se torna demasiado difícil, sinto-me inclinado a começar um novo.

38. Os encontros sociais são, geralmente, aborrecidos para mim.

39. Considero-me uma pessoa caridosa.

40. Existem tantas pequenas coisas a fazer que, por vezes, simplesmente as ignoro.

41. Gosto de festas com muita gente.

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42. Quando posso, deixo o que estou a fazer para ajudar os outros.

43. Tenho muita autodisciplina.

Motivação

Por favor, indique o seu grau de concordância com as três afirmações seguintes, usando a escala:

1 = discordo fortemente

2 = discordo

3 = neutro

4 = concordo

5 = concordo fortemente

44. Eu faço yoga porque gosto, e não porque sinto que tenho de o fazer.

45. Praticar yoga não é algo que eu escolhesse fazer, mas faço-o porque sinto que devo fazê-lo.

46. Fazer yoga é uma chatice, mas tem que ser feito...

Porque é que pratico yoga?

Nesta secção encontram-se várias afirmações relacionadas com diferentes motivos que as pessoas podem ter para praticar yoga. Indique, por favor, o seu grau de concordância com cada afirmação, respondendo à pergunta “Porque é que eu pratico yoga?”, de acordo com a seguinte escala:

1 = a afirmação não é nada verdadeira para mim

2 = a afirmação não é verdadeira para mim

3 = a afirmação é mais ou menos verdadeira para mim

4 = a afirmação é verdadeira para mim

5 = a afirmação é muito verdadeira para mim

Não há respostas certas nem erradas, apenas lhe pedimos para ser o mais sincero/a aaapossível.

47. Para manter-me magro/a.

48. Para evitar doenças.

49. Porque gosto da sensação de praticar yoga.

50. Para perder peso.

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51. Para prevenir problemas de saúde.

52. Para lidar de forma mais consciente e presente com o mundo à minha volta.

53. Porque acho que o yoga é revigorante.

54. Porque quero manter uma boa saúde.

55. Para gozar os aspetos sociais da prática de yoga.

56. Para ajudar a prevenir uma doença que corre na família.

57. Para manter a flexibilidade.

58. Para ter desafios pessoais para vencer.

59. Para “recarregar as baterias”.

60. Para me sentir mais satisfeito/a com a minha vida.

61. Para melhorar a minha aparência.

62. Para ser reconhecido pelos meus feitos.

63. Para ajudar a controlar o stresse.

64. Para me sentir mais saudável.

65. Para ser fisicamente mais forte.

66. Para gozar a experiência de fazer yoga.

67. Para me ajudar a recuperar de uma doença ou lesão.

68. Para ser/tornar-me fisicamente flexível.

69. Para desenvolver competências pessoais.

70. Para parecer mais atraente.

71. Para me sentir melhor e mais em paz comigo próprio/a

72. Para conseguir fazer coisas que os outros não são capazes.

73. Para aliviar a tensão.

74. Para desenvolver os músculos.

75. Para fazer novos amigos.

76. Para ser mais paciente e tolerante.

Motivação para praticar yoga

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Nesta secção, por favor indique-nos o seu grau de concordância com cada afirmação, usando a seguinte escala:

1 = discordo fortemente

2 = discordo

3 = neutro

4 = concordo

5 = concordo fortemente

77. É importante para mim praticar yoga com regularidade.

78. Não vejo porque é que tenho que praticar yoga.

79. Pratico yoga porque é divertido.

80. Sinto-me culpado quando não pratico yoga.

81. Pratico yoga porque faz parte dos meus objetivos de vida.

82. Pratico yoga porque outras pessoas dizem-me que o devo fazer.

83. Dou valor aos benefícios/vantagens do yoga.

84. Não vejo porque é que me devo esforçar para praticar yoga.

85. Gosto da minha prática de yoga.

86. Sinto-me envergonhado quando falto a uma aula/prática de yoga.

87. Considero a prática de yoga como parte da minha identidade.

88. Pratico yoga porque amigos/família/colegas dizem-me que o devo fazer.

89. Penso que é importante fazer um esforço para praticar yoga regularmente.

90. Não vejo qual o objetivo de praticar yoga.

91. Acho que a prática de yoga é uma atividade agradável.

92. Sinto-me um/a falhado/a quando não pratico yoga durante algum tempo.

93. Considero que a prática de yoga é uma parte fundamental de quem eu sou.

94. Pratico yoga porque se não o fizer, outras pessoas vão ficar desagradadas comigo.

95. Sinto-me ansioso/a se não praticar yoga regularmente.

96. Penso que a prática de yoga é uma perda de tempo.

97. A prática de yoga dá-me prazer e satisfação.

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98. Sinto-me mal comigo próprio/a se não arranjar tempo para praticar yoga.

99. Considero que a prática de yoga é consistente com os meus valores.

100. Sinto-me pressionado/a pela minha família e amigos para praticar yoga.

O que é que já ganhei com o yoga?

Mais uma vez, agradecemos o tempo despendido no preenchimento deste questionário.

Para terminar, por favor diga-nos que ganhos/benefícios já teve devido à prática de yoga, aausando a seguinte escala:

1 = a afirmação não é nada verdadeira para mim

2 = a afirmação não é verdadeira para mim

3 = a afirmação é mais ou menos verdadeira para mim

4 = a afirmação é verdadeira para mim

5 = a afirmação é muito verdadeira para mim

101. Tenho perdido peso através do yoga.

102. Tenho achado a experiência de fazer yoga agradável.

103. Tenho conseguido desenvolver competências pessoais.

104. Tenho-me mantido ou tornei-me mais ágil.

105. Tem-me permitido fazer coisas que os outros não são capazes.

106. Tem-me ajudado a manter a flexibilidade.

107. Já fiz novos amigos através do yoga.

108. Sinto-me melhor e mais em paz comigo próprio(a) desde que pratico yoga.

109. Reduzi o meu risco de doenças do coração.

110. Tem-me ajudado a ter um corpo saudável.

111. Tenho conseguido desenvolver os meus músculos.

112. Tenho conseguido controlar o stresse através do yoga.

113. Tenho conseguido evitar doenças.

114. Tem-me permitido passar tempo com os meus amigos.

115. Tem-me ajudado a parecer mais atraente.

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116. Tem-me dado objetivos para atingir.

117. Tem-me permitido lidar com o mundo à minha volta de forma mais consciente e aaapresente.

118. Através do yoga fiquei fisicamente mais forte.

119. Tem-me ajudado a manter-me de boa saúde.

120. Tem-me ajudado a controlar o peso.

121. Tem-me ajudado a recuperar de uma doença ou lesão.

122. Tenho conseguido melhorar a minha aparência.

123. Tenho conseguido mostrar o meu valor aos outros.

124. Tenho aliviado a tensão através do yoga.

125. Tem-me permitido ser mais paciente e tolerante.

126. Tenho-me sentido bem com a prática de yoga.

127. Tenho gostado da sensação de fazer yoga.

128. Tem-me ajudado a diminuir o risco de uma doença que corre na minha família.

129. Tenho achado que o yoga é revigorante.

130. Tenho-me sentido mais satisfeito(a) com a minha vida.

Muito obrigada pela sua colaboração!

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Roberto SimõesPontifícia Universidade Católica de São Paulo [email protected]

SUMÁRIO

O presente estudo busca investigar as singulares narrativas que o yoga indiano sofreu na sua transplantação ao Brasil. Foram entrevistados 10 yogues de expressão que atuam no território nacional e mais 3 cientistas que pesqui-sam o yoga e a meditação como terapia biomédica. O estudo revelou que os conceitos nativos do yoga (Klesas, Samadhi e Kaivalya, respectivamente relacionados às ideias de Causas do Mal, Experiência Mística e “Libertação”) vem sendo ressignificados como “Estresse”, “Relaxamento Espiritual” e “Homeostase Divina”. Essas novas narrativas míticas fazem sentido dentro da cultura brasileira e correspondem a novos anseios que atuam entre os yogues modernos no Brasil. Concluímos que o yoga no Brasil possui características próprias e vem se caracterizando como uma nova religião em andamento.

PALAVRAS-CHAVE

Yoga, Meditação, Religião, Ciência, Yoga Moderno

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Roberto SimõesPontifícia Universidade Católica de São Paulo [email protected]

KEYWORDS

Yoga, Meditation, Religion, Science, Modern Yoga

ABSTRACT

The present study seeks to investigate the unique narratives that Indian yoga suffered in its transplantation to Brazil. We interviewed 10 important yoguis who work in the national territory and 3 scientists who research yoga and meditation as biomedical therapy. The study revealed that the native concepts of yoga (Klesas, Samadhi and Kaivalya, respectively related to the ideas of Causes of Evil, Mystical Experience and “Liberation”) have been renamed “Stress,” “Spiritual Relaxation,” and “Divine Homeostasis.” These new mythical narratives make sense within the Brazilian culture and corres-pond to new yearnings that act among modern yogis in Brazil. We conclude that yoga in Brazil has its own characteristics and has been characterized as a new religion in progress.

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Introdução

O yoga, apesar de sua visibilidade nacional, foi objeto de escassas investigações sobre sua espiritualidade no Brasil e na América Latina. Por isso a necessidade de expor a busca de trazer à tona outros aspectos do yoga brasileiro que não se restrinjam a uma situação biomédica e aplicação terapêutica laica ou, por outro lado, as investigações exegéticas e linguistas de seus antigos textos. A partir de dados colhidos em pesquisa de campo, foram entrevistados os principais yogues (entre 2013–2015) do cenário brasileiro. A tarefa estava em buscar uma via de averiguação que levasse em conta seus aspectos históricos, antropo-lógicos, sociológicos e psicobiológico sob a luz da ciência da religião. E para facilitar essa exposição por meio de entrevistas semi-estruturadas, foi adotado o yoga brasileiro em três grupos de agentes ou interlocutores ideais: 1) Professores de yoga, 2) Mentores yoguicos e 3) Cientistas que investigam as práticas de yoga.

O primeiro grupo de agentes foi formado pelos Professores de yoga que operavam no microuniverso espiritual brasileiro daquele período; eles ministravam aulas regulares em academias, estúdios e/ou espaços exclusivos. O segundo grupo são os que denominei de Mentores yoguicos, os responsáveis por “formar” novos professores de yoga. Os mentores são os que conservam, readequam, inovam e disseminam os princípios espirituais yogui-cos no Brasil. Durante as primeiras entrevistas, todavia, percebeu-se a existência de um outro tipo de agentes atuando no campo espiritual brasileiro do yoga; eram os cientistas da saúde que, invariavelmente, se tornavam responsáveis por investigar as perspectivas terapêuticas das práticas yoguicas. É a categoria que denominei de Cientistas-yogues ou meditadores que, ao lado dos Mentores e Professores, vem contribuindo com a divulgação do yoga e de suas práticas corporais como “científicas”.

Poder-se-ia também considerar uma quarta categoria, a de Alunos/Praticantes, mas estes, obviamente mais numerosos, atuam muito mais na tessitura de consumidores espi-rituais do que produtores e/ou mantenedores dos bens de libertação espirituais yoguicos. Invariavelmente, somente quando um praticante de yoga se gradua em algum Curso de Formação para professores de yoga no Brasil, conquista legitimidade a discutir e criticar os professores e, talvez, mentores. Entretanto, quando isso ocorre, este personagem, automa-ticamente, ingressa ao grupo professores1.

1 Há casos, inclusive, de praticantes, após a formação, saltarem direto para a categoria de mentores, fato comum de ocorrer no Brasil.

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Desta feita, utilizamos aqui apenas as categorias mentores e cientistas pelos motivos descritos acima. E serão elas que constituirão parte da nossa base de dados argumentativos e discutidos a seguir.

O universo da pesquisa

Compreendemos que as quatro categorias adotadas neste artigo (professores, mentores, praticantes e cientistas), funcionando de forma orgânica e não-institucional, organizam e dirigem o yoga no Brasil como uma estrutura religiosa “invisível”. Ao contrário da Índia, Europa ou Estados Unidos, onde as tradições e as escolas modernas de yoga se instalaram com toda a legitimidade de seus líderes instituídos por linhagens ancestrais ou associações e alianças com base religiosa hinduísta, o yoga na América Latina, como mostramos em outra oportunidade (Simões, 2018), se estruturou de forma singular pelo autodidatismo. Essa “organização espiritual” que fornece legitimidade aos professores e mentores brasileiros é baseada em duas instâncias de pensamento aventadas por mim como yogues Híbridos e Tradicionalistas (Simões, 2015).

Os yogues híbridos, segundo a concepção aqui empregada, se comportam de forma mais permissiva a sincretismos e inovações; são eles os responsáveis por criar os mais diversos méto-dos de yoga existentes no Brasil. Enquanto os segundos, os yogues tradicionalistas, são mais conservadores e “sectários”, por isso mesmo não percebem com bons olhos qualquer método de yoga que não descenda de uma linhagem indiana ancestral. Ambos, entretanto, tecem juntos uma membrana que delimita o yoga como uma espiritualidade singular no Brasil. Escolhemos, assim, dez mentores e três cientistas. A escolha por esses yogues obedeceram sua importância na configuração e legitimidade do discurso do yoga brasileiro no período investigativo (entre 2013–2015). Há outros que poderiam compor esse quadro, mas não creio que modificariam o conteúdo registrado, mas novas pesquisas na área podem corroborar ou contribuir com novas interpretações. Através de entrevistas de caráter qualitativo busquei formular hipóteses sobre o papel dos klesas que, como vimos, são os representantes do Mal ou obstáculos espirituais yoguicos.

As perguntas de forma semi-estruturadas, foram ordenadas deixando os entrevistados falarem com certa fluidez sobre sete assuntos pré-elaborados:

1) Trajetória de vida;

2) Relaxamento;

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3) Hinduísmo;

4) Ecumenismo;

5) Yoga, religião e suas influências espirituais;

6) Ciência e Yoga;

7) Estresse, klesas e obstáculos.

Entrevistados

A escolha dos yogues entrevistados e classificados como Mentores, foi proposta por uma tríade que os distinguem dos Praticantes/alunos, dos Professores, e Cientistas-yogues/meditadores, conforme explicado:

1) Estabelecimento de um curso formativo que solidifique a ideologia espiritual que professe;

2) Edificação de produtos sobre a proposta espiritual yoguica, como livros, CDs, DVDs e outros;

3) Peregrinações organizadas e guiadas a locais de importância espiritual para o yoga (e para o mentor requerido).

Defendemos que essa tríade (curso de formação, produtos espirituais à venda e peregrina-ções aos locais sagrados do yoga) funciona e sustenta a estrutura religiosa “invisível” comentada anteriormente do yoga brasileiro. Há uma rede espiritual estruturada, por parte da sociedade urbana e de classe média brasileira, que financia, mantém e consome os bens de libertação produzidos por todos os mentores, cientistas e parte dos professores de yoga no Brasil. A exceção se faz ao Prof. Hermógenes, que nunca possuiu um curso formativo propriamente dito, mas as suas obras se constituem verdadeiros cursos didáticos de ingresso ao microuniverso de sua cosmovisão do yoga.

Por respeito aos entrevistados, todos terão seus nomes preservados.

Yogue Ravi

Pertence à tradição do Swami Kuvalayananda e conheceu o yoga no ambiente acadê-mico da Universidade de São Paulo (USP) da década de 1970 pelas mãos de Dona Inêz,

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também discípula do mesmo mestre e primeira yogue mulher no Brasil. Assim como sua mentora, Ravi foi estudar em Lonavla, Índia, no instituto de Kaivalyadhama por quase dois anos. Lá, teve como mentor o Prof. Gharote entre os anos de 1979–1980, na época coordenador do instituto fundado por Swami Kuvalayananda e considerado um dos pri-meiros incentivadores do “yoga científico” e discípulo direto do Swami. Ravi, inclusive, foi responsável por trazer o Prof. Gharote diversas vezes ao Brasil em seus próprios cursos de formação de professores de yoga.

Em 1981, começou a lecionar yoga no campus da USP e se mantém lá até hoje (2015). Em 1996, inaugurou o seu próprio curso de formação com chancela univer-sitária. Conseguiu incentivar os estudos científicos do yoga, por isso possui entre os seus alunos/discípulos, muitos com formação acadêmica superior — inclusive ele mesmo possui mestrado em Neurologia. Ravi e seus formados incentivam o yoga e as suas práticas a serem investigadas como forma terapêutica no Brasil. Além dos cursos de formação que promove, organiza retiros, palestras e viagens periódicas à Índia, mas também, recentemente, ao Japão com uma importante líder do zen-budismo brasileiro. Possui, devido à sua formação e fidelização apenas a Kuvalayananda, forte tendência tradicionalista.

Yogue Centurion

De origem espírita, teve fortes experiências do curandeirismo por parte dos seus avós. Ele se considera um “cristomaníaco” e possui tatuado em suas costas a figura do anjo São Gabriel, com quem diz conseguir se comunicar e pedir aconselhamentos. Nasceu em 1965 e, com 25 anos (1980), descobriu o yoga com um professor da tradição de Iyengar no Brasil, em reuniões de uma organização de estudos esotéricos em São Paulo da qual fazia parte. Foi aluno de DeRose por um ano, mas depois decidiu se aprofundar mais no yoga e viajou para Índia por quase dois anos. Foi quando aprendeu a yogaterapia e a medicina ayurveda pela tradição da Bihar School, do Swami Satyananda — discípulo de Sivananda. Ainda na Índia, conhece o yogue Pattabhi Jois, idealizador de um dos méto-dos de yoga mais conhecidos e difundidos no ocidente, o Asthanga Vinyasa Yoga.

Foi o primeiro professor representante brasileiro desta tradição yoguica e se tornou bastante popular por lecionar para artistas nacionais, possuindo, inclusive, DVDs de ensino deste método. Após um incidente ocorrido em um dos seus retiros no ano de 2008, foi praticamente banido pela comunidade yoguica, mas mantém o seu ashram em funcionamento em São Paulo. Enquanto atuava com maior autoridade no microuniverso

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do yoga brasileiro, formou muitos professores do método de P. Jois no país, além de possuir escolas de yoga, promover palestras e retiros de yoga. Por seu sincretismo com a figura de Jesus Cristo, São Miguel e o espiritismo é considerado aqui como hibridista.

Yogue Vishnu

Nascido em Campinas, cidade do interior de São Paulo, conheceu o yoga por inter-médio de sua mãe que já praticava através dos livros do Prof. Hermógenes em casa, durante a década de 1980. Em 1990, com 18 anos, foi estudar nos Estados Unidos e se graduou no equivalente ao curso de Educação Física, e continuou no exterior trabalhando em algumas cidades desse país e na Espanha com treinamento desportivo e yoga. Nesse período, entrou em contato com outros métodos de yoga moderno, como o Power Yoga, e se aperfeiçoou nele. Em 1994, ainda nos Estados Unidos, diz ter “sentido um chamado” de voltar ao Brasil para disseminar o conhecimento do yoga. Estabelecendo-se na cidade de Florianópolis, percebe o yoga brasileiro, segundo ele “respirando dois ambientes: ou se era Hermógenes ou DeRose”. Depois de praticar alguns meses no método Swásthya Yôga, de DeRose, diz ter sido hostilizado pelo professor que o ensinava em Florianópolis e saiu. Decidiu então, abrir a sua própria escola de yoga na cidade e é o primeiro professor de Power Yoga no Brasil. Conta que ensinava “Yoga Fitness”, divertindo-se hoje com o nome que inventou na época.

A partir dos anos de 2000, enveredou por um trabalho bem mais sincrético espi-ritualmente no intuito de proteger-se dos rótulos e denominações diferentes de yoga no país, mas também para fugir das comparações de praticar e ensinar um yoga “americanizado”, o Power Yoga. Nesse mesmo projeto, além dos cursos de formação, retiros, workshops com temas bastante ecléticos que sincretizam Jesus, xamanismo brasileiro com ensinamentos do Bhagavad Gita, lançou CDs e DVDs de encontros musicais ecumênicos de mantras e canções de comunhão espiritual. Viaja anualmente para Índia e outros locais como Machu Picchu e os Andes, promovendo encontros xamânicos com o yoga. Sua vertente é claramente híbrida e se tornou um dos yogues mais conhecidos no Brasil dessa vertente atualmente (2015).

Yogue Ganesh

Conheceu o yoga na juventude no Uruguai, seu país natal. Estabeleceu-se no Brasil como um dos principais formados de DeRose. Depois de mais de dez anos praticando e promovendo o Swásthya Yôga rompe com DeRose por divergências doutrinais.

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Essa ruptura gera insultos entre ambos e até hoje (2015) é fruto de discussões e ofensas. Anos mais tarde se filiou ao estilo yoguico do mestre Pattabhi Jois, e se tornou divulgador e praticante do Asthanga Vinyasa Yoga, que abandonou anos depois, novamente por não acreditar mais na proposta e objetivo espiritual dessa tradição de yoga. Há alguns anos se aprofunda nos ensinamentos vedantinos do guru indiano Swami Dayananda Saraswati. O Swami Dayananda Ashram é um centro de estudos do Vedanta Advaita de Shankara e sânscrito estabelecido na Índia desde os anos de 1960. Dayananda e seus discípulos, como uma interpretação mais voltada para os problemas contemporâneos do mundo através dos textos clássicos hinduístas, promovem retiros e cursos de yoga, sânscrito e vedanta para indianos, mas especialmente a alunos não-indianos2.

Ganesh produz cursos de formação em yoga e viaja às principais cidades brasileiras e algumas da Europa, promovendo o yoga e seu guru. Além disso, guia pessoas anualmente (em geral, os novos professores de yoga que forma) em peregrinação ao ashram do seu mestre e a outras cidades da Índia no intuito, como todos os mentores do yoga brasileiro, de difundir e conservar a tradição do yoga que professa. Seu posicionamento a favor do tradicionalismo do yoga é o mais evidente dentre todos os entrevistados, assumindo, muitas vezes, uma ortodoxia mais forte do que seu antigo mentor, o DeRose. Atualmente (2018), pela onda crescente do tradicionalismo no yoga brasileiro, Ganesh (para este pequeno grupo mais ortodoxo) não é considerado assim tão tradicional mais. Não obstante, comparado ao ideal híbrido aqui empregado, continua sendo um tradicionalista.

Yogue Bento

Era um empresário bem-sucedido do ramo da telefonia com mais de 500 funcionários, mas cansou do ritmo da sua vida acelerada de executivo e trocou tudo pela espirituali-dade do yoga. Começou como aluno em uma das unidades do Swásthya Yôga de DeRose. Formou-se professor de yoga com os mentores Ravi e Visnhu, comentados acima. Após as formações, decidiu comprar uma escola de yoga em São Paulo e ingressou em uma viagem por quase dois meses à Índia, com um renomado professor de yoga do método Iyengar. Durante a viagem diz ter sofrido uma profunda angústia e pensou que iria morrer; foi quando obteve uma “revelação aos pés do Himalaia” que mudou a sua vida. O conteúdo da revelação girava em torno da pergunta: “por que os professores e mentores que conheceu no Brasil não eram boas pessoas?”. Percebeu que o yoga que ensinavam e praticavam não estava funcionando com eles e, obviamente, também não funcionaria para os alunos

2 Ver www.dayananda.org/swami-dayananda.html, acessado em 01/07/2015.

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que formavam. Assim, decidiu montar o seu próprio curso de formação para professores de yoga, organizar viagens à Índia e promover cursos, workshops e sat sanghas para difundir o yoga. No mesmo período fundou uma Organização Não-Governamental, a Ser Humano Sem Fronteiras.

Possui, ao contrário de todos os outros entrevistados, um guia espiritual católico — e não indiano —, Dom Alexandre, seu mentor. Dom Alexandre ministra cursos e orienta leigos e religiosos na meditação cristã da Igreja de São Bento em São Paulo. Foi na mesma igreja, que nosso yogue aqui entrevistado encontrou acalento no sacerdote católico que ofereceu encaminhamento espiritual a ele, e nunca mais interrompeu. Sua linha de disseminação do yoga é obviamente plural, sincrética e, portanto, híbrida. Atualmente (2018) largou tudo referido ao yoga em sua vida e dedica-se profissional-mente e espiritualmente a outros caminhos.

Yogue Shanti

Iniciou-se no yoga aos 14 anos na cidade de Florianópolis (1987) e considera-se uma “buscadora espiritual”. Foi aluna e professora do método de DeRose por muitos anos, quando se desentendeu por discordâncias doutrinais, assim como Ganesh. Morou na Europa por quase dois anos e conheceu novas escolas de yoga em sua estada. Quando viajou pela Índia por seis meses se interessou pelo yoga de Satyananda, discípulo de Sivananda, e foi se aprofundar na Bihar School, conhecida por mesclar o conhecimento do yoga com princípios da biomedicina Ocidental e da medicina ayurveda, assim como Centurion. Por intermédio de Ganesh, conheceu o Asthanga Vinyasa Yoga e, até recen-temente (2016), dedicou-se ao ensino e formação de outros yogues nesse método. Após uma formação de yoga no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, conhecido reduto de fomentação de novos métodos de yoga, tomou conhecimento de uma formação em Asthanga Vinyasa Yoga promovido pelo sistema de ensino yoguico It’s Yoga. Após essa formação, segundo ela, conheceu, em Bali, Indonésia, a sua mentora (não mencionado o nome, mas que acreditamos ser a yogue Dorothy Divack) a qual a lhe orienta até hoje.

Há alguns anos (2015) foi acometida de um linfoma que mudou drasticamente a sua vida, a sua prática de yoga e forma de viver. O estilo de yoga Asthanga é bastante vigoroso fisicamente, desta forma, com o câncer e o tratamento medicamentoso, Shanti precisou diminuir o ritmo de sua prática corporal e, consequentemente, rever o seu yoga espiritual-mente também. Frente a esses fatos, e aconselhada por outros amigos yogues, se voltou aos ensinamentos yogaterapêuticos do Prof. Hermógenes e encontrou consolo espiritual em suas obras. Assim, de tradicionalista vem ressignificando a sua prática pessoal, discurso em

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suas formações, retiros e viagens à Índia que organiza para uma vertente se aproximando do sincretismo, portanto, do yoga mais híbrido de Hermógenes.

Yogue Hermes

Iniciou-se no yoga quando criança com a mãe, professora de yoga formada pelo método de DeRose. No entanto, foi com os livros do Prof. Hermógenes que travou primeiro contato literário com a doutrina do yoga. Hermes, aos 16 anos, iniciou a sua formação nas escolas de yoga que DeRose coordenava no Rio de Janeiro na década de 1980, onde se destaca como professor de yoga da metodologia de DeRose. Depois de anos como professor do Swásthya, rompeu com DeRose e iniciou caminhada própria no microuniverso do yoga brasileiro, abrindo escola, organizando formações, palestras e apresentações de método próprio em desenvolvimento. Nesse ínterim, mudou-se para São Paulo, lançou livros e ganhou notoriedade em âmbito nacional como mentor do yoga no Brasil. Atualmente organiza seus próprios cursos de formação e venda de produtos de yoga.

Assim como outros dissidentes de DeRose, Hermes verte por um yoga mais tradi-cionalista do que híbrido. Durante as entrevistas, por exemplo, apesar de ser grato pela contribuição do Prof. Hermógenes, não vê com bons olhos o sincretismo do yoga com o cristianismo e a terapia biomédica, acreditando que haverá um dia em que todos saberão das “deformações” que se fez com o hatha-yoga no Ocidente. Perspectiva da realidade que corrobora com o pensamento ortodoxo do yoga.

Yogue Rudá

Estabeleceu contato com o yoga pela primeira vez com a mãe. Segundo ele, durante o processo depressivo dela, o pai de Rudá a presenteou com um livro de yoga do Prof. Hermógenes, na ânsia de resgatá-la desse quadro enfermo. Anos mais tarde, Rudá e a mãe ingressam no curso de formação do Prof. Cláudio Duarte em São Paulo, declarado opositor do método de DeRose. O Prof. Cláudio Duarte foi um conhecido yogue brasileiro, que nos anos de introdução do yoga no Brasil (de 1970–1980), tra-vou dissensões com a autoridade de DeRose. A contenda ficou conhecida pelas grafias que a palavra yoga deveria tomar no Brasil. Por isso, C. Duarte sempre grafou “yóga”, justamente para diferenciar-se ideologicamente da forma “yôga” que DeRose adotou. Hermógenes, herda essa diferença ideológica e, mesmo não grafando o acento agudo de “yóga”, pronuncia a palavra yoga com a vogal “o” aberta, como se houvesse um

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acento. Parece tola, mas essa disputa simboliza posições opostas entre o que denomino de yogues “híbridos” (legatários de Duarte e Hermógenes) e “tradicionalistas” (herdeiros de DeRose). O que nos interessa aqui, no momento, é ter o conhecimento de que Rudá participou e vivenciou muito dessa contenda, assim como todos os mentores de yoga brasileiros mencionados.

Após formar-se em Educação Física em 1998, Rudá iniciou outra formação, mas agora com Centurion, citado acima, no método do Asthanga Vinyasa Yoga. A sua for-mação acadêmica em Educação Física e vivência entre o meio yoguico brasileiro, o capacitou a ser convidado a ministrar o yoga como disciplina de graduação em uma universidade paulista. Participou integralmente da idealização de uma formação para professores de yoga e, mesmo não desenvolvendo peregrinações periódicas a locais “sagrados”, como seus colegas, a posição de formador de professores de yoga com a chancela acadêmica, algo realizado apenas por Ravi e DeRose nos anos passados, o autorizaram a ser denominado aqui como um mentor em andamento de sua própria metodologia de ensino espiritual. Por sua vivência mais abrangente, ensina e professa o yoga híbrido. Atualmente trabalha no crescimento de sua própria escola de vertente do Asthanga Vinyasa Yoga.

Cientista Andurá

O cientista Andurá conheceu o yoga e a meditação através das artes marciais ainda jovem. Segundo ele, fez e conheceu as mais diversas práticas meditativas, mas as con-siderava “muito místicas”. Quando convidado pela Universidade Federal de São Paulo para o seu doutorado, enveredou na discussão das benéficas repercussões da meditação para gestantes. Em 1994, a sua tese teve uma ótima recepção da comunidade acadêmica internacional pela definição operacional que concebe para a meditação. Atualmente ainda atua como pesquisador, mas a sua principal ocupação está voltada para os cursos que produz e ministra para a formação de facilitadores em meditação e saúde.

Como veremos, o posicionamento de Andurá em relação aos mentores do yoga brasileiro chega a ultrapassar em alguns momentos os limites do que a ciência está autorizada a discu-tir com a teologia de qualquer que seja a espiritualidade. Sua figura, no entanto, em alguns núcleos yoguicos é valorizada, enquanto é invalidada em outros. As suas definições sobre os estados e práticas meditativas/yoguicas podem chegar a desautorizar discursos yoguicos alheios.

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Cientista Osíris

A cientista Osíris conheceu a meditação/yoga através da vida como desportista nas artes marciais. Sua graduação em biologia e depois os anos do mestrado (1999), doutorado (2002) e pós-doutorado (2012) pelas melhores universidades de São Paulo, a autorizaram a ser considerada uma das mais importantes pesquisadoras na área de meditação no país.

Atualmente (2015), é professora afiliada do departamento de Psicobiologia da Universidade de São Paulo e as suas principais pesquisas abordam a neurofisiologia de estados de consciência, meditação através da neuroimagem funcional e a avaliação de intervenções que envolvem treinamento de habilidades cognitivas e comportamentais por meio de práticas meditativas. Está hoje também bastante envolvida com o Instituto Palas Athena de São Paulo que divulga, entre outros assuntos, a vinda do Dalai Lama ao Brasil e outros cientistas e monges que investigam práticas espirituais de contemplação3.

Cientista William

Aprendeu práticas de yoga e meditação ainda adolescente com o seu pai em São Paulo. Graduado em Educação Física, deu continuidade à vida acadêmica com mestrado em Farmacologia e doutorado investigando o yoga como uso terapêutico, ambos pela Universidade Federal de São Paulo.

Praticando yoga, aprendeu uma espiritualidade muito mais medicinal do que vedân-tica, pois o seu professor, na época, era bastante inspirado nas obras do Prof. Hermógenes. Já adulto, resolveu ingressar em uma formação para professores de yoga com Ravi, no “yoga científico”. Ministrou aulas de yoga na rede pública da cidade de Santos/SP, mas depois abandonou e segue a vida como professor acadêmico até hoje (2018). Seu doutorado concorreu a prêmios nacionais de revelação acadêmica e possui artigos publicados em revistas internacionais e brasileiras.

Questões de aproximação

A partir da análise das sete questões pré-elaboradas iniciais (1. Trajetória de vida; 2. Relaxamento; 3. Hinduísmo; 4. Ecumenismo; 5. Yoga, religião e influências espirituais; 6. Ciência; e 7. Klesas, estresse e obstáculos espirituais), agrupei os comentários em três subseções que seguem:

3 Nas pesquisas do antropólogo da religião Silas Guerriero, a Palas Athena pode ser considerada um local de divulgação do conteúdo espiritual nova erista.

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● Yoga, hinduísmo e a ciência biomédica;

● Dialética klesas e estresse;

● Surgimento dos cientistas-yogues como novos atores no campo espiritual yoguico;

● Diferenciação entre Estado e Técnica ou Método de yoga;

Analisaremos a partir de agora trechos das entrevistas, tanto com yogues quanto com cientistas brasileiros. O intuito está em apresentar, por meio delas, possíveis novas narrativas religiosas que o yoga, em contato com a cultura e espiritualidade brasileira, vem erigindo modernamente.

E quando nos referimos a “novas narrativas”, não significa afirmar que tudo mudou sobre as escrituras yoguicas antigas, mas que elas estão sendo adaptadas e ressignificadas à luz de novos problemas; expressa também entender que os bens de libertação espiri-tual yoguicos (Klesas, Samadhi e Kaivalya) continuam vivos, mas quando envolvidos na cultura global moderna, se inovam e se readequam para continuar fazendo sentido na estrutura social, política, econômica e religiosa quando o yoga é transplantando para um novo contexto.

Yoga, hinduísmo e a ciência biomédica

Um dos primeiros pontos que percebemos em campo está na desvinculação gradual que o yoga vem estabelecendo com a religiosidade hinduísta. Isso é deveras relevante, pois demonstra que o hinduísmo parece não mais dispor de força legitimadora para alguns setores do yoga moderno; percebo que a ciência biomédica vem ocupando esse papel.

Centurion: “O yoga sempre esteve desvinculado do hinduísmo enquanto religião”. Vishnu: “O yoga está desvinculado do hinduísmo modernamente”.Ravi: “A imbricação do yoga com as religiões é algo ruim para ele. É um erro

achar que juntar duas religiões pode gerar uma terceira melhor. Não acho correto rezar o Pai-Nosso no yoga. Cada religião deve manter as suas concepções res-tritas ao seu próprio contexto religioso. Não preciso do Hinduísmo para praticar o yoga. Mesmo que o yoga peça alguma divindade a quem entregar-se; Isvara é o Deus pessoal e você o compõe. A ciência corrobora com o yoga. Prana não é científico porque a ciência ainda não conseguiu provar. É uma questão de tempo”.

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E, por último, duas falas que ilustram bem a influência do discurso científico sobre a comunidade yoguica brasileira:

Osiris (cientista): “Yoga é para redução de estresse. A resposta do estresse salva vidas. Mas na cultura do yoga o estresse atinge o status de ser melhor manejado. Os yogues buscam diminuir o estresse, aumentar o bem-estar e ser alguém melhor. Não ser tão afetável pela sociedade moderna, de consumo e estressada, é um dos grandes objetivos dos yogues com quem convivo e estudo. (…) As posturas do yoga podem diminuir as aflições mentais e conduzir ao relaxamento. Nunca vi ninguém meditar sem relaxar, é a primeira fase da meditação. (…) O yoga tem uma vertente “terapia”, sim. Yoga é instrumento antiestresse pela maioria das pes-soas. Só para se ter ideia, uma pesquisa recente [2012] com habitantes da cidade de São Paulo, indicou que 20% da população é afetada por desordens mentais de ansiedade. O yoga e a meditação dispõem de meios concretos e de baixo custo para amenizar o sofrimento de muita gente”.

Shanti (yogue): “O encontro do yoga com a ciência foi excelente para o yoga. O yoga produz saúde. A ciência afasta a mística do yoga. A ciência provocou uma certeza inabalável em minhas crenças”.4

A ciência, contraditoriamente à tese do desencantamento do mundo, se mostra como um importante canal proselitista e legitimador do yoga moderno (Alter, 2004). Essa abertura à Ciência na investigação biológica das técnicas do yoga acarretou inovações singulares da transfisiologia cosmológica yoguica e, como não poderia deixar de ser, da compreensão das causas do mal – os klesas.

Dialética klesas e estresse

Essa relação em rompimento com o hinduísmo e flerte com a Ciência parece cor-roborar com a ideia da ressignificação contida dos comportamentos dos klesas (Apego, Aversão, Medo da Morte e Orgulho, frutos da Ignorância)5.Mais do que uma preocupa-ção moral contida nos klesas, os yogues modernos parecem visar arrefecer o estresse com empecilho à transcendência.

4 Andrade, L.H. et al. 2012. Mental disorders in megacities: findings from the São Paulo megacity mental health survey, Brazil. PLoS One, 7(2): e31879.

5 Para se aprofundar na questão dos Klesas como causa do mal no yoga, ver Simões (2015).

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Hermes: “O estresse impede a [experiência do] samadhi. (…) No yoga moderno o estresse ocupa um lugar que não fazia parte do yoga antigo, que ele está revelando. A diminuição do estresse físico tem uma correlação direta com moksa [equivalente a kaivalya]”.

Bento: “O estresse impede o Estado de yoga. Tem o estresse controlado, que às vezes é necessário, mas tem o estresse que é um realmente um obstáculo (…) o método [de yoga dele] abaixa o estresse-obstáculo e assim, auxilia-nos a atingir o Estado [de yoga]”.

Shanti: “O estresse nos afasta, nos desconecta [do estado de yoga]. E é o Estado de yoga que abaixa o estresse. Ele acalma a mente, aterra… e assim, nos ajuda a conectar novamente”.

Rudá: “O yoga diminui a agitação, o estresse e a ansiedade da minha vida, ao mesmo tempo o yoga me dá energia, me tira de um estado torpor e me deixa no estado de yoga. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga… a união. A respiração [pranayama] me traz para o aqui e agora e diminui os meus vrttis [causador da agitação mental advindo dos Klesas] e meu estresse”.

Ganesh: “O estresse existe, mas não tem razão de se deixar manifestá-lo físico e mentalmente, pois o estresse é fruto da ignorância de não se perceber dentro de uma ordem [cósmica]. Todos nós somos parte dela. A causa do sofri-mento humano está em não se compreender que você não é o papel que ocupa [na sociedade ou família]. O yoga lhe dá a possibilidade de você perceber-se algo que você já é, mas que você não percebe plenamente.

DeRose: o estresse impede o samādhi”.

Essa transformação dos klesas, de caráter moral e de observância comportamental, em manifestação transfisiológica de um estresse yoguico marca não apenas uma inova-ção teológica que, de certo modo, parece corporificar um conceito moral do yoga, mas corrobora também com a nítida influência da fisiologia científica nas escrituras modernas do yoga, assim como da ideologia nova erista.

Surgimento dos cientistas-yogues como novos atores no campo espiritual yoguico

A desvinculação religiosa com o hinduísmo e a proximidade com a Ciência, além de influenciar ressignificações simbólicas em suas escrituras e transformações em sua

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cosmologia, atenuou a membrana que separa os yogues dos cientistas. Nunca houve tanto interesse da biomedicina em investigar práticas espirituais como as do yoga nestas últimas décadas: meditação, asanas, pranayamas e kriyas renderam um grande número de papers acadêmicos, teses de doutorado e comunicações em congressos. Esse diálogo Yoga-Ciência estimulou cientistas a conhecerem, praticarem e investigarem o yoga e a meditação com fins medicinais, mas também como “filosofia de vida” e possível transformação social.

Muitos cientistas, a partir de suas próprias experiências pessoais com o yoga (a partir — ou por meio — da demonstração empírica da fisiologia biomédica) adentraram no campo do yoga como novos agentes espirituais (conscientes ou não). Não é preciso citar todos os cientistas-gurus existentes hoje em dia competindo com mestres de yoga: Deepak Chopra, Amit Goswami, Allan Watts, Susan Andrews só para ficar entre os mais conhecidos. Eu classifiquei esses novos atores sociais do microuniverso religioso yoguico moderno, como já adiantei, de cientistas-gurus ou yogues-cientistas.

Um dos cientistas entrevistados apoia nossas afirmações quando argumenta que os yogues brasileiros não compreenderam muito bem o que Patanjali quis dizer em seus sutras.

Andurá (cientista): “Não podemos confundir o Estado de Dhyana [experiên-cia da meditação propriamente dita] com o Método de Dhyana [tipo de prática meditativa]. Com isso, perdemos a essência dos sutras de Patanjali [escritura espiritual seminal do yoga]. Ninguém mais sabe o que ele [Patanjali, figura semi--mítica] quis dizer. Eles [os yogues] não aceitaram a minha definição operacional de meditação [acadêmica, portanto, “legítima” por natureza]. Para eles [yogues brasileiros], não existe prática de Dhyana, é só Estado, e isso é um erro. A prática meditativa não é sagrada do ponto de vista mental”.

A centralidade argumentativa desse cientista não está na desmistificação do yoga e/ou interpretação dos resultados de suas práticas apenas como terapias de baixo custo (como os cientistas que investigam as práticas yoguicas normalmente se posicionam), mas, pos-sivelmente, em desautorizar o discurso dos mentores e professores do yoga. Quando o cientista Andurá afirma que os yogues não sabem o que Patanjali quis dizer, se posiciona como detentor desse saber, e participante do microuniverso espiritual do yoga como um novo agente social.

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Diferenciação entre Estado e Técnica ou Método de yoga

Durante a investigação de campo não havia o intuito em identificar qualquer diferenciação conceitual. Não obstante, foi possível registrar e incorporar esses achados nas argumentações.

Um dado que ficou evidente desde o início das entrevistas entre todos os yogues, foi a diferença sendo estabelecida entre Estado/Experiência e Técnica/Método de yoga. Mesmo entre os yogues que possuíam contendas entre suas escolas, linhagens e/ou tradições de pensamentos, a diferenciação entre estado e técnica de yoga ecoava em uníssono.

Hermes: “O estresse impede a [experiência do] samādhi”.Bento: “O estresse impede o Estado de yoga. Tem o estresse controlado, que

às vezes é necessário, mas tem o estresse que é realmente um obstáculo (…) o método [de yoga dele] abaixa o estresse-obstáculo e assim, auxilia-nos a atingir o Estado [de yoga]”.

Shanti: “O estresse nos afasta, nos desconecta [do estado de yoga]. E é o Estado de yoga que abaixa o estresse. Ele acalma a mente, aterra… e assim, nos ajuda a conectar novamente”.

Rudá: “O yoga diminui a agitação, o estresse e a ansiedade da minha vida, ao mesmo tempo o yoga me dá energia, me tira de um estado torpor e me deixa no estado de yoga. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga… a união. A respiração [pranayama] me traz para o aqui e agora e diminui os meus vrttis [causador da agitação mental advindo dos Klesas] e meu estresse. (…) Não consigo pensar na prática do yoga sem o relaxamento que ela produz. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga, de união”.

Em nenhuma escritura antiga há menção a essa divisão entre técnica e estado de yoga. Na verdade, toda técnica yoguica levaria a um estado de yoga. Algo se modificara do yoga indiano ao yoga brasileiro. O “estado” ao qual os yogues reiteradamente se referiam, de diferentes linhagens e escolas de yoga no Brasil, parecia aludir a uma “experiência” que, obrigatoriamente, transcendia a materialidade empirista da Ciência. Achei lícito supor o “estado de yoga” e o samadhi poderiam estar em dialética. Assim como o estresse-yoguico — empecilho ao Estado/Samadhi — também deveria interagir nessa inovação soteriológica.

Assim, essa diferenciação revelada pode demonstrar que não é qualquer técnica ou método de yoga que esteja “autorizada” a conduz à transcendência e vislumbre da Verdade/Isvara/Deus entre os brasileiros, mas aquelas (técnicas contidas em um método

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específico), que agem na extinção do estresse-yoguico, seriam as únicas possíveis de se alcançar a Verdade. Como explicitou muito bem o yogue Bento, enquanto a Prática ou o Método de yoga vem se configurando como um sistema de atos corporais — facilmente verificadas as suas repercussões fisiológicas científicas—, o Estado de yoga é singular e impossível de ser acessado por não-yogues (leigos). Concluimos que qualquer um não-iniciado no yoga que se aventurasse a desvendar os estados do yoga, obrigatoriamente, precisaria se despedir do materialismo-científico e mergulhar na espiritualidade yoguica – o que S. Kierkegaard vai chamar de Fé – e, devido a isso (a necessidade da Fé), ser iniciado nas práticas e vivências yoguicas por um professor de yoga qualificado, é imprescindível.

Rudá: “Vivemos em um mundo que precisamos de comprovações científicas, mas se as pessoas não experienciarem o Estado de relaxamento espiritual do yoga, não haverá mudança de estar presente. O entrosamento do yoga com a Ciência é necessário”.

Ravi: “A Ciência precisa da espiritualidade para comprovar seus dados, não é o yoga que necessita dela. A ciência reconhece a espiritualidade para a cura de doenças”.

Centurion: “O estresse é uma crença científica. Ele na verdade não existe [sic], mas o yoga pode eliminar essa crença”.

Shanti: “[O yoga] É estar presente. Agir e não reagir. O yogue deve transpirar e transbordar yoga. O yoga deve se transformar em conhecimento. Não preciso ser nada para ser yogue. Só preciso praticar. (…) Não precisa ter fé no yoga, é fazer e vem a sensação”.

Essa distinção entre Estado/”Experiência” e Técnica/Método de yoga aparece como uma readequação teológica interessante, pois foi erigida pelos yogues modernos com o intuito de delimitar seu espaço de atuação espiritual frente ao avanço da laicização científica. Em outras palavras, um cientista que pretender secularizar o yoga (eliminar a sua transcendentalidade), conseguirá apenas fazê-lo sobre as “técnicas”, mas nunca sobre o “estado” de yoga – reservado apenas aos mentores e professores de yoga.

Sistematização teórica da transplantação do yoga para o Brasil a partir das questões de aproximação

Aqui é necessário estabelecer um fio condutor que conjugue o yoga indiano, seus transplantes e inovações nas sociedades privatizadas religiosamente da Europa e dos

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Estados Unidos, e depois à sua chegada tardia na América Latina. Esse fio condutor teó-rico é fundamental para dialogar com outros cientistas que também pesquisam situações semelhantes de transplante ou nacionalização de religiões de sua cultura natal para outras.

É justo supor que transformações teológicas evidentes ocorreram no contato do yoga com a cultura brasileira. Mas como compreender essas transformações? Na busca teórica para compreender essas descobertas levantadas em campo, me amparo na adaptação da sistematização de transplante religioso do pesquisador Matheus da Costa (Da Costa, 2015, p.148–212). O autor parte do material investigativo de Michael Pye (1969), mas também nos estudos sobre o que ele denominou de dinâmicas da religião e refinamentos sobre transplantação religiosa de Martin Baumann (1994) e Rafael Shoji (2002). O objetivo está em compreender, identificar e classificar as variantes de novos encontros culturais e, a partir disso, entender a dialética entre atitudes adaptativas e conservadoras no processo de migração de religiões. Podemos supor, assim, o cruzamento dos dados apresentados neste capítulo com as fases estabelecidas neste modelo de sistematização teórica.

As fases estabelecidas neste modelo obedecem a sete modos processuais: 1) pré-trans-plantação, 2) contato, 3) comparações, 4) ambiguidades, 5) recuperações, 6) inovações e 7) reenquadramento das inovações; sendo que cada uma dessas fases se subdivide em 3 fatores: a) externos, b) cultural-religiosos e c) de representação social. Para deixar o texto mais fluido, não dividirei os três fatores em subitens.

E, por último, mesmo cientes da problematização de se tentar “encaixar” o mesmo modelo teórico a diferentes grupos sociais, acredito que seja útil para compreender os levantamentos de dados coletados em campo por meio das entrevistas que realizei. Mesmo que no futuro seja necessário readequar a teoria aqui utilizada, entendo que um modelo teórico, antes de ser refutado, necessita ser aplicado.

1. Fase pré-transplantação do yoga no Brasil

Esta fase pode ser compreendida a partir do período histórico moderno do yoga. É ainda por volta de 1890, na Índia colônia da Inglaterra, que se faz o ponto zero da fase de transplantação do yoga para outras culturas. Enquanto a Índia-britânica inicia o processo de luta por sua independência, o retorno de indianos mais abastados financeiramente, que saíram de seu país para estudar na Europa, provoca uma percepção contrastante da cultura indiana deles com a de outros países em que viveram. A Índia que estes intelectuais vão conduzir seu país passará por um processo sociopolítico e religioso que os historiadores

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indianos cunharão de Renascença Indiana. Esse período histórico da Índia promove gran-des mudanças sociais, políticas e religiosas, e o yoga se transforma agora em símbolo nacionalista de uma Índia em vistas da sua independência, e suas práticas e repercussões positivas à saúde se evidenciam.

Em 1924, as primeiras pesquisas científicas realizadas com yogues são propostas pelos próprios indianos (Swami Kuvalayananda é um exemplo), no intuito de valorizar sua cultura e mostrar ao mundo a “veracidade” do yoga por meio do método científico — ou seja, racional e lógico aos padrões de quem os colonizava — e não mais das escrituras “míticas” hinduístas, como se isso desvalorizasse o conhecimento adquirido. No Brasil, por outro lado, o quadro social em que vivíamos na fase histórica pré-transplantação do yoga no Brasil é de repressão devido ao governo militar, com torturas, exílios e alienação política. O Brasil era fortemente influenciado pela ideologia Positivista que refletia em uma medicina que tentava desmistificar as tratas populares como a indígena e a de outras religiões de caráter terapêutico, como a do espiritismo, o das religiões afro-brasileiras, assim como o início das curas milagrosas advindas das recentes igrejas neopentecostais.

2. Contato

O primeiro contato do yoga no país encontra os brasileiros não via mestres yogues indianos, mas por intermédio de esotéricos europeus pertencentes à Maçonaria, Rosa-Cruz, Teosofia e outros. É por mediação de um general e outro capitão do exército brasileiro que o yoga foi apresentado aos brasileiros desta primeira fase histórica. Das mãos de um deles em específico, Prof. Hermógenes como ficou conhecido, o yoga no Brasil ganha caráter terapêutico e se dissemina como tratamento/cura para “nervosos”, como ele mesmo denomina (Hérmogenes, 2011). Sem dúvida, a aproximação que presenciamos entre os klesas com o estresse no yoga é impulsionado no Brasil na tradução e comentários do Prof. Hermógenes.

Portanto, a primeira aproximação das práticas yoguicas com remissão de doenças é o viés mais evidente no Brasil. Credito essa veia proselitista de maior alcance do yoga entre os brasileiros às religiões em crescimento no Brasil com o mesmo caráter de cura e terapia espirituais. O yoga como espiritualidade de cura foi a sua face mais bem-aceita no Brasil— até porque é a mesma característica da pajelança, dos orixás do candomblé e, depois, da umbanda, das curas e dos passes energéticos do espiritismo kardecista brasileiro e das desobsessões neopentecostais atualmente.

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A vertente mais “ortodoxa”, de um yoga calcado na pronúncia e grafia correta do sâns-crito e na espiritualidade védica, por exemplo, não se populariza nesse primeiro momento histórico (perspectiva essa defendida por outro personagem entre os anos de 1960-2000, Mestre DeRose). Com o Prof. Hermógenes, o yoga no Brasil se dissemina emprestando os conceitos espirituais do yoga, mas traduzidos pelo catolicismo popular e pelo espiritismo. Entretanto, Hermógenes e DeRose possuíram o autodidatismo como algo em comum. O yoga, legitimado por mestres indianos, só viria a acontecer décadas depois entre os brasileiros – a partir dos anos 2000. Por isso a desvinculação do hinduísmo com o yoga no Brasil possui suas raízes, como podemos presenciar, logo em seu início. Assim, o yoga entra em contato com os brasileiros sem a legitimação da tradição religiosa hinduísta. Esse fato, como veremos, repercutirá na associação do yoga com a ciência biomédica.

3. Comparações

As primeiras comparações entre o yoga praticado e ensinado no Brasil com o indiano ocorre quase 25 anos depois de sua chegada no país – por volta dos anos de 1970-80. Este segundo momento sócio-histórico ainda não é assinalado pela vinda de mestres indianos em terras latino-americanas, mas da partida de yogues brasileiros (já professores de yoga no país) para a Índia. Esse encontro é definidor de rompimentos e contendas que persistem até hoje (2018). A comparação mais marcante que dividiu os professores de yoga brasileiros ficou a cargo da contenda entre o yogaterapia híbrido de Hermógenes, e o yoga para alta performace elitista de DeRose.

O yoga hermogeano é marcado pelo forte apelo terapêutico e cristão-espírita. Suas tradu-ções dos ensinamentos yoguicos são sincretizadas com parábolas de Jesus Cristo (que para ele foi um yogue) e a divindade Krishna. Em uma de suas incursões à Índia, para conhecer o yoga na sua fonte, se aproxima do yogue Satya Sai Baba, bastante conhecido por seus milagres curativos e materializações, transformando-se em seu devoto e divulgador na lín-gua portuguesa. O yoga deroseano, por outro lado, é avesso (propositadamente?) à yogate-rapia hermogeana. DeRose é conhecido por descrever em autobiografia que recebera todo o conhecimento do método que divulga (Swásthya Yôga) por intermédio de um espírito indiano desencarnado. Esse yoga seria pré-védico, ou seja, de um yoga praticado na Índia antes da chegada da cultura bramânica, portanto, “original” — ao menos entre seus segui-dores e a essa versão da história indiana.

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4. Ambiguidades

Fica evidente no yoga brasileiro uma maior desvinculação com a religiosidade hinduísta do que em outros países em que ele também fora transplantado — como no caso britânico, em que o yoga possui forte influência bramânica, ou nos Estados Unidos, onde os mes-tres de yoga indianos desembarcaram pessoalmente e erigiram seus próprios ashrams, sem intermediários e com claras perspectivas missionárias6. Entre os brasileiros, pelo contrário, a legitimação das práticas yoguicas ficou a cargo do esoterismo em seu primeiro momento histórico, mas depois pela ciência biomédica e sua fisiologia que investigou as práticas de yoga para arrefecer o estresse e, consequentemente, a promoção da saúde via relaxamento, que as pesquisas científicas revelam ainda hoje (Simões, 2018). Uma das ambiguidades mais evidentes vem da Ciência biomédica que acaba legitimando as práticas do yoga como “verdade” por meio de suas pesquisas que atestam os benefícios de suas práticas com poderes de cura. Talvez por decorrência dessa aproximação, o yoga como espiritualidade-terapêutica, idêntico a outras religiões no país, teceu maior identidade à aproximação com a cultura brasi-leira. Além disso, muitos cientistas que investigaram o yoga como via terapêutica são adeptos de alguma escola/linhagem de yoga/meditação, o que promulga ainda mais a yogaterapia no Brasil. É nessa fase de ambiguidades que percebemos, pelo levantamento em campo registrado, o surgir dos cientistas-yogues ou cientistas-meditadores como novos agentes espirituais no campo yoguico brasileiro.

5. Recuperações

O surgimento dos cientistas-yogues e a preocupação de alguns mentores de yoga na perda identitária de sua espiritualidade fomentou o levante de uma parcela de yogues com o intento de “resgatar” o “espírito original” do yoga indiano. Denomino essa linha de yogues como “tradicionalistas” e herdeiros do pensamento yoguico deroseano de alguma forma, mesmo que divirjam deste em posicionamentos teológicos. Esses yogues

6 Swami Sivananda, por exemplo, incentiva os seus alunos a abrirem as suas próprias organizações religiosas (que ele as intitulava de “missões”) e a divulgar esses ensinamentos em outros países. Na sua autobiografia, Sivananda dedica um capítulo aos seus ideais yoguicos, intitulado Minha Religião, sua técnica e disseminação (p.59-74), em que ensina como os seus discípulos devem proceder com as suas próprias organizações yoguicas. Esses seus ensinamentos ajudaram estas como o International Sivananda Yoga Vedanta Centres (1959), fundado por Swami Vishnudevananda no Canadá; o Yoga da Lingua-gem Oculta (1956), escola desenvolvida pela Swami Sivananda Radha (1911-1995); e o Yoga Integral, desenvolvido pelo Swami Satchidananda (1914-2002), que foi quem apresentou este método, em 1969, aos hippies durante o festival de Woodstock (ver SIVANANDA, S. 1993. Sri Swami Sivananda: Auto-biografia. São Paulo: Ed.Pensamento).

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“ortodoxos” ou tradicionalistas se distinguem dos hibridistas ou “permissivos” por estabelecerem vínculos mais fecundos com mestres yogues indianos. São verdadeiras peregrinações anuais (existentes até hoje — 2018) à Índia com o foco na imersão e “resgate” do yoga “original” que os tradicionalistas organizam. São eles que despontam entre os anos de 2015–2017 com maior visibilidade no contexto espiritual yoguico brasileiro.

O racionalismo-empírico da ciência veio proporcionando a popularização do yoga como promotor de saúde — sobretudo a dialética estresse-relaxamento (Simões, 2015). Essa foi uma das principais adaptações míticas da transplantação do yoga indiano para os centros urbanos das grandes cidades globalizadas. Com isso, podemos conjecturar que o Yogaterapia e o sincretismo religioso do Prof. Hermógenes marcaram uma tendência no país. Denominamos aqui essa vertente Híbrida no yoga brasileiro em contraposição à Tradicionalista inspirada na ideologia “ortodoxa”. Os yogues hibridistas brasileiros com-preendem toda uma ala mais permissiva a sincretismos e inovações teológicas do yoga com outras religiões e espiritualidades.

Os yogues híbridos no país também autorizaram novos “yogas” e agentes sociais a atuarem ao campo social e religioso yoguico brasileiro. A demanda, dessa forma, se diver-sificou devido a essa perspectiva mais eclética herdeira do Prof. Hermógenes. Significa que nem todos começaram, aos desavisados no primeiro contato histórico, a buscar o yoga para a transcendência e comunhão com Deus, mas para arrefecer dores nas costas, emagrecer, aumento do rendimento esportivo, se tornar um melhor executivo empresarial, etc. Por isso, o yoga brasileiro viveu bastante atrelado à perspectiva terapêutica de suas práticas e experiências. O próprio conceito de saúde desenvolveu novos pontos de vista no contexto yoguico moderno, o que contribuiu para abrir espaço para o espiritual como modelo da medicina ocidental (Alter, 2004, p. XII; Gnerre, 2010; Siegel, 2010). Mas esse vínculo yoga-ciência trouxe certa seculari-zação ao yoga, tanto que está em processo uma recuperação da “essência” do yoga via yogues ortodoxos. Um dos motivos é a abertura a novos agentes espirituais, como os cientistas-yogues, competindo com os mentores e professores de yoga brasileiros.

Não foram poucos os yogues brasileiros, entre os anos de 1990-2010 no Brasil, a levantarem a voz para a extinção “iminente” do yoga pela sua “corporificação excessiva”, mas os motivos eram outros a que se pregava. Alguns comentários de yogues abaixo atestam esse fato. Esses acontecimentos contribuíram para que diver-sas linhagens, métodos ou escolas (instituições) de yoga surgissem competindo entre si no mercado religioso brasileiro.

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Ganesh: “O yoga é uma espiritualidade originalmente. Eu gosto da palavra “resgate”. Me considero responsável pelo resgate da tradição do yoga no Brasil. Faço parte de uma tradição ancestral de yoga. Há uns malucos neo-yogues que pregam algo diferente da tradição. Se utilizam de conceitos do vedanta sem fazer parte da tradição e misturam com um pensamento mágico… Eu sou contra isso. Eu sou um guardião da tradição do yoga original. Sou seguidor de um sidantha. A minha opinião não serve para nada, pois eu falo através da tradição, não do meu ego. Me preocupo em não distorcer a palavra do vedanta, pois a visão do yoga é plenamente em si mesmo e plena. Não pode ser acrescida e nem tirada. É uma posição ortodoxa, irredutível, tenho consciência disso e não me arrependo, pois respeito a tradição. O yoga é uma visão que mostra uma possibilidade para você perceber-se vinculado com algo que você já é, e no qual você têm lampejos ou intuição, mas que você ainda não percebeu plenamente. É um método de trans-missão dessa visão da tradição”.

Hermes: “O yoga tinha uma verve de terapia no seu início aqui no Brasil. Havia aqueles que praticavam o yoga como terapia. Isso foi errado. O yoga não é uma terapia”.

Contudo, a crítica dos yogues tradicionalistas no Brasil, como os selecionados acima, pode não residir na fisicalidade do yoga em si, como tanto apregoavam os yogues tradicionalistas, mas no pragmatismo terapêutico que ele carregava. O pragmatismo terapêutico yoguico autorizou não somente os cientistas-yogues, mas xamãs da Amazônia, magos Nova Era, den-tre outros, pelo capital espiritual yoguico. Como articula o yogue Ganesh: “Há uns malucos neo-yogues que ligam algo diferente da tradição. Se utilizam de conceitos do Vedanta sem fazer parte da tradição e misturam com um pensamento mágico”.

Os yogues tradicionalistas se percebem com uma missão para esta vida: resguardar a legi-timidade do yoga como espiritualidade singular vinda das escrituras sagradas indianas; qualquer aproximação com o “novo”, ecoa heresia e precisa ser aniquilado. Esse deslocamento sensível que vem ocorrendo imprime o tom de transição e marca a chegada de novos líderes e a saída de outros. O discurso dos yogues identificados como tradicionalistas assevera essa hipótese:

Ravi: “O yoga passa por mais uma transição. A comunidade yoguica no Brasil melhorou dos tempos dos anos de 1980. Há alguns yogues de interesse sério, que falam a mesma linguagem, mas há outros que se preocuparam apenas com os ásanas (competição e moda). Yoga é para dar liberdade. Yoga é meditação. Mas no mundo moderno o yoga se desvinculou da meditação por estar muito vinculado às

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posturas que compete com a educação física e perde espaço pela incompetência dos professores de yoga. A “Americanização do yoga” é sinônimo da predominância do lado físico do yoga. Muitos esqueceram-se da meditação, desatrelou-se uma coisa da outra”.

Hermes: “Estamos em uma fase de transição da fisicalidade para a não fisica-lidade. Não há resgate do yoga, mas uma correção de direção. (…) O yoga hoje está sendo recontado por indianos, assim, passa-se por uma transição que a revisa pelo olhar dos próprios indianos. O yoga atual está todo errado, foi interpreta do incorretamente”.

Shanti: “Em 2000, eu e o Ganesh, dávamos cursos e lotava. Hoje não é mais assim. Acredito que ainda existe uma procura, mas há mais gente e tipos de yoga e assim, diminuiu a demanda. Há a concorrência com o pilates, [ginástica] funcional e novos estereótipos do yoga…”

Bento ironiza: “Todo mundo no yoga brasileiro se acha parte da centelha divina.Osiris (cientista): Há uma tribo de yogalike… querem fazer parte de um

grupo. O grupo do yoga é cool”.

Entre todos yogues, contudo, foi possível perceber uma mudança na forma como eles se percebem e à sua comunidade. Hermes diz que inclui ásanas em suas aulas, por exemplo, de forma estratégica e mercadológica, pois afirma: “As pessoas não querem yoga, querem o que vêem nas revistas” — se referindo às posturas corporais. Ele inclusive confirma incluir em sua formação de professores de yoga muito de “saúde” para satisfazer os alunos; mas depois do primeiro mês começa a mudar o discurso para incluir a mente, o inconsciente e depois a “criação do espaço mítico”. A yogue Shanti declara algo bem parecido. Ela afirma que “o yoga sempre a salva”, mas com receio de tratar do yoga como religião/espiritualidade e ser “mal interpretada”, direciona o conteúdo religioso/espiri-tual no qual acredita, durante a prática física do yoga, que ela mesma define “como um ritual em cima do mat [tapetinho de prática]”. E é esse ritual que possibilita seus alunos a “conectarem-se novamente”, completa.

Shanti: “Prefiro enganar as pessoas que o yoga não é religião, pois sei que depois da prática elas vão se sentir conectadas, e isso é religião para mim. As pes-soas do yoga não falam de religião, pois querem ter mais alunos”.

Bento: “No Brasil há um preconceito entre as religiões e os espaços de yoga. Mesmo entre os yogues, recebo muitas críticas devido às minhas relações com o

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cristianismo. Vou ser sincero com você: esse mercado do yoga é pior do que o da telefonia aonde eu trabalhava”. Centurion: “Yoga no Brasil é business. Há uma briga por poder no yoga, mesmo na Índia”.

Vishnu: “O yoga possui um mercado e por isso não se fala em religião. O yoga se divide em Estado de yoga meditativo e um Método ou Prática. Este segundo [Prática], é igual a qualquer outra religião”.

Os yogues mais tradicionalistas parecem já ter percebido que a relação estreita Ciência-Yoga, estabelecida ao longo de mais de cem anos do seu período histórico moderno, tem ultrapassado os ditames materialistas da ciência empírica. A estrutura religiosa que mantém o yoga como uma espiritualidade singular no Brasil, está marcada pelo diálogo — nem sempre pacífico, mas em equilíbrio dinâmico — entre os yogues híbridos, tradicionalistas e cientistas-yogues.

São esses três agentes sociais que conduzem, mesmo que velada, a reforma em processo da proposta espiritual ética do yoga moderno no Brasil. Essa reforma no yoga moderno vem mesclando fisiologia biomédica, inovações ritualísticas e os antigos preceitos religio-sos do vedanta. Nesse ínterim, os klesas, o samadhi e o kaivalya se inovaram.

6. Inovações

Existe uma dialética ocorrendo entre o conceito biológico do estresse com o que os yogues brasileiros o compreendem. Por isso, diferenciamos aqui o estresse-biológico do Estresse-Yoguico. O estresse-yoguico adquire o poder do “entorpecimento” ou “agitação” da mente, de alienar espiritualmente o adepto yogue brasileiro, sobretudo a alienação espiritual de quem pensa ser e de como compreende precisar viver para ingressar na ordem de Deus ou algo similar (Kaivalya, lit. libertação das agruras da vida). Em suma, o estresse para os yogues brasileiros entrevistados percebem-no os afastando da Verdade/Deus/Isvara. Essa promessa de harmonia divina é o conceito hinduísta de purusa ou jiva (que pode significar a alma em uma aproximação mais usual do senso-comum), mas readequada ao contexto moderno. Modernamente, podemos afirmar, o yoga brasileiro vem estabelecendo um diálogo com a biomedicina ocidental e sua fisiologia como seu principal ordenador de realidade.

Como manifestação transfisiológica mítica, o estresse-yoguico parece se apresen-tar como uma inovação em sua teologia que substitui (ou representa?) a moral contida nos comportamentos nefastos dos klesas de outrora (apego, aversão, medo da morte e

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orgulho), como já elencamos. O estresse ao mundo mítico moderno do yoga possui o poder nefasto de afastar os yogues do Bem. Como consequência desse sincretismo Yoga-Ciência, a doença - “produto” do estresse - parece indicar um desequilíbrio energético (transfisiológico) que pode ser curado/tratado por meio das práticas corporais yoguicas como processos rituais terapêuticos.

Shanti: “A doença tem a ver com a sua história pessoal, tem um sentido. Se eu não praticasse o yoga seria obesa e depressiva [sic]. A doença é uma desarmo-nia da energia sutil. Os chackras desalinhados repercutem em doenças. A energia (prana) circula e a sua má circulação ocasiona em doenças. O yoga é uma forma de se conectar consigo mesmo. O yoga afina o corpo, que com a doença desafina, como um instrumento”.

Ganesh: “Se a ansiedade é a dificuldade para lidar com o excesso de aprêmios no cotidiano, a depressão é a falta mais absoluta de horizontes, estímulos ou ins-piração para agir. Assim, se quisermos ficar distantes desses dois extremos, devemos encontrar o caminho do meio. Isso é chamado sattva. Yoga é um relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e precisa de relaxamento. O yoga então é uma proposta filosófica-espiritual para isso. Relaxamento é a parte inicial do yoga. Para se compreender quem se é, precisamos estar relaxados, segundo a minha tradição. Relaxar, focar, expandir, reavaliar seus paradigmas, isso é a meditação propriamente dita. Emocionalmente falando, o yoga nos ensina a colocar-se [na Ordem Cósmica?]. Isto se traduz numa postura mais serena e numa melhor disposição no cotidiano. O relaxamento e os exercícios de concentração tomam conta desta esfera. O yoga pos-sui como efeitos mais evidentes deixar o praticante em estado de equilíbrio”.

A história pessoal do Professor Hermógenes com o yoga também ocorreu por meio de uma doença: a tuberculose. Para o microuniverso yoguico brasileiro, o câncer em Shanti, a tuberculose em Hermógenes ou as origens da ansiedade e da depressão, como comentado por Ganesh nas entrevistas, possuem as suas causas em desordens energéticas transfisiológicas, fruto do estresse-yoguico, corroborando conosco. A doença manifestada física e mentalmente seria, possivelmente, apenas um sintoma de certo mal-estar de origem espiritual e cármica, sob esta perspectiva mítica em formação do yoga brasileiro. São doenças com ecos físicos, mas com fun-dações “energéticas” mais profundas.

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7. Reenquadramento das Inovações

A dicotomia entre Prática e Estado do yoga foi se evidenciando durante as minhas audições de professores e cientistas, por isso percebemos ser possível correlacionar essa disparidade apresentada da nova compreensão dos klesas com o estresse-yoguico. Os klesas, agora personificados como estresse nesta nova narrativa brasileira para o yoga, provoca uma repercussão deletéria à manifestação plena do estado de yoga-samadhi, pode ser correlacionado a um corpo menos sujeito à doenças. Esses fatos corroboram as suposições aventadas em outros capítulos, em que as práticas corporais de yoga vêm estabelecendo dialética entre terapia/cura e libertação espiritual. A mensagem implí-cita aqui está no estresse-yoguico afastando os yogues de kaivalya — a libertação final dos yogues do sofrimento humano e, consequentemente, do ciclo de reencarnações (Samsara) – o poder de ver Deus/Verdade/Isvara.

Para ser mais claro: o yoga, transplantado ao Brasil em contato com a cultura e espiritualidade já existente, é “adaptado” aos problemas sociais específicos dos brasileiros com os quais estabelece. Desse encontro é inevitável as comparações e o surgimento de ambiguidades, como a tendência do yogaterapia hermogeano em integrar-se ao cristianismo popular e às curas espirituais kardecistas, os trabalhos de pajelança ou até mesmo similaridades com o trabalho das benzedeiras do interior do Brasil. Nesse contexto de atitudes inter-religiosas com a espiritualidade yoguica estrangeira, o yoga precisou se adaptar e gerar inovações, como no caso de sua fisiologia sutil (transcendente) com a biomédica científica, e com o surgir do estres-se-yoguico como indicador (trans)fisiológico dos klesas.

A desvinculação gradual do yoga com o hinduísmo, a aproximação com a Ciência e, a consequente abertura para o despontar de novos agentes espirituais, configura o espaço para os cientistas-yogues/meditadores surgirem ao campo sóciorreligioso yoguico no Brasil. Dessas inovações, houve um processo de recuperação ou resgate da “espiritualidade esquecida” do yoga pelos yogues mais ortodoxos ou tradicio-nalistas que, assistindo a esses hibridismos (leia-se, “heresias” para essa camada do microuniverso yoguico), decidem resgatar essência indiana esquecida pelos yogues modernos. Disso, surge o estágio de reenquadramento das inovações evidenciado pela diferenciação entre Estado e Técnica de yoga identificado entre os yogues entre-vistados. O intuito em diferenciar, estaria em barrar a entrada e permanência de agentes “secularizantes”.

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Como ficou registrado na apresentação do discurso dos yogues entrevistados em campo, todos diferenciam as práticas de yoga que possuem o caráter de alcance do “estado de yoga” das outras que promovem apenas benefícios orgânicos pela apli-cação técnica do yoga. A esperança dos yogues nessa fase de “reenquadramento das inovações” estaria em distinguir o yoga enquanto “técnica” — e, assim, disponível a todos (mesmo os não-iniciados) — e as práticas promotoras de “estados” de yoga ao alcance apenas de poucos iniciados (professores e líderes). Atualmente (2018) isso se confirma com a demanda crescente de cursos, formações e capacitações nas mais diversas técnicas de meditação: Mindfulness do cientista Kabat-Zin, Programa Smart da Universidade de Harvard/EUA, além de outras práticas de meditar desvinculadas de suas tradições, leia-se Métodos. Todos têm acesso (até pela internet em cursos online) as mais diferentes técnicas de meditar, mas poucos se aventuram a fazer parte da comunidade, compreender e saber interpretar suas escrituras.

Em outras palavras, praticar uma técnica perfeitamente, mas desconectado do contexto em que ela existe como “ordenadora de realidade”, é experienciar e não compreender o que fazer com isso. Qual o propósito? Se for arrefecer os níveis crônicos do cortisol, aumen-tar neurotransmissores de “bem-estar” como dopamina, serotonina, ou hormônios como a melatonina – tanto quanto bom; mas aqui retornamos na singularidade narrativa dos yogues brasileiros, pois não há como acessar ao mundo espiritual do yoga sem o salto da fé, ou seja, sem o arcabouço mítico que organiza a realidade de sentido de vida do yoga.

Outro reenquadramento das inovações reside na elevação do caráter físico, promulgado pelos cientistas, dos benefícios que o relaxamento das práticas yoguicas promovem.

Bento: “O relaxamento é uma referência física do estado de yoga”.Ganesh: “O relaxamento é uma parte inicial do yoga. Para se compreender

quem se é, a pessoa precisa estar relaxada, segundo a minha tradição”.Shanti: “O relaxar nos ajuda a estar presentes”.Rudrá: “Não consigo pensar no yoga sem o relaxamento que ele produz”.Ravi: “O yoga é relaxamento. Relaxamento é uma característica do yoga.

Yoga é um processo de relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e precisa de relaxamento. O yoga então é uma proposta filosófica espiritual para este fim. Ficar quieto é um problema para a sociedade moderna”.

Vishnu: “O yoga é sinônimo de relaxamento. O estresse impede o estado [de yoga]”.

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Osiris: “O bem-estar que o yoga me traz me provoca o relaxamento, e o rela-xar nos ajuda a estar presentes”.

Centurion: “O yoga é a união para harmonizarmos. O yoga é a união das diversidades. O yoga nos deixa com um mental mais calmo, equilibrado”.

Em vez de resistir aos achados empíricos da fisiologia científica, os yogues brasileiros se aliam a eles e os “enriquecem” de poderes transfisiológicos e de uma nova mítica (e mística), pois agenciam o relaxamento ao nível de espiritual, portanto, fora dos ditames “racionais” da ciência. Provavelmente, e mesmo que inconsciente, por ser uma experiên-cia antagônica ao estresse, o relaxamento foi sendo (re)conduzido como indicador do “estado de yoga” legítimo, uma “experiência” fora dos limites do científico.

Conclusão

Quando o yoga indiano, calcado na cosmologia perene hinduísta, alcançou terras distantes da sua estrutura social, religiosa, política e cultural, o encontro do Outro se revelou bem mais contrastante, ofuscando a alteridade dos yogues indianos. Enquanto o yogue medieval se deteve em revelar as desigualdades da sociedade estratificada indiana e apresentar uma via espiritual para a transcendência sem diferença de castas, mas ainda sim, respeitando a ordem cósmica erigida pelos textos religiosos — e não apenas de alguns poucos escolhidos —, o yoga moderno, transplantado para sociedades cosmo-politas, seculares e privatizadas religiosamente (e muito influenciado pelo movimento religioso Nova Era), compreendeu (os yogues modernos) o sofrimento não advindo de uma cosmologia absoluta (de uma Verdade/Deus a priori), mas da ilusória liberdade que a sociedade pautada pelo consumo, individualista, cansada e da busca incessante pelo aumento do rendimento os fazem pensar (e precisar) ter.

Como denomina o filósofo coreano Byung-Chul Han (2015), vive-se em uma sociedade do cansaço, pois construímos uma forma de viver excessivamente narcísica, em uma espécie de gestão de nós mesmos. E gerenciar a própria vida (em vista a algo que transcenda essa vida) esgota a existência e destrói a sua alteridade. O reflexo no corpo são doenças consequentes de um esgotamento profundo, complementa o filósofo coreano. Dessa forma percebemos, a partir das argumentações até aqui, o Yoga estabelecendo dialética entre o Estresse-Klesa, o Relaxamento-Samadhi e a Homeostasia-Kaivalya, não como fruto do acaso ou de uma detur-pação da tradição yoguica indiana. Muito pelo contrário, mais do que uma simples retórica, a readequação em processo desses conceitos (Klesas, Samadhi e Kaivalya) na doutrina yoguica

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brasileira singular/malandra parece revelar repercussões psicofisiológicas conquistando contornos singulares. Os yogues brasileiros podem estar vindo estabelecendo uma relação dialética com uma nova visão de mundo religiosa, que pode buscar respon-der aos problemas reais da vida cotidiana (Samsara) e não “fugir” dela. A sensação do Relaxamento como experiência legitimadora de sucesso espiritual nas práticas rituais do yoga, a busca por uma espécie de Homeostasia Divina libertadora definitiva do “estresse” como obstáculo à ascensão espiritual, podem revelar um ajustamento do yoga como um novo caminho religioso no Brasil.

Como o próprio Swami Dayananda Saraswati, importante decodificador moderno das escrituras yoguicas sob a luz do Vedanta e mestre espiritual de uma nova geração de pro-fessores e mentores de yoga no Brasil, em seu livro Isvara em sua vida, no capítulo que discorre sobre a falta de conhecimento da ordem divina, menciona:

“O conhecimento de Isvara vai nos ajudar a ver como podemos relaxar na con-fiança desse mesmo Isvara (…) a compreensão de que Isvara, está manifestado na forma de jagat [lit. o Mundo], vai nos ajudar a descobrir um altar onde poderemos dissolver nosso desamparo e relaxar.” (Saraswati, 2016, p.83).

O yoga no Brasil, sobretudo, precisa começar a ser compreendido entre acadêmicos (de todas as áreas que o investigam – biológica, filosófica e das ciências humanas) mais do que uma simples atividade física, algum tipo de “neuroexpansor da mente” ou ainda uma “espiritualidade” que empresta seus símbolos a outras religiões, e mais como um novo movimento religioso em transição no campo religioso do país. A pesquisa com vistas a dimensão secular do yoga apenas, pode o diminuir em sua elegância filosófica. O yoga moderno, portanto, à luz do que vem ocorrendo no Brasil, pode ser pensado como uma nova religião em desenvolvimento surgindo no seio de sociedades que perderam a fé nas suas religiões institucionalizadas tradicionais.

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Yoga como terapia para os Transtornos Psicossomáticos:uma visão contemporânea e tradicional

Sara B. PonteInvestigadora [email protected]

PALAVRAS-CHAVE

Distúrbios Psicossomáticos; Yogaterapia; Medicina Ayurveda

SUMÁRIO

Introdução e objectivos: Os Transtornos Psicossomáticos (TPS) são dos problemas de saúde mais prevalentes na Medicina Convencional. No entanto, desde há muitos séculos, o Yoga tem sido utilizado como elemento-chave para o tratamento efetivo destes transtornos. O presente artigo visa uma revi-são sobre os TPS, considerando os aspetos epidemiológicos, manifestações clínicas, etiologia e diagnóstico, dando particular enfoque aos mecanismos etiopatogénicos e estratégias terapêuticas utilizadas no Yoga e na Medicina Ayurveda, segundo uma perspectiva contemporânea e tradicional. Material e métodos: Pesquisa realizada entre Março de 2018 e Janeiro de 2019, nas bases de dados Medline / PubMed, ScienceDirect e Google Scholar, sem data limite de publicação, na língua portuguesa e inglesa, utilizando os seguintes termos MESH: “Transtorno Psicossomático” OR “Síndrome Somatoforme” AND “Yoga” e correspondentes em inglês. Inclui também livros e textos clássicos relacionados com o Yoga e a Medicina Ayurveda. Resultados e discussão: A origem dos TPS deve-se a uma combinação entre os conflitos mentais e a repressão emocional, que causam desequilíbrios no corpo prânico do indivíduo. A abordagem terapêutica do Yoga para estes transtornos deve incluir: as etapas para a cura dos conflitos mentais, os princípios práticos de regulação dos 5 Vayus e o cultivo de uma consciência interoceptiva e de auto--observação dos processos mentais, associado a técnicas de respiração profunda.

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Yoga como terapia para os Transtornos Psicossomáticos:uma visão contemporânea e tradicional

Sara B. PonteInvestigadora [email protected]

KEYWORDS

Psychosomatic Disorder; Yoga Therapy; Ayurvedic Medicine

ABSTRACT

Introduction and objectives: Psychosomatic Disorders (PSD) is one of the world’s most common health problems in Conventional Medicine. Yoga as therapy for PSD has been practiced for many centuries in India. Here, we aim to review PSD, considering its epidemiological aspects, clinical manifestations, etiology and diagnosis; as well as to explore a deeper understanding about the etiopathogenic mechanisms of PSD and the recommended therapeutic approach, according to a traditional and contemporary perspective of Yoga. Material and Methods: Database searches were conducted between March 2018 and January 2019 for articles, published in English or Portuguese, and without time limit of publication. The MESH terms used for search were: “Psychosomatic Disorder” OR “Somatoform Disorder” AND “Yoga”, and, its correspon-dents in Portuguese. It also includes books and classic texts related to Yoga and Ayurvedic Medicine. Results and Discussion: The origin of PSD is due to a mental conflict and emotional repression, which can causes imbalances on the individual subtle energetic body. Therefore, the yogic therapeutic approach should consider the stages for mental healing, the balance of the 5 Vayus, and the cultivation of interoceptive awareness and self-observation of mental processes, associated with deep breathing techniques.

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1. Introdução

Os Transtornos Psicossomáticos (TPS), também conhecidos por Transtornos de Sintomas Somáticos ou Transtornos Somatoformes, são caracterizados por pensamentos, comportamentos e/ou atitudes relacionados com sintomas físicos (Yates, 2014; Travel, 2015; Henningsen, 2018). A preocupação exagerada para com estes sintomas físicos causa um sofrimento significativo e perturba a vida diária do indivíduo. Habitualmente, este quadro clínico pode estar relacionado, ou não, com uma condição médica diagnosticável, no entanto, é a reação exagerada do indivíduo face aos sintomas físicos, que caracteriza estes transtornos (Yates, 2014; Henningsen, 2018). Os sintomas mais frequentes incluem: cefaleias, tonturas, dor no peito, dor lombar, náuseas, dor muscular, falta de ar, calor ou frio, dormência ou formigamento em partes do corpo, constrição na garganta, astenia generalizada e/ou sentimento peso nos braços ou nas pernas, entre outros (Rebelo-Neves, Nogueira, Amaral Dias & Torgal, 2018).

Estudos recentes demonstram que a prevalência de doentes com queixas somáticas inex-plicáveis, oscila entre 16% e 50%, tornando-se uma das problemáticas mais comuns nos Cuidados de Saúde Primários (Rebelo-Neves, Nogueira, Amaral Dias & Torgal, 2018). A somatização está associada a uma incapacidade funcional do indivíduo, diminuição da sua atividade produtiva, bem como, a um uso excessivo dos cuidados de saúde (Rebelo-Neves, Nogueira, Amaral Dias & Torgal, 2018). Para além disso, sabe-se que a somatização conduz a uma carga económica anual no orçamento dos Estados Unidos da América, acima dos 100 biliões dólares (Yoshihara, 2014). Na Europa o custo dos TPS é de aproximadamente 22 bilhões de euros por ano, o que equipara estes transtornos a doenças como a Esclerose Múltipla, a Doença de Parkinson e os Traumatismo Crânio-Encefálicos (Yates, 2014).

Atualmente, assistimos a uma abertura gradual da Medicina Convencional às Medicinas Complementares e Alternativas, onde se inserem as Terapias Corpo-Mente, como o Yoga. Há muitos séculos na Índia, o Yoga é considerado um elemento-chave para o tratamento dos Transtornos Psicossomáticos (Goyeche, 1979).

De acordo com a Tradição do Yoga, os TPS devem-se à combinação de um conflito mental (Telles, Singh & Balkrishna, 2014) com a inibição ou repressão emocional do indivíduo (Frawley, 2011). Embora a Medicina Convencional não compreenda comple-tamente a sua etiologia, os TPS têm sido estudados e compreendidos durante séculos pelo Yoga e pela Medicina Ayurveda.

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O rigor e robustez das investigações realizadas na área do Yoga têm vindo a melhorar cada vez mais de qualidade, e, com isso, uma melhor compreensão neurofisiológica das técnicas utilizadas na prática de Yoga (Telles, Singh & Balkrishna, 2014). O presente artigo visa uma revisão bibliográfica sobre os TPS, considerando os aspectos epidemio-lógicos, manifestações clínicas, etiologia e diagnóstico, dando particular enfoque aos mecanismos etiopatogénicos e estratégias terapêuticas utilizadas no Yoga e na Medicina Ayurveda, segundo uma perspectiva contemporânea e tradicional.

2. Material e métodos

Foram pesquisados artigos nas bases-de-dados Medline/PubMed, ScienceDirect e Google Scholar. A pesquisa foi realizada entre Março de 2108 e Janeiro de 2019, sem data limite de publicação, com incidência em artigos escritos em português e inglês, de acordo com os seguintes termos MESH: “Transtorno Psicossomático” OR “Transtorno ou Síndrome Somatoforme” AND “Yoga”, e os correspondentes em inglês,“Psychosomatic Disorder” OR “Somatoform Disorder or Syndrome” AND “Yoga”. Foi também realizada uma revisão das referências bibliográficas incluídas em alguns dos artigos, no sentido de encontrar literatura relevante que não tenham sido revelada pelas bases de dados previamente citadas. Este artigo também incluiu livros e textos clássicos relacionados com o Yoga e a Medicina Ayurveda. Foram excluídos os artigos que não apresentassem pertinência para os objetivos propostos e perante a inexistência do artigo completo na base-de-dados consultada.

3. Resultados e discussão

No total obteve-se 136 artigos, dos quais foram excluídos 85 artigos, após a leitura dos títulos e resumos. Assim, esta revisão inclui dados referentes a 51 artigos (livros, revisões sistemáticas, meta-análises, ensaios clínicos, artigos de revisão e de opinião), publicados entre 1966 e 2018.

3.1. Transtornos Psicossomáticos

3.1.1. Epidemiologia

Os Transtornos Psicossomáticos podem manifestar-se durante a infância, a adolescên-cia ou na fase adulta. Estudos recentes estimam que a sua prevalência varia entre os 7 a 11,6% (Kurlansik & Maffei, 2016).

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  3.1.2. Manifestações clínicas e etiologia

Os Transtornos Psicossomáticos apresentam um espectro clínico variável e podem manifestar-se com os seguintes sintomas: dor muscular e/ou articular, dor lombar, cefa-leias de tensão, fadiga, dor torácica, palpitações, dispepsia, síndrome do cólon irritável, tonturas, insónias (Yates, 2014).

A sua etiologia não é consensual e continua a ser alvo de investigações (Kurlansik & Maffei, 2016; Henningsen, 2018). Existem diferentes modelos explicativos dos TPS, nomeadamente, os que defendem mecanismos psicodinâmicos descenden-tes (top-down), i.e. manifestações fisiológicas derivadas de uma ativação psicogénica (Henningsen, 2018), ou mecanismos ascendentes (bottom-up), onde após uma ativação dos receptores nociceptivos ou de outros sensores periféricos ocorre uma amplificação de fatores neurofisiológicos centrais ou psicossociais (Henningsen, 2018).

Um outro modelo defendido por Henningsen (2018), Van den Bergh (2017) e Wiech (2016) descreve os TPS como um distúrbio da percepção. Estes autores defendem que a percepção é determinada por expectativas e previsões individuais, que por sua vez são desencadeados por uma ativação nociceptiva em contacto com o meio exterior, ou seja, a experiência percepcionada consiste num processo inferencial em que a informação prévia é utilizada para gerar expectativas (sobre as percepções futuras) e para interpretar a entrada sensorial. Este modelo poderá ter implicações na abordagem terapêutica e preventiva dos TPS, pois enfatiza a importância da modifi-cação das expectativas e da atenção dada aos sintomas físicos.

Fava et al (2017) afirmam que existem factores psicossociais predisponentes dos TPS. Abaixo, encontram-se assinalados alguns factores psicossociais conhecidos como triggers para o desenvolvimento deste tipo de transtorno:

- Eventos de vida traumáticos, como a perda de um ente querido ou a perda de uma parte do corpo ou função corporal;

- Antecedentes de negligência na infância ou de abuso sexual;

- Sobrecarga laboral ou exaustão emocional. Muitas vezes, os pacientes negam quei-xas entre a sobrecarga alostática e o surgimento de sintomatologia, pois desconhecem a latência entre a acumulação de stress crónico e o início de sintomas (exemplo: “Ontem, tive sintomas intestinais, no entanto, foi um dia fácil no trabalho. Nos dias anteriores, que

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foram dias terríveis e muito exigentes, não tive sintomas!”). O agravamento dos sintomas durante o fim de semana e o período de férias é uma manifestação comum desta latência;

- Estilo de vida caótico e antecedentes pessoais de consumo abusivo do álcool e/ou de drogas.

3.1.3. Diagnóstico

O diagnóstico dos TPS representa um desafio tanto para o médico como para quem sofre com os sintomas somáticos, pois os pacientes muitas vezes são sujeitos a exames complementares de diagnóstico e tratamentos desnecessários. A Associação Americana de Psiquiatria (2016) define três critérios de diagnóstico dos Transtornos Psicossomáticos, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, 5ª Edição (DSM-V). A Tabela 1 discrimina estes três critérios (A, B ou C), dos quais pelo menos um, deve estar presente para a confirmação do diagnóstico.

Tabela 1 Critérios de diagnóstico dos Transtornos Psicossomáticos

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3.1.4. Tratamento

O tratamento dos Transtornos Psicossomáticos requer uma abordagem multidisci-plinar e adaptada a cada indivíduo (Kurlansik & Maffei, 2016). As estratégias terapêuti-cas aconselhadas pela Associação Americana de Psiquiatria para este tipo de transtorno incluem:

- Atendimento personalizado;

- Comportamentos preventivos de doença e um estilo de vida mais saudável;

- Técnicas psicoterapêuticas;

- Psicofarmacologia dirigida à clínica.

A Tabela 2 assinala cada uma das abordagens terapêuticas supramencionadas, bem como especifica os diferentes tipos de intervenção.

Tabela 2 Estratégias terapêuticas convencionais para os transtornos Psicossomáticos

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Investigações recentes enfatizam a importância da relação médico-paciente no processo de cura deste tipo de transtornos. As expectativas, preferências e motivações pessoais construídas ao longo da interação médico-paciente constituem variáveis que podem influenciar positivamente os resultados do tratamento (Fava, Fiammetta & Nicoletta, 2017; Grover,1994). 

3.2. Yoga

3.2.1. Investigação Científica

O Yoga é uma ciência ancestral, com origem na Índia, que integra princípios éticos e filosóficos, associados a uma prática regular de exercícios posturais, técnicas respiratórias, de relaxamento e/ou de interocepção (Subramanya & Telles, 2009). Patanjali define o Yoga como uma prática que permite a restrição das flutuações da consciência, que obje-tiva silenciar ou frenar a turbulência mental, de forma a alcançar a transcendência do ego. Trata-se de uma prática que auxilia o desenvolvimento holístico e integrado do “Eu”, através da reformulação das prioridades pessoais e da transformação dos comportamentos em prol de hábitos de vida mais conscientes e saudáveis (Singh, 2006).

O número crescente de publicações sobre os efeitos do Yoga tem contribuído para melhorar o conhecimento sobre o seu potencial terapêutico, bem como para o desenvolvimento científico da medicina psicossomática. Groover (1994) na sua revisão explicita alguns efeitos fisiológicos (melhoria das funções respiratória, car-diovascular, renal e termorregulatória) e bioquímicos (redução dos níveis de cortisol sérico e melhoria da função adrenocortical) observados após programas de 4 a 6 semanas de yoga, em indivíduos saudáveis. Este mesmo autor também reportou os efeitos positivos do yoga na redução da atividade do sistema nervoso simpático, e, por conseguinte, no desenvolvimento de uma maior capacidade regulatória para o res-tabelecimento homeostático após um episódio de sobrecarga de stress.

Uma revisão sistemática e meta-análise recente sobre os efeitos fisiológicos de intervenções baseada em mindfulness, tal como o yoga, reportaram um aumento da atividade parassimpática e diminuição da neuroactividade simpática, avaliada através da variabilidade da frequência cardíaca e do doseamento da alfa amilase (Heckenberg, 2018).

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Um ensaio clínico randomizado, publicado em 2011, estudou uma amostra popula-cional de 150 mulheres, que sofriam de distúrbios menstruais. Este estudo demonstrou uma melhoria significativa, em comparação com o grupo controlo, das queixas álgicas (p <0,006), dos sintomas gastrointestinais (p <0,04), sintomas cardiovasculares (p <0,02) e sintomas urogenitais (p <0,005) após a prática regular de Yoga Nidra, durante 6 meses (Rani, 2011).

Yoshihara e os seus colaboradores (2014) realizaram um ensaio clinico, não con-trolado, prospectivo, de braço único, que avaliou os efeitos de um programa de 12 semanas de Yoga, em 24 mulheres saudáveis e sem experiência prévia de Yoga. Este ensaio concluiu que a prática regular de Yoga reduz significativamente os índices de somatização e indicadores relacionados com a saúde mental (ansiedade, depressão, raiva e fadiga). Adicionalmente, também demonstraram um efeito positivo do Yoga na pre-venção de sintomas psicossomáticos em mulheres saudáveis.

A publicação de Sutar, Yadav & Desai (2016) evidenciou uma diminuição estatisticamente significativa da intensidade da dor severa após a prática regular de 12 semanas de Yoga. A média do score da Escala Visual Analógica reduziu de 7.24 para 2.88, bem como, a média do score do questionário Brief Pain Inventory, reduziu de 7.71 para 3.26.

A literatura também tem demonstrado os benefícios terapêuticos das técnicas respira-tórias utilizadas durante a prática de yoga (pranayamas), principalmente os exercícios que mobilizem a ação diafragmática, com tempos expiratórios longos (Han, 2000; Han, 1996; Grover,1994). A utilização destas técnicas respiratórias permite uma redução significativa das queixas somáticas, dos níveis de ansiedade, da frequência e intensidade de ataques de pânico e uma melhoria da capacidade individual para responder positivamente a situações de stress (Han,1996).

3.2.2. Mecanismos do Yoga

3.2.2.1. Perspectiva Contemporânea

De acordo com Vahaia et al (1973), o Yoga não atua diretamente na modificação dos sintomas somáticos, mas sim, na regulação do sistema nervoso autónomo e somático, influenciando, indiretamente, a atividade dos processos do pensamento.

As terapias corpo-mente, como o Yoga, atuam a diferentes níveis, desde a expressão genética celular até à regulação inter-hemisférica do Sistema Nervoso Central (Vahaia,

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1973; Grover, 1994). Em 2010, Taylor e os seus colaboradores explicaram os mecanis-mos subjacentes do Yoga, segundo uma perspectiva neurofisiológica: (a) reorganização de estruturas corticais e subcorticais, bem como, melhor equilíbrio inter-hemisférico; (b) regulação central das funções autonómicas e imunológicas; (c) re-padronização dos mecanismos homeostáticos interoceptivos primários e das funções cerebrais superiores; e (d) modulação dos fatores epigenéticos, como os fatores de crescimento ou hormonais. Estes quatro mecanismos são influenciados de formas diferentes ao longo da prática do Yoga, através dos exercícios de imagética, relaxamento corporal, alinhamento corporal e técnicas de respiração profunda (Taylor, Goehler, Galper, Innes & Bourguignon, 2010).

No que diz respeito aos benefícios endocrinológicos, durante a prática de Yoga há uma libertação de β-endorfinas e repadronização dos neurotransmissores ligados ao humor, como a dopamina e a serotonina, acrescido de uma ativação do sistema nervoso parassimpático. Este aumento da parassimpaticotonia facilita a ação inibitória do sistema GABA (neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central), bem como a inibição das vias cerebrais críticas de resposta ao stress, fight-or-flight response (Garg, Ramya, Shankar & Kutty, 2015).

3.2.2.2. Perspectiva Tradicional

Os textos tradicionais assinalam como factores etiopatogénicos dos TPS os conflitos mentais (Telles, Singh & Balkrishna, 2014) e o processo de inibição/repressão emocional (Frawley, 2011). Estes últimos são responsáveis por desequilíbrios da energia vital sub-til, o prana (Frawley, 2011). Neste âmbito, para a compreensão das linhas estratégicas terapêuticas dos TPS segundo o Yoga, primeiro, será necessário responder às seguintes interrogações: “Como o Yoga e a Medicina Ayurveda definem a psicologia humana?” “Como os conflitos mentais e emocionais influenciam a esfera prânica humana?” “Como as emoções reprimidas podem ser responsáveis por sintomas somáticos”?

Seguindo este raciocínio será possível a definição de uma metodologia diagnóstica individualizada e de uma abordagem terapêutica holística e dirigida às diferentes mani-festações dos TPS, segundo os princípios da Yogaterapia.

Como o Yoga e Medicina Ayurveda definem a psicologia humana?

A filosofia Ayurveda defende uma hipótese unificadora que relaciona o funciona-mento do universo a toda a matéria viva e não viva. Acredita que os animais, humanos e

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as plantas, na hierarquia da evolução cósmica, provêm da mesma matéria (Chopra, 2002). Os Gunas constituem três qualidades omnipresentes e não-materiais que governam todas as formas de matéria, nomeadamente, a consciência ou inteligência (Sattva), o movi-mento ou a ação (Rajas) e a inércia que os resiste (Tamas).

Estas três qualidades espelham o estado mental e espiritual de cada indivíduo, permitindo conhecer a susceptibilidade para desenvolver determinados problemas psicológicos. Enquanto Sattva relaciona-se com lucidez, na qual percepcionamos a verdade dos acontecimentos, este também se associa à luz, concentração e devoção (Frawley, 2011; Chopra, 2002).

O Rajas e o Tamas são fatores de desarmonia mental, causando agitação, confusão e ilusão. Rajas dá origem à ilusão e alienação interior, é o responsável pela busca perpétua do prazer sensorial, que ambiciona alcançar a felicidade efémera. Rajas cria o desejo, a dor, a agitação, a dissipação de energia e a labilidade emocional. Por outro lado, Tamas é responsável pela ignorância, que oculta a nossa verdadeira essência e fragiliza o nosso discernimento. Tamas permite a criação do ego e a separação do indivíduo do mundo exterior. Por conseguinte, Tamas relaciona-se com o sentimento de solidão, isolamento social, estagnação, decadência e morte (Frawley, 2011).

Os gunas podem ser também interpretados como vectores energéticos que se influenciam mutuamente: Rajas provoca a sobre-expressão de energia, o que por ven-tura poderá conduzir à exaustão, onde Tamas prevalece. A Medicina Ayurveda explica o funcionamento da mente, como um processo dinâmico entre estes três vectores. A mente transforma a ação de Tamas em Rajas e, eventualmente, de Rajas para Sattva. Tal significa transitar de um estado ignorante, de estagnação e fisicamente orientado (Tamas) para uma condição de vitalidade, dinamismo e auto/hetero-expressão (Rajas). Finalmente, Rajas transita para um estado Sattvico de paz, de iluminação e de restabe-lecimento físico e mental (Frawley, 2011).

Importa salientar que todos nós possuímos características tamásicas, rajásicas e sattvicas na nossa mente. Até certa medida, todos nós precisamos de cada um dos três gunas. Por exemplo, sempre que estamos mentalmente aborrecidos ou emocionalmente deprimidos, Tamas é predominante. Rajas prevalece quando estamos agitados, perturbados e muito ocupados trabalhando em vários projetos. Sattva prepondera quando estamos calmos e satisfeitos, ou quando naturalmente mergulhamos num estado meditativo e/ou contem-plativo (Frawley, 2011).

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Como cada um de nós possui os três gunas, as etapas da prática de Yoga para a cura dos conflitos mentais devem incluir estes três elementos:

Etapa 1. Quebrar o Tamas: pretende-se a eliminação do cansaço e do embotamento psicológico, bem como a dissipação de toxinas. O praticante de yoga deve orientar a sua atenção para o corpo físico, com vista à remoção da inércia acumulada. Esta etapa deverá conduzir ao reconhecimento do sofrimento e da dor individual.

Etapa 2. Acalmar o Rajas: visa o redireccionamento da atenção do corpo físico para a mente e para as emoções. Recomenda-se a aceitação do sofrimento, bem como o cultivo do desapego às mágoas e tristezas individuais.

Etapa 3. Nutrir o Sattva: O corpo deve ser extensamente esquecido e o prana mantido em repouso (por exemplo: savasana). Propõe-se que o praticante cultive um estado medi-tativo e aprenda a transcender as limitações da condição humana.

A Figura 1 resume as etapas basilares para uma prática de yoga dirigida ao tratamento dos Transtornos Psicossomáticos. Os princípios basilares desta estratégia assentam no reforço das qualidades sattvicas e na diminuição dos vectores rajásico e tamásicos.

Fonte: Fluxograma baseado na teoria da cura dos conflitos mentais de Frawley, 2011.

Figura 1 Etapas da prática de Yoga para a cura dos conflitos mentais

Como os conflitos mentais e emocionais influenciam a esfera prânica?

Para melhor compreender o Prana e os seus subtipos, é importante que o leitor se familiarize com determinados conceitos basilares da Medicina Ayurveda.

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Toda a atividade biomotora, metabólica e reguladora da homeostase do organismo humano é definida pelos Doshas, três humores biológicos, grosseiramente equiparados aos humores do sistema Grego - Vata, Pitta e Kapha (Singh, 2018; Chopra, 2002). Os Doshas encontram-se, portanto, associados ao potencial patogénico dos humores. Vata significa “vento”, Pitta “bílis” e Kapha “muco ou fleuma”. Estes constituem as principais formas causadoras de dor e/ou doença no organismo. O “vento” causa secura, rigidez, nervosismo e debilidade; a “bílis” causa infecção, inflamação, hemorragia e febre, ao passo que o “muco ou fleuma” causa congestão, edema e obesidade (Frawley & Summerfield Kozak, 2003).

Estes três humores, apesar de apresentarem um carácter flutuante em cada ser humano, conferem um tipo constitucional, consoante a sua predominância, que poderá ser uni, bi ou tridosha. Os Dosha revelam também implicações psicológicas, semelhantes a traços de personalidade e/ou tendências para vivenciar determinados estados emocionais (Frawley & Summerfield Kozak, 2003).

Em particular, o Vata é considerado o principal dos três Doshas, pois representa todos os tipos de movimentos, percepções e atividades psicofisiológicas. (Singh, 2018; Chopra, 2002). Este Dosha relaciona-se com o Prana ou Energia Vital, sendo por isso encarado como um movimento ou função que se pode manifestar em 5 subtipos, conhecidos por 5 Prana Vayus ou “Ventos” (Frawley & Summerfield Kozak, 2003).

Os 5 Vayus actuam de forma síncrona e possuem ações específicas na nossa estrutura orgânica e psicológica (Niranjanananda Saraswati, 2009):

● Prana Vayu, significa literalmente “ar em movimento para frente”. Apresenta um movimento de dentro em direção ao centro do corpo. É responsável por receber os ele-mentos que entram no organismo (comida, líquidos e ar), bem como todas as percepções sensoriais e experiências mentais. O Prana é propulsor por natureza e a força motriz de todos os outros Vayus. Governa a região desde a base da garganta até ao diafragma e localiza-se especificamente no coração ou centro do peito. Permite a manutenção da temperatura corporal e normal funcionamento de órgãos vitais, como o coração e o pul-mão. Uma depleção do Prana Vayu é um fator determinante para o desenvolvimento de astenia ou de problemas como a síndrome da fadiga crónica.

● Apana Vayu, significa “o ar que se afasta”. Apresenta um movimento para baixo e para fora. É responsável pela função de ejecção ou de eliminação das toxinas do organismo,

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atuando, assim, no sistema urinário, digestivo e genital. Governa a metade inferior do abdómen até ao pavimento pélvico e localiza-se especificamente no centro da região pélvica. Apana é também a força motriz no processo de reprodução. O seu normal fun-cionamento é tão vital quanto o do Prana Vayu, pois o seu desequilíbrio poderá causar problemas digestivos, urinários ou reprodutores, bem como falta de motivação, indecisão e confusão mental.

● Samana Vayu, significa “o ar do equilíbrio”, atuando na regulação da ação entre o Prana Vayu e o Apana Vayu. Governa a região entre o umbigo e o coração e localiza-se especificamente no plexo solar. Apresenta um movimento da periferia do corpo para o core e é responsável por funções como a digestão e a assimilação de nutrientes, bem como a hematose pulmonar. Na tradição do yoga, a função digestiva está intimamente ligada ao processamento mental, particularmente, a discriminação e o julgamento.

● Udana Vayu, apresenta um movimento ascendente. Governa a região da garganta e da cabeça e localiza-se especificamente na garganta. Apresenta funções motoras, de equilíbrio, bem como funções sensoriais, a nível dos olhos, ouvidos e nariz. Relaciona-se com o movimento expiratório, com a fala e a produção do som. Na região da cabeça, a sua função é mental e expressa-se sob a forma de ideias e de comunicação. Quando Udana Vayu encontra-se desequilibrado a fala é desarticulada, pode ocorrer descoorde-nação motora e incoerências na lógica de ideia. Os desequilíbrios deste subtipo também podem causar obstáculos da autoexpressão ou repressão emocional.

● Vyana Vayu, significa “ar que se move para fora”. Apresenta um movimento do centro do corpo para a periferia. Não tem uma localização específica e, portanto, governa todo o corpo. Permite a coordenação, o equilíbrio, a integridade física e coesão dos ner-vos, veias, artérias, músculos e articulações. Coordena toda a atividade neurosensorial e percorre toda a rede de 72.000 nadis (canais/passagens nos quais circula o prana no corpo).Os arrepios e transpiração, e todas as ações e reações da pele são manifestações deste Vayu. Quando desequilibrado a coordenação entre mente e corpo sofre, os pensa-mentos tornam-se desarticulados, flutuantes e desconectados.

Os textos tradicionais também explicam que cada Vayu desencadeia certas emoções e nutre certos estados mentais. Os mecanismos prânicos subjacentes aos distúrbios psicoló-gicos originam-se com a perturbação do Prana Vayu, através da formulação de impres-sões erradas ou dos pensamentos/emoções negativas. Em segundo lugar, as funções de digestão de Samana Vayu tornam-se perturbadas devido às percepções mentais ilusórias e

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de discriminação errónea. Por conseguinte, a dinâmica funcional dos três restantes Vayus (Apana, Udana e Vyana) torna-se disruptiva ou bloqueada (Frawley, 2011).

O desequilíbrio de um determinado tipo de Vayu pode ocorrer em simultâneo com uma deficiência/excesso, ou mesmo, uma combinação de desequilíbrios de diferentes Vayus. Por exemplo, se uma pessoa padece de obstipação crónica, tal pode dever-se a uma deficiência do Apana Vayu e/ou um excesso de Samana Vayu. Deste modo, a estra-tégia terapêutica do Yoga deve incluir técnicas que reforcem o Apana Vayu e dispersem o excesso do Samana Vayu (Frawley & Summerfield Kozak, 2003).

Como as emoções reprimidas podem ser responsáveis por sintomas somáticos?

A maioria dos indivíduos durante a sua infância é condicionado a não expressar emoções negativas. Como resultado, desde cedo começam a reprimir manifestações emocionais que são naturais e espontâneas a todos os seres humanos.

Sendo as emoções reprimidas responsáveis pela tendência vivencial de determinados conflitos mentais, considera-se que o mecanismo etiopatogénico neste caso é semelhante ao descrito anteriormente. Assim, a emoção reprimida é responsável por uma disfunção da esfera prânica e, consequentemente, conduz a perturbações do normal funcionamento do nosso organismo (V. Lad, 1984).

A própria constituição do indivíduo (tipo de Dosha) determina a sua predisposição para desenvolver determinados tipos de doenças e emoções. Por exemplo, o medo e a ansiedade estão associados a um esgotamento do tipo constitucional - Vata, que tende a manifestar-se através de alterações da flora do cólon, queixas de distensão abdominal e cólicas. Para além disso, os desequilíbrios Vata cursam com uma depleção da resposta imunitária - Agni e, consequentemente, com a agudização de doenças autoimunes (exemplos: asma, psoríase, artrite reumatoide, esclerose múltipla, o lúpus eritematoso sistémico, a doença inflamatória intestinal, entre outras). A raiva reprimida está associada a um agravamento do tipo consti-tucional - Pitta. Este tende a manifestar-se através da disfunção da vesícula biliar, dos ductos biliares e do intestino delgado, episódios de gastrite aguda/crónica e inflamação da mucosa jejuno-ileal. Por último, os indivíduos de constituição Kapha são mais suscetíveis a reprimir emoções como a ganância, a inveja e os apegos. Estes sofrem preferencialmente de tosse, frio, congestão e sibilância (V. Lad, 1984).

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3.2.3. Abordagem terapêutica do Yoga

Satyananda (1996) define o yoga como uma ciência da vida, ou seja, um modo de viver que deve ser incorporado diariamente de forma a equilibrar e harmonizar todos os domínios da pessoa: o físico, o mental, o emocional e o espiritual.

Através da prática regular do Yoga, associada a um regime dietético vegetariano (satt-vico) e a um estilo de vida ativo e saudável, é possível a recuperação e manutenção de um estado integral de saúde (Goyeche, 1979; Frawley, 2011).

Assim, a utilização do Yoga como terapia, impõe uma compreensão holística do ser humano, através da utilização das suas diferentes técnicas terapêuticas. O presente artigo aborda apenas quatro destas técnicas terapêuticas por constituírem as reportadas na literatura com evidência terapêutica nos TPS, nomeadamente, os asanas (posturas psicofísicas praticadas de forma confortável e estável; Satyananda,1996), pranayamas (exercícios respiratórios), meditação (treino mental que visa um fluxo regular do pen-samento em relação ao objecto de concentração; Sivananda, 1966) e mudras (gestos ou atitudes psíquicas, emocionais, devocionais e/ou estéticas; Satyananda,1996).

3.2.3.1. Asanas

As recomendações terapêuticas dos asanas para uma abordagem efetiva dos TPS devem considerar a ação combinada dos cinco Vayus (Figura 2), complementada com as etapas definidas para a cura dos conflitos mentais (Tabela 3).

Assinala-se que, durante a prática de asanas a intensidade e tipologia dos movimentos prânicos devem variar de acordo com o desequilíbrio prânico, bem como com o Dosha de cada indivíduo. Como podemos constatar na Figura 2, deve-se considerar a introdu-ção de movimentos energizantes (para tonificar o Prana Vayu), movimentos de expansão (para tonificar o Vyana Vayu), contração (para tonificar o Samana Vayu), ascensão (para tonificar o Udana Vayu) e movimentos descendentes (para tonificar o Apana Vayu).

Adicionalmente, devemos ter em consideração a ação sinergética dos cinco Vayus e da sua ação em pares. Os vectores energéticos verticais (plano sagital) aumentam o Udana Vayu e diminuem o Apana Vayu e vice-versa, enquanto os vetores horizontais (plano transversal) aumentam o Vyana Vayu e diminuem o Samana Vayu, e vice-versa.

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Tabela 3 Asanas terapêuticos recomendados segundo as etapas definidas para a cura dos conflitos mentais.

Figura 2 Relação entre os sintomas psicossomáticos, os distúrbios por excesso dos Vayus e os asanas terapêuticos correspondentes a cada distúrbio

Fonte: Esquema baseado no subcapítulo “Energetics of the five pranas” de Frawley e Summerfield Kozak, 2003.

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Por exemplo, o Trikonasana, é uma postura que permite ativar a função energética dos cinco Vayus em simultâneo: o Apana Vayu exerce uma ação descendente pelos membros inferiores, enraizando-se através dos pés em contacto com o chão, enquanto o Udana Vayu alonga a coluna vertebral desde a região sagrada até ao occipital. Em paralelo, o Samana Vayu auxilia na torção do centro do abdómen para fora e o Prana Vayu permite a expansão da cavidade torácica e aumento da capacidade pulmonar funcional. Todas estas ações convergem na função do Vyana Vayu que se celebra através da extensão dos braços (Heileman, 2017). Deste modo, sugere-se a designação do Trikonasana, como o Asana de Ouro dos TPS, conjuntamente com o desenvolvimento da atenção plena e do domínio de técnicas respiratórias, que integram um movimento expiratório prolongado e profundo.

3.2.3.2. Pranayamas

Frawley (2011) recomenda para os TPS o desenvolvimento da atenção plena e con-centração nos movimentos respiratórios, nomeadamente, incluir técnicas de pranayama como:

• Kapalabhati - Para quebrar Tamas e eliminar toxinas.

Contra-indicações: doença coronária, hipertensão arterial, epilepsia, status-pós acidente vascular cerebral, status-pós cirurgia abdominal, hérnia abdominal ou gravidez.

• Nadi Shodhana com ou sem Kumbhaka - Para reforçar o movimento expiratório. Auxilia na regulação do hemisfério esquerdo e direito do cérebro, bem como, do sistema nervoso neurovegetativo. Reduz os níveis de stress, ansiedade e a frequência de ataques de pânico. Contra-indicações: doença coronária, hipertensão arterial, gravidez, úlcera péptica. Evitar quando há constipações ou gripes.

• Bhramari - Para aliviar o stress e a hipertonicidade muscular. Contra-indicações: otites externas ou médias agudas ou crónicas.

3.2.3.3. Meditação

A Medicina Ayurveda aconselha a observação atenta das emoções com desapego, seguido de um processo de identificação, vivência, aceitação e da sua dissipação. Assim, durante a prática de meditação, as emoções negativas devem ser observadas e vivenciadas corporalmente (consciência interoceptiva). Após um reconhecimento

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mental e de aceitação das emoções indesejadas/reprimidas, estas devem ser dissipa-das (Frawley, 2011).

Sublinha-se que este processo também se correlaciona com as etapas da prática de Yoga mencionadas anteriormente. Por exemplo, quando um sentimento de raiva emerge, o praticante deve estar completamente consciente disso, observar esta emoção à medida que se manifesta corporalmente, do começo até ao fim (Etapa 1. Quebrar o Tamas). Através da sua observação, há um processo individual de aprendizagem sobre a natureza da própria raiva (Etapa 2. Acalmar o Rajas), e posteriormente, proceder à sua dissipação e libertação (Etapa 3. Nutrir o Sattva). Este exemplo, espelha como os conceitos terapêuti-cos da Medicina Ayurveda e do Yoga se interrelacionam na perfeição.

3.2.3.4. Mudras

O mudra ou gesto Vaayu-shaamak Mudra (Figura. 3): permite melhorar os níveis de ansiedade, regular a ação de glândulas suprarrenais hiperativas e diminuir contracturas e espasticidades. Indicado para tratar transtornos associados ao stress, ansiedade, irritabilidade, falta de concentração, labilidade emocional, zumbido, vertigem, tonturas, palpitações, soluços, espasmos musculares, cãibras, obstipação e/ou flatulência (D. Gala, 2007).

Embora possa ser realizado a qualquer altura do dia, Gala (2007) recomenda como tempo ideal para a sua prática o período entre as 2 e as 6h ou entre as 14h e as 16h, para a obtenção de melhores resultados. Como precauções, o mesmo autor apenas assinala a sua descontinuação, após a melhoria dos sintomas.

Fonte da Imagem: http://apptya.blogspot.com/2010/07/vaayu-shaamak-or-vaayu-mudra.html

Figura 3 Vaayu-shaamak Mudra

3.2.4. Yoga e outras terapias

A maioria da literatura internacional recomenda o Yoga como uma terapia comple-mentar aos métodos convencionais (S. Garg, C. S. Ramya, V. Shankar & K. Kutty, 2015; R. Sutar, G. Desai, S. Varambally & B.N. Gangadhar, 2016).

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Grover et al (1994) assinala três estudos experimentais, tipo pré-post intervenção, que compararam o Yoga (programa terapêutico de 2 meses, 6 sessões por semana, de 45 a 60 minutos) com a farmacoterapia, em indivíduos com TPS. Para avaliar as intervenções utilizou-se: uma escala de melhoria clínica (“Clinicians’ rating of improvement”) e três questionários psicométricos (“Taylor Manifest Anxiety Scale”; “Hamilton’s Depressive Inventory” e “Bell’s Social Adjustment Scale”). Como resultados, o grupo da farmacote-rapia obteve uma melhoria significativa na escala clínica, comparativamente ao grupo de yoga. No entanto, os resultados psicométricos revelaram uma melhoria significativa para o grupo de yoga no que concerne aos níveis de ansiedade e capacidade de ajustamento social.

A evidência da associação do Yoga com a farmacoterapia nos TPS permanece escassa e necessita de ser investigada. No entanto, sabemos que fármacos como os ansiolíticos ou os antidepressivos diminuem o feedback de estimulação proprioceptiva e/ou interoceptiva e podem reduzir o estado de vigília do indivíduo (A.N. Singh, 2006). Perante a introdução do Yoga como terapia complementar, ao plano terapêutico habitual da medicina convencional, é pertinente, em investigações futuras, responder aos seguintes desafios: Será que o Yoga auxilia na redução da dependência farmacológica? Serão os benefícios do Yoga prejudica-dos pelos efeitos colaterais dos medicamentos? Se sim, quais as condições patológicas onde é aconselhado o desmame da medicação psicotrópica ao iniciar um programa de Yogaterapia?

4. Conclusão

Em conclusão, a origem dos transtornos psicossomáticos deve-se a uma combinação entre os conflitos mentais e a inibição/repressão emocional, que causam desequilíbrios no corpo prânico, ou seja, uma desregulação do sistema nervoso autónomo e somático. A abordagem terapêutica do Yoga para estes transtornos deve considerar não só as etapas para a cura dos conflitos mentais, mas também os princípios práticos para a regulação dos 5 Prana Vayus e o cultivo de uma consciência interoceptiva e de auto-observação dos processos mentais, associado a técnicas de respiração profunda.

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FICHA TÉCNICA

Nome: Yoga Dharma – Revista de Estudos sobre o Yoga Antigo e Moderno

Registo ERC: Nº 127203

ISSN 2184-4429

Diretor e EditorPaulo Hayes (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; Universidade de Lisboa)

Editor AssociadoShiv Kumar Singh (Centro de Estudos Indianos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Comissão Científica

António Hawthorne Barrento (Universidade de Lisboa)

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Edgard Leite (Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

Paulo Mendes Pinto (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias)

Rita B. Domingues (Universidade do Algarve)

Roberto Simões Serafim (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

Comissão Editorial Pamela Siegel (Universidade Estadual de Campinas)

Paula Boaventura (Universidade do Porto)

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Silas Guerriero (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

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Diretor-adjuntoAna Hayes

Design GráficoInês Silva Ana Ponte - Corpo de Revista

Propriedade, Redação e EdiçãoPaulo Alexandre G. Silva HayesRua do Moinho Novo, 11, 4ºE - 2710-704 SintraTelefone: 914843802 E-mail: [email protected]

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